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Paulus Gerdes

A CIÊNCIA MATEMÁTICA

Reedição

Moçambique 2014

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Título: A Ciência Matemática Palestra de abertura, proferida no 1º Seminário Nacional sobre o Ensino da Matemática, Maputo, Moçambique (Maio de 1980) Primeira e segunda edições: Ministério da Educação e Cultura, Instituto Nacional de Desenvolvimento da Educação (INDE), Maputo, Moçambique, 1980, 1981 (0249/INLD/81) Reedição: Instituto Superior de Tecnologias e Gestão (ISTEG),

Belo Horizonte, Boane, Moçambique, 2014 Autor: Paulus Gerdes, C. P. 915, Maputo, Moçambique ([email protected]) Impressão e distribuição internacional: www.lulu.com http://stores.lulu.com/pgerdes http://www.lulu.com/spotlight/pgerdes Copyright © 2014 Paulus Gerdes

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CONTEÚDO

Página

Apresentação 7 Introdução 9 Palestra: A ciência matemática 11 1 Como nasceu a matemática? 15 1.1 Numeração e aritmética 15 1.2 Geometria 24 2 Desenvolvimento posterior da matemática como

ciência 31

2.1 Esquema 31 2.2 Resumo 32 3 Exemplos de aplicação 45 4 Algumas conclusões

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Livros de Paulus Gerdes em Português 53

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Entrega do título honorífico “Mestre em Educação” à Senhora Graça

Machel, Ministro da Educação (1975-1989), pelo Reitor Paulus Gerdes [29 de Maio de 1992]

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A Ciência Matemática

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Apresentação

Em Junho de 2011 participei no 13º Congresso Interamericano de Educação Matemática, que teve lugar na Universidade Federal de Pernambuco em Recife (Brasil). Tinha sido convidado para fazer uma conferência sobre Incorporando ideias matemáticas provenientes da África na educação matemática no Brasil? (28 de junho). Na mesma universidade ministrei também a palestra Gênero, Criatividade e Cultura: Exemplo do desenvolvimento de ideias matemáticas na fabricação de trançados em Moçambique, no Núcleo de Pesquisa em Psicologia da Educação Matemática da Pós-Graduação em Psicologia Cognitiva (1 de Julho). Ao almoçar durante um dos dias do congresso fui surpreendido por um grupo de jovens estudantes que queriam tirar uma fotografia comigo. Disseram-me que gostavam dum texto meu sobre geometria. Depois de tirar a foto, perguntei-lhes de que texto se tratava, uma vez que escrevi diversos livros sobre assuntos da geometria. Surpreendentemente me falaram de um dos meus primeiros textos em que, de facto, numa parte falo do nascimento da geometria. Não imaginava que aquele texto ainda se reproduziu hoje em dia em fotocópias no Brasil.

O referido texto, intitulado A Ciência Matemática, é a transcrição da gravação da palestra de abertura do 1º Seminário Nacional sobre o Ensino da Matemática, realizada, em Maio de 1980, em Maputo, capital de Moçambique. • Na palestra tentei dar, numa linguagem acessível a todos os delegados – muitos dos quais sem uma formação específica em matemática e sem uma formação como

• Para uma apresentação do contexto histórico e político do 1º Seminário Nacional sobre o Ensino da Matemática, vide o artigo: Gerdes, P. (1981), Changing mathematics education in Mozambique, Educational Studies in Mathematics, Dordrecht / Boston, Vol. 12, 455-477.

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professores de matemática – uma ideia global de que trata a matemática como ciência, apresentando algumas linhas gerais do seu desenvolvimento. A apresentação visava mobilizar os participantes para a importância da matemática como ciência e das suas aplicações em prol do desenvolvimento do país recém-independente (Moçambique conquistou a sua Independência em 1975) e do bem-estar das populações.

A palestra não tinha sido preparada para ser publicada. A Ministra da Educação e Cultura, Graça Machel, que presidiu ao seminário, e assistiu à palestra, solicitou que a mesma fosse transcrita, reproduzida e distribuída a todos os delegados, o que aconteceu. No ano seguinte (1981), o Instituto Nacional do Desenvolvimento da Educação (INDE) reeditou a palestra no formato de brochura.

Aqui se reproduz o texto original. Apenas se acrescentaram algumas breves notas de rodapé de esclarecimento. Obviamente, o que sei agora sobre o tema da palestra é bastante diferente do que sabia em 1980 como docente ainda muito jovem, em particular, no que diz respeito à contribuição das culturas africanas para o desenvolvimento da(s) matemática(s).

Agradeço aos colegas Iran Abreu Mendes (Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Natal, Brasil) e Maria do Carmo Domite (Universidade de São Paulo, Brasil) a sugestão de reeditar a brochura A Ciência Matemática.

Paulus Gerdes

Centro Moçambicano de Pesquisa Etnomatemática (Cultura, Matemática, Educação)

Maputo, Moçambique 2011

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A Ciência Matemática

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Introdução

O texto que se segue trata da Matemática. Aquela ciência que mete medo a muitos alunos, em adultos, e mesmo em alguns professores. E porquê?

Muitos pensam que a Matemática é uma ciência abstrata, muito difícil de aprender, desligada da vida quotidiana do Homem. Há mesmo professores que afirmam abertamente , nas suas aulas, que a Matemática é difícil e pensam que só é acessível a uma minoria.

Além disso, muitas pessoas não conhecem a origem da Matemática; ora pensam que sempre existiu, ora creem que é um produto puramente do pensamento humano, independentemente das suas experiências de vida.

Como contribuição para desmistificar a ciência Matemática no nosso país, para apresentá-la tal e qual como ela é, o 1º Seminário Nacional sobre o Ensino da Matemática incluiu no seu programa a palestra aqui reproduzida A Ciência Matemática, proferida pelo professor Paulus Gerdes, da Universidade Eduardo Mondlane.

Ela mostra que a Matemática surgiu na história do Homem, em resposta aos problemas que enfrentava na sua vida quotidiana, em particular no seu trabalho.

Mostra ainda a interligação do desenvolvimento da Matemática com o desenvolvimento das sucessivas sociedades humanas.

Apresenta alguns exemplos da ligação da Matemática com outras ciências.

A publicação desta palestra pretende dar a professores, alunos e outros interessados, material que lhes sirva de estudo e reflexão, de aprendizagem e formação. Porque a matemática já é parte integrante da nossa vida, o seu domínio é condição indispensável para avançarmos na construção duma nova sociedade, planificada e próspera.

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Para os professores, o estudo deste documento vai ajudá-los a conhecer e assumir melhor a Matemática como ciência, enriquecer as suas aulas e encontrar vias de fundamentar cada vez mais o ensino da disciplina em bases científicas, na realidade concreta da nossa escola e de toda a sociedade. Será uma contribuição para que a Matemática seja efetivamente “uma arma na construção do socialismo”.

Comissão Organizadora 1º Seminário Nacional sobre o Ensino da Matemática

Maio de 1980 Maputo, Moçambique

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A Ciência Matemática

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Palestra: A Ciência Matemática

Sinto uma grande honra em ser convidado a proferir esta palestra

sobre a ciência matemática neste 1º Seminário Nacional sobre o Ensino da Matemática, na República Popular de Moçambique.

Espero que a minha palestra possa contribuir para a desmistificação da ciência matemática, para uma visão histórica, para uma compreensão da ligação íntima que existe entre a matemática e a prática da nossa vida, para uma compreensão de que a matemática pode ser uma ‘arma na construção do socialismo’.

Nesta primeira palestra do Seminário, espero poder contribuir um pouco para a compreensão de que, na realidade, a matemática é uma ciência com muita aplicação, de que a matemática pode ser uma arma muito poderosa. Noutra palestra vamos ver as relações entre a sociedade, a luta de classes e a matemática. Vamos ver que a matemática, como arma, pode ser aproveitada na construção do socialismo.

Antes de começar propriamente a palestra, queria começar por desmistificar já, um pouco, a ciência matemática. Sabemos que no ensino actual, por razões históricas, a matemática é muitas vezes apresentada como ciência desligada da prática.

Queria convidar os delegados presentes para olharem para esta sala e verificarem exemplos em que estamos a aplicar a matemática. Por exemplo, podemos olhar para as mesas. Elas têm uma forma retangular. Podemos olhar para o telhado, podemos olhar para as vigas. Porque é que as vigas de suporte têm a forma dum prisma rectangular? Porque é que os nossos cadernos têm a forma rectangular? Porque é que as ventoinhas têm forma circular? Porque é que numeramos as cadeiras? Porque é que numeramos as filas? Porque é que esta sala tem um declive? Qual deve ser a sua inclinação? Porque é que as lâmpadas desta sala têm a forma dum cilindro?

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Assim já temos muitos exemplos, perto de nós, de várias aplicações da matemática. Para cada caso existe uma razão muito clara pela qual um objecto tem esta ou aquela forma.

Porque é dada esta forma matemática a este ou àquele objecto, qual é a sua ligação com a produção material?

Mais tarde vou elaborar esta ideia com mais detalhe. Porque é que o pacote de leite tem esta forma? Como é que esta

forma está ligada à produção material? Quais são as vantagens de dar, a um pacote de leite, a forma de um tetraedro?

Mais adiante, no fim desta palestra, quando analisarmos melhor algumas aplicações concretas da matemática à produção, vamos aprofundar esta questão.

Porque é que, por exemplo, uma porca tem a forma hexagonal? Veremos com a própria produção material que a própria aplicação da matemática exige que uma porca tenha a forma hexagonal.

Vamos tentar analisar aspectos deste tipo, mas queria, já neste momento, convidar as pessoas para pensarem, para ganharem consciência de que em todos os aspectos da nossa vida aplicamos matemática. A matemática está muito ligada à vida, está muito ligada à produção material.

Vamos aprofundar três temas centrais. Em primeiro lugar, desmistificar a ciência matemática, mostrar

que a matemática não caiu de céu e que nem sempre existiu. A matemática foi descoberta pelo Homem, pela Humanidade, na sua luta para dominar a natureza. Daremos alguns exemplos. Os exemplos mais fáceis de dar e mais construtivos são exemplos ligados ao nascimento da matemática. Por esta razão, vamos começar por ver como é que a matemática surgiu, isto é, como nasceu na história humana. Mostraremos como ela nasceu a partir das necessidades práticas, sociais e económicas, das sociedades humanas.

Em seguida, vamos fazer um breve resumo da história da matemática, mostrar que a matemática como ciência está em contínuo progresso e que os seus avanços estão relacionados com as mudanças sociais e económicas que nós podemos constatar na história humana.

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A Ciência Matemática

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Em terceiro lugar, vamos ver como é que se pode aplicar a matemática, por exemplo, ao nível da produção industrial e agrícola e ao nível das outras ciências.

E por fim queria tentar dar uma pequena definição do que é, neste momento, a ciência matemática, para termos uma ideia mais clara de qual é a ciência que queremos ensinar, para melhor compreendermos como a matemática pode ser uma arma.

Na República Popular de Moçambique, as classes trabalhadoras poderão utilizar a matemática como arma na construção do socialismo.

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Capa da edição de 1981

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1. COMO NASCEU A MATEMÁTICA? 1.1 Numeração e aritmética

Uma visão idealista muito espalhada é a de que o Homem

sempre soube contar. Mas observando as línguas faladas em Moçambique, por exemplo, as línguas bantu, ou a língua de unidade nacional, a língua portuguesa, logo podemos ver que nem sempre o homem soube contar.

Vamos começar por um exemplo de uma língua bantu, 1 a língua changana.

Quando queremos dizer “uma pessoa”, dizemos “munhu munwe”; quando dizemos “duas pessoas”: “vanhu vambiri”; “três pessoas”: “vanhu vanharu”.

Em cada caso estamos a usar estes numerais como adjectivos. Mas quando dizemos “quatro pessoas”, estamos a dizer, à letra, “um quarteto de pessoas”: “mune wa vanhu”. Aqui, a palavra para “quatro”, “mune”, é usada como substantivo. Há uma diferença gramatical em relação aos três primeiros numerais (numeral é o nome para um número).

Isto mostra provavelmente, que na História dos povos bantu, eles tinham antigamente poucos numerais: um, dois, três. E só mais tarde foram inventadas outras palavras. As crescentes necessidades que os povos tinham, levaram-nos a estender o seu conjunto de números.

Na língua portuguesa podemos constatar a mesma coisa. As palavras para “um” e “dois” são adjectivos (um, uma; dois, duas). A palavra “três” já não é adjectivo; apenas conhece uma forma e não duas, como “dois” – “duas”. Tem apenas uma forma. A palavra “três”, na língua portuguesa, está relacionada com, por exemplo, a palavra “très” na língua francesa. A palavra “très” significa “muito”. Segundo

1 As línguas africanas faladas em Moçambique pertencem ao grupo das línguas bantu.

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uma outra hipótese, está relacionada com a palavra latina “trans”, que significa “para além de”.

Isto mostra que os antepassados dos povos europeus, no início, apenas tinham poucos numerais (“um”, “dois”) e só mais tarde foram introduzidos as palavras “três”, “quatro”, etc.

A evidência linguística já prova que o Homem nem sempre soube contar.

Para reforçar ainda este aspecto: quando estamos a falar sobre “três” e “um terço”, “quatro” e “um quarto”, etc., as próprias palavras estão relacionadas.

Quando estamos a falar de “dois” e de “um meio”, estamos a ver que as duas palavras não estão linguisticamente relacionadas. Isto mostra que, no passado, a Humanidade não compreendia a relação que existia entre a metade de uma certa colecção e o dobro de uma outra colecção.

Não estavam a ver a relação entre os números “dois” e “um meio” na nossa língua actual. Assim temos evidências linguísticas de que o Homem nem sempre soube contar.

Sabendo então que o Homem nem sempre soube contar, vamos agora analisar como é que foi desenvolvida a noção (o conceito) de número. Queria agora referir-me brevemente ao nascimento do conceito de número natural.

As primeiras sociedades humanas foram sociedades de caçadores e colectores. Estas sociedades abrangem um período da história humana de entre quinhentos mil a um milhão de anos. Nestas sociedades, a partir das suas necessidades, os homens aprendiam a fazer certas comparações, comparações qualitativas, podemos dizer. Quando apanhavam um cabrito sabiam avaliar se este cabrito chegava para aquele dia ou não. Ou quando apanhavam mais cabritos, se os cabritos chegavam para o seu grupo humano, para aquele dia ou não. Esta é essencialmente uma comparação qualitativa, porque depende muito da qualidade do cabrito: tem influência se o cabrito é magro ou não. A quantidade em si não era tão importante naquela situação. Mas gradualmente, na base daquelas comparações, na base de comparações com os dias anteriores, a humanidade compreendeu que não era necessário começar a comer para saber se chegava ou não. Às vezes

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quando os cabritos tinham mais ou menos a mesma forma, já bastava saber quantos eram.

Gradualmente começou esta análise: “quantos são?” Mas, quando não se sabia ainda contar, como dizer quantos animais eram? “Três”, “quatro”, etc. Estas palavras ainda não existiam. Como exprimir esta ideia? Temos evidências históricas e arqueológicas, que nos provam que as primeiras tentativas eram através de comparações linguísticas, através de comparações com palavras. Por exemplo, a situação podia surgir ao fazer-se a colheita de frutos ou quando algumas mulheres voltavam para a sua tribo e queriam explicar aos outros que tinham visto plantas com um certo tipo de frutos de que gostavam muito. Outras mulheres tinham ido noutra direcção e encontravam também algumas plantas com aqueles frutos. Como é que a população podia decidir, por exemplo, onde devia ir buscar os frutos? Qual a melhor decisão a tomar e que correspondia melhor às suas necessidades? Quando estas mulheres, neste exemplo hipotético, voltavam à sua tribo, como podiam explicar às outras o que fazer? Podia acontecer que dissessem: “vimos tantas árvores como ...” Como quê? Tinham que comparar com algo. Podiam dizer “tantas árvores como uma mão tem dedos”. Ou podiam dizer “tantas árvores como um homem tem braços”. Ou “tantas árvores como um pássaro tem asas”, etc.

Num certo nível de desenvolvimento social, fazendo comparações deste tipo, para facilitar a comunicação, estas comparações continuam a ser individualmente inventadas, mas tornam-se geralmente aceites dentro de uma certa cultura, dentro de um certo grupo humano. Desta fase da história humana podemos encontrar muitos exemplos nas línguas actuais (vou dar alguns exemplos): a palavra “thlanu” na língua changana significa, originalmente, “mão” ou “punho”, ainda referindo ao estado em que os homens comparavam com os dedos da mão. A palavra “kononto” da língua mandingo, que é falada no Mali, significa à letra “aquele que está na barriga”, fazendo assim referencia ao número de meses que uma criança fica na barriga da mãe. Outros povos começaram a fazer comparações com outras partes do corpo, não directamente, mas por exemplo, usando os dedos para contar, um, dois, três, quatro, cinco, depois a mão para indicar seis, antebraço para sete, cotovelo para oito, braço para nove, ombro para dez e apontando a orelha para indicar

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onze animais. Assim, fazendo comparações não directamente (como por exemplo, tantas pessoas quanto um pássaro tem asas) mas comparando com uma certa colecção a que podemos chamar “colecção-padrão”. Podem ser partes do corpo, mas podem ser também, por exemplo, incisões num pedaço de barro ou riscos ou pequenas pedrinhas, etc.

Há muitas possibilidades para responder à necessidade humana de uniformizar estas comparações que, no início, eram inventadas mais ou menos a nível individual. Assim, ao estandardizar cada vez mais estas comparações, surgem as primeiras palavras para designar números. Mas pode ser que não usem os mesmos numerais para designar objectos achatados e objectos redondos. Existem (ainda) povos no mundo que usam muitos sistemas de numerais, que utilizam para objectos de natureza diferente. Neste momento, ao falar em três carros, três crianças, três objectos quaisquer podemos utilizar o mesmo numeral três, embora em muitas línguas antigas isto não fosse possível; tínhamos de usar palavras diferentes, de acordo com a situação concreta. Esta explicação refere-se ao nascimento dos primeiros números naturais um, dois, três, etc.

O mesmo aconteceu com as primeiras operações com os números: adição, multiplicação, subtração e divisão. Também surgiram a partir dos primeiros problemas, das primeiras necessidades das populações, dos povos de caçadores e colectores. A adição como operação, corresponde à acção concreta de juntar duas ou mais colecções: os frutos colhidos por um grupo de mulheres com os frutos colhidos por um outro grupo de mulheres. A partir da junção de duas colecções concretas, o Homem desenvolveu uma certa noção de adição. Juntando colecções podemos obter colecções maiores. Isto levou na história humana a uma expansão do conceito de número. Havia no início ainda poucos numerais. Por exemplo, numa língua falada na Austrália a palavra para um é “enea”, para dois é “petcheval”, a palavra para três é “petcheval-enea”; a palavra para quatro é “petcheval-petcheval”; a palavra para cinco é “petcheval-petcheval-enea”, ou seja, dois-dois-um. As próprias palavras ainda reflectem as operações que foram feitas com colecções concretas. Para as novas colecções que os homens encontravam, que eram gradualmente um pouco maiores, tinham que estender o seu conjunto de palavras para conseguiram exprimir isto. Imaginemos uma situação

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prática em que temos, por exemplo, dez ou doze objectos. Continuar a repetir deste modo não é muito cómodo, é um travão para a vida prática. Não vamos dizer petcheval-petcheval-petcheval-petcheval, etc., porque ninguém vai perceber. Talvez seja bom usar esta forma numa certa situação. Por exemplo, ao cantarem uma canção, ou quando as pessoas conversam umas com as outras à noite, perto do fogo, ao quererem exagerar o número de animais que apanharam. Mas noutras situações não conseguiam exprimir bem o conceito, não exprimiam bem quantos animais na realidade tinham sido apanhados. Quer dizer, não facilitava a comunicação humana.

Com a extensão das primeiras trocas entre as comunidades tornou-se necessário simplificar também esta linguagem. Em vez de escolher dois como base, petcheval-petcheval-petcheval-enea, etc., escolher uma outra base. Por exemplo, na maioria das línguas bantu de Moçambique, temos uma mistura das bases cinco e dez. Por exemplo, sete é “thlanu ni simbiri” na língua changana. Como vemos, a base é de cinco. Mais tarde foi introduzida nas línguas bantu uma outra base, a base dez, a palavra “tsume” que é usada para exprimir dez. A palavra quarenta na língua changana é “mune wa matsume” o que significa à letra “um quarteto de dezenas”, quatro dezenas, o que na própria língua reflecte a multiplicação que foi feita com colecções mais concretas – quatro colecções de dez elementos. Noutra língua africana, a língua banda, a palavra para quinze significa à letra “três mãos”, a palavra quarenta é “dois homens completos”, em referência ao facto de que o homem completo tem vinte dedos. Então, podemos imaginar que a expressão “dois homens completos” pode ser usada para indicar quarenta objectos. Estas extensões do conceito de número, estes melhoramentos dos nomes, pressupõem uma descoberta muito importante da humanidade – a descoberta seguinte: quando juntamos duas colecções, por exemplo, de dois leões e de três leões, podemos perguntar quantos leões vamos ter no total e, na base da experiência prática, o Homem descobriu que dois leões mais três leões, são cinco leões, não apenas hoje, mas também amanhã e depois de amanhã e sempre. Dois leões mais três leões somam sempre cinco leões. Dois cabritos mais três cabritos são cinco cabritos, não apenas hoje mas também amanhã e depois de amanhã e sempre; dois animais com três animais são cinco animais, hoje, amanhã, depois de amanhã e sempre.

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Não só dois animais mais três animais são cinco animais, mas também duas plantas mais três plantas são cinco plantas. Levou muitos milhares de anos para descobrir isto que hoje nos parece tão simples. É preciso salientar que isto demorou muito tempo, foi um desenvolvimento bastante lento. Através de imensas experiências, a humanidade descobriu que dois objectos mais três objectos da mesma natureza eram sempre cinco objectos dessa natureza. Quer dizer, considerando que tanto podem ser animais, leões, cabritos, búfalos, ou quaisquer plantas, abstraindo desta realidade concreta, obteve-se esta noção de número, que pode ser usada para quaisquer objectos, como nas nossas línguas actuais podemos utilizar a palavra cinco. Se dois mais três são sempre cinco, dois mais três é igual a cinco. Esta descoberta levou centenas de milhares de anos de desenvolvimento humano. Não só dois mais três são cinco, como dois mais quatro são seis, três mais quatro são sete, etc. Muitas experiências humanas foram necessárias para chegar a estas conclusões.

Com esta experiência, a humanidade também descobriu que juntando uma colecção de dois elementos com uma outra de três elementos, obtinha o mesmo resultado que ao juntar por ordem contrária uma colecção de três elementos com uma colecção de dois elementos: nos dois casos obtinha uma colecção de cinco elementos. Na base de muitas experiências semelhantes obteve-se um resultado: descobriu-se – podemos assim dizer – a lei de que dois mais três é sempre igual a três mais dois (na nossa notação simbólica: 2 + 3 = 3 + 2).

Não só com dois e três, mas na base de muitas outras experiências: três mais quatro é também igual a quatro mais três; cinco mais oito é igual a oito mais cinco, etc. Em geral, um número qualquer b mais um número qualquer c, é igual a c mais b (b + c = c + b). A obtenção destas leis, destas regras gerais, representa a acumulação de uma imensa quantidade de experiências humanas com colecções concretas. Assim podemos ver que esta primeira fase do desenvolvimento dos números já reflecte, essencialmente, a sua origem: a ligação com as atividades práticas da humanidade.

Há mais ou menos dez a quinze mil anos deu-se esta grande revolução na história humana, a descoberta da agricultura e da pastorícia, provavelmente relacionada com uma crise na sociedade de caçadores e colectores em algumas regiões do mundo.

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Uma sociedade de caçadores ou colectores é extremamente dependente do meio ambiente. Quando a situação do meio ambiente muda, também as suas condições de vida mudam rapidamente.

Com a descoberta dos novos modos de produção que a agricultura e a pastorícia implicam, surgiram novos problemas à humanidade e estes novos problemas exigiram rapidamente uma extensão muito grande do conceito de número.

Vou dar alguns exemplos para que possamos imaginar a situação. Surgem novos problemas, tais como: “que quantidade de sementes podemos comer e que quantidade temos de semear para podermos comer suficientemente no ano seguinte”. Um conhecimento muito importante a possuir numa sociedade de pastores é saber se estamos a perder animais ou não, se escaparam animais do rebanho. Como responder a problemas de tal tipo?

Quando fazer a sementeira? Em que altura do ano se verifica a cheia de um rio? Surge assim a necessidade de contar quantos dias há no ano e vimos como muitos povos tentaram contar o número de dias num ano. Isto exige que seja possível contar até este número, exige que seja possível contar até este número, exige que o próprio conceito de números se estenda. Isto é o que podemos constatar de facto, que exatamente nesta sociedade, em relação com a nova maneira de produzir se estende rapidamente o conceito de número. Como já expliquei, repetir petcheval-petcheval-petcheval-petcheval .... não facilita a comunicação. Foi necessário inventar novas palavras, melhorar os nomes para os números, estender estes números, sistematizá-los, não só com os nomes para os números, mas também a maneira de comparar com as colecções-padrão: incisões num pau, riscos num pedaço de barro, etc. Quando fazemos estes riscos de uma maneira qualquer

não se tem uma ideia clara da quantidade envolvida. Em determinada altura surge à sociedade a necessidade de sistematizar estas notações.

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A primeira sistematização pode ser a seguinte | | | | | | | | | | | | | |. Na fase seguinte procede-se ao agrupamento em pequenos grupos, por exemplo, grupos de cinco | | | | | | | | | | | | | | |. Depois inicia-se a contagem em grupos de cinco riscos. Neste processo de sistematização surgem também em algumas sociedades os primeiros novos símbolos (desenhos) para exprimir os números. Nos primeiros símbolos que estamos actualmente a usar para os números ainda podemos ver esta base material. Quando temos o número dois indicado deste modo | | e vamos fazer isto rapidamente, quase não podemos levantar a nossa caneta (no quadro, o nosso giz), provavelmente fica uma coisa da seguinte forma:

ou ainda, aumentando a velocidade, obtemos

símbolo este que ainda se usa em países como Egipto. Com o três a mesma coisa:

Quando vamos traçar os riscos horizontalmente em de vez verticalmente, vamos encontrar os nossos símbolos actuais:

2

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Nestes primeiros símbolos ainda podemos verificar a sua base material, a sua origem. E uma vez obtidos os primeiros novos sinais, relacionados com a sua utilização, a cabeça do Homem é conduzida a inventar novos símbolos. Assim podemos imaginar que com os símbolos para o quatro, cinco, etc., já não podemos encontrar uma base material porque a inteligência do Homem já foi libertada. O Homem já viu que, através de símbolos, podia representar os números, podia desenvolver um sistema de números.

Para terminar este trabalho sobre o nascimento do conceito de números podemos tirar algumas conclusões. Porque é que a aritmética, quer dizer, a teoria sobre os números e as suas operações, é tão convincente? Porque dizemos na vida diária:

“isto é tão claro como 1 + 1 = 2”? Isto é tão convincente, tão claro porque nestas regras está

resumida uma experiência imensa da humanidade, está resumida a experiência humana de centenas de milhares de anos. Por essa razão, ela pode ser aplicada em tantas outras situações concretas. Sempre que temos dois objectos de certa natureza com mais três são sempre cinco objectos dessa natureza. Mas ao mesmo tempo é aqui que reside uma certa limitação: o facto de ser tão geral, de ser tão aplicável, tem um risco: pode acontecer que a realidade concreta seja diferente da realidade que é resumida nestas leis. Para dar um exemplo – também para desmistificar este aspecto da matemática –, quando temos um leão com fome junto de um cabrito, não constituem dois animais, pois fica apenas fica um animal. Neste caso concreto temos: “um mais um é igual a um” e não “um mais um igual a dois”. A situação concreta é diferente. A verdade é sempre concreta, nunca abstracta. Outro exemplo: quando várias pessoas estão a trabalhar em conjunto – trabalho colectivo – este pode ser mais produtivo do que a soma dos trabalhos individuais. Então, neste caso temos “um mais um” maior que “dois”. A verdade é sempre concreta, temos de verificar sempre se

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as condições de aplicação dos conhecimentos de uma determinada parte da matemática, neste caso da aritmética, são satisfeitas ou não. 1.2 Geometria

Vamos ver agora rapidamente o nascimento da geometria, quais

são as conclusões que podemos tirar acerca da história deste ramo da matemática e como ter mais conhecimentos sobre a própria matemática como ciência. Também a geometria se desenvolveu nas primeiras sociedades humanas de caçadores e colectores. O nascimento da geometria está relacionado com a observação activa da natureza. Quando um caçador quer obter comida, tem de saber onde se encontram os animais. Então tem que observar e obter certos conhecimentos empíricos do lugar onde há mais possibilidade de encontrar um certo tipo de animais. Necessita também de explicar aos outros elementos do seu grupo onde encontrar animais. Por exemplo, quando encontra animais numa planície, tem que saber como explicar isto aos outros elementos do grupo social. Uma coisa que pode fazer, por exemplo, quando os outros não conhecem ainda esta planície, é compará-la com uma lagoa quando não há vento, ou seja, quando nela melhor se pode pescar. Então, como já vimos na história do desenvolvimento dos números, através de uma comparação é possível explicar-se alguma coisa a uma outra pessoa, facilitando assim a comunicação. Pode dizer-se: “vi estes animais numa região que parece uma lagoa quando não há vento, que parece uma lagoa quando se pode pescar”. E assim, através desta comparação e de outras comparações deste tipo, vai surgindo pouco a pouco a ideia de plano.

Através dos primeiros instrumentos, dos primeiros utensílios, pedras e paus, no processo de aumentar a produção, melhorar a sua caça, o Homem começou a aperfeiçoar esta mesmas pedras, paus, etc. que usava. Começou a aperfeiçoar as pedras para poder cortar os animais mortos. Deste processo de fabricar utensílios, de aperfeiçoar os seus instrumentos, o Homem aprendeu uma coisa muito importante, aprendeu que podemos dar forma a um certo objecto. Um animal não conhece a diferença entre forma e matéria.

No próprio processo de trabalho o Homem descobriu que pode dar forma à matéria e como reflexo dessa prática, na sua cabeça

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desenvolveram-se se ideias de forma e matéria e pôde começar a analisar melhor as formas.

Os primeiros objectos, arco e flecha, a corda para o arco, cestos, esteiras, panelas de barro, etc., em todos estes objectos que começou a fabricar, o Homem sente que pode dar forma à natureza, pode transformar a natureza. Ao mesmo tempo obtém também as primeiras ideias geométricas. Por exemplo, da corda do arco pode surgir a ideia de linha reta. Um fio pode dar esta mesma ideia, uma árvore muito fina também pode dar esta ideia. Na base de comparação, a humanidade inventou palavras para indicar situações concretas, inventou os seus conceitos geométricos. Para dar alguns exemplos, a ideia de circunferência pode surgir em comparação com a lua ou com cestos que se fabricam. Olhando para a borda de um cesto (por exemplo, uma peneira), pode-se obter uma primeira noção de circunferência.

Agora queria dar um exemplo de como e onde nasceu a ideia de ângulo recto, a noção de rectângulo.

Nas primeiras observações da natureza podemos ver que uma árvore pode estar em posição vertical. Por vezes quando uma flecha vai a cair fica numa posição semelhante a uma árvore que está a crescer. Surge a primeira ideia de vertical em relação ao solo, surge uma ideia de ângulo recto.

Consideramos agora a primeira construção de cabanas ou palhotas. Quando pomos uma estaca assim

cai facilmente. Quando pomos a estaca na vertical não cairá tão rapidamente. Então quando se constrói uma casa obtém-se uma ideia melhor do que é a vertical. Ainda não existe uma noção clara do que é o ângulo recto, mas já se está a desenvolver uma certa ideia.

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Agora podemos imaginar a transição para a sociedade agrícola e de pastorícia. E vamos imaginar a situação na antiga Babilónia ou no Egipto no Norte de África, onde se fizeram grandes avanços no desenvolvimento dos conhecimentos geométricos e concretamente no conceito de ângulo recto.

Nas sociedades de classes do Egipto e da Babilónia havia cidades onde moravam as pessoas que viviam do excedente que os camponeses produziam.

Em que condições de habitação viviam as pessoas no campo? Em casas feitas de caniço e madeira e muito junto umas das outras que corriam o risco de incêndios. Como evitar estes incêndios? Torna-se necessário mudar o material. O primeiro material que se começou a usar foram pedras.

Mas nessas sociedades junto dos grandes rios encontra-se pouca pedra para construção. Embora as pedras sejam mais adequadas do que o caniço não é fácil utilizá-las porque têm que ser transportadas de grandes distâncias. Então estimulou-se a invenção de outros métodos de construção. Começou-se a construção com tijolos de barro. Mas que forma a dar a estes tijolos? A primeira tentativa fez-se de forma arbitrária. Desenhemos o que aconteceu:

Quando construímos uma parede e os tijolos têm uma forma qualquer, há muitas desvantagens. Por exemplo, quando há vento, o vento pode entrar em casa, quando há chuva, pode entrar. Esta construção, embora tenha vantagens pois já não há o perigo de incêndio, tem outras desvantagens: pode ser inundada pela água, etc. Então, como resolver esta situação? No próprio processo do trabalho os homens começaram a descobrir que mudando a forma dos tijolos

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podiam obter formas que se adaptassem melhor à satisfação das suas necessidades.

Quando dois tijolos são mais lisos dum lado têm uma superfície de contacto, como nos mostra o desenho.

Onde existe essa superfície de contacto já não entra vento nem água. Verificou-se que as formas lisas mais fáceis de fabricar são as que têm a forma dum plano. Para evitar que os tijolos caíssem estes foram mais ou menos do mesmo tamanho e com faces superior e inferior planas.

Mas quando as faces dos tijolos não são planas, ficamos com o mesmo problema da chuva e do vento. Era necessário alisar todas as faces dos tijolos, por exemplo, da seguinte forma.

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esta forma ainda traz desvantagens por ser difícil construir os cantos da casa e não facilitar a produção em série desses tijolos. Os tijolos que se mostram a seguir são os mais indicados.

Por outras palavras, a ideia de rectângulo e de ângulo recto surgiram no próprio processo de produção. Uma vez descoberta esta ideia de rectângulo, ela pode ser aplicada em muitas circunstâncias. Uma das primeiras aplicações desta ideia é: quando se planifica a construção das casas; quando se quer saber quantos tijolos são necessários para construir uma casa.

Aqui temos uma parte duma parede. Em cada fila podemos contar quantos tijolos são precisos, embora seja necessário dispor os tijolos da forma que se segue, para evitar que a casa caia.

Descobriu-se, no próprio processo de trabalho, que para saber o número de tijolos necessários não é preciso imaginá-los naquela posição. Podemos imaginar que os tijolos são postos do seguinte modo

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para saber o número de tijolos necessários para uma parede, embora na realidade, não se construa uma parede assim porque cairia facilmente. Podemos contar quantos tijolos são necessários para uma fila e repetindo isto para as filas seguintes, obtém-se o mesmo número. Aplicando a operação de multiplicação que já tinha sido descoberta, obtém-se que o número total de tijolos para uma parede é igual ao número de tijolos duma fila vezes o número de filas.

Assim foi descoberta a primeira noção de área e a forma de a calcular. Descobriu-se essa noção na construção de cidades, nas tentativas de determinar o número de tijolos necessários para uma parede, no processo de tentar planificar a construção de casas. Uma vez descoberta esta ideia de área dum rectângulo, esta podia ser levada para o campo. Temos que nos lembrar que estas sociedades são sociedades de classes. Transportava-se esta ideia para o campo, para medir os terrenos, medir as machambas, 2 construir as machambas com formas rectangulares. Além de ter vantagens, por exemplo, para a irrigação também trouxe vantagens para a classe no poder. Quando conhecemos a área da machamba podemos fazer uma estimativa da colheita. Sabendo, mais ou menos, qual será a colheita a classe no poder determina qual o imposto a aplicar aos camponeses. Os camponeses têm, assim, poucas possibilidades de esconder a sua produção quando já está estimada a produção provável que vão obter. Vimos que a ideia de ângulo recto, de rectângulo, nasce do próprio processo de trabalho e é seguida da descoberta de outros conceitos, neste caso, o conceito de área. Uma vez bem conhecidos estes

2 Um terreno agrícola chama-se, em Moçambique, machamba, palavra africana que entrou na língua portuguesa.

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conceitos podem aplicar-se em outras circunstâncias. Eles são sempre aplicados de acordo com os interesses da classe dominante.

Tal como no caso da aritmética, podemos chegar à conclusão de que a geometria nasceu das necessidades práticas. Assim como 1 + 1 = 2 é independente dos objectos concretos, também as leis que a geometria descobriu são independentes dos objectos concretos. Por exemplo, o volume dum cilindro é igual a πr2.h, onde r representa o raio e h a altura. Esta fórmula é independente do material de que é feito o objecto de forma cilíndrica. Não faz diferença se este objecto cilíndrico é feito de vidro, como as lâmpadas desta sala ou de aço, de plástico ou de barro.

O volume de um objecto é determinado pela forma, independentemente do material de que é feito.

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2. DESENVOLVIMENTO POSTERIOR DA MATEMÁTICA COMO CIÊNCIA

2.1 Esquema

Farei agora um breve resumo do posterior desenvolvimento que a ciência matemática teve. Indicarei apenas as linhas gerais.

Em primeiro lugar queria começar por apresentar um esquema geral do desenvolvimento da matemática para melhor percebermos depois os exemplos e as fases concretas.

Esquema 1

Necessidades sociais e econômicas

Nascimento da aritmética e da geometria. Primeiro desenvolvimento da matemática

Vimos como nas primeiras sociedades, a aritmética e a

geometria, nasceram em resposta às necessidades sociais e econômicas. Uma vez criado um certo conjunto de ideias, a humanidade tem a possibilidade de reflectir sobre elas.

No caso dos símbolos 1, 2 e 3, podemos ver claramente a relação directamente com a base material, com outros símbolos isto já não foi necessário, porque a cabeça e a inteligência estavam libertas.

Os primeiros conhecimentos matemáticos em geral são deduzidos, são derivados das necessidades, dos problemas concretos das sociedades. Uma vez obtidos estes conhecimentos, a humanidade pode reflectir sobre eles, ao mesmo tempo que na sociedade surgem novas exigências. A estas exigências podemos chamar os estímulos externos para o desenvolvimento da matemática.

Ao mesmo tempo, reflectindo sobre os conhecimentos matemáticos que já existem, o Homem sente-se estimulado a desenvolver a matemática. A estes estímulos podemos chamar estímulos internos para o desenvolvimento da matemática. Em função destes e dos estímulos externos desenvolve-se a teoria da matemática,

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obtém-se uma nova matemática. Esta nova matemática, por sua vez, pode dar origem a novas aplicações. Mas isto não impede que a antiga matemática ainda seja aplicada.

O Esquema 2 indica esta interligação do desenvolvimento da ciência matemática com o desenvolvimento da sociedade humana. As novas exigências são postas ao desenvolvimento da matemática pela própria realidade.

Esquema 2

Necessidades sociais e econômicas

→ ←

Aplicações

Nascimento da aritmética e da geometria. Primeiro desenvolvimento da matemática

↓ ↓ Mudanças Estímulos internos

↓ ↓

Novas necessidades sociais e econômicas

Novas exigências

→ (estímulos externos)

Desenvolvimento da matemática

← Aplicações

2.2 Resumo

Vou tentar resumir as épocas mais importantes no desenvolvimento da matemática.

A primeira coisa a salientar é que os centros do desenvolvimento da ciência matemática coincidem em cada fase da história com os

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centros da cultura, quer dizer, onde o sistema social-econômico é mais “avançado”, também a matemática se desenvolve mais. Onde as relações de produção são mais “avançadas”, também a matemática avança mais.

Ao indicar as épocas mais importantes na história da matemática e os centros onde ela se desenvolveu, estamos a indicar os lugares onde as forças produtivas estavam mais desenvolvidas. Já indiquei que a matemática nasceu nas sociedades de caçadores e colectores. Desenvolveu-se mais nas primeiras sociedades agrícolas e de pastorícia.

A época do nascimento da matemática terminou com as sociedades agrícolas que se desenvolveram perto dos grandes rios, Nilo, Eufrates no Médio Oriente, Indo na Índia e Huang-Ho na China.

Podemos resumir do seguinte modo os conhecimentos que se desenvolveram.

Já se conheciam bastante bem as quatro operações básicas, já se tinham obtido certos conhecimentos de geometria relacionados com os problemas a resolver, por exemplo, o volume aproximado de um cilindro, o volume do cubo, a área do rectângulo, a área do triângulo, etc. Já se sabia resolver equações simples e, em geral, estas equações estavam relacionadas com os problemas da própria sociedade. Os problemas matemáticos que foram resolvidos há quatro mil anos no Egipto envolviam equações. Para distribuir a comida num templo no Egipto era necessário calcular quanta comida cada um recebia. Naquela sociedade de classes a distribuição era desigual, se fosse igual teria sido mais fácil de calcular. Na realidade um sacerdote obtinha quarenta vezes mais que um simples trabalhador do templo. Surgiram muitos problemas complicados para calcular quanto é que cada um tinha que obter, quantos pãezinhos, quantos jarros de cerveja, etc.

A segunda época importante – são sempre distinções bastante relativas – chama-se a da matemática elementar – naquela altura era matemática superior – elementar na medida em que alguns resultados importantes daquela fase são actualmente ensinados em muitos países no ensino geral.

O início desta época de matemática elementar data mais ou menos do século 6 antes da nossa era e o seu fim, do século 17 d.C.

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Dentro desta época distinguem-se três períodos importantes, de acordo com os lugares onde as culturas humanas estavam relativamente mais “avançadas”.

Em primeiro lugar a sociedade esclavagista na Grécia e em algumas partes do litoral da Itália, da Turquia e do Norte de África. As condições específicas de produção relacionadas também com o comércio e com o transporte pelo mar faziam novas exigências ao desenvolvimento das ideias. Levou ao desenvolvimento da filosofia, biologia, medicina e ao desenvolvimento da matemática. Pela primeira vez na história não se limitou a descobrir e a saber como resolver um problema matemático, mas quis-se saber porque é que a resolução está correcta.

Vou dar um exemplo. Qual é o volume duma pirâmide recta?

Quando a medida da altura é igual à medida dum lado da base, vemos que juntando três destas pirâmides, podemos encher por completo um cubo da mesma altura.

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Logo, o volume duma pirâmide de tal tipo é igual a um terço do volume do cubo correspondente, ou seja, o volume desta pirâmide é igual a um terço da área da base vezes a altura. Foi na prática que se descobriu esta regra. Nas sociedades anteriores pensou-se, na base de algumas experiências deste tipo, que esta regra era verdadeira para qualquer pirâmide. Mas na sociedade grega 3 começou-se a perguntar: porque é que isto é, em geral, verdadeiro. Conseguiu-se demonstrar este teorema geral: o volume duma pirâmide qualquer é igual a um terço da área da base vezes a altura.

Esta transição de só conhecer algumas regras empíricas para saber o porquê destas regras, foi um grande avanço do pensamento humano e foi um grande avanço também do desenvolvimento da matemática. E como resultados mais importantes deste período podemos indicar os seguintes:

A geometria foi muito sistematizada naquela sociedade. Grande parte da geometria que é ensinada hoje em muitos países nas escolas, é a geometria sistematizada daquela época, chamada a geometria euclidiana. Euclides de Alexandria (Egipto) foi uma pessoa que resumiu os resultados obtidos na sua sociedade e os sistematizou.

3 Um grande número dos cientistas que escreviam na língua dominante da altura, a língua grega, eram asiáticos (Ásia Menor, Médio Oriente) ou norte-africanos.

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Além desta sistematização da geometria também foi fundada uma teoria de números e geometricamente foram descobertos os números irracionais.

O período grego durou mais ou menos até ao século 5 d.C. Esta sociedade, por causa das suas contradições internas, entrou

em declínio. Muitos dos seus conhecimentos perderam-se e outros foram transmitidos para outros povos através do comercio.

O centro da cultura mundial deslocou-se, em parte, daquela região para o Oriente, Índia, China e para países onde a língua árabe se tornou dominante. Foi lá que apareceu também um novo sistema social, chamado feudalismo. Com os novos problemas que o feudalismo trouxe à Humanidade foram também desenvolvidos novos aspectos da matemática. Em particular, em relação ao sistema de impostos, pois havia muitas equações que tinham que ser resolvidas.

Na Índia foram feitas grandes descobertas, por exemplo, foram introduzidos os números negativos e os números irracionais. O sistema decimal-posicional foi introduzido. Por exemplo, quando temos o número 103, este 3 que está no fim indica três unidades, mas quando temos 301 o 3 indica três centenas e não três unidades. Quer dizer, o significado de cada símbolo depende da posição do algarismo no número escrito. Isto foi um grande avanço no domínio dos números. Na Ásia Central desenvolveu-se bastante a trigonometria em relação aos problemas da astronomia e foram também descobertas, pela primeira vez na História, as frações decimais.

As condições muito particulares da crise do feudalismo na Europa conduziram a que a matemática renascesse, nos séculos 15 e 16, na Europa (o período do chamado Renascimento). Naquela altura começou-se a introduzir um novo modo de produção, ainda em pequena escala, o modo de produção capitalista, relacionado com a crise do sistema feudal. A burguesia ascendente começou a encontrar novos problemas que, para a sua solução, necessitavam do desenvolvimento da matemática. Na sua luta contra a classe feudal, a burguesia precisava de novos conhecimentos. Naquela época as exigências à matemática eram bastante directas. O nascimento de manufacturas, a extensão do comercio, o aumento de conhecimentos técnicos estimularam muito o desenvolvimento da matemática. O reforço da circulação monetária, isto é, o aumento da utilização do

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dinheiro, pôs novas exigências à contabilidade, e portanto, à matemática. A navegação oceânica pôs novas exigências à trigonometria. Como escolher o caminho no mar, quando não é visível a costa? O desenvolvimento de novas armas exigiu da matemática o estudo das trajetórias dos projécteis. Ao mesmo tempo que a artilharia se desenvolveu, desenvolveu-se também a construção de fortificações para a defesa contra os ataques. Isto pôs muitos novos problemas à matemática. Por exemplo, a planificação das fortificações e o desenho de uma fortificação que se vai construir. O nascimento da chamada geometria descritiva respondeu a estas novas exigências.

A álgebra desenvolveu-se. Como já vimos, no início desta palestra, o uso de palavras tais como petcheval-petcheval para quatro, petcheval-petcheval-petcheval-petcheval para oito não facilita a comunicação. Do mesmo modo, escrever por palavras, por exemplo, “um número ao quadrado é igual a vinte e cinco” não facilita nem a comunicação nem a compreensão. Para superar esta dificuldade foram muitas novas notações tais como +, -, √ e começou-se a usar letras para representar as incógnitas. Estas grandes mudanças nas notações, divulgadas neste período do Renascimento, 4 tiveram grande influência no posterior desenvolvimento da matemática. Neste período do Renascimento, período final da matemática elementar, já se está no início duma nova fase da história mundial em que o novo tipo de sociedade, a sociedade capitalista, se desenvolve. A matemática correspondente é chamada matemática superior. Mas também aqui esta designação é relativa, pois o que neste momento chamamos superior, será daqui a 10 séculos chamado muito elementar. Esta matemática superior, que se desenvolveu a partir do século 17, é também o resultado de novas exigências sociais. Agora essas exigências não são directas. Na época do Renascimento são mais indirectas, são mais através do desenvolvimento das ciências da natureza, em particular nos séculos 17 e18, a partir de problemas da mecânica e da hidráulica. E a mecânica e a hidráulica estão muito relacionadas com novos métodos de produção que se estavam a desenvolver naquela época, como o

4 Hoje sabemos que a elaboração do instrumento de símbolos aritméticos e algébricos teve lugar no Maghreb (Noroeste da África), principalmente a partir do século 12.

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desenvolvimento de manufacturas, as primeiras indústrias, métodos mais mecanizados na produção. A esta matemática superior dos séculos 17 e 18 e início o século 19 chama-se também matemática das grandezas variáveis. Até ao século 17 podemos dizer que a matemática nunca estudou em si o movimento. Quando havia equações a resolver, tratava-se de equações constantes. Uma incógnita era uma constante que tinha que ser calculada. Nos novos problemas da mecânica e hidráulica encontravam-se variáveis concretas, tais como o tempo, a distância, a velocidade, o ângulo de rotação, a aceleração, etc. O estudo destes problemas estimulou a ideia de uma variável matemática.

Pode-se estudar separadamente problemas com variáveis concretas: o tempo, a distância, a velocidade, etc. Mas também se pode estudar os aspectos comuns a estes fenômenos, duma só vez. Isto aumenta a eficácia do nosso trabalho, neste caso, o trabalho intelectual. Neste contexto foi inventado o conceito de função.

Talvez possa dar alguns exemplos para concretizar melhor esta ideia:

Galileu descobriu que quando um corpo cai em queda livre, a

distancia percorrida é igual a uma constante ( g2 ) vezes o quadrado do

tempo (t). Abreviadamente

d = g2 . t2.

Outra lei física que foi descoberta, é que e a energia (E) de um corpo em movimento é igual à metade da sua massa (m) vezes a velocidade (v) ao quadrado. Abreviadamente:

E = m2 . v2.

Estas duas leis formuladas com símbolos, são semelhantes. Elas têm a mesma estrutura: uma variável y depende de uma outra variável x através da fórmula

y = c x2 onde c é uma constante qualquer.

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Agora, em vez de estudar dependências concretas podemos estudar a dependência em geral. O estudo destas dependências em geral chama-se o estudo de funções. Este estudo em geral permite obter certos conhecimentos, que podem ser aplicados não só nos casos concretos donde provêm, mas também noutros casos. Por exemplo, no caso dum fio elétrico, onde o calor gerado (Q) é igual à resistência do fio (R) vezes a intensidade (I) da corrente ao quadrado. Abreviadamente:

Q = R. I2. Mais tarde os conhecimentos obtidos em geral podem ser

aplicados em novas leis que têm a mesma estrutura. No século 17 foi também descoberta que dependências deste tipo

podiam ser desenhadas e representadas geometricamente através de gráficos. Por exemplo,

y = cx2 dá uma figura que geometricamente se chama parábola:

Através do estudo destas funções, obtiveram-se muitos conhecimentos novos acerca das parábolas, que foram aplicadas como nos mostram os seguintes exemplos:

* As antenas paraboloides que são usadas para transmitir as

mensagens telefónicas de Maputo para a Beira têm esta forma. * A trajetória dum projétil é aproximadamente parabólica.

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* O espelho dum farol de carro tem a forma dum paraboloide, para que se possa ver a grandes distâncias.

A interação entre o estudo dos problemas da mecânica e da hidráulica e os estímulos internos – velhos problemas da geometria e da álgebra – levaram a grandes revoluções na matemática. A primeira é a geometria analítica: a interpretação geométrica de equações algébricas e, vice-versa, a interpretação algébrica de desenhos.

Um pouco mais tarde foi descoberto o cálculo diferencial e integral como resposta às exigências postas, por um lado por novos problemas da mecânica e ainda por antigos problemas de geometria da época “grega”.

Com base no cálculo diferencial e integral, a matemática desenvolveu-se muito rapidamente em muitas direcções, de acordo com as exigências que a sociedade capitalista apresentava. Por exemplo, a teoria das séries, a teoria das equações diferenciais, a geometria diferencial, todos os ramos que agora se chamam a análise matemática. Mas esta ciência está ligada à prática. Surgiu de acordo

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com as novas exigências da ciência da natureza e da aplicação das novas ciências, da hidromecânica, da elasticidade, da teoria da acústica, da teoria da eletricidade, da teoria do magnetismo, da teoria da cor, na construção de máquinas, na própria indústria, etc.

Nos fins do século 19 podemos dizer que começa ainda uma nova época na história da matemática, da chamada matemática contemporânea. Reviram-se profundamente os fundamentos desta ciência. Desenvolveu-se a teoria de conjuntos e a lógica matemática, que é uma reflexão, em parte filosófica, sobre a ciência matemática e que tem consequências revolucionárias no século 20, na produção material.

O desenvolvimento das máquinas electrónicas, do ponto de vista matemático, está muito relacionado com o desenvolvimento da lógica e da teoria de conjuntos, no fim do século 19.

A matemática está a sofrer mudanças profundas nos seus ramos básicos.

A geometria euclidiana já não é a única geometria. Foram descobertas geometrias não-euclidianas. Foram descobertas a partir de estímulos internos. A primeira reação da sociedade foi que estas geometrias não tinham sentido, não estavam relacionadas com a realidade, não eram eficazes. Mas verificou-se sessenta anos mais tarde, nos princípios do século 20, que são na realidade teorias muito poderosas para explicar fenómenos da Natureza e obtiveram grandes aplicações, por exemplo na física, na teoria de relatividade de Einstein e na mecânica quântica.

A álgebra também mudou profundamente. Foi descoberta a chamada teoria de grupos, a álgebra linear, ramos também com muita aplicação, por exemplo na física, na cristalografia, na química e aplicações noutros ramos da matemática.

No século 20, a ciência matemática está em pleno movimento. É um século caracterizado pela luta entre o novo sistema social, o sistema socialista, e o antigo sistema de classes, o capitalismo. Podemos ver um grande desenvolvimento da técnica e podemos verificar, pela primeira vez, uma planificação sistematizada da economia nos países socialistas.

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Então, muitas novas exigências são feitas à matemática. Quer na base dos estímulos internos, quer externos, a matemática desenvolveu muitos novos ramos. Só para dar uma pequena ideia, vou dar alguns nomes: a topologia, a lógica matemática, a teoria dos algoritmos, a teoria dos autómatos, a teoria das máquinas matemáticas, a teoria da programação linear, a teoria dos grafos, a teoria das probabilidades, a teoria da estatística, etc. Muitos novos ramos com muitos novos conhecimentos, muitos dos quais já podem ser aplicados.

Nas primeiras sociedades humanas, a matemática nasceu como resposta directa às exigências econômicas, mas, uma vez existente, pôde desenvolver-se, às vezes, de um certo modo, independentemente, por estímulos internos. Isto é a causa fundamental por que certos aspectos da matemática que se desenvolvem num momento só podem ser aplicados muitos anos mais tarde. Já vimos exemplos de tal tipo na história. Isto deu motivo a muitas especulações idealistas. Dizendo que a matemática não tem relação com a realidade. Mas tem relação. Nasceu a partir da realidade, mas uma vez existente, os homens têm a capacidade de reflectir e podem desenvolver novas teorias com muitas aplicações posteriores.

Vou dar um exemplo histórico desta tendência que se verifica no desenvolvimento da matemática. Muitos delegados vieram a Maputo de avião. Qual é um dos papéis da matemática na construção de aviões?

Porque é que a asa deve ter a forma que tem e não outra? A forma óptima para o processo do levantamento do avião está

relacionada com a circulação do ar em torno da asa. O modo como a

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circulação do ar depende da forma da asa é investigada pela física em conjunto com a matemática.

Verificou-se que para obter a forma ideal para que um avião pudesse levantar voo, era preciso aplicar a teoria dos chamados números complexos. Já vimos que os números naturais foram os primeiros números descobertos pela Humanidade. Depois surgiram os números racionais, os números negativos, os números irracionais. Os próprios nomes já indicam que, no início, a Humanidade teve medo de introduzir estes números. O mesmo aconteceu com os números complexos, descobertos no século 16.

Sabemos que não é possível obter um número cujo quadrado seja negativo, no conjunto dos números reais. Nos números complexos existem raízes quadradas de números negativos e verificou-se que a teoria das funções, agora com variáveis constituídas por números complexos, era necessária para descobrir as formas óptimas das asas de um avião. Então esta teoria, embora descoberta há muito mais tempo, só teve esta aplicação importante no século 20.

Igualmente a rádio nunca poderia ter sido inventada se não existissem já os números complexos.

A matemática está em pleno desenvolvimento, está em movimento e, neste momento no mundo, dezenas de milhares de matemáticos estão a trabalhar, em tempo inteiro, na elaboração desta ciência. Há centenas de milhares de professores de matemática, neste momento, no mundo.

Podemos dizer que a matemática é claramente uma arma. Agora o que interessa conhecer é quem vai utilizar essa arma e para quê?

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Paulus  Gerdes

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A Ministra da Educação e Cultura, Graça Machel (à esquerda) presidiu ao seminário, e assistiu à palestra “A ciência matemática”.

À direita, o palestrante Paulus Gerdes. [5 de Maio de 1980]

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3. EXEMPLOS DE APLICAÇÃO

A terceira parte desta palestra é sobre alguns exemplos da aplicação da matemática na produção agrícola e na produção industrial.

Quanto à produção agrícola, no texto de apoio ao 1º Seminário Nacional sobre o Ensino da Matemática refere-se à aplicação da matemática na sementeira e na planificação agrícola.

Um exemplo básico da aplicação da matemática elementar na agricultura é no cálculo da área de uma machamba. Sabemos que para prever a produção de uma machamba, para saber a quantidade de sementes a usar, a quantidade de adubos e da água na rega, é muito importante o conhecimento da área.

Primeiro colocam-se estacas à volta da machamba. Imaginemos linhas retas que ligam estas estacas. Obtemos um polígono que se aproxima do contorno da machamba. Algumas vezes, parte de algumas linhas rectas estão fora do contorno da machamba e, por vezes, estão dentro. Podemos dizer que aproximadamente a área deste polígono será igual à área da machamba. Quanto mais estacas colocarmos, melhor será a aproximação. Escolhamos agora duas estacas, as mais afastadas.

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Paulus  Gerdes

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Liguemos estas duas estacas por uma linha imaginária, como nos mostra a seguinte figura:

Andando ao longo desta linha reta, coloquemos novas estacas nos lugares onde podemos observar as estacas iniciais sob um ângulo recto.

Obtemos assim a divisão do polígono inicial em triângulos e trapézios rectângulos. Falta apenas medir as distâncias entre as estacas.

Então, com as regras básicas do cálculo da área de triângulos, de trapézios, obtemos por soma a área do polígono, ficando a conhecer aproximadamente a área da machamba.

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Vejamos agora alguns exemplos de aplicação na produção industrial.

Porque é que um pacote de leite tem a forma de um tetraedro regular?

Qual é a forma que melhor satisfaz as exigências da própria produção?

Um pacote deve ser feito de modo a poder-se encher facilmente e, por outro lado, deve ser feito de tal modo que a sua construção seja fácil, o seu transporte cômodo e não ocupe muito espaço. Se fizermos, por exemplo, pacotes de forma cilíndrica, fica entre os pacotes muitos espaços vazios. Uma exigência do transporte pode ser em termos de ocupar o mínimo de espaço possível. Porquê esta forma de tetraedro? Já vimos, na parte acerca do nascimento da geometria, donde vem o conceito de rectângulo.

Vamos ver a relação entre um rectângulo e este pacote. À primeira vista pode parecer que não tem nada a ver com um rectângulo, mas veremos que a partir de uma folha de papel com a forma rectangular podemos construir um objecto com a forma duma pirâmide triangular:

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Paulus  Gerdes

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Esta forma só pode ser escolhida quando conhecemos bem as regras sobre área do rectângulo, quando sabemos como calcular a área e o volume de uma pirâmide.

Porquê um tetraedro regular e não uma pirâmide triangular qualquer?

Quando se vê como os pacotes são colocados na caixa, descobre-se que elas ocupam todo o espaço:

Caixa vista de cima

Por esta razão, eles devem ter a forma dum tetraedro cujas faces são triângulos equiláteros. Mais uma vez entra a matemática: quais devem ser as dimensões do rectângulo inicial, de modo a obtermos um tetraedro regular, em vez duma pirâmide triangular qualquer?

Então, do ponto de vista da própria utilização, a escolha desta forma traz vantagens. Os pacotes de leite estão colocados em caixas hexagonais, devido aos conhecimentos obtidos sobre tetraedros em relação a hexágonos.

Quando as caixas estão cheias de pacotes, elas encaixam-se uma na outra, de tal forma que a caixa colocada por cima não fica sobre os pacotes. Quando as caixas estão vazias, elas encaixam-se de forma que a de cima entra dentro da debaixo, ocupando menos espaço. Isto conseguiu-se aplicando os conhecimentos sobre rotações, pois rodando por um ângulo de 60o, obtém-se a colocação mais apropriada.

Porque é que uma porca tem a forma hexagonal? Qual é o papel da matemática na escolha desta forma?

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A chave deve ter bastantes pontos de contacto com a porca, a fim de podermos apertar e desapertar com a chave.

Pela experimentação, surge imediatamente a ideia de que a forma deve ser regular. A circunferência não satisfaz, porque quando se aperta, ela resvala.

Logo, terá que ser polígono regular. Por razões de simetria, os lados da chave devem ser paralelos. Com o triângulo, temos de um lado apenas um ponto de contacto. Logo também irá resvalar. O octógono já se aproxima tanto da circunferência que pode também resvalar. O quadrado só pode ser utilizado quando temos muito espaço para movimentação, porque duma rotação para a outra temos que percorrer um ângulo de 90o.

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Então, com a ajuda da matemática, chegamos à conclusão de que a forma ótima é o hexágono.

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4. ALGUMAS CONCLUSÕES

Terminando, apresento apenas resumidamente algumas conclusões.

Vejamos este instrumento, um martelo. O cabo é feito de madeira, substância extraída da natureza. A cabeça é feita de aço, que é feito de coisas derivadas da natureza, mas transformadas através de um processo de produção material. Neste instrumento estamos a combinar aço e madeira, ambos tirados da natureza, ambos transformados num processo de trabalho, obtendo novas coisas, neste caso um instrumento de trabalho. Este instrumento de trabalho pode ser aplicado em muitas situações, por exemplo, na construção de uma mesa. Mas não podemos aplicar em qualquer situação. Por exemplo, para pintarmos uma casa não vamos usar um martelo.

Um martelo faz parte da técnica. Agora com a matemática podemos constatar o mesmo processo.

A matemática não são martelos, não são coisas materiais, mas sim um conjunto de ideias.

A matéria prima para um martelo é tirada da Natureza. No processo de trabalho, a ideia do rectângulo foi também, como vimos, tirada da Natureza. No próprio processo de trabalho, ao combinar aço e madeira, obtemos um instrumento, um martelo. Do mesmo modo, ao combinar as ideias da matemática umas com as outras, ao transformar essas ideias, obtemos novos instrumentos matemáticos.

Estes instrumentos não são instrumentos materiais, mas são instrumentos de ideias. Estes instrumentos podem ser aplicados mas, da mesma forma que vamos utilizar os mesmos instrumentos matemáticos em todas as situações que podemos encontrar. De cada vez temos que escolher instrumentos que sejam adequados aos problemas a resolver. Pode acontecer que esses instrumentos ainda não existem. Então temos que desenvolver os nossos instrumentos, no nosso caso, instrumentos da matemática.

E assim dizemos que a matemática não é uma técnica de matéria, mas sim uma técnica ideal, isto, técnica de ideias. A técnica material tira matérias primas da natureza, transforma-as e combina-as. A

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matemática, como técnica ideal, tira ideias da natureza, transforma-as e combina-as. A matemática cria instrumentos que se aplicam.

Assim, podemos dizer que a matemática constitui uma arma. Agora, o que nos interessa e isto é uma das tarefas deste Seminário, é que ela seja utilizada na construção do socialismo, tal como diz a palavra de ordem

“Façamos da matemática uma arma construção do socialismo”.

Paulus Gerdes

(Maputo, 5 de Maio de 1980)

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Livros de Paulus Gerdes em Português # Geometria e Cestaria dos Bora na Amazónia Peruana, Centro

Moçambicano de Pesquisa Etnomatemática, Maputo, Moçambique & Lulu, Morrisville NC, EUA, 2013, 176 p. (Edição a cores) * (Prefácio: Dubner Tuesta, Instituto Superior Pedagógico de Loreto, Iquitos, Peru) [Edições anteriores a preto e branco: Geometria dos Trançados Bora na Amazônia Peruana, Livraria da Física, São Paulo, Brasil, 2011, 190 p.; Geometria e Cestaria dos Bora na Amazónia Peruana, Centro Moçambicano de Pesquisa Etnomatemática, Maputo & Lulu, 2007, 176 p.]

# Aventuras no Mundo dos Triângulos, Alcance Editores, Maputo, 2013, 104 p.

(Prefácio: Marcos Cherinda, Universidade Pedagógica, Maputo, Moçambique)

[Edições anteriores: Lulu, 2008 *; Ministério da Educação e Cultura, Maputo, 2005, 114 p.]

# Viver a matemática: Desenhos de Angola, Edições Húmus, Ribeirão, Portugal, 2013, 64 p. (Edição a cores) (Livro infantil)

(Prefácio: Joana Latas, Associação de Professores de Matemática, Lisboa, Portugal) [Edições anteriores: Desenhos de Angola: Viver a matemática, Editorial Diáspora, São Paulo, Brasil, 2010; Desenhos da África, Scipione, São Paulo, Brasil, 1990, 64 p. (Prefácio: Márcio Imenes, São Paulo, Brasil) (Prémio Alba Mahan, 1990, menção honrosa]

* Disponíveis na página: http://www.lulu.com/spotlight/pgerdes

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# Tinhlèlo, Entrecruzando Arte e Matemática: Peneiras Coloridas do Sul de Moçambique, Alcance Editores, Maputo, 2012, 132 p. (Edição a cores) (Prefácio: Aires Ali, Primeiro Ministro de Moçambique)

[Primeira edição: Lulu, 2010, 132 p.] * # Lusona: Recreações Geométricas de África: Problemas e

Soluções, Lulu, 2012, 216 p. (Edição a cores) * (Prefácios: Dirk Huylebrouck, Colégio Sint-Lucas, Bruxelas, Bélgica; Jaime Carvalho e Silva, Universidade de Coimbra, Portugal) [Edições anteriores a preto e branco: Moçambique Editora, Maputo & Texto Editora, Lisboa, 2002, 128 p.; Universidade Pedagógica, Maputo, 1991, 117 p.]

# Otthava: Fazer Cestos e Geometria na Cultura Makhuwa do Nordeste de Moçambique, ISTEG, Boane & Lulu, 2012, 292 p. (Edição a cores) *

(Prefácio: Abdulcarimo Ismael, Universidade Lúrio, Nampula, Moçambique; Posfácio: Mateus Katupha, antigo Ministro da Cultura de Moçambique) [Primeira edição a preto e branco: Universidade Lúrio, Nampula & Lulu, 2007, 292 p.] *

# Geometria Sona de Angola: Matemática duma Tradição Africana, ISTEG, Boane & Lulu, Morrisville NC, 2012, 244 p. (Edição a cores) *

(Prefácio: Arthur B. Powell, Rutgers University, Newark NJ, EUA)

[Edição atualizada a preto e branco: Lulu, 2008, 244 p. *; Primeira edição: Universidade Pedagógica, Maputo, 1993, 199 p.]

# Etnogeometria: Cultura e o Despertar do Pensamento Geométrico, ISTEG, Boane & Lulu, 2012, 230 p. *

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[Edições anteriores: Sobre o despertar do pensamento geométrico, Universidade Federal de Paraná, Curitiba, Brasil, 1992, 105 p.; Cultura e o Despertar do Pensamento Geométrico, Universidade Pedagógica, Maputo, 1992, 146 p.]

(Prefácios: Ubiratan D’Ambrosio, Universidade de Campinas, Brasil; Dirk Struik, Massachusetts Institute of Technology, Cambridge MA, EUA)

# Etnomatemática: Cultura, Matemática, Educação, ISTEG, Boane & Lulu, 2012, 172 p. *

(Prefácio: Ubiratan D’Ambrosio, Universidade de Campinas) [Edição anterior: Universidade Pedagógica, Maputo, 1992, 115 p.]

# Teses de Doutoramento de Moçambicanos ou sobre Moçambique, Academia de Ciências de Moçambique, Maputo, 2011, 177 p. (Edição atualizada)

(Prefácio: Orlando Quilambo, Presidente da Academia de Ciências de Moçambique) [Primeira edição: Ministério da Ciência e Tecnologia, Maputo, 2006, 115 p. (Prefácio: Venâncio Massingue, Ministro da Ciência e Tecnologia de Moçambique)]

# Mundial de Futebol e de Trançados, Lulu, 2011, 76 p. * (Prefácio: Maria do Carmo Domite, Rodrigo Abreu, Eliane dos Santos, Universidade de São Paulo, Brasil) (Livro infantil)

# Mulheres, Cultura e Geometria na África Austral, Centro Moçambicano de Pesquisa Etnomatemática, Maputo & Lulu, 2011, 200 p. *

# Aventuras no Mundo das Matrizes, Lulu, 2011, 258 p. (Prefácio: Sarifa Magide Fagilde, Universidade Pedagógica, Maputo)

# Pitágoras Africano: Um estudo em Cultura e Educação Matemática, Centro Moçambicano de Pesquisa Etnomatemática, Maputo & Lulu, 2011, 118 p. (Edição a cores) *

[Primeira edição a preto e branco: Universidade Pedagógica, Maputo, 1992]

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# Da etnomatemática a arte-design e matrizes cíclicas, Editora Autêntica, Belo Horizonte, Brasil, 2010, 182 p.

(Prefácio: Marcelo Borba, Universidade Estadual de São Paulo, Brasil; Posfácio: Ubiratan D’Ambrosio, Universidade de São Paulo, Brasil)

# Exemplos de aplicações da matemática na agricultura e na veterinária, Lulu, 2008, 72 p. * [Primeira edição:, Universidade Eduardo Mondlane, Maputo, 1982, 64 p.]

# Os manuscritos filosófico-matemáticos de Karl Marx sobre o cálculo diferencial. Uma introdução, Lulu, 2008, 108 p. * [Primeira edição: Karl Marx: Arrancar o véu misterioso à matemática, Universidade Eduardo Mondlane, Maputo, 1983, 112 p.]

# Etnomatemática: Reflexões sobre Matemática e Diversidade Cultural, Edições Húmus, Ribeirão, Portugal, 2007, 281 p.

(Prefácio: Jaime Carvalho e Silva, Universidade de Coimbra, Portugal)

# Sipatsi: Cestaria e Geometria na Cultura Tonga de Inhambane, Moçambique Editora, Maputo & Texto Editora, Lisboa, 2003, 176 p.

(Prefácio: Alcido Nguenha, Ministro da Educação de Moçambique)

# Sipatsi: Tecnologia, Arte e Geometria em Inhambane (coautor Gildo Bulafo), Universidade Pedagógica, Maputo, 1994, 102 p.

# Geometria Sona: Reflexões sobre uma tradição de desenho em povos da África ao Sul do Equador, Universidade Pedagógica, Maputo, 1993/1994, 3 volumes (489 p.)

# Teoremas famosos da Geometria (coautor Marcos Cherinda), Universidade Pedagógica, Maputo, 1992, 120 p.

# Trigonometria, Manual da 11ª classe, Ministério da Educação e Cultura, Maputo, 1981, 105 p.

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# Trigonometria, Manual da 10ª classe, Ministério da Educação e Cultura, Maputo, 1980, 188 p.

Livros de puzzles: # Aprende brincando: Puzzles de bisos e biLLies, Alcance

Editores, Maputo, 2014, 208 p.

# Mais divertimento com puzzles de biLLies, Lulu, 2010, 76 p. *

# Divertimento com puzzles de biLLies, Lulu, 2010, 76 p. *

# Divirta-se com puzzles de biLLies, Lulu, 2010, 250 p. * # Jogo dos bisos. Puzzles e divertimentos, Editora Girafa, Maputo

& Lulu, 2008, 68 p. * # Puzzles e jogos de bitrapézios, Editora Girafa, Maputo & Lulu,

2008, 99 p. * # Jogos e puzzles de meioquadrados, Editora Girafa, Maputo &

Lulu, 2008, 92 p. * # Jogo de bissemis. Mais que cem puzzles, Editora Girafa,

Maputo & Lulu, 2008, 87 p. * # Puzzles de tetrisos e outras aventuras no mundo dos poliisos,

Editora Girafa, Maputo & Lulu, 2008, 188 p. * Livros organizados: # A numeração em Moçambique: Contribuição para uma

reflexão sobre cultura, língua e educação matemática, Centro Moçambicano de Pesquisa Etnomatemática, Maputo & Lulu, 2008, 186 p. * [Primeira edição: Universidade Pedagógica, Maputo, 1993, 159 p.]

# Matemática? Claro!, Manual Experimental da 8ª Classe, Instituto Nacional para o Desenvolvimento da Educação (INDE), Maputo, 1990, 96 p. *

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