corda lá cordam li

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Cid Rafael Madeira Coito de Sousa Carmo Corda lá corda’m li Histórias de quem toca o violino em crioulo Etnomusicologia: Pesquisa de Campo Dra. Maria de São José Côrte-Real Universidade Nova de Lisboa Faculdade de Ciências Sociais e Humanas Departamento de Ciências Musicais Lisboa – 2007

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Page 1: Corda lá cordam li

Cid Rafael Madeira Coito de Sousa Carmo

Corda lá corda’m li Histórias de quem toca o violino em crioulo

Etnomusicologia: Pesquisa de Campo

Dra. Maria de São José Côrte-Real

Universidade Nova de Lisboa

Faculdade de Ciências Sociais e Humanas

Departamento de Ciências Musicais

Lisboa – 2007

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Corda lá corda’m li – Histórias de quem toca o violino em crioulo

1. Introdução 3 1.1.O violino de Cabo Verde 4 1.2. Enquadramento teórico 12 1.3. Questões de Pesquisa 21 1.4. Agradecimentos 22

2. Histórias das suas vidas,pessoas ligadas pelas cordas do Violino 23 2.1. É necessário aproximarmo-nos para ver de perto... 23

2.1.1. Djom di Robeca 23 2.1.2. Morgadinho 25 2.1.3. Fragmentos de Armando e Eduíno 37 2.1.4. Leonel 38 2.1.5. Chiquinho Lima 44

2.2. O que partilham estas pessoas 63 3. As Performações 74

3.1. Questões Comportamentais 74 3.2. Questões Técnicas 77

3.2.1. Informantes/Participantes de Primeiro Plano 77 3.2.2. Participantes de Segundo Plano 97

4. Conclusão 109 4.1. Os objectivos a que me propunha 109 4.2. Reflexões finais 110

5. Referências citadas 111 5.1. Lista de Entrevistas 111 5.2. Lista de Performações Presenciadas 111 5.3. Bibliografia 111 5.4. Discografia 113 5.5. Filmografia 113

6. Anexos 114 6.1. Glossário 114 6.2. Ilustrações 117 6.3. Transcrições de Entrevistas 119 6.4. Recensão do documentário Morabeza de Constantino Martins 203 6.5. Lista de Músicas da “aula” de Eduíno 205 6.6. Suporte áudio 206 6.7. Suporte vídeo 206

Cid Carmo

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Corda lá corda’m li – Histórias de quem toca o violino em crioulo

Introdução Desde pequeno que gosto de violino, de ouvir e de tocar. Mesmo antes de

saber que existia a etnomusicologia, já sabia que queria saber como outros

povos tocavam este instrumento, e principalmente aprender essas formas de o

tocar e interpretar. Mais tarde ao crescer comecei a interessar-me por pessoas,

bem sei que isto é uma forma muito lata de me expressar mas, é mesmo disso

que se trata, quis saber qual a perspectiva que as outras pessoas tinham da

vida, da sua realidade; assim sendo, calculei que um bom reflexo desta

perspectiva se encontraria na forma como as pessoas contam a sua vida. Isto é

algo em que, é extremamente difícil ser-se exacto; no entanto, o próprio

esquecimento ou deturpação/imaginação de factos é, por si só, válido como

indicativo dos valores, conceitos e percepções de uma pessoa e mesmo de

uma determinada cultura de onde esta provenha (Fischer 1986)1.

Resumidamente este trabalho trata principalmente de duas questões: histórias

de vida de violinistas caboverdianos actualmente residentes na área da grande

Lisboa, e questões técnicas concernentes às práticas performativas dos

mesmos. Este trabalho encontrou vários obstáculos ao longo do seu percurso

desde o desânimo inicial quando o panorama musical que o trabalho abarca

parecia estagnado até a informantes que, após várias tentativas nunca foi

possível entrevistar, por falta de disponibilidade dos mesmos. Outra dificuldade

que encontramos neste tipo de trabalhos é que a limitação de tempo e verbas é

maior, logo o universo de estudo acaba por ser bem menor do que aquilo que

poderia ser. Um claro exemplo é o de se tratar de um trabalho sobre violinistas

caboverdianos no contexto migratório português e não propriamente, o ideal,

que seria um trabalho sobre violinistas caboverdianos em Cabo Verde, sendo o

trabalho feito in loco. No entanto deve dizer-se que todo este processo de

investigação, o de redigir o trabalho inclusive, tem sido extremamente

gratificante, mais do que pensava.

1 Fischer, Michael M.J. Ethnicity and the Post-Modern Arts of Memory in James Clifford and George E. Marcus (eds.): The Poetics and Politics of Ethnography. Berkeley: University of California Press, 1986

Cid Carmo

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Corda lá corda’m li – Histórias de quem toca o violino em crioulo

Não que tenha a perspectiva romântica de que “a música é universal”, no

entanto penso que no futuro, e mesmo já no presente, a humanidade, deve ter

como base, que, aos poucos se vem estabelecendo, a Comunicação. Sem ela

dificilmente sobreviveremos, e por muito dramático que isto pareça,

infelizmente, cada vez menos o é. Muitos dizem “mas esta é a era da

comunicação, temos os meios para comunicar com quase todo o planeta”,

verdade. No entanto como estas ligações são recentes, temos de primeiro

aprender o “número de telefone”, como diria Noel Rosa, dos nossos vizinhos

globais pois de que serve ter tanta gente ligada “artificialmente” (via telefone ou

Internet por exemplo) se depois estão todos sós e barricados nos seus próprios

conceitos e preconceitos. A música é então uma ferramenta, que pode servir

como meio de iniciar ligações mais coesas e uma maior base para a

comunicação, não logicamente na perspectiva oitocentista de pôr índios da

Papua Nova-Guiné em frente a um gramofone que toca a 9ª Sinfonia de

Beethoven na esperança de os imbuir de um espírito de grande fraternidade,

mas sim de permitirmo-nos conhecer a música de pessoas que são tão

importantes quanto nós e cuja música tem tanta validade quanto a “nossa”.

Assim talvez possamos encontrar os degraus que nos levem a uma melhor e

maior compreensão das perspectivas de uns e de outros.

1.1 O Violino de Cabo Verde Situado a oeste da costa de África, Cabo Verde, arquipélago descoberto pelos

portugueses em 1460, foi povoado com escravos trazidos da costa da Guiné

para trabalharem nas plantações. Ao longo dos séculos desenvolve-se uma

cultura Luso-africana, uma cultura crioula, com uma música, literatura, roupa e

linguagem distintas. Devido à fome, resultante da seca periódica que abala as

ilhas, no início do século XIII muitos caboverdianos alistaram-se nas tripulações

dos barcos baleeiros com destino a New England. Será o início da diáspora que

ao longo dos séculos levará milhares de pessoas a deixarem a sua terra natal

emigrando principalmente para os continentes europeu e americano.

Em 1975 Cabo Verde consegue a independência.

Cid Carmo

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Corda lá corda’m li – Histórias de quem toca o violino em crioulo

Segundo Susana Hurley-Glowa2 esta cultura crioula provém da fusão entre

características africanas e europeias. E portanto a nível musical podemos

reparar que por um lado temos géneros onde a influência africana é

predominante como no caso do batuque, finason, funáná e tabanka; em que o

ritmo é mais enfatizado que a melodia, havendo uma estrutura responsorial,

com muita repetição, tendo estruturas harmónicas simples, sendo performados

com uma forma de cantar que se caracteriza como sendo mais aberta e sonora

que as características da Europa, sem recorrer ao vibrato.

Já os géneros de maior influência europeia podem ser identificados por

recorrerem ao uso de instrumentação característica da música tradicional

portuguesa, nomeadamente no que se refere a instrumentos de cordas. Nestas

músicas é dado mais ênfase à melodia que ao ritmo, e o estilo vocal é muito

similar àquele que encontramos em Portugal. Como exemplos desta influência

europeia encontramos: a morna, a coladeira, a polca, a mazurca, a valsa, a

marcha e a contra-dança.

É nestes últimos que constatamos uma maior presença do uso do violino, sendo

usado como acompanhamento, e como solista, que nesse caso será

acompanhado por “viola” e cavaquinho.

“Quem não se lembra das lenga-lengas (…) É verdade que muitos

podem dizer, e têm dito, que elas não nos pertencem, porque são

portuguesas e/ou de outra cultura. Porém acabaram por se tornar

numa "coisa nossa". Foram adoptadas pelos nossos tetravós e

bisavós e muitas delas foram recriadas como é o caso de "pirolito

qui bate qui bate" à qual se acrescenta uma estrofe em crioulo.

Tornaram-se nossas, tal como os instrumentos de corda que

utilizamos para tocar a nossa música: o violão, o violino, o

cavaquinho, etc., que vieram de fora e que acabaram por ser

perfilhados.” 3

2 Cape Verde in Stanley Sadie’s The New Grove Dictionary of Music and Musicians, London: Macmillan Publishers, 1980 3 Brito, Margarida Breves Apontamentos sobre as Formas Musicais existentes em Cabo Verde in “Os Instrumentos Musicais em Cabo Verde”, pp. 13 a 25, Praia – Mindelo: Ed. Centro Cultural Português, 1998

Cid Carmo

5

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É de frisar que quando nos referimos a “o violino de Cabo Verde” por isto

entenda-se apenas, um violino que é tocado por alguém que segue a “traça”

musical caboverdiana, isto engloba, questões técnicas de pressão do arco e

ornamentações, nomeadamente o uso extensivo de glissandos, mordent e mais

questões a serem apuradas no decorrer deste trabalho. Todos estes

componentes servem para formar uma sonoridade particularmente

característica e identificável com Cabo Verde.

No contexto caboverdiano, encontramos dois tipos de cenário, o de Cabo Verde

propriamente dito, e o de comunidades migrantes, sendo que neste estudo será

principalmente tido em conta o caso de Portugal mais especificamente da

comunidade caboverdiana da grande Lisboa.

Os relatos recolhidos descrevem Cabo Verde como sendo mais rico

(relativamente a Lisboa) no que toca ao violino a vários níveis, não só

encontramos mais intérpretes, como o ambiente sócio-cultural e económico

propicia o acontecimento de performações, é habito tocar-se em baptizados,

casamentos e funerais.

“A música Fúnebre, género instrumental, é utilizada, pelo menos

em S. Vicente, com um ritmo marcial e dramático. Neste género o

sopro de metal é predominante. Às vezes o violino e o violão são

utilizados. O tema é único, (popularmente conhecido por Djosa quem mandób morrê) embora muitas vezes, mornas mais tristes

sejam tocadas, como é o caso da morna Hora di bai4.” 5

Embora esta prática também aconteça no contexto migrante lisboeta, a

frequência não é tanta. E mesmo que se ponha a hipótese de as pessoas da

própria cultura não quererem ouvir violino na música caboverdiana, então serão

os turistas o público-alvo, sendo que é o turismo uma das maiores fontes de

rendimento do país. No entanto, em Lisboa o cenário é outro. Embora isto não

se possa justificar pela falta de população caboverdiana, visto haver uma

grande comunidade caboverdiana em Portugal, parecer haver,

4 A hora da partida. 5 Brito, Margarida obra citada, 1998, p.2

Cid Carmo

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Corda lá corda’m li – Histórias de quem toca o violino em crioulo

comparativamente, menos espaço neste paradigma de emigração para

performações em geral, e ainda menos espaço para o violino, do que no país de

origem. Existem também restaurantes tradicionais caboverdianos, discotecas;

no entanto embora alguns tenham música ao vivo6, o violino tem uma presença

extremamente rara.

Há no entanto que referir que o contexto caboverdiano também é tido em conta

neste estudo. Primeiramente porque se trata do contexto de origem destes

tocadores, logo naturalmente, não podemos descartar este factor que foi o

principal e o mais importante para a sua formação nos moldes interpretativos

que fruem e sobre os quais este trabalho se debruça. Vemos assim o panorama

caboverdiano como termo de comparação com o contexto lisboeta, e também

como veículo de uma perspectiva mais abrangente desta prática performativa,

inclusivamente a perspectiva dos entrevistados.

Pretende-se assim ver dentro da comunidade caboverdiana quem toca o violino,

onde toca, como o faz e de que modo isso afecta as suas vidas.

Naturalmente que num trabalho destas dimensões haverá lacunas, neste caso

tem-se claramente em conta, por exemplo, o factor do possível, e natural,

desconhecimento de outros violinistas caboverdianos que possam habitar na

área da Grande Lisboa, que não os abrangidos por este estudo.

Violinistas preponderantes Como já foi referido, são escassos os dados que encontramos sobre o violino e

os violinistas caboverdianos. Podemos assim apenas citar alguns nomes e os

poucos dados biográficos disponíveis.

De António Travadinha, verdadeiro nome António Vicente Lopes, podemos

apenas dizer que foi um dos maiores músicos autodidactas de Cabo Verde.

Originário da Ilha de Santo Antão, começou a tocar nos bailes populares

quando tinha apenas nove anos, no entanto só muito mais tarde alcançou a

fama, devido à sua humilde condição social o seu reconhecimento não foi fácil:

Travadinha teve de esperar até aos 40 anos para começar a tornar-se

conhecido como músico, particularmente depois de, em 1981, ter realizado uma

6 É o caso dos restaurantes Casa da Morna e Espaço Cabo Verde e das discotecas Enclave e B.Leza

Cid Carmo

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série de actuações em Portugal. Travadinha interpretava principalmente mornas

e coladeiras, para além do violino, tocava também viola (guitarra de 12 cordas),

cavaquinho e violão. Faleceu em 1987 no auge da popularidade. Foi, sem

qualquer dúvida, um dos mais talentosos violinistas de Cabo Verde. Nascido

numa família de músicos, o seu pai também era violinista e os seus sete irmãos

tocavam violão. Nada mais natural que enquanto criança Travadinha brincasse

com os instrumentos musicais que encontrava pela casa. Aos nove anos, e

apesar do pai o proibir de tocar, já animava os bailes locais com a sua rabeca.

Existem apenas dois CDS deste músico, ambos póstumos: Le violon du Cap Vert da Buda Records que foi uma gravação de 1986 que foi editada em 1992 e

Travadinha no Hot-Club que foi uma gravação feita ao vivo no hot clube de

Lisboa em 1982 que foi editado em 1998.

Nhô Raul de Pina (1902-2007) Nhô Raul começou a tocar o violino aos 13

anos de idade.

“A minha mãe ensinava-me a cantar mornas da Boa Vista e a partir de certa altura comecei a tentar acompanhá-la através de um violino improvisado por mim, o qual tinha sido construído a partir de pedaços de telha, madeira e latas de azeitona. Era um violino um tanto ou quanto tosco, mas na altura deu-me um grande jeito. Aliás, cheguei a vender alguns sob encomenda por parte de certas pessoas. Naquela época vendia-os por 20$00. […] Eu ganhei o meu primeiro violino através de um rapaz, cujo pai era capitão”.

Nhô Raúl comprou desse jovem um relógio dos Estados Unidos

que viria trocar mais tarde por um violino que pertencia ao Sr.

Cristiano José Pereira, professor, na altura, em Ponta-Abaixo.”7

As últimas três décadas passou-as em Cova de Joana, na Brava, ao lado da

sua mulher Maria Madalena Gomes de Sena, a quem dedicou o seu único

álbum intitulado Maday (1999). Raul de Pina tinha 17 anos quando veio para

Praia. A sua primeira actuação na Capital aconteceu numa festa de boas-

vindas que médicos do Hospital da Praia (na altura, apenas 3) resolveram fazer 7 Revista Amidjabraba, Setembro 1995

Cid Carmo

8

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em honra do Dr. Fonseca que acabara de se formar. Nhô Raul apesar de

reticente acabou por aceitar o convite, e foi assim que começou formalmente a

tocar em público e a animar bailes por 50 escudos por noite. Apesar da idade

avançada, Raul de Pina animava bailes até pouco tempo antes de falecer,

sempre na companhia do seu filho mais novo8. Nhô Raul foi pupilo de Eugénio

Tavares, a quem admirava profundamente e era conhecido como “menino da casa de Nhô Eugénio”, proeminente poeta caboverdiano de quem recebeu uma

grande herança lírica.

Nhô Kzik até aos 94 anos, altura em que faleceu em 2005, viveu da construção

civil em Ponta do Sol, na Ribeira Grande em Santo Antão. Espraiando-se pelo

arquipélago. As suas composições que estão presentes no disco “Recordação”,

que foi o único da sua carreira. Ficou conhecido como Nhô Kzik, expressão que

no crioulo de Santo Antão significa “pequeno”, por ser de baixa estatura.

Nasceu na pequena localidade de Corvo e já com 10 anos Gabriel António

Costa, o seu verdadeiro nome, começou a pegar no violino. Sem nunca ter tido

aulas de música, o único mestre que teve foi o seu pai, António Costa

costumava afirmar que a facilidade com que manejava a rabeca era “um dom de Deus”. No entanto, não chegou a sair da Ribeira Grande, ao contrário do

seu irmão, Malaquias Costa.

Aos 20 anos, após breves experiências em outros ofícios, Nhô Kzik iniciou a

sua vida profissional como ajudante de pedreiro, assumindo a posição de

pedreiro algum tempo depois. Profissão que exerceu durante a maior parte da

sua vida. Entretanto, também trabalhava como barbeiro. Também pescou “para dar de comer aos meus filhos, tudo para que a família não passasse muitas dificuldades”. Assim, só se dedicava à música nas horas vagas. Tocava um

pouco de violão e viola, mas passou-os para um segundo plano porque gostava

principalmente do violino. Tocou pelos mais variados povoados de Santo Antão,

animando os tradicionais bailes acústicos numa época em que ainda não havia

gira-discos, microfone ou aparelhagem e pagava-se mal aos músicos. “No princípio não se pagava nada. A gente comia durante a festa mas, ao amanhecer, íamos para casa vazios”. Entretanto, Nhô Kzik começa a sair de S.

8 Em crioulo chama-se ao filho mais novo: codé.

Cid Carmo

9

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Antão e com mérito próprio leva a sua música a outros palcos nacionais9 e

internacionais10. Esteve casado 72 anos, até que a sua mulher morreu em

2001. Compôs várias músicas, algumas das quais ficaram registadas no seu

único álbum “Recordação” (1998), gravado com o grupo Nhô Kzik, do qual

fazem parte os seus netos Pedro, Armindo e Adriano Santos e o sobrinho

Carlos Andrade. Quanto às outras composições, podemos considerar a

hipótese de virem a ser interpretadas por Bau, visto que este já gravou os

temas Mazurca nº 1 e Contradança nº 2, da autoria de Nhô Kzik, no seu disco

Jaílza.

Malaquias Costa irmão de Nhô Kzik tocou com alguns dos grandes nomes da

música caboverdiana tal como Bana e Cesária Évora. No entanto encontramos

poucos dados biográficos sobre este violinista, agora já de idade avançada, pois

estes tendem a surgir principalmente ou por altura de alguma homenagem a

músicos ou após o seu falecimento, os dois violinistas a cima referidos são

claros exemplos desse fenómeno.

João Alves, ou Nhô Joãozinho como é conhecido, nasceu a 6 de Abril de 1924,

na ilha do Fogo. Mudou-se para a cidade da Praia com a família, nos anos 60,

fixando residência no bairro de Achada de Santo António. Naquele que é

actualmente o maior bairro da cidade da Praia foi que nasceu a maior parte dos

seus 14 filhos, a quem, desde pequenos, ensinou música. No entanto só

compartilhou com os rapazes todos os seus conhecimentos musicais porque,

segundo diz11, “não ficava bem levar as raparigas para me acompanharem nos

bailes”. Todos eles aprenderam a marcar o compasso e a perceber os ritmos

desde cedo, primeiro com um chocalho – feito de lata e sementes – e depois

com o pandeiro. Só mais tarde Nhô Joãozinho permitia que aprendessem a

tocar instrumentos de corda como o cavaquinho, violino e guitarra.

Pedreiro de profissão, de manhã constrói casas, tendo sido mestre de obra de

construções hoje espalhadas por quase todos os bairros da Praia, carpinteiro e

barbeiro em outras ocasiões, à tardinha Nhô Joãozinho ensaia e dá corpo à

música com o violino que o acompanha há vários anos. Terminada a semana

de trabalho, aos fins-de-semana junto com os filhos anima há vários anos sítios 9 Festival Baía das Gatas 1997 e Festival Sete Sóis Sete Luas 1998, cidade da Praia 10 Expo98, cidade de Lisboa 11 Revista Kriolidadi, 25 de Fevereiro 2005

Cid Carmo

10

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onde é chamado a actuar. “Desde os 12 anos já tocavam comigo nos bailes,

com os mais jovens a substituir os mais velhos, que atingida a idade adulta

tomaram outro rumo na vida” 12 , Neste contexto familiar nasce Pai & Filhos, um

grupo musical que marcou uma época na música cabo-verdiana, vencendo

vários prémios em concursos de violino.

Primeiro artista a tocar “ao vivo” no antigo Rádio Clube, Nhô Joãozinho Alves

nos anos 60, 70 e 80, foi como que um “músico de serviço” quando Cabo Verde

era visitado por governadores e presidentes da República, animando saraus

que o governo oferecia aos seus convidados de honra. Nhô

Joãozinho também já tocou nos Estados Unidos da América e na Europa. Tem

dois discos gravados “Tributo” (1994), e “Mimória” (2004). Hoje tem 83 anos de

idade.

É importante referir que quer Nhô Kzik quer Nhô Joãozinho foram

homenageados no Festival Nacional de Violino Nhô Kzik em S. Antão. O

primeiro de forma póstuma na primeira edição do festival em Junho de 2006 e o

segundo na segunda edição do festival em Junho de 2007.

Metodologia A metodologia aplicada nesta pesquisa de campo foi essencialmente a de

obtenção de dados através: do uso de entrevistas com os informantes;

observação de práticas performativas quer em primeira-mão, por parte dos

informantes quer através de suporte vídeo, por parte dos participantes de

segundo plano; observação-participante em que os informantes me ensinavam

algumas das melodias que sabiam. Tanto as entrevistas como as práticas

performativas e os momentos de observação-participante foram gravadas em

suporte áudio, para facilitar a análise e transcrição de músicas, transcrição esta

que teve principalmente em atenção a questão da ornamentação, um ponto

central neste trabalho Podemos considerar que existem dois tipos de participantes neste estudo, os de

primeiro plano e os de segundo plano. Esta distinção é feita com base em dois

critérios. Em primeiro lugar se o participante/informante foi entrevistado e em

segundo lugar se partilhou a sua história de vida com o investigador. Em 12 Revista Kriolidadi Ibid.

Cid Carmo

11

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segundo plano encontramos aqueles que foram apenas observados em plena

performação, não tendo portanto havido nenhuma interacção entre o

investigador e o participante, tratando-se principalmente de uma observação de

questões técnicas do intérprete.

Assim encontramos como participantes/informantes Morgadinho, Djom di

Robeca, Leonel e Chiquinho Lima; este último pode ser considerado um

informante-chave pela extensa contribuição de informações que deu para este

trabalho. Em segundo plano Luís de Barros, António Travadinha, Malaquias

Costa, Braz, Egídio Brito, João do Carmo, Patone, Djo de Kunim, Lela Teodoro,

Breky, Noel Fortes e Domingos Costa.

1.2 Enquadramento teórico: Em meados dos anos 60 começa-se a notar um número significativo de

Africanos na cidade de Lisboa. Eram, na sua maioria, trabalhadores

caboverdianos recrutados na sua terra natal (onde na altura se atravessava um

período de seca)13 pelo governo de Marcelo Caetano, que assim pretendia

colmatar a escassez de mão-de-obra que então se fazia sentir em Portugal

devido à forte emigração (quase sempre “a salto”) para a França e Alemanha,

acrescida ao elevado número de pessoas dentro da faixa etária «mais

produtiva» que se encontravam a prestar serviço militar na guerra colonial em

África. Segundo Lopes Filho14, com esta intensificação do fluxo migratório,

consolidou-se a presença dos Africanos em Portugal, cuja primeira fase foi

constituída na quase totalidade por trabalhadores não qualificados que em

Cabo Verde se dedicavam à agricultura e destinavam-se, agora, aos sectores

da construção civil, serviços domésticos, limpeza e outras profissões que em

Portugal eram tidas em menor conta. Assim se verificou a inversão no sentido

tradicional dos fluxos migratórios em Portugal. Ou seja, embora Portugal outrora

fosse tradicionalmente um país de emigrantes, transformou-se num país de

imigração. Como este fenómeno social era pouco conhecido, os organismos 13 Cabo Verde tem um “clima profundamente marcado pela ausência de chuvas e portanto de períodos de seca prolongada, frequente e cíclica.” vide José Baptista, As Micro-Empresas em Cabo Verde e as suas Necessidades de Financiamento Inicial – Factores Determinantes, p.3, Évora, 2003 14 Filho, João Lopes “O estigma da faca. Cabo-verdianos em Portugal”, pp.71-79, in Ethnologia – racismo e xenofobia n.s. 3-4, Lisboa: Dep. de Antropologia, FCSH-UNL, 1995

Cid Carmo

12

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oficiais não estavam preparados para enfrentar esta nova realidade. Contudo,

durante a fase de maior carência de mão-de-obra em Portugal foi criado o

CATU (Centro de Apoio aos Trabalhadores Ultramarinos), que tratava de

receber os caboverdianos e encaminhá-los para os locais onde havia escassez

de mão-de-obra.

“Deram um importante contributo para o progresso e

desenvolvimento do país, nomeadamente nas obras na zona da

Grande Lisboa, do complexo de Sines e estruturas para a indústria

turística no Algarve. Porém, com a descolonização, que se seguiu ao

«25 de Abril», regressou a Portugal um elevado número dos

residentes nas antigas colónias, que depois de reintegrados

contribuíram para inverter a situação anterior, na medida em que o

número de braços passou a ser bastante superior aos postos de

trabalho disponíveis. “15

Segundo Marzia Grassi, o apuramento total do número de cidadãos cabo-

verdianos a residir em território nacional apresenta-se problemático, devido

sobretudo à complexidade e à multiplicidade de situações em que os cabo-

verdianos se encontram em Portugal. Sendo o caso mais evidente o dos

imigrantes ilegais, que acabam por não ser contabilizados nas estatísticas

oficiais. Relativamente ao número de imigrantes a residir legalmente em

Portugal denota-se uma certa dissonância entre o somatório veiculado pelo país

de origem e aquele difundido pelo país de acolhimento.

“De acordo com Luís Batalha (2004:137) os números apontados

pelas instâncias cabo-verdianas são geralmente mais elevados do

que aqueles que as autoridades portuguesas divulgam,

dependendo esta variação de interesses políticos específicos a

cada um dos pólos desta relação, ou seja, ao país de acolhimento

interessa minimizar o número de indocumentados no seu território,

ao passo que o interesse de Cabo Verde reside na exponenciação 15 Ibid. p.72

Cid Carmo

13

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deste valor como forma de pressão sobre as autoridades

portuguesas para agilizarem o processo de legalização dos

cidadãos em situação ilegal.” 16

Assim a disposição da população caboverdiana residente em Portugal revela-se

no seguinte quadro:

Tabela 1: População cabo-verdiana residente em Portugal por cidade e

arquipélagos da Madeira e Açores, ano de 2003.

Cidade Número Cidade Número

Aveiro 320 Lisboa 71848

Beja 116 Portalegre 75

Braga 280 Porto 1306

Bragança 62 R.A.Açores 504

Castelo Branco 276 R.A.Madeira 87

Coimbra 1053 Santarém 425

Évora 187 Setúbal 20277

Faro 3468 Viana do Castelo 34

Guarda 70 Vila Real 56

Leiria 735 Viseu 236

Total 105342

Fonte: Instituto das Comunidades de Cabo Verde, 2003

Como podemos verificar, a cidade de Lisboa é aquela que maior poder de

atracção exerce sobre os imigrantes oriundos de Cabo Verde, constatando-se

que 68,2% da população cabo-verdiana reside na capital. A segunda cidade

mais povoada é Setúbal, albergando quase 20% de toda esta população

imigrada e Faro é a terceira com 3,2% da população caboverdiana residente em

Portugal, esta última pode parecer pouco relevante devido ao seu baixo

16 Grassi, Marzia Cabo Verde pelo Mundo: O Género e a Diáspora Cabo-Verdiana, Lisboa: ICS-UL, 2006

Cid Carmo

14

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percentual populacional, por comparação às anteriores, no entanto a sua

menção é justificada pela sua validade neste trabalho, algo que mais adiante

será referido. (Instituto das Comunidades de Cabo Verde, 2003).

Grazzi (2006) salienta ainda a incoerência entre os dados estatísticos

fornecidos na origem e no destino das populações migrantes, ou seja, os

valores de migrantes contabilizados no país de origem estão sobre-

representados face àqueles divulgados no país de acolhimento.

“Deste modo, de acordo com o Serviço de Estrangeiros e Fronteiras

(SEF) português, em 2003 o número de população estrangeira

oriunda de Cabo Verde a residir legalmente em Portugal era de 53

454 cidadãos (cf. SEF, 2003), valor bastante inferior aos 105 342

contabilizados pelo Instituto cabo-verdiano17”.

Estes dados são relativos à distribuição da população cabo-verdiana imigrada

em Portugal entre os anos de 1986 e 2003.

Veremos mais adiante a importância desta disposição da comunidade

caboverdiana nestes focos populacionais identificáveis, e as várias formas

como isso influencia quer os participantes deste estudo, quer as suas práticas

profissionais, quer as suas práticas performativas.

É importante neste momento explicitar uma componente estrutural deste

trabalho. Sendo que se trata de um trabalho que tem por “objecto de estudo”

pessoas e as suas práticas performativas que estão inseridas num contexto

migrante, é um contexto que é sensível a questões de etnicidade, identidade

cultural ou mesmo ao fenómeno de retenção cultural.

Termos como etnicidade são usados com um significado muitas vezes ambíguo

e vago, sendo importante esclarecê-los. Derivado do grego ethnos, que por sua

vez derivava de ethnikos ou pagão, chegou a ser associado a características

raciais, numa perspectiva pejorativa e de dominação, algo que só começou a

mudar a partir dos anos 60 do século XX. Graças à antropologia, grupos étnicos

e etnicidade começam a ser termos de estudo desta área de investigação,

agora relacionados com a classificação de pessoas e relações entre grupos, 17 Grassi, Marzia Ibid. 2006

Cid Carmo

15

Page 16: Corda lá cordam li

Corda lá corda’m li – Histórias de quem toca o violino em crioulo

embora ainda Hoje haja alguma associação do termo a minorias e relações

entre raças, embora o conceito de raça já esteja algo ultrapassado, que mais

não seja a nível da genética, pois hoje já não faz sentido falar em fronteiras

raciais fixas; tendencialmente etnicidade está mais ligada à noção de relações

entre grupos que se consideram e são vistos por outros grupos como

culturalmente distintos, embora seja verdade que se possa falar de minorias

étnicas de um tipo ou outro, as maiorias não deixam de ser “tão étnicas”, à sua

maneira, quanto as minorias. Relacionada muitas vezes com a questão de

identidade, a etnicidade é algo que é criado e recriado no contexto social.

Segundo Thomas Hylland Eriksen18 é a aproximação antropológica que permite

explorar: a definição e percepção das relações étnicas tida pelas pessoas

enquanto intervenientes, a sua opinião sobre as características do seu grupo e

de outros grupos, de que forma estas opiniões se mantêm, se são contestadas,

se transformam as suas perspectivas sobre o Mundo, isto é a sua realidade.

Concernente à noção de que a nossa própria perspectiva molda a nossa

realidade, ou seja que a nossa perspectiva da realidade e a nossa realidade são

a mesma coisa; que a vivência pessoal de se pertencer a um grupo étnico,

compreender as diferenças e semelhanças entre fenómenos étnicos, trata-se de

uma visão complexa da etnicidade no Mundo actual, especialmente quando a

isso aliamos conceitos como globalização, poderíamos falar ainda de sub-

etnias, ou seja grupos étnicos que existem dentro de grupos étnicos, tudo isto é

possível. E como é óbvio, a música não pode deixar de ter um papel importante

em todas estas questões e processos, sendo que muitas vezes é um indicativo

e mesmo um reflexo dos mesmos.

Este trabalho poderia ser abordado aprofundando estas questões, no entanto,

pretendo apenas ver estas pessoas como tal: pessoas. Isto é, embora

naturalmente não nos possamos dissociar destes factores visto que nada é

estático, isolado e independente, e visto que os seres humanos são

caracteristicamente complexos e inexplicáveis devido a esta sua complexidade,

seres que são influenciados por muitos factores: sociais, genéticos, etc. Embora

18 Eriksen, Thomas Hylland Ethnicity and Nationalism - Anthropological Perspectives, London: Pluto Books, 2002

Cid Carmo

16

Page 17: Corda lá cordam li

Corda lá corda’m li – Histórias de quem toca o violino em crioulo

o que a traz cito seja verdade, estes conceitos não serão abordados, pelo

menos não com lugar de destaque.

Assim pretendo mostrar principalmente a perspectiva émica19 desta temática,

procurando dar a conhecer as histórias de vida destes homens segundo a

perspectiva dos mesmos, com tudo o que isso engloba, incluindo a perspectiva

que têm do panorama musical caboverdiano quer em Cabo Verde quer no

contexto migrante, nomeadamente, em Portugal.

Ao longo deste trabalho são mencionados trabalhos que de uma forma ou outra

estão relacionados com este, destacam-se dois:

• Byron Dueck “Public and Íntimate Sociability in First Nations and Métis

Fiddling”

• Júlio Santos Rocha, A Projecção da Música e dos Músicos de origem

Caboverdiana no exterior de Cabo Verde: As Redes Transaccionais

Protagonizadas pelos Músicos.

O primeiro tratar da sociabilidade pública e íntima em práticas violinísticas de

comunidades índias e mestiças do Canadá. E relaciona-se mais por questões

relacionadas com as práticas violinísticas do que propriamente com os

conceitos de sociabilidade pública e íntima.

O segundo está claramente associado a este trabalho pela temática explícita no

seu título e tudo o que esta consequentemente abarca.

Definição de Género20

Género: Contradança

Segundo Teófilo Delgado, um dos "mandadores" da Contradança da

zona de Fontainhas em St. Antão, contém cinco "marcas".

Provavelmente com origem na Country-dance inglesa, levada para a

Holanda e França nos fins do séc. XVII, adquiriu cidadania francesa,

difundindo-se principalmente nas classes médias. Em Cabo Verde a

Contradança, género instrumental mais ligado à dança, foi talvez

introduzida pelos franceses.

19 A perspectiva émica, por oposição à perspectiva ética que procura uma posição neutral, dá a transparecer e valoriza a subjectividade da entidade investigada. 20 Brito, Margarida, 1998 (obra citada p.2)

Cid Carmo

17

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Corda lá corda’m li – Histórias de quem toca o violino em crioulo

Género: Mazurca

É uma dança originária da região polaca da Mazúria (no início dança

popular, depois dança aristocrática) em compasso ternário com

acento nos contratempos. Em Cabo Verde ainda hoje é dançada e

tocada em quase todas as ilhas com incidência nas de St. Antão, S.

Nicolau e Boavista.

Género: Valsa,

Também no ritmo ternário com o primeiro tempo acentuado, é de

origem francesa, baseada na galharda provençal que se dançava

dando voltas (donde valsa) com o corpo. Em Cabo Verde esta foi

muito cultivada pelos músicos e compositores podendo, ainda hoje

ouvir-se algumas das valsas antigas ou mesmo feitas pelos músicos

actuais.

Género: Polca

Dança e estilo musical de compasso binário, com uma figuração rítmica

característica no acompanhamento. Originou-se na região da Boémia

(Império Austríaco), no início do século XIX, com difusão posterior por toda

a Europa e subsequentemente Cabo Verde.

Género: Fox Também chamada Foxtrot é uma dança inventada por Harry Fox em

1914, caracterizada pelo seu ritmo lento-lento-rápido-rápido, Após a

disseminação do género pela América e Europa terá chegado a

Cabo Verde.

Estas duas últimas formas musicais, dançadas antigamente, eram muito

apreciadas pelos músicos, sobretudo pelo grande exímio no violão, Luís

Rendall.

Género: Chorinho

Surgiu no Rio de Janeiro meados de 1870s, era considerado uma

forma abrasileirada dos músicos da época tocarem os ritmos

Cid Carmo

18

Page 19: Corda lá cordam li

Corda lá corda’m li – Histórias de quem toca o violino em crioulo

estrangeiros populares naquele tempo, como os europeus xote,

valsa e principalmente polca, além dos africanos como o lundú(m).

Luís Rendall, foi o maior responsável pela introdução deste género

musical em Cabo Verde.

Género: Samba

Género de raízes africanas surgido no Brasil, o seu nome é,

provavelmente, originário do angolano semba, um ritmo religioso,

cujo nome significa umbigada, devido à forma como era dançado.

De todas as formas musicais brasileiras, o Samba é a mais cultivada

pelos caboverdianos, fazendo parte do repertório tradicional.

Género: Funaná

Música em compasso binário, com andamento duplo, lento-médio e

rápido, é assim como todas as outras formas musicais existentes

em Cabo Verde, ligado à dança. Inicialmente presente apenas no

interior de S. Tiago, passou depois para a cidade, com algumas

mudanças no campo instrumental. No princípio era executado na

'Gaita de Mon' (concertina ou acordeão diatónico) e ferrinho, depois

passou a ser tocado com instrumentos electrónicos a partir da

independência de Cabo Verde, ganhando uma certa virtuosidade e

enriquecimento a nível harmónico. De acordo com pesquisas feitas

junto de pessoas mais velhas, em algumas localidades do interior de

S. Tiago, o Funaná antigamente era chamado de 'badjo di gaita'. O

movimento mais lento era chamado de Samba (de acordo com uma

demonstração feita por um senhor com cerca de setenta anos, o

Funaná dançava-se como o Samba era dançado antigamente no

Brasil). De S. Tiago, o Funaná viajou para as outras ilhas onde é

muito apreciado. Dançase aos pares com movimentos do quadril

cadenciados, sensuais e vivos.

Género: Coladeira

Cid Carmo

19

Page 20: Corda lá cordam li

Corda lá corda’m li – Histórias de quem toca o violino em crioulo

No ritmo binário e de andamento mais moderado que o Funaná,

segundo alguns caboverdianos, apareceu nos anos cinquenta em

Cabo Verde. É tocada e dançada sendo também companheira das

noites caboverdianas. É chamada, por algumas pessoas mais

velhas, de 'Contra-Tempo', apesar de o termo 'Contra-Tempo'

significar fora de tempo, em que a acentuação cai no tempo fraco.

A Coladeira varia no ritmo, de acordo com influências sofridas,

sobretudo das músicas latino-americanas e brasileiras e mais

recentemente o Zouk, este último muito apreciado pelos jovens nas

discotecas.

Para Jorge Monteiro existem dois tipos de Coladeira: a que nasceu

da aceleração do andamento da Morna, isto é, da passagem do

compasso quaternário para o compasso binário resultante do cê

cortado, e a que nasceu da adaptação dos ritmos estrangeiros no

compasso binário.

Para Eutrópio Lima da Cruz, a Coladeira é resultante da passagem

da Morna do compasso quaternário (4/4) simples, para o compasso

binário composto (6/8). 3/3 Mais certamente para compasso 2/2,

com andamento mais rápido. (N.A.) 7 de 7 A partir destas teorias

podem-se fazer algumas experiências com várias Mornas. O curioso

é que, ao tentar fazê-la com a Morna Maria Barba acelerando o

andamento mas conservando a sua acentuação, instintivamente

deparei-me com o ritmo de Landu e não com o da Coladeira como

ela é habitualmente cantada. O mesmo se passou com a Morna

Força de Crê-Tcheu.

Género: Lundum

«[...] a talhe de foice vêm o `galope' e o `landu', danças antigas praticadas na Boa Vista. Há quem diga que o `landu' foi introduzido na ilha pelos tripulantes dos muitos patachos brasileiros que lá iam carregar urzela. Note-se, outrossim, que as ligações marítimas entre

o Brasil e as Ilhas de Cabo Verde eram regulares, desde o início do

Cid Carmo

20

Page 21: Corda lá cordam li

Corda lá corda’m li – Histórias de quem toca o violino em crioulo

tráfico negreiro (séc. XVI), das costas ocidentais africanas para o

Brasil e a América Central.»21

«À meia-noite em ponto, o Mestre da Coreografia mandava parar a

música, ordenando aos convivas que se dispusessem

imediatamente em círculo, ao mesmo tempo que esses começavam

a marcar a cadência e o compasso do landú com palmas. Acto

contínuo, dos fundos da sala ouvia-se o solo do landú ao som da

rabeca. O solo da rabeca era seguido de canto sob o compasso

marcado das palmas. O canto do landú era à base do improviso de

uma toada que se seguia imediatamente ao arranque do som do

violino. O rabequista começava o solo do landú, no que era

automaticamente seguido pela voz de uma repentista,

acompanhada do baxon por parte dos convivas. Então, os recém-

casados postavam-se no meio do círculo e a dança do landú

começa a evoluir.»22

1.3 Questões de Pesquisa Como já foi referido, este trabalho está ligado principalmente a questões de

histórias de vida de violinistas caboverdianos residentes na área da grande

Lisboa e as questões técnicas da sua arte, mais especificamente:

• Se está representada em Portugal a performação do violino de Cabo

Verde, e como?

• Quem são estas pessoas e em que medida o violino influencia/ou as

suas vida?

• Qual o seu passado e percurso musical?

• De onde vêm os violinos?

• Quem os faz, e como?

• Quando são tocados e onde?

• Como são manejados?

21 Lima, António Germano Boavista, Ilha da Morna e do Landú Praia: ISE, 2002 22 Ibid. Lima 2002

Cid Carmo

21

Page 22: Corda lá cordam li

Corda lá corda’m li – Histórias de quem toca o violino em crioulo

• Até que ponto são comuns as características performativas dos

intérpretes?

1.4 Agradecimentos Agradeço à professora Maria de São José Côrte-Real pelo apoio académico, e

por vezes até moral, que me deu.

Agradeço aos meus informantes Morgadinho, Armando Tito, Eduíno, Leonel e

principalmente àquele que foi meu informante chave – Chiquinho Lima, pelas

preciosas informações que me passaram e por terem partilhado connosco as

suas histórias de vida.

Agradeço aos meus colegas de turma pelas suas sugestões, e especialmente

ao César pelas inúmeras informações que me facultou.

Agradeço aos meus pais pela revisão do trabalho e pela ajuda na resolução de

questões estruturais deste trabalho, agradeço ao Zeca por me ter ajudado,

numa fase inicial, a estabelecer ligações com fontes de informação, ademais

agradeço à minha família pelo grande apoio moral que me deu.

Agradeço finalmente e acima de tudo à Sónia, pelo apoio incondicional e por

todo o incentivo que me deu, mesmo que abdicando do tempo que podíamos

estar juntos e não estávamos porque eu tinha de trabalhar.

Agradeço a todos, sem os vossos contributos este trabalho não existiria.

Nas palavras de um monge budista anónimo:

“Obrigado Por Tudo, não tenho nada a reclamar.”

Cid Carmo

22

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Corda lá corda’m li – Histórias de quem toca o violino em crioulo

2. Historias das suas vidas, pessoas ligadas pelas cordas do Violino 2.1. É necessário aproximarmo-nos para ver de perto... 2.1.1. Djom di Robeca Combinámos encontrarmo-nos à saída do seu trabalho.

Djom di Robeca relata que tem dois CDs gravados em casa, “o 2º CD tem temas escritos por mim.” Estão à venda em Portugal Holanda e Estados Unidos,

mais na zona de Bóston. Encontramos nesta afirmação dois factores: o da

gravação e da distribuição.

Afirma que “pedi apoios a várias empresas e bancos enviei imensas cartas, e aqueles que me respondiam era só para dizer que não. Não há apoios.” Razão

pela qual a gravações foram feitas em casa.

“Uma vez que me ligaram cá de uma junta de freguesia porque ia lá o presidente da câmara do Fogo, então eu fui lá tocar.” O seu pai também tocava violino e acha que talvez tenha sido isso que o

influenciou a querer tocar, “eu sempre me senti atraído pela sonoridade. (…)

Aprendi sozinho, aprendia as músicas de ouvido depois tentava passar para o violino.” Encontramos o pai como figura não só de influencia mas também como

referencial áudio visual, já que este terá assistido a performações do pai, mais

não seja no âmbito familiar, algo que para quem aprendeu sozinho terá sido

importante, dando-lhe uma noção, por exemplo, de como segurar no arco.

Não costuma tocar sozinho, “toco solista enquanto sou acompanhado. (…) Num bar no lá Barreiro tocamos às vezes até à uma da manhã. Mas às vezes aparece lá a policia por causa dos vizinhos e do barulho. Aquilo não tem licença para música ao vivo sabe, portanto…” A prática musical mais frequente que tem

é tocar no bar perto de sua casa, isto pode justificar porque afirma que não é

possível subsistir só através da actividade musical. “Há quatro anos atrás havia mais procura mas agora com as dificuldades económicas generalizadas já não há tanta procura.” Actualmente não tem nada programado “Estamos praticamente parados” Deparamo-nos com a noção da influencia que o

panorama socioeconómico desempenha sobre o panorama musical.

Cid Carmo

23

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Corda lá corda’m li – Histórias de quem toca o violino em crioulo

Djom lembra-se como era em criança para arranjar violinos com que tocar

“Violinos a sério vinham de vez em quando dos Estados Unidos. Mas nos fazíamos os nossos do que dava: latas, arames, aquele fio de cana de pesca, e arcos com cordel. Dava para tocar.” É importante salientar esta prática de criar

instrumentos com os materiais disponíveis.

Afirma que actualmente é mais fácil gravar “Hoje todo o mundo grava um CD. Mas depois tu gravas, vem um, compra e o resto é tudo copiado. Depois as editoras também... Os músicos são contratados pelas editoras e depois são explorados, alguns chegam a ficar sem nada! Mas depois sem grandes apoios também não dá, não se arranja dinheiro para fazer teledisco, para promover.” Vemos que até ao nível de gravações caseiras já existe a preocupação com

questões de direitos de autor e cópias ilegais. Refere a questão da exploração

por parte das editoras e das dificuldades sentidas no que toca à promoção do

seu trabalho. (acabou dizendo)

-Está aqui uma entrevista que eu fiz quando estive nos Estados Unidos, se o que lhe interessa é histórias de vida, está tudo aí. Nessa entrevista23 feita em 2002 encontra-se descrito o percurso de vida de

João Fernandes (ou Djom di Robeca), nascido na ilha do Fogo na zona de Pé di Tchada Grande. O entrevistado afirma que “ Desde que me lembro do meu nome comecei a sentir uma grande atracção pelas rabecadas e na impossibilidade de adquirir um violino eu tentei fazer o meu instrumento a partir de bulis, latas e pau de purgueira.” Mais uma vez encontramos a referência à

tendência para a construção de instrumentos musicais “com aquilo que dá”.

Afirma ainda que aposta nos géneros tradicionais. “Está provado que a nossa música tradicional é rica e bonita e arranca aplausos em qualquer plateia do mundo. Partindo desse pressuposto, acho que é um desperdício estarmos a divulgar géneros musicais de outros países em vez de promovermos aquilo que é nosso.” É possível que se esteja a referir a géneros como o Hip-hop e o Rap,

bastante em voga na comunidade caboverdiana.

Esta entrevista terá sido feita no âmbito de uma tournée promocional do seu

primeiro CD feita aos Estados Unidos. Trata-se de um álbum acústico sendo o

agrupamento constituído por violino, violão e cavaquinho. Aparentemente Djom 23 Vide Anexo: Transcrições de Entrevistas: Djom di Robeca

Cid Carmo

24

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Corda lá corda’m li – Histórias de quem toca o violino em crioulo

di Robeca é acompanhado pelo guitarrista Armando Tito nesta sua primeira

digressão pela América, a qual “teve grande receptividade no seio da comunidade cabo-verdiana.” Só o facto de ter ido em tournée para promover o

seu primeiro álbum demonstra algum empenho que o artista depositou no

projecto.

Visto que a entrevista tem como cabeçalho Djom di Robeca: Um Violinista Combatente, a segunda metade da entrevista relata o percurso do violinista

desde o seu serviço militar até ao seu cenário de vida aquando da entrevista.

Esteve pouco mais de dois anos nas matas da Zona Leste de Angola, recorda-

se de um momento que o marcou: “Corria o ano de 1971, (…) e eu disse logo: se numa semana o grupo cabo-verdiano já registou a primeira baixa então daqui a meses estaremos todos liquidados”, no entanto aparentemente, no final

das operações o “pelotão cabo-verdiano” estava praticamente intacto.

Actualmente alegra-se por ter saído ileso da guerra, a qual qualifica como o

“cúmulo da irracionalidade humana”.

Tendo terminado o serviço militar, regressa a Cabo Verde e com família já

constituída tenta estabelecer-se na sua ilha natal, porem devido às “dificuldades

da vida” emigra para Portugal em 1976 levando consigo o violino, e “um diploma

da antiga quarta classe”. Com grande esforço concilia: deveres laborais e

dedicação à família com uma tentativa de “superação académica” conseguindo

assim concluir o nono ano de escolaridade, tal permito-lhe passar os últimos 31

anos trabalhando como funcionário público em Lisboa, “cidade onde não perde uma oportunidade para divulgar a música tradicional de Cabo Verde.” Djom di

Robeca foi o único dos entrevistados que não trabalha actualmente na

construção civil.

2.1.2. Morgadinho A entrevista que se segue é na realidade uma compilação de: uma primeira

entrevista feita por via telefónica, uma segunda feita em pessoa e de uma

conversa de pós-entrevista que foram feitas ao violinista Morgadinho. É ainda

significativo mencionar que antes de Morgadinho ter sido entrevistado, já tinha

sido visionado o documentário Morabeza de Constantino Martins, no qual este

Cid Carmo

25

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Corda lá corda’m li – Histórias de quem toca o violino em crioulo

tem uma participação significativa. Daí as referências ao filme no decorrer da

entrevista.

Morgadinho tem actualmente 42, é casado com uma prima e tem 5 filhos.

“Quando começou a tocar? -Eu quando era pequeno tocava bandolim, agora se pegar já não devo saber tocar” Note-se que a afinação do bandolim é igual à do violino (Sol Ré Lá Mi), e sendo

o bandolim um instrumento de corda dedilhada, ao contrário do violino, tem

trastes. Embora tal facto possa não ser de grande importância e quaisquer

elacções que se possam tirar sejam pouco válidas, não deixa de ser algo de

interesse. No entanto estabelecendo uma ligação com aquilo que é referido na

entrevista a Chiquinho Lima: que o violino não é um instrumento ensinável a

pessoas desprovidas de teoria musical, poderíamos considerar que o bandolim

poderia ser usado como um instrumento com papel de auxiliar de ensino. Visto

que tem a mesma afinação que o violino e tem trastes, facilitando a visualização

intervalar no violino.

Natural da Ilha do Fogo, Morgadinho começou a aprender violino “sozinho, tinha os instrumentos lá em casa. Pegava o violino do meu pai às escondidas e tocava, tocava… depois um dia um senhor amigo do meu pai ouviu-me e foi dizer ao meu pai que eu tinha jeito para a coisa.” O pai nunca lhe deu aulas,

mas às “vezes ele dizia-me umas coisas, (…) só isso. E o meu irmão também.” Assim sendo encontrámos três factores importantes. Primeiramente começou a

aprender a tocar sozinho pelo que pode guiar-se principalmente pelo

conhecimento empírico que tinha relativamente ao instrumento, mesmo que o

seu pai lhe dissesse pontualmente “umas coisas” e mesmo baseando-se

naquilo que via de intérpretes que existissem nas proximidades, mais não seja,

o seu pai, a grande maioria do quadro mental a ser formado no que concerne

ao instrumento, terá sido preenchido pelo próprio Morgadinho.

Tocador de violino, cavaquinho, viola e teclados; Morgadinho diz que não vive

da música. Actualmente não tem nenhum lugar onde toque regularmente “Cá não há tanta procura, tem poucos sítios para tocar. Pensam que somos como os que tocam na rua.”

Cid Carmo

26

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O facto de tocar vários instrumentos é indicativo de uma curiosidade e possível

facilidade de aprendizagem.

Já não toca com o violino do pai como quando era criança, o seu actual violino,

esse, “eu ganhei num concurso para orquestra. Havia um senhor que queria fazer uma orquestra lá em Cabo Verde e eu concorri e ganhei e fiquei com o violino para depois fazer parte da orquestra, mas aquilo não sei o que aconteceu e nunca foi para a frente. E eu fiquei com o violino.” Diz que começou a improvisar quando estava num grupo. “ Primeiro sabia os acordes e depois comecei a fazer por cima deles a pôr onde soava bem nas músicas…” A razão “Tínhamos um grupo (uma banda) se ficávamos 2/3 dias a tocar uma praça as pessoas chateavam-se se tocasse-mos sempre as mesmas coisas, então começamos a improvisar.” É interessante notar que a aquisição da capacidade de improviso deve-se a

uma questão de necessidade.

Poucos meses antes de ter sido feita esta entrevista a banda que tinha, acabou:

“…a vocalista estava grávida e parou quando teve o bebé e o baixista foi para o Algarve.” Actualmente toca com um primo seu residente em Lisboa, mais no

contexto privado.

A diferença que encontra no som do violino entre as várias ilhas é apenas “Em S. Vicente (que) tocam violino eléctrico, por causa do funáná.” Relativamente à quantidade quer de instrumentistas quer de cantores diz que:

- Há tantos ou mais instrumentistas [que cantores, em Cabo Verde], há é menos projecção para os instrumentistas porque muitos só se preocupam é em receber. Razão pela qual uma pessoa pode ser induzida em erro pensando que

a proporção é inversa. Quando Morgadinho diz que os instrumentistas só se

preocupam em receber é por oposição a preocuparem-se com a produção

musical, isto é, em criar.

Afirma que o instrumento que mais aprecia tocar é o violino, sendo que se

dedicou mais a este instrumento “Porque em Cabo Verde toda a gente sabe tocar viola e cavaquinho, mas o violino como é mais difícil não há tantos, portanto pagam mais.”

Cid Carmo

27

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Corda lá corda’m li – Histórias de quem toca o violino em crioulo

A este facto podemos atribuir a existência de uma menor quantidade de

violinistas sendo também esta a razão pela qual existem também menos

oportunidades a nível performativo visto haver gente que não está disposta a

pagar o dinheiro extra para contar com a presença de um violinista no

agrupamento.

Morgadinho afirma que actualmente tem-se divertido a gravar, em sua casa,

interpretações suas, com intuito de comercializar. Afirma que se tem dedicado a

tempo inteiro a este trabalho pois de momento encontra-se desempregado, uma

fase natural para quem trabalha na construção civil, tal acontece normalmente

quando se encontram “entre uma obra e outra”. A gravação em casa acaba por

ser o recurso mais fácil para quem pretende gravar.

Já em Cabo Verde para além de ter trabalhado na construção civil, diz que

“variava de profissão, se a profissão não corria bem saltava para outro” assim

“saltou” para carpinteiro, para costureiro, e para cabeleireiro. Quando

comparando o seu país de origem com o de acolhimento, afirma que embora no

primeiro a construção civil não tenha uma produção tão activa, neste também

não existe tanta exploração dos trabalhadores como existe no segundo.

Morgadinho afirma que a vida que levava em Cabo Verde era “muitíssimo boa”.

No filme de Constantino Martins o violinista conta saudosamente como ia

pescar de espingarda, e guardava os peixes na arca frigorífica do cabeleireiro

onde trabalhava.

“A vida era muito boa mas lá…. as pessoas não sabíamos viver lá, quando estamos lá não percebemos da vida só quando estamos cá é que…” esta

sensação denota uma aprendizagem da valorização do passado quando este é

confrontado com o presente. Na perspectiva do sujeito, no passado, o futuro

(actual presente) era mais valorizado devido a expectativas e possibilidades que

este abarcava. Tal é constatável na seguinte resposta.

Foi-lhe perguntado se não sentia aquela vontade de voltar, sentimento tão

característico dos imigrantes caboverdianos.

“Vim para cá em 2000, disse venho para cá dois anos gravo um CD e vou-me embora. Já estou com 6 e tal, não fui nem uma vez.” A razão deste facto reside

em ainda não ter realizado aquilo a que se propôs quando veio para Portugal.

Cid Carmo

28

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«Vimos para cá com um intuito, com ideia de fazer cá qualquer coisa. Por exemplo: eu vim para cá para gravar CD, quando gravar CD já não há problema de ir e até ainda não gravei portanto estou naquela… e depois às vezes as pessoas dizem, “então porque não voltas?” …(sorriu) … eu no meu caso por exemplo deixei tantos grupos, vim para cá e disse “ eu vou para poder gravar algum CD lá”, e a nossa vontade lá é de… podemos ser músicos profissionais vivemos da música mas se não gravamos CD, se não temos CD gravado, não somos músicos, vão os músicos de fora chegam lá com qualquer CD na mão já são músicos profissionais. Para nós lá! Mas eu quando cheguei cá vejo os músicos que já tinha visto lá que regressavam, e fico “Ah isso aqui é que é musica...!?” (risos) Lá somos profissionais mesmo de música mas não, não nos damos conta.» Surge então o CD como elemento chave da sua emigração para Portugal e

como elemento de estratificação da comunidade musical caboverdiana, pelo

menos no que concerne à geração de Morgadinho, na perspectiva deste.

No entanto diz que hoje já não pensa assim “já não, nem pensar.” Embora a

questão do CD ainda tenha a sua importância, esta é-lhe agora conferida por

uma questão de cumprir objectivos., “enquanto não gravo: não vou.” Ainda referindo-se ao CD, Morgadinho queixa-se de falta de colaboração,

“…acho que não há boa vontade. Fala, ao falar tudo bem mas quando é para pegar na prática…” inicialmente pensei que se referia a questões de patrocínios

por influência da entrevista que fizera anteriormente a Djom di Robeca. No

entanto, após a entrevista Morgadinho afirmou que se referia aos outros

músicos, que ao contrário dele, têm seu emprego como prioridade máxima. “Eu estou a trabalhar se me ligam a dizer: vem agora cá para tocar… eu largo as coisas e vou! Agora os outros não, eles dão mais importância aos empregos. Eu vivo para a música.” Devemos ter em conta que Morgadinho veio para Portugal

principalmente porque tinha o intuito de perpetuar a sua carreira musical e

gravar um CD, sendo que certamente, esse não terá sido o motivo que moveu

muitos dos músicos caboverdianos a emigrar. A gravação do CD parece estar a avançar mesmo que a passos lentos “sempre que gravo, gravo uma coisa e depois oiço, gravo outra vez, estrago. Fico sem nada! (ri-se) … quero levar a sério.”

Cid Carmo

29

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Tal postura pode ser considerada o resultado de anos de espera para a

concretização de um objectivo.

Quanto à vida que construiu cá diz que tem “família, amigos, tudo” e que “divirto sempre. Trabalho, divirto, vivo a minha vida.” Perguntei-lhe se se costumam juntar em festas e sair, na perspectiva de

convívio social, no entanto interpretou a pergunta como referente a si na

qualidade de músico.

“Festas não sempre. Chamam-me sempre. Não tenho um grupo fixo, mas grupinhos… grupinhos me chamam para tocar individual com outros grupos.” Extraímos disto que existe uma grande mobilidade na sua actividade musical,

resultado da instabilidade que actualmente a caracteriza. Quando lhe é perguntado se gosta de tocar em público responde que “Sim, muito” (sorrindo) e quando é focada a questão da possibilidade de nervosismo,

parcialmente por no início da entrevista Morgadinho ter dito que se sentia pouco

à vontade, afirma que “tocar em público é diferentíssimo até lá na minha ilha quando eu tocava uma vez quando eu tinha o meu conjunto, as pessoas me perguntavam “me diga, me diga lá: quando sobes ao palco, fumas alguma coisa ou bebes alguma coisa?” (risos) dizem que no palco sou diferente”.

Que se há músicos que aparentem estar constrangidos é «no primeiro dia a tocar num grupo o constrangimento é ao arrancar a música; no primeiro dia ou na primeira música mas, depois da primeira não há problema, a primeira sempre tem aquela intenção “o que vai sair o que vai sair?...» isto porque um

factor interessante que se pode constatar ao presenciar performações de

músicos caboverdianos no geral é a total naturalidade, “gozo” e mesmo a

impavidez que demonstram quando se enganam a tocar.

Voltando ainda à questão do CD procurou perceber-se se Morgadinho sentiria

mais prazer a tocar em público ou a gravar CDs. “É melhor tocar em público.” “-nunca gosto de ir a um café para tocar. Porque as pessoas estão a comer e a fazer barulho e não estão a prestar atenção a aquilo que está a ser tocado? -isso é pior, eu quando estou só a passar a tocar e vou lá só para estar a tocar e então não dão atenção ao que estou a fazer, para quê? Só para buscar qualquer coisa (algum dinheiro)?”

Cid Carmo

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Corda lá corda’m li – Histórias de quem toca o violino em crioulo

No que concerne à sua família, “tenho 2 irmãos que tocam, mas todos nós tocamos a improvisar, assim é que aprendemos sem professor sem nada, todos a improvisar.” Os seus irmãos faziam parte do grupo em que tocava “um toca viola e outro toca cavaquinho e viola. (…) Tive o grupo dos irmãos, tocávamos em certos lugares e tinha outros grupos e eles também tinham outros grupos que tocavam em outros lugares. Lá toco num lugar com um grupo e toco noutro lugar com outro e eles também tocam com outros grupos noutros lugares.” Actualmente os seus irmãos encontram-se no Sal na mesma ilha onde já esteve

Morgadinho, embora tal como ele, os seus irmãos sejam naturais do Fogo.

Afirma que o panorama no Sal é melhor devido à grande afluência de turistas

“no Sal deve ser quase 70% de turistas, aquilo é pequenino.” Notamos portanto

que neste caso em particular o facto de haver outros instrumentistas na família

é facilitador de se partilhar determinadas características interpretativas

nomeadamente a questão da improvisação, tal como permite uma maior

abrangência de “pertença” a grupos performativos, sendo este só por si um

factor a realçar, a possibilidade de pertencer a vários grupos denota uma certa

intensidade de actividade musical no panorama caboverdiano.

Após tocar uma música diz que ela “é difícil”. Perguntei-lhe se estava nervoso

“não estou a sentir tanta vontade… (de tocar) ” – disse sorrindo.

Referindo-se ao panorama musical caboverdiano diz que “há música que não estão na moda mas há locais em que estão sempre na moda, não está na moda por uma fase das pessoas, mas está na moda para outra fase das pessoas, conforme vive a música entra na moda (…) Depende um pouco da idade e também depende das consequências da vida. (…) Por exemplo posso passar para aqui e passar uma fase na vida que houve qualquer música que toca com a minha vida que passei cá, chegando lá quero ouvir sempre essa música que está fora da moda lá.” Nesta perspectiva, não só a saudade da sua terra de

origem estimula a produção e consumo musical em comunidades migrantes

como o mesmo acontece quando existe um retorno à sua terra natal, agora em

relação a possíveis saudades concernente à época em que se encontravam

emigrados. Diz que os jovens, caboverdianos ou descendentes de caboverdianos, lisboetas

Cid Carmo

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Corda lá corda’m li – Histórias de quem toca o violino em crioulo

ouvem “Agora é mais passadas, isso que dizem kizomba, que para nós lá é passada. (…) Tanto cá como lá, em qualquer lado. kizombas, funáná…”

Quando lhe foi proposto que talvez fosse por isso que em Lisboa não houvesse

muitas oportunidades para músicos, talvez por actualmente passarem-se mais

músicas gravadas não havendo tanta música ao vivo disse que “-Acho que não é isso. Acho é que essencialmente não há muita concorrência na música cá. Se por exemplo, tendo um estabelecimento cá se me deixarem ir lá e tentar atrair para pessoas e arranjar clientes já os outros estabelecimentos também querem ter a mesma coisa para atrair as pessoas.” Provavelmente usando como fonte

de referencia o sistema de funcionamento de estabelecimentos comerciais24 em

Cabo Verde. Pelas suas descrições da perspectiva que os músicos caboverdianos têm de si

próprios e dos músicos que vêm do exterior, existe a noção de que “aquilo que

vem de fora é que é bom”.25 “-há uma coisa que temos má lá em Cabo Verde. Por exemplo: lá, eu às vezes tocava três actividades por noite e eu não era profissional, eu não sabia se eu era profissional, e vão os emigrantes músicos de América, Holanda e Portugal, chegam lá e são profissionais, tratamos eles como profissionais e como melhor do que nós. E outra coisa, eles chegam de cá vêm lá e nos vêm a tocar se calhar se tocarmos uma música não podem acompanhar porque não sabem acompanhar. E eles são profissionais. E nós, chegam lá eles e cantam ou tocam e acompanhamos logo. Mas nós achamos que não somos profissionais eles é que são profissionais. (…) Nós vivemos da música eles não, eles são profissionais porque têm CD e nós não porque não temos CD. Agora não sei agora acho que gravam muito CD lá. É porque não havia a possibilidade de gravar lá.” Existe portanto uma desmistificação de

conceitos ao sair do ambiente do qual se é originário. Podemos também

apreender por esta descrição que realmente a actividade musical de

Morgadinho em Cabo Verde era considerável “eu às vezes tocava três actividades por noite”.

24 i.e.: restaurantes, bares, etc. 25Seria interessante, futuramente, fazer-se um estudo mais aprofundado desta questão e se possível averiguar até que ponto esta perspectiva é generalizada, e se o for, se terá sido uma noção herdada do povo colonizador, o português.

Cid Carmo

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Não crê que haja mais gente a tocar desde há alguns anos atrás quando

começou a ser dada maior atenção à música caboverdiana, especialmente com

Cesária Évora, a nível mundial. “-Acho que lá já havia muito mais gente a tocar do que agora. (…) Acho que cada vez estão a integrar mais ao trabalho, quando houve menos emprego mais músicos aparecem, e agora estão a dedicar mais a procurar riquezas que…” O estado da economia local acaba então por

influenciar também a produção musical. Ainda no que concerne há noção que tem da auto-imagem tida pelos músicos

caboverdianos, Morgadinho diz que “não conheço profissional em Cabo Verde, nenhum nenhum nenhum que viva lá sempre que diga que é profissional, ninguém aceita.” Sendo que relativamente à questão do CD a que esta

perspectiva está associada “lá em Cabo Verde ouvia quando uma pessoa gravava cá em Portugal, levava um CD para Cabo Verde quando ouvíamos CD “âh! Isso é de Portugal” gravou em Portugal o CD não presta, quem grava na Holanda já é diferente.” Existe portanto uma noção de hierarquia no que

concerne o local de onde provém a gravação sendo que no topo da pirâmide

estão posicionados países como a Holanda e na parte inferior dessa pirâmide

encontramos Portugal, pelas frases seguintes podemos ainda deduzir que Cabo

Verde estará, a nível de gravações, possivelmente menos cotado que Portugal.

Afirma que já não está preocupado com a questão do CD, chegar a Cabo Verde

com o CD gravado para poder dizer que é músico profissional. “Não, gravando

cá ou lá em Cabo Verde para mim tudo é igual, importante é gravar.” É pelo

acto em si e não pelo estigma que o rodeia. “Porque tem músicas que estão dentro de mim porque não divulgo nada e fico…” Podemos por esta frase

deduzir que o CD será de originais. Diz ainda que ajuda muito à carreira de uma

pessoa ter um CD gravado.

Quando referi que existem sítios em Lisboa onde passam especificamente

determinados géneros de música disse: “lá somos diferentes lá tocamos é

variedades de musica.” Podendo se estar num baile e a certa altura começar a

ser tocada uma morna e quem estava a dançar funáná de repente muda de

ritmo. “nas discotecas de lá é sempre isso, dessa maneira. Não fica só naquela de Bam Bam Bam BamBam Bam” referindo-se às discotecas portuguesas.

Cid Carmo

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Como acabou a sua banda, afirma que actualmente “ estou a querer formar uma com uns brasileiros aí no Carnaxide. (…) Banda de pagode, brasileira (…) estamos no ensaio não sei o que vai dar mas… pode ser bom.” Esta ligação

entre Cabo Verde e Brasil é importante de focar, neste caso em particular

encontramos músicos que são, provavelmente também os brasileiros,

autodidactas e possivelmente também por esse factor acabam por se juntar.26

Afirma que mesmo assim continua à procura de sítios para tocar “tocar qualquer coisa de vez em quando, já estou acostumado com isso, de vez em quando aparece sempre (…) algum casamento, algum... tocar num bar essas coisas, alguma festinha de rua. (…) bares aparecem mais ou menos.(…) De vez em quando.” Relata que para haver uma regularidade de performações, mensais ou

semanais é necessário estar-se integrado num grupo, no entanto “cá é difícil”. Podemos encontrar como razão para isto a clara minoria de estabelecimentos

caboverdianos existentes em Lisboa quando comparados com os

estabelecimentos portugueses.

Descreve que quando era miúdo a música que ouvia era principalmente

“mornas e coladeiras, ou o que passava pela rádio.” Sendo que passava

“sempre” muita música brasileira. Mais uma vez encontramos a ligação entre

Cabo Verde e Brasil sendo neste caso a rádio que a veicula.

Afirma que «os caboverdianos gostam de fazer rapsódia, passar de uma morna para a outra depois de uma morna para a outra. (…) Eu não gosto de fazer mas, fazem sempre. Eu gosto de começar uma morna e terminar uma morna e às vezes também cantam morna em morna, morna em morna, morna em morna, “mas que é isto estou a passar nota passar nota passar nota, não tem princípio nem tem fim” isto “ é porque às vezes estou a tocar num lugar, toco uma morna uma pessoa vai para cantar gosta e começa a cantar outro cantar outro porque quer aproveitar para mostrar.”» É interessante notar que a noção

de rapsódia é perfeitamente compatível com a noção da dita música erudita de

tradição europeia.

Aprendeu a tocar todos os instrumentos que tinha em casa: “bandolim, (…) violino, viola de dez cordas, e eu fazia um baixo de lata e pau de madeira com

26 Seria interessante averiguar quão bem funciona essa parceria e quais os factores que condicionam essa fusão.

Cid Carmo

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Corda lá corda’m li – Histórias de quem toca o violino em crioulo

cordas de nylon.” Perguntou-se se via muito as pessoas a fazerem o que

podiam, “na base do desenrasca” “sim, mas dava jeito sempre, aprendi tudo aquilo por exemplo aprendi a tocar o teclado num acordeão; enquanto eu agarrava o acordeão uma bancada de carpintaria o meu irmão puxava e eu tocava, e eu puxava e ele tocava (risos). É engraçado.” Estas práticas são

importantes no sentido que são indicativas de uma vontade de não ser limitados

pelas circunstâncias em que se encontram, transpondo essas limitações como

podem.

Afirma que não se arrepende de nada que tenha feito “Nunca! Fiquei bem feliz porque até agora para onde fui para onde cheguei foi com o violino é este violino e o do meu pai.(…) o meu pai não tenho porque acabou(estragou-se) lá mesmo em Cabo Verde. Mas são esses dois, por onde andei foi com eles. (…)

Da música nunca arrependo porque é sempre bom, sempre bom, sempre bom.” Encontramos assim no violino e na música o veículo da sua progressão na vida.

Morgadinho a determinada altura faz uma correcção terminológica

“Nós, que tocamos lá, não somos bandas somos grupinhos. Bandas é quem toca numa grande electrónica. Nós formamos um grupo de cinco, seis pessoas para tocar acústico não somos banda, somos grupo (…), quem vai à rua (com

amplificação) são bandas. Lá desde que toco, nunca ouvi chamar banda. Por exemplo eu comecei a tocar depois comecei a ajudar as pessoas a tocarem no baile desde criança. Depois ia ao “todo o mundo canta”27, quem ia tocar cavaquinho era eu e nem sabia nenhum nome dos acordes, era abrirem a boca e eu apanhava, depois tocava a ilha toda e chamavam-me para tocar e depois acabávamos por ser um grupo sem saber que somos um grupo, porque andávamos para todo o lado, é aquele grupo.” Diz desconhecer a idade que

tinha na altura, “era miúdo. Depois chamaram-me e comecei a tocar com os meus irmãos e mais uns colegas que lá arranjava de vez em quando para tocar uma guitarra ou qualquer coisa, para ajudar. Éramos grupo mas é “vamos tocar para qualquer lado vais comigo” é sair e ir. Vim para a ilha do Sal também assim, toco num lugar com um grupo que dizem “vem tocar comigo” se toco um

27 Programa que existiu em Cabo Verde em que cantores concorriam intra-ilhas e depois os vencedores representariam a sua ilha concorrendo com as outras ilhas.

Cid Carmo

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mês ou dois já somos grupo já estamos a tocar não ensaiamos nem nada fui lá tocar e acabou, já tocamos um mês. Uma pessoa chama-me uma pessoa para tocar comigo mais logo vou lá toco, tocamos um dia dois três vai um mês dois meses três meses um ano e já somos grupo mas nem se percebe que somos grupo.”

Refere a facilidade que adquiriu em “apanhar os acordes” indicativo de uma

prática musical intensa e de uma boa capacidade de identificação tonal.

Conta ainda que é quando se improvisa bem que “saem os aplausos” e como

isso é prazeiroso. Referindo um senhor que disse no filme Morabeza que as

pessoas se não estão a tocar só encontram os amigos nos funerais. Foi-lhe

perguntado se não se costumam ligar para combinar ir tocar a sítios. Riu-se e

disse:

“- É verdade, isso é. Às vezes se vou a um funeral encontro muitos amigos, já me dizem muito “porque não vai ao Enclave, ou vais lá num Tito Paris”, ainda não fui no Tito Paris, mas tenho vontade de lá ir mas nunca tive esse tempo de lá ir, quando tenho esse tempo nem me lembro de ir ter a esse lugar.” Também

podemos identificar a dicotomia que encontramos entre aquilo que deseja fazer

e aquilo que podemos intitular de falta de força de vontade para fazê-lo.

Em Morabeza, Morgadinho pede ao realizador Constantino Martins para levar

para Cabo Verde, já que este vai para lá, um violino que comprou para o pai.

Referindo-se a isto Morgadinho afirma que “O Constantino deu o violino para o meu pai, uma semana depois ele morreu. (…) Tudo o que o meu pai sabia fazer, eu também sei, tenho pena de eu não ter pedido para ele me ensinar coisas que ele sabia, coisas difíceis, porque o violino tem muitos segredos. (…)

Todos os que havia na minha zona aprenderam todos a tocar violino com o meu pai28, depois foram para fora e voltaram com discos gravados (…) grandes músicos, e eu estava lá. (…) Tudo o que eu aprendi foi a tentar/experimentar/brincar, tinha as ferramentas e fazia.” Encontramos como é

natural que seja, a existência de ferramentas como elemento facilitador de

aprendizagem.

28 Seria de averiguar em que moldes teria sido feita essa aprendizagem.

Cid Carmo

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“Tenho um amigo que veio comigo. Ficou no Alentejo cada vez que fala comigo chora (…) Por causa de como era boa a vida em Cabo Verde, ganhava bem a tocar num hotel ainda tinha lá almoço e jantar ainda tocava noutro bar, ele tocava bem muito bom guitarrista mas agora, quando vem cá, nota-se que já não toca tão bem.” Isto remete-nos àquilo que foi já referido por Morgadinho

relativamente à noção que a vida levada apenas é valorizada quando mudamos

para um paradigma socioeconómico mais complexo.

“Em Portugal ninguém consegue viver só da música”

2.1.3. Armando e Eduíno Fragmentos de Histórias de Vida Encontrei-me com o Armando Tito e o tocador de cavaquinho no Marques de

Pombal para apanhar a camioneta que vai para Carnaxide.

Armando diz que em Cabo Verde cobram muito por um jogo de cordas para

violino, que sempre que vai lá leva cordas de cá, “são mais baratas”, diz ele.

Razão pela qual é costume usarem cordas de aço, que embora resistam mais

produzem um som mais débil.

Antes de entrarmos na casa, Armando relata ter acompanhado uma rapariga

japonesa que canta mornas no CD dela, diz que ela canta muito bem, que está

a ter muito sucesso no Japão e no Brasil, “só cá é que o CD não foi lançado”. É

uma pequena nota curiosa sobre os efeitos da globalização.

Durante o jantar Eduíno, o cavaquista e Armando falam dos tempos em que

eram jovens em Lisboa. E, nos comboios tiravam os instrumentos e punham-se

a tocar, “toda a gente dançava e era uma festa”. Relembram como compravam

uns frangos e umas cervejas e iam tocar para Belém sem que ninguém os

chateasse, “eram bons tempos, esses” – dizia Armando.

Quando saímos. O Armando disse-me ainda: “Sabes, eu já sabia tocar há muito

tempo mas mesmo assim resolvi ir para uma escola de música, para aprender a

ler pautas; as escalas, os sustenidos e essas coisas, depois eu vi que eu usava

mais sustenidos nas músicas do que aquilo que eles ensinavam e pronto, saí.”

Cid Carmo

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2.1.4. Leonel Natural da Ilha do Fogo Leonel veio para Portugal em 1983, tinha 27 anos.

Em Cabo Verde, na Ilha do Fogo trabalhava na agricultura. Segundo ele, além

da sua terra natal, as ilhas onde é possível haver agricultura, devido à aridez de

algumas ilhas caboverdianas são “Santo Antão e Ilha de Santiago”.

Toca viola e violino, “cada um, um bocadinho”.

O seu pai não tocava, “mas o meu avô, na juventude dele tocava, depois

desligou da música. (…) Eu não conheço ele a tocar, quando eu nasci ele já

tinha desligado da música.” O seu avô não tinha instrumentos em casa mas “o

irmão dele tinha”.

Afirma que chegou a ver o seu tio-avô a tocar “meu tio, (…) violino, sim (…)

tocava bem.” Leonel diz achar que foi devido a esse exemplo que se sentiu

impelido a aprender.

Narra que aprendeu a tocar tinha 17 anos. O seu actual violino veio do

estrangeiro, acha que em Cabo Verde não se fazem violinos. Quando referi que

havia aqueles feitos com lata etc., riu-se “Há! Pois.”

Relativamente à sua aprendizagem do manuseamento do instrumento afirma

que “eu aprendi sozinho, só que meu avô é que afinava aquilo porque nós não

sabíamos afinar aquilo (…), afinava e a gente, eu mais os meus irmãos

aprendemos a tocar.” Os seus irmãos tocam: um, violino; outro, cavaquinho e

outro toca viola. “Nós tinham um grupo que era de 4 irmãos (…) a gente tocava

só na ilha do Fogo (…) em várias zonas (…) restaurantes, também tocávamos

na casamentos, porque na minha altura não havia essas coisas que há agora

de aparelhagem, era só se queríamos fazer um espectáculo ou um baile assim,

era violinos e instrumentos de acústico. (…) A gente costumava tocar todos os

fins-de-semana. (…) Tenho um irmão que está cá em Portugal, é o do

cavaquinho. Os outros estão lá em Cabo Verde.” Destaque-se o facto de ser o

avô que afinava o instrumento e de ter tido um grupo musical com os seus

irmãos.

Veio para Portugal em busca de trabalho, “ligado à música não, vim mesmo

para trabalhar doutros ramos de trabalho.”

“A gente já há alguns tempos que tinha um grupo mas depois também deixei

por causa do trabalho, por que o trabalho que eu faço também não dá jeito para

Cid Carmo

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(…) tocar aqueles ensaios. Desliguei-me um bocado também” isto foi “já há uns

6 anos mais ou menos. Mas de vez em quando eu toco assim mais ou menos

quando me convidam para ir para o Algarve ou coisa assim, precisam de

violinos, eu vou com eles.” Relata que no Algarve costumam haver festas, acha

que “em Lisboa costuma ser mais no restaurante ou assim que costuma tocar.

No Algarve é mais festa (…) A gente costuma ir lá no.... Tavira, (…) duas vezes

por ano, mais ou menos.”

Declara que gosta de tocar em público, que sempre foi assim, desde dos seus

17 anos afirma que “Sinto que quanto mais público mais dá vontade de tocar

(…) sozinho não dá aquela vontade especial.”

Nunca gravou nada e, embora tenha vontade, afirma que “ o problema é o

financeiro.”

Começou a “aprender com o meu irmão… aprendemos em casa! Apanhámos o

violino, a gente começou a tocar algumas músicas, depois dia a dia vamos

profissional um bocado e assim, sucessivamente.” Iam então tirando as músicas

“de ouvido, de outra pessoa que toca, às vezes de gravação cassete essas

coisas e ouvimos e depois vamos lá no instrumento (…) às vezes, a gente

punha a cassete e punha a tocar por cima.” Esta descrição da forma como

começou a aprender é de relevo quer pelo facto de ter começado logo a tocar

“profissional” que pela descrição de inicialmente se ter baseado nas

performações a que assistia quer nas gravações que ouvia. O facto de tocar

“por cima” das músicas que ouvia também é significativo enquanto forma de

aprendizagem.

Segundo Leonel a maior parte dos violinistas aprende as músicas a “tirá-las de

ouvido” que não há ninguém que tenha aulas, “lá em Cabo Verde é só de

ouvido mesmo”. Não sabe improvisar, embora, conheça quem saiba.

Acha que o reportório de cada ilha está difundido por Cabo Verde “é um bocado

misturado tudo.”

Quando lhe é perguntado quais são as músicas mais conhecidas dá a seguinte

resposta: “Sodade… a maior parte das músicas que eu toco não sei o nome,

mais que eu toco as músicas é copiada por isso não sei o nome.” Também é

possível que seja por ouvir versões instrumentais, ou por só ouvir a versão

Cid Carmo

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cantada uma vez. “As músicas que eu toco quase toda a gente conhece.” Esta

característica de desconhecer o nome das músicas que se toca é de sublinhar.

Acha que a ilha de onde se vem influencia a maneira como se toca “porque

cada ilha toca de uma maneira (…) (o) som é igual, às vezes é o ritmo, o ritmo é

mais diferente (…) ritmo de ilha de: S. Vicente, S. Nicolau, Stª. Lúcia, Boa Vista,

Ilha do Fogo, se tocarmos a coladeira ou a morna é quase igual mas Santiago é

diferente é mais mexido” Diz que esta diferença nota-se mais no funáná. No

entanto o funáná é um género bastante diferente da coladeira.

Relata que na Ilha do Fogo as músicas que ouvia eram coladeiras e mornas

sendo que “hoje em dia é morna, coladeira e kuduro29, mas eu gosto mais é de

coladeira e morna.”

Relativamente a qual o instrumento que gostaria de tocar, para além daqueles

que aprendeu, diz que “Eu gosto mais é de tocar e violino.”

Quanto ao papel do violino “acho que aquelas músicas de acústico o violino é

principal mas as outras músicas acho que não” aí tem um papel secundário.

Antigamente, na ilha do Fogo “não tinha quase voz, era só violino, o violino que

fazia parte de voz, íamos tocar num baile era o violino, não havia gente para

cantar.” Começou a aparecer gente a cantar “há uns 7 anos atrás, na nossa ilha

do Fogo. Antes não, mas agora já há muitos cantores em Cabo Verde.”

Pois se antigamente houvesse “gente para cantar” o violino não seria tão

utilizado, pois este desempenha tendencialmente o papel da voz.

Afirma que, se pudesse, vivia só da música.

O seu actual violino veio dos Estados Unidos “o meu primo foi lá e depois trouxe

para mim (…) já tem uns 8 anos mais ou menos”

Perguntei-lhe se achava que só se toca: quando há festa ou baptizados ou

casamentos ou funerais. Respondeu que “não às vezes apetece-me tocar e eu

pego no violino e toco sozinho (…) em Cabo Verde às vezes junta-se um grupo

e põe-se a tocar, sem razão nenhuma” No seu tempo existiam “poucos, mais ou

menos 6 grupos com violinista.” E sem violinista “muitos. Cada zona lá tem um

grupo que toca.” Acha que havia poucos violinistas “talvez porque as pessoas

não gostavam tanto de tocar violino, por que é mais difícil puxa pela cabeça,

29 Kuduro, original de Angola, surgiu primeiro como dança e com o passar do tempo evoluiu para género musical, ritmo é semelhante ao do Funaná.

Cid Carmo

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preferem tocar um cavaquinho ou uma viola.” Há quem intitule a esses grupos

de: grupos de serenata.

“-É capaz de estar um mês ou dois sem tocar no violino, (…) já cheguei a estar

uns 10 anos sem pegar no violino, (…) eu aprendi a tocar com 17 anos depois

quando vim para Portugal com 27 desliguei da música e depois o meu primo

trouxe-me o violino. Cá era só trabalhar não havia pessoas para tocar não

conhecia ninguém fiquei uns tempos sem tocar, depois ele foi para os Estados

Unidos trouxe-me este violino e eu comecei a tocar outra vez cá em Portugal.”

Acentuemos o facto de ter estado sem tocar 10 anos, dessa interrupção se ter

dado durante um período de transição no qual se deparou com um panorama

musical onde, para o Leonel, não existia com quem tocar, e o violino ter vindo

dos Estados Unidos.

“Lá (em Cabo Verde) tinha um violino que era dum senhor, também tocava

violino que nos vendeu o violino, por… 25 escudos (…), mas o violino também

já estava quase todo estragado, aquelas tinha cordas de fio de pesca, tinha o

cavalete todo partido.”

Retratante da dificuldade que sentia de encontrar violinos em Cabo Verde.

Após tocar uma música diz “isto violino é bom é a tocar com os outros

instrumentos”

Sendo normalmente associado a uma prática de grupo e não individualista.

Os seus irmãos que estão em Cabo Verde já não tocam, “este que vem agora

tocava num grupo, tocava cavaquinho, tem um ano cá em Portugal.” Leonel

costuma tocar com ele “em casa, às vezes no café.” Aí tocam “às vezes das

6horas às 10 horas (…) a partir das 10 já não deixam.” Afirma que costuma ir lá

“muita gente, uns consome e para ouvir a musica. Quando há música vai lá

mais pessoas.” O dono do café, paga-lhes, 100€. “Somos três e dividimos os

100€.” Tocam “duas vezes por mês. Quando dá. Quando vê que há lá clientes

liga para a gente aparecer e pronto.” Não têm portanto dia fixo. Trata-se de um

café ao pé de sua casa e da do seu irmão, já o guitarrista mora perto de Sintra.

Estas performações têm encerradas em si mesmas o seu objectivo, sendo que

não o é pelo dinheiro. É de salientar a prática de tocar pontualmente num café

perto de sua casa.

Cid Carmo

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Relativamente à questão das gravações afirma que não há actualmente

pessoas a gravar na Ilha do Fogo “é difícil. Agora há estúdio na Praia. Mas no

Fogo é difícil. (…) Na ilha do Fogo há pouco músico com aquela influência de

gravar, há aqueles que tocam nos restaurantes e já foram para os Estados

Unidos, já vieram cá a Portugal tocar também mas não têm aquela coisa de

gravar. (…) Estados Unidos, eu conheço 2 que já lá foram 4 vezes. (…) Foram

convidados, foram lá tocar ficaram uns 15 dias e depois pronto.” Deixa

transparecer uma imagem de um panorama musical pouco produtivo embora

algo activo.

Leonel diz que em Portugal nunca foi convidado para ir tocar, “sou muito

conhecido pela música. Afirma que, no entanto, “às vezes (no trabalho) dizem

“hoje não vai lá tocar no café? A gente quer ouvir violino.” Essas coisas assim.”

Relata que quando trabalhava em Cabo Verde havia festa nos fins-de-semana,

“não todos, mas havia baile, a gente costumava fazer aquele baile popular”

costumava tocar nos bailes, “às vezes baptizados, às vezes casamentos.

Quando não havia nem baptizados nem casamentos, às vezes organizava-se

uma festa qualquer e fazia-se um baile popular ali.” Diz que ainda que “nos

funerais toca-se pouco. No Fogo só me lembro de se ter tocado (violino) 3

vezes de todas as vezes que houve. (…) Às vezes pessoas que gostava da

música, e se morresse e queriam enterro com a música pronto a gente ia lá

tocar.” Constatamos então, como práticas correntes tocar-se violino em: festas,

bailes populares, baptizados, casamentos e funerais. Quanto aos funerais

embora se considere pouco, 3 já é um número significativo para ser tido em

conta.

Fala da estrutura organizativa das festas, e conta que tocavam e eram pagos

pelo dono da festa. “Aquilo também cobrava-se bilhete, não era de graça.

Naquelas festas que era de noite e pa dançar, e pa fazer a música. Cobravam

bilhete. Se fosse baptizado ou casamento e tinha comida e a gente comia e

bebia, mas hora da música que é pa pôr a música do baile eles cobram bilhete

(…) para comer não, para comer é de graça (rindo) ”. Já nas festas de fim-de-

semana não tinham o mesmo formato porque “não havia comida.” As famosas

Cid Carmo

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cachupadas30, “isso, era só no casamento ou baptizado. E se havia baile

popular tinha tudo mas tinha que se pagar. Era uma pessoa qualquer (que

organizava os bailes). Marcava um dia um sábado ou um domingo convidava

muitas pessoas as mulheres os homens organizava aquilo a gente ia lá

comprava o bilhete entrava no baile e dançava” Relata que ia muita gente aos

bailes “cento e tal”. Era nos bailes que os jovens iam para conhecer raparigas,

as raparigas para conhecer rapazes. As festas nunca eram feitas ao ar livre,

“eram sempre em casas. Lá ar livre assim não havia, na cidade havia, mas na

província que era onde eu morava não havia, não tinha assim sítio para fazer ao

ar livre tinha de ser mesmo no salão, assim num salão grande, a gente

preparava uma casa assim grande dava a festa.”

Conta como quando estavam nos campos a música estava presente “se

estávamos a plantar ou a cavar estávamos a cantar.” No entanto não havia a

presença de instrumentos musicais nos campos, isso era “às vezes quando

chegávamos a casa, depois do trabalho, depois pegávamos nos instrumentos e

tocávamos em casa.” Pode-se estabelecer uma ligação entre esta prática

performativa e a dos grupos (de serenata) descrita acima.

Afirma que “quando eu era mais jovem gostava mais de pegar no violino. Agora

estou ficar mais preguiçoso, também é talvez falta de pessoas para tocar, (…)

às vezes eu pego em casa, toco assim um bocadinho e depois ponho lá outra

vez., (…) Um quarto de hora mais ou menos. Só para não desabituar.”

Actualmente “quando oiço uma música nova e fico satisfeito por ouvir, pego

logo no violino para ver se consigo (toca-la).” O processo de aprendizagem de

reportório novo, mantém-se.

Acha que quando era mais jovem era menos atencioso com o violino. No

entanto passava mais tempo a manuseá-lo. “No baile começávamos a tocar das

10 até às 6 da manhã. Nos casamentos costuma tocar também das 10 da noite

até as 6, e as 4 da tarde do dia seguinte até à meia-noite. Seguido. Aquilo tinha

casamento mas depois tinha lua-de-mel, os noivos iam de lua-de-mel mas nos

ficávamos lá a tocar na casa da festa. Tínhamos que tocar porque já tínhamos o

preço combinado.” Quando não havia festa (…) em casa com os meus irmãos,

30 Cachupa: prato tradicional caboverdiano feito à base de milho

Cid Carmo

43

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Corda lá corda’m li – Histórias de quem toca o violino em crioulo

tocava uma hora, para tocar mesmo. Havia, por tanto, uma prática de

performação bastante intensa.

Actualmente Leonel tem 51anos de idade.

2.1.5. Chiquinho Lima Natural de São Nicolau comenta que há mais tocadores de violino na ilha do

Fogo.

Diz que a diferença entre quem toca “violino do Fogo” e que toca violino “de S.

Nicolau” nota-se no “sotaque mesmo da música, é tipo uma linguagem. (…) É assim, a gente nota diferença é por causa das músicas mesmo, porque, é assim, no violino a gente toca praticamente é música que é para cantar mesmo voz, então como a gente conhece praticamente toda a música, a gente tem tendência para sentir aquele sotaque do que é do Fogo mesmo, pelas músicas pela forma de tocar, porque vamos aprendendo uns com os outros, como uma ilha é praticamente bocadinho disperso, tás a ver? E a formação na altura, para passar de uma ilha para outra era um bocadinho difícil, então é assim vou aprendendo com um colega meu ou com um tio ou com um avô, ou qualquer coisa assim parecida, eu venho com aquele sotaque, então lá tem um e tem outro, é sempre morna e coladeira mas tem sempre aquele sotaque diferente. Perguntou-se se a questão do sotaque estaria associada por exemplo aos de

uma ilha poderem prolongar mais uma nota do que aquilo que pessoas de outra

fariam. “-Sim, mais ou menos isso. Nota diferenças, eu pelo menos, com violinistas que eu conheço da minha ilha tem uma diferença entre a forma de tocar da ilha do Fogo, se eu ouvir um gajo a tocar eu posso dizer se calhar que “não é de S. Nicolau” não posso dizer bem que é do Fogo mas que não é de S. Nicolau. Porque já tive conhecimento de mais ou menos dos violinistas que tem no nosso meio. Mas normalmente a coisa é sempre o mesmo, é mornas e coladeiras que está mesmo ligado um ao outro.”

Esta noção de “sotaque” proveniente do isolamento insular e subsequentes

influências de intérpretes circundantes não transpõe, no entanto, o facto de o

reportório ser relativamente o mesmo por todas as ilhas. Este facto deve-se a

que a aquisição de reportório é feita através da transposição de melodias

cantadas para o violino “no violino a gente toca praticamente é música que é

Cid Carmo

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Corda lá corda’m li – Histórias de quem toca o violino em crioulo

para cantar mesmo voz, então como a gente conhece praticamente toda a música”.

“Eu toco vários instrumentos, toco violão, cavaquinho, violino, teclado toco viola baixo, toco um bocadinho de clarinete, essas coisas todas, tudo o que tenho aqui (em sua casa) praticamente.” Quanto à forma como começou a aprender a tocar:

“-Bem é assim lá em S. Nicolau em praticamente e todas as comunidades tinha grupos que tipo serenata, depois de um dia de trabalho o pessoal ia todo para um sitio qualquer ia buscar os instrumentos e começava a tocar as mornas. Então íamos apreendendo uns aos outros. Eu vinha aqui para ver, ainda criança e vinha para ver a tocar, então quando faziam uma pausa, por exemplo já tocou assim umas mornas e faziam uma pausa, às vezes para beber um groguinho essa coisa toda, tão a gente começava a pegar, via um gajo a fazer aí umas notas… “pá, vou tentar fazer aquilo” aí a gente começava a aprender: os acordes, às vezes sem sequer saber o nome, nem nada. Tão começava a ir tocar a sítios e lá vai andando depois com o tempo a pessoa vai desenvolvendo. (…) Eu aprendi a tocar é violão, quando tinha aí mais ou menos uns 12 anos aprendi aí a tocar violão, então, quando tinha mais ou menos 15/16 anos já tocava violão mesmo bem, tocava com grupos, violino aprendi mais tarde.” Devemos frisar que o Chiquinho começou por aprender a tocar guitarra, no

entanto, no âmbito de grupos de serenata, conceito também ele muito

importante, um jovem também poderá observar como um violinista pega no

instrumento por exemplo, mesmo que a nível de questões formais (ver os

acordes que são feitos, etc.) já seja mais complicado.

“Porque é assim: um tio que eu tinha na Holanda mandou um violino lá para casa, para o meu pai. Então o violino ficou lá e eu tive curiosidade e peguei, pronto, mas eu já tocava com pessoas que tocavam violino, mas aprendi a tocar violino, mas foi assim, como já tinha experiência de violão eu pegava no violão e fazia um acorde, e então ia tentar pegar aquele acorde no violino, só para a melodia, pegava aquela melodia e tentava tocar uma música naquela melodia, então quando eu tocava uma música naquela melodia aquilo já ficava registado na cabeça.”

Cid Carmo

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Saliente-se que o facto de ter o instrumento à sua disposição, vindo do

estrangeiro, facilitou e possivelmente incitou à aprendizagem do mesmo. É

também importante referir o facto de por ter já algum à-vontade com a viola, isto

facilitou-lhe a aprendizagem do violino através do processo descrito assim.

“Então depois fazia outro acorde; eu estava acostumado tocar com o violino e sabia que havia aquelas notas específicas que eles tocavam: por exemplo Sol Maior, sol menor, dó menor, ré menor, tinha aquelas notas que realmente eu não sei se eles não tinham capacidade para tocar naquilo ou se era mais difícil ou qualquer coisa, então eu peguei naquelas notas que eles costumavam tocar fazia na viola e depois pegava ali só com o som, “eu já sei este acorde agora vou fazer aqui uma melodia aqui” fazia uma melodia só para ficar com aquele acorde, treinava uma música ou duas e pronto foi assim andando até que agora já toco um pouco razoável isto.” Como pontos de maior relevo encontramos: o facto de Chiquinho se basear

naquilo que já sabia que eram práticas de violinistas e a noção de que existem

tonalidades em que os violinistas se baseiam mais.

“Eu improviso muitas coisas. Eu praticamente toco uma música, como eu estava a dizer uma música que é cantada, mas chega no meio e eu posso improvisar umas coisas, pronto já é mais difícil para mim do que viola porque eu nasci com ela praticamente foi o meu instrumento preferido, violino comecei mais tarde, fiz uma pausa tempo em que eu parei de tocar, já é mais difícil de improvisar do que a viola mas sim eu faço muitos improvisos.” Naturalmente que tem maior

facilidade de improvisar com a viola pois é o instrumento a que se dedicou mais.

No entanto também foi por já ter prática nesse instrumento que teve maior

facilidade em apreender como havia de improvisar com o violino.

O seu pai “toca um pouco de cavaquinho.” Sendo que aquilo que terá

influenciado o Chiquinho para começar a tocar violino terá sido principalmente o

facto de ter o instrumento em casa à sua disposição e pessoas alheias ao seu

agregado familiar que tivesse ouvido a tocar.

“Tinha um senhor dali duma zona ao pé que tocava violino e o meu pai disse “olhe tenho aqui um violino em casa pode ver como é que é”, ele chegou e afinou o violino porque eu a afinação do violino eu não conhecia, afinou o violino

Cid Carmo

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esteve a experimentar e tal e deixou o violino afinado e foi embora. Primeira coisa quando eu peguei no violino é pegar aquela afinação e eu comecei assim [e começou a tocar cordas soltas ∏ V ∏ V, da mais aguda à mais grave, há que

ter em conta que o Chiquinho é canhoto, sendo que para além de tocar com o

violino na mão direita e o arco na esquerda, a posição das cordas do violino não

é alterada] só para pegar aquilo de ouvido porque se o violino desafinar, para eu poder afinar novamente, estás a ver? Peguei aquilo de ouvido e depois comecei a fazer acordes no violão e tentar fazer melodia no violino para pegar os acordes foi assim, mas não aprendei com ninguém que me ensinasse assim. Porque é assim Cabo Verde, hoje não sei mas na altura, eu sou de São Nicolau e é uma ilha menos desenvolvida em termos de qualquer coisa, por exemplo pode haver uma escola de música na Praia mas agora S. Nicolau é uma ilha mais…”

Sublinhe-se a questão da apreensão da afinação do violino e da inexistência de

estruturas de ensino de música na altura em que Chiquinho começou a

aprender

Afirma que na cidade da Praia há uma escola de música “Não é muito antiga, claro, mas há pessoas em Cabo Verde que já têm no mínimo setenta anos que já vi entrevista na televisão que falam daquele tempo quando andavam a estudar a música, estudar solfejo essa coisa toda. (…) Não é uma escola de assim grande capacidade, podia era ter algumas coisas básicas se calhar. Porque Cabo Verde não tem assim nenhum mestre disso. Outros aprendiam com os padres que iam para Cabo Verde, e havia formação musical essas coisas. (…) Havia mesmo padres que iam lá, que tinham formação musical e percebiam de partituras. Já ouviu falar do Paulino Vieira, o Paulino Vieira aprendeu a tocar em S. Vicente nos salesianos.” Encontramos, como seria de

esperar, a Igreja como principal entidade de ensino musical em Cabo Verde e

uma escola na cidade da Praia ocupando um papel secundário, mais não seja

por ser mais recente que a presença eclesiástica nas ilhas.

Relata ainda que haviam muitos grupos de serenata principalmente em S.

Nicolau mas que calcula que também existissem nas outras ilhas “Grupos de serenata era quase porta sim porta sim, todas as zonas tinham um grupo de serenata, chegava qualquer zona e tinha um grupo de serenata. (…) Em

Cid Carmo

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princípio estou a falar de São Nicolau, mas São Vicente eles também faziam serenata, ilha do Fogo, Boavista, agora S. Nicolau é de onde eu tenho mais conhecimento. Diz que não tem a certeza se na ilha do Fogo por exemplo

existiam grupos de serenata, “mas eu acho que tinham sim. Porque esta coisa das serenatas é algo muito aprofundado em Cabo Verde.” “-Já sabe mais ou menos o que é serenata, não é?

Aquilo que conheço por serenata é… fazer-se serenata a uma mulher. Juntam-

se uns quantos e vão para debaixo da janela dela tocar.

-Sim, é mesmo isso. Então a gente chamava grupo de serenata àquelas coisas que às vezes vai mudando, ás vezes tem tendência para trocar as coisas. Por exemplo, um grupo de serenata realmente é isto “êpá hoje vamos fazer uma serenata, pega numa viola, cavaquinho, vamos para aí para debaixo de janela e fazemos uma serenata” então como os grupos praticamente ficam naquilo. Porque serenata é uma música simples, uma serenata para sair tão bem tem que ser uma música, que eu conheço lá em S. Nicolau, uma música de três acordes mais ou menos. E cai bem na serenata, tem uma coisa que a gente faz no violão, que se chama choradinho31, para tocar uma música com três acordes fica excelente. Então como aqueles grupos ficavam limitados à serenata, porque como para além da serenata não sabia mais coisas, quando havia um grupinho a gente chamava “isto é um grupinho de serenata” ”. Assim sendo apreendemos que esta terminologia pode não ser vastamente

utilizada por Cabo Verde, e seja particular da Ilha de São Nicolau ou até só

mesmo da zona de onde provém Chiquinho. Sendo utilizada para descrever

uma prática que, esta sim, será comum pelo arquipélago.

Conta como quando era pequeno havia em S. Nicolau quem tocasse muito

bem, “só que eu conheci a tocar mesmo bem… aquele senhor deve estar aí com uns 80 anos se calhar mas ainda toca (violino), e está cá em Portugal, em Sines. Eu em S. Nicolau conheci um senhor que se chamava Chico Djódj que já morreu e o Da Crus que é o que está aqui em Portugal. Pronto eu conheci muitos homens antigos que tocavam violino muito bem, que até já morreram, só que eu era ainda muito criança e não fazia ideia do que eles faziam. E então 31 Chiquinho refere-se ao Chorinho vide Definições de Género

Cid Carmo

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tem este aqui que é o Da Crus que está aí em Sines, toca violino. Toca violino muito bem, mas em S. Nicolau ainda há pessoas, até aqueles que já morreram, que diziam que eram mais bons do que ele, mas que ele estava entre aqueles que tocavam bem, e ainda toca, toca bailes de violino aí nos sítios toca para essas festas de S. Nicolau que eles fazem dia 6 de Dezembro em Lisboa. Porque ele deve estar para aí com oitenta anos mas o homem não parece32. E então a tradição de violino vai passando de pessoa para pessoa.”

Chiquinho veio para Portugal em 1998 tinha 31anos de idade.

“Em Cabo Verde eu trabalhei 11 anos lá na câmara antes de vir para cá. Eu trabalhava de condutor lá. (…) Eu estava lá em Cabo Verde já tinha trinta e um anos já tinha família constituída e tudo, para dizer a verdade eu já não tinha ideia de sair, porque eu vivia bem, tinha o meu trabalho na câmara, ali na ilha durante mais ou menos uns oito anos antes de vir para cá, era eu que fazia tudo ali de música, eu era conhecido ali como grande músico. Quando vinha uma comitiva de fora; de Portugal ou de França ou mesmo de Cabo Verde quando ia uma comitiva do governo da Praia para S. Nicolau, qualquer coisa, era eu que fazia tudo. Era noites caboverdianas, era tocar nos jantares, essas coisas todas então, eu fui tocar para um comitiva que veio de Portugal, câmara de Abrantes, eles gostaram muito da minha música e então ficaram interessados em a gente vir cá a Portugal, então quando câmara de S. Nicolau ir visitar em Abrantes eles fizeram questão de nós irmos com eles. Então viemos por acaso numa visita de oito dias só que eu tinha aqui é primos e irmãos é tios, já sabe como é que é essas coisas. “Êpá vida aqui está um pouco melhor”e tal tal “eu acho que podias ficar”, e pronto acabei por ficar aqui. Ah…. Eu ainda não vi grande diferença por aqui porque pronto há pessoas que vivem lá que, se é para ser pedreiro em Cabo Verde, é melhor ser aqui em Portugal; mas eu ali era funcionário da câmara há onze anos é completamente diferente, com a minha casa mais ou menos, pronto. Assim vai andando, fiquei aqui, estou aqui.” Destaca-se o facto de: segundo Chiquinho, este ter estado à frente da maioria

das coisas relacionadas com música que aconteceram na sua ilha; ter sido

32 Seria merecedor de trabalho só dedicado a ele, que tendo em conta a idade avançada do senhor deveria ser o mais brevemente possível elaborado.

Cid Carmo

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convidado a vir a Portugal por uma Câmara Municipal; ter resolvido emigrar

para Portugal, mais especificamente Lisboa, por influência da sua família, aí

residente.

Na altura em que veio para Portugal estava a tocar o violão. Chiquinho

descreve parte do seu percurso musical em S. Nicolau:

“O meu grupo, eu tocava na minha zona e tinha lá malta mais velha que tocava e também não desenvolveram muito, pronto eram tipo grupo de serenata, talvez por falta de possibilidade ou uma coisa assim parecida. Então começámos a aprender com eles mas acontece que a certa altura conseguimos avançar mais. E é uma questão de atenção, ouvir mais músicas tocar mais e essas coisas todas, pronto ter mais interesse. Há pessoas que querem imitar, aprendem a fazer uma coisa, já dá para fazer uma serenata e pronto fica naquilo. Então eu tinha lá mais colegas que também se desenvolveram nisto, junto comigo essa coisa toda, eu sou canhoto, tinha lá um colega que também era canhoto tinha uns primos e fomos aí todos então começamos a desenvolver um grupo.” Sublinhe-se o facto de o Chiquinho ser canhoto.

“Então eu para tocar uma noite caboverdiana eu saía de casa com o violino com o cavaquinho e o violão os três instrumentos, era difícil para carregar aquilo tudo, porquê? Eu tocava uma noite caboverdiana, por exemplo tocava duas peças de violino, encostava o violino, tocava dois solos de violão, encostava o violão, tocava dois solos de cavaquinho, encostava cavaquinho, cantava duas mornas, depois então começava novamente com o violino e tocava uma noite.”

Ou seja os outros faziam o acompanhamento e o Chiquinho era quem fazia as

partes solo. “Tocava uma morna no violino, pegava no violão tocava um solo tradicional tocava um solo ou dois de cavaquinho também, havia um cavaquinho para acompanhar mas o meu era para solo mesmo, e depois cantava uma morna ou duas o meu colega também cantava alguma coisa e a gente tocava uma noite para não ficar só no violino, então fazia uma noite divertida. Então com isso fui ganhando fama ali na ilha e quando havia qualquer coisa era eu que fazia tudo.” Esta descrição mostra-nos como o Chiquinho esteve à frente de um grupo que,

ao contrário da tendência geral, pretendeu evoluir para além do nível musical de

um “grupo de serenata”.

Cid Carmo

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Gosta de tocar em público “Sempre foi (assim), eu comecei a tocar já aí aos 12 anos comecei a aprender, já com 14/15 anos tocava em público, naqueles bailaricos, tinha violinistas e essa coisa toda eu chegava aí já dava uns toques então eu pegava, é que aquilo era assim era música tipo improviso também não era muito difícil mas pronto tinha um estilo de acompanhamento próprio de violão, então chegava tocava duas peças e comecei a habituar, depois com 16/17 anos comecei a tocar violino foi uma questão de 2/3 dias e comecei a tocar logo.” Nos bailes “para descansar o violinista, “tenho aí três peças, eu toco três peças” então fui-me habituando, depois comecei com as noites caboverdianas essas coisas todas. Em Cabo Verde faziam o “Todo o Mundo Canta”, era um concurso que faziam em todas as ilhas de Cabo Verde e depois juntavam os finalistas de cada ilha, tínhamos lá um grupo, mas aquilo era um conjunto electrónico mesmo, então a gente é que fazia aquilo tudo é que acompanhávamos os grupos para apurar o vencedor. É uma coisa que eu estou habituado desde garoto.”

Devemos referir quer o facto da rápida adaptação que Chiquinho teve ao

violino, mesmo que no início pudesse não ser com um grande à-vontade e

mestria, não se inibia de tocar em bailes de violino. O facto de ter com o seu

grupo acompanhado todos os grupos da sua ilha que participaram no concurso

também é merecedor de ser mencionado pois demonstra como, musicalmente,

era tido em conta na sua ilha.

Inquiri sobre o que é para o Chiquinho um profissional. “Para mim um profissional… é uma coisa que uma pessoa faz e vive daquilo praticamente, depende daquilo para viver. Mas eu, praticamente, eu faço música de fins-de-semana, e isso tem às vezes não tem. Mas eu considero que a minha profissão é aquilo que eu faço todos os dias, para viver. Porque eu considerava-me profissional se eu vivesse da música, mesmo que não fosse só música.” Não é,

portanto por achar que não toca bem o suficiente para se achar profissional.

A propósito desta questão mencionou que em Portugal é pedreiro, facto

importante.

Actualmente “tenho um grupo que a gente toca praticamente bailes de violino,

como ontem que a gente teve a tocar, não é todos os fins-de-semana mas

Cid Carmo

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quando aparece a gente junta-se e toca.” O grupo composto por quatro pessoas

que tocam respectivamente: violino, cavaquinho, violão e viola baixo.

Perguntei-lhe se achava que há cada vez menos violinistas e violinos em

grupos, referia-me implicitamente ao panorama português, no entanto

Chiquinho deduziu que me referia ao panorama caboverdiano

“-Menos, eu acredito que se calhar é mais.” A noção de haver mais cantores

“não implica nada porque um baile de violino não tem nada a ver com um baile cantado.”

Quanto aos bailes de violino “pelo menos na minha ilha, de momento há pessoas que tocam aí o violino como antigamente (…) pelo menos na minha ilha na altura, quando eu era criança conheci pessoal a tocar violino, tinha muitos, também havia uns que tocavam no baile mas eram uns poucos toque que eles davam no violino, às vezes nem dava para perceber direito o que eles estavam a tocar. Mas os violinistas que eu conheci lá devia ter uns 5/6 dos mais famosos, depois podia ter uns3 que eram menos. Mas neste momento, na juventude deve ter essa quantia novamente.” Saliente-se o conceito de Baile de Violino, como já foi referido, também é

prática em Sines.

Foi-lhe referido que tinha sido dito numa outra entrevista que os jovens andam

tendencialmente mais inclinados para as passadas e as discotecas. Relatou

que

“Fora de Cabo Verde se calhar é. Mas lá em Cabo Verde, teve uma altura em que a música tradicional baixou muito, quando saíram essas coisas de Zouk e Martinica essas coisas todas. Música baixou, foi uma altura em que tocavam muito electrónica. Mas depois começou novamente, agora em Cabo Verde o pessoal toca é tradicional. Os grupos que há em Cabo Verde, os mais famosos são tradicionais. Tocam com o violino, pronto instrumentos do tipo acústico. Para mim está é a avançar…”

É interessante esta discrição de um ressurgimento da música tradicional em

Cabo Verde levado a cabo pelas gerações mais jovens.33

“Aqui é diferente pá. Aqui é diferente porque, eu toco violino, mas há poucas pessoas que sabem que eu toco violino. Porque eu toco para uma comunidade 33 Mereceria uma averiguação desta realidade in loco.

Cid Carmo

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de pessoas já de meia-idade, que viveram aquilo em Cabo Verde, porque eu toco um baile e pode ter umas 300/400 pessoas, mas são pessoas de praticamente, 30/40/50/60 anos, às vezes vão acompanhados com os filhos mas a juventude desconhece essas músicas. Mas em Cabo Verde é diferente, a gente nasce com aquilo.” Temos aqui uma descrição generalista de qual é, tendencialmente o público que

frequenta os Bailes de Violino em Portugal.

No entanto

“Eu costumo tocar praticamente em bailes, mas tem sempre muita gente nos sítios onde vou tocar sempre, sempre. Especialmente em alturas de festa como a Páscoa, fim do ano essas festas assim. Arranjam um motivo qualquer para fazer uma festa nessas alturas, Carnaval, essas coisas todas. Às vezes eu toco nos clubes, de cada região, e está sempre cheio. (…) Não é dentro de Lisboa, por exemplo eu costumo tocar num bar ali na Abrunheira que é ao pé de Sintra, já toquei em Odivelas, em Sines, no Algarve (…) já toquei em Silves, a Almancil, Alfarrobeira, e Faro. (…) Em Odivelas foi numa escola. (…) Às vezes são pessoas mesmo de cada zona que organizam e convidam as pessoas, fazem publicidade.” São sempre caboverdianos. “Porque é a nossa tradição, é uma forma de vivermos aquele bocadinho de Cabo Verde.”

O Baile de Violino apresenta-se-nos como uma prática comum em Cabo Verde

transposta para o panorama musical Português, organizada por membros da

comunidade caboverdiana, que perpetuam uma prática natural do seu contexto

original, num contexto migrante. Aqui encontramos ainda a enumeração das

principais localidades onde há performações do Chiquinho no contexto de bailes

de violino, sendo que nunca é dentro de Lisboa. Temos portanto: Sintra,

Odivelas, Sines, Silves, Almancil, Alfarrobeira, e Faro.

Referiu-se a ideia que me tinha sido dada a transparecer por Morgadinho

referente à questão da gravação de CDs “Isso é assim, às vezes compensa. A minha interpretação disto é que há pessoas que se se tratar de música kizomba, e mesmo música em geral há muitas pessoas que gravam é para tentarem ser conhecidas e depois a qualidade é pouca coisa. Praticamente, os melhores artistas é que não gravam. (…) Isto é muito difícil mesmo. Eu fiz uma gravação, saiu agora neste mês de Dezembro, fiz aquilo porque fiz sozinho,

Cid Carmo

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mas se fosse para procurar artistas para fazer aquilo eu não conseguia porque não tinha condições para pagar.” Fez a gravação “em casa., eu toquei todos os instrumentos, eu tenho um programa aí (no computador) que cada instrumento fica numa pista, se quiser mexer num já sei em qual mexer. Então quando eu estou ouvir violino e bateria eu já tenho a hipótese de tocar lá o teclado com ele, agora vou ouvir os três e pronto já está mais composto.” Para a bateria usou “uma gravação”, visto que

não tem bateria em casa.

Fez o CD para vender “andei a distribuir sozinho. Eu mandei para a Holanda, amigos que eu tinha, mandei para o meu irmão para a Itália , mandei para Cabo Verde e eu vendo aqui, quando vou tocar e essas coisas todas. É mais viável.” Concluímos portanto que os meios de gravação são relativamente artesanais,

por oposição aos industriais.

Inicialmente afirma não achar que o facto de tocar violino tenha mudado em

nada na sua vida, diga-se no entanto que a sua resposta inicial pode ser

influenciada pelo facto de Chiquinho se identificar mais com a viola que com o

violino.

“-Para dizer a verdade modificação mesmo não mudou nada. Porque eu considero que eu não estou no mundo da música, porque isto depende da sorte, às vezes há muitas pessoas aí a tocar que até tocam pouca coisa mas com ensaio vai. Tás ali num grupo e tocas viola baixo e como o treino aquilo vai, mas também és capaz de achar um bom baixista que nunca teve a hipótese de estar integrado num grupo, isso acontece. O meu caso, eu toco em todos os sítios, toda a gente diz que eu toco bem toda a gente me admira especialmente quando toco guitarra, mas pronto não aparece nada para mim.”

“Continuo a tocar mas para ir tão longe. Há pessoas que são muito mais conhecidas e que tocam menos.” No entanto “Para mim o mais importante é o saber tocar, porque eu gosto de tocar mesmo não tendo ninguém para ouvir. Eu gosto de tocar e tenho que continuar a tocar, é uma coisa que eu gosto saber.” Confrontei-o então com a noção que segundo essa sua perspectiva o tocar,

influencia a sua vida. E que, se não tivesse “andado na música e não tivesse

Cid Carmo

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andado nas noites caboverdianas etc.”, e se não fosse o grupo da câmara de

Abrantes que disse para vir o Chiquinho não tinha vindo para Portugal. -Claro, isso é verdade. Sim influencia muitas coisas. Quando emigrantes iam lá a procurar pessoas para gravar para ter recordações” e então depois eles chegam “esta é uma gravação que eu trouxe de S. Nicolau, este tipo fez, tal tal” “êpá este gajo toca bem, quando for lá vou tentar conhecer” então eu antes de vir para cá eu tinha conhecimentos, as pessoas já me conheciam por todo o lado, eu tinha gravações para a Holanda para a América para a Itália para isso tudo. Porque era cassete o pessoal punha um gravador e a gente gravava e tocava, e já era uma grande coisa.”. É curioso este conceito de gravações a

título pessoal feitas por emigrantes que voltam ao seu país de origem para

passar férias. Relativamente à sua escolha de país de acolhimento perguntei se achava que

teria tido melhores oportunidades se tivesse escolhido a Holanda ou para a

América como destino. “Não sei. Tem grupos famosos na América e tem na Holanda, mas também tem aqui em Portugal. (…) Eu creio que aqui em Portugal, tem um grupo aqui em Lisboa, são gajos que tocam bem. É o Toi Vieira, Toi Paris, Manel Paris, “& Companhia Limitada”. Há uns gajos aí que tocam muito bem. Então são eles que tocam com praticamente todos os cantores. É aquele grupo que sai com o Tito Paris que sai com a Lura, são sempre eles. Com mais… mais ou menos 10 pessoas, se calhar. Por exemplo “eu vou com o Tito Paris não posso ir com o outro, mas leva aquele ”. Relata

que neste grupo não existe nenhum violinista. (…) Grupo que tem violino é só o grupo de Cesária Évora basicamente que toca com violino.” Embora este possa

não ser caboverdiano, “há tempos atrás ela estava a tocar com cubanos.”

Notamos então a existência de um monopólio, mesmo que não o seja

propositadamente, por parte de um grupo restrito que é revezado em actuações

e gravações com os cantores caboverdianos mais conhecidos que residem em

Portugal.

Quando vai tocar “já tenho de cor mais ou menos as músicas que eu toco e depois vou tocando, depois quando chego a casa: “êpá esqueci-me, não toquei aquela” na próxima festas sou capaz de tocar aquela e outras não, é assim.”

Conta que nem tem noção da quantidade de músicas que toca por noite “Nem

Cid Carmo

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dá para contar, porque aquilo é mesmo como aquela tradição de Cabo Verde era tocar a noite toda, a gente começa às 11h e vai até às 6h da manhã. Faz para aí um intervalo de 45 minutos depois, é sempre a tocar.” Refere que a existência de poucas melodias especificamente destinadas a

serem tocadas no violino deve-se à falta de necessidade de as criar, visto “que a maior parte de músicas são músicas que são cantadas que a gente passa para violino, mas eu acho que em Cabo Verde nunca teve grandes violinistas como nos outros países tem escola de música. (…) O que eu quero dizer é o seguinte: quando se trata de um grande violinista estou a falar de um violinista que andou na escola aprendeu a tocar violino, aprendeu a escrever música essa coisa toda, e criar música. Mas como a gente praticamente a tocar era assim de cor, fica mais fácil ouvir uma melodia do que criar uma melodia. Por exemplo eu para tocar num baile não preciso de me cansar a fazer uma melodia porque já tenho tantas. Travadinha também tocava bem o violino, mas era músicas que a gente conhece do dia a dia [músicas tradicionais talvez].”

Acha que a ligação, a nível de socialização é pouca entre os músicos que

moram em Portugal, mas “isso tem uma certa lógica, porque quando a vida começa a ficar difícil uma pessoa também tem que reservar, porque hoje é domingo por exemplo “agora vou pegar o meu carro vou ali numa zona qualquer” mas para isso tenho que gastar gasolina tenho que tomar uma cervejinha sabe como é. Então quando a vida está difícil as pessoas ficam praticamente todas reservadas, é complicado.” O factor económico acaba então

por ser um dos mais limitadores.

No que concerne às dificuldades que sente em formar um grupo “Não é não tem

(gente para o formar). Às vezes tem, estamos é dispersos uns dos outros, por exemplo eu estou aqui e toco violino, tenho um colega que mora no Cacém e já estamos mais perto mas somos capazes de encontrar um gajo que toca um bom cavaquinho em Sines e um gajo que toca uma viola bem mas está lá para a outra banda (margem sul do rio Tejo) num sítio qualquer. E tem-se que trabalhar todos os dias, às vezes fica difícil para juntar. Isso é que é o problema. E para ter um grupo em condições tem que ter grandes ensaios.” No entanto diz que não faz muitos ensaios, “porque o grupo de violino que é a aquela tradição que havia em Cabo Verde, eles praticamente não ensaiavam, é

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tipo improviso, o pessoal começa a tocar, ao nível que eu vou tocar uma música nova, o pessoal também vai desenvolvendo, também é mais fácil para pegar, hoje tocamos uma música que tem três acordes por exemplo, amanhã apareço com uma música que tem cinco, mais dois já não fica tão difícil, já têm mais algum conhecimento, depois apareço com um que tem seis, como já toca de cinco, mais um já não faz diferença, então vai desenvolvendo. Chega a uma certa altura que a malta pega qualquer música de ouvido. Por exemplo: eu com o meu grupo, tem o meu colega que toca viola baixo tem outro que toca cavaquinho e tem o Armando Tito neste momento que toca viola, o Armando Tito é aquele que toca com Cesária Évora (…) ele é que está a tocar agora comigo. Eu levo uma música nova no violino, um gajo também não vai esticar muito e pegar uma música tão difícil, porque para isso a gente tinha que ensaiar mas como é baile às vezes música com tanta coisa só serve para atrapalhar, é para dançar, qualquer coisa serve desde que seja… enfim. Então eu toco qualquer música e eles pegam na hora, pá aquilo já está tão dentro do ouvido, com muito tempo de treino. Eu de morna e coladeiras, há muitas músicas… pronto aquelas que já têm muita coisa eu tenho que pegar; sou capaz de por uma morna de Ildo Lobo que saiu mete aquela música a tocar, eu acompanho aquilo do princípio ao fim, todos os acordes por que passar aquela música!”

Destaque-se a noção que enquanto tradição caboverdiana o “grupo de violino”

praticamente não ensaia, tocando de improviso e desenvolvendo-se a nível

musical à medida que as músicas vão aumentando de dificuldade e assim,

também os improvisos que são feitos sobre as mesmas.

Em relação à sonoridade característica de músicos da mesma ilha diz que

“cada pessoa normalmente tem um estilo próprio mesmo que aprenda a tocar com outra pessoa tem a tendência quando estás a aprender com alguém tem a tendência de fazer quase igual mas por não conseguir imitar mesmo a outra pessoa vira criando um estilo, então cada pessoa tem um estilo diferente, pode ser parecido mas é diferente agora em termos de improvisar pode vir um gajo do Fogo ou dum ilha qualquer eu posso tocar uma música do Fogo se eu toco uma viola para acompanhar ele se ele pára de tocar eu faço um improviso, mas sem problema nenhum, na viola. (riu-se) quer dizer… no violino porque estou pouco habituado a acompanhar, mas faço. (…) Isso porque nós temos manias

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de tocar assim, improvisar, por isso é que a gente também desenvolve muito com isto, tocar de improviso faz desenvolver muito.” A maior parte dos músicos

mais desenvolvidos que conhece toca de improviso “ toca de ouvido. (…) Aquilo que eu entendo por improviso é uma coisa que eu não tinha planeado para fazer.” Temos aqui presentes: implicitamente o conceito de “sotaque” e de que

forma ele é adquirido e a noção de improviso enquanto forma de progressão

técnica.

Quanto à sua aprendizagem em Cabo Verde e o que a rodeia relata que

“Começas a treinar, se tiveres uma pessoa com grande experiência por perto… por exemplo eu vou ali ver um gajo a tocar violino se o gajo toca aquilo com um estilo mesmo…. Eu fico “êpá já espertei, o gajo fez eu vou tentar” tás a ver? Agora se chegares aí e quem estiver a tocar for como eu fica tudo na mesma coisa. (…) em cada zona há sempre alguém que sabe tocar pode ser que não saiba muito mas qualquer zona tem pessoas que saibam tocar. Na minha zona como eu estava a dizer havia muita malta aí que dava uns bons toques na viola mais ou menos tal tal, mas eu quando tinha 16 anos já tocava melhor que todos eles. O Paulino Vieira foi para a minha ilha em 1996 e eu não o conhecia, então convidaram-me para fazer uma serenata aí com o Paulino então aí ficámos conhecidos. Então o Paulino disse “como é que foi possível” eu avançar assim tanto na viola dentro de S. Nicolau ainda mais da forma que eu toco porque eu ponho a viola é para a esquerda. O Paulino ficou admirado como é que dentro de S. Nicolau não tendo ninguém com que eu aprendesse a tocar, lá não havia melhor e eu praticamente não saí de S. Nicolau trabalhava lá… ele ficou admirado como era possível um gajo desenvolver tanto numa ilha. Agora a partir de mim houve muitos que desenvolveram aqueles que tocaram comigo foram apanhando tal tal. Agora os outros que foi para trás começam a apanhar naqueles, e vai mais pá frente que tem mais tendência. Neste momento a música lá em Cabo Verde já está mais desenvolvida mais aberta.” Existe então

bastante claramente a noção de aprendizagem por referenciais, músicos que

servem de modelo quer a nível áudio quer a nível visual, permitindo tirar

conclusões de questões técnicas concernentes ao instrumento.

Conta que não tem o hábito de procurar sítios para tocar, costuma ser chamado

normalmente para tocar em “bailes de violino e aquelas que é tipo tradicional e

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toco eu e o meu colega nessa altura de verão”, casamentos e baptizados. Diz

que também é costume tocar-se em funerais “Eu em Cabo Verde já toquei mas aqui por acaso violino nunca toquei assim, já me chamaram duas vezes mas não tinha tempo. (…) Eu sei mais ou menos a música que eles tocam nos funerais mas assim de letra não estou a ver tão bem porque são umas músicas muito antigas.” Mornas antigas. [Tocou um bocado de uma… e catou um

também] [Hora di bai] essa é que é a música tocada em funerais, já é aquela música que (…) eu sei que esta é uma daquelas que eles tocam mas há mais, e normalmente essas são as que são consideradas as adequadas, a não ser que a pessoa faça o pedido. (…) Na nossa ilha antigamente eles faziam funeral com música era só para os músicos. Hoje é que isto está um pouco popular, mas antigamente era para os músicos. Um gajo fazia festas tocava violão tal tal, gajo morreu, pronto. Depois ficou mais popular.” Vemos portanto uma evolução nas

práticas musicais fúnebres ao longo dos tempos.

Confessa o que alterava no seu percurso na vida e na música se pudesse, e

partilha as sua visão do, e para, o panorama do ensino musical caboverdiano

em Portugal.

“É muitas coisas, às vezes uma pessoa pode ter muitas ideias mas depois o tempo vai passando, vai passando com as dificuldades da vida e essas coisas todas. Eu gostava de ter uma escola de música tradicional para ensinar crianças a tocar mas da forma que eu aprendi, já com bases melhores claro, porque isto tem tendência para desaparecer, principalmente ali fora, achas que encontras um jovem aqui em Portugal com 15/20 anos a pensar tocar violino? Pensa de certeza é no Hip-hop e essas coisas todas, há malta aí que chega um gajo com isto (o violino) e acha essa coisa estranha, mas lá em Cabo Verde já não, a gente nasce com ele. Por isso é que eu estou a dizer que era uma forma de desenvolver essas coisas tradicionais dentro dessa comunidade toda. (…)

Não vou dizer que já perdi esperança só que é um bocadinho difícil porque eu gosto de aprender tanto como gosto de ensinar. Se eu aprender uma coisa no violão e souber que tocas automaticamente que eu pego aquilo e vou logo te mostrar, eu gosto de ensinar. Há malta em Cabo Verde que começava a aprender violão e ia logo ter comigo para eu começar a ensinar, porque eu tenho uma paciência para ensinar que é uma coisa doida. (ri-me) Sim! Até

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perceber pode estar à vontade. Há pessoas “não tás a perceber o que eu estou a dizer” começam-se a enervar, eu tenho paciência para isso eu gosto mesmo, eu não tenho é muito para ensinar. (rimo-nos) (…) Nunca a gente diz que é impossível. Mas é um bocadinho difícil, é um bocadinho difícil. Lá na minha ilha a câmara preparou lá um sítio para funcionar como uma escola, não vou dizer uma escola porque não tem um professor em condições. Então eu é que ia ficar à frente daquilo a ensinar as crianças a tocar pegar na viola e essas coisas todas, mas na altura vim para cá.” “Tenho dois irmãos aqui que tocam alguma coisa. Agora eu tenho um irmão em Cabo Verde que está agora com 25 anos também toca violino, o pessoal está a gostar ele também vai para outras ilhas tocar.” Como este está a morar em S.

Nicolau e foi-lhe inquirido, ao Chiquinho, o porquê de não estar ele à frente da

escola.

“-O problema é esse eu quando vim para cá eu andava a ensinar ele a tocar, violino não, violino ele pegou também como eu, mas eu andava a ensinar ele a tocar viola, como é que fazia isto como é que fazia aquilo tal tal tal, ele pegou algumas coisas então quando eu fui lá em 2001 ele disse “olha, eu tirei muito proveito daquelas coisas” Porque depois quando eu vim para Portugal ele começou a desenvolver e sentia a falta das coisas que eu andava a ensinar com ideias ele andava a procurar e tal tal mas é que ele também não sabe porque ali não tem quem ensinar porque tocam todos de ouvido só assim. É que pelo menos tem que… não é só pegar num gajo e dizer “é assim que se faz lá menor” e “é assim que se faz” assim é um bocado complicado ele tem que entender a escala saber um bocado como é que aquilo funciona, saber pelo menos. Há gajos que há aí a tocar mais há uma porção de tempo, mais do que eu e não conseguem falar dó ré mi fá sol lá si dó, dó si lá sol fá mi ré dó, por exemplo. Nem entendem dessas coisas se calhar nem sabem ordenar isso. É que é complicado vai ensinar uma criança a tocar, fica mais difícil porque as crianças são curiosas querem saber como as coisas funcionam, eu não tinha muito mas pelo menos sabia algumas coisas, porque eu também nunca tive numa escola com pessoas que sabem mais, eu quando cheguei tive aí um ano com um senhor tive umas aulas aí de piano. Mas aquilo que eu estive a estudar

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com ele eram coisas que eu em Cabo Verde já sabia, de viola, pronto, mas ganhei alguns conhecimentos.”

É de sublinhar a ideia que é dada a transparecer de duas tendências: uma de

aprofundar ou ganhar conhecimentos musicais teóricos e uma de não o fazer.

“A música que a gente toca (no violino) é morna, coladeira, por exemplo nas festas a música que a gente toca é coladeira. Morna, coladeira, samba, mazurca e valsa (…) mas eu por exemplo toco funáná menos porque ele é menos usado na nossa ilha ele é menos apreciado.” É mais apreciado “em Santiago que é a raiz de funáná. Eles podem tocar funáná o dia todo só funáná. Mas para nós é diferente, eu prefiro ouvir uma morna ou uma coladeira, funáná só de-vez-em-quando.”

Sendo que as ilhas com maior tradição de violino são: “S. Nicolau, Fogo, S. Antão, S. Vicente, essas ilhas todas menos Santiago, Santiago eles têm mesmo é tradição de funáná.”

Foi-lhe indagado se, quando Cabo Verde era colónia de Portugal, eram tocadas

músicas portuguesas lá. “Acho que não, podia tocar sim mas era pouco, não sei porquê, para dizer a verdade, tinha mais tendência para o Brasil do que para Portugal. (…) Não sei porquê. Não sei qual é a forma que a música que chegava a Cabo Verde, a música chegava era através dos estrangeiros. Então passava um barco vindo do Brasil e tal. Agora Portugal era diferente porque o pessoal da altura, eu lembro-me por exemplo quando eu era criança portugueses em Cabo Verde era em quantidade mas eu não me lembro de ninguém a tocar, eles gostavam da música mas era para ver o pessoal dali a tocar. Não sei pá. Mas também não sei por exemplo qual é a origem da morna porque realmente é muito parecida com o fado. Só o sotaque é que é diferente, pode ter nascido do fado, haver pessoas que tocavam fado e depois começaram a espalhar aquilo para as ilhas, pode ser não sei.” Mais uma vez encontramos a presença da ligação Cabo Verde – Brasil, sendo

que isto pode explicar a presença do samba como género performado em Cabo

Verde, como podemos constatar um pouco mais acima.

Assim sendo, a música que mais se ouvia e tocava, que não a caboverdiana,

era a brasileira “Eu quando era garoto, havia muita influência de música de

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Cabo Verde, sim muita. Pessoas que cantavam, mesmo para divertir, tem tendência para cantar mornas e coladeiras e música tendida para o Brasil. (…)

Música portuguesa não se ouvia quase nada, muito dificilmente; fado só ouvi directamente depois que eu vim para aqui porque eles não punham lá no rádio”

mas punham música brasileira, “acho que era por causa do ritmo.”

Pedi-lhe que tocasse um pouco

“-Para tocar sozinho é complicado, né? É? Prefere tocar acompanhado.

-Claro, acompanhado sempre é diferente.”

A noção da importância e até primazia das performações em grupo é de

salientar.

[Começou a tocar]

“Isso foi um improviso que eu estava a fazer dentro de uns acordes. Eu faço solos que as pessoas nem acreditam que um gajo faz outra coisa. Mas um gajo tem que exercitar todos os dias, um gajo trabalha no duro.” Chiquinho relata como nota que por estar a trabalhar na construção que isso

“afecta sim depois de um dia de trabalho, com ponteiro e essas coisas a agarrar nas coisas, é balde… chego a casa e não tenho sensibilidade, um gajo chega e tem que exercitar todos os dias, se não (…) porque há tendência para as mãos ficarem brutas, agressivas a tocar, e quando esta só com o instrumento aí é que vai ganhando suavidade, quanto mais se toca a coisa vai ganhando suavidade.34” Então encontramos uma das dificuldades criadas pela situação

em que se encontram músicos que trabalham na construção civil, que apenas a

prática musical corrige.

Mostrou-me o programa de computador com que trabalha as músicas. “Porque eu toco música tradicional mas também faço outras coisas.” Mostrou-me o CD que gravou e comentou algumas músicas.

Tocou um pouco de piano e depois de clarinete.

Antes de eu sair o Chiquinho mostrou-me o estúdio que está a construir na sua

arrecadação, já estava quase terminado, tendo sido feito por ele e o irmão

apenas nos fins-de-semana e feriados durante 6 meses, tinha isolamento

acústico e cabine de som para fazer gravações. Actualmente tem 40 anos. 34 Vide Anexos: Suporte áudio – Faixa 11

Cid Carmo

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2.2 O que partilham estas pessoas Sendo que falamos de homens caboverdianos de idades compreendidas

sensivelmente entre os quarenta e cinquenta anos, que actualmente residem na

área da grande Lisboa, e que além do mais tocam violino, naturalmente que

este estudo não teria uma amostragem muito vasta. Estes quatro homens,

principalmente35, partilham determinadas características nos seus percursos e

perspectivas, são estas partilhas que aqui serão expostas para que se possa,

através de um escrutínio chegar a conclusões que se possam considerar

válidas, de merecerem reflexão.

Como tudo, o melhor é começar pelo início.

Exceptuando o Chiquinho Lima que nasceu na ilha de São Nicolau, todos são

naturais da ilha do Fogo.

A não ser Djom di Robeca, todos tiveram um violino disponível quando

começaram a aprender. Quer para Morgadinho quer para Chiquinho este facto

parece ter sido, inclusivamente impulsionador para a incursão na aprendizagem

do instrumento.

No entanto, apesar de não haver a descrição explícita da existência de luthiers

ou de artesãos construtores de violinos, que é bem possível que existam, são

referidas práticas similares. Entre estas figuram os exemplos dados por Djom,

Morgadinho e Leonel.

Djom afirma que “Nós fazíamos os nossos do que dava: latas, arames, aquele fio de cana de pesca, e arcos com cordel. Dava para tocar.” O “fio de pesca” ou

filo de nylon naturalmente não faria doer os dedos de uma criança.

Morgadinho conta como

“ Fazia um baixo de lata e pau de madeira com cordas de nylon.” Quando lhe

foi perguntado se havia o hábito de fazer as coisas “na base do desenrasca”

afirma que “sim, mas dava jeito sempre, aprendi tudo aquilo por exemplo aprendi a tocar o teclado num acordeão; enquanto eu agarrava o acordeão uma bancada de carpintaria o meu irmão puxava e eu tocava, e eu puxava e ele tocava (risos). É engraçado.”

35 Apesar de a nível de histórias de vida a participação de Armando Tito e Eduíno ser ténue, no entanto, ainda assim é tida em conta.

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Leonel descreve que “A gente fazia o nosso (cavalete), pegava no violino metia e tocava, o fio era de rabo-de-cavalo e a gente punha” no arco, “também de sisal. Não sei se você sabe, sisal é uma coisa que há lá na ilha do Fogo a gente passava aquilo numa máquina e o fio saía branco como se fosse o fio do arco, a gente metia no arco e tocava.”

Todos eles aprenderam a tocar sozinhos. Dois tiveram um membro da família

que tocava violino. No caso do Morgadinho era o seu pai, no de Leonel era o

tio.

Tanto Djom como Chiquinho foram tocar a juntas de freguesia no âmbito de

visitas politicas.

Djom di Robeca

“Uma vez que me ligaram cá de uma junta de freguesia porque ia lá o presidente da câmara do Fogo, então eu fui lá tocar.” Chiquinho

“…quando câmara de S. Nicolau ir visitar em Abrantes eles fizeram questão de nós irmos com eles.”

“Também se refere que os organizadores das actividades

comemorativas de eventos, em Cabo Verde e nos países de

imigração, convidam os músicos residentes no país e noutros

países onde estão radicados emigrantes e músicos de origem cabo-

verdiana para participar nestas actividades.”36

Quer Chiquinho quer Morgadinho vieram ambos para Portugal em

consequência da sua actividade musical.

Morgadinho com o objectivo de progredir na sua carreira musical através da

gravação de um CD: “Vim para cá em 2000, disse “venho para cá dois anos gravo um CD e vou-me embora”.Já estou com 6 e tal, não fui nem uma vez.”

Chiquinho como consequência da actividade musical que tinha em Cabo Verde,

acabando por ficar devido à influência exercida pela família que tinha, residente

em Lisboa: “Eu fui tocar para um comitiva que veio de Portugal, câmara de 36 Rocha, Júlio Santos Projecção da Música e dos Músicos de Origem Caboverdiana no Exterior de Cabo Verde: As redes Transnacionais protagonizadas pelos músicos, Lisboa: UNL-FCSH, 2000, p.112

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Abrantes, eles gostaram muito da minha música e então ficaram interessados em a gente vir cá a Portugal, então quando câmara de S. Nicolau ir visitar em Abrantes eles fizeram questão de nós irmos com eles. Então viemos”. Djom já gravou dois álbuns, Chiquinho um, e Morgadinho está a gravar o seu

primeiro. Este factor é indicativo da vontade de haver produção e projecção

musical. Todos encontraram dificuldades no processo.

Djom tem dois CDs gravados por si em sua casa, “o 2º CD tem temas escritos por mim.” Estão à venda em Portugal, Holanda e Estados Unidos, mais na zona

de Bóston. Não teve apoios nem para a gravação nem para a promoção dos

CDs “pedi apoios a várias empresas e bancos enviei imensas cartas, e aqueles que me respondiam era só para dizer que não. Não há apoios. (…) Sem grandes apoios também não dá, não se arranja dinheiro para fazer teledisco, para promover.” No entanto chegou a conseguir promover o seu 1º disco tendo

chegado a fazer uma tournée nos Estados Unidos.

“Quando os artistas agendam apresentações dos seus trabalhos

musicais nos outros países (um artista, por exemplo, residente nos

EUA agenda a apresentação do seu trabalho em Portugal ou noutro

país), realizam encontros com os a gentes musicais residentes

naquele país, para divulgar os seus álbuns.”37

Daí provavelmente provém a razão da afirmação de Djom:

“Tenho dois CDs gravados em casa, o 2º CD tem temas escritos por mim. Estão à venda em Portugal, Holanda e Estados Unidos.” Sendo que:

“A actividade musical é sustentada por um conjunto diversificado de

contactos, de relações e inter-relações que o a gente estabelece para

que consiga a produção, a distribuição, a divulgação e o devido

consumo da sua obra musical. Isto porque, evidentemente, como

acontece com outras actividades, dificilmente o mesmo indivíduo

37 Santos Rocha, Ibid. 2000, p.112

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poderia efectuar sozinho todas as tarefas necessárias para fazer

chegar até o público a sua obra musical.”38

Chiquinho “Praticamente, os melhores artistas é que não gravam. (…) Isto é muito difícil mesmo. Eu fiz uma gravação, saiu agora neste mês de Dezembro, fiz aquilo porque fiz sozinho, mas se fosse para procurar artistas para fazer aquilo eu não conseguia porque não tinha condições para pagar.” Morgadinho teve problemas de colaboração por parte de outros músicos que

abordou. “…acho que não há boa vontade. Fala, ao falar tudo bem, mas quando é para pegar na prática…” Estão registadas afirmações de pelo menos dois dos violinistas Chiquinho e

Leonel de que preferem tocar em grupo a tocar sozinhos.

Chiquinho:

“-Para tocar sozinho é complicado, né? É? Prefere tocar acompanhado.

-Claro, acompanhado sempre é diferente.”

Leonel:

“Isto violino é bom é a tocar com os outros instrumentos.” Há também afirmações de haver a preferência por tocar em público.

Morgadinho

“Tocar em público é diferentíssimo até lá na minha ilha quando eu tocava uma vez quando eu tinha o meu conjunto, as pessoas me perguntavam “me diga, me diga lá: quando sobes ao palco, fumas alguma coisa ou bebes alguma coisa?” (risos) dizem que no palco sou diferente. (…) Quando faço qualquer improviso sinto que têm a vontade de aplaudir. Ali é que saem os aplausos.” Chiquinho

Gosta de tocar em público “Sempre foi (assim), eu comecei a tocar já aí aos 12 anos comecei a aprender, já com 14/15 anos tocava em público.” Notamos uma ligação entre a música Caboverdiana e a Brasileira, a vários

níveis.

Chiquinho

38 Santos Rocha, Ibid. 2000, p.111

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A música “que a gente toca (no violino) (…) (é:) Morna, coladeira, samba, mazurca e valsa (…) funáná.” Em Cabo Verde “tinha mais tendência para o Brasil do que para Portugal”. Morgadinho

Descreve que quando era miúdo a música que ouvia era principalmente

“mornas e coladeiras, ou o que passava pela rádio.” Sendo que passava

“sempre” muita música brasileira.

“Estou a querer formar uma com uns brasileiros aí no Carnaxide. (…) Banda de pagode, brasileira (…) estamos no ensaio não sei o que vai dar mas… pode ser bom.”

“Comecei a pensar na música de Cabo Verde, não era então [nos

anos 60] conhecida cá em Portugal e, portanto, tinha que servir de

uma música que estivesse mais nos ouvidos dos ouvintes para

primeiro lançar a figura da pessoa e depois a música. Então,

lembrei-me e, como nos tínhamos facilidade de contactos de

música brasileira, o meu programa foi quase todo naquele dia

sobre a música brasileira.

Quando acabou o programa, começaram a chover telefonemas e

um deles era um senhor que me perguntava - " De onde é que o

senhor é, do Brasil?", - " Eu sou de Cabo Verde", - "Não poooode

seeeer! (..) Enfim, não acredito. " E eu disse - "Faça favor, você

venha cá e a gente fala e eu falo um bocadinho a língua de Cabo

Verde e vai ver se sou ou não sou caboverdiano."

(...) Porque eu só cantei música brasileira, por isso é que ele lá foi.

(...) Só no segundo programa meti uma morna e uma coladeira e

no terceiro é que eu fiz um, programa só de música de Cabo

Verde.”39

Veja-se que esta ligação a nível musical entre Cabo Verde e Brasil já vem

de há, pelo menos, quarenta anos atrás. Considere-se que o entrevistado 39 Entrevista a Fernando Queijas, residente em Portugal in Júlio Santos Rocha, Projecção da Música e dos Músicos de Origem Caboverdiana no Exterior de Cabo Verde: As redes Transnacionais protagonizadas pelos músicos, Lisboa: UNL-FCSH, 2000, p.86

Cid Carmo

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tem a ideia de fazer esta inserção gradual de músicas caboverdianas no

programa de rádio, na perspectiva de que a proximidade que a música

brasileira tem quer da música caboverdiana, quer da música portuguesa,

servirá de ponte para aproximar as duas aparentemente tão distantes

uma da outra. Sublinhe-se o factor de proximidade entre a música

caboverdiana e a música brasileira.

Existe também uma tendência para quererem aprofundar os seus

conhecimentos teórico-musicais.

Armando: “Sabes, eu já sabia tocar há muito tempo mas mesmo assim resolvi ir para uma escola de música, para aprender a ler pautas; as escalas, os sustenidos e essas coisas.” Veja-se também:

“A escola de música tornou-me completa como artista... Agora sim, vou continuar a desenvolver o meu estilo próprio, usando as influências musicais dos países por onde vivi e vivo, mas respeitando sempre a base da tradição musical cabo-verdiana... Concluir um curso universitário na área musical continua a ser raro entre as mulheres. Foi algo que me educou de forma a me poder lidar com qualquer músico do mundo."40

À excepção de Djom, todos trabalham na construção civil pelo que é

interessante constatar os efeitos que essa profissão tem na prática musical.

Chiquinho: “Afecta sim, depois de um dia de trabalho, com ponteiro e essas coisas, a agarrar nas coisas, é balde… chego a casa e não tenho sensibilidade, um gajo chega e tem que exercitar todos os dias, se não (…) porque há tendência para as mãos ficarem brutas, agressivas a tocar, e quando está só com o instrumento aí é que vai ganhando suavidade, quanto mais se toca, a coisa vai ganhando suavidade.”

40 Revista FRAGATA, TACV - Cabo Verde AirLines, Gardénia, a voz de ouro: música de Cabo Verde, N."23, Abril de 2000.

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Quer Morgadinho quer Chiquinho improvisam e, embora as suas afirmações

sejam discordantes pelas constatações feitas através do visionamento do DVD

que foi facultado por Chiquinho, este tem razão em afirmar que a prática

improvisativa é relativamente comum.

Tanto Chiquinho como Morgadinho foram acompanhadores de todos os grupos,

das suas respectivas ilhas, que foram cantar ao “Todo o Mundo Canta”.

Morgadinho:

“Depois ia ao “todo o mundo canta”, quem ia tocar cavaquinho era eu e nem sabia nenhum nome dos acordes, era abrirem a boca e eu apanhava, depois tocava a ilha toda e chamavam-me para tocar” Chiquinho:

Em Cabo Verde faziam o “Todo o Mundo Canta”, era um concurso que faziam em todas as ilhas de Cabo Verde e depois juntavam os finalistas de cada ilha, tínhamos lá um grupo, mas aquilo era um conjunto electrónico mesmo, então a gente é que fazia aquilo tudo é que acompanhávamos os grupos para apurar o vencedor. É uma coisa que eu estou habituado desde garoto.” Noção de grupo de serenata é algo comum em Cabo Verde embora o termo

seja inserido por Chiquinho, as noções dessa prática já o tinham sido antes.

Leonel: “Em Cabo Verde às vezes junta-se um grupo e põe-se a tocar, sem razão nenhuma” No seu tempo existiam “poucos, mais ou menos 6 grupos com violinista.” E sem violinista “muitos. Cada zona lá tem um grupo que toca.” Chiquinho: “Lá em S. Nicolau em praticamente todas as comunidades tinha grupos que tipo serenata, depois de um dia de trabalho o pessoal ia todo para um sítio qualquer ia buscar os instrumentos e começava a tocar as mornas.” Note-se o factor de se tratarem de grupos que se juntam para tocar após o dia

de trabalho, como elemento unificador das afirmações quer de Leonel quer de

Chiquinho.

É Chiquinho quem explana o assunto “Grupos de serenata era quase porta sim porta sim, todas as zonas tinham um grupo de serenata, chegava qualquer zona e tinha um grupo de serenata.” “Então a gente chamava grupo de serenata àquelas coisas que às vezes vai mudando, às vezes tem tendência para trocar as coisas. Por exemplo, um grupo de serenata realmente é isto “êpá hoje vamos fazer uma serenata, pega

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numa viola, cavaquinho, vamos para aí para debaixo de janela e fazemos uma serenata” então como os grupos praticamente ficam naquilo (…), como aqueles grupos ficavam limitados à serenata, porque como para além da serenata não sabia mais coisas, quando havia um grupinho a gente chamava “isto é um grupinho de serenata.”

“Em Cabo Verde, a manifestação dessa actividade musical parece

ser dominada nessa época maioritariamente por "serenatas" e a

actuação ao vivo de grupos musicais nos bailes e espectáculos

artísticos.”(Rocha:2000)41

Esta afirmação vai ao encontro da constatação da existência da prática quer de

grupos de serenata quer de baile de violino, subentendido como pertencente à

categoria de bailes acústicos, como práticas comuns no panorama musical

caboverdiano.

Também o conceito de baile de violino já tinha sido abordado pelo Leonel antes

de ser enunciado pelo Chiquinho.

Leonel:

“No baile começávamos a tocar das 10 até às 6 da manhã. “E se havia baile popular tinha tudo, mas tinha que se pagar. Era uma pessoa qualquer (que organizava os bailes). Marcava um dia, um sábado ou um domingo, convidava muitas pessoas as mulheres os homens organizava aquilo a gente ia lá comprava o bilhete, entrava no baile e dançava” Relata que ia

muita gente aos bailes “cento e tal”.“ “…na província que era onde eu morava não havia, não tinha assim sítio para fazer ao ar livre tinha de ser mesmo no salão, assim num salão grande, a gente preparava uma casa assim grande, dava a festa.” Chiquinho:

“…comecei a tocar logo.” Nos bailes “para descansar o violinista, “tenho aí três peças, eu toco três peças” então fui-me habituando…”

41 Rocha, Júlio Santos Projecção da Música e dos Músicos de Origem Caboverdiana no Exterior de Cabo Verde: As redes Transnacionais protagonizadas pelos músicos, Lisboa: UNL-FCSH, 2000

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“Tenho um grupo que a gente toca praticamente bailes de violino, como ontem que a gente teve a tocar, não é todos os fins-de-semana mas quando aparece a gente junta-se e toca.” O grupo composto por quatro pessoas que tocam

respectivamente: violino, cavaquinho, violão e viola baixo.

“…um baile de violino não tem nada a ver com um baile cantado.”

“…quando eu era criança conheci pessoal a tocar violino, tinha muitos, também havia uns que tocavam no baile mas, eram uns poucos toque que eles davam no violino, às vezes nem dava para perceber direito o que eles estavam a tocar. Mas os violinistas que eu conheci lá devia ter uns 5/6 dos mais famosos, depois podia ter uns 3 que eram menos. Mas neste momento, na juventude deve ter essa quantia novamente…” É também de salientar, relativamente a bailes de violino realizados num

contexto migrante, que o público é relativamente caracterizável.

Chiquinho

“Porque eu toco para uma comunidade de pessoas já de meia-idade, que viveram aquilo em Cabo Verde, porque eu toco um baile e pode ter umas 300/400 pessoas, mas são pessoas de praticamente, 30/40/50/60 anos, às vezes vão acompanhados com os filhos mas a juventude desconhece essas músicas. Mas em Cabo Verde é diferente, a gente nasce com aquilo.” Temos ainda a informação de quais as principais localidades onde há bailes de

violino: Sintra, Odivelas, Sines, Silves, Almancil, Alfarrobeira, e Faro; nunca é

dentro de Lisboa.

“As Warner notes," [A public] appears to be open to indefinite

strangers but in fact selects participants by criteria of shared social

(though not necessarily territorial space), habitus, topical concerns,

intergeneric references, and circulating intelligible forms,. Reaching

strangers is public discourse's primary orientation, but to make those

unknown strangers into a public it must locate them as a social

entity”(2002:106).”42

42 Warner, Michael. 2002. Publics and Counterpublics New York: Zone Books. citado por Byron Dueck Public and Íntimate Sociability in First Nations and Métis Fiddling in Ethnomusicology – Journal of the Society for Ethnomusicology, Timothy J. Cooley (ed.), University of Ilinois Press, 2007 (Vol.51,No.1)

Cid Carmo

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O seguinte excerto da entrevista com Chiquinho reforça ainda mais este ponto.

“-Às vezes são pessoas mesmo de cada zona que organizam e convidam as pessoas, fazem publicidade. A maior parte das vezes são caboverdianos?

-Sempre, sempre. Porque é a nossa tradição, é uma forma de vivermos aquele bocadinho de Cabo Verde.” Quer pela questão da localidade quer pela questão do interesse e objectivo aqui

expressos.

Confirmam que o reportório violinístico é em grande parte composto por

músicas originalmente concebidas para serem cantadas.

Chiquinho:

“…no violino a gente toca praticamente é música que é para cantar mesmo voz,” Leonel:

Antigamente, na ilha do Fogo “não tinha quase voz, era só violino, o violino que fazia parte de voz, íamos tocar num baile era o violino, não havia gente para cantar.”

Esta prática de transposição de reportório vocal para uma prática instrumental,

aparentemente, é comum no exercício de música tradicional.

“In a 1988 article, she [Anne Lederman] suggests that the metrical

irregularity of the western Manitoban aboriginal fiddle tradition may

be connected to a rhythmic trait evident in Ojibwe vocal music.”43

É-nos ainda dado ver a noção das relações e comunicação subliminar que se

ganham através de uma colaboração performativa relativamente regular.

Morgadinho:

43 Lederman, Anne 1988. "Old Indian and Métis Fiddling in Manitoba: Origins, Structure and Question of Syncretism." The Canadian Journal of Native Studies 8(2):205-230. citada por Byron Dueck Public and Íntimate Sociability in First Nations and Métis Fiddling in Ethnomusicology – Journal of the Society for Ethnomusicology, Timothy J. Cooley (ed.), University of Ilinois Press, 2007 (Vol.51,No.1)

Cid Carmo

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“…naquela música que toquei no ensaio que foi a primeira vez que toquei com o Armando44, estava nervoso como estou cá, no primeiro dia vim a perceber que fiz uns improvisos lá que não devia, porque eu fazia, e o Armando estava a fazer isso, e eu não deixava a guitarra sair com isso, …”

“…depende se conhecer a pessoa também, por exemplo quando eu fui lá na casa do Armando eu não conhecia ele, se soubesse que ele ia fazer aquilo, não fazia, só vim a perceber na gravação, mas depois disso já tocámos muito, e corre sempre bem.”

44 Em Morabeza Morgadinho aparece a tocar entre outros com Armando Tito, é a este episódio que o violinista se refere.

Cid Carmo

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As Performações

3.1. Questões Comportamentais Aula Eduíno e Armando Tito Encontrei-me com o Armando Tito e o tocador de cavaquinho no Marquês de

Pombal para apanhar a camioneta que vai para Carnaxide.

Já na camioneta Armando relata:

-“Vamos ver um rapaz que toca bem, mas precisa de ver andamento”45

Armando e o cavaquista tocam com ele para ver se ele ganha maior facilidade

em apanhar e manter o andamento.

“Aqui vamos só tocar com o rapaz para ele ver do andamento, mas em Almada dou aulas de violino mesmo, e aí eu toco o violino”

Descreve que, “tenho um rapaz que esteve quatro anos numa escola de música, só aprendeu teoria, está comigo há dois meses, já sabe tocar 4 músicas. Eles só se preocupam com o dinheiro.”

Chegámos à porta, o dono da casa, Eduíno, está surpreendido por me ver

(Armando não deve ter dito nada, ou então Eduíno esqueceu-se). Este não

parece muito à vontade com a minha presença.

Sentaram-se, afinaram os instrumentos e começaram.

Armando disse Seufilhera46 e começaram logo a tocar.

Tocou o telemóvel do Eduíno, este pediu que parasse a gravação.

Atende o telefone, e depois de falar tudo, voltam a tocar.

Afinal ele tinha pedido para parar a gravação, não por ter problemas em se

estar a gravar (como supus), mas somente por ter tocado o telemóvel, pedem-

me então que volte a por a gravar para que possam depois ouvir a gravação,

tocam outra vez a mesma música uma vez que não foi gravada.

O violinista estava algo nervoso.

Reparou-se que no final de cada música fazem uma suspensão e decrescendo

e, em piano o Armando dá a tónica.

45 Por “ver andamento” entenda-se aprender a tocar a um tempo regular, não acelerando nem atrasando. 46 Nome de uma música vide Anexo: Lista de Músicas da “aula” de Eduíno

Cid Carmo

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Conseguiu-se constatar, inclusivamente pelos olhares e reprimendas de

Armando a Eduíno, que o problema de andamento deste era, que tinha a

tendência para acelerar, mas sempre que o Armando lhe chamava a atenção

ele voltava a ficar “em fase” com os restantes.

Armando vai dando partes temáticas ao violino ao mesmo tempo que vai

tocando a parte dele, ou seja vai dando a melodia em forte enquanto toca os

acordes em mezzo forte, recordando Eduíno da parte do violino.47

Perguntou-se a Eduíno o porquê do uso do glissando

“Dá mais suavidade”-disse.

Nos momentos de pausa continuavam a tocar, “cada um no seu canto”.

Almoço na ACV (Associação de Cabo Verde) Os músicos chegam e montam a aparelhagem toda no palco. Fazem o teste de

som. Tocam um bocado. Começa o almoço. Após o almoço começa o “show”.

O violinista: Luís de Barros, da ilha do Fogo.

Depois, quando a viola (Armando Tito) “sola”, o violino toca mais baixo a

acompanhar usando um padrão rítmico de notas curtas ou então usando notas

longas.

A banda usa uma caixa rítmica. Quando a desligam, é o cavaquinho que marca

a batida. Na voz, um músico caboverdiano, que também canta em brasileiro,

Brasão. É engraçado notar a ligação que há entre Cabo Verde e o Brasil, em

Portugal48. Notamos que quando a voz entra, o violino, que desempenhava o

papel principal do grupo, é “varrido” para segundo plano. Luís passa a fazer o

contra-solo, isto é a reforçar e complementar os fins de frase da voz mas faz

isto em piano. Assim, enquanto a voz canta, o violino tem momentos em que

espera e a certas alturas intervém… e quando a voz se cala, o violino “sola”.

Quem decide que música vão tocar começa sempre por tocar uma introdução

indicando aos restantes qual a música que se segue imediatamente.

Notamos que quer as partes estruturais, quer as ornamentais são facilmente

identificáveis na improvisação.

Uso de marchas harmónicas. 47 Vide Anexos: Suporte áudio - Faixa 3 ao 1”55. 48 Vide Anexos: Suporte áudio – Faixa 13 o violino só aparece a meio da música e é em piano mesmo assim encontramos a presença do contra-solo.

Cid Carmo

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Os músicos falam descontraidamente enquanto estão a tocar, em plena

performação, sem problemas.

Tive de partir antes que o “show” terminasse, pretendia entrevistar o Luís de

Barros nesse dia, não foi possível. Nem nesse dia nem em nenhuma das

restantes ocasiões.

Pequenas Notas Sobre os Violinistas do DVD do Festival de Homenagem a

Nhô Kzik e Vídeo do Travadinha na RTP encontrado no Youtube

Malaquias Costa em ambas as músicas, a determinada altura sinaliza aos

músicos que o acompanham para tocarem mais baixo, sendo que depois acaba

por tocar a frase e subsequente cadência final.

Egídio Brito dança enquanto toca.

Patone a meio do espectáculo continua a tocar mas desce à parte inferior do

palco e aí conversa com um homem com uma câmara de filmar, sempre a tocar

descontraidamente enquanto vai improvisando. Também comunica com os

músicos que o acompanham.

Djo de Kunim repete o mesmo tema até a exaustão, quase sem variações.

Noel Fontes olha para os músicos quando é para acabar a música

Lela Teodoro após, claramente, se enganar a tocar prolonga subitamente a

dominante enquanto olha para os acompanhadores que o fitam como que

surpreendidos, e acabam por concluir a cadência final à tónica.

Breky olha para os outros músicos quando é para terminar a música.

Travadinha toca vestido com um fato branco e de óculos escuros.

Cid Carmo

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3.2. Questões Técnicas 3.2.1. Informantes de Primeiro Plano Djom di Robeca Para além do violino “Tentei tocar cavaquinho e viola mas as cordas eram muito rijas e faziam doer os dedos, (…) fiquei só pelo violino mesmo.” isto porque

eram, provavelmente, cordas de metal.

Morgadinho Afirma a relatividade do papel do violino numa performação “é conforme o género da música. Há músicas que dão para acompanhar e a músicas que dão mesmo para tocar.” Afirma que não conhece muito mais gente que improvise, que aqueles que o

fazem, tocam é guitarra ou teclados, porque existem em maior quantidade.

Trata-se portanto de uma questão de proporcionalidade.

Na sua família, tem 2 irmãos que, tal como ele, improvisam, é assim que

aprendem “sem professor sem nada, todos a improvisar.” Sendo que os

restantes músicos especialmente violinistas “sacam as músicas de ouvido”,

músicas essas que, principalmente, foram concebidas com o intuito de serem

cantadas e foram adaptadas para o violino. “Em Cabo Verde tocamos assim: por exemplo uma pessoa grava um CD e nós tocamos o cântico da pessoa na música, no violino (…) há músicas mesmo de violino e há música que solamos o cântico para os acompanhamentos.” Essas músicas só para o violino são

tradicionais, “tipo Mazurca49, tipo Fox, alguma Valsa.”

Tocou um exemplo de mazurca, e de bossa nova: mais uma vez a ligação Cabo

Verde – Brasil.

Quando lhe é perguntado se “essa mazurca tem algum nome em especial”.

Responde que “tem, mas eu não sei… a mazurca é a mazurca.” O que pode, é

ser indicativo de uma falta de conhecimento da nomenclatura do reportório em

geral.

Foi-lhe inquirido se, para improvisar, começou por estudar escalas.

49 para exemplo vide Anexos: Suporte áudio Faixa 1

Cid Carmo

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“Eu não estudo nada. (…) Sempre já tive ideia de fazer alguma coisa diferente fazer as coisas de uma forma diferente mas com sentido no ouvido diferente; ou seja uma pessoa pode estar a tocar um acorde na viola e eu faço uma coisa de uma forma e de outra volta faço um solo e, de outra volta faço um contra-solo, e no ouvido sai outra coisa.” Ou seja começou de forma intuitiva, no entanto, a isso ajudou o facto de já

saber tocar viola, pois tinha uma noção de acordes e dos acordes dados pelos

acompanhadores (viola e cavaquinho).

A diferença entre solo e contra-solo distingue-se por “quando uma pessoa está a cantar e a outra está a fazer um coro com uma oitava ou meia oitava, é o contra-solo. Quando uma pessoa está a cantar e a fazer cada refrão e a guitarra está a completar em cada fim de refrão, a guitarra está a fazer o contra-solo” Ou

o contra-solo é o reforço harmónico dos finais de frase que são dados pelo

solista. Embora o exemplo áudio que temos é de uma performação de Luís de

Barros e não de Morgadinho, podemos no entanto facilmente constatar a

presença destes conceitos de solo e contra-solo e subsequentemente a ideia de

hierarquia de vozes a que está associada, estando no topo desta hierarquia a

voz humana só depois seguida do violino.

Afirma que «os caboverdianos gostam de fazer rapsódia, passar de uma morna para a outra, depois de uma morna para a outra. (…) Eu não gosto de fazer mas, fazem sempre. Eu gosto de começar uma morna e terminar uma morna e às vezes também cantam morna em morna, morna em morna, morna em morna, “mas que é isto, estou a passar nota passar nota passar nota, não tem princípio nem tem fim” isto “ é porque às vezes estou a tocar num lugar, toco uma morna uma pessoa vai para cantar, gosta e, começa a cantar outro cantar outro porque quer aproveitar para mostrar.”» É interessante notar que a noção

de rapsódia é perfeitamente compatível com a noção da dita música erudita de

tradição europeia.

[Pedi para ensinar uma melodia. Para afinar ele não deu o lá, deu o mi]

Não influenciado por convenções formais logicamente dá a nota mais aguda,

também seria natural se desse o sol.

Admite que para improvisar, começou precisamente por usar uma melodia e

depois começou a variar e improvisar cada vez mais sobre aquela melodia.

Cid Carmo

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[ensinou “saudade”]

“Quando toca a deslizar é suposto ser mesmo assim?

-A deslizar sim é para dar mais suavidade. (…) É que no violino dá mais vontade”

“Este improviso é só para complementar os acordes. Se estou a tocar sozinho e ninguém me acompanha posso dar esses improvisos para dar a sensação dos acordes que estou a dar.”50

“À medida que uma pessoa toca uma música, se solo a parte do cântico, sinto que devo complementar a parte que termina o cântico e, uso a parte que outros instrumentos podem fazer por exemplo o teclado pode fazer isso, faço, a guitarra pode fazer isso, faço. (…) É por exemplo; vê se percebes, naquela música que toquei no ensaio que foi a primeira vez que toquei com o Armando51, estava nervoso como estou cá, no primeiro dia vim a perceber que fiz uns improvisos lá que não devia, por que eu fazia, e o Armando estava a fazer isso, e eu não deixava a guitarra sair com isso, (…) depois vi que não devia fazer isso, só devia ser solo”.

Morgadinho elucida bem as questões associadas à prática da improvisação e

as dificuldades que lhe são inerentes quando se toca em grupo, nomeadamente

a noção de não tocar a mesma coisa que quem está a acompanhar.

“Quando faço solo, faço uns improvisos, porque nos improvisos é que as pessoas mostram o que sabem, e quando está à vontade faz os improvisos e sai bem (…), Então as pessoas sentem que estou a fazer, mas quando faço qualquer improviso sinto que têm a vontade de aplaudir. Ali é que saem os aplausos.” O violinista relata como para si a prova do domínio do instrumento é

identificada através da improvisação e, que é quem consegue demonstrar esse

domínio que recebe os aplausos do público.

Indagou-se, se quando se está a improvisar e está a tocar com outras pessoas

(guitarra e cavaquinho), se toca acordes que complementem os que são dados

pelo acompanhamento (não sendo estes os mesmos que os do

acompanhamento).

50 Para exemplo de uma improvisação de Morgadinho vide Anexos: Suporte áudio – Faixa 2 51 Em Morabeza Morgadinho aparece a tocar entre outros com Armando Tito, é a este episódio que o violinista se refere.

Cid Carmo

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“Não sempre, depende se conhecer a pessoa também, por exemplo quando eu fui lá na casa do Armando eu não conhecia ele se soubesse que ele ia fazer aquilo não fazia, só vim a perceber na gravação, mas depois disso já tocámos muito, e corre sempre bem.”

Em Morabeza quando o pai de Morgadinho recebe o violino que o filho lhe

enviou faz pequenos talhes em cunha no cavalete. Averiguei o porquê desta

prática. “Ele diz que o cavalete tem que ter os sitos das cordas52 em bico afiado como uma faca, diz que o som entra melhor.” Afirma ainda que para improvisar é bom saber tocar de ouvido, e que sabe os

acordes porque também toca viola e cavaquinho. Factor que facilitou o começar

a improvisar no violino.

Dá a transparecer a noção que tem de que “quem toca por pauta está preso,

não sabe tocar por si.”

Comenta que “Tenho um primo toca cavaquinho, ele está a tocar bem mas ainda não o suficiente se formos tocar para algum lado e se for alguém a cantar e é para tocar não tem de ser preciso dizer é em dó é em ré etc.” A capacidade

de apreensão auditiva da tonalidade é portanto uma característica que se

adquire e que é vista como uma característica base para quem pretende tocar

em público.

Indagou-se se nota alguma diferença no som do seu violino desde que

começou a tocar nele e agora, afirma que “fica agora com som mais tipo harmónica, tinha um som mais nítido mas agora fica mais tipo harmónica, (…)

deve ser melhorar, não sei.”

Aula Eduíno e Armando Tito Questões Técnicas

Reparei que ele tem a tendência para usar mais a parte superior e média do

arco, tem a palma da mão junto ao braço do violino. Não usa o dedo mindinho

no arco. É a postura mais confortável para tocar, mesmo por uma questão da lei

da gravidade, no entanto aquilo que daí resulta é um som pouco consistente por

não ser feita a devida pressão no arco.

52 Ou seja os pontos do cavalete onde assentam as cordas.

Cid Carmo

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Reparou-se que no final de cada música fazem uma suspensão e decrescendo

e, em piano o Armando dá a tónica53.

Eduíno apenas usa a primeira e segunda posições no violino, sendo que

embora a mão não mude explicitamente de posição, ela mexe um pouco.

A arcada é caracteristicamente com maior pressão no meio, embora não seja

usada muita pressão, o efeito é algo “wa wa”. Arcada tende também a ser

sempre ∏ V não havendo ∏ ∏ ou V V, ou seja é como sai, não parece haver

grande importância a ser dada à direccionalidade do arco. Nas partes que são

claramente mais enfatizadas parece haver uma tendência a ligar as notas, isto é

tocar várias notas na mesma arcada, no entanto parece haver sempre a mesma

lógica de fraseado.

Leonel Começou a aprender a tocar violino com o irmão.

“Apanhámos o violino, a gente começou a tocar algumas músicas, depois dia a dia vamos profissional um bocado e assim, sucessivamente.”

Portanto iam tirando as músicas de ouvido “de outra pessoa que toca, às vezes de gravação, cassete, essas coisas e ouvimos e depois vamos lá no instrumento e prefiro tocar assim.”

Também tocavam a acompanhar cassetes

“A gente punha a cassete e punha a tocar por cima.”

Do que sabe, a maior parte dos violinistas funciona na base do “tirar as coisas

de ouvido”. Não há ninguém que tenha aulas.

Não ensaiavam aquilo que depois tocavam nos bailes.

“A gente chegava ali e já tínhamos tudo quase decorado, era chegar aí e tocar.” Não era necessário dizer em que tonalidade estava a música “esta é em ré”, “a gente chegava lá e antes de tocar fazia assim [tocou um acorde de Sol Maior

com alguma ornamentação] se mi menor faz assim [tocou uma melodia em mi

menor com um acorde harpejado lá no meio] se lá menor [tocou uma melodia

em lá menor fazendo no final o acorde de tónica no sentido descendente]54

Mandou vir o violino com pickup “assim que é para ligar ao jack.” 53 Para exemplo vide Anexos: Suporte áudio – Faixa 3. aos 2”55 Armando Tito inclusivamente faz “Shhhhh” para que os restantes comecem a tocar mais baixo. 54 Para exemplo vide Anexos: Suporte áudio – Faixa 5.

Cid Carmo

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[O suporte do pickup é igual ao da queixeira]

Não tem amplificador em casa mas já usou a ligação porque “lá no café têm mesa para ligar e essas coisas.”

Acha que o reportório de cada ilha está um “bocado misturado” com o das

outras.

Acha que a ilha de onde se vem influencia a maneira como se toca “porque cada ilha toca de uma maneira”, isto nota-se a nível de ritmo. “Ritmo de ilha de: S. Vicente, S. Nicolau, Stª. Lúcia, Boa Vista, ilha do Fogo, se tocarmos a coladeira ou a morna é quase igual mas Santiago é diferente é mais mexido” devido ao funáná.

Não sabe improvisar. Em Cabo Verde conhece quem o faça.

“-A maior parte das músicas que eu toco não sei o nome, (ainda) mais (porque)

que eu toco as músicas é copiada por isso não sei o nome”.

Toca as músicas que “quase toda a gente conhece”.

Afirma que não toca funáná porque “funáná no violino é difícil”. Acha que em Cabo Verde dá-se mais importância à voz do que ao violino.

Acha que em Cabo Verde a maior parte das músicas começa tendencialmente

em modo menor

O deslizar do dedo, “na morna é mais devagar. Porque na coladeira é mais depressa”.

“Porque se usa o deslizar? - Para procurar as notas. Ouvi dizer que era para ficar com um som mais suave.

-Sim sim, também, tem mais melodia.”

(Pedi que ensinasse uma música. ensinou)

Afirma que o arco é como vem, tendencialmente ∏V∏V.

Quando se está a acompanhar e “se está a tocar, normalmente quando entra a

voz o violino pára, depois quando a voz pára começa o violino. (…) Às vezes quando a pessoa está a cantar, se improvisa uma coisa, mais ou menos um solo baixinho.” (ensinou outra música e outra ainda, Sodade)

“-Para tocar tem-se de conhecer a música, né?! Pois para mim foi mais fácil por conhecer a música.”

Cid Carmo

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Quando se toca com o 4º dedo, costuma-se tocar nas duas cordas “Eu não, mas aqueles violinistas mesmo profissionais costuma geminar as cordas55, mas eu é tocar uma corda de cada vez mesmo porque não sei fazer bem isso.”

(continuou a tocar – tocou uma coladeira, bastante conhecida)

“-Esse violino também já é antigo, não é?

É sim, se quiser pode tocar. Se quiser pode tirar isso. (a almofada)

Não. [pôs o violino apoiado contra o peito como faz com o seu]

(experimentou o meu violino)

-É melhor que este violino. (apontando para o seu)

Chiquinho Lima Tem o pickup no violino para ligar o jack.

“Sim, isto é a pastilha que é para ligar, pronto como isto é acústico e não tem ligação, pronto tenho que ligar isto.” Foi ele que pôs, não vinha já assim.

A noção de sotaque é associada a diferenças ténues identificáveis, por alguns,

entre violinistas de diferentes ilhas. Estas diferenças são identificadas porque,

sendo que, a música que é tocada no violino, era originalmente destinada a ser

cantada, todos os intérpretes conhecem praticamente todas as músicas.

Tornando-se mais fácil de “sentir aquele sotaque”, devido à forma de tocar, pois

sendo que a aprendizagem é feita num ambiente insular e como “a formação na altura, para passar de uma ilha para outra era um bocadinho difícil,” existe uma

tendência para aprender com familiares ou outros habitantes da ilha, tendo

assim todos o mesmo sotaque.

Mesmo que não identifique o outro violinista como sendo da ilha X ou Y,

Chiquinho consegue ver se é da sua ilha ou não.

A maior parte das pessoas que aprenderam a tocar aprenderam sozinhas

“porque aprender a tocar em Cabo Verde é assim: depende da localidade onde estiver, se estás numa zona onde tem, que tem bons artistas começa a aprender com eles e vai desenvolvendo, mas se há pessoas que só percebe de fazer uma serenata, que é poucas coisas tocar com três acordes ou quatro, então mesmo que tenha a tendência começa a ficar limitado, porque não tem ninguém em que aprender” 55 Leonel refere-se a tocar cordas dobradas

Cid Carmo

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Estas pessoas aprendem a tocar o instrumento a ouvir: CDs, cassetes, outras

pessoas e a “sacar de ouvido é isso. Porque escola, escola mesmo em Cabo Verde na altura…” E havia pouca gente a viajar de ilha para ilha, a não ser que

tivessem algo de importante a fazer, “porque aquilo custa.” Assim sendo é

natural que houvesse menos influência entre músicos de ilhas diferentes, daí

aparecerem “características diferentes entre o Fogo e S. Nicolau. Porque eu, pelo menos, já só tive contacto com pessoal do Fogo aqui, em Portugal. Mas lá na Cabo Verde eu nunca fui na Ilha do Fogo. E nunca conheci nenhum gajo que tenha saído da ilha do Fogo para ir tocar em S. Nicolau, sem ser a ouvir por gravação.” Sendo assim, actualmente, os grupos de serenata e os músicos

circundantes servirão mais de referências a nível áudio e visual, já que a

aquisição de reportório, através do “sacar de ouvido”, é maioritariamente feita

através da audição de CDs e cassetes.56 Comparando os exemplos 6 e 7 do

CD constatamos que existe não só transposição de um âmbito vocal para o

instrumental como também uma transposição de um tema de batuque para um

formato rítmico de coladeira, este sim com tradição de pratica violinística.

Afirma que em Cabo Verde existiam bastantes grupos de serenata, cada zona

tinha o seu, e embora tenha certeza disto relativamente à sua ilha S. Nicolau,

também crê que em São Vicente, Fogo e Boavista também existissem esses

grupos. O termo parece provir de grupos que tocavam, literalmente serenatas,

mas passou a servir para apelidar grupos que tocassem apenas músicas

simples “música de três acordes” mais ou menos. No entanto este termo parece

ser local, não sendo usado a nível nacional (em Cabo Verde), “quando havia um grupinho a gente chamava “isto é um grupinho de serenata””. Isto não significa

que não exista a prática de haver, a nível de todo o arquipélago, pequenos

grupos que tocam tendencialmente músicas de estrutura tonal simples.

Afirma que “nunca fui ter com ninguém, porque é assim: o violino, na minha ilha é conhecido como um instrumento que não dá para ensinar, eu pelo menos quando era criança, estava convencido disso. (…) Não dá para ensinar porque quem toca violino na minha ilha não tem teoria musical, toca mais ou menos de ouvido. Então como aqui [no braço do violino] não tem os trastes, é uma escala invisível. Então não dá para ensinar, como é que eu vou ensinar a pôr os dedos 56 Para exemplo vide Anexos: Suporte áudio comparar Faixas 6 e 7

Cid Carmo

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no violino se ele não percebe nada de escalas, não percebe nada disso, o pessoal não aprecia nada disso. Tocavam aquela melodia mais ou menos e tal e tal, sabiam mais ou menos os acordes que estavam a tocar, o inicial às vezes. Então é por isso que eles dizem, o violino não dá para ensinar. Porque eles não tinham teoria musical. Então aquilo que a gente podia fazer era assim: eu vou para um baile que está aí um violinista desses a tocar, quando eu começo a ouvir “êpá o gajo deu aí um pormenor aí bonito” vou tentar aproximar dele, pronto como já tenho aquelas melodias no ouvido e já tenho ouvido para a música, vai tentando pegando as coisas, é assim.” Esta percepção é bastante

elucidativa da imagem que é tida pela maioria dos caboverdianos do violino e

da forma como este deve ser abordado.

“O violino que eu faço é praticamente substituir o cantor, porque eu toco uma noite toda, mas só com o violino. É só para substituir a voz, agora, quando há voz – o violino serve para acompanhar, meter só um arranjo no princípio e no meio, qualquer coisa assim parecida.” Toca-se quando a pessoa está a cantar,

“porque o violino faz a mesma função que faz uma viola ou um clarinete.” Assim

sendo o violino tem uma posição de menor importância em relação à voz.

Afirma que há géneros musicais característicos de cada ilha, “por exemplo, o funáná é da ilha de Santiago, é tocado só aí.” Quando se refere que noutras

ilhas também há quem toque funáná, diz que “já é imitação, percebes. Mas não havia, isso é o que eu estou a dizer, há aquela falta de ligação que antigamente havia entre ilhas, agora já está mais fácil, lógico. Antigamente, cada ilha fazia uma coisa, é como: funáná é exclusivo da ilha de Santiago, funáná e batuque. São raízes de Santiago. As outras ilhas agora tocam funáná, eu toco funáná, e bem; mas eu sou de morna e coladeira.”Tal como a maior parte das ilhas.

Existe então uma miscegenização do reportório de todo Cabo Verde: disto

resulta a apropriação por parte de outras ilhas de um género que é

característico de apenas uma, especificamente.

Há músicas, específicas de cada ilha, “que são menos conhecidas. (…) Porque normalmente nunca foi gravado.” Assim sendo as músicas que são gravadas

como há muita gente a ouvi-las, também há muita gente a tocá-las. “É como essa música: Sodade. Essa música hoje toda a gente já sabe a história dessa música. Mas essa música é como tantas que há na minha ilha, toca-se com três

Cid Carmo

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Corda lá corda’m li – Histórias de quem toca o violino em crioulo

acordes. Música de serenata como eu estava a dizer.” Também há músicas não

tão fáceis, que não são conhecidas “Há tantas músicas. Porque não havia condições porque eu mesmo que eu fizer uma música ou uma melodia no violão ou no violino, o que mais é que eu fazia com aquilo na altura, era tocar só naquela comunidade e mais nada.” Complementando a questão anterior vemos

portanto que as músicas, características de determinada ilha, a partir do

momento que são gravadas e difundidas passam a configurar no reportório de

todo o arquipélago, sendo que as que não são gravadas mantêm-se restritas à

sua “ilha de origem” e pouco mais.

Não sabe dizer se essas músicas ainda se tocam nas comunidades “porque eu já saí de lá há 8 anos e a gente nunca sabe como as coisas anda. Mas na altura sim, a gente tocava muita música… eu também criava as minhas músicas no violão, solos tradicionais essas coisas todas.”

Em Portugal não toca essas músicas nos bailes, “porque aqui é diferente, aqui eu toco nos bares, eu e o meu colega, eu toco com uma viola semi-acústica e ele toca com uma viola eléctrica e uma caixa rítmica, aquilo já não tem praticamente nada a ver com música tradicional. (…) Eu aqui já não tenho pessoas para tocar música tradicional. Já não tem movimento para aquilo, tipo noites caboverdianas, tocar em restaurantes, essas coisas. Porque aqui, nesta zona todos os restaurantes que há são portugueses, eu não tenho cá pessoal para formar um grupo como tinha em Cabo Verde, para tocar uma noite agora com violino com mornas e coisas assim, lá em Cabo Verde é a nossa tradição pronto, em todos os sítios é…” Pressupõe-se então que o formato dos bailes de violino em Portugal não seja o

mesmo que o tradicional cultivado em Cabo Verde, principalmente por, em

Portugal, não ser um género acústico, este parece ser o factor diferenciador.

Á primeira vez que ouve, se “souber cantar aquela música, eu pego na viola e toco logo à primeira, porque já ouvi e sei todos os acordes daquela música. (…) No violino é diferente. O violino pega aquela melodia que foi cantada, é tipo um solo, é uma coisa mais delicada. Ser um solista é uma arte muito mais avançada do que uma pessoa que só faz o acompanhamento, aquilo exige muita coisa, é como eu dizer que pego na viola e oiço aquela música, já sei mais ou menos aqueles acordes posso cantar aquela música e acompanhar,

Cid Carmo

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Corda lá corda’m li – Histórias de quem toca o violino em crioulo

agora, para solar e ou meter outras coisas, numa parte em que aquilo tem um solo já é uma coisa mais delicada.” A comparação entre viola e violino, sempre

presente no discurso de Chiquinho: afirma que enquanto na viola através de

uma melodia intui a harmonia que lhe é inerente, no violino o facto de estar a

“solar” aquela melodia é mais complexo, pois pressupõe uma noção de

características estéticas específicas, e das técnicas que as irão realçar.

O instrumento que mais gosta de tocar é a viola.

Há músicas sobre as quais é mais fácil de improvisar que outras. Uma música é

mais fácil para improvisar por ter menos acordes, “porque para improvisar com muitos acordes é preciso ter um nível já bastante avançado. A conclusão que eu tiro é entre o violão e o violino, por exemplo: aquilo que eu tenho capacidade para fazer na viola, eu acho no violino nem a décima parte dessa capacidade eu tenho. Mas porque no violino somos habituados a tocar baile de violino e o que ele faz é só substituir a voz, então para se habituar a tocar com um violino tem que estar num grupo que tenha voz e que se vai acompanhar com o violino e improvisar, aí é que vai habituar “Eu aqui para meter um improviso, como é que eu faço isto? Tás a cantar, meto isto meto aquilo…” aquilo vai fazer puxar pela cabeça, mas se está a substituir quem está a cantar já não pode improvisar tanto, e numa viola um gajo toca, aquilo tem sempre pessoas a cantar e um gajo esta sempre a improvisar, vai ganhando aquela prática.” Relativamente à

questão anterior, no entanto podemos considerar que é acompanhando, ao

violino, integrado num grupo que tenha cantor, que o violinista adquirirá maior

facilidade a improvisar, pois é “forçado” a isso. Saliente-se a questão voz –

violino: quer a nível de reportório quer subsequentemente a nível de

preformações vemos que o violino desempenha um papel que originalmente é

da voz, assim sendo, está hierarquicamente numa posição inferior a esta.

Afirma que aquilo que entende por improviso, é “uma coisa que eu não tinha planeado para fazer. (…) Ou seja estás a cantar chegas a meio, paras e baixas o microfone, eu faço um solo, mas não tinha planeado solo nenhum. Mas quando uma pessoa já está bem habituada com um instrumento já não fica tão difícil. E as pessoas admiram mais é por aquele poder de improviso, colegas e músicos e tudo. Se calhar eu digo que é uma coisa que é fácil porque é uma coisa que eu sei. Mas de violino é a mesma coisa. Olha, isto é como o ABC de

Cid Carmo

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um instrumento para o outro, todos os instrumentos são iguais, é dó ré mi fá sol lá si, só muda o instrumento.” Esta última frase é demonstrativa do à-vontade

com que encara a música e permite-nos compreender como é possível que se

tenha dedicado, como muitos músicos caboverdianos, a tocar vários

instrumentos.

Mas é-lhe mais fácil improvisar no violino porque antes já sabia na viola. “É que qualquer instrumento, uma pessoa tem que em primeiro lugar criar uma base, tem que conhecer minimamente aquele instrumento para poder fazer alguma coisa de jeito. Porque é assim, um gajo se for para a escola pode aprender no violino aquilo que eu aprendo na viola. Agora, uma pessoa que não percebe nada de música pegar directamente no violino, já não sei como ela vai fazer. Por eu não ter teoria musical é-me mais fácil ensinar uma pessoa a tocar num teclado ou numa viola do que violino. Porque ali tem os trastes e no violino como não tem já é mais difícil, só que antigamente e até agora as pessoas tocam violino e qualquer instrumento e não sabem o que é uma escala. E eu como sou curioso comecei a interessar “pá eu tenho eu saber…” por exemplo eu faço uma coisa, uma melodia qualquer e digo “êpá este acorde é bonito”, mas eu quero saber a origem daquele acorde, como se chama aquele acorde porque é que ele é assim, já é curiosidade. Mas há pessoas que fazem aquele acorde, pronto o acorde é bonito e não se interessam por nada de onde o acorde vem….” Afirma que para aprender a tocar violino, a falta de noções de

teoria musical tem de ser colmatada pela aprendizagem prévia de outro

instrumento que servirá de referencial.

Declara que o deslizar dos dedos no violino “é uma questão de dar mais sentimento, a tocar uma morna é para dar mais sentimento.” É-lhe descrita

outra justificação que foi dada para além de outras similares à sua, que era para

encontrar a nota. “Para procurar a nota, não deve ser assim, porque um gajo que toca violino bem não vai procurar a nota assim” Descarta a hipótese que as

pessoas que tenham começado a tocar tenham começado a usar para

encontrar a nota e depois começaram a gostar desse som.

“Não é isso. Porque na minha maneira de ver, ele não tem traste exactamente por isso para pode tirar o máximo proveito do instrumento. Porque se ele tivesse trastes já não dava para fazer isso. Perdia sentido, para tirar proveito do

Cid Carmo

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Corda lá corda’m li – Histórias de quem toca o violino em crioulo

violino ele tem que ser assim. Agora é assim: aquilo para deslizar o dedo não é fácil, aquela é a forma de tocar mais difícil. Uma pessoa tem que praticar muito porque uma pessoa pôr o dedo no sítio certo é mais fácil porque quando vai fazer o deslizar vai ter que parar no sítio certo. E a música dá uma sonoridade fora-de-série. [demonstrou no violino] Então o deslizar é realmente mais difícil e realmente nas mornas dá aquele efeito, mas tem que treinar muito.” Como foi

posta uma questão ao entrevistado que o remeteu para um contexto que não o

seu, podemos considerar que a resposta deste foi influenciada, pois foi pedido

ao entrevistado para responder sobre algo que não presenciou.

Para além do deslizar, outra das características da música caboverdiana é, que

“Tocam com 8ªs, conseguem juntar alguns intervalos para ficarem os dois ao mesmo tempo, também é uma forma mais difícil [exemplificou cordas dobradas],

se a música for muito rápida tem que ter tudo muito bem conjugado, agora para solar tipo viola já é a forma mais simples. Na minha ilha aqueles tocadores mais antigos que eu conheci quando eu era criança eu já não tive tempo para ouvir tocar muito e aprender algumas coisas que eles faziam, eles pegavam numa música que era cantada, eles não tocavam aquilo com pormenores mas sim para ter uma melodia suave, um bom exemplo disso era o Travadinha, ele pegava numa melodia mas não fazia tudo aquilo que a voz fazia, deixava algumas coisas para trás precisamente para poder expressar no violino, é como os tocadores de antigamente lá na minha ilha tocavam uma música e identificava a música com aquela que eles estavam a tocar mas ficava muito diferente precisamente porque eles iam pegar aquelas cordas duplas e ficava extremamente bonito só que eu não tive tempo para… já eram pessoas de uma certa idade e já morreram todos.” A música quando cantada tem um texto, que por vezes pode ser a nível

silábico, melodicamente repetitivo. Assim sendo, é natural que quando esse

texto desaparece, pois a música é transposta para o violino, essa melodia

possa ficar pouco fluida. É portanto natural que, pelo menos, uma velha guarda

de violinistas, descartasse as partes mais repetitivas da melodia para que esta

ficasse mais fluida.

E para além do deslizar e das cordas duplas, também fazem “rimações”

[exemplificou fazendo vibrato].

Cid Carmo

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Afirma (rindo) que o deslizar de dedo “não tem nenhum nome específico Mas isso cada vez mais coisas, mais difícil, cada vez mais perfeito, mais difícil. Quando acha aí um gajo, e ele toque violino mesmo bem é porque ele tem-se esforçado mesmo muito. Porque mesmo o manejar do arco é extremamente difícil, porque às vezes tás a dar uma nota (e exemplificou no violino) e o arco acaba e tens de voltar para trás mas essa melodia não tinha que ser interrompida. Porque devia ser assim (tocou uma melodia).”

Vemos então que o violino é visto como um instrumento bastante difícil de

dominar, e que apenas é dominado “em pleno” quando é tocado por alguém

que tenha dedicado muito tempo e esforço ao mesmo. Sublinhe-se também a

questão do arco, ao qual, contrariamente ao que seria de esperar, também é

dada importância.

“Como se chama essa música? -Eu para dizer a verdade não sei, aprendi essa música por acaso, foi com o Armando Tito, ele estava assim a tocar, depois coiso e tal e ele deu-me essa melodia. Pois ele também me ensinou essa por acaso. -Ai é?! (sorrindo) É.

- Pois, essa música foi no Armando, a gente estava a ir para o Algarve ele estava a tocar essa música e, eu “essa música é gira” então ele esteve só para eu ver a melodia.” Perguntou-se-lhe, se achava que a maior parte das pessoas dá mais

importância ao violino ou ao arco.

“O problema é o isto. Eu por exemplo nunca faria isso com ninguém, eu chego aqui e um gajo está a tocar violino ao mesmo tempo eu toco o violino (...) ele toca do outro uns tem a tendência mais para isto outros mais para aquilo mas nunca discutimos as coisas, para saber, para perguntar “olha no violino o que é que acha que é mais difícil” até porque era bom dialogar sobre isso, “êpá eu tenho dificuldade com o arco” podias ter mais experiência e dizes “pronto isso fazes assim e assim” e vai pegar a experiência do outro mas pronto a gente praticamente não fala sobre isso.” Esta falta de comunicação entre violinistas é

caracterizante do estigma que rodeia o instrumento, resultado da aprendizagem

Cid Carmo

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intuitiva de um instrumento que não tem trastes. Tal é claro quando

comparamos com o caso dos guitarristas ilustrado abaixo.

“A viola… nós achamos que já é uma coisa mais simples, mais simples porque já se consegue identificar, já dá para ver porque uma coisa que não tem teoria se ao menos dá para ver, para além dos ouvidos ainda dá para ver como o violão fazes um acorde e eu posso dizer põe o dedo ali outro ali outro ali tal tal aí já dá para ver, agora o violino já é mais complicado, tem-se que pegar para fazer experiência.”

Foi-lhe inquirido se vendo outras pessoas a tocar, constatando se um dá uma

arcada mais larga que outro, se isso ajuda a ganhar noções relativamente à

execução do instrumento “Pois, pois dá, dá sim. Isso é verdade. (…) O problema é assim: começa a tocar violino, vai pegar um jeito próprio é da forma que fica mais fácil, agora para definir as coisas classificar os sons qual é que é melhor tal tal, isso já é… eu para dizer a verdade tenho tido poucos encontros com violinistas é da minha ilha, pessoas que também tocavam, mas não eram pessoas que eu podia pegar alguma coisa.” Aliada à falta de comunicação

relativamente a questões técnicas, o facto de a aprendizagem ser feita a sós,

sem orientação, vai fazer com que cada um pegue no instrumento como lhe é

mais fácil, isto influenciará naturalmente a forma de tocar.

Assim sendo, a presença de outros tocadores é importante não tanto pela

passagem oral de conhecimentos mas, pela constatação visual de

características interpretativas.

“Cada um tira (do violino) aquilo que consegue tirar, (…) é sempre bom quando a gente vê.” Mas “sim. É como sai, começas a treinar, se tiveres uma pessoa com grande experiência por perto… por exemplo eu vou ali ver um gajo a tocar violino, se o gajo toca aquilo com um estilo mesmo…. Eu fico “êpá já espertei, o gajo fez, eu vou tentar”, tás a ver? Agora se chegares aí e quem estiver a tocar for como eu fica tudo na mesma coisa.”

Chiquinho fala de quando era jovem, as condições em que muitos vivem e

como isso balizava o percurso musical de muitos. “Na altura pá era um problema uma gajo numa zona praticamente nem luz tinha, como é que vais ouvir um CD um rádio é a pilhas mas às vezes nem condições para comprar um rádio um gajo tem. Eu toquei uma porção de solos tradicionais de viola

Cid Carmo

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daqueles homens mais antigos, que eram muito famosos, sem nunca ter posto aquelas músicas para escutar, só a ouvir no rádio; eu ouvia hoje a tocar, se eu não conseguia apanhar todo apanhava uma parte, pronto deixava, um dia qualquer que eu ouvisse essa música, eu já não ligava a aquela parte que já tinha apanhado, “êpá fiquei com uma dúvida ali e ali” tocava aqueles solos, mas mesmo igual com todas as características a ouvir na rádio “. É possível que

tenha começado assim a influência da difusão de reportório entre ilhas, antes

da afirmação da presença da indústria discográfica entre a população em geral,

apenas pelo intermédio da rádio.

“Porque é assim: um gajo às vezes nem tinha condições para comprar música nem para ter onde pôr para tocar. Músicas de danças eu aprendia quando ia às festas se eu não conseguia pegar as letras todas, noutro dia pegava o resto. É como tudo, o violino também vai-se aprendendo, é de uma a outra e isso, é ter um gajo a tocar uma melodia. É uma tendência o pessoal a tocar lá violino eu vi que havia aquelas notas específicas que eles tocavam praticamente era em ré, sol menor era uma nota preferida Sol Maior, às vezes davam festas uns já tocavam em dó menor metia mais alguma coisa Ré Maior então se eu estou a ver que o pessoal que toca violino toca nesses acordes, o pessoal que está a acompanhar já está habituado a esses acordes; às vezes já não me preocupo em inventar outras coisas para contrariar, se eu tenho a mania de tocar, o que é que eu vou fazer, é pego nesses acordes vou treinar algumas músicas nesses acordes, tás a ver porque quando eu pegar aquele acompanhamento para tocar comigo já tocam sem dificuldade. Depois quando eu peguei no grupo que eu tenho ali eu já fazia outras coisas, mais difíceis com mais viragens pronto não dá, porque vamos tocar ali num sítio temos de ter alguma coisa especial, para incentivar e o pessoal vai avançando sempre mais alguma coisa.”

Destacamos dois factores: que a aprendizagem de reportório era feita, quando

não havia possibilidade da aquisição de discos, pelo frequentar de bailes: e a

constatação feita por Chiquinho, a qual influenciou a forma como começou a

tocar, de que os violinistas que via a tocar e que acompanhara enquanto

guitarrista tocavam tendencialmente em ré e sol, nomeadamente duas das

cordas do violino e assim tonalidades mais fáceis de tocar, pois requerem

apenas que se toque na 1ª posição.

Cid Carmo

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Assim sendo as músicas não são sempre tocadas “na mesma nota”, e por

exemplo uma música pode estar na tonalidade de Lá Maior ou Mi Menor mas,

como é para ser tocada em violino, os violinistas transpõem-na para ré menor,

isto é prática comum. “Praticamente fica mais fácil, pronto é passar de um acorde para o outro para ser mais fácil. Tocar uma coladeira por exemplo se facilitava ser em sol menor não interessa onde (em que tonalidade) aquela música foi feita. Se não facilita aí passa para outro.” No entanto estabelece uma ligação entre este factor e o processo de

modulação. “Passar de um acorde para outro é precisamente isso, é quando começa-se a tocar uma música num acorde é difícil, passa-se para o outro para facilitar.” Se esta frase for vista à luz do facto de os violinistas tocarem

principalmente na 1ª posição, a sua interpretação torna-se mais clara. É tornada

mais clara ainda pelas seguintes afirmações:

“É como por exemplo se eu fizer assim (tocou apenas numa corda e subindo de

posição) tás a ver mas se eu fizer assim (passo da corda sol para a ré

modulando no final) aí já baixei o tom porque se se tiver de subir já é mais difícil. Porque não tive professor, porque não é difícil. É não saber. Se vai ficar difícil é obrigado a baixar de tonalidade para compensar, é onde fica mais fácil.” Segundo Chiquinho, no violino, os géneros musicais que se tocam são: Morna,

coladeira, samba, mazurca e valsa. Funáná “também se toca. Mas eu por exemplo toco (…) menos porque (…) na nossa ilha ele é menos apreciado. (…)

“Em Santiago que é a raiz de funáná.”

“-Para improvisar pego numa nota, e vai improvisando. Se tiver acompanhamento faço o improviso dentro dos acordes que ele vão tocar. Agora, se toco sozinho faço um improviso dentro da escala.” Por exemplo vou fazer em mi menor.57

[tocou]

-Tou só a tocar dentro daquela escala. E se quiser fazer a mesma coisa mas noutra nota dá para fazer?

-Dá, dá. Para fazer a experiência dá para fazer. [improvisou sobre Sol Maior, não tocou “a mesma coisa”]

-Por exemplo, qualquer acorde, isto depende do desenvolvimento. 57 Para exemplo vide Anexos: Suporte áudio – Faixa 8

Cid Carmo

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[tocou escala ascendente depois descendente de Sol Maior, primeiro devagar

depois mais rapidamente, depois começou a improvisar sobre a escala cada

vez de forma mais complexa]

-Agora duas 8ªs [tocou a mesma escala em duas oitavas, depois começou a improvisar sobre a

mesma escala]

-Agora passei para a relativa menor que é mi menor [continuou a tocar]

[começou a tocar na 3ª/4ª posição]

-Aí já é difícil porque para mudar de um sitio para o outro tem…. (na mudança

de posição)

Mas há muita gente que faça isso? A maior parte das pessoas toca só aí em

baixo (1ª e 2ª posições), não é?

-Sim, sim só em baixo. Tocam só ali porque quando estão nesta posição (1ª

posição) os dedos estão todos ali mas quando se toca e vem para aqui (fez a

passagem para uma posição mais avançada 4ª/5ª posição) o problema é saber que é aqui, chegar e acertar aqui com o dedo porque aqui “o traste” é mais pequeno é tipo violão ou cavaquinho, é mais complicado anda pois. [continuou a improvisar, a certa altura começou a tocar uma música que mais

tarde vi ser tocada num DVD que o Chiquinho me facultou do concerto de

homenagem a Nhô Kzik]

-Isto do violino é bonito mas em grupo já sai uma coisa completamente diferente…”

Factor a realçar: esta descrição permite depararmo-nos com algo muito próximo

daquilo que será na prática o processo de aprendizagem da prática

improvisativa; a confirmação de que existe a tendência para se tocar

principalmente na primeira posição; a percepção que é adquirida, pela prática e

por também se tocar guitarra, das distancias intervalares no violino e a forma

como, tal como na viola, à medida que se vai “subindo pelo braço acima” as

distancias entre intervalos se vão tornando menores. Chame-se também a

atenção para o facto de Chiquinho ter aprendido uma música de um DVD de um

festival de violino que se tinha realizado apenas um ano antes.

Cid Carmo

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Corda lá corda’m li – Histórias de quem toca o violino em crioulo

Demonstra no violino a diferença entre coladeira e funáná58

[tocou um funáná]

“Coladeira já é uma música mais delicada.”

[Tocou uma coladeira conhecida]

Em determinados momentos da música, improvisou.

“Sei que isso é difícil59, mas dá para me ensinar essa música? -Para ensinar… ah sim, sim. [começou a tocar a música para eu ver como se tocava, suponho]

[deu-me o violino para a mão, trocou a queixeira de lado.]

[ensinou-me a música]

-Então pá, percebes disto pá! Êpá é por isso que eu estava a dizer violino é assim, para ensinar uma pessoa a tocar violino é complicado porque eu não tenho teoria nisto. Por exemplo eu não consigo identificar uma nota assim, de vista.”

Faz a descrição de como aprendem a tocar em Cabo Verde

“Por exemplo aqui é sol (tocou a nota e foi subindo até…) e aqui é dó. Por exemplo [tocou o arpejo de dó maior no sentido ascendente desceu à 5º do

acorde e desceu por graus conjuntos] já fiz logo melodia. É assim que a gente aprende a tocar em Cabo Verde60. Aqui é dó (tocou a mesma estrutura melódica) pronto já tem aquela melodia agora posso tocar uma coisa. (improvisou sobre a mesma melodia) tás a ver já está aí uma música. Por exemplo, dó (tocou a escala de Dó Maior no sentido ascendente, uma 8ª) e aqui está em dó também (começou a tocar a mesma escala no sentido

descendente) aqui já estás em sol (conferiu com cordas dobradas com o dó, e

continuou a descer, depois parou…e recomeçou, dó…) aqui já é ré, agora vou pegar uma melodia. Agora vou esquecer do dó e vou pegar em ré (tocou a escala de Ré Maior

sentido ascendente uma 8ª, improvisou sobre a escala) tás a ver, já fiz uma melodia, (começou a improvisar em Ré Maior) tás a ver?

58 Para exemplo vide Anexos: Suporte áudio – Faixa 9 para um exemplo de Funáná de Coladeira, e de uma pequena aula de violino. 59 Pois apenas tínhamos no local o violino do Chiquinho 60 Para exemplo vide Anexos: Suporte áudio – Faixa 10

Cid Carmo

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A questão é um gajo pegar na escala e pronto, se não entrar na escala já sei… isto um gajo pega na escala e já consegue tocar muita coisa. Por exemplo mi menor (improvisou sobre a escala de mi menor).”

Quando estão a tocar já existe a tendência para marcar constantemente a

tónica.

(tocou a mesma melodia que estava a tocar)

“Sim, isto é uma música simples também, que tocas em 3 notas. Há músicas que dá para ser assim… eu toco algumas músicas que também dá para… por exemplo, como essa música que eu estive a tocar agora antes desta, já é uma música que tem muitas viragens, (tocou uma mazurca do Patone, a do DVD)

isto já tem muita coisa, uma música destas eu não vou tocar ali, porque já é muita complicação, a gente não faz ensaio. Tem que ser coisas mais simples, mas mesmo assim a gente toca umas coisas que tem algumas viragens, já não é assim tão complicado, mas pronto (tocou aquilo que se pode intitular de uma

introdução à tonalidade) isto é ré maior, agora (tocou a escala, depois seguiu

para uma coladeira) pronto é mais ou menos isto. Há músicas que eu toco, que têm mais brilho, pá festa, já sabe como é que é. (tocou) esta quem tocava era o Travadinha (continuou a tocar) eu tou a levar muito rápido mas é só para despachar (continuou) pronto algumas músicas assim, algumas mornas, que também é muito bonito. (tocou uma morna) pá o violino é giro, mas eu faço pouco treino de violino esse é que é o problema, tás a ver.” “Agora como eu estava a dizer violino é uma outra coisa, agora viola… é completamente diferente. Toca viola também, né? Não, não.

-Não? Só violino?! Então deve conhecer muita teoria de violino de certeza, ou não? Alguma.

-Sim porque… eu toco isso. Porque é que eu sei do violino, porque eu consigo só fazer uma escala, do ré mi fá sol lá si, escala maior e escala menor, na viola por exemplo…(tocou, e realmente nota-se um maior à vontade) se eu tivesse capacidade de improvisar no violino como improviso na viola era uma coisa louca! (rimo-nos) ”

Cid Carmo

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Corda lá corda’m li – Histórias de quem toca o violino em crioulo

É interessante notar que Chiquinho como sabia que eu tocava violino,

naturalmente (na sua perspectiva) pressupôs que também tocasse viola. E

quando lhe foi respondido que não tocava, reagiu com espanto e de imediato

referiu que “deve conhecer muita teoria de violino de certeza”.

[tocou na viola:

• Um improviso;

• Já tive mulheres – Martinho da Vila Mais uma vez

encontrámos a presença da ligação entre Cabo Verde e

Brasil;

• Uma música do Tito Paris tocada num concerto na aula

magna;

• Uma morna]

3.2.2. Informantes de Segundo Plano Almoço na ACV (Associação de Cabo Verde) O violinista: Luís de Barros, da ilha do Fogo.

Luís não usa almofada, toca com o violino apoiado contra o peito.

O seu violino tem pickup para ligar à mesa de som.

Quando tira o arco da caixa este já se encontra apertado e, mais tarde, quando

o põe de novo na caixa, também não o desaperta.

Põe no arco, aquilo que um violinista “clássico” poderia considerar, demasiada

resina, o tampo por debaixo das cordas está branco.

O polegar da mão direita agarra o arco por baixo do talão.

A pressão é feita sobre o arco com a mão e o 1º dedo, o indicativo.

O violinista não usa o terço inferior do arco excepto quando são notas longas.

Ou melhor, usa mas muito pouco.

A ponta do arco, por vezes, à medida que o arco vai descendo tende a ficar na

diagonal em relação ao violino ou seja com a ponta virada para o ponto.

A palma da mão esquerda está encostada ao braço do violino. Toca sempre na

1ª posição.

Luís usa vários tipos de ornamentação e dinâmica: cordas dobradas (à 8ª) em

notas de apoio, notas longas e vibrato de pulso, mordent, movimentos

Cid Carmo

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Corda lá corda’m li – Histórias de quem toca o violino em crioulo

sequenciais (o uso do mesmo padrão melódico e rítmico sobre os vários graus

da escala)

O violinista demonstra que sabe improvisar.

Entre algumas músicas o Luís limpa a parte do braço do violino onde toca (visto

que só usa a 1ª posição) mais os dedos e a mão com um lenço de papel.

Tende a limpar as cordas, na parte do braço, possivelmente devido ao suor.

Temos apenas uma recolha de Luís de Barros a tocar a solo61, isto é sem voz.

É bastante clara a diferença, quando comparando com um dos outros exemplos

deste violinista a tocar enquanto acompanhador. Constatamos o uso do vibrato

de pulso e o uso extensivo do glissando, das cordas dobradas e da

improvisação que se expõe neste tema e variações. Não só por estas questões

mas por toda a sua técnica e estilo interpretativo podemos considerar este, um

exemplo paradigmático de um violinista caboverdiano.

61 vide Anexos: Suporte áudio – Faixa 14

Cid Carmo

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Corda lá corda’m li – Histórias de quem toca o violino em crioulo

Violinistas do DVD Festival de Homenagem a Nhô Kzik e Vídeo Travadinha na RTP encontrado no Youtube.

Tabela 2: Análise do DVD Festival de Homenagem a Nhô Kzik e de um vídeo do Travadinha

encontrado no Youtube.

VIOLINISTA MÚSICA ASPECTOS TECNICOS E ESTILISTICOS DOS

INTERPRETES

Malaquias

Costa

Cumbia

[Coladeira]

• Toca sem almofada,

• Violino tem “pastilha”,

• Violino acima do peito,

• Toca na 1ª posição

• Braço do violino apoiado na palma da mão esquerda,

• Tendência para ter o 4º dedo encolhido junto à mão

(quando este não está a ser usado)

• Uso de glissando,

Sodade dum Cretcheu

[Morna]

• Uso extensivo de cordas dobradas

• Uso de vibrato, de pulso nas notas longas.

• O polegar agarra o arco entre o arco e as cerdas, sendo

que a mão está ligeiramente mais à frente que “o normal”

• O som não é consistente, com pouca pressão no arco,

quando toca forte som é algo “a arranhar”

• Uso de mordent,

• Uso de uma arcada similar à de spicatto.

Braz

Caminho di Mar

[Morna]

• Toca sem almofada,

• Violino tem “pastilha”,

• O violino não tem queixeira

• Violino ao ombro Toca na 1ª posição

• O ponto está branco, sujo de resina

• Braço do violino apoiado na palma da mão esquerda, no

entanto posiciona a mão no alinhamento do braço

quando quer fazer vibrato,

• No entanto o vibrato é de pulso,

• O som não é consistente, com pouca pressão no arco

Nhe Fidjinha

[Coladeira] • Afinação pouco regular,

• Uso de glissando mas não com um total à-vontade,

Cid Carmo

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Corda lá corda’m li – Histórias de quem toca o violino em crioulo

• Uso de trilos.

• Arcadas largas, com pouco uso do talão

• A arcada é sempre quase sempre ∏ V, e só e ligada

quando são feitos a maior parte dos trilos

• Agarra o arco com o polegar por debaixo do talão.

Egídio Brito

Dagu

[Coladeira]

• Toca sem almofada,

• Violino tem “pastilha”,

• Violino ao ombro

• Toca na 1ª posição

• O ponto está branco, sujo de resina

• Braço do violino apoiado na palma da mão esquerda.

• Uso de cordas dobradas em notas longas,

• Uso extensivo de glissandos

• Boa flexibilidade do pulso do braço direito dá ao arco

uma boa fluidez,

Mazurca Tradicional

de S. Nicolau

[Mazurca]

• Quase não usa nem vibrato nem trilos,

• Para compensar usa como ornamentação, a substituição

de notas longas � e � por notas curtas � ,

• Segura o arco com o polegar na curva interior do talão, e

os restantes dedos relativamente juntos uns aos outros

João do

Carmo

Coladera

[Coladeira]

• Toca sem almofada,

• violino tem “pastilha”,

• violino não tem queixeira

• violino ao ombro

• Toca na 1ª posição

• o ponto do violino está branco, sujo de resina sendo que

é principalmente encima do ponto que toca.

• braço do violino apoiado na palma da mão esquerda,

Manel d’Antoninha

[Coladeira]

• Tendência para ter o 4º dedo encolhido junto à mão

(quando este não está a ser usado),

• Raramente usa glissando,

• Usa pouco o vibrato quando o faz este é de pulso.

• Usa mais a parte superior do arco,

• A arcada não aparenta ter implícita nenhuma lógica

sendo constantemente ∏ V sendo o único factor crucial o

factor rítmico,

Cid Carmo

100

Page 101: Corda lá cordam li

Corda lá corda’m li – Histórias de quem toca o violino em crioulo

• O polegar direito agarra o arco na curva interior do talão,

Patone

Ti Rocha

[Samba]

• Toca sem almofada,

• Violino tem “pastilha”,

• Violino ao ombro,

• Toca na 1ª posição

• Braço do violino apoiado na palma da mão direita

• É esquerdino, nem as cordas nem a queixeira foram

trocadas de posição

• Vibrato de pulso,

• Uso de cordas dobradas mas pouco,

• Uso de trilos,

• Uso de glissando, também como uma das variações da

segunda música tocada por este violinista,

Nhe Kméd

[Coladeira]

• Começa a tocar ao talão

• O polegar direito agarra o arco na curva interior do talão

• usa os dois terços superiores do arco, sendo que nas

notas longas chega a ir ao talão,

• domínio extensivo de improvisação, sendo por vezes

algo “jazzistico”

• bom uso do arco demonstrando também uma boa

flexibilidade de pulso

• demonstra um claro à vontade a tocar o instrumento,

especialmente no que toca a questões de ornamentação

Djo de

Kunim

Mazurka

[Mazurca]

• Toca sem almofada,

• violino tem “pastilha”,

• violino não tem queixeira

• violino ao ombro,

• Toca na 1ª posição

• braço do violino apoiado na palma da mão esquerda,

• o ponto está branco, sujo de resina

• vibrato de pulso,

Londum

[Lundum]

• uso de glissando,

• pouco uso de mordent

• o polegar da mão esquerda está a segurar arco por

debaixo do talão e o dedo mindinho está por de trás do

arco.

Cid Carmo

101

Page 102: Corda lá cordam li

Corda lá corda’m li – Histórias de quem toca o violino em crioulo

• Não as suas variações sobre os temas das músicas são

quase inexistentes, acabando por recorrer à quase pura

repetição dos mesmos

Noel Fontes

Amor de Hoje em Dia

[Coladeira]

• Toca sem almofada,

• violino tem “pastilha”,

• violino não tem queixeira

• violino sobre o peito,

• Toca na 1ª posição

• braço do violino apoiado na palma da mão esquerda,

• uso de mordent,

• uso de glissando,

• pouca flexibilidade do pulso direito, bastante claro

quando toca notas rápidas

Rabecada

[Coladeira]

• usa tendencialmente os dois terços superiores do arco.

• Num improviso sobe para a 3ª posição e toca glissandos

de forma enfática

• O polegar agarra o arco entre o arco e as cerdas, sendo

que a mão está ligeiramente mais à frente que “o normal”

Lela de

Teodoro

Ildo Lobo

[Morna]

• Toca sem almofada,

• violino tem “pastilha”,

• violino não tem queixeira

• violino ao ombro,

• Toca na 1ª posição

• braço do violino apoiado na palma da mão esquerda,

• tendência para ter o 4º dedo encolhido junto à mão

(quando este não está a ser usado),

• o ponto do violino está branco, sujo de resina sendo que

é principalmente encima do ponto que toca.

Mazurca de Travadinha

[Mazurca]

• uso de vibrato de pulso,

• uso de glissando,

• uso de mordent,

• usa tendencialmente os dois terços superiores do arco,

• O polegar agarra o arco entre o arco e as cerdas, sendo

que a mão está ligeiramente mais à frente que “o normal”

• o dedo mindinho está por detrás do arco

• O som não é consistente, com pouca pressão no arco

Cid Carmo

102

Page 103: Corda lá cordam li

Corda lá corda’m li – Histórias de quem toca o violino em crioulo

• Engana-se claramente várias vezes, especialmente na

segunda música a qual, consequentemente, termina de

forma brusca, tal é evidenciado, para além de tudo, pela

reacção dos músicos que o acompanhavam

Breky

Talaia Bacho

[Morna]

• Toca sem almofada,

• violino tem “pastilha”,

• violino não tem queixeira

• violino ao peito,

• Toca na 1ª posição

• braço do violino apoiado na palma da mão esquerda,

• o ponto do violino está branco, sujo de resina

• uso de vibrato de pulso,

• O polegar direito agarra o arco na curva interior do talão

Santa Ritinha

[Coladeira]

• Uso extensivo de glissando,

• Uso de trilos,

• Uso de cordas dobradas,

• Embora use o arco todo, privilegia o topo do arco.

• Num momento de maior improviso põe-se de cócoras

enquanto toca

Domingos

Costa

Fernanbuk

[Coladeira]

• Toca sem almofada,

• violino tem “pastilha”,

• violino não tem queixeira

• violino ao ombro,

• Toca na 1ª posição

• braço do violino apoiado na palma da mão esquerda,

• o ponto do violino está branco, sujo de resina

• uso de glissando,

• uso de mordent,

• usa mais o meio do arco com inclinação para usar a

parte inferior.

• O polegar direito agarra o arco na curva interior do talão

• O dedo mindinho está por detrás do arco

António

Travadinha

Morna [Morna]

• Tocava sem almofada,

• violino tem “pastilha”,

• violino ao ombro,

• Toca na 1ª posição

Cid Carmo

103

Page 104: Corda lá cordam li

Corda lá corda’m li – Histórias de quem toca o violino em crioulo

• braço do violino apoiado na palma da mão esquerda,

• o ponto do violino está branco, sujo de resina

• vibrato de pulso,

• uso de cordas dobradas,

• uso de trilos,

• uso de glissando,

• usava tendencialmente os dois terços superiores do

arco,

• inicia a música em piano

• bom domínio da pressão do arco

• o dedo mindinho está encolhido por detrás do arco,

• O polegar agarra o arco entre o arco e as cerdas, sendo

que a mão está ligeiramente mais à frente que “o normal”

• Demonstrava um claro à vontade a tocar o instrumento,

especialmente no que toca a questões de improvisação e

de ornamentação.

• Termina a tocar no 4ª/5ª posição.

Tabela 3: Frequência de características técnicas e estilísticas elaborada a partir dos dados da Tabela 2

Características Frequência Toca sem almofada 11

Violino tem “pastilha” 11

Violino não tem queixeira 6

Violino ao ombro 8

Violino ao peito 3

Braço do violino apoiado na palma da mão esquerda62 11

Toca na 1ª posição 11

Tendência para ter o 4º dedo encolhido junto à mão

(quando não está a ser usado) 3

O ponto está branco, sujo de resina 7

Uso de glissando 11

62 Apesar de um dos violinistas (Patone) ser canhoto e portanto apoiar o braço do violino na palma da mão direita, foi incluído neste grupo porque a característica é a mesma

Cid Carmo

104

Page 105: Corda lá cordam li

Corda lá corda’m li – Histórias de quem toca o violino em crioulo

Uso de cordas dobradas 5

Uso de vibrato de pulso 7

Uso de mordent 4

Uso de trilos 4

O polegar direito agarra o arco por debaixo do talão 2

O polegar agarra o arco na curva interior do talão 5

O polegar agarra o arco entre o arco e as cerdas, sendo

que a mão está ligeiramente mais à frente que “o normal” 4

Dedo mindinho está por de trás do arco 4

Usa tendencialmente os dois terços superiores do arco 5

A arcada é sempre quase sempre ∏ V 2

O som não é consistente, com pouca pressão no arco 3

Através da análise deste quadro podemos extrair as seguintes conclusões, uma

vez que o nº total da amostra é de 11 participantes podemos constatar que as

seguintes características técnicas da execução do violino são comuns a todos:

Todos os intérpretes tocam sem o uso de almofada, com o braço do violino

apoiado na palma da mão esquerda e, também como resultado deste factor

todos eles tocam principalmente na 1ª posição, salvo excepções muito pontuais,

note-se ainda que o violino de cada um deles está equipado com pastilha ou

pickup.63

Ainda com significativa frequência aparece o facto de 8 dos violinistas tocarem

de violino ao ombro e apenas 3 com ele ao peito.

Relativamente ao polegar da mão direita, a variedade de posições que são

adoptadas pelos intérpretes comprova, tal como o ponto anterior, a inexistência

de paradigmas posturais estabelecidos. Tal é natural de uma tradição de

aprendizagem interpretativa de cariz autodidacta64.

Reparou-se que 7 dos participantes tinham o ponto do seu violino coberto de

resina, factor que revela principalmente uma falta de direccionalidade,

63 Para constatar todas estas características remete-se para Anexos: Ilustrações – Figuras 2 e 3 64 Seria, no entanto, interessante averiguar até que ponto determinadas características posturais e técnicas são mais comuns em determinadas ilhas por oposição a outras.

Cid Carmo

105

Page 106: Corda lá cordam li

Corda lá corda’m li – Histórias de quem toca o violino em crioulo

tendencialmente quando ∏ deixa de estar paralelo ao cavalete passando a

estar perpendicular a este, tocando assim acima do ponto65.

O uso tendencial dos dois terços superiores do arco deve-se, como todas as

outras características técnicas enunciadas, a uma questão de comodidade,

neste caso ajudada pela força da gravidade.

A nível estilístico a única componente que se pode identificar como

característica de todos foi o uso do glissando.

Também proeminente, embora menos, encontramos o uso do vibrato de pulso

ou “rimações”, o facto de ser “de pulso” é consequência da postura da mão

esquerda. Saliente-se ainda o uso de cordas dobradas, mordent e trilos.

Pediu-se a António Martelo que fizesse uma descrição de quais as

características técnicas mais comuns em violinistas autodidactas e alunos de

violino que o tenham sido, na tentativa de esboçar um modelo do “violinista

autodidacta”.

“Baseando-me na minha experiência pedagógica ao longo de 12

anos e naquilo que já vi ao longo da minha vida consegui identificar características técnicas comuns em alunos que se pode dizer que foram autodidactas. Entre elas: o apoiar a palma da mão esquerda no braço do violino, porque é uma posição naturalmente cómoda para quem só toca na primeira posição, tendo também como consequência os dedos mais encolhidos, além disto outra das características é o funcionamento incorrecto do braço direito que funciona como um todo e consequentemente faz com que o arco acabe por estar a tocar em cima do ponto. O som débil é outra das características que identifica, ma maioria dos casos, um músico autodidacta porque não exerce correctamente a pressão no arco para que o som seja mais consistente, muitas das vezes também usam cordas de metal o que ajuda à produção de um som mais “enlatado”, o vibrato não pode ter grande amplitude porque a mão está encostada ao braço do violino, para haver um vibrato bom e

65 Para constatação desta característica remete-se para Anexos: Ilustrações –Figura 4

Cid Carmo

106

Page 107: Corda lá cordam li

Corda lá corda’m li – Histórias de quem toca o violino em crioulo

saudável a mão tem de ter liberdade e não haver tanto contacto físico com o braço do violino.” 66

Baseando-nos nos dados analisados e nesta última citação podemos então

concluir que as características técnicas destes violinistas caboverdianos e,

devido à dimensão considerável desta amostra para o universo que representa,

possivelmente de toda esta vertente interpretativa, são comuns a muitas outras

vertentes de aprendizagem autodidacta do violino. Assim sendo a via e

sonoridade do “violino de Cabo Verde” caracteriza-se principalmente pelas suas

questões estilísticas, nomeadamente pelo uso que faz da ornamentação, sendo

preponderante o uso extensivo de glissandos, e associado a esta prática o uso

de cordas dobradas mordent e trilos.

Tabela 4: Frequência de características técnicas e estilísticas de violinistas participantes neste estudo67

Características Frequência

Toca sem almofada 5

Violino tem “pastilha” 5

Violino não tem queixeira 0

Violino ao ombro 1

Violino acima do peito 4

Braço do violino apoiado na palma da mão esquerda 5

Toca na 1ª posição 5

Tendência para ter o 4º dedo encolhido junto à mão

(quando não está a ser usado) 1

O ponto está branco, sujo de resina 3

Uso de glissando 5

Uso de cordas dobradas 3

Uso de vibrato de pulso 5

Uso de mordent 3

66 António Martelo, Professor de violino na Escola de Música do Conservatório Nacional 67 Mais concretamente: Eduíno, Morgadinho, Leonel, Chiquinho Lima e Luís de Barros.

Cid Carmo

107

Page 108: Corda lá cordam li

Corda lá corda’m li – Histórias de quem toca o violino em crioulo

Uso de trilos 0

Agarra o arco com o polegar por debaixo do talão 3

O polegar direito agarra o arco na curva interior do talão 0

O polegar agarra o arco entre o arco e as cerdas, sendo

que a mão está ligeiramente mais à frente que “o normal” 2

Dedo mindinho está por de trás do arco 2

Usa tendencialmente os dois terços superiores do arco 5

A arcada é sempre quase sempre ∏ V 2

O som não é consistente, com pouca pressão no arco 3

Estas características, observadas durante a execução deste trabalho, quer no

âmbito de entrevistas quer no âmbito da observação de performações,

encontram-se aqui retratadas e organizadas segundo parâmetros de frequência

de constatação.

Também nesta amostra constatamos que: todos os intérpretes tocam sem o uso

de almofada, com o braço do violino apoiado na palma da mão esquerda e,

também como resultado deste factor todos eles tocam principalmente na 1ª

posição, O violino de cada um deles está equipado com pastilha ou pickup.

Existe também uma semelhança, a nível proporcional, de ambos os quadros

terem uma quantidade substancial de violinistas cujo violino tem o ponto coberto

de resina.

Ao contrário do quadro anterior, neste constatamos uma maior tendência para

tocar com o violino acima do peito que com ele ao ombro e, para agarrar o arco

com o polegar por debaixo do talão em vez de na curva interior do mesmo.

Notamos ainda que, por oposição à anterior, nesta amostra existe,

proporcionalmente, uma maior quantidade de violinistas a usarem o vibrato de

pulso. Também neste quadro constata-se a existência de uma maior utilização

de mordent e cordas dobradas. Refira-se ainda a constatação, ainda que com

pouca frequência, da prática de tocar com o 4º dedo tendencialmente

encolhido.68

68 Vide Anexos: Ilustrações Figura 5

Cid Carmo

108

Page 109: Corda lá cordam li

Corda lá corda’m li – Histórias de quem toca o violino em crioulo

Podemos concluir portanto que apenas os elementos comuns às duas amostras

são significativas de uma realidade concreta sendo que as nuances existentes

servem de confirmação da inexistência de estruturas formais de ensino, sendo

estas nuances o resultado de uma aprendizagem autodidacta desprovida de um

modelo ou referencial postural fixo.

4. Conclusão 4.1. Os objectivos a que me propunha Este trabalho teve duas vertentes: Histórias de Vida e Questões Técnicas, a

primeira como a principal e suporte para o aprofundamento da segunda. Na

parte dedicada às Histórias de Vida os principais aspectos que se pretendia

analisar eram: qual o percurso de vida destes homens e de que forma este foi

influenciado pela sua prática do violino. Qual o seu passado e percurso musical,

o que o caracteriza. Qual a sua visão da música e do meio musical em que se

inserem. Que aspectos têm em comum.

Referente a Questões Técnicas procurava-se apurar quais as características

estilísticas e técnicas dos interpretes de “violino caboverdiano” que contribuem

para a sua sonoridade particular,

Após a terminação deste trabalho podemos afirmar que foi possível cumprir os

itens acima referidos, sendo que nos foi possível chegar às seguintes

conclusões:

A maior parte destes homens trabalha na construção civil, a sua profissão

interfere com a sua faceta musical pois a transição de instrumentos que

requerem força bruta para um que requere sensibilidade não é imediata.

Tendencialmente os intérpretes tiveram alguém na família já que tocava o

violino. Todos tiveram, de uma forma ou de outra, um violino à sua disposição

factor que facilitou o início na sua prática musical no violino. Existe toda uma

cultura do “desenrasca” que permite àqueles que não têm a possibilidade de ter

um instrumento, a terem versões improvisadas do mesmo, permitindo-lhes

começarem mais rapidamente a praticarem-no. A maioria dos entrevistados, se

não gravou já um CD, está a gravar. Fazem-no em casa, principalmente por

falta de meios económicos para o fazerem noutras estruturas. Existe o conceito

generalizado que as práticas performativas são mais prazeirosas quando

Cid Carmo

109

Page 110: Corda lá cordam li

Corda lá corda’m li – Histórias de quem toca o violino em crioulo

tocadas em grupo. Encontrámos uma clara ligação entre a música caboverdiana

e a música brasileira, existente a vários níveis quer a nível de géneros musicais,

quer a nível de ligações entre músicos dos dois países. Há ainda a tendência de

querer aprofundar teoria musical. Pode-se dizer que a prática improvisativa é

relativamente generalizada. Realce-se ainda a constatação da existência do

conceito de “grupos de serenata”, aparentemente de grande importância no

panorama violinístico caboverdiano. Também a noção de “bailes de violino” é

fulcral, especialmente quando transposta para um contexto migrante.

Foi-nos também possível constatar uma presença significativa dos seguintes

factores: a aprendizagem do violino é feita de forma autodidacta, sendo que os

músicos circundantes, familiares ou não, servem de referência áudio e visual no

que concerne a questões técnicas e estilísticas sendo que na primeira isto

acontece mais subtilmente. Esta visão da aprendizagem do violino provém da

noção de que este não pode ser ensinado, porque, não tendo trastes, não é de

fácil visualização e compreensão da teoria que lhe subjaz. Existe então um

modelo do auto-didacta caboverdiano que o caracteriza pelas questões

técnicas, mas principalmente pelas questões interpretativas que por elas são

influenciadas. Temos também a constatação do facto de a aquisição de

reportório ser feita através do “sacar de ouvido” músicas de CDs e cassetes

sendo que outrora seria da rádio, e antes disso via oral ou por observação in

loco. Ligado a este facto está o de uma grande parte do reportório para violino

seja, originalmente reportório de voz, transposto para o instrumento. A estas

melodias é então aplicada uma palete de ornamentações cujas cores

proeminentes são o glissando “as rimações” ou vibrato e o mordent.

4.2. Reflexões finais Foi antes de mais um prazer fazer este trabalho, enriqueceu-me a nível cultural

académico e pessoal, como estudante, violinista e pessoa.

Para terminar queremos dizer que este trabalho se constitui como uma

abordagem original, e a sua construção permitiu alcançar um melhor

conhecimento e uma consciência mais apurada em relação ás praticas do

“violino caboverdiano”.

Cid Carmo

110

Page 111: Corda lá cordam li

Corda lá corda’m li – Histórias de quem toca o violino em crioulo

Estamos conscientes de que este trabalho, e particularmente alguns dos

aspectos nele explanados podem servir de base para futuras investigações no

mundo do “violino caboverdiano”, que é vasto e onde há muito para explorar,

futuros estudos serão feitos sobre esta prática interpretativa, se não por nós,

por outros.

5. Referências citadas 5.1. Lista de Entrevistas Foram entrevistados:

Chiquinho Lima 27 de Maio de 2007

Djom di Robeca a 24 de Março de 2007

Eduíno e Armando Tito a 3 de Abril de 2007 (Brevemente)

Leonel 29 de Abril de 2007

Morgadinho a 31 de Março de 2007

5.2. Lista de Performações Presenciadas Aula Eduíno e Armando Tito a 3 de Abril de 2007

Show Luís de Barros ACV 14 de Abril de 2007

5.3. Bibliografia

Baptista, José As Micro-Empresas em Cabo Verde e as suas Necessidades de Financiamento Inicial – Factores Determinantes, Évora, 2003

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Cid Carmo

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Corda lá corda’m li – Histórias de quem toca o violino em crioulo

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Fischer, Michael M.J. Ethnicity and the Post-Modern Arts of Memory in James Clifford and George E. Marcus (eds.): The Poetics and Politics of Ethnography. Berkeley: University of California Press, 1986

Gonçalves, Carlos Filipe Kab Verd Band Praia: Instituto do Arquivo Histórico

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Grassi, Marzia Cabo Verde pelo Mundo: O Género e a Diáspora Cabo-Verdiana,

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Iturra, Raul “Trabalho de Campo e Observação Participante em Antropologia” in

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Lassiter, Luke Eric The Chicago Guide to Collaborative Ethnography Chicago:

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Lima, António Germano Boavista, Ilha da Morna e do Landú Praia: ISE, 2002

Merriam, Alan The Anthropology of Music Evanston: Northwestern University

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Monteiro, Vladimir Música e Cabo-Verdianos em Lisboa Edição On-line. 2002

Nettle, Bruno “Mozart and the Ethnomusicological Study of Western Culture: an

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Cid Carmo

112

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Rocha, Júlio Santos A Projecção da Música e dos Músicos de origem

Caboverdiana no exterior de Cabo Verde: As Redes Transaccionais

Protagonizadas pelos Músicos. Lisboa: UNL-FCSH, 2000(monografia)

Sadie, Stanley The New Grove Dictionary of Music and Musicians – 20 vols.

London: Macmillan Publishers, 1980.

Sanjek, Roger ed. Fieldnotes: The Makings of Anthropology Ithaca: Cornell

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Spradley, James P. The Ethnographic Interview New York: Holt, Rinehart and

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Revistas: Amidjabraba, Cabo Verde, Setembro 1995

Kriolidadi, 25 de Fevereiro 2005

FRAGATA, TACV - Cabo Verde AirLines, N."23, Abril de 2000.

5.4. Discografia Ariel de Bigault(comp.), Cap Vert: Anthologie 1959-1992, Buda Musique, 1992

Cesária Évora, Miss Perfumado, Ed. Elektra, 1992

Chiquinho Lima & violino, Nôss Tradição, Ed. C.Lima Studio, 2006

Lura, Di Korpu Ku Alma, Ed. La Escondida, 2005

Travadinha, Le Violon Du Cap Vert (The Violin of Cape Verde), Buda

Musique,1996

5.5. Filmografia Calado Não Dá João Nicolau, Lisboa 1999

DVD Festival de Violino em Homenagem a Nhô Kzik, Santo Antão 2006

Morabeza de Constantino Martins, Lisboa 2004

Travadinha, vídeo do Youtube:

http://www.youtube.com/watch?v=5NzSiO7-qjk

Cid Carmo

113

Page 114: Corda lá cordam li

Corda lá corda’m li – Histórias de quem toca o violino em crioulo

6. Anexos 6.1. Glossário

∏ – Arcada para baixo

V – Arcada para cima

1º Dedo – Indicador

2º Dedo – Médio

3º Dedo – Anelar

4º Dedo – Mindinho

Arcada – Movimento unidireccional do arco de um cordofone

Arpejo – execução sucessiva das notas de um acorde,

Caixa Rítmica – sintetizador, concebido com o fim específico de produzir

timbres de instrumentos de percussão, munidos de um sequenciador,

permite a criação e reprodução de modelos rítmicos.

Cordas Dobradas – Acto de friccionar com o arco duas cordas simultaneamente

Decrescendo – dinâmica musical que se caracteriza por uma diminuição

gradual da amplitude do som emitido

Forte – dinâmica musical que se caracteriza por uma grande intensidade

sonora.

Glissando – técnica que no violino caracteriza-se pelo deslizar do dedo(s)

pela(s) cordas percorrendo varias notas num “continuo” aumentar ou

diminuir de frequência sonora.

Kizomba – palavra que vem do Kimbundo que significa festa/dança, surgiu em

Angola, primeiro como dança e com o passar do tempo evoluiu para

género musical.

Mezzo Forte – dinâmica musical que se caracteriza por uma grande intensidade

sonora, no entanto menor que forte. Morabeza – palavra intraduzível que transmite um conceito similar ao de gozar

a vida, bem-estar, boa conversa, identificado com a postura

caboverdiana de bem receber e acolher.

Mordent – ornamento que consiste em tocar a nota em alternância com a nota

inferior, não confundir com trilo.

Cid Carmo

114

Page 115: Corda lá cordam li

Corda lá corda’m li – Histórias de quem toca o violino em crioulo

Pagode – subgénero musical brasileiro, nascido no final da década de 1970,

considerado uma derivação do samba

Pastilha – nomenclatura muitas vezes usada na musica ligeira para o pickup. Piano – dinâmica musical que se caracteriza por uma pouca intensidade

sonora.

Pickup – dispositivo electrónico que capta as vibrações mecânicas geradas por

um instrumento musical e converte-as em sinais eléctricos, que

podem ser, posteriormente, processados, amplificados, ou gravados.

Suspensão – prolongamento da duração de uma determinada nota

Rimações – sinonimo de Vibrato. “Solar” – tocar um solo

Spicatto – tecnica de arco na qual este salta levemente sobre a corda.

Trastes – finas lombas que dividem o braço de um cordofone em meios-tons.

Trilos – ornamento similar ao mordente que difere deste no facto da alternância

entre as notas ser repetida e perpetuada.

Vibrato – consiste na oscilação de uma corda de um instrumento musical,

embora seja o dedo que está em contacto com a corda é no

antebraço que é produzida a oscilação que então através do dedo a

transferirá para a corda, produzindo assim um som diferenciado.

Vibrato de Pulso – similar ao vibrato mas diferencia-se por a oscilação ser

iniciada no pulso e não no antebraço.

Cid Carmo

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Figura 1: Anatomia do Violino

Cid Carmo

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6.2. Ilustrações

Figura 2: Leonel

Figura 3: Detalhe da Figura 2

Temos aqui ilustrado: quer a forma de agarrar do arco com o polegar por baixo

do talão; quer a mão encostada ao braço do violino quer o ponto coberto de

resina.

Cid Carmo

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Figura 4: Chiquinho Lima

Figura 5: Chiquinho mão esquerda

Nestas duas imagens existem dois factores a salientar:

• Na Figura 4, a perpendicularidade do arco,

• Na Figura 5, o 4º dedo encolhido.

Cid Carmo

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6.3. Transcrições de Entrevistas Djom di Robeca -Tenho dois CDs gravados por mim em casa, o 2º CD tem temas escritos por mim. Estão à venda em Portugal Holanda e Estados Unidos. Estados Unidos, mais a zona de Bóston?

-Sim. Pedi apoios a várias empresas e bancos enviei imensas cartas, e aqueles que me respondiam era só para dizer que não. Não há apoios. E já tocou assim algum concerto ou coisa parecida?

-Houve uma vez que me ligaram cá de uma junta de freguesia porque ia lá o presidente da câmara do Fogo, então eu fui lá tocar. Eles ficaram com o meu contacto mas também não me voltaram a chamar para ir lá. Diga-me, o seu pai também tocava violino?

-Sim. E acha que foi isso que o influenciou a querer tocar?

-Talvez, eu sempre me senti atraído pela sonoridade. Toca mais algum instrumento?

-Tentei tocar cavaquinho e viola mas as cordas eram muito rijas e faziam doer os dedos, fiquei só pelo violino mesmo. E chegou a ter aulas com alguém?

-Não, aprendi sozinho, aprendia as músicas de ouvido depois tentava passar para o violino. Costuma tocar sozinho?

-Não, toco solista enquanto sou acompanhado. E costuma tocar onde?

-Num bar no lá Barreiro tocamos às vezes até à uma da manhã. Mas às vezes aparece lá a policia por causa dos vizinhos e do barulho. Aquilo não tem licença para música ao vivo sabe portanto… E suponho que não viva da música? (encontrámo-nos à saída do trabalho dele)

-Não, não dá. Não há apoios e não há procura. Há quatro anos atrás havia mais procura mas agora com as dificuldades económicas generalizadas já não há tanta procura.

Cid Carmo

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Então agora não tem nada programado?

-Estamos praticamente parados. Quando era criança era difícil arranjar violinos para tocar?

-Violinos a sério vinham de vez em quando dos Estados Unidos. Mas nós fazíamos os nossos do que dava: latas, arames, aquele fio de cana de pesca, e arcos com cordel. Dava para tocar. E acha que é mais fácil agora gravar?

-Sim! Hoje todo o mundo grava um CD. Mas depois tu gravas, vem um, compra e o resto é tudo copiado. Depois as editoras também... Os músicos são contratados pelas editoras e depois são explorados, alguns chegam a ficar sem nada! Mas depois sem grandes apoios também não dá, não se arranja dinheiro para fazer teledisco, para promover. (acabou dizendo)

-Está aqui uma entrevista que eu fiz quando estive nos Estados Unidos, se o que lhe interessa é histórias de vida, está tudo aí. Segue-se a referida entrevista…

Djom di Robeca: Um Violinista Combatente Por Santos Spencer

Brockton, MA, 8 de Agosto de 2002

João Fernandes ou simplesmente Djom di Robeca

nasceu na ilha do Fogo na zona de ”Pé di Tchada

Grande” Município dos Mosteiros. A música desde

sempre exerceu grande fascínio na sua vida e os

primeiros sinais vêem da infância. “ Desde que me lembro do meu nome comecei a sentir uma grande atracção pelas rabecadas e na impossibilidade de adquirir um violino eu tentei fazer o meu instrumento a partir de bulis,

latas e pau de purgueira” frisou. O conhecido músico Pépe Bana era na altura

um executante de violino de buli e isso funcionou como estímulo numa

importante fase de aprendizagem de Djom que também “socorreu-se desses

artefactos” para se exprimir através da música, recorda este violinista que hoje

faz sucesso em Portugal com uma aposta irreversível nos géneros tradicionais.

“ Está provado que a nossa música tradicional é rica e bonita e arranca

Cid Carmo

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aplausos em qualquer plateia do mundo. Partindo desse pressuposto, acho que um é um desperdício estarmos a divulgar géneros musicais de outros países em vez de promovermos aquilo que é nosso” sublinhou. Djom di Robeca

concluiu recentemente uma tournée aos Estados Unidos precisamente no

âmbito de um programa promocional do seu primeiro CD, um álbum

inteiramente acústico no qual o violino, o violão e o cavaquinho constituem a

orquestra. Acompanhado pelo célebre guitarrista Armando Tito, também

radicado de Portugal, Djom di Robeca nesta sua primeira digressão por terras

americanas teve grande receptividade no seio da comunidade cabo-verdiana

com particular atenção pelos naturais da sua ilha natal.

Das Matas de Angola aos Palcos de Lisboa

Este cabo-verdiano, é acima de tudo um imigrante com um percurso digno de

um grande homem. Na condição de Soldado Atirador do Exército Português

esteve durante 27 meses “enfiado” nas matas da Zona Leste de Angola, entre

Luso e Henrique de Carvalho, num período quente da Guerra Colonial. Essa

unidade contava com um contingente de cerca de 30 operacionais recrutados

em Cabo Verde, submetidos às piores intempéries da vida como conta João

Fernandes. ”Havia minas por todo o lado e o espectro da morte pairava no ar

permanentemente”, frisou. Com a voz presa na garganta recorda um momento

traumatizante: ”Corria o ano de 1971, tínhamos chegado havia apenas uma semana à frente de combate e estávamos a efectuar uma escolta quando o nosso carro pisou uma mina. Os estilhaços atingiram mortalmente um colega nosso de Queimada Guincho, ilha do Fogo. Naquele fatídico momento eu disse logo: se numa semana o grupo cabo-verdiano já registou a primeira baixa então daqui a meses estaremos todos liquidados”, sentenciou. Contrariamente a esse

prognóstico, Fernandes salienta que na fase final das operações o “pelotão

cabo-verdiano” estava praticamente intacto e ele hoje regozija-se pela facto de

ter saído com vida e sem nenhum arranhão da guerra, acontecimento ao qual

energicamente chama de “cúmulo da irracionalidade humana”. Findo o serviço

militar regressa a Cabo Verde e com família já constituída tenta estabelecer-se

na sua ilha natal. No entanto, as dificuldades da vida obrigam o “violinista –

combatente” a seguir o caminho que centenas de milhares de cabo-verdianos

haviam já trilhado: a emigração. Chega em Portugal em 1976 levando na

Cid Carmo

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bagagem um violino, um diploma da antiga quarta classe uma vontade férrea de

triunfar na nova aventura. Num esforço titânico de conciliação de deveres

laborais, dedicação à família e uma aposta na superação académica consegue

concluir o nono ano de escolaridade. Ao fim de cerca de 26 anos como

funcionário público em Lisboa, cidade onde não perde uma oportunidade para

divulgar a música tradicional de Cabo Verde, João Fernandes é uma figura

plena de ensinamentos a todos quantos se queixam das agruras da vida. “A vida é um jogo no qual, mesmo perante barreiras aparentemente intransponíveis, é proibido Esmorecer”, rematou.

Morgadinho 1ª Entrevista (via telefone) Desde quando é que começou a tocar?

-Eu quando era pequeno tocava bandolim, agora se pegar já não devo saber tocar É de que ilha?

-Fogo E começou a aprender o violino como?

-comecei sozinho, tinha os instrumentos lá em casa. Pegava o violino do meu pai às escondidas e tocava, tocava… depois um dia um senhor amigo do meu pai ouviu-me e foi dizer ao meu pai que eu tinha jeito para a coisa. E o seu pai nunca lhe deu aulas ou coisa do género?

-Não, às vezes ele dizia-me umas coisas mas só isso. E o meu irmão também. E que instrumentos toca?

-Toco: violino, cavaquinho, viola e teclados. E vive da música?

-Não. Mas toca em algum lado?

- Cá não há tanta procura, tem poucos sítios para tocar. Pensam que somos como os que tocam na rua. E o seu violino, é o que era do seu pai?

-Não, este, eu ganhei num concurso para orquestra. Havia um senhor que queria fazer uma orquestra lá em Cabo Verde e eu concorri e ganhei e fiquei

Cid Carmo

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com o violino para depois fazer parte da orquestra, mas aquilo não sei o que aconteceu e nunca foi para a frente. E eu fiquei com o violino. E quando começou a improvisar?

-Eu estava num grupo e comecei a improvisar. Primeiro sabia os acordes e depois comecei a fazer por cima deles a pôr onde soava bem nas músicas... E começou a improvisar porquê?

-Tínhamos um grupo (uma banda) se ficávamos 2/3 dias a tocar uma praça as pessoas chateavam-se se tocasse—mos sempre as mesmas coisas, então começamos a improvisar. E agora tem alguma banda?

-A banda acabou há uns 4 meses a vocalista estava grávida e parou quando teve o bebé e o baixista foi para o Algarve. E agora que a banda acabou ainda toca?

-Toco com um amigo e um primo meu que está cá. Acha que há alguma diferença no som do violino entra as várias ilhas?

-Em S. Vicente tocam violino eléctrico, por causa do funáná. Eu tenho tentado falar com o Paulino Vieira mas ainda não consegui, conhece?

-Eu não o conheço, mas ele tem sido mal tratado, passaram por cima dele já não o respeitam e agora passa por louco. Mas o Morgadinho o que acha?

Eu respeito-o. Acha que ajuda para o violino tocar mais que um instrumento?

-Acho que não. Porque se nota quando o outro se engana porque se sabe tocar o mesmo instrumento que ele. Acha que há mais instrumentistas ou cantores em Cabo Verde?

- Há tantos ou mais instrumentistas, há é menos projecção para os instrumentistas porque muitos só se preocupam é em receber. E diga-me qual é o instrumento que mais gosta de tocar?

-É o violino. E porque foi mais para o violino?

-Porque em Cabo Verde toda a gente sabe tocar viola e cavaquinho, mas o violino como é mais difícil não há tantos, portanto pagam mais.

Cid Carmo

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Entrevista Morgadinho Tinha me dito que agora está tudo um bocado parado, acabou o grupo que

havia porque a vocalista ficou grávida, etc.

E agora já não está a trabalhar em mais nada?

– Estou a fazer qualquer coisa em casa, só para divertir. Tentar gravar alguma coisa Mas para vender?

(respondeu que sim com a cabeça)

Mas isso é uma coisa a tempo inteiro ou é quando dá faz….

- Agora estou a tempo inteiro, estou parado de trabalhar estou a tempo inteiro Mas está parado de trabalhar porque?

– Desempregado Mas porque, estou a dizer isto porque quando vi o Morabeza (do Constantino

Martins) estava a trabalhar na construção civil e então podia ser que estivesse,

se ainda estivesse nesse ramo podia estar entre trabalhos ou coisa assim…

– sempre construção civil mas está entre um trabalho e outro?... É que eu não sei como é que isso

funciona é só por isso que estou a perguntar…

- É tudo misturado é só porque ouvi dizer que ás vezes está-se entre um trabalho e outro, outras

vezes há pouco trabalho…

- É está bem, e em Cabo Verde o que é que era que fazia?

– trabalhava nas obras, conforme, variava de profissão, se a profissão não corria bem saltava para outro e que profissões é que saltou?

– carpinteiro, costureiro, cabeleireiro lá era mais fácil?

– mais ou menos porque lá na construção não tem tanta construção como cá mas também não tem tanta exploração como cá pois, é verdade

- Lá pegamos um trabalho directamente e se pararmos dois dias não há problema,

Cid Carmo

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e cá não é só isso também há aquela coisa de querem é mão-de-obra barata,

- e com razão, há muita gente a explorar mas lá a vida era boa…

- muitíssimo boa pois é que eu lembro-me de no filme estar a contar que ia pescar de

espingarda, e guardava os peixes na arca (frigorifica) do cabeleireiro onde

trabalhava

- a vida era muito boa mas lá.. as pessoas não sabíamos viver lá, quando estamos lá não percebemos da vida só quando estamos cá é que… que vê-se o quão bom aquilo era.

Mas não tem aquela vontade de voltar para lá? É que daquilo que eu já vi é um

sentimento que a maior parte do pessoal de Cabo Verde tem é aquela coisa de

voltar para a sua terra natal.

- e o problema é voltar. mas porque por causa das passagens ou….

- vim para cá eu disse, no máximo eu tinha estar cá 2 anos e voltar para traz, já estou… e veio para cá com que idade?

- vim para cá em 2000. disse venho para cá dois anos gravo um CD e vou-me embora. já estou com 6 e tal, não fui nem uma vez. mas porque, porque as passagens são muito caras ou…

-não é só isso o que queremos arranjar para ir não conseguimos como assim?

-vimos para cá com um intuito, com ideia de fazer cá qualquer coisa, por exemplo: eu vim para cá para gravar CD, quando gravar CD já não há problema de ir e até ainda não gravei portanto estou naquela… e por isso é que agora está a gravar o CD

- Ninguém me ajuda estou a… Pois isso cá o mais difícil é a parte das ajudas, as pessoas com quem já falei

queixam-se todas do mesmo, que não há propriamente assim muita coisa.

-e depois às vezes as pessoas dizem, “então porque não voltas?” …(sorriu) … eu no meu caso por exemplo deixei tantos grupos, vim para cá e disse “ eu vou

Cid Carmo

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para poder gravar algum CD lá”, e a nossa vontade lá é de… podemos ser músicos profissionais vivemos da música mas se não gravamos CD, se não temos CD gravado, não somos músicos, vão os músicos de fora chegam lá com qualquer CD na mão já são músicos profissionais. Para nós lá! Mas eu quando cheguei cá vejo os músicos que já tinha visto lá que regressavam, e fico “Ah isso aqui é que é musica...!?” (risos) Lá somos profissionais mesmo de música, mas não, não nos damos conta. Mas ainda sente isso? Mesmo sem ter o CD, ainda acha.. Ainda vê as coisas

assim?

– já não, nem pensar… nem pensar. Mas a cena do CD ainda é importante?...

– isso é porque já vinha com essa ideia. É aquilo de já que vim para fazer a coisa pelo menos faço a coisa mesmo.

-É, já que estou cá, enquanto não gravo não vou. Tenho que gravar e só depois é que, Pois há gente que grava os CD's em casa, falei com o… sabe quem é o Djom di

Robeca?

- (disse que sim)

ele disse-me que tinha andado a pedir apoios mas que não tinha conseguido

nada…

- é difícil e que como não tinha conseguido aquilo que fez foi: gravou em casa.

-É que aqui ninguém colabora… pois cá ninguém liga muito à parte da cultura, se for qualquer coisa para ganhar

dinheiro…

– nem sei, acho que não há boa vontade. Fala, ao falar tudo bem mas quando é para pegar na prática… e o CD está a correr bem?

- mais ou menos sempre que gravo, gravo uma coisa e depois oiço(/gravo?) outra vez, estrago. Fico sem nada! (ri) às vezes o óptimo é inimigo do bom.

-às vezes dizem “está bom está bom mas…” deito fora que não está bem. mas já tem alguma faixa que esteja bem?

Cid Carmo

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- mais ou menos. está por completar mas… quero levar a sério. Quando veio para cá não pensou em fazer como há muitos caboverdianos que

fazem, ir depois para a Holanda ou para Itália , isto servir só de ponto de

passagem porque há muita gente que, não sei não estou muito bem informado

não sei se esses sítios já não têm assim grandes oportunidades….

- É que eu sou diferente sou tipo pega saia (fazendo sinal de estar a agarrar algo) sempre tenho ideia de seguir para aqui para ali mas quando chego num lugar, pego. Fico colado e não saio. Vejo lá mesmo em Cabo Verde saí da ilha do Sal para ir, era 6 meses para voltar à minha ilha… passei quase cinco anos não voltei para a minha ilha(ri-me) fui para Portugal sem ir para a minha ilha. Cheguei cá era para dois anos já vão para 6 e tal não volto. pelo menos já sabe quando voltar para Cabo Verde já sabe – vai lá ficar algum tempo (rimo-nos) - e se voltar já pensei nisso. Para vir cá é difícil. cá já tem a vida feita, casa família amigos

-Aqui?! Não consigo nada. Aqui não há condições para conseguir nada. Tá difícil. pois ,eu acho que é um bocado para todos mas para uns mais que para outros

- há que consegue cá, quem não vive consegue alguma coisa. como assim?

- quem não vive cá para voltar a viver lá… e isso também não se sabe mais logo. mas tem cá tem amigos e família…

-isso sim tenho família amigos, tudo mas não é aquela coisa de estar aqui sozinho sem ninguém e estar aqui a

desesperar e a dizer “quero é voltar, estou farto disto”

(riu-se) Não, não divirto sempre. Trabalho, divirto, vivo a minha vida. mas o pessoal junta-se e vai a festas e sair e tudo mais?

- festas não sempre. Chamam-me sempre. Não tenho um grupo fixo mas grupinhos grupinhos me chamam para tocar individual com outros grupos. E na música em geral o violino normalmente é mais para acompanhar ou tocar

a solo?

Cid Carmo

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– é conforme o género da música. Há músicas que dão para acompanhar e a músicas que dão mesmo para tocar. E gosta de tocar em público?

-Sim, muito (sorrindo) e nunca teve vergonha de tocar em público ou coisa do género?

-tocar em público é diferentíssimo até lá na minha ilha quando eu tocava uma vez quando eu tinha o meu conjunto, as pessoas me perguntavam “me diga, me diga lá: quando sobes ao palco, fumas alguma coisa ou bebes alguma coisa?” (risos) dizem que no palco sou diferente. Mais relaxado?

– sei lá, eu não sei o quê, não sei… mas seja diferente. Mas vê-se gente que se sente constrangida a tocar?

-…eu acho… às vezes…. no primeiro dia a tocar num grupo o constrangimento é ao arrancar a música; no primeiro dia ou na primeira música mas, depois da primeira não há problema, a primeira sempre tem aquela intenção “o que vai sair o que vai sair?...” e no seu caso, independentemente do dinheiro a ser ganho ou não, tem mais

gozo a tocar em público ou se fosse a gravar CDs?

-É melhor tocar em público. e cá não há sítios em que dê para tocar, como restaurantes típicos,

caboverdianos?

-há mas eu não frequento, não frequento muito. Sim mas ir lá para perguntar se querem ter música ao vivo

-tem alguns africanos, mas cá restaurantes portugueses não… não, eu estava a dizer restaurantes caboverdianos

-aqui, aqui usam sempre musica Sim, mas ir lá e dizer “ah, não estão interessados em ter música ao vivo e

tal…?”

-sempre gostam de ter música ao vivo, essa coisa de quando vou a algum lugar para tocar nunca gosto de ir a um café para tocar, só passar lá para tocar ou ir a um restaurante, só passar lá para tocar. …porque as pessoas estão a comer e a fazer barulho e não estão a prestar

atenção aquilo que está a ser tocado?

Cid Carmo

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-isso é pior, eu quando estou só a passar a tocar e vou lá só para estar a tocar e então não dão atenção ao que estou a fazer, para quê? Só para buscar qualquer coisa (algum dinheiro)? Mas às vezes não é bem assim porque já me aconteceu estar em sítios e estar

gente a tocar e se o gajo que está a tocar for mesmo bom as pessoas até

param de comer só para ouvir. Que isso acontecesse…

-Claro. Por isso é que não gosto. Porque onde, onde vou tocar. Se algum amigo me convida para tocar em qualquer lado eu não tenho a má sorte de ter as pessoas que não me ouvem. Onde toco ouvem, sempre. Essa sorte tenho. Não é só sorte, não é?

– (sorri)

E conhece muito mais gente que improvise?

-assim agora agora não, pode ter e é difícil. É raro?

é raro é. E para encontrar é mais gente que toca guitarra ou teclados…

-É… porque é o que há mais…

– é, violinistas para improvisar… dos portugueses não conheço, caboverdianos para improvisar, não sei. Na sua família, o seu pai e o seu irmão também não improvisavam…

-tenho 2 irmãos que tocam mas todos nós tocamos a improvisar, assim é que aprendemos sem professor sem nada, todos a improvisar. O seu irmão fazia parte daquele grupo que andava consigo de ilha em ilha a

tocar?

-Sim, tenho dois irmãos um toca viola e outro toca cavaquinho e viola. Então eram os irmãos todos que andavam ali a tocar…

-tive o grupo dos irmãos, tocávamos em certos lugares e tinha outros grupos e eles também tinham outros grupos que tocavam em outros lugares. Lá toco num lugar com um grupo e toco noutro lugar com outro e eles também tocam com outros grupos noutros lugares. E eles agora estão onde, em Cabo Verde?

-estão em Cabo Verde, lá na ilha do sal, na mesma que eu estive.

Cid Carmo

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Mas não são do sal, são do Fogo.

-São do Fogo. Mas no Sal é melhor por causa dos turistas etc., não é?

-Claro. Pois porque no sal, então no verão, há quase mais turistas que caboverdianos

-No Sal deve ser quase 70% de turistas, aquilo é pequenino. Então os outros todos sacam as músicas de ouvido?

- (acenou que sim)

E normalmente as músicas que são tiradas de ouvido, é tudo músicas de

cantores, não é?

-É. Se a maior parte das músicas tocadas no violino são músicas que era suposto

serem cantadas e foram adaptadas para o violino, porque são tiradas de ouvido

etc. ou há músicas que são tocadas que são mesmo de propósito para o

violino?

-não em Cabo Verde tocamos assim: por exemplo uma pessoa grava um CD e nós tocamos o cântico da pessoa na música, no violino mas não há aquilo de tocar música do violino mesmo, ou seja sem ser baseado

no canto de ninguém.

...há músicas mesmo de violino e há música que solamos o cântico para os acompanhamentos. E essas músicas só para o violino são tradicionais ou…

são mais ou menos tradicionais, tipo mazurca, tipo fox, alguma valsa. [tocou exemplo de mazurca (e de bossa)]

-é difícil esta música mas está fixe

-está fixe?! Acho que está muito mal. mas uma pessoa também tende a ser mais crítica com ela própria que com os

outros

- não mas está muito mal mesmo. Mas porque, está nervoso?

- não estou a sentir tanta vontade… De tocar?....

Cid Carmo

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- (acenou que sim, e riu-se)

Essa mazurca tem algum nome em especial?

-Tem, mas eu não sei… a mazurca é a mazurca. Há aquelas músicas que são as mais conhecidas, não há? Aquelas músicas

que toda a gente conhece toda a gente toca, essas … quais são as mais

conhecidas?

há várias, mas agora não me estou a lembrar. Mas são mais as músicas que estão na moda ou são mais aquelas músicas que

se ouve sempre tocar?

É mais as mornas, Cabo Verde é mais é mornas mas são sempre as mesmas mornas ou eles alternam?

– são diferentes é que cá acontece por exemplo haver uma música que está na moda, e então

tocam sempre essa música depois quando já não está na moda passam a tocar

outra música.

-em Cabo Verde não, há música que não estão na moda mas há locais em que estão sempre na moda, não está na moda por uma fase das pessoas, mas está na moda para outra fase das pessoas, conforme vive a música entra na moda. Mas isso depende da idade das pessoas, de onde elas vêm, de quê?

Depende um pouco da idade e também depende das consequências da vida. Como assim?

-Por exemplo posso passar para aqui e passar uma fase na vida que houve qualquer música que toca com a minha vida que passei cá, chegando lá quero ouvir sempre essa música que está fora da moda lá. Pois. Se calhar quem está fora de Cabo Verde ouve mais aquelas músicas de

saudade que fazem lembrar Cabo Verde do que quem está lá que se calhar

ouve coisas dos Estados Unidos e não se preocupa muito…

-que não quer ouvir isso. sabe mais ao menos o que os jovens cá ouvem?

-agora é mais passadas, isso que dizem kizomba, que para nós lá é passada. e os miúdos ligam mais a isso que a outra coisa qualquer?

-Para miúdos é kizomba mesmo Mas tanto cá como lá?

Cid Carmo

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-Tanto cá como lá, em qualquer lado. Kizombas, funáná… por isso é que cá não há muitas oportunidades para músicos? Porque é na

base do por a cassete ou o CD e carregar no play?

-Acho que não é isso. Acho é que essencialmente não há muita concorrência na música cá. Se por exemplo, tendo um estabelecimento cá, se me deixarem ir lá e tentar atrair para pessoas e arranjar clientes já os outros estabelecimentos também querem ter a mesma coisa para atrair as pessoas, talvez as pessoas pensem que cá vejo muitas pessoas a tocarem na rua para ter um gorjeta ou qualquer coisa às vezes até se chateiam com isso e se for lá algum grupo para tocar se calhar pensam que é um grupo a pedir gorjeta e pronto. Mas acho que é diferentíssimo. Porque lá em Cabo Verde há mais gente a tocar, mais músicos?

-Há gente a tocar mas é diferente porque cá, vou para um lugar está um grupo a tocar mas está a tocar para divertir e mais nada, está a tocar para toda a gente se divertir e está outro grupo a tocar profissional para ganhar o seu dinheiro mas é profissional. E cá não é diferente cá está a tocar para pedir ajuda e lá está a tocar para ganhar o seu dinheiro e está ali tudo escondidinho e acabou. Lá por exemplo, estou a tocar num lugar, tu chegas lá sabes tocar um instrumento e tocas comigo e tás a passar bem e cá se eu estiver a passar na rua e vejo um grupo bom a tocar estão a tocar para pedir um apoio, não dá vontade a nenhum músico de chegar lá pegar num instrumento e pedir para tocar. Não sei porque é diferente. Mas cá vê-se gente de Cabo Verde a tocar na rua, não?

-Ainda não vi, quem sabe quando não tenho como tocar dentro de casa, pego na caixa ganha-se bom dinheiro…

-não só para ganhar dinheiro, é tocar. Mas parece haver gente que está cá a tentar fazer fama, seguindo um sonho:

chegar cá fazer fama chegar lá e poder dizer eu fiz aquilo.

- Nós lá em Cabo Verde não sei se é para fama ou para quê mas, a não ser para estar num CD e acabou.

Cid Carmo

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Mas a coisa do CD… no geral é para a pessoa poder mostrar que tem um CD?

Para mostrar que é merecedor de respeito ou é só mesmo o poder dizer que “é

uma coisa minha que fui eu que fiz”.

-há uma coisa que temos má lá em Cabo Verde. Por exemplo: lá, eu às vezes tocava três actividades por noite e eu não era profissional, eu não sabia se eu era profissional, e vão os emigrantes músicos de América, Holanda e Portugal, chegam lá e são profissionais, tratamos eles como profissionais e como melhor do que nós. E outra coisa, eles chegam de cá vêm lá e nos vêm a tocar se calhar se tocarmos uma música não podem acompanhar porque não sabem acompanhar. E eles são profissionais. E nós, chegam lá eles e cantam ou tocam e acompanhamos logo. Mas nós achamos que não somos profissionais eles é que são profissionais. é um bocado o “aquilo que vem de fora é que é bom”

-nós vivemos da música eles não, eles são profissionais porque têm CD e nós não porque não temos CD. Agora não sei, agora acho que gravam muito CD lá. É porque não havia a possibilidade de gravar lá. Nota haver mais gente a tocar desde há alguns anos atrás começou a ser dada

maior atenção à música caboverdiana, com a Cesária (Évora) e tudo mais, a

nível mundial? Acha que começou a aparecer mais gente a tocar por causa

disso?

- mas tocar…. Acho que lá já havia muito mais gente a tocar do que agora. porque? Por causa de agora querem mais é ser DJ?

-não é isso acho que cada vez estão a integrar mais ao trabalho, quando houve menos emprego mais músicos aparecem, e agora estão a dedicar mais a procurar riquezas que …. Mas a economia está a melhorar lá? Daquilo que sabe?

-está a melhorar para todo o lado, pode ser. ouvi dizer que o turismo estava a aumentar a propagar-se para outras ilhas..

-turismo acho que está a mesma coisa, ou piorar (menos turistas) porque com o desenvolvimento também estão a desenvolver a delinquência e tudo. mas quem vem de fora para tocar lá é gente originária de outros países ou de

lá?

-de lá.

Cid Carmo

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vendo a coisa pelo lado positivo quando chegar a Cabo Verde toda a a gente o

vê como profissional.

-não conheço profissional em Cabo Verde, nenhum nenhum nenhum que viva lá sempre que diga que é profissional, ninguém aceita. Tem outra coisa lá em Cabo Verde ouvia quando uma pessoa gravava cá em Portugal, levava um CD para Cabo Verde quando ouvíamos CD “âh! Isso é de Portugal” gravou em Portugal o CD não presta, quem grava na Holanda já é diferente. Então tem que gravar na Holanda

-se for um dia… e para depois sair de lá. Mas também já não está preocupado com isso, não a questão do gravar o CD

mas toda a questão do chegar lá e com o CD gravado para poder dizer que é

músico profissional.

- não, gravando cá ou lá em Cabo Verde para mim tudo é igual, importante é gravar é pela coisa em si e não por aquilo que existe em volta daquilo.

-é. Porque tem músicas que estão dentro de mim porque não divulgo nada e fico… e ajuda muito à carreira de uma pessoa ter um CD gravado

-ajuda muito a pessoa recebe mais propostas para tocar em mais sítios?

- para lá não, para cá pode ser… se toca bem ou não, CD ajuda sempre, mas se toca toca Sim, porque uma pessoa pode ter um CD e não tocar nada. E isso se calhar

acontece muito.

-já vi muito, por exemplo estou a gravar, gravo um CD fica bem e depois não posso dar um espectáculo porque não toco ou dou um espectáculo mal dado porque o que está no CD não faço. E isso vê-se muito?

-Às vezes, não muito mas às vezes. E essas pessoas, já não olham para elas com aquela coisa do gravou um CD e

é muito importante etc…

-Não. Por acaso com o meu violino temos uma sorte é que é acústico com música acústica é sempre na mesma, electrónica é que, mesmo que gravemos,

Cid Carmo

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Corda lá corda’m li – Histórias de quem toca o violino em crioulo

ao vivo é ao vivo não quero saber de… porque eu tocava lá em Cabo Verde e posso tocar aqui uma hora ali mais uma hora e ali mais uma hora toco a mesma música aqui ali e ali mas tudo diferente mas toco tudo diferente, tudo com características diferentes e ninguém está saturado da música. Mas também depende da ocasião ninguém toca da mesma maneira num bar ou

num concerto.

-é. Por exemplo chego cá toco uma musica, toco um título meio um gato, chego lá toco mais uma música meio um gato, as pessoas ficam chateadas chego cá mio mio mio ficam chateados com mio. Não percebi

-Em coisas de tocar ao vivo em acústico ninguém fica saturado de ouvir sempre a mesma coisa, mas lá nos grupos… mas cá não há tanto isso... até por que cá quando se quer ouvir um tipo de

música vai-se a um sítio quando se quer ouvir outro tipo de música vai-se a

outro sítio.

-lá somos diferentes lá tocamos é variedades de musica. Ou seja vai-se a um sítio e ouve-se de tudo?

-É Então pode-se estar no meio de um baile e a certa altura começa-se a tocar

uma morna e o pessoal que estava a dançar funáná de repente começa…

-É nas discotecas de lá é sempre isso, dessa maneira. Não fica só naquela de Bam Bam Bam BamBam Bam. E entretanto já tentou formar uma banda ou qualquer coisa do género, desde

que acabou a outra?

-Já estou a querer formar uma com uns brasileiros aí no Carnaxide. Mas para música brasileira ou …

-banda de pagode, brasileira e isso já começou a…

- estamos no ensaio não sei o que vai dar mas… pode ser bom. E eles são bons, têm jeito?

-bons… bom ninguém é. Tudo é bom, ninguém é bom. Mas vai se adiantando para ver o que sai. Mas continua à procura de sítios para tocar?

Cid Carmo

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Corda lá corda’m li – Histórias de quem toca o violino em crioulo

-é, tocar qualquer coisa de vez em quando, já estou acostumado com isso, de vez em quando aparece sempre. Casamentos…?

- algum casamento, algum.. tocar num bar essas coisas, alguma festinha de rua. E isso de bares aparece muito ou é mais raro?

Nos bares aparecem mais ou menos. Mas com frequência?

De vez em quando. Mas de vez em quando mês a mês, semana a semana?

-isso é conforme, se se tem um grupo que está a tocar num bar, pode se ter um grupo que está tocar num bar toda a semana e por todo o fim-de-semana, mas cá é difícil. E que música é que ouvia quando era miúdo?

-Mornas e coladeiras, ou o que passava pela rádio. Passava muita música brasileira?

-sempre e música cubana, não?

-podia passar mas ninguém percebia mas uma coisa que se nota às vezes na música de Cabo Verde é que há algo

de cubano lá o meio.

-é coladeira, anda para o cubano e caboverdiano. E agora já ouve uma maior variedade de coisas?

- é cada vez mais mistura. Mas não estou a dizer o ligar o rádio e ouvir aquilo que passa, estou a dizer, se

os CDs que ouve se são principalmente música caboverdiana ou se são um

bocado de outras coisas.

-as vezes oiço música que nem sei que música depois acabo por adaptar, porque às vezes as pessoas vão-me chamar para tocar em qualquer lado e eu vou tocar música que nem sei de onde veio, às vezes oiço música que quando ponho no ouvido passa… está a passar uma coisa pelo ouvido, nem sei o que é mas depois acabo por perceber e ficar bem, sentir que é boa musica.

Cid Carmo

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Corda lá corda’m li – Histórias de quem toca o violino em crioulo

E isso influencia aquilo que toca? A música que ouve depois influencia a música

que toca a maneira como toca, como improvisa etc? Pode pegar em partes de

músicas e pôr no meio de outras músicas? Ou não?

-não sei porquê, porque às vezes se entra e não se sente porque uma pessoa às vezes entra na influência e não sente se está…nessa influência só as pessoas é que percebem. Mas e fazer mesmos de propósito, se por exemplo está a tocar se está a

improvisar pode… estar a tocar uma morna qualquer e depois a certa altura

começa a improvisar mete um bocadinho de outra morna lá no meio e depois

voltar para a outra novamente isso acontece ou não?

-Eu acho que não. A dizer ir para outra morna? (repeti a pergunta)

-isso os caboverdianos gostam de fazer por rapsódia, passar de uma morna para a outra depois de uma morna para a outra. E isso é uma coisa que fazem muito?

Eu não gosto de fazer mas, fazem sempre. Eu gosto de começar uma morna e terminar uma morna e às vezes também cantam morna em morna, morna em morna, morna em morna, “mas que é isto estou a passar nota. passar nota, passar nota, não tem princípio nem tem fim”. E acha que há gente que faz isso porque pura e simplesmente não consegue

tocar uma música do início ao fim?

-Não, é porque às vezes estou a tocar num lugar, toco uma morna uma pessoa vai para cantar, gosta e começa a cantar outro, cantar outro porque quer aproveitar para mostrar. E quando era pequeno havia aqueles músicos que queria ser como eles?

- Quando era miúdo só queria era saber tocar e mais nada. Queria mexer em tudo, e ser bom como tal não sabia quem era bom, só sabia que havia música e queria era tocar musica. E aprendeu a tocar todos os instrumentos que tinha em casa

Tinha em casa bandolim, tinha em casa violino, viola de dez cordas, e eu fazia um baixo de lata e pau de madeira com cordas de nylon. Mas isso era, se calhar ainda é algo que se vê muito, as pessoas a fazer o que

podem na base do desenrasca?

Cid Carmo

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Corda lá corda’m li – Histórias de quem toca o violino em crioulo

-sim, mas dava jeito sempre, aprendi tudo aquilo, por exemplo aprendi a tocar o teclado num acordeão; enquanto eu agarrava o acordeão uma bancada de carpintaria o meu irmão puxava e eu tocava, e eu puxava e ele tocava (risos). É engraçado. E não se arrepende de nada que tenha feito

-Claro, Nunca! Fiquei bem feliz porque até agora para onde fui para onde cheguei foi com o violino é este violino e o do meu pai. Ainda tem o do seu pai?

-O do meu pai não tenho porque acabou lá mesmo em Cabo Verde. Mas são esses dois, por onde andei foi com eles. Este aqui foi o que ganhou para a orquestra?

-o concurso lá na minha ilha. E nota diferença no som desde que começou a tocar nele e agora?

-Fica agora com som mais tipo harmónica, tinha um som mais nítido mas agora fica mais tipo harmónica Mas acha que está a piorar ou acha que está a melhorar?

-Deve ser melhorar, não sei. Então é mesmo sem arrependimentos nenhuns e para a frente e….

- da música nunca arrependo porque é sempre bom, sempre bom, sempre bom. E em princípio a nível de música caboverdiana sem ser a coisa do forró não

está a planear nada de novo, ir tocar a algum lado?

-Não agora não tenho nada. Mas está sempre à procura?

- A não ser o Djom que estava a dizer que ia tocar, mas é muito longe também em Junho no Barreiro, na rua. Pois eu acho que ele que tem um café na rua dele que é onde ele toca e acho

que também mais nada

-Pois ele disse. Falei foi com o Luís de barros, não sei se conhece?

-Não, não… Luís de barros violinista, conheço. Ele disse que ia tocar na associação de Cabo Verde no Cais do Sodré

-eles tocam sempre para aí. Também já falei com o Armando Tito.

Cid Carmo

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Corda lá corda’m li – Histórias de quem toca o violino em crioulo

- acho que tocam sempre para aí. O Armando Tito é que anda sempre pela Europa toda a tocar, quando lhe ligo

ele diz “há está bem mas tem de ser antes de não sei quando que eu vou para

França, tem de ser antes de não sei quando que eu vou para a Holanda”

(mais tarde, depois da entrevista ele disse “eu é que não gostava de tocar nos

sítios em que o põem a tocar”)

há músicas que são melhores para improvisar do que outras? Ou é tudo a

mesma coisa?

-Para mim é quase tudo a mesma coisa, há umas que saem mas suave mas é tudo a mesma coisa. Mas também é por ter algum calo, se calhar no início havia umas que eram

mais fáceis outras mais difíceis.

- sim há umas que são mais fáceis de improvisar que outras. Mas sempre há um jeito para tornar mais fácil. Por que às vezes, cada vez que seja que tornar uma música mais fácil de tocar cai mais bem no ouvido e se tornar mais difícil fica pior no ouvido. Quanto mais complica pior fica?

-quanto mais complicado Melhor fica. Demonstrou no violino 1.02.05segs

Toca escala � mais fácil Toca arpejo � mais difícil “fica melhor no ouvido” “É o que eu acho mais difícil mas torno mais fácil para tornar mais fácil para mim” (???)

e para improvisar como fez? Esteve a estudar escalas ou…?

- eu não estudo nada. Sim mas quando foi para o Sal para tocar disse que não podia estar sempre a

tocar a mesma coisa se não as pessoas fartavam-se e então começou a ver se

improvisava etc. e a minha questão é como é que fez para começar a ver como

improvisava etc.?

- sempre já tive ideia de fazer alguma coisa diferente fazer as coisas de uma forma diferente mas com sentido no ouvido diferente; ou seja um pessoa pode estar a tocar um acorde na viola e eu faço uma coisa de uma forma e de outra

Cid Carmo

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Corda lá corda’m li – Histórias de quem toca o violino em crioulo

volta faço um solo e de outra volta faço um contra-solo, e no ouvido sai outra coisa. Qual é a diferença entre um solo e um contra-solo?

-quando uma pessoa esta a cantar e a outra está a fazer um coro com uma oitava ou meia oitava, é o contra-solo. Quando uma pessoa está a cantar e a fazer cada refrão e a guitarra esta a completar em cada fim de refrão, a guitarra está a fazer o contra solo então começou a improvisar a ver de ouvido aquilo que soava melhor?

Não, são coisas que saem espontando, não há isso de ver o que ficava melhor. E de vez em quando saía uma nota errada?

Pode sair mas fazíamos de tudo para que não saísse. Porque se estou a tocar e sai nota errada amanhã vai lá e é outro musico, tive lá bandas em Cabo Verde que dizem que são grandes bandas para lá eles mesmos não acreditam mas as pessoas dizem que são grandes bandas. Nós que tocamos lá não somos bandas somos grupinhos. Bandas é quem toca numa grande electrónica. Nós formamos um grupo de cinco, seis pessoas para tocar acústico não somos banda somos grupo. Banda é quem tem os amplificadores todos….

- É, quem vai à rua são bandas. Lá desde que toco, nunca ouvi chamar banda. Por exemplo eu comecei a tocar depois comecei a ajudar as pessoas a tocarem no baile desde criança. Depois ia ao “todo o mundo canta” , quem ia tocar cavaquinho era eu e nem sabia nenhum nome dos acordes, era abrirem a boca e eu apanhava, depois tocava a ilha toda e chamavam-me para tocar e depois acabávamos por ser um grupo sem saber que somos um grupo, porque andávamos para todo o lado, é aquele grupo. Que idade é que tinha na altura?

- Não sei, era miúdo. Depois chamaram-me e comecei a tocar com os meus irmãos e mais uns colegas que lá arranjava de vez em quando para tocar uma guitarra ou qualquer coisa, para ajudar. Éramos grupo mas é “vamos tocar para qualquer lado vais comigo” é sair e ir. Vim para a ilha do Sal também assim, toco num lugar com um grupo que dizem “vem tocar comigo” se toco um mês ou dois já somos grupo já estamos a tocar não ensaiamos nem nada fui lá tocar e acabou, já tocamos um mês. Uma pessoa chama-me, uma pessoa para tocar

Cid Carmo

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Corda lá corda’m li – Histórias de quem toca o violino em crioulo

comigo, mais logo vou lá, toco, tocamos um dia dois, três vai um mês, dois meses, três meses, um ano e já somos grupo, mas nem se percebe que somos grupo. [Pedi para me ensinar uma melodia

- Para afinar ele não me deu o lá deu-me o mi]

Para improvisar começou por usar uma melodia e depois começou a variar e

improvisar cada vez mais sobre aquela melodia?

-é foi isso. [ensinou-me “saudade”]

1:20h

Quando toca a deslizar é suposto ser mesmo assim?

A deslizar sim é para dar mais suavidade. E é quanto mais desliza melhor?

- É que no violino dá mais vontade. Mas se pudesse ser tudo a deslizar era melhor?

-Se der para fazer parte por parte também… conforme for bem feita, se for bem feito. (fez separado,) também fica bem, (depois voltou a fazer em glissando) (continuou a ensinar a musica, improvisou e disse) este improviso cabe de alto para baixo nos instrumentos que acompanham. Como?

-é só para complementar os acordes. Se estou a tocar sozinho e ninguém me acompanha posso dar esses improvisos para dar a sensação dos acordes que estou a dar. E é só mesmo na base daquilo que acha que soa bem?

-À medida que uma pessoa toca uma música, se solo a parte do cântico sinto que devo complementar a parte que termina o cântico e uso a parte que outros instrumentos podem fazer por exemplo o teclado pode fazer isso, faço, a guitarra pode fazer isso, faço. É por exemplo; vê se percebes, naquela música que toquei no ensaio que foi a primeira vez que toquei com o Armando, estava nervoso como estou cá, no primeiro dia vim a perceber que fiz uns improvisos lá que não devia por que eu fazia e o Armando estava a fazer isso e eu não deixava a guitarra sair com isso, como eu improviso depois vi que não devia fazer isso, só devia ser solo e …

Cid Carmo

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Corda lá corda’m li – Histórias de quem toca o violino em crioulo

E o que é que acha mais difícil estar a acompanhar outros instrumentos ou

estar a fazer um solo com improvisação?

-Às vezes só improviso, eu costumo fazer quando faço solo faço uns improvisos porque nos improvisos é que as pessoas mostram… o que sabem, e quando esta à vontade faz os improvisos e sai bem, que nunca se estou a solar solar, então as pessoas sentem… que estou a fazer mas quando faço qualquer improviso sinto que tem a vontade de aplaudir. Ali é que saem os aplausos. Que é isso que sabe bem?

-É. Quando se está a improvisar, se estamos a tentar improvisar a parte dos

acordes da guitarra, há vários acordes que a guitarra pode fazer para aquele

som e depois há acordes que ficam bem uns com os outros, costuma fazer

isso?

(Estática 1:31:1-15)

-Não sempre, depende se conhecer a pessoa também, por exemplo quando eu fui lá na casa do Armando eu não conhecia ele se soubesse que ele ia fazer aquilo não fazia só vim a perceber na gravação, mas depois disso já tocámos muito, e corre sempre bem. E quando foi a última vez que tocou com ele?

-Foi há muito tempo, última vez que toquei com ele foi num aniversário, já foi há muito tempo, foi há uns cinco, seis meses, práli, ali em Saldanha. Mas foram contratados para tocar no aniversário ou era o aniversário de um

amigo?

-De uma amiga dele. E não se costumam ligar para combinar ir tocar a sítios, é porque houve um

senhor que disse no filme [Morabeza] que foi uma coisa que me ficou, que foi

(+/-) “as pessoas se não estão a tocar só encontram os amigos nos funerais”

Riu-se e disse:

- É verdade, isso é. Às vezes se vou a um funeral encontro muitos amigos, já me dizem muito “porque não vai ao Enclave, ou vais lá num Tito Paris”, ainda não fui no Tito Paris, mas tenho vontade de lá ir mas nunca tive esse tempo de lá ir, quando tenho esse tempo nem me lembro de ir ter a esse lugar. Mas porquê?

Cid Carmo

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Corda lá corda’m li – Histórias de quem toca o violino em crioulo

-Sei lá porquê?! Pois às vezes uma pessoa esquece-se…

-É isso.

Pós-entrevista a Morgadinho Quando ele diz que não há vontade, não é por não haver apoios (embora

também não haja) é porque os outros músicos não têm a música como

prioridade máxima.

“Eu estou a trabalhar se me ligam a dizer: vem agora cá para tocar… eu largo as coisas e vou!, agora os outros não, eles dão mais importância aos empregos. Eu vivo para a música. “O Constantino deu o violino para o meu pai, uma semana depois ele morreu” “Ele (o pai de Morgadinho) diz que o cavalete tem que ter os sitos das cordas em bico afiado como uma faca, diz que o som entra melhor”” ”Tudo o que o meu pai sabia fazer eu também sei, tenho pena de eu não ter pedido para ele me ensinar coisas que ele sabia, coisas difíceis, porque o violino tem muitos segredos” “Tudo o que eu aprendi foi a tentar/experimentar/brincar, tinha as ferramentas e fazia” Para improvisar é bom saber tocar de ouvido,

Sabe os acordes porque também toca viola e cavaquinho

“Quem toca por pauta está preso, não sabe tocar por si” Todos os que havia na minha zona aprenderam todos a tocar violino com o meu pai, depois foram para fora e voltaram com discos gravados (…) grandes músicos, e eu estava lá -Tenho um amigo que veio comigo. Ficou no Alentejo, cada vez que fala comigo chora -Porquê?

-Por causa de como era boa a vida em Cabo Verde, ganhava bem a tocar num hotel ainda tinha lá almoço e jantar ainda tocava noutro bar, ele tocava bem, muito bom guitarrista mas agora, quando vem cá, nota-se que já não toca tão bem.

Cid Carmo

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”Tenho um primo toca cavaquinho mas ele esta a tocar bem mas ainda não o suficiente se formos tocar para algum lado e se for alguém a cantar é para tocar não tem de ser preciso dizer é em dó é em ré etc.” “Em Portugal ninguém consegue viver só da música” Tem 42 casado com uma prima tem 5 filhos

”fui com uma banda portuguesa em que eu toco, tocar não sei onde havia lá muitas bandas cheguei lá no palco era só pautas havia lá um só a procura de pega roupas69 para as pautas não voarem com o vento”

Armando Tito e Eduíno Encontrei-me com o Armando Tito e o tocador de cavaquinho no Marques de

Pombal para apanhar a camioneta que vai para Carnaxide.

Já na camioneta:

-“Vamos ver um rapaz que toca bem mas precisa de ver andamento” [tocam com ele para ver se ele ganha facilidade em apanhar e manter o

andamento]

Diz que em Cabo Verde cobram muito por um jogo de cordas para violino, que

sempre que vai lá trás cordas de cá, “são mais baratas”, diz ele.

Antes de entrarmos na casa Armando conta-me de ter acompanhado uma

rapariga japonesa que canta mornas no CD dela, diz que ela canta muito bem,

que está a ter muito sucesso no Japão e no Brasil, “só cá é que o CD não foi lançado”.

“Aqui vamos só tocar com o rapaz para ele ver do andamento, mas em Almada dou aulas de violino mesmo, e aí eu toco o violino” “Olha, tenho um rapaz que esteve quatro anos numa escola de música, só aprendeu teoria, está comigo há dois meses, já sabe tocar 4 músicas. Eles só se preocupam com o dinheiro.” Chegamos à porta, o dono da casa, Eduíno, está surpreendido por me ver (o

Armando não deve ter dito nada, ou então Eduíno esqueceu-se). Não parece

muito à vontade com a minha presença.

Sentaram-se, afinaram e começaram…

Armando disse Seufilhera e começaram logo a tocar. 69 Molas de roupa

Cid Carmo

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Corda lá corda’m li – Histórias de quem toca o violino em crioulo

Armando vai dando partes temáticas ao violino ao mesmo tempo que vai

tocando a parte dele, ou seja vai dando a melodia em forte, enquanto toca os

acordes em mezzo forte, recordando Eduíno da parte do violino.

Tocou o telemóvel do Eduíno (violinista), pediu para eu parar a gravação.

Atende o telefone, e depois de falar tudo, voltam a tocar.

Reparei que ele tem a tendência para usar mais a parte superior e media do

arco, tem a palma da mão junto ao braço do violino. Não usa o dedo mindinho

no arco.

…Afinal ele tinha pedido para parar a gravação, não por ter problemas em eu

estar a gravar (como eu supus), mas somente por ter tocado o telemóvel,

pedem-me então que volte a por a gravar para que possam depois ouvir a

gravação, tocam outra vez a mesma música uma vez que não foi gravada.

O violinista estava algo nervoso.

Acabou a música e pediram para ouvir, eu disse que só era possível com os

fones pelo que não dava para ouvirem todos ao mesmo tempo.

“Então ouve-se depois” e continuaram, passando para outra música.

Reparei que no final de cada música fazem uma suspensão em piano e o

Armando dá a nota em que acaba, isto é a tónica.

Reparei também que o Eduíno apenas usa a primeira e segunda posições no

violino sendo que embora a mão não mude explicitamente de posição, ela mexe

um pouco.

A arcada é caracteristicamente com maior pressão no meio embora não seja

usada muita pressão, o efeito é algo “wa wa”. Arcada tende também a ser

sempre ∏ (para baixo) V (para cima) não havendo ∏ ∏ ou V V, ou seja é como

sai não parece haver grande importância a ser dada à direccionalidade do arco.

Nas partes que são claramente mais enfatizadas, parece haver uma tendência

a ligar as notas, isto é tocar várias notas na mesma arcada, no entanto parece

haver sempre a mesma lógica de fraseado.

Armando a certa altura disse: “Ele tem o andamento certo.” No entanto estava a

referir-se ao rapaz que tinha chegado entretanto, mais tarde vim a saber tratar-

se do filho de Eduíno, que estava a começar a aprender a tocar viola.

Consegui constatar, inclusivamente pelos olhares e reprimendas de Armando a

Eduíno, que o problema de andamento deste era que tinha a tendência para

Cid Carmo

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Corda lá corda’m li – Histórias de quem toca o violino em crioulo

acelerar, mas sempre que o Armando lhe chamava a atenção ele voltava a ficar

“em fase” com os restantes.

Perguntei a Eduíno o porquê do uso do glissando

“Dá mais suavidade”-disse.

Eduíno relata que é encarregado da construção e que está a criar uma

associação recreativa, entre outras coisas, que pretende velar pelos interesses

dos trabalhadores ANECCOP (Associação Nacional dos Encarregados da

Construção Civil e Obras Públicas), afirma que, naturalmente, na associação

(como na construção civil) existem bastantes caboverdianos.

Reparei que nos momentos de pausa continuavam a tocar, cada um “no seu

canto”.

Durante o jantar falam de quando eram jovens em Lisboa e nos comboios

tiravam os instrumentos e punham-se a tocar e toda a gente dançava e era uma

festa, que compravam uns frangos e umas cervejas e iam tocar para Belém e

ninguém os chateava, “eram bons tempos esses”, dizia Armando.

Após do jantar tocaram mais um bocado.

Depois o Eduíno e o cavaquista foram lá para dentro ouvir a gravação.

Pedi ao Armando que me ensinasse uma música:

Ensinou-me uma do Travadinha.

Notei que tive alguma, mas pouca, dificuldade em decorar a melodia. É possível

que seja de eu ter pouca prática de tocar de ouvido, ou pura e simplesmente de

ainda só estar no 5º grau de violino.

Quando o Eduíno arrumou o violino na caixa não desapertou o arco, quando ele

o tirou da caixa já tinha reparado que estava já apertado.

Quando saímos. O Armando disse-me ainda: “Sabes, eu já sabia tocar há muito tempo mas mesmo assim resolvi ir para uma escola de música, para aprender a ler pautas; as escalas, os sustenidos e essas coisas, depois eu vi que eu usava mais sustenidos nas músicas do que aquilo que eles ensinavam e pronto, saí.”

Luís de Barros: Almoço na ACV (Associação de Cabo Verde) Chegam os músicos montam a aparelhagem toda no palco. Fazem o teste de

som. Tocam um bocado. E depois começa o almoço. Após o almoço começa o

“show”. Vim ver o violinista Luís de Barros, da ilha do Fogo.

Cid Carmo

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Reparo que ele não usa o terço inferior do arco, excepto quando são notas

longas. Ou melhor usa, mas muito pouco.

Usam (a banda) uma caixa rítmica.

O violinista já tem o arco apertado e mais tarde também não o desaperta.

O violino do Luís tem pickup para ligar à mesa.

O guitarrista tem uma pedaleira que altera os sons da sua guitarra de forma a

parecerem outros instrumentos, esteve a maior parte do concerto com o som de

piano

O polegar da mão direita agarra o arco por baixo da noz.

Luís improvisa no violino.

Depois, quando a viola (Armando Tito) sola, o violino toca mais baixo a

acompanhar usando um padrão rítmico de notas curtas ou então usando notas

longas.

Luís usa: cordas dobradas (à 8ª) em notas de apoio, notas longas e vibrato de

pulso.

[Começaram por ser só as mulheres a dançarem umas com as outras; depois

os homens começaram a vir dançar com elas, alguns foram “puxados” para a

pista de dança.]

Quando desligam a batida da aparelhagem era o cavaquinho que marcava o

passo.

Na voz, um músico caboverdiano também canta em brasileiro, Brasão

Luís não usa almofada, toca com o violino apoiado contra o peitoral esquerdo.

A pressão é feita sobre o arco com a mão e o 1º dedo, o indicativo.

Ele toca sempre na 1ª posição

A palma da mão esquerda está encostada ao braço do violino.

A ponta do arco, por vezes, à medida que o arco vai descendo tende a ficar na

diagonal em relação ao violino ou seja com a ponta virada para o ponto.

[os homens estão parados a beber, alguns avançam em direcção à pista de

dança

a televisão está ligada ao canto, aí algumas mulheres conversam e crianças

brincam

abriram os cortinados e a grande janela que existe ao lado do “palco”, agora

entra mais luz e mais fresco, “já estava a ficar abafado”, disse alguém]

Cid Carmo

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Corda lá corda’m li – Histórias de quem toca o violino em crioulo

Cantam-se músicas brasileiras, é engraçado notar a ligação que há entre Cabo

Verde e o Brasil em Portugal.

Notamos que quando a voz entra, o violino, que desempenhava o papel

principal do grupo, é “varrido” para segundo plano.

O Luís passa a fazer o contra-solo, isto é a reforçar e complementar os fins de

frase da voz mas faz isto em piano.

Quem decide que música vão tocar começa sempre por tocar uma introdução

indiciando os restantes sobre qual a música que se segue imediatamente.

Notamos que quer as partes estruturais, quer as ornamentais são facilmente

identificáveis na improvisação.

Violino usa vários tipos de ornamentação e dinâmica: mordent, vibrato,

movimentos sequenciais (o uso do mesmo padrão melódico e rítmico sobre os

vários graus da escala)

Entre algumas músicas o Luís limpa a parte do braço do violino onde toca( visto

que só usa a 1ª posição) mais os dedos e a mão com um lenço de papel.

Põe no arco, aquilo que um violinista “clássico” poderia considerar, demasiada

resina, o tampo por debaixo das cordas está branco.

Toca-se a música “Idja Brava” uma vez que este é o almoço de comemoração

da associação FINABRAVA que pretende promover a cultura caboverdiana

mais especificamente da ilha da Brava, e ajudar as pessoas que daí são

naturais.

Enquanto a voz canta, o violino tem momentos em que espera e a certas alturas

intervém… e quando a voz se cala, o violino “sola”.

Tende a limpar as cordas, possivelmente devido ao suor.

Os músicos falam descontraidamente enquanto estão a tocar, em plena

performação, sem problemas.

Uso de marchas harmónicas.

Tive que partir antes que o “show” terminasse, pretendia entrevistar o Luís de

Barros nesse dia, não foi possível. Nem nesse dia nem em nenhuma das

restantes ocasiões.

Cid Carmo

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Corda lá corda’m li – Histórias de quem toca o violino em crioulo

Leonel É de que ilha?

-Ilha do Fogo E veio para cá há quanto tempo, mais ou menos?

- Vim para aqui desde 1983, já tenho uns anitos aqui. E veio para cá com que idade então?

- Vim com 27 anos. E o que fazia lá em Cabo Verde?

- Trabalhava na agricultura. No Fogo?

-sim ilha do Fogo Mas lá havia… pronto eu também não conheço muito de Cabo Verde, é que a

noção que eu tenho é que há poucas ilhas onde dá propriamente para trabalhar

na agricultura, mais Santo Antão….

-Sant’Antão, ilha do Fogo e ilha de Santiago mas trabalhava lá num terreno…

-num terreno, nos campos, como cá em Portugal nas províncias. E aquilo tinha alguma cultura em especial ou era um bocado de tudo?

-É um bocado de tudo E quantos instrumentos toca?

-Toco a viola Viola e violino?

-Cada um, um bocadinho E o seu pai também tocava?

-o meu pai não, mas o meu avô, na juventude dele tocava, tocou dos 20 anos até aos 40 anos e depois desligou da musica. E depois ficou com o violino do seu avô?

-Não, por acaso não. Mas foi por causa do seu avô que começou mais a…

-não sei… porque o meu avô também não tocava assim bem, ele tinha assim… ele é que nos explicava que nos casamentos às vezes ele tocava viola, baptizados e essas coisas assim, mas eu não conheço ele a tocar quando eu nasci ele já tinha desligado da musica.

Cid Carmo

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Corda lá corda’m li – Histórias de quem toca o violino em crioulo

Mas ele ainda tinha lá os instrumentos em casa?

-não, por acaso não, não tinha. O irmão dele tinha, mas ele não. Mas e chegou a ver o seu tio-avô a tocar?

-O meu tio, sim sim, violino, sim. E ele tocava bem?

-Sim, sim, por acaso tocava bem. E acha que ficou com vontade de aprender por causa disso?

-Ah sim, sim acho sim. Foi aquilo que lhe deu mais vontade…

-Para aprender a toca, é. E quando começou a aprender?

-Quando aprendi a tocar tinha 17 anos E foi num violino que veio de algum lado ou foi daqueles feitos?

-Veio do estrangeiro, lá em Cabo Verde acho que eles não fazem violino. Não há aqueles que são assim feitos de lata com …

-Há! Pois (ri-se) Também dá…

-Pois dá mas eu aprendi mesmo foi num violino como esses aqui. E teve alguém que lhe desse aulas ou aprendeu sozinho?

-eu aprendi sozinho, só que meu avô é que afinava aquilo porque nós não sabíamos afinar aquilo… o meu avô é que afinava aquilo, afinava e a gente, eu mais os meus irmãos aprendemos a tocar. Os seus irmãos também tocam?

(acenou que sim)

Tocam o quê?

Tocam violino, tenho um irmão que toca violino também, tenho um que toca cavaquinho e tenho outro que toca viola. E tinham um grupo?

-sim nós tinham um grupo que era de 4 irmãos e tocavam lá pela ilha?

-sim tocavam Tocavam aonde?

- A gente tocava só na ilha do Fogo

Cid Carmo

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Corda lá corda’m li – Histórias de quem toca o violino em crioulo

Sim mas onde?

-em várias zonas Mas era quê, em praças ou restaurantes, onde?

-restaurantes, também tocávamos na casamentos, porque na minha altura não havia essas coisas que há agora de aparelhagem, era só se queríamos fazer um espectáculo ou um baile assim, era violinos e instrumentos de acústico e tinham muita saída lá?

-tinha, por acaso tinha, a gente costumava tocar todos os fins-de-semana e os seus irmãos ainda estão lá?

-Tenho um irmão que está cá em Portugal Que é o do cavaquinho?

-É o do cavaquinho é. Os outros estão lá em Cabo Verde. E desde que veio para cá já voltou a ir a Cabo Verde?

-Já, já. Voltei cinco vezes. Tive lá com os meus pais, os meus pais também já esteve cá duas vezes. E a razão porque veio para cá, foi à procura de trabalho, ou…

-À procura de trabalho sim, mais ou menos é isso Mas ligado ao violino, ao instrumento à música ou só mesmo…

-Não, não. Ligado à música não, vim mesmo para trabalhar doutros ramos de trabalho É porque há aquelas pessoas que vêm para cá naquela de gravar um disco…

-Não, mas eu não E cá tem algum grupo?

-Por acaso a gente já há alguns tempos que tinha um grupo mas depois também deixei por causa do trabalho, por que o trabalho que eu faço também não dá jeito para… Ensaiar…

-tocar aqueles ensaios sim. Desliguei-me um bocado também. E esse grupo foi há quanto tempo?

-Já há uns 6 anos mais ou menos. Mas de vez em quando eu toco assim mais ou menos quando me convidam para ir para o Algarve ou coisa assim, precisam de violinos, eu vou com eles. E no Algarve costuma haver assim festas e assim?

Cid Carmo

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Corda lá corda’m li – Histórias de quem toca o violino em crioulo

-Sim, sim Mais do que aqui em Lisboa?

É- capaz sim, em Lisboa costuma ser mais no restaurante ou assim que costuma tocar. No Algarve é mais festa E as festas são em alguma zona em especial?

-Sim aquelas zonas onde há muitos caboverdianos, gosta da música de violinos às vezes. Isso é mais onde

-A gente costuma ir lá no.... Tavira. E sabe com que frequência é que há lá festas? É que uma vez por mês?

-Não, não Não é tanto?

-Não é tanto, pois, às vezes duas vezes por ano, mais ou menos. Acha que há pouco violino a ser gravado?

- Acho que sim, violino é pouco é, violino é mais naquelas músicas como Cesária Évora às vezes Ildo Lobo falecido também, costuma por violino também os outros músicos costuma por mais é o piano. Acha que se ouve menos violino nos CD’s de música caboverdiana do que na

música que se toca mesmo em Cabo Verde?

-sim sim acho que sim. (…) Agora a gente já ouve as músicas quase todas mas antes nós ouvíamos era a música de violino, agora é mais as outras músicas. Mas acha que é porque é caro pagar a violinistas, ou porque é mais uma

pessoa a terem de pagar para tocar?

-Não sei, porque talvez a juventude agora já não goste tanto do violino como antes. Mas porquê?

-Não sei, talvez aquela influencia… é porque o violino em Cabo Verde agora é para ouvir no restaurante ou num café, é que se ouve mais o violino. Sim mas lá também agora aquilo que se ouve mais é as passadas, não é o…

-pois as passadas, música póp e essas coisas assim Porque os miúdos não ouvem tanto mornas?

-Pois mornas coladeiras e funáná, também usa-se mas morna e coladeira usa-se mais na ilha São Vicente, Fogo (?), Brava, já usa morna mais

Cid Carmo

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Corda lá corda’m li – Histórias de quem toca o violino em crioulo

E gosta de tocar em público?

-Gosto, gosto. E sempre foi assim?

-Sim sim, desde os 17 anos E o que sente do público?

-Sinto que quanto mais público mais dá vontade de tocar E sente mais vontade de tocar em público do que tocar sozinho?

-Sim porque em sozinho não dá aquela vontade especial E alguma vez gravou alguma coisa?

-Não… Nunca teve vontade de gravar?

-Vontade sim mas o problema é o financeiro. E como começou a aprender a tocar?

-Aprender, aprender com o meu irmão… aprendemos em casa! Apanhámos o violino, a gente começou a tocar algumas músicas, depois dia a dia vamos profissional um bocado e assim, sucessivamente. Portanto iam tirando as músicas de ouvido…

…pois de ouvido de outra pessoa que toca, às vezes de gravação, cassete, essas coisas e ouvimos e depois vamos lá no instrumento e prefiro tocar assim. E também tocavam a acompanhar cassetes?

-Sim, sim às vezes, a gente punha a cassete e punha a tocar por cima. E naquilo que sabe a maior parte dos violinistas funciona na base do tirar as

coisas de ouvido…

- De ouvido é. Não há assim ninguém que tenha aulas?

- lá em Cabo Verde é só de ouvido mesmo E sabe improvisar, ou alguma vez se dedicou isso?

- Não E sabe de gente que faça isso?

- Improvisar, conheço alguns Lá em Cabo Verde?

-sim sim Acha que cada ilha tem as suas músicas ou está tudo um bocado misturado?

Cid Carmo

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Corda lá corda’m li – Histórias de quem toca o violino em crioulo

-é um bocado misturado tudo quais são as músicas mais conhecidas?

-Sodade, a maior parte das músicas que eu toco não sei o nome, mais que eu toco as músicas é copiada por isso não sei o nome Copiada?

-sim e oiço a música depois toco no violino mas não sei a música por letra Alguma vez fez alguma música?

-não E alguma que seja menos conhecida que conheça?

-não as músicas que eu toco quase toda a gente conhece Acha que a ilha de onde se vem influencia a maneira como se toca?

-Acho que sim porque cada ilha toca de uma maneira E isso nota-se a nível do som?

- Som é igual, às vezes é o ritmo, o ritmo é mais diferente Então como acha que as ilhas são a nível de ritmo

-ritmo de ilha de: S. Vicente, S. Nicolau, Stª. Lúcia, Boa Vista, ilha do Fogo, se tocarmos a coladeira ou a morna é quase igual mas Santiago é diferente é mais mexido e isso nota-se mais em que tipo de musicas?

-funáná e quando estava a crescer havia alguns músicos que gostasse em especial?

-Sim havia lá na ilha do Fogo um senhor, o Minó di Mama (famoso, morreu à poucos anos), que também tocava gaita [acordeão] e também já gravou, e havia

mais uns músicos

-que músicas é que ouvia coladeira e mornas lá na ilha do Fogo e que músicas ouve agora

- hoje em dia é morna, coladeira e kuduro, mas eu gosto mais é de coladeira e morna há alguma coisa na sua vida que se pudesse teria feito de outra forma? Se teria

dedicado mais tempo ao violino ou não se teria pegado noutro instrumento?

-Não eu gosto mais é de tocar e violino e acha que o violino é mais para acompanhamento ou…

Cid Carmo

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Corda lá corda’m li – Histórias de quem toca o violino em crioulo

-acho que aquelas músicas de acústico o violino é principal mas as outras músicas acho que não acha que se dá mais importância à voz do que ao violino?

-Sim sim E mesmo em Cabo Verde?

-Sim Mesmo antigamente?

-Não antigamente não tinha quase voz, era só violino, o violino que fazia parte de voz, íamos tocar num baile era o violino, não havia gente para cantar. Isto na ilha do Fogo.. Quando acha que começou a aparecer gente a cantar?

- Há uns 7 anos atrás, na nossa ilha do Fogo. Antes não, mas agora já há muitos cantores em Cabo Verde Então agora há mais cantores…

-que os próprios músicos pois. E acha que os músicos tem mais objectivo de gravar ou de tocar?

-Toca tocar, há muitos músicos em Cabo Verde tocam e ainda não gravaram nada Sim mas a questão é se eles querem?

-Gravar pois, gravar querem a maneira de gravar é que é um bocado difícil Se pudesse vivia só da música?

-Se desse para viver, vivia só disto. Já agora aquele seu violino veio de onde?

-Estados Unidos. Trouxeram-lho?

-Sim e trouxeram-lho de propósito para si ou..

-o meu primo foi lá e depois trouxe para mim e é este?

Já tem uns aninhos

-Sim sim, já tem uns 8 anos mais ou menos E fez algumas alterações no violino ou não?

-Não, estava como vê

Cid Carmo

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Corda lá corda’m li – Histórias de quem toca o violino em crioulo

Com a ligação [pickup para ligar com o jack ao amplificador]

-Sim sim. E pediu já com isso ou mandou vir assim?

-mandei vir assim que é para ligar ao jack. [Suporte do pickup é igual ao da queixeira]

e tem amplificador em casa.

-na verdade não. Mas já usou?

Sim, lá no café têm mesa para ligar e essas coisas. Acha que só se toca: quando há festa ou baptizados ou casamentos ou

funerais...

- Não às vezes apetece-me tocar e eu pego no violino e toco sozinho e em Cabo Verde acha que também é assim?

-não sei… em Cabo Verde às vezes junta-se um grupo e põe-se a tocar, sem razão nenhuma No seu tempo havia lá muitos grupos?

-Tinha poucos, mais ou menos 6 grupos com violinista. E mesmo sem violinista?

-Havia muitos. Cada zona há tem um grupo que toca. E porque acha que há e havia poucos violinistas?

-Talvez porque as pessoas não gostavam tanto de tocar violino, por que é mais difícil puxa pela cabeça, preferem tocar um cavaquinho ou uma viola Alguma vez foi tocar para outro país?

-Não Quanto tempo é capaz de estar sem tocar?

-É capaz de estar um mês ou dois sem tocar no violino, Qual foi o máximo de tempo…

- Já cheguei a estar uns 10 anos sem pegar no violino, depois o meu primo foi para os Estados Unidos e como eu gostava do violino trouxe-me este violino e eu comecei outra vez a estar de vez em quando a tocar, depois juntamos com uns grupos. Então mas…

Cid Carmo

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Corda lá corda’m li – Histórias de quem toca o violino em crioulo

-eu aprendi a tocar com 17 anos depois quando vim para Portugal com 27 desliguei da música e depois o meu primo trouxe-me o violino. Cá era só trabalhar, não havia pessoas para tocar não conhecia ninguém fiquei uns tempos sem tocar, depois ele foi para os Estados Unidos trouxe-me este violino e ou comecei a tocar outra vez cá em Portugal. E em Cabo Verde aprendeu com quê a tocar, com que violino?

- Lá tinha um violino que era dum senhor, também tocava violino que nos vendeu o violino, por… 25 escudos Muito barato!

-Sim, naquele tempo, mas o violino também já estava quase todo estragado, aquelas tinha cordas de fio de pesca, tinha o cavalete todo partido. A gente fazia o nosso pegava no violino metia e tocava, o fio era de rabo de cavalo e a gente punha Para o arco?

-Sim. Também de sisal. Não sei se você sabe, sisal é uma coisa que há lá na ilha do Fogo a gente passava aquilo numa máquina e o fio saía branco como se fosse o fio do arco a gente metia no arco e tocava O que é o sisal?

-É uma planta, cá em Portugal não conheço. Mas é uma árvore?

-Sim é arvore, é. E que parte da arvore é que usavam

-Ele dava uma coisa assim comprida depois a gente metia aquilo numa máquina, é uma coisa assim tipo uma lamina e depois a gente puxava e aquilo sai a casca toda, ficava só o fio limpo e a gente metia no arco e tocava no violino Mas fiozinhos assim fininhos faziam muitos?

-Não, aquilo era comprido Mas fininho?

-Sim fininho, como este aqui do original. 34min (música, morna - Arrundinha)

Como chama o deslizar do dedo?

Cid Carmo

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Corda lá corda’m li – Histórias de quem toca o violino em crioulo

-É mais devagar, na morna é mais devagar. Porque na coladeira é mais depressa. Porque a morna é mais devagar também?

-Pois, é tipo fado. E porque se usa o deslizar?

-Deslizar o dedo, né?! Para procurar as notas. Áh, é que aquilo que eu ouvi dizer era que era para ficar com um som mais

suave

-Sim sim também, tem mais melodia. (Pedi para me ensinar uma música. ensinou)

Diga-me uma coisa quando se está a tocar há alturas em que é melhor usar

esta ou aquela parte do arco ou é como vem?

-Sim é como vem. E quando se está a acompanhar como é que se faz?

-Quando se está a tocar, normalmente quando entra a voz o violino para, depois quando a voz para começa o violino.

E não se costuma “tocar” as duas coisas ao mesmo tempo?

-Não, não. Às vezes quando a pessoa está a cantar se improvisa uma coisa mais ou menos um solo baixinho. (ensinou-me outra música e outra ainda (Sodade))

-para tocar tem-se de conhecer a musica, né?! Pois para mim foi mais fácil por conhecer a música.

Mas diga-me: quando se toca com o 4º dedo, com este dedo aqui, costuma-se

tocar nas duas cordas [cordas dobradas]

-Eu não, mas aqueles violinistas mesmo profissionais costuma geminar as cordas, mas eu é tocar uma corda de cada vez mesmo porque não sei fazer bem isso. (continuou a tocar – tocou uma coladeira, bastante conhecida)

sabe tocar funáná?

-funáná no violino é difícil (Tocou uma coladeira)

-isto violino é bom é a tocar com os outros instrumentos sabe se os seus irmãos ainda tocam lá em Cabo Verde?

Cid Carmo

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Corda lá corda’m li – Histórias de quem toca o violino em crioulo

-Não, não têm, este que vem agora tocava num grupo, tocava cavaquinho, tem um ano cá em Portugal. Costuma tocar com ele?

-Sim Em casa?

-Sim em casa, às vezes no café. No café não chateiam?

-Não, não E tocam a que horas?

-Às vezes das 6horas às 10 horas. E quem mora por cima do café…

-Pois a partir das 10 já não deixam. E costuma ir lá muita gente para ouvir?

-Sim, muita gente uns consome e para ouvir a musica. Quando há música vai lá mais pessoas. E o dono do café, paga-vos?

-Sim, 100€. Somos três e dividimos os 100€. E tocam com que frequência?

-Duas vezes por mês. Quando dá. Quando vê que há lá clientes liga para a gente aparecer e pronto. (Não tem dia fixo.) É um café ao pé de sua casa?

-É, é. E eles também moram lá ao pé, o seu irmão e…

-Mora perto de mim E a outra pessoa?

-o Gugu mora perto de Sintra toca viola Costuma falar com gente de Cabo Verde que ainda toque lá?

-Sim quando ligo para lá no telemóvel eu pergunto por eles, eles perguntão por mim, se estamos aí a fazer alguma música eles dizem que sim de vez em quando, E sabe se lá andam a gravar?

-gravar não, na Ilha do Fogo é difícil. Agora há estúdio na [Ilha da] Praia. Mas no Fogo é difícil.

Cid Carmo

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Corda lá corda’m li – Histórias de quem toca o violino em crioulo

E acha que há mais gente a ir para a Praia por causa disso?

-Não, não. Na ilha do Fogo há pouco músico com aquela influência de gravar, há aqueles que tocam nos restaurantes e já foram para os Estados Unidos, já vieram cá a Portugal tocar também mas não têm aquela coisa de gravar. Acha que a maior parte dos músicos violinistas que saíram de Cabo Verde foi

para ir para os Estados Unidos ou para Portugal?

-Estados Unidos. Eu conheço 2 que já lá foram 4 vezes. Mas não foram lá para viver.

-Não. Foram convidados, foram lá tocar ficaram uns 15 dias e depois pronto. E cá nunca foi convidado para ir a algum sítio tocar?

-não porque eu tenho pouco conhecimento. Mas pouco conhecimento de quê, de gente?

-Sim, não sou muito conhecido pela música. Mas lá no trabalho, por exemplo, quando o pessoal se junta, não dizem ”ah, trás

o violino…”

-pois às vezes dizem “hoje não vai lá tocar no café? A gente quer ouvir violino.” Essas coisas assim. (tocou mais um bocado)

Quando trabalhava lá em Cabo Verde havia muitas festas?

-nos fins-de-semana havia Todos os fins-de-semana, havia?

-não todos, mas havia baile, a gente costumava fazer aquele baile popular E costumava tocar nos bailes?

-Sim, às vezes baptizados, às vezes casamentos. Quando não havia nem baptizados nem casamentos, às vezes organizava-se uma festa qualquer e fazia-se um baile popular ali. E também se toca nos funerais ou não se costuma?

-Não, nos funerais toca-se pouco. No Fogo só me lembro de se ter tocado 3 vezes de todas as vezes que houve. E o violino tocou?

-Sim, às vezes pessoas que gostava da música, e se morresse e queriam enterro com a música, pronto a gente ia lá tocar. E nas festas vocês tocavam e eram pagos?

Cid Carmo

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Corda lá corda’m li – Histórias de quem toca o violino em crioulo

-Sim, éramos pagos. E quem pagava?

-Era o dono da festa Dono da festa?

- Sim mas aquilo também cobrava-se bilhete, não era de graça. Naquelas festas que era de noite e pa dançar, e pa fazer a musica. Cobravam bilhete. Se fosse baptizado ou casamento e tinha comida e a gente comia e bebia, mas hora da música que e pa por a música do baile eles cobram bilhete E para comer também?

-Para comer não, para comer é de graça (rindo) Mas nas festas de fim-de-semana também era assim?

-Não, não havia comida. Não havia cachupada nem essas coisas?

-Não, isso era só no casamento ou baptizado. E se havia baile popular tinha tudo mas tinha que se pagar. Tinha que se pagar mas também tinha a comida?

-Pois. E quem é que organizava os bailes?

-Era uma pessoa qualquer. Marcava um dia, um sábado ou um domingo convidava muitas pessoas, as mulheres os homens, organizava aquilo, a gente ia lá, comprava o bilhete entrava no baile e dançava. E havia muita gente a ir aos bailes?

-Havia pois, sempre pessoas… cento e tal, e pronto. E era lá que os jovens iam para conhecer raparigas, as raparigas para conhecer

rapazes?

-Sim, sim. Essas coisas. E os bilhetes eram caros, eram baratos?

-Quanto mais pessoas mais caro. Mais caro?

-Sim se não entrava lá em casa muita gente e não havia espaço para todos. E as festas nunca eram feitas ao ar livre?

-Não, não eram sempre em casas. Lá ar livre assim não havia, na cidade havia, mas na província que era onde eu morava não havia, não tinha assim sítio para

Cid Carmo

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Corda lá corda’m li – Histórias de quem toca o violino em crioulo

fazer ao ar livre tinha de ser mesmo no salão, assim num salão grande, a gente preparava uma casa assim grande dava a festa. E quando era da colheitas, quando estavam a trabalhar no campo havia

música?

-Sim se estávamos a plantar ou a cavar estávamos a cantar. E nunca havia ninguém que levasse os instrumentos?

-Nada, na hora de colher cavar e plantar as batatas e as coisas assim, era só cantar. Às vezes quando chegávamos a casa depois do trabalho depois pegávamos nos instrumentos e tocávamos em casa. E nem na hora de comer, na hora de almoço?

- Ninguém. Estavam era com fome e queriam era comer.

-pois. Quando era mais jovem… acha que a maneira como olhar para o instrumento

mudou?

-Quando eu era mais jovem gostava mais de pegar no violino. Agora estou ficar mais preguiçoso, também é talvez falta de pessoas para tocar. Mas há alturas em que lhe apetece tocar mas não tem ninguém, ou porque o seu irmão está a trabalhar… -Sim pois, às vezes eu pego em casa, toco assim um bocadinho e depois ponho lá outra vez. Um bocadinho como?

-Um quarto de hora mais ou menos. Só para não desabituar. E hoje em dia não tem aquela vontade de, quando alguém grava uma música

nova que gosta, pegar…

-No violino e ver se consigo tocar aquela musica, acontece sim. Quando oiço uma música nova e fico satisfeito por ouvir, pego logo no violino para ver se consigo. E a maior parte das vezes consegue?

-Sim, pois. Pois ponho a cassete experimento um bocadinho, depois se tem alguma falha ponho a cassete outra vez e tento outra vez, ou o CD. E acha quando era mais jovem era mais atencioso com o violino?

-Menos, menos.

Cid Carmo

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Corda lá corda’m li – Histórias de quem toca o violino em crioulo

Quando era mais jovem tocava quanto tempo mais ou menos?

-No baile começávamos a tocar das 10 até às 6 da manhã. Nos casamentos costuma tocar também das 10 da noite até as 6, e as 4 da tarde do dia seguinte até à meia-noite. Seguido. Aquilo tinha casamento mas depois tinha lua-de-mel, os noivos iam de lua-de-mel mas nos ficávamos lá a tocar na casa da festa. Tínhamos que tocar porque já tínhamos o preço combinado. Mas mesmo quando não havia festa nem nada, tocava quanto tempo?

-Em casa com os meus irmãos, né? Tocava uma hora, de ensaio. Mas ensaiavam as músicas que depois iam tocar?

-Não, para tocar, para tocar mesmo. Mas também ensaiavam aquilo que depois tocavam nos bailes?

-A gente chegava ali e já tínhamos tudo quase decorado, era chegar aí e tocar. Mas quando estavam a tirar as músicas tirava cada um sozinho a sua parte ou

depois juntavam-se, como faziam?

-Não, por exemplo eu tirava cinco, meu irmão tirava sete, o outro tirava mais quatro, dava para tocarmos umas cinco horas. Depois repetíamos outra vez. E quando iam tocar aconteciam tocar alguma música que um não conhecia?

-Não, todos conheciam a música toda. E não era preciso dizer, “esta é em ré” ou “esta é em lá” ou “esta é em dó”?

-Não, a gente chegava lá e antes de tocar fazia assim [tocou um acorde de Sol Maior com alguma ornamentação] se mi menor faz assim [tocou uma melodia em mi menor com um acorde harpejado lá no meio] se lá menor [tocou uma melodia em lá menor fazendo no final o acorde de tónica no sentido descendente] E em Cabo Verde acha que a música é mais em (Modo) Maior ou menor?

-Mais em menor. Mas muito?

-Sim… quer dizer, não muito porque há músicas que começa em menor depois vai para maior. E depois vai para menor outra vez, acaba sempre na mesma em que começou?

-Sim. Mas a maior parte começa em menor?

-Sim.

Cid Carmo

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(continuou a tocar)

-Esse violino também já é antigo, não é? É sim, se quiser pode tocar. Se quiser pode tirar isso. (a almofada)

Não. [pôs o violino apoiado contra o peito como faz com o seu] (experimentou o meu violino)

-É melhor que este violino. (continuou a tocar)

- Posso arrumar, né? Sim, sim. Está à vontade.

- o Morgadinho também é da ilha do Fogo, né? É sim. Ele é um bocado mais novo.

-Ele tem 20 e tal, né? Acho que já tem 40 e poucos.

-Pois, eu conheço ele. Então vai acabar este ano, né?

Não, só para o ano.

Chiquinho Lima [Afinou e improvisou um bocadinho]

-não estás a gravar ainda, não? Já. Diga-me só uma coisa: isto aqui é o pickup para ligar o jack?

-sim sim isto é a pastilha que é para ligar, pronto como isto é acústico e não tem ligação, pronto tenho que ligar isto.

Já vinha assim ou mandou fazer?

-não, isto é comprado nas lojas de música. Mas já com isso?

-não, não. Isto é à parte. E para pôr…

-para pôr é só colado, ele vem com uma cola especial e a gente encosta aí e pronto fica. Pensei que pudesse furar mesmo a madeira

Cid Carmo

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- Não, há aqueles que dá para furar a madeira, pronto instrumentos semi-acústicos que fura a madeira e põe a pastilha e tal, mas este é um adaptador só colado, depois qualquer coisa e a gente tira É porque eu já tinha visto mas com um suporte de queijeira e um fio colado ao

cavalete.

-Sim, sim, sim. Isso depois depende da qualidade. É de que ilha?

- Sou de S. Nicolau. Até agora só tinha entrevistado gente do Fogo…

-Pois aí há mais gente que toca violino. Acha que há alguma diferença entre quem toca “violino do Fogo” e que toca

violino “de S. Nicolau”?

-com uma pequena diferença, ligeiramente, mas é muito muito muito parecido, porque são praticamente mornas e coladeiras, Mas no que é que acha que se nota mais a diferença?

-nota mais a diferença, é porque é o sotaque mesmo da música, é tipo uma linguagem. Mas que é do Fogo usa mais o deslizar das notas (glissando), ou…

- É assim, a gente nota diferença é por causa das músicas mesmo, porque, é assim, no violino a gente toca praticamente é música que é para cantar mesmo voz, então como a gente conhece praticamente toda a música, a gente tem tendência para sentir aquele sotaque do que é do Fogo mesmo, pelas músicas pela forma de tocar, porque vamos aprendendo uns com os outros, como uma ilha é praticamente bocadinho disperso, tás a ver? E a formação na altura, para passar de uma ilha para outra era um bocadinho difícil, então é assim vou aprendendo com um colega meu ou com um tio ou com um avô, ou qualquer coisa assim parecida, eu venho com aquele sotaque, então lá tem um e tem outro, é sempre morna e coladeira mas tem sempre aquele sotaque diferente. Mas, podem prolongar mais uma nota do que aquilo que pessoas podem fazer

noutros sitos, coisas desse género?

-sim, mais ou menos isso. Nota diferenças, eu pelo menos, com violinistas que eu conheço da minha ilha tem uma diferença entre a forma de tocar da ilha do Fogo, se eu ouvir um gajo a tocar eu posso dizer se calhar que “não é de S.

Cid Carmo

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Nicolau” não posso dizer bem que é do Fogo mas que não é de S. Nicolau. Porque já tive conhecimento de mais ou menos dos violinistas que tem no nosso meio. Mas normalmente a coisa é sempre o mesmo, é mornas e coladeiras que está mesmo ligado um ao outro. Quantos instrumentos é que toca?

-Bem eu toco vários instrumentos, toco violão, cavaquinho, violino, teclado toco viola baixo, toco um bocadinho de clarinete, essas coisas todas, tudo o que tenho aqui praticamente. E aprendeu com quem?

-Bem é assim lá em S. Nicolau em praticamente e todas as comunidades tinha grupos que tipo serenata, depois de um dia de trabalho o pessoal ia todo para um sitio qualquer ia buscar os instrumentos e começava a tocar as mornas. Então íamos apreendendo uns aos outros eu vinha aqui para ver ainda criança e vinha para ver a tocar, então quando faziam uma pausa, por exemplo já tocou assim umas mornas e faziam uma pausa, às vezes para beber um groguinho essa coisa toda, tão a gente começava a pegar, via um gajo a fazer aí umas notas… “pá, vou tentar fazer aquilo” aí a gente começava a aprender: os acordes, às vezes sem sequer saber o nome, nem nada. Tão começava a ir tocar a sítios e lá vai andando depois com o tempo a pessoa vai desenvolvendo. E os instrumentos que havia lá eram do grupo?

-Não, não cada um tinha o seu instrumento. E para além do violino os outros instrumentos que aprendeu, também foi lá?

-Pronto… é assim: eu aprendi a tocar é violão, quando tinha aí mais ou menos uns 12 anos aprendi aí a tocar violão, então, quando tinha mais ou menos 15/16 anos já tocava violão mesmo bem, tocava com grupos, violino aprendi mais tarde. Porque é assim: um tio que eu tinha na Holanda mandou um violino lá para casa, para o meu pai. Então o violino ficou lá e eu tive curiosidade e peguei, pronto, mas eu já tocava com pessoas que tocavam violino, mas aprendi a tocar violino, mas foi assim, como já tinha experiência de violão eu pegava no violão e fazia um acorde, e então ia tentar pegar aquele acorde no violino, só para a melodia, pegava aquela melodia e tentava tocar uma música naquela melodia, então quando eu tocava uma música naquela melodia aquilo

Cid Carmo

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Corda lá corda’m li – Histórias de quem toca o violino em crioulo

já ficava registado na cabeça. Então depois fazia outro acorde; eu estava acostumado tocar com o violino e sabia que havia aquelas notas específicas que eles tocavam: por exemplo Sol Maior, sol menor, dó menor, ré menor, tinha aquelas notas que realmente eu não sei se eles não tinham capacidade para tocar naquilo ou se era mais difícil ou qualquer coisa, então eu peguei naquelas notas que eles costumavam tocar fazia na viola e depois pegava ali só com o som, “eu já sei este acorde agora vou fazer aqui uma melodia aqui” fazia uma melodia só para ficar com aquele acorde, treinava uma música ou duas e pronto foi assim andando até que agora já toco um pouco razoável isto. E consegue improvisar no violino?

-Sim, sim eu improviso muitas coisas. Eu praticamente toco uma música, como eu estava a dizer uma música que é cantada, mas chega no meio e eu posso improvisar umas coisas, pronto já é mais difícil para mim do que viola porque eu nasci com ela praticamente foi o meu instrumento preferido, violino comecei mais tarde, fiz uma pausa tempo em que eu parei de tocar, já é mais difícil de improvisar do que a viola mas sim eu faço muitos improvisos. Mas quando o chamam para tocar é mais para viola ou violino?

-Aqui em Portugal eu estive… na altura que eu vim de Cabo Verde tinha um colega aqui, a gente já se conhecia ele também era mesmo de S. Nicolau, e ele já tocava violino, então a gente queria criar um grupo para tocar, mas não tinha outra pessoa, podia tocar viola então disse “não vou tocar violino, deixa o colega tocar violino” e então vou eu tocar viola e então passei 6 anos a acompanhar o meu colega, tás a ver? Só que ele foi para a Bélgica ou não sei quê, e eu comecei a tocar violino novamente, eu só fazia uns treinos era para não ao perder o habito. E o seu pai também tocava?

-O meu pai toca um pouco de cavaquinho. Só?

-Sim Então nunca chegou a pegar no violino

-Não, não Ou seja o irmão dele mandou lá para casa e ele…

Cid Carmo

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-Pois o irmão estava na Holanda, o meu pai também era imigrante da Holanda mas também já estava lá radicado em Cabo Verde. Ele tinha ido para a Holanda e depois tinha voltado?

-Sim, sim. O meu pai, sim. Ele foi imigrante 14 anos. Pronto fez a vida dele e voltou. Então o meu tio que ainda eslava na Holanda comprou aquele violino num sitio qualquer, num porto qualquer ou quê e mandou lá para casa do meu pai, mas também não percebia nada de violino só que o violino estava, tinha um senhor dali duma zona ao pé que tocava violino e o meu pai disse “olhe tenho aqui um violino em casa pode ver como é que é”, ele chegou e afinou o violino porque eu a afinação do violino eu não conhecia, afinou o violino estive a experimentar e tal e deixou o violino afinado e foi embora. Primeira coisa quando eu peguei no violino é pegar aquela afinação e eu comecei assim [e começou a tocar cordas soltas ∏V∏V, da mais aguda à mais grave, há que ter em conta que o Chiquinho é canhoto, sendo que para além de tocar com o violino na mão direita e o arco na esquerda, a posição das cordas do violino não é alterada] só para pegar aquilo de ouvido porque se o violino desafinar, para eu poder afinar novamente estás a ver? Peguei aquilo de ouvido e depois comecei a fazer acordes no violão e tentar fazer melodia no violino para pegar os acordes foi assim, mas não aprendei com ninguém que me ensinasse assim. Porque é assim Cabo Verde hoje não sei mas na altura, eu sou de São Nicolau e é uma ilha menos desenvolvida em termos de qualquer coisa, por exemplo pode haver uma escola de música na Praia mas agora S. Nicolau é uma ilha mais… Eu não sei, até estive à procura e não encontrei nada. Há escolas de música

em Cabo Verde?

-Há. Na Praia há. Mas já existe há muito tempo?

-Pode não ser uma escola muito desenvolvida, mas há porque há muitos caboverdianos que já têm uma teoria musical. Mas apareceu há muito tempo?

-Não é muito antiga, claro, mas há pessoas em Cabo Verde que já têm no mínimo setenta anos que já vi entrevista na televisão que falam daquele tempo

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quando andavam a estudar a música, estudar solfejo essa coisa toda. Por exemplo em São Vicente… Mas então também não é assim tão nova

-Sim, eu estou é a dizer que não é uma escola de assim grande capacidade, podia era ter algumas coisas básicas se calhar. Porque Cabo Verde não tem assim nenhum mestre disso. Outros aprendiam com os padres que iam para Cabo Verde, e havia formação musical essas coisas. Mas isso era mais coisas tipo coro, para cantar nas igrejas?

-Bem, dos padres? Não, havia mesmo padres que iam lá, que tinham formação musical e percebiam de partituras. Já ouviu falar do Paulino Vieira, o Paulino Vieira aprendeu a tocar em S. Vicente nos salesianos, aprendeu a tocar lá, tocava piano na igreja, ou órgão como eles dizem e tal, mesmo com partitura, aprendido com os padres e tinha formação musical e saíram alguns músicos, mas mesmo da escola de música acho que Cabo Verde não tem nenhuma Escola Antiga que dava para formar alguém a nível assim superior. Mas também a maior parte das pessoas que aprenderam a tocar aprenderam

sozinhas

-É praticamente, porque aprender a tocar em Cabo Verde é assim depende da localidade onde estiver, se estás numa zona onde tem, que tem bons artistas começa a aprender com eles e vai desenvolvendo, mas se há pessoas que só percebe de fazer uma serenata, que é poucas coisas tocar com três acordes ou quatro, então mesmo que tenha a tendência começa a ficar limitado porque não tem ninguém em que aprender, por exemplo em S. Vicente há bons artistas de violino, do violão, dessas coisas todas, do piano. Mas é aprendendo uns aos por exemplo uma pessoa pode ter a tendência para tocar um piano e viver dentro de uma ilha e nunca teve a oportunidade de ver um piano. Depois S. Vicente já tem músicos muito antigos, músicos espalhados por Cabo Verde era quase tudo se S. Vicente. E há muitos desses grupos de serenata em Cabo Verde?

-Grupos de serenata era quase porta sim porta sim, todas as zonas tinham um grupo de serenata, chegava qualquer zona e tinha um grupo de serenata. Mas em todas as ilhas?

Cid Carmo

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-Bem, em princípio estou a falar de São Nicolau, mas São Vicente eles também faziam serenata, ilha do Fogo, que eu tenha conhecimento Boavista, agora S. Nicolau é de onde eu tenho mais conhecimento. É só porque as pessoas com quem eu já falei, que é tudo gente que vem do Fogo, talvez por que aprenderam todos sozinhos, ninguém me falou de lá haver grupos de serenata. Sabe se eles tinham mesmo no Fogo ou acha que talvez

tinham?

-Não, é assim eu não tenho a certeza, mas eu acho que tinham sim. Porque esta coisa das serenatas é algo muito aprofundado em Cabo Verde. Já sabe mais ou menos o que é serenata, não é? Aquilo que eu conheço por serenata é… fazer-se serenata a uma mulher.

Juntam-se uns quantos e vão para debaixo da janela dela tocar.

-Sim, é mesmo isso. Então a gente chamava grupo de serenata àquelas coisas que às vezes vai mudando, ás vezes tem tendência para trocar as coisas. Por exemplo, um grupo de serenata realmente é isto “êpá hoje vamos fazer uma serenata, pega numa viola, cavaquinho, vamos para aí para debaixo de janela e fazemos uma serenata” então como os grupos praticamente ficam naquilo. Porque serenata é uma música simples, uma serenata para sair tão bem tem que ser uma música, que eu conheço lá em S. Nicolau, uma música de três acordes mais ou menos. E cai bem na serenata, tem uma coisa que a gente faz no violão, que se chama choradinho, para tocar uma música com três acordes fica excelente. Então como aqueles grupos ficavam limitados à serenata, porque como para além da serenata não sabia mais coisas, quando havia um grupinho a gente chamava “isto é um grupinho de serenata”. Havia algum músico muito conhecido ou que tocasse muito bem, lá em S.

Nicolau, quando era pequeno?

-Sim, sim havia, só que eu conheci a tocar mesmo bem… aquele senhor deve estar aí com uns 80 anos se calhar mas ainda toca (violino), e está cá em Portugal, em Sines. Eu em S. Nicolau conheci um senhor que se chamava Chico Djódj que já morreu e o Da Crus que é o que está aqui em Portugal. Pronto eu conheci muitos homens antigos que tocavam violino muito bem, que até já morreram, só que eu era ainda muito criança e não fazia ideia do que eles faziam. E então tem este aqui que é o Da Crus que está aí em Sines, toca

Cid Carmo

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violino. Toca violino muito bem, mas em S. Nicolau ainda há pessoas, até aqueles que já morreram, que diziam que eram mais bons do que ele, mas que ele estava entre aqueles que tocavam bem, e ainda toca, toca bailes de violino aí nos sítios toca para essas festas de S. Nicolau que eles fazem dia 6 de Dezembro em Lisboa. Porque ele deve estar para aí com oitenta anos mas o homem não parece. E então a tradição de violino vai passando de pessoa para pessoa. E quando já começava a “dar uns toques” no violino alguma vez chegou a ir ter

com ele ou alguma coisa assim?

-Não, não. Nunca fui ter com ninguém, porque é assim: o violino, na minha ilha é conhecido como um instrumento que não dá para ensinar, eu pelo menos quando era criança, estava convencido disso. Porque o violino é um instrumento que não dá para ensinar. Mas porquê?

-Não dá para ensinar porque quem toca violino na minha ilha não tem teoria musical, toca mais ou menos de ouvido. Então como aqui [no braço do violino] não tem os trastes, é uma escala invisível. Então não dá para ensinar, como é que eu vou ensinar a pôr os dedos no violino se ele não percebe nada de escalas, não percebe nada disso, o pessoal não aprecia nada disso. Tocavam aquela melodia mais ou menos e tal e tal, sabiam mais ou menos os acordes que estavam a tocar o inicial às vezes. Já toquei com um violinista lá em S. Nicolau que tocava e nem sabia o acorde que estava a tocar, só dava a melodia no violino e pronto, eu apanhava no violão, estás a ver? Pegava tal tal tal e pronto, eu sei o acorde que ele está a tocar mas ele não sabe. Então é por isso que eles dizem, o violino não dá para ensinar. Porque eles não tinham teoria musical. Então aquilo que a gente podia fazer era assim: eu vou para um baile que esta aí um violinista desses a tocar, quando eu começo a ouvir “êpá o gajo deu aí um pormenor aí bonito” vou tentar aproximar dele, pronto como já tenho aquelas melodias no ouvido e já tenho ouvido para a música vai tentando pegando as coisas é assim. Para além dos de S. Nicolau há assim alguns nomes de violino que sejam

conhecidos?

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-Violino, há sim. Há um grande violinista da ilha do Sal é o Patone, é um grande violinista; tem o Baú que é conhecido como tocador de cavaquinho, mas é um bom violinista, tem lá na minha ilha também um rapaz ainda novo que tem 45/46 anos que é o Zé Cacai, também é um grande violinista, da ilha do Fogo também conheço mas por nome já é difícil. Já agora, veio para cá quando, tinha que idade?

-31(anos) foi em 1998. Então chegou a trabalhar em Cabo Verde?

-Sim, sim. Em Cabo Verde eu trabalhei 11 anos lá na câmara antes de vir para cá. A fazer o quê?

-Eu trabalhava de condutor lá. Veio para cá por quê, normalmente também há quem vá para Itália quem vá

para a Holanda quem vá para Bóston.

-Sim, sim. Não, eu estava lá em Cabo Verde já tinha trinta e um anos já tinha família constituída e tudo, para dizer a verdade eu já não tinha ideia de sair, porque eu vivia bem, tinha o meu trabalho na câmara, ali na ilha durante mais ou menos uns oito anos antes de vir para cá, era eu que fazia tudo ali de música, eu era conhecido ali como grande músico. Quando vinha uma comitiva de fora; de Portugal ou de França ou mesmo de Cabo Verde quando ia uma comitiva do governo da Praia para S. Nicolau, qualquer coisa, era eu que fazia tudo. Era noites caboverdianas, era tocar nos jantares, essas coisas todas então, eu fui tocar para um comitiva que veio de Portugal, câmara de Abrantes, eles gostaram muito da minha música e então ficaram interessados em a gente vir cá a Portugal, então quando câmara de S. Nicolau ir visitar em Abrantes eles fizeram questão de nos irmos com eles. Então viemos por acaso numa visita de oito dias só que eu tinha aqui é primos e irmãos é tios, já sabe como é que é essas coisas. “Êpá vida aqui está um pouco melhor”e tal tal “eu acho que podias ficar”, e pronto acabei por ficar aqui. Ah…. Eu ainda não vi grande diferença por aqui porque pronto há pessoas que vivem lá que, se é para ser pedreiro em Cabo Verde, é melhor ser aqui em Portugal; mas eu ali era funcionário da câmara há onze anos é completamente diferente, com a minha casa mais ou menos, pronto. Assim vai andando, fiquei aqui, estou aqui.

Cid Carmo

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E quando veio, na altura estava a tocar o quê?

-Era violão. Quando estava lá e organizava as coisas também tratava de algum grupo de

serenata?

-Não, não não. É diferente, porque o meu grupo, eu tocava na minha zona e tinha lá malta mais velha que tocava e também não desenvolveram muito, pronto eram tipo grupo de serenata, talvez por falta de possibilidade ou uma coisa assim parecida. Então começámos a aprender com eles mas acontece que a certa altura conseguimos avançar mais. E é uma questão de atenção, ouvir mais músicas tocar mais e essas coisas todas, pronto ter mais interesse. Há pessoas que querem imitar, aprendem a fazer uma coisa, já dá para fazer uma serenata e pronto fica naquilo. Então eu tinha lá mais colegas que também se desenvolveram nisto, junto comigo essa coisa toda, eu sou canhoto, tinha lá um colega que também era canhoto tinha uns primos e fomos aí todos então começamos a desenvolver um grupo, bem a gente tocava naqueles (.?.) eu tinha a minha viola outro tinha (.?.) e naquele meio fui eu quem desenvolveu mais, tive mais desenvolvimento na música então o meu grupo ia atrás de mim: “Êpá, vamos tocar essa peça tal tal” “isto aqui faz assim tal tal tal” “-êpá isto é muito difícil assim e tal” “Pega nestes acordes vai par casa treina estes acordes e tal tal” Então eu para tocar uma noite caboverdiana eu saía de casa com o violino com o cavaquinho e o violão os três instrumentos, era difícil para carregar aquilo tudo, porquê? Eu tocava uma noite caboverdiana, por exemplo tocava duas peças de violino, encostava o violino, tocava dois solos de violão, encostava o violão, tocava dois solos de cavaquinho, encostava cavaquinho, cantava duas mornas, depois então começava novamente com o violino e tocava uma noite. E os outros tocavam….

-Diversificado: tinha uma viola de dez cordas tinha um violão para acompanhamento e tínhamos também um cavaquinho para acompanhamento, o resto eu levava os meus e era só para o solo. Ou seja os outros todos ficavam a acompanhar e o Chiquinho era quem fazia a

parte toda de solo.

Cid Carmo

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-Sim, sim sim, é isso. Tocava uma morna no violino, pegava no violão tocava um solo tradicional tocava um solo ou dois de cavaquinho também, havia um cavaquinho para acompanhar mas o meu era para solo mesmo, e depois cantava uma morna ou duas o meu colega também cantava alguma coisa e a gente tocava uma noite para não ficar só no violino, então fazia uma noite divertida. Então com isso fui ganhando fama ali na ilha e quando havia qualquer coisa era eu que fazia tudo. Gosta de tocar em público?

-Gosto. E sempre foi assim?

-Sempre foi, eu comecei a tocar já aí aos 12 anos comecei a aprender, já com 14/15 anos tocava em público, naqueles bailaricos, tinha violinistas e essa coisa toda eu chegava aí já dava uns toques então eu pegava, é que aquilo era assim era música tipo improviso também não era muito difícil mas pronto tinha um estilo de acompanhamento próprio de violão, então chegava tocava duas peças e comecei a habituar, depois com 16/17 anos comecei a tocar violino foi uma questão de 2/3 dias e comecei a tocar logo. Nos bailes?

-Para descansar o violinista, “tenho aí três peças, eu toco três peças” então fui-me habituando depois comecei com as noites caboverdianas essas coisas todas. Em Cabo Verde faziam o “Todo o Mundo Canta”, era um concurso que faziam em todas as ilhas de Cabo Verde e depois juntavam os finalistas de cada ilha, tínhamos lá um grupo, mas aquilo era um conjunto electrónico mesmo, então a gente é que fazia aquilo tudo é que acompanhávamos os grupos para apurar o vencedor. É uma coisa que eu estou habituado desde garoto. E o que sente por parte do público?

-Eu, não tenho razão de queixa porque sempre onde eu tenho tocado, sempre fui privilegiado, eu toco em qualquer sítio e pessoas que eu nem conheço depois vêm para mim “então, como é que é? És um grande guitarrista, pá” ou “És grande violinista” as pessoas não acreditam que eu não sou profissional. Mas o que é para si um profissional?

Cid Carmo

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-Para mim um profissional… é uma coisa que uma pessoa faz e vive daquilo praticamente, depende daquilo para viver. Mas eu, praticamente, eu faço música de fins-de-semana, e isso tem, às vezes não tem. Mas eu considero que a minha profissão é aquilo que eu faço todos os dias, para viver. Porque eu considerava-me profissional se eu vivesse da música, mesmo que não fosse só música. Mas então, não é por achar que não toca bem o suficiente para se achar

profissional.

-Não, não é isso, quer dizes às vezes uma pessoa pode ter uma profissão… por exemplo neste momento, eu sou um condutor profissional, mas se alguém me perguntar “olha, qual é a tua profissão?” eu não vou dizer que é condutor porque pronto não estou fazer isso. Não sei, é a minha maneira de ver as coisas. Mas cá o que é que o Chiquinho faz?

-Cá eu faço pedreiro. E agora tem algum grupo fixo, onde toque?

-Eu tenho um grupo que a gente toca praticamente bailes de violino, como ontem que a gente teve a tocar, não é todos os fins-de-semana mas quando aparece a gente junta-se e toca. E o grupo composto por quê, quantas pessoas?

-De momento somos quatro, é: violino, cavaquinho, violão e viola baixo. Quando diz que tocava violão, é viola normal – guitarra?

- Sim, é tipo uma viola clássica. Um grupo pode ser com cantor ou sem cantor, se for com cantor o violino é

mais para acompanhar?

-Sim, sim. Se não tiver cantor o violino é que ocupa o lugar do cantor?

-Sim, sim. O violino que eu faço é praticamente substituir o cantor, porque eu toco uma noite toda mas só com o violino. É só para substituir a voz, agora, quando há voz – o violino serve para acompanhar meter só um arranjo no princípio e no meio, qualquer coisa assim parecida. Um arranjo?

-Sim, por exemplo, no início antes da pessoa entrar a cantar.

Cid Carmo

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E quando a pessoa está a cantar, não se toca?

-Toca sim, porque o violino faz a mesma função que faz uma viola ou um clarinete. Acha que há cada vez menos violinistas e violinos em grupos, etc.?

-Menos, eu acredito que se calhar é mais. Mais?!? É só como cada vez há mais cantores…

-Isso não implica nada porque, neste momento estamos a falar de Cabo Verde, isto não implica nada porque um baile de violino não tem nada a ver com um baile cantado. E há muitos bailes de violino, é uma prática que haja muito?

-Pelo menos na minha ilha, de momento há pessoas que tocam aí o violino como antigamente. É a primeira pessoa que me está a dizer isso eu tinha a noção que aquilo que

estava a acontecer é que havia cada vez menos gente a tocar.

-Não, pelo menos na minha ilha na altura, quando eu era criança conheci pessoal a tocar violino, tinha muitos, também havia uns que tocavam no baile mas eram uns poucos toque que eles davam no violino, às vezes nem dava para perceber direito o que eles estavam a tocar. Mas os violinistas que eu conheci lá devia ter uns 5/6 dos mais famosos, depois podia ter uns3 que eram menos. Mas neste momento, na juventude deve ter essa quantia novamente.

É que o que me tinham dito que estava a acontecer era que os jovens anda

tudo mais virado para as passadas e as discotecas….

-Isso é assim, fora de Cabo Verde se calhar é. Mas lá em Cabo Verde, teve uma altura em que a música tradicional baixou muito, quando saíram essas coisas de zouk e martinica essas coisas todas. Música baixou, foi uma altura em que tocavam muito electrónica. Mas depois começou novamente, agora em Cabo Verde o pessoal toca é tradicional. Os grupos que há em Cabo Verde, os mais famosos são tradicionais. Tocam com o violino, pronto instrumentos do tipo acústico. para mim está é a avançar… E cá?

-Aqui é diferente pá. Aqui é diferente porque, eu toco violino, mas há poucas pessoas que sabem que eu toco violino. Porque eu toco para uma comunidade de pessoas já de meia-idade, que viveram aquilo em Cabo Verde, porque eu

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toco um baile e pode ter umas 300/400 pessoas, mas são pessoas de praticamente, 30/40/50/60 anos, às vezes vão acompanhados com os filhos mas a juventude desconhece essas músicas. Mas em Cabo Verde é diferente, a gente nasce com aquilo. Cá acha que há pouca gente a ir a bailes?

-É assim eu costumo tocar praticamente em bailes, mas tem sempre muita gente nos sítios onde vou tocar sempre, sempre. Especialmente em alturas de festa como a Páscoa, fim do ano essas festas assim. Arranjam um motivo qualquer para fazer uma festa nessas alturas, Carnaval, essas coisas todas. Às vezes eu toco nos clubes, de cada região, e está sempre cheio. E isso não é dentro de Lisboa, é nos arredores?

[o Chiquinho, tinha me dito, a propósito de marcarmos a entrevista, que no dia

anterior (ao da entrevista) que ia tocar num baile de violino ao pé de Sintra].

-Sim, não é dentro de Lisboa, por exemplo eu costumo tocar num bar ali na Abrunheira que é ao pé de Sintra, já toquei em Odivelas, em Sines, no Algarve em vários sítios. Quais as zonas do Algarve?

-No Algarve já toquei em Silves, a Almancil, Alfarrobeira, e Faro. Em Odivelas tocou onde?

-Êpá, eu sei que foi em Odivelas agora onde… Mas foi num bar?

- Não pá, é sempre bailes, por exemplo ali em Odivelas foi numa escola. Foi organizado pela câmara?

-Não, é mesmo, ali é uma escola. E quem organiza essas coisas?

-Às vezes são pessoas mesmo de cada zona que organizam e convidam as pessoas, fazem publicidade. A maior parte das vezes são caboverdianos?

-Sempre, sempre. Porque é a nossa tradição, é uma forma de vivermos aquele bocadinho de Cabo Verde. Disseram-me que agora toda a gente tem aquela coisa de querer gravar um

disco para ser famoso. Acha que a maioria parte das pessoas anda a tentar

gravar discos ou acha que as pessoas se contentam só por tocar nos sítios?

Cid Carmo

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-Isso é assim, às vezes compensa. A minha interpretação disto é que há pessoas que se se tratar de música kizomba, e mesmo música em geral há muitas pessoas que gravam é para tentarem ser conhecidas e depois a qualidade é pouca coisa. Praticamente, os melhores artistas é que não gravam. Mas acha que eles não gravam por não terem capacidade para gravar ou

porque não lhes interessa?

-Isto é muito difícil mesmo. Eu fiz uma gravação, saiu agora neste mês de Dezembro, fiz aquilo porque fiz sozinho, mas se fosse para procurar artistas para fazer aquilo eu não conseguia porque não tinha condições para pagar. E fez a gravação como, em casa?

-Sim, sim. Em casa. Mas não foi sozinho?

-Sim, eu toquei todos os instrumentos. E como fez?

-Vai metendo. Para fazer uma gravação eu faço uma bateria e depois já tenho uma noção do que vou fazer e meto teclado, depois meto um baixo, depois cada vez vai metendo mais coisas e ouvindo cada vez mais coisas a tocar, por exemplo eu posso meter uma bateria ali e agora tocar um solo de violino. Agora vou ouvir bateria e solo de violino, agora vou meter um teclado. Só que eu tenho um programa aí (no computador) que cada instrumento fica numa pista, se quiser mexer num já sei em qual mexer. Então quando eu estou ouvir violino e bateria eu já tenho a hipótese de tocar lá o teclado com ele, agora vou ouvir os três e pronto já está mais composto, agora vou tocar o violão. Mas a bateria… usou bateria mesmo?

-Não, não usei. Foi com gravação. Mas fez o CD para vender?

-Sim, sim. E depois como fez para distribuir?

-Distribuição, eu andei a distribuir sozinho. Mas quando ia tocar aos bailes?

-Sim. Eu mandei para a Holanda, amigos que eu tinha, mandei para o meu irmão para a Itália , mandei para Cabo Verde e eu vendo aqui, quando vou tocar e essas coisas todas. É mais viável.

Cid Carmo

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Acha que tocar o violino mudou alguma coisa na sua vida?

-Para dizer a verdade modificação mesmo não mudou nada. Porque eu considero que eu não estou no mundo da música, porque isto depende da sorte, às vezes há muitas pessoas aí a tocar que até tocam pouca coisa mas com ensaio vai. tás ali num grupo e tocas viola baixo e como o treino aquilo vai, mas também és capaz de achar um bom baixista que nunca teve a hipótese de estar integrado num grupo, isso acontece. O meu caso, eu toco em todos os sítios, toda a gente diz que eu toco bem toda a gente me admira especialmente quando toco guitarra, mas pronto não aparece nada para mim. Mas continua a tocar nos vários sítios há gente que nem toca nos vários sítios

-Sim. Continuo a tocar mas para ir tão longe. Mas se as pessoas dizem que toca bem então é porque toca bem.

-Sim, mas não é isso que está em causa. Há pessoas que são muito mais conhecidas e que tocam menos. A questão é o que é que mais importante para si?

-Para mim o mais importante é o saber tocar, porque eu gosto de tocar mesmo não tendo ninguém para ouvir. Eu gosto de tocar e tenho que continuar a tocar, é uma coisa que eu gosto saber. Então nessa perspectiva influencia a sua vida.

-Sim, sim. Pois, claro. Porque se não tivesse andado na música e não tivesse andado nas noites

caboverdianas e essas coisas, o grupo da câmara de Abrantes que disse para

vir para cá, o Chiquinho não tinha vindo para cá.

-Claro, isso é verdade. Sim influencia muitas coisas. Se calhar eu é que não percebi bem a pergunta (riu-se). Porque lá eu era conhecido, como eu era muito conhecido porque durante pelo menos 10 anos era eu que tratava das coisas de música quase todas da minha ilha, quando imigrantes iam lá a procurar pessoas para gravar para ter recordações” e então depois eles chegam “esta é uma gravação que eu trouxe de S. Nicolau, este tipo fez, tal tal” “êpá este gajo toca bem, quando for lá vou tentar conhecer” então eu antes de vir para cá eu tinha conhecimentos, as pessoas já me conheciam por todo o lado, eu tinha gravações para a Holanda para a América para a Itália para isso tudo. Porque

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era cassete o pessoal punha um gravador e a gente gravava e tocava, e já era uma grande coisa. Mas acha que se tivesse ido para a Holanda ou para a América tinha tido mais

sorte do que cá?

-Não sei, porque eu nunca saí de cá, não sei como param as coisas por aí. Tem grupos famosos na América e tem na Holanda, mas também tem aqui em Portugal. Mas cá é mais os cantores, não é?

-Bem, cantores… Eu creio que aqui em Portugal, tem um grupo aqui em Lisboa, são gajos que tocam bem. É o Toi Vieira, Toi Paris, Manel Paris, “& Companhia Limitada”. Há uns gajos aí que tocam muito bem. Então são eles que tocam com praticamente todos os cantores. É aquele grupo que sai com o Tito Paris que sai com a Lura, são sempre eles. Com mais… mais ou menos 10 pessoas se calhar. Por exemplo “eu vou com o Tito Paris não posso ir com o outro, mas leva aquele ”. Então são eles que ficam com as coisas todas, basicamente.

-Sim, sim. Nesse grupo há algum violinista?

-Não, não há. É tudo viola, cavaquinho…

-Sim, sim. Grupo que tem violino é só o grupo de Cesária Évora basicamente que toca com violino. E o tipo do violino não é caboverdiano, pois não?

-Tocava, tocava com alguns caboverdianos. Mas essas coisas vão mudando, eu não sei explicar como é. Mas há tempos a trás ela estava a tocar com cubanos. A música caboverdiana também tem uma sonoridade a dar para o cubano…

-Bem... Isso agora… sim pelo ritmo, algumas coisas. Se calhar para mim é mais fácil tocar uma música cubana do que uma outra, são músicas parecidas. Para mim é mais fácil tocar um ritmo brasileiro como um samba do que um fado, tentar muito entrar nisto porque é parecido. Mas mesmo a morna é um bocado parecida com o fado.

Cid Carmo

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-Se calhar é por ser muito parecido que fica mais difícil, mudar de uma coisa para outra. É como nós que vimos de Cabo Verde já estamos tão habituados a falar crioulo que quando vimos para Portugal é mais difícil falar português do que se fosse francês ou uma coisa que não tenha nada a ver. Porque tem sempre a tendência para dar aquele sotaque com crioulo porque é parecido. Quando vai tocar, tem um reportório fixo, tem aquelas músicas que costuma

sempre tocar?

-Vamos organizando as músicas porque num baile toco umas músicas noutro baile toco outras, eu praticamente nem tenho reportório, já tenho de cor mais ou menos as músicas que eu toco e depois vou tocando, depois quando chego a cãs “êpá esqueci-me, não toquei aquela” na próxima festas sou capaz de tocar aquela e outras não, é assim. E quantas músicas toca por noite?

-Nem dá para contar, porque aquilo é mesmo como aquela tradição de Cabo Verde era tocar a noite toda, a gente começa às 11h e vai até às 6h da manhã. Faz para aí um intervalo de 45 minutos depois, é sempre a tocar. E há algumas músicas tradicionais que se toque ou a maior parte são músicas

de CD’s de cantores que depois se passa para o violino?

-É que a maior parte de músicas são músicas que são cantadas que a gente passa para violino, mas eu acho que em Cabo Verde nunca teve grandes violinistas como nos outros países tem escola de música. Nunca teve grandes violinistas?

-Não, a nível internacional não. Chegaram a ter o Travadinha.

-Sim, sim sim. Pá, pronto. O que eu quero dizer é o seguinte: quando se trata de um grande violinista estou a falar de um violinista que andou na escola aprendeu a tocar violino, aprendeu a escrever música essa coisa toda, e criar música. Mas como a gente praticamente a tocar era assim de cor, fica mais fácil ouvir uma melodia do que criar uma melodia. Por exemplo eu para tocar num baile não preciso de me cansar a fazer uma melodia porque já tenho tantas. Travadinha também tocava bem o violino, mas era músicas que a gente conhece do dia a dia [músicas tradicionais talvez].

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Pois então a maior parte das pessoas aprende só na base de ouvir CD’s ou

cassetes e depois….

-Ou a ouvir outras pessoas. Sim, mas é sempre na base do “sacar de ouvido”?

-Sim, sacar de ouvido é isso. Porque escola, escola mesmo em Cabo Verde na altura… Eu sou de S. Nicolau mesmo lá a trabalhar e tal, para passar de uma ilha para a outra tinha dificuldades, ou seja, é como tudo, tás aqui em Lisboa tens dificuldades em chegar ao Algarve, por exemplo. E para passar de uma ilha para outra tinha de ser de avião ou de barco, mas de barco já era mais difícil porque a gente viajava praticamente era de avião. Mas uma pessoa também já sabe como é, a vida é difícil tem o seu trabalho, não dá para viajar constantemente, então eu conheço menos coisas das outras ilhas. Então havia pouca gente a viajar de ilha para ilha?

-É assim, se calhar entre aquelas ilhas mais desenvolvidas tipo; S. Vicente e Praia, por exemplo, podia ser que houvesse mais movimento, agora em termos de S. Nicolau já sabe como é que é: uma pessoa está a viajar, eu para ir de S. Nicolau para S. Vicente tem que ter alguma coisa para ir fazer lá, não passear, porque aquilo custa. Então também é natural que houvesse menos influência de músicos de uma

ilha para outra ilha?

-Pois, é isso que eu estou a dizer. Por isso é que às vezes aparecem características diferentes entre o Fogo e S. Nicolau. Porque eu, pelo menos, já só tive contacto com pessoal do Fogo aqui, em Portugal. Mas lá na Cabo Verde eu nunca fui na Ilha do Fogo. E nunca conheci nenhum gajo que tenha saído da ilha do Fogo para ir tocar em S. Nicolau, sem ser a ouvir por gravação. E acha que quando chegou cá e começou a ouvir, que isso tenha alterado a sua

maneira de tocar?

-Não, não, não. Eu conheço aqui algumas pessoas do Fogo, já vi tocar alguma coisinha assim mas raramente. Porque eu não tenho praticamente tempo para andar nesses sítios, quando um está a tocar para um lado eu estou a tocar para o outro. Já vi aí algumas pessoas a tocar violino, tocam razoável mas, não vida assim… de muito bom. E acha que há músicas que sejam específicas de cada ilha?

Cid Carmo

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-Há, por exemplo, o funáná é da ilha de Santiago, é tocado só aí. Mas também há gente de outras ilhas a tocar funáná.

-Já é imitação, percebes. Mas não havia, isso é o que eu estou a dizer, há aquela falta de ligação que antigamente havia entre ilhas, agora já está mais fácil, lógico. Antigamente, cada ilha fazia uma coisa, é como: funáná é exclusivo da ilha de Santiago, funáná e batuque. São raízes de Santiago. As outras ilhas agora tocam funáná, eu toco funáná, e bem; mas eu sou de morna e coladeira. Como a maior parte das ilhas.

-Sim, sim. Funáná é exclusivamente de Santiago. E há algumas músicas menos conhecidas, melodias mesmo, que se toquem

mais numa ilha ou noutra, por exemplo, se há alguma música menos conhecida

de S. Nicolau?

-Há. Há tantas músicas. Menos conhecidas?

-Que são menos conhecidas. Porquê? Porque normalmente nunca foi gravado. Então as gravadas como há muita gente a ouvi-las também há muita gente a toca-las? -É, sim. É como essa música: Sodade. Essa música, hoje toda a gente já sabe a história dessa música. Mas essa música é como tantas que há na minha ilha, toca-se com três acordes. Música de serenata como eu estava a dizer. Sodade quem fez, foi numa serenata, é só com três acordes. E como há Sodade há tantas músicas desse género que não são conhecidas, porque só ficou na serenata. E há músicas que não sejam assim tão fáceis, só de três acordes e que não

sejam conhecidas também?

-Há. Há tantas músicas pá. Há tantas músicas. Porque não havia condições porque eu mesmo que eu fizer uma música ou uma melodia no violão ou no violino, o que é que eu fazia com aquilo na altura era tocar só naquela comunidade e mais nada Mas essas músicas que não se gravam etc., nas comunidades ainda se tocam?

-Bem, agora já não sei dizer porque eu já saí de lá há 8 anos e a gente nunca sabe como as coisas anda. Mas na altura sim, a gente tocava muita música…

Cid Carmo

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eu também criava as minhas músicas no violão, solos tradicionais essas coisas todas. E cá, quando toca nos bailes também toca essas músicas?

-Não, porque aqui é diferente, aqui eu toco nos bares, eu e o meu colega, eu toco com uma viola semi-acústica e ele toca com uma viola eléctrica e uma caixa rítmica, aquilo já não tem praticamente nada a ver com música tradicional, é tipo kizomba e essas coisas assim. Eu aqui já não tenho pessoas para tocar música tradicional. Já não tem movimento para aquilo, tipo noites caboverdianas, tocar em restaurantes, essas coisas. Porque aqui, nesta zona todos os restaurantes que há são portugueses, eu não tenho cá pessoal para formar um grupo como tinha em Cabo Verde, para tocar uma noite agora com violino com mornas e coisas assim, lá em Cabo Verde é a nossa tradição pronto, em todos os sítios é… Acha que os músicos que moram cá falam pouco uns com os outros, que não

combinam coisas…

-Pois a ligação também é pouca. Eu vi um senhor num documentário que fizeram e ele estava a comentar que as

pessoas para se verem ou é em casamentos ou em funerais.

-Isso tem uma certa lógica, porque quando a vida começa a ficar difícil uma pessoa também tem que reservar, porque hoje é domingo por exemplo “agora vou pegar o meu carro vou ali numa zona qualquer” mas para isso tenho que gastar gasolina tenho que tomar uma cervejinha sabe como é. Então quando a vida está difícil as pessoas ficam praticamente todas reservadas, é complicado. Mas por exemplo estava a dizer que não tem gente para formar um grupo

para…

-Não é não tem. Às vezes estamos é dispersos uns dos outros, por exemplo eu estou aqui e toco violino, tenho um colega que mora no Cacém e já estamos mais perto mas somos capazes de encontrar um gajo que toca um bom cavaquinho em Sines e um gajo que toca uma viola bem mas está lá para a outra banda (margem sul do rio Tejo) num sítio qualquer. E tem-se que trabalhar todos os dias, às vezes fica difícil para juntar. Isso é que é o problema. E para ter um grupo em condições tem que ter grandes ensaios. Mas faz muitos ensaios?

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-Não, porque o grupo de violino que é a aquela tradição que havia em Cabo Verde, eles praticamente não ensaiavam, é tipo improviso, o pessoal começa a tocar, ao nível que eu vou tocar uma música nova, o pessoal também vai desenvolvendo, também é mais fácil para pegar, hoje tocamos uma música que tem três acordes por exemplo, amanhã apareço com uma música que tem cinco, mais dois já não fica tão difícil, já têm mais algum conhecimento, depois apareço com um que tem seis, como já toca de cinco, mais um já não faz diferença, então vai desenvolvendo. Chega a uma certa altura que a malta pega qualquer música de ouvido. Por exemplo: eu com o meu grupo, tem o meu colega que toca viola baixo tem outro que toca cavaquinho e tem o Armando Tito neste momento que toca viola, o Armando Tito é aquele que toca com Cesária Évora…. Sim eu sei, já falei com ele

-…ele é que está a tocar agora comigo. Eu levo uma música nova no violino, um gajo também não vai esticar muito e pegar uma música tão difícil, porque para isso a gente tinha que ensaiar mas como é baile às vezes música com tanta coisa só serve para atrapalhar, é para dançar, qualquer coisa serve desde que seja… enfim. Então eu toco qualquer música e eles pegam na hora, pá aquilo já está tão dentro do ouvido, com muito tempo de treino. Eu de morna e coladeiras, há muitas músicas… pronto aquelas que já tem muita coisa eu tenho que pegar; sou capaz de pôr uma morna de Ildo Lobo que saiu mete aquela música a tocar, eu acompanho aquilo do princípio ao fim, todos os acordes por que passar aquela música! À primeira vez que ouve?

-Sim. Se por acaso souber cantar aquela música eu pego na viola e toco logo à primeira, porque já ouvi e sei todos os acordes daquela música. E no violino também conseguia fazer isso?

-Não, no violino é diferente. O violino pega aquela melodia que foi cantada, é tipo um solo, é uma coisa mais delicada. Ser um solista é uma arte muito mais avançada do que uma pessoa que só faz o acompanhamento, aquilo exige muita coisa é como eu dizer que pego na viola e oiço aquela música já sei mais ou menos aqueles acordes posso cantar aquela música e acompanhar, agora,

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para solar e ou meter outras coisas, numa parte em que aquilo tem um solo já é uma coisa mais delicada. E quando faz solos, acontece pegar em partes de outras músicas e meter lá no

meio?

-Não, o que eu faço é improviso, os meus solos são improvisados. Porque também depende da capacidade de cada pessoa, há pessoas que para tocar têm que ensaiar E Muito! Eu chego aqui, “Vamos tocar uma música. Esta música passa para aqui passa para ali e passa para alem” mas vamos tocar isto logo agora, mas esta música não tem nenhum arranjo, ou se tiver é no teclado ou coisa assim. Eu vou arranjar logo um arranjo na viola. Aquilo é transmitido directamente da cabeça para os dedos, directamente um gajo vai pensando e vai fazendo, chega no meio páras de cantar e eu meto o solo. Mas aquilo tem de ter grande atenção e muito tempo de treino. Só que o violino… eu toco violino mas faço menos treinos no violino que na viola. Mas qual é o instrumento que gosta mais de tocar?

-É a viola. E acha que há, no violino, músicas sobre as quais é mais fácil de improvisar

que outras?

-Sim, sim. Depende da música, há aquelas que é mais fácil há aquelas que é mais difícil. Mas uma música é mais fácil para improvisar por ter menos acordes?

-Sim, sim. Na música que tem menos acordes realmente é mais fácil, porque para improvisar com muitos acordes é preciso ter um nível já bastante avançado. A conclusão que eu tiro é entre o violão e o violino, por exemplo: aquilo que eu tenho capacidade para fazer na viola, eu acho no violino nem a décima parte dessa capacidade eu tenho. Mas porque no violino somos habituados a tocar baile de violino e o que ele faz é só substituir a voz, então para se habituar a tocar com um violino tem que estar num grupo que tenha voz e que se vai acompanhar com o violino e improvisar, aí é que vai habituar “Eu aqui para meter um improviso, como é que eu faço isto? tás a cantar, meto isto meto aquilo…” aquilo vai fazer puxar pela cabeça, mas se está a substituir quem está a cantar já não pode improvisar tanto, e numa viola um gajo toca

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aquilo tem sempre pessoas a cantar e um gajo esta sempre a improvisar, vai ganhando aquela pratica. E acha que as músicas que se conhece vão influenciar a forma com se vai

improvisar?

-… ou seja se por exemplo uma pessoa vem de S. Nicolau e conhece umas

músicas outra vem do Fogo e conhece outras músicas diferentes, acha que eles

vão improvisar de maneiras diferentes?

-Isso é assim; cada pessoa normalmente tem um estilo próprio mesmo que aprenda a tocar com outra pessoa tem a tendência quando estas a aprender com alguém tem a tendência de fazer quase igual mas por não conseguir imitar mesmo a outra pessoa vira criando um estilo, então cada pessoa tem um estilo diferente, pode ser parecido mas é diferente agora em termos de improvisar pode vir um gajo do Fogo ou duma ilha qualquer eu posso tocar uma música do Fogo se eu toco uma viola para acompanhar ele se ele para de tocar eu faço um improviso, mas sem problema nenhum, na viola. (riu-se) quer dizer… no violino porque estou pouco habituado a acompanhar, mas faço. Por exemplo no meu grupo às vezes o meu colega canta “Êpá vou cantar uma música.” E eu faço o acompanhamento só que já não me sinto tão à vontade porque não estou bem habituado a acompanhar com o violino a improvisar. Porque o problema é que se vai improvisar na hora aquilo que estas a pensar é o que vai transmitir na hora, isso já é mais difícil porque isso é uma coisa que tem que preparar e fazer, isso já é diferente. Isso porque nós temos manias de tocar assim, improvisar, por isso é que a gente também desenvolve muito com isto, tocar de improviso faz desenvolver muito. A maior parte dos músicos mais desenvolvidos que conhece toca tudo de

improviso?

-Sim. É…bem, toca de ouvido. Mas a improvisar?

-Sim, sim, é isso, que dizer… aquilo que eu entendo por improviso é uma coisa que eu não tinha planeado para fazer. Sim, sim.

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-Ou seja estás a cantar chegas a meio, paras e baixas o microfone, eu faço um solo, mas não tinha planeado solo nenhum. Mas quando uma pessoa já está bem habituada com um instrumento já não fica tão difícil. E as pessoas admiram mais é por aquele poder de improviso, colegas e músicos e tudo. Se calhar eu digo que é uma coisa que é fácil porque é uma coisa que eu sei. Mas de violino é a mesma coisa. Olha, isto é como o ABC de um instrumento para o outro, todos os instrumentos são iguais, é dó ré mi fá sol lá si, só muda o instrumento. Mas para si é mais fácil improvisar no violino porque antes já sabia na viola.

-Sim, sim, sim. É que qualquer instrumento, uma pessoa tem que em primeiro lugar criar uma base, tem que conhecer minimamente aquele instrumento para poder fazer alguma coisa de jeito. Porque é assim um gajo se for para a escola pode aprender no violino aquilo que eu aprendo na viola. Agora uma pessoa que não percebe nada de música pegar directamente no violino, já não sei como ela vai fazer. Por eu não ter teoria musical é-me mais fácil ensinar uma pessoa a tocar num teclado ou numa viola do que violino. Porque ali tem os trastes e no violino como não tem já é mais difícil, só que antigamente e até agora as pessoas tocam violino e qualquer instrumento e não sabem o que é uma escala. E eu como sou curioso comecei a interessar “pá eu tenho eu saber…” por exemplo eu faço uma coisa uma melodia qualquer e digo “êpá este acorde é bonito”, mas eu quero saber a origem daquele acorde, como se chama aquele acorde porque é que ele é assim, já é curiosidade. Mas há pessoas que fazem aquele acorde, pronto o acorde é bonito e não se interessam por nada de onde o acorde vem…. Mas são menos, as pessoas que demonstram esse falta de interesse

-Não, há tantas, que tocam e têm pouco conhecimento a nível de música. Mas isso é mais aquelas pessoas que tocam menos bem.

-Depende das pessoas, há pessoas que estão convencidas que porque tocam bem não precisam de ir para a escola, não precisam do ABC de música. Há pessoas que é assim, de certeza que há gente que é profissional mesmo e que vive de música e que eu percebo muito mais do que eles porque sou mais curioso. Tive aqui um ano a estudar piano, não é para tocar piano, só para perceber como se trata disto dos intervalos e essas coisas todas, só para saber.

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Mas há pessoas que não têm essa curiosidade, pegam no instrumento, começam a tocar uma morna e vão desenvolvendo, têm capacidade para tocar aquilo bem depois já não se interessam por mais coisa nenhuma. Porque acha que se usa tanto o deslizar dos dedos no violino?

-Aquilo é uma questão de dar mais sentimento, a tocar uma morna é para dar mais sentimento. É porque eu já ouvi duas coisas: quem me dissesse que era porque ficava mais

suave, e já houve quem me dissesse que era para encontrar a nota.

-Não, não, não, não. Para procurara a nota, não deve ser assim, porque um gajo que toca violino bem não vai procurar a nota assim Mas acha que pode ser as pessoas que começaram a tocar era assim mas

depois começaram a gostar do som?

-Não, não é isso. Porque na minha maneira de ver, ele não tem traste exactamente por isso para pode tirar o máximo proveito do instrumento. Porque se ele tivesse trastes já não dava para fazer isso. Perdia sentido, para tirar proveito do violino ele tem que ser assim. Agora é assim: aquilo para deslizar o dedo não é fácil, aquela é a forma de tocar mais difícil. Uma pessoa tem que praticar muito porque uma pessoa pôr o dedo no sítio certo é mais fácil porque quando vai fazer o deslizar vai ter que parar no sítio certo. E a música dá uma sonoridade fora-de-série.[demonstrou no violino] Então o deslizar é realmente mais difícil e realmente nas mornas dá aquele efeito, mas tem que treinar muito. Mas para além do deslizar quais são aquelas coisas que mais se usam na

música caboverdiana: há o deslizar e depois para além disso há o quê?

-Há pessoas que tocam com 8as, conseguem juntar alguns intervalos para ficarem os dois ao mesmo tempo, também é uma forma mais difícil [exemplificou cordas dobradas], se a música for muito rápida tem que ter tudo muito bem conjugado, agora para solar tipo viola já é a forma mais simples. Na minha ilha aqueles tocadores mais antigos que eu conheci quando eu era criança eu já não tive tempo para ouvir tocar muito e aprender algumas coisas que eles faziam, eles pegavam numa música que era cantada, eles não tocavam aquilo com pormenores mas sim para ter uma melodia suave, um bom exemplo disso era o Travadinha ele pegava numa melodia mas não fazia todo

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aquilo que a voz fazia, deixava algumas coisas para trás precisamente para poder expressar no violino, é como os tocadores de antigamente lá na minha ilha tocavam uma música e identificava a música com aquela que eles estavam a tocar mas ficava muito diferente precisamente porque eles iam pegar aquelas cordas duplas e ficava extremamente bonito só que eu não tive tempo para… já eram pessoas de uma certa idade e já morreram todos. E para além das cordas duplas e do deslizar não há mais nada que se faça?

-Há, rimações [exemplificou fazendo vibrato]. E como chamam o deslizar do dedo?

-Não tem nenhum nome específico (rindo). Mas isso cada vez mais coisas mais difícil, cada vez mais perfeito mais difícil. Quando acha aí um gajo e ele toque violino mesmo bem é porque ele tem-se esforçado mesmo muito. Porque mesmo o manejar do arco é extremamente difícil, porque às vezes tás a dar uma nota (e exemplificou no violino) e o arco acaba e tens de voltar para trás mas essa melodia não tinha que ser interrompida. Porque devia ser assim (tocou uma melodia) Como se chama essa música?

-Eu para dizer a verdade não sei, aprendi essa música por acaso, foi com o Armando Tito, ele estava assim a tocar, depois coiso e tal e ele deu-me essa melodia. Pois ele também me ensinou essa por acaso.

-Ai é?! (sorrindo) É.

- Pois, essa música foi no Armando, a gente estava a ir para o Algarve ele estava a tocar essa música e eu “essa música é gira” então ele esteve só para eu ver a melodia. Acha que a maior parte das pessoas dá mais importância ao violino ou ao arco?

-O problema é o isto. Eu por exemplo nunca faria isso com ninguém, eu chego aqui e um gajo esta a tocar violino ao mesmo tempo eu toco o violino (...) ele toca do outro uns tem a tendência mais para isto outros mais para aquilo mas nunca discutimos as coisas, para saber, para perguntar “olha no violino o que é que acha que é mais difícil” até porque era bom dialogar sobre isso, “êpá eu tenho dificuldade com o arco” podias ter mais experiência e dizes “pronto isso

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fazes assim e assim” e vai pegar a experiência do outro mas pronto a gente praticamente não fala sobre isso. Na viola também não falam nessas coisas?

-A viola… nós achamos que já é uma coisa mais simples, mais simples porque já se consegue identificar, já dá para ver porque uma coisa que não tem teoria se ao menos dá para ver, para além dos ouvidos ainda dá para ver como o violão fazes um acorde e eu posso dizer põe o dedo ali outro ali outro ali tal tal aí já dá para ver agora o violino já é mais complicado, tem-se que pegar para fazer experiência. E mesmo vendo as outras pessoas vendo que um dá uma arcada mais larga e

outro… vendo as pessoas…

-Pois, pois dá, dá sim. Isso é verdade. E é isso que a maior parte das pessoas faz, vai vendo pelos outros o que soa

melhor?

-O problema é assim começa a tocar violino, vai pegar um jeito próprio é da forma que fica mais fácil agora para definir as coisas classificar os sons qual é que é melhor tal tal isso já é… eu para dizer a verdade tenho tido poucos encontros com violinistas é da minha ilha pessoas que também tocavam mas não eram pessoas que eu podia pegar alguma coisa Mas as pessoas tiram o que conseguem tirar e é como sai?

-Sim, cada um tira aquilo que consegue tirar mas é sempre bom quando a gente vê. Mas o que acontece às pessoas quando estão a aprender é que “é como sai”?

-Sim, sim. É como sai, começas a treinar, se tiveres uma pessoa com grande experiência por perto… por exemplo eu vou ali ver um gajo a tocar violino se o gajo toca aquilo com um estilo mesmo…. Eu fico “êpá já espertei, o gajo fez eu vou tentar” tás a ver? Agora se chegares aí e quem estiver a tocar for como eu fica tudo na mesma coisa. E acha que há músicos suficientes para dizer que a maior parte das pessoas

têm alguém para quem possam olhar e dizer “Ah, é assim que se toca.”?

-Tás a dizer para o caso de quem esta a aprender. Há sempre, porque em cada zona há sempre alguém que sabe tocar pode ser que não saiba muito mas qualquer zona tem pessoas que saibam tocar. Na minha zona como eu estava a

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dizer havia muita malta aí que dava uns bons toques na viola mais ou menos tal tal, mas eu quando tinha 16 anos já tocava melhor que todos eles. O Paulino Vieira foi para a minha ilha em 1996 e eu não o conhecia, então convidaram-me para fazer uma serenata aí com o Paulino então aí ficámos conhecidos. Então o Paulino disse “como é que foi possível” eu avançar assim tanto na viola dentro de S. Nicolau ainda mais da forma que eu toco porque eu ponho a viola é para a esquerda. O Paulino ficou admirado como é que dentro de S. Nicolau não tendo ninguém com que eu aprendesse a tocar, lá não havia melhor e eu praticamente não saí de S. Nicolau trabalhava lá… ele ficou admirado como era possível um gajo desenvolver tanto numa ilha. Agora a partir de mim houve muitos que desenvolveram aqueles que tocaram comigo foram apanhando tal tal. Agora os outros que foi para trás começam a apanhar naqueles, e vai mais pá frente que tem mais tendência. Neste momento a música lá em Cabo Verde já está mais desenvolvida mais aberta, na altura pá era um problema um gajo numa zona praticamente nem luz tinha, como é que vais ouvir um CD um rádio é a pilhas mas às vezes nem condições para comprar um rádio um gajo tem. Eu toquei uma porção de solos tradicionais de viola daqueles homens mais antigos que eram muito famosos sem nunca ter posto aquelas músicas para escutar, só a ouvir no rádio eu ouvia hoje a tocar se eu não conseguia apanhar todo apanhava uma parte pronto deixava, um dia qualquer que eu ouvisse essa música eu já não ligava a aquela parte que já tinha apanhado “êpá fiquei com uma dúvida ali e ali” tocava aqueles solos mas mesmo igual com todas as características a ouvir na rádio Mas isso porque também já tinha um nível que lhe permitia fazer isso.

-Pois, sim. Porque é assim, um gajo às vezes nem tinha condições para comprar música nem para ter onde por para tocar. Músicas de danças eu aprendia quando ia às festas se eu não conseguia pegar as letras todas noutro dia pegava o resto. É como tudo o violino também vai-se aprendendo é de uma a outra é isso é ter um gajo a tocar uma melodia. É uma tendência o pessoal a tocar lá violino eu vi que havia aquelas notas especificas que eles tocavam praticamente era em ré, sol menor era uma nota preferida Sol maior, às vezes davam festas uns já tocavam em dó menor metia mais alguma coisa Ré Maior então se eu estou a ver que o pessoal que toca violino toca nesses acordes o

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pessoal que está a acompanhar já está habituado a esses acordes às vezes já não me preocupo em inventar outras coisas para contrariar, se eu tenho a mania de tocar, o que é que eu vou fazer, é pego nesses acordes vou treinar algumas músicas nesses acordes tás a ver porque quando eu pegar aquele acompanhamento para tocar comigo já tocam sem dificuldade. Depois quando eu peguei no grupo que eu tenho ali eu já fazia outras coisas, mais difíceis com mais viragens pronto não dá, porque vamos tocar ali num sítio temos de ter alguma coisa especial, para incentivar e o pessoal vai avançando sempre mais alguma coisa. Então as músicas não são sempre tocadas na mesma nota?

-Não, não. Então a música até pode ser em Lá Maior ou Mi Maior mas depois como é para

ser tocado em violino eles passam aquilo para ré menor?

-Sim, sim. E isso é algo que toda a gente faz?

-Sim, é… Para ser mais fácil?

-Sim. Praticamente fica mais fácil, pronto é passar de um acorde para o outro para ser mais fácil. Tocar uma coladeira por exemplo se facilitava ser em sol menor não interessa onde (em que tonalidade) aquela música foi feita. Se não facilita aí passa para outro. Passar de um acorde para outro é precisamente isso, é quando começa-se a tocar uma música num acorde é difícil passa-se para o outro para facilitar. É como por exemplo se eu fizer assim (tocou apenas numa corda e subindo de posição) tás a ver mas se eu fizer assim (passo da corda sol para a ré modulando no final) aí já baixei o tom porque se se tiver de subir já é mais difícil. Porque não tive professor, porque não é difícil. É não saber. Se vai ficar difícil é obrigado a baixar de tonalidade para compensar, é onde fica mais fácil. Normalmente são vocês que vão à procura dos sítios para tocar ou chamam-vos? -Não, eles é que chamam. Eu pelo menos não saio à procura. Porque o pessoal diz-me “êpá tu não estas em nenhum grupo desenvolvido a tocar é porque não ligas” e eu sei que é assim, porque eu vou tocar mas é porque as pessoas ligam

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para mim porque eu não sei onde procurar há malta por aí que procura mas eu não. E normalmente é o quê, os bailes de violino?

-Sim, bailes de violino e aquelas que é tipo tradicional e toco eu e o meu colega nessa altura de verão e (…) Casamentos e baptizados também toca?

-Sim, sim, sim. Também se usa… tocar em funerais?

-Sim, sim, sim. Eu em Cabo Verde já toquei mas aqui por acaso violino nunca toquei assim, já me chamaram duas vezes mas não tinha tempo. Porque eles fazem essas coisas assim em cima da hora e em cima da hora já tenho combinado outro compromisso ou tenho que ir trabalhar e isso fica difícil. Mas eles fazem isso, sempre sempre. E daquilo que sabe o que e que se costuma tocar nos funerais?

-Eu sei mais ou menos a música que eles tocam nos funerais mas assim de letra não estou a ver tão bem porque são umas músicas muito antigas. Tipo quê?

-É morna. Mas mais antigas?

-Sim, sim, sim. (Tocou um bocado de uma.) (e catou um bocado também) [Hora di bai]

-essa é que é a música tocada em funerais, já é aquela música que… E também acontece tocar-se as músicas favoritas da pessoa que morreu?

-Não, não. eu sei que esta é uma daquelas que eles tocam mas há mais, e normalmente essas são as que são consideradas as adequadas, a não ser que a pessoa faça o pedido. Mas ninguém pede para tocar por exemplo um funáná no funeral.

-Pois, não. eu estou a dizer mornas. Na nossa ilha antigamente eles faziam funeral com música era só para os músicos. Hoje é que isto está um pouco popular, mas antigamente era para os músicos. Um gajo fazia festas tocava violão tal tal, gajo morreu, pronto. Depois ficou mais popular. Então se a pessoa fizer um pedido já era diferente. Um senhor, lá na minha ilha tinha uma morna que ele ia para os bailes de violino e ouvia a gente a tocar. Sempre que ele

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ouvia aquela morna ele chorava e dizia que no dia que ele morresse que tinha que tocar aquela música no funeral dele. Só que quando ele morreu eu já estava cá. Tocava aquela música e ele chorava e a música eu não sei, pronto era uma morna. Daquilo que fez até agora na música, se pudesse fazer alguma coisa diferente,

fazia?

-Sim, se eu pudesse realmente eu fazia. O quê?

-É muitas coisas, às vezes uma pessoa pode ter muitas ideias mas depois o tempo vai passando, vai passando com as dificuldades da vida e essas coisas todas. Eu gostava de ter uma escola de música tradicional para ensinar crianças a tocar mas da forma que eu aprendi, já com bases melhores claro, porque isto tem tendência para desaparecer, principalmente ali fora, achas que encontras um jovem aqui em Portugal com 15/20 anos a pensar tocar violino? Pensa de certeza é no Hip-hop e essas coisas todas, há malta aí que chega um gajo com isto (o violino) e acha essa coisa estranha, mas lá em Cabo Verde já não, a gente nasce com ele. Por isso é que eu estou a dizer que era uma forma de desenvolver essas coisas tradicionais dentro dessa comunidade toda. E acha que ainda pode fazer isso?

-Sim, só que é um bocadinho difícil. Não vou dizer que já perdi esperança só que é um bocadinho difícil porque eu gosto de aprender tanto como gosto de ensinar. Se eu aprender uma coisa no violão e souber que tocas automaticamente que eu pego aquilo e vou logo te mostrar, eu gosto de ensinar. Há malta em Cabo Verde que começava a aprender violão e ia logo ter comigo para eu começar a ensinar, porque eu tenho uma paciência para ensinar que é uma coisa doida. (ri-me)

-Sim! Até perceber pode estar à vontade. Há pessoas “não tás a perceber o que eu estou a dizer” começam-se a enervar, eu tenho paciência para isso eu gosto mesmo, eu não tenho é muito para ensinar.(rimo-nos) Mas isso ainda é possível.

-Nunca a gente diz que é impossível. Mas é um bocadinho difícil, é um bocadinho difícil. Lá na minha ilha a câmara preparou lá um sítio para funcionar

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como uma escola, não vou dizer uma escola porque não tem um professor em condições. Então eu é que ia ficar à frente daquilo a ensinar as crianças a tocar pegar na viola e essas coisas todas, mas na altura vim para cá. Quando fui lá em 2001 eles tinham lá viola violino cavaquinho mas não tinham ninguém para ensinar. Eu pelo menos já percebo muitas coisas mesmo de teoria da música e já dava para ensinar, não é como eu aprendi mas pelo menos é com bases. Porque eu para ensinar uma pessoa a tocar uma viola ou um violino tenho que ensinar como funciona isso, como é o nome das cordas com é que se faz as escalas essa coisa toda. Mas na altura a gente só fazia assim(dedilhou as cordas do violino uma a uma) “afina-se assim” não havia mais nada nem saber como isto funciona de afinação pego aquilo de ouvido e pronto, depois começa a tocar nem sabe o nome das cordas nem nada é uma complicação, né? O Chiquinho tem irmãos?

-Sim, sim. E eles também tocam?

-Eu tenho dois irmãos aqui que tocam alguma coisa. Agora eu tenho um irmão em Cabo Verde que está agora com 25 anos também toca violino, o pessoal está a gostar ele também vai para outras ilhas tocar. E ele está a morar em S. Nicolau?

-Sim, sim. Então porque é que não está ele à frente da escola?

-O problema é esse eu quando vim para cá eu andava a ensinar ele a tocar, violino não, violino ele pegou também como eu, mas eu andava a ensinar ele a tocar viola, como é que fazia isto como é que fazia aquilo tal tal tal, ele pegou algumas coisas então quando eu fui lá em 2001 ele disse “olha, eu tirei muito proveito daquelas coisas” porque depois quando eu vim para Portugal ele começou a desenvolver e sentia a falta das coisas que eu andava a ensinar com ideias ele andava a procurar e tal tal mas é que ele também não sabe por que ali não tem quem ensinar porque tocam todos de ouvido só assim. é que pelo menos tem que… não é só pegar num gajo e dizer “é assim que se faz lá menor” e “é assim que se faz” assim é um bocado complicado ele tem que entender a escala saber um bocado como é que aquilo funciona, saber pelo menos.. Há gajos que há aí a tocar mais à uma porção de tempo, mais do que

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eu e não conseguem falar dó ré mi fá sol lá si dó, dó si lá sol fá mi ré dó, por exemplo. Nem entendem dessas coisas se calhar nem sabem ordenar isso. É que é complicado vai ensinar uma criança a tocar, fica mais difícil porque as crianças são curiosas querem saber como as coisas funcionam, eu não tinha muito mas pelo menos sabia algumas coisas, porque eu também nunca tive numa escola com pessoas que sabem mais, eu quando cheguei tive aí um ano com um senhor tive umas aulas aí de piano. Mas aquilo que eu estive a estudar com ele eram coisas que eu em Cabo Verde já sabia, de viola, pronto, mas ganhei alguns conhecimentos. No violino quais são os tipos de música que se toca?

-Música que a gente toca é morna, coladeira, por exemplo nas festas a música que a gente toca é coladeira. Morna, coladeira, samba, mazurca e valsa E funáná?

-Sim também se toca. Mas eu por exemplo toco funáná menos porque ele é menos usado na nossa ilha ele é menos apreciado. E onde é que é mais?

-Em Santiago que é a raiz de funáná. Eles podem tocar funáná o dia todo só funáná. Mas para nos é diferente, eu prefiro ouvir uma morna ou uma coladeira, funáná só de-vez-em-quando. Eu ouvi dizer que em Santiago que eles usam mais é o violino eléctrico?

-Violino?! Violino… é estranho. Violino não é tradição de Santiago. Não, Santiago é funáná pá, o que eles usam é ferro é gaita, que é música tradicional deles. Agora violino mesmo eles não… Onde há mais violino?

-Eu acho que é mais: S. Nicolau, Fogo, S. Antão, S. Vicente, essas ilhas todas menos Santiago, Santiago eles têm mesmo é tradição de funáná. Quando Cabo Verde era colónia de Portugal tocavam-se músicas portuguesas

lá?

-Acho que não, podia tocar sim mas era pouco, não sei porquê, para dizer a verdade, tinha mais tendência para o Brasil do que para Portugal. Porque a música era mais mexida?

-Não sei porquê. Não sei qual é a forma que a música que chegava a Cabo Verde, a música chegava era através dos estrangeiros. Os barcos que

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passavam em S. Vicente, S. Vicente era ponto estratégico qualquer coisa que chegasse, chegava ali primeiro. Então passava um barco vindo do Brasil e tal. Agora Portugal era diferente porque o pessoal da altura, eu lembro-me por exemplo quando eu era criança, portugueses em Cabo Verde era em quantidade mas eu não me lembro de ninguém a tocar, eles gostavam da música mas era para ver o pessoal dali a tocar. Não sei pá. Mas também não sei por exemplo qual é a origem da morna porque realmente é muito parecida com o fado. Só o sotaque é que é diferente, pode ter nascido do fado, haver pessoas que tocavam fado e depois começaram a espalhar aquilo para as ilhas, pode ser não sei. É só porque eu vi uma pessoa que tinha uma lista das músicas que estava a

tocar ou a aprender a tocar no violino e duas delas eram portuguesas uma acho

que era o cheira bem cheira a Lisboa e a outra já não me lembro.

-Não sei… isso deve ser só mesmo para aprender a melodia para tocar. Então músicas que não as caboverdianas que se ouvia e toca mais são as

brasileiras?

-Eu quando era garoto, havia muita influência de música de Cabo Verde, sim muita. Pessoas que cantavam, mesmo para divertir, tem tendência para cantar mornas e coladeiras e música tendida para o Brasil. E só Brasil, não havia mais nada?

-Música portuguesa não se ouvia quase nada, muito dificilmente; fado só ouvi directamente depois que eu vim para aqui porque eles não punham lá no rádio. E lá punham música brasileira?

-Sim, sim. Acho que tinha mais tendência, acho que era por causa do ritmo. Posso pedir-lhe que toque um bocadinho?

-Para tocar sozinho é complicado, né? É? Prefere tocar acompanhado.

-Claro acompanhado sempre é diferente. [Começou a tocar]

Isso foi que tipo de música?

-Não, isso foi um improviso que eu estava a fazer dentro de uns acordes. E pegou em quê para improvisar?

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-Para improvisar pego numa nota, e vai improvisando. Se tiver acompanhamento faço o improviso dentro dos acordes que eles vão tocar. Agora, se toco sozinho faço um improviso dentro da escala. Por exemplo vou fazer em mi menor. [tocou]

-Por exemplo. Tou só a tocar dentro daquela escala. E se quiser fazer a mesma coisa mas noutra nota dá para fazer?

-Dá, dá. Para fazer a experiência dá para fazer. [improvisou sobre Sol M, não tocou “a mesma coisa”]

-por exemplo, qualquer acorde isto depende do desenvolvimento. [tocou escala ascendente depois descendente de Sol Maior, primeiro devagar

depois mais rapidamente, depois começou a improvisar sobre a escala cada

vez de forma mais complexa]

-agora duas 8ªs [tocou a mesma escala em duas oitavas, depois começou a improvisar sobre a

mesma escala]

-e agora passei para a relativa menor que é mi menor [continuou a tocar]

[começou a tocar na 3ª/4ª posição]

-aí já é difícil porque para mudar de um sitio para o outro tem…. (na mudança de posição) Mas há muita gente que faça isso? A maior parte das pessoas toca só aí em

baixo (1ª e 2ª posições), não é?

-Sim, sim só em baixo. Tocam só ali porque quando estão nesta posição(1ª posição) os dedos estão todos ali mas quando se toca e vem para aqui (fez a passagem para uma posição mais avançada 4ª/5ª posição) o problema é saber que é aqui, chegar e acertar aqui com o dedo porque aqui “o traste” é mais pequeno é tipo violão ou cavaquinho, é mais complicado anda pois. [continuou a improvisar, a certa altura começou a tocar uma música que mais

tarde vi a ser tocada num DVD que o Chiquinho me facultou do concerto de

homenagem a Nhô Kzik]

Isto do violino é bonito mas em grupo já sai uma coisa completamente diferente…

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Qual acha que são os dois estilos de música mais diferentes um do outro,

funáná e morna ou coladeira e funáná ou…?

-Diferente? De som, que o ritmo é diferente…

-Da nossa música? Sim.

-Diferentes de tocar? É assim eu como fui habituado só a tocar mornas e coladeiras o funáná veio muito tarde é um género que a gente não aprecia muito em S. Nicolau. Mas eu para tocar não sinto grandes dificuldades, apesar de ter aquele tom de coladeira. Eu acho às vezes tão fácil de tocar como uma coladeira, apesar da diferença que é grande, eu estou a falar de mim, já consigo dominar isso. Apesar de serem diferentes. Pode mostrar essa diferença?

-No violino? Sim

[tocou um funáná]

E agora pode tocar uma coladeira?

-Coladeira já é uma música mais delicada. [Tocou uma coladeira conhecida]

improvisou aí no meio?

-Sim, sim.

Eu sei que isso é difícil mas dá para me ensinar essa música?

-Para ensinar… ah sim, sim.

[começou a tocar a música para eu como se tocava ver suponho]

[deu-me o violino para a mão, trocou a queixeira de lado.]

[ensinou-me a música]

-Então pá, percebes disto pá! Êpá é por isso que eu estava a dizer violino é assim, para ensinar uma pessoa a tocar violino é complicado porque eu não tenho teoria nisto. Por exemplo eu não consigo identificar uma nota assim, de vista. Por exemplo aqui é sol (tocou a nota e foi subindo até…) e aqui é dó. Por exemplo [tocou o arpejo de dó maior no sentido ascendente desceu à 5º do acorde e desceu por graus conjuntos] já fiz logo melodia no… é assim que a

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gente aprende a tocar em Cabo Verde. Aqui é dó (tocou a mesma estrutura melódica) pronto já tem aquela melodia agora posso tocar uma coisa. (improvisou sobre a mesma melodia) tás a ver já está aí uma música. Por exemplo, dó (tocou a escala de Dó Maior no sentido ascendente, uma 8ª) e aqui está em dó também (começou a tocar a mesma escala no sentido descendente) aqui já estas em sol (conferiu em com cordas dobradas com o dó, e continuou a descer, depois parou…e recomeçou, dó…) aqui já é ré, agora vou pegar uma melodia, agora vou esquecer do dó e vou pegar em ré (tocou a escala de Ré Maior sentido ascendente uma 8ª, improvisou sobre a escala) tás a ver, já fiz uma melodia, (começou a improvisar em Ré Maior) tás a ver? A questão é um gajo pegar na escala e pronto, se não entrar na escala já sei… isto um gajo pega na escala e já consegue tocar muita coisa. Por exemplo mi menor (improvisou sobre a escala de mi menor). E quando se está a tocar voltam sempre à nota sobre a qual se esta a

improvisar.

(tocou a mesma melodia que estava a tocar)

Sim, isto é uma música simples também, que tocas em 3 notas. Há músicas que dá para ser assim… eu toco algumas músicas que também dá para… por exemplo, como essa música que eu estive a tocar agora antes desta, já é uma música que tem muitas viragens, (tocou uma mazurca do Patone, a do DVD) isto já tem muita coisa, uma música destas eu não vou tocar ali, porque já é muita complicação, a gente não faz ensaio. Tem que ser coisas mais simples, mas mesmo assim a gente toca umas coisas que tem algumas viragens, já não é assim tão complicado, mas pronto (tocou aquilo que se pode intitular de uma introdução à tonalidade) isto é ré maior, agora (tocou a escala, depois seguiu para uma coladeira) pronto é mais ou menos isto. Há músicas que eu toco, que têm mais brilho, pá festa, já sabe como é que é. (tocou) esta que tocava era o Travadinha (continuou a tocar) eu tou a levar muito rápido mas é só para despachar (continuou) pronto algumas músicas assim, algumas mornas, que também é muito bonito. (tocou uma morna) pá o violino é giro, mas eu faço pouco treino de violino esse é que é o problema, tás a ver. É andar para aí, andar para aí tal tal. É tanta coisa, que não resta tempo. Tenho essas coisas para aí, isto é um teclado mas isto é muito antigo, isto eu tenho aqui mas é só

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por causa do... Eu tinha um teclado mas vendi ali para um gajo, isto é um teclado antigo que eu tenho só por causa dos ritmos que ele tem, ele consegue fazer uns ritmos para treinar umas coisas. Agora como eu estava a dizer violino é uma outra coisa agora viola… é completamente diferente. Toca viola também, né? Não, não.

Não? Só violino? ! Então deve conhecer muita teoria de violino de certeza, ou não? Alguma.

Sim porque… eu toco isso. Porque é que eu sei do violino, porque eu consigo só fazer uma escala, do ré mi fá sol lá si, escala maior e escala menor, na viola por exemplo… (tocou, e realmente nota-se um maior à vontade) se eu tivesse capacidade de improvisar no violino como improviso na viola era uma coisa louca! (rimo-nos) [tocou na viola:

• Um improviso

• Já tive mulheres – Martinho da Vila ~

• Uma música do Tito Paris tocada num concerto na aula magna

• Uma morna]

-Eu faço solos que as pessoas nem acreditam que um gajo faz outra coisa. Mas um gajo tem que exercitar todos os dias, um gajo trabalha no duro. Nota que por estar a trabalhar na construção que isso afecta muito…

-Sim, sim afecta sim depois de um dia de trabalho, com ponteiro e essas coisas a agarrar nas coisas, é balde… chego a casa e não tenho sensibilidade, um gajo chega e tem que exercitar todos os dias, se não… Mas não sente os dedos mais leves, por ter estado a carregar com coisas

pesadas?

-Não porque há tendência para as mãos ficarem brutas, agressivas a tocar, e quando está só com o instrumento aí é que vai ganhando suavidade, quanto mais se toca, a coisa vai ganhando suavidade. -Agora vou mostrar um programa (de computador) com que trabalho música. Porque eu toco música tradicional mas também faço outras coisas. [Mostrou-me o CD que fez e comentou algumas músicas.

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Tocou um pouco de piano e depois de clarinete.

Antes de eu sair o Chiquinho mostrou-me o estúdio que está a construir na sua

arrecadação, já estava quase terminado, tendo sido feito por ele e o irmão

apenas nos fins-de-semana e feriados durante 6 meses, tinha isolamento

acústico e cabine de som para fazer gravações.)

6.4. Recensão do documentário Morabeza de Constantino Martins MORABEZA

Realização: Constantino Martins

Som: Nuno Veiga

Montagem: Constantino Martins e Rui Ascensão

Beta, 90’, 2004

Constantino Martins, licenciado em Filosofia na F.C.S.H. da Universidade Nova

de Lisboa e pós-graduado no Ramo de Formação Profissional, irá também

passar por um curso de vídeo no IPJ em 1999, um Atelier de jornalismo para

professores no CENJOR e um Curso de comentário para filmes científicos nos

Encontros de Cinema Documental na Malaposta em 2000 e um workshop de

pós-produção digital, Avança 2001. Foi realizador do documentário Ama Dor

(2001) sobre o fado vadio em Lisboa.

Em Abril de 2004 estreia na Videoteca Municipal da cidade de Lisboa

Morabeza.

Na sinopse lê-se: “Lisboa. A minha cidade. Dizem que está sempre em obras,

uma espécie de estaleiro gigante. Acho que é verdade, sempre vi Lisboa em

obras. E pensar que as mesmas mãos que lhe colocam os tijolos também

abraçam as cordas de um violino. A simbiose absurda e a luta daqueles que por

aqui querem mais.

Um filme sobre música cabo-verdiana e não só.”

Diz o autor que “Tudo partiu da megalomania dos pressupostos: queria fazer

uma série de documentários sobre música. O primeiro seria naturalmente sobre

uma música cá da terra. O segundo seria sobre um instrumento. O violino. O

violino de Nicolae Neacsu e de Travadinha. Os ciganos do Leste e os ciganos

de África. Os nómadas e a Música. O Travadinha já morreu mas existem outros

bons violinistas, diziam alguns amigos como conforto para continuar a filmar. Na

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decisão de entre estas duas parte começar por Cabo Verde estava o receio

sempre presente das escolhas. No dia em que chegámos a Lisboa morria

Nicolae Neacsu.”

O filme foca bastante as duas facetas, que embora nos possam parecer

antagónicas coexistem na realidade de pessoas, que trabalham na construção

civil lidando com betão e pedra, e também tocam violino, um instrumento

relativamente delicado e que requere sensibilidade a vários níveis. A primeira

parte do filme foi filmada em Lisboa, a segunda em Cabo Verde.

O primeiro entrevistado é um homem com os seus cinquenta anos de idade,

que trabalha numa loja de bairro, algures em Lisboa, onde se reparam

televisores. Ele conta como nos anos setenta ele fazia tournées com a sua

banda. Conta como nessa altura as pessoas vinham para Lisboa, chegadas de

Cabo Verde, apenas para arranjar papéis para ir para a Holanda, no entanto

com o passar do tempo o trabalho nesse país acabou por ser cada vez menos

abundante e as pessoas acabaram por ficar por Portugal. Houve também uma

grande quantidade de raparigas que foram para Itália trabalhar como

empregadas domésticas, por influência de um padre radicado em Cabo Verde

que facilitava o processo de emigração através de cartas de chamada enviadas

por famílias italianas, quando o mercado de trabalho nessa área escasseou, o

foco migratório passou a ser Espanha.

De seguida mostram-nos um homem novo de trinta e poucos anos, Morgadinho,

trabalha na construção civil, diz que chegou há poucos anos a Lisboa, conta-

nos a sua história de vida, toca, primeiro sozinho em casa, depois

acompanhado pela viola de Armando Tito, notamos que usa pouca pressão no

arco e quando o faz é em crescendos e fortes caso em que pode também

recorrer ao aumento de velocidade do arco. Pede aos documentaristas que

levem um violino que ele comprou para o seu pai, já que eles vão para Cabo

Verde.

Em Cabo Verde uma das primeiras imagens que vemos é de uma loja chinesa,

sinal claro da globalização. As entrevistas a violinistas continuam, eles partilham

as suas histórias de vida e músicas. Um homem já de idade avançada diz

“gente nova não gosta de violino, porque não ouve tocar musica, põe pilha no

rádio e pronto é gratuito”. Quando chegam a casa do pai de Morgadinho, este,

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ao receber o violino enviado pelo filho, faz pequenos lenhos em “v” no cavalete,

no local onde assentam as cordas.

Embora não seja uma obra de teor científico permite-nos constatar questões

técnicas, como o facto de a maior parte dos violinistas que aparecem muito

provavelmente não terem tido aulas, sendo assim músicos auto-didactas, que

tocam “de ouvido”. Também a questão central do filme em si, “obras” versus

violino, constantemente sublinhada através de planos filmados em que são

focadas as mãos dos trabalhadores, põe uma importante questão antropológica,

será que o violino tem mais peso nas suas vidas que a pedra e o cimento?

6.5. Lista de Músicas da “aula” de Eduíno 70

Tabela 5: Lista de Músicas da “aula” de Eduíno

Género Título Tonalidade*

Coladera “Seufilhera” Ré –

Coladera “Escamelera O Vera” Ré –

Morna “Um Ca Cré Ovi Ondas di Mar ta Tchora” Lá –

Coladera “Djal Fogo” Lá –

… “Olá ta Bem Quel Menina” Ré – Lá

Coladera “ Maria” Ré –

Música Portuguesa “Terra da Maria” Ré –

Música Portuguesa “Cheira Bem Cheira a Lisboa” Dó +

Coladera “Otília” Ré – Lá

Coladera “Canja” Ré –

… “Esse Coza É Matchona” Ré –

… “Talaia Baixo” Mi –

… “Solinho”( A. Travadinha) Sol –

… “Tchitchiroka da Figueira” Ré –

… “Somto Manel Bode Rachado” Sol –

* Por – (menos) entenda-se menor

Por + (mais) entenda-se Maior

70 O conteúdo deste quadro foi transcrito de uma lista que estava encima da mesa da sala de Eduíno durante a “aula” esta foi apenas transformada neste quadro, ou seu conteúdo não foi alterado

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6.6. Suporte áudio Faixa 01 – Morgadinho Mazurca

Faixa 02 – Morgadinho Improviso

Faixa 03 – Eduíno e Armando andamento e “alembramento”

Faixa 04 – Eduíno e Armando Shhhh!

Faixa 05 – Leonel dar tom

Faixa 06 – Na Ri Na – Lura – voz – batuque

Faixa 07 – Na Ri Na – Chiquinho – violino – coladeira

Faixa 08 – Chiquinho Improvisos

Faixa 09 – Chiquinho aula

Faixa 10 – Chiquinho como aprendem e etc.

Faixa 11 – Chiquinho dedos cansados

Faixa 12 – Luís de Barros. Solo, Contra Solo

Faixa 13 – Já tive Mulheres, com Luís de Barros

Faixa 14 – Luís de Barros, exemplo do violinista caboverdiano

6.7. Suporte vídeo

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