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1 Crime e Mídia APOIO: FAPESP – Programa de Políticas Públicas UNESP Dez.2003

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Crime e Mídia

APOIO:

FAPESP – Programa de Políticas Públicas

UNESP

Dez.2003

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Introdução

Este relatório é parcial e contempla algumas atividades do cronograma

enviado à FAPESP em janeiro de 2003, para ser desenvolvido na Fase II do Projeto

“A Geografia do Crime de Marília – SP. Diagnósticos para uma ação social

comunitária”.

Esclarecemos que a participação no projeto teve várias frentes de trabalho

como, o desenvolvimento de uma pesquisa científica individual intitulada A imagem

do crime e da violência através da imprensa na cidade de Marília – SP; a

participação em todas as atividades coletivas do grupo (conforme relatório de

atividades); o trabalho na área de Comunicação Social e Assessoria Geral de

Imprensa em todos os eventos realizados pelo grupo; responsabilidade pelo contato

com os órgãos públicos e comunidade para organização de Fóruns, reuniões e

campanhas preventivas.

Na pesquisa individual, realizamos uma análise da história da imprensa e

a ética nos meios de comunicação. Por conseguinte, realizamos uma reflexão

teórica sobre a relação da imprensa e o aumento da criminalidade na cidade de

Marília analisando a permanente presença dos temas – crime e violência - no

cotidiano dos leitores, bem como o espaço reservado a esse tipo de notícia nos dois

periódicos de maior circulação na cidade.

Pretendemos, ainda, para o relatório final, observar se a mídia impressa

local estaria ou não, indiretamente estimulando o aumento de alguma modalidade de

crime, visto que não é incomum a recorrência de um tipo de crime até então pouco

conhecido, em espaço de tempo muito curto.

Trata-se de um relatório parcial, ainda em fase final de elaboração, tendo

justificado o atraso na entrega devido à espera da resposta ao pedido enviado à

FAPESP, em outubro, de prorrogação de entrega de relatório e que, logo autorizado

e aceito1, será finalizado em junho do ano de 2004.

1 Conforme justificativas enviadas à FAPESP, solicitamos a prorrogação para entrega de relatório, para junho de 2004, o que recebemos parecer positivo. Por esse motivo, nosso relatório encontra-se em fase final

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Reflexão teórica

“O jornal é mais do que um negócio, comércio ou profissão: é

maneira de vida... O que adianta é o conceito que a própria pessoa

tem de suas obrigações... O direito é uma nobre profissão, o mesmo

se dando com a medicina ou a carreira das armas. Há,

naturalmente, covardes e traidores entre os militares. Existem

charlatões entre os médicos e caxixeiros entre os advogados.

Existem também jornalistas venais. Mas para cada charlatão existe

uma centena de médicos honestos e sinceros, cujas vidas são

altruisticamente dedicadas a seus clientes. Para cada caxixeiro

existe também uma centena de profissionais cujo mais forte instinto é

servir, é melhorar a sociedade em que vivem”. John Sorrels.

O desafio de conter as múltiplas mudanças no fenômeno da comunicação

na vida contemporânea é motivo de atenção especial. Afinal, ninguém hoje duvida

que os meios de comunicação sejam uma força transformadora e instigadora das

relações humanas, diante de tantos fatos e acontecimentos nesse processo. “Na era

pós-moderna, a comunicação é uma força revolucionária” (NEIVA, 1998), tanto para

o bem, quanto para o ‘mal’”, em alguns casos. E, como poderíamos exemplificar, no

que diz respeito à violência diária em todos os meios de comunicação de massa e a

veiculação permanente desses fatos na vida das pessoas.

A comunicação existe desde os primórdios. Antes, só a comunicação

verbal tinha importância. Mais tarde, a partir da era de Gutemberg2, ela passou a

fazer das relações humanas mais comumente.

A representação da violência e a permanente divulgação de fatos

criminais têm sido motivo de observação e discussão acirrada por parte de

profissionais de diversos segmentos sociais, além de instigadora dos meios de

comunicação no que se refere ao fato sensacionalista.

2 A história atribui a Gutemberg (séc. XV) o mérito principal da invenção da imprensa, não só pela idéia dos tipos móveis, mas também pelo aperfeiçoamento da prensa (a prensa já era conhecida e utilizava-se para cunhar moedas, espremer uvas, fazer impressões em tecido e acetinar o papel). (http://www.imultimedia.pt/museuvirtpress/port/equip.html)

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Nessa perspectiva, analisa Alexino, 2003:

O principal ponto de discussão tem sido o quanto os meios de

comunicação podem estimular a violência social ao usar de

sensacionalismo na cobertura de matérias jornalísticas policiais ou

na própria ficção, como é o caso do cinema e das telenovelas. Por

outro lado, se questiona se a culpa da violência social poderia ser

atribuída aos meios ou se eles apenas refletiriam, como um espelho,

as mazelas sociais.

Precedendo à discussão posta pela citação anterior, faremos um breve

histórico da imprensa no Brasil, destacando alguns períodos que relatam

acontecimentos de maior gravidade e violência, a fim de exemplificar a constante

presença das notícias sobre fatos violentos, ao longo da história. Em seguida,

destacaremos alguns pontos sobre a ética nos meios de comunicação e como a falta

de respeito a esse código, pode ou não, influenciar o leitor ou telespectador diante

das notícias que versam o tema (crime ou violência).

A partir disso, partimos à reflexão e análise dos jornais locais de maior

veiculação na cidade, na comparação dos periódicos, observando a forma como o

crime está noticiado nesses meios impressos. E por fim, realizaremos a comparação

com os dados coletados pelo Grupo de Pesquisa e de Gestão Urbana de Trabalho

Organizado (G.U.T.O)3, através do seu banco de dados. Concluindo, tentaremos

analisar o sentido e a magnitude de algumas distorções e exageros da imprensa e

que, possivelmente, terminam por influenciar a imagem que uma sociedade faz

sobre a criminalidade.

A Imprensa no Brasil

A História da Imprensa no Brasil esteve marcada, quase sempre, por fatos

violentos e persistência contra à censura.

Apesar de parecer um acontecimento novo, esta relação

violência/imprensa esteve presente desde a segunda metade do século XIX, quando

relatava grandes modificações sociais que estavam acontecendo, como por

3 Grupo de Pesquisa e de Gestão Urbana de Trabalho Organizado (GUTO) que desenvolve o Projeto em Políticas Públicas, “A Geografia do Crime de Marília – SP. Diagnósticos para uma ação social comunitária”: www.marilia.unesp.br/guto

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exemplo: Abolição da escravatura, Proclamação da República e também, a chegada

dos imigrantes. Com isso, a imprensa se consolidava como importante meio na

retratação, divulgação e proclamação das notícias e ideais na sociedade.

Logo em 1808 se estabelece a Imprensa Régia no Rio de Janeiro. Em

seguida, a Gazeta do Rio de Janeiro e, assim por diante, os jornais foram surgindo.

O que nos importa frisar, nesse contexto, é que a censura sempre existiu perante o

mando da coroa que pretendia manter todos sob seu comando e domínio.

Só em 1821, surge o Diário do Rio de Janeiro que noticiava o cotidiano da

comunidade e, é claro, já salientava um misto de sensacionalismo nas páginas junto

aos anúncios de venda de escravos, jumentos etc. Nesse período, a permanente

discussão era sobre a independência do Brasil e, o que mais se destacou como

meio de comunicação nessa época, foram os pasquins.

Em meio a muitas divergências políticas, temores de “revoluções sociais”

e outros tantos acontecimentos, os jornais impressos vão surgindo e se

multiplicando em todo o território nacional.

Já no final do século XIX, precisamente em 1875, surgiu A província de S.

Paulo, mais tarde tornou-se O Estado de São Paulo que se destacava como

conservador, como parece permanecer até os dias de hoje.

Ao longo dos anos e séculos, muitos outros veículos de informação foram

surgindo e a competitividade se tornou mais agressiva, a luta por espaço e domínio

mais visível e não muito favorável aos leitores.

Podemos exemplificar, neste momento, com algumas notícias do início do

século que demonstram a abordagem da violência e o sensacionalismo dos fatos e,

que mesmo assim, seguiam para as pautas e textos jornalísticos, segundo

exemplificou Alexino em Sensacionalismo e Violência na Mídia, (2003):

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“Mulher fraticida por ciúmes. Em Pernambuco no logar denominado

Poças deu-se um assassinato entre dois irmãos. Maria e Jovina, de 16 e 19

annos sahiam de casa a buscar água (...) sendo que Jovina foi encontrada

com o corpo curvado com 24 canivetadas. Maria conta que Jovina fora

esfaqueada por um preto mas logo que Jovina recobrou a falla revelou que

fora a própria irmã que a ferira (...) O motivo era o ciúme do casamento que

ella Jovina ia contrtahir”. (Província de São Paulo, janeiro de 1879).

“Lamentável. Uma preta matou inconscientemente o filho por lhe ter dado

mais comida e como o visse afflicto ministrou-lhe o suadouro...” (Correio

Paulistano, Casa Branca, 17 de novembro de 1888).

E, diante disso, apesar do tempo que nos distancia destas notícias,

continuamos a presenciar diariamente pautas com abordagens sobre violência que

dramatizam a sociedade e, infelizmente, continuam instigando os jornalistas....ou os

detentores do meio de comunicação.

Abordar a questão da imagem que a imprensa cria acerca da violência e

de que forma, em que medida esses fatos afetam o olhar, a vida e a relação do

individuo com o mundo, implica uma série de fatores. O principal é se perguntar, o

que é o jornalismo e como ele deve ser “feito” para uma sociedade.

Analisamos a imprensa escrita da cidade de Marília através da análise dos

dois jornais de maior publicação na cidade (Diário e Jornal da Manhã) e, podemos

afirmar, nesse momento, que os dois jornais não adotam a mesma linha editorial. O

que, em nosso ponto de vista, vem a ser um ponto a favor da comunidade dessa

cidade.

Novamente, vamos destacar alguns pontos observados nesses jornais,

sempre analisando a tendência ao fato violento e o destaque ao sensacionalismo

dos periódicos. Observar, enfim, o espaço reservado à publicação de temas

relacionados ao crime e à violência; quais os tipos de crimes e de atitudes violentas

têm recebido maior destaque na mídia e as formas de abordagem dos dois maiores

jornais locais sobre o assunto, numa tentativa de perceber a linha editorial de

ambos, se há pressupostos sensacionalistas e/ou comerciais.

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Ética na comunicação e análise dos jornais locais

Se há um consenso hoje em nossa sociedade é quanto à necessidade de

comunicação, seja ela de que meio for, pelo jornal impresso, televisão, boatos,

folhetos, telefone e etc, fazendo com que a própria comunicação se torne

responsável por infiltrar-se na comunidade e projetar-se, futuramente.

A comunicação pode servir como instrumento de vulgarização; de

educação, ora como construção e ação da cidadania; “É certo que na chamada

sociedade do conhecimento, os saberes e as informações se multiplicam numa

velocidade espantosa... precisamos construir iniciativas de dimensões práticas que

promovam um novo ambiente comunicacional para a Mídia e principalmente, para o

público. Um ambiente democrático, que assegure aos diversos atores um lugar

destacado no processo de construção (e apropriação) da notícia”, segundo Souza,

em seu artigo “Comunicação, Ciência e Sociedade”.

Uma pesquisa realizada pelo Instituto DataFolha, encomendada pela

Associação Nacional dos Jornais – ANJ - revelou que o jornal impresso é o meio de

comunicação de mais credibilidade para o brasileiro. A credibilidade do jornal foi

apontada por 15% das pessoas - o meio de comunicação mais votado – perdendo

apenas para a Igreja Católica, com 30%. Os números foram apresentados no 3º

Congresso Brasileiro de Jornais, realizado na cidade do Rio de Janeiro, em agosto

deste ano. Foi constatado também que 79% dos entrevistados costumam ler jornais,

mesmo sem freqüência definida, e 39% têm o hábito diário da leitura. Quando o

questionamento é relativo a quais instituições as pessoas menos acreditam, o jornal

também alcança um índice inverso positivo: apenas 2% dos entrevistados afirmaram

não acreditar nos jornais.

Não há dúvida, portanto, de que o jornal, dentre os meios de comunicação

social, desempenha um papel determinante na vida humana das sociedades

modernas. Importa-nos conhecer e, sobretudo, reconhecer, a indispensabilidade da

informação em todos os setores da atividade cotidiana. “Enquanto serviço público,

isto é, serviço do povo, a comunicação social deve ser um ‘poder ético’, garantindo,

assim, ao povo um preceito constitucional que, muitas vezes, não passa de letra

morta: o direito à informação” (NEIVA, 1998).

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Se, como pensamos, a finalidade fundamental da Comunicação Social consiste

não apenas em dar a conhecer fatos e frivolidades da existência humana, mas

predominantemente em promover, através desse serviço informativo, níveis cada

vez mais elevados no processo de humanização, visando, deste modo e sempre, a

denúncia crítica e desmistificadora de todas as estruturas sociais que deformam,

deterioram e mutilam o reconhecimento da dignidade humana e, portanto, pensar

a comunicação social como o meio inultrapassável para aproximar mutuamente

os seres humanos, convertendo todos os povos em próximos e solidários, será,

então, possível perspectivar a comunicação social não apenas como uma simples

estrutura da sociedade, mas como um poder, cuja irrepreensibilidade moral

somente ressaltará se esse poder surgir como liberal, imparcial, laico, crítico e

pedagógico – numa palavra, assumir-se como um poder ético (Luís Araújo – A

deontologia da Comunicação Social, p. 2-3).

A partir dessas considerações, iniciamos uma breve análise dos jornais

locais de Marília, Diário - 13 mil exemplares e Jornal da Manhã - 12 mil exemplares,

ambos sem circulação às segundas-feiras.

Ponderamos todos esses fatores e ressaltamos, novamente, em análise

do periódico Jornal da Manhã a permanência e ênfase dada às notícias sobre

violência na cidade. A notícia positiva, tão verdadeira quanto a informação negativa,

é uma surpresa, quase um fato inusitado, nas 46 edições analisadas (janeiro e

fevereiro de 2003).

Primeiramente, destacamos que este jornal chegou ao extremo de, por um

período de 21 dias, 18 de suas principais manchetes de primeira página, as quais

são diagramadas na parte superior da folha, com grandes letras destacadas em

negrito, serem notícias a respeito de crimes ou fatos violentos. E, quando a notícia

não é a manchete do dia, não deixa de constar na primeira página, na parte superior

também (Figura II).

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Jornal da Manhã: manchete sobre violência no primeiro exemplar da semana

Jornal da Manhã: manchetes destacando a criminalidade na cidade

Jornal da Manhã: destaque para o tipo de crime ocorrido na cidade

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Jornal da Manhã: atenção do leitor totalmente voltada à manchete do dia

Jornal da Manhã: notícias sobre violência sempre na primeira página

Observamos que, neste período citado de 21 dias seqüentes de análise do

jornal, as principais matérias dão destaque para furtos em série na cidade, roubos

em estabelecimentos comerciais e homicídios.

Num segundo momento, consideramos que para esse jornal não importa

quem comete ou sofre a agressão, mas sim o fato que dela se origina. Quanto mais

estapafúrdio, grotesco, fantasioso, melhor. “Mostram um mundo onde em cada

esquina, nos espera um perigo. Isso é prejudicial na medida em que se acostuma à

morbidez das notícias....(..), põe de lado as coisas boas que acontecem”, conforme

analisa IVAN, no artigo Comunicação da Violência (2001).

A ênfase do Jornal da Manhã às notícias sobre violência e o

sensacionalismo podem se justificar, conforme analisam RABAÇA E BARBOSA [21-

-?], pela busca no aumento das vendas. Por outro lado, o jornal pode instigar o leitor

a pensar na incompetência da polícia, no caso dos furtos em série e, com isso,

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difamá-la, muitas vezes, com essas manchetes.

O crescimento do crime e da violência na cidade, sobretudo, aumenta

muito mais por isso do que pela realidade dos dados estatísticos das delegacias,

como poderemos constatar em nosso próximo relatório.

Segundo analisa BICUDO (1997), “há muito mais propaganda da

criminalidade dita violenta, dos assaltos, dos roubos, dos homicídios, do que,

propriamente, um aumento alarmante de todo esse extremo rol de infrações penais”.

Consideremos ainda em suas afirmações que, sem dúvida, os dados evidenciam

uma grave situação atual, mas, contudo, “não autorizam os estímulos com que certa

imprensa procura canalizar” e, completando, por vezes, aumentar também.

Destacamos ainda, o que consideramos um equívoco de informações e,

aparentemente, mal intencionada ação do meio que, sempre as terças-feiras,

quando não houve circulação do jornal um dia antes, o abuso do jornalista em

publicar uma provável soma dos crimes acontecidos no sábado, domingo e

segunda, outra vez, remetendo-nos à observação acima (as duas redações dos

jornais fecham a edição de domingo já na sexta, muito de vez em quando, finalizam-

na no domingo). O jornal cria uma imagem fantasiosa e sensacionalista instigando a

atenção do leitor para aquela manchete imprecisa dos crimes e violência

acontecidos na cidade.

Não estamos com isso dizendo que não há muitos crimes nos finais de

semana. Ao contrário, de acordo com o banco de dados do GUTO, mais de 60% dos

crimes contra a pessoa (lesão corporal, homicídio, tentativas, agressões etc.)

ocorrem a partir das 17 horas de 6ª feira até domingo. Porém, fazer uso da

somatória de ocorrências sem análises e explicações, parece-nos utilização do

poder e penetração desse instrumento no imaginário coletivo.

Cabe á mídia, portanto, essa destacada contribuição na desqualificação

das informações sobre violência, segundo observa também MCLuhan (p. 26, 1969):

“toda mídia trabalha sobre nós de uma forma total. Esses meios são tão

intensos em suas conseqüências pessoais, políticas, econômicas,

estéticas, psicológicas, morais, éticas e sociais que não deixam nenhuma

parte de nós intocada, não afetada, inalterada. O meio é a mensagem”.

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O que também nos faz refletir e pensar que esses profissionais podem

estar esquecendo o papel social do meio de comunicação.

Dessa forma, poderemos constatar, com relação a esses fatos sobre

crimes e violência, que a influência do meio se mostra claramente e, apesar disso,

notamos ainda, um nítido aumento do espaço para esse tipo de notícia e o espaço

para as fotos também.

Jornal da Manhã: destaque para os crimes do final de semana no exemplar de terça-feira

Jornal Diário: exemplar de terça-feira destacando os crimes do final de semana

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Jornal da Manhã: espaço de uma página interna inteira às notícias sobre crimes

No entanto, não podemos deixar de considerar que a violência e o crime

existem mais em alguns lugares, noutros nem tanto, e o meio de comunicação,

nesse caso o jornal impresso, tem como uma de suas finalidades a tarefa de colocar

o homem em contato com os acontecimentos do mundo que o rodeia.

Entretanto, o que está em questão é o aumento dessa mercantilização do

meio de comunicação, onde a violência está banalizada e, cada vez mais, acentua-

se tal problemática. “Sensacionalismo que aumenta os índices de audiência com

reflexos econômicos importantes para as empresas de comunicação”, frisa Bicudo

(1997).

Quase 100% da primeira página do jornal é a respeito da notícia

sensacionalista (Figura I), em quase todas as edições analisadas, os subtítulos

também tem o mesmo tom, como 3º HOMICÌDIO; ROLETA RUSSA; VIOLÊNCIA etc

(Figura II). As letras das manchetes deste jornal, em comparação ao jornal Diário,

são nitidamente, maiores e mais destacadas (analisar: Figura I e III). Houve maior

dificuldade em analisar o jornal Diário neste período, (com relação ao observado no

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relatório passado). Notamos um decréscimo nas publicações de manchetes

sensacionalistas e exageradas, no que diz respeito aos crimes e violência na cidade

(Figura IV). O jornal Diário, passou a publicar, em nossa observação, em pequenas

colunas na primeira página (Figura V), na parte inferior, com pouco destaque e

descrevendo o fato no interior do jornal, na coluna/página que o jornal intitula Polícia (Figura VI).

Figura I: Jornal da Manhã, manchete ocupando um grande espaço na primeira página.

Figura II: Jornal da Manhã, subtítulos com tons sensacionalistas – ‘Roleta Russa’

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Figura III: Jornal Diário noticiando o mesmo fato (figura I), com menos destaque.

Figura IV: Jornal Diário -2002 com maiores espaços para notícias sobre crimes

Figura V: Jornal Diário -espaços diminuídos, em 2003, para notícias sobre crimes.

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Figura VI: Jornal Diário- página intitulada Polícia – menos espaço para notícias sobre crimes e divulgação sobre outros assuntos (lista de aprovados no vestibular)

Pesquisamos um total de 50 edições do jornal Diário, no período de

janeiro a fevereiro de 2003 onde podemos destacar que de 26 edições analisadas

no mês de janeiro, apenas cinco tinham manchetes sobre um crime na cidade, tendo

19, 2% de freqüência na primeira página.

Comparando com o Jornal da Manhã que, de 21 edições analisadas no

mês de janeiro, teve 85.7% de suas manchetes sobre fatos criminosos,

demonstrando claramente sua tendência a esse tipo de publicação.

Em relação á questão da primeira publicação do final de semana, a de

terça-feira, o jornal Diário não se distancia muito da forma de abordagem do Jornal

da Manhã, mas, não é sempre que isso acontece. São notícias quase sempre de

furtos em estabelecimentos comerciais ou residências, homicídios, os quais os

jornalistas buscam nos registros do Plantão Policial da cidade, em cada madrugada.

Jornal Diário: notícias sobres os crimes do final de semana

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Por outro lado, tudo vai abaixo quando há um grave acontecimento na

cidade, e que os jornais podem explorar o sensacionalismo do fato com a finalidade

de atrair a atenção do leitor e, assim, despertar para o aumento das vendas.

Jornal da Manhã: letras maiores e mais destacadas

Jornal Diário: a mesma notícia com menos destaque

Algumas considerações

“Jornalismo é antes de tudo, informação. (...) Informação,

bem entendido, de fatos atuais, correntes que mereçam o

interesse público” (anônimo)

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Segundo observa APPROBATO, “o quadro de violência em que se

encontra o Brasil assumiu proporções muito preocupantes, o que demonstra a

fragilidade das políticas públicas na área de segurança”. Nesse sentido, o Projeto “A

Geografia do Crime de Marília – SP. Diagnósticos para uma ação social comunitária”

desenvolve um trabalho de ação/prevenção direto com a comunidade, no

“desenvolvimento de uma nova concepção de ordem pública pelo caminho da

reeducação da polícia e da população” (FELIX, 2000), resultando em importantes

conquistas a cada dia.

Dessa forma, algumas hipóteses podem ser levantadas, com relação à

análise dos periódicos e a reflexão teórica do tema no que diz respeito à construção

da notícia e seu caráter mercantil. A imprensa pode estar criando uma imagem da

violência equivocada em função da forma como são veiculadas as diversas práticas

violentas.

Frente a toda essa onda de notícias e publicações de fatos

sensacionalistas, em diversas faces da violência e do crime, surgem grupos que

propõem, outra vez, o controle das publicações - a censura.

O papel social do comunicador não pode ser esquecido e deveria, neste

momento, ser reavaliado até em cidades de médio porte como Marília. O jornalismo

deveria se legitimar, mais uma vez, como agente vigilante da sociedade divulgando

e intermediando publicamente, sempre a favor de uma comunidade. A veracidade da

notícia é ainda o fator mais importante na hora de sua transmissão.

É nesse contexto que devem ser discutidas as relações entre imprensa,

poder, interesses econômicos e o agente social, bem como a necessidade de

políticas públicas nesse sentido.

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Trad.Wagner de Oliveira Brandão. Rio de Janeiro: Vozes, 1998.

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