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Sem Opção Veículo: Folha de S. Paulo - Caderno: Mercado - Seção: Não Especificado - Assunto: Economia - Página: - Publicação: 19/03/20 URL Original: Coronavírus pode mostrar o risco de políticos que desprezam ciência CORONAVÍRUS Coronavírus pode mostrar o risco de políticos que desprezam ciência Professor da Universidade Columbia diz que mortalidade por motivos relacionados à doença pode aumentar por causa dos efeitos gerados pela paralisia da atividade econômica Érica Fraga SÃO PAULO A crise social e econômica acarretada pelo coronavírus poderá ter o efeito colateral de alertar a população para o risco de apoiar políticos que desprezam evidências científicas. O diagnóstico é de Rodrigo Soares, professor da Universidade Columbia e um dos economistas brasileiros mais respeitados no meio acadêmico, com estudos publicados em periódicos importantes como o American Economic Journal: Applied Economics e a American Economic Review. “Uma parte da população tem olhado para o discurso anticientífico com um certo cinismo. Ela pensa: se a economia estiver indo bem, essas bobagens não importam muito”, diz. O problema é que a pandemia terá um impacto econômico severo, especialmente para grupos mais vulneráveis, como trabalhadores informais —que, diz Soares, sofrerão com uma queda de demanda.

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Veículo: Folha de S. Paulo - Caderno: Mercado - Seção: Não Especificado -Assunto: Economia - Página: - Publicação: 19/03/20URL Original:

Coronavírus pode mostrar o risco de políticos quedesprezam ciênciaCORONAVÍRUS

Coronavírus pode mostrar o risco de políticos quedesprezam ciênciaProfessor da Universidade Columbia diz que mortalidade por motivosrelacionados à doença pode aumentar por causa dos efeitos gerados pelaparalisia da atividade econômica Érica FragaSÃO PAULOA crise social e econômica acarretada pelo coronavírus poderá ter o efeito colateral de alertar a população para o risco de apoiarpolíticos que desprezam evidências científicas.O diagnóstico é de Rodrigo Soares, professor da Universidade Columbia e um dos economistas brasileiros mais respeitados nomeio acadêmico, com estudos publicados em periódicos importantes como o American Economic Journal: Applied Economics e aAmerican Economic Review.“Uma parte da população tem olhado para o discurso anticientífico com um certo cinismo. Ela pensa: se a economia estiver indobem, essas bobagens não importam muito”, diz.O problema é que a pandemia terá um impacto econômico severo, especialmente para grupos mais vulneráveis, comotrabalhadores informais —que, diz Soares, sofrerão com uma queda de demanda.

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Rodrigo Soares, 48, é economista formado pela UFMG e com doutorado pela Universidade de Chicago. É professor daUniversidade Columbia desde 2016. Anteriormente, deu aula na FGV e na PUC-Rio. Em 2006, recebeu o Kenneth J. Arrow Award,prêmio da área acadêmica econômica. É membro do J-Pal, rede de pesquisa criada por Esther Duflo e Abhijit Banerjee,vencedores do Nobel de Economia em 2019. Foi consultor do Banco Mundial e de governos estaduais no Brasil - Fabio Braga -16.jun.2016/Folhapress“Não tenha dúvidas de que a mortalidade por motivos não relacionados ao coronavírus vai aumentar”, afirma. Segundo ele, os governantes deveriam estar atentos a essas questões e não minimizar os riscos, como fizeram, inicialmente, ospresidentes Donald Trump e Jair Bolsonaro.Segundo ele, ter grupos no poder “totalmente ignorantes e refratários a evidências” pode ter consequências graves.Apesar disso, Soares vê no Brasil algumas vantagens, como a existência de um sistema de saúde unificado e o fato de que oMinistério da Saúde demonstrou, desde o início, estar atento à epidemia.Do ponto de vista econômico, segundo ele, cabe aos governos proteger os setores econômicos e segmentos sociais mais frágeis,com medidas como o acesso facilitado ao crédito. Falar em reativar a economia, neste momento, não faz sentido, diz.“Isto não é uma crise financeira. Como você vai reativar a indústria aérea se a gente não quer que as pessoas voem?”Autor de trabalhos que analisam a interação da economia com áreas como saúde e segurança pública, Soares retornará aoBrasil para lecionar, a partir de julho, no Insper, em São Paulo. Como a economia tem sido contagiada pela crise do coronavírus? Qualquer doença gera um impacto econômico direto.Algumas pessoas doentes não vão trabalhar, vão precisar do hospital. Algumas morrerão. Isso tudo impacta os recursos. No casodo coronavírus, o mais difícil, por enquanto, é o esforço para tentar parar a infecção. Ao fechar fábricas, você está falando quetrabalhadores saudáveis não devem ir trabalhar. Está fechando serviços.Para as companhias aéreas, nem é preciso dizer que isso terá proporções dramáticas. Deverá ser o maior choque da históriaporque, na Segunda Guerra Mundial, não havia transporte aéreo como hoje. O fechamento dos voos entre Estados Unidos eEuropa continental terá um impacto gigantesco para essa indústria. Eu, honestamente, nunca imaginei que fosse ver isso naminha vida.Isso cria um dilema de política pública? O dilema sempre está presente em qualquer escolha de política pública. Se areação está sendo exagerada ou não, a gente ainda não sabe. Você tem informações muito díspares. Isso é natural porque é umnovo vírus. A reação grande se deve ao entendimento de que a transmissão se dá de forma muito rápida, e os casos da China e

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da Itália têm mostrado que o impacto imediato sobre o sistema de saúde pode ser, de fato, gigantesco.Mas as pessoas precisam entender que os impactos de parar viagem, diminuir atividade econômica, também serão negativos.Tem gente que será afetada de forma muito extrema, com impacto significativo inclusive sobre sua saúde.Você está limitando a movimentação das pessoas. A quantidade de bens disponíveis será reduzida. O acesso a trabalho e rendade pessoas um pouco mais frágeis será reduzido. Isso vai impactar o consumo dessas famílias, o que pode também afetar asaúde delas. Contemplar esse “trade-off” [na escolha de uma política pública em detrimento de outra] não é necessariamenteuma falta de consciência social sobre a dimensão do problema.Coronavírus impacta a economia mundial

Até 24,7 milhões de trabalhadores podem perder o emprego em todo o mundo por causa da pandemia de coronavírus, afirmou aOrganização Internacional do Trabalho (OIT). Rivaldo Gomes/Folhapress Qual é o pior cenário econômico possível? Acho que é o caso da Itália se repetir no Ocidente. Ou seja, a epidemia avançarmuito rapidamente, com um grau de seriedade bastante elevado. Isso geraria uma sobrecarga grande no sistema de saúdepúblico. Na Itália, o cenário parece de guerra. Num caso como esse, estamos falando de a produção mundial colapsar. A chancede ter um impacto de curto prazo muito negativo é real.Como a enorme população informal brasileira pode ser afetada? As pessoas que estão na informalidade sofrerão demaisem termos de renda, seja porque ficarão doentes e não terão como trabalhar, seja porque a economia simplesmente podecolapsar e não vai ter ninguém na rua, nenhum cliente, nenhum negócio.Isso tem a ver com as consequências econômicas e de saúde em outras dimensões. Para famílias que vivem de trabalhoinformal, a queda de demanda vai ter um impacto muito grande. Não tenha dúvidas de que a mortalidade por motivos nãorelacionados ao coronavírus vai aumentar por causa desses choques. Não tem muita escapatória.Mas a dimensão do problema ainda não está clara. Além disso, houve o discurso nos Estados Unidos e no Brasil de que, emlugares quentes, a disseminação seria menor. Na verdade, os epidemiologistas e infectologistas não sabem.Qual o risco de fazer avaliações que podem se provar subestimadas? Ao subestimar a seriedade da pandemia, vocêreduzirá os custos econômicos no curto prazo e aumentará os custos sociais, de saúde e econômicos no médio prazo. Não é àtoa que grande parte dos políticos populistas, que hoje estão no poder em diferentes partes do mundo, adota discursos deminimização. Você diminui custos de implementar uma política que seria séria e desejada no curto prazo e os empurra para afrente, correndo o risco de aumentá-los de forma dramática. Isso no médio prazo. Acho que ninguém tem uma expectativa de

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que isso terá um impacto permanente na economia mundial.Há riscos econômicos de longo prazo? O perigo maior no período pós-pandemia tem origem mais política. A gente já estavavendo um movimento antiglobalização muito forte, em grande parte associada à nova direita populista. Não é impossívelimaginar que a crise reforce um pouco esse discurso. Minha maior apreensão, em termos de impacto econômico no longo prazo,é isso se manifestar via um entrincheiramento desse discurso antiglobalização. Escolas ficam vazias no Rio de Janeiro

???????Carrinhos de supermercados são higienizados antes e após o uso dos clientes no mercado Assai Zo Guimarães -16.mar.2020/Folhapress/ Esse é um risco grande? Difícil dizer, porque também é possível que pessoas mais centristas, mais ponderadas, que têmaceitado esse discurso, falem agora: “Acho que essa coisa de ciência é, de fato, importante”. Esse desprezo pela ciência quevem sendo alimentado por governos populistas de direita pode também ser solapado um pouco e a população mais centrista seafastar disso. Mas é difícil prever.Como esse segundo cenário ajudaria a economia? Esses mesmos grupos antiglobalização têm se identificado com odiscurso anticientífico. Há desprezo pela evidência cientifica em geral. Não só em economia, até em astronomia e geologia,aparentemente.Todo o discurso dos ideólogos por trás desses grupos está muito conectado. Tem uma parte da população que tem olhado paraisso recentemente com um certo cinismo. Ela pensa: “Isso é bobagem, se a economia estiver indo bem, essas bobagens nãoimportam muito”. Essa parte da população pode pensar agora: “Opa, na verdade tem horas em que a ciência pode serimportante”.Ter grupos no poder que desprezam isso inteiramente, são totalmente ignorantes e refratários a evidências, pode terconsequências muito graves.Nos EUA, isso é claro. Um presidente [Trump] que uma semana atrás estava dizendo que tinham 12, 15 casos e que ia acabar echegar em zero rápido e que, ontem [quarta, 11], teve de ir para a TV dizer que todos os voos entre EUA e Europa continentalestavam suspensos.Fábrica na faixa de Gaza produz álcool gel contra coronavírus; veja fotos de hoje

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???????Após Paraguai anunciar o fechamento de suas fronteiras, a Ponte da Amizade, entre o país e o Brasil, fica completamentevazia Paulo Lisboa/Folhapress Bolsonaro, que se referiu ao coronavírus como “pequena crise”, também se encaixa nesse contexto? Essesgovernos, seja o dos EUA seja o do Brasil, não tomaram a coisa com a gravidade que deveriam desde o começo. Por isso aspessoas estão se assustando agora. Se você está lendo o noticiário sério, cientistas e epidemiologistas estavam dizendo haviasemanas que isso ia ocorrer. Mas as pessoas continuaram tocando suas vidas, e autoridades não chamaram a atenção comodeveriam. A ficha está caindo agora, tarde.Mas, há um tempo, o Ministério da Saúde leva isso muito a sério. A centralização do sistema federativo no Brasil —que é muitomaior do que nos EUA— e a presença de um sistema de saúde público ajudam. Além disso, o Brasil ainda está muito atrás dosEUA em termos do processo. Há o benefício de ver o que está acontecendo em outros lugares.E acho que o próprio ministro da Economia [Paulo Guedes] deu a entender que estão pensando em cenários desastrosos,embora ainda tenham uma previsão oficial de crescimento de 2,1%, o que, agora, me parece uma fantasia.Tendo dito isso, ainda acho que os sustos vão continuar acontecendo. Na Europa, eles estão pensando no pior cenário. O Brasilestá apostando um pouco na coisa de o país ser um pouco mais quente. Se isso não ocorrer, é bastante provável que o sistemade saúde sofra uma pressão gigantesca. As pessoas têm de estar preparadas para alguns meses de situações muito extremas,de fato.A situação econômica mais frágil do Brasil limita possíveis ações do governo? Idealmente, é em um momento comoesse que você deve estar preparado para dar suporte a quem está sofrendo esse choque. A situação fiscal do Brasil torna issomuito mais difícil.Uma ideia que me parece equivocada é dizer que os governos têm de tentar reativar a economia. O trabalhador não está indopara a fábrica. A peça que deveria estar indo para a montadora não está chegando da China.Não há o que fazer porque a economia é real. Isto não é uma crise financeira. É uma crise real. Como você vai reativar aindústria aérea se a gente não quer que as pessoas voem?Não é sobre reestimular a economia. É sobre criar proteção e acesso a crédito em condições especiais e prazos mais longos paraos setores, os indivíduos e as famílias que vão sofrer. É, na verdade, minimizar o impacto desse choque temporário. O setorprivado deveria estender linhas de crédito. E fazer isso de uma forma crível para que esses setores não se aproveitem disso no

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futuro.

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