crítica 1110 1111 desemprego, consumo e acumulação do capital (parte 1) 1ª e 2ª semanas de...

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1 Núcleo de Educação Popular 13 de Maio - São Paulo, SPcrítica semanal da economia Tel. (11) 92357060 ou (48) 96409331 e-mail: [email protected] EDIÇÃO 1110 e 1111 Ano 27; 1ª e 2ª semanas de Julho 2012. Desemprego, Consumo e Acumulação do Capital (parte 1) JOSÉ MARTINS. Mesmo com a t axa de desempr ego do t rabalho mant endo-se rigidament e e l evada (8. 2%) na economia de pont a do s i st ema desde 2009, a a cumula ç ão não parou por c aus a di sso. Ao cont rário, a produç ão de valor e de mai s-valia não parou de subir nos úl t i mos t r ês anos. E subir mui t o. Há muitas duvidas entre os economistas do mercado se a economia dos EUA está expandindo ou voltando para a recessão. Mas seus argumentos são muito vagos e eles mesmos reconhecem a dificuldade de se definir até o que seja recuperação ou recessão. Dá para aproveitar alguma coisa do que eles estão dizendo? Infelizmente, nada. O problema é que a economia política vulgar é incapaz de detectar antecipadamente (e até mesmo posteriormente) as descontinuidades econômicas. Mas então, do que eles são capazes? Para ninguém dizer que estamos exagerando, vejam a matéria da Bloombe rg N ews que selecionamos. 1 Até a fonte que eles usam para provar que uma suposta queda das vendas do var e jo (provocada, segundo eles, pela elevada taxa de desemprego na economia) mostra exatamente o contrário do que eles estão dizendo. Na verdade, as vendas no var e jo nos EUA estão muito mais elevadas do que em 2007, no auge do ciclo anterior clique no link r e t ail s al es no texto da matéria da Bloomberg e verifique essa surpreendente evolução. REALIDADE Enquanto os economistas divagam, o capital come solto. Dados publicados nesta semana pelo F e de ral Re se rve (Fed, banco central dos EUA) 2 sobre a produção industrial norte-americana levam a uma leitura totalmente diferente dos economistas: a produção de valor e de mai s-valia continua expandindo e o período iniciado na metade de 2009 não dá sinal de esgotamento 1 Bloomberg News Economists Argue If U.S. Economy Recovering or Back in Recession [Economistas discutem se a economia dos EUA está em recuperação ou de volta para a recessão] Julho 19, 2012 http://www.bloomberg.com/news/print/2012‐07‐19/economists‐argue‐if‐u‐s‐economy‐recovering‐or‐ back‐in‐recession.html 2 Federal Reserve statistical release –“Industrial Production and Capacity Utilization”– July 17, 2012 http://www.federalreserve.gov/releases/g17/

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Page 1: Crítica 1110 1111 Desemprego, Consumo e Acumulação do Capital (parte 1) 1ª e 2ª Semanas de Julho 2012

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Núcleo de Educação Popular 13 de Maio ­ São Paulo, SP.

crítica semanal da economia Tel. (11) 92357060 ou (48) 96409331 e­mail: [email protected]

EDIÇÃO 1110 e 1111 – Ano 27; 1ª e 2ª semanas de Julho 2012.

Desemprego, Consumo e Acumulação do Capital (parte 1) JOSÉ M A R T INS.

Mesmo com a taxa de desemprego do trabalho mantendo-se rigidamente elevada (8.2%) na economia de ponta do sistema desde 2009,

a acumulação não parou por causa disso. Ao contrário, a produção de valor e de mais-valia não parou de subir nos últimos três anos. E subir

muito. Há muitas duvidas entre os economistas do mercado se a economia dos EUA está expandindo ou voltando para a recessão. Mas seus argumentos são muito vagos e eles mesmos reconhecem a dificuldade de se definir até o que seja recuperação ou recessão. Dá para aproveitar alguma coisa do que eles estão dizendo? Infelizmente, nada. O problema é que a economia política vulgar é incapaz de detectar antecipadamente (e até mesmo posteriormente) as descontinuidades econômicas. Mas então, do que eles são capazes?

Para ninguém dizer que estamos exagerando, vejam a matéria da Bloomberg News que selecionamos. 1 Até a fonte que eles usam para provar que uma suposta queda das vendas do varejo (provocada, segundo eles, pela elevada taxa de desemprego na economia) mostra exatamente o contrário do que eles estão dizendo. Na verdade, as vendas no varejo nos EUA estão muito mais elevadas do que em 2007, no auge do ciclo anterior – clique no link retail sales no texto da matéria da Bloomberg e verifique essa surpreendente evolução. R E A L ID A D E – Enquanto os economistas divagam, o capital come solto. Dados publicados nesta semana pelo F ederal Reserve (Fed, banco central dos EUA) 2 sobre a produção industrial norte-americana levam a uma leitura totalmente diferente dos economistas: a produção de valor e de mais-valia continua expandindo e o período iniciado na metade de 2009 não dá sinal de esgotamento

                                                           1 Bloomberg News – Economists Argue If U.S. Economy Recovering or Back in Recession [Economistas discutem se a economia dos EUA está em recuperação ou de volta para a recessão] – Julho 19, 2012 http://www.bloomberg.com/news/print/2012‐07‐19/economists‐argue‐if‐u‐s‐economy‐recovering‐or‐back‐in‐recession.html  2 Federal Reserve statistical release –  “Industrial Production and Capacity Utilization” – July 17, 2012  http://www.federalreserve.gov/releases/g17/  

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– oceanos de lucro estão a jorrar nas linhas de produção de capital da economia reguladora do mercado mundial. Basta ver o preço das ações em Wall Street das principais empresas industriais – a maioria ultrapassa o auge do ciclo anterior. No núcleo mais determinante da produção mundial – a indústria de bens duráveis da indústria estadunidense – a  expansão  acontece  a  “taxas  chinesas”. Nos últimos doze meses (junho 2012/junho 2011), a produção medida em termos de valor agregado cresceu 9.7%. No primeiro e segundo trimestres do ano cresceu a taxas anuais de 16.3% e 6.2%, respectivamente. Lembre-se que em 2009, quando o último período de crise atingiu o auge, essa produção desabou 9.3%. Foi o maior desabamento anual nos últimos setenta anos. Recuperou-se fortemente em 2010 (subida de 11.7%) e em 2011 (7.2%). Nota bene: essa magnitude de queda e de retomada, e, principalmente, a brutal elevação da exploração da classe operária que está na sua base, é importante para a análise das macrotendências que brotam do ciclo econômico atual e que devem perdurar muito além dele. A primei ra macrotendência que podemos destacar é exatamente a persistência de elevada taxa de desemprego do trabalho nas principais economias, mesmo com a expansão e acumulação do capital – isso muda drasticamente a temperatura da luta de classes em todas as partes do mundo. A partir de agora, em algumas partes da Europa, mas principalmente no momento da eclosão do próximo período de crise global, quando as taxas atuais de desemprego subirão para níveis de difícil governabilidade pelo Estado capitalista em áreas altamente estratégicas do sistema. Por isso é tão importante discernir claramente o roteiro do atual período de expansão e as formas particulares que marcarão seu desenlace, quando as coisas começarão a se acelerar com rapidez desconhecida nos últimos setenta anos. Voltemos então a nosso paciente trabalho de tentativa de clarificação da realidade. SUB C O NSU M ISM O? – O que mais pesa na opinião popular dos economistas de que a economia dos Estados Unidos ainda não saiu da recessão é a velhíssima ideia subconsumista – supõe-se que a elevada taxa de desemprego do trabalho atualmente existente trava o crescimento da produção porque os soberanos consumidores estão em grande parte desempregados e sem salário para irem às compras. Isso não é verdade. Primo: como se comprova teoricamente, não são os consumidores de valor de uso (seus desejos, propensões e outras bobagens do psicologismo econômico da economia vulgar) que determinam a produção do capital. É a procura pela taxa geral de lucro pelos capitalistas na totalidade do mercado mundial que determina a concretização da produção nas diferentes economias nacionais. E antes de consumir (ou realizar) um valor de uso, o consumidor (seja o consumo individual, seja o das empresas) deve realizar um

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preço, no qual está embutida a taxa média de lucro da indústria. O problema da demanda no regime capitalista não é a realização das mercadorias em geral, mas de mercadorias-capital. Secondo: como se comprova praticamente, pelos dados da produção apresentados no relatório do Fed e outras fontes insuspeitas de dados, a suposta insuficiência da demanda e a consequente queda da produção não se confirmam no mundo real do atual ciclo econômico.

Por trás dessa esdruxula ideia de que o pleno emprego e o aumento do consumo dos trabalhadores é uma coisa que contribui positivamente para a produção de capital está a prática colaboracionista de que capital e trabalho podem caminhar harmoniosamente juntos. A realidade, sempre muito providencial frente às mistificações, desmente esse romantismo econômico – mesmo com a taxa de desemprego do trabalho mantendo-se rigidamente elevada (8.2%) na economia de ponta do sistema desde 2009, o sistema não parou por causa disso. Ao contrário, a produção de valor e de mais-valia não parou de subir nos últimos três anos. E subir muito.

As coisas ocorrem assim, pode-se acrescentar, exatamente porque os capitalistas se aproveitam do elevado desemprego para aumentar a produtividade/ exploração dos trabalhadores, impulsionando a produção de valor e de mais-valia (lucro). Tudo muito diferente e oposto ao que sustenta as ideias subconsumistas do populismo econômico.

De todo modo, fica pendente uma importante pergunta: quem, então, está realizando (consumindo) a elevada produção que não parou de crescer nos últimos três anos na economia reguladora do preço de produção de mercado do sistema global? Uma análise mais detalhada do relatório do Fed pode dar algumas pistas a respeito. É o que faremos no próximo boletim. Até lá.