crise no modelo de justiça

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    Crise no Modelo de Justia:Paradigma Procedimental da Construo Normativa e o

    Novo Papel dos Operadores do Direito

    Gustavo Raposo Pereira Feitosa

    RESUMO

    O objetivo do presentetrabalho analisar o novo papel dos operadores do direito em facedas mudanas sofridas nos sistemas jurdicos contemporneos, em especial no campoconstitucional. Foram abordadas as repercusses do avano de um paradigmaprocedimental de construo da normatividade sobre a prtica judicial e seus reflexossobre a democracia, buscando criar uma ponte entre a anlise sociolgica e as teorias

    jurdicas.PALAVRAS-CHAVE: Justia; Direito; Liberalismo e Direito; Reforma do Judicirio.

    ABSTRACTThe scope of the present work is to analyze the new role of the lawyers and judges in faceof the changes in the contemporary juridical systems, especially in the constitutional field. Iintended to discuss the repercussions of the progress of a procedural paradigm ofnormative construction on the judicial practice and your reflexes on the democracy,seeking to create a bridge between the sociological analysis and the juridical theories.KEY-WORDS: Justice; Law; Liberalism and Law; Judiciary Reform

    INTRODUO

    Muito se debate sobre as novas formas de compreenso dossistemas jurdicos nacionais, sua fundamentao e produo,contudo essa reflexo pouco se faz acompanhar de umaanlise das exigncias tericas e argumentativas postas aos

    agentes responsveis pela concretizao das mudanas. O direito ganha atualmente umcarter eminentemente prospectivo, voltado para o futuro, menos fechado num esquema detipificao elaborado segundo eventos ocorridos no passado (GUERRA FILHO, 2000, p.11).Em outras palavras, no h mais como atuar com a simples repetio de frmulas, do meroenquadramento dos fatos dentro da legislao. Numa realidade mutvel, muito mais complexae em acelerado processo de transformao, parece patente a incompatibilidade entre o ritmode produo e de aplicao das normas com as expectativas criadas em torno dosistemade

    justia. Trata-se de um fenmeno marcante em pases ligados a tradio do Civil Lawe que noBrasil ganha contornos mais graves por fora dos conhecidos problemas associados ao

    Judicirio, ao sistema policial e, genericamente, aos organismos estatais.As solues apresentadas a um universo cada vez mais amplo de demandas trazidas aoJudicirio no se encontram de modo explcito nas leis. Cresce a exigncia de se buscarrespostas em fontes constitucionais, em princpios amplos cuja aplicao prtica envolve umverdadeiroofciolegislativo. Ao definir a interpretao e os limites de um princpioconstitucional aplicado num caso prtico, investe-se o jurista de uma funo criadora,responsvel pela inovao dentro do sistema e da atualizao do direito. Essa posiorepresenta algo extremamente importante e leva a graves repercusses polticas, sociais etericas. Se de um lado ela surge como uma resposta a certos pleitos, de outro ela secontrape tradio jurdica brasileira.

    O modo de anlise desse fenmeno desdobra-se em diversos campos, com mltiplasabordagens. Por uma questo metodolgica, restringirei o escopo desse estudo discusso

    sobre os possveis reflexos das mudanas sobre os operadores do direito, buscando criar umaponte entre a anlise sociolgica e as teorias jurdicas.

    mailto:[email protected]:[email protected]://www.urutagua.uem.br/005/02dir_feitosa.htmhttp://www.urutagua.uem.br/005/02dir_feitosa.htmhttp://www.urutagua.uem.br/005/02dir_feitosa.htmhttp://www.urutagua.uem.br/005/02dir_feitosa.htmhttp://www.urutagua.uem.br/005/02dir_feitosa.htmhttp://www.urutagua.uem.br/005/02dir_feitosa.htmhttp://www.urutagua.uem.br/005/02dir_feitosa.htmhttp://www.urutagua.uem.br/005/02dir_feitosa.htmhttp://www.urutagua.uem.br/005/02dir_feitosa.htmhttp://www.urutagua.uem.br/005/02dir_feitosa.htmhttp://www.urutagua.uem.br/005/02dir_feitosa.htmhttp://www.urutagua.uem.br/005/02dir_feitosa.htmmailto:[email protected]
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    CAMINHOS DE UM DIREITO EM TRANSFORMAOA formao do sistema jurdico Brasil sofreu influncia direta do iderio liberal e de umaconcepo positivista e civilista do direito. Desde a Independncia, inmeras reformas nalegislao, na organizao judiciria, nas atribuies das autoridades, entre outros aspectos,ocorreram sob o manto dos projetos liberais para o pas. Figuras como Joaquim Nabuco e RuiBarbosa dedicaram-se intensamente a esses ideais, em especial ao processo de formao do

    Poder Judicirio. Sob tal inspirao, nasceram gradativamente garantias como a vitaliciedade,irredutibilidade de vencimentos e inamovibilidade.

    O positivismo jurdico representou a outra face da construo da elite de bacharis e do prprioJudicirio. Essa corrente do pensamento no corresponde a uma simples adaptao para odireito do pensamento de Augusto Comte. Apesar da forte presena do positivismo comtianoentre os militares, o juspositivismo, na realidade, remete a uma oposio em relao ao

    jusnaturalismo. No seu cerne, encontra-se a idia de um direito nascido da razo humana,fundado na autoridade do Estado, com primazia absoluta da norma jurdica sobre qualqueroutra fonte do direito. Em consonncia com a tradio civilista francesa e com a Escola deExegese, defendia a limitao do ato de julgar a uma aplicao das normas existentes aoscasos concretos. O esforo interpretativo no poderia resultar em criao ou inovao, pois sepresumia a plenitude do ordenamento jurdico. Postura diferente traria o risco de uma invaso

    nas atribuies do Poder Legislativo e um poder desmesurado nas mos dos juristas.Nas escolas de direito brasileiras reinou quase absoluta a viso do direito construda sob agide do dogmatismo de cunho positivista. Sua influncia se faz sentir ainda hoje na estruturacurricular dos cursos, na prevalncia de disciplinasprticas, na nfase no direito privado, entremuitos aspectos (FARIA, 1988). Dcada aps dcada, formou-se uma tradio de apego leie de pouca valorizao dos princpios constitucionais. Para Joaquim de Arruda Falco (1984) aconcepo de ordem jurdica enquanto ordem legal, formulada pela associao entrepositivismo dogmtico e liberalismo, apareceria como modelo hegemnico e fundamentaria,inclusive, o senso comum. Dessa forma, aprisiona-se a idia de justia ao universo legal econsolida-se uma espcie de monoplio estatal da definio dojusto.

    Um Judicirio nesses moldes pouco incomoda os demais poderes, situando-se numa posiode menor destaque na organizao do Estado. A aplicao de um princpio de justia no se

    encontraria, na verdade, nas mos dos juzes, meros cumpridores da lei, aprisionados pelosditames das normas elaboradas na esfera legislativa. Associado aos vnculos polticos e declasse, e a uma cadeia de relaes clientelistas, o dogmatismo compe o quadro desustentao de uma postura extremamente conservadora dos operadores do direito. Fortalece-se um distanciamento e uma pretensa neutralidade em relao s questes polticas e sociaisdo pas. Preocupaes de ordem valorativa no se inseririam no rol de elementos necessriospara a soluo dos conflitos.

    Grande parte da tradio positivista brasileira sofreu a influncia da obra de Hans Kelsen(1994), O mais importante representante do positivismo jurdico buscava a construo de umdireito com status de cincia moderna, afastada das falsas questes cientficas, baseado emelementos objetivos e de verificao concreta. Aspectos econmicos, polticos ou axiolgicosfigurariam como fatores externos ao direito, no sujeitos anlise dentro do campo da cincia

    jurdica. Em prol da positividade, o jurista deveria afastar-se, dentro de suas anlises, deelementos subjetivos ou estranhos sua rea de estudo.

    O sonho de construo de um Judicirio em moldes liberais, garantidor da liberdade civil e dacerteza jurdica, restringiu-se, ao longo da Repblica, conquista gradual de garantias para oexerccio da magistratura. As idias de composio de um corpo autnomo, desvinculado dosinteresses dos grupos polticos, preso unicamente ao desejo de aplicao da lei e realizaoda justia no ultrapassariam a fronteira do discurso. A criao de uma estrutura judicialrespeitaria sempre as ligaes com a estrutura de poder local ou regional. Desde a distribuiode cargos importantes atravs de trocas clientelistas, do recrutamento entre os bacharisoriundos de escolas elitizadas, aos critrios para ascenso na carreira havia, em todos osnveis, um processo de harmonizao entre o Judicirio e os grupos polticos dominantes. Naprtica, verificava-se pouca independncia, seja no aspecto administrativo e oramentrio, sejana anlise dos processos. O ofcio de julgar, na maior parte do sculo XX, deveria restringir-se

    a um pequeno nmero de litgios privados, solucionados a partir de parmetros legaisrelativamente definidos, e ao limitado nmero de delitos cuja represso merecia apreciao

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    judicial. Tentativas de desvio dessa expectativa receberiam correo atravs dos recursos, daspromoes na carreira ou mesmo de constrangimento direto.

    As interaes com o sistema poltico e as fragilidades institucionais no impediriam, todavia, aconsolidao de uma ideologia capaz de identificar e orientar os membros do campo jurdico demodo diferenciado. A relao entre os juzes e os militares durante os primeiros anos doRegime Militar iniciado em 1964, mostrar-se-ia reveladora dos efeitos aparentemente

    contraditrios dessa longa trajetria de construo ideolgica calcada, em grande medida, numformalismo dogmtico. Advogados, promotores e mesmo juzes atuando apenas nos estreitoslimites das determinaes normativas poderiam criar constrangimentos ao sistema repressivo es suas prticas (MIRANDA ROSA, 1985). No se tratava de afrontar ou mesmo discordar daspremissas que orientavam os governos militares, mas um reflexo de uma viso sobre o direitoque se confrontava com a lgica da atuao militar no combate aos inimigos dopas. Nessa guerra no haveria espao para formalismos ou limitaes oriundas da aplicaodo prprio ordenamento jurdico, inicialmente recepcionado pelo novo regime.

    No bloqueio s interferncias judiciais sobre aspolticas de segurana, os militares usaram emlarga escala instrumentos legais para mudana de competncia, criao de organismoscontrolados diretamente pela cpula do Exrcito, centralizao das instncias decisrias einterferncia na composio dos tribunais. Em outras palavras, uma luta que, em parte, acabou

    seguindo as regras do prprio campo jurdico para implementar de modo mais livre asestratgias de combate subverso.

    A democratizao marcou profundamente o processo de transformao do Judicirio brasileiro.Na esteira das modificaes ocorridas no pas, fixaram-se novos parmetros para atuao dosmagistrados, consolidou-se o processo de conquista das garantias ao exerccio da funo,desenhou-se um novo papel para o Ministrio Pblico, alm de se introduzirem elementosnovos no ordenamento do pas capazes de modificar a relao do cidado com a Justia. AConstituio Federal de 1988 abarcou um grande nmero de propostas geradas em meio distenso e ainda algumas anteriores ao Regime Militar, cuja implementao abriu espao paradesdobramentos muitas vezes inesperados. Mais do que um corpo de carter meramenteformal, a Constituio trouxe ao Judicirio o germe de um processo de transformao.

    PARADIGMAS DO DIREITO E AS MUDANAS NO JUDICIRIOAs transformaes sofridas no Judicirio no sculo XX podem ser analisadas sob diversosenfoques. Ao lado de mudanas polticas, culturais, econmicas e institucionais, o direito viveu(e vive) um intenso debate terico sobre sua estrutura e fundamentos. Importante perceber anatureza dinmica do fenmeno jurdico e da necessria fermentao intelectual que oacompanha. Os acontecimentos vividos no Brasil e no mundo foraram a construo de novosmodelos para criao e interpretao do direito. Eventos como as grandes guerras, a guerrafria ou a acelerao dos processos de globalizao interferiram profundamente na aparentesolidez das formas jurdicas. Estudar as mudanas no Judicirio envolve a investigao sobre oprprio direito e vice-versa.

    As discusses sobre essas transformaes mobilizam autores de destaque como Habermas(1997), Luhmann (1980; 1983; 1985), Cappelletti (1993) e Garapon (2001), com direito agrandes divergncias quanto origem e os desdobramentos para o futuro. Como ponto de

    convergncia, surge o destaque ao Welfare State e s inovaes introduzidas pela legislao aele atrelada. A ruptura gradual com os pressupostos do Estado Liberal, movido pela agitao emobilizao social, acarretaria uma reorganizao de foras entre os poderes, uma nova formade interveno estatal na realidade e, entre muitos aspectos, um papel diferenciado para oJudicirio.

    Jrgen Habermas em Direito e Democracia entre Facticidade e Validade (1997) observa ainvaso do direito na sociabilidade e o deslocamento da centralidade dos poderes Executivo eLegislativo para o poder Judicirio. A constante converso de polticas do Executivo emnormas, que precisam acompanhar a velocidade dos processos econmicos, coloca oJudicirio numa posio de destaque como nico intrprete autorizado da legalidade e daconstitucionalidade. O Judicirio aproxima-se das temticas polticas, dos projetosgovernamentais, da ao do Executivo sempre expressada por normas. Cresce a penetrao

    da ao estatal em esferas antes relegadas ao domnio do interesse privado, refletindo umamaior presena do direito e de seus operadores nas relaes sociais. Ao mesmo tempo, infiltra-

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    se o direito com uma carga de consideraes sobre tica e justia social, fato novo ante atradio liberal dominante at ento.

    Outros aspectos igualmente ampliavam o papel exigido do direito. Cresciam em nmero e emcomplexidade as relaes reguladas, aceleravam-se os processos de transformao social,aumentava a quantidade de lacunas na atividade legislativa, tudo isso acompanhado de umacrescente busca por solues judiciais para os litgios. As garantias liberais asseguradas ao

    exerccio da magistratura, a composio de um corpo autnomo voltado soluo de conflitosagora mostrava seus frutos. A relativa independncia para julgar e o amparo em textosconstitucionais amplos permitiam decises com um espectro cada vez maior. Na ausncia deinstrumentos legais explcitos, os juzes passaram a trazer para si a responsabilidade pelaaplicao de princpios constitucionais abstratos aos casos concretos.

    Trata-se de uma confluncia de diversos elementos refletindo-se num Judicirio maior, maisatuante e com mais poder. Para que isso ocorresse, foi necessria, num primeiro momento, aconsolidao do arcabouo de proteo atividade judicante e a formao de um corpoespecializado, com uma lgica e linguagem prpria para esse trabalho. Numa segunda fase, odesenvolvimento do Welfare State, com as novas formas de interveno na realidade, aampliao da produo legislativa, a dificuldade em dar solues na qualidade e quantidadenecessria, alm da ampliao das vias de acesso justia geraram um maior demanda por

    seus servios. A resposta a essa demanda ocorreupari passu ao fortalecimento do direitoconstitucional e do desenvolvimento de novos fundamentos tericos capazes de sustentar umahermenutica voltada aplicao imediata das normas constitucionais.

    Um dos grandes desafios, nesse aspecto, consiste em conciliar as formas de representaopoltica e de diviso de poderes com as exigncias de regulao e produo legislativa atual.Habermas (1997) considera que um direito em expanso e em constante mudana passa aincorporar um carter provisrio e indeterminado, contrastante com a certeza jurdica e com amera exegese legal. O centro do poder para elaborao do direito deslocar-se-ia para oscidados, envolvidos pela descoberta da sua autonomia e da capacidade de participar dasoberania popular atravs de processos comunicacionais e da democracia. A verdadeirafuno das constituies seria na proteo de um processo legislativo democrtico e no aguarda de uma suposta ordem suprapositiva de valoressubstanciais (HABERMAS apudVIANNA, 1999, p.29).

    A composio de uma concepo procedimental para a criao do direito no constituiprivilgio de Habermas. A peculiaridade da ltima fase de sua obra advm da defesa deuma democracia radical, mais participativa e confiante da capacidade de desenvolvimento daautonomia dos cidados. Reflete a filiao teoria crtica, mas se insere dentro de um conjuntode obras em que o processo aparece como resposta para as dificuldades encontradas para aproduo do direito. As teorias de Habermas e Luhmann, no obstante as posies conflitantessob muitos aspectos, compartilham, cada um a seu modo, da defesa de um paradigmaprocessual de formao do direito.

    Para Luhmann (1983), o direito constitui um sistema autnomo, dotado de cdigos prprios ede uma capacidade de auto-reproduo (autopoiesis). No haveria a necessidade de encontrarem outros sistemas os elementos necessrios ao seu funcionamento. Em meio ao caos e

    contingncia de um universo muito complexo, osistema representaria uma reduo das infinitaspossibilidades encontradas e a seleo de algumas variveis. Um sistema permaneceria vivona medida em que fosse capaz de delimitar suas fronteiras com mundo circundante e restringir

    a complexidade das variantes presentes em seus limites. Para lutar contra a entropia, osistema precisaria ser capaz de reproduzir-se e manter uma estrutura que garantissesua sobrevivncia. No entanto, o maior fechamento ao contato com o ambiente, no poderiaimpedir a adaptao, a transformao e evoluo desse sistema.

    As respostas s mudanas e ao contato com o mundo circundante passariam a seguiruma dinmica prpria. Com o aumento da complexidade e a reduo da influncia doambiente, a modificao do sistema passaria a representar antes de tudo uma recriao ouuma autotransformao (autopoiesis). Essa reproduo nunca seria repetio e sim recriao.

    Ou seja, a produo do direito ocorreria segundo um conjunto de regras internas, mas norepresentaria um fechamento ao contato com outros sistemas. Na realidade, o contato

    introduziria elementos inovadores e contingentes responsveis pela produo de novas

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    variveis. Economia, poltica, moral formariam sistemas autnomos que, em relao ao direito,constituiriam meio ambiente, mundo circundante.

    No centro da teoria luhmasiana sobre o direito, encontram-se os juzes e os tribunais e naperiferia o contato com os demais sistemas. A mediao desse contato com os sistemas

    poltico e econmico ocorreria, respectivamente, atravs da legislao e dos contratos. Emltima anlise, caberia aos tribunais, no centro do sistema, interpretar e definir a validade das

    leis e dos contratos (Luhmann, 1994). A ampliao inegvel do poder dos magistrados, nosignificaria presena do arbtrio ou o fim da democracia. Essas manifestaes judiciais partemdo pressuposto processual da presena de partes em conflito, em debate de posies, ou seja,as decises judiciais so precedidas pelo pedido de grupos ou indivduos que desejam aregulao de seus problemas. Nesse contexto, a Constituio revela-se como granderesponsvel pelo acoplamento estrutural entre os (sub) sistemas jurdico e poltico (...)(NEVES apudGUERRA FILHO, 1997, p. 71).

    Tanto Habermas como Luhmann fundam suas observaes na realidade europia,principalmente, alem. Para compreender melhor a insero de suas teorias vale abordarbrevemente alguns aspectos das transformaes recentes ocorridas na atuao do Judicirio

    Alemo.

    O ponto central para qualquer anlise se encontra na sua Corte Constitucional e no modeloterico aplicado predominantemente nos casos de sua alada. A presena pacfica e reiteradade uma orientao para a chamadajurisprudncia de valorao (oujurisprudncia dos valores)expressa um tipo de caminho adotado dentro da atividade judicial responsvel pela maiorinterao dos tribunais com as grandes questes sociais e ticas de seu pas.

    Os primeiros passos da mudana originaram-se no pensamento de Rudolf von Ihering edesenvolveram-se fortemente com a obra de Philipp Heck. Sob forte influncia de Ihering, Heckcriticava a limitao do trabalho do juiz mera subsuno de fatos aos conceitos jurdicos e aidia de direito como um sistema fechado, hermtico. Defendia a apreciao da ao do direitosobre a vida, tal como ela se realiza nas decises judiciais . Em sua teoria, conhecidacomoju r isp rudncia dos in ter es ses,afirmava que as leis resultariam dos interesses de ordemmaterial, nacional, religiosa e tica, que, em cada comunidade jurdica, se contrapem uns aosoutros e lutam pelo seu reconhecimento (HECK apudLARENZ, 1997, pp. 64-65). Para proferir

    uma deciso haveria a necessidade fundamental de se conhecer os interesses reaismotivadores da criao daquela lei. Esses interesses expressariam na verdade, foras sociaisde onde adviria a causa da ao legislativa. A ordenao dos interesses em luta entre siexigiria a concepo de uma ordem a promoverpelo legislador e determinada por juzosvalorativos.

    Para Karl Larenz [a jurisprudncia dos interesses]revolucionou efectivamente a aplicao doDireito, pois veio a substituir progressivamente o mtodo de uma subsuno nos rgidosconceitos legislativos, fundamentada to-somente em termos lgico-formais, pelo juzo deponderao de uma situao de facto complexa, bem como de uma avaliao dos interessesem jogo, de harmonia com os critrios de valorao prprios da ordem jurdica (...) A

    ju r isp rudnc ia dos tr ibunai s vei o -s e ab r indo prog res s ivam en te ao s ev en tos da v id a,tornando-se metodicamente mais co nsciente, mais l ivre e m ais di ferenciada(grifo meu)

    (1997, p. 77).A obra de Heck, infiltrada na formao acadmica do pensamento jurdico alemo, permitiu umnovo horizonte ao Judicirio. Serviu de fundamentao, dentro do corpo de juristas, para umaorientao mais permevel a fatores externos ao direito, aos aspectos econmicos, aos valoresem jogo nas demandas judiciais e, fundamentalmente, ao prprio questionamento daabrangncia e validade das normas produzidas pelo Legislativo. Com a responsabilidade desopesar juzos de valor e investigar as causas determinantes na criao de normas, em meio aforas sociais em litgio, expandiu o poder dos juzes, que, no entanto, nem sempreconseguiam perceber claramente o conjunto de condicionantes dos eventos sob seu

    julgamento. Pouca coisa separava a compreenso dos interesses em jogo, da aplicao dejuzos de valor prprios do julgador.

    Os desdobramentos dajurisprudncia dos interesses de Heck formaram o modelo hoje

    predominante na Corte Constitucional alem chamado dejurisprudncia dos valores.A crticaao legalismo e s abstraes conceituais progrediu para consolidao de uma compreenso danorma jurdica como prescrio de um padro avaliativo para apreciao de casos concretos, o

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    qual se pode fazer remontar a juzos de valor esclarecedores do sentido normativo (GUERRAFILHO, 2000, p. 107). Nesse paradigma, caberia aos tribunais concretizar, resguardar emesmo revelar o sentido de valores positivados no texto constitucional.

    As Constituies, por sua generalidade e abrangncia, permaneceriam em constanteatualizao, num processo de adaptao realidade realizado pelos magistrados. Esse papelno se restringe Alemanha sob a influncia da Corte Constitucional e dajurisprudncia dos

    valores. O crescimento da importncia das constituies e de seus intrpretes autorizadospropaga-se como um fenmeno bastante amplo no mundo ocidental. O Brasil, a partir dademocratizao e da Constituio de 1988, acompanha um processo de embate entre poderes,em que o Judicirio surge com um papel diferente daquele historicamente registrado. Asdiscusses em torno das decises do Supremo Tribunal Federal, ou mesmo de juzes deprimeiro grau, acerca da aplicao de princpios constitucionais ganham relevo ao transparecera capacidade de definir a aplicao ou no de leis e projetos do Legislativo e do Executivo.

    Para Garapon (2001) um novo modelo de direito e de democracia estaria nascendo, superandoo direito formal do Estado Liberal e o material do estado provedor. A democracia transformar-se-ia pelas mos do direito. O juiz teria uma nova possibilidade de julgar com base emprincpios superiores, como os da Constituio e dos tratados internacionais. O carterincompleto e amplo desses textos impe a exigncia de se explicitar o verdadeiro sentido de

    suas disposies. O ofcio desses magistrados no se restringe a aplicao da lei, mas, acimade tudo, verificar sua conformidade com um direito superior. Garapon cita Rousseau paraexpressar a dimenso desse poder sintetizada na idia de que o juizpode tudo impedir(2001,p. 180).

    A discrdia, a discusso e a multiplicidade de opinies comporiam uma dinmica inerente aofuncionamento da Justia e da democracia, na viso de Garapon (2001). Esse Judicirio nopoderia ser visto como um corpo monoltico, homogneo, coeso o suficiente para oferecer umsimples espetculo da discusso. O direito, por sua vez, no se resumiria a um corpo deregras, mas, sobretudo, deveria ser encarado como um conjunto de princpios. Dessa forma,sobressai no autor a concepo de um direito aberto e em construo permanente atravs dodebate mediado pelos juzes, ou por outros foros de jurisdio do Estado. No se trata apenasde uma nova maneira de secretar o direito: o prprio critrio de justia que evoluiu para umaforma mais procedimental (...) No se trata mais de uma injuno abstrata imposta de fora, masda homologao, pelo juiz, de uma deciso cujo contedo moral foi ditado pelas prpriaspartes (GARAPON, 2000, p. 237).

    Nesse novo processo de construo do direito destaca-se, de um lado, o poder dos juzes e, deoutro, a exigncia de formao do direito dentro de um ambiente de debate entre mltiplasvises. O Judicirio continua preso provocao das partes, proibido de tomar a iniciativa paraagir, o que vincula seu poder a uma essencial participao de grupos, de indivduos, deposies diversas no processo de elaborao da deciso. A dinmica dessas relaes faz doparadigma processual quase uma conseqncia necessria do conjunto de transformaesvividas pelo Estado Moderno. No se trata apenas de uma usurpao de poderes pelos juzes,mas da gestao de um direito necessariamente mais aberto realidade e s condicionanteseconmicas, polticas e sociais.

    UM NOVO PAPEL PARA OS OPERADORES DO DIREITOAs mltiplas abordagens sobre as transformaes do direito e do Judicirio encontram comoponto de convergncia a crise do modelo positivista legalista e da orientao liberal dossistemas jurdicos. O apego ao formalismo e a aplicao da lei por mera subsuno dos fatoss normas parecem destinadas a um papel cada vez mais secundrio no panoramainternacional. Esse tipo de formao, responsvel pela construo das estruturas jurdicas noocidente e que guiou diversas geraes de bacharis, cria hoje um conflito com as expectativasprojetadas sobre a Justia e mesmo com as prticas empreendida pelos operadores do direito.

    Fenmenos como a crise no Welfare State, a exploso da litigiosidade, a acelerao dosprocessos sociais, a constitucionalizao dos direitos, entre muitos outros, levam atransformao das estruturas do sistema jurdico e de suas prticas. Como portadores domonoplio da interpretao constitucional, os magistrados ganham uma nova posio em que

    h intensa interao entre os processos polticos, as mudanas sociais e a tomada de deciso.Ao mesmo tempo, precisam atuar comolegisladores diante da infiltrao do direito em reas

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    mais amplas da sociabilidade, da exigncia de respostas s questes ainda no reguladasexplicitamente e dos contedos incertos e provisrios dados s normas.

    O Judicirio acaba por atrair para si as expectativas em torno da concretizao de direitosconsagrados constitucionalmente, da implementao de polticas pblicas, do reconhecimentode garantias dos mais diversos grupos de interesses. A progresso da justia autoriza atransposio de todas as reivindicaes e de todos os problemas perante uma jurisdio em

    termos jurdicos (GARAPON, 2001, p. 47).Redefine-se o papel desse poder, estruturado soboutras orientaes ideolgicas e tericas, o que repercute necessariamente sobre a ao deseus prprios membros. Ao juiz destina-se um novo tipo de demanda pouco compatvel com ospressupostos tradicionais de preservao da autonomia privada, de equilbrio entre poderes ede apego lei e ao formalismo. Mais do que um mero instrumento de classe ou obstculo stransformaes, o direito tambm representa um meio de luta pela inovao e ainda um objetodessas lutas.

    Junto s mudanas no campo da poltica e no papel social do Judicirio nascem novosmodelos tericos para fundamentao do processo de criao e interpretao do direito. Aao dos juristas no prescinde da elaborao de um paradigma capaz de dotar desustentao racional os argumentos necessrios justificao das decises.

    Para Habermas (1997) os novos caminhos da democracia e do direito envolveriam ofortalecimento da busca de solues a partir dos processos comunicacionais. O poder daproduo normativa deslocar-se-ia, em ltima instncia, para a autoridade guardi dosprocessos discursivos. No haveria direito absoluto e imutvel ante a defesa dos mritos dessaprocessualidade argumentativa.

    Supera-se a crena no carter metafsico dos direitos fundamentais para se permitir umainterpretao coerente com a constante atualizao dos limites e contornos das frmulas

    jurdicas consagradas. Dentro dessa lgica, o operador do direito parece ganhar uma enormedimenso ao tornar-se a voz autorizada para chancelar o que seria a verdadeira expresso dasoberania popular. Como grandes mediadores das partes em debate, os juristas se vemobrigados a mergulhar nos processos sociais para extrair do conflito uma soluo com carterde norma, legitimada no pela lei ou pela constituio, mas pela natureza dos procedimentos.

    Sobre a mesma realidade se debrua Luhmann, mas segue em outro sentido quanto a sualeitura do fenmeno da procedimentalizao do direito e sobre o papel dos juristas. Para oautor, o procedimento envolve a reconstruo do direito a partir das regras do prprio sistema

    jurdico. A constante atualizao de contedos e a abertura a outros sistemas dependemessencialmente de mediadores situados na fronteira do campo jurdico. As mudanas trazidaspelas novas demandas seguem o ritmo e a lgica inerente ao direito. As respostas infiltraodo ambiente no levam a uma criao de outras estruturas e institutos, mas a uma recriao oua uma autocriao(autopoiese).

    Essa concepo fortalece uma idia de direito em constante transformao, sob influncia doseventos em outros sistemas e do debate entre as partes, entretanto reflete uma percepoconservadora e seletiva dos sistemas jurdicos. Os operadores disporiam de um instrumentalespecial para delimitar no ambiente a sua volta caminhos possveis de transformao guiadospor um desejo de estabilidade social. O direito estaria em constante construo, fundado numa

    percepo processual em que os princpios constitucionais balizariam o debate. Todavia,caberia aos membros do corpo jurdico filtrar o contato, reagir s interferncias e produziras mutaes necessrias, como um organismo vivo reagindo s exigncias do ambiente. Aocomentar a teoria luhmasiana, Willis Guerra Filho afirma que o sistema jurdico aparece comoum dos sistemas funcionais do sistema social global, com a tarefa de reduzir a complexidadedo ambiente, absorvendo contingncias do comportamento social (...) (1997, p. 63).

    A complexidade da realidade, a velocidade das transformaes e a ampliao dos pleitostrazidos ao Judicirio exigem um esforo intenso para manter o sistema vivo, em adaptao eainda resguardar sua unidade e estrutura prpria. Seguindo essa anlise, os operadores dodireito superariam um paradigma formalista de apego lei para reconstruir seus cdigos deacordo com outras expectativas geradas em torno de sua atuao. Disso no resultaria umainvaso de outros sistemas ao direito, pelo contrrio. A referncia s normas, em especial aos

    textos constitucionais, condicionaria mais e mais o debate poltico e econmico, como umponto de passagem necessrio para se dar um carter legtimo a seus projetos. A maiorabertura do direito realidade social e s mudanas, antes de gerar uma invaso do

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    direito porfatores externo s, acarreta uma exportao de sua lgica para alm de suasfronteiras. O jurista, orientado pelas preocupaes de realizao de justia social ou deconcretizao dos programas constitucionais, no abdica de manter as regras e modelos deseu campo.

    A capacidade de reelaborar seus modelos de anlise revela-se na consolidao de orientaestericas nos diversos tribunais. Atravs dessas frmulas, a comunidade jurdica reconstri a

    realidade observada, guia o processo de deciso e fundamenta a soluo final. O exemplo daformao dajurisprudncia dos valores na Alemanha, como desdobramento dajurisprudnciados interesses ilustra bem a importncia desses parmetros cognitivos. Ao exortar o juiz aaplicar os juzos de valor contidos na lei com vista ao caso judicando, a Jurisprudncia dosinteresses embora no quebrasse verdadeiramente os limites do positivismo teve umaactuao libertadora e fecunda sobre uma gerao de juristas educada no pensamentoformalista e no estrito positivismo legalista. E isto em medida tanto maior quanto aconselhouidntico processo para o preenchimento das lacunas das leis, abrindo desta sorte ao juiz apossibilidade de desenvolver o Direito no apenas na fidelidade lei, mas de harmonia comas exigncias da vida (LARENZ, 1997, pp. 69-70).

    Como reflexo constante de todo esse processo de mudana, destaca-se, nos diversoscontextos nacionais, o aumento do poder dos juzes. Para Luhmann (1994) essa capacidade

    de repelir leis elaboradas pelos legisladores e a ao legiferante dos magistrados revela umrecuo da democracia. De outro modo, Garapon (2001) considera que no se trata de umatransferncia de soberania para o juiz, mas de uma transformao na democracia em que os

    juzes, confrontados com novas expectativas polticas, sagraram-se heris. Por sua vez,Habermas (1997) acredita numa concepo de Justia capaz de resguardar o processo dedeliberao democrtica e de afirmar a soberania popular.

    Isso leva a questionar os riscos desse poder e do excesso de expectativas depositadas nessesagentes. O fortalecimento do paradigma procedimental, preso a princpios constitucionaisamplos e de contedo plstico, d uma maior margem de liberdade aos julgamentos, todaviatrazem consigo os perigos de uma legitimao da interferncia de fatores individuais eparticulares dos julgadores. A busca pela consagrao de valores, pela consecuo deprogramas constitucionais em situaes novas lana ao juiz a responsabilidade de formular

    juzos de valor, muitas vezes de difcil gradao objetiva e pouco explicitados. Ultrapassa-se afronteira da previso legal, dos valores contidos no ordenamento jurdico para entrar no campoobscuro das opes subjetivas e da insegurana quanto aos critrios normativos.

    O paradigma procedimental s parece fortalecer a democracia na medida em que acompanhado de mecanismos reais de ampliao da presena dos cidados dentro doJudicirio e do fortalecimento de instncias capazes de dividir o poder de determinaodo contedo do texto constitucional (como uma Corte constitucional noexclusivamente pertencente ao Judicirio). Vale ainda observar que esse papelpretendido de guardio dos ideais republicanos (GARAPON, 2001) encontra-se nasmos de um corpo bastante fechado, pouco transparente nos seus procedimentosinternos, distante da participao dos cidados, com formas de recrutamento eascenso na carreira sujeitas a um filtro ideolgico e a uma anlise do perfil deatuao. A juridicizao do debate democrtico ou a mediao judicial da expressoda soberania popular podem acarretar, dependendo do contexto de cada pas, umverdadeiro risco para a democracia.

    A mudana nos paradigmas transforma operadores do direito em agentes polticos dedestaque, colocando esse papel como algo explcito. Se antes havia uma necessidade de criaruma aura de neutralidade poltica e afastar do discurso as referncias a uma interveno emdomnios de outros poderes, h uma tendncia incorporao de novas falas na atuao

    judicial. Juzes e promotores vem-se como construtores da democracia e defensores decidados desprovidos de participao e preparo para tal. Repete-se, assim, o discurso liberalda tutela dos cidados por uma elite esclarecida. A defesa desses tutelados pode gerar umefeito contrrio, com a construo de um regime de passividade e a delegao daadministrao da vontade popular a terceiros.

    De fato, os fenmenos diante dos quais se coloca o direito e seus operadores exigem transformaes dediversas ordens. Caminha-se para um ponto de inflexo em que novos modelos jurdicos passam aorientar a argumentao e a ao do Judicirio. No obstante, dentro da realidade brasileira, essas

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    mudanas se inserem num horizonte maior de democratizao nacional, de reforma do Estado e de luta

    por direitos. Agrava-se, sobremaneira, a complexidade do processo, pois no se trata apenas de rever

    posturas e modelos jurdicos, mas de (re)construir verdadeiramente instituies e a prpria idia de

    democracia.

    Os mtodos extrajudiciais de resoluo de controvrsiascomo alternativas jurisdioThiago Nbrega Tavares

    Quantos, dentre ns, j no pensaram como seria uma convivncia humana perfeita, sem a existnciade quaisquer conflitos, onde o respeito aos direitos de todos representassem no apenas metasevolutivas a serem perseguidas, mas sim uma prtica habitual e correlata, independente do braoregulatrio e inquisitivo do Estado?

    O acima discorrido no passa de utopia, uma viso do amanh, indo de encontro realidade rdua edivergente, na qual o confronto de vontades fato corrente, e onde Poder Judicirio assume o papel deuma espcie de vlvula de escape, cada vez mais congestionada. Freqentemente, as tentativas deresolver os mais diversos litgios desembocam na Justia. A orbe ocidental sempre privilegiou - e ainda ofaz - essa via de soluo de problemas, demasiadamente banalizada, sobrecarregada, onerosa e lenta,e, de repente, a busca por uma sentena favorvel virou um artigo de luxo no universo econmicoimpiedoso e extremamente dinmico do sculo XXI.

    Mas o presente estgio das relaes comerciais e empresariais tenta escapar desse perigoso binmiocusto x tempo sintetizado pelo judicirio, at como forma de sobreviver ao ambiente ps-globalizao. O mundo caminha para o rompimento de suas barreiras e fronteiras tradicionais,recolocando o indivduo e a dimenso existencial de seus problemas... Os presentes modelos de respostas dificuldades esto sendo substitudos por estruturas mais abertas e flexveis, com visveis efeitossobre a busca judicial da resoluo de conflitos. Nesse indito quadro, a fora do Direito, na suaestruturao formal e procedimental, se recompe para sobreviver como pressuposto de sintonizaodos interesses subjetivos do homem. Tais consideraes acerca dos paradigmas sociais, na rbitacapitalista, tm exigido outros caminhos que fujam ao que fora, ao longo da histria,comumenteempregado, reclamando mudanas estruturais.

    Nessa poca, em que transaes comerciais so efetivadas com a velocidade de um clique, aedificao das propostas de negociao extrajudicial, como maneira de agilizar e tornar mais eficientes

    os processos decisrios de contendas, num lapso temporal socialmente desejvel, passa a ser assuntoprimordial ao Direito moderno, sobretudo como via recomendvel para melhoria da prestaojurisdicional. Os aspectos mais negativos vislumbrados pela coletividade, quais sejam o custo emanado,o desgaste das discusses alongadas e os processos judiciais que, por vezes, se perpetuam eternidade,configuram impasse ao desenvolvimento nacional e fato desagregador dosrelacionamentoscomerciais eempresariais. No entanto, tudo isso tende a ficar para trs num futuro no to distante.

    , em meio a esse quadro, que emergem os MESCs, Mtodos Extrajudiciais de Resoluo deControvrsias (tambm denominados MASCs ouADRS, este na literatura jurdica anglo-saxnica), queapresentam solues rpidas e eficazes, permitindo uma alternativa plausvel opo legal, desde queesta no se imponha, a exemplo do que sucede nas matrias que envolvem direitos indisponveis,irrenunciveis e intransigveis ou que contrariem lei especfica e princpios de ordem pblica. Os MESCscompreendem a negociao, mediao, conciliao e arbitragem. So disponibilizados a pessoas fsicasou jurdicas, dependendo do mtodo, alm de determinadas classes sociais, segundo a natureza das

    questes suscitadas, mediante anlise preliminar que permita a escolha, conforme as conveninciasestratgicas, do mecanismo melhor aplicvel ao caso, residindo na estreita faixa da autonomia da

    http://www.ambito-juridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=3184http://www.ambito-juridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=3184http://www.ambito-juridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=3184http://www.ambito-juridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=3184http://www.ambito-juridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=3184http://www.ambito-juridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=3184http://www.ambito-juridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=3184http://www.ambito-juridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=3184http://compartilhar%28%27http//promote.orkut.com/preview?nt=orkut.com&tt=Revista%20%C3%82mbito%20Jur%C3%ADdico%20-%20Processual%20Civil&du=http://www.ambitojuridico.com.br/%252Fsite%252Findex.php%253Fn_link%253Drevista_artigos_leitura%2526artigo_id%253D3184&cn=Os%20m%C3%A9todos%20extrajudiciais%20de%20resolu%C3%A7%C3%A3o%20de%20controv%C3%A9rsias%20como%20alternativas%20%C3%A0%20jurisdi%C3%A7%C3%A3o%27);http://compartilhar%28%27http//www.facebook.com/sharer.php?u=%27+encodeURIComponent(%27http://www.ambito-juridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=3184%27)+%27&t=%27+encodeURIComponent(%27Revista%2520%25C3%2582mbito%2520Jur%25C3%25ADdico%2520-%2520Processual%2520Civil-Os%20m%C3%A9todos%20extrajudiciais%20de%20resolu%C3%A7%C3%A3o%20de%20controv%C3%A9rsias%20como%20alternativas%20%C3%A0%20jurisdi%C3%A7%C3%A3o%27)+%27&src=sp%27);http://compartilhar%28%27http//www.facebook.com/sharer.php?u=%27+encodeURIComponent(%27http://www.ambito-juridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=3184%27)+%27&t=%27+encodeURIComponent(%27Revista%2520%25C3%2582mbito%2520Jur%25C3%25ADdico%2520-%2520Processual%2520Civil-Os%20m%C3%A9todos%20extrajudiciais%20de%20resolu%C3%A7%C3%A3o%20de%20controv%C3%A9rsias%20como%20alternativas%20%C3%A0%20jurisdi%C3%A7%C3%A3o%27)+%27&src=sp%27);
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    vontade das partes. exceo da arbitragem, em todos os mtodos no adversariais, os disputantesretm o poder decisrio, elaborando, mediante estruturas particulares, os resultados almejados.

    A negociao, primeira e basilar etapa, inerente a todos os demais mtodos extrajudiciais, umprocesso dade, alternativo e imediato, que encerra um passo utilizado por entes que defendemposicionamentos conflitantes, visando a composio e satisfao de interesses. uma soluo facultadae autonegociada entre os envolvidos. No tem forma prpria, mas consoante a orientao da cincia daAdministrao de Empresas, deve produzir um acordo criterioso, reduzido a termo, que no danifique orelacionamento entre os envolvidos. Para compreender o significado dessa prtica, basta rememorar odito negociar preciso.

    Porm, a partir do momento em que o impasse no resolvido pela mera tratativa da negociao,surge, em seqncia, a mediao como frmula no adversarial. Nela, um terceiro, neutro, chamadoa integrar as discusses, auxiliando as partes a alcanarem um acordo entre si, atravs de um processopreviamente estruturado. Estabelece-se, portanto, uma trade, na qual o mediador apenas aproxima aspartes, propiciando o entendimento, explicando e detalhando pontos controversos, de forma que soaquelas as autoras das decises advindas, bem como do acordo porventura assinado. o mtodo demaior crescimento, tendo obtido, em todo mundo, soluo satisfatria para cerca de 15% dos conflitos,de acordo com aAAA, American Arbitration Association. A mediao atua com a juno de disciplinascomo psicologia, assessoria e direito, em conjunto com as mais avanadas tcnicas desenvolvidas pelaAdministrao de Empresas, havendo firmas de consultoria que trabalham, unicamente, vendendo talservio .

    Em pases como Argentina, Inglaterra, Japo e nos Estados da Flrida e Texas, nos EUA, afora inmerasoutras naes, a legislao exige que demandas privadas, antes de serem submetidas ao judicirio,sejam objeto de uma ou mais sesses de mediao. Para ter uma idia, somente na Flrida, essaimposio reduziu em 70% as questes submetidas ao crivo legal. No Brasil, tramita no CongressoNacional projeto de lei, datado de 2001, sobre mediao paraprocessual. Discorre ele que a mediaopoder ser prvia ou incidental (obrigatria no processo de conhecimento, salvo a previso do seu artigo5, sesso II, que exclui aes de estado, de interdio, as envolvendo pessoas de direito pblico ouincapazes, dentre outras), assumindo a transao status de ttulo executivo extrajudicial, passvel deser convertido em judicial, desde que haja pedido de homologao feito pelas partes ao juzocompetente. Segue a lei instrumentalizando a aplicabilidade do instituto. Na exposio de motivos saltaaos olhos a preciso de proporcionar mais celeridade Justia.

    No exterior, comumente, o termo conciliao empregado como sinnimo de mediao, contudo, emnosso pas a expresso tem sido vinculada a certos procedimentos judiciais. No processo civil, diz oartigo 125, inciso IV (acrescentado pela Lei 8952/94), que pode o juiz tentar a via conciliatria aqualquer tempo. Se a causa versar sobre direitos disponveis, o juiz designar audincia especial deconciliao, qual as partes devero comparecer (artigo 331, CPC). Somente no se alcanando aconciliao, prosseguir o magistrado com o processo. No procedimento sumrio (artigos 275 eseguintes), que trata de causas de menor valor e de natureza mpar, a conciliao ser reduzida a termoe homologada por sentena, podendo o juiz ser auxiliado por conciliador. Assim seguem, como exemplo,o artigo 447 do CPC, os artigos 21 e 22 da Lei 9099/95, que instituiu os Juizados Especiais Cveis eCriminais, os artigos 846 e 847 da CLT, onde a conciliao proposta aps a defesa do reclamado erenovada depois das razes finais (artigo 850) - o artigo 144 da mesma CLT ainda mais claro, poisassevera que uma das funes bsicas da Justia laboral conciliar -, e a Lei 9958/200, que acrescentouartigos CLT tratando da instituio de Comisses de Conciliao Prvia, entre empresas e os

    Sindicatos, com representantes dos empregados e dos empregadores envolvidos.

    J aarbitragem uma tcnica no adversarial... onde, atravs da interveno de uma ou mais pessoas- o rbitro ou rbitros, imparciais -, que recebem seus poderes de uma conveno privada, decidem combase nesta, sem interveno do Estado, sendo a deciso absoluta na resoluo da controvrsia oudisputa . A Lei 9307//96 regula sua aplicao, e o procedimento se instaura atravs de ClusulaCompromissria, previamente inserta, de comum acordo, em contrato, ou em documentoposteriormente firmado entre as partes. Tem como caractersticas: (a) A ampla liberdade decontratao, uma vez que estabelecida pelo acordo das partes, que definem o objeto do litgio epodem optar at mesmo pelas regras de direito a serem aplicadas. Pode-se, inclusive, eleger leiestrangeira, desde que esta no viole os bons costumes, a ordem pblica ptria ou normas de comrciointernacional. (b) Pode ser usada em qualquer controvrsia que envolva direito patrimonial disponvel(contratos em geral, tanto na rea civil como na comercial). (c) Possibilita a maior rapidez e economiana soluo das questes, do que se fossem tratadas na esfera judicial. (d) O sigilo acerca do

    procedimento e das decises regra, visto no vigorar o princpio da publicidade. (e) A sentenaarbitral produz os mesmos efeitos da sentena proferida pelos juzes estatais. Com mais uma vantagem:a sentena arbitral no fica sujeita a nenhum recurso, ou seja, ela definitiva, se constituindo em

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    ttulo executivo judicial, eficaz como se declaratria ou constitutiva fosse. (f) As partes signatrias daClusula Compromissria no podem, unilateralmente, romper com a arbitragem, tornando-se revel esubmetendo-se deciso arbitral, caso no atendam aos pressupostos anteriormente estipulados. (g) Oprazo mximo para apresentao da sentena arbitral de 180 dias, isso se as partes noconvencionarem prazo menor. (h) A deciso prevalece sobre o ordenamento jurdico de outro pas,diante das ressalvas outrora feitas, ficando incumbido da homologao, ao menos aqui no Brasil, apenasa ltima instncia recursal, o STF (a dupla homologao no requerida)4.

    Em suma, os MESCs apresentam muitasvantagens, a saber: (a) celeridade; (b) economia, pois as taxascobradas pelos MESCs (empresas administradoras e honorrios de conciliadores, mediadores e rbitros)so rigorosamente inferiores s custas e despesas da Justia Comum; (c) informalidade, sendo osprocedimentos imunes burocracia; (d) especializao, uma vez que os profissionais que examinaro asdemandas so, normalmente, conhecedores e peritos na matria da controvrsia; (e) prevalncia davontade dos envolvidos (na esfera legal o poder decisrio compete sempre ao Estado); (f) exeqibilidadedas decises, haja vista que a resposta oriunda da mediao vale como ttulo executivo extrajudicial, ea sentena da arbitragem funciona como judicial. Para a sociedade as vantagens so ainda maiores,posto que encerram mecanismos hbeis e eficazes na desobstruo e desafogamento do judicirio,permitindo a esse Poder condies de melhorar o seu padro de atendimento em benefcio dasociedade.

    Crticas existem, especialmente as advindas de operadores do Direito que enxergam na aplicao dasMESCs uma espcie de esvaziamento da profisso. Todavia, esses mtodos no adversariais tem abertovasto campo de trabalho para assessorias e consultorias jurdicas, at porque um de seus requisitos aexigncia de especialistas, conhecedores da legislao aptos a apontar solues e dirimir dvidas.Destarte, tais consideraes negativas caem no vazio da redundncia dos poucos que preferem buscarfonte de renda no processo convencional. Em semelhante linha de raciocnio seguem os que temem odeslocamento para um segundo plano da resoluo judicial das controvrsias, por crerem que os MESCsretiram a exclusividade e prioridade do Estado. Esse posicionamento, diga-se de passagem, no verdadeiro, pois h matrias as mais importantes que no escapam ao crivo do judicirio.Concluindo, vale rememorar que toda profuso jurdica - advogados, juzes, professores de direito -ficara to hipnotizada com o estmulo ao embate no tribunal que ns tendemos a esquecer que temosde ser curadores do conflito (Warren Burger), e que espera-se o dia em que advogados sero vistoscomo consultores, solucionadores de problemas e ministros de pronta, apropriada e acessvel justia(William W. Falcgraf). Os MESCs so uma estrada para uma renovao... para melhor!

    Notas:

    () Pargrafo adaptado de Maria Nazareth Serpa, Teoria e Prtica da Mediao de Conflitos (EditoraLmen Jris).

    () Pargrafos adaptados de Maria de Nazareth Serpa, ibidem, & Jos Maria RossaniGarcez,Negociao, ADRS, Mediao, Conciliao e Arbitragem (Editora Lumen Jris).

    () Adaptado de Carlos Alberto Carmona, A Arbitragem no Processo Civil Brasileiro (editora Malheiros).

    (4) Adaptado de Jos Luis Bolzan de Morais, Mediao e Arbitragem (Editora Livraria do Advogado).