cromack identidade, cultura e produção

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    Identidade, Cultura Surda e Produo deSubjetividades e Educao:

    Atravessamentos e Implicaes Sociais

    Identity, deaf culture and the building of subjectivity and education: crossings andsocial implications

    Eliane MariaPolidoro da Costa

    Cromack

    Centro de Cincias

    Bi olg ic as e da Sa d e

    Curso de Psicologia

    Campus Grande

    Florianpolis

    Doze

    Green

    Resumo:A questo da identidade uma das mais caras para a Psicologia. Assim, o objetivo deste trabalho investigar como a identidade se constitui na presena da surdez. Para tal, realizou-se uma pesquisa de

    natureza qualitativa, sendo feitas quatro entrevistas com pessoas surdas, enfocando o processo de construode identidade. Os resultados apontaram a necessidade de os surdos desenvolverem aes afirmativas,consolidando uma comunidade e uma cultura singular. A contribuio deste estudo mostrar como acondio funcional importante para a constituio da identidade e tambm para a organizao dosjogos polticos em que vivem os grupos surdos e ouvintes.Palavras-Chave: Identidade, surdez, movimentos sociais, cultura surda.

    Abstract:The issue of identity is one of the most important for Psychology. So, the aim of this paper is toinvestigate how identity is constituted as confronted with deafness. A qualitative research was done to bringit out. In this study, four interviews were done with deaf people focusing the identity construction process.The results point out the deaf peoples need of developing affirmative actions so as to consolidate a singularcommunity and culture. The contribution of this study is to show how important the functional conditionis for the constitution of identity, as well as the organization of political games wherein both deaf andhearing groups live.

    Key Words: Identity, deafness, social movements, deaf culture.

    PSICOLOGIA CINCIA E PROFISSO, 2004, 24 (4), 68-77

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    Considera-se, aqui, que a surdez no consistesomente em uma deficincia sensorial, mas, sim,em algo mais complexo, pois conseqnciassociais da condio da surdez podem fazer comque o sujeito no consiga se comunicar com asociedade de um modo geral, o que causaisolamento e discriminao para com essas pessoas.

    A linguagem permeia essa questo, uma vez que atravs dela que nos diferenciamos dos outrosanimais e tambm assumimos a condio de SeresHumanos, j que a forma principal de expressode pensamentos e o instrumento psicolgico

    essencial constituio das funes psicolgicassuperiores (Vygotski, 1998).

    Frente a esse novo conhecimento, surge o interessede entender mais qual o papel da linguagem naconstituio da identidade de pessoas surdas. Suaorganizao, cultura e lingstica distintas,considerando o que hoje chamada de culturasurda

    1, proporciona condies distintas para a

    constituio da subjetividade e identidade, sendode interesse desta pesquisa investig-las.

    Pelo fato de os surdos viverem em um mundocompletamente visual-gestual, seu cognitivo se

    desenvolve de um modo totalmente visual, aocontrrio dos ouvintes que utilizam a audio parase comunicarem, o que instiga reflexes sobre aconstituio do sujeito. Por viverem em umacomunidade onde so minoria, as chances deocorrer uma comunicao imprpria so grandese, caso isso ocorra, haver conseqncias para ocrescimento intelectual, social e emocional dessapessoa. A aquisio de uma linguagem, no caso ade sinais, de extrema importncia para odesenvolvimento de uma identidade pessoal surda.Somos seres sociais e, por isso, precisamosidentificar-nos com uma comunidade socialespecfica e, com ela, interagir de modo pleno, ou

    seja, precisamos de uma identidade cultural, e,para isso, no basta uma lngua e uma forma dealfabetizao, mas, sim, um conjunto de crenas,conhecimentos comuns a todos.

    Tendo como conceito de identidade cultural umconjunto de caractersticas que definem um grupoe que incidem na construo do sujeito, sejamelas as que identificam ou as que excluem (Perlin,1998, p. 53), o surdo se constitui dentro de umespao social onde se v como parte diferente domesmo. Esse espao social, que vamos chamar decultura ouvinte, criou, historicamente, um

    esteretipo de incapacidade, de deficincia, parao surdo.

    O esteretipo sobre o surdo jamais acolhe o sersurdo, faz com que as pessoas se oponham, svezes disfaradamente, e evite a construo da

    Identidade, Cultura Surda e Produo de Subjetividades e Educao:Atravessamentos e Implicaes Sociais

    identidade surda, cuja representao oesteretipo da sua composio distorcida einadequada (Perlin, 1998, p. 54).

    Muitas vezes, o sujeito surdo transita entre essasduas culturas, a surda e a ouvinte; no entanto, suaidentidade se constitui com a conscincia de serdefinitivamente diferente por necessitar de recursoscompletamente visuais. Essa oscilao entre ossurdos e os ouvintes faz com que o sujeito surdoconstitua, por vezes, sua identidade de formafragmentada.

    Skliar (1998, p. 66) chama esse processo deidentidade flutuante, onde o surdo no est aservio da comunidade ouvinte por falta decomunicao e nem a servio da comunidadesurda por falta da lngua dos sinais. o sujeito surdoconstruindo sua identidade com fragmentos dasmltiplas identidades de nosso tempo, nocentradas, mas sem um elemento integrador comoa linguagem e sua capacidade de significao.

    Contudo, o estudo dos surdos mostra que boa partedo que distintivamente humano no homem, suascapacidades de linguagem, pensamento,comunicao e cultura - no se desenvolvem demaneira automtica, no se compem apenas defunes biolgicas, mas tambm tm origem sociale histrica; essas capacidades so, como diz Sacks,um presente - o mais maravilhoso dos presentes -de uma gerao para outra (Sacks, 1998, p. 11).Nesse sentido, realizou-se uma pesquisa na qualse investigou a construo da identidade napresena da surdez congnita, com o objetivo deverificar as caractersticas do processo deconstruo da identidade na presena da surdezbe m co mo de iden ti fi ca r a impo rtn ci a da scaractersticas do universo cultural e lingstico dape ssoa su rda co mo fa tor de co ns tru o da

    identidade.

    Cumpre esclarecer que existe, ainda, um nmeromuito pequeno de pesquisas realizadas na rea dedeficincia, em particular na deficincia auditiva.Frente a esse quadro, verifica-se a necessidade demaior dedicao a essa parcela da sociedade, tantoem termos de polticas quanto em termos cientficos.

    Na Psicologia, verifica-se a ausncia de estudos comas pessoas surdas, j que, na Psicologia, em geral,pensa-se, por exemplo, o conceito de identidadesupondo a condio de normalidade. H muitos

    estudos sobre a identidade, mas ainda muito poucosobre a identidade e a surdez. Diante disso, faz-senecessrio avanar no estudo desse conceito emsua articulao com a questo da presena decondies adversas ao desenvolvimento psicolgicoconsiderado normal.

    1 Conforme Sacks (1998) a

    condio surda muito mais

    complexa do que uma

    deficincia sensorial, pois

    trata-se de um modo singular

    de se colocar no mundo, uma

    linguagem, um conjunto de

    crenas, valores, costumes

    distintos, constituindo, assim,

    uma cultura surda.

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    A atualidade do tema desta pesquisa destacada,dado o fato de a organizao poltica dos surdosser um fato recente bem como a argumentaopor parte da li teratura e da comunidade surdaquanto existncia da cultura surda. A PsicologiaSocial, nesse sentido, em sua vocaointerdisciplinar, pode permitir maior compreensode todos esses processos, na medida em quepr ob le ma ti za a in te rf ac e en tr e as dime nse sintersubjetivas e subjetivas. com esse olhar daPsicologia Social que se pretende contribuir paraa anlise dessa questo, com especial foco naconstruo da identidade normal, incluindo-se,

    a, a condio da surdez.

    Pistas Conceituais: Identidade,Linguagem e Constituio doSujeito

    A identidade implica o processo de conscinciade si prprio, sendo que esta ocorre por meio derelaes intersubjetivas, de comunicaeslingsticas e experincias sociais, tornando-se umprocesso ativo (Doron e Parot, 2001).

    Desse modo, a identidade, em uma perspectiva

    social, realizada no espao das relaes,tratando-se de um processo dinmico, ou seja, [...]um processo contnuo de construo edesconstruo, na ambigidade presente einevitvel que a compe, implicando um trabalhode unificao de diversidade, incorporando adiferena (Maheirie, 1994, p. 65).

    Segundo Silva (2000, p.80), a caracterstica dalinguagem tem conseqncias importantes para aquesto da diferena e da identidade cultural.Considerando que a diferena primordial dossurdos permeia a questo da linguagem, pode-seperceber o quanto a constituio da identidade marcada por essa dimenso lingstica, fazendocom que essa diferena seja concebida como auto-referenciada e dotada de sentido nas trocas sociais.Partindo disso, torna-se fundamental compreenderas relaes culturais e sociais que constituem aidentidade das pessoas. Conforme Guareschi(2000, p. 111),

    Dentro do cenrio econmico, poltico e cultural,o processo de construo de identidades sociais eculturais vem sofrendo uma srie de conflitos,pr inci pa lmen te po r pa rt e do s grup os co midentidades no reconhecidas socialmente, isto ,

    identidades discriminadas, marginalizadas ouoprimidas por setores dominantes ou elitizados dasociedade [...]. Isso faz com que essas pessoasbusquem articulaes de poder e de defesa dosseus direitos de cidadania atravs de movimentosautnomos, ou desvinculados do Estado.

    Frente a isso, percebe-se a relevncia do processono qual os surdos esto passando para aconstituio da identidade, ou seja, o processo deconstruo de polticas afirmativas, que marcam oespao dos surdos no como seres subalternos emrelao sociedade ouvinte, mas, sim, comomembros de uma cultura singular, para que noseja marginalizado, mais uma vez, seu modo de secolocar no mundo. Assim, tais polticas afirmativaslutam contra todo tipo de subordinao que existeno contexto das trocas sociais.

    Ao se abordar o conceito de identidade, trabalha-

    se aqui com a noo pautada pela PsicologiaHistrico-cultural de que se trata de um processocuja expresso se d tanto no plano intra-subjetivoquanto intersubjetivo, sendo esses planosmutuamente constitutivos, em estreita relao edialeticamente articulados (Vigotski, 1993).

    Tendo-se como pressuposto que a identidade um fenmeno dinmico e social, ou seja, ocorrepor intermdio das relaes interpsicolgicas,abrangendo, ento, experincias sociais e modosde comunicao, o pertencimento a um gruposocial com uma forma caracterstica de linguagem de extrema importncia para a constituio do

    sujeito. Uma vez que o termo linguagem tem umsentido bastante amplo, a linguagem tudo queenvolve significao, que tem um valor semitico

    2

    e no se restringe apenas a uma forma decomunicao. pela linguagem que se constitui ope nsam en to ve rbal do in div du o. Assim, alinguagem est sempre presente no sujeito, mesmono momento em que este no se comunica comoutras pessoas. A linguagem constitui o sujeito, aforma como este recorta e percebe o mundo e a siprprio (Goldfeld, 2002; Ges, 1999; Vygotski,1996).

    Na pessoa surda, no diferente; o que muda

    que a linguagem deixa de ser sustentada emfonemas, letras, palavras, enfim, em sons, e passa ase sustentar em sinais imagticos, que so signoslingsticos para os surdos da mesma forma que aspa lavras so para os ouvintes . Sack s (1998) ,inclusive, em seu livro sobre surdez, prope umtrocadilho com a condio ouvinte e intitula seulivro Vendo Vozes.

    No entanto, essa viso em relao condio surda relativamente nova. Somente a partir da dcadade 80, percebeu-se a necessidade de reconhecero verdadeiro valor da cultura e da linguagem surda

    para o desenvolvimento dos surdos.

    Em pessoas surdas, por viverem uma grande rupturalingstico-comunicativa entre o mundo surdo e oouvinte, existem dificuldades para odesenvolvimento cultural; por isso, necessrio

    Eliane Maria Polidoro da Costa Cromack

    2 As funes psicolgicas

    superiores so mediadas

    semioticamente; sua estrutura

    se pauta pela utilizao da

    imaginao dos signos como

    meios auxiliares e/ou

    instrumento-chave das

    capacidades de auto-regulao.

    3 Lngua brasileira de sinais.

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    que se construam meios especiais para a suarealizao, como, por exemplo, a Libras

    3.

    No en ta nto, de nt ro do un iv er so ouvi nte, acondio da surdez vista como categoriaestereotipada, uma vez que a diferena acaba porse sobrepor semelhana de serem todos sereshumanos.

    tambm partindo desse esteretipo social que osujeito surdo se constitui, afirmando-se e/ouopondo-se dialeticamente, ou seja, com basenas significaes produzidas atravs das relaes

    sociais, envolvendo esta, em grande parte, a relaocom os ouvintes, que o surdo constri seuautoconceito. Essa significao no se d somentepelo que verbaliza ou deixa de verbalizar, seja issoconcretizado por sons ou gestos, mas tambm pelolugar social que atribudo a essas pessoas nasrelaes e pelas situaes de desvantagem a queso submetidas numa cultura hegemonicamenteauditiva.

    Porm, no se deve considerar somente o ladoquantitativo, ou seja, no porque o surdoconstitui minoria na sociedade, que vive em umasituao de desvantagem social, de desigualdade

    na vida da sociedade majoritria. Existe umaquesto bem mais ampla do que isso, que o ladoqualitativo, que diz respeito ao modo prprio de apessoa surda constituir-se e apropriar-se da culturahumana. Considerando esse lado qualitativo,percebe-se que a discriminao para com o surdo,como para com a utilizao da linguagem de sinais,corresponde, acima de tudo, a uma hierarquiasocial cuja lgica exclusora das diferenas.

    Percorrendo Historicamente oProcesso Educacional dos Surdos

    A forte nfase no papel da linguagem verbal nofuncionamento cognitivo humano gerou distintasrepresentaes, principalmente no caso dos surdos,uma vez que a dificuldade encontrada por eles nalinguagem foi vista, por vezes, como geradora deobstculos ao desenvolvimento do pensamento.Um desses obstculos seria o de que a linguagemde sinais levaria a uma reduo no universointelectual ao mundo concreto, restringindo, assim,as funes de carter abstrato. Por isso, o oralismodominou em todo o mundo at a dcada de 1970.Porm, segundo Ges (1999, p.26), as discussestericas sobre cognio e linguagem comearam

    a alterar-se a partir da dcada de 80, com base emoutros aportes, tais como a teoria de L. S. Vygotski.Com isso, passa a expandir-se uma nova proposta,que parte do pressuposto que a comunicao deveser privilegiada e no a lngua propriamente dita.Assim, a deficincia no torna a criana um ser

    que tem possibilidades a menos, ou seja, ela tempossibilidades diferentes, e no menores (Ges,1999, p. 34).

    Partindo disso, entra em questo um novo fator,pois, junto com uma lngua distinta para os surdos,surge tambm uma nova cultura, ou seja, junto aobilingismo, veio o biculturalismo, revelando umprocesso antes ignorado, que o processo deconstruo da identidade cultural surda, uma vezque o surdo tem contato com dois grupos culturaisdistintos, o ouvinte e o surdo. Assim sendo, estriauma nova tendncia, a de vincular o processo

    educacional s experincias culturais dos surdos,para que seu desenvolvimento alcance maior xito.Como conseqncia, a discusso sobre as formasde ateno s pessoas e aos grupos surdos tem sidodeslocada do campo da educao especial parao campo antropolgico, pois a educao deveriadar acesso aos bens culturais de acordo com ascaractersticas singulares decorrentes da surdez.

    Mesmo com todo esse processo de luta pelo direito diferena, ou seja, por uma poltica afirmativa dacultura surda, no atendimento educacional aindase faz presente, em menor escala, a dominao daoralizao, seja ela na prtica ou na memria dosque vivenciaram essa dominao.

    A partir desses referenciais tericos, realizaram-seentrevistas para se dar voz aos sujeitos queencarnam esses processos sociais, valorizando seutestemunho de construo identitria. Foramentrevistados quatro jovens surdos, com idade entre

    Identidade, Cultura Surda e Produo de Subjetividades e Educao:Atravessamentos e Implicaes Sociais

    Dentro do cenrio

    econmico, poltico e

    cultural, o processo

    de construo de

    identidades sociais e

    culturais vem

    sofrendo uma srie

    de conflitos,

    pr incipalmente por

    parte dos grupos

    com identidades no

    reconhecidassocialmente, isto ,

    identidades

    discriminadas,

    marginalizadas ou

    oprimidas por setores

    dominantes ou

    elitizados da

    sociedade [...]. Isso faz

    com que essas

    pe ssoa s busque m

    articulaes de

    po de r e de de fe sa

    dos seus direitos decidadania atravs de

    movimentos

    autnomos, ou

    desvinculados do

    Estado.

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    23 e 24 anos, de ambos os sexos, com surdez pr-lingstica ou congnita, estudantes do Curso dePedagogia Distncia da Universidade do Estadode Santa Catarina - UDESC, que possui uma turmaexclusiva para surdos. Para preservao dosmesmos, sero denominados sujeitos A, B, C e D.Essas entrevistas se deram atravs da mediao deduas tutoras do curso de Pedagogia da UDESC,que possibilitaram o primeiro contato com ossurdos e tambm se disponibilizaram comointrpretes durante as entrevistas, o que permitiuuma comunicao entre entrevistados epesquisadora. A escolha dos sujeitos se deu por

    recomendaes pessoais, sendo essa tcnicatambm conhecida pela Antropologia comonetwork.

    Na anl ise dos dados, foi util izada tambm ametodologia de anlise de contedo, conformeFranco(1996). Essa autora d indicativos para aconstruo de categorias a posteriori a partir doestudo exaustivo das entrevistas, do qual sedestacam regularidades. Tais pontos em comumdas entrevistas, por sua vez, constituem as categoriasde anlise expostas a seguir.

    Seguindo as Pistas

    Na tentativa de responder s questes norteadorasda presente pesquisa, como: Qual a importnciado tipo de universo cultural e lingstico naconstituio da identidade de pessoas surdas? Ouainda, como se d o contraste entre a cultura surdae a cultura ouvinte no processo de construo daidentidade, que se deu maior ateno a algunstemas de grande relevncia na coleta de dados.No conjunto dos dados coletados, pde-se verificara diversidade no interior dos grupos surdos, bemcomo as diferentes maneiras como eles lidam eencaram os surdos oralizados, os que se

    comunicavam somente pela Libras e os que erambilinges.

    Esse processo fica claro na fala de uma dasentrevistadas, que conheceu a Libras com vinte edois anos e, at ento, s se comunicava atravs daoralizao.

    Tem essa diferena, porque houve todo um passado

    histrico. O surdo tem um certo trauma do que se

    passou historicamente, de como foi a histria dele, a

    defesa da lngua de sinais... J teve uma proibio

    que foi uma coisa muito marcante e ento isso a

    tudo reflete no jeito de pensar: no, surdo no precisa

    oralizar, no importante o oral, o importante conseguir se comunicar, conseguir passar o que est

    querendo nos entender. No uma preocupao

    de entender o que o ouvinte quer dizer, uma

    preocupao de entender o que o colega surdo quer

    dizer, a comunicao fica bem ali, entende? No h

    preocupao em participar da comunidade ouvinte,

    no meu modo de ver, isso(sic, sujeito A, 23 anos,

    sexo feminino).

    Essa mesma experincia foi encontrada no relatode uma surda, Silvia Sabanovaite, no livro DoSentido...Pelo Sentido...Para o Sentido: Sentido dasPessoas com Deficincia Sensorial (2002, p. 47),que, em seu depoimento, discute que:

    Recebi uma educao puramente oralista. ..Aos

    dezessete anos foi conhecer uma associao de surdo,

    atravs de um amigo. No primeiro dia, fiquei

    bastante chocada, pois no esperava encontrarpessoas diferentes de mim. Levei muito tempo para

    aceitar essa forma de comunicao e no conseguia

    entender o porqu deles utilizarem este meio. No

    pensem que fui bem recebida. Eles no me aceitaram

    bem por ser oralizada e desconhecer totalmente a

    Lngua de Sinais, o que, para a comunidade surda,

    inadmissvel.

    Nos depoimentos em questo, verifica-se que adiversidade dentro da comunidade surda se dpautada em dois fatores que, na rea lidade , sointrnsecos, o grau de deficincia auditiva e o meioutilizado pelo surdo para se comunicar. Assim, algo

    que despertou o interesse da pesquisadora, aodesenvolver a anlise, foi o fato de que oposicionamento polt ico de cada entrevistado ouentrevistada se dava a partir de sua relao com aoralizao bem como a partir de sua condiofuncional (surdez severa ou profunda). De acordocom o que se obteve aqui, o que pode serobservado, nos depoimentos acima, os oralizados,muitas vezes, no defendem a mesma postura deruptura com o mundo ouvinte que aqueles nooralizados.

    Desse modo, esses fatores esto relacionados comum maior engajamento na poltica afirmativa da

    comunidade surda, ou seja, dentro da culturasurda, considera-se que os oralizados(principalmente aqueles que no conhecem alngua de sinais), em geral, no so surdosprofundos e acabam no sendo to engajados napolt icas afirmativas se comparados, pelo menosem nossos dados, com os surdos no oralizados,no sendo aqueles considerados de imediatopessoas inerentes comunidade surda. Trata-sede um jogo complexo, onde postura poltica econdio funcional/comunicacional seatravessam, trazendo novos desafios compreensodos movimentos sociais e ao processo de

    construo da identidade.

    A comunidade surda, por sua vez, pode identificarsimbolicamente a posio poltica de acordo como histrico e a intensidade da condio surda.Uma pessoa com surdez intensa e que, ao longo da

    Tem essa diferena,

    porq ue ho uv e to do

    um passado histrico.

    O surdo tem um certo

    trauma do que se

    pa ss ou

    historicamente, de

    como foi a histria

    dele, a defesa da

    lngua de sinais... J

    teve uma proibioque foi uma coisa

    muito marcante e

    ento isso a tudo

    reflete no jeito de

    pensar: no, surdo

    no precisa oralizar,

    no importante o

    oral, o importante

    conseguir se

    comunicar, conseguir

    pas sar o que est

    querendo nos

    entender.

    Eliane Maria Polidoro da Costa Cromack

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    vida, tenha passado pelo processo de oralizao,vivenciando-o como uma experincia rdua, umavez que esta no lhe trouxe melhor desenvolvimento,pelo contrrio, trouxe-lhe um estigma de deficiente,de incapaz, nela, o engajamento com as questespolticas est mais presente. Por outro lado, aquelescuja vivncia com a oralizao no se tenha dadode forma to problemtica, em funo de suacondio auditiva restrita, mas suficiente pararelacionar-se com os sons dos fonemas de maneiraum pouco mais tranqila, nesses, a postura polticase relativiza e a relao com os ouvintes menosmarcada por tenses.

    Para se compreender esse processo, pode-se fazerreferncia aos que passaram por outros movimentossociais. Muitos deles rompem com os gruposhegemnicos para reverter uma histria de excluso,como se verificou no movimento feminista, porexemplo. Se, a princpio, preciso romper comaqueles que representam a hegemonia e o poder neste caso, os ouvintes essa necessidade deafirmao decorre do processo histrico deimposio de um modo de comunicar e de umacultura ouvinte que agora vista de maneira negativapelos surdos que vivenc iaram negativamente a

    oralizao. Assim,

    A afirmao da diferena pode vir a favorecerdiscriminaes e atitudes de estranhamento eseparao com relao ao outro, favorecendo aformao de mentalidade e sociedades excludentes.[...] Uma das conseqncias desse processo o quepoderamos chamar de guetizao [...]. Guetizaofomentada e incentivada pelas prprias minorias,mediante a busca de construo e de reconhecimentode identidades singulares (e do orgulho dessasidentidades) [...]. Se, nesse processo de guetizao,h elementos de ressentimentos e revidao, tambm

    h o vis de resistncia violncia, discriminao einferiorizao sofrido, como momento e estratgia desuas lutas sociais, pela construo e peloreconhecimento de identidades, bem como mediantea incluso (Kauchakje, 2003, p. 71).

    O que a autora chama a ateno justamente para

    a questo que acima foi levantada, ou seja, pode-se

    compreender as diferenas em termos polticos no

    interior dos grupos surdos a partir das diferentes

    vivncias que cada um dos surdos possui em relao

    oralizao e cultura ouvinte, o que remete s suas

    histrias singulares de relao com esse mundo.

    Salienta-se a importncia disso para o processo deconstruo da identidade que, como foi discutido

    anteriormente, se d estreitamente vinculado s

    diferenas mas tambm aos valores atribudos a essas

    diferenas.

    A oralizao, para os surdos que defendem aspolticas afirmativas, representa, hoje, um modode relao na qual os surdos vivem valores em quesua diferena vista como desvantagem, como umaespcie de menos valia. Ser oralizado, para muitosdeles, assumir esse lugar social do diferentedeficiente, do diferente de menor valor. Assim, trata-se de assumir uma diferena a surdez mas negarseu valor negativo atravs da imposio de novossentidos condio de surdez, que agora ressignificada como uma cultura singular, um modode vida particular que possui o mesmo valor queaquele dos ouvintes. Como conseqncia, para

    alguns, preciso romper com o mundo ouvinte evalorizar a relao com os pares e a sua forma decomunicao singular, a Libras.

    Com o reconhecimento da diferena, como tendoigual valor, surge a necessidade de uma discussoa respeito do processo de incluso e/ou integrao,sendo que essa discusso est vinculadadiretamente forma como se d o processo e orespeito ao surdo durante o processo de inclusoe/ou integrao. Isso fica evidente em algumas falas,como:

    A incluso s vai ser boa se existir o respeito

    diferena que no existe hoje, e a integrao, o queme parece, que integrao apenas estar ali no

    meio, seja ouvinte, surdo, o que for, mas tambm

    no h enfatizao das caractersticas que ele tem,

    as diferenas, porque o surdo tem uma maneira

    diferente de aprender, Agora, se os ouvintes vo

    aceitar, alguns sim, outros no, por terem uma

    mentalidade diferente, ento a questo no nem

    separar como muita gente pensa, a questo s

    respeitar a diferena, e essa questo, o que eu vejo,

    melhor assim para mim no tem um melhor que o

    outro, os dois so quase a mesma coisa(sic, sujeita A,

    23 anos, sexo feminino).

    Perante esse depoimento, percebe-se que o enfoquedado, quando remete educao do surdo,permeia, pr incipa lmente, a ques to dodesenvolvimento da criana surda, ligadodiretamente ao respeito diferena, uma vez queessa diferena gera a necessidade de um processoeducativo singular. Caso isso no ocorra, o surdo extremamente prejudicado em seu desenvolvimentotanto educacional quanto emocional, j que, emdecorrncia da no aprendizagem, o surdo leva oestigma de incapaz. Diante desse fato, tal questoenvolve tambm um processo poltico, na medidaem que essa diferena resulta em situaes de

    desvantagem numa cultura hegemonicamenteouvinte.

    A poltica de integrao trouxe muito desse prejuzo,citado acima, ao desenvolvimento da pessoa surda,no apenas no mbito da Educao, mas tambm

    Identidade, Cultura Surda e Produo de Subjetividades e Educao:Atravessamentos e Implicaes Sociais

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    na construo de sua identidade, uma vez que apoltica de integrao leva o sujeito, todo o tempo,a viver situaes em que ele se v como fracassado,j que essa poltica no respeita a diferena entreo ouvinte e o surdo, fazendo com que o surdotenha o ouvinte como ideal. Segundo Skliar (1998,p. 11 ), es sa po l ti ca educ at iv a de na turezadiscriminatria, descontnua, anacrnica,conduzindo a uma prtica permanente deexcluso [...]; um espao habitual onde seproduzem e se reproduzem tticas e estratgicasde naturalizao dos surdos em ouvintes, e o localonde a surdez disfarada.

    Essa questo da integrao como processo deexcluso fica muito clara em algumas falas, como:o contato com a oralizao, com mundo ouvinte na

    aprendizagem como perda de tempo, como ruptura

    constante, como incompreenso. Na escola, ficavam

    s copiando no se aprende nada...O surdo oralizado

    anda atrs do ouvinte, nunca vai ser igual... (sic, sujeita

    A, 23 anos, sexo feminino).

    Ento, nessa perspectiva, o surdo ser sempremenosque o ouvinte, est sempre na desvantagem,sempre no esforo de adaptar-se s condies dosouvintes. Por tudo isso, a integrao foi consideradaum fracasso, uma vez que no proporciona melhordesenvolvimento educacional e emocional aosujeito surdo, mas, sim, um estigma de deficiente

    que tem que lutar para ser igual ao ouvinte, queseria o modelo ideal.

    Do mesmo modo que outros grupos sociais quevivem a excluso e o preconceito cotidianos, ossurdos comeam a se organizar h mais ou menos

    quinze anos , procurando construir novas polticasidentitrias, as quais vo encontrar, na perspectivade incluso social, uma ideologia a ser fomentadapor seu movimento poltico. Assim, entendendo aincluso como um movimento dinmico que partedo reconhecimento da diferena contemplando-a na construo do espao social, seria ela apoltica ideal para um melhor desenvolvimentodo surdo. Porm, esse direito no atualmentecolocado na ntegra (Sacks, 1998), pois de queadianta os surdos terem os mesmos direitos, acessoao espao e tempo escolar que os ouvintes, masterem que se submeter sua dinmica de

    funcionamento, ou seja, ao oralismo? Nessesentido, a incluso s daria resultados positivos sefosse alm dos direitos iguais e alcanasse o respeito diferena. Caso esse respeito diferena noexista, dar-se- margem ao processo de excluso,uma vez que esse aluno surdo, dentro de uma salade aula com vinte ou trinta alunos ouvintes, noir acompanhar os colegas em face da ausnciade ateno especial para sua singularidade.

    Segundo Kauchakje (2003, p. 75), no campoterico, os direitos igualdade e diferenaapresentam fortes antagonismos, mas, na realidadesocial, tanto ao se tratar da relao com a incluso

    quanto com processos de excluso social, elesaparecem imbricados e adquirindo sentidos quese tocam.

    Em outros depoimentos, encontram-se posiesmais radicais quanto crtica ao princpio deintegrao, confirmando, mais uma vez, o que foilevantado anteriormente quando se refere aoconvvio com os ouvintes e ao engajamento napo l ti ca af irma tiva do surdo, ou se ja , osentrevistados que tiveram um relacionamento maisefetivo com o mundo ouvinte se posicionam demaneira tambm menos radical, porm sem deixarde defender seus direitos. No entanto, aqueles,

    para os quais o relacionamento com os ouvintes ecom o processo educativo dos ouvintes (escolasregulares) foi mais dramtico, tm uma postura maisinclusiva, como se pode perceber nas seguintesentrevistas:

    [...] tem as duas, a incluso precisa uma escola

    prpria para o surdo porque mais fcil, tem

    professor surdo, aluno surdo, o direito do surdo, j

    a outra a integrao uma unio surdo-ouvinte, mas

    o surdo fica muito preocupado porque para o

    ouvinte sempre mais fcil. Na minha opinio o

    ouvinte pode aprender a libras e tem uma troca

    com o portugus, precisa de uma interao entre osurdo e o ouvinte, por exemplo, em uma escola

    prpria para ouvintes, tem vrios alunos ouvintes e

    dois surdos, mas o professor ouvinte e vai virar

    para o lado, escrever no quadro e o aluno surdo no

    vai entender nada. Falta o ouvinte, todos precisam

    Eliane Maria Polidoro da Costa Cromack

    o contato com a

    oralizao, com

    mundo ouvinte na

    aprendizagem como

    perda de tempo,

    como ruptura

    constante, como

    incompreenso. Na

    escola, ficavam scopiando no se

    aprende nada...O

    surdo oralizado anda

    atrs do ouvinte,

    nunca vai ser igual...

    (sic, sujeita A, 23 anos,

    sexo feminino).

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    aprender a lngua dos sinais para ajudar o surdo,

    tambm o surdo quer aprender o portugus para

    haver uma troca, mas primeiro tem que ter uma

    escola prpria para surdos bem mais fcil ele

    conseguir desenvolver mais rpido. Ainda existe a

    influncia do ouvinte, o surdo se preocupa com a

    dominao do ouvinte, o surdo j traumatizado,

    nessas escolas ele perdeu muito, no desenvolveu(sic,

    sujeito B, 26 anos, sexo masculino).

    Em outra entrevista, tambm se fez presente essadiscusso:

    Neste caso seria melhor a incluso, que faz com queas pessoas possam crescer, que possa fazer com que

    elas tenham aprendizagem e no fiquem na mesmice,

    que possam lutar pelas questes e seus objetivos

    (sic, sujeita C, 26 anos, sexo feminino).

    Diante do exposto acima, fica evidente a maiortendncia dos entrevistados em assumir umapo stura incl us iva co mo se u mo delo departicipao educativa e social. Acrescenta-se que

    Para os grupos minoritrios, em particular os surdos,a incluso diz respeito ao exerccio de direitos, taiscomo acesso cidade, aos equipamentos de

    educao, ao trabalho, assistncia e previdnciasocial, sade, ao lazer e cultura. Sobretudo, dizrespeito no apenas participao no cenriosocial j dado (instituies, estruturas de poder,cultura etc), mas sim participao na sua (re)configurao e (re) construo para que novosdireitos relativos diversidade sejam incorporados(Kauchakje, 2003, p. 67).

    Assim, faz-se necessrio discutir a importncia detal fato para este estudo, ou seja, para secompreender o processo de construo daidentidade, no se poderia deixar de lado o atualcontexto poltico de que compartilham os surdos,

    especialmente aqueles organizados emassociaes, que tm levado s instituies seupo sici onam en to . Essa te nd n cia de fesa daincluso tem gerado a necessidade de criao desalas de aulas exclusivas para surdos como formade superar as polticas anteriores, que resultaramfracassadas. A conseqncia disso ser, certamente,o fortalecimento da identidade dos surdos comogrupo cultural especfico, no s pelas conquistasque seu movimento tem produzido mas tambmpe lo fa to de proporcionar maior convivnciadestes com seus pares.

    Frente a isso, percebe-se o quanto a identidadedas pessoas se constitui com base no jogo deidentidade e diferena (Silva, 2000), uma vez que a partir do outro que o autoconceito se produz,ou seja, a partir das relaes sociais que cada umse reconhece como um sujeito singular e, nesse

    caso, a diferena aquilo que o outro que euno sou, j que, medida que afirmamos sersurdos, estamos, automaticamente, negando acondio ouvinte, por exemplo. Com isso, aconstituio de identidade no pode sercompreendida como um processo natural, mas,sim, um processo cultural em constantemovimento.

    Considerando-se a construo da identidade umaproduo social , supe-se tambm que es te jainterligada com as relaes de poder. Comodestacado nas consideraes tericas, a identidade,

    tal como a diferena, uma relao social. Issosignifica que sua definio discursiva e lingstica est sujeita a vetores de fora, a relaes de poder.Logo, para os surdos, essa relao identidade diferena est interligada com a hegemonia dacultura ouvinte, sendo que esta, por ser a maioria,sobrepe-se cultura surda. Em face disso,

    A identidade e a diferena esto estreitamenteassociadas a sistemas de representao [...] comotal, a representao um sistema lingstico ecultural: arbitrrio, indeterminado e estreitamenteligado a relaes de poder. [...] Questionar aidentidade e a diferena significa, neste contexto,

    questionar os sistemas de representao que lhedo suporte e sustentao(Silva, 2000, p. 89).

    No en ta nto, es sa re la o de pode r en tr e aidentidade e a diferena implica sempre operaesde incluir e excluir, de modo que se compreendea luta da comunidade surda pelo seu direito incluso, porm respeitando a diferena existente,j que a af irmao de uma identidade sempredemarca fronteira, fazendo uma distino entre oeu e o outro.

    Consideraes Finais

    A aproximao proporcionada pelos discursos dossujeitos leva a discusses pertinentes ao mbitopoltico, psicolgico, social e antropolgico, umavez que a singularidade existente nos sistemas detrocas lingsticas proporciona uma cultura,enquanto valores, crenas e formas de organizaodas trocas sociais, aspectos estes distintos da maioriaouvinte, havendo, assim, a formao de duasculturas ao mesmo tempo semelhantes eantagnicas.

    No entanto, a cultura e a comunidade surda, porse tratar de dimenses inseridas na cultura

    hegemnica, que a ouvinte, foram e so formadas,ainda hoje, com base na excluso imposta pelomundo ouvinte, como tambm com base nosvalores negativos propostos a essa diferena. Acultura surda, no entanto, comeou a expandir-seno somente no mbito educacional, ou seja, no

    Para os grupos

    minoritrios, em

    particular os surdos, a

    incluso diz respeito

    ao exerccio de

    direitos, tais como

    acesso cidade, aos

    equipamentos de

    educao, ao

    trabalho,

    assistncia e

    previdnc ia social ,

    sade, ao lazer e cultura. Sobretudo,

    diz respeito no

    apenas

    pa rt ic ip a o no

    cenrio social j

    dado (instituies,

    estruturas de poder,

    cultura etc), mas sim

    participao na

    sua (re) configurao

    e (re) construo

    pa ra que novos

    direitos relativos

    diversidade sejam

    incorporados

    (Kauchakje, 2003, p.

    67).

    Identidade, Cultura Surda e Produo de Subjetividades e Educao:Atravessamentos e Implicaes Sociais

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    mais como uma lngua diferente, mas tambm porconhecimentos e crenas comuns que auxiliaramna constituio de uma cultura prpria. Ento, aconstituio da identidade dos surdos passa pelamudana de paradigma da deficincia para o deminoria lingstica e cultural (Kauchakje, 2003).

    Conviver com aqueles que compartilham umacondio funcional acaba, assim, fortalecendo osprocessos identitrios que tm marcado essas novasconfiguraes do movimento de surdos, sendoalgo de fundamental importncia para oreconhecimento social da cultura surda.

    No en ta nt o, ap esar da lu ta co ns ta nt e dacomunidade surda pelo respeito e aceitao comogrupo cultural distinto, ainda h uma dificuldademuito grande de desenvolvimento, da incluso dossurdos com base no respeito a suas diferenas. Hque se considerar, por exemplo, que a maioria dascrianas surdas so filhos de pais ouvintes, o que,em seu desenvolvimento, proporciona maioresdificuldades, dado que essa condio leva presena de rupturas no processo de comunicaoentre pais e filho surdo. Tais rupturas, por sua vez,acarretam, s vezes, problemas de ordem social ecognitiva cuja expresso muito mais o resultado

    da incapacidade dos ouvintes em assumir formasde comunicao e interveno que consideremas particularidades da surdez do que devido adificuldades inerentes ausncia de audio.

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    Eliane Maria Polidoro da Costa Cromack

    Partindo disso, fundamental que instituiesescolares, os pais, enfim, o sistema de inter-relacionamento que rodeia a criana surda,preocupem-se em entender o modo pelo qual elase comunica para que as trocas possam existir deforma satisfatria para ambas as partes.

    preciso eliminar o leito de procusto4

    a que ossurdos foram submetidos, ou seja, necessrio,para um adequado desenvolvimento tanto fsicoquanto psquico, que a cultura hegemnica deixede se considerar modelo de perfeio e passe ape rc eb er que o pl ural ismo n o sign if ic a

    inferioridade. Com esse novo olhar, no seria maispreciso que o sujeito surdo sofresse um atraso emseu desenvolvimento em decorrncia daadequao ao modelo hegemnico.

    A condio funcional dos sujeitos parteconstituinte no s de sua identidade mas tambmde como esse processo atua nas formas deorganizao poltica e social de um grupominoritrio. Logo, ressalta-se a importncia doreconhecimento da diferena no como algo demenor valor em relao ao que compartilhadopelos grupos hegemnicos, mas, sim, como algo

    intrnseco e singular do sujeito, pois com basenessa diferena que o surdo se constitui.

    4 Conta esse mito grego que

    havia uma pousada no meio do

    deserto na qual o proprietrio

    tinha uma condio para

    hospedar os visitantes: que

    coubessem em seu leito. Caso

    no se adequassem, ou se

    cortavam as pernas ou se

    esticavam os membros da pessoa

    em instrumentos de tortura, demodo a enquadr-los fora no

    padro fsico da cama.

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    Recebido 05/04/04 Aprovado 25/ 08/04

    Eliane Maria Polidoro da Costa Cromack

    Rua Afonso Luiz Borba n. 154

    Lagoa da Conceio

    Cep.:88062-040 Florianpolis/SC

    E-mail :nanepolidoro@hotmail. com

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    Identidade, Cultura Surda e Produo de Subjetividades e Educao:Atravessamentos e Implicaes Sociais