corporeidade ponty

Upload: rodrigueures

Post on 21-Feb-2018

219 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

  • 7/24/2019 Corporeidade Ponty

    1/19

    ReVEL, vol. 8, n. 14, 2010 [www.revel.inf.br] 1

    ARAJO, Paulo J. P.; PINHEIRO, Diogo. A hiptese da corporeidade em Lingustica Cognitiva: o link

    fenomenolgico.ReVEL, vol. 8, n. 14, 2010. [www.revel.inf.br].

    AHIPTESE DA CORPOREIDADE EM LINGUSTICA COGNITIVA:

    OLINKFENOMENOLGICO

    Paulo Jeferson Pilar Arajo1

    Diogo Pinheiro2

    [email protected]

    [email protected]

    RESUMO: A hiptese da corporeidade (embodiement) apresenta-se como bsica em teorias daLingustica Cognitiva como a formulao do conceito de esquemas imagtico ( image schema),metforas conceituais, gramtica cognitiva e o posicionamento de carter filosfico no qual aLingustica cognitiva tem se colocado, conhecido como Realismo Corporificado (embodiementrealism) ou experiencialismo. A corporeidade tem at mesmo se expandido para outras reas dascincias cognitivas, denominadas cincias cognitivas corporificadas (embodied cognitive sciences).Neste artigo, fazemos uma breve apresentao da hiptese da corporeidade ao mesmo tempo em quebuscamos posicion-la em um panorama mais geral, resgatando suas origens na fenomenologia deMerleau-Ponty, tambm conhecida como ontologia do sensvel ou ontologia da carne ( ontology of theflesh). Os sentidos da corporeidade em Lingustica cognitiva mostram a importncia de se atentar paraas questes de carter filosfico presentes na formulao e desenvolvimento da hiptese da

    corporeidade, que serviram como precursoras de boa parte das teorias e hipteses de trabalho nos maisdiversos ramos das cincias cognitivas.PALAVRAS-CHAVE:corporeidade; ontologia incarnada; fenomenologia; esquemas imagticos.

    INTRODUO

    Este artigo exprime uma preocupao filosfica quanto ao posicionamento da

    Lingustica Cognitiva (LC) concernente sua relao com as cincias cognitivas, de um lado,

    e com a fenomenologia, de outro. Nosso foco recai sobre o conceito de corporeidade(embodiment)3, presente em diversos desenvolvimentos da LC e das cincias cognitivas de

    modo geral. Mais particularmente, temos com este trabalho dois objetivos centrais: (i) alertar

    1Doutorando em Lingustica pela Universidade de So Paulo USP; bolsista FAPEMA.2Doutorando em Lingustica pela Universidade Federal do Rio de Janeiro UFRJ; bolsista Capes.3Buscamos, sempre que possvel, utilizar os termos mais tcnicos na sua forma em portugus.

  • 7/24/2019 Corporeidade Ponty

    2/19

    ReVEL, vol. 8, n. 14, 2010 [www.revel.inf.br] 2

    para a pouca ateno dada aos pressupostos filosficos da corrente fenomenolgica (em

    particular ao trabalho de Merleau-Ponty) na construo histrica do conceito de corporeidade

    no mbito das cincias cognitivas modernas e (ii) apontar alguns caminhos de interseo

    frutfera entre o conceito de corporeidade na LC e na corrente fenomenolgica francesa.

    Para isso, a primeira seo busca situar a hiptese da corporeidade no paradigma daLingustica Cognitiva. Na seo seguinte, ao chamar a ateno para os antecedentes

    filosficos do conceito, apontamos para o desafio inicial de se reconstituir a histria da sua

    formulao. A partir da, voltamos a ateno, na seo 3, para a fenomenologia de Merleau-

    Ponty, pensador bastante original por seu esforo em erigir uma teoria da corporeidade.

    Cumpridas essas etapas, estar aberto o caminho para que possamos investigar a

    relao entre a corporeidade da fenomenologia e a dos estudos cognitivistas recentes. Para

    isso, observaremos especificamente um dos conceitos tericos mais celebrados no mbito da

    LC: a noo de esquema imagtico (image schema) (cf., por exemplo, JOHNSON, 1987).Nosso objetivo mostrar de que maneira o dilogo entre trabalhos como estes e a abordagem

    fenomenolgica de Merleau-Ponty pode ajudar a iluminar caminhos que vm sendo trilhados,

    hoje, por diversos pesquisadores alinhados LC.

    Ao fim e ao cabo, este trabalho, ao apresentar-se como um estudo em filosofia da

    Lingustica, busca assumir uma orientao de crtica, muito mais que uma orientao

    prescritiva ou normativa (BORGES NETO, 2004). O papel da filosofia, afinal, oferecer uma

    arena de debates na qual as premissas fundadoras de uma ou outra teoria especfica possam

    ser problematizadas e discutidas. No nosso caso, trata-se de examinar, sob a lupa da crtica

    filosfica, certo direcionamento recente da pesquisa em LC, a fim de contribuir para o

    amadurecimento de um fazer terico responsvel (HARDER, 2007).

    1.SITUANDO A CORPOREIDADE NO PARADIGMA DA LINGUSTICA COGNITIVA

    Como pressuposto bsico no cenrio terico da LC, a hiptese da corporeidade4ou da

    mente corporificada (embodied mind) se mostra como seminal, sendo assunto do primeiro

    4Seguimos aqui a opo de Rohrer (2007) de classificar a corporeidade como hiptese, a despeito da constataode que: it is a very live question as to whether the embodiment hypothesis is an empirical scientific hypothesis,a general theoretical orientation, a metaphysics, or some combination of all of these. Em outras palavras,falaremos aqui em hiptese para a corporeidade, a fim de evitar todas as implicaes epistemolgicas queteramos em denomin-la como uma tese ou uma teoria.

  • 7/24/2019 Corporeidade Ponty

    3/19

    ReVEL, vol. 8, n. 14, 2010 [www.revel.inf.br] 3

    captulo sobre os conceitos bsicos da LC no The Oxford Handbook of Cognitive

    Linguistics (ROHRER, 2007). Nas palavras de Evans e Green (2006, p. 45):

    The idea that experience is embodied entails that we have a species-specific view ofthe world due to the unique nature of our physical bodies. In other words, ourconstrual of reality is likely to be mediated in large measure by the nature of our

    bodies.

    Ou, em termos gerais, como Rohrer (2007, p. 27) sintetiza: the embodiment

    hypothesis is the claim that human physical, cognitive, and social embodiment ground our

    conceptual and linguistic systems.(grifos do autor)

    Para se ter uma melhor ideia da importncia de tal hiptese em estudos voltados para a

    cognio humana, basta entendermos a que posicionamento terico esse hiptese se coloca

    como contraponto. Trata-se aqui do conhecido dualismo cartesiano entre corpo e mente: a

    separao entre uma res extensa e uma res cogitans. Sob essa perspectiva, a natureza damente humana no material, e a conexo com o que exterior ao sujeito cognoscente

    passaria por abstraes ou representaes mentais. Uma forma de encarar o peso dessa

    abordagem descorporificada a tradio filosfica ocidental baseada sobre a premissa

    dualista cartesiana, que comparece, por exemplo, na tradio da filosofia analtica. Em

    Lingustica, essa perspectiva se manifesta nas teorias formais sobre a linguagem, cujo

    exemplo paradigmtico o gerativismo chomskiano.

    Nas cincias cognitivas, observam-se duas vertentes bem marcadas: de um lado, uma

    primeira gerao chamada de cincia cognitiva clssica, cujo forte dualismo cartesiano estbem exemplificado, por exemplo, nos trabalhos de Jerry Fodor; de outro, a gerao conhecida

    como cincia cognitiva corporificada (embodied cognitive science), a ser discutida mais

    adiante (LAKOFF; JOHNSON, 1999).

    Ao adotar decididamente a hiptese da corporeidade, que subjaz a noes to centrais

    para teorias da LC como a das metforas conceituais e esquemas imagticos, a LC se insere

    no segundo campo, o das cincias cognitivas corporificadas. Lakoff e Johnson (1999), em

    obra j to clssica quanto controversa, exploram as consequncias filosficas dessa opo.

    Ao faz-lo, os autores apontam para uma rejeio tanto de um realismo estritamenteobjetivista quanto de um dualismo alinhado filosofia de Descartes. A alternativa proposta

    pelos autores atende ento pelo nome de Realismo Corporificado ou Realismo Encarnado

    (Embodied Realism), ou ainda Experiencialismo, arcabouo filosfico cujas linhas gerais so

    apresentadas abaixo.

  • 7/24/2019 Corporeidade Ponty

    4/19

    ReVEL, vol. 8, n. 14, 2010 [www.revel.inf.br] 4

    possvel falar, talvez, em duas hipteses bsicas definidoras do Experiencialismo. A

    primeira, que o aproxima de uma perspectiva relativista (ainda que no de um relativismo

    extremo, como insistem LAKOFF e JOHNSON, 1999, p. 96), a ideia de que o ser humano

    no tem acesso a qualquer estrutura objetiva e independente do real. A segunda, responsvel

    pelos adjetivos corporificado ou encarnado, a ideia de que o homem no dotado de algumtipo de razo transcendental. Entende-se, assim, que as operaes mentais no correspondem

    a mecanismos formais abstratos. Pelo contrrio: elas esto fortemente aliceradas na interao

    sensrio-motora entre o nosso corpo e o ambiente ao redor.

    Devemos acrescentar que a orientao experiencialista, bastante celebrada em uma

    certa vertente da Lingustica Cognitiva liderada sobretudo por George Lakoff e Mark Johnson

    durante as dcadas de 80 e 90, tem comparecido tambm em uma srie de desdobramentos

    recentes da teoria, como a Gramtica de Construes Corporificada (Embodied Construction

    Grammar) (BERGEN; CHANG, 2005), a Teoria Neural da Linguagem (FELDMAN, 2006) ea Cincia Cognitiva Corporificada (CHEMERO, 2009; CALVO; GOMILA, 2008).

    Esse panorama pode sugerir, equivocadamente, que a hiptese da corporeidade seria

    uma inovao absoluta da LC na histria do pensamento filosfico ocidental. Com efeito,

    causa estranheza o fato de que os antecedentes filosficos dessa hiptese so citados apenas

    muito raramente na literatura em LC e, quando o so, trata-se sempre de uma referncia

    surpreendentemente sumria. Como contribuio para que se comece a enfrentar essa lacuna,

    passamos, na prxima seo, a tentar uma reconstituio preliminar da construo histrica do

    conceito de corporeidade.

    2.(EM BUSCA DE)UM BREVE HISTRICO DA HIPTESE DA CORPOREIDADE

    Para curiosos mais impertinentes, de boa impertinncia, a origem de um conceito to

    revolucionrio como o da corporeidade, tanto no mbito filosfico quanto cientfico, deve ser

    inquestionavelmente conhecida. O que, entretanto, no a realidade, ao menos nos textos

    introdutrios de Lingustica Cognitiva. De fato, quase impossvel encontrar estudos

    dedicados histria da elaborao da hiptese da corporeidade de uma forma mais profunda e

    consistente; no mximo, encontram-se simples referncias s primeiras obras que recorreram

    a tal hiptese mais detidamente.

    Na literatura da Lingustica Cognitiva a que tivemos acesso, encontramos em duas

    publicaes recentes duas possibilidades de historicizar o surgimento do uso do conceito de

  • 7/24/2019 Corporeidade Ponty

    5/19

    ReVEL, vol. 8, n. 14, 2010 [www.revel.inf.br] 5

    corporeidade em Lingustica. Tim Rohrer (2007), no j citado The Oxford Handbook of

    Cognitive Linguistics, traa a origem da hiptese da corporeidade nos termos da formulao

    da teoria da metfora conceitual de Lakoff e Johnson (1980), mas faz tambm referncia a um

    outro texto seu no qual a mesma origem traada a partir do conceito de frame of reference

    (2007, p. 32). Nesse segundo texto, o autor faz bastante referncia aos trabalhos de WilliamJames, filsofo e psiclogo que tambm ser figura importante em uma outra referncia s

    origens da hiptese da corporeidade em Lingustica Cognitiva, em Johnson e Rohrer (2007).

    Para esses dois autores, as bases filosficas da corporeidade so traadas at o pragmatismo

    americano, nas figuras de William James e John Dewey. Nesse segundo texto, os dois autores

    se ocupam rapidamente do que seria o antecedente da corporeidade o princpio da

    continuidade (Continuity Principle), defendido por Dewey. Tal princpio pode ser resumido

    da seguinte forma (JOHNSON; ROHRER, 2007, p. 22-23):

    [] there is no breach of continuity between operation of inquiry and biologicaloperations and physical operations. 'Continuity' [...] means that rational operationsgrow out of organic activities, without being identical with that from which theyemerge" (Dewey 1938: 26).

    Infelizmente a meno aos dois filsofos se faz apenas como uma preparao para

    uma formulao mais profunda sobre a relao de organismo-ambiente da forma como

    apresentada por outros autores mais prximos da biologia e das neurocincias, como

    Maturana e Varela.

    O que surpreende a quase total desconsiderao a outras vertentes filosficas que se

    ocuparam do conceito de corporeidade e, mesmo, contriburam significativamente para a sua

    formulao. o caso da fenomenologia do existencialista Maurice Merleau-Ponty. Nerlich e

    Clarke (2007, p. 602) em texto sobre a relao entre a Lingustica Cognitiva e a histria da

    Lingustica, chamam a ateno para essa desconsiderao, apesar dos vrios pontos em

    comum entre a corporeidade do fenomenologista e a dos linguistas cognitivistas:

    In spite of this obvious relationship, Merleau-Ponty is not often cited in the content of

    Cognitive Linguistics. He is acknowledged by Lakoff (see Borckman 2000) andJohnson (1993), but an extensive treatment in a cognitive linguistic context is to befound only in Geeraerts (1985: 354-64; 1993a).5

    5Infelizmente no tivemos acesso aos trabalhos de Geeraerts.

  • 7/24/2019 Corporeidade Ponty

    6/19

    ReVEL, vol. 8, n. 14, 2010 [www.revel.inf.br] 6

    Ainda assim, seria possvel ir um pouco mais longe na corporeidade. Gallagher e

    Zahavi (2008, p. 134-5) apontam que Husserl j tratava da questo do corpo em

    fenomenologia desde o seu Thing and Space, de 1907. Os dois autores ainda citam Michel

    Henry, que afirma ser possvel encontrar como precursor da corporeidade em fenomenologia

    um outro francs, chamado Maine de Biran. Ainda, na tradio filosfica ocidental, possvelencontrar menes ao corpo em filsofos como Spinoza, mas um tratamento acurado e mais

    explcito ser possvel somente com as obras dos fenomenologistas franceses.

    Um histrico do conceito de corporeidade seria de grande utilidade, principalmente

    quando sabemos das extenses de sentido do termo corporeidade, tanto nas cincias

    cognitivas quanto em outras disciplinas que fazem uso do termo. Rohrer (2007, p. 28)

    consegue enumerar at doze sentidos de corporeidade relacionados cognio humana. Mas

    afirma (2007, p. 31) que a hiptese da corporeidade pode ser classificada em dois grandes

    sentidos: corporeidade como experiencialismo extenso e corporeidade como substratocorpreo com a ressalva de que h sentidos que poderiam se colocar em qualquer um dos

    plos citados acima. Vamos encontrar tambm em Nues (1999) trs distines:

    Corporeidade Trivial: cognio e mente diretamente relacionada a processos biolgicos que

    os sustentam. Posio no radical;

    Corporeidade Material: considera a interao entre processos cognitivos internos com o

    ambiente; e

    Corporeidade Total (full embodiement): o corpo como envolvido em todas as formas de

    cognio humana, incluindo aquelas consideradas abstratas como a linguagem e matemtica.

    Infelizmente, um tratamento do histrico da corporeidade requereria um

    aprofundamento e espao mais apropriados, o que nos fora a apenas indicar nesta seo

    alguns possveis caminhos.

    3.CORPOREIDADE E FENOMENOLOGIA EM MERLEAU-PONTY

    3.1 O LINK PERDIDO ENTRE A CORPOREIDADE EM FENOMENOLOGIA E EM LINGUSTICA

    COGNITIVA

    Quando se fala em fenomenologia, possvel associar nomes como os de Edmund

    Husserl (iniciador da fenomenologia como disciplina), Martin Heidegger, Merleau-Ponty,

    Jean-Paul Sartre, Paul Ricouer e Emmanuel Levinas. Dentre esses filsofos fenomenologistas

  • 7/24/2019 Corporeidade Ponty

    7/19

    ReVEL, vol. 8, n. 14, 2010 [www.revel.inf.br] 7

    e existencialistas, o nome de Maurice Merleau-Ponty se apresenta como o mais representativo

    quando se trata do tema corporeidade. Mesmo que Merleau-Ponty no tenha sido o primeiro a

    tratar da relao mundo-corpo, o filsofo tem recebido o ttulo de filsofo por excelncia da

    corporeidade. No surpreende que em uma das suas obras mais significativas, a

    Fenomenologia da percepo, o corpo ocupe a primeira parte das discusses (Merleau-Ponty, 1999, p. 111-278).

    Freeman (2004), em artigo que relaciona as metforas conceituais de tempo

    apresentadas por Lakoff e Johnson (1999) e as metforas de Merleau-Ponty sobre o tempo na

    obra Fenomenologia da percepo, chama a ateno, equivocadamente, para o fato que

    Lakoff e Johnson mencionariam uma nica vez o filsofo, na pgina 565 do ltimo captulo

    do Philosophy in the flesh.... Talvez a autora no tenha atentado para os agradecimentos dos

    autores na mesma obra, os quais transcrevemos abaixo:

    Finally, we want to honor the two greatest philosophers of the embodied mind.6Anybook with the words philosophy and flesh in the title must express its obviousdebt to Maurice Merleau-Ponty. He used the word flesh for our primordialembodied experience and sought to focus the attention of philosophy on what hecalled the flesh of the world, the world as we feel it by living in it.

    Lakoff e Johnson (1999, p. 97) retomam ainda a obra de Merleau-Ponty ao tratar dos

    precursores em filosofia do Realismo Corporificado, advogado pelos dois autores. Entretanto,

    os autores dedicam menos que um breve pargrafo para resumir no seguinte trecho as

    contribuies da fenomenologia de Merleau-Ponty para o Realismo Corporificado: Merleau-Ponty (C2, 1962) argued that subjects and objects are not independent entities, but instead

    arise from a background, or horizon, of fluid, integrated experience on which we impose the

    concepts subjective and objective.

    Mesmo que Freeman (2004, p. 643) tenha deixado passar despercebidas outras

    menes a Merleau-Ponty na obra Philosophy in the flesh..., concordamos que, de fato,

    pouca ateno dada ao carter fenomenolgico da corporeidade. No mesmo captulo em que

    Lakoff e Johnson (1999, p. 102) tratam dos precursores filosficos do realismo corporificado,

    encontramos os nveis de corporeidade (levels of embodiement) traados pelos dois autores:a corporeidade neural, o nvel fenomenolgico, e a inconscincia cognitiva (cognitive

    unconscious). Ao tratar desses trs nveis da corporeidade, percebemos que o nvel

    fenomenolgico associado a uma fenomenologia prototpica, relacionada mais

    6O segundo filsofo mencionado nos agradecimentos John Dewey.

  • 7/24/2019 Corporeidade Ponty

    8/19

    ReVEL, vol. 8, n. 14, 2010 [www.revel.inf.br] 8

    fenomenologia de Edmund Husserl do que ontologia da carne (ontology of the flesh) ou

    mesma carne do mundo (flesh of the world) mencionada por eles nos agradecimentos a

    Merleau-Ponty.

    Seguindo essas consideraes, so pertinentes as crticas feitas por Freeman (2004) ao

    quase esquecimento da base fenomenolgica da corporeidade na obra clssica do realismocorporificado (Lakoff; Johnson, 1999):

    I find it somewhat surprising that so little attention is paid in cognitive linguisticscircles to advances made in the last century in the area of phenomenology, especiallyas captured in Merleau-Pontys work. Already in his Phnomenologie de la Perception(1964), Merleau-Ponty was proffering an alternative philosophy to the two conflictingstances of rationalism and empiricism, both of which he thought fell into the trap ofobjectivism. His writings immediately prior to his untimely death in 1961 and laterpublished in translation as The visible and the Invisible (1968) further developed hisidea of Flesh ontology. Both these positions the attack on objectivism and thedevelopment of an ontology of the flesh anticipated the later work of Lakoff and

    Johnson and is in many ways compatible with the theories of the West CoastCognitive Linguistics (WCCL). One can see the relationship between Merleau-Pontys and Lakoff and Johnsons in the way they discuss the concept of time.(Freeman, 2004, 644)

    Nem mesmo outros autores clssicos da Mente Corporificada escaparam desse quase

    esquecimento. Sonesson (2007, p. 91) atesta a mesma desateno aos aspectos

    fenomenolgicos da corporeidade e do sentido na obra de Varela, Thompson e Rosch (1991):

    [os autores] start out from the phenomenology of Merleau-Ponty, but, after the first few

    pages, it is not really clear how the issues they discuss relate to the phenomenological

    problem of the body, i.e. the body as it appears to consciousness.

    3.2CORPOREIDADE EM MERLEAU-PONTY

    Para entendermos melhor a relao da fenomenologia de Merleau-Ponty com alguns

    conceitos da Lingustica Cognitiva, passamos agora para algumas das ideias bsicas sobre a

    corporeidade na obra do referido filsofo. Para tanto, selecionamos alguns pontos principais

    da relao corpo-mundo abordados por Merleau-Ponty na mesma sequncia em que Carman

    (2008, p. 78-134) os apresenta: o ponto de vista corporal (the bodily point of view); esquema

    corporal (body schema); intencionalidade motora (motor intentionality); e carne e quiasma

    (flesh and chiasm).

    O ponto de vista corporal ou o entendimento intuitivo comum que temos de ns

    mesmos como percebedores corporificados (CARMAN, 2008, p. 94) constitui-se em algo

  • 7/24/2019 Corporeidade Ponty

    9/19

    ReVEL, vol. 8, n. 14, 2010 [www.revel.inf.br] 9

    primordial no que Merleau-Ponty ir denominar de primazia da percepo. Ao colocar o

    corpo como eixo de toda percepo, Merleau-Ponty ir fazer algumas distines que, seguidas

    intuitivamente, possibilitam ao sujeito experienciador colocar-se novamente no mundo. Com

    isso, o filsofo chega necessidade de distinguir as concepes de percepo em primeira-

    pessoa e em terceira-pessoa. Esta entendida como a viso que as cincias de modo geraltomam a respeito da forma como experienciamos o corpo algo observado em terceira-pessoa

    , quando na verdade, a natureza ltima de nossa percepo em primeira-pessoa, ou seja, o

    ponto de vista corporal. Nas palavras de Merleau-Ponty, citado por Carman (2008, p. 95): A

    percepo no algum objeto extico l fora no mundo, somos ns.

    Um bom exemplo do carter em primeira-pessoa de nossa percepo a experincia

    que denominada propriocepo. A propriocepo a experincia sensrio-motora direta de

    nosso prprio corpo e diferencia-se da exteriocepo, a percepo das coisas externas. Essa

    capacidade experiencial bastante mencionada por Merleau-Ponty para demonstrar ainconsistncia do dilema da aparncia subjetiva e da realidade objetiva, ou seja, a velha

    dicotomia objetividade versus subjetividade. Gallagher e Zahavi (2008, p. 136) tambm

    mencionam nos trabalhos fenomenolgicos a diferena entre corpo objetivo e corpo

    vivido, em Husserl, e de corpo objetivo e corpo prprio, em Merleau-Ponty. Esses

    ltimos conceitos esto bastante imbricados no carter proprioceptivo e exterioceptivo da

    forma como o ponto de vista corporal, isto , o ponto de vista em primeira-pessoa, utilizado

    para percebermos o mundo.

    Desses primeiros conceitos, Merleau-Ponty faz uma discusso hoje bastante

    controversa em fenomenologia, nas cincias cognitivas e nas neurocincias ocupadas da

    questo da conscincia e do corpo. Trata-se da distino entre imagem corporal (body image)

    e esquema corporal (body schema). De um modo geral, Gallagher (2007, p. 273) resume os

    conceitos da seguinte forma:

    Phenomenogical reflection tells us that there is a difference between taking anintentional attitude towards one's own body (having a perception of, or belief about,or emotional attitude towards one's body) and having a capacity to move or to exist in

    the action of one's own body. The concepts of body image and body schemacorrespond to this phenomenological difference.

    Gallagher (2005) apresenta, em How the body shapes the mind, uma anlise bem

    minuciosa desses conceitos, alm de relacion-los com descobertas mais recentes da

    neurocincia, como a diferena entre os atos de pegar (to grasp) e apontar (to point)

    alguma coisa. Para tanto, Gallagher faz a descrio de experimentos com pacientes que

  • 7/24/2019 Corporeidade Ponty

    10/19

    ReVEL, vol. 8, n. 14, 2010 [www.revel.inf.br] 10

    sofreram leses cerebrais, os quais, mesmo podendo fazer algumas aes rotineiras como

    coar o nariz e tirar a carteira do bolso, eram incapazes de apontar alguns membros do corpo

    ou fazer certos movimentos sem grandes dificuldades. A explicao para essa situao, em

    termos fenomenolgicos, a de que, enquanto as imagens corporais dos pacientes haviam

    sido comprometidas com a leso cerebral sofrida, o esquema corporal continuava intacto.Dorance Kelly (2002) apresenta uma relao entre as anlises feitas por Merleau-Ponty, de

    um famoso caso de um paciente com a mesma leso cerebral, conhecido como o caso

    Schneider, e as recentes descobertas em neurocincia sobre a distino entre os atos de

    pegar e apontar. Em outras palavras, a neurocincia s conseguiu distinguir recentemente

    o que uma descrio em fenomenologia feita por Merleau-Ponty algumas dcadas atrs j

    havia diferenciado.

    Em termos fenomenolgicos, Merleau-Ponty considera o conceito de esquema

    corporal como nossa familiaridade pr-cognitiva com o que ns mesmos somos e o mundoque habitamos. Nas palavras do filsofo: [...] pois verdade que tenho conscincia do meu

    corpo atravs do mundo... e em seguida afirma: [...] e neste sentido tenho conscincia do

    mundo por meio de meu corpo (MERLEAU-PONTY, 1999, p. 122).

    importante lembrar que Merleau-Ponty tambm faz uso dos conceitos de imagem

    corporal e esquema corporal ao tratar de intencionalidade motora, outro conceito bastante caro

    fenomenologia.

    Dorance Kelly (2000, p. 167) cita Merleau-Ponty no seguinte trecho para conceituar a

    intencionalidade motora:

    We are brought to the recognition of something between movement as a third personprocess and thought as a representation of movement something which is anantecipation of, or arrival at, the objetctive and is ensured by the body itself as a motorpower, a motor project (Bewegungsentwurf) a motor intentionality.

    Para Dorance Kelly (2000), a intencionalidade motora estaria entre o que mecnico e

    o cognitivo; portanto, pr-proposicional e pr-consciente. Nas suas palavras, [] perceiving

    and acting upon the objects in the world are more basic modes of intentionality, according to

    the phenomenologists, and these perceptions and actions have an intentional content that is, asMerleau-Ponty says, pre-predicative (DORANCE KELLY, 2000, p. 161). Em outras

    palavras, a intencionalidade estaria a despeito do que sugere o nome abaixo do nvel de

    conscincia, da mesma forma que as aes dependentes do esquema corporal: the

    intentionality of perception thus depends crucially on the normativity of the body schema

    (CARMAN, 2008, p. 110).

  • 7/24/2019 Corporeidade Ponty

    11/19

    ReVEL, vol. 8, n. 14, 2010 [www.revel.inf.br] 11

    Por fim, chegamos a um dos conceitos mais fortes de Merleau-Ponty: o de carne e

    quiasma (chiasm, em francs). Esses conceitos surgem no seu livro inacabado, O visvel e o

    invisvel, no qual o filsofo busca superar dicotomias como objetivo/subjetivo, mente/corpo

    e racional/imaginao. Em outras palavras, o filsofo busca elaborar uma ontologia da carne,

    ou encarnada, vale dizer, uma ontologia do sensvel. Para isso, ele postula que corpo e mundoso faces da mesma moeda, de maneira que impossvel experienciar o mundo sem o corpo,

    da mesma forma que impossvel conceber o corpo sem o contraponto do mundo onde o

    corpo contido e se contm.

    4.ESQUEMAS IMAGTICOS:IMPLICAES FENOMENOLGICAS

    Para ilustrar a discusso, recorremos a um constructo primordial em LingusticaCognitiva: o de esquemas imagticos (JOHNSON, 1987; HAMPE, 2005; OAKLEY, 2007).

    Em sua formulao inicial, quase que concomitantemente em Johnson (1987) e Lakoff

    (1987), temos as primeiras definies, segundo as quais os esquemas imagticos so

    estruturas abstratas que organizam os padres recorrentes da experincia sensrio-motora e

    emergem da estrutura corprea do ser humano e da forma como se d a interao do corpo

    com o mundo ao redor (EVANS; GREEN, 2006, p. 168). Como se v, o conceito est

    necessariamente ligado premissa da corporeidade.

    Desde as primeiras formulaes e os primeiros empregos do conceito (LAKOFF,

    1987), tem havido uma preocupao em delimitar ou identificar quais e quantos esquemas

    imagticos podem estar em operao na criao do sentido ou, de forma geral, na estrutura

    conceptual humana.

    Para ilustrar, reproduzimos abaixo o quadro adaptado de Evans e Green (2006, 190)

    baseado na primeira proposta de Clausner e Croft (1999). A proposta dos autores

    interessante por tentar associar cada grupo de esquemas imagticos, na coluna direita, sua

    base experiencial, na coluna esquerda:7

    7 Decidimos manter as formas em ingls juntamente com a traduo para o portugus com o intuito dedemonstrar ao leitor os termos convencionalizados na literatura em ingls sobre esquemas imagticos.

  • 7/24/2019 Corporeidade Ponty

    12/19

    ReVEL, vol. 8, n. 14, 2010 [www.revel.inf.br] 12

    SPACE(Esquemas de ESPAO)

    UP-DOWN, FRONT-BACK, LEFT-RIGHT, NEAR-FAR,CENTER-PERIPHERY, CONTACT(EM CIMA-EM BAIXO, FRENTE-ATRS, ESQUERDA-DIREITA, PRXIMO-LONGE, CENTRO-PERIFERIA,CONTATO)

    SCALE(Esquema de ESCALA)

    PATH(PERCURSO)

    CONTAINER(Esquema de CONTINER) CONTAINMENT, IN-OUT, SURFACE, FULL-EMPTY,CONTENT(CONTENO, DENTRO-FORA, SUPERFCIE, CHEIO-VAZIO, CONTEDO)

    FORCE(Esquemas de FORA) BALANCE, COUNTERFORCE, COMPULSION, RESTRAINT,ENABLEMENT, BLOCKAGE, DIVERSION, ATRACTION(EQUILBRIO, CONTRA FORA, COMPULSO, RESTRIO,DESBLOQUEIO, BLOQUEIO, DESVIO, ATRAO)

    UNITY/MULTIPLICITY(Esquemas deUNIDADE/MULTIPLICIDADE)

    MERGING, COLLECTION, SPLITTING, ITERATION, PART-WHOLE, MASS-COUNT, LINK(FUSO, COLEO, SEPARAO, REITERAO,PARTE-TODO, INCONTVEL-CONTVEL, LIGAO)

    IDENTITY(Esquemas de IDENTIDADE)

    MATCHING, SUPERIMPOSITION(COMBINAO, SOBREPOSIO)

    EXISTENCE(Esquemas de EXISTNCIA)

    REMOVAL, BOUNDED SPACE, CYCLE, OBJECT, PROCESS(REMOO, ESPAO DELIMITADO, CICLO, OBJETO,PROCESSO)

    Quadro 1: Classificao dos Esquemas imagticos (baseado em CLAUSNER; CROFT, 1999)

    Um quadro como este poderia sugerir que a delimitao e identificao de tais

    esquemas seria uma tarefa fcil. No entanto, praticamente todos os autores concordam sobre

    as dificuldades de encontrar uma base segura para a delimitao dos esquemas imagticos

    possveis. Ainda mais quando se atenta para o fato da sua dinamicidade inerente, como bem

    apresentado por Dewell (2005). Pea (2008) apresenta uma boa tentativa de se criar ummodelo que se considere a caracterstica dinmica dos esquemas imagticos, algo que a autora

    chama de modelo de dependncia conceptual.

    Ser, porm, o prprio Johnson (2005, p. 19-20) quem ir propor uma forma de

    identificar quais esquemas imagticos so esses:

  • 7/24/2019 Corporeidade Ponty

    13/19

    ReVEL, vol. 8, n. 14, 2010 [www.revel.inf.br] 13

    Consequently, one way to begin to survey the range of image schemas is via aphenomenological description of the most basic structural features of all humanbodily experience. When I speak of a phenomenological survey of image schemas, Ido not mean the use of anything like a formal Husserlian method of transcendentalreduction, but rather only a reflective interrogation of recurring patterns of ourembodied experience. (negrito nosso)

    Antes de qualquer comentrio sobre a citao acima, interessante ver o que, uma

    pgina adiante, Johnson (p. 21) ir chamar de anlise fenomenolgica informal:

    Through this type of informal phenomenological analysis of the structuraldimensions of our sensory-motor experience, most of the basic image schemas willshow themselves. However, we must keep in mind that phenomenological analysisalone is never enough, because image schemas typically operate beneath the levelof conscious awareness. That is why we must go beyond phenomenology to employstandard explanatory methods of linguistics, psychology, and neuroscience that allowus to probe structures within our unconscious thought processes. (negrito nosso)

    Diante dessas duas citaes, cabe aqui perguntar o que Johnson entende por uma

    anlise fenomenolgica informal e o porqu de, mesmo propondo um exerccio

    fenomenolgico, ainda que informal, ele rejeitar os pressupostos da fenomenologia na sua

    base filosfica. Nesse ponto, possvel perceber que, nos momentos em que Johnson e Lakoff

    mencionam o termo fenomenologia e sua relao com a Lingustica Cognitiva, ele parece

    estar sempre ligado s questes clssicas dos estudos fenomenolgicos, notadamente

    aqueles relacionados conscincia. o que se v nesta ltima citao.

    Concordamos com Johnson que um exerccio fenomenolgico nos moldes de Husserl

    requereria sujeitos treinados nos mtodos propostos pelo criador da fenomenologia.

    Entretanto, pelo que foi apresentado na seo anterior, entendemos que o carter

    fenomenolgico de qualquer experincia pode ir alm da simples questo da conscincia.

    Muitos dos conceitos da fenomenologia Merleau_Pontyana vo alm das questes bsicas em

    fenomenologia, nos moldes de Husserl.8Gallagher e Zahavi (2008, p. 145) j chamavam a

    ateno para tal fato: Much of the action is controlled by body-schematic processes below

    the threshold of consciousness.

    justamente na tentativa de ultrapassar algumas dicotomias nos estudos

    fenomenolgicos que Merleau-Ponty busca completar o seu mestre, desde o ensaio intitulado

    O filsofo e sua sombra at sua obra inacabada O visvel e o invisvel. Ao se ocupar de

    uma fenomenologia da percepo, Merleau-Ponty se lana numa empreitada que o leva

    8Conferir a seo anterior.

  • 7/24/2019 Corporeidade Ponty

    14/19

    ReVEL, vol. 8, n. 14, 2010 [www.revel.inf.br] 14

    inexoravelmente para a factividade (facticity) do estar-no-mundo heideggeriano, e,

    portanto, para a natureza de nossa percepo.

    O que possvel perceber que no deixa de haver uma certa desateno ao que a

    fenomenologia realmente pode oferecer para a Lingustica Cognitiva. Posio com que

    Freeman (2004) tambm concorda ao demonstrar que a anlise das metforas de tempo feitaspor Merleau-Ponty, dcadas antes do Metaphors we live by (LAKOFF; JOHNSON, 1980),

    enriquecem a anlise das metforas conceituais sobre o tempo em Lingustica Cognitiva.

    Neste ponto, ainda no mesmo artigo sobre a significncia filosfica dos esquemas

    imagticos, Johnson (2005, p. 28) atenta para algumas dificuldades de se procurar ir alm do

    que a percepo consciente dos padres sensrio-motores pode oferecer para a caracterizao

    dos esquemas imagticos, se os entendemos como a soluo para o problema de como o

    sentido emerge de nossa condio de seres corporificados:

    Conscious life is very much an affair of felt qualities of situations. The humanexperience of meaning concerns both structure and quality. However, beyondphenomenological description, there appear to be no philosophical or scientific waysto talk adequately about the fundamental role of quality in what is meaningful andhow things are meaningful. We can name the qualities, but we cannot even describethem adequately. When we describe the image-schematic structure alone, we nevercapture fully the qualities that are the flesh and blood of our experience. (Johnson,2005, p. 28)

    O que essa citao parece demonstrar que, ao mesmo tempo em que o autor se

    contenta com uma anlise fenomenolgica informal para a caracterizao desses esquemas

    imagticos, to importantes para o entendimento da emergncia do significado, ele mesmo se

    depara com um problema: o mundo percebido muito mais do que conscincia e padres;

    preciso considerar as qualidades fenomenolgicas. Johnson chega mesmo a duvidar da

    possibilidade de um mtodo que d conta desse aspecto (JOHNSON, 2005, p. 29):

    I cannot imagine a method of linguistic or conceptual analysis that could everadequately capture such qualitative aspects of meaning. I do not envision a differentway of speaking about image schemas that would someday successfully incorporatequalities of experience. And yet, if image schemas are a principal key to the way all

    meaning grows from bodily experience, then the qualitative dimension is surely acrucial part of the process. The least we can do is to keep in mind that image schemasare not abstract imagistic skeletons. Rather, they are patterned, embodied interactionsthat are at once structural, qualitative, and dynamic.

    Essa dvida demonstra novamente que um link fenomenolgico poderia no

    necessariamente resolver o problema; ainda assim, contribuiria de forma a enriquecer e refinar

  • 7/24/2019 Corporeidade Ponty

    15/19

    ReVEL, vol. 8, n. 14, 2010 [www.revel.inf.br] 15

    o olhar do linguista cognitivista para dados da experincia que um simples exerccio informal

    no satisfaria em uma anlise mais profunda de alguns aspectos da realidade.

    Gallagher e Sonesson (2007, p. 120) mostram que, alm da preocupao com o que

    Johnson chama de carne e sangue do esqueleto dos esquemas imagticos, a fenomenologia

    tambm se ocupa do que estrutural na experincia do mundo:

    More specifically, the concern of phenomenology is not with how a subject reacts to astimulus, or with what a subject might be experiencing in a particular experimentalsetting, but with the invariant self-organizing structure of the experience.

    Uma atitude mais reflexiva da relao entre a lingustica, a filosofia e outras cincias

    cognitivas, contribuiria para superar obstculos a princpio intransponveis como aquele

    apresentado por Johnson (2005), segundo o qual, em ltima instncia, o que conseguimos

    captar com os esquemas imagticos, na forma como os identificamos a partir de nossas

    experincias corporais, exclui as qualidades que uma mera anlise fenomenolgica informaltornaria insuficiente, para no dizer desnecessria. Uma anlise fenomenolgica mais

    responsvel ou seja, mais preocupada com a percepo com certeza possibilitaria ao

    linguista cognitivista uma descrio mais minuciosa dos fenmenos de realidade, podendo,

    inclusive, refinar anlises conceituais j bastante conhecidas em Lingustica Cognitiva, como

    uma melhor descrio de metforas conceituais (FREEMAN, 2004) e mesmo uma provvel

    hierarquizao de esquemas imagticos (PEA, 2008).

    Vale enfatizar aqui que o link fenomenolgico pode ser bem maior entre a LC e a

    fenomenologia. Sonesson (2007, p. 120) afirma:

    Moreover, I have argued that what is called "image schemas" by cognitive linguists isbasically a kind of bodily meaning, resulting from the position of the human body atthe centre of the common sense world, known in phenomenology as the Lifeworld.

    Trata-se de uma afirmao que no nos foi possvel verificar a fundo, pois foi

    necessrio deixar de fora muitos outros conceitos da fenomenologia, buscando, no entanto,

    dar uma panormica das principais ideias do papel da corporeidade na fenomenologia de

    Merleau-Ponty.

  • 7/24/2019 Corporeidade Ponty

    16/19

    ReVEL, vol. 8, n. 14, 2010 [www.revel.inf.br] 16

    CONSIDERAES FINAIS

    Observamos, no incio deste trabalho, que a preocupao com as implicaes

    epistemolgicas de uma dada teoria traduz-se em um fazer terico mais responsvel (Harder,

    2007). Da mesma forma, a LC no poderia se eximir da considerao de seus antecedentesfilosficos, como o caso da hiptese da corporeidade, elaborada, discutida e defendida to

    veementemente por Merleau-Ponty, dcadas antes da constituio do que hoje considerado

    o paradigma cognitivista em lingustica. Apesar da grande proximidade na forma de encarar o

    corpo e sua relao com o mundo e o modo como essa relao corpo-mundo produz

    significado, sustentamos que a fenomenologia e a LC ainda carecem de maior aproximao.

    Ao explorar, neste artigo, o conceito cognitivista/experiencialista de esquemas imagticos sob

    o prisma da fenomenologia, esperamos ter dado um primeiro passo na direo dessa

    convergncia.

    REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS

    1. BERGEN, B.; CHANG, N. Embodied construction grammar in simulation-based

    language understanding. In: STMAN, J. O.; FRIED, M. (Org.). Construction

    grammars: cognitive grounding and theoretical extensions. Amsterdam: Jonh Benjamins,

    2005.

    2. BORGES NETO, Jos.Ensaios de filosofia da Lingustica. So Paulo: Parbola, 2004.

    3. CALVO, Paco; GOMILA, Antoni. Handbook of Cognitive Science: an embodied

    approach. Amsterdam, The Netherlands: Elsevier, 2008.

    4. CARMAN, Taylor.Merleau-Ponty. London/New York: Routledge, 2008.

    5. CHEMERO, Anthony. Radical Embodied Cognitive Science. Cambridge/Massachusetts:

    Massachusetts Institute of Technology, 2009.

    6. CLAUSNER, Thimoty C.; CROFT, William. Domains and image schemas. Cognitive

    Linguistics,10 (1), 131, 1999.

    7. DEWELL, Robert B. Dynamic patterns of CONTEINMENT. In: HAMPE, Beate. From

    perception to meaning. Image schema in Cognitive Linguistics. Mouton de Gruyter,

    Berlim/Nova York, 2005.

    8. DORRANCE KELLY, Sean. Merleau-Ponty on the body. Ratio (new series) XV, 4,

    Dezembro, 2002.

  • 7/24/2019 Corporeidade Ponty

    17/19

    ReVEL, vol. 8, n. 14, 2010 [www.revel.inf.br] 17

    9. _______. Grasping at Straws: Motor Intentionality and the Cognitive Science of Skillful

    Action In: WRATHALL, Mark; MALPAS, Jeff (Eds.).Heidegger, Coping, and Cognitive

    Science: Essays in Honor of Hubert L. Dreyfus - Vol. II, Cambridge, MA: MIT Press,

    2000, 161-177.

    10.

    EVANS, Vyvyans; GREEN, Melanie. Cognitive Linguistics, an Introduction. Edinburgh:Edinburgh University Press, 2006.

    11. FELDMAN, J. From molecule to metaphor: a neural theory of language. Cambridge,

    Mass: MIT Press, 2006.

    12. FREEMAN, Margaret H. Crossing the boundaries of time: Merleau-Pontys

    phenomenology and cognitive linguistics theories. In: SILVA, Augusto Soares da;

    TORRES, Amadeu, GONALVES, Miguel, (Eds.) Linguagem, Cultura e Cognio:

    Estudos de Lingustica Cognitiva, Vol. 2, pp. 643-655, Coimbra: Almedina, 2004.

    13.

    GALLAGHER, Shaun.How the Body Shapes the Mind. Oxford: Oxford University Press,2005.

    14. _____. Phenomenological and experimental research on embodied experience. In:

    ZIEMKE, Tom; ZLATEV, Jordan; FRANK, Roslyn; DIRVEN, Rene (eds). Body,

    Language and Mind: Embodiment.Vol 1 (241- 263). Berlin: Mouton de Gruyter, 2007.

    15. GALLAGHER, Shaun; ZAHAVI, Dan. The Phenomenological Mind: an introduction to

    philosophy of mind and cognitive science. London/New York: Routledge, 2008.

    16. GEERAERTS, Dirk; CUYCKENS, Hubert (ed.). The Oxford Handbook of Cognitive

    Linguistics. New York: Oxford University Press, 2007.

    17. HAMPE, Beate. From perception to meaning. Image schemas in Cognitive Linguistics.

    Berlim/Nova York: Mouton de Gruyter, 2005.

    18. HARDER, Peter. Cognitive Linguistics and Philosophy. In: GEERAERTS, Dirk;

    CUYCKENS, Hubert. The Oxford Handbook of Cognitive Linguistics. New York: Oxford

    University Press, 2007.

    19. JOHNSON, M. The body in the mind: the bodily basis of meaning, imagination and reason,

    University of Chicago Press, Chicago, 1987.

    20.

    _______. The philosophical significance of image schemas. In: HAMPE, Beate. From

    perception to meaning. Image schemas in Cognitive Linguistics. Berlim/Nova York:

    Mouton de Gruyter, 2005.

    21. LANGACKER, Ronald W. Cognitive grammar.A basic introduction. Oxford University

    Press,2008.

  • 7/24/2019 Corporeidade Ponty

    18/19

    ReVEL, vol. 8, n. 14, 2010 [www.revel.inf.br] 18

    22. LAKOFF, George; JOHNSON, Mark. Philosophy in the flesh: the embodied mind and its

    challenge to Western Thought. New York: Basic Books, 1999.

    23. LAKOFF, George; JOHNSON, Mark.Metaphors we live by. The University of Chicago

    Press, Chigaco, 1980.

    24.

    LAKOFF, G. Women, fire and dangerous things: what categories reveal about the mind.Chicago: University of Chicago Press, 1987.

    25. MARTINS, Helena. Sobre linguagem e pensamento no paradigma experiencialista.

    VEREDAS Ver. Est. Ling. Juiz de Fora, v. 6, n. 2, p. 85-100, jul./dez. 2002.

    26. MERLEAU-PONTY, Maurice. Fenomenologia da percepo. So Paulo: Martins

    Fontes, 1999.

    27. NERLICK, Brigitte; CLARKE, David. Cognitive Linguistics and the History of

    Linguistics. In: GEERAERTS, Dirk; CUYCKENS, Hubert. The Oxford Handbook of

    Cognitive Linguistics. New York: Oxford University Press, 2007.28. NUES, Rafael. Could the Future Taste Purple? Reclaiming Mind, Body and Cognition.

    Journal of Consciousness Studies, 6 (11-12): 41-60, 1999.

    29. PEA, Maria Sandra. Dependency systems for image-schematic patterns in a usage-

    based approach to language.Journal of Pragmatics. 40 (2008).

    30. SCORSOLINI, Fabio; AMORIM, Karia de Souza. Corporeidade: uma reviso crtica da

    literatura cientfica. Psicologia em Revista,Belo Horizonte, v. 14, n. 1, p. 189-214, jun.

    2008

    31.

    SONESSON, Gran. From the meaning of embodiment to the embodiment of meaning: a

    study in phenomenological semiotics. In: ZIEMKE, Tom; ZLATEV, Jordan; FRANK,

    Roslyn; DIRVEN, Rene (eds). Body, Language and Mind. Vol 1 (241- 263). Berlin:

    Mouton de Gruyter, 2007.

    RESUMO: A hiptese da corporeidade (embodiement) apresenta-se como bsica em teorias daLingustica Cognitiva como a formulao do conceito de esquemas imagtico ( image schema),metforas conceituais, gramtica cognitiva e o posicionamento de carter filosfico no qual aLingustica cognitiva tem se colocado, conhecido como Realismo Corporificado (embodiement

    realism) ou experiencialismo. A corporeidade tem at mesmo se expandido para outras reas dascincias cognitivas, denominadas cincias cognitivas corporificadas (embodied cognitive sciences).Neste artigo, fazemos uma breve apresentao da hiptese da corporeidade ao mesmo tempo em quebuscamos posicion-la em um panorama mais geral, resgatando suas origens na fenomenologia deMerleau-Ponty, tambm conhecida como ontologia do sensvel ou ontologia da carne ( ontology of theflesh). Os sentidos da corporeidade em Lingustica cognitiva mostram a importncia de se atentar paraas questes de carter filosfico presentes na formulao e desenvolvimento da hiptese dacorporeidade, que serviram como precursoras de boa parte das teorias e hipteses de trabalho nos maisdiversos ramos das cincias cognitivas.PALAVRAS-CHAVE:corporeidade; ontologia incarnada; fenomenologia; esquemas imagticos.

  • 7/24/2019 Corporeidade Ponty

    19/19