cso4.pdf

112
www.metodista.br 2 o semestre de 2010 - 2 a edição Licenciatura em Ciências Sociais Relações mundializadas, neoliberalismo e sociabilidade humana Organizadora Luci Praun

Upload: luci-praun

Post on 27-Dec-2015

22 views

Category:

Documents


1 download

TRANSCRIPT

Page 1: CSO4.pdf

ww

w.m

etod

ista

.br

2o semestre de 2010 - 2a edição

Licenciatura em

Ciências Sociais

Relações mundializadas, neoliberalismo e sociabilidade

humanaOrganizadora

Luci Praun

Page 2: CSO4.pdf

expe

dien

te

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) (Biblioteca Central da Universidade Metodista de São Paulo)

Coordenação do Curso de Graduação Licenciatura em Ciências Sociais - EAD Luci Praun Organizadora Luci Praun

Professores Autores Cristiane Gandolfi Frederico Pieper Pires Luci Praun Mara Pavani da Silva Gomes Marcelo Silva Carvalho Oswaldo de Oliveira Santos Junior Paulo Barrera Rivera Verónica Aravena Cortes

Assessoria Pedagógica Adriana AzevedoPatricia BrechtRosangela Spagnol FedoceTaís Rios Salomão de Souza

Coordenação Editorial Luci Praun

Editoração Eletrônica Bruno Farias Silva Bruno Tonhetti Galasse Fernanda Nadaletto Medici Natália Casanova Nathália B. de Souza Santos Estúdio ABC Capa Cristiano Leão Revisão Eliane Viza Bastos Barreto

Impressão Assahi Gráfica e Editora Ltda. Data desta edição 2o semestre de 2010

Universidade Metodista de São Paulo Relações mundializadas, neoliberalismo e sociabilidade humana / Universidade Metodista de São Paulo. Organização de Luci Praun. 2. ed. São Bernardo do Campo: Ed. do Autor, 2010. 112 p. (Cadernos didáticos Metodista - Campus EAD) Bibliografia ISBN: 1. Neoliberalismo (Sociologia) 2. Socialização I. Lucia Praun II. Título. CDD 300

Universidade Metodista de São PauloConselho Diretor: Wilson Roberto Zuccherato (presidente), Rosilene Gomes da Silva Rodrigues (vice-presidente), Rui Sergio Santos Simões (secretário), Augusto Campos de Rezende, Clovis de Oliveira Paradela, Eric de Oliveira Santos, Nelly Azevedo Mattola, Paulo Roberto Lima Bruhn, Maria Flávia Kovalski, Nelson Custódio Fer (titulares), Henrique de Mesquita Barbosa Corrêa

Reitor: Marcio de Moraes

Pró-Reitoria de Graduação: Vera Lúcia Gouvêa Stivaletti

Pró-Reitoria de Infra-Estrutura e Gestão de Pessoas: Elaine Lima de Oliveira

Pró-Reitoria de Pós-Graduação e Pesquisa: Lauri Emílio Wirth

Direção da Faculdade de Humanidades e Direito: Claudio de Oliveira Ribeiro

UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO Rua do Sacramento, 230 - Rudge Ramos 09640-000 São Bernardo do Campo - SP

Tel.: 0800 889 2222 - www.metodista.br/ead

É permitido copiar, distribuir, exibir e executar a obra para uso não-comercial, desde que dado crédito ao autor original e à Universidade Metodista de São Paulo. É vedada a criação de obras derivadas. Para cada novo uso ou distribuição, você deve deixar claro para outros os termos da licença desta obra

Page 3: CSO4.pdf

ww

w.m

etod

ista

.br

Licenciatura em

Ciências Sociais

Relações mundializadas, neoliberalismo e sociabilidade

humanaOrganizadora

Luci Praun

2o semestre de 2010 - 2a edição

Page 4: CSO4.pdf

Universidade Metodista de São Paulo

4

Page 5: CSO4.pdf

Prof. Dr. Marcio de MoraesReitor

Aprendizagem e autonomia

Page 6: CSO4.pdf

Universidade Metodista de São Paulo

6

Page 7: CSO4.pdf

sum

ário

9

11

17

21

31

43

55

67

75

79

87

91

Apresentação

Relações mundializadas, novas tecnologias e neoliberalismo

Crise e gestão do capitalismo: o Estado do bem-estar Marcelo Silva Carvalho

O contexto do neoliberalismo Marcelo Silva Carvalho

A revolução e a contra-revolução na América Latina Verónica Aravena Cortes

Globalização neoliberal e a questão ambiental Oswaldo de Oliveira Santos Junior

A estatística e os desafios da pesquisa social Oswaldo de Oliveira Santos Junior

Repensando as relações sociais no mundo contemporâneoReorganização da produção, do trabalho e impacto na vida social Luci Praun

Teoria social comtemporânea, reflexividade, agente e estruturação no pensamento de Anthony Giddens Paulo Barrera Rivera

Pierre Bourdieu, notas acerca de uma sociologia dos campos Verónica Aravena Cortes

A prática de ensino em sociologia: uma breve reflexão sobre as dimensões política, humana e técnica nas Ciências Sociais Cristiane Gandolfi

A concepção piagetiana de aprendizagem e o uso das novas tecnologias em educação Mara Pavani da Silva Gomes

Ciberespaço como comunidade de aprendizagem cooperativa Mara Pavani da Silva Gomes

Ciências Sociais

Page 8: CSO4.pdf
Page 9: CSO4.pdf

apre

sent

ação

Os textos reunidos neste volume do Guia de Estudos do curso de Ciências Sociais tratam de temas contemporâneos. Temas que dialogam, direta ou indiretamente, com o novo ciclo de expansão do capital evidenciado na virada dos anos 1970 para os 1980 e, no caso brasileiro, fortemente sentido nos dez anos consecutivos, conhecidos por muitos como a década neoliberal.

O impacto do aprofundamento da interdependência das relações sócio-econômicas mundiais, refletido em todas as dimensões da vida humana, mesmo que nem sempre percebido conscientemente foi, com certeza, sentido pela maioria da população do globo.

Se, por um lado, o movimento de expansão das relações sócio-econômicas reconfigurou noções de tempo e espaço e proporcionou o acesso de alguns às diversas possibilidades abertas pelas novas tecnologias de uma maneira perversa, por outro, também impulsionou a exclusão de milhares de pessoas do mercado de trabalho, ampliando desigualdades, alterando percepções, gerando instabilidade e insegurança.

Relações mundializadas, neoliberalismo e sociabilidade humana, título deste volume, trata, portanto, desses processos, dessas mutações operadas na sociabilidade humana na transição do século XX para o XXI. É nesse marco, portanto, que os dois primeiros artigos, de autoria do professor Marcelo Carvalho, transitam. Partindo dos elementos que nos permitem compreender o Estado de Bem-Estar Social, vigente fundamentalmente nos países europeus do pós II Guerra, e sua crise, Marcelo nos convida a refletir sobre o processo de ascensão e predomínio das políticas neoliberais em escala global. Políticas essas adotadas largamente na América Latina que, exceto no caso chileno (país que conheceu o impacto do neoliberalismo ainda sob o governo Pinochet), após longos anos submetida à ditaduras militares, assiste ao desmonte de um Estado que sequer chegou a poder ser chamado um dia de Estado de Bem-Estar, conforme salienta a professora Verónica A. Cortes.

Seguindo esse caminho, o artigo do professor Oswaldo Oliveira Santos Jr. busca analisar o impacto da “globalização”, marcada pelas políticas neoliberais, no meio ambiente, assim como o papel urgente e fundamental dos movimentos sociais na luta em defesa da vida no planeta. Uma luta que, necessariamente, deve ser marcada “pela valorização do humano e pela igualdade entre as pessoas”.

Ainda no primeiro bloco de textos, integrantes do módulo I desse semestre letivo, o leitor tomará contato com um outro texto do Prof. Oswaldo, este último sobre a Estatística e seu uso na pesquisa social. O tom, no entanto, não é menos crítico que o presente no restante dos artigos que compõem este Guia. Seria a pesquisa em nossa área dotada de neutralidade? Até que ponto os dados estatísticos podem estar ao serviço de referendar diferentes visões de mundo? É possível apreendermos a dinâmica das relações sociais? Como? Enfim, essas e tantas outras questões, presentes em nosso cotidiano de pesquisadores, estudantes das relações sociais, fazem parte das provocações dirigidas aos leitores.

Na segunda parte da coletânea o leitor é convidado a refletir sobre algumas das elaborações teóricas recentes, que emergem da necessidade de entendermos as mudanças ocorridas na vida social no transcorrer dessa virada de século.

As formulações de autores como Anthony Giddens e Pierre Bourdieu, que compõem o campo dos pensadores de uma teoria social contemporânea, são abordadas em dois artigos, respectivamente, pelos professores Paulo Barrera e

Page 10: CSO4.pdf

Universidade Metodista de São Paulo

10

Verónica A. Cortes. Seguindo um percurso similar, de entender as produções teóricas contemporâneas, um outro artigo, de autoria da professora Luci Praun, tem o objetivo de incentivar a reflexão crítica acerca de formulações que buscam afirmar como decorrência natural e inevitável, fruto do desenvolvimento tecnológico, a existência de uma sociedade do tempo livre, não mais fundada nas relações clássicas de exploração, tal como foi analisada pelo marxismo.

Finalizam a coletânea de textos do volume, três artigos nos convidam a pensar sobre a prática docente. Para tanto, a professora Cristiane Gandolfi resgata a trajetória do ensino da Sociologia nas escolas brasileiras, aponta os diferentes desafios enfrentados no sentido de construirmos uma prática que rompa as amarras de um ensino voltado para o trabalho, vinculado aos interesses da elite, e se avance rumo a uma proposta de construção de um conhecimento do qual docentes e discentes sintam-se, e efetivamente sejam, seu sujeito social. Os dois últimos artigos, da professora Mara Gomes, estabelecem o diálogo entre práticas docentes e o uso das novas tecnologias da informação. Até que ponto as novas tecnologias e o espaço da internet podem ser utilizados como importantes aliados no processo de construção do conhecimento?

Esperamos que esses artigos, produzidos pelo corpo docente do curso, sejam o ponto de partida para tantas outras leituras e reflexões que pretendemos provocar ao longo dessa caminhada.

Boa leitura!

Luci Praun

Page 11: CSO4.pdf

Módulo

www.metodista.br/ead

Crise e gestão do capitalismo: o estado

do bem-estarMarcelo Silva Carvalho

ResumoApresenta-se o processo de

formação do Estado Keynesiano, em substituição ao modelo

liberal herdado do séc. XIX, e do modelo de Bem-Estar Social,

após a Segunda Guerra Mundial, assim como o contexto de sua

crise, na década de 1970.

Palavras-chave:Neoliberalismo; estado do bem-estar; luta de classes;

keynesianismo.

Relações mundializadas, novas tecnologias e neoliberalismo

Graduado em Economia e Filosofia pela USP (1992), mestre em Filosofia pela USP (1999) e doutor em Filosofia pela USP (2006).

Page 12: CSO4.pdf

Universidade Metodista de São Paulo

12

ApresentaçãoO neoliberalismo é um modelo de gestão das economias capitalistas e do processo de acumulação

que se torna dominante a partir dos anos 1990. Como seu nome indica, trata-se de uma reformulação e uma retomada do modelo liberal dominante até a crise de 1929, então progressivamente substituído por um estado intervencionista de raiz keynesiana. O retorno ao modelo de mercado e a reconstrução da doutrina liberal se dá no contexto da crise dos anos 1970, caracterizada, em geral, como uma crise do modelo de Estado intervencionista e empreendedor, com forte presença na economia e concebido como mediador dos conflitos de classe, chamado no Pós-Guerra (1945) de Estado do Bem-Estar Social.

Esse modelo neoliberal tornou-se ideologia dominante em quase todo o mundo ao longo da década de 1990, entretanto, isso ocorreu em meio a severas críticas e conflitos, tanto no meio teórico quanto nas ruas, devido às duras conseqüências de sua implementação para os assalariados e excluídos do mundo todo. Esse embate se deu em torno do processo de globalização da economia capitalista, ao qual o neoliberalismo está associado, ainda que sejam independentes um do outro.

Crises cíclicas e a crise de 1929O processo de acumulação capitalista, quando submetido a uma dinâmica de mercado, está sujeito,

como já se reconhecia desde meados do séc. XIX, a processos cíclicos de crescimento e retração. A origem dessas crises cíclicas (recessões que ocorreriam, aproximadamente, a cada década) seria a falta de informação perfeita e a necessidade periódica de ajustar as expectativas de crescimento com o crescimento real da economia, ou seja, ajustar o “lado da oferta” com o “lado da demanda”. Dessa perspectiva (liberal) do processo cíclico, a melhor maneira de lidar com esses processos seria aprofundar a dinâmica de mercado e aperfeiçoá-la, na medida em o homem econômico é um agente racional e que, portanto, bastaria que ele tivesse acesso a informações adequadas para que não se produzissem expectativas infundadas que resultassem em superprodução, inflação ou recessão. A base do modelo liberal de gestão da economia capitalista que dominou a Europa e a maior parte do mundo ocidental, ao longo do séc. XIX e até a crise de 1929, era a crença de que o próprio mercado dispunha de mecanismos de auto-ajuste que possibilitariam a superação de qualquer crise da melhor maneira que se poderia fazê-lo – ou, dito de outra maneira, que a intervenção de qualquer agente “planejador” (o Estado) poderia, na melhor das hipóteses, obter um resultado apenas equivalente ao obtido pelo próprio mercado.

O abandono do modelo de desenvolvimento econômico e industrial por meio do mercado teve a sua primeira contestação implementada pelo estado soviético, sob a forma de uma economia planejada, ou seja, em que o ajuste das quantidades produzidas e dos preços relativos não era estabelecido pelo mercado, mas por um planejamento central realizado pelo Estado. O modelo soviético, tão criticado posteriormente por sua burocratização e ineficiência, mostrou-se, entretanto, da perspectiva dos anos 1920 e 1930, como extremamente eficiente, possibilitando a rápida industrialização (e a transformação em potência militar e tecnológica) de uma Rússia que iniciara o séc. XX ainda envolta em um modelo feudal. Essa experiência seria determinante na escolha de alternativas ao modelo liberal após a crise de 1929.

As crises cíclicas do séc. XIX, mesmo as mais graves dentre elas, não seriam, entretanto, comparáveis à grave crise que se estende de 1929 a 1933. A origem da crise foi um forte movimento especulativo sustentado durante toda a década de 1920, após o final da Primeira Guerra Mundial (1914-1918), que projetava um forte crescimento do consumo resultante da recuperação da Europa no pós-guerra. Essa recuperação não vem no momento previsto, mas a especulação irracional continuava a sustentar as expectativas, o que se desdobrava, de um lado, na atribuição de preço excessivamente valorizado às ações das empresas na Bolsa de Valores e, de outro, na acumulação de estoques destinados a um aumento do consumo que nunca se realizava. A irracionalidade dessa especulação, em que se faziam negócios para um mundo que não existia e nunca existiria, já era evidente muito

Page 13: CSO4.pdf

13

www.metodista.br/ead

tempo antes do estouro da bolha, mas o modelo liberal dominante sequer disponibilizava aos governos instrumentos por meio dos quais regular os mercados e estimular processos de ajuste menos drásticos do que aquele que viria. A reversão das expectativas ocorre em outubro de 1929, quando, em um “movimento de manada”, os agentes do mercado resolveram vender as ações super-valorizadas que tinham em seu poder, antes que fosse tarde demais. Como esse movimento se espalha, os vendedores se acumulam e os compradores desaparecem. O preço das ações, frente ao desaparecimento da demanda, despenca, estima-se, em 80%: as ações passavam a ser oferecidas por 20% de seu valor anterior e, ainda assim, não se achava comprador. Do “lado real” da economia o impacto é muito mais dramático. O excesso de estoques em muitos setores e a demanda menor que a oferta levam um número imenso de empresas a interromper a produção, por falta de compradores e, conseqüentemente, a demitir trabalhadores, o que inicia um ciclo vicioso em que a diminuição do consumo provoca demissões e as demissões provocam nova redução do consumo. A taxa de desemprego dos EUA saem de 9% em 1930, imediatamente após o início da crise, e atingem 25% em 1933. De maneira geral, o impacto da crise é um empobrecimento geral da população, com grande carestia e sofrimento dos menos protegidos.

Mais do que uma crise grave, o processo iniciado em 1929 mostra-se persistente, sem alternativas, e segue se agravando nos anos seguintes. Evidenciava-se que, mais do que uma crise de um conjunto de empresas, ou do que um processo cíclico de retração e crescimento, tratava-se de uma crise estrutural, de uma crise do próprio modelo de acumulação por meio do livre mercado adotado ao longo do século anterior. Esse cenário se fazia completar pela “ameaça” de avanço do movimento operário, impulsionado pela revolução russa de 1917 (e pela “imunidade” que a economia soviética, que não se estruturava a partir do mercado, mostrava em relação à crise). A gestão do capitalismo e do processo de acumulação parecia exigir um modelo novo, uma alternativa aos “fracos” estados liberais então existentes (como dizia a propaganda fascista na Itália e na Alemanha desse período).

Keynesianismo e um novo modelo de EstadoO núcleo teórico ao redor do qual se construiria, ao longo dos anos 1930 e 1940 (antes e depois

da guerra), a alternativa que, por meio século, se sobrepôs ao modelo liberal, foi a Economia Keynesiana, em particular o conjunto de concepções apresentadas na Teoria Geral do Emprego, Juros e Moeda, do economista inglês J. M. Keynes. A concepção keynesiana partia de uma crítica à análise clássica do desemprego, segundo a qual só haveria desemprego “friccional”, provocado por falta de plena mobilidade ou informação (e, portanto, residual), ou voluntário. Keynes contrapõe a essa concepção a descrição de um desemprego estrutural, vinculado à dinâmica da atividade produtiva (ou, mais especificamente, à demanda agregada) e à sua incapacidade de acomodar toda a força de trabalho. Sua análise se desdobra na explicitação dos mecanismos que determinariam a dinâmica do processo produtivo e, conseqüentemente, na confecção de políticas de intervenção na economia de modo a realizar o “pleno emprego”.

Esse intervencionismo tornava o Estado o grande gestor do processo de acumulação de capital e, mais do que isso, o implementador das políticas responsáveis pelo nível de emprego e renda da população. Não seria mais o mercado que determinaria a forma e a velocidade da acumulação capitalista, mas sim um novo estado intervencionista; este teria como prioridade a manutenção de níveis elevados de emprego, em uma ação anticíclica, que impediria a especulação, incrementaria a demanda, estimularia a expansão e ditaria o ritmo de crescimento. O mercado,

Imagem 1

J. M. Keynes

Page 14: CSO4.pdf

Universidade Metodista de São Paulo

14

que se mostrara extremamente ineficaz em 1929, seria substituído por um Estado Keynesiano e por suas políticas de pleno emprego.

O Estado Keynesiano encontrou terreno fértil para se difundir na década de 1930, em meio aos esforços para a superação da crise de 1929 e, logo depois, em meio aos preparativos para a Segunda Guerra Mundial. Foi através desse modelo de política, em particular dos gastos diretos do Estado, que se reaqueceu a economia no período pós-crise. Não parecia mais haver lugar, em meio ao novo “consenso” que se construía, para um Estado que não dispusesse de instrumentos para empreender políticas anti-cíclicas e que submetesse a sociedade e o próprio processo de acumulação à irracionalidade do mercado. Em particular em economias ainda afetadas pela Primeira Grande Guerra, como a Alemanha e a Itália, ou em países periféricos, ainda não industrializados e em processo de urbanização, como o Brasil e a Argentina, esse modelo de Estado foi adaptado e revelou-se fundamental no estabelecimento da base da industrialização e do desenvolvimento ao longo dos anos 1930 e 1940.

O pós-guerra e as bases políticas do Estado do bem-estar socialO contexto das relações internacionais do pós-guerra, a partir de 1945, complementam o

cenário por meio do qual o modelo de Estado Keynesiano se amplia e se desdobra no que ficou conhecido como Estado do Bem-Estar Social (Welfare State). A ocupação soviética do Leste Europeu e os primeiros movimentos da Guerra Fria foram fundamentais para a constituição, por meio de um Estado fortemente intervencionista, de uma ampla rede de seguridade social, com seu sistema previdenciário, seguro desemprego, serviços básicos, etc., que reduz a tensão de classes nos países capitalistas da Europa Ocidental e reduz o “risco” de fortalecimento dos movimentos de esquerda, operários, e de ampliação da influência soviética na região. O Estado do Bem-Estar é o resultado desse processo. A social-democracia européia propõe-se gerir o Estado como “mediador” na luta de classes e responsável por políticas públicas de segurança e “redução de danos” no contexto do modelo capitalista então vigente.

Essa estrutura se estabelece de maneira exemplar nos países do Norte da Europa Ocidental, mas o modelo de “capitalismo nacionalista e de Estado” se difunde por todo o mundo, em maior e menor grau. Esse novo modelo de Estado, gestor da atividade econômica, com forte poder sobre os mercados, administrador de política fiscal e monetária, responsável por uma ampla rede de seguridade social e, portanto, empreendedor, seja no setor de serviços (educação, saúde, etc.), seja no setor energético e de indústria de base, resulta em um agente econômico e político super-poderoso. A sustentação desse estado se dá por um contínuo aumento da arrecadação e da carga tributária, atrelando-se os destinos da economia e da sociedade à dinâmica da gestão estatal.

A crise dos anos 1970O estado do Bem-Estar começa a evidenciar uma crise profunda, depois de duas décadas de enorme

prosperidade, a partir da década de 1970. O núcleo de uma nova crise econômica mundial, ocorrida então, foi a forte elevação dos preços do petróleo que se seguiu à criação da OPEP. Durante a primeira crise do petróleo, em 1973, o preço do produto chegou a subir mais de 400% em poucos meses. A crise se agrava no final da década com a “segunda crise”, decorrente dos impactos da revolução islâmica no Irã. Em uma década o preço do barril sai de próximo de 1 dólar para mais de 40 dólares.

O impacto dessa elevação de preço sobre os países importadores do produto foi devastador. As balanças comerciais se desequilibram e promove-se um forte processo de transferência de riquezas do ocidente para o mundo árabe. Desencadeia-se um persistente processo inflacionário e as taxas de juros sobem também de maneira acelerada. A dívida pública, que até então não representava uma das principais preocupações da economia mundial, passa a ser um problema grave, com sucessivos déficits públicos que alimentam a inflação, a estagnação da economia e o desemprego.

Page 15: CSO4.pdf

15

www.metodista.br/ead

No novo cenário o tamanho do Estado, que lhe daria as ferramentas para combater crises e promover o pleno emprego, parecia ser a origem e não a solução para o problema. E a crise ampliava os gastos públicos, com juros, com seguro-desemprego e com políticas de combate à pobreza que se ampliava.

A crise foi particularmente grave em países como o Brasil, que nos anos anteriores haviam crescido por meio de financiamento à implementação de um moderno parque industrial e agora se deparavam com enormes dificuldades para cumprir os compromissos pesados em que as dívidas externas se converteram. Nesses casos, além da inflação e subseqüente recessão, a crise da dívida provocou a falência do Estado (e de seus Bancos Centrais) e a eliminação de sua capacidade de gerir o processo de crescimento, passando a representar, pelo contrário, o grande limitador desse processo, com uma dívida pública inadministrável que resultaria na hiperinflação da década de 1980. Este é o cenário em meio ao qual se consolidam as políticas neoliberais dominantes na década de 1990.

ReferênciasANDERSON, Perry. O balanço do neoliberalismo. In: Emir Sader e Paulo Gentili (Orgs.): Pós-neoliberalismo. As políticas sociais e o Estado democrático. São Paulo: Paz e Terra, 1995.

BELLUZZO, L.G.; ALMEIDA, J.S. Depois da queda: a economia brasileira da crise da dívida aos impasses do Real. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2002.

GENTILI, Pablo; SADER, Emir (Org.). Pós-neoliberalismo: as políticas e o Estado democrático. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1995.

HABERMAS, Jüergen. A nova intransparência. São Paulo: Novos Estudos CEBRAP. Nº18. Setembro/1987.

HARVEY, David. A condição pós-moderna. São Paulo: Loyola, 2003.

HAYEK , Friedrich. Direito, legislação e liberdade. São Paulo: Visão, 1985.

KEYNES, J.M. A teoria geral do emprego, do juro e da moeda. São Paulo: Atlas, 1982.

KURZ, Robert. O colapso da modernização: da derrocada do socialismo de caserna a crise da economia mundial. 2. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1993.

LEAL, S. M. R. A outra face da crise do estado de bem-estar social: neoliberalismo e os novos movimentos da sociedade do trabalho. Campinas: Unicamp, (Cadernos de Pesquisa, 13), 1990.

PRZEWORSKI, Adam. Capitalismo e social-democracia. São Paulo: Companhia das Letras, 1989.

SADER, Emir (Org.). O mundo depois da queda. São Paulo: Paz e Terra, 1995.

Imagem 1 Disponível em: <http://pt.wikipedia.org/wiki/Imagem:John_Maynard_Keynes.jpg>. Acesso em 22 de jun 2008.

Page 16: CSO4.pdf

Universidade Metodista de São Paulo

16

_________________________________________

_________________________________________

_________________________________________

_________________________________________

_________________________________________

_________________________________________

_________________________________________

_________________________________________

_________________________________________

_________________________________________

_________________________________________

_________________________________________

_________________________________________

_________________________________________

_________________________________________

_________________________________________

_________________________________________

_________________________________________

_________________________________________

_________________________________________

_________________________________________

_________________________________________

_________________________________________

_________________________________________

_________________________________________

_________________________________________

________________________________________

__________________________________________

_________________________________________

________________________________________

________________________________________

_________________________________________

_________________________________________

________________________________________

________________________________________

________________________________________

________________________________________

_________________________________________

_________________________________________

_________________________________________

_________________________________________

_________________________________________

_________________________________________

_________________________________________

_________________________________________

_________________________________________

_________________________________________

_________________________________________

_________________________________________

_________________________________________

_________________________________________

_________________________________________

_________________________________________

_________________________________________

________________________________________

__________________________________________

Page 17: CSO4.pdf

Módulo

www.metodista.br/ead

Resumo:Apresenta-se o contexto da

implementação das políticas liberais a partir dos anos 1980

e o processo de difusão do modelo ao longo da década de 1990, assim como as indicações

de seu esgotamento e as perspectivas do debate atual.

Palavras-chave: Neoliberalismo; estado do bem-estar; luta de classes;

globalização.

O contexto do neoliberalismo

Marcelo Silva Carvalho

Relações mundializadas, novas tecnologias e neoliberalismo

Graduado em Economia e Filosofia pela USP (1992), mestre em Filosofia pela USP (1999) e doutor em Filosofia pela USP (2006).

Page 18: CSO4.pdf

Universidade Metodista de São Paulo

18

Contexto político da implementação do neoliberalismoA crise econômica da União Soviética na década de 1980 e o enfraquecimento dos

regimes do Leste Europeu são, em parte causa, em parte conseqüência, das políticas neoliberais. A superação, na Europa, da ameaça de ampliação da influência do regime soviético possibilitou a aceitação de um conjunto de reformas do modelo de gestão do capitalismo no sentido de reduzir a intervenção do Estado na economia, aumentar a competitividade, reduzir a foca do movimento operário, ampliar as margens de lucro e acelerar o processo de acumulação de capital. Essas políticas, implementadas pelo governo de R. Reagan nos EUA e de M. Thatcher na Inglaterra, resultam diretamente da crise do modelo keynesiano de estado durante a década de 1970 e do momento de fragilidade soviética ao final do governo Brejniev. Somente essa conjuntura possibilita, por exemplo, que Thatcher enfrente com mão-de-ferro uma longa greve dos mineiros, em 1984, contra as conseqüências da reforma do Estado empreendida por seu governo. De sua vitória nessa dura queda de braços e da vitória de seu projeto, resultaria um aumento significativo da taxa de desemprego e uma conseqüente desestruturação do movimento operário, reduzindo-se dramaticamente sua capacidade de pressão sobre o estado e sobre a economia. Resultaria, ainda, um aumento da velocidade na corrida tecnológica-armamentista entre EUA e URSS, propositalmente provocada pelo governo Reagan, que apostou (e ganhou) que a economia soviética não teria capacidade de acompanhar o ritmo de investimentos norte-americano.

As bases teóricas do neoliberalismoA base teórica do neoliberalismo já havia sido lançada

na década de 1940, por F. A. von Hayek, economista austríaco, principal crítico do keynesianismo, em sua crítica do Estado intervencionista e da interferência do Estado na luta de classes. Esse tipo de intervenção representaria uma limitação das liberdades fundamentais do indivíduo e das possibilidades de desenvolvimento embutidas na dinâmica da concorrência capitalista.

O objetivo fundamental do neoliberalismo seria “libertar” as forças produtivas do capitalismo ocidental, impedidas e aprisionadas pela pressão exercida pela presença de um Estado ineficiente e burocratizado que controlava todos os processos. O caminho dessa reforma partia da defesa da eliminação do déficit público por meio da redução de seus gastos (sociais) e da privatização de todas as atividades por ele exercidas que não lhe seriam “inerentes” (controle de infra-estrutura, do setor energético, de telecomunicações, de parte do sistema de educação, saúde e previdência, etc.). Disso se esperava uma redução da ineficiência na gestão de setores estratégicos, um aumento da concorrência (e conseqüente combate à inflação) e, assim, uma aceleração do processo de desenvolvimento tecnológico, de concentração de riqueza e de acumulação de capital.

O núcleo desse discurso é a contraposição entre a suposta ineficiência do Estado, tema central nas análises da crise dos anos 1970, à suposta eficiência do mercado, apresentado como panacéia à crise e única via capaz de salvar o ocidente da petrificação, da corrupção e da ineficiência. O debate travado é fortemente ideológico, sem muita objetividade, em meio a uma longa temporada de reformas: privatizações, austeridade na gestão da política monetária, redução dos gastos públicos e do

Imagem 2

Friedrich August von Hayek

Page 19: CSO4.pdf

19

www.metodista.br/ead

endividamento e reformas no sistema previdenciário (núcleo dos gastos do estado do Bem-estar), os quais se faziam acompanhar por redução de impostos e ampliação da liberdade de ação das empresas no mercado e, mais adiante, em defesa apaixonada da liberdade de comércio, do fim das políticas protecionistas e da “globalização”.

Um desdobramento desejado dessas políticas é o aumento da taxa de desemprego, o qual possibilita, de um lado, a “derrota” do movimento operário, que ao longo da década de 1980 passa por uma mudança profunda em sua forma de organização, perdendo grande parte de seu poder de pressão e sendo obrigado a “negociar” as reduções de direitos exigidas pelos defensores do novo modelo de gestão do Estado. De outro lado, amplia-se a concentração de riquezas, de modo a tornar mais eficaz o processo de produção por meio de economias de escala.

O mundo da nova onda neoliberal era mais desigual e excludente e eliminava as estruturas de proteção social, conquistadas no meio século precedente. Essa desigualdade era, entretanto, “saudável”, segundo seus defensores, pois ampliava a concorrência e garantia aumento na eficiência do processo produtivo e de acumulação de capital.

A difusão das políticas neoliberaisAinda antes das experiências americana e inglesa da década de 1980, o Chile do General

A. Pinochet havia, nos anos 1970, iniciado uma série de reformas neoliberais e servido de laboratório para os experimentos que se difundiriam na década seguinte. No final dos anos 1980 a ideologia neoliberal já se tornava dominante e passava a ter representantes entusiasmados nos principais governos da Europa e, depois, do planeta. A queda do Muro de Berlin em 1989 e o fim da URSS em 1991 aceleraram o consenso criado sobre a ineficiência do Estado e as virtudes do mercado e, na medida em que esses acontecimentos paralisaram a esquerda por pelo menos uma década, deixou o mundo à mercê de um neoliberalismo contra o qual, ainda que houvesse objeções, não havia alternativas.

Na Europa a implementação dessas políticas resultou na mudança do papel do Estado na economia e na eliminação das estruturas de seguridade que caracterizavam o Estado do Bem-Estar. Sua implementação em países pobres, entretanto, era ainda mais violenta e desastrosa, na medida em que neles não havia sido implementado anteriormente um Estado do Bem-Estar e que, portanto, a redução da estrutura de seguridade se dava sobre uma base já deprimida, assim como a redução de direitos e salários dos trabalhadores e o aumento do desemprego. O neoliberalismo triunfante dos anos 1990, com suas privatizações e “reformas estruturais” (da previdência e das leis trabalhistas), foi responsável pela criação de uma sociedade ainda mais desigual e excludente do que a anteriormente existente.

O resultado dessas políticas, entretanto, foi muito diverso do que o esperado. O longo período de prosperidade dos anos 1990 limitou-se ao núcleo da nova economia globalizada, os EUA, com ampliação do desemprego e da pobreza mesmo em países da Europa. As taxas de inflação são reduzidas, mas ainda permanecem em patamares muito elevados quando comparadas com o período anterior à crise. O Estado, apesar de reduzir os direitos dos trabalhadores, não diminui de forma significativa seus gastos e, por outro lado, o mercado, propalado como meio mais eficaz de gestão, se revela pouco transparente e mesmo ineficiente, como se observou nos casos WorldCom e Enron. Mais grave ainda, no final da década, o mundo inteiro estava envolvido em ondas de crises graves como não se via no ocidente desde 1929, as quais destruíram economias

Imagem 3

Pinochet

Page 20: CSO4.pdf

Universidade Metodista de São Paulo

20

nacionais, mesmo as que eram até então apresentadas como modelo de gestão neoliberal, caso da Argentina.

Pós-neoliberalismoA década de 1990 é um período marcado pela surpreendente sobreposição de diversos processos

complexos e diferentes: a implantação em grande escala de políticas neoliberais, a globalização da economia, a revolução tecnológica, em particular no setor de informática e telecomunicações, o fim da guerra fria e a crise de modelos da esquerda ocidental, além do agravamento das tensões com o mundo árabe, ao final do período, e o aumento das preocupações ambientais. Todos esses são processos interligados, mas a diferenciação entre eles é fundamental para uma análise crítica do neoliberalismo.

O modelo de mercado, por si só, se mostrou incapaz de realizar as reformas propostas e, assim, ineficaz por seus próprios critérios. Por outro lado, a sobreposição da dinâmica de acumulação aos interesses da sociedade, sobre a qual ele se estabelece, e o conseqüente agravamento da exclusão e da violência social em que se desdobra, parecem pouco defensáveis à luz do dia e pouco aceitáveis na medida em que se estabeleçam alternativas efetivas à apologia da dinâmica de mercado. Na verdade, talvez apenas a conjuntura muito específica da crise que marca o final da década de 1970 e o início da década de 1980 tenha possibilitado a adoção dessas políticas com o fervor que se observou – e, superado aquele contexto de crise, as sociedades ocidentais têm se mostrado pouco dispostas à violência das medidas econômicas neoliberais, que hoje ainda permanecem no centro do debate, mas que já estão, inegavelmente, transformadas pelo novo cenário de reestruturação de modelos alternativos que parece se estabelecer a partir do início do séc. XXI.

ReferênciasANDERSON, Perry. O balanço do neoliberalismo. In: Emir Sader e Paulo Gentili (orgs.): Pós-neoliberalismo. As políticas sociais e o Estado democrático. São Paulo: Paz e Terra,1995.BELLUZZO, L.G. e ALMEIDA, J.S. Depois da queda: a economia brasileira da crise da dívida aos impasses do Real. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2002.GENTILI, Pablo & SADER, Emir (org.). Pós-neoliberalismo: as políticas e o Estado democrático. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1995. HABERMAS, Jüergen. A nova intransparência. São Paulo: Novos Estudos CEBRAP. Nº18. Setembro/1987. HARVEY, David. A condição pós-moderna. São Paulo: Loyola, 2003.HAYEK , Friedrich. Direito, legislação e liberdade. São Paulo: Visão, 1985.KEYNES, J.M. A teoria geral do emprego, do juro e da moeda. São Paulo: Atlas, 1982.KURZ, Robert. O colapso da modernização: da derrocada do socialismo de caserna a crise da economia mundial. 2. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1993.LEAL, S. M. R. A outra face da crise do estado de bem-estar social: neoliberalismo e os novos movimentos da sociedade do trabalho”. Campinas: Unicamp, (Cadernos de Pesquisa, 13), 1990.PRZEWORSKI, Adam. Capitalismo e social-democracia. São Paulo: Companhia das Letras, 1989.SADER, Emir (Org.). O mundo depois da queda. São Paulo: Paz e Terra, 1995.

Imagem2 - Disponível em: <http://pt.wikipedia.org/wiki/Imagem:Friedrich_Hayek.jpg>. Acesso em 23 de jun 2008.Imagem 3 - Disponível em: <http://pt.wikipedia.org/wiki - Imagem:Pinochet_de_Civil.jpg>. Acesso em 23 jun 2008.

Page 21: CSO4.pdf

Módulo

www.metodista.br/ead

Resumo:Neste artigo abordaremos as transformações sociais

experimentadas pela América Latina ao longo do século XX, um continente que começa o século com uma estrutura social agrária e oligárquica e termina

com a população vivendo majoritariamente em centros urbanos. Discutiremos as demandas de transformação

social, presentes nos movimentos populares, e seus contornos a partir da revolução cubana. Apresentaremos

a singularidade da experiência chilena, a “via chilena para o socialismo” e a mobilização contra-revolucionária,

no continente, que conduziu a instauração de regimes militares no Cone Sul.

Palavras-chave: Movimentos sociais; revolução; regimes militares;

democracia.

A revolução e a contra-revolução na

América LatinaVerónica Aravena Cortes

Relações mundializadas, novas tecnologias e neoliberalismo

Graduada em Jornalismo pela Faculdade de Comunicação Social Casper Líbero (1989) e em Filosofia pela Universidade

de São Paulo (1994). Mestre pelo Programa de Pós-Graduação Integração da América Latina pela USP (1996) e doutora em

Sociologia pela USP (2000).

Page 22: CSO4.pdf

Universidade Metodista de São Paulo

22

Ao longo do século XX, a esperança e o sonho povoaram os campos da América Latina. Esperança de que tudo mudaria, como se lê na música de Victor Jara. O continente passa por transformações políticas, econômicas e sociais, mas também por uma crescente mobilização social, no século XX.

A população, que no início do século vivia no campo, desloca-se rumo às cidades. As cidades, associadas à vida moderna se configuram como o lugar da modernidade. Neste período, o atraso é tido como um problema. Atraso econômico, político, social e tecnológico, nas últimas décadas do século.

A modernidade chega, primeiro, através das telas de cinema e depois via telas da televisão. No cinema, Jeca Tatu de Mazzaropi – no Brasil – e Cantinflas, no México, são as figuras que representarão a inocência e a simplicidade do homem do campo ou de setores populares. Uma ingenuidade que não combina com o espírito dos novos tempos.

Após a crise de 1929, questiona-se o modelo agrário-exportador. Buscou-se superar o atraso, que foi visto como uma herança da hegemonia de uma aristocracia agrária. Boa parte dos países promoveu uma política nacionalista, que se traduziu na criação de uma indústria nacional destinada ao mercado interno, pela defesa do patrimônio nacional até então explorado por companhias inglesas e americanas. Países como o México chegaram a nacionalizar suas riquezas, no caso, o petróleo.

Em todos os países a estrutura social tradicional oligárquica, bem como a situação do trabalhador no campo, nas minas ou nas cidades, é questionada. Os governos e as elites ora negociam, ora reprimem estes movimentos. A crise das oligarquias agrárias deu lugar à configuração de um novo modelo de capitalismo subdesenvolvido e dependente. A presença das massas nas cidades se torna uma força de pressão política. Espraia-se o desejo de justiça social, propagado pelo sindicalismo, bem como uma necessidade ineludível de uma redistribuição de riqueza e poder. Essas mudanças e novas demandas determinaram a linha populista centralmente dirigida, apoiada pelo sindicalismo, introduzindo concepções de uma economia de bem-estar e promovendo os serviços assistenciais do Estado. Todos os países participam do processo. Destacamos apenas dois nomes: No Brasil, Getúlio Vargas e Juan Domingo Perón, na Argentina, figura cuja presença tem herdeiros até os dias de hoje em todos os lados do espectro político.

El Arado (Victor Jara)1

Aprieto firme mi mano,y hundo el arao en la tierrahace años, que llevo en ellaCómo no estaré agotao?

Vuelan mariposas, cantan grillosla piel se me pone negray el sol brilla, brilla y brillael sudor me hace zurcos,yo hago zurcos a la tierra sin parar

(…) Cómo yugo de apretaotengo el puño esperanzaoporque todo cambiará...

Juan Domingo Perón

Imagem 4 Imagem 5

Getúlio Vargas

1 - Assista ao vídeo desta música com o conjunto chileno Inti Illimani no Youtube.

Page 23: CSO4.pdf

23

www.metodista.br/ead

A demanda por um desenvolvimento estará presente em todos os países da América Latina. Alguns países responderão consolidando o Estado e as instituições políticas, como, por exemplo, o Chile; outras desenvolvendo o sistema educacional, como o Uruguai e a Argentina, outros, a sua economia, como o Brasil.

Por outro lado, vemos o continente passar da esfera de influência inglesa para a norte-americana. O século XX começa com a diplomacia americana do “grande porrete”, principalmente no Caribe e, na América Central, termina com a discussão da ALCA, uma proposta de integração comercial, passando pela Doutrina de Segurança Nacional no período da guerra fria.

A revoluçãoEl pueblo unido jamás será vencido!2

Quilapayun De pie cantar, que vamos a triunfar, avanzan ya banderas de unidad y tú vendrás marchando junto a mi y así verás tu canto y tu bandera al florecer. La luz de un rojo amanecer anuncia ya la vida que vendrá,

De pie marchar, que el pueblo va a triunfar; será mejor la vida que vendrá, A conquistar nuestra felicidad y en su clamor mil voces de combate se alzaran; dirán canción de libertad. Con decisión la patria vencerá.

Y ahora el pueblo que se alza en la lucha con voz de gigante gritando; adelante!

El pueblo unido jamás será vencido!

El pueblo unido jamás será vencido!

A ideia da revolução se espraiou pelo mundo nos anos 60. Foram anos de grande efervescência, marcados pela Revolução Cubana, pelos movimentos estudantis na França, pela independência da Argélia, entre outros acontecimentos. Os jovens que vivenciaram o espírito dessa época ficaram profundamente marcados pelas idéias de transformação social. Para o historiador Eric Hobsbawm, o Terceiro Mundo parecia o palco da transformação:

O terceiro mundo se tornava o pilar central da esperança e da fé dos que ainda acreditavam na revolução social. Representava a grande maioria dos seres humanos. Parecia um vulcão global prestes a entrar em erupção, um campo sísmico cujos tremores anunciavam os grandes terremotos futuros. (...) Tampouco era o Terceiro Mundo importante apenas para os velhos revolucionários da tradição de Outubro, ou para os românticos, que fugiam da mediocridade vulgar, se bem que próspera, da década de 1950. Toda a esquerda, incluindo humanitários liberais e social-democratas moderados, precisava de algo mais que legislação de seguridade social e salários reais crescentes.

2 - Assista ao vídeo desta música com o conjunto chileno Inti Illimani.

Page 24: CSO4.pdf

Universidade Metodista de São Paulo

24

O Terceiro Mundo podia preservar seus ideais; e os partidos pertencentes à grande tradição do Iluminismo precisam de ideais, além de políticas práticas (1997, p.424).

Esta concepção “romântica” da política soa difícil de entender nos dias atuais, tão esvaziados de ideais e perspectivas com relação a uma transformação do status quo, no qual a prática social é norteada por valores individualistas e a prática política, muitas vezes, é conduzida pelos resultados das pesquisas de opinião.

Nos anos 60, contudo, o socialismo aparecia como a melhor opção, quando não a única via, para as sociedades do “Terceiro Mundo”, vítimas de seu atraso e seu crescente distanciamento dos países industrializados.

Em cada país, à sua maneira, os setores populares se organizaram e iniciam suas lutas contra a opressão dos ditadores e/ou poder econômico. Camponeses, indígenas, operários travam lutas por reconhecimento, contra a exploração nas minas ou nas fábricas, expropriação de terras no campo, entre outros. Um exemplo é a Bolívia, onde uma insurreição popular, em 1952, liderada pelo MNR – Movimento Nacional Revolucionário – promove reformas política, agrária e educacional.

O historiador mexicano Pablo González Casanova observa que este movimento não passou despercebido pelo vizinho do norte.

Na América Latina, a ofensiva realizada pelos EUA desde a Conferência do Rio (1947) e a fundação da OEA (1948) contra o perigo de ‘uma intervenção extracontinental’ e contra o suposto perigo ‘de uma conspiração comunista internacional’ visava atacar qualquer movimento antiimperialista, acusando seus dirigentes de comunistas. Os partidos comunistas, por outro lado, tenderam a apoiar desde então todo movimento democrático, antiimperialista e antifeudal3, inclusive quando seus dirigentes e membros lhes manifestavam pouca simpatia (1987, p.146).

Os anos 50 ficaram marcados pela guerra fria. No continente, a influência americana se disseminou por toda a sociedade, da Coca-Cola à calça jeans, da batida do rock a uma visão de democracia. Em boa parte das nações a influência americana se fez notar na participação de um novo estilo de vida, o “American Way of life”, entrou nos lares, universidades, repartições e nos exércitos, via produtos da indústria cultural de massa, principalmente.

Pablo González Casanova lembra que a “revolução Cubana iluminou quase toda a história das massas latino-americanas a partir de 1959. Como criação revolucionária, foi o resultado da história latino-americana anterior e da própria história cubana” (1987, p.186). Depois da revolução cubana, os movimentos guerrilheiros começaram a surgir por todas as partes, como pequenos focos ou frentes. A Frente Sandinista de Libertação Nacional da Nicarágua, Tupamaros, na Argentina, FARCs, na Colômbia, entre outros. Essas ações coincidiram com o aumento das greves operárias e crise nas universidades que manifestavam contestação e crítica ao sistema.

Este movimento provocou uma reação contra-revolucionária por todo o continente. As diversas burguesias se integraram, o Estado e os órgãos repressivos passaram a atuar sob acompanhamento técnico e militar dos EUA. Nesses países, governos democraticamente eleitos foram derrubados por coalizões entre a fração burguesa da sociedade civil e militares. Os primeiros percebiam não poder efetuar seus projetos capitalistas para a nação num regime democrático, os outros, uma crise interna gerada pela democracia.

O cientista político Francisco Weffort lembra que o debate político da década de 60 estava permeado

3 - Ao longo do século XX, havia a discussão no continente se as relações no campo teriam características próximas ao feudalismo, certamente Pablo Gonzáles Casanova compartilhava esta visão, mas o ponto não era consenso.

Imagem 6

Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia

Page 25: CSO4.pdf

25

www.metodista.br/ead

por temas como a estrutura agrária, crescimento econômico nacional, desequilíbrios regionais, desigualdades sociais, distribuição de renda, temas conflitivos cujas propostas de resolução eram irreconciliáveis. A esquerda propunha mudanças na estrutura da sociedade, da economia e do estado; (WEFFORT, 1989). Os setores conservadores não expunham abertamente os seus projetos, mas seu discurso era pela democracia num contraponto aos projetos revolucionários da esquerda. (GARRETÓN in O´DONNELL, 1988).

Após o golpe, inaugura-se, inicialmente, um período marcado pela repressão política e, em seguida, no plano econômico, uma fase de recessão que produz a perda dos padrões sociais das camadas médias e populares.

Um país singular, o caso do Chile O golpe militar rompeu um período de meio século de estabilidade política. A partir de 1930, no

Chile, se formou um Estado de Compromisso (Catalán et al., 1987, p.1). Deste Estado participavam todos os partidos políticos4. Há uma tendência a destacar que a formação deste Estado estava na contracorrente dos acontecimentos históricos que ocorriam em outras nações latino-americanas, que se debatiam entre ditaduras, como Stroessner, Batista, Trujillo, Somoza ou entre populismos no estilo de Vargas ou Perón, adicionando-se a esses fatos, a participação dos partidos populares em quatro coalizões governistas durante o período de 1938 e 1954.

Nesta linha de pensamento, o sociólogo, Manuel Antonio Garretón, enfatiza que, no caso chileno, deu-se uma correlação histórica entre fenômenos que aparecem dissociados em outros países da América Latina:

Estamos nos referindo ao processo de industrialização substantiva com um peso de crescente intervenção estatal na economia, a um processo de democratização substantiva, isto é, à incorporação de diversos setores sociais em forma progressiva ao sistema político e a melhoras nos seus níveis de vida, e à existência de um regime político democrático (1988, p.141).

Embora não tenha alcançado todos os setores da sociedade, pois, no campo, as relações sociais de produção continuaram com características quase pré-capitalistas, para Garretón é um período de “democratização substantiva”, pois experimentou avanços na legislação trabalhista e a implementação de políticas públicas e previdenciárias que previam a universalização dos serviços educacionais e de saúde.

Nessa estrutura, o Estado desempenha um papel significativo na articulação entre esse capitalismo industrial e as camadas populares. O sistema partidário polarizado será uma conseqüência da estruturação histórica do capitalismo e das camadas sociais que se articularam no Chile. Em 1922, é fundado o Partido Comunista e, em 1932, forma-se o Partido Socialista. O Estado de Compromisso construiu uma cultura política de negociação que estimulou a constituição de um espaço de debate público das questões sociais.

Já em 1958 os partidos populares (Comunista e Socialista) viram-se frente à possibilidade de conquistar um “governo popular” pela via eleitoral, no entanto, nessa eleição, o candidato da direita vence com uma estreita margem de votos. Foram três derrotas até chegar à vitória nas eleições presidenciais de 1970. Nesse ano, a Unidade Popular, uma coalizão socialista, ao obter 36,30% dos votos, inicia uma experiência inédita. O movimento popular assume o governo dentro de um marco institucional; era, acreditava-se, a “via chilena” para o socialismo.

Allende ampliou as reformas iniciadas no governo anterior, aprofundou a reforma agrária,

4 - Com exceção dos governos de Gonzales Videla (1946-1952) e Carlos Ibañez del Campo (1952-1958) que proscreveram o Partido Comunista.

Page 26: CSO4.pdf

Universidade Metodista de São Paulo

26

nacionalizou o cobre5, aumentou os salários dos trabalhadores, entre outras medidas que elevaram a temperatura das tensões sociais.

Garretón esclarece que, entre 1970-1973, perdeu-se o elemento que em 19706, mantinha latente ou contida a crise do modelo de desenvolvimento e a crise de direção estatal: a legitimidade do sistema democrático. (1988, p.144) De acordo com o autor, a Unidad Popular se enquadrava nos padrões legais, mas questionava os princípios de gradualismo e negociação graças aos quais o sistema político havia alcançado sua legitimidade. Paralelamente houve um crescente abandono de valores democráticos pelos setores médios e pelo centro político.

A sociedade chilena apresentava uma crise em três diferentes planos de acordo com Garretón:

Em primeiro lugar, assistia-se a uma decomposição capitalista acelerada e profunda, sem que estivesse acompanhada pela construção de um sistema alternativo. Em segundo lugar, a sociedade vivia uma extremada polarização política. A organização e mobilização dos setores populares, acompanhada de uma crescente influência e poder de suas expressões políticas, somavam-se ao inegável avanço de um processo de democratização substantiva. Entretanto, estes processos eram vistos em seu signo contrário pelos setores dominantes na economia e por vastos setores das camadas médias. Estas, que foram o principal sustentáculo do regime democrático, sofreram um processo de “facistização”. E, terceiro lugar, o sistema político perdera sua legitimidade (1988,p.145).

Essa análise permite-nos entender o duplo caráter que a intervenção militar assumiu. Por um lado, seu traço reativo, exposto nos níveis e no alcance da repressão e na drástica destruição do sistema político e, por outro lado, a possibilidade que oferecia aos setores capitalistas de recompor sua dominação reformulando as estruturas sociais.

Os governos militaresGolpes militares se sucederam inicialmente em países da América Central, posteriormente no

cone sul. A renúncia de Jânio Quadros, em 1961, leva o vice João Goulart à presidência da República, seu governo sofre inúmeras desestabilizações, chegando ao fim com um golpe militar em 1964. O Brasil tem o discutível privilégio de inaugurar uma fase da história contemporânea da América Latina conhecida como o autoritarismo burocrático (O´DONNEL, 1982). Em 1966, seguiu-lhe a Argentina e, em 1973, o Uruguai e o Chile.

Os golpes militares ocorreram como uma reação aos projetos históricos da esquerda que “ameaçavam” começar a ser colocados em prática. Os regimes que se seguiram foram antiestatismo, anti-revolucionários, mas não ficaram só na reação; em maior ou menor grau, desenvolveram o seu “próprio” projeto histórico, em geral de sentido não-liberal e modernizador (WEFFORT, 1989, p.18-19).

Os novos governos burocráticos-autoritários se diferenciaram do tradicional caudilismo latino-americano – onde imperava o poder pessoal e discricionário de um chefe militar, bem exemplificado pela ditadura de Strossner no Paraguai – ao se apoiar no poder da burocracia estatal e na capacidade de violência das instituições militares.

Esses regimes militares seguiram à risca os mandamentos da Doutrina de Segurança Nacional elaborada pelos Estados Unidos no contexto da “guerra fria”, com o objetivo de impedir o suposto avanço do perigo do leste: o comunismo. Seu elemento central era a segurança nacional. Isto, na sua ótica, significava defender a integridade territorial e nacional, a soberania, a democracia, o progresso, a paz social e a família. Os discursos da época são significativos. No Brasil, podemos citar o discurso

5 - O cobre é o principal produto da economia até os dias de hoje. Na década de 60, o governo da DC inaugurou o processo de compra de 51% das ações das empresas estrangeiras detentoras da exploração e comercialização do cobre, começando um processo que veio a ser concluído no governo de Allende.6- Em 1970, dado que nenhum dos candidatos havia obtido ampla maioria nas eleições, cabia ao Congresso decidir entre os dois primeiros; até então, o candidato mais votado era ratificado como presidente. Alguns setores da direita tentaram impedir a posse de Allende, mas não tiveram êxito.

Page 27: CSO4.pdf

27

www.metodista.br/ead

do General Dale Coutinho ao assumir a Chefia do Estado Maior do Exército, em 1973, “O mundo está dividido em dois hemisférios ideologicamente antagônicos e conflitantes – o comunismo e o democrático – e o povo brasileiro já fez a sua opção secular nos idos de 1500”.7

No Chile, um documento oficial, de 1974: Ante la acción premeditada o la desídia del estado y la indiferencia de la mayor parte de los organismos y entidades privadas, los marxistas fueron tejiendo una red de influencias y favoritismos que permitió que todo nuevo valor que sugiera fuese aprisionado en esta trama (…) Para recuperar la esencia nacional es necesario como primera medida extirpar de raíz y para siempre los focos de infección que desarrollan en el cuerpo moral de la patria.8

Era preciso salvar a democracia do comunismo. No entanto, tratava-se de salvá-la, não de colocá-la em prática. A violência e a arbitrariedade que se seguiram aos golpes de Estado foram proporcionais ao grau de articulação prévia da sociedade, para efetivamente impedir que setores populares da sociedade, no futuro, voltassem a se organizar.

A maior parte dos regimes militares do cone sul seguiu as bases da Doutrina de Segurança Nacional, exportada pelo governo norte-americano para o terceiro mundo no cenário da guerra fria. Essa doutrina legitimava práticas “pouco convencionais”, em função do seu fim maior: a luta contra o comunismo, ou melhor, a luta contra qualquer tentativa de modificar o estado de coisas e, principalmente, o combate a qualquer governo que fosse desfavorável aos Estados Unidos (SANTOS, 1998, p.49-50). Este país desenvolve programas de ajuda destinados a militares, policiais e civis que contemplam o envio de recursos às nações alinhadas e o treinamento de oficiais militares.

De acordo com Márcia G. Santos, em sua dissertação de mestrado, Operação Condor. Uma conexão entre as polícias do Cone Sul da América Latina (1998), entre as nações latino-americanas, o Chile é o país que recebe, em dólares, a maior ajuda financeira entre 1973 e 1977 e “depois dos países asiáticos, o Chile desponta com o maior número de militares treinados: 1.391; seguido do Brasil, 1.062, entre 1973 e 1977”, nos Estados Unidos pelo Military Assistance Program (1998, p.45).

É importante perceber que a Doutrina de Segurança Nacional desenvolveu um novo conceito de guerra, esta passaria a ter um caráter permanente, desconhecendo fronteiras e o inimigo no mais das vezes seria interno. Seus seguidores idealizam-se como representantes privilegiados dos “legítimos” anseios da nação. Nesta linha, as Forças Armadas chilenas concebem sua intervenção como uma “operação depuradora” com a finalidade de acabar “con una infección mortal” (SOLAR, 1999, p. 16). As metáforas médicas exploram a idéia de que o corpo da nação fora atingido por agentes sediciosos de fora, que pretendiam alcançar o “ser da nação”.

Os efeitos dos governos militares foram devastadores. Na Argentina há mais de 30 mil desaparecidos. No Chile a repressão atingiu milhares de pessoas, as prisões ficaram lotadas e os estádios foram utilizados para colocar os presos políticos. A tortura foi um método amplamente utilizado para conseguir informações ou, simplesmente, desmoralizar os oponentes. O Brasil exporta suas técnicas de tortura aos seus vizinhos, entre elas, o pau de arara.

O legado da era PinochetO governo militar desenvolveu um programa econômico que favoreceu a formação de grandes

grupos econômicos concentrando-os em conglomerados, impulsionou reformas sociais que revogaram o projeto de reforma agrária e as reformas trabalhistas, promovendo o debilitamento dos sindicatos em nome da liberdade de associação, entre outras medidas.

No final de seu governo, Pinochet se orgulhava dos altos índices de crescimento econômico e a propaganda oficial falava em dezesseis anos de políticas neo-liberais. O Chile foi destacado

7 - Jornal do Brasil, 04,01,1974.8 - Política Cultural Del gobierno de Chile, documento oficial publicado en 1974. Cf. MUNIZAGA, G. e CATALAN,C, Políticas Culturales Estatales, CENECA, Santiago, 1986.

Page 28: CSO4.pdf

Universidade Metodista de São Paulo

28

internacionalmente como um exemplo a ser seguido na América Latina, pela implementação de políticas neoliberais. Entretanto, este é um tema controverso.

Nesses anos de desconstrução de um Estado intervencionista, nos quais passa a vigorar um capitalismo neo-liberal que aprofunda as desigualdades, os trabalhadores sofrem as conseqüências, o regime militar terminou com altos índices de crescimento, mas com um terço da população nos níveis ou abaixo da linha da pobreza.

Para as camadas populares essa mudança significou conviver, num processo contraditório, com dois acontecimentos históricos: 1) por um lado, a derrota de paradigmas até então vigentes, seja ele o revolucionário, seja ele o reformador; 2) por outro lado, com as novas regras do jogo que este ordenamento social trazia consigo, significando um complexo e difícil processo de aprendizagem. De acordo com Moulián e Letelier, a consciência social dos atores chilenos levou anos para se adaptar ao impacto das novas políticas econômicas marcadamente individualistas, imprimindo-lhe novos códigos identitários, outras definições de pertencimento, nos quais a política cede lugar ao mercado (s/d, p.92).

Em 1988, diversamente de todo o continente, os militares chilenos planejavam mais um longo período de autoritarismo. Nesse ano seria ratificado, num plebiscito, o nome do próprio general Pinochet, para conduzir o país até 1997. Contra suas expectativas, a população, conduzida pela “Concertación por el No”, votou “Não” ao candidato único e se iniciou uma dinâmica transição. Contudo, Pinochet, com 43% dos votos válidos, se confirmava como a maior liderança individual no país, assim, permanecia com força suficiente para ditar as regras da transição e para manter os entraves autoritários que dificultaram a consolidação democrática até sua prisão na Inglaterra, em 1998.

Transições democráticasA despeito da crença de alguns governantes militares que se imaginavam eternos, como o general

Pinochet no Chile, nos anos 80 assistimos ao término dos regimes militares. No Brasil, na Argentina e no Uruguai a transição começou nos primeiros anos da década de 80; no Chile, em 1988.

O´Donnell afirma que, nos regimes burocráticos-autoritários, poder-se-ia distinguir entre os que foram economicamente destrutivos e altamente repressivos, como Argentina e Chile, cuja tendência era terminarem por colapso, devido a uma explosão dos enormes conflitos internos. O colapso levaria a um tipo de transição na qual os governantes militares não conseguiriam controlar a agenda de temas em negociação nem os resultados da mesma. “Este tipo de transição deixa a nova democracia com tremendos problemas resultantes de uma economia destruída e das profundas feridas políticas e psico-sociais da extensa repressão passada” (O´DONNELL, 1988, p.50). Por outro lado, existiram os regimes autoritários bem sucedidos economicamente e significativamente menos repressivos. Com estas características, o desprestígio e a impopularidade das Forças Armadas tenderiam a ser menores. Nestes as transições não ocorreriam por colapso, mas negociadas mediante acordos ou pactos, sendo que os militares controlariam o ritmo do processo.

Cabe dizer que, no Brasil, o imaginário de sucesso existe devido ao crescimento econômico experimentado nos anos 70, lembrado como um “milagre”. Este “milagre”, no entanto, deu-se a custas de um vertiginoso endividamento do país, bem como da intensificação da exploração dos trabalhadores e em meio a uma tremenda repressão interna.

O Brasil seria o melhor representante do tipo de transição negociada. Aqui, o componente militar pesou muito. Até praticamente o último momento, as intenções do regime e das Forças Armadas foram ambíguas com respeito à instauração de uma democracia ou de apenas uma liberalização; as mobilizações populares impulsionaram um desenlace democrático, mas não conseguiram evitar as regras autoritárias, ou seja, o Colégio Eleitoral que parecia garantir a vitória do candidato presidencial do regime. Foi realizado um pacto entre políticos oposicionistas e alguns atores políticos do governo, já então dissidentes, no recém criado Partido da Frente Liberal, que detinham um número considerável

Page 29: CSO4.pdf

29

www.metodista.br/ead

de cadeiras no Congresso, o que lhes deu uma grande capacidade de negociação ao se formar a Aliança Democrática. Às vésperas da eleição, ocorreu um típico fenômeno oportunista: a evidência de que já se formara uma maioria em torno da candidatura de Tancredo Neves levou um número maior de políticos situacionistas a apoiá-lo e a abandonar o candidato situacionista Paulo Maluf. “A transição brasileira foi canalizada por meio de um acordo de praticamente “todos com todos”, lembra Guillermo O´Donnell (1988, p. 56). É preciso recordar também o interesse dos setores burgueses na continuidade do modelo econômico implementado durante o regime militar que desempenharam um papel preponderante no desenho uma transição lenta e paulatina.

O´Donnell acredita que as graves dificuldades enfrentadas pela consolidação democrática no Brasil são devidas, paradoxalmente, ao relativo sucesso econômico e à baixa repressividade do regime militar, uma vez que há uma memória menos claramente negativa do regime precedente, não há desprestígio das Forças Armadas (assim elas permanecem com uma fatia de poder) e pela inexistência de renovação nos quadros políticos, o que leva a uma insuspeitada continuidade no estilo de fazer política. (O´DONNELL, p. 58-61).

Para alguns autores, numa análise sobre as transições à democracia, primeiramente é fundamental se pensar até que ponto os regimes militares foram bem sucedidos em seus projetos de mudar a sociedade. Até meados da década de 80, admitia-se um único país com sucesso relativo no plano econômico, o Brasil, e um rotundo fracasso, a Argentina. A partir de 1988, com a recuperação dos níveis de crescimento da economia chilena, este país também foi incluído na lista das economias bem sucedidas (em alguns aspectos macroeconômicos: redução da dívida externa, baixa inflação, estabilidade econômica). Nos planos social e político esses governos – supostamente bem sucedidos – legaram estruturas autoritárias de estado muito mais consolidadas do que as que existiam anteriormente; na esfera cultural, ocorreram mudanças significativas, uma vez que os aspectos de um programa econômico de tipo capitalista extravasaram para todos os âmbitos da sociedade, mudando seus valores, ideais e projetos. Weffort afirma que no Brasil ocorreu a generalização do ethos capitalista “pesem as restrições da população ao regime militar, o sistema econômico capitalista alcançou, neste período uma grande aceitação popular e, deste modo, uma legitimidade muito mais notável do que em qualquer outra época da história do país” (WEFFORT, 1989). O mesmo se afirma com respeito ao Chile.

Umas das transformações a se destacar neste processo é a mudança de enfoque com relação ao tema da democracia no começo dos anos 80. Muitos pesquisadores afirmam que as lutas contra o autoritarismo na América Latina, não foram só contra os regimes autoritários; foram também pela democracia como sistema de governo (GARRETÓN, 1989; O´DONNELL, 1988 e WEFFORT, 1989). Ela passa a ser considerada não só como um regime desejável de articulação da vida política, mas também como um caminho eficaz, embora lento, para assegurar sociedades mais justas e igualitárias. Hoje não se tem tanta certeza.

Page 30: CSO4.pdf

Universidade Metodista de São Paulo

30

ReferênciasCASANOVA, Pablo González. História contemporânea da América Latina. São Paulo: Vértice, 1987.

HOBSBAWM, E. Era dos extremos. São Paulo: Companhia das Letras, 1997.

MOULIAN, T. Chile Actual: Anatomía de un mito. Santiago, Arcis Universidad, LOM Editores, 1997.

_________; LETELIER. Sectores populares, autoritarismo y democracia en Chile. In. NUN, J.,

SINGER, P., MOULIAN, T, LETELIER, L., ROSPIGLIOSI, F., LEON, A.S., Clases populares, crisis y democracia en América Latina. Lima: Instituto de Estudios Peruanos, s/d.

O´DONNELL, Guillermo; SCHMITTER, P.; WHITEHEAD, L. (Orgs). Transições do regime Autoritário: América Latina. São Paulo: Vértice, 1988.

SANTOS, Marcia. Operação condor. 1998. Dissertação Mestrado. PROLAM-USP, (mimeo).

SOLAR, J.S. Prólogo. In VITALE et. al. Para recuperar la memoria histórica. Frei, Allende y Pinochet. Santiago: CESOC, 1999.

WEFFORT, Francisco. Qual democracia? São Paulo: Companhia das Letras, 2. edição, 1994.

Imagem 4 Disponível em: <http://pt.wikipedia.org/wiki/Imagem:Fo_g0039.jpg>. Acesso em: 23 jun 2008Imagem 5 Disponível em: <http://pt.wikipedia.org/wiki/Imagem:Juan_Peron_con_banda_de_presidente.jpg>. Acesso em 23 jun 2008Imagem 6 Disponível em: <http://pt.wikipedia.org/wiki/Imagem:Pr032206a_6.jpg>. Acesso em 23 jun 2008

Guantanamera Direção: Tomás Gutiérrez Alea Origem: Cuba, Espanha, Alemanha 1995

Habana Blues Direção: Benito Zambrano Origem: Espanha / Cuba / França 2005

FilmesMachuca Direção: Andrés Wood Origem: Chile / Espanha / Reino Unido / França 2004

A História Oficial Direção: Luis Puenzo Origem: Argentina 1985

Page 31: CSO4.pdf

Módulo

www.metodista.br/ead

Globalização neoliberal e a

questão ambiental

Resumo:O presente texto discute os impactos do desenvolvimento capitalista sobre

o meio ambiente, no contexto da globalização neoliberal. Estabelece

relações entre desenvolvimento econômico, desigualdade social e a

degradação ambiental, observando o papel dos movimentos sociais na luta pela

preservação ambiental e por um modelo de sociedade centrado na igualdade.

Palavras-chave: Globalização neoliberal; meio ambiente;

mundialização e movimentos sociais.

Oswaldo de Oliveira Santos Junior

Relações mundializadas, novas tecnologias e neoliberalismo

Graduado em Estudos Sociais/Geografia pelo Centro Acadêmico Faculdades Integradas do Ipiranga (1992) e bacharel em Teologia

pela Universidade Metodista de São Paulo (2003). Mestre em Ciências da Religião, na área de Práxis Religiosa e Sociedade, pela

Universidade Metodista de São Paulo.

Page 32: CSO4.pdf

Universidade Metodista de São Paulo

32

O debate sobre a questão ambiental possibilita diferentes abordagens. Duas delas são antagônicas e, por isso, necessitam ser explicitadas: a primeira pretende acomodar os interesses capitalistas às necessidades humanas e vê uma possível “humanização” e harmonização entre o meio ambiente e os interesses capitalistas; a segunda abordagem diverge radicalmente e implica num tipo de enfrentamento com o projeto econômico dominante, que expropria e explora as riquezas da humanidade, o que inclui a natureza. Compreende-se, por exemplo, a globalização neoliberal, como um entrave para os projetos de sustentabilidade do meio ambiente e a plena realização de uma sociedade fundamentada nos ideais de justiça e igualdade.

Desta forma, se observa a necessidade de se incluir no debate sobre a questão ambiental os desdobramentos da globalização neoliberal em curso, o que possibilita a reflexão e o aprofundamento sobre estes fenômenos, visto que eles são interdependentes.

Globalização e meio ambiente A globalização (neoliberal) é um desdobramento de situações anteriores de exploração e

expropriação do trabalho e da riqueza (material e imaterial) da humanidade, que, ao longo dos últimos séculos, experimenta a ampliação e o aperfeiçoamento das formas de circulação de mercadorias e no modo de produzir bens e capitais, até chegarmos à fase atual denominada globalização neoliberal ou mundialização, conforme François Chesnais. A globalização é um complexo sistema de dominação e apropriação das riquezas dos povos, do mais forte sobre o mais fraco, ou seja, “a globalização é a ‘nova desordem mundial’” (BAUMAN, 1999, p. 66), num mundo em que não existe um centro definidor e controlador que seja visível e a previsibilidade das ações econômicas e políticas seja possível. Assim, como assevera Zigmund Bauman (1999, p. 67): “globalização (...) refere-se primordialmente aos efeitos globais, notoriamente não pretendidos e imprevistos, e não às iniciativas e empreendimentos globais”, ou seja, não existe um projeto global voltado para o humano, no qual a dinâmica imposta pelo capital visa atender tão somente seus interesses; neste contexto, a natureza transforma-se em mercadoria, como tudo o mais, e sua exploração torna-se essencial para a consolidação e ampliação do projeto neoliberal.

Na avaliação do sociólogo István Mészáros, na presente fase do capitalismo dois aspectos possuem importância fundamental: o primeiro é a tendência de integração global do capital, que não pode ser assegurada no plano político devido à multiplicidade de Estados Nacionais, quase sempre com interesses antagônicos; o segundo aspecto é que, não obstante todas as tentativas de dominação (inclusive pela força), “o capital foi incapaz de produzir o estado do sistema do capital como tal” (MÉSZÁROS, 2003, p. 12) Assim,

Dada a atual situação do desenvolvimento, com seus grandes problemas intrínsecos que reclamam uma solução duradoura, somente uma resposta universalmente válida pode funcionar. Mas, não obstante sua globalização imposta, o sistema irreversivelmente perverso do capital é estruturalmente incompatível com a universalidade, em cada sentido do termo (p.16).

Meio ambienteConjunto dos agentes

físicos, químicos, biológicos e dos fatores sociais

susceptíveis de exercerem um efeito direto ou mesmo

indireto, imediato ou a longo prazo, sobre todos os seres vivos, inclusive o homem (seres humanos). (VOCABULÁRIO BÁSICO

DE RECURSOS NATURAIS E MEIO AMBIENTE. Verbete: Meio ambiente. Rio de Janeiro, IBGE, 2004, 2ª edição. Disponível em:

<http://www.ibge.gov.br/home/presidencia/noticias/

vocabulario.pdf>. Acesso em: Junho 2008.).

Page 33: CSO4.pdf

33

www.metodista.br/ead

Os problemas causados pela globalização pedem respostas globais, por se tratar de questões que atingem a todos os grupos humanos em diversas dimensões (políticas, sociais, econômicas e ambientais). Entretanto, as regras impostas pela invisível mão do mercado tornam a aplicação de soluções globais algo complexo no sistema capitalista, isto porque o capitalismo se articula numa rede de contradições e paradoxos, ao mesmo tempo em que exige a ampliação dos mercados, a livre concorrência e circulação de mercadorias, além das restrições e protecionismos, do monopólio e do controle da produção.

Outra contradição, apontada por Mészáros, é “a tendência globalizante do capital transnacional no domínio econômico e a dominação continuada dos Estados nacionais como estrutura abrangente de comando da ordem estabelecida” (p. 33); ou seja, mesmo diante da tendência globalizante e liberal, o Estado nacional permanece como avalista último dos grandes conglomerados, favorecendo, em muitos casos, a degradação ambiental, não penalizando com rigor os crimes cometidos contra o meio ambiente.

Estado e interesses corporativosAo discutir a questão do Estado no mundo contemporâneo, Bauman inicia sua argumentação

a partir das bases históricas que levaram à criação do Estado moderno, afirmando que este é resultado da combinação de três elementos: 1. capacidade militar; 2. auto-suficiência econômica; e 3. especificidade cultural. Estes três elementos, ou tripé do Estado moderno, foram quebrados, em especial o pé econômico, tornando tanto os novos Estados como os mais antigos, frágeis diante das pressões (econômicas e ambientais) do mercado cada vez mais global. Assim:

Estados fracos são precisamente o que a Nova Ordem Mundial, com muita freqüência encarada com suspeita como nova desordem mundial, precisa para sustentar-se e reproduzir-se. Quase-Estados, Estados fracos podem ser facilmente reduzidos ao (útil) papel de distritos policiais locais que garantem o nível médio de ordem para realização de negócios (...) (BAUMAN, 1999, p. 76).

Ou seja, “a globalização nada mais é que a extensão totalitária de sua lógica a todos os aspectos da vida. Os Estados não têm recursos suficientes nem liberdade de manobra para suportar a pressão” (p. 73), imposta pelo mercado, inclusive no que diz respeito às questões ambientais. Para ilustrar a forma dependente em que os Estados se vêem frente ao mercado, lemos as declarações do subcomandante Marcos:

No cabaré da globalização, o Estado passa por um strip-tease e no final do espetáculo é deixado apenas com as necessidades básicas: seu poder de repressão. Com sua base material destruída, sua soberania e independência anuladas, sua classe política apagada, a nação-estado torna-se um mero serviço de segurança para as mega empresas (p. 74).

Assim, os Estados devem se ausentar da esfera econômica, sob pena de serem punidos pelos mercados. A única função atribuída aos Estados é a de garantir o equilíbrio do orçamento e a repressão (local) dos movimentos sociais que resistem diante das expropriações de suas riquezas.

Favela em São Paulo

Imagem 7

Os problemas causados pela globalização pedem respostas globais, por se tratar de questões que

atingem a todos os grupos humanos em diversas dimensões (políticas, sociais, econômicas e

ambientais).

Page 34: CSO4.pdf

Universidade Metodista de São Paulo

34

A reflexão feita por Bauman está em consonância com Mészáros, quando afirma que “As forças erosivas são transnacionais. No entanto, as nações-estado continuam sendo as únicas estruturas para um balanço e as únicas fontes de iniciativa política efetiva” (p. 64). O Estado passa a ter a função quase que exclusiva de deter e limitar quaisquer intenções que venham frustrar os interesses dos capitais e têm o papel de legitimar as formas de dominação impostas pelos grandes conglomerados, ou seja, um Estado operando em favor do capital.

Há, sem dúvida, um enfraquecimento do Estado, mas não a sua supressão, pois, sem a ajuda externa, o apoio que recebe do Estado, o sistema do capital não pode ser mantido por muito tempo (MÉSZÁROS, 2003, p.29).

François Chesnais e a mundializaçãoPara o economista francês François Chesnais (2005),

a mundialização corresponde aos encadeamentos entre uma diversidade de fatores, tais como, “punções da finança sobre o investimento público e privado, redução do Estado, mobilidade internacional do capital – cujos efeitos cumulativos representam um terrível obstáculo para o crescimento e, portanto, do emprego” (CHESNAIS, 2005, p.18). Desta forma Chesnais conceitua mundialização, como um fluxo intenso de capitais em busca de melhores mercados.

Em sua reflexão, Chesnais (2005) afirma que a estrutura econômica internacional atual, baseada na dominação do capital, resulta da articulação de dois processos: o primeiro é o ressurgimento e a consolidação de uma forma específica de acumulação de capital, em que uma parcela cada vez maior de pessoas “conserva e forma dinheiro e pretende se valorizar pela via de aplicações financeiras nos mercados especializados” (p.20); o segundo processo ocorre a partir de Ronald Reagan (EUA) e Margaret Thatcher (Inglaterra), com a imposição de políticas de liberalização, desregulamentação, privatização e flexibilização (idem, ibid). A precarização e a flexibilização das leis trabalhistas, por exemplo, tornaram-se marcas da globalização neoliberal.

Bauman descreve este ambiente da seguinte forma:Modernizar a maneira como a empresa é dirigida consiste em tornar o trabalho “flexível” – desfazer-se da mão-de-obra e abandonar linhas de produção de uma hora para outra, sempre que uma relva mais verde se divise em outra parte, sempre que possibilidades comerciais mais lucrativas, ou mão-de-obra mais submissa e menos dispendiosa, acenem ao longe. (...) o próprio capital já se tornou encarnação da flexibilidade (BAUMAN, 1998, p. 50).

A mundialização capitalista – neoliberal – entrou em uma nova fase, no final do século XX, em que os grandes conglomerados, bancos e fundos de investimentos, em especial dos países centrais, foram quase que exclusivamente os únicos beneficiários. Argumentando nesta mesma direção, Chenais (2005, p.21) afirma que:

A consolidação da mundialização como um regime institucional internacional do capital concentrado conduziu a um novo salto na polarização da riqueza. Ela acentuou a evolução dos sistemas políticos rumo à dominação das oligarquias obcecadas pelo enriquecimento e voltadas completamente para a reprodução da sua dominação.

A precarização e a flexibilização das

leis trabalhistas, por exemplo, tornaram-se

marcas da globalização neoliberal.

Page 35: CSO4.pdf

35

www.metodista.br/ead

Os interesses dessas oligarquias é que ditam as decisões planetárias, afetam as vidas de bilhões de pessoas e aceleram crises políticas, sociais e ecológicas, ou seja, ameaçam diretamente a reprodução da vida das populações e das camadas sociais mais pobres e vulneráveis. Desta forma fica bastante evidente que as questões locais não podem ser debatidas como temas restritos ao lugar, mas são, antes, problemas de ordem global, exigindo, portanto, soluções de cunho global, a partir da análise da macroestrutura.

Diante dessa questão, encontramos diversos problemas. Em todos os países em que as oligarquias jamais perderam espaço, como é o caso do Brasil, e dos demais países da América Latina, a implantação das políticas neoliberais reforçou seus direitos de propriedade e aprimorou os mecanismos de acumulação de capital com as flexibilizações, desregulamentações dos direitos trabalhistas e degradação ambiental, possibilitando, ainda, ganhos nos mercados especulativos.

Há de se ressaltar que o avanço das políticas e dos mecanismos de acumulação, proposto pelo neoliberalismo, é hoje forte gerador de tensões sociais, políticas e ambientais que eclodem sistematicamente no interior das sociedades submetidas ao projeto neoliberal, conforme a análise feita por Chesnais (2005, p. 22):

Os países nos quais a formação de oligarquias “modernas” poderosas avançou junto com fortes processos endógenos de acumulação financeirizada e a valorização de “vantagens comparativas” conforme as necessidades das economias centrais, (...) são hoje integradas ao funcionamento do regime internacional da mundialização.

Expansão capitalista: a natureza como “capital natural”Conforme David Harvey (1996, p. 166-169) existem três características básicas, e

também contraditórias, no que se denomina globalização e que levam o capitalismo a crises constantes e também ao seu ataque voraz sobre o meio ambiente. São elas:

1. A necessidade do crescimento incondicional, no qual se faz necessária a manutenção da expansão constante, mesmo ao custo da degradação do ambiente;

2. O fato de se basear na exploração do trabalho e do seu contínuo controle, gerando o permanente conflito entre capital e trabalho e;

Imagem 8

Os interesses dessas oligarquias é que ditam as decisões

planetárias, afetam as vidas de bilhões de pessoas e aceleram

crises políticas, sociais e ecológicas, ou seja, ameaçam

diretamente a reprodução da vida

das populações e das camadas sociais mais pobres e vulneráveis.

Page 36: CSO4.pdf

Universidade Metodista de São Paulo

36

3. O fato de o crescimento ser uma necessidade vital do capitalismo, tornando as transformações técnicas e administrativas essenciais na busca pelo lucro.

Ainda de acordo com Harvey, seria impossível se obter um desenvolvimento livre e equilibrado do sistema capitalista a partir da combinação dessas três condições básicas. Desta forma as crises (econômicas, ambientais, etc.) são inevitáveis.

Diante dessas questões é necessário refletir sobre a relação entre o local e o global, com o objetivo de elaborar análises e ações que efetivamente contribuam para resistir a esse caráter da globalização neoliberal.

Pensar local e agir global?“Pense globalmente, aja localmente”.

Certamente este é um slogan falacioso, que carrega consigo parte do pensamento dos ideólogos da globalização neoliberal. As pessoas que estão alheias aos processos de decisão global talvez considerem como única possibilidade a intervenção tão somente (MÉSZÁROS, 2003, p.48) em nível local. Não se pode ignorar a importância das ações locais ou contextuais de forma adequada. Entretanto, a frase nos chama a atenção para um “pensar” global, que é isento de crítica e reflexão e que se conforma com a inevitabilidade da exploração imposta pelo mercado global, que segue fazendo suas vítimas (p. 48).

Diante desta questão Mészáros (p. 48) adverte afirmando que:

... uma vez que se divorcia o “global” de sua inserção nos múltiplos ambientes nacionais, desviando a atenção das relações contraditórias que entrelaçam os Estados, também o “Local”, dentro do qual se espera agir, torna-se absolutamente míope e em última análise sem significado.

Não há duvida de que as ações todas são exercidas no local, num determinado contexto, e que necessitam de análises também contextuais, entretanto, tais análises necessitam dar o salto de uma consciência comum para uma consciência reflexiva, ou seja, para o exercício da práxis, que supere a miopia da análise local considerando a relevância das questões globais que, em última instância, é onde as forças econômicas agem e as decisões são efetivamente tomadas, afetando a vida de todas as pessoas.

Acerca dessa questão, Bauman assegura que não existe na atualidade uma localidade com o que ele chama de “arrogância” suficiente para falar em nome da humanidade e conter o descontrole absoluto (BAUMAN, 1999, p.66), imposto pela velocidade com que o capital especulativo avança sobre todas as economias.

Pense globalmente, aja localmente”.

Certamente este é um slogan falacioso, que carrega consigo parte do pensamento

dos ideólogos da globalização

neoliberal.

Ainda de acordo com Harvey, seria impossível

se obter um desenvolvimento livre e equilibrado do

sistema capitalista a partir da combinação dessas três condições básicas. Desta

forma as crises (econômicas, ambientais, etc.) são

inevitáveis.

Page 37: CSO4.pdf

37

www.metodista.br/ead

Notam-se inúmeros problemas socioambientais que possuem sua origem nas esferas de dominação global. A mais séria das atuais tendências de dominação econômica, seja a maneira voraz e perdulária com que os Estados Unidos, por exemplo, tomam para si os recursos de energia e de matérias-primas do mundo, algo em torno de 25% das riquezas naturais para uma população que corresponde a aproximadamente 4% da população mundial (MÉSZÁROS, 2003, p.53), transformando questões ambientais em temas globais, econômicos e geopolíticos.

“Ser local num mundo globalizado é sinal de privação e degradação social” (BAUMAN, 1999, p.8). A ilusão da mobilidade é fortemente presente na classe trabalhadora, que é local, enquanto a elite (que é global) possui plena mobilidade mas não necessita dela. As comunidades locais não possuem voz nas decisões tomadas pelo capital; assim, um pensar global e uma ação local, quando destituídos de reflexão e da práxis, somente contribuem para os interesses do capital e seus investidores globais e a perpetuação dos mecanismos de exploração e acumulação de riqueza nas mãos da elite global.

Movimentos sociais: “invenções democráticas”O tema “movimentos sociais” perpassa parte dos estudos produzidos pelas ciências sociais e não

aparece como um modismo acadêmico, pois é possível identificar estudos sobre os movimentos sociais desde 1840, com Lorens Von Stein, que propôs um estudo sobre o movimento proletário na França e dos movimentos comunista e socialista que emergiam no mesmo período (GOHN, 2004a, p.328-329).

De 1840 até 1960, a totalidade quase absoluta da pesquisa sobre os movimentos sociais se ocupou da organização dos trabalhadores urbanos, em especial as lutas sindicais; os primeiros estudos que se distanciaram desta linha de pesquisa foram feitos tendo os distúrbios populares (os chamados riots1 - motins) como objeto de estudo, a partir de 1960 (p.329).

A partir dos anos 1950, a pesquisa fundamentada no pensamento marxista compreendeu a ação dos movimentos sociais como resultado da práxis dos mesmos e da luta de classes. Maria da Glória Gohn analisa essa questão afirmando que:

Os estudos críticos, associados à perspectiva marxista, inseriam sempre o conceito de movimentos sociais na questão da reforma ou revolução. Como decorrência os movimentos eram analisados como reformistas, reacionários ou revolucionários (p.330).

Ser local num mundo globalizado é sinal de privação e

degradação social

(BAUMAN, 1999, p.8).

1- “WATTS RIOTS” Em 11 de agosto de 1965, um jovem afro-americano foi abordado por policiais de Los Angeles, em “Watts”, sob a acusação de estar dirigindo embriagado. Enquanto o policial interrogava o rapaz, houve uma aglomeração de pessoas. Com a chegada da mãe do rapaz, teve início uma discussão que terminou na prisão da mãe e filho, o que gerou o protesto das pessoas que presenciavam a cena. Os policiais usaram de força física (bastões) para contê-los. Após a Polícia deixar o local, a população que presenciou a cena, alegando brutalidade policial concisa, deu início a um tumulto generalizado que durou seis dias, deixando trinta e quatro pessoas mortas, um mil feridos, quatro mil presos e prejuízos patrimoniais que ultrapassaram a casa dos cem milhões de dólares. Tal levante recebeu o nome de “Watts Riots” e o Departamento de Polícia de Los Angeles teve enormes dificuldades em contê-lo, já que, a bem da verdade, os oficiais de Polícia de então não tinham preparo tático (em confronto urbano e/ou controle de distúrbios civis) e armas especiais para o enfrentamento de situações que escapassem à normalidade. É de se registrar que, ante ao despreparo da Polícia de Los Angeles para o atendimento de situações desse tipo, a Guarda Nacional teve que ser acionada para por termo ao impasse. LESSA, Marcelo de Lima. As origens das operações especiais. Disponível em: <http://www.gestorseg.com.br/>. Acess em: Abril de 2008.

Page 38: CSO4.pdf

Universidade Metodista de São Paulo

38

É possível identificar os movimentos por suas ações, sejam elas reformistas que visam ajustes pontuais na sociedade e a acomodação de determinadas demandas sociais, e que negam, portanto, a luta de classes e acreditam na possibilidade de colaboração entre as classes sociais, pensando ser possível “humanizar capitalismo” gerando um estado de prosperidade para todos a partir de mudanças na legislação; os movimentos reacionários, que desejam a manutenção dos privilégios ou o retrocesso para patamares vantajosos para a classe dominante; e os movimentos revolucionários, que buscam a transformação social, política e econômica na sua radicalidade (Breve Dicionário Político). A legitimidade, portanto, de um movimento social se fundamenta nas suas ações.

Na observação de Maria da Glória Gohn os movimentos sociais são vistos como ações coletivas de caráter sócio-político e cultural que programam formas diferentes de organização popular, representando forças sociais organizadas e reunidas que criam cotidianamente soluções criativas frente às adversidades que enfrentam; essas soluções incluem a resistência contra a degradação ambiental. (2004b, p.13-15).

Entretanto, a partir dos anos 1990, o que se observou foi o surgimento de “novos” protagonistas nas lutas sociais e a diminuição da força do proletariado tradicional e dos movimentos sociais encabeçados por eles. Os sindicatos e partidos políticos vêm perdendo suas forças de organização social, deixando para os “novos” movimentos sociais um enorme desafio. Estes “novos” atores sociais, por sua vez, se encontram fora do sistema de produção capitalista e, por isso mesmo, têm buscado formas diferentes de lutas sociais tais como: o fechamento de ruas (piqueteiros na Argentina), as mobilizações contra barragens do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB) e as ocupações de terras e a eliminação de lavouras de plantas transgênicas (MST no Brasil). O surgimento desses novos atores tem sido um constante desafio teórico nas ciências sociais, já que “estes movimentos teimam em fazer lutas de classes em outros moldes, diferentes do proletariado tradicional” (MACHADO, 2006, p.12-13).

No que diz respeito à luta ambiental é importante observar que as tendências tidas como reformistas aparentemente são dominantes na mídia e, certamente, na América Latina ocorrem também movimentos conservadores, alguns fundamentados em idéias desenvolvimentistas.

Por outro lado, há movimentos que, em sua práxis, objetivam a libertação e a justiça, realizando análises das conjunturas e atuando sobre elas de forma a transformá-las, construindo propostas, e resistindo a toda forma de degradação ambiental; estas são as “invenções democráticas”, ou seja, formas de organização, de luta e resistência à hegemonia do projeto neoliberal, que a classe trabalhadora encontra para impor limites às ações perversas do capital (MACHADO, 2005).

Considerações finaisA natureza é uma herança da humanidade, um

bem de todas as criaturas, e sua preservação passa pela luta contra as estruturas perversas do modelo econômico hegemônico no planeta, que transforma tudo e todos em mercadoria.

Um novo paradigma de sociedade é necessário: um modelo centrado na solidariedade e na igualdade, capaz de olhar sobre todas as dimensões que envolvem a vida em sociedade de forma integral, sem a fragmentação que impera nas análises atuais, compreendendo que a “paisagem é sempre uma herança”, e que “mais do que simples espaços territoriais, os povos herdam paisagens e ecologias, pelas quais certamente são responsáveis, ou deveriam ser responsáveis” (AB’SABER, 2003). Assim, certamente, nossa abordagem e comprometimento com as causas ambientais seria muito mais ampla.

Imagem 9

Page 39: CSO4.pdf

39

www.metodista.br/ead

É bastante evidente que a manutenção deste sistema econômico, centrado exclusivamente no acúmulo de capitais, impossibilita uma relação harmônica com o meio ambiente e o ser humano.

A compreensão do meio ambiente como uma herança, leva-nos ao entendimento de que estamos diante de um bem para toda a humanidade e que, portanto, deve ser preservado como tal.

É necessário compreender que o aumento dos níveis de pobreza, da degradação do ambiente e do desemprego, são todos fenômenos que estão intimamente interligados e têm como origem uma lógica econômica, que exclui e marginaliza o indivíduo ao mesmo tempo em que explora o ambiente em seu desejo insaciável de acúmulo de riqueza.

Pensar o ambiente somente na esfera local e dissociado de outros temas, é efetuar a análise simplista e reducionista, apontada diversas vezes por Ab’Saber (2003), e que não contribui para uma mudança efetiva rumo à preservação e conservação do planeta e da justiça social.

Assim, os sérios problemas ambientais (efeito estufa, camada de ozônio, aquecimento global, etc.), embora percebidos mais facilmente em nível local, têm origem num sistema econômico global, por isso são necessárias ações que tenham como referência as questões globais. Um exemplo é o debate sobre o protocolo de Kioto e a negação dos EUA em assinar o tratado.

Protocolo de Kioto. Acordo internacional assinado por vários países, entre eles o Brasil, que tem como objetivo principal estabilizar as concentrações de gases de efeito estufa na atmosfera num nível que não desencadeie mudanças drásticas no sistema climático mundial, assegurando que a produção de alimentos não seja ameaçada, que o crescimento econômico prossiga de modo sustentável e que não haja a elevação do nível dos mares. Pelo Protocolo de Kioto os países mais industrializados deveriam reduzir a emissão de gases de efeito estufa, principalmente de CO2, em 5,0 %, tendo como referência o nível registrado de emissões em 1990. Para tal seriam incentivados os Mecanismos de Desenvolvimento Limpo (MDL) e o Comércio de Emissões. O Acordo ainda não foi implementado, embora alguns países industrializados já o estejam implementando (Japão, Comunidade Européia). (VOCABULÁRIO BÁSICO DE RECURSOS NATURAIS E MEIO AMBIENTE. Verbete: Protocolo de Kioto. Rio de Janeiro, IBGE, 2004, 2ª edição. Disponível em: <http://www.ibge.gov.br/home/presidencia/noticias/vocabulario.pdf>. Acesso em: Junho 2008.).

A natureza é uma herança da

humanidade, um bem de todas as criaturas, e sua preservação passa

pela luta contra as estruturas perversas

do modelo econômico hegemônico no planeta, que transforma tudo e todos em mercadoria.

Page 40: CSO4.pdf

Universidade Metodista de São Paulo

40

Efeito estufa. Capacidade que a atmosfera da Terra apresenta de reter parte da radiação térmica emitida pela superfície do planeta. A luz solar atravessa a atmosfera e após ser interceptada e parcialmente absorvida pelas superfícies sólidas e massas d’água, é reemitida como radiação térmica (calor), que encontra dificuldade para sair da atmosfera. A atmosfera é transparente a luz, mas translúcida ao calor. O Efeito Estufa garante temperaturas mais altas na superfície da Terra, e minimiza as variações diárias e estacionais de temperatura. Sem este fenômeno a temperatura do planeta seria bem mais baixa. Entre os gases responsáveis pelo Efeito Estufa estão o CO2, o CH4 e o vapor d’água. Embora seja um fenômeno natural, a ação do Homem pode intensificá-lo, promovendo um aumento significativo da temperatura na superfície do planeta. Isto pode levar a reorganização climática, com derretimento de geleiras, elevação do nível dos mares, inundação de áreas, etc, com prejuízos a boa parte da população humana.

A interferência do Homem neste fenômeno se dá, principalmente, pela queima de combustíveis fósseis e de florestas (biomassa), com o lançamento na atmosfera de grandes quantidades de CO2. (VOCABULÁRIO BÁSICO DE RECURSOS NATURAIS E MEIO AMBIENTE. Verbete: Efeito estufa. Rio de Janeiro, IBGE, 2004, 2ª edição. Disponível em: <http://www.ibge.gov.br/home/presidencia/noticias/vocabulario.pdf>. Acesso em: Junho 2008.)

Camada de ozônio. Parte da atmosfera superior, situada entre 20km e 35km de altitude, na camada estratosférica, com elevada concentração de ozônio e que absorve grandes proporções da radiação solar na faixa do ultravioleta, evitando que a mesma alcance a Terra em quantidades consideradas perigosas. Ozonosfera. (VOCABULÁRIO BÁSICO DE RECURSOS NATURAIS E MEIO AMBIENTE. Verbete: Camada de ozônio. Rio de Janeiro, IBGE, 2004, 2ª edição. Disponível em: <http://www.ibge.gov.br/home/presidencia/noticias/vocabulario.pdf>. Acesso em: Junho 2008.).

Desta forma...Como cuidar desta herança? Que futuro nós estamos construindo para as próximas gerações se

mantivermos os níveis de degradação ambiental? Como aprofundar a reflexão sobre a transposição do Rio São Francisco e a questão amazônica?

O certo é que já faz algumas décadas que o discurso ecológico ganhou espaço na mídia e nas

Page 41: CSO4.pdf

41

www.metodista.br/ead

plataformas políticas, mas, quase sempre, como forma de silenciar ou contentar temporariamente os movimentos sociais que levantam a bandeira da questão ambiental, da fome e da miséria.

Aquecimento global. Elevação da temperatura média anual do planeta Terra causada pelo aumento das concentrações na atmosfera dos chamados gases estufa, incremento este provocado, sobretudo, pelas atividades antrópicas (atividade humana). (VOCABULÁRIO BÁSICO DE RECURSOS NATURAIS E MEIO AMBIENTE. Verbete: Aquecimento global. Rio de Janeiro, IBGE, 2004, 2ª edição. Disponível em: <http://www.ibge.gov.br/home/presidencia/noticias/vocabulario.pdf>. Acesso em: Junho 2008.).

Observam-se uma infinidade de documentários e programas feitos para a TV e para o cinema que pretendem discutir e alertar para a questão ambiental, entretanto, esses mesmos documentários não sensibilizam, não educam e não tocam na questão central: o modelo de desenvolvimento econômico, que exclui da agenda a sensibilidade com os humanos e com a natureza.

Existe muito para ser debatido, a temática ambiental é ampla e complexa, perpassa outras questões e, por isso, não é possível uma aproximação que não seja interdisciplinar.

Entretanto, em um sistema que transforma tudo em mercadoria, é de se esperar que o meio ambiente também seja tratado dessa forma, sendo explorado e consumido. Nas palavras do sociólogo inglês István Mészáros (2003, p.23), vemos o quanto esse debate precisa ser aprofundado:

Quando Jonas Salk recusou-se a patentear a sua descoberta da vacina contra a poliomielite, dizendo que seria o mesmo que pretender “patentear o Sol”, ele não imaginava que chegaria o tempo em que o capital seria forçado a tentar exatamente isso, patentear não somente o sol, mas também o ar, ainda que isso implicasse o abandono de toda preocupação pelos perigos mortais que essas ambições trazem para a sobrevivência humana.

Assim, é necessário compreender que a luta dos ambientalistas deve ser a mesma dos trabalhadores, estudantes e de todos aqueles que lutam por um modelo de sociedade fundamentado na igualdade e na justiça, um mundo marcado pela valorização do humano e pela igualdade entre as pessoas.

É necessário compreender que a

luta dos ambientalistas deve ser a mesma dos trabalhadores,

estudantes e de todos aqueles que

lutam por um modelo de sociedade

fundamentado na igualdade e na justiça, um mundo marcado

pela valorização do humano e pela igualdade entre as

pessoas.

Page 42: CSO4.pdf

Universidade Metodista de São Paulo

42

ReferênciasAB´SABER, Aziz. Os domínios de natureza no Brasil. São Paulo: Ateliê Editorial, 2003.

BAUMAN, Zigmund. Globalização: as conseqüências humanas. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1999.

___________. O mal estar da pós-modernidade. Rio de. Janeiro: Jorge Zahar, 1998.

CHESNAIS, François (Org.). A finança mundializada: raízes sociais e políticas, configuração, conseqüências. São Paulo: Boitempo, 2005.

GOHN, Maria da Glória. Teoria dos movimentos sociais: paradigmas clássicos e contemporâneos. 4. ed. São Paulo: Loyola, 2004.

__________ (Org.). Movimentos sociais no início do século XXI: antigos e novos atores sociais. São Paulo: Vozes, 2004.

HARVEY, David. Condição pós-moderna: uma pesquisa sobre as origens da mudança cultural, 6. ed. São Paulo: Loyola, 1996.

MACHADO, Eliel Ribeiro. Lutas e resistências na América Latina hoje. Londrina: UEL/GEPAL, Revista lutas e resistências, Nº. 1, set. 2006.

MACHADO, Eliel Ribeiro. Na contramão do neoliberalismo: sem-terra e piqueteiros. Revista Espaço Acadêmico, n. 50, Julho/2005. Disponível em: <www.espacoacademico.com.br>. Acesso em: abril de 2008.

MÉSZÁROS, István. O século XXI, socialismo ou barbárie? São Paulo: Boitempo, 2003.

VOCABULÁRIO BÁSICO DE RECURSOS NATURAIS E MEIO AMBIENTE. Rio de Janeiro, IBGE, 2004, 2ª edição. Disponível em: <http://www.ibge.gov.br/home/presidencia/noticias/vocabulario.pdf>. Acesso em: Junho 2008.).

Imagem7Disponível em: <http://pt.wikipedia.org/wiki/Favela>. Acesso em 23 jun 2008Imagem 8Disponível em: <http://www.agenciabrasil.gov.br/media/imagens/2008/02/28/1550MC171.jpg/view>. Acesso em 23 jun 2008Imagem 9Disponível em: <http://www.midiaindependente.org/pt/blue/2007/05/382326.shtml>. Acesso em 23 jun 2008

Page 43: CSO4.pdf

Módulo

www.metodista.br/ead

Resumo:O texto aborda as questões

introdutórias sobre a estatística e a pesquisa social, iniciando o debate sobre a pesquisa no contexto das

Ciências Sociais.

Palavras-chave: Pesquisa social; estatística;

método; variáveis intervalares e variáveis nominais.

A estatística e os desafios da pesquisa social

Oswaldo de Oliveira Santos Junior

Relações mundializadas, novas tecnologias e neoliberalismo

Graduado em Estudos Sociais/Geografia pelo Centro Acadêmico Faculdades Integradas do Ipiranga (1992) e bacharel em Teologia

pela Universidade Metodista de São Paulo (2003). Mestre em Ciências da Religião, na área de Práxis Religiosa e Sociedade, pela

Universidade Metodista de São Paulo.

Page 44: CSO4.pdf

Universidade Metodista de São Paulo

44

Os homens fazem sua própria história, mas não a fazem como querem; não a fazem sob as circunstâncias de sua escolha e sim sob aquelas com que se defrontam diretamente, legadas e transmitidas pelo passado. A tradição de todas as gerações mortas oprime como um pesadelo o cérebro dos vivos.

E justamente quando parecem empenhados em revolucionar-se a si e às coisas, em criar algo que jamais existiu, precisamente nesses períodos de crise revolucionária, os homens conjuram ansiosamente em seu auxílio os espíritos do passado, tomando-lhes emprestado os nomes, os gritos de guerra e as roupagens, a fim de apresentar a nova cena da história do mundo nesse disfarce tradicional e nessa linguagem emprestada (K. Marx).

O propósito deste texto é iniciar o debate sobre o uso da estatística e da pesquisa social no desenvolvimento das análises dos fenômenos sociais. A adequação e a precisão dos conceitos são elementos de fundamental importância para a compreensão desta questão, assim como a superação das resistências iniciais quando se aborda o tema da estatística no contexto das ciências humanas, que por vezes parece não se sentir à vontade diante dos meandros estatísticos. Contudo veremos que é uma necessidade, pois as análises dos dados estatísticos constituem uma importante atividade no processo de pesquisa e um instrumento que não deve ser desprezado pelo pesquisador.

A segunda proposta é discutir a pesquisa social e sua relevância para a análise e reflexão da realidade social, ou seja, as relações dos indivíduos em seus diferentes relacionamentos (com outros indivíduos, o meio ambiente e também as instituições sociais). Compreende-se, contudo, que a realidade social é por demais complexa para que se possa, em uma pesquisa, relatar com precisão absoluta todos os seus meandros, ou ainda, como observa Pedro Demo:

A realidade é suficientemente contraditória no sentido de que não existem somente contradições leves, superficiais, passageiras, mas também aquelas que não conseguimos solucionar, ou seja, de profundidade tal que levam a formação social a se superar (1985, p. 87).

Destes aspectos resulta a necessidade de se lançar mão dos dados estatísticos, porém eles não devem jamais ser analisados como “fotografias” da realidade social, mas sim como sinalizações e aproximações desta realidade contraditória e complexa, devendo o pesquisador tomar sempre o cuidado para não absolutizar ou menosprezar os dados estatísticos que tem diante de si.

A tendência para generalizações tem sido o caminho mais comum dos procedimentos científicos no ocidente e a estatística se presta, em muitos casos, para favorecer e reforçar esta idéia. Sobre este aspecto é possível observar que: “A possibilidade de generalizar baseia-se na crença de que a realidade possui uma ordem interna, que faz dela substancialmente um fenômeno repetitivo.” Assim, excluem-se os fenômenos que não se repetem (individuais, ou não padronizados) e opta-se pela abstração da realidade no lugar dos casos concretos; desta forma corre-se o risco de, na construção de uma tese, encontrar não uma realidade social concreta sendo abordada, “mas uma versão histórica factual e particular dele”, que se concentraram nos dados generalizados do fenômeno (DEMO, 1985, p. 55).

Para favorecer a compreensão das aplicações da pesquisa social, o texto aborda também a questão da filosofia da práxis, como forma de contribuição na discussão sobre o mito da neutralidade científica.

1 - DICIONÁRIO MATEMÁTICO. Verbete Estatística. Portal Só Matemática. Disponível em: <http://www.somatematica.com.br/dicionarioMatematico/e.php>. Acesso em: Abril de 2008

A tendência para generalizações tem sido o caminho mais comum dos

procedimentos científicos no ocidente e a estatística se

presta, em muitos casos, para favorecer e reforçar esta ideia.

Page 45: CSO4.pdf

45

www.metodista.br/ead

A estatísticaA definição de estatística aparece, usualmente, como sendo a área da Matemática em que são

organizados e apresentadas as informações numéricas sobre uma determinada realidade e que, a partir destes dados, é possível obter conclusões e mensurar determinados aspectos da realidade (DICIONÁRIO MATEMÁTICO1); desta forma, estatística pode ser compreendida, ainda, como:

Ramo da matemática que lida com dados numéricos relativos a fenômenos sociais ou naturais, com o objetivo de medir ou estimar a extensão desses fenômenos e verificar suas inter-relações. Os métodos estatísticos são necessários para permitir o estudo de fenômenos numericamente extensos (fenômenos de massa) (SANDRONI, 2001, p. 222).

Observa-se a ocorrência de diferentes métodos estatísticos, como a estatística descritiva e a estatística inferencial ou analítica. No primeiro caso, faz-se a apresentação e classificação dos dados e, no segundo, estudam-se os meios para a coleta dos dados e sua análise, o que permite a elaboração de afirmações gerais (p.222).

A Estatística pode, ainda, ser compreendida como sendo:... uma função dos valores da amostra, ou seja, uma variável aleatória, pois seu resultado

depende dos elementos selecionados naquela amostra. São utilizados para estimar os parâmetros populacionais, para isto é preciso conhecer sua distribuição de probabilidades, que via de regra, pressupõe normalidade ou amostras grandes. Por exemplo: a média amostral, a proporção amostral, a variância amostral, etc. (SÓCIO ESTATÍSTICA2).

A partir dessas constatações é importante observar os sete erros mais comuns cometidos no uso da estatística, como é apontado por Roberto J. Richardson (2008, p. 322):

1. A aplicação de testes estatísticos incorretos para a análise.2. Procura de técnicas estatísticas, após coletar a informação.3. Uso de apenas uma técnica estatística, quando os dados permitem a aplicação de diversos coeficientes.4. Uso de estatística quando não se tem nem os dados suficientes, nem a informação adequada.5. Considerar diferenças que não são significativas e esquecer aquelas significativas.6. Uso incorreto de técnicas de correlação.7. Transformação de variáveis intervalares3 em nominais4, para simplificar a análise, perdendo informação que pode ser valiosa.

As variáveis É fundamental que haja um trabalho prévio de

leitura, pesquisa e conversa com outros pesquisadores antes da construção dos instrumentos de pesquisa e das variáveis que serão observadas.

A compreensão do conceito de variável é importantíssima para as Ciências Sociais, pois as variáveis apresentam as classes de objetos e possuem duas características básicas (RICHARDSON, 2008, p. 117):

2 - SÓCIO ESTATÍSTICA. Verbete Estatística. Disponível em: <http://www.socio-estatistica.com.br/Edestatistica/glossario.htm>. Acesso em: Abril de 2008.

3 - Estas variáveis “apresentam distâncias iguais entre os intervalos que se estabelecem sobre a propriedade medida”. Exemplos: os intervalos de renda pessoal, temperatura, datas do calendário, etc. (RICHARDSON, 2008, p. 127-128).

4 - Estas variáveis servem para nomear seres, atributos ou coisas. Exemplo: sexo (masculino, feminino) ou Estado civil (Solteiro, casado,

É fundamental que haja um

trabalho prévio de leitura, pesquisa e conversa com

outros pesquisadores antes da construção

dos instrumentos de pesquisa e das

variáveis que serão observadas.

Page 46: CSO4.pdf

Universidade Metodista de São Paulo

46

1. Constituem os aspectos observáveis de um fenômeno;

2. Devem possuir variações quando comparadas ao mesmo ou outros fenômenos.

As variáveis podem ser simples, como escolaridade, renda mensal, etc., ou complexas, como por exemplo, a observação da participação política de uma determinada população, que inclui a análise de outros dados e fatores.

Elaboração das variáveis: três princípiosÉ importante notar que existem princípios para a

definição das variáveis, que devem ser observados com rigor sob pena da perda de profundidade e relevância científica da pesquisa elaborada.

O primeiro princípio é que não se devem repetir valores iguais em uma mesma variável, ou seja, “os valores de uma variável devem ser mutuamente excludentes” (p. 121).

Nota-se uma classificação inadequada nesta variável, visto que os indivíduos luteranos e batistas são protestantes, assim como são também evangélicos, quando analisados os processos históricos e sociais. A classificação correta no caso da variável religião seria:

O segundo princípio para a definição de uma variável é que as propostas de categorias devem ser esgotadas e as mais exaustivas possíveis. Assim, a categoria “outros” deve ser utilizada somente

para percentuais irrelevantes para a pesquisa, devendo sempre observar todas as possibilidades da variável. Esta é uma das razões para que se proceda a pesquisa prévia sobre o tema pesquisado e que se faça também um pré-teste da pesquisa antes de sua plena aplicação.

O terceiro princípio é o da representatividade das variáveis, ou seja, que as variáveis levantadas sejam capazes de representar cientificamente a realidade analisada.

Pesquisa socialToda pesquisa tem como finalidade buscar respostas para problemas que se apresentam para

a humanidade. Trata-se, portanto, do estudo de um determinado fenômeno social, ou seja, um “evento de interesse científico que pode ser explicado cientificamente” (HOUAISS); desta forma o fenômeno pode ser caracterizado no tempo e no espaço, o que faz com que o pesquisador ao analisar um determinado fenômeno proceda às escolhas, delimitando com precisão quais aspectos serão analisados e descritos (RICHARDSON, 2008, p. 57).

A ciência possibilita a descoberta da realidade, compreendendo que a mesma não se revela na superfície, isto é, na aparência do fenômeno, e todo esquema e método empregado neste processo de descoberta será sempre uma aproximação jamais definitiva (DEMO, 1985, p. 23). Desta forma, conforme Maria Cecília Minayo (2007, p. 9), ela se apresenta à sociedade ocidental como um novo tipo de mito, assim: “(...) a ciência é a forma hegemônica de construção da realidade, considerada por muitos críticos como um novo mito, por sua pretensão de único promotor e critério de verdade”.

Page 47: CSO4.pdf

47

www.metodista.br/ead

Origens do método científico“A idéia de método é antiga. Demócrito e Platão empreenderam

tentativas para fazer uma síntese teórica da experiência adquirida na aplicação dos métodos de conhecimento. Recordemos o método de Arquimedes para calcular áreas de figuras planas. Aristóteles formulou o método indutivo que permite inferir logicamente as características gerais de um fenômeno.

Uma contribuição fundamental para o desenvolvimento da ciência moderna são os trabalhos de Galileu Galilei (1564-1642). Sem aceitar a observação pura e as conclusões filosóficas arbitrárias, Galileu insistia na necessidade de elaborar hipóteses e submetê-las a provas experimentais. Assim, dá os primeiros passos para o método científico moderno.

[...]

O conceito de método, porém, como procedimento para chegar a um objetivo, começa a consolidar-se com o nascimento da “ciência moderna”, no século XVII. Francis Bacon e René Descartes foram os pensadores que mais contribuíram para o desenvolvimento de um método geral de conhecimento. F. Bacon (...) entrou para a história como o criador do método indutivo, que consiste em concluir o geral do particular que é obtido pela experiência e observação.

[...]

René Descartes (...). Não acreditava na indução, mas na dedução. Considerava que qualquer conecimento deve rigorosamente ser demonstrado e inferido de um princípio único e fidedigno. Toda ciência deveria ter o rigor da matemática, e o critério para que o conhecimento seja verdadeiro é a clareza e a evidência.” (RICHARDSON, 2008, p. 22-23)

Além desse aspecto apontado por Minayo, é importante observar que toda pesquisa se presta também para ser um instrumento de dominação, pois, ao conhecer um determinado objeto, torna-se possível sua manipulação e controle a favor de quem o domina, no sentido de possibilitar melhorias nas condições humanas ou para favorecimento dos interesses (políticos, econômicos) de grupos privados, que, por meio da pesquisa, consolidam projetos de dominação. Sobre esta questão Pedro Demo (1985, p. 28), observa que:

Sem desmerecer a possibilidade de uma ciência por amor à arte, sendo produto também social, não há como isentá-la dos interesses sociais. A ciência não trata qualquer coisa; trata principalmente o que interessa. É sempre também reflexo do poder e das necessidades sociais.

5 - “Antonio Gramsci irá afirmar que a dominação ideológica é igual à subordinação intelectual, ou seja, que tem o domínio da ideologia tem o domínio sobre a educação e todas as instituições ligadas a ela direta ou indiretamente. Para ele a ideologia não é enganosa ou negativa em si, constituindo qualquer ideário de um grupo de indivíduos” (BOTTOMORE, 1988, p. 186).

O mito da neutralidade

científica, forjado pelo positivismo,

sugere a ‘perfeição’ da ciência como tal, sendo ela detentora de respostas para

as indagações e problemas da

humanidade.

Page 48: CSO4.pdf

Universidade Metodista de São Paulo

48

Isto nos leva à questão do mito da neutralidade científica, ou seja, da idéia de que seria possível a produção científica isenta de interpretações e posicionamentos ideológicos5; contudo é importante salientar que as “ciências sociais são inevitavelmente ideológicas, porque são um fenômeno social, como qualquer outro”, elas são socialmente construídas dentro de um contexto histórico e dos fluxos sociais específicos (DEMO, 1985, p. 70).

Ao abordar essa questão, é possível constatar que toda ciência deseja possuir um projeto de poder, de domínio de um objeto, desta forma:

O mundo cientifico nada tem de ideal, não é uma terra de inocência, livre de todo conflito e submetida apenas à lei da verdade universal, isto é, de uma verdade testável e verificável em toda parte, através do respeito aos procedimentos de rigor e aos protocolos da experimentação. Como se o cientista pudesse ser o detentor de uma verdade que, uma vez formulada em sua coerência, estaria isenta da discussão; e como se ela pudesse guardar para sempre a imagem de um indivíduo sempre íntegro e rigoroso, jamais sujeito à incoerência das paixões (JAPIASSU, 1975. p.116).

O mito da neutralidade científica, forjado pelo positivismo, sugere a ‘perfeição’ da ciência como tal, sendo ela detentora de respostas para as indagações e problemas da humanidade. Desta maneira, o conhecimento das leis da sociedade permitiria aos indivíduos observarem os limites das reformas possíveis numa dada sociedade, ao passo que possibilita também ao Estado o uso do conhecimento social científico como fundamento para as reformas que possibilitem aumentar o consenso; “a nova ordem da sociedade (...) teria a ciência como sua religião secular, funcionalmente análoga ao catolicismo da velha ordem social” (BOTTOMORE, 1983, p. 291).

Para o aprofundamento dessa questão é relevante observar como Antonio Gramsci faz esta discussão ao tratar do papel dos intelectuais orgânicos e a filosofia da práxis.

Gramsci e a filosofia da práxisA práxis é sim uma ação transformadora, é a relação entre

teoria e prática, mas que não deve ser confundida com uma prática repetitiva e sem reflexão. Trata-se de uma ação objetiva que supera a critica social teórica, apontando caminhos na história da humanidade para as questões que envolvem a sociedade. Pela práxis o ser humano constrói seu mundo de forma autônoma. “Toda práxis é atividade, mas nem toda atividade é práxis” (KONDER, 1992, p. 185). Mais adiante aprofundaremos esta idéia sobre a atividade que se expressa como práxis.

Imagem 12

Antonio Gramsci

IdeologiaPara Marx, (...), ideologia é um conceito

pejorativo, um conceito crítico que implica ilusão (falsa consciência), ou se refere à consciência deformada da realidade que se dá através da ideologia dominante: as idéias da classe dominante são as ideologias dominantes na sociedade.

(...) o conceito de ideologia continua sua trajetória no marxismo posterior a Marx, sobretudo na obra de Lênin, onde ganha um outro sentido, bastante diferente: a ideologia como qualquer concepção da realidade social ou política, vinculada aos interesses de certas classes sociais.

Para Lênin o conceito de ideologia ganha um novo sentido: a ideologia como qualquer concepção da realidade social ou política, vinculada aos interesses de certas classes sociais. Portanto, há uma ideologia burguesa e uma ideologia proletária. Ideologia deixa de ter um sentido pejorativo (como em Marx), e passa a designar qualquer doutrina sobre a realidade social que tenha vínculo com uma posição de classe [LÖWY, Michael. Ideologias e ciências sociais: elementos para uma análise marxista. São Paulo, Cortez, 1992, p. 12].

Page 49: CSO4.pdf

49

www.metodista.br/ead

Teoria“Os conhecimentos que foram construídos cientificamente sobre determinado assunto,

por outros estudiosos que o abordaram antes de nós e lançam luz sobre nossa pesquisa, são chamados teorias. A palavra teoria tem origem no verbo grego ‘theorein’ cujo significado é ver. A associação entre ver e saber é uma das bases da ciência ocidental.

A teoria é construída para explicar ou para compreender um fenômeno, um processo ou um conjunto de fenômenos e processos. (...). A teoria propriamente dita sempre será um conjunto de proposições, um discurso abstrato sobre a realidade. [...] Uma pesquisa sem teoria corre o risco de ser apenas uma opinião pessoal sobre a realidade observada” (MINAYO, 2007, p. 16-19).

Antonio Gramsci dedica especial atenção para a filosofia da práxis e em seu pensamento fica bastante evidente que os ‘explorados’ precisam tomar consciência de sua situação, e, em seguida, libertar-se das forças que os oprimem e expropriam suas riquezas; mas, para que isso ocorra é necessário organizar-se para tornar-se senhor das próprias histórias e este processo não vem senão pela reflexão e ação permanente, pelo conhecimento enfim. Dessa forma, “Gramsci apresenta a filosofia da práxis como expressão consciente das contradições existentes na história e na sociedade” (SEMERARO, 2006, p. 9-10).

Para Gramsci a filosofia da práxis se resume em três tarefas principais, que são:

A de ter uma aproximação permanente com as classes populares, buscando compreender suas reais necessidades e possibilitando a formação de quadros no interior dessas classes, por meio da educação;

Revelar as ideologias que se apresentam travestidas de modernidade;

E, por último, a tarefa de buscar sempre o fortalecimento e a renovação diante dos novos questionamentos da História (p. 12).

Nos cadernos do cárcere, Gramsci enfatiza a necessidade de manter-se em contato com o povo, afirmando que a falta de contato direto com a classe popular acarreta em sérias dificuldades para o conhecimento real dos seres humanos (GRAMSCI, 1999, p. 221-222); não há, portanto, o que se pensar em neutralidade neste aspecto.

Para Gramsci, de fato, assim como para Marx, o pensamento é parte integrante da realidade e existe uma ligação inseparável entre o agir e o conhecer. A leitura dos fatos e a compreensão das coisas não são abstrações aleatórias, assépticas e neutras, mas derivam das relações sociais e políticas nas quais os indivíduos estão inseridos (SEMERARO, 2006, p. 17). Agir e conhecer são ações inseparáveis e toda análise dos fatos deve, necessariamente, ser feita a partir dos dados concretos. Para tanto é necessário elaborar uma teoria do conhecimento como instrumento de libertação das estruturas que oprimem os homens.

Gramsci apresenta a filosofia da práxis como expressão consciente das contradições existentes na

história e na sociedade (SEMERARO, 2006, p.

9-10).

Page 50: CSO4.pdf

Universidade Metodista de São Paulo

50

Nesse sentido, Gramsci chama a atenção para a figura dos intelectuais orgânicos6, destacando, como categoria mais típica destes intelectuais, a dos eclesiásticos (GRAMSCI, 1999, p. 16-17). O principal papel destes intelectuais consiste na organização da classe a que representam, ou seja, seu modo de ser não consiste no discurso, que é motor exterior e passageiro das paixões, mas num engajamento concreto com a sociedade, como construtor e motivador permanente das transformações sociais (p. 17-18).

O nascimento da filosofia da práxis está intimamente ligado à atividade dos intelectuais orgânicos, particularmente quando Karl Marx e Engels, em oposição ao idealismo alemão, passam a participar ativamente nas lutas operárias. Este novo intelectual (orgânico) é ao mesmo tempo cientista, crítico e revolucionário (SEMERARO, 2006, p. 130). É com a filosofia da práxis que os:

Novos intelectuais politicamente compromissados com o próprio grupo social contribuem para fazer e escrever a história e, por isso, são capazes de refletir sobre o entrelaçamento da produção material com as controvertidas práticas da reprodução simbólica (p.130).

A exigência que se faz da participação dos intelectuais vai além dos discursos e teorias. A partir da filosofia da práxis passou-se a ter a necessidade de conhecer o funcionamento da sociedade, revelando os mecanismos de dominação que eram, até então, encobertos pelas ideologias dominantes. Deste modo se dá a participação dos intelectuais orgânicos, pois estes fazem parte de “um organismo vivo e em expansão. Por isso, estão ao mesmo tempo conectados ao mundo do trabalho, com organizações políticas e culturais” (p. 134-135), e, portanto, próximos ao seu grupo social.

Para Gramsci, Todo grupo social, ao nascer do terreno originário de uma função essencial no mundo da produção econômica, cria também, organicamente, uma ou mais camadas de intelectuais que conferem homogeneidade e consistência da própria função não apenas do campo econômico, como também no social e político ... (1999, p. 15).

É importante salientar que, para Gramsci, todos os homens são intelectuais, mas que nem todos desempenham esta função na sociedade; entretanto, não se pode falar na existência de não-intelectuais, não existindo para ele atividade humana “da qual se possa excluir toda intervenção intelectual, não se pode separar o Homo sapiens do Homo faber” (p. 16-18), desta maneira todo ser humano exerce uma atividade intelectual em algum momento.

Gramsci atribui uma significativa importância à educação nesse processo de formação intelectual em seus diversos níveis, respeitando, contudo, o saber popular, mesmo quando da sua falta de organização e fragmentação, sem, no entanto, abandonar a crítica e uma formação que supere o senso comum, as crenças e preconceitos presentes no grupo (SEMERARO, 2006, p. 18).

Portanto, apontar para a neutralidade científica é, como afirma Pedro Demo, “cair no conto do vigário”, ou seja, “a posição de neutralidade ou é maliciosa, de quem busca aí uma estratégia de aceitação não contestada, ou é ingênua, de quem não percebe o engajamento da neutralidade” (DEMO, 1985, p. 74).

Grupos e modelos de pesquisa social

Para fins didáticos podemos pensar a pesquisa em diferentes grupos e modelos, sem esquecer que cada pesquisa social terá um objetivo e uma aplicação própria. De forma ampla podem-se apontar três

6 - Gramsci fala sobre a função dos intelectuais na sociedade em diferentes classes sociais. Entretanto o faz diferentemente da filosofia alemã. Ele afirma que todas as classes sociais possuem seus intelectuais, que apontam suas visões de mundo para as classes que representam. Desta forma, os intelectuais possuem uma função orgânica no processo da reprodução social, na medida em que ocupam espaços sociais de decisão prática e teóricas, tornando-os objeto de longa análise nos Cadernos do Cárcere. Mas a principal função destes se encontra na formação de uma nova moral e uma nova cultura, que podem ser entendidas também como uma contra-hegemonia, já que o objetivo final das lutas organizativas seria, no seu momento histórico, o socialismo. (MARI, Cezar Luiz, O papel educador dos intelectuais. Disponível em: <http://www.ccsa.ufrn.br/ccsa/docente/rodson/ftp/Gramsci.rtf>.) Acesso em: junho de 2008.

Page 51: CSO4.pdf

51

www.metodista.br/ead

TIPOS DE PESQuISAMÉTODOS OBjETIvOS EXEMPLOS

1.HistóricoObjetiva a reconstrução do passado, buscando assim a explicação dos acontecimentos atuais.

Pesquisas sobre o período do Império no Brasil e seus efeitos no código penal brasileiro.

2. ExploratórioCompreender as características de um determinado fenômeno, buscando explicar suas causas e conseqüências.

Pesquisas com grupos de pacientes sobre um novo método de tratamento terapêutico.

3. Descritivo Busca descrever de forma detalhada e objetiva um determinado fenômeno

Estudos de opinião e análises de documentos.

4. Explicativo: enquetes

Pesquisa as relações de causa-efeito, busca analisar as conseqüências de um dado fenômeno por amostragem.

Pesquisas que fazem comparações de semelhanças e diferenças entre grupos de estudantes e não-estudantes.

5. Explicativo: estudos de casos

Tem como objetivo efetuar a análise do passado e do presente de uma determinada unidade social (indivíduos, grupos, instituições ou comunidades)

Estudos sobre uma comunidade que viveu isolada da sociedade e os impactos da aproximação.

6. Pesquisa-açãoBusca incentivar as transformações sociais de um grupo. Trabalha com a participação direta das pessoas em todas as etapas da pesquisa, e o pesquisador realiza seu trabalho de acordo com as necessidades e interesses do grupo.

Estudos sobre os problemas educacionais de um bairro, e a elaboração de propostas de participação comunitária que visem o enfrentamento do problema.

grupos principais: a pesquisa descritiva, os estudos exploratórios e as pesquisas explicativas. “Dentre as pesquisas descritivas salientam-se aquelas que têm por objetivo estudar as características de um grupo”, ou seja, as variáveis de sexo, escolaridade, etc.; já as pesquisas exploratórias têm como objetivo analisar e esclarecer conceitos e idéias para estudos posteriores; assim, ela contribui na formulação das hipóteses. Por fim, as pesquisas explicativas, terão como elemento central a identificação dos fatores que favorecem e acarretam determinados fenômenos; busca, portanto, o aprofundamento do conhecimento (GIL, 1987, p. 44-46).

Contudo, esta classificação não deve ser absolutizada, pois Richardson (2008, p. 326), por exemplo, aponta para, pelo menos, cinco categorias: Pesquisa histórica, exploratória, descritiva, explicativa (enquetes, experimentos, quase experimentos, estudos de caso) e Pesquisa-ação.

Page 52: CSO4.pdf

Universidade Metodista de São Paulo

52

O quadro comparativo abaixo, proposto por Roberto J. Richardson (2008, p. 326-327) contribui para a compreensão desta questão.

É importante reafirmar que o tipo de pesquisa a ser realizada irá depender diretamente do problema que será analisado e sua natureza, desta forma o problema deve ser compreendido como: “... um conjunto de perguntas que se pretende responder, e cujas respostas mostrem-se novas e relevantes teórica e/ ou socialmente”, ou seja, a formulação do problema constitui um dos principais elementos da pesquisa, além da seleção das fontes, escolha do sistema que irá tratar as informações e seu uso teórico na interpretação destas informações, e a redação / descrição dos resultados obtidos no processo de pesquisa (LUNA, 2000, p. 16).

Diante desses elementos que norteiam a pesquisa, Sérgio Vasconcelos de Luna (p. 78), propõe o seguinte esquema:

Essa linearidade mostrada na pesquisa, não condiz com a prática. Aqui ela possui meramente um caráter demonstrativo, pois o processo em si é permeado por avanços e revisões, levando o pesquisador a rever constantemente suas decisões e procedimentos adotados, contudo o esquema demonstra uma lógica que é freqüentemente adotada. Note que o esquema indica as relações que se estabelecem entre as diversas decisões. As diferentes informações contribuem para uma mesma pergunta e as diversas fontes colaboram na obtenção das respostas, e, ainda, as mesmas técnicas de coleta de informações podem ser utilizadas em diferentes fontes. (idem, p. 79).

Contudo, é importante notar que o ciclo da pesquisa não termina, ele não se fecha, já que sempre surgem questionamentos novos, passíveis de serem investigados e retomados em uma nova pesquisa; desta forma as considerações finais de uma pesquisa serão sempre provisórias, não obstante tragam elementos relevantes tanto academicamente como socialmente (MINAYO, 2007, p. 27).

TEORIA ProblemaPerguntas a serem

respondidas

Informações necessárias

Fontes de informação

Procedimentos

Informações obtidas

Tratamento de informações

Dados AnáliseResultados (respostas obtidas)

Pergunta 1

Documental

Pergunta 2Pergunta 3

Informação 1Informação 2Informação 3Informação 4Informação 1Informação 1Informação 2

Fonte AFonte AFonte BFonte CFonte AFonte DFonte C

EntrevistaEntrevista

AnáliseEntrevista

ObservaçãoQuestionárioQuestionario

“O ciclo da pesquisa não termina, ele não

se fecha, já que sempre surgem questionamentos novos, passíveis de serem investigados e retomados em uma nova pesquisa”

Page 53: CSO4.pdf

53

www.metodista.br/ead

ReferênciasBOTTOMORE, Tom. Dicionário do pensamento marxista. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1983.

DEMO, Pedro. Introdução à metodologia da Ciência. São Paulo: Atlas, 1985.

DICIONÁRIO MATEMÁTICO. Verbete Estatística. Portal Só Matemática. Disponível em: <http://www.somatematica.com.br/dicionarioMatematico/e.php>. Acesso em: Abril de 2008.

GIL, Antonio Carlos. Métodos e técnicas de pesquisa social. São Paulo: Atlas, 1987.

HOUAISS. Dicionário eletrônico Houaiss de língua portuguesa. Versão 1.0. Editora Objetiva, 2001. CD-ROM.

JAPIASSU, Hilton. O mito da neutralidade científica. Rio de Janeiro: Imago, 1975.

KONDER, Leandro. O futuro da filosofia da práxis: o pensamento de Marx no século XXI. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1992.

LÖWY, Michael. Ideologias e ciências sociais: elementos para uma análise marxista. São Paulo, Cortez, 1992.

LUNA, Sérgio Vasconcelos. Planejamento de pesquisa: uma introdução. São Paulo: EDUC, 2000.

MARX, Karl. O 18 de Brumário de Louis Bonaparte. São Paulo: Abril Cultural. 1978. (Os Pensadores).

MINAYO, Maria Cecília de Souza (Org.). Pesquisa social: teoria, método e criatividade. 26. ed. Petrópolis: Vozes, 2007.

NOGUEIRA, Oracy. Pesquisa social: introdução às suas técnicas. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1977.

RICHARDSON, Roberto Jarry. Et al. Pesquisa social: métodos e técnicas. 3. ed. revista e ampliada. São Paulo: Atlas, 2008.

SANDRONI, Paulo. Novíssimo dicionário de economia. São Paulo: Best Seller, 2001.

SEMERARO, Giovanni. Gramsci e os novos embates da filosofia da práxis. São Paulo: Idéias & Letras, 2006.

SÓCIO ESTATÍSTICA. verbete Estatística. Disponível em: <http://www.socio-estatistica.com.br/Edestatistica/glossario.htm>. Acesso em: Abril de 2008.

Imagem 10 Disponível em:<http://en.wikipedia.org/wiki/Image:Gramsci.png>. Acesso em 23 jun 2008

Page 54: CSO4.pdf

Universidade Metodista de São Paulo

54

_________________________________________

_________________________________________

_________________________________________

_________________________________________

_________________________________________

_________________________________________

_________________________________________

_________________________________________

_________________________________________

_________________________________________

_________________________________________

_________________________________________

_________________________________________

_________________________________________

_________________________________________

_________________________________________

_________________________________________

_________________________________________

_________________________________________

_________________________________________

_________________________________________

_________________________________________

_________________________________________

_________________________________________

_________________________________________

_________________________________________

________________________________________

__________________________________________

_________________________________________

________________________________________

________________________________________

_________________________________________

_________________________________________

________________________________________

________________________________________

________________________________________

________________________________________

_________________________________________

_________________________________________

_________________________________________

_________________________________________

_________________________________________

_________________________________________

_________________________________________

_________________________________________

_________________________________________

_________________________________________

_________________________________________

_________________________________________

_________________________________________

_________________________________________

_________________________________________

_________________________________________

_________________________________________

________________________________________

__________________________________________

Page 55: CSO4.pdf

Módulo

www.metodista.br/ead

Resumo:Busca analisar os desdobramentos

da última grande onda de expansão do sistema capitalista, refletindo, mesmo que de forma preliminar,

sobre o impacto desse processo na vida social. Pretende ainda avançar

na reflexão sobre esta sociedade, cuja referência tem sido feita

exaustivamente a partir do prefixo pós ou de denominações que pretendem

indicar mudanças drásticas nas fundações do sistema capitalista.

Palavras-chave: Reestruturação produtiva; classe

trabalhadora; sociedade do trabalho.

Reorganização da produção, do trabalho e

impacto na vida social

Luci Praun

Repensando as relações sociais no mundo contemporâneo

Bacharel e licenciada em Ciências Sociais pelo Centro Universitário Fundação Santo André (1996); especialista em História, Sociedade e Cultura pela PUC-SP (1999); mestre em Sociologia pela

UNICAMP (2005), e doutoranda em Sociologia na UNICAMP.

Page 56: CSO4.pdf

Universidade Metodista de São Paulo

56

IntroduçãoDe tempos em tempos gerações inteiras vêem suas vidas postas de pernas para o ar. O desenrolar da

história humana, mediado pelo constante movimento que abriga, lado a lado, rupturas e continuidades, parece intensificar-se, gerando “transformações [capazes de abalar] os quadros sociais e mentais de referência, produzindo obsolescências, exigindo reformulações e abrindo novos horizontes para o pensamento de uns e outros, em todo o mundo” (IANNI, 2000, p.211).

O século XX, como expressão de mais saltos de qualidade no continuo e contraditório movimento de expansão capitalista, é marcado por profundas transformações e abalos na vida social.

Para as gerações que vivenciaram as guerras mundiais, o mundo, segundo o historiador Eric Hobsbawm (1996), dividia-se entre o antes e depois da guerra. O conflito, sem sombra de dúvidas, havia alterado profundamente a vida em sociedade. A própria percepção de uma parcela dos seres humanos sobre a idéia de civilização e barbárie já não podia ser a mesma. A humanidade atravessava por um daqueles momentos de fortes abalos na vida social, impulsionados por uma dinâmica que é própria do sistema capitalista e de suas relações concorrenciais, aprofundadas em sua fase imperialista.

Não foram de intensidade menor as alterações no período posterior aos 31 anos (1914-1945), quase ininterruptos, de conflito. Se por um lado a sociabilidade no pós II guerra trazia em si uma série de elementos de continuidade com a fase anterior, ambas marcadas pela lógica das relações de produção capitalistas em sua fase monopólica, por outro, as rupturas mais uma vez se faziam fortemente presentes na vida social. O mundo pós II guerra é, entre tantas outras características, o de mais uma leva de descobertas tecnológicas impulsionada pelos conflitos, o da intensa migração de populações do campo para as cidades, o do crescimento dos grandes centros urbanos, o da ascensão de políticas de perfil keynesiano, o do crescimento da classe operária fabril em países centrais e periféricos do sistema. Um mundo, sem dúvida, marcado pela forte presença fordismo e suas enormes plantas industriais, pelas crescentes mobilizações sociais, pelo fortalecimento das lutas da classe operária industrial e trabalhadora em geral. Um mundo, porque não dizermos, marcado por conquistas importantes da classe trabalhadora, mesmo se considerarmos que as vitórias obtidas, conjunturais, poucas vezes colocaram em xeque a ordem do capital.

Mas o que podemos dizer sobre o momento que estamos atravessando? O período aberto pela crise dos anos 19701, com a ascensão do neoliberalismo e o processo, em que pese desigual, mas mundializado, de reorganização da produção e do trabalho desencadeado na década seguinte, configura-se como mais um desses momentos.

Mesmo se considerarmos que para a maioria dos habitantes do planeta não houve uma consciência da crise e de seus efeitos na sociedade, sem dúvida, parcela significativa dos que atravessaram as quase três últimas décadas experimentou, de repente, a sensação, descrita por Richard Sennet, em seu livro A Corrosão do Caráter, de estar à deriva (2002, p.13).

De uma hora para outra, quase tudo o que era aparentemente seguro, tornou-se inseguro. Aquilo que era considerado como escolarização necessária para o desenvolvimento de determinadas atividades profissionais, já não servia mais para o mercado. A noção de velhice e juventude já não era mais a mesma. Toda a experiência do passado, aparentemente, já não fazia sentido. A rotina, exaltada na era do predomínio do fordismo, devia ceder espaço para uma característica que passou a predominar, com a reorganização da produção e do trabalho e a ascensão do neoliberalismo, em todas as esferas das relações sociais: a flexibilidade.

Os desdobramentos dessa última grande onda de expansão do sistema, impulsionadora de intensas mudanças, são múltiplos. Neste artigo, interessa-nos a reflexão sobre o impacto dessas mudanças

1 - Nos anos 1970 a vida social viu-se abalada por mais uma crise de superprodução. O fenômeno ficou conhecido como o da crise do petróleo (fruto da forte subida dos preços dessa matéria-prima e do impacto desse aumento na economia mundial) e / ou da crise fordismo.

Page 57: CSO4.pdf

57

www.metodista.br/ead

na classe trabalhadora, assim como as dificuldades decorrentes dessas transformações na vida social em seu processo de organização e mobilização sindical. Importa-nos também avançar na reflexão sobre que sociedade é essa, cuja referência tem sido feita exaustivamente a partir do prefixo pós ou de denominações que, apesar de nem sempre percebidas por todos, pretendem indicar mudanças drásticas nas fundações do sistema capitalista, como a idéia de uma sociedade da informação, da informatização, ou do conhecimento. O fio condutor de nossa reflexão é, portanto, a identificação, mesmo que preliminar e sem qualquer intenção de esgotar o debate, por um lado, das alterações na vida social e, por outro, de seus limites.

Da exaltação da rotina à flexibilidadeNos anos 1980, a palavra da moda passou a ser flexível. Em grande medida, o aprendizado vinha

do Japão, do toyotismo. Mas também é verdadeiro afirmarmos que a economia mundial do último um quarto do século XX, mergulhada em mais uma crise de superprodução, na queda das taxas de lucro das grandes corporações e cada vez mais instável, já não podia, sob a lógica do capital, basear-se na produção padronizada e em larga escala tipicamente fordista.

É nesse marco, de crise, que a produção flexível, adotada no Japão desde o pós-II Guerra, ganha espaço no Ocidente durante os últimos vinte e cinco anos do século XX, assumindo novos contornos.

Em um primeiro momento o espaço conquistado configura-se com a entrada efetiva das mercadorias japonesas, particularmente carros, no mercado europeu e norte-americano para, logo depois, converter-se em lição de casa: a necessidade do capital de reorganizar a produção, o trabalho e a vida social, na busca por revigorar o processo de acumulação.

O resultado é um tanto curioso se nosso olhar se ativer apenas às mudanças aparentes desencadeadas pela reestruturação produtiva. Por um lado, em reposta à crise de superprodução dos anos 1970, fábricas muito mais produtivas, com intenso uso de tecnologia de ponta, redução significativa dos postos de trabalho e contratação de trabalhadores com um perfil diferenciado daqueles da era fordista. Por outro, a ampliação significativa do setor de serviços nos países centrais e a financeirização crescente da economia mundial.

Banco de imagens

Page 58: CSO4.pdf

Universidade Metodista de São Paulo

58

Seria o fim da sociedade fundada no trabalho? Com o crescente uso de tecnologia de ponta em parte dos locais de trabalho e a exigência cada vez maior de trabalhadores jovens e com maior escolarização estaria sendo eliminada a distância entre trabalho manual e trabalho intelectual? Qual a essência do processo acumulação flexível?

Rumo à sociedade do tempo livre?Não foram poucas as elaborações teóricas, a partir dos anos 1980, sobre o impacto social das

novas tecnologias baseadas na microeletrônica e automação. Um número considerável de obras, tanto de autores críticos ao capitalismo como de seus defensores passaram a avaliar, muitas vezes por meio de uma visão entusiasmada, as perspectivas abertas pela inserção das novas tecnologias em nossas vidas.

Tema controverso, o lugar das novas tecnologias na sociedade que emerge do movimento de expansão do capital, impulsionado pela crise dos anos 1970, abarca diferentes aspectos que vão desde o debate sobre um suposto fim da divisão entre trabalho manual e intelectual, a tendência à ampliação do tempo livre, ao fim classe trabalhadora e da sociedade do trabalho e o nascimento de uma sociedade do conhecimento, da plena auto-realização humana, por exemplo.

Autores como Adam Schaff, localizado num amplo e diversificado campo dos críticos ao capitalismo, aponta para a idéia de que a fase inaugurada pelos anos 1980 teria aberto, para os vinte ou trinta anos seguintes,

possibilidades para a plena auto-realização da personalidade humana, seja liberando o homem do árduo trabalho manual e do monótono e repetitivo trabalho intelectual, seja lhe oferecendo tempo livre necessário e um imenso progresso do conhecimento disponível, suficientes para garantir seu desenvolvimento (SCHAFF apud LESSA, 2007, p 64).

No seu entusiasmo com o que denomina de segunda revolução industrial e a possibilidade da sociedade que proporcione a “plena auto-realização da personalidade humana”, que beira a ingenuidade, Schaff, ao reconhecer o efeito do uso intenso das novas tecnologias sobre a quantidade de postos de trabalho, gerando uma ampliação significativa do desemprego estrutural, propõe um período de transição na vida social, gerenciado a partir do Estado, no qual sejam revistos os princípios que norteiam a distribuição de renda nacional.

Durante o período de transição a solução consistirá, certamente, na redistribuição do volume de trabalho existente mediante a redução da jornada de trabalho individual. (...) os custos da nova distribuição deverão ser suportados por aqueles que desfrutam de uma porção maior da renda social, isto é, pelos empresários. É óbvio que a condição preliminar para essa solução está em que a operação seja realizada em comum acordo entre os países industrializados (OCDE e a Comunidade Européia); medidas “separatistas” que nesse sentido viessem a ser tomadas por um único país acarretariam sua inevitável ruína econômica em razão da perda de competitividade nos mercados internacionais (1996, p.31).

Ao avançar em suas reflexões, o autor tira como conclusões a total eliminação do trabalho humano, “no sentido tradicional” da expressão e, por conseguinte, o fim da classe trabalhadora e das classes em geral. Na sociedade que progressivamente elimina as classes sociais e proporciona tempo livre, imaginada por Schaff, a ciência assumiria o “papel de força produtiva” (1996, p.43).

Dez anos antes do lançamento da obra de Schaff, André Gorz, ao publicar seu livro intitulado Adeus ao Proletariado2, reacendia o intenso debate sobre a centralidade ou não do trabalho, da classe

2 -Adeus ao Proletariado, segundo Antunes, instaura “um novo patamar para o debate” sobre as mudanças em curso nos anos 1980, tornando-se referência tanto no sentido da afirmação das teses de André Gorz como de sua negação. O próprio Antunes escreve um livro, Adeus ao Trabalho?, cujo título é uma referência crítica e direta ao debate proposto por Gorz.

Page 59: CSO4.pdf

59

www.metodista.br/ead

operária como sujeito social da revolução e, de maneira inseparável, a discussão sobre a vigência ou não da teoria do valor-trabalho como fonte de entendimento das relações capitalistas da virada do século XX para o XXI.

Sob o impacto da inserção da automação e da informatização no processo produtivo, a tradicional classe operária, segundo Gorz, estaria sendo paulatinamente substituída por uma não-classe-de-não-trabalhadores, formada pelo contingente de desempregados e pelos componentes do mercado informal ou das diferentes formas de trabalho precarizado ou subemprego.

Essa diminuição progressiva da classe operária a deslocaria do papel de sujeito histórico da transformação social, na medida em que os trabalhadores informais, parciais, temporários, por conta própria, sujeitos a condições vulneráveis de trabalho, teriam no seu vínculo com o emprego uma relação “provisória, acidental e contingente” (ORGANISTA, 2006, p. 33-34).

Para Gorz, essa nova classe que vive a vunerabilidade do presente não possui nenhuma concepção de sociedade futura; por isso, (...) ela (a não-classe-de-não-trabalhadores) não pode ser definida como outrora fizera Marx, a partir de sua inserção no processo social de produção, posto que o trabalho para Gorz não é mais a atividade principal, haja vista que a revolução microeletrônica inaugura uma nova ordem, cujas conseqüências mais visíveis são a diminuição da quantidade de trabalho social disponível e o aumento do desemprego de natureza tecnológica” (idem, p.34).

Em 2003, um novo livro do autor, O Imaterial, aprofundava o debate sobre a suposta crise do conceito de valor na sociedade por ele denominada de pós-industrial. Para o autor, estaríamos vivenciando uma progressiva substituição do trabalho simples (material) pelo complexo (imaterial). Nesta fase da vida social, também denominada por Gorz como a do capitalismo cognitivo, o conhecimento convertera-se em principal força produtiva, pondo em xeque, a teoria do valor-trabalho, de Marx.

A diminuição do emprego de trabalhadores e o crescente predomínio do trabalho imaterial na vida social, na visão do autor, geraria uma situação na qual os “produtos da atividade social não são mais, principalmente, produtos do trabalho cristalizado” (idem, p.29). Por um lado, os diferentes atributos cognitivos3 presentes nas mercadorias impossibilitariam a mensuração de seu valor de troca, já não quantificavel por meio do trabalho social nela contido - segundo Gorz, “o caráter cada vez mais qualitativo, cada vez menos mensurável do trabalho, põe em crise a pertinência das noções de ‘sobretrabalho’ e de ‘sobrevalor’”. Por outro, o controle sobre os “produtos da atividade social” (p.29), necessário ao capital, estaria cada vez mais ameaçado pelo desenvolvimento da informatização, web e dos softwares livres. Nesse sentido, tanto o processo de produção de mercadorias como o de circulação tenderiam a escapar, de maneira progressiva, à lógica reprodutiva do capital, típica da sociedade industrial. Para Gorz,

O conhecimento é em grande parte “inteligência geral”, cultura comum, saber vivo e vivido. Ele não tem valor de troca, o que significa que ele pode, em princípio ser partilhado à vontade, segundo a vontade de cada um e de todos, gratuitamente, especialmente na internet (2003, p. 36).

Segundo o autor, “o capitalismo dito cognitivo é a crise do capitalismo” (2003, p.43). Uma crise que deslocar-se-ia, portanto, da contradição entre a diminuição do uso de trabalho vivo em relação à sua necessidade como fonte de produção de riqueza e valor, para a queda constante do “valor (de troca) dos produtos [causando] cedo ou tarde a diminuição do valor monetário da riqueza total produzida, assim como a diminuição do volume dos lucros” (idem, p.37). “Como a sociedade da mercadoria pode perdurar, se a produção de mercadorias utiliza cada vez menos trabalho e põe

3 - “(...) o julgamento, a intuição, o senso estático, o nível de formação e de informação, a faculdade de aprender e se adaptar”

Page 60: CSO4.pdf

Universidade Metodista de São Paulo

60

em circulação cada vez menos moedas?”, pergunta o autor (idem, p.43). Para Gorz, a negação do sistema desenvolve-se em seu próprio interior, sem que seja necessária qualquer força exterior para derrubá-lo (idem, p.70).

Mas em que medida essas possibilidades, apontadas tanto por Schaff como por Gorz, podem concretizar-se? Não estaria o lugar, concreto, no qual se desenvolvem as relações reais em contradição aberta com as idéias por eles defendidas? Em que medida o conhecimento (Gorz) ou a ciência (Schaff) podem ser consideradas como principal força produtiva?

Há, nesse sentido, pelo menos um importante aspecto em comum nessas análises: um completo deslocamento do desenvolvimento da ciência e da tecnologia do contexto social no qual o mesmo se realiza.

De maneira decorrente, a ciência e a tecnologia são apresentadas enquanto autônomas em relação à natureza de classe da sociedade capitalista. Não é à toa que em Schaff ela, a ciência (e a tecnologia, na sua profunda inter-relação com a ciência), ocupará o lugar de principal força produtiva, e em Gorz, estará na base das transformações sociais em curso.

É, portanto, minimizado o fato de que não somente no período recente, mas nos diferentes momentos da trajetória do sistema, o desenvolvimento da ciência e da tecnologia, longe de proporcionar melhora nas condições de vida do conjunto da humanidade, aprofundou desigualdades.

No recente período de reorganização da produção e do trabalho, longe de proporcionar tempo livre ou de prescindir do trabalho humano, a inserção constante de tecnologia na vida social, obedecendo à lógica concorrencial capitalista, aprofunda o grau de exploração da classe trabalhadora, tanto no que diz respeito ao segmento considerado qualificado como àquela ampla parcela de homens e mulheres submetidos às diferentes modalidades de precarização do trabalho e ao desemprego. O tempo livre, configurado para a maioria dos trabalhadores na forma de desemprego, longe de proporcionar “auto-realização”, converte-se em sinônimo de exclusão, miséria, desenraizamento da vida social.

Tal fenômeno transcorre dessa maneira, porque a ciência e, de forma interligada a tecnologia, em nossa sociedade, conforme salienta Antunes, ao contrário dos que prevêem a sociedade da abundância e do tempo livre, por ser

Ontologicamente prisioneira do solo material estruturado pelo capital, (...) não poderia tornar-se a sua principal força produtiva. Ela interage com o trabalho, na necessidade preponderante de participar do processo de valorização do capital (2000, p.123).

Perde-se ainda de vista que as novas tecnologias, ao contrário do que mais uma vez aparentavam, não foram a base do processo de mundialização, mas decorrência do próprio processo de concorrência e expansão do capitalismo (LESSA, 2007, p.256).

A economia capitalista, que há muito tempo não reconhecia fronteiras, impulsionada pela concorrência e potencializada pelo desenvolvimento das novas tecnologias da informação, passou a operar em tempo real, em escala global. Nesse movimento contínuo de expansão, ao mesmo tempo em que temos assistido ao fechamento de várias plantas produtivas nos países centrais, dando inclusive a impressão do esvaziamento do trabalho produtivo, novas foram abertas, nos mais diversos cantos do planeta, na busca por condições mais favoráveis à acumulação de capital.

Reorganização da produção e do trabalho e a lógica concorrencialConforme já salientado anteriormente, contraditoriamente, ao final de um século marcado por

duas profundas crises de superprodução4, as grandes corporações necessitam cada vez ampliar a produtividade de suas plantas, mesmo que diversificadamente, na busca por baixos custos e ampliação das taxas de lucro.

4 - Crise de 1929; crise dos anos 1970.

Page 61: CSO4.pdf

61

www.metodista.br/ead

Há, nesse sentido, uma enorme contradição com a idéia, tão divulgada e associada ao toyotismo, de produção de acordo com a demanda. No universo da acumulação flexível, da economia em sua fase monopólica e de alta concorrência, a reorganização do trabalho e da produção, auxiliada pela inserção de tecnologia avançada, potencializa a produtividade como nunca visto antes.

O uso das novas tecnologias e, de maneira correlata, o mecanismo de ampliação da produtividade insere-se, portanto, na lógica da concorrência estabelecida, em escala mundial, entre as diferentes empresas. Nesse processo, cada nova inserção de tecnologia avançada e/ou reordenamento da produção e do trabalho em uma determinada empresa, impulsiona as demais a realizarem movimento similar. A obtenção de mais-valia extra, com redução do tempo de trabalho necessário para reprodução da força de trabalho, naquela empresa, tende a desequilibrar, mesmo que momentaneamente, a concorrência no segmento. Esse desequilíbrio pode ser considerado temporário, já que a tendência é a adoção do procedimento inovador pelas demais empresas do ramo, sob pena de se verem excluídas do mercado, tal qual se pôde verificar, de forma qualitativa, tanto na ocasião de expansão do fordismo como na fase caracterizada pelo predomínio do toyotismo.

No entanto, na medida em que as demais empresas do segmento adotam as inovações que impulsionaram o aumento de produtividade, impõe-se um novo movimento desequilibrador. Mas qual o fundamento desse processo? Segundo Borges Neto, podemos

representar a busca de mais-valia extra a partir de progresso técnico pelas empresas como uma corrida dos representantes dessas empresas sobre uma esteira rolante que rola em sentido contrário, e com uma velocidade cujo módulo é dado pela “média social” da velocidade de introdução de progresso técnico. Se os concorrentes forem mais rápidos, a esteira também rolará mais depressa no sentido contrário, e eles não terão portanto qualquer vantagem (2004, p.150).

Não seria esse o principal movimento realizado pelo capital nas últimas décadas, com o acirramento da concorrência entre as grandes corporações e, de forma relacionada, a busca intensa pelo barateamento da produção? Nesse marco, como pensar em termos de uma sociedade do tempo livre?

Plantas altamente produtivas

Ao observarmos, por exemplo, as plantas automobilísticas instaladas no Brasil, pioneiras mundialmente e localmente na reorganização da produção e do trabalho, é possível verificarmos que a produtividade cresce a cada ano, batendo recordes. Se, em 1994, ainda no início do processo de reestruturação, foram produzidos 1.581.389 automóveis, em 2008, o setor fechou o ano com a produção atingindo, segundo a ANFAVEA, 2.972.822 unidades. Essa lógica, de aumento da produtividade das plantas, desencadeada qualitativamente pela reestruturação, não se restringe ao setor automobilístico, impactando os diferentes ramos da economia.

A produtividade por trabalhador também é atualmente muito superior a dos anos 1990. Plantas extremamente produtivas como a Ford Camaçari/BA, que contava em 2007 com 8.590 trabalhadores

Fonte: CNM/ CUT/ Dieese. Do holerite às compras

Page 62: CSO4.pdf

Universidade Metodista de São Paulo

62

(somados empregados da Ford e de Terceiras), produz 250 mil veículos por ano. Se considerarmos a produtividade por trabalhador, constataremos que cada operário fez sair das linhas de montagem da Ford em 2007 29,10 unidades. Em 1990, a produção anual por trabalhador no setor automobilístico era de 7,78 unidades5.

Tomando como exemplo ainda o setor automobilístico no Brasil, se o aumento da produtividade e da quantidade de plantas produtivas6 no país a partir da segunda metade dos anos 1990 é evidente, o mesmo não se pode afirmar em relação à criação de postos de trabalho. Em 1994 as montadoras empregavam 106,6 mil trabalhadores. Em 2007, em que pese o número de plantas ter mais que dobrado desde os anos 1990 e a produção ser 88% maior, o setor empregava apenas 109,3 mil.

Acompanhando a queda no número de postos de trabalho nos diferentes ramos da economia, uma série de direitos vem sendo retirada ano a ano. No caso das plantas industriais, como as automobilísticas, o processo de descentralização da produção a partir da abertura de novas unidades distantes dos pólos industriais tradicionais, obedeceu a uma queda significativa dos salários e benefícios, conforme podemos observar na tabela abaixo:

Em nome da competitividade da empresa no mercado, constantemente os trabalhadores são pressionados a aceitar acordos coletivos que instituem metas de produção, diminuição de piso salarial de ingresso, banco de horas e de dias, queda nos adicionais, aumento de descontos relativos aos planos de saúde e transporte etc. Esse processo é, sem dúvida, facilitado tanto pela ampliação do desemprego estrutural como pela ação de um setor dirigente do movimento sindical que passou a defender a disputa entre diferentes plantas produtivas por novos produtos em troca de concessões por parte dos trabalhadores.

Desemprego e precarizaçãoUma primeira conclusão necessária, a partir dos dados acima expostos, é a de que, de fato, ocorreu

uma diminuição significativa dos postos de trabalho no interior dessas empresas. No entanto, esse fenômeno, que aparentemente sustentaria a tese do desaparecimento da classe operária industrial, não se mantém diante de um olhar mais atento da realidade.

Um aspecto fundamental para compreensão do que vem ocorrendo está relacionado ao intenso processo de precarização do trabalho, materializado no uso cada vez mais comum do trabalho terceirizado, parcial, temporário, autônomo, informal, domiciliar.

O mercado de trabalho brasileiro a partir dos anos 1990, acompanhando uma tendência verificada mundialmente, vem sendo marcado por uma profunda rearticulação entre o trabalho com maior qualificação, que faz uso de tecnologia de ponta e abriga uma pequena parcela da classe trabalhadora, presente nas empresas de grande porte, e aquele considerado pouco qualificado e, portanto, submetido às formas mais precárias de trabalho.

É necessário considerarmos ainda que o fechamento de postos de trabalho e o conseqüente aumento do desemprego estrutural operam em sentido favorável à precarização.

Parte significativa desses desempregados só encontra uma saída para reinserir-se no mercado: compor o crescente contingente de trabalhadores que formam o mercado informal, mercado este que, ao contrário do que se possa imaginar, opera como parte integrante do processo produtivo formal. Uma outra parcela, buscando a reinserção no mercado de trabalho formal, submete-se à contratação por meio de empresas terceirizadas ou nas tantas outras formas precárias de trabalho, com salários e benefícios inferiores aos recebidos anteriormente e, muitas vezes, para trabalhar no mesmo local em que trabalhavam antes da demissão.

A terceirização, apesar de prevista somente para atividades meio das empresas, vem sendo

5 - Cálculo realizado em base aos dados disponibilizados pela ANFAVEA6- Das 48 plantas existentes no Brasil até 2004, 22 foram inauguradas a partir de 1997.

Page 63: CSO4.pdf

63

www.metodista.br/ead

7 - Temporário, parcial, autônomo, terceirizado, diarista, domiciliar, informal.

largamente utilizada no Brasil. A chave da questão é uma conveniente mudança na concepção sobre o que seria o foco de atuação das empresas, permitindo a presença, no pátio da empresa-mãe, de outras organizações, chamadas de “parceiras”, ou a transferência de parte do que era antes produzido na planta aos fornecedores externos. Em ambos os casos, o que ocorre na verdade é um intenso processo precarização e fragmentação dos trabalhadores, dificultando sua capacidade de organização e resistência.

Em estudo recente sobre a evolução do emprego no estado de São Paulo entre 1985 e 2005, Márcio Pochmann constatou que quase sempre a prática da terceirização está vinculada à diminuição custos e à alta rotatividade de trabalhadores. Se a rotatividade entre não terceirizados em 2005 atingiu 49,1% dos trabalhadores, no caso dos terceirizados, no mesmo período, o índice sobe para 83,5%. A pesquisa revela ainda o intenso crescimento de empresas de terceirização, que saltaram de 287 em 1985 para 6.308 vinte anos depois.

Essa relação contratual configura-se, portanto, como uma prática fundamental no processo de flexibilização do trabalho, na medida em que permite às empresas não só gastar menos com força de trabalho (salários e benefícios inferiores ao dos trabalhadores diretamente contratados), mas também aproximar e submeter o processo de contratação/demissão da flexibilidade do mercado. Contribui ainda, de maneira marcante, para impor barreiras à organização dos trabalhadores nos locais de trabalho, dificultando sua unidade em função não somente das diversas empresas existentes como pelos diferentes padrões salariais e de benefícios praticados. Na era da produção flexível, a terceirização converte-se em importante ferramenta de controle dos trabalhadores e de acumulação de capital.

A quem interessa, portanto, a idéia de flexibilidade? Qual o significado de ser flexível? Conforme verificamos anteriormente, um dos pilares das mudanças ocorridas nos últimos 25 anos é a reestruturação produtiva, realizada em grande medida tomando como referência o toyotismo.

Nesse processo, de aprofundamento da mundialização das relações sócio-econômicas e de reorganização da produção e do trabalho em escala planetária, muito do que foi consolidado na longa era fordista precisou ser modificado, inclusive, a percepção do trabalhador sobre sua vida e a maneira como ele se relaciona com o seu trabalho.

Se no fordismo a idéia central era a especialização do trabalhador em uma determinada tarefa (operador de máquina, inspetor de qualidade, eletricista, torneiro, controlador de estoques, apontador etc.); a busca por permanecer em um mesmo emprego por muitos anos e, se possível, colocar os filhos na mesma carreira; o desejo pela estabilidade social (mesmo que ela não se viabilizasse); o registro em carteira; o salário e a jornada de trabalho fixa etc.; hoje todas essas idéias se apresentam como se estivessem fora do lugar. Elas já não se alinham às necessidades das grandes empresas capitalistas e de suas transações mundializadas. Em outras palavras, já não obedecem ao acirramento da concorrência mundial e se converteram, diante dos olhos das gerências corporativas, em empecilho ao aumento das taxas de lucratividade.

Numa economia cada vez mais instável, as relações sociais também tendem a uma instabilidade ainda mais profunda. No lugar das relações contratuais diretas e relativamente duradouras, tipicamente fordistas, uma parcela cada vez maior de trabalhadores se vê submetida a diferentes formas, flexíveis, de contratação ou relação com o trabalho7.

Nem os salários e a jornada de trabalho conseguem escapar ao turbilhão da acumulação flexível. Na última década e meia, em diferentes segmentos profissionais, ganha força formas de remuneração flexíveis como bônus, participação nos resultados, comissões etc, todos ancorados em metas de produtividade.

Page 64: CSO4.pdf

Universidade Metodista de São Paulo

64

No que diz respeito à jornada de trabalho, além das diferentes formas de contratação, é crescente a sua flexibilização por meio da adoção dos já conhecidos bancos de horas e dias. Ao contrário da era fordista, interessa para as grandes transnacionais, cada vez mais, o estabelecimento de uma parcela menor da jornada de trabalho fixa, condicionada à mecanismos legais que permitam flexibilizar fatias crescentes das horas de trabalho. Longe de resolver o problema do desemprego estrutural8, incorporando setores desempregados ao mercado de trabalho, a redução da jornada aliada à flexibilização serve apenas ao objetivo de aprofundar ainda mais o processo de exploração da força de trabalho.

O problema é que a maioria dos trabalhadores, além de perceber a cada dia o caráter ideológico do discurso predominante a partir dos anos 1980, não gosta nem um pouco de uma vida fundada na insegurança e na instabilidade. Ao resistirem às mudanças, acabam gerando uma situação na qual suas idéias passam a se apresentar como se estivessem deslocadas da realidade. Se as coisas são assim, resta então, por parte dos representantes do capital, a tarefa de nos convencer sobre as vantagens da instabilidade. Para isso, faz-se necessária inclusive a alteração do significado das coisas. A instabilidade, ainda mais forte na nossa era, agora é chamada de flexibilidade.

A flexibilidade passa então a estar associada, ao menos no terreno das ideologias, a coisas positivas: ser ágil; estar disposto a correr riscos; estar sempre aberto a mudanças e aos novos desafios; saber fazer muitas coisas ao mesmo tempo; não valorizar vínculos muito rígidos com o local de trabalho etc. Essas características, cantadas em versos e prosas aos quatro cantos do planeta como marcas do sucesso pessoal9 de cada trabalhador, estão diretamente relacionadas ao toyotismo e às novas necessidades da economia capitalista.

Na lógica da organização da produção e do trabalho flexível, tempo livre é desperdício. Não há espaço atividades especializadas. Os projetos profissionais devem envolver, necessariamente, versatilidade, polivalência, multifuncionalidade. O mundo dos trabalhadores deve, sob o domínio do capital, operar em base à mesma lógica concorrencial do mercado mundializado.

Em um mundo no qual plantas produtivas de grandes corporações migram de um lado para o outro, num movimento de busca contínua por baixos salários e ausência de direitos regulamentados, a relativa “rigidez” da vida social, particularmente aquela expressa por meio da conquista de direitos sociais e trabalhistas, nos é apresentada como algo fora do lugar. A adoção da idéia de flexibilidade, mais que uma simples incorporação da forma de organização da produção e do trabalho desenvolvida pela Toyota, encarna a dinâmica do mercado ao final do século XX e início do XXI. Ser flexível, portanto, tinha (e tem até hoje) na relação capital/trabalho um forte conteúdo ideológico.

Quanto à sociedade do tempo livre e da realização plena de homens e mulheres, esse sem dúvida é um projeto a ser perseguido, mas sua realização não pode se dar no marco da sociedade estruturada pelo capital.

8 - Diferentemente do desemprego causado por oscilações conjunturais na economia, o desemprego estrutural está relacionado à postos de trabalho fechados, à vagas que não serão mais preenchidas.

9 - Vale ressaltar ainda o fortalecimento do individualismo, no sentido de que cada um tem que buscar, cada vez mais, sua realização na esfera da individualização.

Page 65: CSO4.pdf

65

www.metodista.br/ead

ReferênciasANFAVEA. Anuário da Indústria Automobilística Brasileira 2004. São Paulo: Centro de Documentação da Indústria Automobilística – CEDOC, 2004.

ANTUNES, Ricardo. Adeus ao trabalho? Ensaio sobre as metamorfoses e a centralidade do mundo do trabalho. São Paulo: Cortez; Campinas: Editora da Unicamp, 1995.

______________. Os sentidos do trabalho. Ensaio sobre a afirmação e a negação do trabalho. São Paulo: Boitempo, 2000.

______________ (org.). Riqueza e Miséria do Trabalho no Brasil. São Paulo: Boitempo, 2006.

BORGES NETO, João Machado. As várias dimensões da lei do valor. In: Nova Economia. Belo Horizonte, setembro-dezembro de 2004, p. 143-158.

CNM / CUT / Dieese. Do holerite às compras. Disponível em http://www.smetal.org.br/default.asp?id=32&ACT=5&content=137&mnu=32. Acesso em: 14/06/2008.

GORZ, André. O Imaterial. Conhecimento, Valor e Capital. São Paulo: Annablume, 2005.

GOUNET, Thomas. Fordismo e toyotismo na civilização do automóvel. São Paulo: Boitempo, 1999.

Hobsbawm, Eric. Era dos Extremos. São Paulo: Cia das Letras, 1996.

IANNI, Octavio. Enigmas da modernidade-mundo. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2000.

LESSA, Sérgio. Trabalho e proletariado no capitalismo contemporâneo. São Paulo: Cortez, 2007.

MARX, Karl. O Capital. Vol. I, Tomos I e II. Coleção Os economistas. São Paulo: Nova Cultural, 1985.

ORGANISTA, José Henrique Carvalho. O debate sobre a centralidade do trabalho. São Paulo: Expressão Popular, 2006.

PRAUN, Lucieneida D. A Teia do Capital: reestruturação produtiva e “gestão da vida” na Volkswagen do Brasil / Planta Anchieta. Dissertação de mestrado. São Paulo: Unicamp, 2005.

POCHMANN, Marcio. Sindeepres 15 anos – a superterceirização dos contratos de trabalho. Campinas, abril de 2007. Disponível em: http://www.sindeepres.com.br/pt/estudos Acesso em 06/06/2008.

SCHAFF, Adam. A Sociedade Informática. São Paulo: Unesp / Brasiliense, 1996.

SENNET, A corrosão do caráter. Rio de Janeiro / São Paulo: Record, 2002.

SILVA, Cleide. Indústria Automobilística – Novas montadoras redesenham o mapa do setor. O Estado de S. Paulo, São Paulo, 07 jun. 2004, Caderno Economia, p. B5.

Page 66: CSO4.pdf

Universidade Metodista de São Paulo

66

_________________________________________

_________________________________________

_________________________________________

_________________________________________

_________________________________________

_________________________________________

_________________________________________

_________________________________________

_________________________________________

_________________________________________

_________________________________________

_________________________________________

_________________________________________

_________________________________________

_________________________________________

_________________________________________

_________________________________________

_________________________________________

_________________________________________

_________________________________________

_________________________________________

_________________________________________

_________________________________________

_________________________________________

_________________________________________

_________________________________________

________________________________________

__________________________________________

_________________________________________

________________________________________

________________________________________

_________________________________________

_________________________________________

________________________________________

________________________________________

________________________________________

________________________________________

_________________________________________

_________________________________________

_________________________________________

_________________________________________

_________________________________________

_________________________________________

_________________________________________

_________________________________________

_________________________________________

_________________________________________

_________________________________________

_________________________________________

_________________________________________

_________________________________________

_________________________________________

_________________________________________

_________________________________________

________________________________________

__________________________________________

Page 67: CSO4.pdf

Módulo

www.metodista.br/ead

Resumo:A teoria social tem sido objeto de

importantes reformulações, decorrentes de novas perspectivas nos diversos campos

do conhecimento e de inéditas mudanças mundiais acontecidas, nas últimas décadas, nas sociedades. Anthony Giddens é um dos

principais animadores dessa reformulação do pensamento social. Este artigo apresenta uma introdução aos conceitos básicos desse

autor que contribuíram para uma teoria social contemporânea crítica do pensamento social

clássico.

Palavras-chave: Modernização reflexiva; estruturação;

agente; consciência prática.

Teoria social contemporâneareflexividade, agente e

estruturação no pensamento de Anthony Giddens

Paulo Barrera Rivera

Repensando as relações sociais no mundo contemporâneo

Page 68: CSO4.pdf

Universidade Metodista de São Paulo

68

Nas décadas recentes a teoria social passou a utilizar o termo “pós-tradicional” como uma das características, provavelmente das mais importantes, da sociedade contemporânea. Não deixa de ser curiosa essa caracterização, pois a modernidade desenvolveu-se no ocidente deixando para trás a sociedade tradicional. Giddens é um dos autores que aplica às sociedades contemporâneas o adjetivo de “pós-tradicional” (2001). O conceito “modernidade”, mesmo amplo e diverso, serviu para distinguir a sociedade urbana, industrial, educada, secular e global, que, no decorrer de poucos séculos, deixara para trás a sociedade tradicional, agrícola, analfabeta e religiosa. Assim, o conceito de “modernidade” se explicava como superação da “tradição” e, nesse sentido, incluía a idéia de “pós-tradicional”. Mas mudanças recentes, coisa de poucas décadas, colocaram em evidência que o conceito de “modernidade” precisava, no mínimo, de ajustes, e, da mesma forma, a distinção teórica entre modernidade e pós-modernidade em relação à sociedade tradicional. Colocou-se em circulação, então, conceitos como pós-modernidade, alta modernidade, modernidade tardia, ultra modernidade, etc. O novo período que esses termos tentam expressar implicou também em mudanças necessárias na teoria social clássica que se desenvolvera na modernidade ocidental ente os séculos XIX e XX. Giddens é um dos pensadores a propor mudanças na teoria social que seriam exigidas pela sociedade pós-moderna, “ou de alta modernidade”, como ele prefere. Antes de entrar no estudo dessas mudanças na teoria social convém, então, entender a novidade trazida pela pós-modernidade.

1. Modernização reflexiva: a radicalização da modernidadePara um conjunto de pensadores contemporâneos, antes que uma ruptura com a modernidade,

a pós-modernidade representa uma radicalização e uma universalização das conseqüências da modernidade. Os principais autores dessa vertente são Giddens (1997), Beck (1997) e Lash (1997).

Eles definem a modernidade em oposição à sociedade tradicional. Os modos de vida modernos liberaram o ser humano da ordem social tradicional e engendraram transformações de profundidade nunca antes vista. As mudanças recentes e dramáticas que suscitaram a invenção de conceitos como “pós-modernidade” seriam conseqüências de um aumento inédito da abrangência e da velocidade de mudanças características das sociedades modernas. No caso da sociedade tradicional da qual surgiu a modernidade ocidental, as descontinuidades são facilmente identificadas. Giddens as resume em três: primeira, o ritmo de mudança que a modernidade inaugura; segunda, o escopo das mudanças modernas é de dimensão mundial – “Conforme diferentes áreas do globo são postas em interconexão, ondas de transformação social penetram através de, virtualmente, toda a superfície da Terra” –; terceira, o caráter inédito de formas sociais modernas como o Estado-nação, a dependência em relação às fontes de energia inanimadas e a completa transformação do trabalho assalariado em mercadoria (1990, p.15s).

Mas a proposta da ruptura entre sociedade tradicional e sociedade moderna exige certas ressalvas quando analisada em função das certezas que o modelo de sociedade tradicional fornecia às pessoas. Estas não foram eliminadas, mas substituídas por outras: as certezas dos sentidos, da observação, da comprovação empírica. A providência divina foi substituída pela providência da razão e esta – como sublinha Giddens (1990, p.54) – coincidiu com a ascensão do domínio europeu sobre o resto do mundo. A hegemonia européia forneceu o suporte material para a afirmação de que a nova perspectiva sobre o mundo tinha uma base sólida, capaz de repelir o dogma da tradição e fornecer segurança. Mas, o desenvolvimento das sociedades modernas, de forma desigual e em muitos casos precária, não conseguiu eliminar as certezas da tradição.

A idéia de “modernidade reflexiva” é imprescindível para entender o conceito de “alta modernidade” ou “modernidade tardia” e é utilizada pelos três autores mencionados. Ela está estreitamente vinculada à outra expressão aparentemente contraditória: “autodestruição criativa”. A idéia base para ambas é que não há transformações essenciais, mas aprofundamentos do que já existia.

O resultado não será algo novo, mas aperfeiçoado ou radicalizado. Mas essa mudança é de tal magnitude que transforma as expressões mais visíveis da modernidade. A alta modernidade

Page 69: CSO4.pdf

69

www.metodista.br/ead

não é uma nova era que substituiu a modernidade, anulando-a. A substituição foi uma recriação, um aprofundamento. Trata-se de uma destruição de origem interna e não externa. Ao progredir, a modernidade se auto-destrói, num processo de destruição criativa. A alta modernidade é a modernidade refletida nela mesma. O sentimento de novidade é causado pelo caráter inédito dos efeitos dessa radicalização. Mas é, simplesmente, um tipo de modernização destruindo outro ou modificando-o ao se desenvolver.

Assim, em virtude de seu inerente dinamismo, a soc iedade moderna está acabando com suas fo rmações de c l a s se , camadas sociais, ocupação, papéis dos sexos, família nuclear, agricultura, setores empresariais e, é claro, também com os pré-requisitos e as formas contínuas do progresso técnico-econômico. Este novo estágio, em que o progresso pode se transformar em autodestruição, em que um novo tipo de modernização destrói outro e o modifica, é o que eu chamo de etapa de modernização reflexiva. Giddens (1990, p.12).

Nesse caso não há crise do antigo sistema. Não são as derrotas do capitalismo industrial que produzem novas formas sociais. Pelo contrário, são as modernizações adicionais que dissolvem os contornos da sociedade industrial abrindo caminhos para uma modernidade mais profunda. Os autores mencionados admitem a possibilidade – estranha à sociologia clássica – de uma nova sociedade sem revolução e de que as mudanças sociais ocorram sem qualquer intencionalidade ou planejamento político. A alta modernidade e sua tecnologia estariam gerando uma espécie de autonomia da dinâmica social em relação ao planejamento político. Essa questão será retomada posteriormente, em relação ao agente social.

Giddens afirma a reflexividade como uma “característica da vida social moderna” (1991, p.45ss). As práticas sociais são constantemente avaliadas, revisadas e modificadas segundo as novas informações sobre elas. Todas as formas de vida social são parcialmente constituídas pelo conhecimento que os atores têm delas. Mas isso não é particularidade da modernidade. As práticas sociais sempre foram modificadas segundo novas descobertas. Na alta modernidade, a revisão das práticas sociais se radicaliza e é aplicada a todos os aspectos da vida humana. O novo parece ser sempre bem-vindo, em detrimento da tradição. As conseqüências disso para o desenvolvimento de identidades não são simples.

As reivindicações da razão moderna – que parecia poder explicar tudo – substituíram as reivindicações da tradição e ofereceram uma sensação de certeza maior do que a oferecida pelo

Assim, em virtude de seu inerente dinamismo, a sociedade moderna

está acabando com suas formações de classe, camadas sociais, ocupação,

papéis dos sexos, família nuclear, agricultura, setores empresariais e, é claro, também com os pré-requisitos e as formas contínuas do progresso

técnico-econômico. Este novo estágio, em que o progresso pode se transformar em autodestruição, em que um novo tipo de modernização destrói outro e o modifica, é o que

eu chamo de etapa de modernização reflexiva. Giddens (1990, p.12).

Page 70: CSO4.pdf

Universidade Metodista de São Paulo

70

dogma. Mas a reflexividade moderna nunca encontra os absolutos fornecidos pela religião ou pela visão sagrada do mundo, próprios da sociedade pré-moderna ou tradicional. A própria razão é subvertida pela reflexividade moderna: é constantemente revisada e não consegue substituir as certezas do mundo tradicional. É possível dizer que a modernidade extingue os absolutos porque tudo é passível de ser revisado. Segundo Giddens vivemos num mundo inteiramente constituído de conhecimento reflexivo aplicado onde, ao mesmo tempo, nunca estamos seguros de que qualquer elemento desse conhecimento não será revisado novamente (1991, p.46). A sociedade caracteriza-se, assim, pela contínua mudança, o que tem efeitos nas relações sociais. Um desses efeitos é o aumento de autonomia do agir do indivíduo, como veremos adiante.

A carência de certezas acarreta um processo de destradicionalização com fortes implicações na construção das identidades. O mundo moderno sempre foi culturalmente diverso, mas essa diversidade dependia fundamentalmente da diversidade geográfica e da vinculação das culturas aos territórios definidos. Hoje, pela primeira vez, as tradições circulam sem ser necessariamente acompanhadas pelas pessoas (Giddens 1996, p.99s). O mundo contemporâneo não é mais regido exclusivamente pelas tradições locais, mas também pela incorporação de princípios tradicionais de origens distintas.

2. Teoria social contemporânea crítica da teoria social clássica Por “Teoria social clássica” podemos nos referir ao pensamento social produzido a partir das

correntes de pensamento fundadoras de verdadeiras tradições sociológicas: marxista, durkheimniana e weberiana. O pensamento social “legítimo”, no sentido de aceito e reconhecido pela comunidade científica e, em conseqüência, também o mais difundido, partia dessas três grandes matrizes e se articulava em torno dessas “verdades” fundadoras, chegando a constituir uma sorte de “Cânone” ou de “consenso ortodoxo” (2001, p.97). A teoria social contemporânea, da qual a contribuição de Giddens e Bourdieu pode ser considerada como boa representante, propõe importantes questionamentos a esse consenso. Particularmente, Giddens considera que a aceitação de novas perspectivas sociológicas alcançaram reconhecimento em detrimento desse “consenso ortodoxo”.

Giddens destaca três aspectos que caracterizaram a ciência social clássica e que a teoria social contemporânea está chamada a criticar e superar:

1) o naturalismo;

2) a explicação da atividade humana sempre por alguma causa social e;

3) o funcionalismo. Vejamos como nosso autor articula sua crítica da “Teoria Social clássica”, em torno desses três aspectos.

Desde suas origens no pensamento de Augusto Comte, as ciências sociais se desenvolveram comparando-se com as ciências naturais e, nessa perspectiva, encontrava semelhanças entre problemas sociais e os problemas abordados pela ciência natural. A expressão “física social”, aplicada à sociologia por Augusto Comte no século XIX, é expressiva desse naturalismo primordial. Alguma coisa semelhante às “leis naturais” permaneceu nas ciências sociais. A crítica de Giddens a respeito do naturalismo da teoria clássica foca a influência do positivismo no pensamento de Èmile Durkheim e o vincula à terceira característica, o funcionalismo (Política, Sociologia e Teoria Social, 1998). Vejamos brevemente a sua crítica do natural-funcionalismo da teoria social clássica. De fato, é possível verificar no pensamento durkheimniano uma compreensão da sociologia como “ciência natural da sociedade”, no sentido de pensar a sociedade como capaz de se reproduzir seguindo leis que seriam independentes do agir e da vontade das pessoas que a constituem. Nessa perspectiva, as relações entre indivíduo e sociedade são concebidas em termos abstratos e a-históricos. Ao mesmo tempo, as pessoas não aparecem como atores capazes de ação social e a sociedade não é resultado da ação prática de atores. Na concepção tradicional da ciência social verifica-se “a idéia de que é possível descobrir as leis da vida social, estabelecendo-se uma analogia mais ou menos direta com as leis

Page 71: CSO4.pdf

71

www.metodista.br/ead

existentes nas ciências naturais” (2001, p.104). A crítica de Giddens do “naturalismo” poderia se resumir na autonomia das sociedades em relação aos indivíduos; a sociedade parecia funcionar de maneira autônoma aos indivíduos que a constituem, seguindo apenas certas leis que a determinariam.

A segunda característica, a “causação social”, ajuda a explicar a primeira. Na sociologia clássica permaneceu a idéia de que toda explicação da atividade humana, da prática social, deveria ser feita no marco de referência de alguma causa social situada além dos sujeitos da prática social em questão e sem que esses sujeitos conheçam ou tenham consciência dessas causas. A atividade humana era vista como prática social cuja causa social última permanecia oculta para os sujeitos, até que a ciência social a revelasse.

“Embora como agentes humanos possa parecer que saibamos o bastante sobre o que estamos fazendo e o porquê da forma como agimos, o cientista social tem a capacidade de demonstrar que, na realidade, somos movidos por causas de que não temos a menor consciência. O papel das ciências sociais seria o de revelar formas e causações sociais que os atores ou protagonistas ignoram” (2001, p.98s).

É a partir dessa crítica da inconsciência das causas sociais da atividade humana que Giddens elabora os conceitos de “agente”, “consciência prática” e “consciência discursiva”, que constituem elementos fundamentais da sua “Teoria da estruturação”, que revisaremos adiante.

3. Estruturação, agente e consciência prática.

A teoria da estruturação posiciona-se do lado oposto da idéia de “estrutura” como representação fixa da sociedade; pretende-se frisar o dinamismo da vida social, a mesma que considera resultado do agir cotidiano de atores, mais ou menos conscientes das conseqüências de suas práticas sociais. Dois aspectos centrais da teoria da estruturação devem ser destacados para

_________________________________________

_________________________________________

_________________________________________

_________________________________________

_________________________________________

_________________________________________

_________________________________________

_________________________________________

_________________________________________

_________________________________________

_________________________________________

_________________________________________

_________________________________________

_________________________________________

Embora como agentes humanos possa parecer que saibamos o bastante sobre o que estamos fazendo e o porquê da forma como agimos, o cientista social tem a capacidade de demonstrar que, na realidade, somos movidos por causas de que não temos a menor

consciência. O papel das ciências sociais seria o de revelar formas e causações sociais que os atores ou protagonistas ignoram (2001, p.98s).

Page 72: CSO4.pdf

Universidade Metodista de São Paulo

72

entender a sua novidade teórica. Primeiro, os seres humanos produtores da vida social comportam-se conscientes de seu próprio agir e das conseqüências possíveis desse agir. Giddens chama isso de “prática social reflexiva”, que, em outros termos, trata-se do agir consciente daquilo que se faz e de suas conseqüências. É o caráter reflexivo da conduta humana. Claro que sempre são possíveis conseqüências não intencionais, mas elas não tiram do sujeito sua qualidade de ator cuja ação foi necessária à realização das conseqüências, as intencionais e as não intencionais.

Em segundo lugar, a teoria da estruturação apóia-se na importância da linguagem e da capacidade cognitiva dos seres humanos. A nova teoria social tenta, assim, recuperar o lugar do agente humano conhecedor, concentrando a sua atenção em fenômenos do cotidiano que demonstram que a maior parte das nossas ações é intencional. A nossa capacidade de conhecer a realidade, o mundo, as pessoas, as relações entre as pessoas e delas com o mundo, enfim, a sociedade, esteve sempre vinculada à capacidade dos seres humanos de produzir e tirar proveito da linguagem. A linguagem, como todo sistema simbólico, possui uma estrutura que a torna útil não apenas como meio de comunicação, mas também como meio de conhecimento. Não precisamos entender nem saber explicar a complexa estrutura de um sistema simbólico como a de um idioma qualquer, mas somos capazes de tirar proveito dela e, por isso, conseguimos nos comunicar com outras pessoas, expressar o que queremos, pensamos ou fazemos. Sem a linguagem não teríamos condições de ser atores. Mas, também é graças à linguagem que conseguimos classificar, distinguir e hierarquizar o mundo. Através da linguagem os seres humanos estruturam o mundo, outorgando-lhe diversas ordens e hierarquias.

Consciência discursiva e consciência práticaA importância que Giddens outorga à noção de “agente humano conhecedor” tem implicações

decisivas na teoria social, pois leva a uma reformulação do próprio objeto das ciências sociais. Na sua teoria da ação, esse autor distingue entre “consciência prática” e “consciência discursiva”. Vejamos a diferença entre elas: Todo ator social possui uma bagagem de conhecimento indispensável para seu agir e para fazer com que a vida social aconteça. Esse conhecimento os torna mais ou menos conscientes do que fazem e dos resultados ou implicações de suas ações. A consciência prática resulta desse conhecimento que se expressa na ação, na execução de determinadas práticas, na habilidade para tirar proveito de verdadeiros sistemas simbólicos, como a linguagem. Todo ser humano conhece de maneira suficiente seu idioma e o aproveita no dia-a-dia para realizar suas ações em relação às outras pessoas. Não precisamos saber explicar as complexas regras gramaticais ou sintáticas de um idioma para poder aproveitá-lo. Essa explicação é tarefa do lingüista.

Diferente da “consciência prática”, a “consciência discursiva” tem a ver com a capacidade de expor discursivamente os motivos e a análise da ação. Conhecer as razões e a forma de realizar determinada ação não significa necessariamente que se saiba explicá-las discursivamente. Muito pelo contrário, regra geral, sabe-se muito mais sobre as razões que levam a determinado curso de ação do que efetivamente se consegue expressar discursivamente. Assim, a capacidade de conhecimento dos seres humanos não se esgota na consciência discursiva. Que não se saiba explicar discursivamente determinada ação nada diz a respeito do conhecimento necessário para realizar essa ação. Houve uma deficiência na teoria social clássica, segundo nosso autor, ao descartar a consciência prática do agente social, interpretando essa suposta inconsciência como desconhecimento. Regra geral, a “consciência prática” e a “consciência discursiva” estão presentes, em graus diversos, na prática social cotidiana.

Não pretendo que a distinção entre consciência discursiva e consciência prática seja rígida e impermeável. Pelo contrário a divisão entre ambas pode ser alterada por numerosos aspectos da socialização e das experiências de aprendizagem do agente. Não há barreiras entre esses dois tipos de consciência; há apenas a diferença entre o que pode ser dito e o que, de modo característico, é simplesmente feito (2003,p.8)

Page 73: CSO4.pdf

73

www.metodista.br/ead

AgenteO conceito de consciência prática nos permite desenvolver agora o conceito de “agente”. Um

agente é um ator social, mas é importante não associar um ato à intencionalidade da ação realizada. Um agente se define primeiramente pela capacidade que ele tem para realizar as ações. Um agente é alguém que exerce poder ou produz um efeito. Agente não se refere, assim, às intenções que as pessoas têm ao fazer as coisas, e sim à capacidade para realizá-las. Evidentemente, é importante levar em consideração que o conceito de “agente” não se refere a ações isoladas, e de fato, dificilmente há ações que fazemos sem qualquer conhecimento de suas implicações, isto é, ações que se esgotam em si mesmas. Deve-se entender a ação como um processo contínuo, um fluxo constantemente monitorado pela capacidade reflexiva do agente. O agente sabe que suas ações terão algum efeito, mudarão alguma coisa do curso de acontecimentos; espera-se alguma diferença decorrente dessa ação, diferença essa que não teria acontecido sem a realização da ação.

Deve ficar claro, então, que um agente independe da intencionalidade. Um agente é o “perpetrador”, isto é, o acontecido não teria ocorrido se o agente não tivesse agido. O agente mudou o curso dos acontecimentos, e isso não teria acontecido sem a sua intervenção. O agente não deixa de ser tal, porque as conseqüências de sua ação não tenham sido intencionais. Giddens ilustra a questão com o “efeito acordeão” da ação. Isto é, o efeito não esperado, mas que não tira do agente a autoria desse resultado. Vejamos a ilustração. Um indivíduo com a intenção de iluminar um quarto aciona o interruptor. O ato realizado alerta um gatuno que, ao fugir, é capturado pela polícia e sentenciado por arrombamento de domicílio. O ato de acender a luz foi intencional, mas não as conseqüências sofridas pelo gatuno. O agente acionou o interruptor e também foi o agente quem alertou o ladrão. Então, atos não intencionais podem ser conceitualmente separados das conseqüências involuntárias da ação. Mas, isso não tira a qualidade do agente. O indivíduo que acionou o interruptor é o mesmo agente que alertou o ladrão. As conseqüências daquilo que os atores sociais fazem, intencionalmente ou não, são eventos que não teriam acontecido se eles tivessem se comportado de modo diferente. Uma pessoa constitui-se em agente pela sua capacidade de fazer, independente de sua intencionalidade em relação aos resultados de suas ações.

“Ser capaz de atuar de outro modo significa ser capaz de intervir no mundo, ou abster-se de tal intervenção, com o efeito de influenciar um processo ou estado específico de coisas. Isso pressupõe que ser um agente é ser capaz de exibir (cronicamente no fluxo da vida cotidiana) uma gama de poderes causais, incluindo o de influenciar os manifestados por outros. A ação depende da capacidade do indivíduo individuo de criar uma diferença em relação ao estado de coisas ou curso de eventos preexistente. Um agente deixa de o ser se perde a capacidade para criar uma diferença, isto é, para exercer alguma espécie de poder” (2003, p.17).

EstruturaçãoO próprio Giddens considera o conceito

de “estrutura” parte do cerne da teoria da estruturação. É nessa parte, precisamente, que a crítica da teoria social clássica, que o autor chama de “consenso ortodoxo”, torna-se mais direta e polêmica. Embora em graus diversos na história das Ciências Sociais permaneceu a idéia

Ser capaz de atuar de outro modo significa ser capaz de intervir no mundo, ou abster-se de tal intervenção, com o efeito de influenciar um processo ou estado específico de coisas. Isso pressupõe que ser um agente é ser capaz de exibir (cronicamente no fluxo da vida cotidiana) uma gama de poderes causais, incluindo o de influenciar os manifestados por outros. A ação depende da capacidade do indivíduo individuo de criar uma diferença em relação ao estado de coisas ou curso de eventos preexistente. Um agente deixa de o ser se perde a capacidade para criar uma diferença, isto é, para exercer alguma espécie de poder (2003, p.17).

Page 74: CSO4.pdf

Universidade Metodista de São Paulo

74

de estrutura da sociedade se impondo sobre os indivíduos que a constituem. Foi essa uma ênfase da Sociologia clássica, que tirava do indivíduo sua qualidade de agente, tal como discutido acima. A estrutura social era pensada de forma semelhante ao de um esqueleto que suporta o corpo social, ou às vigas mestras que sustentam um edifício. Assim entendida a idéia de estrutura implica necessariamente um dualismo entre sujeito e objeto social: a estrutura é externa à ação humana e determina sobre ela, restringindo a livre iniciativa do indivíduo.

A teoria social contemporânea substitui essa idéia de estrutura pela de estruturação, como resultado de relações transformadoras produzidas e reproduzidas pelas práticas sociais de agentes humanos dotados de capacidade cognoscitiva. As práticas sociais, assim, não têm estruturas, e sim “propriedades estruturais”. A idéia de “estruturação” é mais dinâmica que aquela de estrutura fixa. Para Giddens “estrutura” se refere ao conjunto de regras envolvidas na produção e reprodução de sistemas sociais. Mas são os agentes sociais os produtores e reprodutores dessa estrutura.

A estrutura não deve ser entendida como algo separado do agente. A constituição de agentes e estruturas não são fenômenos independentes. O autor explica isso a partir da idéia de “dualidade da estrutura”: as propriedades estruturais dos sistemas sociais são, ao mesmo tempo, meio e fim das práticas que elas organizam. As propriedades estruturais dos sistemas sociais não devem ser entendidas como “produtos sociais”, independentes dos indivíduos que constituem essa sociedade, como se certos atores prévios tivessem criado, com antecedência, essa estrutura. Ao mesmo tempo, a estrutura é reproduzida, em parte, pela ação: o momento da produção da ação é também um momento de reprodução nos contextos do desempenho cotidiano da vida social. Nessa proposta de dualidade da estrutura está, mais uma vez presente, o lugar de destaque do agente social conhecedor.

“Ao reproduzirem propriedades estruturais... os agentes também reproduzem as condições que tornam possível tal ação. A estrutura não tem existência independente do conhecimento que os indivíduos possuem a respeito do que fazem em sua atividade cotidiana. Os agentes humanos sempre sabem o que estão fazendo no nível da consciência discursiva, sob alguma forma de descrição” (2003, p.21).

ReferênciasGIDDENS, Anthony. Política, sociologia e teoria social. Encontros com o pensamento social clássico e contemporâneo. São Paulo: Unesp, 1998.

_________. Em defesa da sociologia: ensaios, interpretações e tréplicas. São Paulo; Unesp, 2001.

_________. A constituição da Sociedade. São Paulo: Martins Fontes, 2003.

_________. As conseqüências da modernidade. São Paulo: Unesp, 1991.

_________. Modernidade e identidade. Rio de Janeiro: Zahar, 2002.

GIDDENS, Anthony; BECK, Ulrich; LASH, Scott. Modernização reflexiva: política, tradição e estética na ordem social moderna. São Paulo: Unesp, 1997.

Ao reproduzirem propriedades estruturais... os agentes também

reproduzem as condições que tornam possível tal ação. A

estrutura não tem existência independente do conhecimento

que os indivíduos possuem a respeito do que fazem em sua

atividade cotidiana. Os agentes humanos sempre sabem o que estão fazendo no nível

da consciência discursiva, sob alguma forma de descrição

(2003,p. 21).

Page 75: CSO4.pdf

Módulo

www.metodista.br/ead

Resumo:Neste artigo apresentaremos o

pensamento do sociólogo e etnólogo francês, Pierre Bourdieu, a partir de

dois conceitos – a teoria dos campos e o habitus e, a partir destas idéias,

discutiremos a violência simbólica e como ela é exercida na vida social. Bourdieu,

autor de uma vasta produção de pesquisa e intelectual, ganha destaque ao criar

uma teoria inovadora incorporando e reinterpretando o pensamento dos

autores clássicos da Sociologia.

Palavras-chave: Pierre Bourdieu; teoria dos campos; habitus; poder; violência simbólica.

Pierre Bourdieu, notas acerca de uma

sociologia dos campos

Verónica Aravena Cortes

Repensando as relações sociais no mundo contemporâneo

Graduada em Jornalismo pela Faculdade de Comunicação Social Casper Líbero (1989) e em Filosofia pela Universidade

de São Paulo (1994). Mestre pelo Programa de Pós-Graduação Integração da América Latina pela USP (1996) e

doutora em Sociologia pela USP (2000).

Page 76: CSO4.pdf

Universidade Metodista de São Paulo

76

IntroduçãoO francês, Pierre Bourdieu, sagrou-se um dos grandes nomes da sociologia do século XX. Filho

de um funcionário de correios, nasce na região de Béarn, nos Pirineus Atlânticos, em 1930, obtém seu grau na reconhecida École Normale Superieure, em 1951. Presta o serviço militar na Argélia, entre 1955-1958, depois trabalha mais dois anos como professor assistente na Faculdade de Letras de Argel. Volta à Franca e desenvolve uma prestigiosa carreira na academia, chegando a professor titular da cadeira de Sociologia do College de France, em 1981. Morre em 2002, aos 71 anos.

Bourdieu considerava que a experiência da Argélia era fundamental na sua trajetória, pois esta o havia tornado verdadeiramente sociólogo e etnólogo. A aprendizagem desses anos aparece ao longo de sua obra.

Foi um pesquisador que viu numa ampla variedade de objetos – de retratos familiares a pesquisas publicitárias – material ímpar para sua pesquisa, assim ampliando o repertório de objetos da Sociologia. Recebe influência dos clássicos da Sociologia, Weber e Durkheim, bem como do legado marxista, mas cria uma teoria original para entender a complexidade da vida social. Outro traço marcante de sua vida foi participar ativamente das lutas sociais e do debate público, não só da França, mas de sua época.

Sergio Miceli, ao recuperar a recepção de Bourdieu no Brasil, lembra que o autor:

… parecia trabalhar movido pelo princípio metodológico algo desnorteante de existir como que uma solidariedade estrutural entre diferentes níveis da atividade social. Esse vaivém comprometedor entre as origens familiares, as oportunidades de acesso ao capital escolar e as preferências em matéria de consumo de bens culturais ou, entre as lacunas no processo de apropriação de capital cultural e as disposições para a prática de um dado gênero, colocavam ao novato no ofício o desafio de mobilizar ao mesmo tempo suas disposições de rigor analítico e sua imaginação sociológica (1996, p. 11).

Bourdieu apresenta uma visão inovadora para se pensar a reprodução social, estabelecendo as relações entre os diversos planos político, econômico, cultural e o simbólico. Neste artigo apresentaremos dois conceitos centrais de Bourdieu, os de campo e de habitus e teceremos algumas considerações sobre a violência simbólica que leva os indivíduos a ver como naturais as idéias, as representações e os valores dominantes, tema que, na obra do sociólogo, será estudado sob diferentes perspectivas, no estabelecimento de uma linguagem formal, na arte, na dominação masculina, entre outras tantas.

Uma teoria dos camposBourdieu reconhece a tendência das sociedades modernas à diferenciação, analisada por vários

sociólogos como Durkheim e Weber. Sua idéia de campo parte desta tendência. O campo é entendido como um subsistema social, ou um espaço estruturado de posições, onde os diferentes agentes que ocupam as diversas posições lutam, tendo em vista a apropriação do capital específico ao campo e/ou a redefinição desse capital.

Em qualquer um dos campos, os atores não são intercambiáveis, mas dotados de diferentes quantidades e formas de poder, exercendo ou sofrendo dominação.

A força ligada a um ator depende de seus diferentes recursos (...), isto é, mais precisamente, do volume e da estrutura do capital que ele possui, sob suas diferentes formas: capital financeiro, atual ou potencial, capital cultural (...), capital tecnológico, capital jurídico, capital organizacional (...), capital comercial e capital simbólico (BOURDIEU 2005, p.24-25).

Page 77: CSO4.pdf

77

www.metodista.br/ead

Em função desses recursos, os agentes elaboram estratégias de ação, no âmbito dos limites impostos pela estrutura do campo.

O campo é um microcosmo incluído num macrocosmo social (nacional ou global), sendo que cada campo possui regras do jogo e desafios que são específicos para aquele campo. Por exemplo, o campo científico tem suas regras para aceitar um estudo, o campo econômico, outras para seu funcionamento. Os agentes que ocupam diferentes posições, embora lutem entre si, estão numa relação de cumplicidade para manter o campo. As lutas se dão pela posse de um capital específico daquele campo ou pela redefinição daquele capital.

Por sua vez, o capital é desigualmente distribuído e a distribuição desigual do capital determina a estrutura do campo, que é definida pelo estado de relação de forças históricas (agentes e/ou instituições). As estratégias dos agentes no campo podem ser de conservação ou subversão e os embates podem aparecer, entre outros, sob a forma da dualidade, atraso versus modernidade.

A cada campo corresponde um habitus, ou seja, um sistema de disposições incorporadas. Apenas quem tiver incorporado o habitus do próprio campo tem condições de jogar o jogo, pois acredita na importância desse jogo. Por sua vez cada agente do campo é caracterizado por sua trajetória social, seu habitus e sua posição no campo.

Participar do campo significa incorporar um habitus socialmente construído, compartilhar da illusio que atrai e congrega determinados indivíduos e os afasta de tantos outros, numa disputa legítima por prestígio, reconhecimento, poder e hegemonia.

Para Bourdieu, a escola e a religião, bem como a maioria das instituições sociais desempenham a função de perpetuar e reproduzir a ordem social, ao assegurarem a harmonia entre as disposições individuais e a realidade coletiva. Nesses campos trava-se a disputa pela aquisição de prestígio, poder e o estabelecimento de hegemonias. Afrânio Catani ao debater a escola, utilizando o referencial teórico de Bourdieu, observa que a “instituição escolar, internalizada pelos agentes e por meio da performance destes últimos, produzia a ilusão de liberdade — fortalecida pela consagração e privilégios concedidos àqueles que cumpriam rigorosamente com as obrigações do sistema escolar e recebiam, em troca, os signos de mérito e “talento” oficialmente reconhecidos. Essa ilusão ocultava, de um lado, os interesses dos participantes numa disputa constante por bens simbólicos e, de outro, a distribuição desigual dos bens culturais entre os estudantes de diferentes classes sociais.”1

Seu postulado sociológico básico é que os agentes sociais não agem sem razão, ou seja, eles têm motivos para agir como agem. Isso não quer dizer que fariam um cálculo racional, o que significaria que são motivados por razões conscientes e que escolheram segundo um cálculo racional de custo e benefício. Para entender o comportamento dos atores sociais, é preciso entender que eles atribuem importância, ou seja, interesse, a um jogo social, aos seus objetivos estratégicos. Dizer que os atores sociais são interessados significa que eles acreditam nas regras do jogo social.

O processo de diferenciação e de autonomização das esferas sociais acarreta uma “explosão de ‘interesse’; há tantas formas de libido, tantos tipos de ‘interesse’ quanto há campos. Cada campo, ao se produzir, produz uma forma de interesse que, do ponto de vista de outro campo pode parecer desinteresse (ou absurdo, falta de realismo, loucura etc.) (BOURDIEU, 2005, p.22).

Bourdieu expõe esse “interesse” ao abordar as coerções lingüísticas da norma culta, no ensaio “A produção e a reprodução da língua legítima” (1996), observando que o ponto de partida é o reconhecimento da importância de participar no campo, “Reconhecimento que se evidencia com particular força através de todas as coerções, pontuais ou duradouras, a que os dominados submetem, num esforço desesperado para alcançar a correção, consciente ou inconscientemente, os aspectos estigmatizados de sua pronúncia, de seu léxico (...) e de sua sintaxe...” (1996, p.39)

1 - CATANI, Afrânio. “Um estudo da noção de campo e das apropriações brasileiras nas produções educacionais”.Disponível em: http://www.aps.pt/cms/docs_prv/docs/DPR4628ba6c00014_1.pdf. Acesso em: 20/5/2008.

Page 78: CSO4.pdf

Universidade Metodista de São Paulo

78

O habitus, ou disposição incorporada, depende da posição do agente no espaço social e condiciona, de maneira inconsciente, sua visão de mundo e de seu comportamento, idéia já incorporada à nossa visão da vida social, presente quando fazemos análises de intenções de voto em períodos eleitorais, por exemplo, quando dividimos a população em categorias; “as mulheres escolhem seu candidato e votam assim”, “homens escolarizados, profissionais liberais votam desta forma” e assim por diante.

O habitus conjuga posição social do agente, sua situação atual e a sua trajetória pessoal. A heterogeneidade das posições sociais molda os habitus e os estilos de vida, portanto aparece na fala, se traduz nas escolhas realizadas, de preferências como consumidores a gostos culturais.

A partir de suas análises dos diferentes campos e, principalmente, dos estudos sobre o campo escolar e gostos culturais das camadas sociais, Bourdieu desenvolve a noção de violência simbólica, buscando desvendar os mecanismos que fazem com que os indivíduos vejam como “naturais” as idéias e representações dominantes.

Tudo leva a crer que as instruções mais determinantes para a construção do habitus se transmitem sem passar pela linguagem e pela consciência, através de sugestões inscritas nos aspectos aparentemente mais insignificantes das coisas, situações ou práticas da existência comum. Logo a modalidade das práticas, as maneiras de olhar, de se aprumar, de ficar em silêncio, ou mesmo de falar (“olhares desaprovadores”, “tons” ou “ares de censura” etc.) são carregadas de injunções tão poderosas e tão difíceis de revogar por serem silenciosas e insidiosas. (...) O poder de sugestão exercido através das coisas e das pessoas é a condição de eficácia de todas as espécies de poder simbólico capazes de se exercerem em seguida sobre um habitus predisposto a senti-las. Por exemplo, ao anunciar à criança não o que ela deve fazer por meio de ordens, mas o que ela deve ser, tal poder sugestionante faz com que ela se transforme duradouramente naquilo que deve ser. A relação entre duas pessoas pode ser tal que basta que uma delas diga que está frio para que a outra feche a janela (1996, p.38-39, grifos do autor).

Poder da sugestão, poder perfeitamente sentido pelo dominado, mas não visível, a intimidação (violência simbólica que não se mostra como tal por não implicar eventualmente qualquer ato de intimidação) só tem condições de se exercer sobre uma pessoa predisposta (em seu habitus) a senti-la enquanto outros a ignoram. (BOURDIEU, 1996, p.38)

A violência simbólica é desenvolvida pelas instituições e pelos agentes que as animam e sobre a qual se apóia o exercício da autoridade. Poderíamos expor inúmeros exemplos da naturalização das idéias dominantes. Historicamente percebe-se que a dominação masculina se exerceu no plano do simbólico, pois as próprias mulheres a reproduziam através da idéia de que o estudo era coisa de rapazes, que a mulher “decente” ficava em casa e coisas desse tipo. Inclusive a expressão “mulher decente” ficou registrada no Código Penal, pois só a “mulher decente” podia registrar um estupro. Hoje, a expressão foi tirada deste código, mas continuamos a ver valores dominantes no estabelecimento do que é uma “pessoa correta”, bem como de “família correta”. Neste caso, temos a família margarina, na qual não só o marido, a mulher, os filhos, mas até o cachorro são comportadinhos!

Referências

BOURDIEU, Pierre. A economia das trocas lingüísticas. São Paulo: Edusp, 1996.

_____. O campo econômico. Política & Sociedade. São Paulo,Vol. 6:15-58.: [s.e.], 2005.

CATANI, Afrânio. um estudo da noção de campo e das apropriações brasileiras nas produções educacionais. Disponível em: <http://www.aps.pt/cms/docs_prv/docs/DPR4628ba6c00014_1.pdf>. Acesso em: 20/5/2008.

MICELI, Sergio. A sociologia faz sentido. In BOURDIEU, Pierre. A economia das trocas lingüísticas. São Paulo: Edusp, 1996.

Page 79: CSO4.pdf

Módulo

www.metodista.br/ead

A prática de ensino em sociologia: uma breve reflexão sobre as

dimensões política, humana e técnica nas Ciências Sociais

Cristiane Gandolfi

Resumo:A partir das dimensões técnica, política

e humana conceituadas por Vera Candau desenvolvemos a reflexão sobre o trabalho docente de um profissional de educação da área de Ciências

Sociais. Para tanto, partiu-se da historicidade da área de sociologia, suas características, limites e possibilidades no Ensino Médio com o objetivo

de aprofundar o debate sobre o espaço da escola, identificar o jovem como um sujeito particular

na relação didática entre educador/educando e apresentar os aspectos centrais da profissão de

professor.

Palavras-chave: Ensino de Sociologia; formação de professor.

Repensando as relações sociais no mundo contemporâneo

Page 80: CSO4.pdf

Universidade Metodista de São Paulo

80

O surgimento da cadeira de sociologia no ensino brasileiroComo se sabe as Ciências Sociais nasce no bojo do pensamento positivista. No Brasil, o advento

da República de 1889 produziu diversas reformas do ensino e estas se alastraram por toda República Velha (1889-1930), incidindo particularmente sobre o ensino secundário. A Sociologia se fez presente nas Escolas Normais com seu lema de “Ordem e Progresso”, e, no nível médio, em 1925, Fernando de Azevedo a inaugurou no Colégio Pedro II1. Vale destacar a importância deste colégio na história da educação brasileira; ele é um ícone do ensino secundário, de natureza tradicional, conhecido pelo seu ensino propedêutico destinado às elites imperiais e seu objetivo era o de formar quadros políticos para o Império (1822-1889). Esse colégio se manteve como referência de ensino secundário durante a República. Chama a atenção o fato da cadeira de Sociologia ter sido introduzida no ensino médio de alta qualidade, destinado às elites do início do século XX, isto no contexto da república velha, ainda marcado pelas práticas autoritárias.

Na primeira fase do governo Vargas, assistiu-se à expansão da cadeira de Sociologia no Ensino Secundário, contudo, após o Golpe de 1937, particularmente em 1942 com a Reforma Capanema, a obrigatoriedade do ensino é enfraquecida e registra-se um retrocesso na constituição do ensino de Sociologia no nível secundário.

A prática de ensino de Sociologia se escora nesses dados históricos, pois não há forma sem conteúdo. De um lado, têm-se as Ciências Sociais no currículo do Colégio Pedro II, destinado à elite intelectual, de outro, destaca-se sua ausência num currículo voltado à formação de trabalhadores, principalmente no período autoritário de Vargas. Essa dinâmica da Sociologia é notada em toda história da educação brasileira; observa-se que, no governo autoritário de 1964, a cadeira de Sociologia é retirada do currículo e, a partir da década de oitenta, com o fim deste regime, ela volta com força, enraizada nas lutas sociais pela democratização do ensino.

Na década de oitenta do século XX, com a promulgação da Lei nº 7044/82, a Sociologia tornou-se oficial. Estávamos diante do fim do contexto autoritário, a sociedade civil se erguia e o desejo de reconstruir o país com cidadania para todos era a palavra de ordem do momento. Na educação se punha uma forte crítica à lei de diretrizes e bases da época, conhecida como Lei nº 5692/71. Muitos professores não aceitavam as diretrizes de uma educação cindida: ora se educava para a cidadania, ora se educava para o trabalho e, na maioria das vezes, não se ensinava nem para o trabalho, nem para a cidadania2.

É nesse contexto que se consolida a volta da cadeira de Sociologia para o ensino de segundo grau da época, hoje denominado Ensino Médio.

O objetivo central da prática de ensino em Sociologia dos anos oitenta, era transformar o senso comum autoritário no senso crítico democrático, libertador. Portanto, a proposta curricular de Sociologia no ensino médio da escola pública, não mais de elite, era a de desenvolver a cidadania, cabendo ao aluno apreender sua realidade, compreender o significado da cultura, do mundo do trabalho, das relações de poder numa sociedade de classe que estava em processo de mudança, deixando de ser autoritária para se constituir como democrática.

Contraditoriamente, ao mesmo tempo em que os economistas denominam a década de oitenta como a década perdida, dialeticamente, ali nascia o embrião da democracia em nosso país.

1 - O Colégio Pedro II foi criado em 1837, no município da Corte do Rio de Janeiro, como estabelecimento modelo dos estudos secundários. Cf. HAIDAR, M.L.M. & TANURI, L.M. A educação básica no Brasil: dos primórdios até a primeira lei de diretrizes e bases. p. 59-101.

2 - A partir da década de noventa a palavra cidadania tem-se esvaziado de conteúdo, muitos a restringem ao cliente. Quando me refiro a uma educação cidadã parto de uma leitura gramsciana de escola. Educar para a cidadania significa transformar o senso comum em senso crítico: na medida em que o jovem se apropria dos saberes das gerações passadas e posiciona-se diante dos desafios políticos, ideológicos e econômicos de seu tempo, assumindo sua tarefa histórica de cidadão(ã) e protagonista social. Dessa forma a educação para a cidadania visa preparar as novas gerações para a disputa política na sociedade, com vistas a realização da contra-hegemonia, visto que a escola é um espaço da sociedade política mas também da sociedade civil. Uma escola cidadã é orientada pelo diálogo, respeito pelo outro e reflexão crítica dos conceitos apreendidos e acumulados pelas gerações passadas.

Page 81: CSO4.pdf

81

www.metodista.br/ead

As lutas sociais, o renascimento da sociedade civil, o rompimento com a ditadura e a necessidade de se reconstruir o país alcança a educação. Pode-se dizer que esse movimento repercutiu na história da educação como um momento de mudança educacional de baixo para cima, diferenciando-se das reformas educacionais impostas pelo alto.

A retomada da cadeira de Sociologia para a educação de segundo grau é uma conquista da cidadania organizada, impactada pelos ares utópicos daquela década. Ali se via o desejo de se constituirem sujeitos políticos, históricos, capazes de enterrar a década economicamente perdida e produzir um país pleno em cidadania, em organização política e social, comprometido com o regime democrático que estava nascendo. Desse modo, a escola como espaço político que integra o povo à sua comunidade, ao seu país, precisaria ensinar às novas gerações os conceitos clássicos de cultura, trabalho e poder3.

Nesse sentido o professor era chamado a trabalhar de forma científica fazendo pesquisa e o aluno deveria desenvolver uma postura de investigação e atitude curiosa com relação ao conhecimento; esses elementos estavam no cerne de uma nova prática pedagógica, que ainda estava se fazendo. A intenção era a de que a educação extrapolasse os muros da escola, superasse a pedagogia do oprimido restrita à cópia, memorização e transmissão de conteúdos por parte do professor. Nota-se que, na década de oitenta, já se propunha a diversificação das estratégias em sala de aula para que se realizasse a construção do conhecimento na escola. Segundo o documento da proposta curricular para o ensino de Sociologia de 2º grau:

As várias linguagens sugeridas (filmes, fotografias, desenhos, dramatizações) têm o objetivo de permitir que os alunos compreendam e se expressem sobre os aspectos de sua realidade, delimitados pelos temas e, somados à utilização de textos, [os quais] podem auxilia-los na superação das dificuldades enfrentadas em relação à palavra escrita (São Paulo, 1992, p.14).

Essa proposta somente foi possível por estarmos sob o clima da redemocratização brasileira. Essa afirmativa é importante. Não podemos nos esquecer do conceito clássico de Emile Durkheim sobre a função social da educação. Segundo este autor, a educação diferencia-se em cada época, com o propósito de cada lugar, assim, a Educação de Atenas não era a mesma de Esparta, que, por sua vez, não era a mesma das castas indianas (Cf. Durkheim, 2001, p. 44-48). Esse pensamento pode ser transposto para os dias atuais: qual é o propósito da educação no contexto político, econômico, do capitalismo globalizado, neoliberal, numa organização social política regida pelo sistema democrático liberal representativo? Esse questionamento nos faz pensar na implementação da Sociologia em alguns Estados da Federação e não em outros, possivelmente porque a estrutura política local de alguns Estados seja mais democrática do que a de outros (ainda que circunscrita à democracia liberal).

Com o limiar do século XXI faz-se necessário repensar o lugar das Ciências Sociais na formação dos indivíduos. Ocupam esse cenário novas projeções com relação à sociedade do conhecimento, prolongamento da escolaridade básica e necessidade de que toda população apreenda os códigos básicos de aprendizagem. Temos assistido diversos episódios de esgarçamento do tecido social, seja pelo trabalho, pela cultura, pelas relações de poder. No currículo da escola básica há pouco espaço de discussão sobre a realização do ser social democrático, sua cidadania e a manutenção da ordem democrática. Diante disso, em que medida as elites políticas e econômicas anseiam por um ensino médio de qualidade, que propicie aos jovens em sua diversidade construir conhecimento, constituindo-se como sujeitos históricos, capazes de tomar suas vidas em suas mãos, com responsabilidade individual e coletiva? Este não é o objetivo da educação nas sociedades democráticas? Aqui não se está subvertendo a ordem do capitalismo liberal-democrático, ao contrário; os conceitos apreendidos nas Ciências Sociais são fundamentais para a preparação das novas gerações para a realização da

3 - Esses são os eixos básicos da Proposta Curricular para o ensino de sociologia – 2º grau, editada em 1985, pelo governador André Franco Montoro e reeditada em 1989 no governo Orestes Quércia, sob a coordenação do secretário de educação Fernando Gomes de Morais, trabalho coordenado por Eny Marisa Maia.

Page 82: CSO4.pdf

Universidade Metodista de São Paulo

82

democracia na lógica do capital. Como se constrói uma democracia, ainda que liberal? É de cima para baixo, com normas condizentes aos seres sociais ou, ao contrário, parte da história dos indivíduos com vistas à articulação de seus aspectos singulares aos universais.

O currículo de uma escola democrática acolhe a vivência de jovens que se reconhecem no contexto social do qual fazem parte, tendo em vista que, nesse cenário, as Ciências Sociais em sua produção antropológica, econômica, social, propicia elementos que os faz pensar sua vida no contexto do capitalismo do século XXI. Certamente, o olhar e o pensar sociológico contribuem muito na formação dos adolescentes e jovens da educação básica. Portanto, as lutas em defesa da cadeira de Sociologia nas vinte mil escolas de ensino médio do país é uma vivência da democracia brasileira.

Iniciar o texto de prática de ensino de Sociologia com essa reflexão, tem por finalidade reafirmar que nada é neutro; num momento político em que as relações humanas têm se coisificado, o professor representante desta Ciência deve se sentir extremamente necessário à educação, visto que as novas gerações carecem do entendimento e conteúdo sobre o significado de ser jovem com cidadania política no regime democrático, ainda que na lógica globalizada do capital.

A escola de educação básica e as juventudes em seu interiorA partir da LDBEN nº 9394/96, a educação básica passa a se referir ao primeiro nível do ensino, o

qual se divide em três etapas: infantil, fundamental e médio. Na primeira etapa é comum a utilização do conceito de educação; já nas próximas, a nomenclatura predominante é a de ensino. É como se a escola fundamental e média fossem instituições em que as pessoas se encontram para exercer um papel social, incorporar um conteúdo e não um ponto de encontro de pessoas - crianças, adolescentes, jovens e adultos com o objetivo de dialogar, transmitir e construir conteúdos os quais permitem o conhecimento do mundo para que se possa dominá-lo.

Quando se pensa em prática de ensino a primeira dimensão que nos vem à mente é o aspecto técnico da Pedagogia, contudo, além da gestão da sala de aula, o manejo em conduzir a aula, as estratégias de aprendizagem, o modo de avaliar, o professor precisa enxergar a dimensão humana e política do processo de ensino/aprendizagem (Cf. CANDAU, 2000). Essa posição exige do professor o entendimento de que a definição da intencionalidade de seu trabalho pedagógico prescinde de uma questão anterior: o que é a escola e quem são os alunos a que ela se destina.

Vera Candau no texto da Didática em questão, parte de um aluno real, situado historicamente de forma concreta, portanto, o fazer pedagógico do professor se constrói pelo método indutivo, do simples para o complexo, numa rotina de trabalho em que se diversificam as estratégias a fim de que as crianças, os adolescentes e os jovens apreendam os objetivos planejados. Toda prática docente se inicia com a vivência de “ partir das condições reais em que se desenvolve o ensino em nossas escolas e buscar formas de intervenção simples e viáveis”(CANDAU, 2000, p.17).

O sociólogo francês François Dubet tem se debruçado em estudos sobre a sociologia da experiência escolar. No ano de 1996 ele concedeu uma entrevista às professoras/pesquisadoras Dra. Angelina Teixeira Peralva e Dra. Marilia Pontes Sposito e analisou sua atuação de professor de História e Geografia numa escola pública da periferia francesa. Em seu relato de experiência ele aponta sua dificuldade em fazer os alunos trabalharem, escutarem o outro, não se agitarem tanto.

Nessa experiência de sociólogo que quis saber o que é ser professor, Dubet conclui que:

... a relação escolar é a priori desregulada. Cada vez que se entra na sala, é preciso reconstruir a relação: com este tipo de alunos, ela nunca se torna rotina. É cansativa. Cada vez é preciso lembrar as regras do jogo; cada vez é preciso reinteressá-los, cada vez é preciso ameaçar, cada vez é preciso recompensar (...) A gente tem o sentimento de que os alunos não querem jogar o jogo e é muito difícil porque significa submeter à prova suas personalidades. Se eu falo de charme, de sedução, não é por narcisismo, é de fato o que a gente realmente experimenta. É uma experiência muito positiva quando funciona, a gente fica contente; quando não funciona, a gente se desespera (RBE, 1997, p.224-25).

Page 83: CSO4.pdf

83

www.metodista.br/ead

A experiência de Dubet nos remete ao pensamento pedagógico do romano Quintiliano. Para ele o estudo devia dar-se num espaço de alegria (schola). O ensino da leitura e da escrita era oferecido pelo ludi-magister (mestre do brinquedo)4, este deveria ter sabedoria e eloqüência para envolver o aprendiz na aprendizagem. Quintiliano viveu de 35-95 d.C., tratou da importância do recreio, da leitura, da retórica, foi um humanista. Quão bom seria se nossas escolas fossem vistas como espaços de alegria, com segurança e liberdade, portanto, um lugar apropriado para a construção do conhecimento.

A alegria não é a tônica da relação pedagógica de Dubet, logo de início ele foi obrigado a impor um golpe de estado, estabeleceu normas, definiu as regras da cidadania escolar: o papel do aluno e o do professor. Seus alunos não eram violentos, mas sim fracos, não conseguiam entender os programas oficiais de ensino; ele notou que os adolescentes buscavam segurança, rotina, precisavam conhecer o outro para confiar.

Por esse motivo é preciso crivar que a prática de ensino está além dos aspectos técnicos da didática. Vera Candau (2000) buscou superar a dimensão instrumental/técnica do trabalho pedagógico, contextualizando-a no processo de aprendizagem por meio do materialismo histórico/dialético. Ainda nessa direção, Tomazi & Junior relatam uma experiência de Eric Hobsbawm, de 1933/34, sobre as expectativas do professor com relação à dedicação dos alunos. Ali se via a valorização do aluno ideal, totalmente desconexo da realidade concreta. Nesse relato Hobsbawm chama atenção para o fato

O que eu quero lembrar a vocês é algo que me disseram quando comecei a lecionar em uma universidade. ‘As pessoas em função das quais você está lá,’ disse meu professor, ‘não são estudantes brilhantes como você. São estudantes comuns com opiniões maçantes, que obtêm graus medíocres na faixa inferior das notas baixas e, cujas respostas nos exames são quase iguais. Os que obtêm as melhores notas cuidarão de si mesmos, ainda que seja para eles que você gostaria de lecionar. Os outros são os únicos que precisam de você (CARVALHO, 2004, p.70).

Esse é um ponto central na prática de ensino: o centro da atuação do professor é de se preocupar com os alunos que não sabem. Aqueles que não possuem capital cultural são os que de fato precisam da escola e do professor. Parece óbvio, mas toda relação sistêmica de ensino foi estruturada às avessas dessa obviedade. Bourdieu conceituou o professor alusivo como o que organiza sua aula para os melhores alunos da sala; assim se estruturou a escola pública no modo de produção capitalista.

Num momento em que a educação é ressignificada, hoje a escola não é feita para os melhores, ela se põe “para todos”. Em decorrência dessa reformulação da política educacional, novas exigências são colocadas para o professor, as quais não o restringem ao domínio do conteúdo como no passado. A escola contemporânea deve ser compreendida pelo multiculturalismo, como espaço sociocultural; essa é uma das razões pela qual se supera a falsa dicotomia entre o aluno real e o ideal. Conforme Sposito (1997, p.137).

Apreender a escola como construção social implica, assim, compreendê-la no seu fazer cotidiano, onde os sujeitos não são apenas agentes passivos diante da estrutura. Ao contrário, trata-se de uma relação em contínua construção, de conflitos e negociações em função de circunstâncias determinadas.

Retomando a análise de Dubet, em sua relação pedagógica ele observou que seus alunos ainda adolescentes estavam pouco interessados nos programas oficiais de ensino, suas preocupações se concentravam nos “problemas de adolescência, de amor, de amizade”. Aqui há outro ponto interessante de discussão. Paulo Freire nos ensinou que é preciso transformar os temas singulares das histórias de vida que estão no mundo em temas universais; cabe à escola trabalhar os significados dos temas. A escola precisa ser um espaço de conversa, de pesquisa, de encontros, de discussão

4 - Cf. GADOTTI, Moacir. História das idéias pedagógicas. São Paulo: Editora Ática, 2005, p. 43.

Page 84: CSO4.pdf

Universidade Metodista de São Paulo

84

dos temas que abarcam a nossa existência; cabe ao aluno apreender seu significado apropriando-se dele para sua vida pessoal e cidadã. O estudo da Sociologia favorece o debate e a problematização dos temas da vida cotidiana, uma vez que alcança as diversas juventudes recobertas na categoria juventude. Isso se vê claramente quando a escola tem como horizonte a possibilidade de os jovens criarem e desenvolverem asas e raízes. Tomazzi e Junior refletem sobre os temas sociológicos no ensino médio e apontam como finalidade do projeto educacional proporcionar

Raízes mais profundas possíveis, que nos possibilitem uma formação teórica sólida; os fundamentos de um conhecimento que permita caminhar com segurança na análise dos fenômenos sociais, políticos, econômicos e culturais de nosso tempo. Asas da imaginação, para podermos voar e sair das mesmices e dos lugares comuns que a rigidez do pensamento, o conformismo e a apatia nos aprisionam (2004, p.69).

Nesse sentido os adolescentes e jovens devem se ver nos conteúdos trabalhados no currículo. De que adianta estudar a Síndrome do Alcoolismo Fetal (SAF), as conseqüências do álcool na formação e desenvolvimento do feto, se a adolescente, jovem ou mulher madura, quando na condição de gestante, bebe uma cerveja por semana? De que lhe serviram os conteúdos de Ciência, Biologia, Sociologia? Ainda, de que adianta estudar os conteúdos de desigualdade no mundo e em nosso país, as práticas de violência, o conceito de cultura se, após o término da escolarização, a pessoa humana mantêm uma ação discriminatória, opressora, irresponsável consigo e com o “outro”? Para que serve a escola e o Conhecimento do mundo?

A prática docente de Sociologia e das demais Ciências devem estar a serviço da libertação, conscientização e humanização do ser humano, portanto, a escola é um lugar que reflete os costumes, as práticas dos indivíduos e busca contribuir na construção de novos costumes. Até aqui se discutiu a dimensão política e humana do trabalho pedagógico do docente de Sociologia. A partir de agora esboçarei os elementos estruturantes da dimensão técnica do professor.

A dimensão técnica da prática docenteO planejamento didático é o primeiro passo da ação do professor. Este deve ter consciência do plano

do sistema de ensino, do curso, das unidades de ensino para que possa organizar seu planejamento de aula. Essa é uma ação imprescindível na prática do professor; ele registra sua intenção, esboça a relação que pretende manter com os alunos, define os objetivos gerais e específicos que os alunos deverão atingir, assim, poderá avaliá-los com critérios adequados aos objetivos. É sempre bom lembrar que os objetivos indicam a ação que o aluno realizará durante a aula; o professor planeja o objetivo para o aluno cumprir. Portanto, objetivos são para os alunos, não para os professores. Eles se expressam em verbos, denotam o trabalho do aluno, sua ação, as operações cognitivas que realizará.

Haidt (2004, p. 160) sugere diversos procedimentos que se encontram no cotidiano da sala de aula. Ela apresenta um Estudo dirigido e destaca alguns verbos bastante presentes no cotidiano escolar: classificar, seriar, relacionar, analisar, reunir, sintetizar, localizar no tempo e no espaço, representar, conceituar e definir, provar, transpor, julgar, induzir, deduzir; essas são algumas das operações cognitivas que os alunos e alunas realizam durante a aula. Além destes verbos, temos os conhecidos como objetivos instrucionais: responder e redigir, citar e calcular, identificar e resolver, relacionar e aplicar, enumerar e planejar, etc.

Com o planejamento didático, o professor organiza o tempo da aula, propõe atividades para os alunos e alunas, define os critérios de avaliação e a forma em que a aula acontecerá. Conforme a autora, ao planejar uma aula o professor:

Page 85: CSO4.pdf

85

www.metodista.br/ead

[prevê] os objetivos imediatos a serem alcançados, [especifica] os itens e subitens do conteúdo que serão trabalhados durante a aula, [define] os procedimentos de ensino [e] as atividades individuais de aprendizagem de seus alunos (individuais e em grupo), [indica] os recursos que vão ser usados durante a aula para despertar o interesse, facilitar a compreensão e estimular a participação dos alunos [e estabelece] como será feita a avaliação das atividades (2004, p. 102-103).

Os objetivos se dividem em gerais e específicos. O primeiro tem um caráter amplo, refere-se ao plano curricular ou de unidade. Já o segundo é uma operacionalização, um desdobramento dos objetivos gerais, “praticamente se identificam com as atividades a serem realizadas pelos alunos, ajudando o professor a definir seus procedimentos de ensino e a organizar as experiências de aprendizagem mais significativas” (2004, p.118).

Junto aos objetivos o professor deve compreender os procedimentos de ensino orientadores da aprendizagem, isto é, a metodologia que orientará a aula. Eles podem ser individualizantes, socializantes ou socioindividualizantes. Dos individualizantes o mais conhecido é a aula expositiva; junto a ela, destacam-se o Estudo dirigido e o Centro de interesse. A aula expositiva pode ser dogmática ou dialogada, o Estudo dirigido é um roteiro de estudos sobre um tema e o Centro de interesse é a auto-educação; o método é organizado pelo ensino globalizado, estrutura-se a partir do interesse do aluno pelo tema que quer conhecer e aprofundar.

Os socializantes são conhecidos por uso de jogos, trabalhos em grupo, dramatizações, estudos de casos e estudos do meio. Os alunos e alunas tendem a gostar de aulas estruturadas com jogos. É bom destacar que a dimensão lúdica não se restringe à infância. Adolescentes, jovens e adultos se motivam diante do prazer e do esforço espontâneo (HAIDT, p. 175). Isso também se vê no uso de dramatizações com os alunos, as quais podem ser planejadas ou espontâneas. Sempre são representações de um fato, de um comportamento, etc. Segundo Haidt, o desenvolvimento da técnica se dá pela caracterização da situação, representação e discussão. Já o trabalho em grupo desenvolve as estruturas mentais do indivíduo, têm por objetivo facilitar a construção do conhecimento, a troca de idéias e opiniões e a prática de cooperação entre os indivíduos partícipes do grupo. O estudo de caso é uma técnica que parte do real e visa buscar solução para um problema. Seu objetivo é fazer com que o aluno aplique o conhecimento adquirido. Já o estudo do meio se estrutura através de entrevistas, excursões e visitas e seu objetivo é construir conhecimento a partir da vivência de uma determinada situação. Com ele os alunos desenvolvem as habilidades de “observar, pesquisar, descobrir, entrevistar, coletar dados, organizar e sistematizar os dados coletados, analisar, sintetizar, tirar conclusões e utilizar diferentes formas de expressão para descrever o que observou” (HAIDT, 2005, p. 199).

Os últimos procedimentos a serem comentados são os sócio-individualizantes; sua característica básica é poder ser trabalhados tanto individualmente quanto em grupos. Dividem-se em: Método de descoberta, Método de Solução de Problemas e Método de Projetos. No primeiro o professor cria condições para que o aluno faça sua descoberta; no segundo, o aluno propõe uma solução para determinado problema e, no terceiro, o aluno é levado “a projetar algo de concreto e executá-lo”. Isso ocorre com interesse e esforço.

Muitos futuros professores se preocupam bastante com a definição de objetivos e escolha da metodologia em seu plano de aula, contudo, na prática docente, o primeiro passo a se estruturar é o diagnóstico do aluno para quem estou direcionando meu planejamento. Sem esse conhecimento, a definição do tema da aula, tempo de duração, conteúdo a ser trabalhado, objetivos a serem atingidos pelos alunos, procedimentos de ensino e avaliação dos objetivos, tornam-se burocráticos. O Plano de Aula é, para o professor, uma bússola; ele deve ser; no mínimo; esboçado cotidianamente e, vale a pena lembrar que; conforme a L.D.B. 9394/96; cabe ao professor elaborar e cumprir um plano de trabalho.

O propósito deste texto foi trabalhar as dimensões formuladas por Vera Candau com o intuito de aproximar os aspectos políticos, humanos e técnicos desenvolvidos na pedagogia às práticas docentes de professores de Sociologia. O que se quer crivar nessa prática é que a escola tem a função de

Page 86: CSO4.pdf

Universidade Metodista de São Paulo

86

construir conhecimento para que os alunos e alunas concluam a educação básica com suas cabeças abertas para viver num mundo em movimento. Desse modo o professor precisa se ver como educador e refletir, cotidianamente, sobre essas três dimensões que compõem a prática docente.

ReferênciasCANDAU, Vera. A didática em questão. 18.ed. Petrópolis:Vozes, 2000.

___________ Rumo a uma nova didática. Petrópolis: Vozes, 1991.

CARVALHO, Lejeune Mato Grosso de (Org) et all. Sociologia e ensino em debate: experiências e discussão de sociologia no ensino médio. Ijuí: Unijui, 2004.

FREIRE, Paulo. Pedagogia do oprimido. 17.ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987.

SÃO PAULO (ESTADO) SECRETARIA DA EDUCAÇÃO. Coordenadoria de Estudos e Normas Pedagógicas. Proposta Curricular de Sociologia – 2º grau. 3. ed. São Paulo: SE/CENP. 1992.

_________________________________________

_________________________________________

_________________________________________

_________________________________________

_________________________________________

_________________________________________

_________________________________________

_________________________________________

_________________________________________

_________________________________________

_________________________________________

_________________________________________

_________________________________________

_________________________________________

_________________________________________

_________________________________________

_________________________________________

_________________________________________

_________________________________________

________________________________________

________________________________________

_________________________________________

_________________________________________

________________________________________

________________________________________

________________________________________

________________________________________

_________________________________________

_________________________________________

_________________________________________

_________________________________________

_________________________________________

_________________________________________

_________________________________________

_________________________________________

_________________________________________

Page 87: CSO4.pdf

Módulo

www.metodista.br/ead

A concepção piagetiana de aprendizagem e o uso das novas

tecnologias em educação

Mara Pavani da Silva Gomes

Resumo:Relacionar a abordagem

construtivista da aprendizagem e os recursos da internet como

auxiliar do professor no processo de construção do conhecimento.

Palavras-chave:Internet; conhecimento.

Repensando as relações sociais no mundo contemporâneo

Graduada em Ciências pela Faculdade de Filosofia Ciências e Letras de São José do Rio Preto (1974), em Ciências Biológicas pela Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras “Prof. José A. Vieira” (1977) e em Pedagogia pela Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de São Bernardo do Campo (1986). Mestre em

Educação pela Universidade Metodista de São Paulo (2004). Atualmente é PROF ASSOC I da Universidade Metodista de São Paulo e Coordenadora do

Curso de Graduação Pedagogia da Universidade Metodista de São Paulo.

Page 88: CSO4.pdf

Universidade Metodista de São Paulo

88

O computador na sociedade do conhecimento As primeiras tentativas de uso do computador na educação

ocorreram na década de 50 com o objetivo de transmissão de informações armazenadas e posteriormente disponibilizadas.

Segundo Valente (1999), “a atividade de uso do computador pode ser feita tanto para continuar transmitindo a informação para o aluno e, portanto, para reforçar o processo instrucional, quanto para criar condições de o aluno construir seu conhecimento”1. Considera que, na transmissão do conhecimento, o computador é máquina de ensinar e a abordagem pedagógica é a instrucionista. E na construção do conhecimento, o computador é um auxiliar do processo que contempla “uma abordagem integradora de conteúdo e voltada para a resolução de problemas específicos do interesse de cada aluno” (p.13).

Se pretendermos considerar a integração do computador na prática pedagógica de futuros professores, devemos ainda focalizar seu uso na perspectiva de democratização do conhecimento e da informação, potencializados pelo uso das novas tecnologias. E não podemos nos esquecer da urgente necessidade de mudanças que envolvam alterações pedagógicas, curriculares e gestacionais nas escolas.

Para que efetivamente se concretizem as mudanças pedagógicas com vistas à utilização do computador na construção do conhecimento, necessitamos desenvolver práticas que contemplem “a criação de ambientes de aprendizagem, no qual o aluno constrói o seu conhecimento e tem o controle do processo dessa construção” (p. 13).

O professor deixa de ser o transmissor e passa a ser o facilitador no processo de aprendizagem, mas, para tanto, ele necessita, além do domínio do próprio computador, ter domínio sobre o conteúdo.

Isso implica entender o computador como uma nova maneira de representar o conhecimento, provocando um redimensionamento dos conceitos já conhecidos e possibilitando a busca e compreensão de novas idéias e valores. Usar o computador com essa finalidade requer a análise cuidadosa do que significa ensinar e aprender, bem como demanda rever o papel do professor nesse contexto. (p.27).

A internet e o uso na educação

Finalizamos o item anterior afirmando que o uso do computador como uma nova maneira de representar o conhecimento requer a análise cuidadosa do que significa ensinar e aprender. Partindo desse ponto, pretendemos, de forma breve, lembrar a importância da concepção construtivista de aprendizagem na fundamentação da prática do professor, especialmente aqueles que usam a internet como ferramenta auxiliar na construção do conhecimento.

1 - VALENTE, José Armando. O computador na sociedade do conhecimento. São Paulo: Nied. Universidade Estadual de Campinas. 1999. Para saber um pouco mais sobre Piaget. acessar http://www.centrorefeducacional.pro.br/piaget.html

Banco de imagens

Para que efetivamente

se concretizem as mudanças

pedagógicas com vistas à utilização do computador

na construção do conhecimento, necessitamos desenvolver práticas que contemplem “a criação de ambientes de

aprendizagem, no qual o aluno constrói o seu

conhecimento e tem o controle do

processo dessa construção

Page 89: CSO4.pdf

89

www.metodista.br/ead

Para Piaget 2, o conhecimento se constrói na interação do sujeito com o objeto, e a motivação é o elemento afetivo impulsionador das estruturas do conhecimento que está na origem do esforço a ser desenvolvido.

O desequilíbrio ou conflito cognitivo aparece toda vez que a inteligência é desafiada por um problema, necessitando assim de uma ação conseqüente para o restabelecimento do equilíbrio.

Piaget usou um exemplo muito interessante para explicar as três fases da passagem do sucesso prematuro para a conceitualização: o derrubar dominós. Vejamos...

1° fase: a criança tenta prever qual intervalo entre dois dominós possibilita o primeiro cair sobre o segundo e, na seqüência, deve organizar os dominós em linha reta. Aí deve prever quais dominós cairão e quais não cairão e dizer por quê. Depois deve empurrar o primeiro e observar o que acontece.

Crianças com aproximadamente cinco anos de idade pensam que é a força com que se empurra o primeiro dominó a causadora da queda do subseqüente, e não consegue explicitar a distância que deve existir entre um dominó e outro, mas consegue organizar o dominó em linha reta.

2° fase: a criança é solicitada a organizar os dominós em trajetórias diferentes da linha reta A – B, traçando primeiramente uma diagonal e posteriormente desviando de um obstáculo (um lago ou uma montanha) colocado entre os pontos A – B .

A criança de seis anos consegue entender que a distância entre os dominós deve ser menor que a altura dos mesmos, mas não consegue organizá-los em diagonal e nem para desviar do obstáculo. Ou seja, elas conseguem coordenar o elemento distância, mas não conseguem coordenar o elemento direção.

3° fase: As crianças conseguem organizar os dominós de modo que eles caiam em linha reta ou circular, e entendem que quanto menor a distância entre eles mais rápido cairão.

Segundo Valente (1999):

Além da sucessão de fases, Piaget observou que, primeiro, não é o objeto que conduz a criança à fase de compreensão. Ser capaz de compreender o funcionamento dos dominós não implica, necessariamente, compreender como fazer um castelo com cartas de baralho.

Para cada situação, a criança tem de transformar os esquemas de ação em noções e operações que estão envolvidos em uma determinada tarefa. Segundo, Piaget notou que a compreensão é fruto da qualidade da interação entre a criança e o objeto. Se ela tem oportunidade de brincar com os objetos, refletir sobre os resultados obtidos e ser desafiada, com situações novas, maior é a chance de ela estar atenta para os conceitos envolvidos e, assim, alcançar o nível de compreensão solicitada (p. 39).

2 - apud. MOURA, Ana Maria Mielniczuk, AZEVEDO, Ana Maria P., MEHLECKE,Querte. As teorias de aprendizagem e os recursos da internet auxiliando o professor na construção do conhecimento. Disponível em http:// www.abed.org.br/publique. Acessado em 23/10/2006

Para Piaget, o conhecimento se

constrói na interação do sujeito com o

objeto, e a motivação é o elemento afetivo

impulsionador das estruturas do

conhecimento que está na origem do esforço a

ser desenvolvido.

Page 90: CSO4.pdf

Universidade Metodista de São Paulo

90

Apreendemos daí que, na perspectiva construtivista, devemos centralizar no aluno as atividades, além de inter-relacioná-los e contextualizá-los em ambientes que promovam no aluno a construção de suas próprias estruturas intelectuais.

Se como Piaget, considerarmos a motivação para a aprendizagem o elemento que impulsiona as estruturas do conhecimento, temos presente que, nas interações com os objetos e atividade, devemos estimular e desafiar o aluno através de ambientes ricos em oportunidades que promovam qualidade na interação.

É nesse quadro conceitual que entendemos a realização do trabalho com o uso de novas tecnologias em educação e apontamos algumas possibilidades.

A internet, além de permitir a busca de informações, pode e deve ser utilizada também como auxiliar no processo de ensino-aprendizagem através de novos métodos de interação, como as listas de discussões, os chats e as videoconferências.

Podemos “surfar” na internet com o auxílio de diretórios de buscas que podem ser classificados em:

- diretórios que organizam a informação por assunto, ex.: Yahoo

- motores de busca que permitem e buscam por palavras-chave, ex.: Altavista

- motores híbridos que combinam as duas ferramentas, ex.: Lycos. (Osma Delatas, 1998)

Existem ainda as redes de dados que permitem o envio de dados e programas, além de recuperar resultados e trocas de informações. O complemento mais usado e ágil é o correio eletrônico.

ReferênciasMOURA, Ana Maria M.; AZEVEDO, Ana Maria P.; MEHLECKE, Querte. As teorias de aprendizagem e os recursos da internet auxiliando o professor na construção do conhecimento. Disponível em: http:// www.abed.org.br/publique. Acessado em 23/10/2006

VALENTE, José armando. Informática na educação no Brasil: análise e contextualização histórica. In: O computador na sociedade do conhecimento. Cidade: Nied. Unicamp.1999.

———————————————. Mudanças na sociedade, mudanças na educação: o fazer e o compreender. In: O computador na sociedade do conhecimento. Cidade: Nied. Unicamp.1999.

VIEIRA, Fábia Magali Santos. O construtivismo e a capacitação de professores. Disponível em: http://www.iste.org/. Acessado em 03/05/2005.

Page 91: CSO4.pdf

Módulo

www.metodista.br/ead

Ciberespaço como comunidade de

aprendizagem cooperativa

Mara Pavani da Silva Gomes

Resumo:Compreender a produção

do conhecimento como uma atividade cooperativa.

Palavras-chave:Ciberespaço; aprendizagem

cooperativa.

Repensando as relações sociais no mundo contemporâneo

Graduada em Ciências pela Faculdade de Filosofia Ciências e Letras de São José do Rio Preto (1974), em Ciências Biológicas pela Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras “Prof. José A. Vieira” (1977) e em Pedagogia pela Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de São Bernardo do Campo (1986). Mestre em

Educação pela Universidade Metodista de São Paulo (2004). Atualmente é PROF ASSOC I da Universidade Metodista de São Paulo e Coordenadora do

Curso de Graduação Pedagogia da Universidade Metodista de São Paulo.

Page 92: CSO4.pdf

Universidade Metodista de São Paulo

92

“Por intermédio de mundos virtuais, podemos não só trocar informações, mas verdadeiramente pensar juntos, pôr em comum nossas memórias e projetos para produzir um cérebro cooperativo.”

CiberespaçoPartindo da fundamentação piagetiana de construção do

conhecimento, pretendemos utilizar, ainda que muito rapidamente, as teorizações de Vygotsky no sentido de subsidiar as presentes reflexões sobre ciberespaço.

Tomando como verdadeira a afirmação de que1 “Os ambiente virtuais correspondem a conjunto de elementos técnicos e principalmente humanos e seu feixe de relações contidos no ciberespaço (internet ou intranet) com uma identidade e um contexto específico criados com a intenção clara de aprendizado cooperativo” entendemos como inseridos nas teorias do conhecimento, o trabalho colaborativo e interativo.

Nos últimos anos, as pesquisa vêem demonstrando claramente a importância da interação social na aprendizagem. Considerando a web um local privilegiado de interação, temos nos legados de Vygotsky (o conhecimento como produto de contexto social), uma rica contribuição à compreensão de comunidades de aprendizagem em rede.

Para Vygotsky (1998), a interação social exerce um papel fundamental no desenvolvimento cognitivo. Para ele, cabe ao educador associar aquilo que o aprendiz sabe a uma linguagem culta ou científica para ampliar seus conhecimentos daquele que aprende, de forma a integrá-lo histórica e socialmente no mundo, ou ao menos, integrá-lo intelectualmente no seu espaço vital.

Assim, o professor hoje deve, além de saber utilizar os recursos da internet, saber aplicá-los na construção do conhecimento no sentido de propiciar ao aluno oportunidades de participação no seu próprio aprendizado.

Em Vygotsky, os processos de aprendizagem e desenvolvimento humano se originam a partir da interação e da relação com o outro. Muitas vezes o aprendiz só consegue realizar determinadas atividades se estiver assistido por outra pessoa mais capaz.

Entendendo o ciberespaço como ambiente virtual de aprendizagem, promotor, em decorrência da interação social, de uma ação voltada para troca de informações e intercâmbio de idéias, apontamos aí algumas possibilidades da construção cooperativa do conhecimento.

A internet, alojada em uma rede mundial de computadores, ocupa cada vez mais um enorme espaço no nosso dia-a-dia.

Na educação, o ambiente virtual oferece variadas ferramentas de aprendizagem, como: páginas na web, formulários, portifoliuns, interações síncronas e assíncronas, que possibilitam múltiplas e variadas interações, como: textos colaborativos, trocas de e-mails, discussões em fóruns e listas de grupos. Um dado extremamente relevante é o oferecimento gratuito de endereços para construção de sites e de homepages na internet, além de servidores para publicação de páginas web. Emprestamos de Okada e Santos 1 uma lista de endereços de ambientes virtuais de aprendizagem com artefatos gratuitos.

O professor hoje deve, além de saber utilizar os recursos da internet, saber aplicá-los na construção do conhecimento

no sentido de propiciar

ao aluno oportunidades de participação no seu próprio aprendizado.

Banco de imagens

Pierre Lévy

Page 93: CSO4.pdf

93

www.metodista.br/ead

Artefatos gratuitos, alguns links (Urls):

Netscape Composer http://cannels.netscape.com/ns/browser/download.jsp

FrontPage Express

Nestor Web Cartographer

Site com diversos editores

http://microsoft.com/dowloads/search.asp

http://www.gate.cnrs.fr/~zeiliger/nestor/nestor.htm

http://www.setarnet.aw/htmlfreeeditors.html

Tab. 1 - Editores html freeware para construções de sites

VILA.BOL http://www.vila.bol.com.br

HPG

GEOCITIES

TRIPOD

http://hpg.com.br

http://www.geocities.com

http://www.tripod.com.br

Tab. 2 - Servidores para publicação

1 - OKADA, Alexandra L. Pereira; SANTOS, Edmea Oliveira dos. Comunicação educativa no ciberespaço: utilizando interfaces gratuitas. Disponível em:http://www.projeto.org.br/alexandra/pdf/12_intercom2003_okada&santos.pdf2 -OKADA e SANTOS. Disponível em:http://www.projeto.org.br/alexandra/pdf/12_intercom2003_okada&santos.pdf . 1 Idem OKADA e SANTOS. Disponível em: http:// www.projeto.org.br/alexandra/pdf/10_abed2003_okada&santos.pdf

Para Okada e Santos, 2 os três pontos relevantes para construção do ambiente virtual de aprendizagem – AVA são:

- designin simples e fácil, porque permite aprender a utilizar a tecnologia enquanto participa do curso;

- preocupações estéticas que compreendem a escolha das interfaces, o designin, a cor, as imagens, símbolos, sons, animações, a disposição do conteúdo, as opções disponíveis em cada página, conexões internas e externas;

Page 94: CSO4.pdf

Universidade Metodista de São Paulo

94

- contextualização que possibilita compreender as circunstâncias de criação e transformação do ambiente, o compartilhamento de significados e a construção da identidade do ambiente.

Reflexões em torno da abordagem multirreferencialMas para que se efetive o trabalho cooperativo na direção da construção do conhecimento, via

internet, é necessário o envolvimento de toda uma equipe capaz de articular os saberes dos sujeitos envolvidos.

Assim, a pluralidade de perspectivas e dimensões é que promoverão um olhar multirreferencial na criação de materiais e conteúdos que sejam capazes de potencializar ao máximo a utilização de recursos tecnológicos no processo de ensino-aprendizagem.

Portanto, o desafio atual é concretizar a ação de uma comunicação interativa interdisciplinar. Tanto para professores, conteudistas, editores, web-roteiristas, web-designers, instrucional designer quanto cursistas podem ser autores e co-autores (emissores « receptores) de mensagens abertas e contextualizadas pela diferença nas suas singularidades. 2

ReferênciasGONÇALVES, Maria Ilse Rodrigues. Mudanças nos sistemas de ensino: algumas teorias da aprendizagem que podem fundamentar a comunidade cooperativa de aprendizagem em rede. Disponível em: http: // www.fe.unb.br/linhascriticas/ Acessado em : 05 dez 2007

MOURA, Ana Maria Mielniczuk, AZEVEDO, Ana Maria P., MEHLECKE,Querte. As teorias de aprendizagem e os recursos da internet auxiliando o professor na construção do conhecimento.

Disponível em: www.abed.org.br/publique. Acessado em 23/10/2006

OKADA, Alexandra L. Pereira, SANTOS, Edmea Oliveira dos. Comunicação educativa no ciberespaço: utilizando interfaces gratuitas. Disponível em:

http://www.projeto.org.br/alexandra/pdf/12_intercom2003_okada&santos.pdf . Acessado em 25/10/2006

OKADA, Alexandra L. Pereira, SANTOS, Edmea Oliveira. Articulação de saberes na EAD: por uma rede interdisciplinar e interativa de conhecimentos. Disponível em: http://

www.projeto.org.br/alexandra/pdf/10_abed2003_okada&santos.pdf . Acessado em 26/10/2006.

3 - OKADA e SANTOS. Disponível em:http://www.projeto.org.br/alexandra/pdf/12_intercom2003_okada&santos.pdf . 1 Idem OKADA e SANTOS. Disponível em: http:// www.projeto.org.br/alexandra/pdf/10_abed2003_okada&santos.pdf

Page 95: CSO4.pdf

95

www.metodista.br/ead

_________________________________________

_________________________________________

_________________________________________

_________________________________________

_________________________________________

_________________________________________

_________________________________________

_________________________________________

_________________________________________

_________________________________________

_________________________________________

_________________________________________

_________________________________________

_________________________________________

_________________________________________

_________________________________________

_________________________________________

_________________________________________

_________________________________________

_________________________________________

_________________________________________

_________________________________________

_________________________________________

_________________________________________

_________________________________________

_________________________________________

________________________________________

__________________________________________

_________________________________________

________________________________________

________________________________________

_________________________________________

_________________________________________

________________________________________

________________________________________

________________________________________

________________________________________

_________________________________________

_________________________________________

_________________________________________

_________________________________________

_________________________________________

_________________________________________

_________________________________________

_________________________________________

_________________________________________

_________________________________________

_________________________________________

_________________________________________

_________________________________________

_________________________________________

_________________________________________

_________________________________________

_________________________________________

________________________________________

__________________________________________

Page 96: CSO4.pdf
Page 97: CSO4.pdf

Polo:Curso: Licenciatura em Ciências Sociais

Nome do aluno:

N0 matrícula:

Prova IntegradaRelações mundializadas, neoliberalismo

e sociabilidade humana

Data:

Nota:

Page 98: CSO4.pdf
Page 99: CSO4.pdf

Polo:Curso: Licenciatura em Ciências Sociais

Nome do aluno:

N0 matrícula:

Prova IntegradaRelações mundializadas, neoliberalismo

e sociabilidade humana

Data:

Nota:

Page 100: CSO4.pdf
Page 101: CSO4.pdf

Polo:Curso: Licenciatura em Ciências Sociais

Nome do aluno:

N0 matrícula:

Prova IntegradaRelações mundializadas, neoliberalismo

e sociabilidade humana

Data:

Nota:

Page 102: CSO4.pdf
Page 103: CSO4.pdf

Polo:Curso: Licenciatura em Ciências Sociais

Nome do aluno:

N0 matrícula:

Prova IntegradaRelações mundializadas, neoliberalismo

e sociabilidade humana

Data:

Nota:

Page 104: CSO4.pdf
Page 105: CSO4.pdf

Polo:Curso: Licenciatura em Ciências Sociais

Nome do aluno:

N0 matrícula:

Prova IntegradaRelações mundializadas, neoliberalismo

e sociabilidade humana

Data:

Nota:

Page 106: CSO4.pdf
Page 107: CSO4.pdf

Polo:Curso: Licenciatura em Ciências Sociais

Nome do aluno:

N0 matrícula:

Prova IntegradaRelações mundializadas, neoliberalismo

e sociabilidade humana

Data:

Nota:

Page 108: CSO4.pdf
Page 109: CSO4.pdf

Polo:Curso: Licenciatura em Ciências Sociais

Nome do aluno:

N0 matrícula:

Prova IntegradaRelações mundializadas, neoliberalismo

e sociabilidade humana

Data:

Nota:

Page 110: CSO4.pdf
Page 111: CSO4.pdf

Polo:Curso: Licenciatura em Ciências Sociais

Nome do aluno:

N0 matrícula:

Prova IntegradaRelações mundializadas, neoliberalismo

e sociabilidade humana

Data:

Nota:

Page 112: CSO4.pdf

Universidade Metodista de São Paulo

112

_________________________________________

_________________________________________

_________________________________________

_________________________________________

_________________________________________

_________________________________________

_________________________________________

_________________________________________

_________________________________________

_________________________________________

_________________________________________

_________________________________________

_________________________________________

_________________________________________

_________________________________________

_________________________________________

_________________________________________

_________________________________________

_________________________________________

_________________________________________

_________________________________________

_________________________________________

_________________________________________

_________________________________________

_________________________________________

_________________________________________

________________________________________

__________________________________________

_________________________________________

________________________________________

________________________________________

_________________________________________

_________________________________________

________________________________________

________________________________________

________________________________________

________________________________________

_________________________________________

_________________________________________

_________________________________________

_________________________________________

_________________________________________

_________________________________________

_________________________________________

_________________________________________

_________________________________________

_________________________________________

_________________________________________

_________________________________________

_________________________________________

_________________________________________

_________________________________________

_________________________________________

_________________________________________

________________________________________

__________________________________________