cordel-pequeno folheto para o sertao da minha infancia

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Pequeno Folheto Para o Sertão da Minha Infância .............................................. Cidadão, caro leitor, Dessa vez eu vou contar Coisas de admirar Que vivi no interior; Morando entre as serras Onde era a melhor terra Num tempo que já passou. Foi lá no alto sertão Interior de Alagoas, Que um monte de coisas boas Pra minha admiração; Eu passei em minha infância, Que era um tempo sem ânsia, No bater do coração. Pra melhor lhe situar Quero dizer como era Sem remancho nem espera A paisagem do lugar Era um canto tão lindo Que pela serra subindo Demorava a chegar. Tinha uma linda igreja Onde a gente ia rezar Outros iam namorar Inda hoje se corteja Soltavam até foguetão Para comemoração Com salgado na bandeja. Na frente, uma pracinha, Para onde todos iam Não importa o que faziam Não tinha gente mesquinha, Eucaliptos cheirosos Rodeavam, majestosos, A festa das criancinhas. Tinha um cruzeiro na serra, Destino das procissões,

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Pequeno folheto para o serto da minha infncia

Pequeno Folheto Para o Serto da Minha Infncia..............................................

Cidado, caro leitor,

Dessa vez eu vou contar

Coisas de admirar

Que vivi no interior;

Morando entre as serras

Onde era a melhor terra

Num tempo que j passou.

Foi l no alto serto

Interior de Alagoas,

Que um monte de coisas boas

Pra minha admirao;

Eu passei em minha infncia,

Que era um tempo sem nsia,

No bater do corao.

Pra melhor lhe situar

Quero dizer como era

Sem remancho nem espera

A paisagem do lugar

Era um canto to lindo

Que pela serra subindo

Demorava a chegar.

Tinha uma linda igreja

Onde a gente ia rezar

Outros iam namorar

Inda hoje se corteja

Soltavam at fogueto

Para comemorao

Com salgado na bandeja.

Na frente, uma pracinha,

Para onde todos iam

No importa o que faziam

No tinha gente mesquinha,

Eucaliptos cheirosos

Rodeavam, majestosos,

A festa das criancinhas.

Tinha um cruzeiro na serra,

Destino das procisses,

Chegavam at misses,

Muito carneiro que berra,

Melo Caetano no mato,

Pinto, porco, galo e pato,

Espalhavam-se na terra.

Na feira, vendiam tudo,

Cobertor para o frio,

Lamparina e pavio,

Opercata e canudo,

Corda, arreio e limo,

Roupa, picol, sabo,

At disco de entrudo.

Tinha ainda refeio,

Jerimum, carne de sol,

Casinha de caracol,

Ferrolho, lpis, carvo,

At cachaa vendiam

E muitos dos que bebiam,

Findavam o dia no cho.

Mas na rua em que morava

Ouvia samba-cano,

Boleros, que emoo!

Era ali que eu brincava,

Tinha jipe, caminho,

Passava at lotao,

Com o povo que viajava.

E vinham os carros de boi

Trazendo coisas da roa

De choupana ou de palhoa

Eu me lembro quando foi,

Pois eu pegava carona

At debaixo da lona

Do carro de Z Toti.

Lembro-me daquela estrada

Meu pai fumando charuto

Um casamento matuto

A noiva toda enfeitada

Depois o arrasta-p

Voc sabe como ,

Uma poeira danada.

Mas nem s de alegria

Se vive l no serto,

Pois morrendo um cidado

feita uma romaria,

Cantando as inselena

Ali todo mundo pensa

No fim dos seus prprios dias.

Levei carreira de touro,

Ca at de cavalo,

Vi gente sangrando galo,

Eu tinha um grande tesouro,

Mel de abelha na mata,

No bolso nenhuma prata,

Mas valia mais que ouro.

Carreguei gua em galo,

Chupei picol no bar,

Vi o circo se armar,

E um palhao do perno,

Papangu no carnaval,

Que vida fenomenal,

A vida l no serto.

Era tudo muito bom

Cada um no seu lugar

Mas algo de arrepiar

s vezes mudava o tom

Pois pra resolver intriga

Tinha quem fosse pra briga

E o tiro virava som.

Ah! como lembro do dia

Em que ao amanhecer

Minha me chamou pra ver

A cena que se estendia

Pela calada da gente

Uma cena diferente

Que quase que eu no cria.

Trs ciganos estirados

Mortos em um tiroteio

Sem direito a esperneio

Foram logo baleados

O grupo pouco pacato

Era formado por quatro

Com mais um do outro lado.

O enterro foi chocante

Sem caixo e sem escala

Botaram em uma vala

O grupo de provocante

Que detratou a cidade

E no teve piedade

Mas encontrou a Volante.

Porm vamos retornar

Para as lembranas boas

Que no so petas nem loas

Pois pretendo inda contar

Das minhas contemplaes

Carregadas de emoes,

De sol, de chuva e luar.

Creia que nem energia

Dessa que hoje se tem

Chegava ali nem alm

Isso no se conhecia

Quando chegou Paulo Afonso

Para substituir o Ronson

E at hoje alumia.

Quando vejo aquela Igreja

L no alto da cidade

Sinto uma forte saudade

Tanto que at lacrimeja

Meu olhar quase cansado

Que no esquece o passado

Esteja onde quer que esteja.

(01.11.2003)