crÁtilo

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PLATÃO Crátilo ~ 176 ~ CRÁTILO Platão (ou sobre a justeza dos nomes; gênero lógico) HERMÓGENES CRÁTILO SÓCRATES St. 1 p. 383 Hermógenes: [383] Quer que nós apresentemos a Sócrates, que está ali, o tema de nossa conversa? Crátilo: Se te parecer conveniente. Her.: Crátilo está dizendo aqui, Sócrates, que há por natureza um nome exato para cada um dos seres; o nome não é uma designação que, segundo um acordo, algumas pessoas dão ao objeto, assinalando-o com uma porção de vozes de sua língua, mas que, por natureza, tem sentido certo, sempre o mesmo, tanto para [b] os gregos quanto para os bárbaros em geral. Perguntei-lhe, então, se, em verdade, Crátilo era ou não o seu nome, ao que ele respondeu afirmativamente, que assim, de fato, se chamava. “E Sócrates?”, perguntei. “É Sócrates mesmo”, respondeu. “E para todos os outros homens, o nome que aplicamos a cada um é o seu verdadeiro nome?” E ele: “não; pelo menos o teu”, replicou, “não é Hermógenes, ainda que todo mundo te chame desse modo”. E como eu insista em interrogá-lo, ansioso para saber, [384] não me dá resposta clara e ainda usa de ironia, como querendo insinuar que esconde alguma coisa de que tenha conhecimento, que me obrigaria no caso de resolver-se a revelar-ma a concordar com ele e a falar como ele fala. Por isso, se tiveres meio de interpretar o oráculo de Crátilo, prazeirosamente te ouvirei. St. 1 p. 383 źƦ˅ƢƜƠ ƦʠƤ ơƘˀ ƊươƨʻƫƜƠ ƫƛƜ ɊƤƘơƦƠƤưƪˇ- a ƣƜƟƘ ƫ˂Ƥ Ƣ˃ƚƦƤ; Žɾ ƪƦƠ ƛƦơƜῖ. ƂƨƘƫ˅ƢƦƩ ƭƞƪˀƤ ʏƛƜῇ ʰ ƊˇơƨƘƫƜƩῇ ʊƤ˃ƣƘƫƦƩ ʊƨƟ˃ƫƞƫƘ ƜʀƤƘƠ ɛơʻƪƫ ƫƤ ʎƤƫưƤ ƭ˅ƪƜƠ ƧƜƭƬơƬῖƘƤῇ ơƘˀ Ʀʚ 5 ƫƦƫƦ ƜʀƤƘƠ ʎƤƦƣƘ ʍ ɎƤ ƫƠƤƜƩ ƪƬƤƟʽƣƜƤƦƠ ơƘƢƜῖƤ ơƘƢƪƠῇ ƫƩ ƘʛƫƤ ƭưƤƩ ƣ˃ƨƠƦƤ ɚƧƠƭƟƜƚƚ˃ƣƜƤƦƠῇ ɊƢƢʺ ʊƨƟ˃ƫƞƫʻ ƫƠƤƘ ƫƤ ʊƤƦƣʻƫưƤ ƧƜƭƬơʽƤƘƠ ơƘˀ ŽƢƢƞƪƠ ơƘˀ ƙƘƨƙʻƨƦƠƩ ƫʾƤ b ƘʚƫʾƤ ɏƧƘƪƠƤ. ɚƨưƫ ƦʠƤ Ƙʚƫ˂Ƥ ɚƚˆ Ɯɺ Ƙʚƫ ƂƨƘƫ˅ƢƦƩ ƫ ɊƢƞƟƜˁ˻ ʎƤƦƣƘ· ʋ ƛʼ ʋƣƦƢƦƚƜῖ. "Ƌˁ ƛʼ ƊươƨʻƫƜƠ;" ɞƭƞƤ. "ƊươƨʻƫƞƩῇ" ɰ ƛῂ ʏƩ. "ƇʚơƦƤ ơƘˀ ƫƦῖƩ ɎƢƢƦƠƩ ɊƤƟƨˇƧƦƠƩ Ƨ˾ƪƠƤῇ ʏƧƜƨ ơƘƢƦƣƜƤ ʎƤƦƣƘ ɟơƘƪƫƦƤῇ ƫƦƫ˃ ɚƪƫƠƤ ɛơʻƪƫ 5 ʎƤƦƣƘ;" ʋ ƛʽῇ "ƇʞơƦƬƤ ƪƦˁ ƚƜῇ" ɰ ƛῂ ʏƩῇ "ʎƤƦƣƘ ῾ŽƨƣƦ- ƚʽƤƞƩῇ Ʀʚƛʼ ɌƤ ƧʻƤƫƜƩ ơƘƢƪƠƤ ɎƤƟƨưƧƦƠ." ơƘˀ ɚƣƦ ɚƨưƫƤƫƦƩ ơƘˀ ƧƨƦƟƬƣƦƬƣʽƤƦƬ ƜɺƛʽƤƘƠ ʏƫƠ ƧƦƫʼ ƢʽƚƜƠῇ ƦʞƫƜ ɊƧƦƪƘƭƜῖ ƦʚƛʼƤ ƜɺƨưƤƜ˅ƜƫƘˁ ƫƜ Ƨƨ˃Ʃ ƣƜῇ ƧƨƦƪƧƦƠ- 384 Ʀ˅ƣƜƤ˃Ʃ ƫƠ Ƙʚƫ˂Ʃ ɚƤ ɛƘƬƫ ƛƠƘƤƦƜῖƪƟƘƠ ʫƩ ƜɺƛˆƩ ƧƜƨˀ ƘʚƫƦ, ʍ Ɯɺ ƙƦ˅ƢƦƠƫƦ ƪƘƭƩ ƜɺƧƜῖƤῇ ƧƦƠʿƪƜƠƜƤ ɌƤ ơƘˀ ɚƣʼ ʋƣƦƢƦƚƜῖƤ ơƘˀ ƢʽƚƜƠƤ ɏƧƜƨ Ƙʚƫ˂Ʃ ƢʽƚƜƠ. Ɯɺ ƦʠƤ Ƨ ɞƮƜƠƩ ƪƬƣƙƘƢƜῖƤ ƫʾƤ ƂƨƘƫ˅ƢƦƬ ƣƘƤƫƜˁƘƤῇ ɫƛʽưƩ ɌƤ ɊơƦ˅ƪƘƠƣƠ· 5

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  • PLATO Crtilo

    ~ 176 ~

    CRTILO Plato

    (ou sobre a justeza dos nomes; gnero lgico)

    HERMGENES CRTILO SCRATES

    St. 1 p. 383

    Hermgenes: [383] Quer que ns apresentemos a Scrates, que est ali, o tema de nossa conversa? Crtilo: Se te parecer conveniente. Her.: Crtilo est dizendo aqui, Scrates, que h por

    natureza um nome exato para cada um dos seres; o nome no uma designao que, segundo um acordo, algumas pessoas do ao objeto, assinalando-o com uma poro de vozes de sua

    lngua, mas que, por natureza, tem sentido certo, sempre o

    mesmo, tanto para [b] os gregos quanto para os brbaros em geral. Perguntei-lhe, ento, se, em verdade, Crtilo era ou no o seu nome, ao que ele respondeu afirmativamente, que

    assim, de fato, se chamava. E Scrates?, perguntei. Scrates mesmo, respondeu. E para todos os outros homens, o nome que aplicamos a cada um o seu verdadeiro nome? E ele: no; pelo menos o teu, replicou, no Hermgenes, ainda que todo mundo te chame desse modo. E como eu insista em interrog-lo, ansioso para saber, [384] no me

    d resposta clara e ainda usa de ironia, como querendo

    insinuar que esconde alguma coisa de que tenha conhecimento, que me obrigaria no caso de resolver-se a revelar-ma a concordar com ele e a falar como ele fala. Por isso, se tiveres meio de interpretar o orculo de Crtilo, prazeirosamente te ouvirei.

    St. 1 p. 383

    - a . 5 b . . " " . "" . " 5 " " " " - ." - 384 , . 5

  • PLATO Crtilo

    ~ 177 ~

    384a Porm com maior prazer, ainda, ficarei sabendo o que pensas a respeito da exata aplicao dos nomes, se isso for do teu agrado. Sc.: Hermgenes, filho de Hipnico, h uma declarao antiga [b] que as coisas belas so difceis de aprender; o conhecimento dos nomes no negcio de menor importncia. Se eu tivesse podido escutar a aula de cinquenta dracmas de Prdico, suficiente, por si s, como ele afirma, para deixar os ouvintes completos nessa matria, nada te impediria agora de ficares sabendo a verdade sobre a exatido dos nomes. [c] Porm, no a escutei; estive apenas na de uma dracma, no me encontrando, por isso mesmo, em condies de conhecer verdadeiramente essa questo. Mas, de muito bom grado me disponho a investigar o assunto juntamente contigo e Crtilo. Quanto a dizer que Hermgenes no , verdadeiramente, o teu nome, tenho para mim que brincadeira da tcnica dele. Talvez com isso queira insinuar que desejarias ser rico, porm nunca chegas a adquirir fortuna. Mas, como agora disse, essas coisas so difceis de compreender; o melhor ser congregarmos esforos para saber quem est com a razo: tu ou Crtilo. Her.: De minha tcnica, Scrates, j conversei vrias vezes a esse respeito tanto com ele quanto com outras pessoas, sem que chegasse a convencer-me de que a [d] justeza dos nomes se baseia em outra coisa que no seja conveno e acordo. Para mim, seja qual for o nome que se d a uma determinada coisa, esse o seu nome certo; e mais: se substituirmos esse nome por outro, vindo a cair em desuso o primitivo, o novo nome no menos certo do que o primeiro. Assim, costumamos mudar o nome de nossos escravos, e a nova designao no menos acertada do que a primitiva. Nenhum nome dado por natureza a qualquer coisa, mas pela lei e o costume dos que se habituaram a cham-la dessa maneira. Se estou enganado, declaro-me [e] disposto a instruir-me e a ouvir a esse respeito no somente Crtilo como qualquer outra pessoa.

    384a . b . - , 5 - . c . , 5 . - - . 10 - - d . 5 , . e .

  • PLATO Crtilo

    ~ 178 ~

    385a Sc.: [385] Sem dvida, h algum sentido no que dizes, Hermgenes. Convm examinarmos o assunto. Como quer que resolvamos chamar uma coisa, ser o seu nome apropriado? Her.: assim que parece. Sc.: Quer a denomine desse modo um particular, quer o faa a cidade? Her.: Acho que sim. Sc.: Como! Se eu dou nome a uma coisa qualquer, digamos, se ao que hoje chamamos homem, eu der nome de cavalo, a mesma coisa passar a ser denominada homem por todos, e cavalo por mim particularmente, e, na outra hiptese, homem apenas para mim, e cavalo para todos os outros? Foi isso o que disseste? Her.: [b] Sim; assim que parece. [Sc.: Muito bem. Responde-me, agora, ao seguinte: admites que se possa dizer a verdade ou mentir? Her.: Admito. Sc.: Sendo assim, a proposio que se refere s coisas como elas so, verdadeira, vindo a ser falsa quanto indica o que elas no so? Her.: isso mesmo. Sc.: Logo, possvel dizer por meio da palavra o que verdadeiro e o que no , o falso? Her.: Sim. Sc.: Ento possvel dizer por meio da palavra o que e o que no ? Her.: Perfeitamente. Sc.: [c] E a proposio verdadeira, verdadeira no todo, no sendo verdadeiras as suas tcnicas? Her.: No; as tcnicas tambm o so. Sc.: Porventura s sero verdadeiras as tcnicas grandes, sem que o sejam as pequenas, ou todas o so igualmente?

    385a 385 . . . 5 , - 10 . b

    [ . 5 . . 10 . c . 5

  • PLATO Crtilo

    ~ 179 ~

    385c Her.: Todas, eu penso. Sc.: E achas que em qualquer proposio pode haver tcnica menor do que o nome? Her.: No; o nome a tcnica menor. Sc.: Assim, numa proposio verdadeira o nome enunciado? Her.: Sim. Sc.: E verdadeiro, segundo o afirmaste. Her.: Sim. Sc.: E a tcnica de uma proposio falsa, no ser tambm falsa? Her.: De acordo. Sc.: Logo, possvel dizer nomes falsos e nomes verdadeiros, uma vez que h proposies de ambas as modalidades? Her.: [d] E como no?] Sc.: Assim, o nome pelo qual todos designam um objeto o nome desse objeto? Her.: Sim. Sc.: E quantos nomes algum disser que tem determinado objeto, tantos ele ter e por todo o tempo que o disserem? Her.: Eu, pelo menos, Scrates, no conheo outra maneira de denominar com acerto as coisas, a no ser a seguinte: posso designar qualquer coisa pelo nome que me aprouver dar-lhes, e tu, por outro nome que lhe atribures. O mesmo vejo [e] passar-se nas cidades, conferindo por vezes cada uma aos mesmos objetos nomes diferentes, que variam de heleno para heleno, como dos helenos para os brbaros. Sc.: Ento, vejamos agora, Hermgenes, se s tambm de parecer que com os seres se d o mesmo, possuindo cada um sua existncia particular, como dizia Protgoras, quando afirmou que o homem a medida de todas [386] as coisas, e que, por isso, conforme me parecerem as coisas, tais sero elas, realmente, para mim,

    385c . . 10 . . . . 15 ] d

    . 5 . e - . 5 , " " 386 ,

  • PLATO Crtilo

    ~ 180 ~

    386a como o sero para ti conforme te parecerem. Ou s de opinio que sua essncia seja, de algum modo, permanente? Her.: J me aconteceu, Scrates, algumas vezes, em minha perplexidade, ser levado a adotar a opinio de Protgoras. Contudo, no me parece que seja muito certa. Sc.: Como assim? Em algum tempo j chegaste a admitir que no existe [b] em absoluto homem ruim? Her.: No, por Zeus. J me tem acontecido muitas vezes aceitar que h homens ruins, e at mesmo em grande nmero. Sc.: E ento? E homens inteiramente bons, nunca chegaste a encontrar? Her.: Pouqussimos. Sc.: Porm j os encontraste? Her.: Sim, j encontrei. Sc.: E de que modo pensas? No te parece que sejam judiciosos os indivduos bons de todo, e insensatos os inteiramente maus? Her.: [c] isso, justamente, o que parece. Sc.: Como poder dar-se, ento, no caso de estar Protgoras com a razo, e ser, de fato, verdade que as coisas so como parecem ser a cada um, que entre ns uns sejam judiciosos, e outros insensatos? Her.: No possvel. Sc.: Por outro lado, no caso de haver diferena entre a razo e a sem-razo, hs de admitir tambm, sem vacilaes, que dificilmente estar certa a proposio de Protgoras. Pois em verdade, ningum poderia ser mais judicioso do que outro, se a verdade [d] fosse o que parecesse a cada pessoa. Her.: muito certo. Sc.: Mas tambm no admitirs com Eutidemo, quero crer, que todas as coisas so semelhantes simultaneamente e sempre para todo o mundo. Desse jeito, umas pessoas no podero

    386a 5 . b . ; 5 . . 10 . c . 5 - - . d .

  • PLATO Crtilo

    ~ 181 ~

    386d ser boas, e outras ms, se a virtude e o vcio ocorrerem sempre juntos e ao mesmo tempo em todos os indivduos. Her.: verdade o que dizes. Sc.: Ora, se todas as coisas no so semelhantes ao mesmo tempo, e sempre, para todo mundo, nem relativas a cada pessoa em particular, claro que devem ser em si [e] mesmas de essncia permanente; no esto em relao conosco, nem podem ser deslocadas em todos os sentidos por nossa fantasia, porm existem por si mesmas, de acordo com sua essncia natural. Her.: Parece-me, Scrates, que assim mesmo. Sc.: Mas, podero ser as coisas conformadas desse modo, e suas aes de modo diferente? As aes no sero, de igual modo, um aspecto de ser? Her.: Sem dvida; elas tambm o so. Sc.: [387] Logo, as aes se realizam segundo sua prpria natureza, no conforme a opinio que dela fizermos. Por exemplo: se quisermos cortar alguma coisa, poderemos faz-lo como bem entendermos ou com o que for do nosso agrado? No ser cortando cada objeto como quer a natureza que ele seja cortado e com o instrumento apropriado para cortar, que o cortaremos certo e realizaremos corretamente a operao, e se quisermos proceder contra a natureza, falharemos de todo e nada conseguiremos? Her.: [b] tambm o que eu penso. Sc.: Da mesma forma, no caso de desejarmos queimar alguma coisa, no deveremos faz-lo de qualquer jeito, como nos ditar a fantasia, mas pelo modo certo, que o modo indicado pela natureza para queimar e ser queimado e com os meios apropriados. Her.: isso mesmo. Sc.: E com tudo o mais no se passa da mesma forma?

    386d 5 . . e . . 5 . - 387 . - 5 . b . 5

  • PLATO Crtilo

    ~ 182 ~

    387b Her.: Perfeitamente. Sc.: E falar, no tambm uma espcie de ao? Her.: Sim. Sc.: De que modo, ento, falar algum corretamente: [c] da mesma maneira que lhe aprouver falar, ou, de preferncia, dizendo as coisas segundo o modo natural de falar e como devem ser ditas, para alcanar o seu intento e dizer, de fato, alguma coisa, sem o que cometer erros e nada conseguir? Her.: Penso que como dizes. Sc.: E dar nome s coisas, no uma tcnica do ato de falar? Quando se denomina alguma coisa, fala-se, no verdade? Her.: Perfeitamente. Sc.: Logo, nomear, tambm ao, uma vez que falar uma espcie de ao, com relao a certas coisas. Her.: isso mesmo. Sc.: [d] Ora, as aes, como j vimos, no so relativas a ns, mas tem cada uma sua prpria natureza? Her.: isso mesmo. Sc.: Assim sendo, convir nomear as coisas pelo modo natural de nome-las e serem nomeadas, e pelo meio adequado, no como imaginamos que devemos faz-lo, caso queiramos ficar coerentes com o que assentamos antes. S por esse modo conseguiremos, de fato, dar nome s coisas; do contrrio, ser impossvel. Her.: o que me parece. Sc.: Outro exemplo: o que preciso cortar, digamos, ter de ser cortado com alguma coisa? Her.: Sim. Sc.: [e] E o que preciso tecer, ter de ser tecido com algo? E o que for para furar, ser furado com algum instrumento?

    387b . . 10 c , . 5 - . . 10 . d . , 5 - - , . , 10 . e

  • PLATO Crtilo

    ~ 183 ~

    387e Her.: Perfeitamente. Sc.: E que for preciso nomear, ter de ser nomeado com alguma coisa? Her.: [388] Isso mesmo. Sc.: Qual o instrumento necessrio para perfuramos? Her.: Furador. Sc.: Qual para tecermos? Her.: Lanadeira. Sc.: E qual para nomearmos? Her.: O nome. Sc.: Muito bem. Nome, portanto, o instrumento? Her.: Certamente. Sc.: E, agora, se te perguntasse: "que instrumento a lanadeira?" No um instrumento de tecer? Her.: Sim. Sc.: [b] E que fazemos quando tecemos? No separamos da trama a urdidura, que esto misturadas? Her.: Sim. Sc.: E a respeito do furador e de tudo o mais, no responderias do mesmo modo? Her.: Perfeitamente. Sc.: E a respeito do nome, poderias dar resposta idntica? Se dizemos que o nome instrumento, que fazemos quando designamos alguma coisa? Her.: No sei como responder. Sc.: No ensinamos uns aos outros, e no distinguimos as coisas, conforme sejam constitudas? Her.: Perfeitamente. Sc.: O nome, por conseguinte, instrumento para ensinar a respeito [c] das coisas e para separ-las, tal como a lanadeira separa os fios da teia. Her.: Sim. Sc.: A naveta no instrumento da tcnica de tecer? Her.: Como no? Sc.: O tecelo deve saber manusear belamente a sua lanadeira,

    387e . . 388 . . 5 . . . . " " 10 . b . 5 . . 10 . . c . , 5

  • PLATO Crtilo

    ~ 184 ~

    388c quer dizer: como tecelo. E o professor, empregar bem o nome? Bem, quer dizer: como professor? Her.: Sim. Sc.: E agora, de quem o trabalho de que o tecelo se serve bem, quando faz uso da lanadeira? Her.: Do carpinteiro. Sc.: E todo homem carpinteiro, ou apenas o que conhece a tcnica da carpintaria? Her.: Apenas esse. Sc.: [d] E de quem o trabalho de que se serve o homem que fura alguma coisa, quando faz uso do furador? Her.: Do ferreiro. Sc.: E todo o mundo ferreiro, ou apenas quem possui essa tcnica? Her.: Quem possui essa tcnica. Sc.: Muito bem. E agora, de quem o trabalho de que faz uso o professor, quando emprega o nome? Her.: A isso, tambm, no sei responder. Sc.: E no sabers tambm dizer quem nos transmitiu os nomes de que nos servimos? Her.: Tambm no. Sc.: No te parece, ao menos, que foi a lei que estabeleceu essas coisas? Her.: Parece. Sc.: [e] Logo, o professor, quando emprega nomes, usa o trabalho do legislador? Her.: Parece-me que sim. Sc.: E s de opinio que todos os vares podem ser legisladores, ou apenas quem possui essa tcnica? Her.: Quem possui essa tcnica. Sc.: Por conseguinte, Hermgenes, nem todos os vares tm capacidade para impor [389] nomes, mas apenas o fazedor de nomes, e esse, como

    388c ' . . 10 . . d . . 5 . . 10 . . e . 5 . , 389

  • PLATO Crtilo

    ~ 185 ~

    389a parece, o legislador, de todos os artesos o mais raro. Her.: o que parece, de fato. Sc.: Vamos, considera em que atenta o legislador, quando estabelece os nomes. Recapitula o que dissemos antes. Para que olha o carpinteiro, quando fabrica uma lanadeira? No ser para algo naturalmente adequado para tecer? Her.: Perfeitamente. Sc.: [b] E ento? Se na ocasio de prepar-la vier a partir-se a lanadeira, far ele uma nova olhando para a que se quebrou, ou para a imagem de acordo com a qual ele estava fabricando a que se partiu? Her.: Para esta, quer parecer-me. Sc.: E no estaremos, assim, justificados em denomin-la lanadeira em si mesma? Her.: Penso que sim. Sc.: Logo, quando se trata de fazer uma lanadeira, seja para roupa leve, seja para espessa, de linho ou de l, ou de qualquer outro material, em todos os casos ser preciso constru-la de acordo com a ideia da lanadeira, dando-lhe, porm, a forma naturalmente mais [c] apropriada para cada espcie de trabalho. Her.: Sim. Sc.: O mesmo acontece com todos os outros instrumentos. Depois de descobrir o instrumento naturalmente indicado para determinado trabalho, preciso que o artfice o fabrique com o material de que dispe e no de acordo com seu desejo, mas segundo os imperativos da natureza. assim que dever, como parece, saber executar sobre o ferro a forma do furador naturalmente indicada para cada emprego. Her.: Perfeitamente. Sc.: E na madeira, a lanadeira indicada por natureza para seus diferentes usos? Her.: isso mesmo.

    389a , . . , - 5 . - . b . 5 . - 10 c . - 5 , . , . . 10 . .

  • PLATO Crtilo

    ~ 186 ~

    389d Sc.: [d] Pois, como j vimos, cada espcie de tecido exige naturalmente uma lanadeira diferente, e assim com tudo o mais. Her.: Sim. Sc.: Logo, meu excelente amigo, o nosso legislador dever saber formar com os sons e as slabas o nome por natureza apropriado para cada objeto, compondo todos os nomes e aplicando-os com os olhos sempre fixos no que o nome em si, caso queira ser tido na conta de verdadeiro criador de nomes? O fato de no empregarem os legisladores [e] as mesmas slabas, no nos deve induzir a erro. Os ferreiros, tambm, no trabalham com o mesmo ferro, embora todos eles faam iguais instrumentos para idntica finalidade. Seja como for, uma vez que lhe imprima a mesma forma, ainda que em [390] ferro diferente, no deixar, por isso, o instrumento de ser bom, quer seja fabricado aqui, quer o seja entre os brbaros. Ou no? Her.: Exatamente. Sc.: Do mesmo modo julgars o legislador, tanto daqui quanto dos brbaros; uma vez que ele reproduz a ideia do nome, a propriedade para cada coisa, pouco importando as slabas de que se valha, em nada dever ser considerado inferior, quer seja daqui, quer de qualquer outra regio? Her.: Perfeitamente. Sc.: [b] E agora, quem que h de reconhecer se a forma conveniente da lanadeira foi reproduzida nesta ou naquela qualidade de madeira? O carpinteiro que a fabrica, ou o tecelo que dela faz uso? Her.: De preferncia, Scrates, o que faz uso dela. Sc.: E quem usa o trabalho feito pelo fabricante de liras? No ser o mesmo que sabe indicar a melhor maneira de execut-lo, e julgar, depois de concluda a obra, se est ou no bem feita?

    389d d . . 5 e , , 390 . . 5 - . 10 - b , - . 5 -

  • PLATO Crtilo

    ~ 187 ~

    390b Her.: Perfeitamente. Sc.: E quem ele? Her.: O tocador de lira. Sc.: E a obra do construtor de navios? Her.: [c] O piloto. Sc.: E agora, quem ser mais capaz de melhor dirigir os trabalhos do legislador e de julg-los, quer seja ele executado entre ns, quer entre os brbaros? No quem dele faz uso? Her.: Sim. Sc.: E essa pessoa no quem sabe interrogar? Her.: Perfeitamente. Sc.: A mesma pessoa que tambm sabe responder? Her.: Sim. Sc.: E a quem sabe interrogar e responder ds outro nome que no seja o de dialtico? Her.: No; esse mesmo. Sc.: [d] Assim, o trabalho do carpinteiro consiste em fabricar lemes sob a direo do piloto, para que a pea saia bem feita. Her.: certo. Sc.: E a do legislador, ao que parece, o de dar nomes, sob a direo do dialtico, caso deseje cri-los com acerto. Her.: isso mesmo. Sc.: Ento, Hermgenes, talvez no seja atividade to despicienda como imaginas, a de instituir nomes, nem trabalho de gente sem prstimo nem mesmo para todo o mundo. Sendo assim, Crtilo tem razo de dizer que os nomes das coisas [e] derivam de sua natureza e que nem todo homem formador de nomes, mas apenas o que, olhando para o nome que cada coisa tem por natureza, sabe como exprimir com letras e slabas sua ideia fundamental.

    390b . 10 . . c . 5 . . 10 . d . . 5 . . 10 . e - . 5

  • PLATO Crtilo

    ~ 188 ~

    390e Her.: No sei de que modo contestar, Scrates, o que disseste. Mas no me parece fcil [391] deixar-me convencer assim to de repente. No entanto, poderia dar-te crdito com mais facilidade, se me demonstrasses em quem consiste a natural exatido dos nomes. Sc.: Meu bom Hermgenes, exatido dos nomes, no a conheo. Porm tu te esqueces do que eu declarei h pouco, que ignorava esse assunto, mas iria examin-lo contigo. No decurso de nossa investigao, minha e tua, tornou-se evidente, em contrrio do que assentamos atrs, que os nomes, por natureza, tm uma certa justeza e que nem todos os homens [b] sabe como designar convenientemente as coisas. Ou no? Her.: Perfeitamente. Sc.: Importa, portanto, agora, investigar, se te interessa, de fato, saber isso, em que propriamente consiste a justeza dos nomes. Her.: Sim, desejo sab-lo. Sc.: Ento, observa. Her.: Como devo observar? Sc.: A mais correta observao, companheiro, recorrer aos entendidos e dar-lhes dinheiro, com agradecimentos de crescena. Esses tais so os sofistas, como quem teu [c] irmo Calias gastou tanto, que chegou a alcanar a reputao de sbio. Como, porm, no dispes dos bens paternos, foroso que adules teu irmo e lhe supliques ensinar-te o que certo nesse domnio e que ele aprendeu com Protgoras. Her.: Fora absurdo, Scrates, semelhante pedido de minha tcnica. Se eu rejeito em conjunto a Verdade de Protgoras, no poderei aceitar, como digno de qualquer apreo, nada do que for dito em seu nome.

    390e . 391 . 5 . b . . 5 . . 10 . c . - . 5 - .

  • PLATO Crtilo

    ~ 189 ~

    391c Sc.: Ento, uma vez que isso tambm no te agrada, ser preciso aprenderes [d] com Homero e os outros poetas. Her.: E que diz Homero, Scrates, a respeito dos nomes, e em que lugar? Sc.: Em muitas passagens, principalmente e com maior beleza nos trechos em que distingue os nomes dados pelos homens e pelos deuses com relao s mesmas coisas. Ou no te parece que nessas passagens ele diga alguma coisa grandiosa e admirvel sobre a justeza dos nomes? Pois claro que os deuses sabem chamar com acerto as coisas por seu nome [e] natural. No pensas dessa maneira? Her.: Sei, pelo menos, que devem dar nome certo s coisas, se que lhes do nomes. Mas, a que te referes? Sc.: No sabes que, falando de um rio de Tria, que sustentou combate singular com Hefesto, ele diz: que os deuses nomeiam Xanto, e os homens mortais Escamandro? Her.: Sei; e da? Sc.: [392] No achas magnfico saber porque mais certo dar quele rio o nome de Xanto e no o de Escamandro? Se o preferires, temos o exemplo da ave, de que ele diz: Clcis o nome que os deuses lhe do, mas os homens, Cimndis. Consideras conhecimento sem importncia sabermos que muito mais certo chamar Clcis a essa ave e no Cimndis? Ou os nomes Batia e [b] Mirine, e muito mais, tanto nesse poeta como em outros? Mas, sem dvida, tais nomes constituem problema por demais difcil para o meu e o teu entendimento. Os nomes Escamndrio e Astianacte, que o poeta diz serem designao do filho de Heitor, estaro mais acessveis, quer parecer-me ao engenho humano, sendo, por isso, mais fcil conhecer por meio deles o pensamento do poeta com respeito sua exata aplicao. Decerto conheces os versos em que se encontram os nomes que acabei de citar.

    391c ' 10 . d - 5 . - e . , , " " , 5 " , " . 392

    , 5

    b - 5 . .

  • PLATO Crtilo

    ~ 190 ~

    392b Her.: Sim, conheo. Sc.: Qual dos dois nomes, ento, acreditas que Homero considerava mais certo para o menino: Astianacte ou Escamndrio? Her.: [c] No tenho o que dizer. Sc.: Examina a questo do seguinte modo: se algum te perguntasse: em tua maneira de pensar, quem chama com mais acerto o nome das coisas: os indivduos mais judiciosos ou os insensatos? Her.: evidente que eu responderia: os mais judiciosos. Sc.: E falando em tese, quem consideras mais sensatos numa cidade: os homens ou as mulheres? Her.: Os homens. Sc.: Ora, sabes que no dizer de Homero, o filho de [d] Heitor era chamado Astianacte pelos troianos. Por conseguinte, evidente que as mulheres que lhe davam o nome de Escamndrio, uma vez que os homens lhe chamavam Astianacte? Her.: Parece que sim. Sc.: Nesse caso, Homero considerava os troianos mais judiciosos do que suas mulheres? Her.: tambm o que eu penso. Sc.: Assim, era de opinio que o nome certo do menino no era Escamndrio, porm Astianacte? Her.: Parece que sim. Sc.: Investiguemos a razo disso. Ele prprio no a esta indicando? Pois afirma: [e] Por ele ser o balutcnica das teucras muralhas. Parece-me acertado, por isso, dar ao filho o nome de Astianacte, rei da cidade de que o pai era o balutcnica, como diz Homero.

    392b . "" 10 ""; . c . - . 5 - . 10 d . 5 . "" ""; . 10 .

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  • PLATO Crtilo

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    392e Her.: Compreendo. Sc.: Mas, por que isso, afinal? Ainda no consegui compreender, Hermgenes. E tu? Her.: Eu tambm no, por Zeus. Sc.: [393] E Heitor, meu caro; porventura no lhe foi dado o nome pelo prprio Homero? Her.: Como assim? Sc.: Por parecer-me que esse nome significa quase o mesmo que Astianacte, sendo ambos de fisionomia muito helnica. Anax e Hektor tem quase o mesmo significado e se relacionam com a realeza. Pois o que senhor de alguma coisa tambm o seu possuidor, por ser fora de dvida [b] que a domina, possui e conserva. Ou sers de opinio que carece de fundamento o que eu disse e que me iludo quando imagino seguir no rasto da opinio de Homero acerca da justeza dos nomes? Her.: No, por Zeus; acho que no assim, e que provavelmente te encontras na pista certa. Sc.: Pelo menos parece-me certo dar o nome de leo ao filhote do leo, e o de cavalo ao filhote do cavalo. No me refiro a casos monstruosos, como se de um cavalo nascesse algo [c] diferente dele, mas ao produto natural. Se, contra a natureza, nascesse de um cavalo o produto natural do touro, no deveria receber o nome de potro, porm o de bezerro; nem, ainda, quero crer, poderia ter o nome de homem o produto que nascesse sem caractersticas humanas. O mesmo vale para as rvores e para tudo o mais, no te parece? Her.: Parece.

    392e . 5 , . ' 393 . 5 "" "" "" "" . b - 5 . . c 5 .

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    393c Sc.: Muito bem. Mas, acautela-te, para que eu no faa tramoia contigo. Segundo o mesmo raciocnio, o que nascesse de um rei teria de [d] chamar-se rei. Quanto a ser isso expresso com estas ou com aquelas slabas, no nos interessa, como tambm carecer de importncia ser acrescentada ou tirada alguma letra, uma vez que a essncia da coisa seja bastante forte para manifestar-se no seu nome. Her.: Que queres dizer com isso? Sc.: No nada abstruso. Como sabes, designamos as letras por nomes que no so elas prprias, com exceo das quatro vogais: do E, Y, O e . As demais [e] vogais e as consoantes formamos-lhes os nomes com o acrscimo de outras letras. Mas, desde que incluamos apenas o valor da letra claramente expresso, certo design-la por determinado nome, que no-la dar a conhecer. Tomemos como exemplo o beta; como vs, a adio das letras eta, tau e alfa, no causa nenhum transtorno e no impede que a natureza dessa letra seja revelada pelo nome inteiro, conforme a inteno do legislador. To bem sabia ele dar nome s letras. Her.: Afigura-se-me dizer a verdade. Sc.: [394] E a respeito de rei, no poderemos raciocinar da mesma forma? De um rei nascer um rei; de um homem bom, um homem bom; de um belo, um filho belo, e com tudo o mais pela mesma forma, de cada gnero um produto semelhante, a menos que surja algum monstro. Todos tero de ser chamados por igual nome. Todavia, poder haver alguma variao nas slabas, de forma que para os ignorantes parea tratar-se de nomes diferentes, embora sejam os mesmos; precisamente como se passa conosco com relao s drogas dos mdicos, diversificadas pela cor e pelo cheiro, que [b] nos parecem diferentes, porm so uma s coisa para o mdico, que atende apenas sua maneira de atuar, sem

    393c - . d - . 5 e . "" 5 . . 10 394 , . - 5 - , b

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    394b deixar-se perturbar pelas alteraes introduzidas. Da mesma forma procede o conhecedor de nomes. Considera somente o seu valor, sem atrapalhar-se, no caso de ser acrescentada, transporta ou supressa alguma letra, ou, ainda, se a fora do vocbulo estiver expressa por letras diferentes. Assim, no nosso exemplo anterior, Astyanax e Hektor s tem de comum [c] a letra tau; no entanto, significam a mesma coisa. E o nome Arquepolis, que letras tem em comum com os outros dois? Evidente que todos eles querem dizer a mesma coisa. H ainda outros nomes que significam apenas rei. Outros, ainda, que querem dizer estratego, como Agis, Polemarcos, Eupolemos. Outros designam mdicos, como Itrocles, e Acesimbroto. E assim poderamos encontrar outros mais que soam diversamente por causa das slabas e das letras, mas que, pelo seu valor intrnseco, exprimem a mesma coisa. No te parece que seja desse modo? Her.: [d] Perfeitamente. Sc.: Logo, devem receber o mesmo nome os seres que nascem de acordo com as regras da natureza? Her.: Sem dvida. Sc.: E os que nascem contra a natureza, sob a forma de monstros? Como, por exemplo, de um homem bom e pio nascer mpio? No como o caso anterior? Se um cavalo desse nascimento ao produto natural touro, este no deveria ser chamado pelo nome do pai, mas conforme o gnero a que pertencesse? Her.: fato. Sc.: [e] Do mesmo modo, o mpio, originado de pai religioso, dever receber o nome do seu gnero. Her.: Sem dvida. Sc.: No Tefilo, como parece, nem Mnesiteu, nem qualquer outro nome de formao anloga, porm um nome que signifique precisamente o contrrio disso, se tiverem os nomes de ser aplicados com correo. Her.: Muito bem concludo, Scrates.

    394b . - 5 . "- " "" , . "- c " "" "" "". 5 "" "" - . . d - . . 5 . 10 e . . "" "" 5 . .

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    394e Sc.: o caso, Hermgenes, de Orestes, que corre o perigo de ter sido aplicado corretamente, quer o tenha ele recebido por acaso, quer o denominasse desse modo algum poeta, para indicar seu carter feroz e selvagem, e a aspereza das montanhas (oreinon), como o nome est a indicar. Her.: [395] muito certo, Scrates. Sc.: Quer parecer-me, tambm, que o pai dele tinha nome conforme a sua natureza. Her.: Parece. Sc.: Agammnon parece ser quem capaz de realizar seus desgnios com perseverana e de perseverar at o fim sem desfalecimento. Sinal disso temos na sua permanncia diante de Tria com to grande exrcito. O nome Agammnon significa, justamente, que o homem [b] admirvel em persistncia (agasts em epimon). Quer parecer-me, tambm, que Atreu chamado pelo nome certo, pois o assassino de Crisipo e o seu procedimento com Tieste so fatos prejudiciais e, para a excelncia, sumamente funestos (atra). Esse nome algum tanto obscuro e desviado do sentido prprio, de forma que no revela de imediato a todos a natureza do seu possuidor; mas as pessoas com prtica de nomes compreendem logo o sentido do Atreu, pois quer o tenhamos na conta de obstinado (ateires), quer na de intemerato (atreston), quer [c] na de funesto (atron), de todo jeito o nome est corretamente aplicado. Muito certo, tambm, se me afigura o nome dado a Plope, pois significa que algum que s v o que se encontra prximo. Her.: Como assim? Sc.: Por causa do que se diz do homem, a respeito

    394e "" 10 . . 395 . . 5 "" . . - b "." "" . . 5 "." c . . 5

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    395c do assassinato de Mirtilo, por ter sido incapaz de pressentir ou de prever o que o futuro preparava para toda a sua descendncia, todas as desgraas que lhe estavam [d] reservadas; no vendo seno o presente e imediato que o que significa pelas empenhou-se de todos os modos para levar avante seu casamento com Hipodmia. Quanto a Tntalo, todos concordaro em que recebeu nome acertado e conforme sua natureza, se for verdade o que se conta a seu respeito. Her.: Que dizem dele? Sc.: Que ainda em vida, uma infinidade de desgraas terrveis se abateram sobre ele e culminaram com a total destruio de sua ptria, e depois, no Hades, aquilo de ficar-lhe a pedra [e] pendente (talanteia) sobre a cabea, o que concorda admiravelmente com seu nome; e simplesmente parece que, desejando algum chamar-lhe o mais infeliz dos homens (talantatos), alterou a designao para Tntalo; pelo menos, foi esse o nome que o acaso da lenda terminou por formar. Quer parecer-me, tambm, que o nome de Zeus, seu pai putativo, [396] foi muito bem posto, conquanto no nos seja fcil perceber isso, pois tal nome, Zeus, vale por uma sentena. A questo que a cortamos em duas tcnicas, e ora empregamos uma, ora outra: uns lhe chamam Zena, e outros, Dia; reunidas, revelam a natureza do deus, que em que consiste, segundo dissemos, a funo prpria dos nomes, pois no h para ns, e o conjunto dos seres, mais verdadeira causa da vida do que o arconte e o rei do universo. Por isso, com muito acerto foi denominado o deus dessa [b] maneira, por ser atravs (di) dele que todos os seres alcanam a vida (zn). Mas, como eu disse, tratando-se, em verdade, de um nico nome, foi dividido em dois, Dia e

    395c - d "" . . 5 , e - "" . 5 396 . "" "" 5 , - . . ' b ""

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    396b Zena. primeira vista, ouvindo-se de corrida, soaria como irreverncia dizer que esse deus filho de Cronos, por parecer mais razovel que tenha nascido de uma grande inteligncia (dianoia). Koros, nesse nome, no quer dizer criana , porm pureza e limpidez de entendimento. Este, por sua vez, conforme dizem, filho de Urano, designao muito apropriada, urania, para a viso dirigida para o alto, que [c] olha para cima (horsa ta an), o que a maneira, Hermgenes, de conservarmos puro o entendimento, de acordo com o que nos informam os conhecedores dos fenmenos celestes. Da o acerto do nome Urano. Se eu pudesse relembrar a genealogia de Hesodo e os antepassados mais remotos dos deuses, no acabaria de mostrar como foram acertados os nomes atribudos a todos eles, at ver se tem algum valor e para que serve essa cincia que caiu repentinamente [d] sobre mim, no sei de onde. Her.: Ds-me a impresso, Scrates, de que enuncias orculos, como profeta de inspirao recente. Sc.: Sim, Hermgenes; e estou convencido de que apanhei isso de Eutfron de Prospalta, pois passei grande tcnica da manh a ouvi-lo. bem possvel que seu entusiasmo no somente me tivesse deixado os ouvidos cheios com sua sabedoria, como tambm se apoderasse de minha alma. A meu ver, devemos proceder [e] da seguinte maneira: aproveitemos neste resto de dia essa influncia para concluirmos o que falta a dizer sobre o significado dos nomes; mas, amanh, caso estejas de acordo, expulsemo-la por meio de esconjuros e purifiquemo-nos, se porventura encontrarmos algum que entenda de purificao, quer seja sacerdote, quer [397] sofista. Her.: Estou de pleno acordo, mxime por ter grande desejo de ouvir o que ainda falta dizer a respeito de nomes.

    396b "." 5 , . - "" c - - 5 , . d , . 5 . - . e - , , - 397 . ' .

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    397a Sc.: Ento, faamos assim mesmo. Por onde queres que iniciemos nossa investigao, depois dessa frmula geral, para vermos se, de fato, os prprios nomes nos serviro de prova de que no so atribudos por acaso, mas possuem certa retido? Os nomes de [b] heris e de homens em geral poderiam facilmente enganar-nos, pois a maior tcnica deles tirada dos antepassados, sem nenhuma relao, como dissemos inicialmente, com os atuais possuidores; o que se observa com Afortunado (Eytyquidn), Salvo (Ssian), Amado de deus (Teofilo) e muitos outros. Sou de opinio que devemos deixar de lado os nomes dessa formao. H muita probabilidade de atinarmos com o sentido exato dos vocbulos nos nomes relacionados com as coisas eternas e a natureza, pois nesse domnio deve ter havido bastante [c] critrio na escolha, sendo possvel, at, que uns tantos houvessem sido formados por algum poder divino, superior ao dos homens. Her.: Penso que muito certo o que dizes, Scrates. Sc.: E no ser justo comear nossa investigao pelos nomes dos deuses, para sabermos se estes so com propriedade assim denominados? Her.: Perfeitamente. Sc.: A esse respeito, o que presumo o seguinte: quer parecer-me que os primitivos moradores da Hlade no reconheciam outros deuses alm dos [d] admitidos por muitos povos brbaros do nosso tempo: o sol, a lua, a terra, os astros e o cu. Por terem observado que todos eles se movem perpetuamente em seu curso, deram-lhes o nome de deuses por causa dessa faculdade natural de correr (thein). Posteriormente, aps adquirirem o conhecimento dos demais,

    397a . 5 b "" "" "" 5 . . c . . "" 5 . , d "" - 5

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    397d designaram-nos por esse mesmo nome. Parece que h alguma verdade no que eu disse ou nenhuma? Her.: Muita verdade, at. Sc.: E depois dos deuses, que passaremos a examinar? Her.: Evidente que demnios, heris e [e] homens [demnios]. Sc.: Em verdade, Hermgenes, que pensas a respeito desse nome, demnio? Examina se aceitas a opinio que tenho a lhe dizer. Her.: Diga-me somente. Sc.: Sabes, por certo o que disse Hesodo a respeito de demnios? Her.: No me recordo. Sc.: Nem te lembras, tambm, que ele disse ter sido de ouro a primeira raa de homens? Her.: Sim, disso eu sei. Sc.: A seu respeito exprime-se da seguinte maneira: Logo, porm, que o destino fatal essa raa escondeu, foram [398] chamados demnios sagrados, da terra habitantes, bons, desviadores dos males, dos homens mortais protetores. Her.: E ento? Sc.: O que eu digo que, ao referir-se raa de ouro, no queria dar a entender que ela fosse, de fato, feita de ouro, mas que era boa e bela. E a prova que ns damos a denominao de raa de ferro. Her.: Dizes a verdade. Sc.: E no achas que, se houvesse algum [b] bom entre os homens de hoje, ele incluiria na raa de ouro? Her.: Parece. Sc.: E os bons, que podero ser, seno sensatos?

    397d . . - 10 []. e "" . . - 5 ; . . 10 398 , .

    . 5 . . b .

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    398b Her.: Sensatos. Sc.: Isso, precisamente, segundo minha maneira de pensar, o que ele julgava que se passava com os demnios, por serem sensatos, isto , damones. Da t-los designado dessa maneira, sendo certo que o vocbulo j ocorre em nossa lngua primitiva. Assim, tanto ele como muitos outros poetas tm razo de dizer que quando falece um homem de bem, alcana entre os mortos grandes honrarias e considerao, [c] e se torna demnio, nome derivado da sabedoria que lhes prpria. tambm o que eu admito: que todo homem de bem, vivo ou morto, bem aventurado, sendo, por isso, com justo ttulo, chamado demnio. Her.: Sobre esse ponto, Scrates, creio estar de inteiro acordo contigo. E heri, que seria? Sc.: No difcil de compreender; com pequena modificao, est o nome a indicar que heri vem de amor [ertos]. Her.: Como assim? Sc.: No sabes que os heris so semideuses? Her.: Por qu? Sc.: [d] Todos nasceram ou do amor de um deus e uma mulher mortal, ou do de uma deusa com um mortal. Para te convenceres disso, basta considerares a expresso na antiga linguagem da tica; a verificars que Eros provm de heris, tendo havido apenas pequena modificao do nome. Ou heri quer dizer isso mesmo, ou est a indicar que seus possuidores eram sbios e tambm hbeis retricos e dialticos, sempre dispostos a formular perguntas (ertan), pois eirein significa falar. Por conseguinte, como acabamos de dizer, na linguagem da tica

    398b . , 5 "- " . 10 . c , "" . , 5 . "" . . 10 d . . 5 - , "" . -

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    398e [e] os heris se nos apresentam como retricos e formuladores de perguntas, de forma que todo o gnero dos heris nada mais do que uma tribo de sofistas. Isso, alis, no difcil de entender. Maior dificuldade iremos encontrar na designao dos homens. Sabers por que eles so assim chamados? Her.: Como poderei sab-lo, amigo? Mas, ainda mesmo que estivesse em condies de descobri-lo, nem sequer o tentaria, por ter a convico de que o fars muito melhor do que eu. Sc.: [399] Pelo que vejo, tens confiana na inspirao de Eutfron. Her.: evidente. Sc.: E com razo, pois precisamente neste momento tenho a impresso de que apanhei a questo por um ngulo mais feliz, havendo, at, bastante probabilidade, se no tomar cuidado, de hoje mesmo vir a ficar mais sbio do que seria razovel. Presta ateno ao que passo a dizer. Inicialmente, no estudo sobre o significado dos nomes, deves sempre contar com a hiptese de no ser raro acrescentarmos letras, ou suprimi-las, quando vamos designar alguma coisa, ou deslocarmos os acentos. Foi o que se deu com a expresso Difilo. Para transform-la num nome [b], suprimimos o segundo iota, passando a ser grave, em vez de aguda, na pronncia, a slaba do meio. Em outros casos procedemos de modo inverso; acrescentamos letras e acentuamos a slaba tona. Her.: Dizes a verdade. Sc.: Foi o que se deu, segundo penso, com a palavra homem. Uma sentena virou substantivo pela supresso da letra alfa e a acentuao da ltima slaba. Her.: Como assim? Sc.: [c] o seguinte: o nome anthrpos significa que, ao contrrio dos outros animais que no examinam o que vem, nem o analisam nem contemplam, o homem, ao mesmo tempo que v pois isso, justamente, que quer dizer oppe contempla e analisa o que

    398e - e . "" 5 , . . 399 . - . 5 . ' ' . " " b . - . . 5 . . 10 . "" c - , ""

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    399c viu. Por isso, dentre todos os animais o homem o nico justamente denominado anthrpos, ou seja, [anathrn ha oppe] o que contempla o que v. Her.: E agora? Posso interrogar-te a respeito do que me interessa saber depois disso? Sc.: Sem dvida. Her.: [d] Quer parecer-me que algo se liga imediatamente ao que acabaste de dizer. Atribumos ao homem alma e corpo. Sc.: Como no? Her.: Procuremos, ento, analisar essas palavras como o fizemos com as anteriores. Sc.: Sugere que examinemos a alma, a fim de sabermos se lhe calha a denominao de psyque, para depois estudarmos corpo? Her.: Sim. Sc.: Se eu tivesse de revelar o que neste momento me ocorre, diria que os que deram o nome de psyque alma pretendiam indicar que quando ela est presente ao corpo a causa da vida, por conferir-lhe a faculdade de respirar e de [e] refrescar-se (anapsykhon), e que o momento em que essa fora refrescante abandona o corpo, ele perece e morre. Da, segundo penso, lhe terem dado o nome de psyque. Mas, espera um pouco, por obsquio! Parece que posso aduzir algo mais de acordo com o gosto dos [400] sectrios de Eutfron. bem provvel que eles desprezem minha primeira explicao, por consider-la banal. V se te agradas mais que desta outra. Her.: Diga somente. Sc.: Segundo tua maneira de pensar, que o que mantm e movimenta a natureza de todo o corpo, para que este viva e se mova, se no for exclusivamente a alma? Her.: Apenas ela. Sc.: E ento? E no ests com Anaxgoras, quando afirma que o entendimento e a alma o primeiro mantenedor e regulador da natureza?

    399c . - 5 "" . . d . "" "" . 5 . . 10 - e "" . , - . 400 . . 5 . - 10

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    400a Her.: Perfeitamente. Sc.: [b] Poderias, ento, designar admiravelmente como physechn essa fora que movimenta e mantm (echei) a natureza (physis), denominao que pode muito bem ser arredondada para psyque. Her.: Perfeitamente, alm de parecer-me mais tcnica do que a outra. Sc.: Como, de fato, ; porm ficaria um tanto ridcula se a enuncissemos daquele jeito. Her.: E que diremos agora do termo que se lhe segue? Sc.: Referes-te a corpo? Her.: Sim. Sc.: A meu ver, passvel de vrias interpretaes, se o modificarmos [c] um tantinho. Uns afirmam que o corpo (sma) a sepultura (sma) da alma, por estar a alma em vida sepultada no corpo, ou ento, por ser por intermdio do corpo que a alma d expresso ao que quer manifestar (smainei), muito apropriado esse mesmo nome (sma) com o significado de sinal, que lhe foi dado. Porm o que me parece mais provvel que foram os rficos que assim o denominaram, por acreditarem que a alma sofre castigo pelas faltas cometidas, sendo o corpo uma espcie de receptculo ou priso, onde ela se conserva (sztai) at cumprir a pena cominada; nessa hiptese no ser preciso alterar uma s letra. Her.: [d] Tudo isso me parece muito certo, Scrates. E com relao aos nomes dos deuses, no poderamos estud-los da maneira que fizeste h pouco, quando trataste de Zeus, para sabermos se lhe foram atribudos com acerto? Sc.: Por Zeus, Hermgenes; se tivssemos discernimento, adotaramos como orientao uma excelente regra, a saber, que nada sabemos acerca

    400a . b "" . "" . . 5 . . 10 . c "" . 5 "" . 10 d "" 5

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    400d dos deuses, nem com relao a eles prprios, nem com os nomes que eles mesmos aplicam entre si. Pois evidente que devem chamar-se pelos nomes [e] verdadeiros. A segunda regra em pontos de excelncia, seria denomin-los pela maneira que costumamos fazer em nossas oraes, empregando os nomes e patronmicos de que mais se agradem, conscientes de que [401] nada mais sabemos a seu respeito. No meu modo de ver uma excelente prtica. Caso estejas de acordo, levemos avante a investigao, com a advertncia inicial para os deuses de que nosso estudo no lhes diz respeito, pois no nos sentimos com capacidade para tanto, porm aos homens e sua maneira de pensar, quando lhes atriburam nomes. No h ofensa nisso. Her.: Parece-me muito razovel o que disseste, Scrates. Procedamos assim mesmo. Sc.: [b] E para seguir o uso, no devemos comear por Hstia? Her.: Ser muito justo. Sc.: Qual te parece tenha sido o pensamento de quem empregou o nome Hstia? Her.: Por Zeus, penso que no fcil responder a isso. Sc.: Tudo indica, meu caro Hermgenes, que os primeiros atribuidores de nomes no eram espritos medocres, porm conhecedores dos fenmenos celestes, e todos eles capazes de altos vos. Her.: Como assim? Sc.: Para mim, fora de dvida que a instituio dos nomes foi obra [c] de homens desse quilate. E se examinarmos os nomes estrangeiros, facilmente descobriremos o que cada um pretende significar. Por exemplo, o que denominamos ousian (essncia), outros chamam essian, e terceiros, ainda, sian. Inicialmente, muito razovel que, de acordo com o segundo desses nomes, a essncia das coisas seja denominada Hstia;

    400d . e - 401 . 5 . . b . 5 . . 10 c . "" "" "." "" 5

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    401c e se, por outro lado, ns dizemos que , ou existe (estin) o que participa da existncia, ainda nesse sentido Hstia a denominao correta, pois parece que ns, tambm, em vez de ousian dizamos antigamente essian. E se, por outro lado, volvermos a ateno para os sacrifcios, ficaremos [d] convencidos de que essa era a maneira de pensar dos que os instituram. natural que antes dos outros deuses fossem oferecidos sacrifcios a Hstia pelos que deram o nome de essian essncia das coisas. Quanto aos que pronunciam sian, devemos acreditar que perfilhava a opinio de Herclito, de que tudo o que existe passa e que nada permanece, devendo ser, por conseguinte, a causa e o princpio regulador do mundo o que o pe em movimento (thoun), donde lhe chamarem corretamente sian. s o que pode dizer quem nada [e] sabe a esse respeito. Depois de Hstia, justo volvermos a ateno para Reia e Cronoss. bem verdade que j nos referimos ao nome de Cronos; mas talvez o que eu esteja a dizer seja carecente de valor. Her.: Como assim, Scrates? Sc.: Descobri, meu caro, um colmeal de sabedoria. Her.: De que jeito? Sc.: [402] um tanto engraado o que vou dizer; mas estou convencido de que muito plausvel. Her.: De que se trata? Sc.: Parece-me ver Herclito a ensinar velhas mximas do tempo de Cronos e Reia, que j tinham sido ditas por Homero. Her.: Que queres dizer com isso? Sc.: Herclito afirma que tudo passa e nada permanece, e compara o que existe corrente de um rio, para concluir que ningum se banha duas vezes nas mesmas guas. Her.: exato. Sc.: [b] E ento? Achas que pensava de maneira diferente de Herclito quem atribuiu o nome de Reia e Cronos aos avs dos nossos deuses? Ou pensas ter sido por acaso que a ambos

    401c "" "" "" . - d "" . "" 5 "" . e . . . , , . 5 - 402 . ' 5 . " " " ." 10 . b "" ""

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    402b foram dados nomes de cursos de gua? Homero, tambm, refere-se algures ao pai de todos os deuses eternos, o Oceano, e me Ttis. Creio que Hesodo diz a mesma coisa. Orfeu, tambm, afirma em qualquer tcnica: Oceano, de curso imponente, foi o primeiro a se casar; [c] Ttis tomou por mulher, sua irm pelo lado materno. Observando que todos eles se concertam entre si e se comportam do mesmo modo com relao doutrina de Herclito. Her.: Algo, Scrates, parece haver no que disseste; s no compreendo o sentido de nome Ttis. Sc.: Ele quase se explica por si mesmo, pois nada mais do que o nome de fonte, um tanto modificado: as expresses diattmenon e [d] thoumenon, isto , o que se escoa e filtra, so exatamente a idia de fonte, sendo delas que se formou o nome Ttis. Her.: Muito interessante, Scrates. Sc.: Sem dvida. E que vem a seguir? J tratamos de Zeus. Her.: Sim. Sc.: Ento, falemos de seus irmos Poseidon e Pluto e do outro nome desse ltimo. Her.: Perfeitamente. Sc.: Sou de parecer que Poseidon foi assim denominado [e] por haver sido detido em sua marcha pela fora do mar quem primeiro lhe ps nome, o qual no o deixava passar adiante como se se visse de sbito acorrentado nos ps. Por isso deu o nome de posidesmon ao deus que comanda essa fora, de correntes nos ps, com o acrscimo ornamental da letra e. Mas, talvez no seja esse o sentido do vocbulo, e [403] em vez de sigma houvesse dois lambdas, como a indicar

    402b " " " " 5 .

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    . . 5 . d "" . . . 5 . - . . 10 - , e . "" "" 5 . 403

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    403a que se trata de uma divindade que sabe muitas coisas (polla eidotos). possvel, tambm, que fosse denominado abalador (sein) por causa do respectivo verbo abalar (sein), com o acrscimo das letras pi e delta. Quanto a Pluto, evidentemente se relaciona com o dom da riqueza (ploutou) que brota do fundo da terra. O nome Hades na opinio da maioria significar invisvel (aids); e como se teme a expresso, chamam Pluto daquele modo. Her.: [b] E tu, Scrates, como te parece? Sc.: A meu ver, sob muitos aspectos os homens se enganam a respeito do poder desse deus e tm dele medo injustificado. Temem-no, primeiro, por ser foroso ficarem permanentemente com ele depois de mortos, e tambm pelo fato de ir a alma despida do corpo para onde ele est. Tudo isso, alis, para mim, s tende a confirmar tanto o poder do deus quanto seu nome. Her.: Como assim? Sc.: [c] Vou expor-te o meu modo de pensar. Dize-me uma coisa: qual o mais forte liame para reter qualquer ser vivo num determinado lugar: a coero ou o desejo? Her.: muito mais forte, Scrates, o desejo. Sc.: E no s de parecer que muita gente fugiria de Hades, se ele no atasse com o liame mais forte os que l vo ter? Her.: Evidentemente. Sc.: Ento, ao que parece, ter de prend-los com algum desejo, se tiver de faz-lo com o mais forte lao, no por meios coercitivos. Her.: Parece que sim. Sc.: E no h grande variedade de desejos? Her.: Sim. Sc.: [d] Logo, deve prend-los, por meio do desejo mais forte, no caso de querer ret-los pelos mais resistentes laos.

    403a . " " . 5 "" "" . b - . , 5 - . . , c - . 5 . . . 10 . d .

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    403d Her.: Sim. Sc.: E poder haver mais veemente desejo do que estar algum convencido de que o convvio com determinada pessoa o deixar melhor? Her.: Por Zeus, Scrates, no h. Sc.: Por tudo isso, Hermgenes, diremos que os que esto l no desejam vir para c, nem [e] as prprias Sereias, e que estas, como as demais, esto detidas por algum encantamento, to empolgantes, ao que parece, so os discursos que Hades lhes dirige. Disso fora lcito concluir que esse deus um sofista acabado e grande benfeitor dos que se encontram ao seu lado, do mesmo modo que envia abundncia de bens para os que esto na terra, tal a cpia de tudo o de que dispe l embaixo. Por isso mesmo que tem o nome de Pluto. Por outro lado, o fato de nada querer com as pessoas enquanto conservam o corpo, mas s [404] depois de se lhes haver de todo purificado a alma dos vcios e desejos corporais, no te parece digno de um filsofo que chegou convico de que pode ret-los por meio do anelo da virtude, ao passo que, enquanto se acham agravados com os impulsos e a loucura do corpo, nem o prprio Cronos, seu pai, conseguiria prend-los ao seu lado, se os amarrasse com o que denominamos suas cadeias? Her.: Perigas que estejas com a razo neste ponto, Scrates. Sc.: [b] Quanto ao nome Hades, Hermgenes, muito longe de ser formado de invisvel (aidous), deriva-se com mais segurana de eidenai, pelo fato de ele conhecer tudo o que belo. Essa a razo de lhe ter o legislador dado o nome de Hades. Her.: Muito bem. E de Demter, Hera, Apolo, Atena, Efesto, Ares e dos demais deuses, que diremos? Sc.: A respeito de Demter, parece ter sido assim denominada por dar-nos alimento,

    403d . 5 . e - , 5 "" . - 404 , - 5 . "" b "" . 5

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    404b na qualidade de me; Hera vir de [c] amvel (erat), conforme se diz de Zeus, que vivia apaixonado dela. possvel que o legislador, como estudioso dos fenmenos celestes, tenha formado veladamente o nome de Hera de ar (aera), passando o comeo para o fim. Do nome Pherrephata muitos se arreceiam, como tambm de Apolo, por inexperincia, ao que parece, da justa relao dos nomes. E porque o modificam e o tm na conta de Phersphone portador da morte ficam tomados de pavor, quando o certo que esse nome s [d] inculca a sabedoria da deusa. Pois se todas as coisas esto em movimento, o que est em contato com elas, e as envolve, e as acompanha, sabedoria. Donde se colhe o que foi por causa da sabedoria com que ela apreende o que se movimenta, que com bastante propriedade recebeu a deusa o nome de Pherepapha, ou qualquer outro semelhante. Por isso mesmo, o sbio Hades vive com ela, por ser ela o que . Porm hoje lhe alteraram o nome para Pherrephatta, com maior zelo da eufonia do que da verdade. O mesmo se [e] deu, como j disse, com Apolo, cujo nome infunde medo a muita gente, como se indicasse algo terrvel. No o observaste? Her.: Sim; dizes a verdade. Sc.: E esse nome, segundo o meu modo de pensar, vai muito bem com o poder da divindade. Her.: Como assim? Sc.: Vou tentar explicar-te o que me parece. No sei de outro nome [405] que s por si fosse capaz de denotar as quatro qualidades do deus, abrangendo a todos em conjunto e, de algum modo, designando a tcnica da msica, da profecia, da medicina e a do arqueiro.

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    405a Her.: Dize-me! O que me dizes a respeito desse nome muito estranho. Sc.: Muito harmonioso, o que deverias dizer, como convm a um deus msico. Em primeiro lugar, a purgao e purificaes, tanto da tcnica da medicina quanto da adivinhao, por meio de [b] drogas ou de processos mgicos, as fumigaes, os banhos usados nessas cerimnias, as asperses, tudo isso tem um nico objetivo: deixar puro o indivduo, tanto no corpo quanto na alma. Ou no? Her.: Perfeitamente. Sc.: E o deus que purifica, e limpa (apoloyn) e livra (apolyn) de todos os males, no precisamente Apolo? Her.: Sem dvida. Sc.: Logo, com referncia libertao e limpeza dos males, na sua [c] qualidade de mdico, com muita propriedade dever ser denominado Apoloun; com relao tcnica da adivinhao, veracidade e simplicidade - pois tudo a mesma coisa tal como os tesslios lhe chamam e com acerto poderamos denomin-lo. Aploun como todos os tesslios denominam esse deus. Por outro lado, por nunca errar o alvo quando atira, dito o que sempre acerta (Aeiballn). Por ltimo, com relao msica, devemos admitir que, do mesmo modo nos vocbulos akolouthon e akoitin (companheiro de caminho e companheiro de leito) e em muitos outros, a letra alfa significa: muitas vezes o mesmo tempo. Aqui, tambm, indica esse nome o movimento conjunto, tanto no cu, a que damos o nome de polous, quanto na harmonia do canto, denominada sinfonia, [d] porque todos esses movimentos, como dizem os entendidos em msica e astronomia, so feitos em conjunto por uma espcie de harmonia. o deus que

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    405d preside harmonia e faz que tudo se mova conjuntamente (homopoln), tanto entre os deuses quanto entre os homens. E assim como de homokeleuthon e homokoitin (que andam juntos e que juntos se deitam) fizemos akolouthon e akoitin, trocando homo por a, do mesmo modo demos o nome de Apollo ao deus que acompanha algum, inserindo um segundo l para evitar [e] homonmia com um termo funesto, como se d ainda hoje com os escrpulos de certas pessoas que no apreenderam devidamente o significado prprio do nome e tm medo de que indique destruio, quando, em verdade, conforme disse h pouco, refere-se unicamente s atribuies do deus: [406] simplicidade, sempre acertar no alvo, purificador e companheiro. Quanto aos nomes das Musas e da msica em geral, ao que parece, vem de msthai, perquirir, denominao derivada da pesquisa e do amor da sabedoria. Leto refere-se doura da deusa, por estar ela sempre disposta (ethelmn) a atender aos pedidos que lhe dirigem. Mas possvel que o certo seja como lhe chamam os estrangeiros, pois muitos lhe do o nome de Leth. Parece, assim, que do seu carter desprovido de rudeza, porm brando e delicado (leion thous) que foi denominada Leth. [b] rtemis parece significar ntegra (artems) e modesta, por seu amor virgindade. Contudo, subsiste a possibilidade de que quisesse indicar quem assim a denominou que ela era conhecedora da virtude (arets histora), ou talvez mesmo por odiar a unio dos sexos. Por uma dessas razes, ou por todas elas reunidas, foi a deusa assim denominada por quem lhe instituiu o nome. Her.: E Dioniso e Aphrodite? Sc.: Grande pergunta, filho de Hipnico, formulaste. H duas maneiras de interpretar esses nomes, uma sria e [c] outra jocosa. A respeito da sria, informa-te com outra pessoa;

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    406c mas sobre a jocosa, nada me impede de manifestar-me; os prprios deuses so brincalhes. Dioniso o que d vinho, chamado por brincadeira Didoinysos. O prprio vinho, porque faz crer maioria dos bebedores que lhes empresta inteligncia, o que alis, no verdade, foi com muito acerto denominado oionous. Quanto a Afrodite, no haver necessidade de contradizer Hesodo; [d] concordemos com ele, quando nos diz que a deusa recebeu o nome de Afrodite por haver nascido da espuma (aphrou). Her.: Como Ateniense, Scrates, no deves deixar em esquecimento Atena, Hefesto e Ares. Sc.: No ficaria bem. Her.: No, de fato. Sc.: Com respeito ao segundo nome da deusa, no de difcil interpretao. Her.: Qual ? Sc.: Damos-lhe tambm o nome de Palas. Her.: Como no? Sc.: Se admitirmos que esse nome lhe foi dado por causa da dana das armas, [e] estaremos no caminho certo, segundo penso. ao de elevar-se algum, ou de elevar alguma coisa na direo da terra para o cu, e de conserv-la nas mos que damos o [407] nome de brandir (pallein e pallesthai), para executar a dana. Her.: Perfeitamente. Sc.: O nome Palas vem da. Her.: Muito bem. E com relao ao outro nome? Sc.: Atena? Her.: Sim. Sc.: Esse, caro amigo, mais difcil. Parece que os antigos tinham uma concepo de Atena igual dos modernos [b] estudiosos de Homero. A maioria destes afirma, na sua interpretao do poeta, que Atena representava para este o prprio pensamento e a inteligncia, querendo parecer que o autor do nome pensava a mesma coisa

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    407b a esse respeito, exprimindo-se, at, por maneira mais elevada, como denomin-la inteligncia de deus (theou nosin), de forma que ela vem a ser ha theonoa, com simples alterao dialtica do alfa por ta, a perda do iota e do sigma. Contudo, possvel que no seja essa a razo de ser denominada Theonon, mas pelo fato de conhecer ela as coisas divinas melhor que os outros deuses. Porm nada impede que ele tenha querido identificar a deusa com a inteligncia moral, razo de lhe ter dado o nome de Ethonon, que ele mesmo, ou algum depois dele, na [c] convico de o deixar mais bonito, modificou para Atena. Her.: E Hefesto, como o explicas? Sc.: Referes-te a phaeos hstora, o generoso senhor da luz? Her.: Perfeitamente. Sc.: No evidente para todos que o nome Phaistos, com acrscimo inicial da letra ta? Her.: possvel, a menos que no te ocorra outra explicao, como tenho quase certeza. Sc.: Para que isso no se d, pergunta-me logo a respeito de Ares. Her.: Pergunto. Sc.: [d] Pois bem, caso queira, Ares vem de masculino (rren) e corajoso (andreion), ou ento de seu carter spero e inflexvel, a que se d a denominao de arraton, derivao muito adequada ao deus da guerra. Her.: muito certo. Sc.: Mas, pelos deuses, deixemos os deuses, pois tenho medo de falar deles. Sobre tudo o mais que quiseres podes interrogar-me, para que vejas como so excelentes os cavalos de Eutfron. Her.: [e] o que farei: antes, porm, desejo perguntar-te a respeito de Hermes, por haver dito Crtilo que eu no sou Hermgenes. Investiguemos, portanto, o verdadeiro significado do nome Hermes, para ver se ele tinha razo no que disse.

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    407e Sc.: De todo jeito, quer parecer-me que o nome Hermes se relaciona com discurso: intrprete, mensageiro, e tambm trapaceiro, frtil em [408] discursos e comerciante labioso, qualidades essas que assentam exclusivamente no poder da palavra. Ora, como dissemos antes, falar (eirein) fazer uso do discurso, alm de haver uma expresso muito empregada por Homero (emsato) que significa inventar. Da reunio dessas duas expresses falar e inventar formou o legislador o nome do deus, como se nos advertisse expressamente: homens, o deus que [b] inventou o discurso deve ser chamado, com toda a justia, Eirems. Mas hoje, segundo penso, embelezamos-lhe o nome, e lhe chamamos Hermes. [ris, tambm, parece provir do mesmo vocbulo, eirein, por ser ela mensageira.] Her.: Por Zeus, parece que Crtilo tem mesmo razo de dizer que no me chamo Hermgenes, pois sou jejuno em matria de discursos. Sc.: Quanto a Pan, camarada, filho de Hermes, fcil compreender que de natureza hbrida. Her.: [c] Como assim? Sc.: Como sabes, o discurso indica (smainei) todas as coisas (pan), e circula e se movimenta sem parar, alm de ser de natureza hbrida, verdadeira e falsa ao mesmo tempo. Her.: Perfeitamente. Sc.: Logo, o que nele h de verdadeiro macio e divino, e reside no alto com os deuses; por outro lado, o que h de falso mora em baixo com a multido dos homens, e spero como o bode da tragdia, pois, em verdade, o maior nmero das fbulas e das mentiras se encontra justamente no domnio da tragdia. Her.: Perfeitamente. Sc.: justo, portanto, que seja denominado [d] Pan aipolos o que tudo (pan) exprime e o movimentador constante (aei poln) das coisas, o filho hbrido de Hermes, macio em cima e spero e hircino, ou trgico, em sua poro inferior. evidente

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    408d que Pan discurso ou irmo de discurso, a ser, de fato, filho de Hermes, pois muito natural que haja parecena entre irmos. Mas, como disse h pouco, meu caro, deixemos de lado os deuses. Her.: Sim, Scrates, essa espcie de deuses, se assim o queres. Porm, que te impede de discorrer a respeito de deuses como o sol, a lua, os astros, a terra, o ter, o ar, o fogo, a gua, as estaes [e] e o ano? Sc.: muito o que postulas. No obstante, se isso te apraz, farei o que pedes. Her.: Sim, apraz-me muito. Sc.: Por onde queres comear? Principiemos pelo sol, como fizeste agora mesmo; est bem? Her.: Perfeitamente. Sc.: Sua origem se nos tornar mais evidente, se considerarmos a forma [409] drica, pois halios como os Drios lhe chamam. E do-lhe esse nome porque ele rene (halizein) os homens num mesmo lugar quando nasce, ou ento porque gira incessantemente (aei heilein) em torno da terra, ou, ainda, porque no seu curso matiza de cores variegadas tudo o que nasce da terra, pois matizar e variegar (aiolein) se equivalem. Her.: E a lua? Sc.: Eis um nome sumamente incmodo para Anaxgoras. Her.: Por que motivo? Sc.: Pois parece indicar que antigamente j se acreditava no que ele asseverou [b] nos nossos dias, que a lua recebe do sol a luz. Her.: Como assim? Sc.: Selas no diz o mesmo que luz? Her.: Sim. Sc.: A luz em torno da lua sempre nova (neon) e sempre velha (henon),

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    409b se falam verdade os discpulos de Anaxgoras. Girando incessantemente o sol sua volta, projeta sempre luz nova sobre ela; velha a luz do ms antecedente. Her.: assim mesmo. Sc.: Muita gente lhe d o nome de Selaenoneoaeia. Her.: Precisamente. Sc.: Como, porm, seu brilho sempre novo [c] e velho, com maior propriedade deveramos denomin-la Selanaian. Her.: um nome ditirmbico, Scrates. E do ms, e dos astros, que me dizes? Sc.: Ms vem de meiousthai, o que sofre diminuio. Com mais rigor deveria ser meis. Os astros parece que foram assim denominados por causa do brilho, astrap, e este, por isso mesmo que faz virar os olhos (ta pa anastrphei), deveria ser anastrop, porm foi embelezado para astrap. Her.: E com relao ao fogo e gua? Sc.: [d] Quanto ao fogo, sinto-me em dificuldades. Ou a musa de Eutfron me abandonou, ou se trata de um vocbulo extremamente difcil. Atenta no recurso de que sempre lano mo, quando me vejo em apuros. Her.: Qual ? Sc.: Vou dizer-te. Responde-me apenas ao seguinte: sabers explicar-me por que o fogo tem esse nome? Her.: Eu no, por Zeus! Sc.: Examina, ento, o que imagino a esse respeito. Tenho para mim que [e] os Helenos, principalmente os que moram entre os brbaros, receberam destes muitos nomes. Her.: E da?

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    409e Sc.: Bem sabes que se algum tentasse demonstrar pela lngua helnica a boa formao desses vocbulos, em vez de apelar para a lngua de origem, ver-se-ia em srias dificuldades. Her.: natural. Sc.: [410] Considera, ento, se a palavra fogo (pyr) no de origem brbara. No fcil p-la em relao com a lngua helnica, alm de ser um fato que os Frgios empregavam esse mesmo termo, com ligeira modificao. Iguais consideraes valem para gua (hydr), co (kynas) e muitos outros. Her.: certo. Sc.: preciso, portanto, no fazer-lhes violncia, pois de outro modo alguma coisa poderia ser dita a seu respeito. Por essa razo deixo de lado o [b] fogo e a gua. Quanto ao ar, Hermgenes, ou foi denominado ar porque levanta (airei) da terra as coisas, ou porque com seu movimento produz o vento? Os poetas do ao vento o nome de atas. Os que empregam essa expresso talvez queiram dizer curso de ar (atorroun), em vez de curso de vento (pneumatorroun). E como esse movimento pode ser indicado por ambos os termos, empregam ar. Quanto a ter, eis o que conjeturo: porque corre sem pausa em torno do ar (aei thei peri ton aera rhon), chamado ter com toda a propriedade. O significado de terra (g) tornar-se- mais evidente se [c] recorrermos forma terra (gaian), pois terra quer dizer precisamente me (gennteira) conforme o refere Homero; gegaasin indica a mesma coisa que gegennsthai. Muito bem. Que vem depois disso? Her.: As estaes, Scrates, e as duas designaes de ano: eniautos e etos. Sc.: O vocbulo estaes (hrai) deve ser pronunciado maneira da tica, caso queiras rastrear-lhe o significado. So denominadas hrai porque dividem o inverno e o vero, os ventos e os frutos da terra; e porque separam, so chamadas hrai. [d] Quanto aos vocbulos eniautos e etos, h grande probabilidade de significarem a mesma coisa. O que traz luz alternamente tudo o que nasce e se forma,

    409e 5 . . "" 410 . "" "" . 5 . . b "" "" "". 5 "" . "" c "" . . 5 "" . . d

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    410d e a tudo em si mesmo passa revista, pode ser desdobrado, como se deu anteriormente com o nome de Zeus, que uns chamam Zna e outros Dia. O mesmo se d no presente caso: eniauton, por significar nele mesmo (en heauti), e etos, porque passa revista (etazei). A sentena completa deveria ser que em si mesmo examina (en heauto etazon); mas, embora nica, fica desmembrada, vindo a formar-se, de uma proposio, dois nomes, eniauton e etos, a partir de uma [e] sentena. Her.: De fato, Scrates, tens progredido muito. Sc.: Penso que me adiantei bastante no terreno da sabedoria. Her.: Sem dvida. Sc.: Daqui a pouco ters de prodigalizar-me mais calorosos elogios. Her.: [411] Depois dessa classe de palavras, de bom grado ficaria sabendo a razo de ser do acerto desses belos nomes relativos excelncia, como: prudncia, inteligncia, justia e os demais da mesma espcie. Sc.: Com isso, camarada, tocas num gnero de palavras muito para temer. Mas, uma vez que vesti a pele de leo, no fica bem revelar medo; o que preciso, parece-me, analisar prudncia, inteligncia, julgamento, cincia e os [b] demais belos nomes que enumeraste. Her.: Decerto; de forma alguma poderemos desistir de semelhante propsito. Sc.: Pelo co, parece que no foi conjetura de todo intil a que fiz h pouco, a saber, que os homens de antigamente, quando estabeleceram os nomes, se encontravam em situao idntica da maioria dos sbios do nosso tempo, os quais, fora de andar roda para investigar a natureza das coisas, acabam tomados de vertigem, acreditando que so as prprias coisas que giram e que tudo [c] o mais ao redor deles pelo mesmo teor. No atribuem a culpa dessa maneira de pensar ao que se passa no seu ntimo, mas imaginam que decorre das prprias coisas, que nada estvel e permanente, e que passa, e se movimenta, e se encontra em permanente estado de modificao e

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    411c eterna gerao. Ao manifestar-me desse modo, tenho em vista todos os nomes h pouco relacionados. Her.: Como assim, Scrates? Sc.: Decerto no prestaste a devida ateno ao que foi dito h pouco, que sem a noo de passagem, movimento e gerao nenhum desses nomes poderia ter sido criado. Her.: De fato, no pensei nisso. Sc.: [d] Para comearmos, o primeiro nome a que nos referimos justifica inteiramente a idia de que tudo se passa desse modo. Her.: Que nome? Sc.: Pensamento (phronsis), que indica, precisamente, percepo de movimento e de fluxo (phoras kai rhou nosis); poder tambm significar o que ajuda o movimento (onsin phoras). De qualquer forma, sempre indicao de movimento. Caso queiras, absolutamente certo que conhecimento (gnm) significa considerao e exame da gerao (gons nmsin), pois considerar e examinar so a mesma coisa. Caso queiras, pensamento (nosis) equivale a desejo de novidade (neou hesis). Ora, no domnio das coisas, novidade significa que elas se encontram em estado de permanente gerao. [e] Esse anelo da alma que o instituidor dos nomes desejou expressar com o termo neoesin. Primitivamente era assim, no nosis; porm a letra ta tomou lugar de um duplo epsilon, noeesin. A palavra temperana (sphrosyn) a salvadora (stria) da sabedoria (phronses) que acabamos de examinar. [412] Cincia (epistm) est a indicar que a alma de algum valor acompanha (hepomens) o movimento das coisas, sem passar na sua frente nem deixar-se ficar para trs. Por isso mesmo, deveria ser formada a expresso com o acrscimo de um epsilon: hepistmn. Da mesma forma, entendimento (synesis), deve ser interpretado como uma espcie de raciocnio: quando dizemos synienai, como se dissssemos compreender, pois essa expresso indica [b] que a alma acompanha o movimento das coisas. A palavra sabedoria (sophia) indica

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    412b contato com o movimento das coisas; expresso por demais obscura e de origem estrangeira. Contudo, devemos lembrar-nos que os poetas sempre que desejam indicar o comeo de um movimento rpido empregam a expresso arrojar-se (esyth). Entre os Lacedemnios houve um indivduo clebre chamado Sous, pois desse modo que os Lacedemnios designavam o movimento rpido. O contato com o movimento significa sophia, na pressuposio de que todas as coisas se movem. [c] Quanto palavra bem (agathon) aplicada a tudo o que na natureza admirvel (agast), pois, embora as coisas se movimentem, umas o fazem depressa e outras com lentido. Nem todas, portanto, so boas, mas apenas as velozes. A essa tcnica admirvel (agast) que se d o nome de tagathon. Justia (dikaiosyn) fcil de explicar, porque se refere compreenso do justo (dikaiou synesei). Justo (dikaion) mais difcil. At certo ponto parece haver acordo entre [d] as pessoas; porm logo comea a divergncia. Os que admitem que tudo est em movimento imaginam que o conjunto do universo no faz outra coisa seno passar, e que atravs do conjunto percorre um princpio gerador de tudo o que nasce, elemento rapidssimo e sutil. Nem lhe seria possvel atravessar o todo, se no fosse bastante sutil, para que nada o detivesse, sobre ser to rpido que passa pelas coisas como se elas fossem imveis. E como tudo governa esse elemento sua [e] passagem (diaion), foi com muita propriedade denominado dikaion, com o acrscimo de um kappa eufnico. At esse ponto, como dissemos h pouco, a

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