cores da lua

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20 Física na Escola, v. 9, n. 2, 2008 As cores da lua cheia O espetáculo da lua cheia nascendo, e depois se elevando no céu, encanta a nossa sensibilidade! Além de a lua cheia nascente nos parecer muito maior do que quando se encontra alta no céu, a sua cor se modifica durante a ascensão. No dia 20 de fevereiro de 2008, ocorreu um eclipse to- tal da Lua. Como é bem sabido, eclipses da Lua somente po- dem acontecer du- rante a lua cheia. A seqüência de fotos da Fig. 1 foi realizada desde o nascimento da lua cheia até quase o seu encobrimento total pela sombra da Terra. Na Foto 1, vemos a lua cheia nascen- te, ainda próxima do horizonte leste, ple- namente iluminada pela luz do Sol que está se pondo no horizonte oposto. Apesar de o disco lunar se apresentar encoberto por nuvens, é possível observar que ele tem uma cor amarelada contra o céu azul, ainda iluminado pelo Sol. Depois, na Foto 2, a Lua encontra-se um pouco mais ele- vada (mas ainda próxima do horizonte), exibindo um belo tom de amarelo contra o céu azul escuro, fracamente iluminado pelo Sol. A Foto 3 foi realizada às 21h05min, portanto quando a lua cheia já se encontrava elevada no céu. Agora a cor da Lua é branca contra o céu escuro. As Fotos 4 a 6 foram tomadas enquanto a Lua penetrava no cone de sombra - ou umbra - da Terra, o que ocorreu a partir das 22h43min. A seqüência de fotos da Fig. 1 foi rea- lizada com uma câmera digital com aumento óptico e digital, perfazendo uma ampliação de cinco vezes, mantida para todas as fotos. Comparando as imagens, é possível perceber que o disco lunar tem o mesmo tamanho em todas elas, com- provando que ele permanece inalterado Fernando Lang da Silveira Departamento de Física, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, RS, Brasil E-mail: [email protected] Maria de Fátima Oliveira Saraiva Departamento de Astronomia, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, RS, Brasil E-mail: [email protected] A lua cheia muda de cor conforme se eleva no céu. No nascente apresenta-se amarelada e depois, quando já se encontra elevada no céu, é branca. Durante um eclipse total, a Lua pode se apresentar com uma variedade de cores en- tre marrom e amarelo. Discutimos as razões pelas quais a lua cheia exibe cores variadas. enquanto a Lua se eleva. Portanto, a ava- liação de que a lua cheia nascente é muito maior do que quando está elevada no céu é uma ilusão [1]. A Fig. 2 mostra uma fotografia da lua cheia durante o auge do eclipse, quando então o disco lunar se apre- sentava com uma bela cor amarela ala- ranjada. Assim, o objetivo desse artigo é dar uma explicação para as diferentes cores que podemos observar na lua cheia, inclusive durante os eclipses totais. Por que o céu é azul? Um aspecto fundamental para a compreensão das cores que a Lua pode apresentar tem relação direta com o fato de o céu diurno ser azul. A atmosfera terrestre, fortemente iluminada pela luz branca do Sol, espalha 1 preferencialmente luz com freqüências próximas à da cor azul em todas as direções. Este tipo de espalhamento é de- nominado de espalhamento de Rayleigh, e acontece quando as partículas que interagem com a luz têm um tamanho muito menor do que o comprimento de onda da luz, que é o caso das moléculas de oxigênio (O 2 ) e nitrogênio (N 2 ) da atmosfera terrestre. No espalhamento de Rayleigh, a intensidade da luz espalhada é inversamente proporcional à quarta potência do comprimento de onda. Usan- do o exemplo de Lynch e Livingston [2], isso significa que a luz azul, com com- primento de onda de 450 nm, é espalhada com intensidade cerca de 3 vezes maior do que a luz vermelha, de comprimento de onda de 600 nm. Portanto a luz espa- lhada pelas moléculas do ar é muito mais azulada do que a luz que sobre elas incidiu. Desta forma, de qualquer ponto A atmosfera terrestre, iluminada pela luz branca do Sol, espalha preferencialmente luz com freqüências próximas à da cor azul em todas as direções. Desta forma, de qualquer ponto do céu iluminado com a luz solar, chegará luz azulada aos nossos olhos e veremos o céu azul

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Page 1: Cores Da Lua

20 Física na Escola, v. 9, n. 2, 2008As cores da lua cheia

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Oespetáculo da lua cheia nascendo,e depois se elevando no céu,encanta a nossa sensibilidade!

Além de a lua cheia nascente nos parecermuito maior do que quando se encontraalta no céu, a sua corse modifica durante aascensão. No dia 20 defevereiro de 2008,ocorreu um eclipse to-tal da Lua. Como ébem sabido, eclipsesda Lua somente po-dem acontecer du-rante a lua cheia.

A seqüência defotos da Fig. 1 foi realizada desde onascimento da lua cheia até quase o seuencobrimento total pela sombra da Terra.

Na Foto 1, vemos a lua cheia nascen-te, ainda próxima do horizonte leste, ple-namente iluminada pela luz do Sol queestá se pondo no horizonte oposto. Apesarde o disco lunar se apresentar encobertopor nuvens, é possível observar que eletem uma cor amarelada contra o céu azul,ainda iluminado pelo Sol. Depois, na Foto2, a Lua encontra-se um pouco mais ele-vada (mas ainda próxima do horizonte),exibindo um belo tom de amarelo contrao céu azul escuro, fracamente iluminadopelo Sol. A Foto 3 foi realizada às21h05min, portanto quando a lua cheiajá se encontrava elevada no céu. Agora acor da Lua é branca contra o céu escuro.As Fotos 4 a 6 foram tomadas enquantoa Lua penetrava no cone de sombra - ouumbra - da Terra, o que ocorreu a partirdas 22h43min.

A seqüência de fotos da Fig. 1 foi rea-lizada com uma câmera digital comaumento óptico e digital, perfazendo umaampliação de cinco vezes, mantida paratodas as fotos. Comparando as imagens,é possível perceber que o disco lunar temo mesmo tamanho em todas elas, com-provando que ele permanece inalterado

Fernando Lang da SilveiraDepartamento de Física, UniversidadeFederal do Rio Grande do Sul, PortoAlegre, RS, BrasilE-mail: [email protected]

Maria de Fátima Oliveira SaraivaDepartamento de Astronomia,Universidade Federal do Rio Grandedo Sul, Porto Alegre, RS, BrasilE-mail: [email protected]

A lua cheia muda de cor conforme se eleva nocéu. No nascente apresenta-se amarelada edepois, quando já se encontra elevada no céu,é branca. Durante um eclipse total, a Lua podese apresentar com uma variedade de cores en-tre marrom e amarelo. Discutimos as razõespelas quais a lua cheia exibe cores variadas.

enquanto a Lua se eleva. Portanto, a ava-liação de que a lua cheia nascente é muitomaior do que quando está elevada no céué uma ilusão [1]. A Fig. 2 mostra umafotografia da lua cheia durante o auge do

eclipse, quando entãoo disco lunar se apre-sentava com umabela cor amarela ala-ranjada. Assim, oobjetivo desse artigo édar uma explicaçãopara as diferentescores que podemosobservar na lua cheia,inclusive durante os

eclipses totais.

Por que o céu é azul?

Um aspecto fundamental para acompreensão das cores que a Lua podeapresentar tem relação direta com o fatode o céu diurno ser azul.

A atmosfera terrestre, fortementeiluminada pela luz branca do Sol, espalha1

preferencialmente luz com freqüênciaspróximas à da cor azul em todas asdireções. Este tipo de espalhamento é de-nominado de espalhamento de Rayleigh,e acontece quando as partículas queinteragem com a luz têm um tamanhomuito menor do que o comprimento deonda da luz, que é o caso das moléculasde oxigênio (O2) e nitrogênio (N2) daatmosfera terrestre. No espalhamento deRayleigh, a intensidade da luz espalhadaé inversamente proporcional à quartapotência do comprimento de onda. Usan-do o exemplo de Lynch e Livingston [2],isso significa que a luz azul, com com-primento de onda de 450 nm, é espalhadacom intensidade cerca de 3 vezes maiordo que a luz vermelha, de comprimentode onda de 600 nm. Portanto a luz espa-lhada pelas moléculas do ar é muito maisazulada do que a luz que sobre elasincidiu. Desta forma, de qualquer ponto

A atmosfera terrestre,iluminada pela luz branca do

Sol, espalha preferencialmenteluz com freqüências próximas à

da cor azul em todas asdireções. Desta forma, de

qualquer ponto do céuiluminado com a luz solar,

chegará luz azulada aos nossosolhos e veremos o céu azul

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21Física na Escola, v. 9, n. 2, 2008 As cores da lua cheia

do céu iluminado com a luz solar, chegaráluz azulada aos nossos olhos e veremos océu azul.

Caso não houvesse espalhamento daradiação solar na atmosfera, o céu nãoemitiria luz e se apresentaria negro. Tal éo que acontece à noite, quando a atmos-

interessa conhecer a luz que, provenientedo astro, é transmitida (não espalhada)através da atmosfera até o local daobservação.

A intensidade de luz solar espalhada,além de depender do comprimento deonda, é influenciada pelo comprimento dotrajeto que a radiação percorre ao atra-vessar a atmosfera. Ao entardecer, quandoo Sol se encontra próximo ao horizonte,a luz solar deve percorrer um caminhomais longo na atmosfera do que quandoo Sol se encontra elevado no céu. A Fig. 4representa esquematicamente que a luzproveniente do Sol (ou de qualquer outroastro) deve, quando se encontra no zênite,atravessar a menor extensão de atmosferapara chegar à superfície da Terra; quandoo astro se encontra no horizonte, a luzque ingressa na atmosfera percorre umadistância muito maior até chegar à super-fície da Terra. Se tomarmos a espessurada atmosfera como sendo cerca de100 km, a luz do Sol nascente ou poentedeve atravessar cerca de 1000 km deatmosfera para chegar até a superfície daTerra (é importante destacar que, na Fig. 4,a espessura da atmosfera se encontra mui-to exagerada em comparação com o raioda Terra, cujo valor perfaz cerca de6400 km).

Desta forma, conforme o Sol estejamais próximo do horizonte, tanto maisluz é espalhada, retirando assim da luzbranca preferencialmente a radiação nasfreqüências próximas à da cor azul. A luztransmitida (não-espalhada), por terperdido parte das componentes comfreqüências mais altas, apresentar-se-ámais amarela (vide a luz transmitida naFig. 3), podendo atingir a tonalidade delaranja e até de vermelho. Isto explica por-que a cor do Sol muda do quase brancoquando se encontra elevado no céu paraos tons avermelhados característicos donascente ou poente. As partículas de poei-ra presentes na atmosfera também con-tribuem para o avermelhamento do Sol,pois também espalham mais a luz azuldo que a luz vermelha, embora não de

Figura 1 - Seqüência de fotos mostrando a aparência do disco lunar durante a lua cheiade 20 de fevereiro de 2008, observada na cidade de Laguna, Santa Catarina. As bordasinferiores das fotografias estão grosseiramente alinhadas paralelamente ao horizonte.

Figura 2 - A Lua se apresenta em cor ama-rela alaranjada durante o auge do eclipse.Foto gentilmente cedida pela fotógrafa epublicitária Ana Lúcia Meinhardt, que arealizou utilizando uma máquina foto-gráfica acoplada a um telescópio do Obser-vatório Astronômico da PUCRS.

fera, fracamente iluminada pelas estrelase pela Lua, reemite por espalhamento comtão pequena intensidade que não percebe-mos e, portanto, o céu noturno se apre-senta escuro, negro. Se não tivéssemosatmosfera, veríamos o céu negro mesmodurante o dia, quando o Sol apareceriacomo um disco brilhante (e um poucomais esbranquiçado do que realmente ovemos) entre as demais estrelas.

A Fig. 3 representa de maneira esque-mática a chegada de luz solar branca emuma região da atmosfera. De acordo comesse esquema, um observador receberáradiação espalhada e enxergará aquelaregião do céu como azul.

Para partículas muito maioresdo que o comprimento de onda daluz, como é o caso das gotículas deágua, o espalhamento não dependemais do comprimento de onda, eportanto a intensidade da luz espa-lhada é a mesma para todas ascores. É por isso que as nuvens sãobrancas e, em dias muito nublados,vemos o céu todo esbranquiçado.

As cores do Sol

Para explicar a cor que o Sol(ou qualquer astro) apresenta,

Figura 3 - Luz solar branca incide sobre uma regiãoda atmosfera que espalha preferencialmente luzcom freqüências próximas à da cor azul.

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22 Física na Escola, v. 9, n. 2, 2008As cores da lua cheia

(ela nasce quando o Sol está se pondo), aluz por ela refletida deve percorrer umtrajeto mais longo através da atmosferado que quando, horas mais tarde, encon-tra-se elevada no céu. Desta forma, ao seapresentar próxima ao horizonte, a luzbranca proveniente da Lua tem mais luzazulada subtraída por espalhamento; por-tanto a radiação transmitida através daatmosfera contém menos luz azulada nonascente da Lua do que quando ela estáalta no céu. Assim, a luz que chega aosolhos de quem aprecia a lua cheia nas-cente, será amarelada (vide as Fotos 1 e 2da Fig. 1) por ter sido retirada da luz bran-ca, por espalhamento, a luz azulada.Depois, enquanto a Lua se eleva, menosespalhamento do azul acontece, resultan-do em uma luz transmitida com menosperda de azul e, portanto, aproximando-se cada vez mais de ser branca (vide asFotos 3 a 6 da Fig. 1).

A cor da Lua durante seu eclipse

A Fig. 5 representa esquematicamenteas condições para a ocorrência de umeclipse total da Lua (as dimensões do Sol,da Terra e da Lua não estão representadasem escala, bem como as distâncias entreos três corpos).

A Fig. 6 ilustra o caminho da Lua,sobre o plano que é perpendicular ao eixodo cone de sombra da Terra, do ponto devista de um observador localizado na par-te noturna do hemisfério sul de nosso pla-neta, no eclipse total de 20 de fevereiro de2008. A Lua, apesar de ter penetrado com-pletamente no cone de sombra da Terra,não passou pelo centro da umbra. A Fig. 6foi construída tomando por base a Ref. [4].O círculo maior representa a zona de pe-numbra da Terra e o círculo menor indicaa umbra.

As diferentes cores e tonalidades daLua na Fig. 6 reproduzem a sua aparêncianas diversas etapas do eclipse. A foto daFig. 2 foi reduzida e colocada dentro daumbra para retratar a Lua no auge do

eclipse, isto é, quando a Lua se encontravana região mediana do seu trajeto dentroda umbra. A linha vermelha indica a inter-secção do plano da órbita da Terra (eclíp-tica) em torno do Sol com o plano daFig. 6.

A Fig. 7 é uma representação esque-mática de uma possível trajetória da Lua,no plano perpendicular ao eixo do conede sombra da Terra, durante um eclipseparcial. Neste caso, a Lua não ingressacompletamente na umbra.

Se interpretarmos literalmente os dia-gramas das Figs. 5 e 6 concluiremos que,para um observador na Terra, a Lua devese tornar invisível quando ela se encontrarcompletamente imersa no cone de som-bra, pois não haverá mais luz solar paraser refletida em direção à Terra. Entre-tanto, conforme a fotografia da Fig. 2, aLua se apresenta ainda iluminada com luzamarela alaranjada! A atmosfera terrestredesempenha um papel importante paraque ocorra a iluminação da Lua quandoela já se encontra completamente imersano interior do cone de sombra. O fenô-meno responsável por isso é a refração; arefração atmosférica sempre eleva a ima-gem de um objeto celeste, a menos que oobjeto esteja no zênite, quando então asua altura já é a máxima possível. Con-forme indicado na Fig. 8, quanto menorfor a altura de um astro, maior será o

Figura 4 - Quando um raio de luz incideperpendicularmente à superfície terrestre,o seu caminho através da atmosfera émínimo; quanto mais perto do horizontese encontra o astro, mais longo é o per-curso da luz dentro da atmosfera.

Figura 5 - Representação esquemática das condições para a ocorrência de um eclipsetotal da Lua.

Figura 6 - Trajetória da Lua no plano per-pendicular ao eixo do cone de sombra daTerra em 20 de fevereiro de 2008.

Figura 7 - Trajetória da Lua no plano per-pendicular ao eixo do cone de sombra daTerra durante um eclipse parcial.

maneira tão diferenciada quanto no espa-lhamento de Rayleigh. Para esses grãos depoeira, cujo tamanho é semelhante aocomprimento de onda da luz, a intensi-dade da radiação espalhada é inversamenteproporcional à primeira potência docomprimento de onda. Mesmo assim, esseefeito se soma ao espalhamento pelasmoléculas de gás, de forma que, quantomais poeira houver na atmosfera, maisvermelho será o Sol no crepúsculo.

As cores da lua cheia

A Lua reflete a luz branca provenientedo Sol. Embora nosso satélite pareçamuito brilhante, reflete apenas 6,7% daluz que recebe do Sol [3], estando entre osobjetos de menor refletividade do sistemasolar. As partes mais brilhantes de suasuperfície são as regiões mais altas e comcrateras, compostas de rochas ricas emcálcio e alumínio. As regiões mais escurassão zonas mais baixas, chamadas ‘mares’,compostas de rochas basálticas querefletem muito pouco a luz, daí sua coracinzentada.

Quando vemos a lua cheia nascendo

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23Física na Escola, v. 9, n. 2, 2008 As cores da lua cheia

desvio de sua posição real.Os raios de luz provenientes da estrela

na posição 3 não sofrem desvio porqueincidem perpendicularmente na atmosfe-ra; os raios provenientes da estrela na po-sição 2 sofrem desvio e o observador aenxerga na posição aparente 2. Os raiosprovenientes da estrela na posição 1 so-frem um desvio ainda maior, e o obser-vador a enxerga na posição aparente 1. Édevido à refração da luz solar na atmos-fera da Terra que ainda podemos ver odisco do Sol, por inteiro, sobre o horizonte,até 2 minutos depois de ele ter realmentecomeçado a se pôr (isto é, quando de fatoa borda inferior do disco solar já desceuabaixo da linha do horizonte). A refraçãoatmosférica determina que a lua cheianascente já possa ser vista no horizontequando, na realidade, ainda se encontraabaixo da linha do horizonte!

Durante um eclipse lunar total, a luzsolar que atravessa tangencialmente aatmosfera da Terra sofre refração, sendodesviada para dentro do cone de sombrada Terra, iluminando fracamente a Lua.Mas essa luz já está quase desprovida desuas componentes com freqüências maisaltas, as quais foram espalhadas comodiscutimos anteriormente. A luz que con-segue atravessar a atmosfera, ingressandona umbra, resulta então apresentar tona-lidades que vão do amarelo brilhante, pas-sando pelo laranja e podendo chegar até overmelho. Um astronauta que estivessena Lua durante um eclipse total veria oSol completamente eclipsado pela Terra,a qual apareceria como um disco escurocircundado por um halo avermelhado deluz solar, pois o grande espalhamento naatmosfera terrestre das freqüências próxi-mas à da cor azul determina a chegada deluz avermelhada aos olhos do astronauta.Essa luz avermelhada que atinge a Lua érefletida e retorna em direção de quemobserva o eclipse da Lua na superfície daTerra. A Fig. 9 representa de forma esque-mática o trajeto da luz que ingressa naumbra após atravessar a atmosfera, ilu-minando a Lua.

Enquanto a Lua transita dentro do co-ne de sombra, a iluminação da sua super-fície é variável, mudando inclusive detonalidade. Isso mostra que o cone de som-bra não é uniformemente escurecido, sendomais escuro na parte mais central, pertodo seu eixo. Na fotografia da Fig. 2 vemosque a iluminação da superfície da Lua nãoé homogênea. A parte amarela brilhanteda Lua se encontra mais próxima da bordado cone de sombra do que a região diame-tralmente oposta. A região mais próximaà borda da umbra é iluminada por luzmenos desviada por refração na atmosfera

da Terra e que, por ter sido refratada emuma camada atmosférica mais alta emenos densa, sofreu menos espalhamento,deixando essa parte da umbra relativamen-te brilhante. A região mais próxima do eixoda umbra é iluminada por luz que, tendoatravessado as camadas mais baixas e maisdensas da atmosfera da Terra, desvia porrefração e espalha mais a luz do Sol, trans-mitindo luz menos intensa e mais averme-lhada [5].

A Fig. 9 indica que a luz desviada pelarefração atmosférica para o interior daumbra possui coloração (e intensidade)diferente, variando com o trajeto percor-rido ao cruzar a atmosfera.

Dependendo das condições da atmos-fera, como por exemplo o tamanho das

partículas, o espalhamento das freqüênciasmais altas que constituem a luz brancasolar se dará de maneira diferente. Assimsendo, durante um eclipse total da Lua po-dem acontecer cores mais ou menos ama-relas, laranjas ou vermelhas, sendo que aintensidade da iluminação da Lua tambémpode variar de um para outro eclipse. Obrilho da Lua depende da trajetória que elasegue dentro da umbra (quanto mais pertodo centro da umbra passar a Lua, maisescuro será o auge do eclipse) e de quantaluz é refratada na nossa atmosfera para ointerior da umbra. Outros fatores quecontribuem para eclipses mais escuros sãoo excesso de nuvens no terminadouro2 daTerra e a quantidade de partículas sólidassuspensas na atmosfera, como poeira e

Figura 8 - Devido à refração atmosférica, os raios luminosos parecem vir de uma direçãoum pouco acima da posição real do astro.

Figura 9 - A luz solar que atravessa a atmosfera, ingressando no cone de sombra daTerra, é amarela alaranjada devido ao espalhamento do azul na atmosfera e é desviadapor refração para dentro do cone de sombra.

Page 5: Cores Da Lua

24 Física na Escola, v. 9, n. 2, 2008As cores da lua cheia

Referências

[1] F.L. Silveira e A. Medeiros, Física na Es-cola 7(2), 67 (2006).

[2] D. Lynch and W. Livingston, Colors andLight in Nature (Cambridge UniversityPress, Nova York, 1995).

[3] C.W. Allen, Astrophysical Quantities (TheAhtlone Press, London, 1973).

[4] I.G. Varela e P.D.C.F. Oliveira, Urano-metria Nova, Circular Astronômican. 32. Disponível em http://www.uranometrianova.pro.br/circulares/circ0032.htm. Acessado emabril de 2008.

[5] R.A. Keen, What will 2004´s LunarEclipse look like?. Disponível em: http://eclipse.gsfc.nasa.gov/LEmono/T L E 2 0 0 4 O c t 2 8 / i m a g e /TLE2004keen.html. Acessado em abrilde 2008.

[6] F. Espenak, Danjon Scale of Lunar EclipseBrightness. Disponível em http://e c l i p s e . g s f c . n a s a . g o v / O H /Danjon.html. Acesso em 2005.

cinzas vulcânicas. Grandes erupçõesvulcânicas, que jogam muitas partículasde cinza na atmosfera, geralmente sãoseguidas durante vários anos por eclipsesmuito escuros e vermelhos [6]. O astrô-nomo francês André Danjon propôs umaescala de cinco graus para avaliar o brilhoe a cor da Lua durante um eclipse total,atribuindo o grau 0 para eclipses muitoescuros, em que a Lua fica quase invisível,até o grau 4 para eclipses em que a Luafica com tons alaranjados ou acobreados,muitas vezes mostrando uma margembrilhante azulada.

Conclusão

As cores que a lua cheia apresentadependem da luz solar que chega até ela eé refletida, mas resulta também das condi-ções da atmosfera terrestre, que pode sub-trair, por espalhamento, luz com freqüên-cia na faixa próxima da cor azul. Aatmosfera da Terra também é responsávelpor podermos enxergar a Lua mesmo emeclipses lunares totais, quando refrata eao mesmo tempo espalha fortemente osraios do Sol quase tangentes à superfíciedo planeta, fazendo com que eles ilumi-nem a umbra com luz amarela, laranja evermelha. Assim, a lua cheia tem coresvariáveis durante a sua viagem através

do céu noturno e, mesmo quando escon-dida à sombra da Terra, nos proporcionaum espetáculo inusitado e belo.

Agradecimento

Agradecemos à Profa. Maria CristinaVarriale do IM-UFRGS pela leitura críticae pelas sugestões apresentadas a esteartigo.

Notas1O espalhamento da luz é o fenômeno

pelo qual a luz, ao interagir com pequenaspartículas, sofre mudança aleatória emsua direção. A intensidade da luz espa-lhada depende do tamanho da partículacomparada com o comprimento de ondada luz. O espalhamento da luz não podeser confundido com a dispersão da luz. Adispersão acontece se a velocidade de pro-pagação da luz (ou de qualquer onda) emum meio depender da freqüência da luz,isto é, luzes com cores diferentes viajamatravés do meio com velocidades diferen-tes. Desta forma, na dispersão o índice derefração da luz muda com a freqüência.A dispersão acarreta, por exemplo, que aluz branca que atravessa um prisma apre-sente-se decomposta nas cores do arco-íris, pois os raios luminosos com freqüên-cias diferentes, emergem do prisma

segundo direções um pouco diferentes,sendo a luz vermelha a que menos serefrata e a azul a que sofre maior refração.

2Terminadouro é a margem entre ohemisfério iluminado e o hemisférioescuro de um corpo que não emite luzprópria.

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Satélite

Fim de tarde.No céu plúmbeoA lua baçaPairaMuito cosmograficamenteSatélite.

Desmetaforizada,Desmitificada,Despojada do velho segredo demelancolia,Não é agora o golfão de cismas,O astro dos loucos é dos enamorados,Mas tão-somenteSatélite.

Ah Lua deste fim de tarde,Demissionária de atribuições românticas,Sem show para as dìsponibilidadessentimentais!

Fatigado de mais valia,Gosto de ti assim:Coisa em si,- Satélite.

Poemas extraídos do livro Bandeira - Antologia Poética (Livraria José Olympio Editora, Rio de Janeiro, 1980), 10ª ed.

Lua Nova

Meu novo quartoVirado para o nascente:Meu quarto, de novo a cavaleiro daentrada da barra.

Depois de dez anos de pátioVolto a tomar conhecimento da aurora.Volto a banhar meus olhos no mônstruoincruento das madrugadas.

Todas as manhãs o aeroporto em frenteme dá lições de partir:Hei de aprender com eleA partir de uma vez- Sem medo,Sem remorso,Sem saudade.

Não pensem que estou aguardando a luacheia- Esse sol da demênciaVaga e noctâmbula.O que eu mais quero,O de que precisoÉ de lua nova

Manuel Bandeira e a Lua

Manuel Bandeira, Recife, PE19/4/1886-13/10/1968