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1 CRIMINOLOGIA HISTÓRIA E ESCOLAS DA CRIMINOLOGIA Por Rochester Araújo

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CRIMINOLOGIA

HISTÓRIA E ESCOLAS DA CRIMINOLOGIA

Por Rochester Araújo

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SUMÁRIO

1. EVOLUÇÃO HISTÓRICA DA CRIMINOLOGIA.............................................................................3

2. CRIMINOLOGIA PRÉ-CIENTÍFICA (PRECURSORES). CRIMINOLOGIA CIENTÍFICA.......................4

3. ESCOLAS CRIMINOLÓGICAS....................................................................................................6

4. ESCOLA CLÁSSICA...................................................................................................................7

5. ESCOLA POSITIVA.................................................................................................................12

6. ESCOLA DE POLÍTICA CRIMINAL / ESCOLA MODERNA ALEMÃ...............................................16

7. TERZA SCUOLA.....................................................................................................................18

8. ESCOLA TÉCNO-JURÍDICA....................................................................................................19

9. ESCOLA CORRECIONALISTA..................................................................................................20

10. MOVIMENTO DA DEFESA SOCIAL.......................................................................................21

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ATUALIZADO EM 26/03/201712

HISTÓRIA E ESCOLAS DA CRIMINOLOGIA

1. EVOLUÇÃO HISTÓRICA DA CRIMINOLOGIA

Não existe uniformidade na doutrina quanto ao surgimento da criminologia segundo padrões

científicos, porque há diversos critérios e informes diferentes que procuram situá-la no tempo e no

espaço.

No plano contemporâneo, a criminologia decorreu de longa evolução, marcada, muitas vezes,

por atritos teóricos irreconciliáveis, conhecidos por “disputas de escolas”.

O próprio Cesare Lombroso não se dizia criminólogo e sustentava ser adepto da escola

antropológica italiana. É bem verdade que a criminologia como ciência autônoma existe há pouco

tempo, mas também é indiscutível que ela ostenta um grande passado, uma enorme fase pré-científica.

Para que se possa delimitar esse período pré-científico, é importante definir o momento em

que a criminologia alcançou status de ciência autônoma.

Muitos doutrinadores afirmam que o fundador da criminologia moderna foi Cesare Lombroso,

com a publicação, em 1876, de seu livro “O homem delinquente”.

Para outros, foi o antropólogo francês Paul Topinard quem, em 1879, teria empregado pela

primeira vez a palavra “criminologia”, e há os que defendem a tese de que foi Rafael Garófalo quem, em

1885, usou o termo como nome de um livro científico.

Ainda existem importantes opiniões segundo as quais a Escola Clássica, com Francesco Carrara

(Programa de direito criminal, 1859), traçou os primeiros aspectos do pensamento criminológico.

Não se pode perder de vista, no entanto, que o pensamento da Escola Clássica somente

despontou na segunda metade do século XIX e que sofreu uma forte influência das ideias liberais e

1___________________________ As FUCS são constantemente atualizadas e aperfeiçoadas pela nossa equipe. Por isso, mantemos um canal aberto de diálogo ([email protected]) com os alunos da #famíliaciclos, onde críticas, sugestões e equívocos, porventura identificados no material, são muito bem-vindos. Obs1. Solicitamos que o e-mail enviado contenha o título do material e o número da página para melhor identificação do assunto tratado. Obs2. O canal não se destina a tirar dúvidas jurídicas acerca do conteúdo abordado nos materiais, mas tão somente para que o aluno reporte à equipe quaisquer dos eventos anteriormente citados.2 Atenção: este material é produzido a partir de textos autorais, compilações e transcrições. O objetivo não é esgotar o tema de criminologia. É o de facilitar o estudo desta matéria, principalmente para quem é iniciante no tema e tem dificuldade em certos conceitos ou construções. Este material deve ser desconstruído e reconstruído, como tudo que a criminologia gosta de fazer. Provavelmente você só entenderá essa “piadinha” no final dos seus estudos criminológicos. Além disso, em alguns tópicos, explorou-se a visão tradicional sobre o tema, tendo o cuidado de sempre apresentar abordagens críticas em seguida, sobretudo em atenção aos alunos Ciclos que irão prestar concurso para Defensoria Pública.

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humanistas de Cesare Bonesana, o Marquês de Beccaria, com a edição de sua obra genial, intitulada

“Dos delitos e das penas”, em 1764.

Por derradeiro, releva frisar que, numa perspectiva não biológica, o belga Adolphe Quetelet,

integrante da Escola Cartográfica, ao publicar seu “Ensaio de física social” (1835), seria um expoente da

criminologia inicial, projetando análises estatísticas relevantes sobre criminalidade, incluindo os

primeiros estudos sobre “cifras negras de criminalidade” (percentual de delitos não comunicados

formalmente à Polícia e que não integram dados estatísticos oficiais).

Aproveitando que abordamos o assunto sobre as cifras negras de criminalidade, vejamos tabela

que resume o tema:

#ATENÇÃO

Cifra Negra

Refere-se à porcentagem de crimes não solucionados ou punidos, à

existência de um significativo número de infrações penais

desconhecidas "oficialmente". É a “mãe” de todas as cifras.

Cifra CinzaTratam-se dos crimes que chegam ao conhecimento da autoridade

policial, entretanto não prosperam na fase processual.

Cifra Dourada

Trata-se especificamente da criminalidade cometida pelas classes

privilegiadas, referindo-se também a expressão “crimes de colarinho

branco”.

Como exemplo pode-se citar crimes como: sonegação fiscal, lavagem

de dinheiro, crimes eleitorais.

Cifra VerdeDizem respeito aos crimes ambientais que não chegam ao

conhecimento das autoridades.

Cifra Amarela

São os crimes cometidos por funcionários públicos, onde geralmente

a vítima deixa de denunciar o fato às autoridades competentes por

medo de represálias.

Cifra Rosa Tratam-se dos crimes com viés homofóbico.

Cifra Azul

Contrapõem-se aos chamados “crimes do colarinho branco”, dizem

respeito aos pequenos crimes comuns praticados por pessoas

economicamente desabastadas e se verifica como uma alusão aos

macacões azuis utilizados nas fábricas dos Estados Unidos.

Nessa discussão quase estéril acerca de quem é o criador da moderna criminologia, uma coisa é

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imperiosa: houve forte influência do Iluminismo, tanto nos clássicos quanto nos positivistas, conforme

se verá adiante.

2. CRIMINOLOGIA PRÉ-CIENTÍFICA (PRECURSORES). CRIMINOLOGIA CIENTÍFICA

Desde os tempos remotos da Antiguidade já se visualizava alguma discussão sobre crimes e

criminosos. A título de exemplificação, observe-se o seguinte estudo esquemático:

Antiguidade

Código de Hamurábi (punição de funcionários corruptos); Homero (Ilíada e

Odisseia, relação entre crimes, guerras e crueldades a seu tempo);

Hipócrates (460-377 a.C.; alteração da saúde mental pelos humores);

Protágoras (485-410 a.C.; “o homem é a medida de todas as coisas” – lutou

para que a pena pudesse corrigir e intimidar); Diógenes (desprezo à riqueza

e às convenções); Confúcio (desigualdades sociais impossibilitam o governo

do povo); Platão (a República, reeducar o criminoso se possível; caso não,

este deveria ser expulso do país – primeiros traços do direito penal do

inimigo); Aristóteles (causas econômicas do delito).

TeólogosSão Jerônimo (a vida é o espelho da alma); Santo Tomás de Aquino (a

pobreza gera o roubo; justiça distributiva).

Filósofos e humanistas

Thomas Morus (utopia ideal; o ouro é a causa de todos os

males); Hobbes (os governantes devem dar segurança aos

súditos); Montesquieu (o legislador deveria evitar o delito em

vez de castigar; liberdade dentro da lei; separação de Poderes);

Voltaire (pobreza e miséria como fatores criminógenos);

Rousseau (pacto social, indivíduo submetido à vontade geral).

Penólogos

John Howard (criador do sistema penitenciário, em 1777);

Jeremy Bentham (utilitarismo; vigilância severa dos presos); Jean

Mabilon (prisões em monastérios, 1632).

Ocultismo: astrologia (estudo

do destino do homem pelo

Dentre os fisiognomistas destacam-se: Della Porta (1586; o

homem de bem teria escassez de sinais físicos); Kaspar Lavater

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zodíaco), oftalmoscopia

(caráter do homem pela

medida dos olhos),

metoposcopia (exame do

caráter pelas rugas do

homem), quiromancia (exame

do passado e futuro pelas

linhas das mãos),

fisiognomonia (estudo do

caráter das pessoas pelos

traços da fisionomia) e

demonologia (investigação de

pessoas possuídas pelo

demônio e que apresentam na

sua face a marca do mal

– stigma diaboli)

(século XVIII; o criminoso traz os sinais ou marcas da maldade no

rosto). Lavater era um estudioso da demonologia também;

Petrus Caper (holandês, criou uma escala crescente de perfeição

dos seres, desde os primatas até o modelo divino greco-

romano).

Frenólogos (estudiosos das

dimensões do crânio)

Franz Gall (precursor de Lombroso, associava às dimensões do

crânio certos tipos de delitos); P. Lucas (bases hereditárias do

crime).

Psiquiatras

Analisam as eventuais doenças cerebrais e sua repercussão na

imputabilidade do réu. Felipe Pinel: moderna psiquiatria; o louco

era doente; Dominique Esquirol: loucura moral, relação entre

loucura e crime.

Médicos e cientistas

Henry Mausdeley (zona cinzenta, intermediária entre

normalidade e loucura); Charles Darwin (evolução e seleção

natural); Cesare Lombroso (gênese do delinquente; precursor da

Escola Positiva); Alexandre Lacassagne (técnicas de necropsia;

atribui-se-lhe a famosa frase “As sociedades têm os criminosos

que merecem”); Adolphe Quetelet (idealizou o homem médio e

desenvolveu a estatística criminal).

Argumenta-se que a etapa pré-científica da criminologia ganha destaque com os postulados da

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Escola Clássica, muito embora antes dela já houvesse estudos acerca da criminalidade. Na etapa pré-

científica havia dois enfoques muito nítidos: de um lado, os clássicos, influenciados pelo Iluminismo,

com seus métodos dedutivos e lógico-formais, e, de outro lado, os empíricos, que investigavam a gênese

delitiva por meio de técnicas fracionadas, tais como as empregadas pelos fisionomistas, antropólogos,

biólogos etc., os quais substituíram a lógica formal e a dedução pelo método indutivo experimental

(empirismo).

Essa dicotomia existente entre o que se convencionou chamar de clássicos e positivistas, quer

com o caráter pré-científico, quer com o apoio da cientificidade, ensejou aquilo que se entendeu por

“luta de escolas”.

3. ESCOLAS CRIMINOLÓGICAS

O apogeu do Iluminismo deu-se na Revolução Francesa, com o pensamento liberal e humanista

de seus expoentes, dentre os quais se destacam Voltaire, Montesquieu e Rousseau, que teceram

inúmeras críticas à legislação criminal que vigorava na Europa em meados do século XVIII, aduzindo a

necessidade de individualização da pena, de redução das penas cruéis, de proporcionalidade etc.

Merece destaque a teoria penológica proposta por Cesare Beccaria, considerado o precursor da

“Escola Clássica”.

Com acerto leciona Cezar Roberto Bitencourt (2008, p. 49) que: “No século XIX surgiram

inúmeras correntes de pensamento estruturadas de forma sistemática, segundo determinados

princípios fundamentais. Essas correntes, que se convencionou chamar de Escolas Penais, foram

definidas como ‘o corpo orgânico de concepções contrapostas sobre a legitimidade do direito de punir,

sobre a natureza do delito e sobre o fim das sanções’”.

Dada a relevância do assunto, discorreremos sobre as principais Escolas Penais ou

Criminológicas nos subitens seguintes.

As duas primeiras abordagens (Escola Clássica e Escola Positiva) emanam de uma mesma

origem, ou, pelo menos, de um mesmo contexto histórico marcado pelo iluminismo. Embora se

contraponham nas conclusões, partem de um mesmo contexto. Além disso, embora postas como

escolas criminológicas nesta oportunidade, não havia absoluta autonomia dos estudos criminológicos

com o Direito Penal. Portanto, nessas escolas, muitos conceitos da criminologia se aproximam do que

entendemos como Direito Penal.

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4. ESCOLA CLÁSSICA

Não existiu propriamente uma Escola Clássica, que foi assim denominada pelos positivistas em

tom pejorativo (Ferri).

As ideias consagradas pelo Iluminismo acabaram por influenciar a redação do célebre livreto de

Cesare Beccaria, intitulado “Dos delitos e das penas” (1764),3 com a proposta de humanização das

ciências penais.4 Além de Beccaria, despontam como grandes intelectos dessa corrente Francesco

Carrara (dogmática penal) e Giovanni Carmignani.

Os Clássicos partiram de duas teorias distintas: o jusnaturalismo (direito natural, de Grócio),

que decorria da natureza eterna e imutável do ser humano, e o contratualismo (contrato social ou

utilitarismo, de Rousseau), em que o Estado surge a partir de um grande pacto entre os homens, no qual

estes cedem parcela de sua liberdade e direitos em prol da segurança coletiva.

A burguesia em ascensão procurava afastar o arbítrio e a opressão do poder soberano com a

manifestação desses seus representantes através da junção das duas teorias, que, embora distintas,

igualavam-se no fundamental, isto é, a existência de um sistema de normas anterior e superior ao

Estado, em oposição à tirania e violência reinantes.

Pra que tudo isso é importante? O Direito Penal é sempre fruto de uma intenção e de um

contexto. Ele, como todo o direito, é um instrumento para algum interesse político e social. Portanto,

entender a base que justifica a aplicação de um direito penal nos faz entender que direito penal será

esse!

A escola clássica utiliza como base a perspectiva racionalista do iluminismo. O homem é um ser

racional. Inclusive o homem criminoso. Não se afasta a racionalidade de quem cometeu um crime. Ao

contrário, partir do pressuposto de que ele fez aquilo racionalmente é importante para reconhecer

como um crime e aplicar uma pena.

Os princípios fundamentais da Escola Clássica são:

a) o crime é um ente jurídico; não é uma ação, mas sim uma infração (Carrara) – é uma criação

jurídica!

b) a punibilidade deve ser baseada no livre-arbítrio;

c) a pena deve ter nítido caráter de retribuição pela culpa moral do delinquente (maldade), de

3 Sabia que esse livro que você não quis ler na graduação é um dos livros mais publicados e lidos no MUNDO? Fica no topo da lista ao lado da Bíblia, Alcorão, Harry Potter...4 A partir dos estudos críticos da criminologia, este avanço humanista apresentado pela escola clássica também é posto em cheque. Quando falamos em criminologia crítica, ela é crítica MESMO! Se prepare para tudo que você achou saber do Direito Penal (bom x mau) ser desconstruído!

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modo a prevenir o delito com certeza, rapidez e severidade e a restaurar a ordem externa social;

d) método e raciocínio lógico-dedutivo.

Assim, para a Escola Clássica, a responsabilidade criminal do delinquente leva em conta sua

responsabilidade moral e se sustenta pelo livre-arbítrio, este inerente ao ser humano.

Isso quer dizer que se parte da premissa de que o homem é um ser livre e racional, capaz de

pensar, tomar decisões e agir em consequência disso; em outras palavras, como preleciona Alfonso

Serrano Maíllo (2008, p. 63), “Quando alguém encara a possibilidade de cometer um delito, efetua um

cálculo racional dos benefícios esperados (prazer) e os confronta com os prejuízos (dor) que acredita

vão derivar da prática do delito; se os benefícios são superiores aos prejuízos, tenderá a cometer a

conduta delitiva”.

#PRASEMPRE: na escola clássica, “o crime vale a pena!” - Ou seja, quem comete o

crime faz um cálculo (racional, tipo virginiano com ascendente e lua em virgem) e

verifica se o proveito que vai ter com determinado crime (sim! Ele sabe que aquilo é

um crime) é tão proveitoso que pode correr o risco de sofrer uma pena.

Trata-se de um pensamento derivado do utilitarismo, hoje em dia um pouco esquecido, em que

se defende a ideia de que as ações humanas devem ser julgadas conforme tragam mais ou menos prazer

ao indivíduo e contribuam ou não para maior satisfação do grupo social.

Vale uma ressalva: o direito penal – enquanto ciência autônoma em relação a criminologia –

possui boa parte de seus dogmas fundados na escola clássica. Isso se verifica sobretudo quando

analisamos a função manifesta (aquela que a ciência penal alega ser) do direito penal em relação ao

crime e a sua prevenção.

#TRADUZACABRAL: quando falamos em função manifesta e não manifesta do Direito Penal, partimos

de uma concepção já bem mais moderna do Direito Penal. Nessa concepção, é possível dividir a

função do Direito Penal em duas: aquela que dizem ser a função e aquela que realmente é a função.

Imagine o Direito Penal como um estelionatário! Ele chega para a vítima (sociedade) com um

discurso, geralmente muito convincente. Essa é a função manifesta, já que é aquela que ele afirma ser

a razão da sua atuação. Daí ele pede para você assinar um documento para uma ONG que cuida de

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criancinhas na África! Que fofo! Contudo, na verdade, o que ele quer é enganar aquela pessoa para

obter alguma vantagem. Então, a função manifesta dele é bela. Mas, a função não manifesta é a que

ele realmente deseja. Ele tá te enrolando! Ele vai pegar aquela assinatura e tocar o terror. Essa é a

função não manifesta. Nunca que ele conseguiria seu apoio (assinatura) se ele chegasse contando a

função não manifesta. Por isso, sempre vem muito bem atraente com uma função manifesta que é

atrativa. Essa função manifesta também pode ser referida como o “discurso do direito penal”, por

exemplo, já que é aquilo que ele diz querer. #NÃOSEJABOBO

Visualizando o contraste entre a Escola Clássica (Direito Penal) e a Criminologia Moderna,

temos:

ESCOLA CLÁSSICA (DIREITO PENAL) CRIMINOLOGIA MODERNA

Castigar o criminoso (teoria absoluta da pena). Ressocializar o criminoso (prevenção especial

positiva), reparar o dano (preocupação

vitimológica) e prevenir o crime.

Ameaça do Castigo (prevenção geral negativa) e

prevenção meramente penal.

Prevenção “social”: mobilização de todos os

setores comunitários para enfrentar

solidariamente um problema da comunidade, não

apenas dos poderes públicos e do sistema legal.

Não há propriamente “prevenção social” do

delito.

Imagem mais complexa do crime, de acordo com

o papel ativo e dinâmico que atribui aos seus

protagonistas (criminoso, vítima, comunidade) e

com a relevância acentuada dos muitos diversos

fatores que contribuem para a ocorrência do

crime.

A mera dissuasão (intimidação penal) deixa as

raízes do crime intactas (déficit etiológico).

Enfoque mais adequado às exigências de um

Estado Social e Democrático de Direito

Atenção: a função da pena, em cada uma das escolas, e a existência ou negação de uma

finalidade preventiva é um dos principais elementos de diferenciação das escolas da criminologia. Por

isso, apresentaremos um breve resumo sobre as formas de prevenção antes de avançar para a próxima

escola.

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PROGRAMAS DE PREVENÇÃO

PRIMÁRIA SECUNDÁRIA TERCIÁRIA

CARACTERÍSTIC

A PRINCIPAL

Combate as causas, a

raiz do crime –

prevenção etiológica.

Estratégias de prevenção de

natureza mais situacional que

etiológica (não combate a raiz

do crime, mas o impede de se

manifestar em determinadas

situações).

Prevenção especial

do delito

(ressocialização do

criminoso).

MOMENTOAtua antes de o crime

ser gerado.

Não atua quando nem onde a

vontade de praticar um crime

se produz, senão quando e

onde se manifesta ou

exterioriza.

A mais distante das

raízes do crime.

Opera no âmbito

penitenciário.

DESTINATÁRIO Todos os cidadãos.

Se orienta seletivamente aos

grupos que ostentam maior

risco de sofrer ou protagonizar

um crime.

O recluso (população

encarcerada).

INSTRUMENTOS

UTILIZADOS

Política cultural,

econômica e social

(educação e

socialização, casa,

trabalho, bem-estar

social, qualidade de

vida).

Intervenção

comunitária, e não mera

dissuasão penal

(intimidação).

Política legislativa penal, ação

policial.

Instrumentos não penais que

alteram o cenário criminal

modificando alguns dos

elementos do mesmo (espaço

físico, desenho arquitetônico,

urbanístico, atitudes de

vítimas, efetividade policial

etc.).

Programas

reabilitadores,

ressocializações e de

inclusão.

FIM

PERSEGUIDO

Neutralizar as causas da

criminalidade.

Efeito dissuasório indireto.

Pretende-se colocar

obstáculos de todo tipo ao

Evitar a reincidência.

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criminoso no processo de

execução do plano criminal,

mediante uma intervenção

seletiva no cenário do crime

que encarece os custos deste

para o criminoso (ex.:

incremento do risco,

diminuição dos benefícios

etc.).

Da Escola Clássica surgiram alguns dogmas modernos do Direito Penal – O direito penal liberal –

e que se consagram como princípios penais. Por exemplo: apenas por meio de lei (já que esta pode

presumir ser algo que todos conhecem ou podem conhecer e respeitam) é possível dizer que alguma

coisa é crime (princípio da legalidade). Se o crime é um ato racional, quem fez aquela escolha é que

deve sofrer as penas, e não outras pessoas (princípio da intranscendência da pena).

Assim, na escola clássica, a pena é uma retribuição a um mal causado. Aquela pessoa que

cometeu o crime violou um contrato (social). No Direito Civil, se uma parte descumpre a cláusula

contratual, deve ser obrigada a uma reparação. No contrato social (entre o indivíduo e a sociedade), há

obrigatoriedade de uma reparação por parte do criminoso. Por isso, as penas são certas e pré-

determinadas (para saber o quanto da reparação).

RESUMO - ESCOLA CLÁSSICA

- CRIME: não é um ente de fato, é um ente jurídico. Não é uma ação, é uma infração (violação ao

direito).

- LIVRE-ARBÍTRIO: homem é racional e livre em suas ações. Portanto, se escolheu cometer um

crime, é essa liberdade de escolha que permite aplicar a ele uma pena.

- PENA: retribuição jurídica, buscando um reestabelecimento da ordem violada.

#COMPLICANDO: a pena, segundo Hegel, é a negação da negação do direito. OI? Veja bem. Existe o

direito. Quem comete um crime, viola o direito. Portanto, esta pessoa está negando o direito. Como

reparar isso? Negando o que essa pessoa fez! Ao negar o que a pessoa fez (que foi negar o direito) é

possível se reestabelecer a ordem. Matematicamente, duas negações geram uma afirmação. Daí que a

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pena (afirmação) é a negação da negação do direito!

Uma última anotação sobre a escola clássica: qual o método de estudo aplicado pelos

criminólogos desta escola? Ou seja, como eles chegavam as conclusões deles, ao olhar para o crime? Era

o método lógico-abstrato, ou método dedutivo. Porque? O outro método que era possível, para a

época, e que admitia que aquilo que se estudasse fosse caracterizado como ciência era o método

experimental. No experimental, você deveria submeter suas hipóteses a testes, verificando

experimentalmente algo para comprovar. Nas concepções da escola clássica, isso seria irrealizável.

Como verificar, com um experimento, que todo homem é dotado de uma racionalidade e irá agir com

livre-arbítrio? E o contrato social, cadê as três cópias assinadas? Portanto, a única forma era o método

dedutivo, em que se partia de algumas premissas para chegar a determinadas conclusões.

5. ESCOLA POSITIVA

A chamada Escola Positiva deita suas raízes no início do século XIX na Europa, influenciada no

campo das ideias pelos princípios desenvolvidos pelos fisiocratas e iluministas no século anterior. Pode-

se afirmar que a Escola Positiva teve três fases: antropológica (Lombroso), sociológica (Ferri) e jurídica

(Garófalo).

É importante lembrar que, antes da expressão “italiana” do positivismo (Lombroso, Ferri e

Garófalo), já se delineava um cunho científico aos estudos criminológicos, com a publicação, em 1827,

na França, dos primeiros dados estatísticos sobre a criminalidade.

Tal publicação chamou a atenção de importantes pesquisadores, dentre os quais o belga

Adolphe Quetelet, que ficou fascinado com a sistematização de dados sobre delitos e delinquentes.

Justamente em função disso, em 1835, Quetelet publicou a obra “Física social”, que

desenvolveu três preceitos importantes: a) o crime é um fenômeno social; b) os crimes são cometidos

ano a ano com intensa precisão; c) há várias condicionantes da prática delitiva, como miséria,

analfabetismo, clima etc. Formulou ainda a teoria das leis térmicas, por meio da qual no inverno seriam

praticados mais crimes contra o patrimônio, no verão seriam mais numerosos os crimes contra a pessoa

e na primavera haveria maior quantidade de crimes contra os costumes (sexuais).

Quetelet tornou-se, portanto, defensor das estatísticas oficiais de medição de delitos; todavia,

guardou certa cautela, na medida em que se apercebeu que uma razoável quantidade de crimes não era

detectada ou comunicada aos órgãos estatais (“cifra negra” que será vista adiante. Embora, não

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possamos afirmar que esse conceito tenha sido fundado nessa época, somente percebido).

Ainda que se considere que o positivismo criminológico tenha raízes nesses estudos estatísticos

(cientificidade), sua aclamação e consolidação só vieram a ocorrer no final do século XIX, com a atuação

destacada de Lombroso, Ferri e Garófalo, principais expoentes da Escola Positiva italiana.

Cesare Lombroso (1835-1909) publicou em 1876 o livro “O homem delinquente”, que instaurou

um período científico de estudos criminológicos. Esse período científico foi marcado pela tentativa de

aplicar os marcos científicos principais aos estudos criminológicos. Situando historicamente, foi um

momento em que a ciência deu um salto enorme, sobretudo em relação a metodologia e formas de

estudar os fenômenos. Contemporâneo de Darwin, por exemplo, que a partir da observação e estudos

científicos desconstruiu a ideia do criacionismo e apresentou a teoria da evolução. Ou seja, estava na

moda isso de estudar por bases científicas de observação e experimentação, o que foi aplicado a

diversas áreas, inclusive a criminologia.

Na verdade Lombroso não criou uma teoria moderna, mas sistematizou uma série de

conhecimentos esparsos e os reuniu de forma articulada e inteligível. Considerado o pai da

“Antropologia Criminal”, Lombroso retirou algumas ideias dos fisionomistas para traçar um perfil dos

criminosos.

Assim, acabou por examinar com intensa profundidade as características fisionômicas e as

comparou com os dados estatísticos de criminalidade. Nesse sentido, dados como estrutura torácica,

estatura, peso, tipo de cabelo, comprimento de mãos e pernas foram analisados com detalhes.

Lombroso também buscou informes em dezenas de parâmetros frenológicos, decorrentes de exames de

crânios, traçando um viés científico para a teoria do criminoso nato.

Os estudos científicos de Lombroso assumiram feição multidisciplinar, pois emprestaram

informes da psiquiatria, com a análise da degeneração dos loucos morais, bem como lançaram mão de

dados antropológicos para retirar o conceito de atavismo e de não evolução, desenvolvendo o conceito

de criminoso nato. Para ele, não havia delito que não deitasse raiz em múltiplas causas, incluindo-se aí

variáveis ambientais e sociais, por exemplo, o clima, o abuso de álcool, a educação, o trabalho etc.

Ademais, Lombroso propôs a utilização de método empírico-indutivo ou indutivo-experimental,

que se ajustava ao causalismo explicativo defendido pelo positivismo. Efetuou ainda estudos intensos

sobre as tatuagens, constatando uma tendência à tatuagem nos dementes.

Por isso, afirmou que o crime não é uma entidade jurídica, mas sim um fenômeno biológico,

razão pela qual o método indutivo-experimental deveria ser o empregado. Registre-se, por oportuno,

que suas pesquisas foram feitas na maioria em manicômios e prisões, concluindo que o criminoso é um

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ser atávico, um ser que regride ao primitivismo, um verdadeiro selvagem (ser bestial), que nasce

criminoso, cuja degeneração é causada pela epilepsia, que ataca seus centros nervosos.

Estavam fixadas as premissas básicas de sua teoria: atavismo, degeneração epilética e

delinquente nato, cujas características seriam: fronte fugidia, crânio assimétrico, cara larga e chata,

grandes maçãs no rosto, lábios finos, canhotismo (na maioria dos casos), barba rala, olhar errante ou

duro etc.

Embora Lombroso não tenha afastado os fatores exógenos da gênese criminal, entendia que

eram apenas aspectos motivadores dos fatores endógenos. Assim, o clima, a vida social etc. apenas

desencadeariam a propulsão interna para o delito, pois o criminoso nasce criminoso (determinismo

biológico).

Tais conclusões decorreram sobretudo dos estudos médico-legais feitos na necropsia do

famigerado bandido calabrês Villela, em que se descobriu que este possuía uma fossa occipital igual à

dos vertebrados superiores, mas diferente do homo sapiens (degeneração). Depois, ao estudar os

crimes de sangue cometidos pelo soldado Misdea, verificou-se que a epilepsia poder-se-ia manifestar

por impulsos violentos (epilepsia larvar). Lombroso classificou os criminosos em natos, loucos, por

paixão e de ocasião (cf. n. 9.3, infra).

Inúmeras críticas foram feitas a Lombroso, justamente pelo fato de que milhares de pessoas

sofriam de epilepsia e jamais praticaram qualquer crime. Então, em socorro do mestre, surgiu o

pensamento sociológico de Ferri.

Enrico Ferri (1856-1929), genro e discípulo de Lombroso, foi o criador da chamada “sociologia

criminal”. Para ele, a criminalidade derivava de fenômenos antropológicos, físicos e culturais. Ferri

negou com veemência o livre-arbítrio (mera ficção) como base da imputabilidade; entendeu que a

responsabilidade moral deveria ser substituída pela responsabilidade social e que a razão de punir é a

defesa social (a prevenção geral é mais eficaz que a repressão). Classificou os criminosos em natos,

loucos, habituais, de ocasião e por paixão (cf. n. 9.3, infra).

Rafael Garófalo (1851-1934), jurista de seu tempo, afirmou que o crime estava no homem e

que se revelava como degeneração deste; criou o conceito de temibilidade ou periculosidade, que seria

o propulsor do delinquente e a porção de maldade que deve se temer em face deste; fixou, por

derradeiro, a necessidade de conceber outra forma de intervenção penal – a medida de segurança.

Seu grande trabalho foi conceber a noção de delito natural (violação dos sentimentos

altruísticos de piedade e probidade). Classificou os criminosos em natos (instintivos), fortuitos (de

ocasião) ou pelo defeito moral especial (assassinos, violentos, ímprobos e cínicos), propugnando pela

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pena de morte aos primeiros (cf. n. 9.3, infra).

Como visto, os três representantes da Escola Positiva possuem raciocínio criminógeno muito

aproximado. A principal característica em comum nos três pensamentos é a existência de um fator

determinante subjetivo para o crime, ou seja, um elemento que diz respeito ao sujeito e que provoca

nele a pretensão de delinquir. O que irá distinguir cada uma dessas correntes positivistas é justamente

qual o elemento determinante para cada um. Pode ser um elemento biológico, social ou jurídico (que

acaba comungando os dois critérios anteriores).

#ATENÇÃO: Esta corrente, embora não se confunda necessariamente com a Defesa Social, é muito

influente do que posteriormente se conceituou como escola da Nova Defesa Social. Enquanto Defesa

Social, podemos dizer que tanto a escola clássica quanto a escola positiva acabam por ter certa relação

com este movimento. A Defesa Social implica um direito penal voltado à defesa da sociedade, funcional

de alguma forma.

Em apertada síntese, poderíamos dizer que os principais postulados da Escola Positiva são:

a) o direito penal é obra humana;

b) a responsabilidade social decorre do determinismo social;

c) o delito é um fenômeno natural e social (fatores biológicos, físicos e sociais);

d) a pena é um instrumento de defesa social (prevenção geral);

e) método indutivo-experimental;

f) os objetos de estudo da ciência penal são o crime, o criminoso, a pena e o processo;

g) justifica-se a intervenção estatal em razão da periculosidade do indivíduo.

h) a medida decorrente de um crime não possui um prazo determinado, pois deve perdurar enquanto

não cessada a periculosidade;

#Atenção: boa parte do nosso sistema penal, sobretudo quanto aquilo que se relaciona as pessoas

com transtornos mentais que cometem crime, possui forte influência da escola positiva da

criminologia. Por consequência, temos que a aplicação de medida de segurança nos casos de

inimputabilidade identificada na ação penal (salvo a menoridade), é feita com prazo indeterminado

para cessar, estabelecendo-se o período mínimo e a frequência de novos exames para verificar a

culpabilidade do indivíduo. Além disso, somente após forte embate jurisprudencial que vem se

admitindo que a medida de segurança poderá durar, no máximo, o período da pena máxima em

abstrato previsto para o tipo penal. Ainda assim, o alinhamento da posição da Defensoria Pública é

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favorável a uma reforma em relação a tal parte no Código Penal e se relaciona com a luta

antimanicomial.

6. ESCOLA DE POLÍTICA CRIMINAL / ESCOLA MODERNA ALEMÃ

Esta corrente foi também denominada Escola Sociológica Alemã, e teve como principais

expoentes Franz von Lizst, Adolphe Prins e Von Hammel, criadores, aliás, da União Internacional de

Direito Penal, em 1888. Von Lizst ampliou na conceituação das ciências penais a criminologia

(com a explicação das causas do delito) e a penologia (causas e efeitos da pena).

A Escola Moderna Alemã tem íntima relação com a criação da União Internacional do Direito

Penal (que existiu até a Primeira Guerra Mundial). Formado o pensamento por correntes ecléticas que

buscavam conciliar princípios de vários movimentos, tais como os da Escola Clássica, do Tecnicismo

Jurídico e a Escola Positiva. Algo que também foi tentado pelo positivismo crítico da Terceira Escola

Italiana.

Von Liszt experimentou uma espécie de segunda versão do positivismo jurídico, dividindo a

utilização de um método descritivo/classificatório que, em razão da pretensa cientificidade, excluía

juízos de valor, mas se diferenciou do positivismo ao apresentar ligações à consideração da realidade

empírica não jurídica – o esvaziamento do direito das questões reais – e, portanto, foi um positivismo

jurídico com nuances naturalísticas.

O pensamento em si da Escola Moderna Alemã é um pouco menos exato quanto as demais,

mas teve certa influência. Primeiro, Von Liszt apresentou em seu “Programa de Marburgo – A ideia do

fim no Direito Penal” a necessidade de uma modernização do direito penal positivo. Elaborando seu

raciocínio com muita base dogmática, sistematizou o Direito Penal com um formato complexo e uma

estrutura muito completa, fazendo nascer a moderna teoria do delito como conhecemos hoje.

Para Liszt, a orientação que o Direito Penal deveria assumir era segundo o fim, o objetivo a que

o mesmo se destina. Beirando o utilitarismo, a escola alemã disse que o Direito Penal deve possuir um

efeito útil “[...] que seja capaz de ser registrado e captado pela estatística criminal” (BITENCOURT, 2011).

A pena justa é a pena necessária. Basicamente esse era o conceito chave desse aspecto da escola alemã.

Nem livre arbítrio nem determinismo era definitivo para a escola, sendo a pena proposta

decorrente da necessidade de um caráter intimidativo para os delinquentes normais, e medida de

segurança para os anormais, tendo o fim único de justiça. Ganha espaço, portanto, a prevenção

especial.

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São características dessa escola:5

a) Adoção do método lógico-abstrato (Direito Penal) e indutivo-experimental (demais ciências

criminais): essa característica diz respeito à necessidade de delimitar o objeto de estudo do Direito

Penal, realizando um corte metodológico que exclui áreas como a Criminologia, Sociologia, etc.;

b) Distinção entre imputáveis e inimputáveis: ele não fundamenta essa diferença no livre

arbítrio, mas sim na “normalidade de determinação do indivíduo”. Para os imputáveis a sanção é a pena,

e para os outros, uma medida de segurança, o que caracteriza a feição duplo-binária de sua teoria;

c) O crime é um fenômeno humano-social e fato jurídico: mesmo que se considere o crime

como um fato jurídico, a escola não elimina a ideia que simultaneamente também é um fenômeno

social e humano, o que constitui sua realidade;

d) Função finalística da pena: em detrimento de uma pena retributiva com a escola clássica, a

escola moderna alemã a substitui dizendo que a pena deve ajustar-se à própria natureza daquele sujeito

que declina as normas penais. Ainda que não tenham excluído totalmente o caráter retributivo da pena,

os alemães priorizam “[...] a finalidade preventiva, particularmente a prevenção especial”;

e) Eliminação ou substituição das penas privativas de liberdade de curta duração: a escola

sugere penas alternativas a esse tipo de sanção. Desenvolve assim, verdadeiramente, uma política

criminal liberal.

Os postulados da Escola de Política Criminal foram:

a) o método indutivo-experimental para a criminologia;

b) a distinção entre imputáveis e inimputáveis (pena para os normais e medida de segurança para os

perigosos);

c) o crime como fenômeno humano-social e como fato jurídico;

d) a função finalística da pena – prevenção especial;

e) a eliminação ou substituição das penas privativas de liberdade de curta duração.

7. TERZA SCUOLA

As Escolas Clássica e Positiva foram as únicas correntes do pensamento criminal que, em sua

época, assumiram posições extremadas e bem diferentes filosoficamente.

Depois delas apareceram outras correntes que procuraram conciliar seus preceitos. Dentre

5 BITENCOURT, C. R. Tratado de Direito Penal, Parte geral I. São Paulo: Saraiva, 2011.

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essas teorias ecléticas ou intermediárias, reuniram-se penalistas orientados por novas ideias, mas sem

romper definitivamente com as orientações clássicas ou positivistas.

A terza scoula italiana, uma das correntes ecléticas, é também conhecida como Escola Crítica.

Tem como marco a Publicação do artigo Una Terza Scuola di Diritto Penale in Itália, por Manuel

Carnevale.

As mais importantes características dessa corrente são: a) a responsabilidade penal tem por

base a imputabilidade moral, sem o livre arbítrio, que é substituído pelo determinismo psicológico: o

homem está determinado mais forte, sendo imputável aquele que é capaz de se deixar pelos motivos.

Aos que possuem tal capacidade, deve ser aplicada medida de segurança. A imputabilidade funda-se na

dirigibilidade do ato humano e na intimidabilidade; b) o delito é contemplado no seu aspecto real –

fenômeno natura e social; e c) a pena tem uma função defensiva ou preservadora da sociedade.

Diante da aplicabilidade da medida de segurança no lugar da pena, conclui o professor Cesar

Roberto Bitencourt, em sua obra (2003, p.58):

“O crime, para esta escola, é concebido como um fenômeno social e individual, condicionado,

porém, pelos fatores apontados por Ferri. O fim da pena é a defesa social, embora sem perder seu

caráter aflitivo, e é de natureza absolutamente distinta da medida de segurança”.

Dessa forma, a Terza Scoula utiliza da criação da escola positiva no formato de sanção – medida

de segurança – mas não compartilha de uma pretensão terapêutica de ressocialização do indivíduo. A

pena tem função precípua o afastamento do criminoso do meio social. A pena retributiva dos

clássicos dá lugar a uma pena com um fim prático: prevenção geral ou especial.

A Terza Scuola Italiana, cujos expoentes foram Manuel Carnevale, Bernardino Alimena e João

Impallomeni, fixou os seguintes postulados criminológicos:

a) distinção entre imputáveis e inimputáveis;

b) responsabilidade moral baseada no determinismo (quem não tiver a capacidade de se levar pelos

motivos deverá receber uma medida de segurança);

c) crime como fenômeno social e individual;

d) pena com caráter aflitivo, cuja finalidade é a defesa social.

8. ESCOLA TÉCNO-JURÍDICA

A Escola Penal Positiva provocou diversas críticas no sentido de ter afastado o estudo do crime

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do âmbito jurídico, concentrando-se mais em aspectos antropológicos e sociológicos. Como reação,

surge a Escola Tecno-Jurídica.

A própria metodologia utilizada pela Escola Positiva foi objeto de renovação nessa escola,

reaproximando-se do elemento jurídico ao apontar o verdadeiro objeto do Direito Penal como sendo o

fenômeno do crime.

As pesquisas casual-explicativas, típicas da criminologia etiológica, eram importantes. Contudo,

para reaproximar do direito, era necessário se afastar desse método e se reaproximar com aqueles

típicos das ciências normativas, qual seja, um estudo tecno-jurídico ou lógico-abstrato.

Entre as principais características, temos: a) o delito é pura relação jurídica, de conteúdo

individual e social; b) a pena constitui uma reação e uma consequência do crime (tutela jurídica), com

função preventiva geral e especial, aplicável aos imputáveis; c) a medida de segurança – preventiva –

deve ser aplicada aos inimputáveis; d) responsabilidade moral (vontade livre); e) método tecno-jurídico;

e f) recusa o emprego da filosofia no campo penal.

O crime é uma relação de conteúdo individual e social: sendo um entre jurídico, porque é o

direito que valoriza determinados fatos e a lei que os tipifica como crimes (elemento social),

simultaneamente não se pode negar que há influência de elementos naturais, fatores biológicos e

sociais (elemento individual).

9. ESCOLA CORRECIONALISTA

Tem como principais expoentes Karl Roder, Giner de los Ros, Alfredo Alderón, Pedro Dorado

Montero.

A essência dessa escola pode ser retirada da nomenclatura que foi batizada: ao ser

correcionalista, a função principal – e única – da pena é a correção do indivíduo. Cezar Roberto

Bitencourt (2003, p. 63), em sua obra explicita:

“Para os correcionalistas, a pena não se dirige ao homem real, vivo e concreto, que se tornou

responsável por um determinado crime, revelador de uma determinação defeituosa de vontade. Na

verdade, a sua finalidade é trabalhar sobre a causa do delito, isto é, a vontade defeituosa, procurando

convertê-la segundo os ditames do direito. O correcionalismo, de fundo ético-panteísta, apresentou-se

como uma doutrina cristã, tendo em conta a moral e o Direito natural” (…) “Em outros termos, o

delinquente, para os correcionalistas, é um ser anormal, incapaz de uma vida jurídica livre, constituindo-

se, por isso, em um perigo para a convivência social, sendo indiferente a circunstância de tratar-se ou

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não de imputável. Como se constata, não dá nenhuma relevância ao livre-arbítrio. O criminoso é um ser

limitado por uma anomalia de vontade, encontrando no delito o seu sintoma mais evidente, e, por isso,

a sanção penal é vista como um bem. Dessa forma, o delinquente tem o direito de exigi sua execução e

não o dever de cumpri-la. Ao estado cabe a função de assistência às pessoas necessitadas de auxilio

(incapazes de autogoverno). Para tanto o órgão púbico deve atuar de dois modos: a) restringindo a

liberdade individual (afastamento dos estímulos delitivos); e b) corrigindo a vontade defectível. O

importante não é a punição do delito, mas sim a cura ou emenda do delinquente. A administração da

Justiça deve visar o saneamento social (higiene e profilaxia social) e o juiz ser entendido como médico

social.”

O conceito mais próximo da ideia de ressocialização surge nesse momento, sendo que com um

aspecto mais próximo do terapêutico e de uma suposta cura do delinquente. A pena serve como meio

de controle social, e não mais uma mera retribuição ao crime praticado.

Portanto, temos que a pena idônea, para essa escola, é a privação de liberdade. Essa pena deve

ser indeterminada, já que a “cura” do delinquente não é algo que possa ser previamente delimitado em

relação ao tempo necessário. A função do direito penal é preventiva e de controle social e a

responsabilidade penal deve ser entendida como uma responsabilidade coletiva, solidária e difusa.

A principal característica é a aplicação de penas indeterminadas, embora no discurso

correcionalista isso não representasse, obrigatoriamente, uma pena infinita. Na verdade, a ideia seria a

de uma pena mais breve possível, desde que o indivíduo fosse curado.

Não existem delinquentes incuráveis, existe os delinquentes incurados.

Obs.: É bem evidente que a corrente que se filiou ao pensamento de que a medida de segurança não

tem prazo máximo é um desdobramento do pensamento correcionalista. Na verdade, a própria

corrente que se firmou no Brasil para estabelecer como prazo máximo de duração para as medidas de

segurança a pena máxima em abstrato cabível ao delito ainda compartilha desse mesmo aspecto da

escola correcionalista. Apenas se reconheceu que é um absurdo admitir que determinada pessoa

sofresse uma intervenção estatal severa – medida de segurança – por um prazo superior ao previsto na

legislação para pessoas que não sofrem de patologias mentais. Contudo, esse pensamento ainda

permite aplicar a pena máxima em abstrato ao indivíduo no modelo da medida de segurança, sendo

um tratamento mais severo e que segue a lógica do “não será necessário, desde que ele se cure antes”.

#ESTAMOSDEOLHO

10. MOVIMENTO DA DEFESA SOCIAL6

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Por incrível que pareça, esse movimento filosófico reformista da valoração do direito deu

origem à difusão dos direitos humanos, ao pensamento alternativo, e a uma nova Escola de Direito

Penal, a Escola da Defesa Social.

Deve-se a Adolphe Prins (A defesa social e as transformações do direito penal) sua primeira

sistematização. Em 1945, Felipe Gramática funda, na Itália, o Centro Internacional de Estudos de Defesa

Social, objetivando renovar os meios de combate à criminalidade.

“O objetivo é uma radical supressão dos conceitos de crime, responsabilidade e pena. Dessa

forma, propõe-se a substituição da responsabilidade penal, fundada no delito, pela anti-sociabilidade,

fundada em dados subjetivos do autor; substituir a infração, considerada como fato, pelo índice da anti-

sociabilidade e, finalmente, substituir a pena por medidas sociais.”

Após essas bases, já em 1954, Marc Ancel publica a famosa Défense sociale nouvelle

(verdadeiro documento ideológico) com destaque para: desjuridicização; nova atitude em ralação ao

delinquente e política criminal humanista, por ele definida como “uma doutrina” humanista de proteção

social contra o crime”. O fundamento básico dessa corrente é a defesa social pela

adaptação/ressocialização do delinquente e não pela sua neutralização. Sua essência se encontra,

portanto, na defesa social contra o fenômeno crime e na ressocialização do delinquente.

Funda-se a política criminal na responsabilidade individual, inserida no processo de

ressocialização social. A ideia de proteção social adstrita à sanção penal se apresenta como substitutivo

da noção repressão-retribuição, realizando-se através de um conjunto de medidas penais e extra penais

ligadas à periculosidade. O tratamento penal é visto como um instrumento preventivo.

Os doutrinadores filiados à corrente do Movimento de defesa Social defendem que a finalidade

da pena é proteger a sociedade das ações delituosas. Essa concepção vai de encontro à ideia de um

direito penal repressivo. Entendem tais pensadores, do movimento defensista, que a pena deve ser

substituída por sistemas preventivos e por intervenções educativas e reeducativas, aplicando não uma

pena para cada delito, mas uma medida para cada pessoa.

Luiz Regis Prado (1999, p. 56-57), em sua obra elenca os principais fundamentos do movimento

defensista:

“Entre os princípios fundamentais do movimento defensista, podem ser destacados os que se

seguem: 1. A luta contra a criminalidade deve ser reconhecida como uma das tarefas mais importantes

6 http://www.viajus.com.br/viajus.php?pagina=artigos&id=846

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que incubem à sociedade; 2. Nessa luta, a sociedade deve recorrer a meios de ação diversos, ao mesmo

tempo pré-delitivos e pós-delitivos. O direito criminal deve ser considerado como um dos meios de que

a sociedade pode se utilizar para fazer diminuir a criminalidade; 3. Os meios de ação empregados com

esse fim devem ter por escopo não somente proteger a sociedade contra os criminosos, mas também

proteger seus membros contra o risco de caírem na criminalidade. Por sua atividade nesses dois

campos, a sociedade deve estabelecer o que se pode chamar com justa razão uma “defesa social”; 4. O

movimento de defesa social, procurando assegurar a proteção do grupo através da proteção de seus

membros, entende prevalentes em todos os aspectos da organização social os direitos da pessoa

humana.”

Nesta fase, do pós-segunda guerra mundial, o movimento defensista consegue atribuir a pena

uma preocupação com os direitos humanos, pensando numa política criminal de prevenção e redução

da criminalidade, defendendo a sociedade dos riscos dos delitos. Pensando na ressocialização do

indivíduo, ou seja, no pós-delito, como meio eficaz para a prevenção da reincidência, transformando a

pena de meramente retributiva em preventiva e adequada os direitos da pessoa humana.