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Page 1: Créditos · material educativo para o professor-propositor IBERÊ CAMARGO – MATÉRIA DA MEMÓRIA 3 Escola de Comunicação e Artes da Universidade de São Paulo –
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IBERÊ CAMARGO: matéria da memória

Copyright: Instituto Arte na Escola

Autor deste material: Olga Egas

Revisão de textos: Soletra Assessoria em Língua Portuguesa

Diagramação e arte final: Jorge Monge

Autorização de imagens: Ludmilla Picosque Baltazar

Fotolito, impressão e acabamento: Indusplan Express

Tiragem: 200 exemplares

Créditos

MATERIAIS EDUCATIVOS DVDTECA ARTE NA ESCOLA

Organização: Instituto Arte na Escola

Coordenação: Mirian Celeste Martins

Gisa Picosque

Projeto gráfico e direção de arte: Oliva Teles Comunicação

MAPA RIZOMÁTICO

Copyright: Instituto Arte na Escola

Concepção: Mirian Celeste Martins

Gisa Picosque

Concepção gráfica: Bia Fioretti

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)

(William Okubo, CRB-8/6331, SP, Brasil)

INSTITUTO ARTE NA ESCOLA

Iberê Camargo: matéria da memória / Instituto Arte na Escola ; autoria de

Olga Egas; coordenação de Mirian Celeste Martins e Gisa Picosque. – São

Paulo : Instituto Arte na Escola, 2006.

(DVDteca Arte na Escola – Material educativo para professor-propositor ; 89)

Foco: Mt-1/2006 Materialidade

Contém: 1 DVD ; Glossário ; Bibliografia

ISBN 857762-020-4

1. Artes - Estudo e ensino 2. Materialidade 3. Pintura 4. Camargo, Iberê I.

Egas, Olga II. Martins, Mirian Celeste III. Picosque, Gisa IV. Título V. Série

CDD-700.7

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DVDIBERÊ CAMARGO: matéria da memória

Ficha técnicaGênero: Documentário com depoimentos de críticos de arte,artistas e da esposa de Iberê Camargo.

Palavras-chave: Poética da materialidade; acúmulo; procedi-mentos técnicos inventivos; diálogo com a matéria; ação pictó-rica; cor; superfície; massa; memória; pintura; artista; artemoderna; arte contemporânea.

Foco: Materialidade.

Tema: A matéria da memória e a arqueologia do gesto pictóri-co do artista Iberê Camargo.

Artista abordado: Iberê Camargo.

Indicação: A partir da 7a série do Ensino Fundamental e Ensino Médio.

Direção: Marta Biavaschi.

Realização/Produção: Fundação Iberê Camargo, Porto Alegre, RS.

Ano de produção: 2003.

Duração: 21’.

Sinopse

Neste documentário, a presença do pintor gaúcho Iberê Camargo,através de imagens de arquivo e de sua voz, em off, extraída deentrevistas aos meios de comunicação, nos convidam a um mer-gulho na matéria da memória e na arqueologia do gesto pictóri-co do artista. Imagens de Iberê Camargo em pleno processo decriação da sua obra e comentários de artistas, críticos de arte ede sua esposa, Sra. Maria Coussirat Camargo, contextualizama obra do artista e seu universo pictórico: sua paleta de cores,seu gesto vigoroso e seu olhar singular sobre a arte e a vida.Trechos de manuscritos do artista, reconstituídos no documen-tário, revelam o amálgama entre o pensamento do homem e aatitude do artista em relação ao mundo e ao seu tempo.

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Trama inventivaO atrito do olhar sobre a obra recai no estranho silêncio da ma-téria. Somos surpreendidos. Matérias são pele sobre a carne daobra. Pigmento. Lã de aço. Lâminas de vidro e metal. Tecido.Plástico. Ferro. Terra. Pedra. Não importa. A matéria, enfeitiçadapelo pensar do artista e sua mão obreira, vira linguagem. Noreencontro dos germes da criação, a escuta da conversa dasmatérias desvela o artista e sua intenção persistente, cuidadosae de apuramento técnico: o conflito da fusão, as confidências dasmanchas, o duelo entre o grafite preto e a candura do papel, afelicidade arredondada do duro curvado. Na cartografia, estedocumentário se aloja no território da Materialidade, surpreen-dendo pelos caminhos de significação: a poética da matéria.

O passeio da câmeraO documentário nos convida a ser espectadores da ação pictó-rica de Iberê Camargo. É a voz do pintor, gravada em entrevis-ta à UFRGS em 1984, que nos apresenta sua paixão pela pin-tura. Vestindo um macacão azul, tal qual um operário de fábri-ca, Iberê nos surpreende com o domínio técnico, o gestualvigoroso e a paleta de cores que compõe sua obra: “Lanço-mena pintura e na vida por inteiro”, afirma o artista com mais de60 anos dedicados à arte.

Comentando a pintura do artista, relatando encontros e liçõesaprendidas com o mestre, participam do documentário: suaesposa, Maria Coussirat Camargo, e muitos artistas e críticosde arte1 : Paulo Venancio Filho, crítico de arte e professor daUniversidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ; Luiz CamilloOsório, crítico de arte e professor da Universidade do Rio deJaneiro – Unirio; Paulo Sérgio Duarte, crítico de arte e profes-sor da Universidade Candido Mendes – Ucam/Rio de Janeiro;Cecilia Cotrim Martins, professora da Pontifícia UniversidadeCatólica do Rio de Janeiro – PUC/RJ; Carlos Zilio, artista plás-tico e professor da UFRJ; Carlos Vergara, artista plástico, doRio de Janeiro; Sônia Salzstein, crítica de arte e professora da

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material educativo para o professor-propositor

IBERÊ CAMARGO – MATÉRIA DA MEMÓRIA

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Escola de Comunicação e Artes da Universidade de São Paulo –ECA/USP; Icléia Cattani, crítica de arte e professora da Univer-sidade Federal do Rio Grande do Sul – UFRGS/Porto Alegre;Mônica Zielinsky, crítica de arte, professora da UFRGS e coor-denadora do Projeto de Catalogação da obra de Iberê Camargo;Paulo Pasta, artista plástico e professor da Fundação ArmandoÁlvares Penteado – Faap/São Paulo; José Resende, artista plás-tico, de São Paulo; Karin Lambrecht, artista plástica, de PortoAlegre; Lorenzo Mammì, crítico de arte, professor da ECA/USP.

O documentário, olhado como uma biografia estética de IberêCamargo, acumula potências para proposições pedagógicas em:Linguagens Artísticas, a linguagem pictórica; Forma-Conteúdo,a tensão, o volume, as massas na superfície da tela que revelamuma memória; Processo de Criação, a ação pictórica e o diálogocom a matéria; Saberes Estéticos e Culturais, o expressionismo,a arte moderna e contemporânea; Mediação Cultural, o artista esua atitude cuidadosa em organizar o vastíssimo material de suaobra para permanência. Movidos pela “matéria da memória” quepermanece no corpo da pintura de Iberê, conduzimos odocumentário ao território da Materialidade, chamando a aten-ção sobre a cor-matéria que sonha em suas telas.

Sobre Iberê Camargo

(Restinga Seca/RS, 1914 – Porto Alegre/RS, 1994)

Mas como eu acho que a minha pintura tem uma identidade pesso-

al, se eu fizer uma figura, se eu fizer um cubo, se eu fizer um car-

retel, se eu fizer uma mancha; tudo sou eu.

Iberê Camargo

O carretel: uma imagem arquetípica presente na produção deIberê desde os anos 40. Poderia o carretel ser uma representa-ção da memória, pois remete aos seus brinquedos de infância?

Em Iberê, a memória é um dos elementos propulsores da suapintura. Uma memória que não é inerte, mas enérgica, de ex-pansão, que vai se construindo, se modificando, se proble-matizando enquanto uma memória dramática que emerge do

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“pátio da infância” e se faz pulsante na materialidade pictóricade suas telas.

De passatempo da criança à ressignificação da memória, o carre-tel se faz vocabulário estético no gesto pictórico do artista. Parao crítico e poeta Ferreira Gullar2 , com o carretel, Iberê iniciou

uma caminhada para trás. Mas não para a sua própria infância, o

seu próprio começo: iniciou uma caminhada para o começo da

expressão plástica. Um começo que não é o começo histórico da

pintura nem o próprio começo da arte deste pintor. Um começo

que se tornará começo porque é quase o fim da expressão plásti-

ca: o instante em que as formas identificáveis se dissolvem no

fundo, fundem-se na pasta primitiva em que o artista transforma a

matéria da pintura. Uma pasta escura e no entanto luminosa, uma

espécie de lama estelar, plena de energia, donde deve ressurgir a

fala ameaçada do homem que arriscou perder-se na matéria.

Nos anos 50, sua série dos carretéis dissolve-se aos poucosem imagens cada vez mais abstratas. Entretanto, quando acorrente principal da arte brasileira aponta para uma extinçãoda tela, Iberê volta-se à figuração. Os tons rebaixados e a mi-séria humana eram uma constante em suas obras. Dividindo

com Oswaldo Goeldi o título de maior artista expre-

ssionista brasileiro, Iberê possui uma paleta de infinitas

camadas de tinta que faz brotar personagens sombrios,

tristes e trágicos como a existência humana, tema tão caro

aos expressionistas.

Tendo iniciado com as paisagens, nos anos 40, ele passa paraa figuração da série dos carretéis, no fim dos anos 50, e pordiversas fases até chegar a uma abstração expansiva nos anos60, época dos núcleos. Na década seguinte, Iberê retoma aforma que anteriormente havia sido diluída em pastosas cama-das de tinta com os vórtices e símbolos. Essa figuração desá-gua nos famosos ciclistas. Com fantasmagorias, lembranças ereminiscências, Iberê povoa suas telas de tons azuis, frios, epaisagens estéreis. Os anos 90 chegam e ele, no auge da sa-bedoria, passa a pintar Idiotas e Tudo te é falso e inútil, obrassíntese da sua coerente trajetória artística.

Iberê se considera herdeiro da tradição de Maurice Utrillo e deGoya. Dos modernos, é admirador do holandês naturalizado

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IBERÊ CAMARGO – MATÉRIA DA MEMÓRIA

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americano Willem de Kooning. Podemos aproximá-lo ainda deartistas como Anselm Kiefer, o Gerhard Richter das várias te-las em preto-e-branco, e Francis Bacon. Pela forma, mais osalemães do que o inglês. No conteúdo e na matéria, os três: ummesmo leito emocional da dimensão contemporânea.

Seus estudos de arte são realizados em vários locais do mun-do: em Porto Alegre, com João Fahrion, passando pelo Rio deJaneiro, com Guignard e Hans Steiner, a Roma, com De Chirico,e Paris, com André Lhote. É, assim, um artista-aprendiz “de umageração em que o mestre e o professor tinham sentido. Entãome submeti a todos esses exercícios de aprendizagem”, comoele próprio expressa no documentário.

O rigor em sua própria formação reflete-se ainda no seu traba-lho como professor, iniciado nos anos 40, no Rio de Janeiro,com a formação do Grupo Guignard, em 1943, e que dura ape-nas um ano, pois seu inspirador, Guignard, muda-se para BeloHorizonte. Iberê assume a função de orientador do grupo e,desde então, exerce uma liderança que se reflete em outrasocasiões, como em 1953, também no Rio, quando funda o cur-so de gravura no Instituto Municipal de Belas Artes (atualmen-te a Escola de Artes Visuais do Parque Lage) e, a partir de 1970,ao lecionar na Escola de Belas Artes da Universidade Federaldo Rio Grande do Sul.

Ao longo de sua vida, Iberê Camargo produz mais de sete

mil obras, entre desenhos, pinturas, gravuras, guaches.

Iberê assume também a condição de escritor e, no plano

da escrita, realiza uma forma de experiência artística que

transporta o ato criador, de perseguir as imagens da infân-

cia, para a escritura de memórias. A escrita para ele adquirequase um aspecto catártico sem que apareça como explicaçãoou derivação de sua pintura.

Iberê Camargo se despede do mundo em 1994, pouco depoisde terminar Solidão que mede quatro metros. Diante de suastelas, ficamos frente a uma arte da paixão pela pintura para serolhada com paixão. Paixão de atração? Paixão de rejeição?Depende do observador. Indiferença, jamais!

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Os olhos da arteA matéria também sonha. Procuro a alma das coisas.

Iberê Camargo

A carne da pintura é a tinta, a cor, a matéria; sua ossatura,

o suporte. Em Iberê, a carne da pintura se faz gesto nervo-

so, óleo espesso, cores sombrias que deixam visível o fer-

vor da matéria pictórica. Nas mãos do artista, pincel – pêlo ecabo – espátula, brocha, traçam na carne viva: traços-raspagens-incisões e acúmulos de tintas-carnes abrem o corpo da pintura.

Iberê trabalha a matéria da cor interferindo, com seu gesto, namassa de tinta. O ajuste de suas cores se faz seguindo agestualidade vital do instante, somada às espessas camadasde tinta: o vermelho de cádmio, o azul de cobalto, o terra-de-siena, o branco de titânio. Cores que o aluno e discípulo CarlosVergara comprava e espremia dos tubos de tinta para Iberê,ele nos conta no documentário que: “a forma como ele mistu-rava isso e a forma como ele achava cor na tela, não na paleta,buscando a cor aí como algo que está por trás. Isso cria na pin-tura uma espécie de esqueleto, músculo, nervo e pele. Essaconstrução física da pintura como um outro corpo”. Ou seja, apintura como um corpo em superfície, que nasce do corpo-a-corpo do pintor com o suporte, com os pincéis e tintas.

Nesse embate com a matéria pastosa e farta, o artista se

define como um pedreiro: “Faz a massa, faz a massa e aí

joga na tela aquela massa, e vou modelar aquela massa,

quer dizer é a cor, o tom”.3 Nesse procedimento, Iberê tira acor da massa de tinta, com espátula e pincel, deixa passar aluz, cria a sombra, como se esculpisse na tela e, como comentaa crítica de arte Icléia Cattani:

Ele era capaz de não sujar a tinta, de preservar, apesar de toda

aquela matéria, preservar a fisicalidade de cada tinta, preservar o

vermelho, preservar o branco. Mesmo colocando esse branco por

cima de azuis escuros, esse branco continuava enquanto matéria

pictórica – branca. Isso é uma coisa extraordinária, o domínio téc-

nico que ele chegou e ao mesmo tempo a força da linguagem.

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IBERÊ CAMARGO – MATÉRIA DA MEMÓRIA

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A maneira de Iberê procedercom a cor diretamente na tela,preservando a sua fisicalidade,deixa vestígios matéricos doóleo, transformando a superfí-cie da tela numa trama materi-al palpitante.

Iberê trabalha a cor como cor-

matéria, o que o difere de umpintor que trabalha a cor-luz.A cor-luz, por ser uma misturaótica, é construída na tela porpequenas pinceladas, minima-mente separadas de cores,que o olho do espectador, aovê-las de uma certa distância,irá misturar, reconstituindo,assim, a tinta desejada pelopintor. Iberê não busca a

mistura ótica, mas a mistu-

ra material, ao trabalhar com a materialidade própria da tin-

ta, suas reações plásticas e/ou químicas, resultantes das co-

res sobrepostas e justapostas pela sua ação física intensa.

Para Iberê, a matéria é a cor. “A cor é expressão; a cor é expres-siva em si” como ele próprio fala no documentário.

Nesse aspecto, uma das primeiras constatações que se impõe,quando estamos diante de uma tela de Iberê, é o acúmulo damatéria que cria um corpo com suas várias camadas. Emborabidimensional, as camadas sucessivas de tinta se sobrepõem ese misturam criando uma terceira dimensão, não representadae ilusória, mas real: o volume do corpo da pintura. A tela deIberê pesa! Por ter uma dimensão mural, a crítica de arte SôniaSalzstein comenta no documentário:

Embora se dê no plano, no embate da pintura, se trate de um proble-

ma da pintura, ele consegue imantar o espaço. Quando a obra ad-

quire aquela escala e aquela gesticulação corporal de uma tal po-

Iberê Camargo - Pintor de manequim, 1987

Óleo sobre tela, 150 x 93 cm - Coleção Maria Camargo

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tência, ela não está mais dizen-

do respeito ao plano evidente-

mente; ela está nos convocan-

do para uma percepção espacial

totalmente emancipada. O ex-

traordinário é que ela faça isso

evidentemente no campo da

pintura, e isso, é que é o mais

instigante para pensá-la do pon-

to de vista contemporâneo.

Se, por um lado, o bio-gráfico tangencia aobra de Iberê, por ou-tro, é o seu sábio ma-nuseio dos materiaispictóricos, sua autori-

dade ao dominar a matéria, dominando o espaço compositivo doquadro, que nos faz ver o artista preocupado com os aspectosformativos do pintor e obcecado com o saber pictórico.

Sua pintura, como comenta o pintor Paulo Pasta no documen-tário, “não é o registro de um fato, é o próprio fato, apesar deser carretel, ciclista, coisas ligadas a sua biografia. A pinturaera o fato. Porque nesse embate com a pintura, nesse perde eganha, ele ia criando uma densidade. A pintura ia ganhando vida,ganhando memória dela mesma”, uma memória da matéria.

O passeio dos olhos do professorNo documentário, Iberê Camargo nos convida a entrar em seuateliê para observá-lo em plena produção. Desfrutando desseconvite sem pressa, atento aos detalhes e às suas emoções, éinteressante você rever o documentário outras vezes. Você podeelaborar registros durante a leitura do documentário e, comonum diário de bordo, anotar suas impressões pessoais sobreos detalhes que mais chamam a sua atenção, as surpresas coma produção do artista, seu encontro com os personagens dastelas... As anotações se transformarão em orientação para oseu pensar pedagógico durante o processo junto aos alunos. Aseguir, oferecemos uma pauta do olhar que pode ajudá-lo:

Iberê Camargo - Ciclistas, 1989

Óleo sobre tela, 180 x 213 cm - Coleção Maria Camargo

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IBERÊ CAMARGO – MATÉRIA DA MEMÓRIA

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O que o documentário provoca em você?

Para você, sobre quais aspectos as falas dos críticos de arte,professores e artistas presentes no documentário contribu-em para conhecer o artista?

O que chama mais sua atenção no pensamento artístico deIberê Camargo, apresentado pelas imagens de arquivo, porsua voz em off e pelos trechos de seus manuscritos?

O documentário faz perguntas a você? Sobre o que vocêgostaria de pesquisar?

Quais passagens do documentário oferecem possibilidadesde abordar questões sobre materialidade? Quais relações sãopossíveis a partir do próprio título do documentário?

Durante a exibição do documentário, o que você imagina quecausaria atração ou estranhamento em seus alunos?

Após a sua leitura, retomando suas anotações e possibilidadescriadas para ativar culturalmente o passeio dos olhos dos alu-nos sobre o documentário, quais questões instigantes poderi-am ser feitas para surpreender e provocar seu grupo? Qualpaleta de cores você vai preparar?

Percursos com desafios estéticosO documentário pode ser olhado como uma biografia estética deIberê Camargo. A matéria da memória nos conduz ao território daMaterialidade como um modo de investigar a materialidade pic-tórica pelas massas de tinta de Iberê. No mapa potencial, vocêencontra outros caminhos que podem abrir novos horizontes emsala de aula. Sugerimos alguns percursos com proposições a se-rem investigadas ou reinventadas por você e seus alunos.

O passeio dos olhos dos alunosAlgumas possibilidades:

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qual FOCO?

qual CONTEÚDO?

o que PESQUISAR?

Zarpando

poética da materialidade

potencialidade, qualidade e singularidade da matéria,dimensão simbólica da matéria

tinta a óleo

natureza da matéria

procedimentos

ferramentas

velatura, sobreposição que gera volume,procedimentos técnicos inventivos, acúmulo

paleta, pincéis (pêlo e cabo),espátulas, brochas, estilete

Materialidade

suporte

memória da pintura,grandes formatos

artista, obra, crítico de arte, museólogo

Fundação Iberê Camargo, Porto Alegre/RS

acervo, coleção, catalogação (obra, escritos,recortes, filmes, entrevistas, fotografias)

espaços sociaisdo saber

MediaçãoCultural

agentes

componentes da ação cultural

Forma - Conteúdo

elementos davisualidade

cor: valores cromáticos, superfície,massa, volume, espessura, linha

relações entre elementosda visualidade

composição, sobreposição,tensão, ausência de perspectivae proporcionalidade

temáticas

figurativa: paisagem, auto-retrato, retratos;não-figurativa: abstração expressionista;contemporânea: memória

SaberesEstéticos eCulturais

história da arte expressionismo, arte moderna,arte contemporânea

Linguagens Artísticas

pintura, desenho, gravura

artesvisuais

meiostradicionais

Processo deCriação

ação criadora poética pessoal, ação pictórica, esboços, diálogo com a matéria

ambiência do trabalho

potências criadoras

produtor-artista-pesquisador

projeto poético, pesquisa em arte, investigação do próprio processo

ateliê, viagens de estudo, acervo pessoal

memória da infância, leitura sombria do mundo, atitude crítica

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Um modo de provocar o olhar dos alunos, antes da exibiçãodo documentário, pode ser problematizando: quais os ins-trumentos de um pintor? Os alunos sabem o que é uma pa-leta? Caso não conheçam, você teria como mostrar? Paraeles, o que significa a expressão “paleta de um pintor”?Essas questões podem gerar uma boa conversa a partir daescuta e diálogo entre os diferentes pontos de vista dosalunos. Depois, a exibição do documentário pode aconte-cer a partir da passagem em que Iberê Camargo fala: “Euvejo o mundo triste, sombrio. Eu vejo o aspecto sombrio domundo. Então, para eu pintar esse aspecto sombrio domundo, eu tenho que pintar com essas cores baixas, essascores soturnas, porque elas expressam isso. Daí a minhapaleta ser esta paleta que é”. O que os alunos descobremsobre a paleta de Iberê?

De quais brinquedos e brincadeiras da infância seus alunosse lembram? Perguntando a eles, peça para escreverem edesenharem o que ficou na memória. Durante a conversasobre a leitura da produção que fizeram, você pode pergun-tar: a memória da infância pode ser um tema para o traba-lho de um artista? Como eles imaginam uma pintura queapresente a memória da infância? Após a conversa em tor-no dessas questões, prepare a exibição do documentário apartir daquele momento em que Iberê fala: “Tudo vem donosso pátio, da nossa infância e nós temos material parauma vida longa, longa, longa, com as coisas que nós colhe-mos na nossa infância, no pátio, nos porões das casas, nosnossos brinquedos. E tudo isso é um mundo fantástico, ummundo mítico, e que na maturidade ressurge; quer dizer, saido fundo, escapa do fundo e vem à tona, as coisas agoracomeçam a se desprender”. Como os alunos percebem amemória da infância nas telas de Iberê?

Você pode propor uma aula-ateliê, provocando uma experi-mentação sobre a materialidade da pintura. Experimente,junto com os alunos, os modos como se comportam as co-res em função do grau de diluição das tintas, da mistura

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IBERÊ CAMARGO – MATÉRIA DA MEMÓRIA

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delas, da sobreposição de cores, da massa de tinta; o efeitodas pinceladas, com um pincel chato ou não, pincéis maislargos ou finos, espátula; a diferença entre a tinta acrílica,guache, óleo, pintura em tecido (tela) ou papel. Como osalunos percebem os diversos modos de preparar as tintas eusar os pincéis? Para eles, cada artista tem a sua maneirade pintar? Após a experimentação e a conversa sobre ela,proponha a exibição do documentário. O que mais chama aatenção dos alunos?

Observando as hipóteses e dúvidas apresentadas pelos alunos,você tem pistas para o planejamento das aulas a partir dodocumentário. Revendo suas anotações iniciais, convide osalunos para fazerem o mesmo: um diário de bordo com matériada memória.

Desvelando a poética pessoalNo fundo o que é o artista? O artista é o indivíduo capaz de olhar

as coisas que todos vêem de um ângulo singular. Então ele apre-

senta uma visão singular e uma realidade da qual todos partici-

pam. E é justamente aquele que tem uma visão singular é que a

história guarda. Porque ninguém guarda réplicas.

Iberê Camargo

Iberê nos convoca para o seu olhar singular como artista. Domesmo modo, convocar os alunos à percepção de sua própriapoética pede que a eles sejam oferecidas proposições que nãose reduzam a uma única atividade, mas a uma série de traba-lhos que possibilitem a investigação, a orientação e a discus-são sobre os resultados poéticos. Sugerimos, a seguir, algu-mas possibilidades:

Revendo a passagem do documentário em que Iberê dese-nha com modelo-vivo, o que pensam os alunos? Faz dife-rença a presença do modelo-vivo no ato de desenhar? O de-senho que Iberê vai traçando na tela é uma cópia fiel domodelo? A partir dessa conversa, a proposta é o desenhode observação com modelo-vivo, escolhido entre os própri-os alunos. A classe pode sentar em círculo para que todos

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observem o mesmo modelo, sob um ponto de vista particu-lar. O modelo-vivo é substituído a cada exercício, podendoestar em pé ou sentado na cadeira, sobre a mesa do profes-sor ou até mesmo em uma bicicleta – como no documentário.Vale usar óculos de sol para não ficar intimidado sob tantosolhares. O exercício pode começar com o uso de lápis gra-fite 6B, lápis de cor, giz de cera, guache e ser alternado paraoutros materiais inusitados: pedacinhos de carvão utiliza-dos em churrasqueiras, produtos para maquiagem, massacorrida, látex e corantes variados... Experimente a varia-ção também de suportes: papel, papelão, madeira e tecido,entre outros. Na leitura da produção, a conversa pode tra-tar da percepção da forma e os traços gráficos, a ampliaçãodo olhar e o modo como cada um realiza o registro gráficosob determinado ponto de vista.

No texto Gaveta dos guardados4 , Iberê revela que:

A memória é a gaveta dos guardados. (...) Nós somos como as

tartarugas, carregamos a casa. Essa casa são as lembranças.

Nós não podemos testemunhar o hoje se não tivéssemos por

dentro o ontem, porque seríamos uns tolos a olhar coisas como

recém- nascidos, como sacos vazios. Nós só podemos ver as

coisas com clareza e nitidez porque temos um passado. E o

passado se coloca para ajudar a ver e compreender o momento

que estamos vivendo

Quais emoções e lembranças traduzem a infância, o on-tem? Quais imagens ou pequenos objetos seus alunos guar-dam nas gavetas de outros tempos? A proposta é a produ-ção de gavetas para guardar essas emoções, explorandomateriais com diferentes densidades, contraste e brilho, ea percepção tátil e visual, para revelar as pequenas histó-rias de vida. Se você trabalhou com a segunda proposiçãosugerida em O passeio dos olhos dos alunos, é possívelselecionar, da produção realizada por cada aluno, as pala-vras ou expressões como ponto de partida. O que mos-tram as “gavetas dos guardados” dos alunos? Uma expo-sição com as gavetas ou caixinhas de lembranças pode seracompanhada de um texto de parede com referência aoartista Iberê Camargo.

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material educativo para o professor-propositor

IBERÊ CAMARGO – MATÉRIA DA MEMÓRIA

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Ampliando o olharRevendo e congelando as imagens das obras mostradas nodocumentário, quais relações os alunos estabelecem com o comen-tário do crítico de arte Frederico Morais5 sobre as telas de Iberê:

São dois os tempos perceptivos em sua pintura. O primeiro apro-

xima-se do tátil, é altamente provocativo, sensorial. Apenas o in-

terdito secular nos inibe de tocar a superfície pintada e sentir fluir,

nos dedos, torvelinho de emoções tumultuadas. Tem-se a sensa-

ção de que o quadro foi concluído ali, naquele exato momento. A

tinta aparece, ainda, molhada, o gesto vibra, a cor pulsa entre

negros e violetas. Bem próximo ao quadro, portanto, o que se sen-

te é a pura materialidade da pintura. Depois, à distância, os planos

se abrem e as formas se organizam, surgindo, como conseqüên-

cia, misteriosas figuras, fantasmas ameaçadores.

Um brinquedo da infância de Iberê compõe uma série denaturezas-mortas. O artista distribui os carretéis na mesa,representando-os de forma figurativa. Com o tempo, aque-les corpos roliços perdem sua função representativa e setornam formas espessas de tinta, marcando o início do tra-balho abstrato do artista. Um exercício para investigar essepensamento visual pode partir da escolha de um objeto sim-ples do cotidiano e da observação de suas formas e propor-ções, cores e texturas. Seria interessante se os alunos re-alizassem uma série de registros gráficos do objeto, tendocomo desafio partir da forma figurativa e, paulatinamente,simplificando-a até chegar à abstração.

O artista plástico Carlos Zilio diz no documentário que “Iberêé antes de tudo um pintor expressionista. Basta ver os tra-balhos dele de 1940 e ele já tinha o seu temperamento, comoé a palavra clássica que se usa para isso, definido como umartista expressionista”. O que caracteriza a obra de Iberêcomo expressionista? O que os alunos compreendem porexpressionismo? Iberê divide com Oswaldo Goeldi o títulode maior artista expressionista brasileiro. Quais são as di-ferenças e semelhanças que os alunos percebem entre asobras desses dois artistas?

Olhando a obra A idiota (1991), de Iberê Camargo, é im-

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possível não pensar em A boba (1915/16), de Anita Malfatti.Vendo lado a lado essas obras, como os alunos percebem otrabalho com a construção da cor por esses artistas?

O documentário Quadro número zero6 apresenta o artistaparaibano Sérgio Lucena em ato de criação, na feitura de umapintura. Quais pontos de aproximação podem ser enlaçadosentre o processo de criação de Iberê Camargo e Sérgio Lucena?

Diferentes artistas trabalham com a matéria da memória:Adriana Varejão7 , José Rufino, Rivane Neuenschwander,dentre outros. Quais âmbitos da memória esses artistas ar-ticulam em suas obras? O que os diferencia da matéria da

memória em Iberê Camargo?

Conhecendo pela pesquisaNos anos 50, Iberê inicia uma campanha contra a taxaçãodo material de pintura importado, preocupado com o riscode os pintores brasileiros ficarem sem cores. O vermelhode cádmio, o azul de cobalto, o terra-de-siena, o branco detitânio são cores que Carlos Vergara nos conta nodocumentário que comprava e espremia dos tubos de tintapara Iberê. Quem inventou a tinta a óleo? Antes dessa in-venção, como os quadros eram pintados? Como sãofabricadas as tintas? Por que as cores ganham adjetivoscomo cádmio, cobalto, siena, titânio? O que os alunos po-dem descobrir realizando um passeio pela natureza na bus-ca de terras e outros elementos para produzir tintas?

O olhar tátil de um pintor observa a temperatura, a tonali-dade e as sutilezas da cor em seu contexto cromático, con-siderando harmonias e contrastes possíveis nas relaçõesentre as cores. Iberê tem uma predileção por paleta de co-res sombrias e trabalha a matéria da cor. Como é a paletade outros artistas? A paleta de Cézanne, de Van Gogh, deSeurat, de Matisse, de Gauguin, de Renoir, Joshua Reynolds,de Antoni Tàpies, de Carlos Vergara, de Paula Pasta, deGuignard, de Fiaminghi8 , entre outros? De que modo elestrabalham a cor: cor-matéria ou cor-luz?

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Mônica Zielinsky coordena o Projeto de Catalogação da obrade Iberê Camargo. Em vida, Iberê foi cuidadoso e organizouum vastíssimo material sobre sua obra, suas cartas pessoaise também guardou uma quantidade de fotografias. Mônicaconta no documentário que “ele atrás assinava, colocava onome das pessoas e colocava Iberê e não eu. Quer dizer, elesabia que alguém iria ver além dele”. O patrimônio de muitosartistas costuma ser preservado pela família e seus herdeiros,sob a forma de Fundação; no caso de Iberê, a Fundação IberêCamargo. Na sua cidade há alguma fundação cultural? Seusalunos já tiveram oportunidade de conhecê-la? Quais as açõesculturais e o acervo dessa instituição? Como é a criação deuma fundação cultural? Há uma legislação para isso?

Iberê se considerava herdeiro da tradição de Maurice Utrilloe de Goya. Dos modernos, era admirador do irlandês FrancisBacon e do holandês naturalizado americano Willem deKooning. Seus interlocutores privilegiados no exterior sãoartistas como Anselm Kiefer e Gerhard Richter. Pesquisandosobre esses artistas, o que os alunos podem descobrir deaproximação entre eles e Iberê, tendo como foco a forma, oconteúdo e a matéria?

Em Roma, Giorgio de Chirico é professor de Iberê. Há o cur-ta-metragem Enigma de um dia9 que nos arrasta para o inte-rior dessa pintura de De Chirico, por meio das imagensoníricas provocadas num vigia de museu ao olhar a pintura.O diretor é Joel Pizzini Filho, um cineasta-poeta que tambémrealizou um filme-documentário, O pintor, que explora o pro-cesso de criação de Iberê Camargo. Vendo e pesquisando ocurta-metragem, que relações os alunos podem estabelecerentre a pintura metafísica de De Chirico e a de Iberê?

A arte contemporânea tem apresentado múltiplas vertentespara a fatura da pintura e o ofício do pintor. Daniel Senise eNuno Ramos10 , entre outros, são artistas que reinventaram apintura. A pesquisa sobre esses e outros pintores possibilita aampliação dos conceitos sobre a pintura contemporânea.

Iberê é um raro exemplo de artista que consegue se formar por

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esforço próprio. E esse isolamento era um pouco da visão demundo que tinha. A artista Karin Lambrecht, que costumava fre-qüentar o ateliê de Iberê aos domingos, dia em que o pintor re-alizava encontros no local, comenta no documentário que: “essapintura dele, escura, reduzida, não trazia o que se esperava, vamosdizer assim, de uma pintura sul-americana. Não trazia a alegria.Mas, Iberê via uma América Latina e um Brasil assim; sofrido,triste, problemático. Ele tinha uma lucidez em relação a isso tam-bém”. Quando se fala da arte brasileira, já temos pronta umaimagem de que somos tropicais, solares, razoavelmente felizes,que a nossa vida não é tão angustiada, nem desesperada. Essemodo de pensar é um estereótipo? Quais pintores latino-ameri-canos seus alunos podem descobrir pesquisando em sites dainternet? O que revelam suas pinturas?

Amarrações de sentidos: portfólioA pintura é uma linguagem e o pintor é o homem que sabe usar essa

linguagem e formula essa linguagem. Fazer uma árvore. Aquela árvo-

re foi pintada por milhares de indivíduos. Mas tu não sabes a maneira

que tu vai pintar essa árvore. Tu não sabes as cores que tu vai usar

nessa árvore, as formas que tu vai usar porque isso vai ser ditado pelo

teu impulso, por aquilo que estais sentindo naquele momento.

Iberê Camargo

O que sentiram os alunos em seus fazeres durante o projeto? Queformas, que cores, podem expressar a organização dos trabalhosrealizados: a leitura do documentário, as pesquisas, os registrospoéticos, os textos produzidos, o diário de bordo... Fatos cotidia-nos, lembranças e pensamentos significativos podem se juntar àsilustrações, colagens e desenhos. Assim, o portfólio, pelo forma-to, suporte e cores escolhidas, pode “falar” sobre cada um. Afinal,como diz Iberê, “eu não me pareço, senão comigo mesmo”.

Valorizando a processualidade

O que os alunos percebem que conheceram sobre arte? O queconsideram que foi mais interessante realizar neste projeto? O quecausou frustração? O que gostariam de continuar estudando? Umaconversa a partir da apresentação dos portfólios pode desenca-

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dear um olhar sobre todo o processo. A leitura dessas ações, asrespostas dos alunos às proposições realizadas, juntamente como seu diário de bordo, oferecem a você, como professor-propositor,índices para uma reflexão: quais descobertas o projeto lhe propor-cionou? O que você percebe que se modificou no seu fazer peda-gógico? O que poderia ser feito de outro modo? O projeto desen-volvido aponta para novos estudos? Qual outro documentário daDVDteca Arte na Escola pode ser exibido aos alunos?

GlossárioPaleta – desde o século 15, o pintor espalha e mistura as tintas sobre umaplaca de madeira, de pedra, de marfim ou até mesmo de cristal. No sen-tido figurado, a palavra paleta designa a gama de cores escolhida por umpintor. Quando foram criadas, eram pequenas e quadradas. A partir doséculo 19, as paletas se tornaram largas, com forma de feijão e um buracopara segurar com o polegar. Fonte: MARCHAND, Pierre (org.). A criaçãoda pintura: tintas, pincéis e superfícies: a história do material artístico.São Paulo: Melhoramentos, 1994, p. 43. (As origens do saber).Pigmento – são pós coloridos, extraídos de plantas, de animais ou de minerais,misturados a um líquido que serve de liga: água, óleo, cera, ovo. Desde a pré-história, as terras naturais ou queimadas permitem a obtenção de amarelos,vermelhos e marrons. O azul-ultramar vem de uma pedra preciosa, o lápis-lazúli;o azinhavre, do cobre; o preto, de ossos ou galhos carbonizados; o carmim, de uminseto esmagado, a cochonilha; a sépia, da tinta da siba, um molusco; o púrpura,de outro molusco. Em sua origem, o amarelo indiano era fabricado na Índia comfolhas de mangueira maceradas na urina da vaca. A partir do século 18, a gamade pigmentos multiplicou-se com a ajuda da química. Fonte: MARCHAND, Pierre(org.). A criação da pintura: tintas, pincéis e superfícies: a história do materialartístico. São Paulo: Melhoramentos, 1994, p. 43-44. (As origens do saber).Tinta a óleo – a tinta a óleo consiste em pigmento – cor - ligado com umveículo oleoso, em geral óleo de linhaça. O pigmento que dá cor à tinta aóleo é produzido, geralmente, a partir de metais pesados como o cádmioe o dióxido de titânio. A invenção da tinta a óleo costuma ser creditada aopintor flamengo Van Eyck, no século 15. A tinta a óleo tem a vantagem,sobre a têmpera, de secar mais lentamente, podendo por isso serretrabalhada. Pode ser aplicada com pincel ou com espátula, geralmentesobre tela, embora algumas madeiras também têm sido utilizadas. Umainvenção mais recente são os bastões a óleo, combinando algumas propri-edades da tinta a óleo com as do pastel. São encontrados em vários tama-nhos, podem ser manipulados como um lápis e aplicados puros ou diluídoscom um veículo adequado. Fonte: <www.limajr.com/arts.htm>.

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BibliografiaADES, Dawn. Arte na América Latina: a era moderna, 1820-1980. São

Paulo: Cosac & Naify, 1997.CAMARGO, Iberê. Gaveta dos guardados. Org. Augusto Massi. São Paulo: Edusp, 1998.GARCIA, Sergio Prata. Pintar e bordar, é só começar. Projeto Escola e

Cidadania-Arte. São Paulo: Editora do Brasil, 2001.GUIMARÃES, Luciano. A cor como informação: a construção biofísica,

linguística e cultural da simbologia das cores. São Paulo: Annablume, 2000.MAYER, Ralph. Manual do artista. São Paulo: Martins Fontes, 1999.SALLES, Cecília Almeida. Gesto inacabado: processo de criação artísti-

ca. São Paulo: Fapesp: Annablume, 1998.SALZSTEIN, Sônia (org.). Diálogos com Iberê Camargo. São Paulo: Cosac

& Naify; Porto Alegre: Fundação Iberê Camargo, 2003.

Seleção de endereços sobre arte e artistas na rede internetOs sites abaixo foram acessados em 25 jun. 2006.

CAMARGO, Iberê. Disponível em: <http://fotosite.terra.com.br/espe-ciais/esp_ibere.php>.

___. Disponível em: <http://iberecamargo.uol.com.br>.PIGMENTOS. Disponível em: <www.mundocor.com.br/pigmentos_ escola.htm>.

Notas1 Na DVDteca Arte na Escola, veja o documentário: Crítica e curadoria nasartes plásticas e outros sobre os artistas Carlos Vergara, Paulo Pasta e Guignard.2 Trecho do ensaio para o livro Diálogos com Iberê Camargo, disponívelem: <http://jbonline.terra.com.br/jb/papel/cadernob/2003/08/18/jorcab20030818004.html>.3 CAMARGO, Iberê. A paixão na pintura: depoimento de Iberê Camargo a Ce-cília Cotrim Martins, Novos Estudos CEBRAP, São Paulo, n.34, p. 110, nov. 1992.4 Texto completo disponível em: <http://iberecamargo.uol.com.br/content/artista/pensamentos_02.asp>.5 No texto Abstração informal. In: DACOLEÇÃO: os caminhos da arte bra-sileira. Texto Frederico Morais. São Paulo: Júlio Bogoricin, 1986, p. 161.6 Documentário disponível na DVDteca Arte na Escola.7 Consulte na DVDteca Arte na Escola, o documentário: Adriana Varejão:metáforas da memória.8 Consulte na DVDteca Arte na Escola, os documentários: Impressões deCarlos Vergara; A cor da criação (Paulo Pasta); A luz de Guignard eFiaminghi: encontro com a luz.9 Curta-metragem disponível na DVDteca Arte na Escola.10 Consulte na DVDteca Arte na Escola, os documentários: Daniel Senise:a construção da ausência e Nuno Ramos: arte sem limites.

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