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Universidade
Estadual de Londrina
ANDRIA CARDOSO MONTEIRO
LIVRO DIDTICO:
REFLEXES SOBRE ATIVIDADES DE ANLISE LINGUSTICA
EM UMA ABORDAGEM ENUNCIATIVA
LONDRINA2008
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ANDRIA CARDOSO MONTEIRO
LIVRO DIDTICO:
REFLEXES SOBRE ATIVIDADES DE ANLISE LINGUSTICA
EM UMA ABORDAGEM ENUNCIATIVA
Dissertao apresentada ao Curso de Ps-graduao em Estudos da Linguagem daUniversidade Estadual de Londrina, comorequisito parcial obteno ao ttulo deMestre.
Orientador: Prof. Dr. Regina Maria Gregrio
LONDRINA2008
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Dados Internacionais de Catalogao-na-Publicao (CIP)(Biblioteca Central - UEM, Maring PR., Brasil)
Monteiro, Andria Cardoso
M775l Livro didtico: reflexes sobre atividades de anlise
lingstica em uma abordagem enunciativa. / Andria CardosoMonteiro. -- Londrina : [s.n.], 2008.
124 f. : il. color.
Orientadora : Prof. Dr. Regina Maria Gregrio.
Dissertao (mestrado) - Universidade Estadual de
Londrina, Programa de Ps-graduao em Estudos de
Linguagem, 2008.
1. Livro didtico - Acesso. 2. Livro didtico - Ensino-
aprendizagem. 3. Livro didtico - Anlise lingstica. 4.
Livro didtico - Gneros discursivos. I. Universidade
Estadual de Londrina, Programa de Ps-graduao em Estudos
de Linguagem. II. Ttulo.
CDD 21.ed.418
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ANDRIA CARDOSO MONTEIRO
LIVRO DIDTICO:
REFLEXES SOBRE ATIVIDADES DE ANLISE
LINGUSTICA EM UMA ABORDAGEM ENUNCIATIVA
Dissertao apresentada ao Curso de Ps-graduao em Estudos da Linguagem daUniversidade Estadual de Londrina, comorequisito parcial obteno ao ttulo deMestre.
COMISSO EXAMINADORA
_____________________________________Prof. Dr. Regina Maria GregrioUniversidade Estadual de Londrina
_____________________________________Prof. Dr. Renilson Jos MenegassiUniversidade Estadual de Maring
_____________________________________Prof. Dr. Alba Maria Perfeito
Universidade Estadual de Londrina
Londrina, _____de ___________de 2008.
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Ao Paulo, meu grande amor.
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AGRADECIMENTOS
A Deus, por conceder mais esta importante vitria em minha vida. A Ele toda honra e glria!
Prof. Dr. Regina Maria Gregrio pela carinhosa recepo em meu ingresso no Programade Ps-Graduao em Estudos da Linguagem, pela orientao paciente e dedicada,demonstrando sempre confiana para que eu trilhasse os caminhos da pesquisa
Ao Prof. Dr. Renilson Jos Menegassi e prof. Dr. Alba Maria Perfeito, pelas significativascontribuies apresentadas no Exame de Qualificao.
Aos membros do Grupo de Pesquisa Interao e escrita no ensino e aprendizagem(UEM/CNPQ) e, tambm, do Projeto de Pesquisa Escrita e ensino gramatical: um novo olharpara um velho problema (UEL) pelas muitas contribuies dadas a minha pesquisa.
Aos professores do Programa de Ps-Graduao de Estudos da Linguagem (UEL), peloconhecimento compartilhado.
amiga Luciana Vedovato, pela sintonia de idias e pelo compartilhamento das dificuldadesque tornaram o percurso desta jornada menos solitrio.
Ao meu marido Paulo, luz da minha vida, agradeo imensamente pela luta constante paraalcanarmos os nossos sonhos. Tenho certeza absoluta que essa dissertao no existiria semo teu amor, a tua dedicao e o teu carinho.
Ao Joo Paulo e Isabela, razes de minha existncia, agradeo pelo sorriso que vocs medo, a cada novo dia, mais fora para continuar nessa caminhada...
simplicidade e ao amor de meus pais, Joo e Creusa, pelos princpios ensinados efundamentos implantados, estimulando-me sempre a lutar pelos meus ideais.
s amigas, Ramadis e Gil, por no desistirem de mim durante minhas tantas ausncias!
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NO MEIO DO CAMINHO
No meio do caminho tinha uma pedraTinha uma pedra no meio do caminhoTinha uma pedra
No meio do caminho tinha uma pedra
Nunca me esquecerei desse acontecimentoNa vida de minhas retinas tao fatigadas.
Nunca me esquecerei que no meio do caminhotinha uma pedra
tinha uma pedra no meio do caminhono meio do caminho tinha uma pedra.
Carlos Drummond de Andrade
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MONTEIRO, Andria Cardoso. Livro didtico: reflexes sobre atividades de anliselingustica em uma abordagem enunciativa. 2008. Dissertao (Mestrado em Estudos daLinguagem)Universidade Estadual de Londrina, Londrina, 2008.
RESUMO
O livro didtico um dos poucos materiais aos quais professores e alunos tm acesso. Almdisso, um poderoso instrumento no processo de ensino e aprendizagem de lngua, pois,muitas vezes, delimita contedos, metodologias de ensino e, especialmente, as concepes delinguagem que permeiam a esfera escolar (SOUZA, 1999; CORACINI, 1999). Nesse sentido,acreditamos que o livro didtico atue como uma das principais molas propulsoras
responsveis por transformaes na esfera educacional. Em reconhecimento a influncia queesse material exerce na esfera em que circula, o PNLD- Programa Nacional do LivroDidtico- ancorado em documentos prescritivos como os Parmetros Curriculares Nacionais(BRASIL, 1998), que concebem a lngua como um sistema de signos ideolgico, heterogneo,multifacetado e repleto de interferncias do meio e dos sujeitos envolvidos na interao, atuacomo mecanismo de controle e fiscalizao. Sob tal enfoque, esta pesquisa bibliogrfica decunho analtico-descritivo, busca compreender como as atividades de anlise lingstica estopropostas em uma coleo didtica, cujo eixo de progresso e articulao para o ensino dalngua portuguesa so os gneros discursivos, a fim de verificar se elas esto relacionadas sprticas de leitura, conforme os dizeres dos documentos prescritivos. Para tanto, estadissertao fundamentou-se nos aportes tericos de Bakhtin/Volochnov (1929, 2006),Bakhtin (2003), alm de estudiosos como Brkling (2000, 2003), Geraldi (1997, 2001, 2006),Possenti (1996) e Perfeito (2005, 2006, 2007). Os resultados desta pesquisa mostram que,apesar dos avanos tericos apontados pela Lingstica Aplicada, o ensino gramaticalcontinua enfatizando o normativismo e a descrio do funcionamento da lngua materna,pertencentes a uma gramtica em que regras e contedos propostos so apresentados comoresultantes de prticas cristalizadas de ensino e onde a lngua concebida como um sistemahomogneo e isento de influncias scio-histricas. Por fim, considerando os dados apontadospor essa pesquisa, apresentamos uma proposta de trabalho a partir de um artigo de opiniopertencente coleo analisada com o objetivo de propor um trabalho em que a anliselingstica esteja contextualizada prtica de leitura.
Palavras-chave: Livro didtico; anlise lingstica; gneros discursivos
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MONTEIRO, Andria Cardoso. Didactic book: reflection about linguistic analisys activitiesin an enunciative approach. 2008. Dissertation (Master Degree in Language Studies) Universidade Estadual de Londrina, Londrina, 2008.
ABSTRACT
The didactic book is one of the few materials to which teachers and students get in touch. Inaddition, it is a powerful instrument in the language teaching and learning process because itoften draws contents, teaching methodologies and mainly the language conceptions whichpermeate the school sphere (SOUZA, 1999; CORACINI, 1999). In this sense, we believe thedidactic book acts as one of the major propelling factors for transformations in the educationalsphere. In recognition to the influence that material has inside the sphere it circulates, the
NPDB- National Program for the Didactic Book - based on prescriptive documents, such asNational Curriculum parameters (BRASIL, 1998) function as a control and inspectionmechanism. They conceive the language as a system of signs which is ideological,heterogeneous, multifaceted and full of interference from the environment and subjectsinvolved in the interactions. All of this considered, the present bibliographic research ofdescriptive-analytical focus, tries to understand how linguistic analysis activities are proposedin a didactic collection, whose progress and articulation axis for the Portuguese languageteaching are the discursive genres. It aims at verifying if they are related to the readingpractice, according to what the prescriptive documents say. To make it possible, thisdissertation is founded on the theoretical framework of Bakhtin/Volochnov (1929, 2006),Bakhtin (2003), as well as scholars like Brkling (200, 2003), Geraldi (1997, 2001, 2006),Possenti (2003) and Perfeito (2005, 2006, 2007). This research results show that, in spite ofthe theoretical advances pointed out by the Applied Linguistic the grammar teaching keeps onemphasizing the normativism and the functioning description of the mother tongue. Theybelong to a grammar where rules and contexts proposed are introduced as resulting from ateaching crystallized praxis and where language is conceived as a homogeneous system whichis free from socio-historical influences. Finally, regarding to the data provided by thisresearch, we propose a working way using an opinion article which belongs to the analyzedcollection with the purpose of showing another possibility in which the linguistic analysis iscontextualized to the reading practice.
Key-words: Didactic book; linguistic analysis; discursive genres.
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LISTA DE ILUSTRAES
Figura 1 Processo de internalizao resultante das interaes ................................. 30
Figura 2 Exemplos de esferas de atividade humana ............................................................ 39
Figura 3 Tudo linguagem- coleo didtica ........................................................... 62
Figura 4 Contexto de produo no Manual do professor........................................... 68
Figura 5 Modelo de texto motivador ........................................................................ 71
Figura 6 Texto didatizado e seu suporte original ...................................................... 73
Figura 7 Modelo de vocabulrio e de contexto de produo..................................... 74
Figura 8 Apresentao da seo Linguagem do texto............................................... 76
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LISTA DE GRFICOS
Grfico 1 Grfico comparativo entre os livros aprovados e excludos dos PNLDs
1999 a 2005 ....................................................................................................... 56
Grfico 2 Agrupamento das colees didticas ......................................................... 58
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LISTA DE QUADROS
Quadro 1 Quadro comparativo entre as concepes de linguagem ............................ 50
Quadro 2 Estrutura das unidades da coleo Tudo linguagem ................................ 65
Quadro 3 Tpicos gramaticais explorados nas unidades que abordam o artigo de
opinio ........................................................................................................87
Quadro 4 Caracterizao do artigo de opinio ........................................................... 90
Quadro 5 Estrutura composicional do artigo de opinio ................................................ 93
Quadro 6 Vozes empregadas para reforar o posicionamento do autor do
texto............................................................................................................. 98
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LISTA DE TABELAS
Tabela 1 Viso geral da coleo Tudo linguagem .................................................. 63
Tabela 2 Levantamento dos gneros discursivos na coleo Tudo linguagem ...... 64
Tabela 3 Dados referente s sees exploradas em cada srie .................................. 86
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LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
CESUMAR Centro de Ensino Superior de Maring
CNLD Comisso Nacional do Livro Didtico
COLTED Comisso Nacional do Livro Tcnico e Didtico
FAE Fundao de Assistncia ao Estudante
FAFIJAN Faculdade de Jandaia
FENAME Fundao Nacional de Material Escolar
FNDE Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educao
LP Lngua Portuguesa
MEC Ministrio da Educao e Cultura
PCNs Parmetros Curriculares Nacionais
PLIDEF Programa Nacional do Livro Didtico
PNLD Programa Nacional do Livro Didtico
UEL Universidade Estadual de Londrina
UEM Universidade Estadual de Maring
UNIOESTE Universidade Estadual do Oeste do Paran
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SUMRIO
INTRODUO ............................................................................................................... 15
1 CONCEPES DE LINGUAGEM ............................................................... 19
1.1 LINGUAGEM COMO EXPRESSO DO PENSAMENTO ............................................... 19
1.1.1 Gramtica Normativa: Reflexes Iniciais............................................................ 20
1.1.1.1 Razes da gramtica normativa: a origem desse magnetismo ainda presente
nas aulas de lngua materna ............................................................................... 21
1.1.1.2 Gramtica normativa: implicaes pedaggicas ................................................ 25
1.2 LINGUAGEM COMO INSTRUMENTO DE COMUNICAO ........................................ 26
1.2.1 Gramtica Normativa: Reflexes Iniciais ........................................................... 27
1.2.1.1 As razes da gramtica descritiva ...................................................................... 28
1.2.1.2 Gramtica descritiva: implicaes pedaggicas ................................................. 28
1.3 LINGUAGEM COMO INTERAO ........................................................................... 29
1.3.1 Gramtica Internalizada: Reflexes Iniciais ....................................................... 41
1.3.1.1 Um novo olhar para o ensino gramatical ............................................................ 42
1.3.1.2 O ensino gramatical e os gneros discursivos: promessas e possibilidades ....... 45
1.4 EM SNTESE ......................................................................................................... 49
2 LIVRO DIDTICO .......................................................................................... 52
2.1 PROGRAMA NACIONAL DO LIVRO DIDTICO:OS PERCALOS DE UM PERCURSO. 52
2.1.1 O perfil do Programa Nacional do Livro Didtico 2007 .................................... 56
2.2 EM SNTESE ......................................................................................................... 59
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3 METODOLOGIA ............................................................................................. 60
3.1 DELIMITAO DO CORPUS................................................................................... 60
3.1.1 Os Caminhos da Anlise .................................................................................... 65
4 ANLISE .......................................................................................................... 67
4.1 MANUAL DO PROFESSOR E DOCUMENTOS PRESCRITIVOS: UM ARRANJO
HARMNICO?......................................................................................................
68
4.2 UM OLHAR PARA AS UNIDADES QUE ABORDAM O ARTIGO DE OPINIO............... 70
4.2.1 A Linguagem do Texto ....................................................................................... 75
4.2.2 Lngua: Usos e reflexes .................................................................................... 79
4.3 TECENDO REFLEXES:AANLISE LINGSTICA NO LIVRO DIDTICO................ 85
5 ARTIGO DE OPINIO: NOVAS POSSIBILIDADES PARA O ENSINO
DE LNGUAS ................................................................................................... 88
5.1 MODELO DIDTICO:ARTIGO DE OPINIO ............................................................ 88
5.2 DIMENSES ENSINVEIS DO ARTIGO DE OPINIO ................................................ 90
5.2.2 Sugestes de Atividades para Abordagem em Sala de Aula .............................. 98
CONSIDERAES FINAIS ........................................................................... 105
REFERNCIAS ............................................................................................... 109
ANEXOS ........................................................................................................... 116
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INTRODUO
Retomo minhas memrias como professora do primeiro e segundo ciclos do ensino
fundamental para justificar a incurso em discusses referentes ao ensino gramatical no livro
didtico.
No incio da minha carreira, ainda cursando a graduao, assumi as primeiras aulas
com alunos do ensino fundamental (primeiro ciclo) em uma escola pblica. Naquele perodo,
os modelos escolares com os quais havia tido contato como estudante, fizeram me acreditar
que seria necessrio os alunos dominarem a gramtica normativa/descritiva, considerada eixo
de progresso e articulao curricular escolar, para que pudessem dominar a leitura e a escrita.Algum tempo depois, j graduada em Letras, comecei a trabalhar com alunos do
segundo ciclo do ensino fundamental em uma escola particular. L, a perspectiva para o
ensino de lnguas era diferente: a gramtica era excluda da sala de aula, pois acreditava-se
que ela no contribua com a formao do leitores e produtores de texto.
Por alguns anos, meu caminho e o de outros professores foi esse: desprezvamos a
gramtica e centralizvamos a ateno na leitura e na escrita de diferentes textos. Contudo,
com o passar do tempo, percebi que o ensino gramatical parecia fazer falta aos alunos, poissuas produes e interpretaes deixavam lacunas relacionadas falta de reflexo sobre a
lngua. Tal fato tambm foi percebido por outros professores e juntos comeamos a buscar
alternativas que possibilitassem a superao das dificuldades apresentadas pelos alunos.
Assim, aps algumas discusses, decidimos que, durante o perodo destinado a hora
atividade1, realizaramos leituras e discusses de artigos que possibilitassem a construo de
novos caminhos para o ensino gramatical. Como atividade prtica, durante esses encontros,
sugeri a anlise de livros didticos avaliados e aprovados pelo PNLD - Programa Nacional doLivro Didtico-, em uma tentativa de perceber como, ao menos em tese, o ensino da lngua
poderia ser configurado.
Em 2006, ingressei em um programa de ps-graduao munida de esperanas que me
propiciariam refletir sobre o processo de ensino-aprendizagem de lngua materna,
especialmente no aspecto referente ao estudo da lngua. Na mesma poca iniciei minha
participao no projeto de pesquisa Escrita e Ensino Gramatical: um novo olhar para um
velho problema (2003- 2007), coordenado pela professora Dr. Alba Maria Perfeito da
1 Perodo semanal destinado ao atendimento aos pais, planejamento das aulas, correo de textos e avaliaes,estudos.
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Universidade Estadual de Londrina e composto por professores, alunos de graduao e ps-
graduao da Universidade Estadual de Londrina (UEL), alm de colaboradores da
Universidade do Norte do Paran (UNOPAR), da Universidade Estadual de Maring (UEL) e
da Universidade Estadual do Oeste do Paran (UNIOESTE).
Este projeto de pesquisa, de cunho processual e etnogrfico, visou diagnosticar e
intervir na formao do professor de Lngua Portuguesa por meio de discusses e reflexes
prtico-terico- prticos, visto que dados levantados atravs de gravaes de aulas
pertencentes ao ensino fundamental apontavam desarticulao entre as prticas de leitura,
anlise lingstica e produo textual. Nesse sentido, as discusses realizadas pautavam-se em
pressupostos tericos advindos de Bakhtin/Volochnov (2006), Bakhtin (2003), Barbosa
(2003), Perfeito (2005, 2006, 2007), entre outros. Durante o desenvolvimento deste projeto,alm das reunies quinzenais, foram realizados encontros com os professores que atuavam
nas salas de aulas observadas, participaes em eventos, produes de dissertaes de
mestrado, teses de doutorado, monografias de especializao, alm de artigos publicados em
diferentes revistas e anais de eventos. Apesar de no haver participado do projeto em sua fase
inicial, desenvolvi pesquisas relacionadas ao Livro Didtico Pblico e, tambm, ao gnero
comunicado.
Alguns meses depois, ingressei no grupo de pesquisa Interao e Escrita no Ensino eAprendizagem (UEM/CNPQ), sob coordenao do professor Dr. Renilson Jos Menegassi e
com participao de professores e acadmicos da graduao e da ps-graduao (lato e strictu
sensu) da Universidade Estadual de Maring (UEM), alm de professores de outras
instituies de ensino superior como a FAFIJAN, CESUMAR, UNIOESTE.
O Grupo de Pesquisa, preocupando-se com a situao do ensino de lnguas materna e
estrangeira, desenvolve pesquisas relacionadas formao do professor, escrita, leitura,
anlise lingstica, alm de promover disseminao de conhecimento atravs da promoo deeventos como o SEALI (1 Seminrio de Ensino de Aprendizagem de Lnguas, 2007), que
aproximou os professores da rede pblica e particular das pesquisas de ordem terico-prtica
realizadas por membros do grupo. Alm de artigos j publicados sobre as temticas inseridas
no grupo, tambm so desenvolvidas dissertaes, monografias, entre outros. Nesse sentido,
destacamos a pesquisa que desenvolvemos a respeito das marcas de interao no livro
didtico.
O referencial terico que norteia as discusses do grupo tem como base o scio-
interacionismo a partir dos pressupostos de Bakhtin/Volochnov (1929, 2006), Bakhtin (2003)
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e Vygotsky (1998) e outros pertencentes a literatura brasileira que neste contexto esto
inseridos.
Assim, a partir do contexto apresentado, especialmente atravs das contribuies
advindas das discusses do Grupo e do Projeto de Pesquisa, optei pela construo de um
trabalho terico/prtico que propiciasse reflexes a respeito do ensino gramatical a partir da
tica do livro didtico, visto acreditar que, alm de ser uma das poucas fontes de pesquisa aos
quais professores e alunos tm acesso (SOUZA, D. 1999; CORACINI,1999), muitas
mudanas na esfera educacional so impulsionadas por esse material, que, ao menos em tese,
tem incorporado paulatinamente os pressupostos tericos propagados pelos PCNs, (BRASIL,
1998a) e, tambm, pelo Guia de Livro Didtico (BRASIL, 2007).
Sob tal enfoque, Brkling (2003, p. 212) considera de vultuosa relevncia aspesquisas que envolvem os livros didticos por serem responsveis, muitas vezes, pela
seleo de contedos e atividades, alm de serem
[...] uma ferramenta semitica que realiza a mediao entre aspectos doconhecimento sobre a linguagem e a lngua, de um lado, e o professor e osalunos, de outro, numa instncia socialmente legitimada como espao deaprendizado.
Desse modo, ao considerar os pressupostos advindos da Lingstica Aplicada, mais
especificamente da Teoria da Enunciao bakhtiniana, esta pesquisa apresenta como objetivo
geral compreender como as atividades de anlise lingstica so propostas no livro didtico, a
partir do tratamento da lngua soba tica dos gneros discursivos, a fim de entender se esto
relacionadas s prticas de leitura dos gneros definidos. Para tanto, selecionamos como
corpus para esta pesquisa as unidades que exploram gnero artigo de opinio.
Para que objetivo geral seja atingido, so estabelecidos quatro objetivos especficos
para este trabalho:
- Determinar os procedimentos tericos-metodolgicos propostos no Manual do
Professor do livro didtico investigado para as prticas de anlise lingstica, confrontando a
teoria que subsidia o trabalho e as atividades apresentadas;
- Identificar a concepo de linguagem e de gramtica subjacente s prticas de anlise
lingstica propostas no livro;
- Definir como as marcas lingstico-enunciativas do gnero analisado se articulam s
prticas de leitura;
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- Propor as dimenses do trabalho em situao de ensino-aprendizagem para o gnero
analisado, a partir dos resultados obtidos por meio das anlises do livro didtico em uma
tentativa de explorar a lngua como um sistema constitudo por signos ideolgicos
(BAKHTIN/VOLOCHNOV, 2006).
O trajeto percorrido para que os objetivos sejam alcanados esto distribudos em
cinco captulos, que se baseiam prioritariamente em pressupostos tericos de
Bakhtin/Volochnov (1926, 2006) e Bakhtin (2003).
No primeiro, esto contidos conceitos chaves relacionados s concepes de
linguagem e de gramtica respectivamente, porque elas atuam como foras determinantes no
agir do professor e, tambm, na produo de materiais didticos.
No segundo captulo, so apresentadas reflexes pertinentes ao livro didtico, cujanfase, est relacionada ao histrico de percalos do PNLD (Programa Nacional do Livro
Didtico) responsvel pelo processo de anlise da qualidade dos livros didticos brasileiros.
No terceiro captulo, so discutidos os passos percorridos para a delimitao do corpus
desta pesquisa, bem como os procedimentos metodolgicos necessrios para a construo da
mesma.
O quarto captulo, responsvel por apresentar a anlise do corpus pesquisado,
examina, inicialmente, os pressupostos tericos que embasam o Manual do professorcomparando-os com os documentos prescritivos. Em seguida, demonstra os aspectos gerais
das unidades analisadas. E, por fim, tece reflexes a respeito das atividades contidas nas
sees A linguagem do texto e Lngua: usos e reflexo.
O quinto captulo, construdo a partir dos resultados obtidos atravs da anlise
realizada no capitulo anterior, responsvel por discutir as dimenses ensinveis do artigo de
opinio e, tambm, por propor possibilidades de trabalho subsidiadas pela teoria bakhtiniana,
em uma tentativa de ir alm do estudo e da memorizao de regras e identificao deelementos da gramtica tradicional.
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1 CONCEPES DE LINGUAGEM
A disciplina de Lngua Portuguesa, durante muitos anos, foi norteada pelo ensinogramatical, por isso, era considerado essencial que os alunos conseguissem identificar,
classificar e reconhecer as regras pertencentes norma culta. Nessa perspectiva, a lngua era
concebida como um objeto imutvel e distante do fluxo da interao verbal.
Essa realidade comea a ser transformada paulatinamente, atravs dos pressupostos
bakhtinianos e toma fora com a chegada dos Parmetros Curriculares Nacionais de Lngua
Portuguesa (doravante PCNs) s escolas. Todavia, junto dele, chegaram tambm dvidas,
incertezas. Ento, que papel o ensino gramatical ocupa neste documento? E na sala de aula? Oensino gramatical deve ser abandonado? Devemos exclu-lo do caminho? Diante de tantos
questionamentos, a gramtica, para muitos, tornou-se uma pedra no meio do caminho.
Desse modo, partindo em busca de respostas, optamos por percorrer um caminho que ,
inicialmente, construdo atravs da anlise de algumas caractersticas referentes s concepes de
linguagem, relacionando-as ao ensino gramatical. A incurso por tal percurso justifica-se por
compreendermos que essas concepes esto refletidas no agir do professor e na produo de
materiais didticos de lngua materna, influenciando de maneira direta o processo de ensino-
aprendizagem de lngua (ANTUNES, 2007; FARACO, 2005a).
Nesse sentido, este captulo tem por objetivo tecer algumas reflexes a respeito das
concepes de linguagem bem como o ensino gramatical, luz, especialmente, da perspectiva
enunciativa bakhtiniana, numa tentativa de traar alguns caminhos que tornem possvel
instrumentalizar o aluno a se manifestar de maneira adequada nas mais diversas esferas de
atividade humana.
1.1 LINGUAGEM COMO EXPRESSO DO PENSAMENTO
A concepo de linguagem como expresso do pensamento defende a tese de que a
lngua a exteriorizao de uma atividade mental, individual e isenta de qualquer influencia
externa. Em outras palavras, a dificuldade de expresso est relacionada falta de
organizao do pensamento do indivduo .
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No artigo Discurso na vida e discurso na arte2, Bakhtin/Volochnov(1926) criticam a
nfase dispensada psique individual, no que chama de estudo da psique do criador ou do
contemplador. Posteriormente, na obra Marxismo e filosofia da linguagem(2006), os autores
criticam essa concepo, nomeada subjetivismo individualista, porque os fatores externos ao
sujeito so ignorados e, tambm, pela nfase dispensada ao uso de uma lngua ideal, como
aquela utilizada em obras clssicas.
Essa viso aponta a enunciao monolgica como ponto de partida de reflexo sobre a
lngua, isto porque ela
se apresenta como um ato puramente individual, como uma expresso daconscincia individual, de seus desejos, suas intenes, seus impulsos
criadores, seus gostos, etc. (BAKHTIN/VOLOCHNOV, 2006, p. 114).
A enunciao monolgica no leva em conta a esfera em que o indivduo est inserido,
to pouco a presena do interlocutor e o entrecruzamento de vozes porque a ateno est
centrada no sujeito, como ser individual e isento de influncias externas.
No Brasil, Travaglia (2006, p. 21) assevera que, de acordo com essa concepo, o
pensamento construdo no interior da mente do indivduo, isento de influncias do meio em
que o sujeito est inserido e a sua expresso configurada atravs da traduo do pensamento.
Consequentemente, a lngua concebida como resultante de um processo de criaoindividual motivada por atos psicofisiolgicos. Ou seja, a dificuldade em se expressar com
clareza est relacionada precariedade de organizao de raciocnio.
Desse modo, para que o individuo consiga se expressar com clareza necessrio que
ele obedea a princpios gerais que possibilitem melhor organizao do pensamento, o que se
torna possvel atravs da leitura das obras clssicas, que apresentam modelos de referncia
para a arte do bem falar e do bem escrever (PERFEITO, 2007).
A concepo de gramtica normativa, subjacente da concepo de linguagem comoexpresso do pensamento, ser discutida na prxima seo.
2 O texto originalmente publicado em russo, em 1926, sob o ttulo Slovo vzhizni i slovo v poesie apresentaprenncio de alguns conceitos do crculo de Bakhtin que so desenvolvidos posteriormente na obra Marxismoe Filosofia da Linguagem (2006).
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1.1.1 Gramtica Normativa: Reflexes Iniciais
A gramtica normativa pode ser definida como um conjunto de regras que, ao serem
seguidas, supostamente, levam o indivduo proficincia na escrita e na fala, com nfase na
primeira. Travaglia (2006), assinala que essa concepo
apresenta e dita normas de bem falar e escrever, normas para a corretautilizao oral e escrita do idioma, prescreve o que se deve e o que no sedeve usar na lngua. Essa gramtica considera apenas uma variedade dalngua como vlida, como sendo a lngua verdadeira. (p. 31, grifo do autor).
Saber a lngua, ento, significa conhecer as regras e as nomenclaturas contidas no
manual da lngua sob pena de no conseguir aceitao social (FRANCHI, 2006). Nesse
sentido, quem no as domina comete erros, distores lingsticas e, como conseqncia,
sofre preconceito e acaba excludo da sociedade.
Geraldi (1997), Travaglia (2006) e Perfeito (2005) postulam que a gramtica
normativa ainda se faz presente em muitas salas de aula, sendo concebida, por muitos, como
eixo de progresso e articulao curricular para o ensino de lngua. Assim, torna-se relevante
discutirmos a respeito da origem dessa concepo, pois ela ainda exerce grande influncia nas
aulas de Lngua Portuguesa.
1.1.1.1 As razes da gramtica normativa: a origem desse magnetismo ainda presente nas
aulas de lngua materna
As razes da gramtica normativa tiveram suas primeiras ramificaes na Grcia
antiga atravs de estudos filosficos que so divididos em trs perodos: os pr-socrticos e os
primeiros retricos, os esticos e, tambm, os alexandrinos. Naquela poca, o interesse erarefletir sobre as relaes existentes entre a lngua e suas respectivas apresentaes no mundo
material (SUASSUNA, 2003).
No primeiro perodo, de acordo com Neves (2002), o interesse por estudos
relacionados linguagem esteve ligado inicialmente aos poetas, que de maneira intuitiva
refletiam sobre a lngua atravs da tica da filosofia. Citemos ainda as contribuies de Plato
(428/27-347 a.C.) e Aristteles (384-322 a.C.). O primeiro, atravs da obra Crtilo, apesar de
no ser considerada um compndio gramatical, reflete sobre questes relacionadas origem
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da lngua. Entretanto, devemos mencionar que Plato trouxe valorosas contribuies
referentes a diviso das primeiras partes do discurso (NEVES, 2002, p. 37).
Nesse perodo, Aristteles foi o primeiro a realizar um estudo minucioso e
sistematizado a respeito da estrutura lingstica, sendo que muitos de seus estudos so
considerados nas gramticas atuais. Citemos como exemplo algumas categorias gramaticais3,
na poca conhecida como categoria aristotlica, tais como conjuno e verbo, que deram
origem gramtica tradicional, mas, trouxeram resqucios de marcas filosficas. Suassuna
(2003) afirma que as contribuies desse pensador so de grande valia para a construo da
gramtica grega que desenvolveu um notvel estudo lgico da linguagem, segmentando o
discurso em partes e investigando a estrutura da orao (p. 20).
No segundo perodo, apesar de resqucios filosficos, a lngua passa a ser tratada emobras independentes, podendo ser definida como expresso de experincias sensoriais e
intelectuais do homem.
Os esticos, pertencentes a uma das principais correntes da filosofia dessa poca,
concebiam a lngua como expresso do pensamento, mas a nfase no estava nos estudos
lingsticos, pois eles no estavam
interessados na lngua em si mesma: como filsofos, a lngua era, para eles,antes de mais nada, a expresso do pensamento e dos sentimentos e nessaperspectiva que era investigada. Essa uma caracterstica que os esticoscompartilharam com os estudiosos do perodo anterior: todosdesenvolveram o estudo sobre a lngua no mbito de pesquisas filosficasou lgicas. (LOBATO, 1986, p. 78).
O terceiro perodo, historicamente conhecido como helenstico, enfatizava o estudo
lingstico atravs da literatura. Naquela poca, o objetivo era fazer com que os povos
conquistados conhecessem e utilizassem a lngua e a cultura grega considerada suprema,
numa tentativa de garantir a imutabilidade e a pureza lingstica. Para tanto, nessa poca o
que se procura , acima de tudo, transmitir o patrimnio literrio grego, privilegiando-se,
como atividade cultural, o exame das grandes obras do passado (NEVES, 2002, p. 49).
Destarte, a lngua deve ser ensinada para ser preservada. Surge, ento, uma disciplina
gramatical que tem como objetivo disseminar a lngua considerada culta, ideal atravs do
estudo de obras clssicas, detentoras de uma linguagem concebida como modelar.
3 vlido ressaltarmos que os elementos que compuseram as categorias gramaticais foram tecidaspaulatinamente, pois receberam contribuies de diferentes tericos em diversos momentos da histria.
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Dentre, os alexandrinos destacamos a relevncia dos estudos propostos por Dionsio, o
Trcio (170- 90 a. C.), autor da primeira gramtica do mundo ocidental, a (Tchn)
Grammatik, considerada bero da gramtica normativa por ser o primeiro registro terico-
prescritivo da lngua (NEVES, 2002; SILVA, 2002). Tal gramtica ainda se desenvolve
atravs de muitos estudiosos como Apolnio Dscolo (II a. C.) e Varro, entre outros.
Apolnio Dscolo (II a.C.), influenciado por Dionsio o Trcio, dispensa especial
ateno teoria sinttica grega, tpico por ele no abordado. A partir dos apontamentos de
Dionsio, o estudo gramatical adquire um novo status gramatical, apesar do seu vis filosfico
(SENNA, 1998).
Em Roma, sobre forte influncia de Dionsio, o Trcio e de Apolnio Dscolo, Varro
(I a.C.) aplicou a gramtica grega ao latim, cuja nfase estava, tambm, na valorizao daescrita, especialmente dos clssicos. Nesse sentido, a oposio entre o latim clssico e o
vulgar foram enfatizados.
Dessa maneira, Suassuna (2003, p. 21), assinala que,
[...] os romanos, por sua vez, aplicaram ao Latim as principais conquistasdos gregos. Mas, nessa poca, o estudo do Certo e do Errado sobrepujou alinha lgica e filosfica dos estudos sobre a linguagem. Isso porque o
crescimento do Imprio Romano impunha a necessidade de uma lnguanica (nessa poca, havia conflito entre a lngua falada pelas classes rurais ea lngua oficial das classes superiores).
De acordo com os estudos de Suassuna (2003), o estudo do Certo e do Errado
adentraram a Idade Mdia atravs das gramticas de Donato (IV d.C.), que se ocupou das
descries fonticas, da pronncia, enquanto que Prisciano (V d.C.), construiu a primeira
sintaxe do latim. A obra de tais autores, inicialmente, tornou-se obrigatria na disciplina
denominada Gramtica, pertencente escola palatina4. Nesse perodo a corrente filosfica
dominante era a escolstica, que buscava tecer relaes entre a f e a razo. Com os
escolsticos, fazem-se reflexes de ordem filosfica sobre as lnguas, sendo a gramtica
considerada uma disciplina auxiliar da Lgica. (SUASSUNA, 2003, p. 22). De acordo com
essa corrente, as escolas eclesisticas, inicialmente, deveriam fornecer instrues aos leigos,
sendo dividida em trs perodos: a escolstica primitiva, a mdia e a tardia.
Silva (2002) aponta que os estudos gramaticais seguiram duas linhas distintas. A
primeira preocupava-se com os estudos e a valorizao da lngua latina e do greco-latim e a
segunda a partir do sculo XV com estudo das lnguas dos espaos conquistados pelos
4 Escola fundada junto corte do rei Carlos Magno.
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romanos, que necessitavam compreender a estrutura de uma nova lngua a fim de que
pudessem tornar acessvel sua doutrina religiosa.
A partir dessa vertente, no Renascimento, a lngua torna-se um objeto de ensino, o que
traz reformulaes quanto ao uso da gramtica que clama por clareza, sistematizao e
eficcia, necessrias s aplicaes pedaggicas, acaba por refrear as especulaes lingsticas
medievais. (SILVA, 2002, p. 24).
Nesse perodo se encontra o embrio do pensamento educacional que vai orientar o
sculo XVI. [...] a educao ministrada aos pobres era apenas restrita aos ensinamentos
cristos e no educao formal com a que era dada aos ricos. (CASAGRANDE, 2004, p.
29-30).
Os estudos sobre a relao entre pensamento e lngua continuam vigorando,entretanto, o campo de observao alterado devido ao interesse por outras lnguas. Destarte,
a gramtica torna-se objeto de estudo e tambm de ensino, onde o carter descritivo e
normativo so enfatizados (SILVA, 2002).
Destacamos, ainda, a Grammaire gnrale et raisone, tambm conhecida como a
gramtica de Port Royal de Arnault e Lancelot, que discute fundamentalmente os princpios
comuns a todas as lnguas, bem como suas diferenas. Em consonncia a esta afirmativa,
Perfeito (2005, p. 25) afirma que embora Port Royal retome a gramtica greco-alexandrina,estabelece princpios no diretamente ligados descrio de uma lngua particular, e sim, de
princpios universais [...].
De acordo com Silva (2008, p. 5) nessa gramtica, explicita-se a noo de signo
como meio, atravs do qual os homens expressam seus pensamentos sendo que, atravs dela,
houve uma tentativa de estabelecer caractersticas que pudessem ser encontradas em todas as
lnguas.
De acordo com Silva (2005, p. 16-17),
Em face do grande nmero de usos da comunidade lingstica que osgramticos filosficos racionalistas conheciam, devia-se realizar,obrigatoriamente, uma escolha, tornar operacional a codificao do usoexemplar, que no seria apagntico da maioria dos locutores, mas sim deuma elite da comunidade lingstica. Transfere-se assim dos grandesautores do passado para um segmento legitimado pela sociedade o modelolingstico a ser seguido.
A partir do levantamento histrico realizado, percebemos quo antiga a gramtica
normativa, que sempre imps e valorizou normas e modelos a serem seguidos, numa tentativa
de fazer com que a lngua fosse um instrumento de controle e excluso. Mas, apesar de estar
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teoricamente5superada, ainda exerce grande influncia no ensino de lngua materna. Teamos
algumas reflexes a respeito das implicaes pedaggicas desse modelo gramatical.
1.1.1.2 Gramtica normativa: implicaes pedaggicas
A escola e sua clssica preocupao com o ensino da gramtica normativa tende a
forjar um ensino reprodutor, que enfatiza a identificao e a classificao de nomenclaturas e
regras gramaticais, tornando enfadonho e improdutivo o ensino de Lngua Portuguesa. Nesse
sentido, apesar dos avanos tericos no campo da Lingstica e das constantes reflexes
presentes no meio acadmico, o ensino de lngua materna pouco avanou, pois as discusses
parecem no transpor a esfera acadmica e uma crise parece ter se instaurado (SILVA, 2004).Sob tal enfoque, Geraldi (1997, 2001, 2006), Possenti (1996), Bechara (2006),
Suassuna (2003), Antunes (2007), Travaglia (2007), Silva (2004), entre outros estudiosos
brasileiros, postulam que o excesso de ateno dispensada gramtica normativa torna o
ensino de lngua materna incuo, pois os alunos so tratados como se estivessem explorando
uma lngua estrangeira6.
Desse modo, atravs de retomada histrica apresentada, percebemos que, apesar da
distncia temporal, muitas prticas referentes ao percurso tradicional normativo tornaram-secristalizadas (GERALDI, 1997; TRAVAGLIA, 2006). Dentre elas destacamos: a funo do
texto em materiais didticos, a disseminao de uma nica variedade lingstica: a padro,
alm da nfase na escrita e da suposta imutabilidade da lngua. Teamos, ento, algumas
reflexes a esse respeito.
Em um perodo no muito distante verificvamos uma forte ateno dispensada a
textos prioritariamente literrios pertencentes a obras clssicas, numa tentativa, entre outras,
de fazer com que a lngua fosse apreendida a partir dos dizeres de autores consagrados,
considerados mestres que, supostamente, serviam como exemplo para o bom uso da lngua.
Entretanto, a partir de uma discusso iniciada a partir da dcada de 80 que toma fora com a
publicao de documentos prescritivos como os PCNs (BRASIL, 1998a) e o PNLD 7 o
trabalho com a diversidade textual passou a ser enfatizado, porm, com o mesmo vis de
outrora.
5 De acordo com Perfeito (2005), a gramtica normativa foi teoricamente rompida a partir de Saussure (1969).
Ao destacarmos o vocbulo teoricamente entendemos que apesar de avanos conquistados pela lingstica, omodelo proposto pela gramtica normativa ainda se faz presente no atual sistema educacional.
6 Ver captuloLngua, fala e enunciao (BAKHTIN, 2006).7 PNLD (Programa Nacional do Livro Didtico) a ser discutido em captulo posterior.
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Uma outra prtica verificada a nfase dispensada a norma padro, que possibilita ao
aluno o acesso a uma nica variedade lingstica, em detrimento a outras possibilidades que a
lngua oferece. Enfatizando prioritariamente a escrita como nica forma para apreenso dessa
variante.
Por fim, a gramtica normativa concebe a lngua, conforme mencionado
anteriormente, como um sistema fixo e invarivel, uma espcie de produto que sempre igual
a si mesma, independente do contexto em que os enunciados esto inseridos. Por isso, cabe a
escola executar um ensino preocupado com a reproduo de conhecimentos lingsticos
cristalizados. Desse modo, o sistema premia aquele que consegue reproduzir exatamente os
modelos propostos por professores, via livro didtico, como se a lngua fizesse parte de um
conhecimento acabado e isento de influncias do meio scio-histrico-cultural.Em consonncia com esses dizeres, Suasssuna (2003) evidencia que
[...] tudo leva a reproduo: o aluno reproduz a fala do professor, quereproduz a fala do livro didtico, que reproduz um jeito de se interpretar avida - a escola se reproduz, enfim. At porque como o conhecimento visto/dado como algo acabado, resta a todos apreend-lo e reproduzi-lo, semconstru-lo (ou sem ver que ns o construmos histrica e permanente). (p.58, grifo nosso).
Destarte, o sistema educacional, envolvido com a reproduo de normas lingsticas,
pouco ou nada contribui com o desenvolvimento do cidado crtico, j que refora o emprego
de uma lngua supostamente ideal e estabilizada.
1.2 LINGUAGEM COMO INSTRUMENTO DE COMUNICAO
A concepo de linguagem como instrumento de comunicao define lngua como um
sistema de cdigos imutveis que transmite mensagens de um emissor para um receptor.
No artigo Discurso na vida e discurso na arte, Bakhtin/Volochnov (1926), criticam
tal concepo, ao mencionar a fetichizao da obra artstica como artefato. Nessa perspectiva,
o campo de investigao se restringe obra por si s, qual analisada de tal modo como se
tudo em arte se resumisse a ela. O criador da obra e seus contempladores permanecem fora da
investigao ( p. 03). Desse modo, a obra pode ser concebida como sinnimo de lngua ideal
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e imutvel que permeia a sociedade, sendo utilizada apenas como um instrumento de
comunicao, sem que as influncias externas sejam consideradas.
Bakhtin/Volochnov (2006), na obra Marxismo e filosofia da linguagem, nomeiam
essa concepo como objetivismo abstrato, numa crtica Lingstica tradicional que divulga
a lngua como um sistema ideal, abstrato a ser incorporado pelo sujeito falante.
No Brasil, Travaglia (2006) evidencia que
[...] a lngua vista como um cdigo, ou seja, como um conjunto de signosque se combinam segundo regras, e que capaz de transmitir umamensagem, informaes de um emissor a um receptor. Esse cdigo deve,portanto, ser dominado pelos falantes para que a comunicao possa serefetivada. (p. 22).
O estudioso ainda ressalta que essa uma viso redutora do estudo da lngua, pois o
foco est situado apenas ao seu funcionamento interno, onde o sujeito, bem como as
condies de produo da lngua so desconsideradas. Em conseqncia, o locutor e o
receptor devem apropriar-se da lngua imutvel, transmitida de gerao para gerao atravs
de um constante exerccio de passividade, o que, na esfera escolar, constitui elemento basilar
da gramtica descritiva.
1.2.1 Gramtica Descritiva: Reflexes Iniciais
A gramtica descritiva explica o funcionamento da lngua, incluindo suas variedades,
ou seja, ela se ocupa da descrio das formas gramaticais de determinada comunidade
lingstica.
Nesse caso, o lingista responsvel por observar, descrever e registrar ofuncionamento da lngua. Segundo Travaglia (2006), o cientista, nessa concepo,
pode fazer gramticas de todas as variedades da lngua, propondo deacordo com um modelo terico quais as unidades e categorias da lngua,bem como as relaes que podem ser estabelecidas entre elas e suasfunes, o seu funcionamento. (p. 27).
Em outras palavras, cada variedade lingstica pode ter sua prpria gramtica, que se
ocupa em descrever o funcionamento e a estrutura interna da lngua. (MADEIRA, 2005). Aconstruo desse manual estabelecida a partir da anlise de frases que vo se afunilando
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para o estudo de unidades menores, numa tentativa de estabelecer relaes que expliquem o
processamento da lngua.
Em sntese, a gramtica continua apresentando normas, mas a nfase est na descrio
de seu funcionamento, na forma e na funo da lngua (TRAVAGLIA, 2006). Assim, saber
gramtica significa ser capaz de descrever expresses, bem como de reconhecer a estrutura e
o funcionamento interno da lngua (FRANCHI, 2006).
1.2.1.1 As razes da gramtica descritiva
A concepo de linguagem como instrumento de comunicao surgiu atravs da
dicotomia langue x parole, proposta por Saussure por volta de 1969. Segundo esse terico, a
langue, doravante lngua, permeia a sociedade e paira sobre o indivduo, enquanto que a
parole, doravante fala, denominada como um sistema de signos que internalizado pelo
falante. Nessa perspectiva, a lngua seria um conjunto de normas fixas do qual o indivduo se
apropria e a utiliza como um instrumento de comunicao.
De acordo com Perfeito (2005), Saussure e seus caudatrios participaram dadisseminao dessa concepo. Entre eles Jakobson, que no final da dcada de 70 props uma
viso informativa da linguagem, inserida no estruturalismo, cuja viso ampliava o modelo
proposto por Karl Bhler, o qual reconhecia trs funes bsicas da linguagem, de acordo
com a incidncia no emissor (funo expressiva/emotiva); no receptor (funo
apelativa/conativa) ou no referente/contexto (funo referencial/informativa) (p. 34).
Jakobson considerou essas funes e props os elementos mensagem, canal e cdigo como
fatores relevantes no ato comunicativo.A partir desses avanos nos aspectos tericos, o ensino de lngua materna sofre
algumas transformaes que so descritas na prxima seo.
1.2.1.2 Gramtica descritiva: implicaes pedaggicas
No ambiente escolar, a gramtica descritiva preocupa-se com a representao de fatos
lingsticos atravs de exerccios estruturais atravs de exerccios em que o aluno deve
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completar lacunas, seguir modelo, resolver atividades de mltipla escolha, alm do estudo das
funes da linguagem (PERFEITO, 2005).
Dessa maneira, cabe ao aluno agir como um cientista a dissecar a lngua, que tratada
como morta e estrangeira (BAKHTIN/VOLOCHNOV, 2006), ou seja, ela um aparato
supostamente desconhecido e sem vida a ser manipulado, analisado de maneira
descontextualizada. A partir dessa perspectiva, na escola, essa gramtica aplicada ao
funcionamento interno da lngua, mais especificamente da norma padro, como se as
inmeras variedades lingsticas fossem inexistentes (TRAVAGLIA, 2006).
Nesse sentido, o ensino da gramtica assume sua verso tradicional, ou seja, privilegia
o ensino da lngua atravs de elementos pertinentes s gramticas normativa e a descritiva
porque utiliza-se dos processos de anlise do funcionamento e da descrio lingstica paraensinar e prescrever elementos que supostamente instrumentalizam o aluno para a arte do bem
falar e do bem escrever (FRANCHI, 2006, p. 20-21).
Consoante com esses pressupostos, Antunes (2007, p. 36) menciona que a associao
entre as gramticas normativa e descritiva apresenta funo prescritiva e controladora, em
uma tentativa de garantir a supremacia, a reproduo e a estabilidade da lngua padro.
1.3 LINGUAGEM COMO INTERAO
O vocbulo interao apresenta inmeros significados. De acordo com Houaiss e
Villar (2001) a palavra interao pode ser definida como
1. influncia mtua de rgos ou organismos inter-relacionados; 2. aorecproca de dois ou mais corpos; 3. atividade ou trabalho compartilhado, emque existem trocas e influncias recprocas; 4. comunicao entre pessoasque convivem; dilogo, trato, contato. (p. 328).
Morato (2007), ao refletir sobre esse conceito, postula que o termo em pauta possui
carter polissmico e apresenta uma de suas definies mais expressivas:
[...] como se observa na raiz (inter)- idia de influncia recproca; emsegundo lugar, ele [o termo] nos convida a pensar em algo compartilhado de
forma reflexiva (isto , a ao)[...] De todo modo, ela [a definio] capazde indicar que toda empreitada ou ao do sujeito do mundo se inscreve numquadro social, submete-se s regras de gesto histrico-cultural, no nuncaideologicamente neutra. (p. 315-316).
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A partir das acepes apresentadas, verificamos que a interao pode ser definida
como uma espcie de troca entre os sujeitos que esto envolvidos em determinada esfera de
atividade humana.
A partir dessa definio encontramos referenciais tericos, sobretudo, na perspectiva
enunciativa bakhtiniana e na teoria scio-histrica de Vygotsky. Bakhtin/Volochnov (1926,
2006), Bakhtin (2003) e Vygotsky (1998) defendem a tese de que a linguagem adquirida e
desenvolvida por meio das relaes sociais estabelecidas entre os sujeitos (interao) e o
meio, ou seja, do aspecto intersocial para o intrasocial.
Vygotsky (1998), psiclogo russo, evidencia que o Processo Psicolgico Superior
(PPS), compreendido como parte de uma conduta tipicamente humana responsvel pelodesenvolvimento de capacidades como inteligncia prtica, ateno voluntria e da memria,
so estimuladas e desenvolvidas via interao. Tal desenvolvimento decorre do processo de
internalizao, definido como reconstruo interna de uma operao externa (VYGOTSKY,
1998, p. 63), ou seja, esse processo inicialmente interpessoal e, posteriormente, intrapessoal,
podendo ser verificado em trs momentos distintos: o da fala externa, fala egocntrica e a fala
interna:
Fala externa-Relao interindividual
Falaegocntrica
Fala interna
Figura 1 Processo de internalizao resultante das interaes
Conforme podemos observar, o primeiro momento do processo de internalizao
marcado pela interao entre os sujeitos, em que ocorre cruzamento de vozes que lhes so
externas. No segundo momento, uma fase transitria, a fala egocntrica transforma-se na fala
interna, que caracterizada como a apropriao do discurso alheio propriamente dito, ou seja,
h o entrecruzamento das vozes envolvidas na interao.
Baquero (2001) defende que
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So necessrios alguns esclarecimentos sobre o conceito de interiorizao.Contra a imagem intuitiva que a verso mais simples atribuiria ao conceito,interpretando-o como uma espcie de transferncia ou cpia criativa decontedos externos no interior de uma conscincia, no campo da teoria, naverdade, os processos de interiorizao seriam os criadores de tal espaointerno. Quer dizer, deve-se conceitualizar a internalizao como criadorade conscincia e no como a recepo na conscincia de contedosexternos. (BAQUERO, 2001, p. 33-34, grifos do autor).
Em outras palavras, o sujeito no copia a fala alheia, ele a (re)constri, a ressignifica
de acordo com sua vivncia, contexto e finalidade de seu discurso atravs de um processo que
iniciado pela interao.
Bakhtin/Volochnov (2006), ao considerar a linguagem como fruto das relaes
interpessoais, define interao como uma espcie de ao de reciprocidade entre o locutor eseu interlocutor. Geraldi (1997, p. 13), ao retomar os dizeres de Bakhtin, considera que toda
interao uma relao entre um eu e tu, relao intersubjetiva em que se tematizam
representaes das realidades factuais ou no (grifo do autor). Desse modo, os sujeitos
envolvidos nesse processo so capazes de manifestar suas representaes de mundo, que lhes
so internas, atravs da linguagem.
Geraldi (1997) assevera que as interaes ocorrem dentro de um contexto histrico
amplo e imediato, pois elas s se tornam possveis enquanto acontecimentos singulares, nointerior e nos limites de uma determinada formao social, sofrendo as interferncias, os
controles e as selees impostas por esta (p. 116).
Nessa perspectiva, Bakhtin/Volochnov (1926) afirmam que
Na vida, o discurso verbal claramente no auto-suficiente. Ele nasce deuma situao pragmtica extraverbal e mantm conexo mais prximapossvel com esta situao. Alm disso, tal discurso diretamente vinculado vida em si e no pode ser divorciado dela sem perder sua significao. (p.
4).
Perfeito (1999) contrasta os pressupostos de Bakhtin e Vygotsky e conclui que
na linguagem, no dilogo, na interao que est sempre o sujeito e o outro.Sendo marxistas, ambos valorizam a conscincia. Para eles, conscincia epensamento so construdos com palavras e idias, constituindo-seinterativamente, tendo o outro como papel significativo. (p. 28).
A estudiosa brasileira, Garcez (1998), ao confluir os construtos tericos de
Bakhtin/Volochnov (1926, 2006), Bakhtin (2003)e Vygotsky (1998), menciona que o
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processo de internalizao apresentado pelo segundo sinnimo da monologizao da
conscincia proposto pelo primeiro. De acordo com a autora,
Bakhtin construiu formulaes que vm ao encontro das idias de Vygotskysobre o processo de internalizao na fase inicial de apropriao delinguagem, mas suas reflexes enveredam pelo uso sociocultural dalinguagem por intermdio do recorte de discursos, estruturas enunciativasmuito mais complexas que as primeiras formas de comunicao humanas.(GARCEZ, 1998, p. 56).
Entretanto, apesar da relevncia e das inmeras contribuies do psiclogo russo,
optamos por centrar nossa pesquisa nos pressupostos tericos bakhtinianos, especialmente
pela ateno dispensada a questes relacionadas linguagem e a interao verbal, queconstitui a realidade fundamental da lngua. (BAKHTIN/VOLOCHNOV, 2006, p. 127)
Assim, a partir do conceito de interao advindo dos pressupostos tericos
apresentados por Bakhtin/Volochnov (1926, 2006) e Bakhtin (2003) e outros estudiosos
brasileiros, a concepo de linguagem em pauta no se preocupa apenas com a exteriorizao
do pensamento ou com a transmisso de informaes, mas sim em
realizar aes, agir, atuar sobre o interlocutor (ouvinte/leitor). A linguagem
pois um lugar de interao humana, de interao comunicativa pelaproduo de efeitos de sentido entre interlocutores, em uma dada situaode comunicao e em contexto scio-histrico e ideolgico.(TRAVAGLIA, 2006, p. 23).
Desse modo, dentre os conceitos discutidos por Bakhtin/Volochnov (1926, 2006) e
Bakhtin (2003), elencamos aqueles que serviro como suporte terico para esta pesquisa.
Dentre eles destacamos enunciado, dialogismo, palavra, gneros discursivos e outros que
neles subjazem.
a) Enunciado: breves reflexes
A teoria enunciativa bakhtiniana dispensa especial ateno s unidades reais de
comunicao, tambm chamados de enunciado, que formam elos ininterruptos na
comunicao so determinados e influenciados por condies externas (BAKHTIN, 2003).
Em outras palavras, os enunciados so constitudos por contedo verbal e no-verbal
em um dado contexto discursivo, ou seja,
a situao se integra ao enunciado como uma parte constitutiva essencial daestrutura de sua significao. Consequentemente, um enunciado concreto
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como um todo significativo compreende duas partes: (I) a parte percebidaou realizada em palavras e (2) a parte presumida.(BAKHTIN/VOLOCHNOV, 1926, p. 6).
Desse modo, cada enunciado um evento nico e no reitervel, ou seja, eles jamais seroidnticos a si mesmo porque as situaes no se repetem da mesma maneira, podendo apenas
ser citado. (RODRIGUES, 2005). Entretanto, isso no significa que o locutor deve encontrar
novas maneiras para se comunicar a cada evento, afinal de contas, conforme a metfora
proposta por Bakhtin (2003) o falante no um Ado Bblico, s relacionado com objetos
virgens e ainda no nomeados, aos quais d nome pela primeira vez. (p. 300).
Assim, os enunciados que proferimos funcionam como resposta a outros enunciados,
anteriores e/ou posteriores ao momento de interao, formando elos que constituem o fluxoininterrupto na cadeia da comunicao. Essas respostas so resultados de uma compreenso
passiva, ativa ou silenciosa e se relacionam com outros enunciados atravs de confrontao,
afirmao, confirmao, negao, questionamento, entre outros (BAKHTIN, 2003).
Exemplificando, muitas vezes, ao ouvir as primeiras palavras do locutor, o interlocutor aciona
o processo de compreenso a respeito do que est sendo tratado e assume um posicionamento
sobre o tema discutido que ser exteriorizado em determinado momento scio-histrico
Assim, como todo enunciado prenhe de uma resposta, a atitude responsiva ativa serexteriorizada, embora grau desse ativismo seja bastante diverso (BAKHTIN, 2003, p. 271).
Ainda com relao possibilidade de resposta de um enunciado, Bakhtin (2003)
preconiza que esta
[...] determinada por trs fatores indissociavelmente ligados a um todoorgnico do enunciado: 1) tratamento exaustivo do objeto de sentido; 2) oquerer dizer do locutor; 3) as formas tpicas de estruturao do gnero doacabamento. (p. 280-281).
O primeiro fator relaciona-se ao recorte que o locutor faz do tema, pois os objetos de
sentido so inesgotveis; o segundo, diz respeito ao fato de que o sujeito tem o que dizer
(querer dizer) e; por isso, no terceiro fator, o locutor delimita o gnero a ser utilizado para que
o seu querer-dizer atinja de maneira eficiente seu interlocutor.
Bakhtin (2003) ao discutir as caractersticas do enunciado apresenta severas crticas
ao conceito de orao, que so unidades lingsticas tomadas isoladamente, pois as
influncias scio-histricas no so consideradas. Mas, ento, sob a tica bakhtiniana, que
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relao podemos estabelecer entre os conceitos enunciado e unidades lingsticas?
(BAKHTIN, 2003).
Nessa perspectiva terica, as unidades lingsticas so formas flexveis, histrica e
socialmente marcadas que compem os enunciados. Desse modo, o enunciado Abra a janela!
pode ter diferentes significados devido ao acento apreciativo8, a entonao, a esfera em que o
enunciado est inserido e os papis sociais desempenhados pelo locutor e interlocutor, ou seja,
o contexto de produo determina os sentidos construdos a partir da interao. Tais
consideraes no podem mais ser excludos do processo de ensino de lnguas materna e
estrangeira, sob o risco de haver silenciamento das vrias vozes que perpassam essa esfera.
b) DialogismoPara que possamos compreender esse conceito, torna-se necessrio uma breve
retomada do conceito do termo dilogo. Segundo Houaiss e Villar (2001):
[...] fala em que h interao entre dois ou mais indivduos; colquio,conversa; 2. derivao: por extenso de sentido, contato e discusso entreduas partes em busca de um acordo; 3. conjunto das palavras trocadas pelaspersonagens de um romance, filme, etc.; 4. obra em forma de conversaocom fins expositivos, explanatrios ou didticos. (grifos do autor- p. 246).
De acordo com essa definio, poderamos compreender que o dilogo uma
interao verbal face-a face, em que necessria a presena de enunciador e de enunciatrio.
Entretanto, esse conceito minimiza a magnitude de tal acepo. De acordo com os dizeres de
Bakhtin/Volochnov (2006), o dilogo, no sentido definido anteriormente, concebido como
uma das formas da interao, pois ele parte imanente de toda comunicao verbal, de
qualquer tipo que seja (BAKHTIN/VOLOCHNOV, 2006, p. 127). Por isso, o dialogismo
considerado elemento essencial nessa concepo de linguagem.Destarte, todo enunciado dialogizado, ou seja, entrecortado por vozes alheias, que
podem ser definidas como sociais9 e individuais. As primeiras, segundo esses tericos, so as
que mais influenciam o sujeito, sendo definidas como aquelas que pairam sobre as esferas de
atividade, ou seja, so determinadas por um superdestinatrio como a igreja, a poltica, a
escola, entre outros, que impem valores, regras, costume, etc. As denominadas individuais
pertencem ao enunciatrio imediato que est inserido em um contexto prximo ao enunciador.
8 O acento apreciativo, segundo Bakhtin/Voloshnov (2006), define posicionamento dos envolvidos na interao.9 As vozes sociais recebem o nome de heteroglossia ou plurilingusmo.
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A partir dessas vozes, podemos perceber como o acento apreciativo, a entonao e,
tambm, as escolhas lexicais compem os diferentes sentidos do enunciado
(BAKHTIN/VOLOCHNOV, 2006). Porm, ao contrrio do que se pode imaginar, o sujeito
no assujeitado a essas vozes, mas ele as considera ao realizar aes e enunciados, levando
em conta, tambm, as relaes sociais por ele estabelecidas, seus possveis interlocutores em
contexto amplo e imediato.
Diante dos pressupostos aqui discutidos, torna-se relevante uma reflexo em torno do
conceito de polifonia e sua relao com o dialogismo.
O conceito de polifonia, de acordo com Houaiss e Villar (2001), descende do vocbulo
poluphna e seu significado est relacionado ao emprego de muitas vozes ou instrumentos.
Seu conceito, de acordo com Tezza (apudFARACO, 2006), foi criado por Bakhtin e poucodiscutido na Teoria da Enunciao, sendo configurada por ele como o modo de narrar de
Dostoievski.
A partir da anlise que Bakhtin realizou na obra de Dostoievski, pesquisadores como
Faraco (2005a, 2006) verificam que h gneros que so monofnicos e os que so polifnicos;
aqueles relacionados ao predomnio mascarado de uma nica voz no texto e esses permeados
por diferentes vozes, de diferentes instncias sociais.
Barros (2003) sintetiza essa definio do seguinte modo,
os textos so dialgicos porque resultam do embate de muitas vozes sociais;podem, no entanto, produzir efeitos de polifonia, quando essas vozes oualgumas delas deixam-se escutar, ou de monofonia, quando o dilogo mascarado e uma voz, apenas, faz-se ouvir. ( p. 06).
Em sntese, o princpio constitutivo da linguagem o dialogismo, pois nossos
enunciados so constitudos por vozes sociais e individuais. Tais enunciados utilizam-se de
estratgias discursivas denominadas polifonia ou monofonia, em que o primeiro destaca-sepela presena explcita de vrias vozes, enquanto que o segundo configura-se pelo uso
mascarado de uma nica voz no enunciado.
c) A dimenso da lngua e da palavra
A partir das reflexes tecidas, percebemos que j no h espao para que a lngua seja
concebida como abstrao ou produto de nossa subjetividade, como nas concepes que
abordam o objetivismo abstrato ou subjetivismo idealista. Bakhtin/Volochnov (2006, p. 132)
afirmam que a lngua constitui umprocesso de evoluo ininterrupto, que se realiza atravs
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da interao verbal dos locutores (grifos do autor). Desse modo, a lngua (re)construda
pelos sujeitos envolvidos na interao, por isso, est em constante evoluo.
Diante desse conceito, Bakhtin/Volochnov (2006, p. 129) propem o mtodo
sociolgico para seu estudo:
1.As formas e os tipos de interao verbal em ligao com as condiesconcretas em que se realiza.2.As formas das distintas enunciaes, dos atos de fala isolados, em ligaoestreita com a interao de que constituem os elementos, isto , as categoriasdo ato de fala na vida e na criao ideolgica que se prestam a umadeterminao pela interao verbal.3.A partir da, exames das formas da lngua na sua interpretao lingsticahabitual.
De acordo com Rodrigues (2004), essa metodologia enfatiza, inicialmente, ser de
fundamental importncia que o pesquisador conhea a esfera de atividade humana bem como
as relaes estabelecidas durante a interao; em seguida, prope o estudo dos enunciados em
funcionamento em suas respectivas esferas e, por fim, a anlise do enunciado em si, aliando a
isso as escolhas lexicais e gramaticais.
Conforme esses tericos, o sujeito no recebe a lngua pronta para ser usada, ele
mergulha no fluxo intenso da interao verbal, por isso ela deve ser estudada nas diversasinteraes verbais, atravs de suas respectivas evolues e possibilidades, onde as
caractersticas da esfera da atividade humana sejam consideradas.
Diante dessa perspectiva, a palavra, na perspectiva enunciativa bakhtiniana, deve ser
considerada um sistema de signos ideolgicos, tecidas a partir de uma multido de fios
ideolgicos e servem de trama a todas as relaes sociais em todos os domnios.
(BAKHTIN/ VOLOCHNOV, 2006, p. 42). Tais signos, de acordo com Faraco (2006),
refletem e refratam a realidade, ou seja,
com os signos podemos apontar para uma realidade que lhes externa (paraa materialidade do mundo), mas o fazemos sempre de modo refratado. Erefratar significa, aqui, que com nossos signos ns no somentedescrevemos o mundo, mas construmos- na dinmica da histria e pordecorrncia do carter sempre mltiplo e heterogneo das experinciasconcretas dos grupos humanos- diversas interpretaes (refraes) dessemundo. (p. 50).
Nessa concepo, a palavra j no mais reduzida a um simples instrumento que temcomo prioridade realizar fiis descries do mundo ou, ainda, retratar com fidedignidade
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nossos pensamentos, afinal ela pode ser manipulada conforme nossas intenes (querer-
dizer), o papel social dos interlocutores e a esfera em que ocorre a interao.
Para melhor apreenso desse conceito importante discutirmos sua composio e sua
natureza. A palavra composta por tema e significao, onde o primeiro est relacionado com
os signos ideolgicos que se adaptam a contextos variados, enquanto que o segundo est
ligado forma. Desse modo, o tema deve apoiar-se sobre uma certa estabilidade da
significao; caso contrrio ele perderia seu elo com que precede e o que segue, ou seja, ele
perderia, em suma, o seu sentido (BAKHTIN/ VOLOCHNOV, 2006, p. 134). Assim, ela
pode assumir determinada significao e valorao, dependendo do contexto em que est
inserido.
Segundo Bakhtin/Volochnov (2006), a palavra possui quatro propriedades: purezasemitica, possibilidade de interiorizao, participao em todo ato consciente e neutralidade.
De acordo com Stella (2005),
Pureza semitica est relacionada com a possibilidade de a palavra poder circular
em variadas esferas da atividade humana;
Possibilidade de interiorizao, que o nico meio de contato entre o contedo
interior do sujeito (a conscincia) constitudo por palavras, e o mundo exterior
construdo por palavras (p. 179); Participao em todo ato consciente: a palavra interfere no processo de formao
de conscincia do sujeito
Neutralidade: preciso esclarecer que a palavra, nessa perspectiva, no neutra,
mas, sim, assume diferente carga ideolgica, dependendo do contexto em que est
inserida.
Souza E. (1999) salienta que essas propriedades permitem que a palavra seja ummaterial flexvel, veiculvel pelo corpo, tanto no interior - o discurso interior - como exterior -
o dilogo com outrem e o dilogo de outrem (p. 92). Ou seja, toda palavra ideolgica e de
significado flexvel, podendo ter seu significado alterado em funo do outro, da esfera em
que est inserida e isso pode ser percebido atravs do acento valorativo que o locutor atribui a
ela.
Em outras palavras, a lngua no deve ser considerada como um instrumento imutvel,
ahistrico que nos imposto; to pouco como um dom que recebemos ao nascer, cujaexpresso reflexo exclusivo de nossos pensamentos; mas sim como fruto de um processo de
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interao que se constri por meio de enunciados, locutor, interlocutor, esfera de atividade
humana e onde as marcas lingstico-enunciativas esto relacionadas a uma lngua que possui
marcas histricas e transformadoras.
d) Gneros discursivos
A teoria que trata dos gneros foi, inicialmente, proposta por Plato, que dividiu as
obras em dois diferentes domnios, que eram determinados por juzos de valor. As obras que
apresentavam mais sobriedade eram classificadas como epopia e tragdia; enquanto que
aquelas que apresentavam mais senso de humor e zombaria eram classificadas como comdia
ou stira. Em A repblica, do referido autor, h incluso de um terceiro elemento, onde a
preocupao entre realidade e fico comea a ser delineadas. Essa preocupao com amimese serviu de base para a obra Potica de Aristteles (MACHADO, 2005).
Em Potica, Aristteles classifica os gneros em trs categorias: Poesia de primeira
voz representao da lrica; a poesia de segunda voz, da pica, e a poesia de terceira voz, do
drama (MACHADO, 2005, p. 151). Posteriormente, essa classificao adentrou de maneira
determinante no campo da Literatura.
A autora menciona, ainda, que nada teria se alterado no fosse o surgimento da prosa
comunicativa, que exigiu que novos parmetros fossem utilizados na classificao dosgneros. Emergem, ento, as teorias bakhtinianas postulando ser ineficaz o mero estudo da
forma dos gneros porque eles apresentam outras caractersticas relevantes, como o seu uso
em determinadas esferas, a escolha de determinadas marcas lingsticas em detrimento a
outras, etc.
A partir dos estudos de Bakhtin foi possvel mudar a rota dos estudos sobreos gneros: alm das formaes poticas, Bakhtin afirma a necessidade de
um exame circunstanciado no apenas da retrica, mas, sobretudo, dasprticas prosaicas que diferentes usos da linguagem fazem do discurso,oferecendo-o como manifestao da pluralidade. (MACHADO, 2005, p.152).
O romance ento escolhido como objeto de estudo para que Bakhtin pudesse refletir
a respeito de sua teoria. Essa opo determinada porque, atravs desse gnero, possvel
perceber o entrecruzamento de vozes e a influncia que os sujeitos sofrem nas diferentes
esferas de comunicao de que participam, entre outros.
Assim, os estudos a respeito dos gneros discursivos tomam novos rumos a partir dospressupostos tericos apresentados por Bakhtin/Volochnov (1926, 2006) e Bakhtin (2003).
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Segundo Bakhtin (2003), o ser humano utiliza-se de formas relativamente estveis 10 de
enunciados para ser compreendido por seus interlocutores. Tais formas recebem o nome de
gneros discursivos, poderosos instrumentos que fundam a possibilidade de comunicao.
Os gneros discursivos so classificados como primrio ou secundrio. De acordo com
Bakhtin (2003), os primrios so frutos de relaes estabelecidas nas esferas do cotidiano,
relacionados a um contexto imediato e sendo predominantemente orais. Enquanto os gneros
secundrios esto relacionados a esferas mais elaboradas, sendo, em sua maioria, utilizadas na
forma escrita. Tais esferas podem ser representadas atravs seguinte ilustrao11::
Figura 2 Exemplos de esfera da atividade humana
Cada esfera discursiva possui repertrio especfico de gneros discursivos, que podem
ser orais ou escritos. Por exemplo, na esfera jurdica esto contidos os gneros petio,
sentena, despacho, relatrios, sustentao oral, entre outros. Tais gneros foram criados e
transformados de acordo com a evoluo dessas esferas e, tambm, atravs das interaes que
l so estabelecidas.
Desse modo, Bakhtin (2003) ressalta que
A riqueza e a diversidade dos gneros do discurso so infinitas porque soinesgotveis as possibilidades da multiforme atividade humana e porque emcada campo dessa atividade integral o repertrio de gneros do discurso,que cresce e se diferencia medida que se desenvolve e se complexifica umdeterminado campo. (p. 262).
10 Devemos enfatizar o emprego da proposio relativamente estvel, pois atravs dela percebemos que os
gneros no so formas cristalizadas nas esferas de comunicao humana, por isso podem ser alterados e(re)criados de acordo com as necessidades e as transformaes l ocorridas.
11 Exemplo de esferas discursivas baseadas em palestra de Jaqueline Peixoto Barbosa (SEALI, 2007). Disponvelem http://www.escrita.uem.br/seali . Acesso em 03 nov. 2007.
cotidiana
escolar
cientfica
produo econsumo
reli io
urdico
ornalstica
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Alm de serem determinados pelas especificidades de cada esfera de atividade
humana, os gneros discursivos tambm so compostos por trs elementos indissociveis:
contedo temtico, estilo e construo composicional (BAKHTIN, 2003). Decidimos, por
finalidade didtica, analisar esses elementos separadamente.
O contedo temtico, de acordo com Fiorin (2006, p. 62), no um assunto
especfico de um texto, mas um domnio de que se ocupa um gnero, o autor menciona,
como exemplo, as cartas amorosas que tratam, geralmente, das relaes amorosas.
De acordo com os dizeres de Rojo (2005, p. 196), os contedo temticos so
ideologicamente conformados - que se tornam comunicveis (dizveis) atravs do gnero
(grifos da autora). Assim, em cada esfera de atividade humana, encontramos contedos
temticos especficos que so expressos a partir de determinado gnero.O estilo composto por marcas lingstico-enunciativas, a primeira relativa s que
pertencem a determinado gnero e, a segunda se refere s escolhas lexicais, gramaticais e
fraseolgicas determinadas pelo locutor em funo de um interlocutor que tambm pertence a
um grupo social composto por regras, valores e costumes. Em outras palavras, de acordo com
os tericos
O estilo pelo menos duas pessoas ou, mais precisamente, uma pessoa mais
seu grupo social na forma de seu representante mais autorizado, o ouvinte- oparticipante constante na fala interior e exterior de uma pessoa. (BAKHTIN/VOLOCHNOV, 1926, p. 16).
O estilo lingstico ou funcional nada mais seno o estilo de um gneropeculiar a uma dada esfera da atividade e da comunicao humana. Cadaesfera conhece seus gneros, apropriados sua especificidade, aos quaiscorrespondem determinados estilos. (BAKHTIN, 2003, p. 266).
Assim, o sentido do termo estilo no deve ser relacionado apenas como uma marca de
individualidade ou por um conjunto de regras, de lxicos prprios de determinado gnero.Esse conceito maior, pois considera, alm dos elementos j mencionados, as condies
scio-histricas que envolvem a produo de determinado enunciado atravs de um gnero.
Por fim, a construo composicional, que est relacionada estrutura organizacional
do texto, uma espcie de layout, que, dependendo da esfera em que est inserido pode ser
alterada para atender a necessidade do locutor. Em uma carta, por exemplo, encontramos:
data, vocativo, corpo da carta, despedida; no artigo de opinio temos no primeiro pargrafo a
apresentao de uma tese, nos pargrafos subseqentes, argumentos ou contra-argumentosreferentes tese apresentada e, no pargrafo final, a retomada da tese.
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Reiteramos que esses elementos no devem ser considerados de maneira isolada, to
pouco isentos de influncias da esfera da atividade humana sob pena de torn-lo um objeto de
mera dissecao. Tal afirmativa deve ser considerada especialmente quando refletimos a
respeito da presena do gnero na esfera escolar, pois, desse modo, o ensino tornar-se-ia,
exclusivamente, normativo.
Os conceitos aqui mencionados tm sido incorporados paulatinamente ao processo de
ensino-aprendizagem de lngua materna, especialmente aps a publicao do PCNs (1998a),
em que os gneros discursivos so apresentados como eixo de progresso e articulao
curricular. Desde ento, o ensino gramatical passa a ocupar, ao menos teoricamente, um
espao diferenciado nas salas de aula.
1.3.1 Gramtica Internalizada: Reflexes Iniciais
A gramtica relacionada a concepo de linguagem como interao a internalizada,
definida por Travaglia (2006) como o conjunto de regras que o falante de fato aprendeu e das
quais lana mo ao falar (p. 28). Segundo Franchi (2006), todo indivduo, pleno de suascondies biolgicas e psicolgicas, possui uma gramtica internalizada que adquirida a
partir das interaes estabelecidas em diferentes esferas discursivas.
Em outras palavras, a construo dessa gramtica relaciona-se, tambm, com as
influncias que o indivduo recebe do meio em que est inserido, no s antes de adentrar a
escola, mas durante toda sua vida atravs das interaes por ele vivenciadas. Por isso, saber
gramtica no depende da escolarizao do indivduo ou de um estudo formal sobre a
sistematizao da lngua.Esta concepo descende da tese de que a lngua um fenmeno social da interao
verbal realizada atravs da enunciao ou das enunciaes. (BAKHTIN/VOLOCHNOV,
2006, p. 127, grifo dos autores). Nas palavras de Travaglia (2006), a lngua composta por
infinita variedade e possibilidade de construo que so determinadas pelas interaes
vivenciadas em diferentes esferas de atividade humana.
Conforme verificamos anteriormente, cada uma dessas esferas possui suas prprias
especificidades, suas regras e normas que possibilitam a realizao de diferentes construes
lingsticas. Por isso, de certa forma e em muitos aspectos, preciso uma gramtica para
cada tipo de situao, para cada tipo de discurso (ANTUNES, 2007, p. 42). Assim, ao
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considerar as diferentes necessidades e possibilidades impostas por tais esferas, Bechara
(2006) menciona que cada falante um poliglota na sua prpria lngua, medida que dispe
da sua modalidade lingstica e est a altura de decodificar mais algumas outras modalidades
lingsticas com as quais entra em contato [...] (p. 14-15).
Considerando essas afirmativas, Antunes (2007) destaca que a lngua constituda de
lxico (vocabulrio da lngua), de gramtica (regras para construo de lxico e sentenas),
composio de textos (recursos de textualizao), e, tambm, contexto de interao (normas e
valores sociais12). Assim, torna-se irrelevante o ensino da lngua portuguesa focado
exclusivamente na gramtica normativo-descritiva, j que ela representa apenas um dos
elementos que constitu a lngua.
1.3.1.1 Um novo olhar para o ensino gramatical
A gramtica tradicional tem fortes razes no ensino de Lngua Portuguesa, por isso, a
gramtica internalizada no considerada e os alunos so tratados como se nada soubessem a
respeito da lngua que falam.Desse modo, Possenti (1996) sugere que a escola priorize o ensino gramatical na
ordem inversa da que apresentamos nessa pesquisa (gramtica normativa, descritiva,
internalizada). Segundo o autor, importante que a escola considere as interaes vivenciadas
pelo individuo durante o contnuo processo de construo da gramtica internalizada, pois
este o mecanismo de aprendizado de qualquer lngua. Assim,
a aceitao de que o objetivo prioritrio da escola permitir a aquisio dagramtica internalizada compromete a escola com uma metodologia quepassa pela exposio constante do aluno ao maior nmero possvel deexperincias lingsticas na variedade padro. (POSSENTI, 1996, p. 84).
Em outras palavras, fundamental que o aluno possa explorar o maior nmero
possvel de gneros discursivos atravs de atividades de leitura e escrita, em que a gramtica
seja um instrumento que possibilite a construo de sentidos de textos lidos e produzidos.
12 Inclumos nesse contexto de interao, a presena do destinatrio e do superdestinatrio. Ver Bakhtin (2003),Bakhtin/Voloshnov (2006) e Geraldi (1997)
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Geraldi (1997) postula que criadas as condies para atividades interativas efetivas
em sala de aula, quer pela produo de textos, quer pela leitura de textos, no interior destas e
a partir destas que a anlise lingstica se d. (p. 189).
A expresso anlise lingstica foi criada por Geraldi (1997) na dcada de 80. Essa
nova nomenclatura surge no como um novo nome para o ensino gramatical, ou como
aplicao das regras gramaticais aos textos e sim como uma nova postura perante o ensino de
lngua.
Britto (1997) ressalta que a anlise lingstica deve ser compreendida como
um deslocamento mesmo da reflexo gramatical, e isto por duas razes: emprimeiro lugar porque se trata de buscar ou perceber recursos expressivos eprocessos de argumentao que se constituem na dinmica da atividadelingstica [...]; finalmente, porque o objetivo fundamental da anliselingstica a construo de conhecimento e no o reconhecimento deestruturas ( o reconhecimento s legtimo na medida em que participa deum processo de construo do conhecimento). (p. 164).
Geraldi (1997) postula que as atividades de anlise lingstica so concebidas atravs
das atividades epilingustica e metalingsticas. As primeiras so definidas como aquelas que
refletem sobre a linguagem atravs da anlise dos recursos expressivos empregados na
construo ou na leitura de determinado texto. Segundo esse terico, seriam operaes quemanifestariam nas negociaes de sentido, em hesitaes, em autocorrees [...] (p. 24). As
atividades epilingustica precedem as metalingsticas, que so definidas como
aquelas que tomam a linguagem como objeto no mais enquanto reflexovinculada ao prprio processo interativo, mas conscientemente constroemuma metalinguagem sistemtica com a qual falam sobre a lngua. Trata-se,aqui, de atividades de conhecimento que analisam a linguagem com aconstruo de conceitos, classificaes, etc. (GERALDI, 1997, p. 25).
Desse modo, a construo da metalinguagem acontece atravs de um processo
consciente que analisa a lngua em diferentes situaes de interao atravs da construo de
conceitos, sistematizao e categorizaes que propiciem reflexes sobre a lngua (Travaglia,
2006). Entretanto, essas atividades devem ser exploradas desde que sejam consideradas a
maturidade dos alunos e os objetivos a serem alcanados pela turma.
Com esse enfoque, os PCNs (BRASIL, 1998a) afirmam que as atividades de anlise
lingstica no so focadas na gramtica tradicional. Desse modo, o contedo a ser ensinado
precisa ser tematizado em funo das necessidades apresentadas pelos alunos nas atividadesde produo, leitura e escuta de textos. (BRASIL, 1998, p. 29).
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Entretanto, as prescries de documentos como os PCNs (1998a), especialmente, com
relao ao ensino gramatical podem gerar dvidas, angstias e inquietaes e, com isso,
algumas reaes podem ser observadas: a primeira delas est relacionada possibilidade de
que todos podem transgredir normas, regras gramaticais; a segunda que o ensino gramatical
deve ser banido da sala de aula em favor de um trabalho que enfoque exclusivamente textos;
e, por fim, a crena, advinda da vivncia de prticas cristalizadas, de que o ensino da
gramtica normativa forma leitores e escritores proficientes de texto.
Ora, a lngua pertence a um fluxo continuo e ininterrupto das interaes, por isso suas
alteraes ocorrem conforme as esferas sociais so alteradas. Ou seja,
[...] a lngua flui; e ningum pode deter seu curso. Isso no significa,contudo, que esse desa deriva, sem que nada possa controlar seu fluxo. Jvimos que a prpria condio das lnguas, de serem marca da identidadecultural dos grupos, funciona como fora estabilizadora que reg