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    Universidade

    Estadual de Londrina

    ANDRIA CARDOSO MONTEIRO

    LIVRO DIDTICO:

    REFLEXES SOBRE ATIVIDADES DE ANLISE LINGUSTICA

    EM UMA ABORDAGEM ENUNCIATIVA

    LONDRINA2008

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    ANDRIA CARDOSO MONTEIRO

    LIVRO DIDTICO:

    REFLEXES SOBRE ATIVIDADES DE ANLISE LINGUSTICA

    EM UMA ABORDAGEM ENUNCIATIVA

    Dissertao apresentada ao Curso de Ps-graduao em Estudos da Linguagem daUniversidade Estadual de Londrina, comorequisito parcial obteno ao ttulo deMestre.

    Orientador: Prof. Dr. Regina Maria Gregrio

    LONDRINA2008

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    Dados Internacionais de Catalogao-na-Publicao (CIP)(Biblioteca Central - UEM, Maring PR., Brasil)

    Monteiro, Andria Cardoso

    M775l Livro didtico: reflexes sobre atividades de anlise

    lingstica em uma abordagem enunciativa. / Andria CardosoMonteiro. -- Londrina : [s.n.], 2008.

    124 f. : il. color.

    Orientadora : Prof. Dr. Regina Maria Gregrio.

    Dissertao (mestrado) - Universidade Estadual de

    Londrina, Programa de Ps-graduao em Estudos de

    Linguagem, 2008.

    1. Livro didtico - Acesso. 2. Livro didtico - Ensino-

    aprendizagem. 3. Livro didtico - Anlise lingstica. 4.

    Livro didtico - Gneros discursivos. I. Universidade

    Estadual de Londrina, Programa de Ps-graduao em Estudos

    de Linguagem. II. Ttulo.

    CDD 21.ed.418

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    ANDRIA CARDOSO MONTEIRO

    LIVRO DIDTICO:

    REFLEXES SOBRE ATIVIDADES DE ANLISE

    LINGUSTICA EM UMA ABORDAGEM ENUNCIATIVA

    Dissertao apresentada ao Curso de Ps-graduao em Estudos da Linguagem daUniversidade Estadual de Londrina, comorequisito parcial obteno ao ttulo deMestre.

    COMISSO EXAMINADORA

    _____________________________________Prof. Dr. Regina Maria GregrioUniversidade Estadual de Londrina

    _____________________________________Prof. Dr. Renilson Jos MenegassiUniversidade Estadual de Maring

    _____________________________________Prof. Dr. Alba Maria Perfeito

    Universidade Estadual de Londrina

    Londrina, _____de ___________de 2008.

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    Ao Paulo, meu grande amor.

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    AGRADECIMENTOS

    A Deus, por conceder mais esta importante vitria em minha vida. A Ele toda honra e glria!

    Prof. Dr. Regina Maria Gregrio pela carinhosa recepo em meu ingresso no Programade Ps-Graduao em Estudos da Linguagem, pela orientao paciente e dedicada,demonstrando sempre confiana para que eu trilhasse os caminhos da pesquisa

    Ao Prof. Dr. Renilson Jos Menegassi e prof. Dr. Alba Maria Perfeito, pelas significativascontribuies apresentadas no Exame de Qualificao.

    Aos membros do Grupo de Pesquisa Interao e escrita no ensino e aprendizagem(UEM/CNPQ) e, tambm, do Projeto de Pesquisa Escrita e ensino gramatical: um novo olharpara um velho problema (UEL) pelas muitas contribuies dadas a minha pesquisa.

    Aos professores do Programa de Ps-Graduao de Estudos da Linguagem (UEL), peloconhecimento compartilhado.

    amiga Luciana Vedovato, pela sintonia de idias e pelo compartilhamento das dificuldadesque tornaram o percurso desta jornada menos solitrio.

    Ao meu marido Paulo, luz da minha vida, agradeo imensamente pela luta constante paraalcanarmos os nossos sonhos. Tenho certeza absoluta que essa dissertao no existiria semo teu amor, a tua dedicao e o teu carinho.

    Ao Joo Paulo e Isabela, razes de minha existncia, agradeo pelo sorriso que vocs medo, a cada novo dia, mais fora para continuar nessa caminhada...

    simplicidade e ao amor de meus pais, Joo e Creusa, pelos princpios ensinados efundamentos implantados, estimulando-me sempre a lutar pelos meus ideais.

    s amigas, Ramadis e Gil, por no desistirem de mim durante minhas tantas ausncias!

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    NO MEIO DO CAMINHO

    No meio do caminho tinha uma pedraTinha uma pedra no meio do caminhoTinha uma pedra

    No meio do caminho tinha uma pedra

    Nunca me esquecerei desse acontecimentoNa vida de minhas retinas tao fatigadas.

    Nunca me esquecerei que no meio do caminhotinha uma pedra

    tinha uma pedra no meio do caminhono meio do caminho tinha uma pedra.

    Carlos Drummond de Andrade

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    MONTEIRO, Andria Cardoso. Livro didtico: reflexes sobre atividades de anliselingustica em uma abordagem enunciativa. 2008. Dissertao (Mestrado em Estudos daLinguagem)Universidade Estadual de Londrina, Londrina, 2008.

    RESUMO

    O livro didtico um dos poucos materiais aos quais professores e alunos tm acesso. Almdisso, um poderoso instrumento no processo de ensino e aprendizagem de lngua, pois,muitas vezes, delimita contedos, metodologias de ensino e, especialmente, as concepes delinguagem que permeiam a esfera escolar (SOUZA, 1999; CORACINI, 1999). Nesse sentido,acreditamos que o livro didtico atue como uma das principais molas propulsoras

    responsveis por transformaes na esfera educacional. Em reconhecimento a influncia queesse material exerce na esfera em que circula, o PNLD- Programa Nacional do LivroDidtico- ancorado em documentos prescritivos como os Parmetros Curriculares Nacionais(BRASIL, 1998), que concebem a lngua como um sistema de signos ideolgico, heterogneo,multifacetado e repleto de interferncias do meio e dos sujeitos envolvidos na interao, atuacomo mecanismo de controle e fiscalizao. Sob tal enfoque, esta pesquisa bibliogrfica decunho analtico-descritivo, busca compreender como as atividades de anlise lingstica estopropostas em uma coleo didtica, cujo eixo de progresso e articulao para o ensino dalngua portuguesa so os gneros discursivos, a fim de verificar se elas esto relacionadas sprticas de leitura, conforme os dizeres dos documentos prescritivos. Para tanto, estadissertao fundamentou-se nos aportes tericos de Bakhtin/Volochnov (1929, 2006),Bakhtin (2003), alm de estudiosos como Brkling (2000, 2003), Geraldi (1997, 2001, 2006),Possenti (1996) e Perfeito (2005, 2006, 2007). Os resultados desta pesquisa mostram que,apesar dos avanos tericos apontados pela Lingstica Aplicada, o ensino gramaticalcontinua enfatizando o normativismo e a descrio do funcionamento da lngua materna,pertencentes a uma gramtica em que regras e contedos propostos so apresentados comoresultantes de prticas cristalizadas de ensino e onde a lngua concebida como um sistemahomogneo e isento de influncias scio-histricas. Por fim, considerando os dados apontadospor essa pesquisa, apresentamos uma proposta de trabalho a partir de um artigo de opiniopertencente coleo analisada com o objetivo de propor um trabalho em que a anliselingstica esteja contextualizada prtica de leitura.

    Palavras-chave: Livro didtico; anlise lingstica; gneros discursivos

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    MONTEIRO, Andria Cardoso. Didactic book: reflection about linguistic analisys activitiesin an enunciative approach. 2008. Dissertation (Master Degree in Language Studies) Universidade Estadual de Londrina, Londrina, 2008.

    ABSTRACT

    The didactic book is one of the few materials to which teachers and students get in touch. Inaddition, it is a powerful instrument in the language teaching and learning process because itoften draws contents, teaching methodologies and mainly the language conceptions whichpermeate the school sphere (SOUZA, 1999; CORACINI, 1999). In this sense, we believe thedidactic book acts as one of the major propelling factors for transformations in the educationalsphere. In recognition to the influence that material has inside the sphere it circulates, the

    NPDB- National Program for the Didactic Book - based on prescriptive documents, such asNational Curriculum parameters (BRASIL, 1998) function as a control and inspectionmechanism. They conceive the language as a system of signs which is ideological,heterogeneous, multifaceted and full of interference from the environment and subjectsinvolved in the interactions. All of this considered, the present bibliographic research ofdescriptive-analytical focus, tries to understand how linguistic analysis activities are proposedin a didactic collection, whose progress and articulation axis for the Portuguese languageteaching are the discursive genres. It aims at verifying if they are related to the readingpractice, according to what the prescriptive documents say. To make it possible, thisdissertation is founded on the theoretical framework of Bakhtin/Volochnov (1929, 2006),Bakhtin (2003), as well as scholars like Brkling (200, 2003), Geraldi (1997, 2001, 2006),Possenti (2003) and Perfeito (2005, 2006, 2007). This research results show that, in spite ofthe theoretical advances pointed out by the Applied Linguistic the grammar teaching keeps onemphasizing the normativism and the functioning description of the mother tongue. Theybelong to a grammar where rules and contexts proposed are introduced as resulting from ateaching crystallized praxis and where language is conceived as a homogeneous system whichis free from socio-historical influences. Finally, regarding to the data provided by thisresearch, we propose a working way using an opinion article which belongs to the analyzedcollection with the purpose of showing another possibility in which the linguistic analysis iscontextualized to the reading practice.

    Key-words: Didactic book; linguistic analysis; discursive genres.

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    LISTA DE ILUSTRAES

    Figura 1 Processo de internalizao resultante das interaes ................................. 30

    Figura 2 Exemplos de esferas de atividade humana ............................................................ 39

    Figura 3 Tudo linguagem- coleo didtica ........................................................... 62

    Figura 4 Contexto de produo no Manual do professor........................................... 68

    Figura 5 Modelo de texto motivador ........................................................................ 71

    Figura 6 Texto didatizado e seu suporte original ...................................................... 73

    Figura 7 Modelo de vocabulrio e de contexto de produo..................................... 74

    Figura 8 Apresentao da seo Linguagem do texto............................................... 76

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    LISTA DE GRFICOS

    Grfico 1 Grfico comparativo entre os livros aprovados e excludos dos PNLDs

    1999 a 2005 ....................................................................................................... 56

    Grfico 2 Agrupamento das colees didticas ......................................................... 58

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    LISTA DE QUADROS

    Quadro 1 Quadro comparativo entre as concepes de linguagem ............................ 50

    Quadro 2 Estrutura das unidades da coleo Tudo linguagem ................................ 65

    Quadro 3 Tpicos gramaticais explorados nas unidades que abordam o artigo de

    opinio ........................................................................................................87

    Quadro 4 Caracterizao do artigo de opinio ........................................................... 90

    Quadro 5 Estrutura composicional do artigo de opinio ................................................ 93

    Quadro 6 Vozes empregadas para reforar o posicionamento do autor do

    texto............................................................................................................. 98

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    LISTA DE TABELAS

    Tabela 1 Viso geral da coleo Tudo linguagem .................................................. 63

    Tabela 2 Levantamento dos gneros discursivos na coleo Tudo linguagem ...... 64

    Tabela 3 Dados referente s sees exploradas em cada srie .................................. 86

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    LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

    CESUMAR Centro de Ensino Superior de Maring

    CNLD Comisso Nacional do Livro Didtico

    COLTED Comisso Nacional do Livro Tcnico e Didtico

    FAE Fundao de Assistncia ao Estudante

    FAFIJAN Faculdade de Jandaia

    FENAME Fundao Nacional de Material Escolar

    FNDE Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educao

    LP Lngua Portuguesa

    MEC Ministrio da Educao e Cultura

    PCNs Parmetros Curriculares Nacionais

    PLIDEF Programa Nacional do Livro Didtico

    PNLD Programa Nacional do Livro Didtico

    UEL Universidade Estadual de Londrina

    UEM Universidade Estadual de Maring

    UNIOESTE Universidade Estadual do Oeste do Paran

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    SUMRIO

    INTRODUO ............................................................................................................... 15

    1 CONCEPES DE LINGUAGEM ............................................................... 19

    1.1 LINGUAGEM COMO EXPRESSO DO PENSAMENTO ............................................... 19

    1.1.1 Gramtica Normativa: Reflexes Iniciais............................................................ 20

    1.1.1.1 Razes da gramtica normativa: a origem desse magnetismo ainda presente

    nas aulas de lngua materna ............................................................................... 21

    1.1.1.2 Gramtica normativa: implicaes pedaggicas ................................................ 25

    1.2 LINGUAGEM COMO INSTRUMENTO DE COMUNICAO ........................................ 26

    1.2.1 Gramtica Normativa: Reflexes Iniciais ........................................................... 27

    1.2.1.1 As razes da gramtica descritiva ...................................................................... 28

    1.2.1.2 Gramtica descritiva: implicaes pedaggicas ................................................. 28

    1.3 LINGUAGEM COMO INTERAO ........................................................................... 29

    1.3.1 Gramtica Internalizada: Reflexes Iniciais ....................................................... 41

    1.3.1.1 Um novo olhar para o ensino gramatical ............................................................ 42

    1.3.1.2 O ensino gramatical e os gneros discursivos: promessas e possibilidades ....... 45

    1.4 EM SNTESE ......................................................................................................... 49

    2 LIVRO DIDTICO .......................................................................................... 52

    2.1 PROGRAMA NACIONAL DO LIVRO DIDTICO:OS PERCALOS DE UM PERCURSO. 52

    2.1.1 O perfil do Programa Nacional do Livro Didtico 2007 .................................... 56

    2.2 EM SNTESE ......................................................................................................... 59

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    3 METODOLOGIA ............................................................................................. 60

    3.1 DELIMITAO DO CORPUS................................................................................... 60

    3.1.1 Os Caminhos da Anlise .................................................................................... 65

    4 ANLISE .......................................................................................................... 67

    4.1 MANUAL DO PROFESSOR E DOCUMENTOS PRESCRITIVOS: UM ARRANJO

    HARMNICO?......................................................................................................

    68

    4.2 UM OLHAR PARA AS UNIDADES QUE ABORDAM O ARTIGO DE OPINIO............... 70

    4.2.1 A Linguagem do Texto ....................................................................................... 75

    4.2.2 Lngua: Usos e reflexes .................................................................................... 79

    4.3 TECENDO REFLEXES:AANLISE LINGSTICA NO LIVRO DIDTICO................ 85

    5 ARTIGO DE OPINIO: NOVAS POSSIBILIDADES PARA O ENSINO

    DE LNGUAS ................................................................................................... 88

    5.1 MODELO DIDTICO:ARTIGO DE OPINIO ............................................................ 88

    5.2 DIMENSES ENSINVEIS DO ARTIGO DE OPINIO ................................................ 90

    5.2.2 Sugestes de Atividades para Abordagem em Sala de Aula .............................. 98

    CONSIDERAES FINAIS ........................................................................... 105

    REFERNCIAS ............................................................................................... 109

    ANEXOS ........................................................................................................... 116

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    INTRODUO

    Retomo minhas memrias como professora do primeiro e segundo ciclos do ensino

    fundamental para justificar a incurso em discusses referentes ao ensino gramatical no livro

    didtico.

    No incio da minha carreira, ainda cursando a graduao, assumi as primeiras aulas

    com alunos do ensino fundamental (primeiro ciclo) em uma escola pblica. Naquele perodo,

    os modelos escolares com os quais havia tido contato como estudante, fizeram me acreditar

    que seria necessrio os alunos dominarem a gramtica normativa/descritiva, considerada eixo

    de progresso e articulao curricular escolar, para que pudessem dominar a leitura e a escrita.Algum tempo depois, j graduada em Letras, comecei a trabalhar com alunos do

    segundo ciclo do ensino fundamental em uma escola particular. L, a perspectiva para o

    ensino de lnguas era diferente: a gramtica era excluda da sala de aula, pois acreditava-se

    que ela no contribua com a formao do leitores e produtores de texto.

    Por alguns anos, meu caminho e o de outros professores foi esse: desprezvamos a

    gramtica e centralizvamos a ateno na leitura e na escrita de diferentes textos. Contudo,

    com o passar do tempo, percebi que o ensino gramatical parecia fazer falta aos alunos, poissuas produes e interpretaes deixavam lacunas relacionadas falta de reflexo sobre a

    lngua. Tal fato tambm foi percebido por outros professores e juntos comeamos a buscar

    alternativas que possibilitassem a superao das dificuldades apresentadas pelos alunos.

    Assim, aps algumas discusses, decidimos que, durante o perodo destinado a hora

    atividade1, realizaramos leituras e discusses de artigos que possibilitassem a construo de

    novos caminhos para o ensino gramatical. Como atividade prtica, durante esses encontros,

    sugeri a anlise de livros didticos avaliados e aprovados pelo PNLD - Programa Nacional doLivro Didtico-, em uma tentativa de perceber como, ao menos em tese, o ensino da lngua

    poderia ser configurado.

    Em 2006, ingressei em um programa de ps-graduao munida de esperanas que me

    propiciariam refletir sobre o processo de ensino-aprendizagem de lngua materna,

    especialmente no aspecto referente ao estudo da lngua. Na mesma poca iniciei minha

    participao no projeto de pesquisa Escrita e Ensino Gramatical: um novo olhar para um

    velho problema (2003- 2007), coordenado pela professora Dr. Alba Maria Perfeito da

    1 Perodo semanal destinado ao atendimento aos pais, planejamento das aulas, correo de textos e avaliaes,estudos.

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    Universidade Estadual de Londrina e composto por professores, alunos de graduao e ps-

    graduao da Universidade Estadual de Londrina (UEL), alm de colaboradores da

    Universidade do Norte do Paran (UNOPAR), da Universidade Estadual de Maring (UEL) e

    da Universidade Estadual do Oeste do Paran (UNIOESTE).

    Este projeto de pesquisa, de cunho processual e etnogrfico, visou diagnosticar e

    intervir na formao do professor de Lngua Portuguesa por meio de discusses e reflexes

    prtico-terico- prticos, visto que dados levantados atravs de gravaes de aulas

    pertencentes ao ensino fundamental apontavam desarticulao entre as prticas de leitura,

    anlise lingstica e produo textual. Nesse sentido, as discusses realizadas pautavam-se em

    pressupostos tericos advindos de Bakhtin/Volochnov (2006), Bakhtin (2003), Barbosa

    (2003), Perfeito (2005, 2006, 2007), entre outros. Durante o desenvolvimento deste projeto,alm das reunies quinzenais, foram realizados encontros com os professores que atuavam

    nas salas de aulas observadas, participaes em eventos, produes de dissertaes de

    mestrado, teses de doutorado, monografias de especializao, alm de artigos publicados em

    diferentes revistas e anais de eventos. Apesar de no haver participado do projeto em sua fase

    inicial, desenvolvi pesquisas relacionadas ao Livro Didtico Pblico e, tambm, ao gnero

    comunicado.

    Alguns meses depois, ingressei no grupo de pesquisa Interao e Escrita no Ensino eAprendizagem (UEM/CNPQ), sob coordenao do professor Dr. Renilson Jos Menegassi e

    com participao de professores e acadmicos da graduao e da ps-graduao (lato e strictu

    sensu) da Universidade Estadual de Maring (UEM), alm de professores de outras

    instituies de ensino superior como a FAFIJAN, CESUMAR, UNIOESTE.

    O Grupo de Pesquisa, preocupando-se com a situao do ensino de lnguas materna e

    estrangeira, desenvolve pesquisas relacionadas formao do professor, escrita, leitura,

    anlise lingstica, alm de promover disseminao de conhecimento atravs da promoo deeventos como o SEALI (1 Seminrio de Ensino de Aprendizagem de Lnguas, 2007), que

    aproximou os professores da rede pblica e particular das pesquisas de ordem terico-prtica

    realizadas por membros do grupo. Alm de artigos j publicados sobre as temticas inseridas

    no grupo, tambm so desenvolvidas dissertaes, monografias, entre outros. Nesse sentido,

    destacamos a pesquisa que desenvolvemos a respeito das marcas de interao no livro

    didtico.

    O referencial terico que norteia as discusses do grupo tem como base o scio-

    interacionismo a partir dos pressupostos de Bakhtin/Volochnov (1929, 2006), Bakhtin (2003)

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    e Vygotsky (1998) e outros pertencentes a literatura brasileira que neste contexto esto

    inseridos.

    Assim, a partir do contexto apresentado, especialmente atravs das contribuies

    advindas das discusses do Grupo e do Projeto de Pesquisa, optei pela construo de um

    trabalho terico/prtico que propiciasse reflexes a respeito do ensino gramatical a partir da

    tica do livro didtico, visto acreditar que, alm de ser uma das poucas fontes de pesquisa aos

    quais professores e alunos tm acesso (SOUZA, D. 1999; CORACINI,1999), muitas

    mudanas na esfera educacional so impulsionadas por esse material, que, ao menos em tese,

    tem incorporado paulatinamente os pressupostos tericos propagados pelos PCNs, (BRASIL,

    1998a) e, tambm, pelo Guia de Livro Didtico (BRASIL, 2007).

    Sob tal enfoque, Brkling (2003, p. 212) considera de vultuosa relevncia aspesquisas que envolvem os livros didticos por serem responsveis, muitas vezes, pela

    seleo de contedos e atividades, alm de serem

    [...] uma ferramenta semitica que realiza a mediao entre aspectos doconhecimento sobre a linguagem e a lngua, de um lado, e o professor e osalunos, de outro, numa instncia socialmente legitimada como espao deaprendizado.

    Desse modo, ao considerar os pressupostos advindos da Lingstica Aplicada, mais

    especificamente da Teoria da Enunciao bakhtiniana, esta pesquisa apresenta como objetivo

    geral compreender como as atividades de anlise lingstica so propostas no livro didtico, a

    partir do tratamento da lngua soba tica dos gneros discursivos, a fim de entender se esto

    relacionadas s prticas de leitura dos gneros definidos. Para tanto, selecionamos como

    corpus para esta pesquisa as unidades que exploram gnero artigo de opinio.

    Para que objetivo geral seja atingido, so estabelecidos quatro objetivos especficos

    para este trabalho:

    - Determinar os procedimentos tericos-metodolgicos propostos no Manual do

    Professor do livro didtico investigado para as prticas de anlise lingstica, confrontando a

    teoria que subsidia o trabalho e as atividades apresentadas;

    - Identificar a concepo de linguagem e de gramtica subjacente s prticas de anlise

    lingstica propostas no livro;

    - Definir como as marcas lingstico-enunciativas do gnero analisado se articulam s

    prticas de leitura;

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    - Propor as dimenses do trabalho em situao de ensino-aprendizagem para o gnero

    analisado, a partir dos resultados obtidos por meio das anlises do livro didtico em uma

    tentativa de explorar a lngua como um sistema constitudo por signos ideolgicos

    (BAKHTIN/VOLOCHNOV, 2006).

    O trajeto percorrido para que os objetivos sejam alcanados esto distribudos em

    cinco captulos, que se baseiam prioritariamente em pressupostos tericos de

    Bakhtin/Volochnov (1926, 2006) e Bakhtin (2003).

    No primeiro, esto contidos conceitos chaves relacionados s concepes de

    linguagem e de gramtica respectivamente, porque elas atuam como foras determinantes no

    agir do professor e, tambm, na produo de materiais didticos.

    No segundo captulo, so apresentadas reflexes pertinentes ao livro didtico, cujanfase, est relacionada ao histrico de percalos do PNLD (Programa Nacional do Livro

    Didtico) responsvel pelo processo de anlise da qualidade dos livros didticos brasileiros.

    No terceiro captulo, so discutidos os passos percorridos para a delimitao do corpus

    desta pesquisa, bem como os procedimentos metodolgicos necessrios para a construo da

    mesma.

    O quarto captulo, responsvel por apresentar a anlise do corpus pesquisado,

    examina, inicialmente, os pressupostos tericos que embasam o Manual do professorcomparando-os com os documentos prescritivos. Em seguida, demonstra os aspectos gerais

    das unidades analisadas. E, por fim, tece reflexes a respeito das atividades contidas nas

    sees A linguagem do texto e Lngua: usos e reflexo.

    O quinto captulo, construdo a partir dos resultados obtidos atravs da anlise

    realizada no capitulo anterior, responsvel por discutir as dimenses ensinveis do artigo de

    opinio e, tambm, por propor possibilidades de trabalho subsidiadas pela teoria bakhtiniana,

    em uma tentativa de ir alm do estudo e da memorizao de regras e identificao deelementos da gramtica tradicional.

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    1 CONCEPES DE LINGUAGEM

    A disciplina de Lngua Portuguesa, durante muitos anos, foi norteada pelo ensinogramatical, por isso, era considerado essencial que os alunos conseguissem identificar,

    classificar e reconhecer as regras pertencentes norma culta. Nessa perspectiva, a lngua era

    concebida como um objeto imutvel e distante do fluxo da interao verbal.

    Essa realidade comea a ser transformada paulatinamente, atravs dos pressupostos

    bakhtinianos e toma fora com a chegada dos Parmetros Curriculares Nacionais de Lngua

    Portuguesa (doravante PCNs) s escolas. Todavia, junto dele, chegaram tambm dvidas,

    incertezas. Ento, que papel o ensino gramatical ocupa neste documento? E na sala de aula? Oensino gramatical deve ser abandonado? Devemos exclu-lo do caminho? Diante de tantos

    questionamentos, a gramtica, para muitos, tornou-se uma pedra no meio do caminho.

    Desse modo, partindo em busca de respostas, optamos por percorrer um caminho que ,

    inicialmente, construdo atravs da anlise de algumas caractersticas referentes s concepes de

    linguagem, relacionando-as ao ensino gramatical. A incurso por tal percurso justifica-se por

    compreendermos que essas concepes esto refletidas no agir do professor e na produo de

    materiais didticos de lngua materna, influenciando de maneira direta o processo de ensino-

    aprendizagem de lngua (ANTUNES, 2007; FARACO, 2005a).

    Nesse sentido, este captulo tem por objetivo tecer algumas reflexes a respeito das

    concepes de linguagem bem como o ensino gramatical, luz, especialmente, da perspectiva

    enunciativa bakhtiniana, numa tentativa de traar alguns caminhos que tornem possvel

    instrumentalizar o aluno a se manifestar de maneira adequada nas mais diversas esferas de

    atividade humana.

    1.1 LINGUAGEM COMO EXPRESSO DO PENSAMENTO

    A concepo de linguagem como expresso do pensamento defende a tese de que a

    lngua a exteriorizao de uma atividade mental, individual e isenta de qualquer influencia

    externa. Em outras palavras, a dificuldade de expresso est relacionada falta de

    organizao do pensamento do indivduo .

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    No artigo Discurso na vida e discurso na arte2, Bakhtin/Volochnov(1926) criticam a

    nfase dispensada psique individual, no que chama de estudo da psique do criador ou do

    contemplador. Posteriormente, na obra Marxismo e filosofia da linguagem(2006), os autores

    criticam essa concepo, nomeada subjetivismo individualista, porque os fatores externos ao

    sujeito so ignorados e, tambm, pela nfase dispensada ao uso de uma lngua ideal, como

    aquela utilizada em obras clssicas.

    Essa viso aponta a enunciao monolgica como ponto de partida de reflexo sobre a

    lngua, isto porque ela

    se apresenta como um ato puramente individual, como uma expresso daconscincia individual, de seus desejos, suas intenes, seus impulsos

    criadores, seus gostos, etc. (BAKHTIN/VOLOCHNOV, 2006, p. 114).

    A enunciao monolgica no leva em conta a esfera em que o indivduo est inserido,

    to pouco a presena do interlocutor e o entrecruzamento de vozes porque a ateno est

    centrada no sujeito, como ser individual e isento de influncias externas.

    No Brasil, Travaglia (2006, p. 21) assevera que, de acordo com essa concepo, o

    pensamento construdo no interior da mente do indivduo, isento de influncias do meio em

    que o sujeito est inserido e a sua expresso configurada atravs da traduo do pensamento.

    Consequentemente, a lngua concebida como resultante de um processo de criaoindividual motivada por atos psicofisiolgicos. Ou seja, a dificuldade em se expressar com

    clareza est relacionada precariedade de organizao de raciocnio.

    Desse modo, para que o individuo consiga se expressar com clareza necessrio que

    ele obedea a princpios gerais que possibilitem melhor organizao do pensamento, o que se

    torna possvel atravs da leitura das obras clssicas, que apresentam modelos de referncia

    para a arte do bem falar e do bem escrever (PERFEITO, 2007).

    A concepo de gramtica normativa, subjacente da concepo de linguagem comoexpresso do pensamento, ser discutida na prxima seo.

    2 O texto originalmente publicado em russo, em 1926, sob o ttulo Slovo vzhizni i slovo v poesie apresentaprenncio de alguns conceitos do crculo de Bakhtin que so desenvolvidos posteriormente na obra Marxismoe Filosofia da Linguagem (2006).

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    1.1.1 Gramtica Normativa: Reflexes Iniciais

    A gramtica normativa pode ser definida como um conjunto de regras que, ao serem

    seguidas, supostamente, levam o indivduo proficincia na escrita e na fala, com nfase na

    primeira. Travaglia (2006), assinala que essa concepo

    apresenta e dita normas de bem falar e escrever, normas para a corretautilizao oral e escrita do idioma, prescreve o que se deve e o que no sedeve usar na lngua. Essa gramtica considera apenas uma variedade dalngua como vlida, como sendo a lngua verdadeira. (p. 31, grifo do autor).

    Saber a lngua, ento, significa conhecer as regras e as nomenclaturas contidas no

    manual da lngua sob pena de no conseguir aceitao social (FRANCHI, 2006). Nesse

    sentido, quem no as domina comete erros, distores lingsticas e, como conseqncia,

    sofre preconceito e acaba excludo da sociedade.

    Geraldi (1997), Travaglia (2006) e Perfeito (2005) postulam que a gramtica

    normativa ainda se faz presente em muitas salas de aula, sendo concebida, por muitos, como

    eixo de progresso e articulao curricular para o ensino de lngua. Assim, torna-se relevante

    discutirmos a respeito da origem dessa concepo, pois ela ainda exerce grande influncia nas

    aulas de Lngua Portuguesa.

    1.1.1.1 As razes da gramtica normativa: a origem desse magnetismo ainda presente nas

    aulas de lngua materna

    As razes da gramtica normativa tiveram suas primeiras ramificaes na Grcia

    antiga atravs de estudos filosficos que so divididos em trs perodos: os pr-socrticos e os

    primeiros retricos, os esticos e, tambm, os alexandrinos. Naquela poca, o interesse erarefletir sobre as relaes existentes entre a lngua e suas respectivas apresentaes no mundo

    material (SUASSUNA, 2003).

    No primeiro perodo, de acordo com Neves (2002), o interesse por estudos

    relacionados linguagem esteve ligado inicialmente aos poetas, que de maneira intuitiva

    refletiam sobre a lngua atravs da tica da filosofia. Citemos ainda as contribuies de Plato

    (428/27-347 a.C.) e Aristteles (384-322 a.C.). O primeiro, atravs da obra Crtilo, apesar de

    no ser considerada um compndio gramatical, reflete sobre questes relacionadas origem

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    da lngua. Entretanto, devemos mencionar que Plato trouxe valorosas contribuies

    referentes a diviso das primeiras partes do discurso (NEVES, 2002, p. 37).

    Nesse perodo, Aristteles foi o primeiro a realizar um estudo minucioso e

    sistematizado a respeito da estrutura lingstica, sendo que muitos de seus estudos so

    considerados nas gramticas atuais. Citemos como exemplo algumas categorias gramaticais3,

    na poca conhecida como categoria aristotlica, tais como conjuno e verbo, que deram

    origem gramtica tradicional, mas, trouxeram resqucios de marcas filosficas. Suassuna

    (2003) afirma que as contribuies desse pensador so de grande valia para a construo da

    gramtica grega que desenvolveu um notvel estudo lgico da linguagem, segmentando o

    discurso em partes e investigando a estrutura da orao (p. 20).

    No segundo perodo, apesar de resqucios filosficos, a lngua passa a ser tratada emobras independentes, podendo ser definida como expresso de experincias sensoriais e

    intelectuais do homem.

    Os esticos, pertencentes a uma das principais correntes da filosofia dessa poca,

    concebiam a lngua como expresso do pensamento, mas a nfase no estava nos estudos

    lingsticos, pois eles no estavam

    interessados na lngua em si mesma: como filsofos, a lngua era, para eles,antes de mais nada, a expresso do pensamento e dos sentimentos e nessaperspectiva que era investigada. Essa uma caracterstica que os esticoscompartilharam com os estudiosos do perodo anterior: todosdesenvolveram o estudo sobre a lngua no mbito de pesquisas filosficasou lgicas. (LOBATO, 1986, p. 78).

    O terceiro perodo, historicamente conhecido como helenstico, enfatizava o estudo

    lingstico atravs da literatura. Naquela poca, o objetivo era fazer com que os povos

    conquistados conhecessem e utilizassem a lngua e a cultura grega considerada suprema,

    numa tentativa de garantir a imutabilidade e a pureza lingstica. Para tanto, nessa poca o

    que se procura , acima de tudo, transmitir o patrimnio literrio grego, privilegiando-se,

    como atividade cultural, o exame das grandes obras do passado (NEVES, 2002, p. 49).

    Destarte, a lngua deve ser ensinada para ser preservada. Surge, ento, uma disciplina

    gramatical que tem como objetivo disseminar a lngua considerada culta, ideal atravs do

    estudo de obras clssicas, detentoras de uma linguagem concebida como modelar.

    3 vlido ressaltarmos que os elementos que compuseram as categorias gramaticais foram tecidaspaulatinamente, pois receberam contribuies de diferentes tericos em diversos momentos da histria.

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    Dentre, os alexandrinos destacamos a relevncia dos estudos propostos por Dionsio, o

    Trcio (170- 90 a. C.), autor da primeira gramtica do mundo ocidental, a (Tchn)

    Grammatik, considerada bero da gramtica normativa por ser o primeiro registro terico-

    prescritivo da lngua (NEVES, 2002; SILVA, 2002). Tal gramtica ainda se desenvolve

    atravs de muitos estudiosos como Apolnio Dscolo (II a. C.) e Varro, entre outros.

    Apolnio Dscolo (II a.C.), influenciado por Dionsio o Trcio, dispensa especial

    ateno teoria sinttica grega, tpico por ele no abordado. A partir dos apontamentos de

    Dionsio, o estudo gramatical adquire um novo status gramatical, apesar do seu vis filosfico

    (SENNA, 1998).

    Em Roma, sobre forte influncia de Dionsio, o Trcio e de Apolnio Dscolo, Varro

    (I a.C.) aplicou a gramtica grega ao latim, cuja nfase estava, tambm, na valorizao daescrita, especialmente dos clssicos. Nesse sentido, a oposio entre o latim clssico e o

    vulgar foram enfatizados.

    Dessa maneira, Suassuna (2003, p. 21), assinala que,

    [...] os romanos, por sua vez, aplicaram ao Latim as principais conquistasdos gregos. Mas, nessa poca, o estudo do Certo e do Errado sobrepujou alinha lgica e filosfica dos estudos sobre a linguagem. Isso porque o

    crescimento do Imprio Romano impunha a necessidade de uma lnguanica (nessa poca, havia conflito entre a lngua falada pelas classes rurais ea lngua oficial das classes superiores).

    De acordo com os estudos de Suassuna (2003), o estudo do Certo e do Errado

    adentraram a Idade Mdia atravs das gramticas de Donato (IV d.C.), que se ocupou das

    descries fonticas, da pronncia, enquanto que Prisciano (V d.C.), construiu a primeira

    sintaxe do latim. A obra de tais autores, inicialmente, tornou-se obrigatria na disciplina

    denominada Gramtica, pertencente escola palatina4. Nesse perodo a corrente filosfica

    dominante era a escolstica, que buscava tecer relaes entre a f e a razo. Com os

    escolsticos, fazem-se reflexes de ordem filosfica sobre as lnguas, sendo a gramtica

    considerada uma disciplina auxiliar da Lgica. (SUASSUNA, 2003, p. 22). De acordo com

    essa corrente, as escolas eclesisticas, inicialmente, deveriam fornecer instrues aos leigos,

    sendo dividida em trs perodos: a escolstica primitiva, a mdia e a tardia.

    Silva (2002) aponta que os estudos gramaticais seguiram duas linhas distintas. A

    primeira preocupava-se com os estudos e a valorizao da lngua latina e do greco-latim e a

    segunda a partir do sculo XV com estudo das lnguas dos espaos conquistados pelos

    4 Escola fundada junto corte do rei Carlos Magno.

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    romanos, que necessitavam compreender a estrutura de uma nova lngua a fim de que

    pudessem tornar acessvel sua doutrina religiosa.

    A partir dessa vertente, no Renascimento, a lngua torna-se um objeto de ensino, o que

    traz reformulaes quanto ao uso da gramtica que clama por clareza, sistematizao e

    eficcia, necessrias s aplicaes pedaggicas, acaba por refrear as especulaes lingsticas

    medievais. (SILVA, 2002, p. 24).

    Nesse perodo se encontra o embrio do pensamento educacional que vai orientar o

    sculo XVI. [...] a educao ministrada aos pobres era apenas restrita aos ensinamentos

    cristos e no educao formal com a que era dada aos ricos. (CASAGRANDE, 2004, p.

    29-30).

    Os estudos sobre a relao entre pensamento e lngua continuam vigorando,entretanto, o campo de observao alterado devido ao interesse por outras lnguas. Destarte,

    a gramtica torna-se objeto de estudo e tambm de ensino, onde o carter descritivo e

    normativo so enfatizados (SILVA, 2002).

    Destacamos, ainda, a Grammaire gnrale et raisone, tambm conhecida como a

    gramtica de Port Royal de Arnault e Lancelot, que discute fundamentalmente os princpios

    comuns a todas as lnguas, bem como suas diferenas. Em consonncia a esta afirmativa,

    Perfeito (2005, p. 25) afirma que embora Port Royal retome a gramtica greco-alexandrina,estabelece princpios no diretamente ligados descrio de uma lngua particular, e sim, de

    princpios universais [...].

    De acordo com Silva (2008, p. 5) nessa gramtica, explicita-se a noo de signo

    como meio, atravs do qual os homens expressam seus pensamentos sendo que, atravs dela,

    houve uma tentativa de estabelecer caractersticas que pudessem ser encontradas em todas as

    lnguas.

    De acordo com Silva (2005, p. 16-17),

    Em face do grande nmero de usos da comunidade lingstica que osgramticos filosficos racionalistas conheciam, devia-se realizar,obrigatoriamente, uma escolha, tornar operacional a codificao do usoexemplar, que no seria apagntico da maioria dos locutores, mas sim deuma elite da comunidade lingstica. Transfere-se assim dos grandesautores do passado para um segmento legitimado pela sociedade o modelolingstico a ser seguido.

    A partir do levantamento histrico realizado, percebemos quo antiga a gramtica

    normativa, que sempre imps e valorizou normas e modelos a serem seguidos, numa tentativa

    de fazer com que a lngua fosse um instrumento de controle e excluso. Mas, apesar de estar

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    teoricamente5superada, ainda exerce grande influncia no ensino de lngua materna. Teamos

    algumas reflexes a respeito das implicaes pedaggicas desse modelo gramatical.

    1.1.1.2 Gramtica normativa: implicaes pedaggicas

    A escola e sua clssica preocupao com o ensino da gramtica normativa tende a

    forjar um ensino reprodutor, que enfatiza a identificao e a classificao de nomenclaturas e

    regras gramaticais, tornando enfadonho e improdutivo o ensino de Lngua Portuguesa. Nesse

    sentido, apesar dos avanos tericos no campo da Lingstica e das constantes reflexes

    presentes no meio acadmico, o ensino de lngua materna pouco avanou, pois as discusses

    parecem no transpor a esfera acadmica e uma crise parece ter se instaurado (SILVA, 2004).Sob tal enfoque, Geraldi (1997, 2001, 2006), Possenti (1996), Bechara (2006),

    Suassuna (2003), Antunes (2007), Travaglia (2007), Silva (2004), entre outros estudiosos

    brasileiros, postulam que o excesso de ateno dispensada gramtica normativa torna o

    ensino de lngua materna incuo, pois os alunos so tratados como se estivessem explorando

    uma lngua estrangeira6.

    Desse modo, atravs de retomada histrica apresentada, percebemos que, apesar da

    distncia temporal, muitas prticas referentes ao percurso tradicional normativo tornaram-secristalizadas (GERALDI, 1997; TRAVAGLIA, 2006). Dentre elas destacamos: a funo do

    texto em materiais didticos, a disseminao de uma nica variedade lingstica: a padro,

    alm da nfase na escrita e da suposta imutabilidade da lngua. Teamos, ento, algumas

    reflexes a esse respeito.

    Em um perodo no muito distante verificvamos uma forte ateno dispensada a

    textos prioritariamente literrios pertencentes a obras clssicas, numa tentativa, entre outras,

    de fazer com que a lngua fosse apreendida a partir dos dizeres de autores consagrados,

    considerados mestres que, supostamente, serviam como exemplo para o bom uso da lngua.

    Entretanto, a partir de uma discusso iniciada a partir da dcada de 80 que toma fora com a

    publicao de documentos prescritivos como os PCNs (BRASIL, 1998a) e o PNLD 7 o

    trabalho com a diversidade textual passou a ser enfatizado, porm, com o mesmo vis de

    outrora.

    5 De acordo com Perfeito (2005), a gramtica normativa foi teoricamente rompida a partir de Saussure (1969).

    Ao destacarmos o vocbulo teoricamente entendemos que apesar de avanos conquistados pela lingstica, omodelo proposto pela gramtica normativa ainda se faz presente no atual sistema educacional.

    6 Ver captuloLngua, fala e enunciao (BAKHTIN, 2006).7 PNLD (Programa Nacional do Livro Didtico) a ser discutido em captulo posterior.

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    Uma outra prtica verificada a nfase dispensada a norma padro, que possibilita ao

    aluno o acesso a uma nica variedade lingstica, em detrimento a outras possibilidades que a

    lngua oferece. Enfatizando prioritariamente a escrita como nica forma para apreenso dessa

    variante.

    Por fim, a gramtica normativa concebe a lngua, conforme mencionado

    anteriormente, como um sistema fixo e invarivel, uma espcie de produto que sempre igual

    a si mesma, independente do contexto em que os enunciados esto inseridos. Por isso, cabe a

    escola executar um ensino preocupado com a reproduo de conhecimentos lingsticos

    cristalizados. Desse modo, o sistema premia aquele que consegue reproduzir exatamente os

    modelos propostos por professores, via livro didtico, como se a lngua fizesse parte de um

    conhecimento acabado e isento de influncias do meio scio-histrico-cultural.Em consonncia com esses dizeres, Suasssuna (2003) evidencia que

    [...] tudo leva a reproduo: o aluno reproduz a fala do professor, quereproduz a fala do livro didtico, que reproduz um jeito de se interpretar avida - a escola se reproduz, enfim. At porque como o conhecimento visto/dado como algo acabado, resta a todos apreend-lo e reproduzi-lo, semconstru-lo (ou sem ver que ns o construmos histrica e permanente). (p.58, grifo nosso).

    Destarte, o sistema educacional, envolvido com a reproduo de normas lingsticas,

    pouco ou nada contribui com o desenvolvimento do cidado crtico, j que refora o emprego

    de uma lngua supostamente ideal e estabilizada.

    1.2 LINGUAGEM COMO INSTRUMENTO DE COMUNICAO

    A concepo de linguagem como instrumento de comunicao define lngua como um

    sistema de cdigos imutveis que transmite mensagens de um emissor para um receptor.

    No artigo Discurso na vida e discurso na arte, Bakhtin/Volochnov (1926), criticam

    tal concepo, ao mencionar a fetichizao da obra artstica como artefato. Nessa perspectiva,

    o campo de investigao se restringe obra por si s, qual analisada de tal modo como se

    tudo em arte se resumisse a ela. O criador da obra e seus contempladores permanecem fora da

    investigao ( p. 03). Desse modo, a obra pode ser concebida como sinnimo de lngua ideal

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    e imutvel que permeia a sociedade, sendo utilizada apenas como um instrumento de

    comunicao, sem que as influncias externas sejam consideradas.

    Bakhtin/Volochnov (2006), na obra Marxismo e filosofia da linguagem, nomeiam

    essa concepo como objetivismo abstrato, numa crtica Lingstica tradicional que divulga

    a lngua como um sistema ideal, abstrato a ser incorporado pelo sujeito falante.

    No Brasil, Travaglia (2006) evidencia que

    [...] a lngua vista como um cdigo, ou seja, como um conjunto de signosque se combinam segundo regras, e que capaz de transmitir umamensagem, informaes de um emissor a um receptor. Esse cdigo deve,portanto, ser dominado pelos falantes para que a comunicao possa serefetivada. (p. 22).

    O estudioso ainda ressalta que essa uma viso redutora do estudo da lngua, pois o

    foco est situado apenas ao seu funcionamento interno, onde o sujeito, bem como as

    condies de produo da lngua so desconsideradas. Em conseqncia, o locutor e o

    receptor devem apropriar-se da lngua imutvel, transmitida de gerao para gerao atravs

    de um constante exerccio de passividade, o que, na esfera escolar, constitui elemento basilar

    da gramtica descritiva.

    1.2.1 Gramtica Descritiva: Reflexes Iniciais

    A gramtica descritiva explica o funcionamento da lngua, incluindo suas variedades,

    ou seja, ela se ocupa da descrio das formas gramaticais de determinada comunidade

    lingstica.

    Nesse caso, o lingista responsvel por observar, descrever e registrar ofuncionamento da lngua. Segundo Travaglia (2006), o cientista, nessa concepo,

    pode fazer gramticas de todas as variedades da lngua, propondo deacordo com um modelo terico quais as unidades e categorias da lngua,bem como as relaes que podem ser estabelecidas entre elas e suasfunes, o seu funcionamento. (p. 27).

    Em outras palavras, cada variedade lingstica pode ter sua prpria gramtica, que se

    ocupa em descrever o funcionamento e a estrutura interna da lngua. (MADEIRA, 2005). Aconstruo desse manual estabelecida a partir da anlise de frases que vo se afunilando

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    para o estudo de unidades menores, numa tentativa de estabelecer relaes que expliquem o

    processamento da lngua.

    Em sntese, a gramtica continua apresentando normas, mas a nfase est na descrio

    de seu funcionamento, na forma e na funo da lngua (TRAVAGLIA, 2006). Assim, saber

    gramtica significa ser capaz de descrever expresses, bem como de reconhecer a estrutura e

    o funcionamento interno da lngua (FRANCHI, 2006).

    1.2.1.1 As razes da gramtica descritiva

    A concepo de linguagem como instrumento de comunicao surgiu atravs da

    dicotomia langue x parole, proposta por Saussure por volta de 1969. Segundo esse terico, a

    langue, doravante lngua, permeia a sociedade e paira sobre o indivduo, enquanto que a

    parole, doravante fala, denominada como um sistema de signos que internalizado pelo

    falante. Nessa perspectiva, a lngua seria um conjunto de normas fixas do qual o indivduo se

    apropria e a utiliza como um instrumento de comunicao.

    De acordo com Perfeito (2005), Saussure e seus caudatrios participaram dadisseminao dessa concepo. Entre eles Jakobson, que no final da dcada de 70 props uma

    viso informativa da linguagem, inserida no estruturalismo, cuja viso ampliava o modelo

    proposto por Karl Bhler, o qual reconhecia trs funes bsicas da linguagem, de acordo

    com a incidncia no emissor (funo expressiva/emotiva); no receptor (funo

    apelativa/conativa) ou no referente/contexto (funo referencial/informativa) (p. 34).

    Jakobson considerou essas funes e props os elementos mensagem, canal e cdigo como

    fatores relevantes no ato comunicativo.A partir desses avanos nos aspectos tericos, o ensino de lngua materna sofre

    algumas transformaes que so descritas na prxima seo.

    1.2.1.2 Gramtica descritiva: implicaes pedaggicas

    No ambiente escolar, a gramtica descritiva preocupa-se com a representao de fatos

    lingsticos atravs de exerccios estruturais atravs de exerccios em que o aluno deve

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    completar lacunas, seguir modelo, resolver atividades de mltipla escolha, alm do estudo das

    funes da linguagem (PERFEITO, 2005).

    Dessa maneira, cabe ao aluno agir como um cientista a dissecar a lngua, que tratada

    como morta e estrangeira (BAKHTIN/VOLOCHNOV, 2006), ou seja, ela um aparato

    supostamente desconhecido e sem vida a ser manipulado, analisado de maneira

    descontextualizada. A partir dessa perspectiva, na escola, essa gramtica aplicada ao

    funcionamento interno da lngua, mais especificamente da norma padro, como se as

    inmeras variedades lingsticas fossem inexistentes (TRAVAGLIA, 2006).

    Nesse sentido, o ensino da gramtica assume sua verso tradicional, ou seja, privilegia

    o ensino da lngua atravs de elementos pertinentes s gramticas normativa e a descritiva

    porque utiliza-se dos processos de anlise do funcionamento e da descrio lingstica paraensinar e prescrever elementos que supostamente instrumentalizam o aluno para a arte do bem

    falar e do bem escrever (FRANCHI, 2006, p. 20-21).

    Consoante com esses pressupostos, Antunes (2007, p. 36) menciona que a associao

    entre as gramticas normativa e descritiva apresenta funo prescritiva e controladora, em

    uma tentativa de garantir a supremacia, a reproduo e a estabilidade da lngua padro.

    1.3 LINGUAGEM COMO INTERAO

    O vocbulo interao apresenta inmeros significados. De acordo com Houaiss e

    Villar (2001) a palavra interao pode ser definida como

    1. influncia mtua de rgos ou organismos inter-relacionados; 2. aorecproca de dois ou mais corpos; 3. atividade ou trabalho compartilhado, emque existem trocas e influncias recprocas; 4. comunicao entre pessoasque convivem; dilogo, trato, contato. (p. 328).

    Morato (2007), ao refletir sobre esse conceito, postula que o termo em pauta possui

    carter polissmico e apresenta uma de suas definies mais expressivas:

    [...] como se observa na raiz (inter)- idia de influncia recproca; emsegundo lugar, ele [o termo] nos convida a pensar em algo compartilhado de

    forma reflexiva (isto , a ao)[...] De todo modo, ela [a definio] capazde indicar que toda empreitada ou ao do sujeito do mundo se inscreve numquadro social, submete-se s regras de gesto histrico-cultural, no nuncaideologicamente neutra. (p. 315-316).

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    A partir das acepes apresentadas, verificamos que a interao pode ser definida

    como uma espcie de troca entre os sujeitos que esto envolvidos em determinada esfera de

    atividade humana.

    A partir dessa definio encontramos referenciais tericos, sobretudo, na perspectiva

    enunciativa bakhtiniana e na teoria scio-histrica de Vygotsky. Bakhtin/Volochnov (1926,

    2006), Bakhtin (2003) e Vygotsky (1998) defendem a tese de que a linguagem adquirida e

    desenvolvida por meio das relaes sociais estabelecidas entre os sujeitos (interao) e o

    meio, ou seja, do aspecto intersocial para o intrasocial.

    Vygotsky (1998), psiclogo russo, evidencia que o Processo Psicolgico Superior

    (PPS), compreendido como parte de uma conduta tipicamente humana responsvel pelodesenvolvimento de capacidades como inteligncia prtica, ateno voluntria e da memria,

    so estimuladas e desenvolvidas via interao. Tal desenvolvimento decorre do processo de

    internalizao, definido como reconstruo interna de uma operao externa (VYGOTSKY,

    1998, p. 63), ou seja, esse processo inicialmente interpessoal e, posteriormente, intrapessoal,

    podendo ser verificado em trs momentos distintos: o da fala externa, fala egocntrica e a fala

    interna:

    Fala externa-Relao interindividual

    Falaegocntrica

    Fala interna

    Figura 1 Processo de internalizao resultante das interaes

    Conforme podemos observar, o primeiro momento do processo de internalizao

    marcado pela interao entre os sujeitos, em que ocorre cruzamento de vozes que lhes so

    externas. No segundo momento, uma fase transitria, a fala egocntrica transforma-se na fala

    interna, que caracterizada como a apropriao do discurso alheio propriamente dito, ou seja,

    h o entrecruzamento das vozes envolvidas na interao.

    Baquero (2001) defende que

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    So necessrios alguns esclarecimentos sobre o conceito de interiorizao.Contra a imagem intuitiva que a verso mais simples atribuiria ao conceito,interpretando-o como uma espcie de transferncia ou cpia criativa decontedos externos no interior de uma conscincia, no campo da teoria, naverdade, os processos de interiorizao seriam os criadores de tal espaointerno. Quer dizer, deve-se conceitualizar a internalizao como criadorade conscincia e no como a recepo na conscincia de contedosexternos. (BAQUERO, 2001, p. 33-34, grifos do autor).

    Em outras palavras, o sujeito no copia a fala alheia, ele a (re)constri, a ressignifica

    de acordo com sua vivncia, contexto e finalidade de seu discurso atravs de um processo que

    iniciado pela interao.

    Bakhtin/Volochnov (2006), ao considerar a linguagem como fruto das relaes

    interpessoais, define interao como uma espcie de ao de reciprocidade entre o locutor eseu interlocutor. Geraldi (1997, p. 13), ao retomar os dizeres de Bakhtin, considera que toda

    interao uma relao entre um eu e tu, relao intersubjetiva em que se tematizam

    representaes das realidades factuais ou no (grifo do autor). Desse modo, os sujeitos

    envolvidos nesse processo so capazes de manifestar suas representaes de mundo, que lhes

    so internas, atravs da linguagem.

    Geraldi (1997) assevera que as interaes ocorrem dentro de um contexto histrico

    amplo e imediato, pois elas s se tornam possveis enquanto acontecimentos singulares, nointerior e nos limites de uma determinada formao social, sofrendo as interferncias, os

    controles e as selees impostas por esta (p. 116).

    Nessa perspectiva, Bakhtin/Volochnov (1926) afirmam que

    Na vida, o discurso verbal claramente no auto-suficiente. Ele nasce deuma situao pragmtica extraverbal e mantm conexo mais prximapossvel com esta situao. Alm disso, tal discurso diretamente vinculado vida em si e no pode ser divorciado dela sem perder sua significao. (p.

    4).

    Perfeito (1999) contrasta os pressupostos de Bakhtin e Vygotsky e conclui que

    na linguagem, no dilogo, na interao que est sempre o sujeito e o outro.Sendo marxistas, ambos valorizam a conscincia. Para eles, conscincia epensamento so construdos com palavras e idias, constituindo-seinterativamente, tendo o outro como papel significativo. (p. 28).

    A estudiosa brasileira, Garcez (1998), ao confluir os construtos tericos de

    Bakhtin/Volochnov (1926, 2006), Bakhtin (2003)e Vygotsky (1998), menciona que o

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    processo de internalizao apresentado pelo segundo sinnimo da monologizao da

    conscincia proposto pelo primeiro. De acordo com a autora,

    Bakhtin construiu formulaes que vm ao encontro das idias de Vygotskysobre o processo de internalizao na fase inicial de apropriao delinguagem, mas suas reflexes enveredam pelo uso sociocultural dalinguagem por intermdio do recorte de discursos, estruturas enunciativasmuito mais complexas que as primeiras formas de comunicao humanas.(GARCEZ, 1998, p. 56).

    Entretanto, apesar da relevncia e das inmeras contribuies do psiclogo russo,

    optamos por centrar nossa pesquisa nos pressupostos tericos bakhtinianos, especialmente

    pela ateno dispensada a questes relacionadas linguagem e a interao verbal, queconstitui a realidade fundamental da lngua. (BAKHTIN/VOLOCHNOV, 2006, p. 127)

    Assim, a partir do conceito de interao advindo dos pressupostos tericos

    apresentados por Bakhtin/Volochnov (1926, 2006) e Bakhtin (2003) e outros estudiosos

    brasileiros, a concepo de linguagem em pauta no se preocupa apenas com a exteriorizao

    do pensamento ou com a transmisso de informaes, mas sim em

    realizar aes, agir, atuar sobre o interlocutor (ouvinte/leitor). A linguagem

    pois um lugar de interao humana, de interao comunicativa pelaproduo de efeitos de sentido entre interlocutores, em uma dada situaode comunicao e em contexto scio-histrico e ideolgico.(TRAVAGLIA, 2006, p. 23).

    Desse modo, dentre os conceitos discutidos por Bakhtin/Volochnov (1926, 2006) e

    Bakhtin (2003), elencamos aqueles que serviro como suporte terico para esta pesquisa.

    Dentre eles destacamos enunciado, dialogismo, palavra, gneros discursivos e outros que

    neles subjazem.

    a) Enunciado: breves reflexes

    A teoria enunciativa bakhtiniana dispensa especial ateno s unidades reais de

    comunicao, tambm chamados de enunciado, que formam elos ininterruptos na

    comunicao so determinados e influenciados por condies externas (BAKHTIN, 2003).

    Em outras palavras, os enunciados so constitudos por contedo verbal e no-verbal

    em um dado contexto discursivo, ou seja,

    a situao se integra ao enunciado como uma parte constitutiva essencial daestrutura de sua significao. Consequentemente, um enunciado concreto

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    como um todo significativo compreende duas partes: (I) a parte percebidaou realizada em palavras e (2) a parte presumida.(BAKHTIN/VOLOCHNOV, 1926, p. 6).

    Desse modo, cada enunciado um evento nico e no reitervel, ou seja, eles jamais seroidnticos a si mesmo porque as situaes no se repetem da mesma maneira, podendo apenas

    ser citado. (RODRIGUES, 2005). Entretanto, isso no significa que o locutor deve encontrar

    novas maneiras para se comunicar a cada evento, afinal de contas, conforme a metfora

    proposta por Bakhtin (2003) o falante no um Ado Bblico, s relacionado com objetos

    virgens e ainda no nomeados, aos quais d nome pela primeira vez. (p. 300).

    Assim, os enunciados que proferimos funcionam como resposta a outros enunciados,

    anteriores e/ou posteriores ao momento de interao, formando elos que constituem o fluxoininterrupto na cadeia da comunicao. Essas respostas so resultados de uma compreenso

    passiva, ativa ou silenciosa e se relacionam com outros enunciados atravs de confrontao,

    afirmao, confirmao, negao, questionamento, entre outros (BAKHTIN, 2003).

    Exemplificando, muitas vezes, ao ouvir as primeiras palavras do locutor, o interlocutor aciona

    o processo de compreenso a respeito do que est sendo tratado e assume um posicionamento

    sobre o tema discutido que ser exteriorizado em determinado momento scio-histrico

    Assim, como todo enunciado prenhe de uma resposta, a atitude responsiva ativa serexteriorizada, embora grau desse ativismo seja bastante diverso (BAKHTIN, 2003, p. 271).

    Ainda com relao possibilidade de resposta de um enunciado, Bakhtin (2003)

    preconiza que esta

    [...] determinada por trs fatores indissociavelmente ligados a um todoorgnico do enunciado: 1) tratamento exaustivo do objeto de sentido; 2) oquerer dizer do locutor; 3) as formas tpicas de estruturao do gnero doacabamento. (p. 280-281).

    O primeiro fator relaciona-se ao recorte que o locutor faz do tema, pois os objetos de

    sentido so inesgotveis; o segundo, diz respeito ao fato de que o sujeito tem o que dizer

    (querer dizer) e; por isso, no terceiro fator, o locutor delimita o gnero a ser utilizado para que

    o seu querer-dizer atinja de maneira eficiente seu interlocutor.

    Bakhtin (2003) ao discutir as caractersticas do enunciado apresenta severas crticas

    ao conceito de orao, que so unidades lingsticas tomadas isoladamente, pois as

    influncias scio-histricas no so consideradas. Mas, ento, sob a tica bakhtiniana, que

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    relao podemos estabelecer entre os conceitos enunciado e unidades lingsticas?

    (BAKHTIN, 2003).

    Nessa perspectiva terica, as unidades lingsticas so formas flexveis, histrica e

    socialmente marcadas que compem os enunciados. Desse modo, o enunciado Abra a janela!

    pode ter diferentes significados devido ao acento apreciativo8, a entonao, a esfera em que o

    enunciado est inserido e os papis sociais desempenhados pelo locutor e interlocutor, ou seja,

    o contexto de produo determina os sentidos construdos a partir da interao. Tais

    consideraes no podem mais ser excludos do processo de ensino de lnguas materna e

    estrangeira, sob o risco de haver silenciamento das vrias vozes que perpassam essa esfera.

    b) DialogismoPara que possamos compreender esse conceito, torna-se necessrio uma breve

    retomada do conceito do termo dilogo. Segundo Houaiss e Villar (2001):

    [...] fala em que h interao entre dois ou mais indivduos; colquio,conversa; 2. derivao: por extenso de sentido, contato e discusso entreduas partes em busca de um acordo; 3. conjunto das palavras trocadas pelaspersonagens de um romance, filme, etc.; 4. obra em forma de conversaocom fins expositivos, explanatrios ou didticos. (grifos do autor- p. 246).

    De acordo com essa definio, poderamos compreender que o dilogo uma

    interao verbal face-a face, em que necessria a presena de enunciador e de enunciatrio.

    Entretanto, esse conceito minimiza a magnitude de tal acepo. De acordo com os dizeres de

    Bakhtin/Volochnov (2006), o dilogo, no sentido definido anteriormente, concebido como

    uma das formas da interao, pois ele parte imanente de toda comunicao verbal, de

    qualquer tipo que seja (BAKHTIN/VOLOCHNOV, 2006, p. 127). Por isso, o dialogismo

    considerado elemento essencial nessa concepo de linguagem.Destarte, todo enunciado dialogizado, ou seja, entrecortado por vozes alheias, que

    podem ser definidas como sociais9 e individuais. As primeiras, segundo esses tericos, so as

    que mais influenciam o sujeito, sendo definidas como aquelas que pairam sobre as esferas de

    atividade, ou seja, so determinadas por um superdestinatrio como a igreja, a poltica, a

    escola, entre outros, que impem valores, regras, costume, etc. As denominadas individuais

    pertencem ao enunciatrio imediato que est inserido em um contexto prximo ao enunciador.

    8 O acento apreciativo, segundo Bakhtin/Voloshnov (2006), define posicionamento dos envolvidos na interao.9 As vozes sociais recebem o nome de heteroglossia ou plurilingusmo.

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    A partir dessas vozes, podemos perceber como o acento apreciativo, a entonao e,

    tambm, as escolhas lexicais compem os diferentes sentidos do enunciado

    (BAKHTIN/VOLOCHNOV, 2006). Porm, ao contrrio do que se pode imaginar, o sujeito

    no assujeitado a essas vozes, mas ele as considera ao realizar aes e enunciados, levando

    em conta, tambm, as relaes sociais por ele estabelecidas, seus possveis interlocutores em

    contexto amplo e imediato.

    Diante dos pressupostos aqui discutidos, torna-se relevante uma reflexo em torno do

    conceito de polifonia e sua relao com o dialogismo.

    O conceito de polifonia, de acordo com Houaiss e Villar (2001), descende do vocbulo

    poluphna e seu significado est relacionado ao emprego de muitas vozes ou instrumentos.

    Seu conceito, de acordo com Tezza (apudFARACO, 2006), foi criado por Bakhtin e poucodiscutido na Teoria da Enunciao, sendo configurada por ele como o modo de narrar de

    Dostoievski.

    A partir da anlise que Bakhtin realizou na obra de Dostoievski, pesquisadores como

    Faraco (2005a, 2006) verificam que h gneros que so monofnicos e os que so polifnicos;

    aqueles relacionados ao predomnio mascarado de uma nica voz no texto e esses permeados

    por diferentes vozes, de diferentes instncias sociais.

    Barros (2003) sintetiza essa definio do seguinte modo,

    os textos so dialgicos porque resultam do embate de muitas vozes sociais;podem, no entanto, produzir efeitos de polifonia, quando essas vozes oualgumas delas deixam-se escutar, ou de monofonia, quando o dilogo mascarado e uma voz, apenas, faz-se ouvir. ( p. 06).

    Em sntese, o princpio constitutivo da linguagem o dialogismo, pois nossos

    enunciados so constitudos por vozes sociais e individuais. Tais enunciados utilizam-se de

    estratgias discursivas denominadas polifonia ou monofonia, em que o primeiro destaca-sepela presena explcita de vrias vozes, enquanto que o segundo configura-se pelo uso

    mascarado de uma nica voz no enunciado.

    c) A dimenso da lngua e da palavra

    A partir das reflexes tecidas, percebemos que j no h espao para que a lngua seja

    concebida como abstrao ou produto de nossa subjetividade, como nas concepes que

    abordam o objetivismo abstrato ou subjetivismo idealista. Bakhtin/Volochnov (2006, p. 132)

    afirmam que a lngua constitui umprocesso de evoluo ininterrupto, que se realiza atravs

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    da interao verbal dos locutores (grifos do autor). Desse modo, a lngua (re)construda

    pelos sujeitos envolvidos na interao, por isso, est em constante evoluo.

    Diante desse conceito, Bakhtin/Volochnov (2006, p. 129) propem o mtodo

    sociolgico para seu estudo:

    1.As formas e os tipos de interao verbal em ligao com as condiesconcretas em que se realiza.2.As formas das distintas enunciaes, dos atos de fala isolados, em ligaoestreita com a interao de que constituem os elementos, isto , as categoriasdo ato de fala na vida e na criao ideolgica que se prestam a umadeterminao pela interao verbal.3.A partir da, exames das formas da lngua na sua interpretao lingsticahabitual.

    De acordo com Rodrigues (2004), essa metodologia enfatiza, inicialmente, ser de

    fundamental importncia que o pesquisador conhea a esfera de atividade humana bem como

    as relaes estabelecidas durante a interao; em seguida, prope o estudo dos enunciados em

    funcionamento em suas respectivas esferas e, por fim, a anlise do enunciado em si, aliando a

    isso as escolhas lexicais e gramaticais.

    Conforme esses tericos, o sujeito no recebe a lngua pronta para ser usada, ele

    mergulha no fluxo intenso da interao verbal, por isso ela deve ser estudada nas diversasinteraes verbais, atravs de suas respectivas evolues e possibilidades, onde as

    caractersticas da esfera da atividade humana sejam consideradas.

    Diante dessa perspectiva, a palavra, na perspectiva enunciativa bakhtiniana, deve ser

    considerada um sistema de signos ideolgicos, tecidas a partir de uma multido de fios

    ideolgicos e servem de trama a todas as relaes sociais em todos os domnios.

    (BAKHTIN/ VOLOCHNOV, 2006, p. 42). Tais signos, de acordo com Faraco (2006),

    refletem e refratam a realidade, ou seja,

    com os signos podemos apontar para uma realidade que lhes externa (paraa materialidade do mundo), mas o fazemos sempre de modo refratado. Erefratar significa, aqui, que com nossos signos ns no somentedescrevemos o mundo, mas construmos- na dinmica da histria e pordecorrncia do carter sempre mltiplo e heterogneo das experinciasconcretas dos grupos humanos- diversas interpretaes (refraes) dessemundo. (p. 50).

    Nessa concepo, a palavra j no mais reduzida a um simples instrumento que temcomo prioridade realizar fiis descries do mundo ou, ainda, retratar com fidedignidade

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    nossos pensamentos, afinal ela pode ser manipulada conforme nossas intenes (querer-

    dizer), o papel social dos interlocutores e a esfera em que ocorre a interao.

    Para melhor apreenso desse conceito importante discutirmos sua composio e sua

    natureza. A palavra composta por tema e significao, onde o primeiro est relacionado com

    os signos ideolgicos que se adaptam a contextos variados, enquanto que o segundo est

    ligado forma. Desse modo, o tema deve apoiar-se sobre uma certa estabilidade da

    significao; caso contrrio ele perderia seu elo com que precede e o que segue, ou seja, ele

    perderia, em suma, o seu sentido (BAKHTIN/ VOLOCHNOV, 2006, p. 134). Assim, ela

    pode assumir determinada significao e valorao, dependendo do contexto em que est

    inserido.

    Segundo Bakhtin/Volochnov (2006), a palavra possui quatro propriedades: purezasemitica, possibilidade de interiorizao, participao em todo ato consciente e neutralidade.

    De acordo com Stella (2005),

    Pureza semitica est relacionada com a possibilidade de a palavra poder circular

    em variadas esferas da atividade humana;

    Possibilidade de interiorizao, que o nico meio de contato entre o contedo

    interior do sujeito (a conscincia) constitudo por palavras, e o mundo exterior

    construdo por palavras (p. 179); Participao em todo ato consciente: a palavra interfere no processo de formao

    de conscincia do sujeito

    Neutralidade: preciso esclarecer que a palavra, nessa perspectiva, no neutra,

    mas, sim, assume diferente carga ideolgica, dependendo do contexto em que est

    inserida.

    Souza E. (1999) salienta que essas propriedades permitem que a palavra seja ummaterial flexvel, veiculvel pelo corpo, tanto no interior - o discurso interior - como exterior -

    o dilogo com outrem e o dilogo de outrem (p. 92). Ou seja, toda palavra ideolgica e de

    significado flexvel, podendo ter seu significado alterado em funo do outro, da esfera em

    que est inserida e isso pode ser percebido atravs do acento valorativo que o locutor atribui a

    ela.

    Em outras palavras, a lngua no deve ser considerada como um instrumento imutvel,

    ahistrico que nos imposto; to pouco como um dom que recebemos ao nascer, cujaexpresso reflexo exclusivo de nossos pensamentos; mas sim como fruto de um processo de

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    interao que se constri por meio de enunciados, locutor, interlocutor, esfera de atividade

    humana e onde as marcas lingstico-enunciativas esto relacionadas a uma lngua que possui

    marcas histricas e transformadoras.

    d) Gneros discursivos

    A teoria que trata dos gneros foi, inicialmente, proposta por Plato, que dividiu as

    obras em dois diferentes domnios, que eram determinados por juzos de valor. As obras que

    apresentavam mais sobriedade eram classificadas como epopia e tragdia; enquanto que

    aquelas que apresentavam mais senso de humor e zombaria eram classificadas como comdia

    ou stira. Em A repblica, do referido autor, h incluso de um terceiro elemento, onde a

    preocupao entre realidade e fico comea a ser delineadas. Essa preocupao com amimese serviu de base para a obra Potica de Aristteles (MACHADO, 2005).

    Em Potica, Aristteles classifica os gneros em trs categorias: Poesia de primeira

    voz representao da lrica; a poesia de segunda voz, da pica, e a poesia de terceira voz, do

    drama (MACHADO, 2005, p. 151). Posteriormente, essa classificao adentrou de maneira

    determinante no campo da Literatura.

    A autora menciona, ainda, que nada teria se alterado no fosse o surgimento da prosa

    comunicativa, que exigiu que novos parmetros fossem utilizados na classificao dosgneros. Emergem, ento, as teorias bakhtinianas postulando ser ineficaz o mero estudo da

    forma dos gneros porque eles apresentam outras caractersticas relevantes, como o seu uso

    em determinadas esferas, a escolha de determinadas marcas lingsticas em detrimento a

    outras, etc.

    A partir dos estudos de Bakhtin foi possvel mudar a rota dos estudos sobreos gneros: alm das formaes poticas, Bakhtin afirma a necessidade de

    um exame circunstanciado no apenas da retrica, mas, sobretudo, dasprticas prosaicas que diferentes usos da linguagem fazem do discurso,oferecendo-o como manifestao da pluralidade. (MACHADO, 2005, p.152).

    O romance ento escolhido como objeto de estudo para que Bakhtin pudesse refletir

    a respeito de sua teoria. Essa opo determinada porque, atravs desse gnero, possvel

    perceber o entrecruzamento de vozes e a influncia que os sujeitos sofrem nas diferentes

    esferas de comunicao de que participam, entre outros.

    Assim, os estudos a respeito dos gneros discursivos tomam novos rumos a partir dospressupostos tericos apresentados por Bakhtin/Volochnov (1926, 2006) e Bakhtin (2003).

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    Segundo Bakhtin (2003), o ser humano utiliza-se de formas relativamente estveis 10 de

    enunciados para ser compreendido por seus interlocutores. Tais formas recebem o nome de

    gneros discursivos, poderosos instrumentos que fundam a possibilidade de comunicao.

    Os gneros discursivos so classificados como primrio ou secundrio. De acordo com

    Bakhtin (2003), os primrios so frutos de relaes estabelecidas nas esferas do cotidiano,

    relacionados a um contexto imediato e sendo predominantemente orais. Enquanto os gneros

    secundrios esto relacionados a esferas mais elaboradas, sendo, em sua maioria, utilizadas na

    forma escrita. Tais esferas podem ser representadas atravs seguinte ilustrao11::

    Figura 2 Exemplos de esfera da atividade humana

    Cada esfera discursiva possui repertrio especfico de gneros discursivos, que podem

    ser orais ou escritos. Por exemplo, na esfera jurdica esto contidos os gneros petio,

    sentena, despacho, relatrios, sustentao oral, entre outros. Tais gneros foram criados e

    transformados de acordo com a evoluo dessas esferas e, tambm, atravs das interaes que

    l so estabelecidas.

    Desse modo, Bakhtin (2003) ressalta que

    A riqueza e a diversidade dos gneros do discurso so infinitas porque soinesgotveis as possibilidades da multiforme atividade humana e porque emcada campo dessa atividade integral o repertrio de gneros do discurso,que cresce e se diferencia medida que se desenvolve e se complexifica umdeterminado campo. (p. 262).

    10 Devemos enfatizar o emprego da proposio relativamente estvel, pois atravs dela percebemos que os

    gneros no so formas cristalizadas nas esferas de comunicao humana, por isso podem ser alterados e(re)criados de acordo com as necessidades e as transformaes l ocorridas.

    11 Exemplo de esferas discursivas baseadas em palestra de Jaqueline Peixoto Barbosa (SEALI, 2007). Disponvelem http://www.escrita.uem.br/seali . Acesso em 03 nov. 2007.

    cotidiana

    escolar

    cientfica

    produo econsumo

    reli io

    urdico

    ornalstica

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    Alm de serem determinados pelas especificidades de cada esfera de atividade

    humana, os gneros discursivos tambm so compostos por trs elementos indissociveis:

    contedo temtico, estilo e construo composicional (BAKHTIN, 2003). Decidimos, por

    finalidade didtica, analisar esses elementos separadamente.

    O contedo temtico, de acordo com Fiorin (2006, p. 62), no um assunto

    especfico de um texto, mas um domnio de que se ocupa um gnero, o autor menciona,

    como exemplo, as cartas amorosas que tratam, geralmente, das relaes amorosas.

    De acordo com os dizeres de Rojo (2005, p. 196), os contedo temticos so

    ideologicamente conformados - que se tornam comunicveis (dizveis) atravs do gnero

    (grifos da autora). Assim, em cada esfera de atividade humana, encontramos contedos

    temticos especficos que so expressos a partir de determinado gnero.O estilo composto por marcas lingstico-enunciativas, a primeira relativa s que

    pertencem a determinado gnero e, a segunda se refere s escolhas lexicais, gramaticais e

    fraseolgicas determinadas pelo locutor em funo de um interlocutor que tambm pertence a

    um grupo social composto por regras, valores e costumes. Em outras palavras, de acordo com

    os tericos

    O estilo pelo menos duas pessoas ou, mais precisamente, uma pessoa mais

    seu grupo social na forma de seu representante mais autorizado, o ouvinte- oparticipante constante na fala interior e exterior de uma pessoa. (BAKHTIN/VOLOCHNOV, 1926, p. 16).

    O estilo lingstico ou funcional nada mais seno o estilo de um gneropeculiar a uma dada esfera da atividade e da comunicao humana. Cadaesfera conhece seus gneros, apropriados sua especificidade, aos quaiscorrespondem determinados estilos. (BAKHTIN, 2003, p. 266).

    Assim, o sentido do termo estilo no deve ser relacionado apenas como uma marca de

    individualidade ou por um conjunto de regras, de lxicos prprios de determinado gnero.Esse conceito maior, pois considera, alm dos elementos j mencionados, as condies

    scio-histricas que envolvem a produo de determinado enunciado atravs de um gnero.

    Por fim, a construo composicional, que est relacionada estrutura organizacional

    do texto, uma espcie de layout, que, dependendo da esfera em que est inserido pode ser

    alterada para atender a necessidade do locutor. Em uma carta, por exemplo, encontramos:

    data, vocativo, corpo da carta, despedida; no artigo de opinio temos no primeiro pargrafo a

    apresentao de uma tese, nos pargrafos subseqentes, argumentos ou contra-argumentosreferentes tese apresentada e, no pargrafo final, a retomada da tese.

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    Reiteramos que esses elementos no devem ser considerados de maneira isolada, to

    pouco isentos de influncias da esfera da atividade humana sob pena de torn-lo um objeto de

    mera dissecao. Tal afirmativa deve ser considerada especialmente quando refletimos a

    respeito da presena do gnero na esfera escolar, pois, desse modo, o ensino tornar-se-ia,

    exclusivamente, normativo.

    Os conceitos aqui mencionados tm sido incorporados paulatinamente ao processo de

    ensino-aprendizagem de lngua materna, especialmente aps a publicao do PCNs (1998a),

    em que os gneros discursivos so apresentados como eixo de progresso e articulao

    curricular. Desde ento, o ensino gramatical passa a ocupar, ao menos teoricamente, um

    espao diferenciado nas salas de aula.

    1.3.1 Gramtica Internalizada: Reflexes Iniciais

    A gramtica relacionada a concepo de linguagem como interao a internalizada,

    definida por Travaglia (2006) como o conjunto de regras que o falante de fato aprendeu e das

    quais lana mo ao falar (p. 28). Segundo Franchi (2006), todo indivduo, pleno de suascondies biolgicas e psicolgicas, possui uma gramtica internalizada que adquirida a

    partir das interaes estabelecidas em diferentes esferas discursivas.

    Em outras palavras, a construo dessa gramtica relaciona-se, tambm, com as

    influncias que o indivduo recebe do meio em que est inserido, no s antes de adentrar a

    escola, mas durante toda sua vida atravs das interaes por ele vivenciadas. Por isso, saber

    gramtica no depende da escolarizao do indivduo ou de um estudo formal sobre a

    sistematizao da lngua.Esta concepo descende da tese de que a lngua um fenmeno social da interao

    verbal realizada atravs da enunciao ou das enunciaes. (BAKHTIN/VOLOCHNOV,

    2006, p. 127, grifo dos autores). Nas palavras de Travaglia (2006), a lngua composta por

    infinita variedade e possibilidade de construo que so determinadas pelas interaes

    vivenciadas em diferentes esferas de atividade humana.

    Conforme verificamos anteriormente, cada uma dessas esferas possui suas prprias

    especificidades, suas regras e normas que possibilitam a realizao de diferentes construes

    lingsticas. Por isso, de certa forma e em muitos aspectos, preciso uma gramtica para

    cada tipo de situao, para cada tipo de discurso (ANTUNES, 2007, p. 42). Assim, ao

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    considerar as diferentes necessidades e possibilidades impostas por tais esferas, Bechara

    (2006) menciona que cada falante um poliglota na sua prpria lngua, medida que dispe

    da sua modalidade lingstica e est a altura de decodificar mais algumas outras modalidades

    lingsticas com as quais entra em contato [...] (p. 14-15).

    Considerando essas afirmativas, Antunes (2007) destaca que a lngua constituda de

    lxico (vocabulrio da lngua), de gramtica (regras para construo de lxico e sentenas),

    composio de textos (recursos de textualizao), e, tambm, contexto de interao (normas e

    valores sociais12). Assim, torna-se irrelevante o ensino da lngua portuguesa focado

    exclusivamente na gramtica normativo-descritiva, j que ela representa apenas um dos

    elementos que constitu a lngua.

    1.3.1.1 Um novo olhar para o ensino gramatical

    A gramtica tradicional tem fortes razes no ensino de Lngua Portuguesa, por isso, a

    gramtica internalizada no considerada e os alunos so tratados como se nada soubessem a

    respeito da lngua que falam.Desse modo, Possenti (1996) sugere que a escola priorize o ensino gramatical na

    ordem inversa da que apresentamos nessa pesquisa (gramtica normativa, descritiva,

    internalizada). Segundo o autor, importante que a escola considere as interaes vivenciadas

    pelo individuo durante o contnuo processo de construo da gramtica internalizada, pois

    este o mecanismo de aprendizado de qualquer lngua. Assim,

    a aceitao de que o objetivo prioritrio da escola permitir a aquisio dagramtica internalizada compromete a escola com uma metodologia quepassa pela exposio constante do aluno ao maior nmero possvel deexperincias lingsticas na variedade padro. (POSSENTI, 1996, p. 84).

    Em outras palavras, fundamental que o aluno possa explorar o maior nmero

    possvel de gneros discursivos atravs de atividades de leitura e escrita, em que a gramtica

    seja um instrumento que possibilite a construo de sentidos de textos lidos e produzidos.

    12 Inclumos nesse contexto de interao, a presena do destinatrio e do superdestinatrio. Ver Bakhtin (2003),Bakhtin/Voloshnov (2006) e Geraldi (1997)

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    Geraldi (1997) postula que criadas as condies para atividades interativas efetivas

    em sala de aula, quer pela produo de textos, quer pela leitura de textos, no interior destas e

    a partir destas que a anlise lingstica se d. (p. 189).

    A expresso anlise lingstica foi criada por Geraldi (1997) na dcada de 80. Essa

    nova nomenclatura surge no como um novo nome para o ensino gramatical, ou como

    aplicao das regras gramaticais aos textos e sim como uma nova postura perante o ensino de

    lngua.

    Britto (1997) ressalta que a anlise lingstica deve ser compreendida como

    um deslocamento mesmo da reflexo gramatical, e isto por duas razes: emprimeiro lugar porque se trata de buscar ou perceber recursos expressivos eprocessos de argumentao que se constituem na dinmica da atividadelingstica [...]; finalmente, porque o objetivo fundamental da anliselingstica a construo de conhecimento e no o reconhecimento deestruturas ( o reconhecimento s legtimo na medida em que participa deum processo de construo do conhecimento). (p. 164).

    Geraldi (1997) postula que as atividades de anlise lingstica so concebidas atravs

    das atividades epilingustica e metalingsticas. As primeiras so definidas como aquelas que

    refletem sobre a linguagem atravs da anlise dos recursos expressivos empregados na

    construo ou na leitura de determinado texto. Segundo esse terico, seriam operaes quemanifestariam nas negociaes de sentido, em hesitaes, em autocorrees [...] (p. 24). As

    atividades epilingustica precedem as metalingsticas, que so definidas como

    aquelas que tomam a linguagem como objeto no mais enquanto reflexovinculada ao prprio processo interativo, mas conscientemente constroemuma metalinguagem sistemtica com a qual falam sobre a lngua. Trata-se,aqui, de atividades de conhecimento que analisam a linguagem com aconstruo de conceitos, classificaes, etc. (GERALDI, 1997, p. 25).

    Desse modo, a construo da metalinguagem acontece atravs de um processo

    consciente que analisa a lngua em diferentes situaes de interao atravs da construo de

    conceitos, sistematizao e categorizaes que propiciem reflexes sobre a lngua (Travaglia,

    2006). Entretanto, essas atividades devem ser exploradas desde que sejam consideradas a

    maturidade dos alunos e os objetivos a serem alcanados pela turma.

    Com esse enfoque, os PCNs (BRASIL, 1998a) afirmam que as atividades de anlise

    lingstica no so focadas na gramtica tradicional. Desse modo, o contedo a ser ensinado

    precisa ser tematizado em funo das necessidades apresentadas pelos alunos nas atividadesde produo, leitura e escuta de textos. (BRASIL, 1998, p. 29).

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    Entretanto, as prescries de documentos como os PCNs (1998a), especialmente, com

    relao ao ensino gramatical podem gerar dvidas, angstias e inquietaes e, com isso,

    algumas reaes podem ser observadas: a primeira delas est relacionada possibilidade de

    que todos podem transgredir normas, regras gramaticais; a segunda que o ensino gramatical

    deve ser banido da sala de aula em favor de um trabalho que enfoque exclusivamente textos;

    e, por fim, a crena, advinda da vivncia de prticas cristalizadas, de que o ensino da

    gramtica normativa forma leitores e escritores proficientes de texto.

    Ora, a lngua pertence a um fluxo continuo e ininterrupto das interaes, por isso suas

    alteraes ocorrem conforme as esferas sociais so alteradas. Ou seja,

    [...] a lngua flui; e ningum pode deter seu curso. Isso no significa,contudo, que esse desa deriva, sem que nada possa controlar seu fluxo. Jvimos que a prpria condio das lnguas, de serem marca da identidadecultural dos grupos, funciona como fora estabilizadora que reg