coordenaÇÃo do sistema dos juizados especiais …

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COORDENAÇÃO DO SISTEMA DOS JUIZADOS ESPECIAIS PODER JUDICIÁRIO DO ESTADO DA BAHIA GESTÃO 2020/2021 Data de fechamento: 25/11/2020 1ª edição Novembro de 2020

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Page 1: COORDENAÇÃO DO SISTEMA DOS JUIZADOS ESPECIAIS …

COORDENACcedilAtildeO DO SISTEMA DOS JUIZADOS ESPECIAISPODER JUDICIAacuteRIO DO ESTADO DA BAHIA

GESTAtildeO 20202021

Data de fechamento25112020

1ordf ediccedilatildeo Novembro de 2020

Data de fechamento

25112020

COORDENACcedilAtildeO DO SISTEMA DOS JUIZADOS ESPECIAIS

PODER JUDICIAacuteRIO DO ESTADO DA BAHIA

CoordenadoraDra Fabiana Andreacutea de Almeida Oliveira Pellegrino

Assessoria JuriacutedicaCaroline GodeiroEacuterica de Meneses

Maria Joseacute OliveiraNataacutelia Cavalcanti

Paula GargurTatiany Ramalho

Organizaccedilatildeo da publicaccedilatildeoEacuterica de Meneses

Conselho EditorialCristiana Menezes Santos

Fabiana Andreacutea de Almeida Oliveira PellegrinoMoacir Reis Fernandes Filho

Pablo Stolze GaglianoPaulo Roberto Lyrio Pimenta

Roxana Cardoso Brasileiro BorgesJaime Barreiros Neto

Data de fechamento25112020

CoordenadoraDra Fabiana Andreacutea de Almeida Oliveira Pellegrino

Organizaccedilatildeo da publicaccedilatildeoEacuterica de MenesesAssessoria JuriacutedicaCaroline GodeiroEacuterica de MenesesMaria Joseacute OliveiraNataacutelia CavalcantiPaula GargurTatiany Ramalho

Conselho EditorialCristiana Menezes SantosFabiana Andreacutea de Almeida Oliveira PellegrinoMoacir Reis Fernandes FilhoPablo Stolze GaglianoPaulo Roberto Lyrio PimentaRoxana Cardoso Brasileiro BorgesJaime Barreiros Neto

Data de fechamento 25112020

Diagramaccedilatildeo Caetecirc Coelho

ISBN 978-65-89459-01-9

4 Revista Novatio 1ordf ediccedilatildeo ndash 2020

Poder Judiciaacuterio do Estado da Bahia ISBN 978-65-89459-01-9

Sumaacuterio

Prefaacutecio Os Juizados Especiais e o acesso agrave justiccedila 6Fabiana Andreacutea de Almeida Oliveira Pellegrino

Dano moral natildeo eacute soacute sofrimento a crescente superaccedilatildeo do ldquomero aborrecimentordquo 12Marcos Dessaune

Os juizados especiais e sua funccedilatildeo atemporal de acesso amplo agrave justiccedila 15Alexandre ChiniMarcelo Moraes Caetano

A tutela do superendividamento como irradiaccedilatildeo dos direitos fundamentais nas relaccedilotildees de consumo 29Fabiana Andreacutea de Almeida Oliveira Pellegrino

Primeiras linhas quanto ao impacto da Lei Geral de Proteccedilatildeo de Dados na forccedila probante dos documentos eletrocircnicos em processos submetidos aos Juizados Especiais de relaccedilotildees de consumo 51Belmiro Vivaldo Santana FernandesMichelline Soares Bittencourt Trindade Luz

O sistema multiportas como propulsor do acesso agrave Justiccedila no acircmbito do juizado de Fazenda Puacuteblica 68Ana Conceiccedilatildeo Barbuda Sanches Guimaratildees FerreiraAna Baacuterbara Barbuda Ferreira Motta

Contribuiccedilotildees da jurimetria para a administraccedilatildeo da justiccedila 84Caroline Dantas Godeiro de AraujoEacuterica Baptista Vieira de Meneses

O superendividamento tutelado no acircmbito do Sistema dos Juizados Especiais do Tribunal de Justiccedila do Estado da Bahia 98Maria Joseacute Oliveira e Silva

5Revista Novatio 1ordf ediccedilatildeo ndash 2020

Poder Judiciaacuterio do Estado da Bahia ISBN 978-65-89459-01-9

Audiecircncia de conciliaccedilatildeo no acircmbito dos Juizados Especiais da Fazenda Puacuteblica a indispensaacutevel concretizaccedilatildeo do acesso agrave ordem juriacutedica justa 110Maria Joseacute Oliveira e SilvaNataacutelia Cavalcanti de ArauacutejoPaula Gargur Calmon Teixeira da Silva

Desafios agrave aplicaccedilatildeo dos meacutetodos autocompositivos nas demandas de sauacutede suplementar construindo novos caminhos de acesso agrave justiccedila 126Gabriela Silva SadyHenrique Costa PrinchakLucas Macedo Silva

Inovaccedilotildees tecnoloacutegicas no direito uma anaacutelise da (im)possibilidade de citaccedilatildeo por aplicativos de mensagem instantacircnea nos Juizados Especiais Ciacuteveis da Bahia 140Amanda Leite Souza AlvesLucas Duailibe MaiaMariely Lago Vianna Nogueira

Direito fundamental agrave saude e ativismo judicial uma anaacutelise da jurisprudecircncia do Supremo Tribunal Federal 155Ana Conceiccedilatildeo Barbuda Sanches Guimaratildees FerreiraAna Baacuterbara Barbuda Ferreira Motta

A fixaccedilatildeo da competecircncia nas accedilotildees de responsabilidade civil meacutedica em planos de sauacutede de autogestatildeo 171Amanda Leite Souza AlvesAna Paula Cruz de SantanaRodolfo Oliveira Dourado

Nuances da uniformizaccedilatildeo de jurisprudecircncia e advento do IRDR no CPC2015 para suas aplicabilidades nos Juizados Especiais 187Iuri Santos Ferreira da Silva

A melhoria da prestaccedilatildeo jurisdicional a partir do fortalecimento das accedilotildees articuladas com oacutergatildeos de defesa do consumidor em vista da desjudicializaccedilatildeo das demandas 197Filipe de Arauacutejo Vieira

Sumaacuterio

6 Revista Novatio 1ordf ediccedilatildeo ndash 2020

Poder Judiciaacuterio do Estado da Bahia ISBN 978-65-89459-01-9

Prefaacutecio Os Juizados Especiais

e o acesso agrave justiccedila

A importacircncia do Poder Judiciaacuterio e em especial dos Juizados Espe-ciais para o acesso agrave Justiccedila adquire contornos ainda mais fortes em razatildeo da forccedila maior por que passamos tendo em vista toda a desconstruccedilatildeo de pilares convivenciais e as repercussotildees patrimoniais e imateriais na vida das pessoas

Atualmente nos vemos diante do desafio de compreender institutos juriacutedicos numa realidade caleidoscoacutepica pandecircmica e digital marcada pela instabilidade econocircmica fragmentaccedilatildeo de ideias e valores multiplici-dade de fontes juriacutedicas materiais e formais aleacutem de inovaccedilotildees tecnoloacutegi-cas que ressignificam os caminhos processuais

Os dados do relatoacuterio World Economic Outlook do Fundo Monetaacuterio Internacional ndash FMI avalia para 2020 uma recessatildeo global de 49 e no Brasil um recuo do Produto Interno Bruto na ordem de 91

O aumento dos gastos puacuteblicos para conter a pandemia e o afrouxa-mento fiscal foram fatores que naturalmente elevaram a diacutevida brasileira com o FMI para 1023 do PIB em 2020 e embora se projete melhora para o ano de 2021 com recuo da diacutevida para 1006 do PIB fato eacute que vivemos um periacuteodo de incertezas e uma forccedila maior da envergadura do Covid-19 fragiliza qualquer tentativa de futurologia

Na atualidade segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatiacutesti-cas ndash IBGE a taxa de desocupaccedilatildeo no paiacutes aumentou 276 somente nos primeiros quatro meses de pandemia somando mais de 137 milhotildees de desempregados com maior concentraccedilatildeo nas regiotildees norte e nordeste Ademais o consumo das famiacutelias caiu em torno de 125 no segundo trimestre do ano e o aumento do custo de vida impactou diretamente na adimplecircncia dos mais diversos contratos privados

Segundo a recente Pesquisa de Endividamento e Inadimplecircncia do Consumidor ndash PEIC de outubro de 2020 realizada pela Confederaccedilatildeo Na-cional do Comeacutercio de Bens Serviccedilos e Turismo ndash CNC 665 das famiacutelias brasileiras estatildeo endividadas com maior concentraccedilatildeo nos que recebem ateacute 10 salaacuterios miacutenimos Desses 433 estatildeo com diacutevidas atrasadas por periacuteodo superior a 90 dias 231 com comprometimento de mais de 50

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de sua renda mensal e 119 natildeo tem qualquer condiccedilatildeo de quitar as suas diacutevidas O vilatildeo desse endividamento eacute o cartatildeo de creacutedito (785) segui-do pelos carnes (164) financiamento de carro (107) financiamento de casa (99) creacutedito pessoal (86) creacutedito consignado (62)

Nesse cenaacuterio estaacute na ordem do dia a necessidade de diaacutelogos coo-perativos e leais entre os contratantes a necessidade de poliacuteticas puacuteblicas do Poder Executivo que previnam o aumento das causas do desemprego bem assim a urgecircncia de inovaccedilotildees legislativas que disciplinem as confli-tuosidades contemporacircneas e a atuaccedilatildeo firme do Poder Judiciaacuterio para efetivar direitos fundamentais

Eacute nesse cenaacuterio que no ano de 2020 comemoramos os 25 anos da Lei dos Juizados Especiais e 30 anos do Coacutedigo de Defesa do Consumidor leis que guardam relaccedilatildeo histoacuterica com o resgate da democracia solidari-zaccedilatildeo socializaccedilatildeo cidadania e acesso agrave justiccedila e que sendo visionaacuterias destinaram-se a realizar os objetivos fundamentais da nossa naccedilatildeo (art 3ordm da CF)

Tratam-se de duas leis de fundamentalidade constitucional uma principioloacutegica e outra processual desburocratizada de forte oralidade sendo o somatoacuterio de ambas o combustiacutevel e o veiacuteculo para a execuccedilatildeo de uma Poliacutetica Nacional das Relaccedilotildees de consumo (art 5 IV do CDC) e construccedilatildeo de uma sociedade livre justa e solidaacuteria que garanta a prote-ccedilatildeo dos direitos dos consumidores numa sociedade de notoacuteria prevalecircn-cia das forccedilas capitalistas de mercado em detrimento da vulnerabilidade teacutecnica juriacutedica e econocircmica do consumidor

Respeitados os limites de valor da causa mateacuteria sujeita ao procedi-mento especial complexidade bem como pessoas aptas a figurar como parte nas demandas de consumo os nuacutemeros apresentados pelo Conse-lho Nacional de Justiccedila no Relatoacuterio Justiccedila em Nuacutemeros 2020 demons-tram que os Juizados Especiais satildeo as portas escancaradas da Justiccedila para o amplo acesso de todo cidadatildeo que sofra lesatildeo ou ameaccedila a seu direito atraveacutes de um procedimento ceacutelere informal barato que preza sobremo-do pela soluccedilatildeo consensual do conflito

Segundo o Relatoacuterio Justiccedila em Nuacutemeros 2020 susomencionado embora tenhamos cerca de 8 juiacutezes por 100 mil habitantes (1 juiz para cada 12500 habitantes) distribuem-se 14000 novos processos a cada 100 mil habitantes Somente em 2019 foram distribuiacutedos mais de 20 milhotildees de casos novos na justiccedila de primeiro grau sendo os Juizados Estaduais responsaacuteveis por mais de 6 milhotildees trezentos e quarenta e cinco mil sen-

Fabiana Andreacutea de Almeida Oliveira Pellegrino

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Poder Judiciaacuterio do Estado da Bahia ISBN 978-65-89459-01-9

tenccedilas (de um total de 22 milhotildees) portanto quase trinta por cento das sentenccedilas de primeiro grau do pais

Na Bahia foram distribuiacutedos em 2019 481684 processos e julgados mais de 540000 processos Numa deacutecada triplicaram a distribuiccedilatildeo e os julgamentos no sistema dos juizados especiais da Bahia Isso eacute resultado de aspectos positivos e negativos como as facetas de uma mesma moeda

Os positivos relacionam-se com a credibilidade depositada nessa via jurisdicional ceacutelere e efetiva a partir da fluidez da Lei Federal nordm 909995 cujos criteacuterios reitores permitem a desburocratizaccedilatildeo da justiccedila Outros-sim pode-se referir o trabalho incessante de informaccedilatildeo feito pelos oacuter-gatildeos privados e puacuteblicos a exemplo do que fazem os oacutergatildeos encarrega-dos da proteccedilatildeo do consumidor talhando assim um jurisdicionado mais consciente de seus direitos

Os negativos concentram-se nas crescentes lides artificiais na cultura do litiacutegio na fotografia de uma sociedade de consumo em que muitos fornecedores de produtos e serviccedilos relutam a se conduzir segundo os signos da boa-feacute objetiva e funcionalizaccedilatildeo dos contratos

Em relaccedilatildeo agraves demandas de massa vejam que o Coacutedigo de Defesa do Consumidor traz em seu bojo um rico manancial principioloacutegico com destaque para os seus conceitos abertos o que o torna permeaacutevel agraves no-vas conflitualidades (superendividamento os contratos e-commerce os que envolvam as criptomoedas etc) permitindo o pleno acesso agrave decisotildees justas a partir de uma adequada hermenecircutica

Natildeo haacute duacutevida de que a relaccedilatildeo simbioacutetica entre o CDC e a Lei Fede-ral nordm 909995 garante o pleno acesso agrave justiccedila Germinadas a partir dos comandos da Constituiccedilatildeo Federal de 1988 ambas materializam respec-tivamente o direito fundamental agrave defesa do consumidor (art 5ordm inciso XXXII da CF88) e o direito fundamental do acesso agrave justiccedila (art 5ordm inciso XXXV da CF88) entendido como direito agraves iniciativas e decisotildees social-mente justas que atendam ao vetor da funcionalizaccedilatildeo procedimental e efetiva soluccedilatildeo do litiacutegio

Percebemos que para aleacutem de ser uma questatildeo juriacutedico-formal o acesso agrave justiccedila traduz um problema de igualdade como deixa claro o art 10 da Declaraccedilatildeo Universal dos Direitos do Homem integrada ao nosso ordenamento juriacutedico por forccedila do art 52 sect 22 da Constituiccedilatildeo Federal de 1988 ao dispor que ldquoToda pessoa tem direito em plena igualdade a uma audiecircncia justa e puacuteblica por parte de um tribunal independente e imparcial para decidir de seus direitos e deveresrdquo

Prefaacutecio Acesso agrave Justiccedila Poder Judiciaacuterio e Direito do Consumidor

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Poder Judiciaacuterio do Estado da Bahia ISBN 978-65-89459-01-9

Eacute indeleacutevel ser o procedimento permitido pela Lei Federal nordm 909995 o caminho mais eficiente para realizar a tutela dos direitos dos mais vulne-rabilizados equalizando-se a relaccedilatildeo negocial Natildeo eacute por outra razatildeo que a Lei Federal nordm 909995 atende aos questionamentos levantados com a primeira e terceira ondas tratadas por Mauro Cappelletti na pesquisa de-nominada Projeto Florenccedila na deacutecada de 70 dispondo ao cidadatildeo com enfoque na oralidade uma justiccedila desburocratizada raacutepida informal e barata que reconhece na fase conciliatoacuteria o acircmago da sua engrenagem dando contornos proacuteprios agrave noccedilatildeo de sociedade fraterna que preza pela harmonia social e soluccedilatildeo paciacutefica das controveacutersias

Vejam que a histoacuteria dos Juizados Especiais alvorece nos Estados Uni-dos a partir da primeira metade do seacuteculo XX com as denominadas Small Claimrsquos Courts e as Common Manrsquos Court cujo desiderato era justamente solver as questotildees ligadas agrave ampliaccedilatildeo do consumo de massa diante dos modelos tayloriano e fordista de produccedilatildeo

Eacute importante rememorar que agrave eacutepoca da Constituinte a sociedade brasileira estava emersa numa sociedade de consumo forjada ao longo da revoluccedilatildeo industrial sobretudo a partir da irradiaccedilatildeo do modelo de produccedilatildeo em seacuterie e consumo em massa

Jaacute viviacuteamos numa sociedade do desejo da cultura do endividamento de relaccedilotildees liacutequidas de uma moral social centrada na forccedila de consumo de contratos standartizados das chamadas contrataccedilotildees em silecircncio ou sem diaacutelogo das condutas sociais tiacutepicas (uso de tickets de caixas automaacute-ticos senhas recibos etc) de clara desigualdade do consumidor nas rela-ccedilotildees de consumo estimulando a procura da identidade pessoal e social a partir do pertencimento material

As modificaccedilotildees no modo de produccedilatildeo e na relaccedilatildeo entre o capital e o trabalho o redesenho consequente das relaccedilotildees sociais e comerciais no mundo tudo ocorria numa modelagem encadeada em detrimento da qualidade e seguranccedila dos bens e serviccedilos da precisa informaccedilatildeo aos consumidores vinculaccedilatildeo das ofertas com estabelecimento unilateral de claacuteusulas abusivas e leoninas que sobrepujavam os consumidores minguando a falsa ideia de que assegurando-se a liberdade contratual se estaria assegurando a justiccedila contratual

Portanto eacute justamente num ambiente de fortalecimento da cida-dania atendendo igualmente a um comando constitucional que a Lei Federal nordm 909995 surgiu disciplinando o rito dos Juizados Especiais nos Estados para garantir a amplificaccedilatildeo do acesso agrave Justiccedila de todos que

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estivessem com demandas diversas reprimidas e em especial as de con-sumo prestigiando sobremodo uma justiccedila participativa e coexistencial

Desse modo eacute possiacutevel afirmar que os Juizados Especiais represen-tam o revigoramento da legitimaccedilatildeo do Poder Judiciaacuterio perante o povo e do fomento agrave cultura juriacutedica no sentido da composiccedilatildeo amigaacutevel reve-lando-se notaacutevel instrumento de democratizaccedilatildeo de uma Justiccedila simples ceacutelere eficiente e natildeo onerosa afinal esse eacute o compromisso impliacutecito assu-mido pelo Estado quando vedou a autotutela oferecendo em contraparti-da o processo ao cidadatildeo

Eacute importante destacar que a Lei dos Juizados Especiais veio ao encon-tro de uma preocupaccedilatildeo mundial de tornar o Poder Judiciaacuterio acessiacutevel aos menos favorecidos inclusive os estendendo aos lugares onde ocorres-sem os conflitos prestigiando mesmo a ideia de tratamento comunitaacuterio ou de aproximaccedilatildeo do Ente Puacuteblico agrave vida social e ao povo fonte legiacutetima do Poder Democraacutetico permitindo ao cidadatildeo a pratica do proacuteprio direito

Natildeo foi de outra forma a previsatildeo da defesa do consumidor como direito fundamental e o Coacutedigo de Defesa do Consumidor como instru-mento para essa defesa como uma lei imperativa de ordem puacuteblica e in-teresse social que permitiu o intervencionismo estatal nas relaccedilotildees priva-das contratuais no intuito de relativizar ou mesmo controlar a liberdade contratual a partir de novos paradigmas dando sentido ao ideal de uma sociedade justa solidaacuteria e sobretudo igualitaacuteria

E por certo o ecircxito da atuaccedilatildeo estatal nas relaccedilotildees privadas de con-sumo perpassa por vias processuais racionalizadas para a contemporanei-dade como soacutei ser o procedimento dos Juizados Especiais

O proacuteprio Conselho Nacional de Justiccedila reconhecendo o papel pro-tagonista da resoluccedilatildeo alternativa dos conflitos para alcance dos objetivos estrateacutegicos do Poder Judiciaacuterio especialmente a responsabilidade social eficiecircncia operacional e pleno acesso ao Sistema de Justiccedila sedimentou essa diretriz na Resoluccedilatildeo 125 de 2010 revigorada sucessivamente em suas atualizaccedilotildees entre as quais merece destaque a mais recente Resolu-ccedilatildeo 326 de 2020

Isso inclusive vem ao encontro da Agenda 2030 que estabelece como 16ordm objetivo de desenvolvimento sustentaacutevel promover sociedades pacificas e inclusivas para o desenvolvimento sustentaacutevel proporcionar o acesso agrave justiccedila para todos e construir instituiccedilotildees eficazes responsaacuteveis e inclusivas em todos os niacuteveis

Prefaacutecio Acesso agrave Justiccedila Poder Judiciaacuterio e Direito do Consumidor

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Eacute preciso que se intensifique a poliacutetica nacional de soluccedilatildeo paciacutefica dos conflitos sob pena de restar prejudicado o proacuteprio acesso agrave justiccedila O CNJ tem sido incansaacutevel nessa lida o que bem demonstra a recente Resoluccedilatildeo nordm 3262020 na qual foram previstos os preciosos Centros Judi-ciaacuterios de Resoluccedilatildeo de Conflitos Regionais ndash CEJUSCs Regionais

Nessa senda calha ressaltar o projeto piloto de integraccedilatildeo entre os sistemas PJE e a plataforma Consumidorgov desenvolvido pelo Tribunal de Justiccedila do Distrito Federal e Territoacuterios assim como a plataforma Ne-gociaccedilatildeo Virtual no Projudi-BA desenvolvido pelo Poder Judiciaacuterio do Estado da Bahia nos Juizados Especiais vem ao encontro do pleno acesso agrave justiccedila em sua acepccedilatildeo mais consentacircnea com os propoacutesitos de soluccedilatildeo efetiva do conflito destacando-se a fase da conciliaccedilatildeo Do mesmo modo o Nuacutecleo de Prevenccedilatildeo e Tratamento do Superendividamento do Poder Judiciaacuterio da Bahia que se propotildee na esfera extraprocessual a tentar a conciliaccedilatildeo entre os contratantes de modo coletivo para possibilitar reco-meccedilos dignos dos endividados

Desse modo os Juizados Especiais realizam a funccedilatildeo social do pro-cesso datildeo especial valor agraves regras de experiecircncia comum buscam deci-sotildees mais justas e equacircnimes conforme os fins sociais da lei e exigecircncias do bem comum atendendo ao anseio popular de acesso a uma ordem juriacutedica justa

Por todo o escandido exaltemos os Juizados Especiais e continue-mos no empenho efervescente por seu fortalecimento lembrando sempre de Zigmunt Bauman quando disse que nenhuma sociedade que esquece a arte de questionar pode esperar encontrar respostas para os problemas que a afligem

Fabiana Andreacutea de Almeida Oliveira PellegrinoJuiacuteza Coordenadora do Sistema Estadual dos Juizados Especiais

Poder Judiciaacuterio do Estado da Bahia

Fabiana Andreacutea de Almeida Oliveira Pellegrino

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Dano moral natildeo eacute soacute sofrimento a crescente superaccedilatildeo do

ldquomero aborrecimentordquo

Marcos Dessaune1

1 Advogado consultor e palestrante autor da Teoria do Desvio Produtivo do Consumidor e do Coacutedigo de Atendimento ao Consumidor Customer Service Code aleacutem de membro do Instituto Brasilcon e da Comissatildeo Especial de Defesa do Consumidor do CFOAB

Em sua obra ldquoA induacutestria do mero aborrecimentordquo Miguel Barreto (2016) registra que a Emenda Constitucional 45 que foi promulgada em 2004 reformou o Poder Judiciaacuterio e criou o Conselho Nacional de Justiccedila (CNJ) Em 2009 o CNJ implantou metas de produtividade para o Poder Ju-diciaacuterio especialmente para reduzir o acervo de processos existentes bem como para que fossem julgados mais processos do que os distribuiacutedos durante o ano

Barreto acrescenta que objetivando evitar a multiplicaccedilatildeo de proces-sos gerados por condutas repetidamente abusivas de certos fornecedores naquela eacutepoca os tribunais brasileiros criaram uma ldquojurisprudecircncia defen-sivardquo ora para negar indenizaccedilotildees ora para reduzir seu valor de modo a desestimular novas accedilotildees

Nesse contexto surgiu a hoje chamada jurisprudecircncia do ldquomero aborrecimentordquo que pode ser resumida neste julgamento de 2009 do Superior Tribunal de Justiccedila (STJ) no Recurso Especial 844736DF ldquoSoacute deve ser reputado como dano moral a dor vexame sofrimento ou hu-milhaccedilatildeo que fugindo agrave normalidade interfira intensamente no com-portamento psicoloacutegico do indiviacuteduo causando-lhe afliccedilotildees anguacutestia e desequiliacutebrio em seu bem-estar Mero dissabor aborrecimento maacutegoa irritaccedilatildeo ou sensibilidade exacerbada estatildeo fora da oacuterbita do dano mo-ral porquanto tais situaccedilotildees natildeo satildeo intensas e duradouras a ponto de romper o equiliacutebrio psicoloacutegico do indiviacuteduordquo

Tal entendimento reverbera um conceito antigo de ldquodano moralrdquo cujo grande expoente no Brasil eacute o professor Sergio Cavalieri Filho Embora jaacute

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esteja superado pela doutrina contemporacircnea e pelo proacuteprio autor que atualizou seu entendimento tal conceito continuou a ser reproduzido in-discriminadamente no Direito brasileiro Nesse sentido Fernando Noronha (2013) acrescenta inclusive que existe uma ldquotradicional confusatildeordquo entre danos extrapatrimoniais e danos morais presente em praticamente todos os autores reputados como ldquoclaacutessicos nesta mateacuteriardquo

Sendo assim e com base em diversos autores como os proacuteprios Ca-valieri e Noronha passei a sustentar que os danos extrapatrimoniais por serem tradicionalmente chamados de ldquodanos moraisrdquo podem ser classifi-cados em duas espeacutecies dano moral stricto sensu e dano moral lato sensu O primeiro decorre da lesatildeo agrave integridade psicofiacutesica da pessoa ndash cujo re-sultado geralmente satildeo sentimentos negativos como a dor e o sofrimento ndash enquanto o uacuteltimo resulta da lesatildeo a um atributo da personalidade ou da violaccedilatildeo agrave dignidade humana

Apoacutes estudar a problemaacutetica na Teoria aprofundada do Desvio Pro-dutivo do Consumidor (DESSAUNE 2017) cheguei agrave conclusatildeo que o en-tendimento jurisprudencial de que o consumidor ao enfrentar problemas de consumo criados pelos proacuteprios fornecedores sofre ldquomero dissabor ou aborrecimentordquo e natildeo dano moral indenizaacutevel revela um raciociacutenio construiacutedo sobre bases equivocadas que naturalmente conduzem a essa conclusatildeo errocircnea O primeiro equiacutevoco eacute que o conceito de dano moral enfatizaria as consequecircncias emocionais da lesatildeo enquanto ele jaacute evoluiu para centrar-se no bem ou interesse juriacutedico atingido ou seja o objeto do dano moral era a dor o sofrimento a humilhaccedilatildeo o abalo psicofiacutesico e se tornou qualquer atributo da personalidade humana lesado O segundo (equiacutevoco) eacute que nos eventos de desvio produtivo o principal bem ou interesse juriacutedico atingido seria a integridade psicofiacutesica da pessoa consu-midora enquanto na realidade satildeo o seu tempo vital e as suas atividades existenciais ndash como trabalho estudo descanso lazer conviacutevio social e familiar etc O terceiro (equiacutevoco) eacute que esse tempo existencial natildeo seria juridicamente tutelado enquanto na verdade ele se encontra protegido tanto no rol aberto dos direitos da personalidade quanto no acircmbito do direito fundamental agrave vida Por conseguinte o loacutegico eacute concluir que as si-tuaccedilotildees de desvio produtivo do consumidor acarretam no miacutenimo dano moral lato sensu indenizaacutevel

Com a disseminaccedilatildeo da nova Teoria a partir de 2012 os tribunais bra-sileiros paulatinamente passaram a adotaacute-la e a aplicaacute-la assim iniciando um processo de gradual transformaccedilatildeo daquela jurisprudecircncia defensiva

Marcos Dessaune

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que ateacute entatildeo e em grande medida natildeo reconhecia a existecircncia de danos morais em casos em que eles estavam claramente presentes sob o fun-damento de haver ldquomero dissabor ou aborrecimentordquo normal na vida do consumidor

O auge da superaccedilatildeo da jurisprudecircncia em tela ocorreu em dezem-bro de 2018 quando o Oacutergatildeo Especial do Tribunal de Justiccedila do Rio de Janeiro (TJRJ) revogou por unanimidade de votos apoacutes provocaccedilatildeo da Ordem dos Advogados do Brasil ndash Seccedilatildeo do Rio de Janeiro (OABRJ) o Ver-bete Sumular 75 que havia sido criado em 2004 e ficara conhecido como a ldquoSuacutemula do Mero Aborrecimentordquo Tanto o pedido da OABRJ quanto a decisatildeo do TJRJ basearam-se na Teoria do Desvio Produtivo

Em dezembro de 2019 desejando avanccedilar ainda mais na defesa cons-titucionalmente garantida ao vulneraacutevel a OABRJ pediu ao mesmo TJRJ a sumulaccedilatildeo da Teoria do Desvio Produtivo para trazer mais proteccedilatildeo aos consumidores que a despeito de todos os recentes avanccedilos doutrinaacuterios e jurisprudenciais ainda satildeo lesados diariamente num de seus bens mais preciosos o seu tempo vital

Portanto eacute liacutecito concluir que dano moral natildeo eacute soacute sofrimento eacute tam-beacutem lesatildeo ao tempo ndash entre outros bens juridicamente tutelados Afinal o tempo eacute o suporte impliacutecito da vida que dura certo tempo e nele se desenvolve e a vida enquanto direito da personalidade e direito funda-mental eacute constituiacuteda de atividades existenciais que nela se sucedem

Texto publicado originalmente em httpwww5tjbajusbrportaldano-moral-nao-e-so-sofrimento-a-crescente-superacao-do-mero-aborre-cimento em 23102020

Dano moral natildeo eacute soacute sofrimento a crescente superaccedilatildeo do ldquomero aborrecimentordquo

15Revista Novatio 1ordf ediccedilatildeo ndash 2020

Poder Judiciaacuterio do Estado da Bahia ISBN 978-65-89459-01-9

Os juizados especiais e sua funccedilatildeo atemporal de acesso amplo agrave justiccedila

1 Juiz de Direito do Estado do Rio de Janeiro (TJRJ) e Auxiliar da Presidecircncia do Supe-rior Tribunal de Justiccedila (STJ) professor da graduaccedilatildeo e da poacutes-graduaccedilatildeo da Univer-sidade Salgado de Oliveira ndash UNUVERSO membro titular da Academia Fluminense de Letras cadeira 50

2 Professor da Universidade do Estado do Rio de Janeiro ndash UERJ professor poacutes-doutro da Universidade de Copenhague membro titular da Academia Brasileira de Filologia cadeira 38

Alexandre Chini1

Marcelo Moraes Caetano2

Resumo Os Juizados Especiais criados no Brasil a partir da Lei 9099 de 1995 revelaram desde sua implementaccedilatildeo pendor democratizan-te e civilizatoacuterio O acesso direto agrave Justiccedila sem necessidade de inter-mediaccedilatildeo propiciou uma revoluccedilatildeo no campo juriacutedico Essa amplia-ccedilatildeo notoacuteria foi articulada por noacutes neste capiacutetulo com a investigaccedilatildeo que a sociologia e a filosofia fomentam em relaccedilatildeo aos fenocircmenos de massa e seus desdobramentos (ECO 1993) jaacute que os Juizados Espe-ciais por sua iacutendole de acessibilidade abarcam parte muito grande da populaccedilatildeo Ainda contrastamos esse fator com os conceitos an-tropoloacutegicos de ldquonormardquo ldquonormalidaderdquo e ldquonormoserdquo (CREMA LELOUP WEIL 2001 CAETANO 2020) que abrangem o ser humano em seu lado individual psicoloacutegico de sujeito mas tambeacutem em sua face so-cial e coletiva Assim propusemos a explicitaccedilatildeo de algumas ideias de campos do conhecimento como antropologia e sociologia que dialo-guem com a aptidatildeo inclusiva e civilizatoacuteria dos Juizados Especiais o que se confirmou mercecirc dos vinte e cinco anos de seu ecircxito no Brasil

Palavras-chave Juizados Especiais Inclusatildeo Normalidade Norma Normose

1 INTRODUCcedilAtildeO

No ano de 2020 podemos averiguar o ecircxito da implementaccedilatildeo dos Juizados Especiais a partir da Lei Federal nordm 9099 de 26 de setembro de 1995 Os vinte e cinco anos que avultam e sobressaem daquela entatildeo

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promissora proposta de alternativa jurisdicional ora se consagram como verdadeira revoluccedilatildeo no campo juriacutedico brasileiro

Muitos aspectos poderiam ser sintetizados da iniciativa O proacuteprio FONAJE ndash Foacuterum Nacional dos Juizados Especiais ndash denota o entusiasmo perpetuado pelo desenlace beneacutefico da referida Lei de 1995 Sua iacutendole desformalizada sincreacutetica amplamente democraacutetica sumariiacutessima fo-mentadora da mediaccedilatildeo e conciliaccedilatildeo indutora da resoluccedilatildeo paciacutefica dos conflitos tudo isso descongestionou os estoques processuais e como consequecircncia trouxe aliacutevio aos sujeitos cidadatildeos participantes da Justiccedila em seu fundo e forma mais apreciaacuteveis

No que se refere agrave sociologia eacute correto falarmos que o direito quan-do do ecircxito dos Juizados Especiais logrou atingir o que se enlaccedila com as questotildees de cultura de massa

Isso porque os Juizados Especiais revelaram arraigada vocaccedilatildeo para inclusatildeo extensa e intensa da populaccedilatildeo brasileira aumentando de forma estatisticamente comprovada o acesso agrave Justiccedila condiccedilatildeo fundamental para que se possa falar na existecircncia de um Estado Democraacutetico de Direito

Entendemos numa abordagem jusfilosoacutefica e cientiacutefica do direito que os aspectos antropoloacutegicos e discursivos da sociedade propiciam um panorama a um tempo amplo e profundo dentro dos limites compreen-didos pela extensatildeo exiacutegua desta anaacutelise do caraacuteter civilizatoacuterio que a Justiccedila e seus mecanismos e dinacircmicas operam

Assim ombreada agraves questotildees de cultura de massa amparadas por esses Juizados procedemos agrave anaacutelise da antropologia num de seus as-pectos natildeo apenas teoacutericos como tambeacutem praacuteticos ou aplicados todo o arcabouccedilo de que esta ciecircncia humana se vale para construir pontes que perpassem os aspectos inclusivos da sociedade Para tanto eacute mister que nos valhamos da pesquisa sobre itens da pauta como a chamada ldquonorma-lidaderdquo que se espelha na norma juriacutedica o caminhar dessa ldquonormalida-derdquo em direccedilatildeo a seu desgaste presente no quase inexplorado conceito psicossocial de normose (CREMA LELOUP WEIL 2001 CAETANO 2020) e por fim a atualizaccedilatildeo de novas ldquonormalidadesrdquo hauridas da presentifi-caccedilatildeo da vida real cambiante em seu equiliacutebrio dinacircmico o que requer atualizaccedilotildees das proacuteprias normas do direito a fim de que estas abarquem sempre natildeo apenas uma parte (hegemocircnica) da sociedade mas tambeacutem a populaccedilatildeo que doravante sai do campo perifeacuterico de acesso agrave Justiccedila galgando cidadania jurisdicional

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Nossa proposta neste capiacutetulo seraacute a breve apreciaccedilatildeo dos carac-teres de conteuacutedo e expressatildeo discursivos que causam os fenocircmenos sociais dos sujeitos culturais e juriacutedicos que compotildeem o amplo mosaico da Justiccedila Para isso reitere-se nosso ponto de partida seraacute a antropolo-gia a compreensatildeo do supracitado conceito de normose no campo desta ciecircncia humana e a subsequente anaacutelise de algumas consequecircncias do reconhecimento da importacircncia desse conceito no campo social e mais especificamente juriacutedico

Mas tambeacutem nos abrigamos na anaacutelise discursiva de outro meio de inclusatildeo ampla que promana das sociedades a discursividade dialoacutegica em seu estatuto de comunicaccedilatildeo de massa com as dialeacuteticas presentes nessa realidade

Se existe uma ciecircncia que se encampa no rol das ciecircncias complexas eacute a antropologia o estudo do ser humano dos pontos de vista psiacutequico social cultural Buscaremos aqui perquirir as questotildees que dizem respeito agrave inclusatildeo social em seus aspectos antropoloacutegicos Essa nossa investigaccedilatildeo se justifica pelo fato mesmo de haver articulaccedilatildeo notoacuteria da antropologia com o direito Sobretudo quando nos referimos aos Juizados Especiais cuja campanha primeira como salientamos assenta-se sobre a questatildeo de encarar as ferramentas inclusivas necessaacuterias para se dar guarida agrave maior parte possiacutevel da populaccedilatildeo Nesse aspecto salientaremos toacutepicos cultu-rais e discursivos que marcam a inclusatildeo aludida tratando de questotildees especiacuteficas da relaccedilatildeo dialoacutegica da imprensa como argumento de autori-dade com o grande puacuteblico a ser incluiacutedo no saber social

2 NORMALIDADE NORMA E NORMOSE REFLEXOtildeES SOBRE A INCLUSAtildeO E A CULTURA DE MASSA

A relaccedilatildeo entre ser humano e cultura desafia o senso comum em sua ilusatildeo de que o pensamento cartesiano pretensamente contempla as suas sutilezas infinitas O sono dogmaacutetico que Kant (2004) acusou natildeo pode repousar na antropologia e nos seus desdobramentos inevitaacuteveis agravequelas sociedades que se amparam no direito como forma de vivecircncia e convi-vecircncia

Antes de remeter diretamente agrave obra de Umberto Eco um dos pinaacute-culos desta discussatildeo (ECO 1993) cremos ser necessaacuteria uma breviacutessima incursatildeo na origem dos pensamentos que opotildeem a cultura de massa e a autoridade (a norma juriacutedica aplicada pelo juiz) na circunstacircncia da evo-caccedilatildeo do caraacuteter irretorquiacutevel por exemplo do Magister dixit dos escolaacutes-

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ticos em relaccedilatildeo ao grande estagirita (ARISTOacuteTELES 1983) autoridade das autoridades naquele contexto

Essa oposiccedilatildeo como sabemos remonta agraves discussotildees sobre o papel da pessoa enquanto ser criacutetico ou acriacutetico diante da informaccedilatildeo que seu meio de conviacutevio lhe proporciona seja ela denotativa ou conotativa Em outras palavras questiona-se haacute muito tempo nas searas da filosofia em geral e da filosofia da ciecircncia (epistemologia) em particular indo-se agrave praacutetica da filosofia do direito se a informaccedilatildeo que avanccedila sobre a pessoa encontra nesta um ser ativo ou passivo em dialogismo com aquela infor-maccedilatildeo ou como mero receptaacuteculo diante de um monoacutelogo inconteste

Isso estaacute intrinsecamente ligado ao fator de inclusatildeo que a cultura e comunicaccedilatildeo de massa propicia em seu diaacutelogo Falamos aqui das dis-cursividades plurais que emanam de todas as camadas ou ceacutelulas sociais Essa discussatildeo se potencializa quando a democracia clama pela inserccedilatildeo e integraccedilatildeo de todos os sujeitos como alto-falante referencial das massas nunca desvestida de apelo e manifestaccedilatildeo psiacutequica em suas normalidades inerentes a certos espaccedilos e tempos No outro voacutertice da dialeacutetica as insti-tuiccedilotildees democraacuteticas como mass media se valem da voz das autoridades que se representa na norma inclusive a juriacutedica tambeacutem atrelada a um espaccedilo e um tempo especiacuteficos Como essa dualidade dialoacutegica se sinteti-za num ambiente de apreccedilo e zelo agrave democracia criando a inclusatildeo iacutempar de que o instituto dos Juizados Especiais eacute ao mesmo tempo consequecircn-cia e uma das causas fundamentais

Teriacuteamos nesse encontro das vastas camadas da populaccedilatildeo com as vozes de autoridade sob a campacircnula da democracia o que podemos conceber como um gecircnero discursivo derivado ou indireto para citarmos a Teoria dos atos de fala da Pragmaacutetica Ou seja um ato de fala que natildeo deve ser consumido como se se tratasse de um gecircnero direto Natildeo se pode conceber esse fluxo dialoacutegico como se a informaccedilatildeo fosse um ato de fala constativo que pode ser submetido agrave verificabilidade de onde soacute se pode afirmar ldquosimrdquo ou ldquonatildeordquo Num niacutevel de conteuacutedo e expressatildeo trata-se de um enunciado performativo que pretende ldquoto do things with wordsrdquo (AUSTIN 1962) indo aleacutem da mera verificabilidade e atingindo uma accedilatildeo que se pretende alcanccedilar sendo proferido geralmente no plano da ex-pressatildeo em primeira pessoa no presente do indicativo e na voz ativa Essa mudanccedila de perspectiva em que o papel do Juizado eacute ldquofazer coisas com as palavrasrdquo eacute de caraacuteter profundamente cultural e civilizatoacuterio pois a

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autoridade ndash que emana do povo ndash volta-se ao povo num dosificado clima democraacutetico porquanto inclusivo

Natildeo se pode falar de democracia sem se compreenderem os fatores de inclusatildeo autoridade aceitaccedilatildeo diaacutelogo mudanccedila

Toda essa discussatildeo nasceu com a dialeacutetica socraacutetica (ateacute mesmo an-tes dela) levada agrave paacutetina da literatura por seu aluno desobediente Platatildeo Entre o plano das ideias e o plano das coisas em si pairava o fantasma do simulacro Este pode ser muito bem decalcado mutatis mutandis agrave media-ccedilatildeo performativa diante da ideia da autoridade que se expressa

Os grandes personagens de diaacutelogos de Soacutecrates-Platatildeo a esse respei-to satildeo o ldquoProtaacutegorasrdquo e o ldquoGoacutergiasrdquo eacute claro (PLATAtildeO 1997) Sofistas ambas as personalidades (ou autoridades) foram confrontadas com a existecircncia possiacutevel (e provaacutevel em Soacutecrates-Platatildeo) de uma Verdade Aletheia ou Lo-gos Veritas como se conclama no apanaacutegio de Harvard Assim ldquoo homem como medida de todas as coisasrdquo em Protaacutegoras era cruamente contrasta-do com o Logos socraacutetico-platocircnico esmaecendo Goacutergias ao menos era mais franco em sua forma de retoacuterica sofista recusando uma ldquovirtude uni-versalrdquo (Arete em idioma aacutetico) e relativizando-a de acordo com as classes sociais que perfaziam a Poacutelis Eacute nisso que Goacutergias mas natildeo Protaacutegoras se assemelha aos filoacutesofos ciacutenicos como Antiacutestenes e Dioacutegenes

Prosseguindo a triacuteade grega com Soacutecrates e Platatildeo o fundador do Liceu Aristoacuteteles de Estagira jaacute estudava a retoacuterica como forma de obter ldquomeios de provardquo Segundo ele como eacute consabido esses meios se inicia-vam com o Logos (um rastro de verdade) de seu Mestre Platatildeo mas ime-diatamente se desdobravam em Ethos (a adesatildeo a uma forma de discurso relativamente estaacutevel que encampa certo grupo de pessoas ou audiecircncia) e Pathos (a capacidade enunciativa de convencer aquela audiecircncia pre-tendida) Tratamos do assunto em outros artigos e mais detidamente em recente livro nosso (CAETANO CHINI 2020)

Saltando alguns seacuteculos encontramos em Marx (1988) e em sua dialeacutetica a distinccedilatildeo entre a ldquomassa criacuteticardquo e a ldquomassa de mais-valiardquo uma forma importante de relacionar a recepccedilatildeo dos enunciados perpassada pelo modo de produccedilatildeo capitalista Segundo Marx esses dois Ethi recupe-ram sistematizam e repassam a informaccedilatildeo (denotativa ou conotativa) em funccedilatildeo de seu papel socioeconocircmico numa estrutura herdada da Revolu-ccedilatildeo Industrial Inglesa burguesia e proletariado

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Chegamos finalmente aos tipos ldquoapocaliacutepticosrdquo e aos ldquointegradosrdquo que nomeiam a obra de Umberto Eco

Como sabemos o pensador poliacutemata Umberto Eco sistematizou a re-laccedilatildeo entre informaccedilatildeo (cultural ou referencial) e espectador (ECO 1993) indo ao zecircnite da discussatildeo que como mostramos se iniciou antes mes-mo de Soacutecrates e foi explicitamente ancorada com Marx Freud e a Escola de Frankfurt Ou seja toda a discussatildeo entre cultura de massa e cultura aristocraacutetica ou como temos falado aqui cultura criacutetica

O ldquoapocaliacutepticordquo de Umberto Eco como sabemos se metonimiza na figura do ldquosuper-homemrdquo natildeo apenas o de Nietzsche (Uumlbermensch) mas tambeacutem o da DC Comics surgido em 1938 numa revista em quadrinhos para a massa social O super-homem de Nietzsche natildeo se distancia tanto do personagem com muacutesculos de accedilo da induacutestria cultural Surgido em 1881 em Assim falou Zaratustra o pensador persa a quem Nietzsche daacute voz inquire e exorta ldquoEu vos ensino o super-homem O homem eacute algo a ser superado Que fizestes para superaacute-lordquo (NIETZSCHE 1998 p 112)

Num caso e noutro trata-se do protoacutetipo metafoacuterico (na acepccedilatildeo da Linguiacutestica cognitiva) do ser humano que tendo ou natildeo procedecircncia da massa dela se destaca passando a natildeo mais fazer parte de seu suposto rebotalho O super-homem de Nietzsche nasce da massa humano-terraacute-quea despertando do ldquosono dogmaacuteticordquo e da ldquonormoserdquo na sua acepccedilatildeo fundamental e tambeacutem na que proveacutem de parte significativa de nossas investigaccedilotildees sobre o tema mantendo uma normalidadenorma vigente Ao passo que o super-homem da DC Comics jaacute eacute aristocrata de nascenccedila pois veio do fictiacutecio planeta Krypton onde foi chamado como Kal-El O super-homem eacute o apocaliacuteptico a antecacircmara consoladora da nossa possi-bilidade de ascendermos sobre a massa normoacutetica e dotarmos de volume a nossa voz de autoridade Em outros termos eacute tambeacutem a possibilidade de mudanccedila de uma normanormalidade que tenha se tornado normose porque estaacute desgastada

Mas isso pode empurrar-nos a todos ao simulacro dos velhos e bons fundadores da Academia Soacutecrates e Platatildeo

O ldquointegradordquo por seu turno eacute aquela metoniacutemia que demonstra que a massa se posicione antes como espectador que goze da libaccedilatildeo acriacutetica do banquete discursivo

Cabe aqui portanto uma explicitaccedilatildeo do conceito de normalidade desgastada ou normose

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Cabe resumir a normose aqui () como um conjunto de pensamentos e comportamentos que satildeo sistematizados dentro de um consenso e aprovaccedilatildeo social tornando-se a ldquonormardquo o ldquonormalrdquo e a ldquonormalidaderdquo que satildeo ateacute mesmo incentivados dentro desse acircmbito e que no entanto satildeo patogecircnicos isto eacute levam a ldquosofrimentos doenccedilas e mortesrdquo como sintetiza Pierre Weil nesses trecircs substantivos (CAETANO 2020 p 132)

Os teoacutericos da miacutedia ao criarem o conceito de ldquoaldeia globalrdquo tatildeo equivocadamente equiparado por vezes aos conceitos de ldquoglobalizaccedilatildeordquo (o avanccedilo do turbocapitalismo) e o controverso ldquoglobalismordquo notam que agrave teoria da informaccedilatildeo por exemplo com sua ldquoCiberneacuteticardquo (do grego ldquoaquele que pilotardquo) foi acrescido um nuacutemero incalculaacutevel e extremamen-te impreciso de dados sons vozes imagens siacutembolos iacutecones signos Eles postulam que o que as mass media fornecem satildeo sempre dados e nunca informaccedilotildees em outros termos satildeo elementos de enunciado (dados) cuja interpretaccedilatildeo eacute que gera enunciaccedilatildeo (informaccedilatildeo)

Ou seja no meio das normalidades presentes nas sociedades haacute aquelas que satildeo normoacuteticas Isso satildeo dados que devem transformar-se em informaccedilatildeo agrave praacutetica legiferante a fim de que esta mude para atualizar-se a novas normalidades Todo esse movimento se concretiza na norma ju-riacutedica e em diaacutelogo com o povo nos proacuteprios atos democraacuteticos do juiz

Ao utilizar o argumento de autoridade a dialeacutetica democraacutetica natildeo deve apelar ao que supostamente seria um argumento teoloacutegico Afinal os especialistas na condiccedilatildeo prototiacutepica de ldquoapocaliacutepticosrdquo e natildeo de ldquointe-gradosrdquo fornecem a criacutevel ldquoinformaccedilatildeordquo lastreada pelo Magister dixit como vimos No plano da expressatildeo por isso mesmo retornamos isotopicamen-te ao ponto exprimem-se em primeira pessoa no presente do indicativo e na voz ativa com asserccedilotildees que se supotildeem irretorquiacuteveis em toda a sua tessitura devido ao grau de verificabilidade de que se municiam

Eacute necessaacuterio portanto exercer e exercitar o senso criacutetico mais do que em muitos outros casos O especialista fornece dados que satildeo descritivos e portanto dignos de reconhecimento e ateacute reverecircncia

Mas pode-se partir do verificaacutevel e empiacuterico para o especulativo que circunda os meios de massa ndash de mais-valia ou criacutetica Entatildeo numa demo-cracia madura a constituiccedilatildeo de massa criacutetica eacute fundamental para o equi-liacutebrio da balanccedila dialeacutetica de todas as instituiccedilotildees E esta eacute a condiccedilatildeo de existecircncia dos Juizados Especiais uacutenico mecanismo jurisdicional no Brasil em que a pessoa se apresenta diretamente agrave Justiccedila como porta-voz de si

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mesma falando e dizendo com grau distenso de formalidade ao juiz de quem promana o argumento de autoridade acerca de suas necessidades

Eacute interessante a metaacutefora que a obra Sapiens uma breve histoacuteria da humanidade (HARARI 2012) usa para descrever algumas tradiccedilotildees cultu-rais por certo acircngulo Ele as compara a um parasita que se hospeda no corpo da sociedade e vai se expandindo ateacute matar essa sociedade Aiacute a tradiccedilatildeo cultural-parasita morre junto eacute claro

Poreacutem como sabemos uma sociedade soacute se ergue como civilizaccedilatildeo a partir do momento em que compartilha valores o que vem a ser a gecircnese da cultura

O ser humano traz consigo imanentemente um lado individual e outro social (aqui pareado ao conceito de ldquouniversalrdquo) que Hegel sumariza nesta passagem

Na substacircncia universal poreacutem o indiviacuteduo natildeo soacute tem essa forma da subsistecircncia de seu agir em geral mas tambeacutem seu conteuacutedo O que ele faz eacute o gecircnio universal o etos de todos Esse conteuacutedo enquanto se singulariza completamente estaacute em sua efetividade encerrada nos limites do agir de todos O trabalho do indiviacuteduo para prover suas necessidades eacute tanto satisfaccedilatildeo das necessidades alheias quanto das proacuteprias e o indiviacuteduo soacute obteacutem a satisfaccedilatildeo de suas necessidades mediante o trabalho dos outros (HEGEL 1992 p 223)

Portanto vale uma questatildeo aqui tratar-se-ia assim de um paradoxo A mesma cultura (de caraacuteter intrinsecamente coletivo) que eacute condiccedilatildeo de nascimento de uma civilizaccedilatildeo levaraacute ao colapso dessa mesma civilizaccedilatildeo

Isso ocorre quando a tradiccedilatildeo cultural se transforma em normose que causa mais prejuiacutezos do que benefiacutecios por evidenciar-se numa nor-ma obsoleta E essa eacute entatildeo a trajetoacuteria da normose ela eacute uma parasita que sobrevive no corpo de uma sociedade ateacute tornaacute-la excludente no que se chama em direito de ldquoletra mortardquo

Obviamente a normose morre junto com esse dano momentacircneo ao direito e agrave sociedade

O direito possui relaccedilatildeo direta com esses elementos uma vez que deteacutem importantiacutessimo papel de sintetista das normas (fatos) sociais vi-gentes com o fito expresso de transformaacute-las em norma juspositiva isto eacute inserida no corpo do Ordenamento Juriacutedico de um determinado espaccedilo e tempo ndash seja a Constituiccedilatildeo sejam outras leis sentenccedilas peccedilas jurispru-decircncias doutrinas exegeses hermenecircuticas

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Eacute evidente que algumas tradiccedilotildees culturais jaacute natildeo satildeo mais autocircno-mas e legiacutetimas mas sim parasitaacuterias porquanto obsoletas e assentadas numa heteroniacutemia desconcertante e incoerente um impropeacuterio ao estado de direito de qualquer civilizaccedilatildeo coetacircnea Eacute um desses instantes em que o direito e a sociedade entram em descompasso Esse fator necessita de urgentes calibragens sem as quais natildeo se conseguiraacute atingir a inclusatildeo ampla de acesso agrave Justiccedila que os Juizados Especiais ampliaram ainda mais como temos dito

Ou seja certas normas de berccedilo cultural tornam-se exatamente o oposto do conceito etnoloacutegico e antropoloacutegico mais digno de cultura numa prova de que a distinccedilatildeo da polissemia que esse conceito encerra pode ser a chave para a compreensatildeo do paradoxo Em outras palavras quando uma tradiccedilatildeo cultural normoacutetica comeccedila a fazer naufragar uma ci-vilizaccedilatildeo eacute exatamente a cultura em seu estado vivente e puro que permi-te que essa mesma civilizaccedilatildeo se salve do naufraacutegio seja pela reinvenccedilatildeo de si mesma seja pelos novos caminhos encontrados no esteio da sua cul-tura mais perene pois eacute daiacute que se averiguaratildeo os costumes que serviratildeo de base agrave legislaccedilatildeo do futuro muitas vezes urgente no proacuteprio presente

Entatildeo retomamos isotopicamente a questatildeo todas as tradiccedilotildees cul-turais satildeo verdadeiramente tradiccedilotildees culturais que devem irrefletidamen-te ser deixadas de lado sem questionamento

O fato eacute que muitas vezes se trata de tradiccedilotildees culturais que natildeo re-pentinamente mas aos poucos transformaram-se em imensas normoses ldquoNormaisrdquo desgastados e patogecircnicos

E seu destino como comprova a antropologia (mais ateacute do que a histoacuteria) eacute o naufraacutegio

Esse naufraacutegio leva consigo a civilizaccedilatildeo que navegava nesse navio E outra civilizaccedilatildeo nasce agraves vezes dos escombros da civilizaccedilatildeo naufragada A cultura faz naufragar e a cultura faz renascer

Como na dialeacutetica hegeliana as sociedades se sustentam sobre pila-res de conservaccedilatildeo (tese) e inovaccedilatildeo (antiacutetese) e da fricccedilatildeo entre uma e outra nasce uma siacutentese que desmorona o que jaacute natildeo possui razatildeo para prosseguir tanto no seu lado conservativo quanto nas falaciosas inova-ccedilotildees que porventura natildeo passem de meros modismos invencionices ou novidades para serem consumidos e descartados A siacutentese eacute o julgamen-to do que haacute de justo na conservaccedilatildeo e o que haacute de justo na inovaccedilatildeo Satildeo forccedilas que os filoacutelogos clamaram agrave fiacutesica newtoniana para criar a metaacutefora

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socioloacutegica de forccedila centriacutepeta (conservaccedilatildeo) e forccedila centriacutefuga (inova-ccedilatildeo) Eacute uma mecacircnica social infraqueaacutevel

O berccedilo de uma civilizaccedilatildeo se daacute com a coerecircncia eacutetica e esteacutetica que a cultura propicia E essa cultura (ou parte dela) tende a se enregelar e transformar-se em tradiccedilatildeo cultural E quando essa tradiccedilatildeo cultural se calcifica torna-se uma normose que aponta a tumba da mesma socieda-de que nasceu daquela eacutetica e esteacutetica A partir daiacute eacute questatildeo de crono-metrar o seu decliacutenio

O direito entra nessa equaccedilatildeo A frase do jurista uruguaio Eduardo Couture eacute francamente lembrada ldquoTeu dever eacute lutar pelo Direito mas no dia em que encontrares em conflito o direito e a justiccedila luta pela justiccedilardquo Isso porque a ldquonormalidaderdquo desgastada que eacute intriacutenseca agrave normose natildeo pode mais ser normatizada a partir do momento em que se constata a obsolescecircncia de antigos ldquonormaisrdquo (COUTURE 1979 p 11)

O direito assim eacute dinacircmico pelo fato de que persegue a Justiccedila Como um nauta que navega guiado pelas constelaccedilotildees que permitiria que se repetisse a frase de Leonardo da Vinci ldquoNatildeo haacute como voltar atraacutes quando a meta satildeo as estrelasrdquo

A claacutessica obra Decliacutenio e Queda do Impeacuterio Romano (GIBBON 1989) tornou-se tatildeo icocircnica justamente por ter sido provavelmente a primeira que com outras palavras apontou que o Impeacuterio Romano se esfacelou por causa da sua entatildeo normose guerreira beligerante expansionista E prefaciando paacuteginas de horror da nossa histoacuteria recente o autor aponta a existecircncia de antissemitismo dentro da sociedade romana claacutessica o que se figurou terrivelmente ainda no traacutegico episoacutedio de shoah do holocausto judaico em pleno seacuteculo XX Tudo isso jaacute se tornara agrave eacutepoca do Senado de Roma um erro eacutetico e esteacutetico tiacutepico das normoses O decliacutenio foi apenas questatildeo de tempo Um poderoso impeacuterio de mais de mil anos se desman-telou como uma torre de areia

Em grande parte do mundo de hoje sobretudo na camada ocidental ou seja a porccedilatildeo da civilizaccedilatildeo humana moderna que vive sob o zecircnite do direito vemos que mesmo os temas humanistas antes considerados com-plexos e ateacute muito controversos tecircm granjeado um lugar ao Sol da Justiccedila As normoses estatildeo mais evidentes o que tem tornado a tarefa de aplicar o direito cada vez mais dinacircmica

Mesmo quando atuais normalidades natildeo satildeo ainda aceitas em deter-minadas comunidades o que observamos eacute que o nuacutemero da natildeo aceita-

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ccedilatildeo se daacute por uma margem miacutenima extremamente estreita e acirrada natildeo mais no que antes se daria por ampla e confortaacutevel extirpaccedilatildeo sumaacuteria Trata-se da explicitaccedilatildeo de que a normose jaacute foi detectada Agora eacute ques-tatildeo de tempo para que ela saia de campo fazendo histoacuteria e marcando o direito com letras novas

Natildeo eacute mais com tanto espaccedilo e folga de denegaccedilatildeo que temas antes altamente polecircmicos satildeo olhados cara a cara O divoacutercio com possibilida-de de novo casamento o voto feminino a eacutetica com os chamados animais irracionais a defesa de grupos que satildeo colocados em guetos como os idosos os negros os homossexuais a inclusatildeo anticapacitista e muitos outros pontos satildeo conquistas recentes da histoacuteria humana que natildeo se consumaram de forma unacircnime mas efetivamente se consumaram

O que antes levava a milhares de anos de interminaacutevel cacofonia de vozes estridentes como ferroadas salivando tinta e oacutedio no nascer de um Sol aparentemente de forma repentina (sem que o seja na verdade) mostra que mesmo um noacute cego se desfaz e (com a licenccedila do trocadilho) precisa enxergar a vida como ela eacute

A Justiccedila afinal de contas eacute um sentimento uma sensaccedilatildeo uma in-tuiccedilatildeo um raciociacutenio perpassando as quatro funccedilotildees psiacutequicas de Jung (1971) E na raiz dos fatos sociais quem dilapida uma normose mesmo que milenar eacute o sentido da Justiccedila que perpassa todo o psiquismo de um indiviacuteduo e indo aleacutem dele de uma sociedade

Eacute a velha metaacutefora da sabedoria dos anciatildeos do deserto que obser-vam que os catildees latem mas a caravana passa Eacute essa margem cada vez mais estreita e quase insustentaacutevel que deixa aflorar a raiz da normose que jaacute se descortinou e que jaacute daacute sinais da sua proacutepria morte enquanto parasita e da morte do corpo social que a alimenta que muito tenazmen-te renasce do aprendizado do reconhecimento dessas antigas normalida-des desgastadas

Costumamos dizer que a vida segundo a antropologia eacute comparaacutevel ao Bolero de Ravel uma melodia simples e linear com um toque de tam-bor (mais especificamente a caixa clara) em ritmo marcial impassiacutevel apa-rentemente daacute voltas sem sair do lugar mas sem que se perceba muito claramente o que acontece eacute uma evoluccedilatildeo sistemaacutetica que eleva a linha meloacutedica somando-se-lhe outras vozes que datildeo timbres e cores novas agravequela primeira melodia E essa melodia que parece estaacutetica e imutaacutevel nos conduz a um caleidoscoacutepio de prismas numa pletora de cores que cria uma paleta de tons e semitons que no fim envolvem tudo e todos

Os juizados especiais e sua funccedilatildeo atemporal de acesso amplo agrave justiccedila

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sem deixar ningueacutem injustamente no gueto incluindo-os na grande me-lodia humana Assim eacute o compasso da harmonia da Justiccedila

Entatildeo quando a tradiccedilatildeo cultural se torna normose essa parasita mata de inaniccedilatildeo o organismo social que a nutria O direito precisa estar atento a isso na medida em que eacute vocacionado agrave inclusatildeo cada vez mais ampla de pessoas agraves suas ferramentas de Justiccedila

E queiramos ou natildeo um novo corpo societaacuterio civilizatoacuterio surge e necessita da cultura em sua base para ter coesatildeo a qual se transformaraacute em tradiccedilatildeo cultural que tende a se transformar em normose e no fim da linha em parasita O direito estaacute sempre muito ativo nessa mudanccedila in-conteste Mesmo que isso aconteccedila no passar das geraccedilotildees humanas pois agraves vezes uma uacutenica geraccedilatildeo natildeo estaraacute pronta para enfrentar e derrubar esses paradigmas por mais insustentaacuteveis que eles sejam

Natildeo eacute sem beleza poeacutetica que noacutes os epistemoacutelogos soemos dizer que de berccedilo em berccedilo e de tuacutemulo em tuacutemulo as sociedades tal qual os idiomas e o direito com seu Ordenamento Juriacutedico que as sustentam vatildeo se transformando para adequarem-se agrave realidade natildeo agrave abstraccedilatildeo da obsoleta ldquoletra mortardquo ineficaz e ineficiente

No famoso binocircmio epistemoloacutegico dizemos que agraves ciecircncias natu-rais cabe o erklaumlren (explicar) ao passo que agraves ciecircncias humanas cabe o verstehen (compreender) A congregaccedilatildeo das ciecircncias constitui portanto a equanimidade que viceja do sentimento de Justiccedila

Eacute com a uniatildeo das ciecircncias tanto as naturais quanto as humanas que se nota que o meacutetodo cientiacutefico eacute sobreposto na triacuteade pesquisa-teo-ria-teste E que portanto as sociedades suas tradiccedilotildees culturais e suas normoses satildeo tanto explicaacuteveis quanto compreensiacuteveis Eacute nesse aspecto inerente agrave ciecircncia e agrave epistemologia que o direito pode perfeitamente ser concebido como uma ciecircncia

Suas hipoacuteteses satildeo endossaacuteveis quando suas teorias passaram por testes que as comprovaram ou se mostraram natildeo refutaacuteveis E isso se daacute quando haacute adequaccedilatildeo de normas a normalidades reais concretas efica-zes inclusivas democraacuteticas civilizatoacuterias Essa eacute a contribuiccedilatildeo da epis-temologia agrave explicaccedilatildeo e compreensatildeo da sociedade como elemento das ciecircncias naturais mas tambeacutem cultural e civilizacional elemento das ciecircn-cias humanas A ciecircncia do direito eacute arquitetada portanto sobre o mesmo arcabouccedilo das suas ciecircncias pares e possui como fiel da balanccedila a obser-

Alexandre Chini bull Marcelo Moraes Caetano

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vaccedilatildeo arguta de normoses que podem criar normas infeacuterteis e infrutiacuteferas socialmente

3 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS

A antropologia mostra que o naufraacutegio em um ideal ou normalidade obsoleta embora decirc a alguns a ilusatildeo da chegada nada mais eacute do que um naufraacutegio Se natildeo observarmos os sinais de submersatildeo de certas tradiccedilotildees culturais que natildeo mais se legitimam caso das normoses permitiremos que a sociedade como um todo aderne junto porque haveraacute um peso excessivo de pessoas e direitos excluiacutedos Eacute preciso estender-lhes o navio de um direito que conduza ao continente da Justiccedila A passagem de uma normalidade social refletida na norma juriacutedica agrave normose ou normalida-de desgastada deve ser frequentemente averiguada para que o direito e a Justiccedila estejam sempre em sincronia

Nesse aspecto o papel consolidado dos Juizados Especiais tem-se mostrado cada vez mais realista fundamental e podemos dizer humanis-ta Ao permitir o acesso direto do cidadatildeo agrave Justiccedila os Juizados Especiais tecircm cumprido com justificada celebraccedilatildeo sua vocaccedilatildeo dialoacutegica inclusiva democraacutetica cultural e civilizatoacuteria expandindo seu valor antropoloacutegico e social agravequelas pessoas que antes viam toldado o direito de amplo acesso agrave Justiccedila A exclusatildeo desse acesso eacute evidentemente uma normose a ser constantemente enfrentada

REFEREcircNCIASARISTOacuteTELES Toacutepicos Dos argumentos sofiacutesticos Traduccedilatildeo de Leonel Vallandro e Gerd

Bornheim 2ordf Ed Satildeo Paulo Abril Cultural 1983 197 p

AUSTIN J L How to do things withg words Oxford Oxford University Press 1962 712 p

CAETANO MM CHINI A Argumentaccedilatildeo juriacutedica indo aleacutem das palavras Brasiacutelia Edi-tora OAB Nacional 2020 145 p

CAETANO MM Em busca do novo normal reflexotildees sobre a normose em um mundo diferente Rio de Janeiro Jaguatirica 2020 181 p

COUTURE E Os mandamentos do advogado 3ordf Ed Traduccedilatildeo Ovidio A Baptista da Silva e Carlos Otaacutevio Athayde Porto Alegre Editora SAFE 1979 78 p

CREMA R LELOUP JY WEIL P Normose a patologia da normalidade Petroacutepolis Vozes 2011 312 p

ECO U Apocaliacutepticos e integrados Traduccedilatildeo Peacuterola de Carvalho 5ordf ed Satildeo Paulo Pers-pectiva 1993 386 p

Os juizados especiais e sua funccedilatildeo atemporal de acesso amplo agrave justiccedila

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GIBBON E Decliacutenio e queda do Impeacuterio Romano Traduccedilatildeo Joseacute Paulo Paes Satildeo Paulo Companhia da Letras Ciacuterculo do Livro 1989 521 p

HARARI YN Sapiens ndash Uma Breve Histoacuteria da Humanidade Traduccedilatildeo Janaiacutena Marcoan-tonio Porto Alegre LampPM 538 p

HEGEL Fenomenologia do espiacuterito Traduccedilatildeo Paulo Meneses 2ordf Ed Rio de Janeiro Vo-zes 1972 271 p

JUNG CG Tipos Psicoloacutegicos Traduccedilatildeo Aacutelvaro Cabral Rio de Janeiro Editora Vozes 1971 616 p

KANT I Kritik der reinen Vernunft 2ordf Ed Berlin Project Guttemberg 2004 181 p

MARX Karl O Capital Vol 2 Traduccedilatildeo Ricardo Musse 3ordf ed Satildeo Paulo Nova Cultural 1988 420 p

NIETZSCHE F Assim falou Zaratustra um livro para todos e para ningueacutem Trad Mario da Silva Rio de Janeiro Bertrand Brasil 1998 240 p

PLATAtildeO Goacutergias Traduccedilatildeo de Manoel de Oliveira Pulqueacuterio Lisboa Ediccedilotildees 70 1997 580 p

Alexandre Chini bull Marcelo Moraes Caetano

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A tutela do superendividamento como irradiaccedilatildeo dos direitos

fundamentais nas relaccedilotildees de consumo

1 Mestre em Direito Puacuteblico pela Universidade Federal da Bahia Juiacuteza Coordenadora do Sistema Estadual dos Juizados Especiais do Tribunal de Justiccedila do Estado da Bahia Magistrada titular da 19ordf Vara do Sistema dos Juizados Especiais do Consu-midor do Poder Judiciaacuterio do Estado da Bahia Poacutes-graduada em Direito Justiccedila e Cidadania pela Faculdade Mauriacutecio de Nassau Poacutes-graduada em Direito e Estado pela Faculdade Baiana de Direito Poacutes-graduada em Direito Civil e Processo Civil pela Universidade Estaacutecio de Saacute Integrante do Instituto Brasileiro de Poliacutetica e Direito do Consumidor ndash BRASILCON Integrante do Foacuterum Nacional de Juizados Especiais ndash FONAJE

Fabiana Andreacutea de Almeida Oliveira Pellegrino1

Resumo No modelo de consumo atual o creacutedito vulgarizou-se na generalidade das economias de mercado na medida em que a ur-gecircncia do ter e a descartabilidade dos produtos e serviccedilos fez do creacutedito a porta de acesso dos consumidores ao locus da visibilidade social Entretanto os contratos de creacutedito habitualmente se materia-lizam com abusividade diversas em descompasso portanto com o respeito agrave dignidade da pessoa humana que passa a ser encartada como um potencial de compra um ldquoproduto de vitrinerdquo Nesse con-texto com o propoacutesito de possibilitar o direito de recomeccedilo ao deve-dor de boa-feacute superendividado faz-se urgente a adoccedilatildeo de medidas eneacutergicas de educaccedilatildeo financeira e consumo sustentaacutevel bem assim intervenccedilotildees estatais que possibilitem a adequaccedilatildeo das contrataccedilotildees agrave funcionalizaccedilatildeo imposta por matrizes constitucionais A disciplina da concessatildeo responsaacutevel do creacutedito e a proposta de prevenccedilatildeo e tratamento do fenocircmeno do superendividamento vem ao encontro de um paradigma eacutetico e solidarista verdadeiro valor chave para a compreensatildeo da racionalidade hermenecircutica das relaccedilotildees privadas de consumo entendidas como ponto de encontro de direitos funda-mentais

Palavras-chave Consumo contrato creacutedito direitos fundamentais funcionalizaccedilatildeo superendividamento prevenccedilatildeo tratamento

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1 INTRODUCcedilAtildeOA ideologia do consumismo e a sua engrenagem de artificialidades

propondo que a moral da sociedade estaacute na forccedila do consumo conduzem intencionalmente ao sentimento de vazio para que os sujeitos estejam permanentemente em busca do seu preenchimento atraveacutes de movimen-tos inorgacircnicos e crescentes de consumo natural comando ditatorial da ordem produtiva

Nesse cenaacuterio os detentores do poder econocircmico alimentam a maacute-quina do consumo abundante atraveacutes de publicidades poliacuteticas de marke-ting inclusive com uso da neurociecircncia (marketing invisiacutevel) e sociologia do consumo para captar o perfil do consumidor e fomentar o consumo simplesmente por uma voracidade capitalista de lucro sem o compromis-so eacutetico e social indispensaacutevel agrave uma comuna civilizada

Percebe-se que desde o primeiro contato social durante a execuccedilatildeo contratual e ainda no periacuteodo poacutes-contratual em regra as partes hipersu-ficientes teacutecnica juriacutedica faacutetica e economicamente resistem a se conduzir conforme o signo da solidariedade social e da boa-feacute contratual exercitan-do posiccedilotildees juriacutedicas de forma abusiva e praticamente estigmatizando diversos contratos de adesatildeo com claacuteusulas inadequadas que aviltam o verdadeiro sentido da autonomia privada e do equiliacutebrio contratual

Em contrapartida as partes vulneraacuteveis se curvam a uma espeacutecie de cidadania do consumo construiacuteda pela ordem produtiva levado-as a introjetar a ideacuteia de natildeo existir outra forma de alcanccedilar o bem-estar ou a auto estima a natildeo ser pelo desfrute dos produtos e serviccedilos que os faccedilam parecer ser melhores lhes concedam a distinccedilatildeo social

Desse modo a conduta contratual e social dos fornecedores de bens e serviccedilos especialmente em relaccedilatildeo aos serviccedilos financeiros acabam por traduzir em regra um claro desencontro com o vetor comportamental impresso no corpo da Constituiccedilatildeo Federal de 1988 sobretudo quando encartados os pesados encargos contratuais a captaccedilatildeo imprudente da clientela em geral enfim procederes que jaacute natildeo encontram assento em tempos de poacutes-miopia individualista

Dos excessos comportamentais (de consumo e oferta) resulta o su-perendividamento a denotar a impossibilidade global do devedor pes-soa fiacutesica consumidor leigo e de boa-feacute de pagar todas as suas diacutevidas atuais e futuras de consumo (ressalvadas as fiscais oriundas de delito e alimentos) em um tempo razoaacutevel com sua capacidade atual de rendas e patrimocircnio

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Nesses moldes o superendividamento reclama medidas eneacutergicas de educaccedilatildeo financeira e ao consumo sustentaacutevel que colimem prevenir o fenocircmeno assim como medidas que busquem o tratamento do fenocircme-no atraveacutes da intervenccedilatildeo estatal sempre com o propoacutesito de possibilitar o direito de recomeccedilo ao devedor de boa-feacute

A adoccedilatildeo de um sistema formal de falecircncia do consumidor pessoa fiacutesica fulcrado na educaccedilatildeo financeira e ambiental na limitaccedilatildeo da auto-nomia privada que conduza ao abuso de posiccedilotildees juriacutedica no incentivo agraves repactuaccedilotildees que possibilitem a quitaccedilatildeo das dividas com o resguardo da dignidade da pessoa humana e o miacutenimo existencial insere-se numa li-nha humanista e inclusiva sendo sua tutela essencial ao desenvolvimento sustentaacutevel da proacutepria economia e agrave proteccedilatildeo do consumidor que con-sequentemente teraacute uma oportunidade de reescrever sua histoacuteria sem o estigma da falha pessoal

Nesse encerro de ideacuteias o presente artigo se propotildee a destacar a importacircncia do sistema formal de tratamento do superendividamento do consumidor como forma de realizar o direito fundamental de proteccedilatildeo do consumidor alcanccedilar o desenvolvimento sustentaacutevel uma sociedade justa e solidaacuteria a reduccedilatildeo das desigualdades e a promoccedilatildeo do bem estar de todos como objetivos fundamentais da Republica Federativa do Brasil contribuindo por conseguinte com a formalizaccedilatildeo de um modelo de comportamento social mais autecircntico

2 RESSIGNIFICACcedilAtildeO FUNCIONAL DAS RELACcedilOtildeES PRIVA-DAS CONTRATO COMO PONTO DE ENCONTRO DE DIREI-TOS FUNDAMENTAIS

No encerro do discurso liberal o juiacutezo de valor sobre as obrigaccedilotildees e portanto o contrato era essencialmente estrutural perquirindo-se numa visatildeo isolacionista da respectiva relaccedilatildeo juriacutedica a ausecircncia de defeitos em sua formaccedilatildeo levando-se ao extremo o dogma do pacta sunt servanda sem consideraccedilatildeo ao conteuacutedo funcional do negoacutecio

Jaacute na ambiecircncia do Estado Social e dos fenocircmenos da repersonaliza-ccedilatildeo e despatrimonializaccedilatildeo das relaccedilotildees juriacutedicas rompeu-se a loacutegica indi-vidualista restaurando-se a primazia da pessoa humana no encontro do homem concreto da sociedade contemporacircnea que busca e promove um humanismo solidificado permeaacutevel agrave concepccedilatildeo do contrato como um instrumento a serviccedilo do desenvolvimento da pessoa sujeito ao projeto social constitucionalmente articulado

A tutela do superendividamento como irradiaccedilatildeo dos direitos fundamentais nas relaccedilotildees de consumo

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Desse modo tendo-se a Constituiccedilatildeo como coraccedilatildeo do ordenamento juriacutedico e dos princiacutepios eacuteticos normativos a relaccedilatildeo obrigacional patri-monial passou a ser ferramenta de atuaccedilatildeo do valor constitucional da dignidade da pessoa humana ganhando a autonomia privada novos con-tornos funcionais aptos a transformar a estrutura juriacutedica estanque numa dimensatildeo de equivalecircncia material fundada nas exigecircncias de sociabili-dade e solidariedade que enlaccedila os poderes puacuteblicos e cada um de seus membros

A partir dessa visatildeo ativa do ordenamento juriacutedico tem-se o Direito como instrumento de combate aos males da sociedade atraveacutes da impo-siccedilatildeo de um patamar superior de respeito e lealdade nas relaccedilotildees sociais e portanto de realizaccedilatildeo da justiccedila e da inclusatildeo sociais a partir dos para-digmas constitucionais

O paradigma solidarista eacute o valor chave para a compreensatildeo da racio-nalidade contemporacircnea A propoacutesito sob forte lente solidaacuteria Schreiber assevera (SCHREIBER p 51-52)

A solidariedade surge como valor chave para a leitura e compreensatildeo da nova racionalidade e origem inspiradora de accedilotildees que jaacute vem logran-do alterar a realidade social no iniacutecio do seacuteculo XXI Eacute essa solidariedade condicionada ao desenvolvimento da dignidade humana e informadora deste mesmo conceito que parece ser ndash mais que a proacutepria alusatildeo agrave digni-dade humana ndash o diferencial entre pensamento moderno e o pensamento contemporacircneo E a incorporaccedilatildeo desta solidariedade pelo direito como princiacutepio juriacutedico ndash e portanto como norma ndash diretamente aplicaacutevel agraves relaccedilotildees privadas eacute sem duacutevida uma alentadora novidade

Agrave margem da escolha ideoloacutegica que se faccedila a adequada descriccedilatildeo da solidariedade deve voltar-se para a verticalizaccedilatildeo dos interesses do homem para ceifar desigualdades subjetivas e regionais num cenaacuterio em que estaratildeo permanentemente indissociaacuteveis a solidariedade e a igualda-de na conformidade da dignificaccedilatildeo do homem (art1ordm III CF) erradicaccedilatildeo da pobreza diminuiccedilatildeo das diferenccedilas sociais (art 3ordm III CF) conforme solidificaccedilatildeo normativa no texto constitucional (NALIN 2002 177)

A solidariedade traz consigo a imagem do homem coletivo inserido numa comunidade viva e integrada traduzindo sobretudo uma disposi-ccedilatildeo eacutetica do ser humano de permitir o maior desenvolvimento de todos os homens (JUNIOR 2002 173) E eacute oportuno dizer que essa solidariedade contemporacircnea natildeo eacute coletivista mas humanitaacuteria pois se dirige ao de-

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senvolvimento da personalidade de todas as pessoas entre todas as pes-soas e natildeo do grupo natildeo se confundindo assim nem com o coletivismo nem com o individualismo (SCHREIBER p 50)

Natildeo eacute por outro motivo que nessa linha de coexistencialidade Perlin-gieri afirma a solidariedade como expressatildeo da cooperaccedilatildeo e da igualda-de na afirmaccedilatildeo dos direitos fundamentais de todos definindo outrossim a noccedilatildeo de dignidade social como o instrumento que confere a cada um o direito ao respeito inerente agrave qualidade de homem ou seja relaciona o conceito de dignidade agrave noccedilatildeo de solidariedade que soacute pode ser enten-dida como instrumento e resultado da dignidade humana (PERLINGIERI 2008 463)

Trata-se de paradigma eacutetico-solidarista a demandar uma forma de olhar atentamente a parte vulneraacutevel da relaccedilatildeo juriacutedica com solidarie-dade sobrepondo-se esse olhar a consideraccedilotildees de ordem econocircmica de modo a permitir assim ultrapassar juiacutezos lastreados na reprovaccedilatildeo da conduta lesiva e optar por fatores objetivos de imputaccedilatildeo do dever de reparar numa clara evidecircncia de forccedila para afastar a culpa como pressu-posto do dever de reparar

A solidariedade deriva da boa-feacute objetiva e eacute cacircnone interpretativo geral do ordenamento privado (NALIN 2002 p 179) e a solidarizaccedilatildeo conduz agrave distribuiccedilatildeo mais adequada dos riscos do contrato das perdas e custos sociais cargas e tensotildees no processo obrigacional e isso representa o perfil mais elevado da solidariedade social e poliacutetica (PERLINGIERI 2008 p 513)

Se a realizaccedilatildeo da justiccedila pressupotildee tratamento igualitaacuterio entre as partes iguais e desigual entre as partes desiguais justa eacute a distribuiccedilatildeo dos riscos nessa proporccedilatildeo entre as partes Desse modo sobre o credor penderatildeo os riscos inerentes agrave eventualidade do natildeo cumprimento ou do cumprimento impreciso da prestaccedilatildeo que lhe eacute devida e sobre o deve-dor os de ressarcir os danos causados pela inobservacircncia do programa obrigacional agrave exceccedilatildeo de causa estranha e natildeo imputaacutevel ou o exerciacutecio de uma posiccedilatildeo defensiva que provoque a violaccedilatildeo do dever contratual (CATALAN 2013 p 272)

Como bem pondera Nalin a justiccedila soacute passa a ser social quando se permite ao sistema ser informado com valores como a dignidade do ho-mem busca pela reduccedilatildeo da pobreza e das diferenccedilas regionais a tutela

A tutela do superendividamento como irradiaccedilatildeo dos direitos fundamentais nas relaccedilotildees de consumo

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dos hipossuficientes e vulneraacuteveis de modo que a dinamicidade do movi-mento social implicaraacute a dos seus proacuteprios valores (NALIN 2008 69)

Impotildee-se assim uma concepccedilatildeo social do contrato para a qual natildeo soacute o momento da manifestaccedilatildeo de vontade importa mas tambeacutem e prin-cipalmente os efeitos do contrato na sociedade e a condiccedilatildeo social e econocircmica das pessoas nele envolvidas

O fato de um sujeito de direito da relaccedilatildeo contratual ter recebido di-reitos fundamentais ao posicionar-se como consumidor influencia direta-mente a interpretaccedilatildeo da relaccedilatildeo contratual em que se encontra inserido O contrato de consumo passa assim a ser um ponto de encontro de direi-tos fundamentais devendo ser interpretado teleologicamente e conforme a Constituiccedilatildeo entendida esta como uma estrutura ldquoprogressistardquo sujeita a uma interpretaccedilatildeo dinacircmica

Na concepccedilatildeo claacutessica liberal repudiava-se qualquer ideia de justiccedila distributiva considerando-se o contrato intangiacutevel podendo ser exigido o cumprimento forccedilado junto ao Estado independente de qualquer com-provaccedilatildeo sobre a existecircncia de atos de cumprimento do contrato con-fianccedila ou ocorrecircncia de prejuiacutezo experimentado em razatildeo do natildeo cumpri-mento

No Brasil a construccedilatildeo de um distinto paradigma contratual passa pelo reconhecimento da dignidade constitucional das normas civis a par-tir da Constituiccedilatildeo Federal de 1988 que instaurou uma nova ordem juriacute-dica social e econocircmica destacando como objetivos fundamentais os ex-pressos no art 3ordm a fim de dar a nota paradigmaacutetica da nova visatildeo social

Nessa senda colorindo-se o contrato com as cores de um fenocircmeno social verifica-se a migraccedilatildeo de um individualismo contratual para a con-sideraccedilatildeo de uma pluralidade de sujeitos com variados perfis sobretudo diante da observaccedilatildeo de que frequentemente as relaccedilotildees contratuais pro-jetam efeitos para pessoas que nem sequer conhecem os seus termos

Tem-se assim o contrato como ldquoum siacutembolo da civilizaccedilatildeordquo (PEREIRA 2010 pag 11) fundado na ideia de justa distribuiccedilatildeo de ocircnus e lucros so-ciais numa ambiecircncia de equidade desempenhando na vida social con-temporacircnea muacuteltiplas funccedilotildees mas sempre com o propoacutesito de cumprir um objetivo promocional dentro do sistema juriacutedico qual seja a realiza-ccedilatildeo da pessoa humana

Encampando essa concepccedilatildeo civilizatoacuteria Caio Mario da Silva Pereira afirma que paralelamente agrave funccedilatildeo econocircmica aponta-se no contrato

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uma outra civilizadora em si a educativa deixando-se de lado a ideia pura e simples de antagonismo entre as partes para levar em conta os efeitos do contrato na sociedade

O resultado dessa mudanccedila de estilo de pensamento eacute que as leis ganham em funcionalidade optando-se por soluccedilotildees abertas que pos-sibilitem aos operadores do direito o uso de valores baacutesicos e princiacutepios sociais (MARQUES 2011 p 211-215)

A confianccedila eacute fotografada como necessidade eacutetico-juriacutedica (CARNEI-RO DA FRADA 2007 p 261-262) pois o contrato impotildee respeitar e res-ponder pela confianccedila que o outro ao contratar nele depositou e que as expectativas quanto a natildeo infraccedilatildeo dos ditames de correccedilatildeo ou razoabili-dade de conduta produzidos por essa confianccedila podem ser consideradas como fonte autocircnoma no direito obrigacional (MARQUES 2011 p 181)

A conscientizaccedilatildeo quanto a esse perfil de contrato eacute de extrema im-portacircncia na sociedade de consumo em que os consumidores estatildeo mais fragilizados e suscetiacuteveis aos influxos de um comeacutercio juriacutedico desper-sonalizado e desmaterializado atraveacutes das contrataccedilotildees massificadas ou standardizadas dos conhecidos contratos de adesatildeo ou condiccedilotildees gerais homogecircneos em seu conteuacutedo e dirigidos indistintamente a todos os consumidores ou mesmo atraveacutes das chamadas condutas sociais tiacutepicas

Nessas relaccedilotildees massificadas sendo uma realidade a desigualdade material entre partes com distintas forccedilas faz-se necessaacuteria a desigual-dade juriacutedica de tratamento que equilibre essas forccedilas Ronaldo Porto partindo do reconhecimento das diferenccedilas de status juriacutedico das pessoas afirma que progressivamente o Direito Social acabaraacute sendo um Direito de desigualdades de discriminaccedilotildees positivas contendo em si fisiologi-camente as ideias de reciprocidade e equiliacutebrio (MACEDO 2007 p 51-53)

Assim eacute imperativa a visatildeo da obrigaccedilatildeo como um processo social e juriacutedico (SILVA p 2006) mais complexo e duradouro do que uma simples prestaccedilatildeo contratual engessada em um dar e um fazer momentacircneos entre parceiros contratuais teoricamente iguais conhecidos e escolhidos livremente sobretudo porque envolve obrigaccedilotildees de conduta

A propoacutesito calha destacar a posiccedilatildeo valiosa de Menezes Cordeiro quando afirma que ldquoA obrigaccedilatildeo implica entatildeo creacuteditos muacuteltiplos e diz-se complexa tem vaacuterias prestaccedilotildees principais ou quando uma delas domi-ne em termos finais uma principal e vaacuterias secundaacuteriasrdquo (CORDEIRO 2013 p 586-591)

A tutela do superendividamento como irradiaccedilatildeo dos direitos fundamentais nas relaccedilotildees de consumo

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A intervenccedilatildeo do Estado na formaccedilatildeo dos contratos eacute exercida natildeo soacute pelo Poder Legislativo como tambeacutem pelos oacutergatildeos administrativos e pelo Poder Judiciaacuterio Nos contratos privados especialmente nos contra-tos de consumo essa intervenccedilatildeo assume papel de relevo no controle das claacuteusulas abusivas para proteccedilatildeo do mais fraco a partir do mandamento constitucional de proteccedilatildeo ao consumidor e do caraacuteter indisponiacutevel de ordem puacuteblica e fim social das normas do CDC

Nessa oacutetica o contrato como interseccedilatildeo de vontades dos privados estaacute sob a eacutegide de uma nova concepccedilatildeo de direito privado na qual os direitos fundamentais tem influecircncia direta nas relaccedilotildees privadas entre iguais ou desiguais impondo valores e vetores a serem respeitados de modo que quando se concretiza a boa-feacute concretizada restaraacute a dignida-de da pessoa humana

Quanto mais duradoura for a relaccedilatildeo mais destacados estaratildeo os deveres de cooperaccedilatildeo e adaptaccedilatildeo para uma maior possibilidade de ma-nutenccedilatildeo do viacutenculo contratual (SANDEL 2013 p 182)

Isso quer dizer que embora seja um pressuposto da democracia a autonomia privada natildeo tem nada de absoluta devendo ser conciliada com o direito das outras pessoas a uma idecircntica quota de liberdade e outros valores essenciais ao Estado Democraacutetico de direito como a auto-nomia puacuteblica (democracia) a igualdade a solidariedade e a seguranccedila o que justifica a restriccedilatildeo proporcional visando a otimizaccedilatildeo dos bens juriacutedi-cos em confronto atraveacutes de uma ponderaccedilatildeo de interesses

Aliaacutes foi a consagraccedilatildeo da solidariedade como norma constitucional e o reconhecimento da aplicabilidade direta das normas constitucionais sobre as relaccedilotildees privadas que impuseram a ressignificaccedilatildeo da autonomia privada de modo que mesmo estando certo comportamento expressa-mente autorizado por contrato ou lei eacute preciso verificar sua conformidade com a dignidade humana e a solidariedade social para soacute assim lhe ser assegurada a tutela pelo ordenamento juriacutedico contemporacircneo

Desse modo eacute inevitaacutevel que o Estado intervenha em situaccedilotildees con-cretas restringindo a autonomia privada seja para proteger a liberdade alheia seja para favorecer o bem comum e proteger a paz juriacutedica da sociedade atraveacutes da lei manifestaccedilatildeo da autonomia puacuteblica do cidadatildeo

Natildeo se perca de vista que a eficaacutecia horizontal dos direitos funda-mentais sobre as relaccedilotildees privadas estaacute atrelada agrave humanizaccedilatildeo da ordem juriacutedica que impotildee igualmente a observacircncia natildeo apenas da dignidade

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da pessoa humana mas tambeacutem a igualdade substantiva e a justiccedila social dado que os direitos fundamentais configuram o epicentro axioloacutegico da ordem juriacutedica

A filtragem da autonomia privada estaacute em consonacircncia com os va-lores eacuteticos e juriacutedicos mais caros agrave sociedade sendo imperativo ter-se sempre em mira que a seguranccedila juriacutedica natildeo eacute o uacutenico valor nem o mais importante almejado pelo direito estando ao seu lado ou acima dele o da justiccedila substancial que traduz a ideia de reciprocidade comutativida-de equivalecircncia material proporcionalidade (SANDULLI 1998 p 2) e da proacutepria distribuiccedilatildeo de riscos e ocircnus

Assim a maior ou menor atuaccedilatildeo da boa-feacute objetiva e o maior ou me-nor espaccedilo de exerciacutecio concedido agrave autonomia negocial estatildeo em direta dependecircncia da estrutura horizontalizada ou verticalizada simeacutetrica ou assimeacutetrica subjacente agrave relaccedilatildeo juriacutedica em causa Quanto maior o peso da horizontalidade maior seraacute o espaccedilo da autonomia negocial e com menor intensidade incidiraacute a boa-feacute em sua funccedilatildeo limitadora de direitos subjetivos formativos e posiccedilotildees juriacutedicas Inversamente quanto maior a assimetria (juriacutedica econocircmica informativa ou poliacutetica) mais diminuto seraacute o espaccedilo de exerciacutecio da autonomia e mais fortemente seratildeo irradia-dos os deveres e limites decorrentes da boa-feacute

O ldquobom direitordquo sabe se contrapor agraves razotildees econocircmicas quando ne-cessaacuterio para impedir a mercantilizaccedilatildeo da sociedade e promover a trans-formaccedilatildeo dessa sociedade para realizar as maiores chances de vida livre e digna para todos (PERLINGIERI 2008 p 509)

3 OPEN CREDITY SOCIETY

Observando-se a histoacuteria da civilizaccedilatildeo ocidental moderna percebe--se que o creacutedito vulgarizou-se na generalidade das economias de merca-do mais desenvolvidas tornando-se um instrumento estrutural fundamen-tal para incontaacuteveis famiacutelias embora com facetas positivas e negativas

Os efeitos positivos dessa democratizaccedilatildeo do creacutedito no plano ma-croeconocircmico foi logo percebido pelos americanos tendo sido responsaacute-vel pelo expressivo crescimento do paiacutes levando-o a ser a grande potecircn-cia mundial do seacuteculo XX Por isso se afirma que a partir da expansatildeo do creacutedito o mesmo deixou generalizadamente de ser entendido como sinocirc-nimo de ldquopobrezardquo ou de ldquoprodigalidaderdquo dele se utilizando indistintamen-

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te todas as classes sociais como mecanismo fundamental de dinamismo da economia (LEITAtildeO MARQUES 2000 p 16)

Daiacute se dizer que a evoluccedilatildeo do fenocircmeno creditiacutecio foi e continua sendo a mola propulsora do desenvolvimento econocircmico e verdadeiro instrumento transformador das sociedades A propoacutesito deve-se estar desperto para a reflexatildeo quanto a ldquofaceta sombriardquo do fenocircmeno consis-tente na patologia do endividamento que levado a extremo transveste--se de superendividamento responsaacutevel pela ruiacutena financeira e desestru-tura familiar de muitos nuacutecleos

No Brasil a venda direta a creacutedito por lojistas aos consumidores ex-pandiu-se nos anos 50 com o surgimento dos bancos de dados de prote-ccedilatildeo ao creacutedito que facilitaram muito a identificaccedilatildeo do consumidor e a consequente concessatildeo do creacutedito menos burocraacutetica e demorada

Apesar de as taxas de juros terem sido liberadas a partir da Lei 456564 o sistema financeiro brasileiro era regulado em funccedilatildeo da poliacutetica monetaacuteria para se trazer maior estabilidade agrave economia Entretanto mui-tas eram as exigecircncias burocraacuteticas e excessiva era a regulaccedilatildeo do creacutedito subsidiado e dos creacuteditos especiais (rural habitacional agraves microempresas etc) em razatildeo da instabilidade monetaacuteria da inseguranccedila quanto agrave sol-vabilidade dos agentes econocircmicos e das crises institucionais (ditadura militar) o que natildeo ensejou o desenvolvimento imediato do creacutedito livre observado nos paiacuteses desenvolvidos onde a demanda pelo consumo e a necessidade de conceder maior poder aquisitivo ao consumidor foram fatores decisivos que tensionaram os governos a incentivar a concessatildeo de creacutedito liberando as taxas de juros

A partir do advento do Plano Real nos idos dos anos 90 e do conse-quente controle da inflaccedilatildeo e estabilidade econocircmica o creacutedito no Brasil assumiu contornos extraordinaacuterios no que tange agrave economia de consumo e cultura do endividamento levando o Conselho Monetaacuterio Nacional a criar regras para o cheque e o cartatildeo de creacutedito

O ambiente de estabilizaccedilatildeo da moeda delineado pelo Plano Real fez com que instituiccedilotildees financeiras que antes tinham sua margem de lucro voltada essencialmente para captaccedilatildeo de depoacutesitos em virtude da alta inflacionaacuteria passassem a depender a partir do controle da inflaccedilatildeo do crescimento de operaccedilotildees a creacutedito encontrando na parcela da popu-laccedilatildeo que estava excluiacuteda do sistema formal de creacutedito uma verdadeira fonte lucrativa

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Desse modo as instituiccedilotildees financeiras passaram a fomentar o creacute-dito de forma ostensiva mirando sobretudo a parcela da populaccedilatildeo de baixa renda (a mais vulneraacutevel) antes excluiacuteda do sistema formal de creacute-dito Essa democratizaccedilatildeo do creacutedito assume relevo entre famiacutelias com rendimentos de ateacute 10 (dez) salaacuterios miacutenimos aposentados e pensionistas

Na medida em que ocorreu a expansatildeo do creacutedito ao consumo dis-puseram-se cartotildees de creacutedito de deacutebito cartotildees de loja creacuteditos pes-soais creacutedito para habitaccedilatildeo creacutedito automoacutevel creacutedito junto a particu-lares etc A explosatildeo do consumo e a vulgarizaccedilatildeo do creacutedito elevaram vertiginosamente as taxas de inadimplecircncia dos consumidores situaccedilatildeo que se alastrou na sociedade alcanccedilando diversos niacuteveis sociais em graus distintos de modo a configurar um verdadeiro fenocircmeno social

E note-se que outro natildeo poderia ser o caminho da expansatildeo do creacutedi-to O modelo de consumo consistente na urgecircncia do ter e na descartabili-dade dos produtos e serviccedilos fez do creacutedito a porta do acesso aos mesmos pelos consumidores hipervulneraacuteveis (considerados como tais tambeacutem os que ascenderam ao mercado de consumo recentemente como os da classe C D E) atraveacutes de muacuteltiplas formas de contrataccedilotildees as quais infe-lizmente natildeo tecircm primado pela reflexatildeo e ponderaccedilatildeo materializando habitualmente contratos nitidamente abusivos em detrimento da pessoa humana que passa a ser vista como um potencial de compra

Perceba-se que todo o glorioso sucesso do creacutedito e a sua vulgariza-ccedilatildeo se devem agrave transformaccedilatildeo do pensamento coletivo que afasta a co-notaccedilatildeo negativa que a histoacuteria lhe atribuiu para tornaacute-lo um instrumento de acesso agrave aquisiccedilatildeo de bens e reconhecimento social ainda que natildeo se disponha de meios materiais

Natildeo se trata simplesmente de elevaccedilatildeo do padratildeo de vida mas da proacutepria inclusatildeo do indiviacuteduo na sociedade de consumo a partir das es-colhas de consumo o que significa reconhecer que o creacutedito eacute tambeacutem sinocircnimo de status e serve de camuflagem da estratificaccedilatildeo social ao per-mitir ao indiviacuteduo adotar um estilo de vida caracteriacutestico da classe social superior agrave sua

Na qualidade de instrumento de criaccedilatildeo de moeda e elemento de dinamizaccedilatildeo da produccedilatildeo capitalista o creacutedito relaciona-se com a poliacutetica geral monetaacuteria jaacute que o Banco Central ou banco emissor reteacutem parte da moeda depositada por particulares para reduzir o multiplicador desta Por isso mesmo o Estado deve fiscalizar e intervir no mercado fixando

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limites de prazos de taxas e juros uma vez que o creacutedito ao consumidor eacute elemento ensejador do endividamento natildeo soacute de um indiviacuteduo ou classe social mas de toda uma coletividade

Desse modo o creacutedito necessaacuterio agrave sobrevivecircncia individual e do grupo social deve ser tratado como uma disciplina juriacutedica da extensatildeo da cidadania social ou mesmo de uma cidadania econocircmica sobretudo em relaccedilatildeo aos consumidores desfavorecidos que dependem desse creacutedito pois como afirma Simone Bolson ldquoter acesso ao creacutedito eacute modo de ser cidadatildeo de exercer a cidadania de ser considerado um igual nesta socie-dade de desiguaisrdquo (BOLSON 2007 p 189)

Natildeo eacute por outra razatildeo que Nichole Chardin afirmou que a moral da sociedade estaacute na forccedila do consumo (CHARDIN 1998 p 37) Nesse contex-to a doutrinadora francesa inclusive identifica os contratos de consumo e dentre eles o de creacutedito como o ponto mais alto dos contratos afetivos justamente em razatildeo da correlaccedilatildeo entre o consumo e o desejo

Nessa perspectiva embora seja o creacutedito uma atividade legiacutetima e normal em economia de mercado estando associado a seu desenvolvi-mento econocircmico melhoria da qualidade de vida e inclusatildeo social quan-do contratado em situaccedilatildeo de instabilidade financeira laboral e psicoloacute-gica ou na hipoacutetese de superveniecircncia dessa instabilidade na execuccedilatildeo contratual exsurge a sua faceta sombria diante do endividamento exces-sivo do consumidor

4 SUPERENDIVIDAMENTO SUAS CAUSAS E EFEITOS

O Superendividamento eacute a impossibilidade global do devedor pes-soa fiacutesica consumidor leigo e de boa-feacute de pagar todas as suas diacutevidas atuais e futuras de consumo (excluiacutedas as diacutevidas com o fisco oriundas de delito e de alimentos) em um tempo razoaacutevel com sua capacidade atual de rendas e patrimocircnio

Suas causas satildeo diversas passando pelo modelo societaacuterio agorista ausecircncia de educaccedilatildeo financeira falecircncia do estado social abuso das posi-ccedilotildees juriacutedicas por parte dos fornecedores acidentes da vida social dentre outros

O modelo societaacuterio agorista niilista hedonista e sem estratificaccedilatildeo predisposta fruto do capitalismo organiza as relaccedilotildees sociais a partir das escolhas de consumo numa estrutura panoacuteptica em que a forccedila produti-va constantemente vigia os consumidores para mantecirc-los numa engrena-

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gem de consumo que lhes signifique o reconhecimento social ainda que seja ao custo da integridade existencial desses consumidores

Nessa malha de realidade como pondera o psicoacutelogo Gustavo Bar-cellos ldquocomprar eacute um impulso ascendente de natureza espiritual que nos joga no eixo entre elevaccedilatildeo e mergulho Mas eacute tambeacutem um foco de fantasia portanto um lugar de alma nunca um gesto puro Diga-me o que compras e te direi quem eacutes Direi tambeacutem como patologizas e como ima-ginas a liberdaderdquo (BARCELOS 2008)

Costas Douzinas apoacutes asseverar que o contrato de propriedade sim-boliza o nascimento do sujeito alerta no sentido de que os objetos satildeo desejados natildeo por eles proacuteprios mas como um meio para o desejo de outras pessoas o que denota claramente que a subjetividade eacute construiacute-da simbolicamente para realizar os modelos de reconhecimento social (DOUZINAS 2009 p 287)

Nesse contexto a devoccedilatildeo ao consumo eacute definida como virtude do sujeito e o sujeito numa redenccedilatildeo moral se lanccedila ao consumo como um tranquilizante moral uma maneira de consolar-se ilusoriamente das des-venturas da existecircncia de preencher a vacuidade do presente e do futuro e levar o mundo a virar alma (BAUMAN DONSKIS 2014 181)

De acordo com essa forma de pensar fomentada inclusive pelo fe-nocircmeno da ldquoobsolescecircncia calculadardquo (BAUDRILLARD 1995 p 42) consi-deraacutevel parte dos bens e coisas consumidas na sociedade natildeo satildeo fun-cionais soacute possuindo utilidade no mundo da experiecircncia subjetiva do consumidor a partir do paradigma da sociedade de abundacircncia

Entretanto ldquoa liberdade e a soberania do consumidor natildeo passam de mistificaccedilatildeo (BAUDRILLARD 1995 p 72) pois natildeo eacute o consumo que con-trola a produccedilatildeo mas as grandes corporaccedilotildees produtivas eacute que controlam o comportamento do mercado de consumo ditando a moda os valores as tendecircncias de modo a retirar do indiviacuteduo todo o poder de decisatildeo e tornar esse mercado o ldquoloacutecusrdquo privilegiado do poder produtivo (MACEDO JUNIOR 2001 p 224)

Nesse cenaacuterio a publicidade eacute outro vilatildeo que se presta ao propoacutesi-to da manipulaccedilatildeo do comportamento dos haacutebitos das preferecircncias do consumidor para aquilo que eacute ditado pela ordem produtiva imprimindo neste o desejo de comportar ndash se vestir-se criar haacutebitos e fazer escolhas supostamente livres e prazerosas mas na verdade impostas pelo setor produtivo

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Essa publicidade fruto de um plano de marketing tanto coletivo quanto personalizado (marketing one-to-one) captura sociologicamente os perfis dos consumidores e incute massificadamente no cidadatildeo a pos-sibilidade de alcanccedilar independentemente de idade ou origem social o bem-estar atraveacutes da ritualiacutestica aquisiccedilatildeo de determinado produto ou serviccedilo e portanto da realizaccedilatildeo dos desejos sendo o creacutedito o passapor-te de acesso a esse bem-estar

Associado ao modelo societaacuterio em que o homem eacute aquilo que con-some inclusive para sair da invisibilidade a assimetria de informaccedilotildees e a ausecircncia de educaccedilatildeo financeira faz dos consumidores presas faacuteceis das estrateacutegias de mercado e do respectivo marketing levando-os ao consu-mo inorgacircnico E eacute justamente essa combinaccedilatildeo explosiva de fatores que leva incontaacuteveis consumidores a contratarem creacutedito para fazer frente ao consumo em condiccedilotildees adversas

Segundo a PEIC realizada pela Confederaccedilatildeo Nacional de Comercio bens e serviccedilos em outubro de 2020 665 da populaccedilatildeo adulta brasilei-ra estaacute endividada 261 com diacutevidas em atraso e 119 sem condiccedilatildeo alguma de quitar as suas diacutevidas

Nesse triste cenaacuterio segundo dados do Serasa mais de 60 milhotildees de brasileiros estatildeo com nome inscrito em oacutergatildeos restritivos encontrando-se praticamente um terccedilo da populaccedilatildeo idosa nessa situaccedilatildeo ou seja quase sete milhotildees de idosos O nuacutemero de idosos inadimplentes estaacute muito relacionado com o creacutedito consignado jaacute que eacute mais acessiacutevel aos apo-sentados Em momentos de inflaccedilatildeo alta e desemprego crescente muitos idosos satildeo levados a solicitar esse tipo de creacutedito para colocar em dia as contas da casa ou para ajudar a famiacutelia mas natildeo consegue honrar com os pagamentos das parcelas principalmente em razatildeo dos custos com remeacute-dios plano de sauacutede e alimentos

Eacute um cenaacuterio preocupante sobretudo num ano em que o Covid 19 desacelerou ainda mais a economia contribuindo para o aumento do de-semprego reduzindo o campo da proacutepria informalidade diante das regras de isolamento

Vale lembrar que segundo o IBGE 146 da populaccedilatildeo adulta estaacute desempregada o que unido a falta de poliacuteticas puacuteblicas para a prevenccedilatildeo do seu aumento agrava a fotografia do endividamento no pais

O endividamento eacute maior entre as famiacutelias com faixa de renda menor do que dez salaacuterios miacutenimos e o seu grande vilatildeo ainda eacute o cartatildeo de creacute-dito (785) seguido dos carnecircs (164) financiamento de carro (107)

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financiamento de casa (99) creacutedito pessoal 9 86) creacutedito consignado (62)

Ainda segundo a PEIC da CNC de outubro ogano 231 dos endi-vidados com renda familiar inferior a dez salaacuterios miacutenimos compromete mais de 50 da sua renda com as diacutevidas diversas comprometendo a subsistecircncia digna da famiacutelia

Dados alarmantes como esses fizeram com que economistas brasilei-ros pusessem o creacutedito no banco dos reacuteus sobretudo diante das distor-ccedilotildees no sistema de intermediaccedilatildeo que colocam em risco a oferta saudaacutevel de creacutedito o que pode inclusive gerar atraso ao crescimento nacional

Eacute preocupante perceber a situaccedilatildeo dos consumidores que pagam as contas todos os meses mas tecircm endividamento acima da renda Muitos desses consumidores usam o creacutedito caro como rotativo do cartatildeo de creacute-dito e cheque especial para rolar suas diacutevidas jaacute que acabam dispondo de reduzido percentual de sua renda para pagamento das despesas baacutesicas de alimentaccedilatildeo transporte e moradia o que gera uma ldquobola de neverdquo e a latecircncia de uma insolvecircncia proacutexima

Para esses consumidores endividados natildeo existem propostas para renegociaccedilatildeo razoaacutevel e adequada das diacutevidas ateacute porque criteacuterios de ra-zoabilidade e adequaccedilatildeo nem sequer satildeo analisados responsavelmente na proacutepria concessatildeo do creacutedito normalmente caracterizada por juros altos vendas casadas e desrespeito ao direito de informaccedilatildeo

Eacute importante dizer que a expressiva parcela da populaccedilatildeo brasileira que encontra-se superendividada enquadra-se no chamado superendi-vidamento ativo inconsciente ou passivo sujeitando a relaccedilatildeo juriacutedica agrave intervenccedilatildeo do Poder Puacuteblico para a devida equalizaccedilatildeo de forccedilas dada a boa-feacute do consumidor

Trata-se do ativo inconsciente quando o consumidor contrai diacutevidas aleacutem das suas forccedilas por impulso ou necessidade ludibriado pela publi-cidade de forma irrefletida ou por transtornos psicoloacutegicos mas crendo na sua capacidade de honraacute-las e desejando que ocorra o adimplemento

Jaacute o passivo eacute provocado por fatores externos forccedila maior social (desemprego doenccedila alteraccedilatildeo do nuacutecleo familiar ou das condiccedilotildees de existecircncia que seja capaz de afetar o orccedilamento domeacutestico (falecimento de familiar separaccedilatildeo ou divoacutercio) exploraccedilatildeo pelo credor da situaccedilatildeo de necessidade inexperiecircncia dependecircncia estado mental fraqueza ou ignoracircncia do consumidor tendo em vista a sua idade sauacutede condiccedilatildeo

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social alteraccedilatildeo na conjuntura econocircmica nacional) que desestabilizam a situaccedilatildeo financeira do agregado familiar inviabilizando o cumprimento dos compromissos firmados em momento de seguranccedila financeira

5 URGEcircNCIA DO PROJETO DE LEI Nordm 35152012

A gestatildeo do risco que representa o superendividamento e seus efei-tos extrapola a dimensatildeo econocircmica e juriacutedica assumindo contornos psi-cossociais e constitui um desafio regulatoacuterio em muitas sociedades que ainda natildeo albergaram um sistema de falecircncia da pessoa fiacutesica devedora que permita a sua recuperaccedilatildeo financeira como eacute o caso da China Viet-nam Turquia Meacutexico Iacutendia Chile Peru entre outros

No Brasil como jaacute restou delineado o tratamento do superendivi-damento ainda natildeo logrou assento formal em texto normativo embora expressivo fragmento da doutrina e jurisprudecircncia esteja alinhado com a tendecircncia de sua tutela em circunstacircncias especiacuteficas lastreado no acervo hermenecircutico axioloacutegico contemporacircneo jaacute aludido na primeira parte do presente trabalho

O processo judicial da declaraccedilatildeo de insolvecircncia previsto no Coacutedigo de Processo Civil paacutetrio CPC eacute desvantajoso para a pessoa fiacutesica consu-midora de boa-feacute natildeo apenas pela sua delonga como tambeacutem em razatildeo do vencimento antecipado de suas diacutevidas e pela arrecadaccedilatildeo de todos os seus bens presentes e futuros o que lhe retira a possibilidade de reco-meccedilar dignamente sem carregar consigo a pecha de ser um peso morto para a sociedade e para a economia natildeo servindo para gerar empregos incrementar a arrecadaccedilatildeo ou produzir riqueza

Argumente-se que a recuperaccedilatildeo dos empresaacuterios e sociedades em-presaacuterias estaacute intimamente relacionada com a capacidade creditiacutecia dos consumidores na medida em que a manutenccedilatildeo e recuperaccedilatildeo do creacutedito do consumidor superendividado estabiliza a sua capacidade de adimple-mento garante a livre iniciativa e a livre concorrecircncia aleacutem de manter a fonte produtora de empregos e das atividades empresariais

O projeto de Lei 3515 abre uma janela de oportunidade para atua-lizaccedilatildeo do Coacutedigo de Defesa do Consumidor e inspirado na legislaccedilatildeo francesa reflete uma linha humanista e inclusiva do sujeito que se supe-rendividou atendendo ao anseio da sociedade juriacutedica e de milhares de brasileiros superendividados que pretendem uma chance de viver me-lhor de modo mais digno

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Jaacute no descortino do projeto fica clara a consciecircncia quanto agrave impor-tacircncia do fenocircmeno e a opccedilatildeo pela sua prevenccedilatildeo ao se estabelecerem como princiacutepio da poliacutetica nacional das relaccedilotildees de consumo o fomento e o desenvolvimento de accedilotildees visando a educaccedilatildeo financeira e ambiental dos consumidores incentivando a inclusatildeo do tema em curriacuteculos escola-res o que por oacutebvio envolve vaacuterias accedilotildees do Estado

Para a efetivaccedilatildeo dessa poliacutetica nacional das relaccedilotildees de consumo estatildeo previstas como instrumentos a instituiccedilatildeo de mecanismos de pre-venccedilatildeo e tratamento extrajudicial e judicial do superendividamento e pro-teccedilatildeo do consumidor pessoa fiacutesica com a instituiccedilatildeo inclusive de nuacutecleos de conciliaccedilatildeo e mediaccedilatildeo de conflitos oriundos do fenocircmeno colimando sobretudo precatar ou sanar a exclusatildeo social garantir a dignidade huma-na e o miacutenimo existencial(art 5ordm VI art 6 XI XII art 54-A caput)

Valorando a prevenccedilatildeo do fenocircmeno o projeto estabelece como di-reito baacutesico do consumidor a garantia de praacuteticas de creacutedito responsaacutevel (art 6 XI) atraveacutes de medidas preventivas ou curativas resultantes de revisotildees ou repactuaccedilatildeo das dividas administrativas ou judiciais

De outra banda o projeto reforccedila o princiacutepio basilar da informaccedilatildeo para as contrataccedilotildees de creacutedito e a prazo estabelecendo a obrigaccedilatildeo do fornecedor de deixar o consumidor absolutamente consciente quanto agraves particularidades do conteuacutedo contratual e em especial os encargos que deveraacute suportar e o custo efetivo total das operaccedilotildees (art 54-B I II III IV V sect 1ordm sect 2ordm sect 3ordm)

Percebe-se que dessa forma o Projeto de Lei em relaccedilatildeo agraves pes-soas fiacutesicas superendividadas acaba por reconhecer que haacute uma falha de mercado consistente na assimetria de informaccedilatildeo quando estabelece medidas de aconselhamento justamente para preservar a racionalidade e atenuar a influecircncia de fatores externos sobre a mesma

Outrossim nota-se que positivando a noccedilatildeo de ldquomiacutenimo existencialrdquo abre margem agrave possibilidade de reserva sobre a remuneraccedilatildeo do endivi-dado para desconto em folha de pagamento com vistas agrave subsistecircncia digna excepcionada a situaccedilatildeo de deacutebito em conta de diacutevidas oriundas do uso de cartatildeo de creacutedito para pagamento do preccedilo em parcela uacutenica Uma vez descumprido o limite existencial caberaacute dilaccedilatildeo do prazo de pagamento reduccedilatildeo dos encargos e da remuneraccedilatildeo do devedor conso-lidaccedilatildeo constituiccedilatildeo ou substituiccedilatildeo de garantias (art 54-D sect 1ordm e sect 2ordm)

Nesse particular o importante a se destacar eacute a imprescindibilidade de uma renda miacutenima de inserccedilatildeo o que ao nosso ver naturalmente estaacute

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suscetiacutevel agrave variaccedilotildees conforme o necessaacuterio na praacutetica agrave atender o direito fundamental do miacutenimo existencial de cada pessoa e seu nuacutecleo familiar garantindo uma vida condigna e saudaacutevel do ponto de vista fiacutesico espiri-tual e intelectual num standart socioeconocircmico vigente Assim desgarra-do de um ldquotabelamentordquo se teraacute a missatildeo de identificar o que traduziraacute o miacutenimo existencial conforme o nuacutemero de dependentes a renda total da famiacutelia os gastos com aacutegua luz alimentaccedilatildeo moradia sauacutede e educaccedilatildeo

Importante inovaccedilatildeo eacute a que se refere ao direito de arrependimento ou de reflexatildeo que permite ao consumidor em qualquer espeacutecie con-tratual desistir do negoacutecio sem ocircnus para si no prazo de 7 dias o que implicaraacute agrave resoluccedilatildeo do contrato acessoacuterio de creacutedito Essa previsatildeo res-tringe-se agrave forma de pagamento consignaccedilatildeo em pagamento somente sendo necessaacuterio que o legislador venha a definir o valor ou percentual que o cidadatildeo teria de ter para garantir o seu miacutenimo existencial em situa-ccedilotildees diversas

Importante destaque foi dado agrave oferta e agrave publicidade abusiva esta sabidamente a grande vilatilde da histoacuteria do superendividamento e que tem capturado para a sua rede as viacutetimas mais fraacutegeis e suscetiacuteveis a exemplo das crianccedilas e dos idosos

Assim no projeto fulmina-se o ldquoasseacutedio ao consumordquo consideran-do-se abusiva a publicidade discriminatoacuteria de qualquer natureza que prevalecendo-se da predisposta vulnerabilidade do consumidor incite a violecircncia explore o medo ou a supersticcedilatildeo se aproveite da deficiecircncia de julgamento e experiecircncia da crianccedila desrespeite valores ambientais (consumo sustentaacutevel) ou que seja capaz de induzir o consumidor a se comportar de forma prejudicial ou perigosa a sua sauacutede ou seguranccedila re-ferindo-se ainda como tal aquela publicidade que contenha apelo impe-rativo ao consumo ou estimule comportamento socialmente reprovaacutevel

Tal previsatildeo insere-se na linha da Diretiva Europeia 20081948 que entre as regras de comportamento impostas aos fornecedores que pre-tendam oferecer creacutedito estabelece o dever do concedente de analisar previamente a potencial solvabilidade do pretenso mutuaacuterio permitindo uma quitaccedilatildeo regular da diacutevida aleacutem do seu dever de aconselhamento cabendo-lhe informar preacutevia e satisfatoriamente o consumidor sobre o custo real da operaccedilatildeo e seus reflexos futuros

Quanto ao consumo sustentaacutevel e ao ecomarketing eacute indeleacutevel que a contenccedilatildeo dos danos ao meio ambiente causados pela produccedilatildeo susten-taacutevel e a garantia da sobrevivecircncia das futuras geraccedilotildees estatildeo diretamen-

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te relacionadas agrave reformulaccedilatildeo dos haacutebitos de consumo indispensaacutevel agrave edificaccedilatildeo de uma sociedade mais orgacircnica Assim passou-se a incluir a proteccedilatildeo do meio ambiente como um dos objetivos da poliacutetica nacional das relaccedilotildees de consumo imprimiu-se o comando de incentivo a padrotildees de produccedilatildeo e consumo sustentaacuteveis cimentou-se o dever de precauccedilatildeo passando a ser principio a promoccedilatildeo de padrotildees de produccedilatildeo e consumo sustentaacuteveis colimando-se assim atender as necessidades das atuais ge-raccedilotildees permitir melhores condiccedilotildees de vida promover o desenvolvimen-to econocircmico e inclusatildeo social sem comprometer a qualidade ambiental no atendimento das necessidades das geraccedilotildees futuras

Mais uma vez pretendendo reforccedilar a funcionalidade socializaccedilatildeo e eticidade dos contratos na poacutes-modernidade traz o projeto a previsatildeo dos princiacutepios da boa-feacute funccedilatildeo social do creacutedito e respeito agrave dignidade para uma concessatildeo responsaacutevel e leal do creacutedito que prime pelo dever de cooperaccedilatildeo previamente agrave contrataccedilatildeo Assim devem o fornecedor e o intermediaacuterio do creacutedito avaliar as condiccedilotildees econocircmico-financeiras do consumidor mediante documentaccedilatildeo necessaacuteria e consulta a bancos de dados ponderar esclarecer aconselhar e advertir o consumidor quanto aos riscos do inadimplemento Nesse rumo propotildee acrescentar um sect 3ordm ao art 96 da Lei nordm 107412003 (Estatuto do Idoso) para estabelecer natildeo constituir crime a negativa de creacutedito motivada por superendividamento do idoso

Igualmente positivo o processo de repactuaccedilatildeo voluntaacuteria de diacutevi-das natildeo profissionais (Art 104-A sect 2ordm) em relaccedilatildeo ao superendividado (Art104-A sect 1ordm) bem assim a fase judicial para revisatildeo e integraccedilatildeo dos contratos e repactuaccedilatildeo das diacutevidas remanescentes atraveacutes de um plano judicial compulsoacuterio que poderaacute ser formulado por um administrador nomeado pelo Juiz agrave guisa de todas as informaccedilotildees pessoais financeiras e patrimoniais do consumidor

Por fim estabelece a competecircncia concorrente das entidades inte-grantes do Sistema Nacional de Defesa do Consumidor previstas no art 82 do CDC para o procedimento conciliatoacuterio e preventivo do processo de repactuaccedilatildeo de diacutevidas

Enfim todo esse plexo inovatoacuterio denota que o projeto de lei repre-senta um avanccedilo civilizatoacuterio na prevenccedilatildeo da coacutelera social do superendi-vidamento pois inegavelmente a positivaccedilatildeo representa a consciecircncia e sensibilidade natildeo soacute do Estado mas da comunidade juriacutedica do paiacutes

A tutela do superendividamento como irradiaccedilatildeo dos direitos fundamentais nas relaccedilotildees de consumo

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6 CONCLUSAtildeO

Sabe-se que o creacutedito eacute necessaacuterio agrave sobrevivecircncia individual e do grupo social e como tal deve ser tratado como extensatildeo da cidadania so-cial ou econocircmica direito social modo de ser cidadatildeo pois permite novas oportunidades sociais

Mas embora seja atividade normal numa economia de mercado relacionando-se ao desenvolvimento econocircmico e melhoria de vida das pessoas quando o creacutedito eacute contraiacutedo em situaccedilatildeo de instabilidade finan-ceira laboral ou psicoloacutegica ou num cenaacuterio de abusividade comporta-mental por parte dos hipersuficientes numa sociedade de hiperconsumo apresenta uma faceta sombria que pode levar ao superendividamento e ao flagelo social

Percebe-se que contribuem para a crise de insolvecircncia e portanto para o superendividamento a falta de educaccedilatildeo ao consumo orgacircnico e sustentaacutevel assim como as concessotildees irresponsaacuteveis e sem eacutetica de fornecedores que natildeo atendem aos princiacutepios da seletividade garantia liquidez e diversificaccedilatildeo dos riscos e consequentemente denotam que-bra da boa-feacute e seus deveres anexos Nessa senda tambeacutem se encontram as claacuteusulas contratuais abusivas e as praacuteticas abusivas assim como o estiacutemulo artificial ao consumo irracional ao creacutedito faacutecil agrave seduccedilatildeo publi-citaacuteria agrave reduccedilatildeo dos mecanismos de controle dos encargos e reduccedilatildeo do estado do bem-estar social que eleva o custo com educaccedilatildeo e sauacutede privados

A despersonalizaccedilatildeo das relaccedilotildees (condutas sociais tiacutepicas relaccedilotildees anocircnimas) a sofisticaccedilatildeo dos instrumentos de atuaccedilatildeo a publicidade agressiva a sociologia publicitaacuteria de captaccedilatildeo de presas faacuteceis do con-sumo (jovens idosos deficientes) aleacutem da vulnerabilidade informacional satildeo as marcas do mercado hipermoderno que conduzem ao caminho do superendividamento

Mesmo nas hipoacuteteses de endividamento excessivo oriundo de forccedila maior social o superendividamento estaacute relacionado ao problema de po-liacuteticas puacuteblicas e redistribuiccedilatildeo e o seu enfrentamento passa pelo respeito agrave alteridade e consequentemente uma postura de cooperaccedilatildeo dinacircmica e reciacuteproca entre os protagonistas contratuais

Embora se deva primar pela prevenccedilatildeo do excesso de endividamento e agravamento das dificuldades diante da efetiva ocorrecircncia do superen-dividamento e portanto do fracasso das medidas preventivas a inter-venccedilatildeo puacuteblica administrativa ou judicial passa a traduzir uma legiacutetima

Fabiana Andreacutea de Almeida Oliveira Pellegrino

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expectativa do endividado na busca da reestruturaccedilatildeo de suas diacutevidas e a proacutepria concreccedilatildeo dos direitos fundamentais do consumidor

A tutela formal do fenocircmeno vem ao encontro da nova concepccedilatildeo de autonomia privada e consequentemente da noccedilatildeo de contrato como fato social cuja natureza afetiva relaciona formaccedilatildeo da vontade racional agrave atuaccedilatildeo mais qualificada do fornecedor ateacute porque os contratantes natildeo estatildeo mais em posiccedilotildees antagocircnicas mas devem atuar cooperando com o outro em prol do bem comum

Desse modo seja atraveacutes da conciliaccedilatildeo ou da mediaccedilatildeo voluntaacuteria ndash acordos realizados sob a eacutegide de autoridades do acircmbito administra-tivo ndash ou atraveacutes de processos judiciais que ora se aproximem do ldquofresh startrdquo proacuteprio dos paiacuteses do common law (Estados Unidos Inglaterra Ca-nadaacute Austraacutelia) ora se baseiem na filosofia da ldquoreeducaccedilatildeordquo preferida nos regimes de tradiccedilatildeo civil law (Franccedila Beacutelgica etc) eacute possiacutevel e urgente promover o tratamento do superendividamento como exerciacutecio da soli-dariedade realizaccedilatildeo do objetivo fundamental de erradicaccedilatildeo da pobreza da marginalizaccedilatildeo e reduccedilatildeo das desigualdades sociais e regionais

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Primeiras linhas quanto ao impacto da Lei Geral de Proteccedilatildeo de Dados na forccedila

probante dos documentos eletrocircnicos em processos submetidos aos Juizados

Especiais de relaccedilotildees de consumo

1 Doutor e Mestre em Direito pela Universidade Federal da Bahia advogado e atualmente ocupando a funccedilatildeo de juiz leigo da 4ordf vara de relaccedilotildees de consumo de SalvadorBA integrante do Sistema de Juizados Especiais do Poder Judiciaacuterio do Estado da Bahia

2 Mestre em Direito pela Universidade Federal da Bahia Juiacuteza Titular da 4ordf vara de re-laccedilotildees de consumo de SalvadorBA integrante do Sistema de Juizados Especiais do Poder Judiciaacuterio do Estado da Bahia

Belmiro Vivaldo Santana Fernandes1

Michelline Soares Bittencourt Trindade Luz2

Resumo O presente artigo cientiacutefico tem por objetivo analisar pos-siacuteveis alteraccedilotildees na valoraccedilatildeo probatoacuteria dos documentos eletrocircni-cos em demandas judiciais de relaccedilotildees de consumo nos Juizados Especiais em consequecircncia da promulgaccedilatildeo Lei Geral de Proteccedilatildeo de Dados Pessoais (Lei Federal nordm 13709 de 14 de agosto de 2018 com as alteraccedilotildees da Lei Federal nordm 138532019) Neste sentido revi-sitou-se o marco teoacuterico do acesso agrave justiccedila na visatildeo Mauro Cappel-letti e Bryan Garth na concepccedilatildeo da Lei dos Juizados Especiais (Lei 90991995) e os instrumentos processuais garantidos ao consumi-dor na defesa dos seus direitos conforme determina a Lei Federal nordm 80781990 Demonstrou-se que embora haja posicionamentos doutrinaacuterios e jurisprudenciais no sentido de minimizar a forccedila pro-batoacuteria dos documentos eletrocircnicos no contexto examinado a Lei de Proteccedilatildeo de Dados Pessoais aponta tendecircncia no sentido oposto que pode inclusive tornar ainda mais efetiva a facilitaccedilatildeo do acesso agrave justiccedila pelo consumidor inclusive nos Juizados Especiais

Palavras-chave Documentos eletrocircnicos ndash Juizados Especiais ndash Rela-ccedilotildees de Consumo ndash Lei Geral de Proteccedilatildeo de Dados Pessoais

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1 INTRODUCcedilAtildeO

O acesso agrave justiccedila eacute objeto de preocupaccedilatildeo dos estudiosos do Estado Democraacutetico de Direito que desde os primoacuterdios ateacute sua formaccedilatildeo atual enfrentou diversas crises e mudanccedilas de concepccedilatildeo

A concepccedilatildeo de acesso agrave justiccedila para aleacutem do mero processamento de demandas e a busca da concretizaccedilatildeo os direitos se revelou presente na construccedilatildeo da atual Lei 909995 especialmente no que tange agrave sua melhor aproximaccedilatildeo com a sociedade brasileira com suas desigualdades e complexidades Isto se coaduna com a garantia agrave facilitaccedilatildeo dos meios de acesso agrave justiccedila ao consumidor incorporados pelo ordenamento paacutetrio pela promulgaccedilatildeo da Lei nordm 8078 de 11 de setembro de 1990)

Entretanto embora perceptiacutevel e aceita a contrataccedilatildeo e consumo de produtos e serviccedilos pelos meios digitais constatam-se obstaacuteculos na adequada valoraccedilatildeo probatoacuteria dos documentos eletrocircnicos no pro-cesso especialmente no acircmbito dos juizados especiais A preocupaccedilatildeo reside no receio de sua manipulaccedilatildeo pelo fornecedor para eclipsar a pretensatildeo consumerista deduzida em juiacutezo o que acaba prejudicando seu proacuteprio acesso agrave justiccedila seja pelo argumento da necessidade de produccedilatildeo de prova pericial para atestar sua autenticidade pela sua total desconsideraccedilatildeo

Por outro lado eacute inequiacutevoca a convivecircncia dos meios digitais nas relaccedilotildees mais baacutesicas do dia a dia algo percebido intensificado sobretudo com o uso de tecnologias frente agrave pandemia do COVID-19 ocorrida no ano de 2020 Neste sentido observa-se que a tendecircncia legislativa eacute de reconhecer a forccedila probatoacuteria dos documentos eletrocircnicos especialmente em razatildeo da promulgaccedilatildeo do Coacutedigo de Processo Civil de 2015 Lei do Marco Civil da Internet (Lei nordm 12965 de 23 de abril de 2014) e Lei Geral de Proteccedilatildeo de Dados Pessoais (ldquoLGPDrdquo lei nordm 13709 de 14 de agosto de 2019)

O objetivo central deste artigo portanto eacute avaliar se o atual receio de reconhecimento da forccedila probante dos documentos eletrocircnicos eacute jus-tificaacutevel diante dos limites do procedimento sumariacutessimo dos Juizados Especiais e da proteccedilatildeo consumerista e natildeo o sendo quais satildeo as ferra-mentas hermenecircuticas agrave disposiccedilatildeo dos sujeitos processuais sua adequa-da valoraccedilatildeo

Para tanto em anaacutelise teoacuterico-descritiva examinou-se o marco teoacute-rico da criaccedilatildeo do atual sistema de Juizados Especiais cuja inspiraccedilatildeo eacute a

Belmiro Vivaldo Santana Fernandes bull Michelline Soares Bittencourt Trindade Luz

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teoria de Cappelletti e Garth de acesso agrave justiccedila e as inovaccedilotildees propostas pela Lei Geral de Proteccedilatildeo de Dados Pessoais Observou-se que em diver-sas passagens satildeo evidenciadas notaacuteveis semelhanccedilas do regime juriacutedico da novel lei com as normas do Coacutedigo de Defesa do Consumidor

Diante da proposta metodoloacutegica deste trabalho o conteuacutedo foi em quatro seccedilotildees sendo a primeira introdutoacuteria a segunda com o resgate da concepccedilatildeo de acesso agrave justiccedila na visatildeo de Cappelli e Garth a terceira com a regulaccedilatildeo especiacutefica do acesso agrave justiccedila na Lei 909995 e no Coacutedigo de Defesa do Consumidor e na quarta seccedilatildeo o valor probante dos documen-tos eletrocircnicos frente agraves recentes inovaccedilotildees legislativas como a Lei Geral de Proteccedilatildeo de dados Pessoais Ao final do trabalho apresenta-se uma breve conclusatildeo que sumariza o exposto

2 O ACESSO Agrave JUSTICcedilA NA CONCEPCcedilAtildeO DE CAPPELLETTI E GARTH

Para que verifique in concreto se o modelo poliacutetico-juriacutedico vivencia-do em dada realidade sociocultural eacute necessaacuterio observar alguns paracircme-tros fundamentais que diante de sua presenccedila eou respeito indicariam o alcance mais proacuteximo do ideal da experiecircncia de conviacutevio efetivo em uma democracia3

Morais e Streck (2010 p 99) afirmam que os principais elementos perceptiacuteveis satildeo a) existecircncia de uma constituiccedilatildeo b) pluralismo poliacute-tico c) respeito agrave diversidade e agrave liberdade de opiniatildeo e expressatildeo d) sistema de garantias aos direitos fundamentais tanto individuais quanto coletivos e) reparticcedilatildeo de funccedilotildees puacuteblicas entre autoridades distintas f ) controle da legalidade dos atos judiciais e administrativos diante da constituiccedilatildeo g) sentimento de seguranccedila e certeza juriacutedicas h) justiccedila social e isonomia

3 Explicam Morais e Streck (2010 p 97) que o Estado Democraacutetico de Direito tem o compromisso de transformaccedilatildeo da realidade sendo diverso do mero Estado Social de Direito que visa a melhoria das condiccedilotildees sociais poreacutem natildeo traz em seu componen-te central a participaccedilatildeo popular como ocorre em alguns modelos como no populis-mo no socialismo ou em estruturas acentuadamente intervencionistas O conteuacutedo central de um Estado que se propotildee a ser democraacutetico eacute ultrapassar a concretizaccedilatildeo de uma vida digna agindo simbolicamente como fomentador da participaccedilatildeo puacutebli-ca no processo de construccedilatildeo e reconstruccedilatildeo da sociedade O acesso agraves diversas fun-ccedilotildees estatais e a participaccedilatildeo dos cidadatildeos inclusive no Poder Judiciaacuterio sedimentam o efetivo caraacuteter democraacutetico de uma estrutura poliacutetica

Primeiras linhas quanto ao impacto da Lei Geral de Proteccedilatildeo de Dados na forccedila probante dos documentos eletrocircnicos em processos submetidos aos Juizados Especiais de relaccedilotildees de consumo

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Natildeo haacute de olvidar que os maiores expoentes no tema de acesso agrave justiccedila satildeo Mauro Cappelletti e Bryan Garth (1988 p 23) promoveram um estudo em escala global denominado ldquoProjeto Florenccedilardquo cujo objetivo foi o de coletar e analisar como os diversos sistemas juriacutedicos do mundo garantem a busca junto aos oacutergatildeos do Poder Judiciaacuterio de reclamaccedilotildees agrave violaccedilatildeo de seus direitos subjetivos Em consequecircncia publicaram a obra conhecida no Brasil como ldquoAcesso agrave Justiccedilardquo4 no ano de 1978 sendo um marco para o estudo do Direito Processual

Em siacutentese explicam que nos primoacuterdios do Estado Liberal o acesso agrave justiccedila5 apenas significava o direito formal de algueacutem buscar o Poder Ju-diciaacuterio para propor ou contestaccedilatildeo uma accedilatildeo entretanto estaria fora de seu escopo inicial o uso da justiccedila com uma efetiva melhoria na qualidade de vida e consequentemente incremento da participaccedilatildeo democraacutetica pela concretizaccedilatildeo da isonomia (CAPPELETTI GARTH 1988 p 13) Com o aumento da complexidade das relaccedilotildees sociais e de sua proacutepria percep-ccedilatildeo o mero processo individualizado natildeo poderia mais existir sozinho de-vendo funcionar como resgate da proacutepria cidadania (CAPPELETTI GARTH 1988 p 160)6

Outros temas tambeacutem satildeo relevantemente trabalhados na obra de Cappelletti e Garth7 mas um em especial ganha relevo e estaacute diretamente relacionado agrave proposta de criaccedilatildeo de ldquotribunais de pequenas causasrdquo que eacute o custo do processo formal o que inclui as proacuteprias custas judiciaacuterias as despesas para produccedilatildeo de provas e com o proacuteprio assessoramento juriacutedico (CAPPELETTI GARTH 1988 p 20) o que leva agrave parte mais fraca ao abandono do litiacutegio ou ao desencorajamento de enfrentar disputas ju-

4 Seu tiacutetulo original foi abreviado no Brasil mas merece ser lembrado porque permi-te a compreensatildeo do escopo do estudo de Cappelletti e Garth Assim chamou-se ldquoAccess to Justice The Worldwide Movement to Make Rights Effective ndash A General Reportrdquo algo como ldquoAcesso agrave Justiccedila o movimento mundial para tonar os direitos efetivosrdquo em traduccedilatildeo livre

5 ldquoJusticcedilardquo para os autores tecircm sentido proacuteximo de Judiciaacuterio mas ultrapassa o puro direito de accedilatildeo mas de efetivaccedilatildeo dos direitos (CAPPELLETTI GARTH 1988 p 33)

6 Como explica Hobsbawn (2014 p 399) o ponto de inflexatildeo e mudanccedila paradigmaacutetica foi a implementaccedilatildeo do Estado do Bem-Estar Social por meio dos keynesianos que compreendiam a importacircncia de acesso ao emprego e melhoria dos salaacuterios para fo-mento da economia e do mercado de consumo

7 Como a litigiosidade do proacuteprio Estado com seus cidadatildeos e a burocracia

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riacutedicas Essas preocupaccedilotildees foram objeto da construccedilatildeo da Lei 90991995 uma modernizaccedilatildeo da antiga ldquoLei de Juizados de Pequenas Causasrdquo8 (PA-RIZOTTO 2018 p 23)

Em sentido contemporacircneo Maria Aparecida Lucca Caovilla (2003 p 35) compreende que o acesso agrave justiccedila se relaciona melhor com a conscientizaccedilatildeo da populaccedilatildeo de seus direitos natildeo podendo se resumir ao acesso formal ao Poder Judiciaacuterio Eacute o mesmo sentido defendido por Eduardo de Avelar Lamy e Horaacutecio Wanderlei Rodrigues (2016 p 206) que consagra a importacircncia da resposta ao problema trazido ao Judiciaacuterio pela efetividade do resultado e concretizaccedilatildeo do direito material subjetivo percebido pelo ganho de consciecircncia juriacutedica da populaccedilatildeo O acesso agrave justiccedila tambeacutem ganha um conteuacutedo axioloacutegico da proacutepria expressatildeo de justiccedila ndash no sentido de ldquojustordquo ndash para acesso agrave ordem e aos direitos funda-mentais (LAMY RODRIGUES 2016 p 112)9

3 A FACILITACcedilAtildeO DO ACESSO Agrave JUSTICcedilA NO COacuteDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR E NOS JUIZADOS ESPECIAIS CIacuteVEIS

A Lei nordm 9099 de 26 de setembro de 1995 ao revogar a antiga Lei dos Juizados de Pequena Causa (Lei nordm 72441984) demonstrou o respeito ao quanto determinado pelo artigo 98 da Constituiccedilatildeo de 198810 que na

8 A antiga Lei dos Juizados de Pequenas Causas (Lei nordm 7244 de 07 de Setembro de 1984) instituiu oacutergatildeos do Poder Judiciaacuterio aptos agrave recepccedilatildeo de demandas que se tornariam inviaacuteveis para propositura perante os oacutergatildeos da Justiccedila Comum A Lei dos Juizados Especiais (Lei 90991995) superou algumas incongruecircncias do antigo ato normativo promulgado antes da vigecircncia da Constituiccedilatildeo de 1988 com o princiacutepio compatiacuteveis com a atual sistemaacutetica constitucional

9 Ada Pellegrini Grinover e outros (2005 p 39-40) trazem liccedilotildees importantes como que o acesso agrave justiccedila natildeo se identifica com a mera admissatildeo no processo mas se relacionando com agrave defesa adequada em processos criminais a recepccedilatildeo de causas mesmo que ldquopequenasrdquo e a efetividade Tudo isto leva agrave convergecircncia da oferta cons-titucional de direitos e garantias

10 Quanto agrave criaccedilatildeo dos Juizados Especiais a Constituiccedilatildeo de 1988 assim determinou em seu artigo 98 ldquoA Uniatildeo no Distrito Federal e nos Territoacuterios e os Estados criaratildeo I ndash Juizados especiais providos por juiacutezes togados e leigos competentes para a conciliaccedilatildeo o julgamento e a execuccedilatildeo de causas ciacuteveis de menor complexidade e infraccedilotildees penais de menor potencial ofensivo mediante os procedimentos oral e sumariacutessimo permitidos nas hipoacuteteses previstas em lei a transaccedilatildeo e o julgamento de recursos por turmas de juiacutezes de primeiro graurdquo (BRASIL 1988)

Primeiras linhas quanto ao impacto da Lei Geral de Proteccedilatildeo de Dados na forccedila probante dos documentos eletrocircnicos em processos submetidos aos Juizados Especiais de relaccedilotildees de consumo

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liccedilatildeo de Caovilla (2003 p 89) garantiu um acesso a causas de menor valor econocircmico promovendo uma niacutetida evoluccedilatildeo com o povo brasileiro e preocupaccedilatildeo com sua realidade social especialmente quanto agrave reduccedilatildeo da burocracia o que inclui a isenccedilatildeo de custas e condenaccedilatildeo em honoraacute-rios advocatiacutecios em primeira instacircncia11

Caovilla (2003 p 42) ainda esclarece que o sentido de acesso agrave justiccedila como efetividade de direitos eacute cristalino na Lei dos Juizados Es-peciais especialmente quanto aos Ciacuteveis representando uma proposta realista e ainda atual Afirma que como o processo tem a missatildeo comple-xa inclusive de restabelecer a felicidade12 das pessoas pela recuperaccedilatildeo de seus bens da vida o que natildeo seria possiacutevel caso se submetessem ao regramento riacutegido e burocraacutetico dos procedimentos ciacuteveis da justiccedila natildeo especializada

Havia portanto ateacute a promulgaccedilatildeo da Lei dos Juizados Especiais uma litigiosidade contida pela inadequaccedilatildeo do modelo de caacutelculo das custas judiciais e das despesas com honoraacuterios advocatiacutecios e produccedilatildeo de prova afastando os menos abastados de uma prestaccedilatildeo jurisdicio-nal simples raacutepida econocircmica e segura (FIGUEIRA JUacuteNIOR TOURINHO NETO 2017 p 40) Como tambeacutem explicam Arenhart e Marinoni (2012 p 209) o juizado especial natildeo deve ser pensado como um meio de agi-lizaccedilatildeo de litiacutegios mas de assegurar a certos segmentos da populaccedilatildeo brasileira o direito a demandar em Juiacutezo que em outras circunstacircncias natildeo seria viaacutevel

Em contraponto ao modelo tradicional formal com a Lei dos Juizados Especiais avanccedilou-se frente agrave instrumentalizaccedilatildeo do processo em razatildeo de seus princiacutepios basilares contidos em seu artigo 2ordm oralidade simpli-cidade informalidade economia processual e celeridade com busca dos meios de autocomposiccedilatildeo de conflitos

11 Com algumas exceccedilotildees como o desinteresse processual provocador da extinccedilatildeo do processo sem apreciaccedilatildeo do meacuterito e comportamento compatiacutevel com litigacircncia de maacute-feacute como consagrado nos enunciados 114 e 136 do FONAJE (Foacuterum Nacional de Juizados Especiais) (2020)

12 O direito agrave felicidade foi previsto expressamente na Declaraccedilatildeo de Direitos do Bom Povo da Virgiacutenia em 1776 Aleacutem disto foi mencionado pelos textos constitucionais da Franccedila do Japatildeo e da Coreia do Sul aleacutem de tambeacutem integrar resoluccedilatildeo da Orga-nizaccedilatildeo das Naccedilotildees Unidas de 2011 (HAumlBERLE 2009 p 55-60)

Belmiro Vivaldo Santana Fernandes bull Michelline Soares Bittencourt Trindade Luz

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Poder Judiciaacuterio do Estado da Bahia ISBN 978-65-89459-01-9

Humberto Theodoro Juacutenior (2019 p 21) esclarece que a instrumenta-lidade das formas e a efetividade da prestaccedilatildeo jurisdicional tecircm marcado a tocircnica do processo civil contemporacircneo com dedicaccedilatildeo a remeacutedios e medidas que resultem em melhorias do serviccedilo forense e o alcance de resultados

Dentro desta proposta Barbosa Moreira (1984 p 53) jaacute se preocupa-va com a demora na prestaccedilatildeo jurisdicional como uma falha do sistema ju-diciaacuterio tornando o processo natildeo efetivo Luiz Guilherme Marinoni (2003 p 83) jaacute haacute muito explicava que quanto maior for a demora na prestaccedilatildeo jurisdicional maior seraacute o benefiacutecio ao reacuteu com proporcional dano causa-do ao autor

Este foi o sentido da Reforma do Poder Judiciaacuterio provocada pela emenda constitucional nordm 452004 que inseriu a ldquorazoaacutevel duraccedilatildeo do processordquo no rol de direitos e garantias fundamentais Para Silvana Cristina Bonifaacutecio Souza (2005 p 52) trata-se do atendimento agrave efetividade da prestaccedilatildeo jurisdicional

Como observa Cacircndido Rangel Dinamarco (2008 p 45) a lei foi fiel agrave principiologia jaacute sedimentada na disciplina praacutetica do processo tradicio-nal para operacionalizaacute-lo sem antepocirc-lo agrave justiccedila

Por outro lado o Coacutedigo de Defesa do Consumidor promulgado em 11 de setembro de 1990 decorre na relevantiacutessima necessidade de regu-lar os conflitos proacuteprios da sociedade de massa presente sobremaneira no proacuteprio consumo de massa Para equilibrar as relaccedilotildees de consumo torna-se imprescindiacutevel a garantia de uma prestaccedilatildeo jurisdicional justa (CARVALHO 2007)

Quanto aos processos individuais em relaccedilotildees de consumo explica Nelson Nery Juacutenior (2002 p 123) que os mais diretamente aplicaacuteveis satildeo os da vulnerabilidade e da hipossuficiecircncia

Paulo Valeacuterio de Moraes (1999 p 45) esclarece que a vulnerabilidade do consumidor eacute absoluta13 porque como explica Claacuteudia Lima Marques

13 Embora existam os consumidores ainda mais vulnerados os denominados ldquohipervul-neraacuteveisrdquo (MARQUES 2012 p 127) sendo justamente aqueles que natildeo dispotildeem das caracteriacutesticas do ldquohomem meacutediordquo (conceito natildeo adotado pelo Coacutedigo de Defesa do Consumidor) como em razatildeo de idade sauacutede fiacutesica e mental renda escolaridade ou outras circunstacircncias relevantes merecendo proteccedilatildeo acentuada No mesmo senti-do cf Cristiano Heineck Schmitt (2014 p 217)

Primeiras linhas quanto ao impacto da Lei Geral de Proteccedilatildeo de Dados na forccedila probante dos documentos eletrocircnicos em processos submetidos aos Juizados Especiais de relaccedilotildees de consumo

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(2002 p 151) haver um desequiliacutebrio praacutetico dos fatos presentes na re-laccedilatildeo para com o fornecedor ainda que o consumidor disponha de alta escolaridade renda e higidez fiacutesica e mental Dentre as espeacutecies de vul-nerabilidade encontram-se a teacutecnica (desconhecimento do consumidor pelos produtos e serviccedilos que estaacute adquirindo em decorrecircncia da comple-xidade das relaccedilotildees econocircmicas e juriacutedicas) a juriacutedica (desconhecimento da existecircncia de direitos e de sua extensatildeo) poliacutetico-administrativa (insufi-ciecircncia da presenccedila estatal na sua proteccedilatildeo) aleacutem da psiacutequica econocircmica e ateacute mesmo ambiental Portanto a vulnerabilidade tem maior identidade com o direito material do consumidor ao passo em que a hipossuficiecircncia tem lugar de anaacutelise no campo do direito processual

Assim eacute que a hipossuficiecircncia deriva da facilitaccedilatildeo de acesso ao con-sumidor agrave justiccedila como descrito no artigo 6ordm inciso VIII do Coacutedigo (GRI-NOVER 2001 p 145) Dentre seus traccedilos caracteriacutesticos mais concretos localiza-se a possibilidade de inversatildeo do ocircnus da prova que natildeo eacute auto-maacutetica porque diversamente da vulnerabilidade a presunccedilatildeo de hipossu-ficiecircncia eacute relativa e apreciada pelo juiz no caso concreto

Cavalieri Filho (2019 p 67) aduz que a principal finalidade da inver-satildeo do ocircnus da prova eacute tornar mais acessiacutevel a defesa do consumidor em razatildeo da desigualdade diante do fornecedor Assim admite-se que o con-sumidor traga uma prova de primeira aparecircncia relevando-se conforme apreciaccedilatildeo judicial maior robustez para o fornecedor

Ocorre que haacute uma tendecircncia de acolhimento da inversatildeo do ocircnus da prova na maioria das accedilotildees consumeristas justamente frente ao olhar das dificuldades do consumidor de deduzir em juiacutezo suas pretensotildees Em casos entretanto que exista niacutetida maacute-feacute do consumidor ou que a prova seja verificada como ldquodiaboacutelicardquo para o fornecedor aplica-se o ocircnus tradi-cional de que cabe ao autor demonstrar a existecircncia de seu direito como determina o artigo 373 inciso I do Coacutedigo de Processo Civil de 2015

4 O VALOR PROBATOacuteRIO DOS DOCUMENTOS ELETROcircNICOS A PARTIR DA ENTRADA EM VIGOR DA LEI GERAL DE PRO-TECcedilAtildeO DE DADOS PESSOAIS

Como dissemos anteriormente embora o direito resguarde grande formalismo os juizados especiais buscaram superar este paradigma de modo a garantir um mais amplo acesso agrave justiccedila frente ao propoacutesito de se buscar maior efetividade das demandas processualmente propostas

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Entretanto conjugando-se os princiacutepios da vulnerabilidade e da hipossuficiecircncia do consumidor frente aos fornecedores sobremaneira diante da exigecircncia legal de baixa complexidade das pretensotildees ajuizadas no Sistema de Juizados Especiais percebe-se a necessidade de urgente adequaccedilatildeo dos entendimentos quanto agrave apreciaccedilatildeo probatoacuteria dos docu-mentos eletrocircnicos

O reconhecimento da praacutetica de atos eletrocircnicos natildeo eacute exatamente uma novidade no ordenamento juriacutedico paacutetrio O proacuteprio Coacutedigo de Defe-sa do Consumidor inovador e revolucionaacuterio em sua proposta jaacute no ano de 1990 reconheceu regime juriacutedico especiacutefico para os denominados ldquocon-tratos agrave distacircnciardquo pela previsatildeo do direito de arrependimento presente em seu artigo 49 ateacute o termo final do denominado ldquoprazo de reflexatildeordquo (paraacutegrafo uacutenico do mesmo dispositivo) (MARQUES 2002 p 35)

No campo processual a Lei nordm 114192006 jaacute dispunha sobre a praacute-tica de atos judiciais da forma eletrocircnica embora que hoje vista de forma um tanto quanto tiacutemida diante dos saltos tecnoloacutegicos daquele ano para a contemporaneidade Observa-se ainda uma grande cautela em seu texto especialmente quando prevecirc a possibilidade de falhas nos sistemas por-que dispotildee quanto ao uso de documentos impressos de forma alternativa ou subsidiaacuteria14 (BUENO 2018 p 53)

Cerca de uma deacutecada depois o Coacutedigo de Processo Civil de 2015 pas-sou a dispor expressamente sobre os documentos eletrocircnicos incluindo--os nos dispositivos referentes agrave prova Entretanto ainda haacute elementos de certo conservadorismo e formalismo por evidente cautela ao documento impresso o que se verifica nos artigos 439 e 440 adiante citados

Art 439 A utilizaccedilatildeo de documentos eletrocircnicos no processo conven-cional dependeraacute de sua conversatildeo agrave forma impressa e da verifi-caccedilatildeo de sua autenticidade na forma da lei Art 440 O juiz apre-ciaraacute o valor probante do documento eletrocircnico natildeo convertido assegurado agraves partes o acesso ao seu teor (BRASIL 2015) (os grifos satildeo nossos)

Note-se entretanto que o legislador do CPC201515 reconhece a alta probabilidade de as disposiccedilotildees sobre relaccedilotildees juriacutedicas produzidas de forma eletrocircnica rapidamente ficarem desatualizadas (DIDIER 2017 p

14 Vide artigos 9ordm sect 2ordm 12 sectsect 2ordm e 4ordm dentre outros

15 Coacutedigo de Processo Civil de 2015

Primeiras linhas quanto ao impacto da Lei Geral de Proteccedilatildeo de Dados na forccedila probante dos documentos eletrocircnicos em processos submetidos aos Juizados Especiais de relaccedilotildees de consumo

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60) pelo que deixa a cargo de outras normas o regime de produccedilatildeo e conservaccedilatildeo dos documentos eletrocircnicos ldquoArt 441 Seratildeo admitidos do-cumentos eletrocircnicos produzidos e conservados com a observacircncia da legislaccedilatildeo especiacutefica (grifos nossos)

A produccedilatildeo de documentos eletrocircnicos ganha especial relevo quan-do do notoacuterio crescimento do e-commerce sendo que em 2019 o Brasil aparecia em 14ordm lugar mundial no ranking de compras online (CONFEDE-RACcedilAtildeO NACIONAL DO COMEacuteRCIO 2019) Haacute de se esperar um incremento nesta proporccedilatildeo natildeo apenas em razatildeo das medidas de isolamento social decorrentes da pandemia do COVID-19 mas pelas provaacuteveis mudanccedilas no comportamento do consumidor a partir da superaccedilatildeo de receios com o comeacutercio eletrocircnico

A aceitaccedilatildeo dos documentos eletrocircnicos como meio de prova en-controu consideraacutevel amparo com a ediccedilatildeo da Lei nordm 12965 de 23 de abril de 2014 conhecida como ldquoMarco Civil da Internetrdquo Dispocircs da obrigatorie-dade de guarda de documentos e dos registros de acesso e utilizaccedilatildeo de aplicaccedilotildees por prazos que variam de seis meses (artigo 15) a um ano (arti-go 13) aleacutem de trazer regime proacuteprio de responsabilizaccedilatildeo civil pelo natildeo fornecimento de tais informaccedilotildees e documentos quando requisitadas Por fim garante agrave parte interessada formar ldquoconjunto probatoacuterio em processo judicialrdquo quanto aos documentos produzidos eletronicamente (artigo 22)

A lei do Marco Civil da Internet dispocircs sobre a guarda e tratamento de dados poreacutem na comparaccedilatildeo com outras normas semelhantes presen-tes em outros ordenamentos ainda precisava regular mais detalhadamen-te essas questotildees (SOUZA LEMOS 2016 p 40) Com isto foi complemen-tada ndash ou ateacute mesmo parcialmente revogada ndash pela Lei Geral de Proteccedilatildeo de Dados vulgo ldquoLGPDrdquo promulgada sob o nordm 13709 em 14 de agosto de 2019

A LGPD natildeo substitui o tratamento regulatoacuterio jaacute conferido agraves rela-ccedilotildees por meio da rede mundial de computadores no Marco Civil todavia quanto ao regime de coleta e tratamento de dados supera o ato normati-vo anterior conferindo-lhe notaacutevel detalhamento

O conceito legal de tratamento de dados eacute disposto no artigo 5ordm inciso X da LGPD a saber

Artigo 5ordm [] X ndash tratamento toda operaccedilatildeo realizada com dados pes-soais como as que se referem a coleta produccedilatildeo recepccedilatildeo classifi-caccedilatildeo utilizaccedilatildeo acesso reproduccedilatildeo transmissatildeo distribuiccedilatildeo pro-

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cessamento arquivamento armazenamento eliminaccedilatildeo avaliaccedilatildeo ou controle da informaccedilatildeo modificaccedilatildeo comunicaccedilatildeo transferecircncia difusatildeo ou extraccedilatildeo (BRASIL 2019)

Na relaccedilatildeo juriacutedica dos envolvidos no tratamento de dados aleacutem da presenccedila estatal estatildeo de um lado o titular e do outro os agentes de tratamento (artigo 5ordm inciso IX) divididos em operador e controlador O objeto da relaccedilatildeo satildeo os dados pessoais assim considerados como a ldquoinformaccedilatildeo relacionada a pessoa natural identificada ou identificaacutevel16rdquo

Em anaacutelise dos dispositivos da LGPD nota-se uma grande semelhan-ccedila com conceitos jaacute consolidados no Coacutedigo de Defesa do Consumidor em alguns casos podendo ser utilizado ateacute mesmo um paralelo Logo haacute grande aproximaccedilatildeo entre o que a LGPD considera titular e como o CDC considera consumidor a mesma loacutegica eacute aplicaacutevel aos agentes de trata-mento (operador controlador e encarregado)

O tratamento de dados ocorre a todo o momento sendo rotineira em relaccedilotildees de consumo Diante disto a LGPD segue a esteira do CDC consa-grando tambeacutem o princiacutepio da informaccedilatildeo ao titular quanto agrave finalidade forma e duraccedilatildeo do tratamento forma de contato com o controlador e direitos do titular frente agrave responsabilizaccedilatildeo dos agentes do tratamento

Sobre a responsabilidade civil dos agentes de tratamento esta eacute ex-pressamente objetiva incluindo natildeo apenas a reparaccedilatildeo de danos como de prestaccedilotildees positivas ou negativas referentes aos dados (exclusatildeo in-formaccedilatildeo etc) Uma tocircnica da LGPD eacute o rol de dispositivos englobando o tema do consentimento fornecido pelo titular com possibilidade de inversatildeo do ocircnus da prova contra os agentes de tratamento em processo judicial Assim como no Coacutedigo de Defesa do Consumidor e no Coacutedigo de Processo Civil de 2015 o ocircnus da prova natildeo eacute automaacutetico devendo ser decidido pelo juiz no caso concreto

Tantas semelhanccedilas entre a LGPD e o CDC produzem grande expec-tativa naquele que analisa os seus 65 (sessenta e cinco) artigos por uma declaraccedilatildeo mais expressa do legislador de que se inspirou nas normas

16 A LGPD estabelece dois regimes de proteccedilatildeo aos dados Dados pessoais satildeo apenas os considerados capazes de identificar seu titular por outro lado os dados ldquoanoni-mizadosrdquo satildeo os que natildeo podem ser relacionados a um certo titular de acordo com a tecnologia disponiacutevel Haacute grande diferenccedila quanto ao regime de consentimento e proteccedilatildeo entre um e outro tipo

Primeiras linhas quanto ao impacto da Lei Geral de Proteccedilatildeo de Dados na forccedila probante dos documentos eletrocircnicos em processos submetidos aos Juizados Especiais de relaccedilotildees de consumo

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consumeristas para construccedilatildeo do regime legal de proteccedilatildeo de dados pes-soais Eis que apenas no artigo 45 a LGPD confirma o que jaacute se suspeitava Dispotildee textualmente que ldquoart 45 As hipoacuteteses de violaccedilatildeo do direito do ti-tular no acircmbito das relaccedilotildees de consumo permanecem sujeitas agraves regras de responsabilidade previstas na legislaccedilatildeo pertinenterdquo17 (Grifos nossos)

Restando demonstrado que a LGPD tem condatildeo notadamente pro-tetivo aos titulares dos dados inclusive pela possibilidade de inversatildeo do ocircnus da prova pelos agentes de tratamento no cumprimento de seus deveres resta saber como fica o seu direito de defesa diante de accedilotildees ju-diciais dos quais podem ser reacuteus

Eis que a LGPD acaba por possibilitar expressamente o uso dos dados pessoais do titular contra o mesmo nos limites dos dispositivos a seguir

Art 7ordm O tratamento de dados pessoais somente poderaacute ser realizado nas seguintes hipoacuteteses [] IX ndash quando necessaacuterio para atender aos interesses legiacutetimos do controlador ou de terceiro exceto no caso de prevalecerem direitos e liberdades fundamentais do titular que exijam a proteccedilatildeo dos dados pessoais [] Art 22 A defesa dos interesses e dos direitos dos titulares de dados poderaacute ser exer-cida em juiacutezo individual ou coletivamente na forma do disposto na legislaccedilatildeo pertinente acerca dos instrumentos de tutela individual e coletiva [] Art 37 O controlador e o operador devem manter regis-tro das operaccedilotildees de tratamento de dados pessoais que realizarem especialmente quando baseado no legiacutetimo interesse [] Art 43 Os agentes de tratamento soacute natildeo seratildeo responsabilizados quan-do provarem I ndash que natildeo realizaram o tratamento de dados pessoais que lhes eacute atribuiacutedo II ndash que embora tenham realizado o tratamento de dados pessoais que lhes eacute atribuiacutedo natildeo houve violaccedilatildeo agrave legis-laccedilatildeo de proteccedilatildeo de dados ou III ndash que o dano eacute decorrente de culpa exclusiva do titular dos dados ou de terceiro (BRASIL 2019) (os grifos satildeo nossos)

Em suma embora a LGPD de modo geral proiacuteba que os dados sob posse dos agentes de tratamento possam ser utilizados contra os titulares a contrario sensu autoriza o seu uso para defesa dos interesses legiacutetimos dos controladores encarregados e operadores

17 Embora em um raacutepido raciociacutenio haja dificuldade de se imaginar a aplicaccedilatildeo da LGPD fora das relaccedilotildees de consumo natildeo se pode ignorar que o agente de tratamen-to possa ser outra pessoa fiacutesica ou juriacutedica em relaccedilotildees de natureza diversa (traba-lhista de famiacutelia ou ciacuteveis em sentido amplo) como pelo proacuteprio Estado pelo que a LGPD determina neste caso a aplicaccedilatildeo da Lei de Acesso agrave Informaccedilatildeo

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Neste contexto mostra-se desafiadora a permanecircncia do entendi-mento judicial predominante18 quanto agrave inadmissibilidade absoluta de que telas sistecircmicas como defesa dos fornecedores embora jaacute existam posicionamentos contraacuterios em construccedilatildeo19

Isto natildeo significa que o sistema protetivo do CDC tenha iniciado uma corrosatildeo a partir da promulgaccedilatildeo da LGPD ateacute mesmo porque esta con-sidera abusivo o uso de informaccedilotildees em poder do controlador contra o proacuteprio titular20 como pode ocorrer com grandes fornecedores de servi-ccedilos como energia eleacutetrica planos de sauacutede bancos e telecomunicaccedilotildees

Retornando ao debate quanto aos limites do procedimento sumariacutes-simo presente nos Juizados Especiais eacute cediccedilo que a prova pericial tradi-cional natildeo eacute admitida apenas sendo possiacutevel a colaboraccedilatildeo de pareceres teacutecnicos de profissionais de confianccedila21 ou a proacutepria inspeccedilatildeo judicial22

Eacute preciso considerar que o magistrado pode decidir em sede de Jui-zados Especiais com base nas regras de experiecircncia23 perfeitamente com-patiacutevel com o uso da razoabilidade como jaacute previsto no Coacutedigo de Proces-so Civil de 201524

Acrescente-se que a proacutepria Lei 909995 permitiu o uso de soluccedilotildees ldquojustas e equacircnimesrdquo25 sendo portanto a aplicaccedilatildeo da equidade natildeo ape-nas possiacutevel o acircmbito dos Juizados mas igualmente no proacuteprio Coacutedigo de Defesa do Consumidor26

18 Agrave guisa de exemplo como no RI 10000304220178110098 MT Relator ANTONIO VE-LOSO PELEJA JUNIOR Data de Julgamento 29092020 Turma Recursal Uacutenica Data de Publicaccedilatildeo 01102020

19 Vide TJ-SP 10158492320178260576 SP 1015849-2320178260576 Relator Edgard Rosa Data de Julgamento 15032018 25ordf Cacircmara de Direito Privado Data de Publi-caccedilatildeo 16032018

20 Art 21 Os dados pessoais referentes ao exerciacutecio regular de direitos pelo titular natildeo podem ser utilizados em seu prejuiacutezo

21 Artigo 35 da Lei 909995 e enunciado nordm 12 do FONAJE

22 Paraacutegrafo uacutenico idem

23 Artigo 5ordm idem

24 Artigo 8ordm Coacutedigo de Processo Civil de 2015

25 Artigo 6ordm Lei 909995

26 Artigo 7ordm CDC

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Por fim nenhuma prova nos Juizados eacute absoluta e previamente con-siderada complexa o suficiente para conduzir o processo agrave sua extinccedilatildeo sem apreciaccedilatildeo do meacuterito27 e que o Coacutedigo de Processo Civil em seus artigos 411 inciso III e 412 consideram vaacutelido o documento cuja autentici-dade natildeo foi impugnada

Entretanto os novos paradigmas quanto agrave validade dos documentos eletrocircnicos sobretudo a partir da promulgaccedilatildeo da Lei Geral de Proteccedilatildeo de Dados desafiam o magistrado as partes seus procuradores e demais sujeitos processuais a uma avaliaccedilatildeo mais razoaacutevel diante de sua produccedilatildeo

Por um lado sua aceitaccedilatildeo inequiacutevoca pode ter como consequecircncias graves o cerceamento de direitos da parte contraacuteria por outro a extrema desconfianccedila quando agrave sua autenticidade entre em confronto com a cons-truccedilatildeo do acesso agrave justiccedila do legado de Cappelletti e tatildeo bem recepcio-nado pelo artigo 98 da Constituiccedilatildeo de 1988 pelo Coacutedigo de Defesa do Consumidor e pela Lei dos Juizados Especiais

5 CONSIDERACcedilOtildeES FINAISO presente teve como objetivo analisar a indicativa mudanccedila de pa-

radigmas no acircmbito da valoraccedilatildeo probatoacuteria dos documentos eletrocircnicos em lides consumeristas processadas e julgadas no acircmbito dos Juizados Especiais frente agrave promulgaccedilatildeo da Lei Geral de Proteccedilatildeo de Dados

Fez-se necessaacuterio resgatar a concepccedilatildeo originaacuteria do acesso agrave justiccedila de acordo com os estudos de Cappelletti e Garth fundamentadores da es-truturaccedilatildeo fundamental dos Juizados Especiais regulado na Constituiccedilatildeo de 1988 e na Lei 909995 e um dos indicadores da percepccedilatildeo de se viver em um Estado Democraacutetico de Direito

Conjugando-se com as normas protetivas do consumidor presentes no seu Coacutedigo de Defesa proacuteprio verificou-se que dada a realidade de que grande parte das relaccedilotildees de consumo ocorrem pela via eletrocircnica a va-loraccedilatildeo da prova por meio digital com excesso de formalismo natildeo apenas eacute contraacuteria agrave concepccedilatildeo de acesso agrave justiccedila da Lei 909995 como pode levar a decisotildees potencialmente ultrapassadas e injustas diante da inequiacute-voca e crescente presenccedila dos negoacutecios juriacutedicos produzidos por meio da rede mundial de computadores

27 FONAJE enunciado 54 ndash A menor complexidade da causa para a fixaccedilatildeo da compe-tecircncia eacute aferida pelo objeto da prova e natildeo em face do direito material

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Constatou-se que os vetores de evoluccedilatildeo do ordenamento brasileiro apontam para uma aceitaccedilatildeo maior da prova eletrocircnica inclusive em re-laccedilotildees consumeristas e para proteccedilatildeo das partes envolvidas inclusive da mais fraacutegil que eacute o consumidor

Ao fim foi possiacutevel concluir que as ferramentas interpretativas para a adequada valoraccedilatildeo dos documentos eletrocircnicos em processos judiciais de mateacuteria consumerista jaacute estatildeo disponiacuteveis nas normas contidas na Lei 909995 no Coacutedigo de Defesa do Consumidor e na Lei Geral de Proteccedilatildeo de Dados

Em relativa quebra de protocolo acadecircmico28 consideramos impor-tante resgatar o conceito de equidade como concebido por Aristoacuteteles em sua ceacutelebre obra Eacutetica a Nicocircmacos

A justiccedila eacute a observacircncia do meio termo mas natildeo de maneira idecircntica agrave observacircncia de outras formas de excelecircncia moral e sim porque ela se relaciona com o meio termo enquanto a injusticcedila se relaciona com os extremos [] No ato injusto ter muito pouco eacute ser tratado injusta-mente e ter demais eacute agir injustamente (ARISTOacuteTELES 1999 p 101)

Nota-se portanto que a alegoria simboacutelica da balanccedila como sinocircni-mo de justiccedila se mostra cada vez mais contemporacircnea e adequada Com o equiliacutebrio aplica-se agrave equidade com a aplicaccedilatildeo da equidade garante-se o acesso agrave justiccedila E com o acesso agrave justiccedila a efetividade dos direitos garan-te aos cidadatildeos o sentimento de se conviver em um Estado Democraacutetico de Direito

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28 Que recomenda que natildeo sejam feitas citaccedilotildees diretas na conclusatildeo de trabalhos cientiacuteficos

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PARIZOTTO Gabriel Antocircnio Acesso agrave justiccedila por meio da atermaccedilatildeo nos juizados es-peciais ciacuteveis estudo de caso no Poder Judiciaacuterio de Santa Catarina no ano de 2018 Dissertaccedilatildeo de Mestrado Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo Profissional em Direito Universidade Federal de Santa Catarina Florianoacutepolis 2018

SCHMITT Cristiano Heineck Consumidores Hipervulneraacuteveis A proteccedilatildeo do idoso no mercado de consumo Satildeo Paulo Atlas 2014

SOUZA Carlos Affonso LEMOS Ronaldo Marco civil da internet construccedilatildeo e aplicaccedilatildeo Juiz de Fora Editar Editora Associada Ltda 2016

THEODORO JUacuteNIOR Humberto Curso de Direito Processual Civil Rio de Janeiro Foren-se 2019

Primeiras linhas quanto ao impacto da Lei Geral de Proteccedilatildeo de Dados na forccedila probante dos documentos eletrocircnicos em processos submetidos aos Juizados Especiais de relaccedilotildees de consumo

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O sistema multiportas como propulsor do acesso agrave Justiccedila no acircmbito do

juizado de Fazenda Puacuteblica

1 Poacutes-Doutoranda em Direito Puacuteblico pela Universidade Federal da Bahia Doutora em Direito pela Universidade Federal da Bahia Mestra em Novos Direitos pela Universi-dade Federal da Bahia Mestra em Famiacutelia na Sociedade Contemporacircnea pela Uni-versidade Catoacutelica do Salvador Poacutes-graduada em Civil e Processo Civil da Faculdade Baiana de Direito Poacutes-graduada em Relaccedilotildees Familiares e Contextos Sociais pela UCSAL Poacutes-graduada em Direito Canocircnico pala UCSal Poacutes-graduada em Atividade Judicante pela EMABUFBA Juiacuteza Formadora Tutora e Contuedista na Escola Nacio-nal de Formaccedilatildeo e Aperfeiccediloamento de Magistrados (ENFAM) Tutora e Contuedista da Escola Nacional de Magistrados (ENM) Formadora na Unicorp Tutora do Centro de Apoio agrave Magistratura Brasileira COVID 19 da ENFAM na temaacutetica Litigiosidade recorrente e sistema multiportas Atualmente exerce funccedilatildeo judicante na 6ordf Turma Recursal da Fazenda Puacuteblica em Salvador

2 Especialista em Direito Constitucional e Administrativo pela Escola Paulista de Di-reito Especialista em Ciecircncias Criminais pela Universidade Cacircndido Mendes Poacutes--graduanda em Direito Processual Civil pela Universidade Cacircndido Mendes Poacutes-gra-duanda em Direito Civil pela Escola Paulista de Direito Graduada em Direito pela Universidade Federal da Bahia

Ana Conceiccedilatildeo Barbuda Sanches Guimaratildees Ferreira1

Ana Baacuterbara Barbuda Ferreira Motta2

Resumo O conflito eacute inerente agrave vida em sociedade As interaccedilotildees sociais e a divergecircncia dos interesses de cada indiviacuteduo fazem com que o conflito seja algo inafastaacutevel em qualquer comunidade Para tanto desenvolvem-se tambeacutem meacutetodos para a resoluccedilatildeo dessas lides A Jurisdiccedilatildeo Estatal ocupou papel central ao longo de muitos anos de modo que o excesso de litigiosidade somados agrave precarieda-de estrutural acabou fazendo da Justiccedila um espaccedilo moroso e muitas vezes inefetivo para a realizaccedilatildeo do princiacutepio constitucional do acesso agrave justiccedila Diante desse cenaacuterio nos uacuteltimos anos ganha destaque a busca por outros meacutetodos de resoluccedilatildeo de conflito retirando a exclu-sividade da Jurisdiccedilatildeo Estatal e abrindo caminho para outras formas de pacificaccedilatildeo social o que se passou a chamar de sistema multipor-tas Essa tendecircncia eacute seguida pelo Conselho Nacional de Justiccedila ao editar a resoluccedilatildeo 1252010 bem como pelo Coacutedigo de Processo Civil

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de 2015 A aplicaccedilatildeo do sistema multiportas no acircmbito dos Juizados de Fazenda Puacuteblica passa a ser um desafio que busca conciliar essa tendecircncia inafastaacutevel com as prerrogativas e limitaccedilotildees proacuteprias da Fazenda Puacuteblica

Palavras-chave Sistema multiportas meacutetodos adequados de solu-ccedilatildeo de conflitos autocomposiccedilatildeo arbitragem Fazenda Puacuteblica

1 INTRODUCcedilAtildeO

A vida em sociedade eacute uma necessidade humana de modo que o homem ao longo da histoacuteria percebeu a importacircncia de viver com seus semelhantes para garantir sua sobrevivecircncia a perpetuaccedilatildeo de sua espeacute-cie bem como sua plena satisfaccedilatildeo Ocorre que da mesma forma que a vida em sociedade eacute algo inafastaacutevel e natural assim tambeacutem eacute o conflito entre os indiviacuteduos que formam esta sociedade Os indiviacuteduos natildeo tecircm as-piraccedilotildees e interesses idecircnticos em todos os momentos e essas diferenccedilas acabam produzindo conflitos

Os conflitos portanto estatildeo presentes em todo e qualquer ambiente de modo que sempre que houver convivecircncia e interaccedilatildeo entre um grupo de pessoas invariavelmente surgiratildeo divergecircncias de objetivos ideias e interesse As causas dos conflitos satildeo pluacuterimas e justamente por essa ra-zatildeo cada vez mais cresce a necessidade de identificar as referidas causas a fim de verificar qual o meacutetodo mais apropriado para sua soluccedilatildeo ou seja aquele que proporcionaraacute o resultado mais satisfativo agraves partes e agrave pacifi-caccedilatildeo de forma mais duradoura

Numa visatildeo tradicional o conflito eacute visto como algo negativo ou seja algo ruim que provoca violecircncia irracionalidade destruiccedilatildeo Por outro lado quando considerado pela visatildeo das relaccedilotildees humanas o conflito pas-sa a ser algo natural Por fim a visatildeo interacionista exalta o conflito como um proporcionador de mudanccedilas inovaccedilotildees e melhorias

Portanto percebe-se que devemos buscar lidar com o conflito de forma natildeo violenta ou seja deixar de vecirc-lo apenas como algo negativo passando a enxergaacute-lo como algo natural no modo de existir de qualquer sociedade Sendo assim muitas consequecircncias positivas podem derivar de um conflito como o pensamento criacutetico criativo a melhoria na tomada de decisotildees o reforccedilo a consciecircncia sobre as possibilidades de escolha e o incentivo a diferentes formas de resoluccedilatildeo melhorando as relaccedilotildees e avaliando as diferenccedilas

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A visatildeo tradicional do conflito considerando apenas seu aspecto negativo acabou gerando uma intensa litigiosidade tendo como ator principal a Jurisdiccedilatildeo Estatal Houve assim um longo periacuteodo de mono-poacutelio estatal na soluccedilatildeo das lides de modo que as partes do conflito se tornavam meros coadjuvantes da sua soluccedilatildeo

Ocorre que esse excesso de litigiosidade somados a precariedade estrutural acabou fazendo da Justiccedila um espaccedilo moroso e muitas vezes inefetivo para a realizaccedilatildeo do princiacutepio constitucional do acesso agrave justiccedila ocasionando uma verdadeira crise no Poder Judiciaacuterio Natildeo satildeo raros os relatos de processos que perduram deacutecadas sem soluccedilatildeo ou de accedilotildees re-solvidas que logo em seguida acabam gerando novos conflitos Toda essa situaccedilatildeo gera inevitavelmente um afastamento ao princiacutepio constitucional do acesso agrave justiccedila De um lado sobrecarrega-se o Judiciaacuterio com ques-totildees que seriam mais bem resolvidas por outras vias de outro lado o ju-risdicionado acaba sofrendo com uma prestaccedilatildeo muitas vezes deficiente

Sem duacutevidas o surgimento dos juizados especiais com as Leis 909995 e posteriormente com a Lei 102592001 e 121532006 contri-buiacuteram de forma intensa agrave celeridade e economia processual

Diante desse cenaacuterio nos uacuteltimos anos ganha destaque a busca por outros meacutetodos de resoluccedilatildeo de conflito retirando a exclusividade da Jurisdiccedilatildeo Estatal e abrindo caminho para outras formas de pacificaccedilatildeo so-cial o que se passou a chamar de sistema multiportas Essa tendecircncia eacute se-guida pelo Conselho Nacional de Justiccedila ao editar a resoluccedilatildeo 1252010 bem como pelo Coacutedigo de Processo Civil de 2015

Desafio ainda maior eacute a implementaccedilatildeo desse sistema multiportas no acircmbito da Fazenda Puacuteblica em especial dos Juizados de Fazenda Puacuteblica uma vez que diversos aspectos devem ser adaptados a fim de garantir que as prerrogativas princiacutepios e limitaccedilotildees proacuteprias da Fazenda Puacuteblica sejam preservados

2 O SISTEMA MULTIPORTAS NO ORDENAMENTO JURIacuteDICO BRASILEIRO

O sistema de justiccedila multiportas em que o Judiciaacuterio natildeo eacute o uacutenico meio possiacutevel para a soluccedilatildeo de controveacutersias tem ocupado cada dia mais posiccedilatildeo de destaque em nosso ordenamento juriacutedico sobretudo com o Coacutedigo de Processo Civil de 2015 Para tanto eacute fundamental compreender o seu surgimento e quais os meios de soluccedilatildeo que o integram Isso por-

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que para cada situaccedilatildeo haveraacute um meio adequado meio este que eacute inte-grado com outros meios que tambeacutem podem se revelar como adequado para o caso (CUNHA 2020)

21 ORIGEM E NOCcedilOtildeES GERAIS ACERCA DO ldquoSISTEMA MULTI-PORTASrdquo

Em 1976 Frank Sander professor de Havard introduziu no mundo juriacutedico uma ideia denominada ldquocentro abrangente de justiccedilardquo que mais tarde ficaria conhecida como ldquoTribunal Multiportasrdquo Sendo assim o ldquoTribu-nal Multiportasrdquo eacute uma instituiccedilatildeo que direcionaria as questotildees que lhes satildeo apresentadas ao meacutetodo mais adequado de resoluccedilatildeo Desse modo a ideia eacute examinar as diferentes formas de resoluccedilatildeo de conflito e entender no caso concreto qual eacute a mais adequada Deixa-se de lado o monopoacutelio da Jurisdiccedilatildeo Estatal e abrem-se novas portas para a soluccedilatildeo de conflitos

No nosso ordenamento destacam-se aleacutem do processo tradicional a arbitragem a mediaccedilatildeo e a conciliaccedilatildeo O tema ganha destaca nos uacuteltimos anos sobretudo pelo abarrotamento do Judiciaacuterio em meio a uma cres-cente conflitualidade o que acaba comprometendo a proacutepria prestaccedilatildeo jurisdicional Percebe-se portanto que o Tribunal Multiportas prestigia o princiacutepio da adaptabilidade e segundo Cacircndido Rangel Dinamarco (2001) potencializa a celeridade e eficiecircncia do curso processual

A doutrina tem afirmado portanto que nos uacuteltimos anos o ordena-mento juriacutedico paacutetrio adotou o sistema multiportas de soluccedilatildeo de litiacutegios vejamos

ldquoCostumam-se chamar de lsquomeios alternativos de resoluccedilatildeo de con-flitosrsquo a mediaccedilatildeo a conciliaccedilatildeo e a arbitragem (Alternative Dispute Resolution ndash ADR) Estudos mais recentes demonstram que tais meios natildeo seriam lsquoalternativosrsquo mas sim integrados formando um modelo de sistema de justiccedila multiportas Para cada tipo de controveacutersia se-ria adequada uma forma de soluccedilatildeo de modo que haacute casos em que a melhor soluccedilatildeo haacute de ser obtida pela mediaccedilatildeo enquanto outros pela conciliaccedilatildeo outros pela arbitragem e finalmente os que se re-solveriam pela decisatildeo do juiz estatal Haacute casos entatildeo em que o meio alternativo eacute que seria o da justiccedila estatal A expressatildeo multiportas decorre de uma metaacutefora seria como se houvesse no aacutetrio do foacuterum vaacuterias portas a depender do problema apresentado as partes seriam encaminhadas para a porta da mediaccedilatildeo ou da conciliaccedilatildeo ou da arbitragem ou da proacutepria justiccedila estatal (CUNHA Leonardo Carneiro da A Fazenda Puacuteblica em Juiacutezo 20ordf ed Rio de Janeiro Forense p 637)

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Fredie Didier (2015) entende que a Resoluccedilatildeo nordm 1252012 do Con-selho Nacional de Justiccedila jaacute estabelecera a poliacutetica puacuteblica do tratamento adequado de conflitos estimulando a autocomposiccedilatildeo O Conselho Na-cional de Justiccedila vem exercendo um relevante papel como gestor desta poliacutetica puacuteblica no acircmbito do Poder judiciaacuterio (DIDIER 2015) Esta Resolu-ccedilatildeo eacute extremamente didaacutetica e inovadora definindo o proacuteprio CNJ como organizador da poliacutetica puacuteblica de tratamento adequado de conflitos impondo a criaccedilatildeo pelos tribunais de centros de soluccedilotildees de conflitos regulamentando a atuaccedilatildeo dos mediadores e conciliadores (criando um Coacutedigo de Eacutetica) determinando a criaccedilatildeo publicidade de banco de esta-tiacutesticas de seus centros de soluccedilatildeo de conflito e cidadania definindo um curriacuteculo miacutenimo para a capacitaccedilatildeo de mediadores e conciliadores

O direito brasileiro a partir da Resoluccedilatildeo nordm 1252010 do Conselho Nacional de Justiccedila e com o Coacutedigo de Processo Civil de 2015 ca-minha para a construccedilatildeo de um processo civil e sistema de justiccedila multiportas com cada caso sendo indicado para o meacutetodo ou teacutec-nica mais adequada para a soluccedilatildeo do conflito O Judiciaacuterio deixa de ser um lugar de julgamento apenas para ser um local de resoluccedilatildeo de disputas Trata-se de uma importante mudanccedila paradigmaacutetica Natildeo basta que o caso seja julgado eacute preciso que seja conferida uma soluccedilatildeo adequada que faccedila com que as partes saiam satisfeitas com o resultadordquo (CUNHA Leonardo Carneiro da A Fazenda Puacuteblica em Juiacutezo 20ordf ed Rio de Janeiro Forense p 637)

O Ministro do Supremo Tribunal Federal Marco Aureacutelio Peixoto e Re-nata Peixoto citando a liccedilatildeo de Rafael Alves de Almeida Tacircnia Almeida e Mariana Hernandez Crespo apontam as vantagens do sistema multiportas destacando o protagonismo do indiviacuteduo na soluccedilatildeo de seus problemas com maior comprometimento e responsabilizaccedilatildeo o estimulo a autocom-posiccedilatildeo maior eficiecircncia do Poder Judiciaacuteria que ficaria com casos mais complexos aleacutem da transparecircncia e conhecimento preacutevio pelas partes sobre as possiacuteveis soluccedilotildees (PEIXOTO 2018) Satildeo portanto inuacutemeras van-tagens que levam a adoccedilatildeo desse novo sistema de resoluccedilatildeo de conflitos

Por fim eacute importante destacar que a adoccedilatildeo do sistema multiportas relaciona-se com o proacuteprio acesso agrave justiccedila A Constituiccedilatildeo Federal esta-belece o acesso agrave justiccedila e o princiacutepio da inafastabilidade da jurisdiccedilatildeo em seu art 5ordm Sendo assim esse importante princiacutepio fundamental en-frenta barreiras que devem ser enfrentadas Mauro Cappelletti e Bryant Garth estabeleceram ldquotrecircs ondas renovatoacuteriasrdquo de acesso agrave justiccedila ou seja possiacuteveis soluccedilotildees surgidas nos paiacuteses do mundo Ocidental atraveacutes de

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movimento chamado ldquoProjeto Florenccedila de Acesso agrave Justiccedilardquo para ultrapas-sar essas barreiras que impedem um acesso efetivo agrave justiccedila A primeira ldquoondardquo renovatoacuteria apontada pelos autores seria a assistecircncia judiciaacuteria com a implementaccedilatildeo da gratuidade e da proacutepria Defensoria Puacuteblica por exemplo Jaacute a segunda onda relaciona-se com a tutela de interesses coletivos lato sensu com um microssistema de tutela coletiva com regras proacuteprias (CAPPELLETTI 1994) Proporcionar o acesso a outros meacutetodos para resoluccedilatildeo de conflitos eacute portanto proporcionar o proacuteprio acesso a justiccedila concretizando o comando constitucional

Existem basicamente duas maneiras de soluccedilatildeo do conflito quais sejam a autocomposiccedilatildeo e a heterocomposiccedilatildeo A nomenclatura facilita o entendimento na autocomposiccedilatildeo as proacuteprias partes envolvidas no conflito encontram a sua soluccedilatildeo ou seja o conflito eacute autogerido pelos sujeitos da relaccedilatildeo enquanto na heterocomposiccedilatildeo haacute uma intervenccedilatildeo de um terceiro alheio a relaccedilatildeo conflituosa que iraacute ditar uma soluccedilatildeo

A autocomposiccedilatildeo eacute marcada pela prevalecircncia da vontade das partes que em conjunto chegam a um desfecho Sem duacutevidas os sujeitos envol-vidos na relaccedilatildeo satildeo os que melhor conhecem as circunstacircncias em torno do problema Ademais a satisfaccedilatildeo das partes eacute uma das finalidades na resoluccedilatildeo o que faz com que a autocomposiccedilatildeo tenha grandes vantagens Tudo isso somado a celeridade relevam a importacircncia e a necessidade de estiacutemulo agrave autocomposiccedilatildeo

Compreende-se que a soluccedilatildeo negocial natildeo eacute apenas um meio eficaz e econocircmico de resoluccedilatildeo dos litiacutegios trata-se de importante instrumento de desenvolvimento da cidadania em que os interessados passam a ser protagonistas da construccedilatildeo da decisatildeo juriacutedica que regula suas relaccedilotildees Neste sentido o estiacutemulo a autocomposiccedilatildeo pode ser entendido como um reforccedilo a participaccedilatildeo popular no exerciacutecio do poder ndash no caso o po-der de soluccedilatildeo dos litiacutegios Tem tambeacutem por isso forte caraacuteter democraacuteti-co (DIDIER 2015 p 274)

A autocomposiccedilatildeo eacute gecircnero de modo que poderaacute ocorrer de trecircs formas transaccedilatildeo renuacutencia ou reconhecimento Na transaccedilatildeo as partes fazem concessotildees muacutetuas Trata-se do exerciacutecio de vontade bilateral das partes visto que quando um natildeo quer dois natildeo fazem a transaccedilatildeo (NEVES 2016) Na renuacutencia o titular do direito abdica dos seus interesses enquan-to no reconhecimento a parte contraacuteria assente agrave pretensatildeo que lhe eacute oposta Essas formas de autocomposiccedilatildeo satildeo tratadas expressamente no Coacutedigo de Processo Civil em especial no art 487 III

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Por fim eacute salutar que se observe que o Coacutedigo de Processo Civil atento a esse movimento em diversas ocasiotildees dispotildee o dever do ma-gistrado em estimular a autocomposiccedilatildeo Nas normas fundamentais o Coacutedigo de Processo Civil jaacute deixa claro esse compromisso com o incentivo agrave soluccedilatildeo consensual dos conflitos vejamos

sect 3ordm A conciliaccedilatildeo a mediaccedilatildeo e o outros meacutetodos de soluccedilatildeo con-sensual de conflitos deveratildeo ser estimulados por juiacutezes advogados defensores puacuteblicos e membros do Ministeacuterio Puacuteblico inclusive no curso do processo judicialrdquo

Eacute possiacutevel falar portanto em um princiacutepio do estiacutemulo da soluccedilatildeo por autocomposiccedilatildeo Ainda o CPC a partir do art 165 possui um capiacutetulo inteiramente dedicado aos meacutetodos autocompositivos A tentativa de au-tocomposiccedilatildeo eacute agora uma fase do processo sendo um dos requisitos da peticcedilatildeo inicial e da contestaccedilatildeo de modo que a audiecircncia de conciliaccedilatildeo apenas natildeo ocorreraacute quando ambas as partes se manifestarem expressa-mente pelo desinteresse No iniacutecio da audiecircncia de instruccedilatildeo o magistra-do deve novamente abrir agrave possibilidade de autocomposiccedilatildeo e por fim em qualquer fase do processo eacute possiacutevel a homologaccedilatildeo de acordo extra-judicial (art 515 111 art 725 VIII CPC) acordo este que pode envolver inclusive questotildees alheias ao processo (art 515 sect 2ordm CPC)

A autocomposiccedilatildeo poderaacute ocorrer com ou sem o auxiacutelio de terceiros Esses terceiros natildeo ditam a soluccedilatildeo como ocorre na heterocomposiccedilatildeo mas apenas estimulam as partes para que encontrem esse desfecho Satildeo eles os mediadores e conciliadores que seratildeo estudados nas proacuteximas paacuteginas

22 MEacuteTODOS DE SOLUCcedilAtildeO DE CONFLITOS EM ESPEacuteCIE

O primeiro meacutetodo de soluccedilatildeo dos conflitos eacute a proacutepria jurisdiccedilatildeo estatal A jurisdiccedilatildeo eacute uma atuaccedilatildeo do Estado atraveacutes do processo que aplica o direito ao caso concreto resolvendo conflitos com definitividade e modo impositivo Por outro lado existem ainda os equivalentes jurisdi-cionais que satildeo meacutetodos adequados para a soluccedilatildeo de conflitos Ou seja qualquer soluccedilatildeo do conflito obtida por via natildeo jurisdicional

A primeira eacute a autotutela Na autotutela uma das partes impotildee a sua vontade Trata-se de uma soluccedilatildeo ldquoegoiacutestica e parcialrdquo do litiacutegio de modo que uma das partes se torna um verdadeiro juiz da causa (DIDIER 2015) Evidente portanto que eacute uma forma de soluccedilatildeo que eacute em regra veda-

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da pelo nosso ordenamento podendo configurar inclusive o crime de exerciacutecio arbitraacuterio das proacuteprias razotildees ou abuso de poder Sendo assim considerando o monopoacutelio estatal do uso da forccedila essa forma de soluccedilatildeo eacute em regra proibida Excepcionalmente contudo o proacuteprio ordenamento juriacutedico em situaccedilotildees de urgecircncia permite o uso da autotutela Nesse sentido destaca-se por exemplo o desforccedilo imediato na defesa da posse (art 1210 sect 1 do Coacutedigo Civil) a legiacutetima defesa o estado de necessidade e o direito de retenccedilatildeo

Ainda haacute a autocomposiccedilatildeo que ocorreraacute quando as proacuteprias partes chegam agrave soluccedilatildeo do conflito podendo ocorrer por renuacutencia submissatildeo ou transaccedilatildeo Neste ponto merece destaque que para alguns a mediaccedilatildeo e conciliaccedilatildeo seriam formas de autocomposiccedilatildeo como denota Fredie Di-dier

Mediaccedilatildeo e conciliaccedilatildeo satildeo formas de soluccedilatildeo de conflito pelas quais um terceiro interveacutem em um processo negocial com a funccedilatildeo de au-xiliar as partes a chegarem agrave autocomposiccedilatildeo Ao terceiro natildeo cabe resolver o problema como acontece na arbitragem o mediadorconciliador exerce um papel de catalisador de soluccedilatildeo negocial do conflito Natildeo satildeo por isso espeacutecies de heterocomposiccedilatildeo do conflito trata-se de exemplo de autocomposiccedilatildeo com a participaccedilatildeo de um terceiro (DIDIER 2015)

Para outros autores contudo haacute que se diferenciar a mediaccedilatildeocon-ciliaccedilatildeo da autocomposiccedilatildeo vejamos o que diz Daniel Assumpccedilatildeo

A mediaccedilatildeo eacute forma alternativa de soluccedilatildeo de conflitos fundada no exerciacutecio da vontade das partes mas natildeo se confunde com a auto-composiccedilatildeo porque enquanto nesta haveraacute necessariamente um sacrifiacutecio total ou parcial dos interesses da parte naquela a soluccedilatildeo natildeo traz qualquer sacrifiacutecio aos interesses das partes envolvidas no conflito Em razatildeo da ausecircncia de sacrifiacutecios dos interesses das partes na mediaccedilatildeo o legislador a classificou como meio consensual de so-luccedilatildeo dos conflitos diferente da autocomposiccedilatildeo Mas tal opccedilatildeo con-ceituai certamente natildeo afasta a promoccedilatildeo da mediaccedilatildeo dos deveres do juiz (NEVES 2016)

Tanto a mediaccedilatildeo quanto a conciliaccedilatildeo se baseiam na vontade das partes Trata-se de uma forma de soluccedilatildeo em que o foco fica nas razotildees do conflito e natildeo o conflito em si Esses satildeo os aspectos que aproximam as duas teacutecnicas A diferenccedila entre a conciliaccedilatildeo e a mediaccedilatildeo eacute sutil O Coacutedigo de Processo Civil em seu art 165 sectsect 2ordm e 3ordm estabeleceu que a conciliaccedilatildeo ocorreraacute quando natildeo houver vinculo anterior com a possibi-

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lidade de sugestatildeo de soluccedilotildees pelo conciliador para o litiacutegio enquanto a mediaccedilatildeo ocorreraacute quando houver vinculo anterior de modo que em tese natildeo deveraacute haver a sugestatildeo de soluccedilotildees pelo mediador deixando que as partes possam identificar por si proacuteprias as soluccedilotildees consensuais

Percebe-se portanto que na mediaccedilatildeo o mediador facilita o diaacutelogo entre as pessoas para que elas mesmas proponham soluccedilotildees Sugere-se o uso desta teacutecnica para conflitos subjetivos cujo relacionamento seja du-radouro com relaccedilotildees preacutevias e continuadas Na conciliaccedilatildeo por sua vez o terceiro facilitador da conversa interfere de forma mais direta no litiacutegio e pode sugerir opccedilotildees de soluccedilatildeo para o conflito Para conflitos objetivos mais superficiais nos quais natildeo existe relacionamento duradouro entre os envolvidos aconselha-se o uso da conciliaccedilatildeo

A mediaccedilatildeo e a conciliaccedilatildeo podem ocorrer extrajudicialmente ou judicialmente Sendo judicial os conciliadores e mediadores satildeo auxilia-res da justiccedila de modo que seratildeo aplicados a eles as regras relativas aos sujeitos processuais inclusive com relaccedilatildeo a impedimento e suspeiccedilatildeo A mediaccedilatildeo e conciliaccedilatildeo podem ainda ocorrer perante Cacircmaras Publicas institucionais vinculadas aos tribunais ou em Cacircmaras Privadas ou ain-da em Cacircmaras Administrativas Por fim poderatildeo ocorrer ateacute mesmo em ambientes mais informais como em escritoacuterios de advocacia

O mediador e o conciliador podem ser funcionaacuterios puacuteblicos ou pro-fissionais liberais conforme art 167 CPC podendo ser de forma remune-rada mas tambeacutem atraveacutes de trabalho voluntaacuterio (art 169 sect 1 ordm CPC) Eacute possiacutevel prestigiando a vontade das partes que o mediador e conciliador seja escolhido pelas partes podendo inclusive recair em um profissional natildeo cadastrado perante o tribunal (art 1 68 sect 1 o CPC) Neste caso eacute preciso providenciar este cadastro (art 167 caput) o que eacute extremamente importante pois deveratildeo passar por um curso de capacitaccedilatildeo cujo progra-ma eacute definido pelo Conselho Nacional de Justiccedila e elo Ministeacuterio da Justi-ccedila aleacutem das reciclagens perioacutedicas (art167 sect 1 ordm CPC art 12 Resoluccedilatildeo nordm 1252012 do CNJ)

Sobre as etapas da conciliaccedilatildeo e mediaccedilatildeo natildeo haacute um consenso ab-soluto sobre quais sejam Em siacutentese normalmente haveraacute a apresentaccedilatildeo do conflito seguido de esclarecimentos Posteriormente haacute um momento de criaccedilatildeo de possiacuteveis soluccedilotildees com um braindstorm e ao final o encer-ramento

Por fim eacute importante destacar o que dispotildee o art166 sect 3 do CPC

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Art 166 A conciliaccedilatildeo e a mediaccedilatildeo satildeo informadas pelos princiacutepios da independecircncia da imparcialidade da autonomia da vontade da confidencialidade da oralidade da informalidade e da decisatildeo infor-mada sect 3ordm Admite-se a aplicaccedilatildeo de teacutecnicas negociais com o objeti-vo de proporcionar ambiente favoraacutevel agrave autocomposiccedilatildeo

Percebe-se que haacute uma liberdade maior pelos mediadores e conci-liadores na escolha das teacutecnicas que proporcionaratildeo a autocomposiccedilatildeo Existem inuacutemeras teacutecnicas que mesmo natildeo sendo do direito acabam proporcionando a soluccedilatildeo do conflito Nesse sentido deveratildeo ser obser-vadas pelo mediador e conciliador ao longo das sessotildees favorecendo o ambiente e a comunicaccedilatildeo para que as partes cheguem a um consenso a exemplo do rapport escuta ativa braindstorm entre outros

Por fim destaca-se a arbitragem meacutetodo heterocompositivo natildeo estatal em que um terceiro escolhido pelas partes determina a soluccedilatildeo para o caso concreto Trata-se de decisatildeo impositiva de um aacuterbitro ou Tri-bunal Arbitral Neste caso ao contraacuterio da Jurisdiccedilatildeo Estatal privilegia-se a confianccedila das partes na escolha do julgador Haacute uma corrente doutrinaacuteria que defende que a arbitragem natildeo eacute equivalente jurisdicional mas sim espeacutecie de jurisdiccedilatildeo ou seja uma jurisdiccedilatildeo privada Essa corrente parece ser a adotada pelo Coacutedigo de Processo Civil ao considerar no art 515 VII a sentenccedila arbitral como tiacutetulo executo judicial Haacute duas formas de institui-ccedilatildeo da arbitragem quais sejam (i) Claacuteusula compromissoacuteria que como o nome sugere eacute uma clausula inserida previamente no contrato podendo ser cheia (quando conteacutem todos os requisitos necessaacuterios) ou vazia e (ii) Compromisso arbitral que eacute uma convenccedilatildeo feita apoacutes o conflito atraveacutes da qual as partes submetem um litiacutegio agrave arbitragem de uma ou mais pes-soas podendo ser judicial ou extrajudicial

3 A FAZENDA PUacuteBLICA E O SISTEMA MULTIPORTAS

Nos uacuteltimos anos o modelo de Administraccedilatildeo Puacuteblica Burocraacutetica tem cedido espaccedilo a um novo modelo contemporacircneo o da Administra-ccedilatildeo Puacuteblica Gerencial Esses dois modelos diferem-se em razatildeo da buro-cracia que orienta os processos de tomada de decisatildeo e concretizaccedilatildeo Na burocraacutetica o processo eacute autorreferente enquanto na gerencial busca-se resultado que maior supra as necessidades dos administrados Nesse sen-tido fala-se ainda na busca por uma Administraccedilatildeo Dialoacutegica que crie pontes trocas e diaacutelogos com as demais partes trazendo um espaccedilo para a atuaccedilatildeo administrativa consensual (CUNHA 2020)

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Esse movimento de ampliaccedilatildeo da consensualidade se verifica em diversos ramos do direito puacuteblico em especial no direito penal (com a colaboraccedilatildeo premiada acordo de natildeo persecuccedilatildeo penal suspensatildeo con-dicional do processo dentre outros) direito processual civil (com os negoacute-cios juriacutedicos processuais e o princiacutepio da adaptabilidade dos procedimen-tos) e de modo geral ateacute mesmo no direito administrativo a exemplo da desapropriaccedilatildeo amigaacutevel acordo de leniecircncia e no acircmbito de agecircncias reguladoras

Nesse ambiente de crescente consensualidade se enquadra a dis-cussatildeo acerca da implementaccedilatildeo do sistema multiportas com a possi-bilidade de arbitragem autocomposiccedilatildeo envolvendo a Fazenda Puacuteblica Neste sentido eacute fundamental que em todo caso sempre se preserve as denominadas ldquopedras de toquerdquo da Administraccedilatildeo Puacuteblica quais sejam a supremacia e a indisponibilidade do interesse puacuteblico (MELLO 2009)

Recentemente a Lei de Introduccedilatildeo agraves Normas do Direito Brasileiro incluiu diversas normas de aplicaccedilatildeo no acircmbito do direito administrativo Dentre as modificaccedilotildees merece destaque a do art 26 vejamos

ldquoArt 26 Para eliminar irregularidade incerteza juriacutedica ou situaccedilatildeo contenciosa na aplicaccedilatildeo do direito puacuteblico inclusive no caso de ex-pediccedilatildeo de licenccedila a autoridade administrativa poderaacute apoacutes oitiva do oacutergatildeo juriacutedico e quando for o caso apoacutes realizaccedilatildeo de consul-ta puacuteblica e presentes razotildees de relevante interesse geral celebrar compromisso com os interessados observada a legislaccedilatildeo aplicaacutevel o qual soacute produziraacute efeitos a partir de sua publicaccedilatildeo oficialrdquo (grifos nossos)

O referido dispositivo traz a previsatildeo de uma claacuteusula geral de cele-braccedilatildeo de compromissos pela Administraccedilatildeo Puacuteblica eacute o que diz Leonar-do Carneiro Cunha (2020 p701)

ldquoA disposiccedilatildeo contida no art 26 da Lei de Introduccedilatildeo conteacutem a bem da verdade uma clausula geral estimuladora da adoccedilatildeo de meios consensuais pelo Poder Puacuteblico Aliaacutes por forccedila do art 30 da mesma LINDB o Poder Puacuteblico deve desenvolver procedimentos internos haacutebeis a identificar casos para sugerir a aplicaccedilatildeo dos meios consen-suais de conflito Esses dispositivos ndash aliados aos arts 3 e 174 do CPC ndash estabelecem um dever de a Administraccedilatildeo Puacuteblica adotar meios consensuais de soluccedilatildeo de disputasrdquo

O sistema multiportas como propulsor do acesso agrave Justiccedila no acircmbito do juizado de Fazenda Puacuteblica

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Evidente portanto a compatibilidade do sistema multiportas com os conflitos envolvendo o Poder Puacuteblico inclusive atraveacutes da arbitragem ou da autocomposiccedilatildeo Eacute o que seraacute tratado a seguir

31 A ARBITRAGEM NOS CONFLITOS ENVOLVENDO A FAZEN-DA PUacuteBLICA

A arbitragem conforme exposto anteriormente trata-se de meacutetodo heterocompositivo de soluccedilatildeo de conflitos ou seja meacutetodo atraveacutes do qual um terceiro imparcial (que natildeo se confunde com o Poder Judiciaacuterio) resolve a lide apresentada Para tanto anteriormente haacute a necessidade de celebraccedilatildeo de um ajuste seja atraveacutes de um compromisso arbitral ou de uma clausula compromissoacuteria

A Lei 930796 dispotildee sobre a arbitragem estabelecendo como re-quisitos que as partes sejam capazes para dirimir conflitos envolvendo ldquodireitos patrimoniais disponiacuteveisrdquo Neste aspecto subjetivo reside a grande controveacutersia acerca do tema Isso porque para uma primeira corrente a indisponibilidade do interesse puacuteblico inviabilizaria por completo a pos-sibilidade de uma arbitragem envolvendo o Poder Puacuteblico Uma segunda corrente por sua vez diferenciava ldquointeresse da administraccedilatildeordquo de ldquointeres-se puacuteblicordquo Por fim a terceira corrente baseia-se no princiacutepio da legalida-de (CUNHA 2020)

Abstraindo-se dessas discussotildees doutrinaacuterias fato eacute que a Lei de Arbi-tragem prevecirc atualmente em seu art 1ordm sect 1ordm a possibilidade de utilizaccedilatildeo da arbitragem pela Administraccedilatildeo Puacuteblica direta e indireta ldquopara dirimir conflitos relativos a direitos patrimoniais disponiacuteveisrdquo Antes mesmo da in-serccedilatildeo do referido dispositivo ocorrida em 2015 com a Lei 13129 diversos diplomas jaacute previam a arbitragem com entidades integrantes da Adminis-traccedilatildeo Puacuteblica a exemplo da Lei 898795 Lei 947297 Lei 947897 Lei 102332001 Lei 103432002 Lei 110792004 dentre outras

No sect 2ordm do art 1ordm da Lei de Arbitragem fica estabelecido que ldquoa au-toridade ou o oacutergatildeo competente da administraccedilatildeo puacuteblica direta para a celebraccedilatildeo de convenccedilatildeo de arbitragem eacute a mesma para a realizaccedilatildeo de acordos ou transaccedilotildeesrdquo Para compreender quais seriam os direitos ldquopatri-moniais disponiacuteveisrdquo passiacuteveis de soluccedilatildeo atraveacutes da arbitragem Leonardo Cunha (2020 p 710) traz a seguinte elucidaccedilatildeo

ldquoHaacute uma arbitrabilidade ampla relativamente ao Poder Puacuteblico quan-do este atua jure gestionis ou seja quando ele estiver inserido numa

Ana Conceiccedilatildeo Barbuda Sanches Guimaratildees Ferreira bull Ana Baacuterbara Barbuda Ferreira Motta

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relaccedilatildeo de Direito Privado Quando poreacutem a relaccedilatildeo for puacuteblica na qual houver manifesto ciclo do poder de impeacuterio seraacute preciso exami-nar o grau de (in)disponibilidade do direito Para que seja possiacutevel a arbitragem deve haver disponibilidade e o direito deve ser patrimo-nialrdquo

Para a aplicaccedilatildeo da arbitragem no acircmbito da Fazenda Puacuteblica con-tudo algumas adaptaccedilotildees devem ser feitas Isso porque conforme jaacute fora tratado anteriormente o regime juriacutedico administrativo eacute marcado por prerrogativas e restriccedilotildees a fim de atender os princiacutepios constitucional-mente estabelecidos em especial os da legalidade impessoalidade mo-ralidade publicidade e eficiecircncia A primeira adaptaccedilatildeo eacute a necessidade de que o processo arbitral seja puacuteblico natildeo comportando portanto o sigilo Isso preserva a publicidade e garante a fiscalizaccedilatildeo por parte dos administrados

Outro aspecto eacute que para preservaccedilatildeo do princiacutepio da legalidade a arbitragem celebrada pelo Poder Puacuteblico deveraacute necessariamente ser de direito natildeo podendo portanto ser atraveacutes de equidade Eacute o que dispotildee expressamente o sect 3ordm do art 1ordm da Lei de Arbitragem

Ainda eacute importante destacar que prevalece o entendimento de que natildeo haacute necessidade de preacutevio procedimento licitatoacuterio para a escolha do juiacutezo ou tribunal arbitral uma vez que estariacuteamos diante de um caso de inexigibilidade de licitaccedilatildeo Por fim a sentenccedila arbitral natildeo estaacute sujeita a remessa necessaacuteria bem como as demais prerrogativas processuais da Fazenda Puacuteblica em juiacutezo natildeo se apresentam em regra na arbitragem Sendo assim natildeo haacute intimaccedilatildeo pessoal prazos em dobro salvo conste expressamente na convenccedilatildeo (CUNHA 2020)

32 CONCILIACcedilAtildeO E MEDIACcedilAtildeO NOS CONFLITOS ENVOLVEN-DO A FAZENDA PUacuteBLICA

O art 174 do Coacutedigo de Processo Civil dispotildee que

Art 174 A Uniatildeo os Estados o Distrito Federal e os Municiacutepios criaratildeo cacircmaras de mediaccedilatildeo e conciliaccedilatildeo com atribuiccedilotildees relacionadas agrave soluccedilatildeo consensual de conflitos no acircmbito administrativo tais como

I ndash dirimir conflitos envolvendo oacutergatildeos e entidades da administraccedilatildeo puacuteblica

II ndash avaliar a admissibilidade dos pedidos de resoluccedilatildeo de conflitos por meio de conciliaccedilatildeo no acircmbito da administraccedilatildeo puacuteblica

O sistema multiportas como propulsor do acesso agrave Justiccedila no acircmbito do juizado de Fazenda Puacuteblica

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III ndash promover quando couber a celebraccedilatildeo de termo de ajustamento de conduta

Percebe-se portanto que a criaccedilatildeo de tais cacircmaras tem por objetivo promover a autocomposiccedilatildeo no acircmbito da Administraccedilatildeo Puacuteblica Em 2007 foi criada a Cacircmara de Conciliaccedilatildeo e Arbitragem da Administraccedilatildeo Federal com a finalidade de dirimir conflitos envolvendo a Uniatildeo e suas entidades tendo sido posteriormente ampliada para conflitos que envol-vessem Estados Distrito Federal e Municiacutepios

A criaccedilatildeo de tais Cacircmaras consagra o princiacutepio da eficiecircncia tambeacutem previsto no art 37 da Constituiccedilatildeo Federal de modo que os conflitos se-riam solucionados com maior economia obtendo resultados satisfatoacuterios Neste ponto eacute importante destacar que logo apoacutes a promulgaccedilatildeo do Coacutedigo de Processo Civil em 2015 com clara tendecircncia de ampliaccedilatildeo dos meacutetodos de soluccedilatildeo de conflitos foi promulgada a Lei 131402015 que dispotildee sobre a mediaccedilatildeo entre particulares como meio de soluccedilatildeo de controveacutersias e sobre a autocomposiccedilatildeo de conflitos no acircmbito da admi-nistraccedilatildeo puacuteblica O capiacutetulo II do referido diploma destina-se justamente a regulamentaccedilatildeo da autocomposiccedilatildeo em que for parte pessoa juriacutedica de direito puacuteblico

Uma vez criadas as cacircmaras devem indicar em seus regulamentos quais os casos que poderatildeo ser submetidos agrave autocomposiccedilatildeo Esta sub-missatildeo contudo eacute facultativa considerando o princiacutepio da inafastabili-dade da jurisdiccedilatildeo previsto no art 5 da Constituiccedilao mas o ente publico deve indicar quais os motivos da recusa em razatildeo dos princiacutepios da publi-cidade e impessoalidade

Enquanto as Cacircmaras natildeo satildeo criadas eacute possiacutevel que a Fazenda Puacute-blica se utilize do procedimento previsto para particulares ou seja com a marcaccedilatildeo de uma reuniatildeo inicial e posteriormente com a instauraccedilatildeo da mediaccedilatildeo

Sobre isso merece destaque a previsatildeo do art 30 da referida lei que dispotildee acerca da confidencialidade Na visatildeo de Leonardo Cunha (2020 p 730) tal previsatildeo em nada afronta a fiscalizaccedilatildeo da Fazenda Puacuteblica uma vez que ldquoa confidencialidade natildeo afasta o dever de prestaccedilatildeo de informa-ccedilotildees agraves autoridades fazendaacuteriasrdquo

Por fim sobre a (des) necessidade de autorizaccedilatildeo legislativa especiacutefi-ca para determinadas transaccedilotildees faz-se necessaacuterio a seguinte diferencia-ccedilatildeo

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() nos casos em que se constata acerto total ou parcial da posiccedilatildeo daquele que litiga contra a Administraccedilatildeo natildeo eacute necessaacuteria lei au-torizadora da composiccedilatildeo Jaacute para renuacutencia da Administraccedilatildeo a di-reito que legitimamente detenha em transaccedilatildeo propriamente dita deve haver autorizaccedilatildeo legislativa Na execuccedilatildeo fiscal por exemplo a Administraccedilatildeo pode constatar erro na inscriccedilatildeo original e cobranccedila maior que a efetivamente devida e assim cancelar a inscriccedilatildeo em diacutevida ativa ou substituiacute-la por outra de valor menor o que pode ser feito inclusive em Juiacutezo no curso da execuccedilatildeo Jaacute para levar a efeito a anistia (perdatildeo) de diacutevida precisa de lei autorizativa preacutevia (TALA-MINI 2005 p 12)

Evidente portanto que o sistema multiportas com a arbitragem conciliaccedilatildeo e mediaccedilatildeo eacute aplicaacutevel aos litiacutegios envolvendo a Fazenda Puacute-blica mas sempre com a observacircncia de suas peculiaridades

4 CONCLUSAtildeO

Diante do exposto concluiu-se que a abertura dos meacutetodos de reso-luccedilatildeo de conflitos eacute um importante mecanismo na busca da concretizaccedilatildeo do acesso agrave justiccedila Esse movimento sugerido pelo sistema multiportas proporciona uma maior celeridade efetividade presteza e valorizaccedilatildeo do caraacuteter democraacutetico uma vez que as partes passam a ser verdadeiros pro-tagonistas do processo resolutivo

Atento aos inuacutemeros benefiacutecios o ordenamento juriacutedico brasileiro tem buscado normatizar cada vez mais esses meacutetodos destacando-se a Lei de Arbitragem a Resoluccedilatildeo 1252010 do Conselho Nacional de Justi-ccedila o Coacutedigo de Processo Civil e 2015 e a Lei de Mediaccedilatildeo e Conciliaccedilatildeo Esse movimento de abertura de novas portas e novas possibilidades tecircm propiciado um redimensionamento e ateacute mesmo uma democratizaccedilatildeo do proacuteprio papel do Judiciaacuterio e do modelo de prestaccedilatildeo jurisdicional pretendido

A adoccedilatildeo do sistema de Justiccedila multiportas com a ampliaccedilatildeo e in-centivo agrave utilizaccedilatildeo de meacutetodos consensuais de resoluccedilatildeo de conflitos alcanccedila os conflitos envolvendo a Fazenda Puacuteblica Nestes casos contudo utilizaccedilatildeo de meacutetodos diversos da Jurisdiccedilatildeo Estatal faz-se necessaacuterio perceber as peculiaridades da Fazenda Puacuteblica e adaptaacute-las mantendo a indisponibilidade do interesse puacuteblico Nada obstante isso natildeo implica automaacutetica inegociabilidade dos direitos e interesses defendidos pela Ad-ministraccedilatildeo pois haacute direitos indisponiacuteveis passiacuteveis de negociaccedilatildeo

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5 REFEREcircNCIASBRITO Marcela Mouratildeo de Manual de mediaccedilatildeo de conflitos de acordo com o CPC de

2015 1ordf ed Fortaleza CE Ed Da Autora 2020

CALMON Petronio Fundamentos da mediaccedilatildeo e da conciliaccedilatildeo Brasiacutelia Gazeta Juriacutedica 2015

CAPPELLETTI Mauro Os meacutetodos alternativos de soluccedilatildeo de conflitos no quadro do movimento universal de acesso agrave justiccedila In Revista de Processo v 19 nordm 74

CUNHA Leonardo Carneiro da A Fazenda Puacuteblica em Juiacutezo 17 ed Rio de Janeiro Editora Forense 2020

DIDIER JR Fredie Curso de direito processual civil introduccedilatildeo ao direito processual ci-vil parte geral e processo de conhecimento 7 ed Salvador Ed Jus Podivm 2015

DINAMARCO Candido Rangel Instituiccedilotildees de Direito Processual Civil Vol 1 Satildeo Paulo Malheiros 2001

FREITAS JR Antocircnio Rodrigues Mediaccedilatildeo e direitos humanos temas atuais e contro-vertidos Satildeo Paulo LTr 2014

MELLO Celso Antocircnio Bandeira de Curso de Direito Administrativo 26ordf Ediccedilatildeo Satildeo Pulo Malheiros 2009

NEVES Daniel Amorim Assumpccedilatildeo Novo Coacutedigo de Processo Civil Comentado Salva-dor Ed JusPodivm 2016

NUNES Juliana Raquel A importacircncia da mediaccedilatildeo e da conciliaccedilatildeo para o acesso agrave justiccedila uma anaacutelise agrave luz do novo CPC Rio de Janeiro Lumen Juris 2017

PEIXOTO Marco Aureacutelio Ventura PEIXOTO Renata Cortez Vieira Fazenda Puacuteblica e Execu-ccedilatildeo Salvador Juspodivm 2018

SEIDEL Daniel Mediaccedilatildeo de conflitos a soluccedilatildeo de muitos problemas pode estar em suas matildeos Brasilia Vida e Juventude 2007

VIEIRA Mariana Mediaccedilatildeo e Conciliaccedilatildeo como forma de compor Litiacutegios no Novo Coacutedi-go de Processo Civil Niteroacutei Ed Da Autoria 2017

TALAMINI Eduardo A (in)disponibilidade do interesse puacuteblico consequecircncias pro-cessuais (composiccedilotildees em juiacutezo prerrogativas processuais arbitragem e accedilatildeo monitoacuteria) 2005 Disponiacutevel em ltwwwacademiaedu231461gt

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Contribuiccedilotildees da jurimetria para a administraccedilatildeo da justiccedila

1 Poacutes-graduada em Direito do Trabalho e Direito Processual do Trabalho pela Facul-dade Baiana de Direito (FBD) Servidora do Tribunal de Justiccedila do Estado da Bahia lotada na Coordenaccedilatildeo do Sistema Estadual dos Juizados Especiais

2 Mestranda em Direito Puacuteblico (UFBA) Especialista em Ciecircncias Criminais (UFBA) e em Direito Meacutedico Bioeacutetica e Biodireito (UCSAL) Professora da Escola Bahiana de Medi-cina e Sauacutede Puacuteblica Servidora do Tribunal de Justiccedila do Estado da Bahia lotada na Coordenaccedilatildeo do Sistema Estadual dos Juizados Especiais

Caroline Dantas Godeiro de Araujo1

Eacuterica Baptista Vieira de Meneses2

Resumo O Sistema dos Juizados Especiais instituiacutedo pela Lei Fe-deral nordm 9099 de 1995 representa um importante espaccedilo para a ampliaccedilatildeo da pacificaccedilatildeo social atraveacutes da integraccedilatildeo de ferramentas alternativas para soluccedilatildeo de conflitos atraveacutes de um procedimento ceacutelere e desburocratizado Contudo o movimento de hiperjudicializa-ccedilatildeo vislumbrado no Brasil nas uacuteltimas deacutecadas tem sobrecarregado a estrutura instalada e exigido dos gestores o desenvolvimento de estrateacutegias voltadas agrave garantia de acesso de todos os cidadatildeos a uma ordem juriacutedica justa por meio de respostas judiciais ceacuteleres isonocircmi-cas e efetivas Nesse contexto a utilizaccedilatildeo da jurimetria tem se torna-do essencial na administraccedilatildeo da justiccedila voltada ao aprimoramento da prestaccedilatildeo jurisdicional

Palavras-chave juizados especiais desjudicializaccedilatildeo jurimetria ad-ministraccedilatildeo da justiccedila

1 CONSIDERACcedilOtildeES INICIAIS

Ao descrever o direito a accedilotildees estatais positivas Robert Alexy destaca que ldquosempre que as normas procedimentais puderem aumentar a proteccedilatildeo aos direitos fundamentais elas seratildeo exigidas prima facie pelos princiacutepios de direitos fundamentaisrdquo (ALEXY 2015)

Nesse mesmo sentido Calmon de Passos refere que ldquoa relaccedilatildeo entre o chamado direito material e o processo natildeo eacute uma relaccedilatildeo de meiofim ins-trumental como se tem proclamado com tanta ecircnfase ultimamente por

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forccedila do prestiacutegio de seus arautos e sim uma relaccedilatildeo integrativa orgacircnica substancialrdquo sendo o Direito o que dele faz o processo de sua produccedilatildeo (PASSOS 2003)

Eacute com a finalidade de assegurar a fundamentalidade dos princiacutepios processuais que a Emenda Constitucional nordm 45 de 2004 inseriu o inciso LXXVIII no artigo 5ordm da Constituiccedilatildeo Federal de 1988 elevando o direito agrave razoaacutevel duraccedilatildeo do processo agrave categoria de garantia fundamental

Da mesma forma buscando a efetivaccedilatildeo do acesso a uma ordem juriacutedica justa a Lei do Juizado Especial de Pequenas Causas (nordm 724484) iniciou um processo de desburocratizaccedilatildeo dos procedimentos judiciais ldquoapoacutes diagnostico de que estava havendo uma litigiosidade contida por-que as partes natildeo sabiam a quem ou como recorrerrdquo A Lei ldquosignificou o primeiro rompimento do modelo liberal-individualista que estava no CPC em que predominava a autonomia individualrdquo (WATANABE 2019) consa-grado definitivamente pela Constituiccedilatildeo Federal anos depois e desenvol-vido atraveacutes do Sistema dos Juizados Especiais instituiacutedo e regulamenta-do pela Lei Federal nordm 9099 de 1995

Eacute no cenaacuterio de hiperjudicializaccedilatildeo e estudos acerca da efetivaccedilatildeo do acesso agrave justiccedila que a Jurimetria surge como ldquodisciplina do Direito que utiliza a metodologia estatiacutestica para estudar o funcionamento da ordem juriacutedicardquo (NUNES 2016 p 115-116) capitulada como instrumento de se promover o alcance do tempo razoaacutevel do processo

Ao verificar um possiacutevel distanciamento entre o crescente nuacutemero de normas criadas em seu paiacutes e os fatos juriacutedicos a elas correlatos o advo-gado norte-americano Lee Loevinger em 1949 denominou de Jurimetria a metodologia que analisa o Direito a partir de princiacutepios matemaacuteticos e estatiacutesticos motivando a realizaccedilatildeo de experimentos com vieacutes multidisci-plinar utilizando criteacuterios qualitativos e quantitativos

Busca-se nesse estudo trazer os meacutetodos do Conselho Nacional de Justiccedila com vistas agrave otimizaccedilatildeo da prestaccedilatildeo jurisdicional analisando de que forma as accedilotildees da Coordenaccedilatildeo do Sistema Estadual dos Juizados Especiais na Bahia tem aplicado a jurimetria no processo de definiccedilatildeo es-trateacutegica de gestatildeo voltada ao descongestionamento do poder judiciaacuterio

2 DIRETIVAS DO CNJ PARA A DESJUDICIALIZACcedilAtildeO DE CONFLI-TOS

Com a promulgaccedilatildeo da Emenda Constitucional nordm 452004 consoli-dou-se a utilizaccedilatildeo de estatiacutestica na administraccedilatildeo da justiccedila atraveacutes da

Caroline Dantas Godeiro de Araujo bull Eacuterica Baptista Vieira de Meneses

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criaccedilatildeo do Conselho Nacional de Justiccedila ndash CNJ3 como um dos oacutergatildeos do Poder Judiciaacuterio com competecircncia para elaboraccedilatildeo de controle estatiacutestico da produccedilatildeo do Poder Judiciaacuterio Nacional em conformidade com o art 103-B paraacutegrafo 4ordm incisos VI e VII4

Na observacircncia de suas atribuiccedilotildees constitucionais o CNJ editou a Resoluccedilatildeo nordm 15 de 20 de abril de 20065 dispondo dentre outras mateacuterias sobre a regulamentaccedilatildeo do Sistema de Estatiacutestica do Poder Judiciaacuterio ndash SIESPJ criado pela Resoluccedilatildeo nordm 4 de 16 de agosto de 2005

Na mesma linha o Conselho Nacional de Justiccedila estabeleceu a obri-gatoriedade dos Tribunais Estaduais e Federais cumprirem metas anual-mente estabelecidas que visam a enfrentar a retenccedilatildeo crocircnica de proces-sos que se acumulam no Poder Judiciaacuterio

Conforme o Relatoacuterio Justiccedila em Nuacutemeros de 2020 (CNJ 2020)

As pesquisas realizadas pelo CNJ passaram a utilizar conceitos de inteligecircncia artificial para classificaccedilatildeo dos processos e identificaccedilatildeo de similaridades O DataJud6 alccedila a produccedilatildeo de informaccedilotildees do ju-diciaacuterio de desenvolvimento e seraacute uma importante ferramenta para realizaccedilatildeo de estudos jurimeacutetricos na Ciecircncia de Dados

A chamada ldquocrise da jurisdiccedilatildeordquo fenocircmeno representado pelo excessi-vo volume de demandas que sobrecarrega o Poder Judiciaacuterio tem atraiacutedo a preocupaccedilatildeo dos oacutergatildeos responsaacuteveis pela definiccedilatildeo estrateacutegia de ges-tatildeo judiciaacuteria em acircmbito local e nacional haja vista o impacto no aumento das demandas para a qualidade da prestaccedilatildeo do serviccedilo puacuteblico

3 Vide artigo 92 inciso I-A da Constituiccedilatildeo Federal

4 Constituiccedilatildeo Federal Art 103-B paraacutegrafo 4ordm VI ndash elaborar semestralmente relatoacuterio estatiacutestico sobre processos e sentenccedilas prolatadas por unidade da Federaccedilatildeo nos diferentes oacutergatildeos do Poder Judiciaacuterio VII ndash elaborar relatoacuterio anual propondo as providecircncias que julgar necessaacuterias sobre a situaccedilatildeo do Poder Judiciaacuterio no Paiacutes e as atividades do Conselho o qual deve integrar mensagem do Presidente do Supremo Tribunal Federal a ser remetida ao Congresso Nacional por ocasiatildeo da abertura da sessatildeo legislativa (incluiacutedos pela EC nordm 452004)

5 Ulteriormente revogada pela Resoluccedilatildeo CNJ nordm 76 de 12 de maio de 2009 que dis-potildee sobre os princiacutepios do Sistema de Estatiacutestica do Poder Judiciaacuterio estabelece seus indicadores fixa prazos determina penalidades e daacute outras providecircncias

6 O DataJud constitui a Base Nacional de Dados do Poder Judiciaacuterio Trata-se de ferra-menta de captaccedilatildeo e recebimento de dados que reuacutene informaccedilotildees pormenoriza-das a respeito de cada processo judicial em uma base uacutenica (CNJ 2020)

Contribuiccedilotildees da jurimetria para a administraccedilatildeo da justiccedila

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Pensando nisso e em busca de soluccedilotildees desjudicializantes e desbu-rocratizantes convergentes com a mais recente e manifesta intenccedilatildeo le-gislativa o Conselho Nacional de Justiccedila editou importantes provimentos nos uacuteltimos anos (STJ 2019) tendo influenciado a gestatildeo dos Tribunais agrave adoccedilatildeo de medidas proativas no sentido da prestaccedilatildeo jurisdicional para aleacutem das decisotildees judiciais

Nesse sentido entre os Macrodesafios do Poder Judiciaacuterio 2015-2020 estabelecidos pelo CNJ com foco na efetividade da prestaccedilatildeo jurisdicio-nal destacamos a adoccedilatildeo de soluccedilotildees alternativas de conflito gestatildeo das demandas repetitivas e dos grandes litigantes bem como melhoria da in-fraestrutura de governanccedila e de tecnologia da informaccedilatildeo e comunicaccedilatildeo

Tendo como objetivo principal a garantia dos direitos da cidadania a partir da estruturaccedilatildeo de um Poder Judiciaacuterio ceacutelere efetivo isonocircmico e que apresente soluccedilotildees modernas para a pacificaccedilatildeo social a jurimetria tem sido utilizada pelo Conselho Nacional de Justiccedila cotidianamente na definiccedilatildeo de estrateacutegias do Poder Judiciaacuterio

3 JURIMETRIA COMO IMPORTANTE INSTRUMENTO PARA A OTIMIZACcedilAtildeO DA PRESTACcedilAtildeO JURISDICIONALA jurimetria eacute termo que traduz uma ciecircncia que tem por escopo o

uso de banco de dados de estatiacutesticas e da loacutegica simboacutelica aplicada ao Direito com o intuito de transportar a lei do campo da abstraccedilatildeo para o da subsunccedilatildeo da norma ao caso concreto considerando-se as peculiaridades dos sujeitos envolvidos e o alcance da realizaccedilatildeo do escopo social da ju-risdiccedilatildeo que eacute a pacificaccedilatildeo social (LOEVINGER 1963 pp 5-35) Portanto eacute uma nova ciecircncia consubstanciada na aplicaccedilatildeo de modelos estatiacutesticos sob a compreensatildeo de processos e fatos juriacutedicos

A Associaccedilatildeo Brasileira de Jurimetria (ABJ)7 explica que esta metodo-logia busca dar concretude agraves normas e instituiccedilotildees situando no tempo e no espaccedilo os processos os juiacutezes as decisotildees as sentenccedilas os tribunais as partes etc ldquoQuando se faz jurimetria enxerga-se o Judiciaacuterio como um grande gerador de dados que descrevem o funcionamento completo do

7 A Associaccedilatildeo Brasileira de Jurimetria ndash ABJ eacute uma associaccedilatildeo civil sem fins lucrativos sujeito de direito privado que tem entre suas finalidades ldquoIncentivar a utilizaccedilatildeo da jurimetria na elaboraccedilatildeo e avaliaccedilatildeo de poliacuteticas puacuteblicasrdquo e ldquoColaborar com entida-des puacuteblicas e privadas para melhorar administraccedilatildeo de Tribunaisrdquo

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sistema Quando se faz jurimetria estuda-se o Direito atraveacutes das marcas que ele deixa na sociedaderdquo

A estrateacutegia metodoloacutegica para organizar os dados compilados se daacute pelo uso da estatiacutestica ciecircncia que possui como objeto de estudo os da-dos empiacutericos quantitativamente organizados para possibilitar a identifi-caccedilatildeo de comportamento em um dado conjunto de elementos concretos como o nuacutemero de demandas relativas por exemplo aos contratos ban-caacuterios ou de prestaccedilatildeo de serviccedilos meacutedico-hospitalares ou o volume de processos divididos por classes dos processos e as estrateacutegias que podem ser traccediladas para decisotildees isonocircmicas para cada uma

Nesse contexto a Jurimetria enfrenta as demandas judiciais e suas decisotildees a partir da massa de processos que se dirigem ao Poder Judiciaacute-rio partindo-se do caso concreto agrave normativa estabelecida A aplicaccedilatildeo dessa metodologia no Poder Judiciaacuterio busca o levantamento estatiacutestico dos tipos de demanda e seu fluxo para entatildeo formular poliacuteticas voltadas a uma melhor prestaccedilatildeo jurisdicional

Com isso haacute natildeo somente um aprimoramento na prestaccedilatildeo jurisdi-cional que responde a uma demanda social mas possibilita-se a imple-mentaccedilatildeo de ferramentas para a efetivaccedilatildeo de direitos (evitando-se com isso a existecircncia de conflitos) ou ainda que natildeo seja possiacutevel a soluccedilatildeo paciacutefica de conflitos

Nesse ensejo revela-se a importacircncia do gerenciamento de proces-sos judiciais que conforme preleciona Paulo Eduardo Alves da Silva (2010)

O gerenciamento de processos judiciais pode ser compreendido como o conjunto de praacuteticas de conduccedilatildeo do processo e organizaccedilatildeo ju-diciaacuteria coordenadas pelo juiz para o processamento ceacutelere e efetivo dos conflitos submetidos ao Poder Judiciaacuterio () A filtragem de litiacutegios de massa e as demandas repetitivas pela vinculaccedilatildeo jurisprudencial tambeacutem pressupotildeem a racionalidade gerencial aqui debatida na mo-dalidade de lsquogerenciamento do volume dos processos judiciaisrsquo tema que pela amplitude e especificidades demanda um estudo especiacutefico

Ademais a anaacutelise e interpretaccedilatildeo adequados dos dados coletados atraveacutes de ferramentas tecnoloacutegicas (roboacutetica inteligecircncia artificial busi-ness intelligence) eacute possiacutevel projetar conclusotildees qualitativas com relaccedilatildeo agrave natureza da prestaccedilatildeo jurisdicional Desse modo sendo eleita determina-da natureza de demanda como a mais recorrente para determinado grupo social eacute possiacutevel a definiccedilatildeo de poliacuteticas puacuteblicas necessaacuterias e adequadas para a soluccedilatildeo dos conflitos produzidos nas respectivas relaccedilotildees materiais

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Com base nos dados coletados dos Tribunais em todo o paiacutes e visan-do a um enfrentamento crocircnico do acuacutemulo dos processos o CNJ definiu no estudo denominado ldquoEstrateacutegia Nacional do Poder Judiciaacuterio 2015-2020rdquo diversos macrodesafios do Poder Judiciaacuterio entre os quais destaca-mos a ldquoefetividade na prestaccedilatildeo jurisdicionalrdquo ldquoceleridade e produtividade na prestaccedilatildeo jurisdicionalrdquo e ldquoadoccedilatildeo de soluccedilotildees alternativas de conflitordquo

Nessa senda verifica-se que o levantamento de dados estatiacutestico--matemaacuteticos e sua anaacutelise metodoloacutegica e continuada permite o desen-volvimento de estrateacutegias e soluccedilotildees para a hiperjudicializaccedilatildeo crocircnica trazendo agrave lume a preocupaccedilatildeo com a celeridade e efetividade processual e a necessidade de se buscar soluccedilotildees alternativas aos conflitos

4 FERRAMENTAS DESENVOLVIDAS PELA COJE PARA DESJU-DICIALIZACcedilAtildeO NO SISTEMA DOS JUIZADOS ESPECIAIS NA BAHIA

Como jaacute dito a regulamentaccedilatildeo dos Juizados Especiais Ciacuteveis e Cri-minais no ano de 1995 e dos Juizados Especiais Federais em 2001 bem como dos Juizados Especiais da Fazenda Puacuteblica em 2009 se deu como tentativa de trazer soluccedilotildees alternativas agrave sobrecarga do poder judiciaacuterio e consequente morosidade processual atraveacutes da simplificaccedilatildeo dos proce-dimentos judiciais pelo denominado procedimento sumariacutessimo

Eacute com a finalidade de analisar os fluxos e entraves para o efetivo aces-so agrave justiccedila que a jurimetria tem se mostrado fundamental na tomada de decisotildees administrativas com vistas a uma gestatildeo proba transparente e acima de tudo agrave consolidaccedilatildeo de uma prestaccedilatildeo jurisdicional focada na entrega de uma ordem juriacutedica justa aos indiviacuteduos

Consideramos nesse contexto a definiccedilatildeo de Kazuo Watanabe (2019) segundo o qual o ldquoacesso agrave ordem juriacutedica justardquo significa

Atualizaccedilatildeo do conceito de acesso agrave justiccedila Escrevo justiccedila com J minuacutesculo para natildeo significar somente acesso ao Poder Judiciaacuterio Os cidadatildeos tecircm direito de ser ouvidos e atendidos natildeo somente em si-tuaccedilatildeo de controveacutersias mas em problemas juriacutedicos que impeccedilam o pleno exerciacutecio da cidadania como nas dificuldades para a obtenccedilatildeo de seus documentos ou de seus familiares ou os relativos a seus bens Instituiccedilotildees como o PoupaTempo e as cacircmaras de mediaccedilatildeo desde que bem organizados e com funcionamento correto asseguram o acesso agrave justiccedila aos cidadatildeos nessa concepccedilatildeo mais ampla

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Para o desenvolvimento de ferramentas eficazes de governanccedila vol-tados agraves particularidades das demandas que compotildee o Sistema dos Juiza-dos Especiais na Bahia a Coordenaccedilatildeo do Sistema dos Juizados Especiais ndash COJE oacutergatildeo de supervisatildeo administrativa dos Juizados estruturou nuacutecleos de trabalho com foco na especializaccedilatildeo de tarefas definiccedilatildeo de fluxos e melhoria da gestatildeo administrativa que trabalham de forma inter-relacio-nada no desenvolvimento de projetos estrateacutegicos e departamentais com foco na efetivaccedilatildeo do acesso agrave justiccedila (TJBA 2020a)

Nesse senda verifica-se pelas accedilotildees desenvolvidas que a COJE atua de forma coordenada e simultacircnea com o objetivo de desenvolver fer-ramentas processuais e preacute-processuais baseados nos dados coletados quanto agraves demandas distribuiacutedas nos Sistemas Projudi e PJe em todo o estado da Bahia

Para fins de anaacutelise agrupamos didaticamente os projetos desen-volvidos em trecircs focos de atuaccedilatildeo principais8 estiacutemulo aos meacutetodos consensuais de resoluccedilatildeo de conflitos prevenccedilatildeo e repressatildeo agrave litigacircncia temeraacuteria e padronizaccedilatildeo de fluxos e automaccedilatildeo de processos para apri-moramento da produtividade dos servidores puacuteblicos

41 M Eacute T O D O S C O N S E N S U A I S DE RESOLUCcedilAtildeO DE CONFLITOS

Conforme liccedilatildeo de Dioacutegenes Ribeiro (2013) ldquoo Judiciaacuterio estaacute proibi-do de natildeo decidir ou seja estaacute obrigado a decidirrdquo Nesse sentido o autor descreve

Existem inuacutemeras explicaccedilotildees para a ocorrecircncia do fenocircmeno a que se chama de judicializaccedilatildeo e com certeza natildeo seria possiacutevel analisaacute--las todas neste espaccedilo ateacute porque com o tempo haveria acreacutescimo de outras Uma das alusotildees cientiacuteficas eacute a do aumento de comple-xidade da sociedade que demanda soluccedilotildees inclusive do sistema juriacutedico cabendo entatildeo ao Judiciaacuterio as que lhe forem demandadas em situaccedilotildees concretas ou ateacute em algumas situaccedilotildees abstratas ge-neacutericas quando a soluccedilatildeo vem das Cortes Superiores em especial da Corte Constitucional

8 Divisatildeo desenvolvida pelas autoras exclusivamente para fins de anaacutelise didaacutetica na pre-sente publicaccedilatildeo As iniciativas foram escolhidas exemplificativamente por representa-rem efetivas inovaccedilotildees no que se refere agrave gestatildeo da justiccedila baseadas em jurimetria

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A expressatildeo judicializaccedilatildeo tem sido utilizada haacute algumas deacutecadas e pretende significar um espaccedilo maior no espectro de decisotildees in-clusive de natureza poliacutetica que passou a ser ocupado pelo Poder Judiciaacuterio ()

A Administraccedilatildeo do Estado (o Executivo) tambeacutem eacute compreendida como um sistema de organizaccedilatildeo que sofre uma sobrecarga organi-zativa (LUHMANN 2002 p 114)

Com esse intuito os Tribunais acertadamente tem utilizado das fer-ramentas de jurimetria jaacute descritas para gerir a sobrecarga organizativa decorrente da (hiper)judicializaccedilatildeo atraveacutes de diferentes estrateacutegias in-clusive o estiacutemulo aos meacutetodos consensuais de resoluccedilatildeo de conflitos previstos na Resoluccedilatildeo nordm 125 de 29 de novembro de 2010

411 SISTEMA DE NEGOCIACcedilAtildeO VIRTUAL

Desenvolvido no ano de 2020 o Sistema de Negociaccedilatildeo Virtual foi instituiacutedo com a finalidade de ampliar as possibilidades de autocompo-siccedilatildeo atraveacutes da criaccedilatildeo de um espaccedilo virtual para negociaccedilatildeo entre as partes dentro do sistema processual contudo sem interferecircncia externa do estado-juiz

A sistemaacutetica permite agraves partes apoacutes a distribuiccedilatildeo da demanda e antes da triangulaccedilatildeo da relaccedilatildeo processual efetivada pela citaccedilatildeo dia-logarem acerca das possibilidades de acordo com paridade de armas e igualdade de oportunidades de manifestaccedilatildeo sem prejuiacutezos ou empe-cilhos ao regular desenvolvimento do processo caso a negociaccedilatildeo seja infrutiacutefera

O desenvolvimento desta nova porta de efetivaccedilatildeo de direitos foi pautado em dados estatiacutesticos a partir da identificaccedilatildeo de que poucas empresas representam quase a totalidade dos processos distribuiacutedos notadamente nas varas com competecircncia do consumo sendo estas deno-minadas de ldquomaiores demandadosrdquo 9

Destarte a ferramenta se insere no contexto de uma recente corrente em Direito Processual que exige que para se ajuizar uma demanda con-sumerista o autor comprove natildeo ter tido sucesso em alguma tentativa preacutevia de conciliaccedilatildeo entre as quais se destaca o portal ldquoConsumidorgovrdquo

9 Desde 2017 o Poder Judiciaacuterio do Estado da Bahia publica relaccedilatildeo das EMPRESAS MAIS DEMANDADAS nas Varas do Sistema dos Juizados Especiais do Estado da Bahia

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plataforma digital que permite a interlocuccedilatildeo direta entre consumidores e empresas via internet para soluccedilatildeo de conflitos de consumo evitando assim o ajuizamento de accedilotildees perante o Judiciaacuterio (especialmente JECs) desenvolvido e gerido pelo Ministeacuterio da Justiccedila (MARTINS e VAINZOF 2020)

A releitura do princiacutepio do acesso agrave Justiccedila ndash ou a uma ordem juriacutedica justa ndash que inclua a exigecircncia de preacutevio requerimento extrajudicial antes da propositura de accedilotildees perante o Judiciaacuterio procura promover a pacifica-ccedilatildeo social sem contudo representar violaccedilatildeo ao artigo 5ordm XXXV da CRFB e artigo 3ordm caput do CPC deste que sejam disponibilizadas caminhos para a soluccedilatildeo consensual de forma acessiacutevel e dentro de paracircmetros preacute-es-tabelecidos A intervenccedilatildeo estatal atraveacutes do estado-juiz coloca-se entatildeo como ultima ratiocedil quando efetivamente a resistecircncia agrave pretensatildeo autoral reste configurada e delimitada

412 NUacuteCLEO DE PREVENCcedilAtildeO E TRATAMENTO DO SUPEREN-DIVIDAMENTO

De acordo com informaccedilotildees constantes no sitio eletrocircnico do Poder Judiciaacuterio do Estado da Bahia ldquoo Programa de Prevenccedilatildeo e Tratamento do Superendividamento instituiacutedo no acircmbito do Poder Judiciaacuterio do Es-tado da Bahia possui o objetivo de viabilizar na esfera preacute ndash processual a renegociaccedilatildeo coletiva ou individualizada de diacutevidas atuais e futuras decorrentes de relaccedilotildees de consumo de devedor pessoa fiacutesica de boa-feacute impossibilitado de quitar suas diacutevidas sem que haja prejuiacutezo agrave sua subsis-tecircnciardquo (TJBA 2020b)

O Projeto eacute constituiacutedo de diversas accedilotildees voltadas agrave educaccedilatildeo fi-nanceira e psicoloacutegica dos consumidores realizada em parceria com uma Instituiccedilatildeo de Ensino Superior participaccedilatildeo ativa na renegociaccedilatildeo coleti-va de diacutevidas de consumo acolhimento e orientaccedilatildeo aos cidadatildeos com o intuito de propiciar um recomeccedilo digno a indiviacuteduos em situaccedilatildeo de superendividamento e adesatildeo a projetos nacionais tais como a Semana Nacional de Educaccedilatildeo Financeira

As estrateacutegias de atuaccedilatildeo satildeo baseadas no perfil dos consumidores e possiacuteveis abusividades do mercado de creacutedito identificados atraveacutes das demandas de massa distribuiacutedas em cada localidade com acompanha-mento do sistema de Business Intelligence que permite o monitoramento extraccedilatildeo de relatoacuterios dinacircmicos e anaacutelise da movimentaccedilatildeo processual

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O Business Intelligence ou Inteligecircncia de negoacutecios refere-se ao pro-cesso de coleta organizaccedilatildeo anaacutelise compartilhamento e monitoramento de informaccedilotildees que oferecem suporte a gestatildeo de negoacutecios Eacute um con-junto de teacutecnicas e ferramentas para auxiliar na transformaccedilatildeo de dados brutos em informaccedilotildees significativas e uacuteteis a fim de analisar o negoacutecio As tecnologias BI satildeo capazes de suportar uma grande quantidade de dados desestruturados para ajudar a identificar desenvolver e ateacute mesmo criar uma nova oportunidade de estrateacutegia de negoacutecios O objetivo do BI eacute per-mitir uma faacutecil interpretaccedilatildeo do grande volume de dados Identificando novas oportunidades e implementando uma estrateacutegia efetiva baseada nos dados tambeacutem pode promover negoacutecios com vantagem competitiva no mercado e estabilidade a longo prazordquo (RUD 2009)

Na gestatildeo judiciaacuteria o BI eacute largamente utilizado para agrupamento e organizaccedilatildeo de dados diversos esparsos permitindo uma anaacutelise apurada com definiccedilatildeo de criteacuterios cuja coleta satildeo relevantes a depender da finali-dade esperada e do recorte proposto

42 PREVENCcedilAtildeO E REPRESSAtildeO Agrave LITIGAcircNCIA TEMERAacuteRIA

A partir da anaacutelise qualitativa das decisotildees proferidas em diversas accedilotildees judiciais distribuiacutedas com causa de pedir e pedidos semelhantes especialmente relativas agraves empresas consideradas ldquomaiores demandadosrdquo verifica-se um aumento significativo no volume de processos com sen-tenccedilas que condenam a parte autora por litigacircncia de maacute-feacute por motivos diversos especialmente apontando supostos ldquoindiacutecios de fraudesrdquo

Atualizado ateacute 10112020

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Nesse sentido considerando a contribuiccedilatildeo da hiperjudicializaccedilatildeo associada a uma pratica leviana10 para a sobrecarga do sistema judicial o Tribunal de Justiccedila do Estado do Rio de Janeiro desenvolveu um Nuacutecleo Permanente de Combate agraves Fraudes nos Sistemas dos Juizados Especiais (Nupecof ) com o objetivo de ldquointensificar a fiscalizaccedilatildeo dos processos identificados com suspeita de fraudes que tramitam no Judiciaacuterio flumi-nenserdquo (TJRJ 2020)

Agrave semelhanccedila da sistemaacutetica supra o Poder Judiciaacuterio do Estado da Bahia instituiu no acircmbito do Sistema dos Juizados Especiais o Nuacutecleo de Combate agraves Fraudes (NUCOF) vinculado agrave Coordenaccedilatildeo dos Juizados Especiais e composto por magistrados integrantes do Sistema com atri-buiccedilatildeo para ldquorecepcionar as notiacutecias de suspeita de fraude e artificialida-des processuais identificando o seu modus operandi e eventualmente estabelecendo recomendaccedilotildees que visem a uniformizaccedilatildeo de estrateacutegias para o enfrentamentordquo (TJBA 2020a)

43 PADRONIZACcedilAtildeO DE FLUXOS E AUTOMACcedilAtildeO DE PROCES-SOS PARA APRIMORAMENTO DA PRODUTIVIDADE DOS SERVIDORES PUacuteBLICOS

Destacamos como iniciativas voltadas agrave otimizaccedilatildeo da prestaccedilatildeo ju-risdicional aquelas voltadas agrave padronizaccedilatildeo de fluxos e automaccedilatildeo de processos que tem como consequecircncia o aprimoramento da produtivida-de dos servidores puacuteblicos e auxiliares da justiccedila

As medidas implementadas envolvem o desenvolvimento de robocircs para a automaccedilatildeo de tarefas cartoraacuterias repetitivas simplificando proce-dimentos reduzindo custos e consequentemente aumentando a cele-ridade processual no acircmbito dos Juizados Especiais e Turmas Recursais permitindo aos servidores maior dedicaccedilatildeo aos procedimentos com maior complexidade cognitiva (TJBA 2020a)

Conforme dados disponibilizados pelo Tribunal de Justiccedila baiano a Coordenaccedilatildeo Estadual dos Juizados Especiais jaacute desenvolveu diversos robocircs no ano de 2020 que atuam (i) na baixa automaacutetica de processos da 6ordf Turma Recursal para as respectivas varas (ii) na elaboraccedilatildeo de citaccedilotildees

10 Expressatildeo cunhada por Hilton Vieira em Hiperjudicializaccedilatildeo prognosticaacutevel disponiacute-vel em httpsfalcao1jusbrasilcombrartigos516930243hiperjudicializacao-prog-nosticavel

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(iii) juntada de certidotildees e intimaccedilotildees nos processos que tiveram audiecircn-cias suspensas ou remarcadas no periacuteodo da pandemia (iv) intimaccedilatildeo automaacutetica dos acoacuterdatildeos proferidos pela 6ordf Turma Recursal (v) intimaccedilatildeo automaacutetica de processos migrados do sistema SAJ para o PJe na Segunda Vara Ciacutevel de Salvador ndash BA Ademais desenvolveu-se a sistemaacutetica de geraccedilatildeo de DAJE unificado para o preparo recursal eliminando a necessi-dade de gerar manualmente ateacute 13(treze) tipos de DAJErsquo s um para cada ato processual (TJBA 2020a)

Por fim estaacute descrito como projeto departamental em desenvolvi-mento na gestatildeo 2020-2021 ferramenta com uso de automaccedilatildeo e inte-ligecircncia artificial que permitiraacute a ldquorealizaccedilatildeo de julgamento em lote por tema atraveacutes da identificaccedilatildeo de demandas repetidas decisotildees proferi-das sugerindo o modelo de documentos para utilizaccedilatildeo de acordo com o que lhe foi programado potencializando a celeridade processualrdquo (TJBA 2020a)

A identificaccedilatildeo das demandas repetidas assim consideradas aque-las com mesma causa de pedir decorre de processo de anaacutelise estatiacutes-tico das principais causas de demanda no estado que tenham chegado ao poder judiciaacuterio e que deveratildeo ter um tratamento uniforme pelos magistrados ainda que natildeo tenha sido instaurado Incidente de Reso-luccedilatildeo de Demanda Repetitiva ou instada a Turma de Uniformizaccedilatildeo de Jurisprudecircncia

A ferramenta ainda natildeo disponibilizada pode ser um importante ins-trumento para melhoria da qualidade da prestaccedilatildeo jurisdicional reduccedilatildeo da insatisfaccedilatildeo do jurisdicionado com eventuais decisotildees conflitantes e consequentemente a quantidade de recursos agraves Turmas Recursais apri-morando significativamente o prestaccedilatildeo do serviccedilo jurisdicional Ademais constituiraacute importante ferramenta para que o magistrado possa melhor conhecer e gerir as demandas da vara com recorte regionalizado e espe-ciacutefico daquela localidade

5 CONCLUSAtildeO

O acesso a uma ordem juriacutedica justa representa hoje a extensatildeo e amplitude constitucional do acesso agrave justiccedila e a uma razoaacutevel duraccedilatildeo do processo princiacutepios processuais fundamentais resguardados no artigo 5ordm da Constituiccedilatildeo Federal de 1988 que devem ser observados na complexa tarefa de gestatildeo dos sistemas judiciais

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Da mesma forma buscando a efetivaccedilatildeo do acesso a uma ordem juriacutedica justa a Lei do Juizado Especial de Pequenas Causas (nordm 724484) iniciou um processo de desburocratizaccedilatildeo dos procedimentos judiciais ldquoapoacutes diagnostico de que estava havendo uma litigiosidade contida por-que as partes natildeo sabiam a quem ou como recorrerrdquo A Lei ldquosignificou o primeiro rompimento do modelo liberal-individualista que estava no CPC em que predominava a autonomia individualrdquo (WATANABE 2019) consa-grado definitivamente pela Constituiccedilatildeo Federal anos depois e desenvol-vido atraveacutes do Sistema dos Juizados Especiais instituiacutedo e regulamenta-do pela Lei Federal nordm 9099 de 1995

Luiacutes Roberto Barroso na obra ldquoA Judicializaccedilatildeo da Vida e o Papel do Supremo Tribunal Federalrdquo define ldquojudicializaccedilatildeordquo como a mera possibilida-de de levar conflitos agrave apreciaccedilatildeo do Judiciaacuterio Atualmente contudo os Tribunais tem sido sobrecarregados com a hiperjudicializaccedilatildeo das relaccedilotildees sociais

Nesse sentido o Conselho Nacional de Justiccedila tem demonstrado es-pecial preocupaccedilatildeo com a desjudicializaccedilatildeo estiacutemulo aos meacutetodos alter-nativos de soluccedilatildeo de conflitos e efetivaccedilatildeo da justiccedila atraveacutes de projetos estrateacutegicos voltados a uma gestatildeo judicial proba ceacutelere transparente e atenta agraves demandas locais

Observa-se a partir dos projetos publicizados pelo Poder Judiciaacuterio do Estado da Bahia (TJBA 2020) que a Coordenaccedilatildeo do Sistema dos Jui-zados Especiais estabeleceu metodologia de atuaccedilatildeo baseada na coleta anaacutelise e avaliaccedilatildeo dos movimentos sociais e suas consequecircncias para a hiperjudicializaccedilatildeo dos conflitos o que entendemos corresponde a uma aplicaccedilatildeo praacutetica e eficiente da jurimetria na administraccedilatildeo da justiccedila

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O superendividamento tutelado no acircmbito do Sistema dos

Juizados Especiais do Tribunal de Justiccedila do Estado da Bahia

1 Poacutes-graduada em Direito Processual Civil pela Universidade Federal de Direito da Bahia servidora do Tribunal de Justiccedila do Estado da Bahia assessora da Coordena-ccedilatildeo dos Juizados Especiais

Maria Joseacute Oliveira e Silva1

Resumo A grave situaccedilatildeo de endividamento decorrente do voraz mercado de consumo associada ao atual momento pandecircmico im-potildee a proteccedilatildeo estatal atraveacutes da criaccedilatildeo de normativas proacuteprias e de poliacutetica puacuteblicas voltadas ao enfrentamento da questatildeo Este artigo faz uma breve explanaccedilatildeo acerca dos sistemas juriacutedicos protetivos analisa o arcabouccedilo normativo existente no nosso paiacutes e apresenta soluccedilotildees praacuteticas desenvolvidas pelo Poder Judiciaacuterio do Estado da Bahia para o enfrentamento da questatildeo

Palavras-chave Superendividamento Sistemas Juriacutedicos Praacuteticas do Poder Judiciaacuterio da Bahia

1 INTRODUCcedilAtildeO

O fenocircmeno do endividamento estaacute arraigado na sociedade contem-poracircnea como reflexo das relaccedilotildees de consumo cada dia mais agressivas que outorgam ao consumidor uma condiccedilatildeo de hipossuficiecircncia diante do grande apelo do mercado financeiro que impede o cidadatildeo muitas vezes de sair ileso das grandes ofertas de creacuteditos que fatalmente iratildeo impactar na sua situaccedilatildeo econocircmica comprometendo a sua sauacutede e o seu bem estar afetando consequentemente toda a estrutura familiar

Sensiacuteveis a relevante questatildeo enraizada na proteccedilatildeo agrave dignidade da pessoa humana os ordenamentos juriacutedicos de diversos paiacuteses vecircm bus-cando soluccedilotildees para o grave problema que atinge cada vez mais pessoas sobretudo nesse momento pandecircmico em que os iacutendices de endivida-

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mento subiram consideravelmente No Brasil o percentual de famiacutelias com diacutevidas atingiu em junho o recorde histoacuterico de 671 (sessenta e sete virgula um por cento) segundo a Pesquisa de Endividamento e Inadimplecircncia do Consumidor realizada pela Confederaccedilatildeo Nacional do Comeacutercio (CNC)2

O endividamento eacute uma questatildeo de relevante preocupaccedilatildeo univer-sal sendo consenso que eacute um fato social grave e atual em diversas partes do mundo assim como no nosso paiacutes merecendo atenccedilatildeo especial dos poderes puacuteblicos mediante a elaboraccedilatildeo de normativas especiacuteficas que possam atraveacutes de intervenccedilatildeo nos contratos de consumo criar um siste-ma protetivo direcionado a esta parcela da populaccedilatildeo atingida

2 DIREITO COMPARADO DA TUTELA DO ENDIVIDAMENTO

No modelo francecircs a Lei Neiertz com suas modificaccedilotildees numa orientaccedilatildeo social previu um processo de reestruturaccedilatildeo global da diacutevi-da de caraacuteter misto repartindo estrutural e funcionalmente em dois momentos sucessivos uma fase administrativa conciliatoacuteria e uma fase judicial (redressemnte judiciare civil) desencadeada apenas no caso do in-sucesso da primeira fase Ao lado dessas possibilidades haacute a da utilizaccedilatildeo do prazo de reflexatildeo (delai de reacuteflexion) como instrumento de prevenccedilatildeo do endividamento previsto somente em casos particulares como os de creacutedito ao consumo (PELLEGRINO 2016)

O Code de la Consommation na Repuacuteblica Francesa cuida da oferta de creacutedito e dos contratos imobiliaacuterios com normas protetivas aos consu-midores na fase preacute-negocial ndash coibindo a propaganda abusiva e estabele-cendo a plena eficaacutecia do dever lateral de informaccedilatildeo ndash e sancionando vio-lentamente os abusos como a perda do direito agrave percepccedilatildeo de juros Haacute um controle riacutegido sobre as formas de cobranccedila das diacutevidas conservando a imagem e a honra do devedor em face de meacutetodos agressivos utilizados pelos credores E na hipoacutetese de endividamento excessivo ou da super-veniecircncia de ruiacutena econocircmica eacute estabelecido um complexo sistema de renegociaccedilotildees e de tutela patrimonial do devedor Na hipoacutetese de execu-ccedilatildeo instaurada pode-se invocar a exceccedilatildeo de superendividamento Com

2 Pesquisa realizada na data de 09112020 no endereccedilo httpseconomiauolcombrnoticiasestadao-conteudo20200619endividamento-de-familias-bate-recor-de-diz-cnchtm

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isso a pedido da comissatildeo de superendividamento o processo poderaacute ser suspenso (artigo L331-5) Os comissaacuterios elaboraratildeo juntamente com as partes um plano de recuperaccedilatildeo econocircmico-financeira do devedor Desta forma o perfil da diacutevida seraacute alongado e novas disposiccedilotildees seratildeo pactua-das visando adequar o negoacutecio agraves reais condiccedilotildees econocircmico-financeiras do devedor (RODRIGUES JR 2013)

A jurisprudecircncia francesa deu alguns contornos a esses dispositivos do Coacutedigo de Consumo ao estilo dos seguintes (a) considera-se ter agido de boa-feacute o devedor cujo superendividamento deu-se por sua imprudecircn-cia ou imprevidecircncia (b) a boa-feacute do devedor eacute presumida competindo aos credores provar o contraacuterio (c) a comissatildeo de superendividamento tem competecircncia para analisar os deacutebitos vencidos e os vincendos (RO-DRIGUES JR 2013)

No direito americano emergiu um modelo neoliberal que encara o endividamento como um risco associado agrave expansatildeo do mercado finan-ceiro e em razatildeo disso investe na socializaccedilatildeo do risco de desenvolvimen-to do creacutedito concebendo uma responsabilidade limitada para os consu-midores sendo o perdatildeo da diacutevida a principal medida concretizadora do fresh start concedida ao consumidor (RODRIGUES JR 2013 apud RAMSAY 1997)

Acerca do sistema americano o perdatildeo das diacutevidas eacute o fim e o come-ccedilo no sentido que encerra o procedimento legal da falecircncia com efeito de coisa julgada e o comeccedilo porque estaacute relacionado agrave concessatildeo de uma nova oportunidade aos devedores honestos de recomeccedilar a vida sem o peso opressivo psicoloacutegico de diacutevidas anteriores O perdatildeo pode ser obti-do no iniacutecio do procedimento quando natildeo haacute bens a liquidar ou apoacutes o cumprimento de um plano de pagamento que contemple o reembolso de parte das diacutevidas (PELLEGRINO 2016)

Quanto ao procedimento o devedor entrega uma peticcedilatildeo no tribunal de falecircncias com informaccedilotildees precisas sobre os credores natureza e mon-tante das diacutevidas fonte valor e regularidade dos rendimentos que aufere seus bens e seus encargos mensais essenciais (alimentaccedilatildeo transporte impostos medicamentos aluguel etc) Com a mera entrega da peticcedilatildeo as execuccedilotildees ficam suspensas Decorridos 20 a 40 dias apoacutes a entrega da peticcedilatildeo realiza-se uma reuniatildeo de credores com a presenccedila indispensaacutevel do devedor que deve responder a eventuais questotildees apresentadas pe-los credores sobre seus bens e negoacutecios e do administrador da falecircncia (LIMA 2014)

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3 ASPECTOS DO ORDENAMENTO JURIacuteDICO BRASILEIRO

No Brasil diante da nova ordem constitucional de 1988 e seguindo tendecircncia mundial atraveacutes do comando constitucional a tutela do endivi-damento estaacute amparada nos princiacutepios do equiliacutebrio contratual da boa-feacute da funccedilatildeo social e da dignidade da pessoa humana

A dignidade da pessoa humana eacute pilar da estrutura constitucional brasileira sendo

designada por muitos doutrinadores como macroprinciacutepio do or-denamento constitucional natildeo eacute por acaso que o referido princiacutepio foi inserido na carta magna como fundamento da Repuacuteblica Federativa do Brasil (art 1ordm III)3

A dignidade da pessoa humana eacute o fundamento axioloacutegico do di-reito eacute a razatildeo de ser da proteccedilatildeo fundamental do valor da pessoa e por conseguinte da humanidade do ser e da responsabilidade que cada homem tem pelo outro (NERY Jr 1995) Por isso se diz que a justiccedila como valor eacute o nuacutecleo central da axiologia juriacutedica e a marca desse valor fun-damental de justiccedila eacute o homem princiacutepio e razatildeo de todo o direito (GIL HERNANDEZ 1987)

Para conceder eficaacutecia a norma constitucional contida no artigo 5ordm XXXII4 criou-se o Coacutedigo de Defesa do Consumidor atraveacutes da Lei 8078 de 11 de setembro de 1990 objetivando a realizaccedilatildeo da igualdade subs-tancial e a socializaccedilatildeo atraveacutes da intervenccedilatildeo na atividade econocircmica (art 170 CF)5 como instrumentos garantidores da dignidade da pessoa humana

Os princiacutepios elencados na lei consumerista contaminaram todo o di-reito privado sobretudo a partir da ideia de confianccedila inerente da boa-feacute

3 CF Art 1ordm A Repuacuteblica Federativa do Brasil formada pela uniatildeo indissoluacutevel dos Estados e Municiacutepios e do Distrito Federal constitui-se em Estado Democraacutetico de Direito e tem como fundamentos III ndash a dignidade da pessoa humana

4 CF Art 5ordm XXXII ndash o Estado promoveraacute na forma da lei a defesa do consumidor

5 CF Art 170 A ordem econocircmica fundada na valorizaccedilatildeo do trabalho humano e na livre iniciativa tem por fim assegurar a todos existecircncia digna conforme os ditames da justiccedila social observados os seguintes princiacutepios V ndash defesa do consumidor

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objetiva consagrada como princiacutepio da poliacutetica nacional das relaccedilotildees de consumo (art 4ordm IV CDC)6

No Brasil na esteira da relevacircncia constitucional atribuiacuteda agrave proteccedilatildeo do consumidor o Coacutedigo de Defesa do Consumidor em seu artigo 4ordm III7 positivou a boa-feacute objetiva estabelecendo elo entre a proteccedilatildeo do con-sumidor e o manto axioloacutegico do ordenamento juriacutedico em cujo veacutertice encontra-se a dignidade da pessoa humana tornando-se portanto vetor das relaccedilotildees negociais privadas em face a normativa constitucional justi-ficando sua aplicaccedilatildeo para aleacutem das relaccedilotildees de consumo (PELLEGRINO 2016)

Na esteira desse entendimento a partir do advento do Coacutedigo Civil de 2002 a boa-feacute objetiva passou a alcanccedilar as relaccedilotildees privadas indis-tintamente independente de qualquer vulnerabilidade na condiccedilatildeo de princiacutepio geral do direito das obrigaccedilotildees (art 422 CC)8

A boa feacute objetiva se qualifica como uma norma de comportamento leal uma norma necessariamente nuanccedilada mais propriamente constitui--se um modelo juriacutedico ndash na medida em que se reveste de variadas formas de variadas concreccedilotildees (MARTINS 1999) ldquodenotando e conotando em sua formaccedilatildeo uma pluridiversidade de elementos entre si interligados numa unidade de sentido loacutegicordquo (REALE 1968)

6 Art 4ordm CDC A Poliacutetica Nacional das Relaccedilotildees de Consumo tem por objetivo o aten-dimento das necessidades dos consumidores o respeito agrave sua dignidade sauacutede e seguranccedila a proteccedilatildeo de seus interesses econocircmicos a melhoria da sua qualidade de vida bem como a transparecircncia e harmonia das relaccedilotildees de consumo atendidos os seguintes princiacutepios (Redaccedilatildeo dada pela Lei nordm 9008 de 2131995) IV ndash educaccedilatildeo e informaccedilatildeo de fornecedores e consumidores quanto aos seus direitos e deveres com vistas agrave melhoria do mercado de consumo

7 Art 4ordm CDC A Poliacutetica Nacional das Relaccedilotildees de Consumo tem por objetivo o aten-dimento das necessidades dos consumidores o respeito agrave sua dignidade sauacutede e seguranccedila a proteccedilatildeo de seus interesses econocircmicos a melhoria da sua qualidade de vida bem como a transparecircncia e harmonia das relaccedilotildees de consumo atendidos os seguintes princiacutepios (Redaccedilatildeo dada pela Lei nordm 9008 de 2131995) III ndash harmoni-zaccedilatildeo dos interesses dos participantes das relaccedilotildees de consumo e compatibilizaccedilatildeo da proteccedilatildeo do consumidor com a necessidade de desenvolvimento econocircmico e tecnoloacutegico de modo a viabilizar os princiacutepios nos quais se funda a ordem econocirc-mica (art 170 da Constituiccedilatildeo Federal) sempre com base na boa-feacute e equiliacutebrio nas relaccedilotildees entre consumidores e fornecedores

8 Art 422 CC Os contratantes satildeo obrigados a guardar assim na conclusatildeo do contra-to como em sua execuccedilatildeo os princiacutepios de probidade e boa-feacute

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A boa feacute objetiva eacute norma cujo conteuacutedo natildeo pode ser rigidamente fixado dependendo sempre das concretas circunstacircncias do caso sendo regra de caraacuteter marcadamente teacutecnico-juriacutedico porque enseja a soluccedilatildeo dos casos particulares no quadro dos demais modelos juriacutedicos postos em cada ordenamento sendo por estas caracteriacutesticas uma norma proteifoacuter-mica que convive com um sistema necessariamente aberto isso eacute o que enseja a sua proacutepria permanente construccedilatildeo e controle (MARTINS 1999)

Portanto pode-se afirmar que indubitavelmente esse cenaacuterio legis-lativo outorgou uma nova racionalidade material ao direito que imprimiu uma recente realidade juriacutedica nacional que reclama proteccedilatildeo das rela-ccedilotildees de consumo e tratativa diferenciada para o endividamento jaacute que este eacute fruto da poliacutetica de consumo da sociedade capitalista

A Resoluccedilatildeo 125 do CNJ de 29 de novembro de 2010 e suas altera-ccedilotildees ao dispor sobre a Poliacutetica Judiciaacuteria Nacional de tratamento adequa-do dos conflitos de interesses no acircmbito do Poder Judiciaacuterio determina a disseminaccedilatildeo da pacificaccedilatildeo social mediante o incentivo da conciliaccedilatildeo e mediaccedilatildeo atraveacutes da criaccedilatildeo de poliacutetica de tratamento dos conflitos de interesses tendente a assegurar a todos o direito agrave soluccedilatildeo dos conflitos por meios adequados agrave sua natureza e peculiaridade antes da soluccedilatildeo adjudicada mediante sentenccedila oferecer outros mecanismos de soluccedilotildees de controveacutersias em especial os chamados meios consensuais bem assim prestar atendimento e orientaccedilatildeo ao cidadatildeo9

Eacute cediccedilo que a mediaccedilatildeo e a conciliaccedilatildeo satildeo instrumentos efetivos de pacificaccedilatildeo social soluccedilatildeo e prevenccedilatildeo de litiacutegios e que a sua apropriada disciplina em programas jaacute implementados nos paiacutes tem reduzido a ex-cessiva judicializaccedilatildeo dos conflitos de interesses a quantidade de recursos e de execuccedilatildeo de sentenccedilas

O sistema de proteccedilatildeo da pessoa humana na condiccedilatildeo de pessoa fiacutesica deve abarcar uma normativa proacutepria para tratar do endividamento

9 Art 1ordm Paraacutegrafo uacutenico da Resoluccedilatildeo 12510 CNJ Aos oacutergatildeos judiciaacuterios incumbe nos termos do art 334 do Coacutedigo de Processo Civil de 2015 combinado com o art 27 da Lei 13140 de 26 de junho de 2015 (Lei de Mediaccedilatildeo) antes da soluccedilatildeo adjudi-cada mediante sentenccedila oferecer outros mecanismos de soluccedilotildees de controveacutersias em especial os chamados meios consensuais como a mediaccedilatildeo e a conciliaccedilatildeo bem assim prestar atendimento e orientaccedilatildeo ao cidadatildeo (Redaccedilatildeo dada pela Resoluccedilatildeo nordm 326 de 2662020)

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sobretudo pelas normas principioloacutegicas acima citadas que demandam uma proteccedilatildeo do indiviacuteduo consumidor na sua condiccedilatildeo de

hipossuficiente e que portanto preveja um processo de recuperaccedilatildeo da situaccedilatildeo financeira do indiviacuteduo a exemplo da legislaccedilatildeo norte ameri-cana que contempla o perdatildeo da totalidade das diacutevidas ou da francesa que valoriza a composiccedilatildeo amigaacutevel dos interessados

4 ANAacuteLISE DO PROJETO DE LEI Nordm 35152015 ndash TRATATIVA DO SUPERENDIVIDAMENTO

Impende ressaltar que atendendo a essa necessidade legislativa existe o Projeto de Lei 35152015 em tracircmite na Cacircmara dos Deputados de autoria do senador Joseacute Sarney que altera o Coacutedigo de Defesa do Con-sumidor e o Estatuto do Idoso para aperfeiccediloar a disciplina do creacutedito e dispor sobre a prevenccedilatildeo e o tratamento do superendividamento no Brasil Atualmente o referido projeto encontra-se pronto para Pauta na Comissatildeo Especial destinada a proferir parecer

Dentre as principais mudanccedilas sugeridas para a alteraccedilatildeo do Coacutedigo de Defesa do Consumidor destaca-se a inclusatildeo no rol dos princiacutepios da Poliacutetica Nacional das Relaccedilotildees de Consumo dentre as accedilotildees governamen-tais de proteccedilatildeo do consumidor o fomento de accedilotildees visando agrave educaccedilatildeo financeira e ambiental dos consumidores e a prevenccedilatildeo e tratamento do superendividamento como forma de evitar a exclusatildeo social do consumi-dor (artigo 4ordm incisos IX e X)

O suso projeto normativo determina que o poder puacuteblico como meio de execuccedilatildeo da Poliacutetica Nacional das Relaccedilotildees de Consumo deveraacute ins-tituir mecanismos de prevenccedilatildeo e tratamento extrajudicial e judicial do superendividamento e de proteccedilatildeo do consumidor pessoa natural bem como criaraacute nuacutecleos de conciliaccedilatildeo e mediaccedilatildeo de conflitos oriundos de superendividamento (artigo 5ordm VI e VII)

A guisa de enumeraccedilatildeo pode-se ainda citar que o projeto de lei traz a inserccedilatildeo de outros direitos baacutesicos do consumidor elencados no artigo 6ordm do CDC consubstanciados na garantia de praacuteticas de creacutedito respon-saacutevel de educaccedilatildeo financeira e de prevenccedilatildeo e tratamento de situaccedilotildees de superendividamento preservado o miacutenimo existencial nos termos da regulamentaccedilatildeo por meio da revisatildeo e repactuaccedilatildeo da diacutevida entre outras medidas na preservaccedilatildeo do miacutenimo existencial na repactuaccedilatildeo

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de diacutevidas na concessatildeo de creacutedito e na obrigatoriedade de informaccedilatildeo acerca dos preccedilos e condiccedilotildees do negoacutecio

Ressalte-se que o importante projeto de lei em anaacutelise insere Ca-piacutetulo proacuteprio (Capiacutetulo VI-A) no Coacutedigo de Defesa do Consumidor para regulamentar a prevenccedilatildeo e o

tratamento do superendividamento dispondo sobre o creacutedito res-ponsaacutevel e sobre a educaccedilatildeo financeira do consumidor

A sobredita norma traz conceito expresso acerca do superendivida-mento caracterizado pela impossibilidade manifesta de o consumidor pessoa natural de boa-feacute pagar a totalidade de suas diacutevidas de consumo exigiacuteveis e vincendas sem comprometer seu miacutenimo existencial (art 54-A sect 1ordm) estabelece tambeacutem regras para a oferta do produto mediante in-formaccedilotildees preacutevias e adequadas acerca do custo efetivo total taxa efetiva mensal taxas de juros total de encargos de qualquer natureza previstos para o atraso no pagamento momento de prestaccedilotildees prazo de validade da oferta direito do consumidor de liquidaccedilatildeo antecipada dentre outras medidas colimando resguardar a lisura no contrato (art 54-B incisos I a V)

O referido projeto de lei traz no seu bojo tambeacutem alguns deveres inerentes ao fornecedor dentre os quais informar e esclarecer adequa-damente o consumidor considerando a sua idade sauacutede conhecimento e condiccedilatildeo social sobre a natureza e a modalidade do creacutedito avaliar a capacidade e as condiccedilotildees de pagamento da diacutevida contratada mediante solicitaccedilatildeo da documentaccedilatildeo necessaacuteria e das informaccedilotildees disponiacuteveis em bancos de dados de proteccedilatildeo ao creacutedito determinando como sanccedilatildeo pelo descumprimento a possibilidade de judicialmente obter a inexigi-bilidade ou a reduccedilatildeo dos juros dos encargos ou de quaisquer acreacutescimo ao principal bem como a dilaccedilatildeo do prazo para pagamento conforme a gravidade da conduta do fornecedor e as possibilidades financeiras do consumidor sem prejuiacutezo de outras sanccedilotildees e de indenizaccedilatildeo por perdas e danos patrimoniais e morais (art 54-D)

No bojo do citado projeto haacute previsatildeo do direito de desistecircncia sem motivaccedilatildeo da contrataccedilatildeo de creacutedito consignado a contar da data da ce-lebraccedilatildeo do contrato no prazo de 7 dias (sect 2ordm do artigo 54-E)

O mencionado projeto ainda prevecirc um procedimento de repactua-ccedilatildeo de diacutevidas atraveacutes do qual o juiz poderaacute instaurar processo com au-diecircncia conciliatoacuteria em que o consumidor apresentaraacute proposta de plano

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de pagamento com prazo maacuteximo de 5 anos preservando o miacutenimo exis-tencial bem como as garantias e as formas de pagamento originalmente pactuadas (art 104-A)

Por fim prevecirc o citado projeto que natildeo exitosa a conciliaccedilatildeo em rela-ccedilatildeo a quaisquer credores o juiz a pedido do consumidor instauraraacute pro-cesso por superendividamento para revisatildeo e integraccedilatildeo dos contratos e repactuaccedilatildeo das diacutevidas remanescentes mediante plano

judicial compulsoacuterio procedendo agrave citaccedilatildeo de todos os credores cujos creacuteditos natildeo tenham integrado o acordo porventura celebrado (Art 104-B)

Tal iniciativa legislativa vem de encontro com a tutela do superendi-vidamento na esteira do movimento mundial garantista da proteccedilatildeo do consumidor sendo importante vetor do equiliacutebrio contratual em obser-vacircncia do arcabouccedilo principioloacutegico amplamente debatido sobretudo da dignidade da pessoa humana e da aplicaccedilatildeo da boa-feacute objetiva nas relaccedilotildees contratuais

5 PROJETO DESENVOLVIDO PELA COORDENACcedilAtildeO DO SIS-TEMA DOS JUIZADOS ESPECIAIS DO TRIBUNAL DE JUSTI-CcedilA DO ESTADO DA BAHIA

Nesta senda o Poder Judiciaacuterio do Estado da Bahia na atual gestatildeo do Excelentiacutessimo Desembargador Lourival Trindade por intermeacutedio da Coordenaccedilatildeo dos Juizados Especiais sob a direccedilatildeo da brilhante magis-trada Fabiana Andreacutea de Almeida Oliveira Pellegrino vem desenvolvendo importante trabalho de proteccedilatildeo ao superendividamento

A Coordenaccedilatildeo dos Juizados Especiais desenvolve projeto depar-tamental com o objetivo de renegociar na fase conciliatoacuteria diacutevidas de pessoa fiacutesica mediante prestaccedilatildeo de serviccedilos especializados atraveacutes de um Nuacutecleo de Prevenccedilatildeo e Tratamento do Superendividamento

Na data de 17 de marccedilo de 2020 foi publicado o Decreto Judiciaacuterio nordm 210 de 16 de marccedilo de 2020 que instituiu o Nuacutecleo de Prevenccedilatildeo e Tratamento do Superendividamento no acircmbito do Sistema dos Juizados Especiais do Estado da Bahia

O Nuacutecleo de Prevenccedilatildeo e Tratamento do Superendividamento tem objetivo de na esfera preacute-processual possibilitar a renegociaccedilatildeo coletiva ou individualizada de diacutevidas decorrentes de relaccedilatildeo de consumo do de-

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vedor pessoa fiacutesica de boa-feacute desprovido de condiccedilotildees para quitar seus deacutebitos sem prejuiacutezo de sua proacutepria subsistecircncia com todos os seus creacute-ditos e possibilitar nesse contexto a devida formaccedilatildeo e compreensatildeo da sociedade de consumo a partir da psicologia do consumo (art 2ordm)

O Nuacutecleo possui competecircncia para atender de modo qualificado o consumidor previamente agendado realizando anamnese da sua vida social econocircmica financeira e pessoal mediante o preenchimento de for-mulaacuterio no intuito de aferir a real situaccedilatildeo do superendividamento para promover em parcerias com instituiccedilotildees privadas ou puacuteblicas oficinas interdisciplinares de tratamento para realizar audiecircncia de renegociaccedilatildeoconciliaccedilatildeo preacute-processual entre o consumidor superendividado e os seus credores assim como para atermar e distribuir mediante provocaccedilatildeo do consumo superendividado o pedido inicial para uma das Varas do Sistema Estadual dos Juizados Especiais do Consumidor caso natildeo celebrado acor-do na audiecircncia de renegociaccedilatildeo (art 3ordm e incisos)

O agendamento poderaacute ser realizado eletronicamente atraveacutes do Sistema Central de Agendamento disponiacutevel na paacutegina do Tribunal de Justiccedila (wwwtjbajusbrcentradeagendamento) ou tambeacutem presencial-mente no proacuteprio Nuacutecleo nas hipoacuteteses de eventual impossibilidade ressaltando-se que em razatildeo da pandemia dever-se-aacute realizar o preacutevio agendamento nos termos do Ato Conjunto nordm 242020 (art 2ordm)10

O Decreto Judiciaacuterio nordm 2102020 sensiacutevel ao quanto determina o projeto de Lei 351515 que erigiu como um dos direitos baacutesicos do consu-midor a garantia da educaccedilatildeo financeira e de prevenccedilatildeo nas situaccedilotildees de superendividamento determina como obrigatoacuterio o encaminhamento do consumidor agrave oficina de educaccedilatildeo financeira como requisito preacutevio para a realizaccedilatildeo da audiecircncia de conciliaccedilatildeo (art 5ordm e 6ordm)

Para fins de subsidiar as oficinas de educaccedilatildeo financeira do Nuacutecleo de Prevenccedilatildeo e Tratamento do Superendividamento o Tribunal de Justiccedila estaacute firmando Acordo de Cooperaccedilatildeo Teacutecnica com a Sociedade Bahiana de Educaccedilatildeo e Cultura SA ndash Centro Universitaacuterio Jorge Amado para dotar essas oficinas de professores coordenadores das aacutereas de direito psicolo-

10 Art 2ordm do Ato Conjunto nordm 242020 Fica autorizado o acesso das partes advogados membros da Defensoria Puacuteblica e do Ministeacuterio Puacuteblico agraves dependecircncias do PJBA mediante preacutevio agendamento e somente nas hipoacuteteses em que natildeo for possiacutevel a realizaccedilatildeo do atendimento remoto destes em consonacircncia com o Decreto Judiciaacuterio nordm 385 de 08 de julho de 2020

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gia administraccedilatildeo de empresas e ciecircncias contaacutebeis que contaraacute com a participaccedilatildeo de discentes dos cursos de graduaccedilatildeo eou poacutes-graduaccedilatildeo a fim de fornecer noccedilotildees baacutesicas de organizaccedilatildeo orccedilamentaacuteria psicologia da economia psicologia do consumo direitos baacutesicos dos consumido-res matemaacutetica financeira dentre outros temas aleacutem de orientar e dar suporte informacional ao superendividado balizando as propostas de renegociaccedilatildeo conforme as possibilidades do devedor colimando a inclu-satildeo socioeconocircmica do superendividado na sociedade e no universo do empreendedorismo

Ademais estatildeo sendo assinados tambeacutem dois outros Termos de Coo-peraccedilatildeo Teacutecnica um com a Defensoria Puacuteblica o Ministeacuterio Puacuteblico a Se-cretaria de Justiccedila Direitos Humanos e Desenvolvimento Social ndash PROCON e outro com os Tabelionatos de Protesto de Tiacutetulos e Documentos da Co-marca de Salvador visando a participaccedilatildeo efetiva destas Instituiccedilotildees no sentido de identificarem e orientarem em seus atendimentos consumi-dores nesta situaccedilatildeo de superendividamento os encaminhando para o Nuacutecleo de Prevenccedilatildeo e Tratamento do Superendividamento

Ressalte-se que em razatildeo do atual momento pandecircmico em que fo-ram suspensas as audiecircncias presenciais foi baixada Portaria nordm 3272020-COJE de lavra da Excelentiacutessima Juiacuteza Assessora Fabiana Andreacutea de Almeida Oliveira Pellegrino que regulamentou as audiecircncias por video-conferecircncia no acircmbito do aludido Nuacutecleo determinando a realizaccedilatildeo atraveacutes do aplicativo Lifesize e o agendamento mediante expediccedilatildeo de carta convite enviada por e-mail ou whatsapp direcionada para o deve-dor e credores contendo o link de acesso agrave sala virtual e que o Termo de Acordo deveraacute ser distribuiacutedo para uma das Varas de Defesa do Consumi-dor para fins de homologaccedilatildeo judicial

Com vistas a divulgar o trabalho desenvolvido a Coordenaccedilatildeo dos Juizados elaborou cartazes e folhetos que estatildeo sendo enviados para os Foacuteruns e os Tabelionatos de Protestos do Estado com informaccedilotildees acerca do que eacute o superendividamento com questionaacuterio para o cidadatildeo iden-tificar se encontra-se nesta situaccedilatildeo explicando o trabalho do Nuacutecleo de Prevenccedilatildeo e Tratamento do Superendividamento quem pode ser atendi-do e como funciona

6 CONCLUSAtildeO

Nesse encerro constata-se que natildeo se pode hoje em dia deixar agrave margem da proteccedilatildeo estatal a questatildeo do endividamento jaacute que este eacute fe-

O superendividamento tutelado no acircmbito do Sistema dos Juizados Especiais do Tribunal de Justiccedila do Estado da Bahia

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nocircmeno atual de relevante preocupaccedilatildeo universal que merece a atenccedilatildeo especial dos poderes puacuteblicos

Atento a esta necessidade pungente de criaccedilatildeo de mecanismos pro-tecionistas diante da grave questatildeo social e do nuacutemero cada vez maior de consumidores com a renda familiar totalmente comprometida pelos com-promissos financeiros o nosso Poder Judiciaacuterio atraveacutes da criaccedilatildeo e da atuaccedilatildeo efetiva do Nuacutecleo de Prevenccedilatildeo e Tratamento do Superendivida-mento oferece ao cidadatildeo comum meios de recuperar a sua sauacutede finan-ceira atuando sobretudo na reeducaccedilatildeo destes indiviacuteduos fornecendo noccedilotildees de organizaccedilatildeo orccedilamentaacuteria psicologia da economia e do con-sumo por intermeacutedio das Oficinas realizadas em parceria com Instituiccedilotildees de ensino aleacutem de possibilitar a conciliaccedilatildeo do pagamento do deacutebito

Tais poliacuteticas puacuteblicas abraccediladas pelo nosso Poder Judiciaacuterio do Es-tado dialogam de forma harmocircnica com o direito comparado e tambeacutem com o Projeto de Lei nordm 351515 que traz para o bojo do nosso Coacutedigo de Defesa do Consumidor de forma definitiva a tutela do superendivi-damento e que portanto merecem todos os nossos aplausos vez que atuam na proteccedilatildeo da dignidade da pessoa humana

7 REFEREcircNCIASCOSTA Judith Martins A Boa-Feacute no Direito Privado 1999 editora Revista dos Tribunais

RT

GIL Antonio Hernandez Conceptos Juriacutedicos Fundamentales Obras Completas v I Ma-drid Espasa Calpe 1987 p 44

LIMA Clarissa Costa de O tratado do Superendividamento e o direito de recomeccedilar dos consumidores Satildeo Paulo RT 2014

REALE Miguel O direito como experiecircncia Editora Saraiva Satildeo Paulo 1968

Jr Nelson Nery Ed Thomson Reuters Direito Constitucional Brasileiro ed 2019 O cons-titucionalismo e os Princiacutepios constitucionais citando Joatildeo Paulo II Evangelium Vitae Satildeo Paulo Ediccedilotildees Paulina 1995

RODRIGUES JUNIOR Otaacutevio Luiz Direito Comparado Artigo Consultor Juriacutedico CONJUR Conselho francecircs rege casos de superendividamento Disponiacutevel em httpswwwconjurcombr2013-fev-13direito-comparado-conselho-frances-rege-casos--superendividamento

PELLEGRINO Fabiana Andrea de Almeida Oliveira A tutela juriacutedica do superendivida-mento ed Podivm 2ordf ediccedilatildeo 2016

AMSAY Ian Models of Consumer Brunkrupcty Implications for research and policy Journal of Consumer Policy 201997

Maria Joseacute Oliveira e Silva

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Audiecircncia de conciliaccedilatildeo no acircmbito dos Juizados Especiais da Fazenda Puacuteblica

a indispensaacutevel concretizaccedilatildeo do acesso agrave ordem juriacutedica justa

1 Poacutes-Graduada em Processo Civil pela Universidade Federal da Bahia Servidora do Tribunal de Justiccedila do Estado da Bahia

2 Poacutes-Graduada em Direito Processual Penal pela Universidade Anhanguera Servidora do Tribunal de Justiccedila do Estado da Bahia

3 Poacutes-Graduanda em Direito Constitucional Aplicado e em Direito do Consumidor pela Faculdade Legale Assessora de Magistrado no Tribunal de Justiccedila do Estado da Bahia

Maria Joseacute Oliveira e Silva1

Nataacutelia Cavalcanti de Arauacutejo2

Paula Gargur Calmon Teixeira da Silva3

Resumo A autocomposiccedilatildeo dos litiacutegios eacute vetor para a outorga de prestaccedilatildeo jurisdicional ceacutelere e eficiente O objetivo deste artigo eacute de-monstrar a indispensabilidade da audiecircncia de conciliaccedilatildeo nos feitos fazendaacuterios dos Juizados Especiais atraveacutes de anaacutelise interpretativa do sistema juriacutedico vigente

Palavras-chave Audiecircncia de conciliaccedilatildeo pacificaccedilatildeo social Juiza-dos Especiais da Fazenda Puacuteblica acesso agrave justiccedila

1 INTRODUCcedilAtildeO

Com o advento da Constituiccedilatildeo Federal de 1988 inaugurando uma nova ordem juriacutedica sob o paacutelio da democracia as formas alternativas de pacificaccedilatildeo social de conflitos ganharam nova roupagem estabelecendo--se como passo anterior agrave judicializaccedilatildeo A par dessa realidade a promo-ccedilatildeo de meios consensuais se firmou como uma soluccedilatildeo agrave hiperjudicializa-ccedilatildeo das relaccedilotildees sociais que jaacute tornava o Poder Judiciaacuterio um recocircndito moroso e ineficaz

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No acircmbito dos Juizados Especiais criados com o intuito de conferir celeridade e simplicidade agraves relaccedilotildees juriacutedicas de menor complexidade a audiecircncia de conciliaccedilatildeo assume o papel de concretizar o acesso funda-mental agrave ordem juriacutedica justa na medida em que convida o cidadatildeo a ser participante efetivo do procedimento exercendo sua cidadania e dignida-de aleacutem de contribuir para que o processo tenha uma duraccedilatildeo razoaacutevel e seja eficiente nos termos do Texto Constitucional

Nesse ensejo eacute indispensaacutevel que a assentada conciliatoacuteria mesmo nos feitos que tramitam contra a Fazenda Puacuteblica seja ultimada em seu escopo final espelhando a escolha constitucional pela pacificaccedilatildeo social assim como as diretrizes administrativas do Conselho Nacional de Justiccedila que desde os idos de 2010 vem trazendo relevo aos mecanismos con-sensuais de soluccedilatildeo de litiacutegios como vertente do direito fundamental de acesso agrave justiccedila

O objetivo deste artigo portanto eacute demonstrar a importacircncia da au-diecircncia de conciliaccedilatildeo nos feitos fazendaacuterios

2 CONSTITUCIONALIZACcedilAtildeO DO DIREITO PROCESSUAL E O NEOPROCESSUALISMO

Agrave luz do microssistema dos Juizados Especiais exsurge niacutetida a opccedilatildeo principioloacutegica do legislador pelo estiacutemulo constante agrave autocomposiccedilatildeo como meio de alcanccedilar a economia processual celeridade e eficiecircncia da prestaccedilatildeo jurisdicional Tal perspectiva ressoa como consectaacuterio loacutegico da constitucionalizaccedilatildeo do direito movimento que determina a interpretaccedilatildeo de todo o ordenamento paacutetrio em conformidade agraves diretrizes constitucio-nais

O fenocircmeno da constitucionalizaccedilatildeo do direito processual pode ser analisado sob duas vertentes a primeira eacute aquela que reconhece a incor-poraccedilatildeo de normas processuais aos textos constitucionais inclusive sob a forma de direito fundamental agrave exemplo do devido processo legal A segunda eacute a que passa a entender as normas processuais infraconstitu-cionais como concretizadoras das disposiccedilotildees constitucionais trazendo a Constituiccedilatildeo Federal para o epicentro das relaccedilotildees juriacutedicas ao mesmo tempo em que estabelece uma hierarquizaccedilatildeo pois a lei processual so-mente poderaacute ser interpretada e ordenada em sua estrita conformidade

Natildeo eacute despiciendo rememorar que o ilustre processualista Calmon de Passos jaacute lecionava

Maria Joseacute Oliveira e Silva bull Nataacutelia Cavalcanti de Arauacutejo bull Paula Gargur Calmon Teixeira da Silva

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Devido processo constitucional jurisdicional cumpre esclarecer para evitar sofismas e distorccedilotildees maliciosas natildeo eacute sinocircnimo de formalis-mo nem culto da forma pela forma do rito pelo rito sim um comple-xo de garantias miacutenimas contra o subjetivismo e o arbiacutetrio dos que tecircm poder de decidir (PASSOS 2003)

Eacute nesta senda que o artigo 1ordm do Coacutedigo de Processo Civil4 destaca seu caraacuteter simboacutelico e enuncia a norma elementar de um sistema cons-titucional as normas juriacutedicas derivam da Constituiccedilatildeo e devem estar em conformidade com ela (DIDIER 2020) exigindo natildeo somente o CPC mas tambeacutem as Leis nordm 909995 e 121532009 esta interpretaccedilatildeo consoante os valores e normas fundamentais estabelecidas no Texto Magno

Os meacutetodos de soluccedilatildeo consensual dos conflitos que devem ser constantemente analisados sob este vieacutes neoprocessualista representam papel essencial para a desjudicializaccedilatildeo das controveacutersias colaborando com a resoluccedilatildeo de problemas estruturais da justiccedila inclusive em relaccedilatildeo agraves dificuldades orccedilamentaacuterias e financeiras enfrentadas pelas diversas Cor-tes do paiacutes O estiacutemulo agrave conciliaccedilatildeo representa em essecircncia o propoacutesito de conferir forccedila ao postulado da duraccedilatildeo razoaacutevel do processo ao mes-mo tempo em que torna eficaz a prestaccedilatildeo jurisdicional sem se esquivar da pacificaccedilatildeo social Nesta linha Teresa Arruda salienta ao discorrer sobre a conciliaccedilatildeo

Eacute uma forma mais adequada ceacutelere econocircmica e eficaz de resoluccedilatildeo de conflitos que a intervenccedilatildeo judicial Permite que pelas concessotildees reciacuteprocas as partes cheguem a um resultado mais vantajoso que a manutenccedilatildeo dos conflitos Pode promover a reaproximaccedilatildeo das par-tes (e inclusive restaurar relacionamentos prolongados) Evita ainda que o litiacutegio seja resolvido com uma decisatildeo impositiva do Estado--Juiz o que contribui para o descongestionamento do Poder Judiciaacute-rio Poreacutem a principal justificativa para a utilizaccedilatildeo da conciliaccedilatildeo eacute o estiacutemulo a cooperaccedilatildeo e a pacificaccedilatildeo sociais (WAMBIER 2016)

Assim eacute possiacutevel inferir que a previsatildeo legal acerca do momento con-ciliatoacuterio reflete uma loacutegica maior do que um simples ato procedimental dispensaacutevel pois vai ao encontro de concretizar normas e valores funda-mentais dentre eles o acesso agrave ordem juriacutedica justa

4 Art 1ordm O processo civil seraacute ordenado disciplinado e interpretado conforme os valo-res e as normas fundamentais estabelecidos na Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica Federativa do Brasil observando-se as disposiccedilotildees deste Coacutedigo

Audiecircncia de conciliaccedilatildeo no acircmbito dos Juizados Especiais da Fazenda Puacuteblica a indispensaacutevel concretizaccedilatildeo do acesso agrave ordem juriacutedica justa

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3 O FOMENTO AOS MEacuteTODOS AUTOCOMPOSITIVOS COMO FORMA DE PROMOCcedilAtildeO DOS PRINCIacutePIOS DOS JUIZADOS ESPECIAIS

Para democratizaccedilatildeo ao acesso agrave justiccedila os Juizados Especiais da Fa-zenda Puacuteblica ocupam um papel de destaque possibilitando que parcela significativa da populaccedilatildeo possa reivindicar seus direitos junto ao Estado

O Brasil natildeo foi o primeiro a utilizar esse meacutetodo Espelhando-se nos bons resultados apresentados por outros paiacuteses como Estados Unidos Inglaterra e diversos da Ameacuterica Latina como o Uruguai e o Meacutexico que jaacute possuem sistemas semelhantes e efetivos logicamente com as suas especificidades a inserccedilatildeo dos Juizados no universo juriacutedico objetivou facilitar as soluccedilotildees dos litiacutegios atraveacutes da intervenccedilatildeo estatal de maneira mais econocircmica e mais ceacutelere

Neste contexto pode-se considerar um avanccedilo a implantaccedilatildeo dos Juizados Especiais da Fazenda Puacuteblica com o advento da Lei nordm 12153 de 22 de dezembro de 2009 sem se olvidar que carecem de um olhar cuidadoso e de melhorias constantes como ocorre nos diversos ramos sociais Para tanto uma alternativa eficaz eacute a utilizaccedilatildeo dos meacutetodos de autocomposiccedilatildeo alinhados aos princiacutepios orientadores dos Juizados Espe-ciais amoldando-se por conseguinte agraves diretrizes do CNJ no encalccedilo de uma Justiccedila acessiacutevel ao cidadatildeo

Essa possibilidade se coaduna com os princiacutepios dos Juizados da Fazenda Puacuteblica servindo para desafogar o Poder Judiciaacuterio garantindo assim mais celeridade nas decisotildees e eficaacutecia da prestaccedilatildeo jurisdicional

O cotejo entre a conciliaccedilatildeo e os criteacuterios orientadores dos Juizados Especiais eacute o que podemos denominar de uma nova modalidade de efe-tivaccedilatildeo da justiccedila que tem seu nascedouro na experiecircncia estadunidense das Small Claims Courts de Nova York as quais dirimiam os pequenos con-flitos e processos cujos valores fossem no maacuteximo de ateacute quarenta salaacuterios miacutenimos senatildeo vejamos

Nosso sistema de Juizados de Pequenas Causas eacute baseado na ex-periecircncia nova-iorquina das Small Claims Courts A transposiccedilatildeo do sistema americano para a nossa realidade foi realizada de modo consciente Jaacute em 1980 realizou-se estudo no Juizado de Pequenas Causas de Nova Iorque com vistas agrave adaptaccedilatildeo do sistema para o processo brasileiro Muito do que laacute se fazia foi trazido para os Con-selhos gauacutechos de conciliaccedilatildeo e arbitramento cujos procedimentos destinavam-se a solucionar desentendimentos na sua maioria entre

Maria Joseacute Oliveira e Silva bull Nataacutelia Cavalcanti de Arauacutejo bull Paula Gargur Calmon Teixeira da Silva

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vizinhos Antes de 1984 nossos Juizados de Pequenas Causas natildeo eram oacutergatildeos jurisdicionais tendo pois poder de atuaccedilatildeo limitado agrave conduccedilatildeo de conciliaccedilotildees entre as partes e agrave realizaccedilatildeo de arbitra-mentos caso os litigantes assim concordassem A praacutetica foi legaliza-da mediante a Lei no 724484 que representa uma das experiecircncias desenvolvidas no intuito de solucionar os problemas de acesso dos cidadatildeos agrave prestaccedilatildeo jurisdicional (PINTO 2014)

Destarte a experiecircncia dos Estados Unidos da Ameacuterica resultou na celeridade de causas com menor complexidade desafogando o poder judiciaacuterio e inspirando a Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica de 1988 a trazer o comando normativo no sentido de que a Uniatildeo no Distrito Federal e nos Territoacuterios e os Estados criassem os Juizados Especiais competentes para a conciliaccedilatildeo o julgamento e a execuccedilatildeo de causas ciacuteveis de menor com-plexidade e infraccedilotildees penais de menor potencial ofensivo mediante os procedimentos oral e sumariacutessimo

No ordenamento juriacutedico paacutetrio a criaccedilatildeo dos Juizados Especiais com a Lei nordm 909995 representou o surgimento de um microssistema instru-mental para atender aos anseios sociais e acompanhar a evoluccedilatildeo tecnoloacute-gica juriacutedica e social jaacute perceptiacutevel em diversos segmentos da sociedade

Para Tourinho Neto e Figueira Junior

Com a entrada em vigor da Lei 909995 de 26 de setembro de 1995 (DOU 27091995 P15034 ndash 15037) que dispotildees sobre os Juizados Es-peciais Ciacuteveis e Criminais introduziu-se no mundo juriacutedico um novo sis-tema ou ainda melhor um microssistema de natureza instrumental e de instituiccedilatildeo constitucionalmente obrigatoacuteria (o que natildeo se confunde com competecircncia relativa e a opccedilatildeo procedimental) destinado agrave raacutepida e efetiva atuaccedilatildeo do direito estando a exigir dos estudiosos da ciecircncia do processo uma atenccedilatildeo toda particular seja de sua aplicabilidade no mundo empiacuterico como do seu funcionamento teacutecnico-procedimental (NETO JUacuteNIOR 2007)

O surgimento do microssistema especial atendeu uma demanda muito importante dando celeridade aos procedimentos juriacutedicos e apri-morou a resposta do Estado-Juiz havendo imediata procura da populaccedilatildeo pelos Juizados Ciacuteveis e Juizados Especiais da Fazenda Puacuteblica colimando a resoluccedilatildeo paciacutefica ceacutelere e justa dos conflitos interpessoais

A necessidade de melhoria dos problemas estruturais e organiza-cionais enfrentados nos Juizados Fazendaacuterios visando atender aos seus objetivos a partir da efetivaccedilatildeo dos seus princiacutepios (efetividade oralidade simplicidade informalidade economia processual e celeridade) diante da

Audiecircncia de conciliaccedilatildeo no acircmbito dos Juizados Especiais da Fazenda Puacuteblica a indispensaacutevel concretizaccedilatildeo do acesso agrave ordem juriacutedica justa

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cultura de litigacircncia da sociedade brasileira eacute vital para proacutepria subsistecircn-cia do Sistema sendo imprescindiacutevel o fomento agrave cultura de pacificaccedilatildeo das relaccedilotildees juriacutedicas subjetivas que tem iniacutecio justamente na audiecircncia de conciliaccedilatildeo

Neste diapasatildeo com o surgimento do Novo Coacutedigo de Processo Civil que vem com intuito de fortalecer a concretizaccedilatildeo do Sistema de Multi-portas de acesso agrave justiccedila5 o princiacutepio da autocomposiccedilatildeo tornou-se uma verdadeira regra nas accedilotildees judiciais mas ainda com pouca aplicabilidade nos Juizados da Fazenda Puacuteblica uma vez que os entes Federados se am-param na suposta indisponibilidade do interesse puacuteblico na ausecircncia de normativa expressa quanto agraves situaccedilotildees em que pode transigir bem como na natildeo incidecircncia dos efeitos proacuteprios da revelia para se esquivar do com-parecimento obrigatoacuterio agraves assentadas conciliatoacuterias

Tal realidade desvela a negligecircncia do Poder Legislativo em confor-mar-se aos preceptivos legais e agrave teleologia constitucional que a todo tempo reforccedilam o ideaacuterio de soluccedilatildeo paciacutefica das lides

31 A CULTURA DO LITIacuteGIO E HIPERJUDICIALIZACcedilAtildeO DAS RE-LACcedilOtildeES SOCIAIS

Garantir o acesso agrave justiccedila eacute contemplar um direito fundamental ex-presso no artigo 5ordm XXXV da Constituiccedilatildeo Federal de 1988

XXXV ndash a lei natildeo excluiraacute da apreciaccedilatildeo do Poder Judiciaacuterio lesatildeo ou ameaccedila a direito

LXXIV ndash o Estado prestaraacute assistecircncia juriacutedica integral e gratuita aos que comprovarem insuficiecircncia de recursos

5 ldquoA expressatildeo Justiccedila Multiportas foi cunhada pelo professor Frank Sander da Facul-dade de Direito de Harvard Opondo-se ao sistema claacutessico que antevecirc a atividade jurisdicional estatal como a uacutenica capaz de solver conflitos o Sistema de Justiccedila Mul-tiportas remete a uma estruturaccedilatildeo que conta com diferentes mecanismos de tutela de direitos sendo cada meacutetodo adequado para determinado tipo de disputa A juris-diccedilatildeo estatal nessa senda passa a ser apenas mais uma dentre as diversas teacutecnicas disponiacuteveis Ressalta-se que optar pelo caminho do Sistema de Justiccedila Multiportas natildeo eacute uma peculiaridade do Estado brasileiro Apoacutes a Segunda Guerra Mundial diversos paiacuteses tecircm atualizado seus sistemas juriacutedicos nesse sentido objetivando maior respeito e proteccedilatildeo aos direitos humanos individuais e coletivosrdquo COELHO M V F O Sistema de Justiccedila Multiportas no Novo CPC Disponiacutevel em httpsmigalhasuolcombrcolunacpc-marcado330271o-sistema-de-justica-multiportas-no-novo--cpc Acesso em 15 de novembro de 2020

Maria Joseacute Oliveira e Silva bull Nataacutelia Cavalcanti de Arauacutejo bull Paula Gargur Calmon Teixeira da Silva

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Como direito fundamental eacute inerente a todo cidadatildeo e portanto responsabilidade do Estado que deve buscar sempre meios eficazes para contemplaacute-lo em favor da vida digna

Diante do resultado existosos dos Juizados Especiais observa-se o surgimento de certas contingecircncias tal qual a hiperjudicializaccedilatildeo das de-mandas em especial as consumeristas atraindo uma verdadeira multidatildeo agraves portas do Judiciaacuterio por vezes gerando morosidade na finalizaccedilatildeo das accedilotildees

Desse modo o que poderia ser visto como uma tomada de consciecircn-cia dos jurisdicionados em busca de resolver seus litiacutegios perpassa pelo contingente excessivo de advogados influecircncia da miacutedia e a excessiva demanda acaba tendo um caraacuteter repetitivo causando problemas diante de decisotildees diferentes e ateacute controvertidas ferindo assim a seguranccedila juriacutedica almejada pela proacutepria Constituiccedilatildeo Federal

A massificaccedilatildeo das demandas judiciais sob esta perspectiva revelou que o Poder Judiciaacuterio natildeo estava apto a atender agrave crescente demanda tampouco a concretizar o acesso agrave justiccedila sob a vertente do acesso agrave ordem juriacutedica justa e agrave decisotildees efetivas sendo de fundamental impor-tacircncia a valorizaccedilatildeo dos meacutetodos autocompositivos dotando as partes jurisdicionadas de poder no exerciacutecio de sua cidadania

32 MEacuteTODOS AUTOCOMPOSITIVOS CELERIDADE E EFETIVI-DADE DAS DECISOtildeES JUDICIAIS

O surgimento do microssistema dos Juizados Especiais chamou a atenccedilatildeo da sociedade brasileira e logicamente provocou uma verdadeira onda de litigacircncia Para atender essa demanda crescente eacute preciso envol-ver todas as partes no processo de tomada de decisatildeo como dito alhures ganhando cada vez mais forccedila os princiacutepios de autocomposiccedilatildeo

O Estado soacute cumpriraacute verdadeiramente o seu papel quando efetivar o atendimento jurisdicional atraveacutes de mecanismos haacutebeis para soluccedilatildeo dos litiacutegios No entanto o que se percebe ainda hoje eacute um excesso de formalismo e uma morosidade inexplicaacutevel frutos da burocracia que in-siste em utilizar modelos e padrotildees obsoletos mesmo diante da necessi-dade constante de mudanccedilas visando agrave otimizaccedilatildeo dos procedimentos

Audiecircncia de conciliaccedilatildeo no acircmbito dos Juizados Especiais da Fazenda Puacuteblica a indispensaacutevel concretizaccedilatildeo do acesso agrave ordem juriacutedica justa

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de modo que muitas vezes natildeo se alcanccedila ecircxito na efetivaccedilatildeo das tutelas jurisdicionais

A partir da realidade em apreccedilo busca-se alternativas eficazes para solucionar os problemas relativos agraves demandas jurisdicionais eliminando barreiras ultrapassadas com a implantaccedilatildeo de um sistema de multiportas com justiccedilas paralelas agrave justiccedila comum passando logicamente pelo uso de alternativas extrajudiciais em busca da composiccedilatildeo diante dos conflitos

Destarte a utilizaccedilatildeo da autocomposiccedilatildeo representa inuacutemeras vanta-gens sociais juriacutedicas e organizacionais principalmente diante da capaci-dade de dar celeridade aos conflitos judiciais tornando-os ainda menos onerosos

4 PROCEDIMENTO DA LEI Nordm 121532009 E INDISPENSABI-LIDADE DE AUDIEcircNCIA DE CONCILIACcedilAtildeO

A audiecircncia de conciliaccedilatildeo no acircmbito dos Juizados da Fazenda Puacuteblica eacute ato indispensaacutevel ao procedimento A Lei nordm 909995 assim como a Lei nordm 121532009 em consonacircncia agrave interpretaccedilatildeo constitucio-nal acerca dos direitos fundamentais elege a busca da conciliaccedilatildeo como vetor hermenecircutico a impor uma atuaccedilatildeo de todos os entes puacuteblicos pautada na soluccedilatildeo consensual de conflitos

Desta forma a audiecircncia de conciliaccedilatildeo no procedimento sumariacutessi-mo natildeo eacute ato discricionaacuterio do magistrado da Vara mas sim fase obriga-toacuteria colimando alcanccedilar a pacificaccedilatildeo social de forma menos dispendio-sa burocraacutetica e formalista

A legislaccedilatildeo regente dos Juizados Especiais natildeo abre espaccedilo agrave inter-pretaccedilatildeo diversa trazendo a audiecircncia de conciliaccedilatildeo como ato iacutensito ao procedimento especial sumariacutessimo sendo indispensaacutevel a presenccedila das partes conforme Enunciado 20 do FONAJE (O comparecimento pessoal da parte agraves audiecircncias eacute obrigatoacuterio A pessoa juriacutedica poderaacute ser repre-sentada por preposto)

Assim a dispensa da audiecircncia de conciliaccedilatildeo pelo magistrado na seara dos Juizados Especiais da Fazenda Puacuteblica se daacute agrave revelia de respal-do legal para tanto sendo insuficientes as argumentaccedilotildees no sentido da ineficaacutecia da assentada em razatildeo do natildeo comparecimento da parte reacute

Eacute consabido que em muitos casos os representantes legais dos entes federados natildeo comparecem agraves audiecircncias marcadas sob o argumento de

Maria Joseacute Oliveira e Silva bull Nataacutelia Cavalcanti de Arauacutejo bull Paula Gargur Calmon Teixeira da Silva

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que natildeo tecircm autorizaccedilatildeo legal6 para transigir de forma que a tentativa de conciliaccedilatildeo restaraacute sempre infrutiacutefera aleacutem de atrasar os demais atos do procedimento e enfim a sentenccedila

Entretanto em que pese ser princiacutepio orientador do Sistema dos Jui-zados Especiais a celeridade natildeo eacute o uacutenico intento a ser perseguido pelo Poder Judiciaacuterio que deve envidar contiacutenuos esforccedilos para prestar tutela jurisdicional de qualidade Aleacutem disto o fator determinante da celeridade processual natildeo eacute a ocorrecircncia da audiecircncia conciliatoacuteria sendo impres-cindiacutevel a colaboraccedilatildeo de todos os sujeitos processuais para conceber um processo ceacutelere e eficiente

Por conseguinte natildeo obstante a inexistecircncia de autorizaccedilatildeo legal ex-pressa para que alguns entes federados e autarquias possam ofertar e fir-mar acordos no presente momento os representantes judiciais desses en-tes natildeo podem se esquivar de cumprir o preceptivo de comparecimento obrigatoacuterio agraves audiecircncias nos Juizados Especiais pois tal conduta decorre da proacutepria dicccedilatildeo das leis informadoras do procedimento sumariacutessimo

5 DIAacuteLOGO INSTRUMENTAL COM O COacuteDIGO DE PROCESSO CIVIL

A questatildeo acerca da indispensabilidade das audiecircncias de concilia-ccedilatildeo no procedimento dos Juizados da Fazenda Puacuteblica perpassa por um diaacutelogo instrumental com o Coacutedigo de Processo Civil Calha registrar nes-se ponto que o disposto no artigo 334 sect 4ordm I do Coacutedigo de Processo Civil7 que prevecirc a dispensa da audiecircncia de conciliaccedilatildeo por manifestaccedilatildeo expressa das partes natildeo pode ser aplicado ipsis literis ao procedimento especial dos Juizados

6 Lei nordm 121532009 art 8ordm Os representantes judiciais dos reacuteus presentes agrave audiecircncia poderatildeo conciliar transigir ou desistir nos processos da competecircncia dos Juizados Especiais nos termos e nas hipoacuteteses previstas na lei do respectivo ente da Federaccedilatildeo

7 Art 334 Se a peticcedilatildeo inicial preencher os requisitos essenciais e natildeo for o caso de improcedecircncia liminar do pedido o juiz designaraacute audiecircncia de conciliaccedilatildeo ou de mediaccedilatildeo com antecedecircncia miacutenima de 30 (trinta) dias devendo ser citado o reacuteu com pelo menos 20 (vinte) dias de antecedecircncia

sect 4ordm A audiecircncia natildeo seraacute realizada

I ndash se ambas as partes manifestarem expressamente desinteresse na composiccedilatildeo consensual

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Manifesta-se aqui um conflito de normas tambeacutem denominado antinomia Bobbio define que tal situaccedilatildeo ocorre quando satildeo criadas duas normas com comportamentos antagocircnicos devendo ambas as normas existir no mesmo acircmbito temporal espacial pessoal e material Nestes casos o jurisfiloacutesofo italiano aponta como uma das formas de soluccedilatildeo do conflito o criteacuterio da especialidade que consiste na prevalecircncia da norma mais especiacutefica sobre o assunto

Os processos em tracircmite nos Juizados Especiais tecircm iter distinto do procedimento comum estando peculiarizado pelas disposiccedilotildees especiais das Leis nordm 909995 e 121532009 Como bem pontua Faacutebio Ulhocirca Coelho

Por fim pelo criteacuterio de especialidade a regra juriacutedica especial preva-lece sobre a geral Nesse caso trata-se apenas de discriminar os acircm-bitos de incidecircncia de cada preceito Sempre que para um caso espe-ciacutefico houver regra juriacutedica proacutepria (especial) natildeo se aplica o disposto em regra de acircmbito de incidecircncia mais largo (geral) (COELHO 2020)

Na esteira desse entendimento preconiza Guilherme Marinoni que ldquoo procedimento comum aplica-se subsidiariamente para colmatar lacunas na interpretaccedilatildeo e aplicaccedilatildeo dos procedimentos diferenciadosrdquo (MARINONI et al 2020) A norma processual civil no acircmbito dos Juizados Especiais Fazendaacuterio possui caraacuteter subsidiaacuterio nos termos do disposto no artigo 27 da Lei nordm 121532009 no que pese o referido artigo fazer menccedilatildeo ao Coacutedigo de Processo Civil de 1973

Eacute cediccedilo que a subsidiariedade da norma pressupotildee a falta de regula-mentaccedilatildeo da questatildeo pelas normas principais in casu as Leis nordm 909995 e 121532009 Eacute mister portanto que haja lacuna omissatildeo do legislador para que o Coacutedigo de Processo Civil seja aplicado no acircmbito dos Juizados Especiais

Agrave guisa de exemplo eacute o que se denota quanto agrave expressa determina-ccedilatildeo de adoccedilatildeo do rito processualista civil na fase de execuccedilatildeo dos Juiza-dos Especiais a teor do disposto nos artigos 52 e 53 da Lei 909995

No caso em debate depreende-se nitidamente que natildeo haacute que se falar em aplicaccedilatildeo subsidiaacuteria do disposto no artigo 334 sect 4ordm I do Coacutedigo de Processo Civil visto que a conciliaccedilatildeo eacute regulamentada expressamente pela norma especial notadamente como base principioloacutegica do micros-sistema dos Juizados Especiais

Visando pacificar as perspectivas acerca da incompatibilidade nor-mativa do diploma processual civil com a sistemaacutetica proacutepria dos Juiza-

Maria Joseacute Oliveira e Silva bull Nataacutelia Cavalcanti de Arauacutejo bull Paula Gargur Calmon Teixeira da Silva

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dos Especiais foi editado o Enunciado nordm 161 do FONAJE nos seguintes termos Considerado o princiacutepio da especialidade o CPC2015 somente teraacute aplicaccedilatildeo ao Sistema dos Juizados Especiais nos casos de expressa e especiacutefica remissatildeo ou na hipoacutetese de compatibilidade com os criteacuterios previstos no art 2ordm da Lei 909995

Agrave tiacutetulo de embasamento teoacuterico e praacutetico a este Enunciado o pre-sidente do FONAJE agrave eacutepoca da sua divulgaccedilatildeo Desembargador Jones Figueirecircdo salientou que ldquonada obstante a autonomia do sistema haveraacute sempre que couber um diaacutelogo instrumental com o novo CPC por normas que repercutam subsidiariamente dentro da relevacircncia de impactos que estejam em conformidade com a teleologia sistecircmica dos Juizados notada-mente com o princiacutepios nucleares que o orientamrdquo

No caso do novo Coacutedigo de Processo Civil a supletividade deste em relaccedilatildeo agrave Lei nordm 90991995 conta com expressa disposiccedilatildeo legal contida no sect 2ordm do artigo 1046 segundo o qual ldquoPermanecem em vigor as dispo-siccedilotildees especiais dos procedimentos regulados em outras leis aos quais se aplicaraacute supletivamente este Coacutedigordquo Ou seja naquilo que a Lei nordm 90991995 eacute omissa por imperativo da certeza do direito e da seguranccedila juriacutedica a lacuna eacute colmatada pelas disposiccedilotildees do novo CPC

Nesta senda repise-se agrave luz dos princiacutepios da especialidade e da autonomia do Sistema dos Juizados Especiais as regras contidas no CPC somente teratildeo aplicaccedilatildeo agrave dinacircmica processual nos Juizados Fazendaacuterios no caso de ausecircncia de previsatildeo da norma especial natildeo determinando o complexo normativo sobre determinado instituto processual hipoacutetese natildeo verificada in casu haja vista que a audiecircncia de conciliaccedilatildeo eacute impres-cindiacutevel no acircmbito dos Juizados Especiais sendo pilar do procedimento especial em consonacircncia com as diretrizes principioloacutegicas orientadoras do processo perante o Juizado Especial Ciacutevel esculpidas no artigo 2ordm da Lei 909995 quais sejam oralidade simplicidade informalidade econo-mia processual celeridade e a busca pela composiccedilatildeo amigaacutevel da lide atraveacutes da conciliaccedilatildeo ou da transaccedilatildeo

Claacuteudio Antocircnio de Carvalho Xavier em artigo acerca do tema aduz com propriedade que

Cabe esclarecer no entanto que a conciliaccedilatildeo como jaacute vem sendo destacado por alguns autores eacute princiacutepio norteador dos juizados especiais e natildeo um procedimento ou momento processual uma vez que integra o proacuteprio processo Desse modo o procedimento suma-riacutessimo dos juizados especiais natildeo comporta a opccedilatildeo do autor pela

Audiecircncia de conciliaccedilatildeo no acircmbito dos Juizados Especiais da Fazenda Puacuteblica a indispensaacutevel concretizaccedilatildeo do acesso agrave ordem juriacutedica justa

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realizaccedilatildeo ou natildeo de audiecircncia de conciliaccedilatildeo ou de mediaccedilatildeo nos moldes preconizados pelo art 319 inc VII do novo CPC por ser um direito irrenunciaacutevel Assim natildeo poderaacute o autor na peticcedilatildeo inicial ou o reacuteu por peticcedilatildeo manifestar desinteresse na composiccedilatildeo amigaacutevel do litiacutegio Ademais o comparecimento das partes agrave audiecircncia eacute obri-gatoacuterio (XAVIER 2016)

Agrave tiacutetulo ilustrativo percebe-se que a realidade faacutetica vivenciada nas Varas da Fazenda Puacuteblica no Estado da Bahia nas quais muitas vezes natildeo ocorre a composiccedilatildeo consensual da lide em razatildeo da ausecircncia das partes reacutes natildeo pode desnaturar sob o manto da celeridade o procedimento especial fazendo-se necessaacuteria a primazia pela busca das tratativas con-ciliatoacuterias

A normativa orgacircnica dos Juizados Especiais eacute inequiacutevoca ao apre-sentar a audiecircncia de conciliaccedilatildeo como ato iacutensito ao procedimento natildeo abarcando nenhuma disposiccedilatildeo que permita ao magistrado a discricio-nariedade em realizar ou natildeo o ato Portanto rechaccedila-se a possibilidade de dispensa da audiecircncia de conciliaccedilatildeo na esteira do quanto disposto no art 334 sect 4ordm I do Coacutedigo de Processo Civil no acircmbito dos Juizados Especiais da Fazenda Puacuteblica em razatildeo de evidente violaccedilatildeo agrave estrutura procedimental erigida pelo microssistema dos Juizados Especiais que possui como pilar a conciliaccedilatildeo

6 EXTENSAtildeO DO PRINCIacutePIO DA INDISPONIBILIDADE DO IN-TERESSE PUacuteBLICO E O ART 8ordm DA LEI 121532009

Natildeo se pode olvidar o argumento de que as pessoas juriacutedicas de di-reito puacuteblico encontrar-se-iam adstritas ao princiacutepio da indisponibilidade do interesse puacuteblico o que implicaria como consectaacuterio na impossibili-dade de conciliarem ou transigirem nas demandas judiciais travadas no acircmbito dos Juizados Fazendaacuterios

Tal postulado conquanto norteador da atuaccedilatildeo administrativa natildeo eacute absoluto e deve ser analisado agrave luz do interesse primaacuterio do povo confor-me ensina Maria Sylvia Zanella de Pietro14

O interesse puacuteblico aleacutem de refletir o interesse da coletividade em si mesma considerada e ser amparado pelo ordenamento juriacutedico vi-gente deve ser ainda reflexivo aos valores constitucionais dominantes como aqueles que a Constituiccedilatildeo Federal de 1988 se refere em seu preacircmbulo e nos preceitos cardinais dispostos entre eles os arrolados nos princiacutepios e nos objetivos fundamentais Quando o poder puacuteblico se coloca numa posiccedilatildeo favoraacutevel ao autecircntico interesse puacuteblico (vol-

Maria Joseacute Oliveira e Silva bull Nataacutelia Cavalcanti de Arauacutejo bull Paula Gargur Calmon Teixeira da Silva

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tado agrave satisfaccedilatildeo do bem geral) o benefiacutecio daiacute emergente alcanccedila prioritariamente o interesse puacuteblico primaacuterio (da sociedade) e conse-quentemente o interesse puacuteblico secundaacuterio (do Estado) Poreacutem o in-teresse puacuteblico natildeo eacute necessariamente o interesse do aparato estatal Embora estes devam coincidir dado que sua missatildeo eacute a satisfaccedilatildeo do bem comum o Estado eacute sujeito de direitos e tem interesses que nem sempre se identificam ao interesse da populaccedilatildeo e que constituem interesses patrimoniais financeiros ou fazendaacuterios cuja nota eacute a dis-ponibilidade Pode ocorrer divoacutercio entre o interesse da populaccedilatildeo e o interesse do governo () Geralmente costuma-se apresentar como princiacutepio a supremacia ou a indisponibilidade do interesse puacuteblico ndash amiuacutede ambos Em verdade eacute o interesse puacuteblico o princiacutepio consti-tuindo supremacia e indisponibilidade seus predicados (PIETRO 2019)

Em verdade a doutrina eacute paciacutefica em reconhecer que o interesse puacuteblico natildeo eacute conceito unitaacuterio tampouco se confunde com o interesse do Estado ou do aparato administrativo Em sua acepccedilatildeo substancial o in-teresse puacuteblico reside na realizaccedilatildeo de valores fundamentais consagrados pela Carta Constitucional como explana Marccedilal Justen Filho15

Recolocando o problema em outros termos um interesse eacute puacuteblico por ser indisponiacutevel e natildeo o inverso Por isso eacute incorreto afirmar que algum interesse por ser puacuteblico eacute indisponiacutevel A indisponibilidade natildeo eacute consequecircncia da natureza puacuteblica do interesse ndash eacute justamente o contraacuterio O interesse eacute reconhecido como puacuteblico porque eacute indis-poniacutevel porque natildeo pode ser colocado em risco porque sua natureza exige que seja realizado (JUSTEN FILHO 2018)

Adota-se o entendimento de que os direitos fundamentais apresen-tam natureza indisponiacutevel O nuacutecleo do direito administrativo reside natildeo no interesse puacuteblico mas na promoccedilatildeo dos direitos fundamentais indis-poniacuteveis A invocaccedilatildeo ao interesse puacuteblico toma em vista a realizaccedilatildeo de direitos fundamentais O Estado eacute investido do dever de promover esses direitos fundamentais nos casos em que for inviaacutevel a sua concretizaccedilatildeo pelos particulares segundo o regime de direito privado

Essa orientaccedilatildeo se coaduna com o entendimento prevalente no di-reito constitucional que reconhece que todas as posiccedilotildees juriacutedicas satildeo delimitadas e ordenadas de acordo com os direitos fundamentais Ne-nhuma faculdade proibiccedilatildeo ou comando juriacutedico pode ser interpretado de modo dissociado dos direitos fundamentais

Por seu turno Ricardo Marcondes Martins traz a lume importante mi-tigaccedilatildeo a este princiacutepio quando aborda o interesse secundaacuterio autorizador da disponibilidade do direito destacando distinccedilatildeo feita por Renato Alessi

Audiecircncia de conciliaccedilatildeo no acircmbito dos Juizados Especiais da Fazenda Puacuteblica a indispensaacutevel concretizaccedilatildeo do acesso agrave ordem juriacutedica justa

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que difere dois interesses o primaacuterio que eacute a dimensatildeo puacuteblica do interes-se privado refere-se ao plexo de interesses dos indiviacuteduos enquanto par-tiacutecipes da sociedade o secundaacuterio eacute o interesse particular individual do Estado enquanto pessoa juriacutedica autocircnoma Partindo-se desta premissa o jurista italiano afirma que em relaccedilatildeo aos interesses secundaacuterios e patri-moniais a Administraccedilatildeo deve utilizar-se de meios juriacutedicos estabelecidos pelo direito privado pois para a satisfaccedilatildeo desses interesses ela natildeo goza de supremacia juriacutedica sobre os particulares

Ricardo Marcondes na obra citada elucida que partindo-se da dico-tomia suso abordada parte da doutrina passou a defender a existecircncia de interesses puacuteblicos disponiacuteveis juntamente os interesses patrimoniais da Administraccedilatildeo interesses secundaacuterios Em relaccedilatildeo a esses interesses seguin-do a doutrina de Alessi a Administraccedilatildeo natildeo gozaria de supremacia estaria numa posiccedilatildeo de igualdade em relaccedilatildeo aos administrados arrematando que seria entatildeo perfeitamente possiacutevel neste campo a utilizaccedilatildeo da arbi-tragem Esse posicionamento foi sustentado na doutrina brasileira por Caio Taacutecito e acolhido pelo Supremo Tribunal Federal no Agr NO MS 11308-DF 1ordf Seccedilatildeo relator o Min Luiz Fux julgado em 28062006 DJU 14082006

Verifica-se nitidamente que a indisponibilidade do interesse puacuteblico passa por uma releitura Acerca do tema preleciona Fernanda Marinela que parte ainda minoritaacuteria da doutrina brasileira resolver reunir esfor-ccedilos para desconstituir o princiacutepio da supremacia do interesse puacuteblico como sendo a base do autoritarismo retroacutegrado ultrapassado Critica-se a estrutura do Direito Administrativo tendo como base os princiacutepios da supremacia e da indisponibilidade do interesse puacuteblico apontando que a ausecircncia de definiccedilatildeo exata quanto ao conteuacutedo da expressatildeo ldquointeresse puacuteblicordquo gera vaacuterios problemas no exerciacutecio da atividade administrativa justificando muitas vezes o abuso e arbitrariedades praticadas pelos ad-ministradores

Marccedilal Justen Filho defende que o criteacuterio da ldquosupremacia do inte-resse puacuteblicordquo apresenta utilidade reduzida uma vez que natildeo haacute interesse uacutenico a ser reputado como supremo e que esse instrumento natildeo permite resolver de modo satisfatoacuterio os conflitos nem fornece um fundamento consistente para as decisotildees administrativas

Fraacutegil portanto a premissa dos entes puacuteblicos de alegar o princiacute-pio da indisponibilidade do interesse puacuteblico diante do comando legal conferido pela Lei nordm 121532009 no sentido de viabilizar a realizaccedilatildeo de acordos com particulares nas demandas dos Juizados da Fazenda Puacuteblica

Maria Joseacute Oliveira e Silva bull Nataacutelia Cavalcanti de Arauacutejo bull Paula Gargur Calmon Teixeira da Silva

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Natildeo haacute que negar a necessidade de lei em sentido estrito para estabelecer as hipoacuteteses permissivas de tais acordos poreacutem natildeo se pode respaldar a conduta inerte do Estado sob as vestes de suposta indisponibilidade do interesse puacuteblico

Nesta senda resta claro que o princiacutepio em anaacutelise natildeo se faz abso-luto nem necessariamente idecircntico aos interesses da Fazenda Puacuteblica O que existe em verdade eacute uma conduta omissiva do Estado no sentido de dirimir as hipoacuteteses em que os direitos disponiacuteveis poderatildeo ser objeto de conciliaccedilatildeo ou transaccedilatildeo

Desta forma natildeo se pode sustentar a indisponibilidade do interesse puacuteblico para se negar agrave promoccedilatildeo das tentativas de conciliaccedilatildeo no acircmbito dos Juizados Especiais da Fazenda Puacuteblica sobretudo quando este confron-te com a concretizaccedilatildeo de direitos e garantias fundamentais como o direito fundamental de acesso agrave justiccedila ancorado na dignidade da pessoa humana

7 CONCLUSAtildeO

De todo o exposto restou indubitaacutevel que nas demandas dos Juiza-dos Especiais Fazendaacuterios deve-se resguardar a conciliaccedilatildeo e a transaccedilatildeo como pilares baacutesicos nos expressos termos do disposto no artigo 2ordm da Lei 909995 combinado com o disposto no artigo 8ordf da Lei nordm 121532009

Agrave guisa de remate importa registrar que dispensar as audiecircncias de conciliaccedilatildeo no acircmbito dos Juizados Especiais da Fazenda Puacuteblica re-vela-se natildeo somente contraacuterio ao interesse puacuteblico reflexivo aos valores constitucionais dominantes ao direito ao devido processo legal e acesso agrave justiccedila mas tambeacutem viola as normas especiais concernentes ao proce-dimento sumariacutessimo dos Juizados Especiais que natildeo prevecirc esta dispensa ao criteacuterio do magistrado

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Audiecircncia de conciliaccedilatildeo no acircmbito dos Juizados Especiais da Fazenda Puacuteblica a indispensaacutevel concretizaccedilatildeo do acesso agrave ordem juriacutedica justa

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Maria Joseacute Oliveira e Silva bull Nataacutelia Cavalcanti de Arauacutejo bull Paula Gargur Calmon Teixeira da Silva

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Desafios agrave aplicaccedilatildeo dos meacutetodos autocompositivos nas demandas

de sauacutede suplementar construindo novos caminhos de acesso agrave justiccedila

1 Advogada Poacutes-graduada em Direito Puacuteblico pelo CEJAS Poacutes-graduanda em Direito Meacutedico e Hospitalar pelo CPJUR Integra a Comissatildeo Especial de Direito Meacutedico e da Sauacutede da OABBA Coordenadora executiva do Grupo de Pesquisa ldquoDiaacutelogos sobre Advocacia Consensual em Direito Meacutedicordquo promovido pela OABBA

2 Advogado Graduado em Direito pela Faculdade Baiana de Direito (2020) Poacutes-gra-duando em Direito Meacutedico da Sauacutede e Bioeacutetica pela Faculdade Baiana de Direito Membro do grupo de pesquisa ldquoDiaacutelogos sobre Advocacia Consensual em Direito Meacutedicordquo promovido pela OABBA

3 Advogado Poacutes-graduado em Direito Puacuteblico pela Faculdade Baiana de Direito e poacutes-graduando em Direito Processual Civil pela Faculdade Damaacutesio Integra a Co-missatildeo Especial de Direito Meacutedico e da Sauacutede da OABBA Coordenador acadecircmico do Grupo de Pesquisa ldquoDiaacutelogos sobre Advocacia Consensual em Direito Meacutedicordquo promovido pela OABBA Autor de artigos cientiacuteficos publicados

Gabriela Silva Sady1

Henrique Costa Princhak2

Lucas Macedo Silva3

Resumo O presente artigo se propotildee a examinar a aplicaccedilatildeo dos meacute-todos autocompositivos como caminho eficaz para garantir acesso agrave justiccedila nas demandas de sauacutede suplementar Com o fito de com-preender a profundidade temaacutetica eacute realizada uma anaacutelise acerca dos impactos positivos da consensualidade bem como do atual cenaacuterio brasileiro no qual predomina a cultura do litiacutegio examinando os de-safios sociais e institucionais para a sua aplicaccedilatildeo Ademais busca in-vestigar quais as dificuldades existentes da aplicabilidade destas teacutec-nicas de resoluccedilatildeo de conflito no acircmbito dos litiacutegios que envolvem as operadoras de sauacutede e os usuaacuterios do serviccedilo Por fim impende delinear uma nova visatildeo de acesso agrave justiccedila nas demandas de sauacutede suplementar no ordenamento juriacutedicos brasileiro

Palavras-chave Meacutetodos autocompositivos consensualidade cultu-ra do litiacutegio acesso agrave justiccedila sauacutede suplementar

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1 INTRODUCcedilAtildeOHaacute uma inegaacutevel crise no Poder Judiciaacuterio causada pelo excesso no

nuacutemero de demandas e pela carecircncia de recursos humanos e materiais para uma prestaccedilatildeo jurisdicional mais eficiente Nesse contexto o crescen-te ajuizamento de processos judiciais decorrentes de relaccedilotildees de sauacutede criou o fenocircmeno denominado de ldquojudicializaccedilatildeo da sauacutederdquo A excessiva busca ao Judiciaacuterio para dirimir questotildees de sauacutede atinge tanto o setor da sauacutede puacuteblica quanto o segmento privado da sauacutede suplementar sendo este uacuteltimo o objeto de melhor anaacutelise do presente trabalho

Nesta senda o Judiciaacuterio tem encontrado dificuldade em responder adequada e tempestivamente as demandas envolvendo operadoras de pla-nos de sauacutede e seus consumidores que vatildeo desde pleitos de coberturas de procedimentos a revisotildees de reajustes considerados abusivos As relaccedilotildees de sauacutede lidam com bens juriacutedicos com especial proteccedilatildeo constitucional tais como a vida e a integridade fiacutesica e emocional O cenaacuterio atual de as-soberbamento de processos tem dificultado o acesso agrave justiccedila por parte do usuaacuterio do plano o que potencialmente pode causar danos irreparaacuteveis

Acredita-se que os meacutetodos autocompositivos que promovem a re-soluccedilatildeo da controveacutersia pelas proacuteprias partes interessadas podem ser um caminho interessante para a reduccedilatildeo da quantidade de processos judiciais e ao mesmo tempo garantir o acesso agrave justiccedila agrave populaccedilatildeo Apesar de o sistema juriacutedico paacutetrio jaacute se preocupar com o fomento agrave via consensual como se observa exemplificativamente pela Resoluccedilatildeo nordm 1252010 do CNJ e pelo Coacutedigo de Processo Civil de 2015 ainda satildeo notados desafios agrave implementaccedilatildeo dos meacutetodos consensuais nos Tribunais de Justiccedila paacutetrios

Partindo-se desse problema o presente trabalho tem como objetivo central analisar os impactos positivos que os meios consensuais podem acarretar ao Judiciaacuterio e os eventuais obstaacuteculos que satildeo encontrados para a sua efetivaccedilatildeo A relevacircncia do trabalho eacute indubitaacutevel consideran-do a necessidade de se buscar alternativas para a crise do Poder Judiciaacuterio sobretudo no que diz respeito agrave judicializaccedilatildeo da sauacutede O trabalho utiliza o meacutetodo hipoteacutetico-dedutivo uma vez que parte de fundamentos teoacuteri-cos e praacuteticos de forma geneacuterica para alcanccedilar a soluccedilatildeo especiacutefica Foram utilizadas referecircncias bibliograacuteficas nacionais levando em consideraccedilatildeo trabalhos reconhecidos na aacuterea para verticalizar a discussatildeo pertinente objetivo proposto Apesar de natildeo ter a intenccedilatildeo de esgotar o debate este trabalho pretende enriquecer o debate no sentido de posicionar os meacute-todos de autocomposiccedilatildeo como um caminho soacutelido e interessante para o acesso agrave justiccedila

Gabriela Silva Sady bull Henrique Costa Princhak bull Lucas Macedo Silva

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2 A APLICABILIDADE DOS MEacuteTODOS AUTOCOMPOSITIVOS NO PODER JUDICIAacuteRIO

A intervenccedilatildeo do Poder Judiciaacuterio durante muitos anos figurou como uacutenico modo de efetivaccedilatildeo de direitos e deveres dos cidadatildeos natildeo apenas na visatildeo dos leigos como tambeacutem para grande parte dos juristas (MARQUES 2020) De fato o Magistrado atraveacutes da anaacutelise dos autos e da formaccedilatildeo do seu convencimento pessoal possui competecircncia para decidir quem possui razatildeo em cada aspecto da disputa Esse conteuacutedo decisoacuterio natildeo apenas coloca fim a um impasse mas tambeacutem eacute considerado como um dos mais importantes papeacuteis exercidos pelo Poder Judiciaacuterio o meacuteto-do tradicional de soluccedilatildeo dos conflitos potencial promotor da paz social (FIORELLI MANGINI 2017)

Diante desse entendimento passou-se a compreender o Judiciaacuterio como o singular meio de se concretizar o direito ao acesso agrave justiccedila nos termos do direito fundamental agrave inafastabilidade do Poder Judiciaacuterio pre-visto no art 5ordm XXXV da Constituiccedilatildeo Federal de 1988 A compreensatildeo do acesso agrave justiccedila como uma prestaccedilatildeo predominantemente prestacional do Estado fez com que se buscassem caminhos para concretizaccedilatildeo dessa garantia constitucional A partir daiacute emergiu a Lei Federal nordm 909995 que instituiu os Juizados Especiais e Criminais no acircmbito da justiccedila comum com o intuito de promover a celeridade e a economia processual nas de-mandas de menor complexidade e com valores econocircmicos abaixo de quarenta vezes o salaacuterio miacutenimo

No entanto essa mentalidade litigante gerou em pouco tempo uma enxurrada de processos judiciais assoberbando o Poder Judiciaacuterio com questotildees das mais variadas aacutereas Sem orccedilamento estrutura de material e de matildeo de obra o esgotamento do sistema judicial foi um caminho inevi-taacutevel Diante disso natildeo se apresenta razoaacutevel enxergar o processo como a uacutenica forma de se buscar a resoluccedilatildeo de um determinado conflito (NALINI 2017) Nesse contexto os meacutetodos autocompositivos emergem enquanto caminhos alternativos e por vezes mais adequados agrave via tradicional de soluccedilatildeo dos conflitos Entende-se por autocompositivos os meacutetodos pelos quais ambas ou uma das partes da controveacutersia dispondo livremente so-bre o seu direito relativizam alguns de seus interesses de maneira unilate-ral ou bilateral total ou parcial em prol do desfecho do conflito

Em 2010 o Conselho Nacional de Justiccedila ndash CNJ publicou a Resolu-ccedilatildeo nordm 1252010 a qual instituiu o tratamento adequado dos conflitos como uma poliacutetica puacuteblica do Poder Judiciaacuterio nacional A partir disso foi

Desafios agrave aplicaccedilatildeo dos meacutetodos autocompositivos nas demandas de sauacutede suplementar construindo novos caminhos de acesso agrave justiccedila

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incluiacutedo como dever dos oacutergatildeos judiciaacuterios a disponibilizaccedilatildeo de meios consensuais de soluccedilatildeo de controveacutersias aleacutem de promover atendimento e ampla divulgaccedilatildeo e orientaccedilatildeo dos cidadatildeos sobre as vantagens dessas outras vias Desde entatildeo foram realizados diversos atos afirmativos tais como a formaccedilatildeo e treinamento dos servidores conciliadores e mediado-res auxiacutelio aos tribunais regionais na implantaccedilatildeo e gerenciamento dos nuacutecleos consensuais dentre outros (CUNHA LESSA NETO 2016)

O Coacutedigo de Processo Civil de 2015 consolidou a mudanccedila do pa-radigma tradicional que entendia a jurisdiccedilatildeo estatal como porta uacutenica de resoluccedilatildeo de conflitos para um sistema de justiccedila multiportas Pelo diploma legislativo processual natildeo haacute hierarquizaccedilatildeo entre a utilizaccedilatildeo da via judicial para as demais formas de soluccedilotildees de controveacutersias ficando a escolha a cargo dos interessados no exerciacutecio da sua autonomia privada salvo algumas exceccedilotildees (DIDIER JR ZANETI JR 2017) O CPC de 2015 em seu art 3ordm dispotildee que todos os agentes do Judiciaacuterio devem estimular a conciliaccedilatildeo a mediaccedilatildeo os demais meacutetodos de soluccedilatildeo consensual de conflitos Os meacutetodos consensuais deixam de ser um caminho alternativo para ser integrado ao proacuteprio sistema de resoluccedilatildeo de conflitos incluindo todo o sistema de justiccedila na empreitada de promover a consensualidade sempre que for possiacutevel e adequado (CUNHA LESSA NETO 2016)

O grande oacutebice agrave efetivaccedilatildeo dessas vias consensuais recai na cultura do litiacutegio fortemente enraizada na cultura brasileira o que gerou a crise judiciaacuteria exposta anteriormente Revela-se fundamental o fomento aos meacutetodos de autocomposiccedilatildeo no sentido de estimular que os interessados tentem entre si resolver as suas proacuteprias controveacutersias Desse modo soacute se recorreria ao Judiciaacuterio quando do esgotamento das tentativas amigaacuteveis de soluccedilatildeo de modo que a justiccedila estatal eacute que se tornaria o caminho al-ternativo (CUNHA LESSA NETO 2016)

Feita essa anaacutelise em relaccedilatildeo agrave ascensatildeo dos meacutetodos alternativos de resoluccedilatildeo de conflito no ordenamento juriacutedico brasileiro mostra-se evi-dente o entendimento do legislador paacutetrio acerca da relevacircncia de serem pensados novos caminhos para a promoccedilatildeo do acesso agrave justiccedila natildeo soacute do ponto de vista prestacional mas tambeacutem enquanto valor social a ser defendido Nesse cenaacuterio de crescente valorizaccedilatildeo da consensualidade cumpre analisar de forma mais detida os impactos positivos da consen-sualidade no contexto da cultura de excessiva litigacircncia que ainda domina no territoacuterio brasileiro

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21 A CULTURA DO LITIacuteGIO DESAFIOS SOCIAIS E INSTITUCIO-NAIS

Parte-se da premissa de que o conflito eacute algo inerente a condiccedilatildeo humana A convivecircncia em sociedade faria surgir inevitavelmente con-flitos das mais diversas ordens e niacuteveis de complexidade Nos casos de menor complexidade acredita-se que natildeo seria necessaacuteria uma interven-ccedilatildeo do Poder Judiciaacuterio (TRIGO et al 2017) Eacute relevante acrescentar que os conflitos natildeo devem ser vistos apenas com o vieacutes negativo Se por um lado os conflitos tendem a indicar que algo estaacute errado ou podem ensejar consequecircncias indesejadas Por outro eles tambeacutem permitem uma maior consciecircncia de organizaccedilatildeo capacidade de lidar com problemas futuros fortalecimento da relaccedilatildeo aleacutem de serem prenuacutencios de uma necessidade de mudanccedila e adaptaccedilatildeo (LEWICKI SAUNDERS BARRYS 2014)

A cultura do litiacutegio aqui entendida como a busca ao Judiciaacuterio de forma excessiva e para a resoluccedilatildeo de todo e qualquer conflito estaacute en-raizada na sociedade brasileira Essa forma de pensar que se sobrepotildee a mentalidade do consenso ignora diversas possibilidades que poderiam dar fim agravequele determinado conflito de maneira mais eficiente ceacutelere e menos custosa (TRIGO et al 2017) Como consequecircncia o fenocircmeno da judicializaccedilatildeo eacute notado quando conflitos de grande repercussatildeo social ou poliacutetica passam a ser decididos pelo Poder Judiciaacuterio ao inveacutes de pelas instacircncias tradicionalmente poliacuteticas a saber o Congresso Nacional e o Poder Executivo (BARROSO 2010)

Em verdade esta natildeo eacute uma realidade exclusiva do Brasil A litigacircncia excessiva tambeacutem tem estado presente no contexto latino-americano no-tadamente apoacutes o periacuteodo da redemocratizaccedilatildeo dos paiacuteses latinos com o consequente retorno da prestaccedilatildeo jurisdicional No entanto o demasiado nuacutemero de processos judiciais acaba por ensejar dentre outros prejuiacutezos sociais a instabilidade e inseguranccedila juriacutedicas no sistema judicial estatal Uma soluccedilatildeo agraves incertezas do Judiciaacuterio seria a utilizaccedilatildeo dos meacutetodos alternativos de resoluccedilatildeo de conflito como a mediaccedilatildeo e a conciliaccedilatildeo (BRAGANCcedilA 2020)

Cabe ressaltar o compromisso assumido pelo Poder Judiciaacuterio Brasi-leiro na I Reuniatildeo de Cuacutepula Ibero-Americana de Presidentes dos Tribunais de Justiccedila e dos Supremos Tribunais Federais em 1998 de promoccedilatildeo de mecanismos alternativos de soluccedilatildeo de conflitos com o fito de que garan-tir o acesso dos cidadatildeos agrave justiccedila (FERNANDES 2017) Embora exista este compromisso inclusive com a Resoluccedilatildeo nordm 1252010 do CNJ ainda natildeo

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se verifica na praacutetica uma aplicaccedilatildeo que contemple de forma satisfatoacuteria e eficaz os meacutetodos autocompositivos no acircmbito dos tribunais estaduais O Tribunal de Justiccedila do Estado da Bahia jaacute iniciou a implementaccedilatildeo das praacuteticas alternativas de resoluccedilatildeo de conflitos Nesse contexto da campa-nha nacional promovida pelo CNJ foram instalados os Centros Judiciais de Soluccedilatildeo Consensual de Conflitos ndash CEJUSC vinculado agraves Varas Ciacuteveis e de Consumo de Salvador

Ademais destaca-se que o Coacutedigo de Eacutetica e Disciplina da Ordem dos Advogados do Brasil estabelece como dever do advogado ldquoestimular a conciliaccedilatildeo entre os litigantes prevenindo sempre que possiacutevel a instau-raccedilatildeo de litiacutegiosrdquo Nesse sentido ressalta-se o papel da OAB de incentivar divulgar e fomentar os meacutetodos consensuais de resoluccedilatildeo de conflitos Observa-se que a Advocacia Geral da Uniatildeo nos uacuteltimos anos vem reali-zando um trabalho de incentivo aos meacutetodos alternativos de resoluccedilatildeo de conflitos com a criaccedilatildeo da Cacircmara de Conciliaccedilatildeo e Arbitragem Federal (FERNANDES 2017)

Haacute que se notar um avanccedilo do Legislativo no reconhecimento da importacircncia dos meacutetodos autocompositivos o que se observa por meio da ediccedilatildeo de normas especiacuteficas tais como o Coacutedigo de Processo Civil de 2015 e a Lei Federal nordm 131402015 proporcionando a participaccedilatildeo de outros agentes na composiccedilatildeo dos conflitos (TRIGO et al 2017) Contudo revela-se fundamental tambeacutem uma atuaccedilatildeo do Executivo no sentido de promoccedilatildeo de poliacuteticas puacuteblicas efetivas para incentivar a consensualidade Eacute preciso que se inclua a proacutepria sociedade nos debates criacuteticos por meio de audiecircncias puacuteblicas por exemplo para que os indiviacuteduos possam com-preender as vantagens da consensualidade e evitar recorrer ao Judiciaacuterio para demandas que podem ser resolvidas amigavelmente (VASCONCE-LOS 2012)

Observa-se que o ordenamento juriacutedico atribui a todos que com-potildeem o sistema juriacutedico e poliacutetico nacional o dever de promover os meios consensuais para se garantir o acesso agrave justiccedila e a consecuccedilatildeo dos direi-tos fundamentais constitucionalmente previstos No entanto quando no acircmbito do Judiciaacuterio haacute certa carecircncia de estrutura institucional que na realidade faacutetica transforma as tentativas conciliatoacuterias em mero cumpri-mento formal natildeo havendo preparo para conseguir realizar uma efetiva autocomposiccedilatildeo entre as partes

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22 O IMPACTO POSITIVO DA CONSENSUALIDADE

No contexto de crise do Poder Judiciaacuterio diversos aspectos prejudi-cam o acesso agrave justiccedila por parte dos cidadatildeos O contexto de excessiva judicializaccedilatildeo descortina o atraso na prestaccedilatildeo jurisdicional o arcaiacutesmo das estruturas de administraccedilatildeo judicial os custos processuais elevados a desigualdade de tratamento aos jurisdicionados a imprevisibilidade da justiccedila dentre outras situaccedilotildees A premente necessidade de resoluccedilatildeo dos processos daacute causa agrave estandardizaccedilatildeo das decisotildees judiciais as quais acabam se constituindo como modelos preacute-fixados e desconexos da rea-lidade (BARBOSA MENEZES 2013) Vecirc-se que o foco eacute na finalizaccedilatildeo do processo e natildeo na resoluccedilatildeo material do conflito entre as partes

Nesta senda o estiacutemulo agrave consensualidade eacute uma alternativa para mitigar as dificuldades encontradas na justiccedila estatal apresentando uma via menos custosa mais ceacutelere e mais eficiente para ambas as partes Aleacutem disso a autocomposiccedilatildeo tende a propiciar maior sensaccedilatildeo de justiccedila para os interessados o que resulta em agilidade no cumprimento das obriga-ccedilotildees pactuadas (FERNANDES 2017)

Cumpre salientar que a Resoluccedilatildeo nordm 12510 do Conselho Nacional de Justiccedila estabelece como princiacutepios fundamentais norteadores dos conciliadores e mediadores judiciais a ldquoconfidencialidade decisatildeo infor-mada competecircncia imparcialidade independecircncia e autonomia respeito agrave ordem puacuteblica e agraves leis vigentes empoderamento e validaccedilatildeordquo Desta forma tais princiacutepios devem balizar a conduta dos agentes consensuais para que seja possiacutevel promover o diaacutelogo entre as partes e consequente-mente proporcionar a conciliaccedilatildeo de interesses

Diversas satildeo as teacutecnicas de resoluccedilatildeo extrajudicial de conflitos No acircmbito do Judiciaacuterio as mais usuais satildeo a conciliaccedilatildeo e a mediaccedilatildeo as quais tentam possibilitar que as partes encontrem juntas uma soluccedilatildeo paciacutefica ao conflito antes de a mateacuteria ser decidida pelo terceiro impar-cial Privilegia-se entatildeo a comunicaccedilatildeo entre os interessados e se faculta agrave possibilidade de eles mesmos construiacuterem o caminho que entendem mais justo (MAGALHAtildeES MAGALHAtildeES 2020)

Neste sentido pode-se defender que um acordo fruto da autocom-posiccedilatildeo de interesses tende a ser mais eficaz para a soluccedilatildeo do conflito do que uma decisatildeo judicial Isto porque as partes tendem a cumprir volunta-riamente as suas obrigaccedilotildees considerando que estas foram instituiacutedas no acircmbito da autonomia privada Ademais nos meacutetodos autocompositivos

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permite-se uma maior proximidade com a vontade das partes conflitan-tes o que costuma gerar empatia e compreensatildeo Por ser uma soluccedilatildeo conjunta o cumprimento do acordo tende a ocorrer de maneira espontacirc-nea (FALCAtildeO 2006)

O que se acredita eacute que uma decisatildeo imposta agraves partes pelo magis-trado terceiro alheio agrave realidade do problema acaba ensejando desvanta-gens para todos os interessados A construccedilatildeo dialoacutegica reduz a sensaccedilatildeo de desconfianccedila e evita maior desgaste na relaccedilatildeo havida Observa-se a busca pela ampliaccedilatildeo do acesso agrave justiccedila tentando encontrar e solucionar o problema em si e natildeo somente o processo Aleacutem disso haacute que se ter em mente que uma estrutura soacutelida que contemple os meacutetodos consensuais de resoluccedilatildeo de conflitos melhoraria tambeacutem a atividade dos magistrados uma vez que estes poderiam dispender mais tempo e atenccedilatildeo para casos mais complexos que dependam inevitavelmente de sua apreciaccedilatildeo

3 A AUTOCOMPOSICcedilAtildeO COMO CAMINHO PARA O ACESSO Agrave JUSTICcedilA NAS DEMANDAS DE SAUacuteDE SUPLEMENTAR

A sauacutede suplementar aqui compreendida como atividade econocircmi-ca em sentido estrito regida por regras e princiacutepios de direito privado possui permissivo legal no ordenamento juriacutedico brasileiro assegurado pelo artigo 197 da Constituiccedilatildeo Federal de 1988 (FREITAS 2018) Nessa modalidade de assistecircncia agrave sauacutede como satildeo estabelecidas regras e orien-taccedilotildees filiadas aos princiacutepios da livre iniciativa e concorrecircncia o Legislador considerou importante resguardar ao Poder Puacuteblico a competecircncia para regulamentar fiscalizar e controlar este setor notadamente no intuito de evitar a mercantilizaccedilatildeo da sauacutede e impor limites agrave excessiva busca por lucro naturalizada pelas empresas (LOBATO 2010)

Hodiernamente o setor de sauacutede suplementar brasileiro eacute consi-derado um dos maiores sistemas privados do mundo e a atividade das operadoras de planos de sauacutede revela-se imprescindiacutevel ao acesso agrave sauacute-de (FREITAS 2018) Contudo ainda assim sua regulamentaccedilatildeo soacute foi ob-jeto de legislaccedilatildeo especiacutefica em 1998 com o advento da Lei Federal nordm 965698 em resposta agraves necessidades mercadoloacutegicas e contratuais ad-vindas dos conflitos e instabilidades decorrentes do longo periacuteodo sem regulamentaccedilatildeo (LAVECCHIA 2019) Ato contiacutenuo no ano de 2000 por intermeacutedio da Lei Federal nordm 996100 foi criada a agecircncia reguladora es-peciacutefica para resguardar a atividade do setor a Agecircncia Nacional de Sauacutede Suplementar (ANS)

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Eacute importante perceber a existecircncia de dois momentos regulatoacuterios distintos que contribuiacuteram juntos para o surgimento de um expressivo nuacutemero de conflitos entre operadoras e seus usuaacuterios No primeiro cenaacute-rio havia ausecircncia total de normas de regulamentaccedilatildeo e posteriormente mesmo com a criaccedilatildeo da ANS esta exercia a funccedilatildeo regulatoacuteria de forma insuficiente chegando a ratificar praacuteticas abusivas ateacute entatildeo cometidas livremente pelas operadoras Com isso aos usuaacuterios natildeo restou alternativa senatildeo buscar o Judiciaacuterio para ver efetivados os direitos que entendiam possuir Desde entatildeo o fenocircmeno da judicializaccedilatildeo no setor da sauacutede suplementar passou a ser uma realidade e ateacute hoje as demandas judiciais aumentam ano a ano e se concentram principalmente em questotildees rela-cionadas a coberturas e reajustes (TRETTEL 2009)

Outro fator que contribui de forma significativa para a crescente ju-dicializaccedilatildeo do setor descansa nas caracteriacutesticas de vulnerabilidade e hi-possuficiecircncia dos beneficiaacuterios De fato grande parte dos consumidores sequer compreende os termos do que contrata com as operadoras de modo que apenas com o surgimento do imbroacuteglio decorrente de even-tual negativa de cobertura ou majoraccedilatildeo do valor da mensalidade eacute que a temaacutetica passa a ganhar especial atenccedilatildeo Desse modo como na maioria dos casos as operadoras tambeacutem natildeo se mostram interessadas em prestar efetivos esclarecimentos aos consumidores nas tratativas que precedem a contrataccedilatildeo tampouco em oferecer soluccedilotildees extrajudiciais para os con-flitos eventualmente advindos o litiacutegio novamente se apresenta como inevitaacutevel

Contudo como jaacute visto a resposta oferecida pelo Estado-Juiz atraveacutes do conteuacutedo decisoacuterio nem sempre se mostra como medida mais eficaz ao asseguramento do acesso agrave sauacutede e da garantia ao correspondente direito fundamental Natildeo satildeo raras as situaccedilotildees de descumprimento a decisotildees judiciais provisoacuterias ou definitivas que por versarem sobre bens juriacutedicos inestimaacuteveis ndash sauacutede e vida ndash acabam sendo esvaziadas pela ir-reparabilidade dos danos advindos eacute o que ocorre exemplificativamente nos casos em que o beneficiaacuterio vai a oacutebito antes do cumprimento da ordem judicial Eacute nesse cenaacuterio que os meacutetodos autocompositivos ndash no-tadamente por ensejarem menor nuacutemero de descumprimento do que os preceitos judiciais ndash revelam-se enquanto alternativa potencialmente ca-paz de reduzir essa disparidade de armas e viabilizar o alcance de soluccedilotildees mais efetivas (RIBEIRO 2018)

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Ao se tentar colocar em praacutetica a autocomposiccedilatildeo como meacutetodo de soluccedilatildeo de conflitos nas demandas envolvendo planos de sauacutede revela--se de iniacutecio uma latente dificuldade a ser superada qual seja a usual indisponibilidade das operadoras de se mostrarem dispostas agrave consen-sualidade Isso porque na qualidade de grandes empresas estas estatildeo acostumadas com a logiacutestica estrutural de priorizar o lucro persistindo em muitos casos a dificuldade de compreender o serviccedilo ofertado como um serviccedilo natildeo apenas de caraacuteter essencial mas principalmente que tem por objeto bens indisponiacuteveis como a vida e inestimaacuteveis como a sauacutede

Por essa razatildeo eacute que a relaccedilatildeo travada entre as operadoras de planos de sauacutede e os seus usuaacuterios natildeo pode ser encarada e interpretada exclusi-vamente como consumerista ou mercantil notadamente quando se tem em mente que desde a formaccedilatildeo do viacutenculo o contratante jaacute estaacute em uma posiccedilatildeo de vulnerabilidade teacutecnica Isto porque a maioria dos con-tratos firmados pelas operadoras de sauacutede possuem o caraacuteter adesivo de modo que o consumidor natildeo possui a prerrogativa de se insurgir contra claacuteusulas que entenda desfavoraacuteveis ou abusivas Essa vulnerabilidade ini-cial eacute posteriormente acentuada quando haacute a tentativa de efetiva utiliza-ccedilatildeo do serviccedilo e a operadora de sauacutede nega ou cria os mais diversos tipos de oacutebices ao cumprimento do contrato (LAVECCHIA 2019)

No aspecto extrajudicial exemplificativamente a praacutetica descortina que a grande maioria das operadoras de planos de sauacutede natildeo se mostra disponiacutevel a negociar ou minimamente buscar soluccedilotildees consensuais para os conflitos retomando a antiga e tradicional premissa de necessidade de intervenccedilatildeo judicial para resoluccedilatildeo dos litiacutegios Impende registrar aliaacutes que mesmo com a propositura da demanda judicial que nos moldes atuais implica na necessaacuteria realizaccedilatildeo de audiecircncia de conciliaccedilatildeo as empresas de plano de sauacutede se mostram bastante resistentes agrave tentativa de autocomposiccedilatildeo natildeo se dispondo sequer a apresentar propostas de acordo

Apesar do esforccedilo do legislador em incluir os meacutetodos de autocom-posiccedilatildeo na realidade do Judiciaacuterio o que se tem encontrado eacute a preo-cupaccedilatildeo em cumprir apenas o requisito formal da conciliaccedilatildeo Eacute o que sustentam Baptista e Amorim (2014) quando apontam

O movimento em favor da conciliaccedilatildeo de iniacutecio tido como inovador natildeo se consagra em mais de uma deacutecada e meia e surge na atuali-dade uma nova onda em favor da mediaccedilatildeo tal qual aconteceu em passado com a conciliaccedilatildeo As esperanccedilas seriam de que a conciliaccedilatildeo

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mostrasse a necessidade de mudanccedilas eficazes que introduzissem uma justiccedila de aproximaccedilatildeo entre o direito e os cidadatildeos bastante distinta da concedida pela praacutetica advinda da legislaccedilatildeo processual tradicional Mas ao contraacuterio esta tradiccedilatildeo ainda exerce predomiacutenio sobre as inovaccedilotildees a exemplo do que aconteceu apoacutes a introduccedilatildeo da ldquoconciliaccedilatildeo intraprocessualrdquo nos juizados especiais pois neles o formato concebido como ldquoconciliaccedilatildeordquo natildeo vingou

Desse modo torna-se possiacutevel afirmar que a simples introduccedilatildeo da conciliaccedilatildeo como um ato processual formal e obrigatoacuterio sem uma efetiva educaccedilatildeo que possibilitasse a mudanccedila de mentalidade natildeo se mostra eficaz (BAPTISTA AMORIM 2014)

O estudo estatiacutestico realizado por Lavecchia (2019) no acircmbito do Tri-bunal de Justiccedila do Estado de Satildeo Paulo demonstra que o percentual de decisotildees favoraacuteveis agraves pretensotildees dos consumidores eacute altiacutessimo de modo que na grande maioria dos casos as operadoras de sauacutede acabam sendo compelidas a reconhecerem o direito dos segurados Diante disso vecirc-se que a operadora de sauacutede mesmo tendo ciecircncia das suas obrigaccedilotildees de-cide cumprir apenas apoacutes determinaccedilatildeo judicial o que agrava os iacutendices de judicializaccedilatildeo

Para que os meacutetodos autocompositivos possam ser consolidados no acircmbito da sauacutede suplementar eacute necessaacuterio que em um primeiro mo-mento o Judiciaacuterio exija e condene pedagogicamente agraves operadoras de sauacutede por litigacircncia de maacute-feacute por causarem a sobreutilizaccedilatildeo da maacutequina judiciaacuteria A partir disso deve-se construir institucionalmente um modelo de consensualidade que permita o efetivo diaacutelogo entre as partes no sentido de se promover a conciliaccedilatildeo de interesses Como visto nos casos envolvendo sauacutede suplementar os consumidores encontram-se em uma situaccedilatildeo ainda mais vulneraacutevel por terem a sua vida e integridade fiacutesica ou psiacutequica expostas motivo pelo qual a autocomposiccedilatildeo se apresenta como o melhor caminho para uma soluccedilatildeo ceacutelere eficaz e justa

4 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS

Ao final da pesquisa percebe-se que a implementaccedilatildeo de meacutetodos autocompositivos nas demandas que tecircm por objeto conflitos decorren-tes da relaccedilatildeo contratual existente entre as operadoras de planos de sauacutede e seus usuaacuterios representa uma alternativa interessante para reduzir o fe-nocircmeno da judicializaccedilatildeo da sauacutede suplementar Em primeiro plano ten-do em vista que a consensualidade reduz de forma significativa os iacutendices

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de descumprimento do pactuado e homologado quando em comparaccedilatildeo com as decisotildees judiciais mas tambeacutem por garantir aos envolvidos na controveacutersia a possibilidade de alcanccedilar soluccedilotildees mais justas e eficazes para ambas as partes O desafio inicial eacute enfrentar natildeo apenas a forte pre-dominacircncia da cultura do litiacutegio que inegavelmente tem impactado a relaccedilatildeo entre as operadoras e os beneficiaacuterios mas tambeacutem a falta de incentivo agrave consensualidade seja por parte da reguladora seja por parte das grandes empresas do setor

Aleacutem disso atraveacutes de uma efetiva e adequada implementaccedilatildeo dos meacutetodos autocompositivos nas demandas de sauacutede suplementar certa-mente seria alcanccedilada em consequecircncia uma significativa reduccedilatildeo do abarrotamento do Poder Judiciaacuterio devolvendo-o o papel de ultima ratio como pacificador social Para que isso efetivamente se concretize faz-se imperiosa uma transformaccedilatildeo de mentalidade por parte das operadoras dos usuaacuterios dos seus representantes e do proacuteprio Poder Judiciaacuterio para que este uacuteltimo deixe de ser visto e compreendido exclusivamente como solucionador de litiacutegios e passe a ser encarado como verdadeiro centro de harmonizaccedilatildeo e pacificaccedilatildeo social

REFEREcircNCIASBAPTISTA Baacuterbara Gomes Lupetti AMORIM Maria Stella de Quando direitos alternativos

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Desafios agrave aplicaccedilatildeo dos meacutetodos autocompositivos nas demandas de sauacutede suplementar construindo novos caminhos de acesso agrave justiccedila

139Revista Novatio 1ordf ediccedilatildeo ndash 2020

Poder Judiciaacuterio do Estado da Bahia ISBN 978-65-89459-01-9

NALINI Joseacute Renato Eacute urgente construir alternativas agrave justiccedila In Justiccedila Multiportas mediaccedilatildeo conciliaccedilatildeo arbitragem e outros meios de soluccedilatildeo adequada para conflitos Salvador Juspodivm 2016 PEDROSO Joseane Ceolin Mariani de Andrade A importacircncia da conciliaccedilatildeo e mediaccedilatildeo como ferramenta extrajudicial de in-serccedilatildeo aos meacutetodos alternativos para resoluccedilatildeo de conflitos relatos do nuacutecleo de praacutetica de mediaccedilatildeo do curso de direito da fames 10ordf Jornada de Pesquisa e 9ordf Extensatildeo do Curso de Direito 2018 Disponiacutevel em httpmetodistacentenariocombrjornada-de-direitoanais10a-jornada-de-pesquisa-e-9a-jornada-de-exten-sao-do-curso-de-direitoartigosrelatos-de-experiencianucleo-de-pratica-de-me-diacao_famespdf Acesso em 05 nov de 2020

SANTOS Beniacutecio Fagner Conciliaccedilatildeo e mediaccedilatildeo efetividade da autocomposiccedilatildeo no CEJUSC das Varas de Famiacutelia de Salvador ndash BA Universidade do Sul de Santa Catarina 2019 Disponiacutevel em httpsriuniunisulbrbitstreamhandle123457920BENc38dCIO20FAGNER20DO20SANTOS20-20versc3a3ordm20final20apc3b3s20defesapdfsequence=1ampisAllowed=y Acesso em 05 nov de 2020

TRETTEL DANIELA BATALHA Planos de sauacutede na Justiccedila o direito agrave sauacutede estaacute sendo efetivado Estudo do posicionamento dos Tribunais Superiores na anaacutelise dos conflitos entre usuaacuterios e operadoras de planos de sauacutede 2009

TRIGO Beatriz et al Poliacuteticas puacuteblicas para mitigaccedilatildeo da cultura do litiacutegio no Brasil Direito e Sociedade Rev Estudos Juriacutedicos e Interdisciplinares Catanduva ndash SP v 12 nordm 1 jandez 2017 Disponiacutevel em httpunifipacombrsitedocumentosrevistasdireitodir_2017_vol12_n1pdfpage=72 Acesso em 05 nov de 2020

VASCONCELOS Camila Responsabilidade meacutedica e judicializaccedilatildeo na relaccedilatildeo meacutedico--paciente Revista Bioeacutetica 2012 v 20 n3 p389-396Disponiacutevel em httpwwwredalycorgpdf3615361533260002pdf Acesso em 05 nov 2020

Gabriela Silva Sady bull Henrique Costa Princhak bull Lucas Macedo Silva

140 Revista Novatio 1ordf ediccedilatildeo ndash 2020

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Inovaccedilotildees tecnoloacutegicas no direito uma anaacutelise da (im)possibilidade de citaccedilatildeo

por aplicativos de mensagem instantacircnea nos Juizados Especiais Ciacuteveis da Bahia

1 Advogada Bacharela em Direito pela Universidade do Estado da Bahia ndash UNEB Poacutes--graduanda em Direito Constitucional Aplicado pela Faculdade Legale

2 Bacharel em Direito pela Universidade do Estado da Bahia Poacutes-graduando em Direi-to Processual Civil pela Pontifiacutecia Universidade Catoacutelica do Rio de Janeiro ndash PUC-RJ

3 Bacharela em Direito pela Universidade do Estado da Bahia ndash UNEB Poacutes-graduanda em Direito Constitucional Aplicado e Direito Previdenciaacuterio pela Faculdade Legale

Amanda Leite Souza Alves1

Lucas Duailibe Maia2

Mariely Lago Vianna Nogueira3

Resumo As constantes inovaccedilotildees tecnoloacutegicas que surgem com o passar dos tempos no mundo tem provocado grandes alteraccedilotildees na dinacircmica da sociedade Nesse contexto o presente artigo ao partir da premissa de que o Direito deve se adequar a realidade social para natildeo se tornar inoacutecuo a esta pretende com vistas a garantir sobre-tudo uma prestaccedilatildeo jurisdicional mais ceacutelere investigar com pro-fundidade e inteireza acerca da possibilidade de se realizar citaccedilotildees por aplicativos de mensagens instantacircneas no acircmbito dos Juizados Especiais Ciacuteveis da Bahia Para tanto este escrito que se divide em trecircs partes busca em suas duas primeiras realizar respectivamente breves apontamentos sobre a inter-relaccedilatildeo entre tecnologia e o Direi-to bem como a respeito do instituto processual da citaccedilatildeo para que assim diante de um cenaacuterio mais cognosciacutevel possa-se em sua uacutelti-ma parte enfrentar o aludido questionamento de modo a examinar a viabilidade da referida modalidade desta citaccedilatildeo e suas provaacuteveis implicaccedilotildees

Palavras-chave direito tecnologia juizados citaccedilatildeo whatsapp

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1 CONSIDERACcedilOtildeES INICIAIS

A informatizaccedilatildeo do Poder Judiciaacuterio brasileiro eacute uma realidade de deacutecadas a qual se iniciou com a implementaccedilatildeo do processo digital Con-tudo atualmente as inovaccedilotildees tecnoloacutegicas jaacute implementadas pelos tri-bunais mostram-se insuficientes para atender a certas demandas de uma sociedade cada vez mais imediatista e conectada agrave realidade digital Nesse sentido nota-se a necessidade latente do Poder Judiciaacuterio adotar novas ferramentas digitais que sejam capazes de conjugar a celeridade almejada com a seguranccedila juriacutedica necessaacuteria

Dentre as inovaccedilotildees socialmente requisitadas destaque-se o uso de aplicativos de mensagem instantacircnea para proceder agrave comunicaccedilatildeo de atos processuais em especial de intimaccedilatildeo e citaccedilatildeo no acircmbito dos Juizados Especiais cujo rito eacute regido pelos princiacutepios da simplicidade e ce-leridade Embora o Conselho Nacional de Justiccedila (CNJ) tenha reconhecido a possibilidade do uso da plataforma WhatsApp para proceder intimaccedilotildees desde que regulamentado pelos tribunais ainda natildeo haacute consenso sobre a viabilidade eou validade da citaccedilatildeo realizado por meio dessa ferramenta

Essa temaacutetica mostra-se de suma importacircncia tanto aos profissionais da aacuterea juriacutedica quanto a todos os cidadatildeos munidos do direito funda-mental do acesso agrave justiccedila tendo em vista que a adoccedilatildeo de aplicativos de mensagem instantacircnea no rito dos Juizados Especiais Ciacuteveis deve atender aos princiacutepios da celeridade e simplicidade mas sem gerar prejuiacutezos ao princiacutepio da seguranccedila juriacutedica No tocante agrave metodologia utilizada na ela-boraccedilatildeo deste escrito optou-se pelo uso da pesquisa qualitativa uma vez que eacute pautada em subjetividades aplicada pelo intuito de gerar conhe-cimento para aplicaccedilotildees praacuteticas na resoluccedilatildeo de problemas exploratoacuteria cujo objetivo eacute gerar familiaridade com o tema e bibliograacutefica pois as fon-tes de pesquisa constituem mateacuterias jaacute publicadas como livros e artigos

Nesse diapasatildeo o presente artigo visa analisar a possibilidade juriacutedi-ca de o ato citatoacuterio ser realizado atraveacutes de aplicativo de mensagem ins-tantacircnea no acircmbito dos Juizados Especiais tendo em vista os princiacutepios regentes da celeridade e simplicidade Com o intuito de alcanccedilar esse ob-jetivo geral traccedilaram-se trecircs objetivos especiacuteficos que se fazem os toacutepicos deste artigo sendo estes os seguintes i) realizar um breve levantamento sobre as implementaccedilotildees de recursos tecnoloacutegicos pelo Poder Judiciaacuterio ii) elucidar a importacircncia do ato citatoacuterio para a integralizaccedilatildeo da lide iii) analisar o cabimento ou natildeo da realizaccedilatildeo do ato citatoacuterio por aplicativos de mensagem instantacircnea

Amanda Leite Souza Alves bull Lucas Duailibe Maia bull Mariely Lago Vianna Nogueira

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2 INOVACcedilOtildeES TECNOLOacuteGICAS E O DIREITO BREVES APON-TAMENTOS

Nos uacuteltimos tempos o avanccedilo tecnoloacutegico eacute cada vez mais frequente e impactante O uso da internet e das demais tecnologias decorrentes des-ta demonstra mais um cenaacuterio da revoluccedilatildeo cientiacutefica vivenciada Eacute neste contexto que o Poder Judiciaacuterio brasileiro tambeacutem foi acometido por tais mudanccedilas em especial pela informatizaccedilatildeo do processo judicial

Segundo Boaventura de Sousa Santos (2005 p 90-91) as novas tec-nologias de comunicaccedilatildeo e de informaccedilatildeo tecircm enorme potencial de trans-formaccedilatildeo do sistema judicial em diversos acircmbitos dentre os quais estatildeo na administraccedilatildeo e gestatildeo da justiccedila na transformaccedilatildeo do exerciacutecio das profissotildees juriacutedicas e na democratizaccedilatildeo do acesso ao direito agrave justiccedila

Sobre o primeiro ponto as novas tecnologias teriam um efeito posi-tivo em face da celeridade e eficaacutecia dos processos judiciais ao melhorar os recursos humanos as secretarias e agendas judiciais tornar mais eficaz a tramitaccedilatildeo dos feitos facilitar o acesso agraves fontes dentre outros fatores Por conseguinte o segundo ponto permitiria a maior circulaccedilatildeo da infor-maccedilatildeo e portanto um direito e justiccedila mais proacuteximo e transparente Ao exemplificar o autor admite que a facilidade do acesso agraves bases de da-dos juriacutedicos e agraves informaccedilotildees fundamentais para o exerciacutecio de direitos permite o exerciacutecio de um conjunto de direitos e deveres dos cidadatildeos (SANTOS 2005 p 91)

Nesta perspectiva a informatizaccedilatildeo do processo judicial teria como um dos objetivos a promoccedilatildeo de uma justiccedila mais aacutegil ceacutelere e mais efi-ciente com o uso avanccedilado da tecnologia e disseminaccedilatildeo do computador tanto para as partes do processo quanto para o proacuteprio Poder Judiciaacuterio Entatildeo os processos ao se tornarem eletrocircnicos poderiam tornar mais aacutegil a distribuiccedilatildeo e tramitaccedilatildeo dos feitos aleacutem de ocasionar uma melhor ges-tatildeo e controle do andamento dos processos e por consequecircncia aumen-taria a produccedilatildeo de julgados (HINO CUNHA 2020 p 02)

Segundo Hino e Cunha (2020 p 09) foi a instituiccedilatildeo dos Juizados Es-peciais Federais por meio da Lei 102592001 que deu iniacutecio ao processo de informatizaccedilatildeo do Poder Judiciaacuterio Para o autor o uso da tecnologia de informaccedilatildeo ocasionou o desenvolvimento dos sistemas de comunica-ccedilatildeo dos atos processuais permitiu o envio de peticcedilotildees eletrocircnicas sem a apresentaccedilatildeo das peccedilas originais fiacutesicas propiciou a realizaccedilatildeo de sessotildees virtuais e o desenvolvimento de soluccedilotildees para suportar a instruccedilatildeo da lide

Inovaccedilotildees tecnoloacutegicas no direito uma anaacutelise da (im)possibilidade de citaccedilatildeo por aplicativos de mensagem instantacircnea nos Juizados Especiais Ciacuteveis da Bahia

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Inclusive no mesmo ano houve a legalizaccedilatildeo da assinatura digital por meio dos certificados digitais

No entanto embora a instituiccedilatildeo dos Juizados Federais tenha impor-tado uma alteraccedilatildeo no cenaacuterio brasileiro foi apenas em 2004 que houve uma grande mudanccedila no Poder Judiciaacuterio como um todo quando o Tribu-nal Regional Federal (TRF) da 4ordf Regiatildeo autorizou a substituiccedilatildeo dos seus processos fiacutesicos pelos autos eletrocircnicos Dois anos depois em 2006 a Lei nordm 11419 dispocircs sobre a informatizaccedilatildeo do processo digital e possibilitou o uso de meios eletrocircnicos na tramitaccedilatildeo de processos judiciais A partir deste ato os tribunais passaram de forma gradativa a implantar as novas accedilotildees (ALVARES 2012 apud HINO CUNHA 2020 p09)

E embora tais fatos tenham propiciado a informatizaccedilatildeo processual a independecircncia administrativa de cada tribunal ocasionou uma variedade na adoccedilatildeo dos sistemas de gerenciamento dos processos eletrocircnicos Sendo assim apenas em 2011 com uma parceria do Conselho Nacional de Justiccedila (CNJ) e da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) houve o lanccedilamento do Processo Judicial eletrocircnico (PJe) Dois anos apoacutes o CNJ determinou por meio da Resoluccedilatildeo nordm 185 que os tribunais desenvolvessem um plano e um cronograma de implantaccedilatildeo do PJe4 (HINO CUNHA 2020 p 09)

Inobstante a tentativa de padronizaccedilatildeo do CNJ a referida Resoluccedilatildeo natildeo previu a obrigatoriedade do formato do PJe o que permitiu a exis-tecircncia de outros sistemas de tramitaccedilatildeo eletrocircnica nos tribunais Assim existem diversas plataformas eletrocircnicas diferentes (e-SAJ Themis Projudi dentre outros) nos diversos oacutergatildeos do Poder Judiciaacuterio ainda que estas tenham objetivo de facilitar o acompanhamento processual dos casos (OLIVEIRA CUNHA 2020 p 14)

Todavia a estrateacutegia para melhorar a prestaccedilatildeo jurisdicional atraveacutes da tecnologia poderia ser eficaz natildeo apenas para produzir informaccedilatildeo sobre as atividades judiciais como tambeacutem mecanismo de acesso agrave Jus-ticcedila Isto porque nos processos judiciais digitais por exemplo o impacto eacute direto no tempo de tramitaccedilatildeo do processo devido ao seu formato eacute tambeacutem pelo meio digital que haacute uma maior transparecircncia e agilidade no acompanhamento dos processos Observe-se que segundo Chemin

4 Eacute interessante destacar que de acordo com Hino e Cunha (2020 p09) a partir do ano de 2015 o CNJ passou a emitir o relatoacuterio Justiccedila em Nuacutemeros com destaques acerca da produtividade avanccedilos de informatizaccedilatildeo dentre outros fatores a respeito da atuaccedilatildeo do Poder Judiciaacuterio

Amanda Leite Souza Alves bull Lucas Duailibe Maia bull Mariely Lago Vianna Nogueira

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Harley e Panter (2017) apud Oliveira e Cunha (2020 p 06) no relatoacuterio publicado pelo Banco Mundial em 2017 os resultados de reformas dos Judiciaacuterios realizados em diversos paiacuteses dentre eles o Brasil modernizou as instituiccedilotildees do sistema de Justiccedila e produziu resultados em menor tem-po e com maior impacto ao medir o desempenho das instituiccedilotildees

Ademais outra inovaccedilatildeo tecnoloacutegica que deve ser destacada eacute o uso de robocircs para captura de informaccedilotildees Tais meios registram a movimenta-ccedilatildeo processual como despachos atas de audiecircncia sentenccedilas e acoacuterdatildeos e jaacute satildeo utilizados por alguns escritoacuterios de advocacia Para tanto os robocircs se conectam aos sistemas do processo eletrocircnico ao utilizar dados vaacutelidos para o sistema ou seja em grande parte dados de um dos soacutecios dos es-critoacuterios (HINO CUNHA 2020 p 21)

Outro ponto a ser suscitado eacute a mudanccedila na atuaccedilatildeo mentalidade e produccedilatildeo dos magistrados diante da introduccedilatildeo de computadores e sistemas digitais Segundo Fernando Fontainha (2012) citado por Oliveira e Cunha (2020 p 16) tais meios tecnoloacutegicos impactaram a prestaccedilatildeo jurisdicional e levaram ao surgimento de um novo tipo de juiz o ldquojuiz-em-preendedorrdquo que tem como interesse fundamental a gestatildeo dos tribunais e cumprir as metas quantitativas impostas pelo CNJ ao inveacutes de se atentar agrave atividade para qual foi selecionado e treinado a prestaccedilatildeo jurisdicional No entanto Oliveira e Cunha (2020 p 16) apontam que

Apesar da existecircncia de processos digitais e do uso de ferramentas como protocolos eletrocircnicos e videoconferecircncias ou do aplicativo de mensagens WhatsApp para realizar intimaccedilotildees judiciais o foco estaacute na gestatildeo das atividades e natildeo no impacto que o Judiciaacuterio tem na sociedade

Diante do exposto embora a informatizaccedilatildeo tenha propiciado diver-sas mudanccedilas no cenaacuterio juriacutedico brasileiro haacute muito para se discutir acer-ca do processo e desenvolvimento de sua implantaccedilatildeo Para aleacutem de todo o contexto que representa a virtualizaccedilatildeo dos processos diante de um paiacutes dotado de desigualdades socioeconocircmicas e culturais eacute importante debater quais os meacutetodos tecnoloacutegicos e o modo como seratildeo adotados pelos operadores do Direito (SANTOS FILHO PEREIRA OLIVEIRA 2017) Isto porque no acircmbito dos Juizados Especiais se espera uma justiccedila ainda mais aacutegil ceacutelere e eficiente e o uso de certos meios para alcanccedilar esse fim pode problematizar institutos processuais presentes tanto no Coacutedigo de Processo Civil quanto na Lei 90991995 ndash que dispotildee sobre os Juizados Especiais Ciacuteveis e Criminais

Inovaccedilotildees tecnoloacutegicas no direito uma anaacutelise da (im)possibilidade de citaccedilatildeo por aplicativos de mensagem instantacircnea nos Juizados Especiais Ciacuteveis da Bahia

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Neste trabalho o intuito eacute propiciar uma reflexatildeo acerca da possibili-dade do uso das tecnologias dos aplicativos de mensagens instantacircneas em especial o WhatsApp como meio haacutebil a efetivar o ato citatoacuterio nos processos dos Juizados Especiais do Estado da Bahia Logo da anaacutelise do contexto juriacutedico brasileiro eacute perceptiacutevel a utilizaccedilatildeo destes meios nos Juizados de outros Estados para efetivar citaccedilotildees e intimaccedilotildees das partes processuais eou de seus representantes legais

3 A CITACcedilAtildeO NOS JUIZADOS ESPECIAIS CIacuteVEIS CONCEITO E MODALIDADES

A fim de investigar com mais inteireza e profundidade a problemaacuteti-ca a que este artigo se propotildee a examinar a saber a possibilidade ou natildeo da realizaccedilatildeo do ato citatoacuterio por aplicativos de mensagem instantacircnea nos Juizados Especiais Ciacuteveis da Bahia revela-se necessaacuterio preliminar-mente compreender determinadas premissas acerca do instituto da cita-ccedilatildeo Para tanto passa-se sem mais delongas ao exame do conceito e das modalidades do referido ato processual

A citaccedilatildeo conforme se extrai do art 238 do CPC155 eacute o ato proces-sual de comunicaccedilatildeo pelo qual satildeo convocados o reacuteu o executado ou o interessado para integrar a relaccedilatildeo processual

Agrave vista de tal conceito cumpre destacar sob o prisma da Constituiccedilatildeo Federal mais especificamente do art 5ordm LV da CF886 que a citaccedilatildeo tem a importante incumbecircncia de iniciar o momento no qual o requerido pode-raacute exercer seu direito ao contraditoacuterio e agrave ampla defesa

Aleacutem desta o professor Fredie Didier (2016 p 615) a partir de uma visatildeo mais procedimental aponta que o referido ato apresenta uma dupla funccedilatildeo sendo estas as seguintes ldquoa) in ius vacatio convocar o sujeito a juiacutezo b) edictio actionis cientificar-lhe do teor da demandardquo

Nesse diapasatildeo cumpre ressaltar que apesar de o aludido doutri-nador e o proacuteprio dispositivo infraconstitucional supramencionado se utilizarem do verbo ldquoconvocarrdquo tal expressatildeo natildeo se demonstra como a

5 Art 238 do CPC15 ldquoCitaccedilatildeo eacute o ato pelo qual satildeo convocados o reacuteu o executado ou o interessado para integrar a relaccedilatildeo processualrdquo

6 Art 5ordm LV da CF ldquoaos litigantes em processo judicial ou administrativo e aos acu-sados em geral satildeo assegurados o contraditoacuterio e ampla defesa com os meios e recursos a ela inerentesrdquo

Amanda Leite Souza Alves bull Lucas Duailibe Maia bull Mariely Lago Vianna Nogueira

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mais adequada uma vez que a citaccedilatildeo natildeo convoca o demandado tendo em vista que natildeo depende de sua vontade mas sim o integra de forma automaacutetica e coercitiva a relaccedilatildeo juriacutedica processual (NEVES 2018 p411)

Assim sendo se infere ser mais adequado o conceito ensinado por Alexandre de Freitas Cacircmara (2017 p129) o qual a ldquocitaccedilatildeo eacute pois o ato pelo qual algueacutem eacute convocado a integrar um processo dele se tornando parte independentemente de sua vontaderdquo

Ademais jaacute quanto agraves modalidades de ato citatoacuterio se depreende a partir da leitura dos incisos do art 18 da Lei nordm 909995 que a citaccedilatildeo po-deraacute ser efetuada no acircmbito dos Juizados Especiais Ciacuteveis de trecircs formas sendo estas as seguintes

I ndash por correspondecircncia com aviso de recebimento em matildeo proacutepria II ndash tratando-se de pessoa juriacutedica ou firma individual mediante en-trega ao encarregado da recepccedilatildeo que seraacute obrigatoriamente iden-tificado III ndash sendo necessaacuterio por oficial de justiccedila independente-mente de mandado ou carta precatoacuteria

Nesse contexto se observa que a referida legislaccedilatildeo permite a uti-lizaccedilatildeo de quase todas as modalidades de atos citatoacuterios previstos no art 2467 do Coacutedigo de Processo Civil salvo a citaccedilatildeo por edital a qual eacute expressamente vedada pelo sect 2ordm do referido artigo8 no contexto dos juizados

A respeito desta vedaccedilatildeo Flaacutevio Oliacutempio de Azevedo (2013) bem explica que o legislador infraconstitucional optou por esse oacutebice porque esta modalidade ao se revelar muito custosa complexa e demorada vio-lava diversos princiacutepios inerentes aos Juizados Especiais sobretudo os da simplicidade informalidade e celeridade estabelecidos no art 2ordm da Lei dos Juizados Especiais9

7 Art 246 do CPC ldquoA citaccedilatildeo seraacute feita I ndash pelo correio II ndash por oficial de justiccedila III ndash pelo escrivatildeo ou chefe de secretaria se o citando comparecer em cartoacuterio IV ndash por edital V ndash por meio eletrocircnico conforme regulado em leirdquo

8 Art 18 sect 2ordm da Lei nordm 909995 ldquoNatildeo se faraacute citaccedilatildeo por editalrdquo

9 Art 2ordm da Lei nordm 909995 ldquoArt 2ordm O processo orientar-se-aacute pelos criteacuterios da orali-dade simplicidade informalidade economia processual e celeridade buscando sempre que possiacutevel a conciliaccedilatildeo ou a transaccedilatildeordquo

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Nessa seara caso haja a necessidade de realizar uma citaccedilatildeo por edi-tal em um processo que tramita no juizado os autos devem ser enviados ao distribuidor para que accedilatildeo seja distribuiacuteda a uma das varas comuns

Esse eacute o entendimento que se extrai da jurisprudecircncia paacutetria

EMENTA CONFLITO DE COMPETEcircNCIA ndash ACcedilAtildeO DECLARATOacuteRIA ndash CI-TACcedilAtildeO POR EDITAL ndash IMPOSSIBILIDADE NO JUIZADO ESPECIAL ndash COMPETEcircNCIA DO JUIacuteZO COMUM ldquoA Lei nordm 909995 prevecirc ex-pressamente que natildeo se admite a citaccedilatildeo por edital no acircmbi-to dos juizados especiais Havendo necessidade de citaccedilatildeo por edital a competecircncia seraacute da Justiccedila Comum (TJMG ndash Conflito de Competecircncia 1000019134327-6000 Relator (a) Des(a) Kildare Carvalho 4ordf CAcircMARA CIacuteVEL julgamento em 14052020 publicaccedilatildeo da suacutemula em 15052020) (grifo nosso)

Ainda acerca desta temaacutetica cumpre pontuar que parte minoritaacuteria da doutrina como Ricardo Cunha Chimenti (2012 p165) adverte que tal vedaccedilatildeo natildeo eacute absoluta uma vez que a partir do teor do art 53 sect 4ordm da referida lei10 se constata que eacute possiacutevel a feitura do ato citatoacuterio ao proces-so de execuccedilatildeo que tramitem nos juizados

Esse tambeacutem eacute a compreensatildeo que se retira do Enunciado 37 do FO-NAJE o qual afirma que

Em exegese ao art 53 sect 4ordm da Lei 909995 natildeo se aplica ao pro-cesso de execuccedilatildeo o disposto no art 18 sect 2ordm da referida lei sen-do autorizados o arresto e a citaccedilatildeo editaliacutecia quando natildeo encon-trado o devedor observados no que couber os arts 653 e 654 do Coacutedigo de Processo Civil (grifo nosso)

Aleacutem do mais ainda se nota a partir do jaacute mencionado inciso III do art18 da Lei nordm 909995 que a citaccedilatildeo por oficial de justiccedila existente no CPC eacute adaptada para a realidade dos juizados especiais de modo a dis-pensar algumas de suas formalidades11 com vistas agrave concretizaccedilatildeo espe-cialmente do princiacutepio da informalidade que se faz um dos norteadores do sistema em comento

10 Art 53 sect 4ordm da Lei nordm 909995 ldquo4ordm Natildeo encontrado o devedor ou inexistindo bens penhoraacuteveis o processo seraacute imediatamente extinto devolvendo-se os documentos ao autorrdquo

11 Flaacutevio Oliacutempio de Azevedo (2013) afirma que haacute por exemplo a dispensa da neces-sidade de mandado ou de carta precatoacuteria para a citaccedilatildeo por oficial de justiccedila nos juizados

Amanda Leite Souza Alves bull Lucas Duailibe Maia bull Mariely Lago Vianna Nogueira

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Por fim cabe destacar que o sect 3ordm do art 18 da Lei dos Juizados12 ado-ta regra idecircntica agrave contida no art 239 sect 1ordm do CPC13 na qual se estabelece que o comparecimento espontacircneo da pessoa do citando supre eventual falta ou nulidade da citaccedilatildeo de forma a se privilegiar desta forma o prin-ciacutepio da economia processual

4 A REALIZACcedilAtildeO DE CITACcedilAtildeO POR APLICATIVO DE MENSA-GENS INSTANTAcircNEAS UMA ANAacuteLISE DE SUA (IM)POSSIBI-LIDADE NO AcircMBITO DOS JUIZADOS ESPECIAIS CIacuteVEIS DA BAHIA

Conforme explicitado anteriormente o sistema processual brasileiro tem passado nas uacuteltimas deacutecadas pelo importante processo de informa-tizaccedilatildeo destacando-se como modificaccedilatildeo propulsora a tramitaccedilatildeo das accedilotildees judiciais por meio eletrocircnico indistintamente nas aacutereas ciacutevel penal e trabalhista nos Juizados Especiais e em qualquer grau de jurisdiccedilatildeo

Em decorrecircncia do grande avanccedilo tecnoloacutegico nos meios de comu-nicaccedilatildeo da popularizaccedilatildeo de alguns destes em especial os aplicativos de mensagens instantacircneas e da incessante busca pela celeridade proces-sual alguns operadores do Direito como magistrados e advogados tecircm defendido a possibilidade de que a comunicaccedilatildeo eletrocircnica dos atos de intimaccedilatildeo e citaccedilatildeo judiciais seja realizada atraveacutes desse meio digital al-ternativo sempre que possiacutevel Esse posicionamento eacute mais veemente no acircmbito dos Juizados Especiais tendo em vista os princiacutepios regentes da simplicidade informalidade economia processual e celeridade previstos no art 2ordm da lei 90991995

A comunicaccedilatildeo dos atos eletrocircnicos eacute regulamentada pela Lei nordm 114192006 a qual dispotildee sobre a informatizaccedilatildeo do processo judicial es-tabelecendo portanto paracircmetros que validam tanto os atos de comuni-caccedilatildeo quanto agrave transmissatildeo de peccedilas processuais e a tramitaccedilatildeo das accedilotildees judiciais O art 9ordm da lei 1141906 prevecirc que ldquono processo eletrocircnico todas as citaccedilotildees intimaccedilotildees e notificaccedilotildees inclusive da Fazenda Puacuteblica seratildeo feitas por meio eletrocircnico na forma desta Leirdquo ressaltando em seu

12 Art18 sect 3ordm da Lei nordm 909995 ldquoO comparecimento espontacircneo supriraacute a falta ou nulidade da citaccedilatildeordquo

13 Art 239 sect 1ordm do CPC15 ldquo sect 1ordm O comparecimento espontacircneo do reacuteu ou do execu-tado supre a falta ou a nulidade da citaccedilatildeo fluindo a partir desta data o prazo para apresentaccedilatildeo de contestaccedilatildeo ou de embargos agrave execuccedilatildeordquo

Inovaccedilotildees tecnoloacutegicas no direito uma anaacutelise da (im)possibilidade de citaccedilatildeo por aplicativos de mensagem instantacircnea nos Juizados Especiais Ciacuteveis da Bahia

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sect 1ordm que ldquoas citaccedilotildees intimaccedilotildees notificaccedilotildees e remessas que viabilizem o acesso agrave iacutentegra do processo correspondente seratildeo consideradas vista pessoal do interessado para todos os efeitos legaisrdquo

Embora natildeo se tenha a previsatildeo expressa sobre a possibilidade de in-timaccedilatildeo ou citaccedilatildeo por aplicativo de mensagem instantacircnea como desta-cado acima haacute magistrados que defendem e se utilizam dessa ferramenta para realizar atos de comunicaccedilatildeo processual Nesse sentido o Conselho Nacional de Justiccedila (CNJ) no ano de 2017 julgou procedente o Procedi-mento de Controle Administrativo (PCA) 0003251-9420162000000 no qual o requerente Gabriel Consigliero Lessa14 juiz de direito da comarca de PiracanjubaGoiaacutes pleiteou a ratificaccedilatildeo integral da Portaria Conjunta nordm 012015 do Juizado Especial Ciacutevel e Criminal da Comarca de Piracan-jubaGO e da Ordem dos Advogados do Brasil apoacutes o Tribunal de Justiccedila de Goiaacutes por meio de sua Corregedoria ter proibido o uso do WhatsApp como ferramenta de comunicaccedilatildeo dos atos processuais A conselheira Dal-dice Santana relatora do referido PCA em seu voto ressaltou que tanto os princiacutepios orientadores dos Juizados quanto a sua competecircncia de con-ciliar processar e julgar causas de menor complexidade satildeo pilares que visam ldquoampliar o acesso agrave justiccedila garantindo a prestaccedilatildeo jurisdicional ade-quada efetiva e tempestiva para o tratamento do conflito apresentadordquo

Natildeo obstante o entendimento do CNJ ser direcionado para a pos-sibilidade de intimaccedilatildeo das partes por meio de aplicativo de mensagem instantacircnea e desde que haja anuecircncia preacutevia de ambas conforme os termos da Portaria Conjunta nordm 012015 acima citada a juiacuteza Deborah Ca-valcante de Oliveira Salomatildeo Guarines em 2017 agrave eacutepoca titular da 2ordf Vara da Comarca de Maranguape no Cearaacute deferiu o pleito da parte autora para proceder agrave citaccedilatildeo da parte reacute por meio de telefone ou pelo uso do aplicativo de WhatsApp

De acordo com as informaccedilotildees fornecidas no portal do Tribunal de Justiccedila do Cearaacute a magistrada defende que a citaccedilatildeo pode ser realizada por qualquer meio de comunicaccedilatildeo idocircneo atraveacutes do oficial de justiccedila o qual eacute dotado de feacute puacuteblica com fulcro na previsatildeo do art 13 sect 2ordm da Lei 90999515 Frisa-se que neste caso houve anteriormente ao menos duas

14 O magistrado Gabriel Consigliero Lessa foi homenageado na ediccedilatildeo XII do Precircmio Innovare 2015 em virtude da implementaccedilatildeo da praacutetica de intimaccedilatildeo eletrocircnica via plataforma Whatsapp

15 Art 13 sect 3ordm A praacutetica de atos processuais em outras comarcas poderaacute ser solicitada por qualquer meio idocircneo de comunicaccedilatildeo

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tentativas de citaccedilatildeo presencial por oficial de justiccedila mas todas frustradas em decorrecircncia do desconhecimento do endereccedilo atual da demandada sendo a uacutenica certeza da demandante o nuacutemero de telefone daquela

Ao discorrer sobre a citaccedilatildeo eletrocircnica Neves (2018 p 643) pondera que ldquosendo a citaccedilatildeo ato essencial para a efetivaccedilatildeo dos princiacutepios cons-titucionais da ampla defesa e contraditoacuterio o endereccedilo eletrocircnico tem de ser informado pelo demandadordquo Nesse sentido por analogia questiona--se sobre a possiacutevel falta de seguranccedila juriacutedica aos envolvidos na accedilatildeo pois pode haver casos em que natildeo eacute possiacutevel saber se o nuacutemero telefocircnico fornecido pela parte autora realmente pertence a parte demandante ou caso pertenccedila se vai haver a efetiva entrega e leitura da citaccedilatildeo tendo em vista que haacute configuraccedilotildees dos aplicativos de mensagem instantacircnea que ocultam informaccedilotildees como ldquovisto por uacuteltimordquo ldquomensagem recebidardquo e ldquomensagem lidardquo

Ademais destacam-se as hipoacuteteses de se o demandado possui ou natildeo um smartphone16 se tem acesso ou natildeo agrave internet se tem o apli-cativo de mensagem instantacircnea instalado com boa funcionalidade e alguma periodicidade de acesso e leitura de mensagens De acordo com a reportagem de Rodrigo Loureiro publicada no portal eletrocircnico Exame uma pesquisa organizada em conjunto pelo Mobile Time Opinion Box e Infopib no ano de 2019 concluiu que o aplicativo WhatsApp era utilizado por 98 dos entrevistados o que significou um aumento de 1 em rela-ccedilatildeo aos resultados registrados no ano de 2018 Enquanto que os dados co-letados pela pesquisa Panorama Mobile Time Opinion Box ndash Mensageria no Brasil de 2020 os quais foram analisados pelo jornalista Fernando Pai-va mostram que 97 dos 2046 internautas17 entrevistados afirmaram que

16 Smartphone eacute um termo em inglecircs que significa em traduccedilatildeo livre telefone inte-ligente Utiliza-se esse vocaacutebulo para referir-se a modelos de celulares com tecno-logias avanccediladas os quais possibilitam que aplicativos sejam executados em um sistema operacional semelhante aos computadores

17 Nesta ediccedilatildeo foram entrevistados 2046 brasileiros com mais de 16 anos de idade que acessam a Internet e possuem celular respeitando as proporccedilotildees de gecircnero idade renda mensal e distribuiccedilatildeo geograacutefica desse grupo As entrevistas foram feitas on-line entre 7 e 28 de julho de 2020 Esta pesquisa tem validade estatiacutestica com margem de erro de 22 pontos percentuais e grau de confianccedila de 95 (PANORAMA 2020)

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possuiacuteam smartphones e 9918 deles utilizavam o aplicativo WhatsApp enquanto que 9519 afirmaram acessaacute-lo todos os dias

Natildeo obstante o nuacutemero de internautas entrevistados neste ano este montante representa pequena parte da populaccedilatildeo brasileira passiacutevel de compor uma lide judicial Os dados coletados refletem uma realidade so-cial facilmente constatada no cotidiano de muitos municiacutepios brasileiros qual seja o crescente nuacutemero de pessoas que possuem smartphones com acesso agrave internet seja ela moacutevel ou por Wi-Fi20 e com algum aplicativo de mensagem instantacircnea instalado com ecircnfase para o WhatsApp

Nesse diapasatildeo depreende-se que a possibilidade de implementa-ccedilatildeo de novas ferramentas digitais que possibilitem aos oficiais de justiccedila a realizaccedilatildeo do ato de citaccedilatildeo de modo mais ceacutelere e simplificado com reduccedilatildeo de custos e tempo morto do processo eacute uma realidade latente e que atenderaacute aos anseios sociais atuais Para tanto eacute imprescindiacutevel a ediccedilatildeo de regulamentaccedilatildeo preacutevia que garanta seguranccedila juriacutedica a todos os envolvidos

5 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS

Diante deste contexto tecnoloacutegico diversos aspectos positivos e ne-gativos podem ser destacados a partir da informatizaccedilatildeo do processo judicial Dentre os aspectos positivos pode se destacar a maior produtivi-dade acesso agrave informaccedilatildeo celeridade transparecircncia reduccedilatildeo de gastos preservaccedilatildeo do meio ambiente dentre outros Por outro lado os aspectos negativos estariam pautados na falta de padronizaccedilatildeo da informaccedilatildeo dificuldade de localizaccedilatildeo da informaccedilatildeo e de visualizaccedilatildeo da informaccedilatildeo dependecircncia de infraestrutura interna e externa e indisponibilidade den-tre outros fatores (HINO CUNHA 2020 p 15-24)

Embora a virtualizaccedilatildeo do processo seja objeto de criacuteticas sejam elas positivas ou negativas eacute indubitaacutevel a ascensatildeo da busca por meios alter-nativos no meio judicial Neste artigo em especial tratou-se dos meios

18 Universo de 1983 internautas que possuem smartphone

19 Universo de 1969 internautas que tecircm o WhatsApp instalado em seu smartphone

20 Wi-Fi eacute um termo em inglecircs que corresponde agrave forma abreviada de Wireless Fidelity ou fidelidade sem fio (traduccedilatildeo para o portuguecircs) que eacute um tipo de tecnologia a qual permite a conexatildeo sem fio entre vaacuterios dispositivos diferentes normalmente utilizado para o compartilhamento de internet

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alternativos para proceder agrave comunicaccedilatildeo dos atos processuais agraves partes uma vez que diante do cenaacuterio de avanccedilo tecnoloacutegico e de distanciamen-to social em virtude da Pandemia COVID-19 o uso dos aplicativos de men-sagem instantacircnea pode se tornar uma realidade progressiva no acircmbito dos Juizados Especiais

Da anaacutelise do exposto eacute perceptiacutevel que a comunicaccedilatildeo por meio eletrocircnico natildeo eacute algo tatildeo recente tendo em vista a regulamentaccedilatildeo da informatizaccedilatildeo do processo desde 2006 ou seja antes mesmo da vivecircncia da pandemia supracitada No entanto eacute a busca pelo uso do WhatsApp para proceder a comunicaccedilatildeo dos atos processuais que tem se mostrado cada vez mais presente e se relacionado com as necessidades dispostas pelo momento atual Isto se justifica ante a inter-relaccedilatildeo do ato requerido com os princiacutepios norteadores dos Juizados Especiais em especial o da celeridade e da simplicidade bem como pelas regras impostas pelas Leis 9009995 e 1141906

No ordenamento juriacutedico brasileiro eacute possiacutevel observar que esta ino-vaccedilatildeo com o passar dos anos tem tido uma melhor aceitaccedilatildeo pelos tri-bunais e juristas quando diz respeito agrave intimaccedilatildeo No entanto haacute muita divergecircncia e inseguranccedila quando se refere agrave citaccedilatildeo pois este eacute um ato cujo objetivo eacute integrar o Reacuteu ao processo e se mostra essencial para es-tabelecer a relaccedilatildeo processual e dar continuidade agrave accedilatildeo

Embora haja divergecircncia acerca do uso do aplicativo pode se tornar latente a necessidade do Poder Judiciaacuterio aderir agraves novas tecnologias para acompanhar as demandas sociais aperfeiccediloar a prestaccedilatildeo jurisdicional e promover o acesso agrave justiccedila Assim ainda que natildeo haja concordacircncia para utilizar o WhatsApp seja para intimaccedilatildeo ou citaccedilatildeo caso o Tribunal de Justiccedila do Estado da Bahia resolva se utilizar deste meio no acircmbito dos Juizados Especiais eacute imprescindiacutevel a existecircncia de uma regulamentaccedilatildeo para o ato

A essencialidade de se normatizar a utilizaccedilatildeo do aplicativo eacute justifi-caacutevel para padronizar a atuaccedilatildeo do Tribunal e garantir a seguranccedila juriacutedica na atividade de prestaccedilatildeo jurisdicional do Poder Judiciaacuterio Deste modo o uso desta tecnologia agrave revelia dos operadores do direito sem o devido cuidado ou seguimento de normas norteadoras pode se tornar prejudicial tanto ao acesso agrave justiccedila quanto ao devido processo legal ante agrave impos-sibilidade da plataforma garantir por si soacute a idoneidade da comunicaccedilatildeo entre o Estado e as partes

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REFEREcircNCIASAZEVEDO Flaacutevio Olimpio de Lei de Juizados Especiais comentada (909995) 2013 Dis-

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________Tribunal de Justiccedila de Minas Gerais Conflito de Competecircncia 1000019134327-6000 Relator (a) Des(a) Kildare Carvalho 4ordf CAcircMARA CIacuteVEL julgamento em 14052020 DJ 15 mai 2020 Disponiacutevel em lthttpstj-mgjusbrasilcombrjurispru-dencia845946759conflito-de-competencia-cc-10000191343276000-mggt Acesso em 15 nov 2020

CHIMENTI Ricardo Cunha Teoria e Praacutetica dos Juizados Especiais Ciacuteveis Estaduais e Federais 13 ed Satildeo Paulo Editora Saraiva 2012

DIDIER JR Fredie Curso de Direito Processual Civil introduccedilatildeo ao direito processual parte geral e processo de conhecimento 18 ed Salvador Ed JusPodivm 2016

ENUNCIADOS CIacuteVEIS Foacuterum Nacional dos Juizados Especiais Disponiacutevel em lthttpfonajeambcombrenunciadosgt Acesso em 15 de nov 2020

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HINO Marcia Cassitas CUNHA Maria Alexandra Adoccedilatildeo de tecnologias na perspectiva de profissionais de direito Revista Direito GV Satildeo Paulo 16 n01 e1952 2020 Dispo-niacutevel em lt httpdxdoiorg 1015902317-6172201952 gt Acesso em 14 nov 2020

INNOVARE Intimaccedilatildeo eletrocircnica via plataforma Whatsapp Instituto Innovare 2015 Dis-poniacutevel em lt httpswwwpremioinnovarecombrpraticaslintimacao-eletronica--via-plataforma-whathsapp-20150514210419976117 gt Aceso em 14 nov 2020

JUIacuteZA DE MARANGUAPE AUTORIZA CITACcedilAtildeO POR TELEFONE OU WHATSAPP Tribunal de Justiccedila do Cearaacute 2017 Disponiacutevel em lthttpswwwtjcejusbrnoticiasjuiza-de--maranguape-autoriza-citacao-por-telefone-ou-whatsappgt Acesso em 14 nov 2020

LOUREIRO Rodrigo Pesquisa revela os aplicativos de mensagem mais utilizados no Brasil Exame 2019 Disponiacutevel em lt httpsexamecomtecnologiapesquisa-revela-os--aplicativos-de-mensagens-mais-utilizados-no-brasil gt Acesso em 14 nov 2020

NEVES Daniel Amorim Assumpccedilatildeo Novo Coacutedigo de Processo Civil Comentado 3ordm ed Salvador Ed JusPodivm 2018

O QUE Eacute SMARTPHONE Significados 2013 Disponiacutevel em lthttpswwwsignificadoscombrsmartphonegt Acesso em 16 nov 2020

OLIVEIRA Fabiana Luci de CUNHA Luciana Gross Os indicadores sobre o judiciaacuterio bra-sileiro limitaccedilotildees desafios e o uso da tecnologia Revista Direito GV Satildeo Paulo v16 nordm 01 e1948 2020 p Disponiacutevellt httpsdoiorg1015902317-6172201948gt Acesso em 13 nov 2020

PAIVA Fernando Panorama Mobile Time Opinion Box ndash Mensageria no Brasil Panorama Mobile Time 2020 Disponiacutevel em lthttpspanoramamobiletimecombrpesquisa--mensageria-no-brasil-agosto-de-2020gt Acesso em 15 nov 2020

SIGNIFICADO DE WIFI Meus Dicionaacuterios 2016 Disponiacutevel em lt httpswwwmeusdicio-narioscombrwi-figt Acesso em 15 nov 2020

SANTOS FILHO Itamar da Silva PEREIRA Antonio de Paacutedua C OLIVEIRA Maxwell Brito O processo judicial eletrocircnico e o acesso agrave justiccedila Revista da Escola Judiciaacuteria do Piauiacute Piauiacute v 1 nordm 1 (2017) Disponiacutevel em httpwwwtjpijusbrrevistaejudindexphpescolajudiciariapiauiarticleview36gt Acesso em 13 nov 2020

SANTOS Boaventura de Sousa Os tribunais e as novas tecnologias de comunicaccedilatildeo e de informaccedilatildeo Sociologias Porto Alegre ano 7 n13 janjun 2005 p 82-109 Dis-poniacutevel emlthttpwwwboaventuradesousasantosptmediaTribunais20e20novas20tecnologias_Sociologias_2005(1)pdfgt Acesso em 13 nov 2020

WHATSAPP PODE SER USADO PARA INTIMACcedilOtildeES JUDICIAIS Conselho Nacional de Justi-ccedila 2017 Disponiacutevel em lt httpswwwcnjjusbrwhatsapp-pode-ser-usado-para-in-timacoes-judiciais gt Acesso em 14 nov 2020

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Direito fundamental agrave saude e ativismo judicial uma anaacutelise da jurisprudecircncia

do Supremo Tribunal Federal

1 Poacutes-Doutoranda em Direito Puacuteblico pela Universidade Federal da Bahia Doutora em Direito pela Universidade Federal da Bahia Mestra em Novos Direitos pela Universi-dade Federal da Bahia Mestra em Famiacutelia na Sociedade Contemporacircnea pela Uni-versidade Catoacutelica do Salvador Poacutes-graduada em Civil e Processo Civil da Faculdade Baiana de Direito Poacutes-graduada em Relaccedilotildees Familiares e Contextos Sociais pela UCSAL Poacutes-graduada em Direito Canocircnico pala UCSal Poacutes-graduada em Atividade Judicante pela EMABUFBA Juiacuteza Formadora Tutora e Conteudista na Escola Nacio-nal de Formaccedilatildeo e Aperfeiccediloamento de Magistrados (ENFAM) Tutora e Conteudista da Escola Nacional de Magistrados (ENM) Formadora na Unicorp Tutora do Centro de Apoio agrave Magistratura Brasileira COVID 19 da ENFAM na temaacutetica Litigiosidade recorrente e sistema multiportas Atualmente exerce funccedilatildeo judicante na 6a Turma Recursal da Fazenda Puacuteblica em Salvador

2 Especialista em Direito Constitucional e Administrativo pela Escola Paulista de Di-reito Especialista em Ciecircncias Criminais pela Universidade Cacircndido Mendes Poacutes--graduanda em Direito Processual Civil pela Universidade Cacircndido Mendes Poacutes-gra-duanda em Direito Civil pela Escola Paulista de Direito Graduada em Direito pela Universidade Federal da Bahia

Ana Conceiccedilatildeo Barbuda Sanches Guimaratildees Ferreira1

Ana Baacuterbara Barbuda Ferreira Motta2

Resumo Os direitos fundamentais satildeo aqueles direitos essenciais a todo e qualquer indiviacuteduo decorrentes da dignidade da pessoa huma-na e protegidos constitucionalmente A doutrina classifica tais direitos em dimensotildees e ainda em status de direitos fundamentais No neo-constitucionalismo os direitos fundamentais ocupam posiccedilatildeo de gran-de relevacircncia irradiando a sua forccedila para todo o ordenamento juriacutedico O direito agrave sauacutede eacute considerado um direito fundamental de segunda dimensatildeo devendo portanto ser garantido atraveacutes de uma postura ativa do Estado com prestaccedilotildees positivas Neste ponto reside o debate acerca do papel do Judiciaacuterio na efetivaccedilatildeo desse direito com enfoque para a anaacutelise acerca do ativismo judicial e da autocontenccedilatildeo Para tan-to busca-se analisar a jurisprudecircncia do Supremo Tribunal Federal e os contornos de suas decisotildees envolvendo o direito fundamental agrave sauacutede

Palavras-chave Direitos fundamentais neoconstitucionalismo direito agrave sauacutede ativismo judicial jurisprudecircncia do STF

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1 INTRODUCcedilAtildeO

O direito agrave sauacutede sob a perspectiva da teoria geral dos direitos fun-damentais eacute considerado direito de segunda dimensatildeo de modo que se exige do Estado para sua concretizaccedilatildeo natildeo apenas um comportamento de abstenccedilatildeo e respeito mas sobretudo uma postura ativa e diligente que possa proporcionar a sua efetivaccedilatildeo para todos indiviacuteduos Nesse sentido ganha destaque a atuaccedilatildeo do Judiciaacuterio na efetivaccedilatildeo desse direito visto que de um lado integra o chamado ldquomiacutenimo existencialrdquo e de outro lado a teoria da ldquoreserva do possiacutevelrdquo passa a ser sustentada por atores estatais

Todo esse debate relaciona-se com o papel do Judiciaacuterio na consoli-daccedilatildeo de direitos fundamentais aflorando a discussatildeo acerca do ativismo judicial A jurisprudecircncia sobretudo do Supremo Tribunal Federal que em muito orienta a atuaccedilatildeo dos magistrados tem estabelecido alguns paracirc-metros acerca de casos relacionados ao direito agrave sauacutede Nesse sentido nos Juizados de Fazenda Puacuteblica casos relacionados a este direito fundamen-tal passam a ocupar lugar de destaque havendo um acreacutescimo expressivo nos uacuteltimos tempos notadamente com a pandemia instalada no nosso paiacutes desde marccedilo de 2020

Para a compreensatildeo do tema eacute basilar compreender qual a posiccedilatildeo desse direito no nosso ordenamento juriacutedico como direitos fundamentais garantidos constitucionalmente bem como perceber quais os debates que cercam a atuaccedilatildeo do Poder Judiciaacuterio na concretizaccedilatildeo desses direitos agrave todas as pessoas

2 NOCcedilOtildeES GERAIS SOBRE OS DIREITOS FUNDAMENTAIS

Inicialmente considerando a natureza juriacutedica do direito agrave sauacutede como um direito fundamental eacute preciso compreender o que satildeo tais di-reitos sua posiccedilatildeo central dentro do atual modelo de constitucionalismo vivido bem como suas principais caracteriacutesticas

21 ANAacuteLISE DA ORIGEM E PRINCIPAIS CARACTERIacuteSTICAS DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS

A fim de compreender o significado do referido termo ldquodireitos fun-damentaisrdquo eacute de grande relevacircncia notar a origem da nomenclaturaoO primeiro uso da expressatildeo ldquodireitos fundamentaisrdquo surgiu na Franccedila du-rante o movimento poliacutetico e cultural que culminou na Declaraccedilatildeo Univer-sal dos Direitos do Homem e do Cidadatildeo (NOVELINO 2017)

Ana Conceiccedilatildeo Barbuda Sanches Guimaratildees Ferreira bull Ana Baacuterbara Barbuda Ferreira Motta

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Sob o ponto de vista material os termos ldquodireitos humanosrdquo e de ldquodireitos fundamentaisrdquo possuem equivalente conteuacutedo pois se referem a um conjunto de normas que objetivam proteger os bens juriacutedicos mais sensiacuteveis no plano da proteccedilatildeo da dignidade humana Contudo eacute preciso esclarecer que inexiste um entendimento uniforme acerca da diferenccedila dos termos conforme entende Marcelo Novelino (2017 p 277)

ldquoApesar da inexistecircncia de um consenso a distinccedilatildeo mais usual da doutrina brasileira eacute no sentido de que ambos com o objetivo de proteger e promover a dignidade da pessoa humana abrangem di-reitos relacionados a liberdade e a igualdade mas positivados em planos distintos Enquanto os direitos humanos se encontram consa-grados nos tratados e convenccedilotildees internacionais (plano internacio-nal) os direitos fundamentais satildeo os direitos humanos consagrados e positivados na Constituiccedilatildeo de cada paiacutes (plano interno) podendo o seu conteuacutedo e conformaccedilatildeo variar de acordo com cada paiacutesrdquo

Norberto Bobbio (2004) sobre o tema diz que eacute necessaacuterio reconhe-cer que os Direitos domHomem estatildeo na base das Constituiccedilotildees Demo-craacuteticas modernas sendo a paz um pressuposto necessaacuterio para a efetiva proteccedilatildeo dos direitos dos homens em cada Estado e no sistema inter-nacional Considerando que os direitos fundamentais satildeo os direitos ati-nentes a todas os homens de modo a garantir a dignidade da pessoa humana percebe-se que a referida classe de direitos tem caracteriacutesticas em comum Neste sentido todas as caracteriacutesticas a seguir apresentadas qualificam todos os direitos fundamentais inclusive o direito agrave sauacutede Ini-cialmente tais direito satildeo universais conforme explica Marcelo Novelino (2017 p 281)

ldquoA existecircncia de um nuacutecleo miacutenimo de proteccedilatildeo a dignidade deve estar presente em qualquer sociedade ainda que os aspectos cultu-rais devam ser respeitados Por isso a validade universal natildeo significa uniformidade Conforme observa Konrad Hesse (2001) o conteuacutedo concreto e a significaccedilatildeo dos direitos fundamentais para um Estado dependem de numerosos fatores extrajuriacutedicos especialmente de idiossincrasia da cultura e da histoacuteria dos povosrdquo

Ainda como caracteriacutestica de tais direitos tem-se a historicidade ou seja esses direitos surgem e se desenvolvem ao longo da histoacuteria haven-do portanto a possibilidade de alteraccedilatildeo do seu sentido e conteuacutedo Esta caracteriacutestica afasta a fundamentaccedilatildeo jusnaturalista a tais direitos (NOVE-LINO 2017 p 281) Tambeacutem satildeo inalienaacuteveis imprescritiacuteveis e irrenun-ciaacuteveis Deste modo o natildeo exerciacutecio natildeo significaarenuacutencia ePercebe-se

Direito fundamental agrave saude e ativismo judicial uma anaacutelise da jurisprudecircncia do Supremo Tribunal Federal

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que os direitos fundamentais possuem peculiaridades que os tornam es-senciais em nosso ordenamento juriacutedico estando relacionadossa valores atinentes a preservaccedilatildeo da dignidade da pessoa humana em todos os seus acircmbitos

22 DIMENSOtildeES E STATUS DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS

Ao se voltar ao passado vecirc-se que os direitos fundamentais satildeo con-quistados cada qual ao seu tempo por motivos variados pois estes re-velam a vida em sociedade Assim ldquoos direitos natildeo nascem todos de uma vezrdquo [] nascem quando devem ou podem nascerrdquo (BOBBIO 2004 p 6) Para Bobbio os direitos satildeo frutos da histoacuteria que caminha e por isto po-dem estes direitos ser identificados a partir da geraccedilatildeo em que foram reconhecidos Assim tambeacute discorre Dirley da Cunha Junior ao argumen-tar que estas geraccedilotildees dos direitos ldquorevelam a ordem cronoloacutegica do re-conhecimento e afirmaccedilatildeo dos direitos fundamentais que se proclamam gradualmente na proporccedilatildeo das carecircncias do ser humano nascidas em funccedilatildeo da mudanccedila das condiccedilotildees sociaisrdquo (CUNHA JR 2012 p 596)

Afirma Bobbio (2004 p 7) que ldquonum primeiro momento afirmaram--se os direitos de liberdaderdquo Estes satildeo os direitos de primeira geraccedilatildeo que nascem com o seacuteculo XVII eNesta dimensatildeo se identificam os direitos de natureza civis e poliacuteticos tendo sidooopostos contra o Estado eztrazem a defesasdas Liberdades Fatos histoacutericos estatildeo referendados na Consti-tuiccedilatildeo Americana e da Declaraccedilatildeo dos Direitos do Homem e do Cidadatildeo

Os direitos sociais culturais previdenciaacuterios econocircmicos coletivos vatildeo se constituir na segunda geraccedilatildeo dos direitos Clamam por uma igual-dade coletiva que instaure o Estado do Bem-Estar social do Seacuteculo XX Eles satildeo consequecircnciaeda derrocada do Estado Liberal e verificam que o Estado tem de oportunizar ldquodireitos poliacuteticos os quais ndash concebendo a liberdade natildeo apenas negativamente como natildeo impedimento mas positivamente como autonomiardquo (BOBBIO 2004 p 32) O cunho ideoloacute-gico nasceu com a Constituiccedilatildeo Mexicana de 1917 e a Lei Fundamental de Weimar em 191 na Alemanha Como se vecirc assume um novo papel o Estado a quem caberaacute tambeacutem assegurar a igualdade entre as pessoas no gozo dos direitos competindo-lhes especialmente a reduccedilatildeo das ldquode-sigualdades sociais e econocircmicas ateacute entatildeo existentes que debilitavam a dignidade humanardquo (CUNHA JR 2012 p 623)

Correspondem aos direitos fundamentais da terceira geraccedilatildeo os di-reitos da solidariedadeaTem sua origem na Revoluccedilatildeo Francesa e com o

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siacutembolo da fraternidade vieram para proteger os direitos decorrentes de uma sociedade organizada que se encontra envolvida em relaccedilotildees de di-versas naturezas fruto do processo de industrializaccedilatildeo e urbanizaccedilatildeo pro-jetando para as titularidades difusa e coletiva Satildeo de terceira geraccedilatildeo de direitos fundamentais o direito ao meio ambiente ecologicamente equi-librado ao desenvolvimento a comunicaccedilatildeo os direitos dos consumido-res e vaacuterios outros direitos especialmente aqueles relacionados a grupos de pessoas mais vulneraacuteveis (a crianccedila o idosoopessoa com deficiecircncia etc)aA partir da quarta geraccedilatildeo natildeo haacute um consenso doutrinaacuterio acerca dos referidos direitos A quarta geraccedilatildeo de direitos fundamentais para alguns eacute caracterizada pela pesquisa bioloacutegica e cientiacutefica pela defesa do patrimocircnio geneacutetico pelo avanccedilo tecnoloacutegico pelo direito agrave democracia agrave informaccedilatildeo e ao pluralismo (CUNHA JR 2012) Evocam tambeacutem as ques-totildees sobre a eacutetica e da moralidade E os direitos de quinta geraccedilatildeo satildeo como o direito a paz Bonavides afirma que estaacute em um ldquopatamar supe-riorrdquo haja vista que ldquoa dignidade juriacutedica da paz deriva do reconhecimento universal que se lhe deve enquanto pressuposto qualitativo da convivecircn-cia humana elemento de conservaccedilatildeo da espeacutecie reino de seguranccedila dos direitosrdquo (BONAVIDES 2017)

Percebe-se portanto que os direitos fundamentaisesatildeo um ldquofeixe de posiccedilotildees juriacutedicas abrangendo estruturas e conteuacutedos diferentesrdquo confor-me estabelece Robert Alexy (2011 p 255) Neste sentidoerelevante des-tacar a teoria dos status de Jellineeacute de grande importacircncia no estudo dos Direitos Fundamentais Segundo a teoria existem quatro status de direitos fundamentais quais sejam o status positivo negativo ativo e passivo So-bre a referida teoria Marcelo Novelino (2017 p 278) esclarece

Um status natildeo se confundo com um direito Dentre as diversas formas de descrever o que eacute um status tem importacircncia central suaocarac-terizaccedilatildeo como uma relaccedilatildeo com o Estado que qualifica ooindiviacuteduo Segundo a concepccedilatildeo de Jellinek o direito tem como conteuacutedo o ldquoterrdquo ao passo que o status tem como conteuacutedo o ldquoserrdquo

Sendo assim o status passivo relaciona-se com a esfera das obriga-ccedilotildees individuais impondo por parte do Estado um dever ou uma proibi-ccedilatildeo ao indiviacuteduo Jaacute o status ativo refere-se a capacidade que extrapolam a liberdade natural ou seja trata-se do direito de participaccedilatildeo do indiviacute-duo nas atividades poliacuteticas O status negativo por sua vez refere-se as liberdades ou seja o direito as accedilotildees negativas do estado Por fim o status positivo eacute aquele que diz respeito a capacidade de recorrer ao aparato estatal (NOVELINO 2017 p 278-279)

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23 A RELEVAcircNCIA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS NO NEO-CONSTITUCIONALISMO

A fim de compreender a importacircncia valorativa dos direitos funda-mentais eacute indispensaacutevel perceber o momento constitucional vivido nos dias hodiernos Isso porque apenas desse modo eacute possiacutevel entender o pa-pel e forccedila da Constituiccedilatildeo como centro de um ordenamento e portanto justificador e limitador das demais normas que compotildeem dado sistema normativo

A partir do seacuteculo XXI a doutrina passa a observar uma nova pers-pectiva constitucional denominada neoconstitucionalismo ou ainda constitucionalismo poacutes-moderno (TAVARES 2016) O momento histoacuterico vigente natildeo comportava mais o positivismo juriacutedico passando a repudiar os meacutetodos mecacircnicos da subsunccedilatildeo e ldquouma nova visatildeo interpretativa e das tarefas da Ciecircncia e Teoria do Direito cuja preocupaccedilatildeo reside no desenvolvimento de um trabalho criacutetico e natildeo apenas descritivordquo desabro-chou dando ensejo a uma nova fase o poacutes-positivismo conforme explica Novelino (2017)

Sendo assim a superaccedilatildeo histoacuterica do jusnaturalismo e o fracasso poliacutetico do positivismo fizeram como que uma nova corrente ganhasse destaque com evidente abandono a tradicional compreensatildeo na qual a constituiccedilatildeo era vista ldquocomo um documento essencialmente poliacutetic(rdquo (NOVELINO 2017 p 59) Nesse sentido fazia-se necessaacuterio um conjunto amplo de reflexotildees sobre o Direito considerando sua funccedilatildeo social e in-terpretaccedilatildeo

ldquoA superaccedilatildeo histoacuterica do jusnaturalismo e o fracasso poliacutetico do posi-tivismo abriram caminho para um conjunto amplo e ainda inacabado de reflexotildees acerca do Direito sua funccedilatildeo social e sua interpretaccedilatildeordquo (BARROSO 2020 p 246)

O poacutes-positivismo coloca-se como uma corrente intermediaacuteria que busca exaltar a forccedila normativa dos princiacutepios o caraacuteter central da argu-mentaccedilatildeo juriacutedica e a aproximaccedilatildeo entre a moral e o direito Ainda pode--se empregar o termo em anaacutelise em trecircs acepccedilotildees quais sejam como um meacutetodo para o estudo do direito como ideologia e como teoria juriacutedica

(NOVELINO 2017 p 63) Ideologicamente o poacutes-positivismo busca de um lado a manutenccedilatildeo da seguranccedila juriacutedica e de outro valoriza a justiccedila material afastando-se da visatildeo ceacutetica existente no positivismo puro Ao-Constituiccedilatildeo passa a assumir uma forte carga valorativa assegurando di-

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reitos fundamentais relacionados agrave pessoa humana pelo que o inteacuterprete ao aplicar as normas do ordenamento deve buscar a concretizaccedilatildeo destes valores constitucionalizados (NOVELINO 2017)

Barroso (2020 p 250) nesse sentido afirma que a doutrina do poacutes--positivismo tem sua inspiraccedilatildeo na ldquorevalorizaccedilatildeo da razatildeo praacutetica na teo-ria da justiccedila e na legitimaccedilatildeo democraacuteticardquo Para o constitucionalista eacute a ldquodesignaccedilatildeo provisoacuteria e geneacuterica de um ideaacuterio difusordquo que incorpora ideias de justiccedila igualdade material miacutenima direitos fundamentais e da nova hermenecircutica com ldquoa redefiniccedilatildeo das relaccedilotildees entre valores princiacute-pios e regrasrdquo (BARROSO 2020 p 250)

A respeito do tema de forma clara Dirley Cunha aduz ldquoo neocons-titucionalismo representa o constitucionalismo atual contemporacircneordquo que propotildee uma mudanccedila paradigmaacutetica em razatildeo da forccedila normativa da Constituiccedilatildeo constituiacuteda ldquode normas de eficaacutecia vinculante e obrigatoacuteriardquo e portanto ldquodotada de supremacia material e intensa carga valorativardquo gestora do Estado Constitucional de Direito (CUNHA JR12012 p 20)

Sendo assim o poacutes-positivismo sustenta essa nova etapa constitu-cional a qual se passou a chamar de neoconstitucionalismo Dentre as diversas caracteriacutesticas existentes nesse novo modelo constitucional des-taca-se sem duacutevidas a hierarquia formal e axioloacutegica da Constituiccedilatildeo que passa a ser como o coraccedilatildeo eixo central do sistema e tambeacutem do ponto substancial para a sobrevivecircncia e a manutenccedilatildeo do Estado de Direito

Ainda conforme a alta carga valorativa que passa a integrar os textos constitucionais incorporando valores e opccedilotildees poliacuteticas relacionadas agrave dignidade humana e aos direitos fundamentais devendo ser aplicadas de logo em todos os poderes e ateacute mesmo aos particulares dada a sua eficaacute-cia irradiante vertical e horizontal

Desse modo percebe-se que com o neoconstitucionalismo a Consti-tuiccedilatildeo ganha nova face sendo o centro axioloacutegico do ordenamento juriacutedi-co irradiando valores para todos os demais diplomas normativos e para a realidade social Nesse sentido os direitos fundamentais passam a ter uma eficaacutecia horizontal aplicando-se a todas as relaccedilotildees juriacutedicas inclusive en-tre particulares Percebe-se portanto que com o atual momento de cons-titucionalismo vivido os direitos fundamentais devem ser implementados da forma mais ampla abrangente e eficaz possiacutevel

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3 DIREITO FUNDAMENTAL Agrave SAUacuteDE E ATIVISMO JUDICIAL

O art 6ordm caput da Constituiccedilatildeo Federal conteacutem expressamente o di-reito agrave sauacutede como um direito social e portanto um direito fundamental Ademais a Constituiccedilatildeo em seu art 23 que trata acerca das competecircncias comuns de todos os entes federados estabelece que a Uniatildeo os Estados os Municiacutepios e o Distrito Federal devem cuidar do direito agrave sauacutede Logo apoacutes o art 24 da CF enquadra o direito agrave sauacutede dentre as competecircncias legislativas concorrentes da Uniatildeo e Estados e no art 30 dentre as com-petecircncias municipais estaacute a de prestar serviccedilos de atendimento agrave sauacutede da populaccedilatildeo Evidente portanto que o constituinte considerando a rele-vacircncia do direito agrave sauacutede buscou garantir a maior amplitude possiacutevel es-tabelecendo que todos os entes satildeo responsaacuteveis pela sua concretizaccedilatildeo

Ainda analisando o texto constitucional o direito agrave sauacutede eacute nova-mente mencionado como um princiacutepio sensiacutevel (arts 34 e 35 da CF) ou seja caso um ente natildeo aplique o miacutenimo exigido da receita resultante de impostos nas accedilotildees e serviccedilos puacuteblicos de sauacutede esta omissatildeo poderaacute en-sejar uma intervenccedilatildeo federal ou estadual Ao longo do atual texto consti-tucional a sauacutede eacute mencionada em sessenta e sete dispositivos demons-trando assim a importacircncia do referido direito em nosso ordenamento

A partir do art 196 CF inicia-se uma seccedilatildeo unicamente dedicada ao referido direito com a previsatildeo acerca da sua amplitude bem como do sistema uacutenico de sauacutede responsaacutevel por de forma integral e universal garantir a sauacutede a todos os indiviacuteduos do nosso paiacutes

Sobre o referido direito Bernardo Gonccedilalves (2020 p 919) faz a se-guinte consideraccedilatildeo

ldquoEacute indiscutiacutevel que o direito agrave sauacutede se relaciona de forma direta com o direito agrave vida Todavia natildeo eacute nada faacutecil nem simples desenvolver um conceito juriacutedico do que seja sauacutede () A Lei Orgacircnica da Sauacutede (Lei nordm 808090) por outro lado apresenta uma leitura que engloba ainda no conceito de sauacutede um conjunto de accedilotildees puacuteblicas que asse-gurem uma vida digna e a autonomia dos sujeitos beneficiaacuterios Por isso mesmo fala-se em medidas de sauacutede preventiva e medidas de sauacutede curativa o primeiro conceito se revelaria como um status posi-tivus Libertatis ndash na leitura de Jellinek conectado agrave noccedilatildeo de miacutenimo existencial ndash enquanto o segundo um status positivo socialis (isto eacute um direito social propriamente dito)

Percebe-se portanto que a amplitude do direito agrave sauacutede conduz a uma dificuldade de conceituaccedilatildeo estanque do referido direito O direito agrave

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sauacutede engloba assim um feixe de outros direitos como o direito agrave preven-ccedilatildeo ao tratamento adequado ao recebimento de medicamentos dentre outros E ainda estaacute intrinsecamente relacionado aacute outros direitos funda-mentais como o direito aacute vida e aacute liberdade

A Constituiccedilatildeo cria o Sistema Uacutenico de Sauacutede (SUS) a fim de con-cretizar este direito atraveacutes de uma rede regionalizada e hierarquizada marcada pela descentralizaccedilatildeo mas com direccedilatildeo uacutenica em cada esfera de governo com atendimento integral com a fixaccedilatildeo de prioridade para atividades preventivas sem prejuiacutezo de serviccedilos assistenciais e de parti-cipaccedilatildeo da comunidade conforme art 198 da Constituiccedilatildeo Federal Tam-beacutem percebe-se que a assistecircncia agrave sauacutede tambeacutem eacute permitida agrave iniciativa privada de forma complementar segundo contratos ou convecircnios com preferencia agrave entidades filantroacutepicas sem fins lucrativos (art 199 CF)

Pela leitura da Constituiccedilatildeo percebe-se que duas caracteriacutesticas acer-ca desse direito satildeo ressaltadas a universalidade e a integralidade De um lado a universalidade garante que todo e qualquer indiviacuteduo tenha acesso ao sistema uacutenico de sauacutede independente de raccedila condiccedilatildeo social econocircmica ou qualquer outra caracteriacutestica Isso prestigia outro principio constitucional o da igualdade previsto no art 5ordm da CF Essa universalida-de natildeo impede contudo a previsatildeo do art 32 da Lei nordm 965698 que cria o denominado ldquoressarcimento ao SUSrdquo julgado constitucional pela Supremo Tribunal Federal em sede de repercussatildeo geral vejamos

Eacute constitucional o ressarcimento previsto no art 32 da Lei nordm 965698 o qual eacute aplicaacutevel aos procedimentos meacutedicos hospitalares ou ambu-latoriais custeados pelo SUS e posteriores a 461998 assegurados o contraditoacuterio e a ampla defesa no acircmbito administrativo em todos os marcos juriacutedicos O art 32 da Lei nordm 965698 prevecirc que se um cliente do plano de sauacutede utilizar-se dos serviccedilos do SUS o Poder Puacuteblico poderaacute cobrar do referido plano o ressarcimento que ele teve com essas despesasAssim o chamado ldquoressarcimento ao SUSrdquo criado pelo art 32 eacute uma obrigaccedilatildeo legal das operadoras de planos priva-dos de assistecircncia agrave sauacutede de restituir as despesas que o SUS teve ao atender uma pessoa que seja cliente e que esteja coberta por esses planos STF PlenaacuterioRE 597064RJ Rel Min Gilmar Mendes julgado em 722018 (repercussatildeo geral) (Info 890)

Por outro lado a integralidade do Sistema Uacutenico de Sauacutede prevecirc que natildeo haacute a priori um limite estabelecido a quais serviccedilos seratildeo fornecidos aos indiviacuteduos para a efetivaccedilatildeo do direito agrave sauacutede Ao contraacuterio o serviccedilo de sauacutede deve ser o mais amplo completo possiacutevel Neste ponto cumpre destacar alguns dispositivos da Lei nordm 808096 sobre o tema vejamos

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Art 6ordm Estatildeo incluiacutedas ainda no campo de atuaccedilatildeo do Sistema Uacutenico de Sauacutede (SUS)

d) de assistecircncia terapecircutica integral inclusive farmacecircutica

Art 7ordm As accedilotildees e serviccedilos puacuteblicos de sauacutede e os serviccedilos privados contratados ou conveniados que integram o Sistema Uacutenico de Sauacutede (SUS) satildeo desenvolvidos de acordo com as diretrizes previstas no art 198 da Constituiccedilatildeo Federal obedecendo ainda aos seguintes princiacutepios

II ndash integralidade de assistecircncia entendida como conjunto articulado e contiacutenuo das accedilotildees e serviccedilos preventivos e curativos individuais e coletivos exigidos para cada caso em todos os niacuteveis de complexida-de do sistema

Art 19-M A assistecircncia terapecircutica integral a que se refere a aliacutenea d do inciso I do art 6ordm consiste em

I ndash dispensaccedilatildeo de medicamentos e produtos de interesse para a sauacutede cuja prescriccedilatildeo esteja em conformidade com as diretrizes tera-pecircuticas definidas em protocolo cliacutenico para a doenccedila ou o agravo agrave sauacutede a ser tratado ou na falta do protocolo em conformidade com o disposto no art 19-P

II ndash oferta de procedimentos terapecircuticos em regime domiciliar am-bulatorial e hospitalar constantes de tabelas elaboradas pelo gestor federal do Sistema Uacutenico de Sauacutede ndash SUS realizados no territoacuterio nacional por serviccedilo proacuteprio conveniado ou contratado

Art 19-N Para os efeitos do disposto no art 19-M satildeo adotadas as seguintes definiccedilotildees

I ndash produtos de interesse para a sauacutede oacuterteses proacuteteses bolsas cole-toras e equipamentos meacutedicos

II ndash protocolo cliacutenico e diretriz terapecircutica documento que estabe-lece criteacuterios para o diagnoacutestico da doenccedila ou do agravo agrave sauacutede o tratamento preconizado com os medicamentos e demais produtos apropriados quando couber as posologias recomendadas os meca-nismos de controle cliacutenico e o acompanhamento e a verificaccedilatildeo dos resultados terapecircuticos a serem seguidos pelos gestores do SUS

Evidente portanto que a Lei do SUS atendendo ao comando consti-tucional tambeacutem estabeleceu dentre as diretrizes de atuaccedilatildeo a integrali-dade Neste ponto residem contudo os maiores debates jurisprudenciais uma vez que o Estado muitas vezes se recusa a fornecer determinados tratamentos o que acaba colidindo com a integralidade gerando lides que satildeo levadas ao crivo do Judiciaacuterio

Sobre o tema cresce o debate acerca da postura do magistrado dian-te de tais conflitos em especial com as correntes que defendem o ativis-

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mo judicial e de outro a autocontenccedilatildeo Para Luiacutes Roberto Barroso (2020) ativismo judicial corresponde ao alargamento do escopo jurisdicional para causas relacionadas a poliacuteticas puacuteblicas sobretudo em discussotildees envol-vendo o alcance e as restriccedilotildees aos direitos sociais Nesses casos quando o Judiciaacuterio toma uma postura ativa determinando medidas concretas aos agentes puacuteblicos a fim de concretizar direitos fundamentais fala-se numa atuaccedilatildeo de ativismo judicial Trata-se de um juiacutezo substancialmente poliacutetico mas juridicamente fundamentado

Por outro lado a corrente que defende a autocontenccedilatildeo do Judiciaacuterio tem por objetivo combater os efeitos nocivos de um ativismo exercido de forma excessiva uma vez o Judiciaacuterio por ausecircncia de teacutecnica e tam-beacutem de legitimidade (uma vez que natildeo foi eleito pelo povo) natildeo deveria adentrar em certos meacuteritos enaltecendo outras vias poliacuteticas de debate e deliberaccedilatildeo Esta corrente em muito se relaciona com o minimalismo de Susntein (LIMA 2013)

Por fim o presente debate envolve em muito a teoria da reserva do possiacutevel que em siacutentese entende que existe uma infinitude de direitos mas uma finitude de recursos o que ocasionaria a possibilidade de o ges-tor puacuteblico fazer escolhas traacutegicas desatendendo determinadas presta-ccedilotildees sociais antes a sua impossibilidade vejamos

Embora operante no universo dos direitos sociais em geral como no acircmbito da previdecircncia social em particular o princiacutepio da reserva do financeiramente possiacutevel tem especial incidecircncia no terreno da sauacutede e da educaccedilatildeo cujas normas constitucionais ndash nisso particularmente influenciadas pelas ideias de constituiccedilatildeo dirigente e de Estado pro-vedor ndash atribuiacuteam sobretudo ao Poder Puacuteblico o encargo de custear a satisfaccedilatildeo dessas necessidades consideradas inerentes a uma vida digna Daiacute a similitude dos arts 196 e 205 da nossa Constituiccedilatildeo a proclamarem que tanto a sauacutede quanto a educaccedilatildeo satildeo direitos de todos e deveres do Estado normas-tarefas ou meramente programaacute-ticas cuja concretizaccedilatildeo fica a depender das forccedilas do Eraacuterio como diziam os claacutessicos das financcedilas puacuteblicas De mais a mais e nisso resi-de um aspecto crucial do problema a alocaccedilatildeo de recursos puacuteblicos para a implementaccedilatildeo desses direitos pressupotildee ndash aleacutem de uma eco-nomia forte ndash a difiacutecil decisatildeo poliacutetica de ratear os poucos recursos disponiacuteveis de modo a poder dispensar um miacutenimo de atendimento aos mais necessitados situaccedilatildeo criacutetica que nos paiacuteses perifeacutericos con-figura o que muitos denominam ciacuterculo vicioso da miseacuteria pois eacute pre-cisamente aiacute onde faltam recursos para atendecirc-las que se mostram mais dramaacuteticas as carecircncias sociais (MENDES 2009 p 1420)

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Por outro lado quando os direitos que estatildeo sendo alvo de discussatildeo fazem parte do chamado ldquomiacutenimo existencialrdquo eacute certo que natildeo deve sub-sistir a tese da reserva do possiacutevel O chamado ldquomiacutenimo existencialrdquo vem portanto limitar a utilizaccedilatildeo da referida tese de forma desmedida Sendo assim defensores de uma postura mais ativa do Poder Judiciaacuterio argu-mentam que haacute direitos indispensaacuteveis para a realizaccedilatildeo da dignidade da pessoa humana e estes devem ser garantidos em todas as circunstacircncias (MENDES 2009)

O direito agrave sauacutede compotildee portanto esse miacutenimo existencial e justa-mente por isso considerando seu alto custo de implementaccedilatildeo acaba por gerar tantas controveacutersias jurisprudenciais e doutrinaacuterias

4 JURISPRUDEcircNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL NO AcircMBITO DO DIREITO Aacute SAUacuteDEA jurisprudecircncia do Supremo Tribunal Federal lida diariamente com

questotildees envolvendo o direito fundamental agrave sauacutede em sede de recursos repetitivos com repercussatildeo geral ou em controle de constitucionalidade Tais decisotildees repercutem na forma com que os demais Tribunais interpre-taratildeo as normas e decidiratildeo os casos concretos que lhe satildeo apresentados

Com relaccedilatildeo ao direito agrave sauacutede em 2014 a 1ordf Turma do Supremo Tribunal Federal entendeu pela possibilidade de o Poder Judiciaacuterio deter-minar que a Administraccedilatildeo Puacuteblica mantenha estoque miacutenimo de medica-mento a fim de evitar interrupccedilotildees no tratamento sem que isso configure violaccedilatildeo agrave separaccedilatildeo de poderes justamente considerando que o direito agrave sauacutede compotildee o miacutenimo existencial vejamos

RECURSO EXTRAORDINAacuteRIO FORNECIMENTO DE MEDICAMENTO E MANUTENCcedilAtildeO EM ESTOQUE DOENCcedilA DE GAUCHER QUESTAtildeO DI-VERSA DE TEMA COM REPERCUSSAtildeO GERAL RECONHECIDA SOBRES-TAMENTO RECONSIDERACcedilAtildeO PREQUESTIONAMENTO OCORREcircNCIA AUSEcircNCIA DE OFENSA AO PRINCIacutePIO DA SEPARACcedilAtildeO DOS PODERES CONSTITUCIONAL DIREITO Agrave SAUacuteDE DEVER PODER PUacuteBLICO RE-CURSO EXTRAORDINAacuteRIO A QUE SE NEGA PROVIMENTO I ndash A ques-tatildeo discutida no presente feito eacute diversa daquela que seraacute apreciada no caso submetido agrave sistemaacutetica da repercussatildeo geral no RE 566471-RGRN Rel Min Marco Aureacutelio II ndash No presente caso o Estado do Rio de Janeiro recorrente natildeo se opotildee a fornecer o medicamento de alto custo a portadores da doenccedila de Gaucher buscando apenas eximir--se da obrigaccedilatildeo imposta por forccedila de decisatildeo judicial de manter o remeacutedio em estoque pelo prazo de dois meses III ndash A jurisprudecircncia e a doutrina satildeo paciacuteficas em afirmar que natildeo eacute necessaacuterio para o prequestionamento que o acoacuterdatildeo recorrido mencione expressa-

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mente a norma violada Basta para tanto que o tema constitucional tenha sido objeto de debate na decisatildeo recorrida IV ndash O exame pelo Poder Judiciaacuterio de ato administrativo tido por ilegal ou abusivo natildeo viola o princiacutepio da separaccedilatildeo dos poderes Precedentes V ndash O Poder Puacuteblico natildeo pode se mostrar indiferente ao problema da sauacutede da populaccedilatildeo sob pena de incidir ainda que por censuraacutevel omissatildeo em grave comportamento inconstitucional Precedentes VI ndash Recurso extraordinaacuterio a que se nega provimento STF 1ordf Turma RE 429903RJ Rel Min Ricardo Lewandowski julgado em 2562014 (Info 752)

No caso entendeu-se que o Judiciaacuterio natildeo afrontaria a separaccedilatildeo de poderes uma vez que natildeo estaria interferindo em metas e prioridades nem em verbas puacuteblicas mas apenas controlando atos abusivos e ilegais da Administraccedilatildeo Puacuteblica

Outro caso envolvendo medicamentos recentemente pacificado em 2019 eacute com relaccedilatildeo aqueles medicamentos ainda natildeo incorporados na lista do SUS Para tanto o STF entendeu que haveraacute o dever de fornecer o medicamente se preenchidos os seguintes criteacuterios

i) Comprovaccedilatildeo por meio de laudo meacutedico fundamentado e cir-cunstanciado expedido por meacutedico que assiste o paciente da im-prescindibilidade ou necessidade do medicamento assim como da ineficaacutecia para o tratamento da moleacutestia dos faacutermacos fornecidos pelo SUS ii) incapacidade financeira de arcar com o custo do me-dicamento prescrito iii) existecircncia de registro do medicamento na ANVISA observados os usos autorizados pela agecircncia STJ 1ordf Seccedilatildeo EDcl no REsp 1657156-RJ Rel Min Benedito Gonccedilalves julgado em 12092018 (recurso repetitivo) (Info 633)

Por outro lado caso o medicamento ainda natildeo esteja registrado na ANVISA em regra natildeo haveraacute a obrigaccedilatildeo do Estado em fornececirc-los A concessatildeo ocorreraacute excepcionalmente desde que novos criteacuterios sejam observados vejamos

A ausecircncia de registro na Agecircncia Nacional de Vigilacircncia Sanitaacuteria (Anvisa) impede como regra geral o fornecimento de medicamento por decisatildeo judicial Eacute possiacutevel excepcionalmente a concessatildeo judi-cial de medicamento sem registro sanitaacuterio em caso de mora irrazoaacute-vel da Anvisa em apreciar o pedido (prazo superior ao previsto na Lei 134112016) quando preenchidos trecircs requisitos

a) a existecircncia de pedido de registro do medicamento no Brasil (salvo no caso de medicamentos oacuterfatildeos para doenccedilas raras e ultrarraras)

b) a existecircncia de registro do medicamento em renomadas agecircncias de regulaccedilatildeo no exterior e

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c) a inexistecircncia de substituto terapecircutico com registro no Brasil

STF Plenaacuterio RE 657718MG rel orig Min Marco Aureacutelio red p o ac Min Roberto Barroso julgado em 2252019 (repercussatildeo geral) (Info 941)

Ademais algumas accedilotildees de controle de constitucionalidade envol-vendo o direito agrave sauacutede jaacute foram objeto de anaacutelise pelo STF Atento a ne-cessidade de concretizaccedilatildeo da universalidade do direito agrave sauacutede de modo que o SUS consiga alcanccedilar todas as localidades do paiacutes o STF julgou constitucional o ldquoPrograma Mais Meacutedicosrdquo conforme ADI 5035DF e ADI 5037DF

Por outro lado considerando a igualdade que deve pautar os servi-ccedilos de sauacutede em controle de constitucionalidade julgou inconstitucional a diferenccedilas de classes no acircmbito do SUS conforme observa-se a seguir

O programa ldquoMais Meacutedicosrdquo instituiacutedo pela MP 6912013 pos-teriormente convertida na Lei nordm 128712013 eacute constitucional STF PlenaacuterioADI 5035DF e ADI 5037DF rel orig Min Marco Aureacutelio red p o ac Min Alexandre de Moraes julgados em 30112017 (Info 886)

Eacute inconstitucional a possibilidade de um paciente do Sistema Uacutenico de Sauacutede (SUS) pagar para ter acomodaccedilotildees superiores ou ser atendido por meacutedico de sua preferecircncia a chamada ldquodi-ferenccedila de classesrdquo STF Plenaacuterio RE 581488RS Rel Min Dias Toffoli julgado em 3122015 (repercussatildeo geral) (Info 810)

Por fim decisatildeo recente no contexto de pandemia foi o conhecimen-to da Accedilatildeo Direta de Inconstitucionalidade por Omissatildeo a fim de promo-ver a instituiccedilatildeo do auxiacutelio emergencial Ou seja o STF entendeu que em tese a ADO poderia discutir sobre o referido tema Neste caso poreacutem a accedilatildeo teve seu julgamento impedido por perda de objeto jaacute que foi pu-blicada a Lei nordm 139822020 que instituiu o referido auxiacutelio (STF Plenaacuterio ADO 56DF Rel Min Marco Aureacutelio red p o ac Min Roberto Barroso julgado em 3042020)

5 CONCLUSAtildeO

Percebe-se que o direito fundamental agrave sauacutede ocupa papel de desta-que em nosso ordenamento juriacutedico Nesse sentido a Constituiccedilatildeo Federal deixa claro o papel central desse direito para a concretizaccedilatildeo da dignidade da pessoa humana A teoria geral dos direitos fundamentais atraveacutes dos

Ana Conceiccedilatildeo Barbuda Sanches Guimaratildees Ferreira bull Ana Baacuterbara Barbuda Ferreira Motta

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Poder Judiciaacuterio do Estado da Bahia ISBN 978-65-89459-01-9

estudos de sua origem caracteriacutesticas e contornos fornece o substrato importante para a compreensatildeo do alcance do direito agrave sauacutede e sobretu-do qual o papel dos agentes puacuteblicos na busca por sua efetivaccedilatildeo

Neste ponto inclusive reside o grande debate sobre o tema qual o papel do Poder Judiciaacuterio na concretizaccedilatildeo do referido direito que con-forme restou demonstrado atraveacutes da jurisprudecircncia do Supremo Tribunal Federal tem prevalecido uma atuaccedilatildeo de maior ativismo considerando que o referido direito integra o chamado ldquomiacutenimo existencialrdquo

Os debates contudo natildeo satildeo estanques de modo que eacute necessaacuterio cada vez mais se aprofundar e investigar o caso concreto a fim de com-patibilizar a atuaccedilatildeo dos trecircs poderes de modo a proporcionar a maior eficaacutecia social para a norma constitucional

6 REFEREcircNCIASALEXY Robert Teoria dos Direitos Fundamentais Traduccedilatildeo de Virgiacutelio Afonso da Silva

2ed Satildeo Paulo Malheiros 2011

ARAUacuteJO Luiz Alberto David NUNES JUNIOR Vida Serrano Curso de Direito Constitucio-nal 6ed Satildeo Paulo Editora Saraiva 2002

AVENA Norberto Processo penal esquematizado 6ed Rio de Janeiro Forense Satildeo Pau-lo Meacutetodo 2014

AacuteVILA Humberto Teoria dos Princiacutepios da definiccedilatildeo agrave aplicaccedilatildeo dos princiacutepios juriacutedi-cos Satildeo Paulo Malheiros 2009

BASTOS Celso Ribeiro Curso de direito constitucional 20 ed Satildeo Paulo Editora Saraiva 1999

BARROSO Luis Roberto Curso de Direito Constitucional Contemporacircneo 9ed Satildeo Paulo Editora Saraiva 2020

BOBBIO Noberto Igualdade e Liberdade 3ed Rio de Janeiro Ediouro 1997

______________ A era dos direitos 7 ed Rio de Janeiro Elsevier 2004

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COMPARATO Faacutebio Konder A Afirmaccedilatildeo Histoacuterica dos Direitos Humanos 4ed Satildeo Pau-lo Editora Saraiva 2005

CUNHA JUNIOR Dirley da Curso de direito constitucional 5ed Salvador Editora JusPO-DIVM 2012

FERNANDES Bernardo Gonccedilalves Curso de Direito Constitucional 12ed Salvador Editora JusPODIVM 2020

Direito fundamental agrave saude e ativismo judicial uma anaacutelise da jurisprudecircncia do Supremo Tribunal Federal

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Poder Judiciaacuterio do Estado da Bahia ISBN 978-65-89459-01-9

MENDES Gilmar Ferreira Curso de direito constitucional Gilmar Ferreira Mendes Paulo Gustavo Gonet Branco 12 ed rev SatildeoPaulo Saraiva 2009

MORAES Alexandre de Direito constitucional 27ed Satildeo Paulo Atlas 2011

________ Direitos Humanos Fundamentais 8ed Satildeo Paulo Atlas 2007

NOVELINO Marcelo Curso de Direito Constitucional 12ordf ed Salvador Juspodivm 2017

LIMA Flaacutevia Daniele Santiago Ativismo e autocontenccedilatildeo no Supremo Tribunal Federal uma proposta de delimitaccedilatildeo do debate 2013 Tese (Doutorado em Direito) Uni-versidade Federal de Pernambuco Recife-PE 2013

REALE Miguel O Estado democraacutetico de direito e os conflitos de ideologia Satildeo Paulo Editora Saraiva 1998

SARLET Ingo Wolfgang A eficaacutecia dos direitos fundamentais uma teoria geral dos direitos fundamentais na perspectiva constitucional 11ed Porto Alegre Livraria do Advogado Editora 2012

SILVA Joseacute Afonso da Curso de direito constitucional positivo 32ed Satildeo Paulo Editora Malheiros 2009

TAVARES Andreacute Ramos Curso de Direito Constitucional 8ordf ed Satildeo Paulo Saraiva 2010

Ana Conceiccedilatildeo Barbuda Sanches Guimaratildees Ferreira bull Ana Baacuterbara Barbuda Ferreira Motta

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A fixaccedilatildeo da competecircncia nas accedilotildees de responsabilidade civil meacutedica em planos de

sauacutede de autogestatildeo

1 Advogada Bacharel em Direito pela Universidade do Estado da Bahia ndash UNEB Poacutes--graduanda em Direito Constitucional Aplicado pela Faculdade Legale

2 Advogada Bacharel em Direito pela Universidade Salvador ndash UNIFACS

3 Advogado Bacharel em Direito pela Universidade do Estado da Bahia ndash UNEB

Amanda Leite Souza Alves1

Ana Paula Cruz de Santana2

Rodolfo Oliveira Dourado3

Resumo Diante de um contexto de judicializaccedilatildeo em massa da rela-ccedilatildeo meacutedico-paciente hospitais e operadoras de sauacutede eacute imprescin-diacutevel refletir acerca dos desdobramentos juriacutedicos apoacutes a ediccedilatildeo da suacutemula 608 do STJ em 2018 O objetivo eacute problematizar o criteacuterio de fixaccedilatildeo de competecircncia aos casos dos meacutedicos credenciados a estes planos pois o entendimento firmado antes da suacutemula era no sentido de considerar o Juiacutezo Consumerista como competente ante a con-diccedilatildeo de consumidor do paciente em face do meacutedico e do hospital Adotou-se o meacutetodo de pesquisa qualitativa e exploratoacuteria com le-vantamento e revisatildeo bibliograacutefica da doutrina e anaacutelise criacutetica da ju-risprudecircncia para induzir a reflexatildeo do tema em comento E embora a suacutemula tenha de fato alterado a competecircncia processual ainda eacute possiacutevel utilizar-se de certos institutos juriacutedicos para garantir a defesa do paciente hipossuficiente e vulneraacutevel

Palavras-chave Suacutemula 608 STJ responsabilidade meacutedica paciente hospitais judicializaccedilatildeo

1 CONSIDERACcedilOtildeES INICIAIS

Eacute de notoacuterio conhecimento que no cenaacuterio brasileiro de judicializa-ccedilatildeo da medicina e da sauacutede eacute comum o ajuizamento de processos pelos

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pacientes ou seus familiares com o intuito de sanar eventuais situaccedilotildees danosas Nestas demandas por diversas vezes figuram no polo passivo em forma de litisconsorte a operadora dos planos de sauacutede os hospitais e os meacutedicos

No entanto a responsabilidade civil em face destes sujeitos se com-porta de forma diversificada Por anos a aplicaccedilatildeo da legislaccedilatildeo consume-rista em face dos trecircs sujeitos foi pauta de debates doutrinaacuterios e jurispru-denciais E por consequecircncia a temaacutetica acerca do Juiacutezo competente para processar e julgar as accedilotildees tambeacutem foi problematizada

Da anaacutelise do ordenamento juriacutedico especialmente apoacutes a dicccedilatildeo da Suacutemula 608 do Superior Tribunal de Justiccedila em 2018 houve a alteraccedilatildeo do entendimento firmado ao considerar a inaplicabilidade do Coacutedigo de Defesa do Consumidor aos contratos de plano de sauacutede administrados por entidades de autogestatildeo Eacute nesta perspectiva que haacute o questiona-mento acerca de qual seria o Juiacutezo competente para processar e julgar a temaacutetica da responsabilidade meacutedica dos profissionais credenciados ou que prestam serviccedilos em hospitais credenciados aos planos de sauacutede de autogestatildeo

Neste sentido o objetivo da pesquisa eacute propor uma reflexatildeo acerca da competecircncia a ser fixada para processar e julgar os feitos apoacutes a ediccedilatildeo da suacutemula pela Corte Superior haja vista entendimento anterior aplicado agrave relaccedilatildeo meacutedico-paciente ser no vieacutes consumerista Isto porque tal dilema tambeacutem influencia em outras questotildees processuais a exemplo da inver-satildeo do ocircnus da prova admitida pelo Coacutedigo de Defesa do Consumidor em contraposto agrave dinacircmica estaacutetica do CPC

Por fim a metodologia adotada para produccedilatildeo do presente artigo eacute de cunho qualitativo e exploratoacuterio ante a anaacutelise subjetiva do tema abor-dado com averiguaccedilatildeo do problema por meio de levantamento bibliograacute-fico Os materiais e os dados utilizados para pesquisa foram deduzidos a partir da leitura de artigos livros e perioacutedicos anteriormente publicados bem como pela anaacutelise criacutetica da jurisprudecircncia paacutetria

2 OS CRITEacuteRIOS DE FIXACcedilAtildeO DE COMPETEcircNCIA NO ORDE-NAMENTO JURIacuteDICO BRASILEIRO

A competecircncia eacute um instituto processual definida como sendo a ca-pacidade do juiacutezo em aplicar o poder fornecido pela jurisdiccedilatildeo ( MARINONI

Amanda Leite Souza Alves bull Ana Paula Cruz de Santana bull Rodolfo Oliveira Dourado

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et al 2020) considerando que todos os juiacutezes satildeo dotados de funccedilatildeo ju-risdicional em nome do Estado (GRECO 2015) Ou seja cada um a exerce em determinadas situaccedilotildees que satildeo previamente estabelecidas na ordem juriacutedica

Especificamente no acircmbito processual ciacutevel a determinaccedilatildeo de qual juiacutezo eacute competente estaacute disciplinada nos arts 42 a 66 do Coacutedigo de Pro-cesso Civil Em se tratando dos Juizados Especiais Ciacuteveis que eacute regido pela Lei nordm 9099 de 1995 estaacute ordenada nos art 3ordm e 4ordm e em acircmbito estadual verifica-se em artigos espaccedilados da Lei 7033 de 1997

Eacute possiacutevel em alguns casos que o juiacutezo ao se deparar com litiacutegios em que natildeo haja previsatildeo na supracitada norma tendo que recorrer em outras regras para a melhor soluccedilatildeo do feito Nesse momento aponta-se como alternativa a aplicaccedilatildeo do CPC desde que sejam respeitados os princiacutepios que regem os Juizados Especiais referidos em seu art 2ordm que satildeo oralidade simplicidade informalidade economia processual e celeri-dade (XAVIER 2016 v 20 p 16)

Ademais a competecircncia em sua aplicaccedilatildeo eacute dividida em dois regi-mes podendo ser de caracteriacutestica absoluta ou relativa A absoluta seraacute re-gida por regras cogentes devido ao interesse puacuteblico sendo de tal modo relevante para o interesse da administraccedilatildeo da Justiccedila (MARINONI et al 2020) podendo ser alegada em qualquer tempo e em qualquer jurisdiccedilatildeo Jaacute a relativa eacute disciplinada por regras disponiacuteveis agraves partes pois eacute fixada com base no interesse exclusivo dos litigantes e natildeo pode ser declarada de ofiacutecio devendo ser arguida em momento oportuno pela parte reacute e outros interessados na causa sob pena de gerar a automaacutetica preclusatildeo (CAMBI et al 2019)

Entre os regimes de competecircncia existem os criteacuterios de fixaccedilatildeo sen-do categorizados em trecircs territorial funcional e objetivo esse que se divi-de em razatildeo da mateacuteria da pessoa ou valor da causa Em regra consoante o CPC dentro do regime de competecircncia absoluta estatildeo o criteacuterio objeti-vo e funcional ao passo que o territoacuterio se encontra em regime relativo (GRECO 2015 p140)

Apoacutes apresentada a competecircncia no ordenamento juriacutedico a fim de ser relacionado com o caso em temaacutetica que eacute a responsabilidade civil do meacutedico credenciado em plano de autogestatildeo em litisconsoacutercio passivo necessaacuterio questiona-se qual juiacutezo eacute competente para julgar o feito

A fixaccedilatildeo da competecircncia nas accedilotildees de responsabilidade civil meacutedica em planos de sauacutede de autogestatildeo

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3 A RESPONSABILIDADE CIVIL MEacuteDICA Agrave LUZ DO COacuteDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR (CDC)Diante do exposto anteriormente eacute sugestivo suscitar o interesse

pelo estudo da responsabilidade civil do meacutedico Por seacuteculos a funccedilatildeo do profissional da Medicina esteve vinculada a um caraacuteter religioso e maacutegico e resumia a relaccedilatildeo entre uma confianccedila ndash a do cliente ndash e uma consciecircn-cia ndash a do meacutedico No entanto com a mudanccedila de paradigma a relaccedilatildeo foi distanciada em virtude da massificaccedilatildeo das relaccedilotildees sociais Segundo Aguiar Juacutenior (2000 p 134) a denominaccedilatildeo dos sujeitos da relaccedilatildeo fora al-terada para ldquousuaacuteriordquo e ldquoprestador de serviccedilosrdquo sob a oacutetica de uma socieda-de de consumo na qual a consciecircncia de direito reais e fictiacutecios ascendeu a exigecircncia pelos resultados

Por sua vez a instituiccedilatildeo da Lei nordm 80781990 estabeleceu Coacutedigo de Defesa do Consumidor (CDC) e ocasionou diversas inovaccedilotildees do or-denamento juriacutedico brasileiro A legislaccedilatildeo apresentou noccedilotildees acerca do conceito de consumidor no art 2ordm bem como quais sujeitos seriam equi-parados a esta condiccedilatildeo Segundo Cavalieri Filho (2008 p 81) o Coacutedigo representou a lei mais revolucionaacuteria do seacuteculo XX tanto pelo avanccedilar da teacutecnica legislativa adotada ndash baseada em princiacutepios e claacuteusulas gerais ndash quanto pela sua influecircncia em todo o sistema juriacutedico brasileiro ndash doutrina e jurisprudecircncia embora seja um minissistema4

Dentre as problemaacuteticas estaacute por exemplo a utilizaccedilatildeo do termo ldquodestinataacuterio finalrdquo para designar qual sujeito seria considerado consumi-dor Filomeno (2018) entende que o consumidor seria qualquer pessoa fiacutesica tendo o Coacutedigo acrescentado tambeacutem a pessoa juriacutedica que con-trata para consumo final em benefiacutecio proacuteprio ou de outrem a aquisiccedilatildeo ou locaccedilatildeo de bens ou mesmo a prestaccedilatildeo de serviccedilos E neste sentido seria possiacutevel indicar um pacientecliente do profissional meacutedico como um consumidor

Por outro lado em relaccedilatildeo ao ldquofornecedorrdquo Filomeno (2018) entende que o meacutedico que trata de um clientepaciente deve ser equiparado ao fornecedor de serviccedilos pois comercializa seus serviccedilos de forma habi-

4 Nesta perspectiva a legislaccedilatildeo consumerista teria atribuiacutedo uma repersonalizaccedilatildeo do consumidor e seria dever do Estado garantir os direitos baacutesicos deste sujeito de direito considerando a disposiccedilatildeo do art 6ordm do CDC (CAVALIERI FILHO 2004 p 83) E o fato do Coacutedigo natildeo ter conceituado de forma taxativa a pessoa do consumidor tendo apenas apresentado uma noccedilatildeo geneacuterica abriu margem aos problemas de interpretaccedilatildeo os quais se encontram em diversos debates doutrinaacuterios e jurisprudenciais

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tual e profissional e em consequecircncia disto os eventuais danos devem ser cobertos Eacute deste modo que o paciente deve ser considerado como consumidor pois almeja interesses proacuteprios como destinataacuterio final5 Ao buscar a prestaccedilatildeo de serviccedilo o paciente pretende efetivar um tratamento seja por meio da atividade de meio ou da atividade de fim por parte do profissional da medicina

Da anaacutelise das divergecircncias opinativas acerca dos fornecedores agraveque-les que satildeo profissionais liberais deve-se observar em verdade o tipo de responsabilidade a ser aplicada posto que o uacuteltimo em regra responde pela ilicitude dos seus atos com a afericcedilatildeo de culpa com as modalidades de negligecircncia imprudecircncia ou imperiacutecia (art 14 sect 4ordm do CDC) Ao contraacute-rio do fornecedor que responde de forma objetiva independentemente da culpa pelos danos causados aos consumidores caso promova uma prestaccedilatildeo defeituosa de seu serviccedilo A principal oposiccedilatildeo se daacute pela na-tureza intuitu personae dos serviccedilos prestados pelos profissionais liberais (BORGES et al 2017 p 22)

Segundo Filomeno (2018) e Miragem (2016) as relaccedilotildees consume-ristas devem ser pautadas no princiacutepio da boa-feacute objetiva ndash perpetrada tambeacutem no art 422 do Coacutedigo Civil de 2002 e sua funccedilatildeo ativa na qual satildeo deveres anexos a lealdade a cooperaccedilatildeo a informaccedilatildeo e a seguran-ccedila O dever de seguranccedila tem mais ecircnfase pois os meacutedicos prestadores de serviccedilos tecircm situaccedilatildeo privilegiada dos saberes teacutecnicos e profissio-nais e devem informar e aconselhar o consumidor E mais o dever de informar dos meacutedicos em relaccedilatildeo aos seus pacientes eacute primordial posto que o profissional se encontra em uma autecircntica situaccedilatildeo de poder na qual o pacientedoenteafetado com o risco da doenccedila assim como seus familiares estaacute em situaccedilatildeo de vulnerabilidade agravada (MIRAGEM 2016 p 296)

5 Eacute interessante ressaltar o recente entendimento da Corte Superior no julgamento do RESP 1771169 A Terceira Turma cuja Ministra Relatora eacute Nancy Andrighi fixou tese no sentido de afastar a incidecircncia do CDC nos casos de problemas relacionados a atendimento meacutedico custeado pelo Sistema Uacutenico de Sauacutede (SUS) em hospitais privados Isto porque a participaccedilatildeo complementar da iniciativa privada na execuccedilatildeo de accedilotildees e os serviccedilos de sauacutede formalizados por contrato ou convecircnio com a admi-nistraccedilatildeo puacuteblica satildeo remunerados com base na tabela de procedimentos do SUS editada pelo Ministeacuterio da Sauacutede Assim configuram os serviccedilos prestados de forma uti universi e os prestadoresfornecedores desempenham funccedilatildeo puacuteblica

A fixaccedilatildeo da competecircncia nas accedilotildees de responsabilidade civil meacutedica em planos de sauacutede de autogestatildeo

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Deste modo eacute importante salientar que a responsabilidade civil dos meacutedicos era interpretada agrave luz da legislaccedilatildeo consumerista e tanto a opera-dora de sauacutede quanto o hospital na condiccedilatildeo de fornecedores do serviccedilo podem responder perante o consumidor E em especial agrave operadora de sauacutede sua responsabilidade seria intriacutenseca ao fornecimento de serviccedilo por meio de hospital proacuteprio e meacutedicos contratados ou por meio de meacutedi-cos e hospitais credenciados nos termos do arts 2ordm 3ordm 14ordm e 34ordm do CDC bem como pelo disposto no Coacutedigo Civil de 2002 A responsabilidade da operadora e do hospital por sua vez seria objetiva e solidaacuteria em relaccedilatildeo ao consumidor mas internamente responderiam o hospital o meacutedico e a operadora do plano de sauacutede nos limites de sua culpa (BRASIL 2012)

Nesta perspectiva haacute um ponto a ser suscitado sobre a distribuiccedilatildeo do ocircnus da prova em face das accedilotildees de responsabilidade civil meacutedica Segundo o modelo adotado pelo CPC com o acolhimento da teoria de Giuseppe Chiovenda eacute o autor da accedilatildeo que deveria provar os fatos que constituem o direito por ele afirmado Logo na relaccedilatildeo meacutedico-pacien-te seria de incumbecircncia do paciente lesado o dever de provar todos os pressupostos faacuteticos aptos a configurar o dever de indenizar ndash o fato a ilicitude a culpabilidade e o nexo de causalidade Tal encargo poderia ser penoso e por vezes conduziria agrave improcedecircncia do pedido

Com a disciplina do Coacutedigo de Defesa do Consumidor a regra geral da distribuiccedilatildeo do ocircnus da prova eacute excepcionada e invertida conforme disposiccedilatildeo do art 6ordm inciso VIII Nestes casos natildeo recai sobre a parte tra-dicionalmente lesada a responsabilidade de demonstrar a verdade mas sim a contraparte teraacute a incumbecircncia de provar o fato contraacuterio E consi-derando que haacute sedimentado tanto na jurisprudecircncia quanto na doutrina a aplicabilidade do Coacutedigo de Defesa do Consumidor na relaccedilatildeo juriacutedica mantida entre meacutedico e paciente e hospitais a inversatildeo do ocircnus da prova deveria ser aplicada uma vez que eacute imprescindiacutevel a interpretaccedilatildeo sis-temaacutetica da legislaccedilatildeo em especial o Coacutedigo Civil de 2002 o Coacutedigo de Defesa do Consumidor e a Constituiccedilatildeo Federal (BRASIL 2017 2019 2020)

Inclusive eacute de se esclarecer que quando se promove a inversatildeo do ocircnus natildeo haacute impedimento ou incompatibilidade com a responsabilidade subjetiva Portanto ainda que fornecedor responda de forma subjetiva deveraacute provar a ausecircncia de culpa na sua atuaccedilatildeo profissional Assim ao consumidor caberia provar a existecircncia do serviccedilo ou seja a relaccedilatildeo entre este e o profissional e a existecircncia do defeito de execuccedilatildeo jaacute ao meacutedico caberia provar a ausecircncia de culpa na conduta aleacutem das demais hipoacuteteses

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comuns de responsabilidade dos demais fornecedores de serviccedilos (MIRA-GEM 2016 p 631)

Por fim eacute interessante observar a solidariedade dos fornecedores de serviccedilos em face da responsabilidade meacutedica Eacute sabido que a responsa-bilidade objetiva fixada no art 14 caput do Coacutedigo de Defesa do Consu-midor abrange natildeo apenas o fornecedor direto como o organizador da cadeia de fornecimento ainda que natildeo se configurem como prestadores diretos do serviccedilo defeituoso Eacute o caso por exemplo do meacutedico hospital e administradora de plano de sauacutede responsabilizados solidariamente pelo erro meacutedico dos profissionais por ela indicados ressalvada a accedilatildeo de regresso No entanto tambeacutem eacute de se observar as particularidades da res-ponsabilidade subjetiva do meacutedico e da objetiva dos demais fornecedo-res a exemplo do hospital e plano de sauacutede haacute portanto de se atentar ao entendimento do STJ no tocante a individualizaccedilatildeo da responsabilidade (MIRAGEM 2016 p 622 ndash 630)

Diante do exposto eacute de se ressaltar que ao considerar a aplicaccedilatildeo da legislaccedilatildeo consumerista ante a natureza juriacutedica da relaccedilatildeo entre meacutedico--paciente bem como a necessidade de inversatildeo do ocircnus ante a hipossufi-ciecircncia e vulnerabilidade do paciente a competecircncia para processar e jul-gar o feito em face dos profissionais meacutedicos ainda que em litisconsoacutercio poderia ser no Juiacutezo Consumerista

Assim eacute perceptiacutevel a necessidade de problematizar a aplicaccedilatildeo do entendimento firmado e sumulado pela Corte Superior no tocante a fixa-ccedilatildeo de competecircncia no Juiacutezo Ciacutevel em face dos planos de sauacutede de auto-gestatildeo bem como a inaplicabilidade do Coacutedigo de Defesa do Consumidor nos casos em que haacute litisconsorte passivo com os profissionais meacutedicos

4 A EDICcedilAtildeO DA SUacuteMULA 608 DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTICcedilA

A Suacutemula 608 do Superior Tribunal de Justiccedila que tem como texto a aplicaccedilatildeo do Coacutedigo de Defesa do Consumidor aos contratos de plano de sauacutede desde que natildeo administrados por entidades de autogestatildeo surgiu do julgado do REsp 1285483-PB de relatoria do Min Luis Felipe Salomatildeo Cancelou-se entatildeo a Suacutemula nordm 469 a qual determinava a aplicaccedilatildeo do Coacutedigo de Defesa do Consumidor aos contratos de plano de sauacutede sem distinccedilatildeo

A fixaccedilatildeo da competecircncia nas accedilotildees de responsabilidade civil meacutedica em planos de sauacutede de autogestatildeo

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Enquanto perdurou o entendimento da Suacutemula nordm 469 do STJ era firmado pela Corte que independentemente da natureza juriacutedica adotada pelo plano de sauacutede uma vez que a qualificaccedilatildeo da pessoa juriacutedica aten-dia somente aos criteacuterios objetivos a relaccedilatildeo entre beneficiaacuterio e o plano era caracterizado como relaccedilatildeo de consumo consoante o voto proferido pela Ministra Nancy Andrighi no Resp nordm 519310SP (BRASIL 2004)

Em oposiccedilatildeo formou-se posteriormente a criaccedilatildeo da Suacutemula 608 segundo a qual deveria se levar em conta o fato do plano de sauacutede ser coordenado em modelo de autogestatildeo e ser constituiacutedo por mutualismo dos contribuintes que satildeo em regra oacutergatildeos internos das empresas en-tidades sindicais ou entidades privadas sem fins lucrativos De tal modo natildeo seria possiacutevel definir tais relaccedilotildees entre beneficiaacuterios e o plano de sauacutede como de consumo haja vista a essencialidade de ser aberto e ser possiacutevel a todos os consumidores e com finalidade lucrativa para a carac-terizaccedilatildeo

Eacute mister expor o que eacute e quais satildeo os efeitos de uma suacutemula para poder entender sua aplicaccedilatildeo ao caso proposto Em poucas palavras Ro-naldo Cramer (2018 p 315) entende que a suacutemula significa ldquoo coletivo dos enunciados representativos da jurisprudecircncia de um tribunalrdquo eacute a identi-ficaccedilatildeo de como o Tribunal julgou determinada mateacuteria e recomenda que assim se julgue No entanto as suacutemulas podem ter efeitos vinculativos ou persuasivos e no caso dos vinculativos disciplinados pelo art 103-A da Constituiccedilatildeo Federal de 1988 somente o Supremo Tribunal Federal pode-ria emitir Jaacute as persuasivas satildeo para os julgados de tribunais inferiores e da proacutepria Corte acompanharem o enunciado da jurisprudecircncia emitida (MORAIS 2016)

Em se tratando da aplicaccedilatildeo processual das suacutemulas o CPC no art 926 dispotildee que os Tribunais deveratildeo uniformizar sua jurisprudecircncia por meio da produccedilatildeo de enunciados de suacutemula passando-se a ser o enten-dimento dominante do Tribunal acerca de determinado problema juriacutedico (THEODORO JUNIOR 2018 p 1035) O Coacutedigo tambeacutem dispotildee no art 927 que os Tribunais deveratildeo observar as Suacutemulas Vinculantes (inciso II) e as Suacutemulas em mateacuteria infraconstitucional do STJ e Suacutemulas em mateacuteria Constitucional do STF (inciso IV) Ronaldo Cramer (2018) denominou tal artigo de ldquoprecedentes vinculantesrdquo e Humberto Theodoro Juacutenior (2018 p 1037) conceituou de Jurisprudecircncia de plano vertical ndash vincula todos os juiacutezes ou tribunais inferiores agraves decisotildees do STF quando em controle concentrado de constitucionalidade e suacutemulas vinculantes e aos julga-

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mentos do STF e STJ em Recurso Extraordinaacuterio e Especial Repetitivos aos enunciados de suacutemulas do STF e STJ

Nesta senda relacionando ao caso de responsabilidade civil por erro meacutedico em litisconsoacutercio passivo necessaacuterio com plano de sauacutede de au-togestatildeo eacute perceptiacutevel a necessidade de aplicaccedilatildeo da Suacutemula 608 do STJ uma vez que consoante o inciso IV do art 927 do CPC impera pela apli-caccedilatildeo do ratio decidendi do enunciado da suacutemula produzida por Tribunal Superior

5 O ENTENDIMENTO JURISPRUDENCIAL ACERCA DA COM-PETEcircNCIA

Diante do arcabouccedilo demonstrado alhures seja para o reconheci-mento da responsabilidade meacutedica pelo vieacutes consumerista ante a relaccedilatildeo material entre as partes ou pelo reconhecimento da competecircncia Civil pelo vieacutes firmado pela Corte Superior ante a dicccedilatildeo processual do CPC fa-z-se necessaacuterio apresentar a aplicaccedilatildeo dos Tribunais em torno da questatildeo

Nesta perspectiva a jurisprudecircncia a qual eacute o entendimento resul-tante de decisotildees reiteradas dos tribunais sobre um determinado assunto jaacute se posicionou em diversas ocasiotildees acerca da divergecircncia no que tange a fixaccedilatildeo de competecircncia neste caso apresentado Em alguns momentos com juiacutezos consideravelmente divergentes Isto porque conforme seraacute demonstrado adiante natildeo haacute consenso acerca de qual posicionamento deveraacute ser adotado Em alguns casos o Tribunal correspondente aplica o entendimento da Suacutemula 608 caminhando para o lado processual Jaacute em outras situaccedilotildees aplica-se o entendimento da existecircncia de relaccedilatildeo de consumo viabilizando o lado material

O Tribunal de Justiccedila do Rio de Janeiro por exemplo possuiacutea o cos-tume de adotar uma linha direcionada agrave relaccedilatildeo existente entre as partes Em um conflito de competecircncia julgado6 em 2017 entendeu-se que a

6 Competecircncia recursal Conflito negativo Atendimento de emergecircncia em hospital credenciado pelo plano de sauacutede Erro meacutedico Relaccedilatildeo de consumo Aplicaccedilatildeo do Coacutedigo de Defesa do Consumidor Precedentes do STJ e deste Oacutergatildeo Especial Aplicaccedilatildeo por analogia do Enunciado nordm 29 do Aviso 152015 Modalidade de au-togestatildeo do plano de sauacutede que in casu natildeo afasta a competecircncia das Cacircmaras Ciacuteveis Especializadas em razatildeo da relaccedilatildeo de consumo existente entre a autora e o hospital-reacuteu Competecircncia do Oacutergatildeo Julgador especializado (26ordf CC) Incidecircncia do art 6ordm-A sect 3ordm do RITJRJ Conflito julgado procedente pelo relator

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modalidade de autogestatildeo do plano de sauacutede no caso em concreto natildeo afastaria a competecircncia das Cacircmaras Especializadas em razatildeo da relaccedilatildeo de consumo existente entre a autora e o hospital-reacuteu Neste acoacuterdatildeo os julgadores ainda mencionam entendimento doutrinaacuterio neste mesmo sentido como eacute o caso de Felipe Peixoto Braga Netto (2015 p 236) que afirma

A relaccedilatildeo meacutedico-paciente eacute inegavelmente relaccedilatildeo de consumo Seja o serviccedilo prestado pelo meacutedico individual seja o serviccedilo presta-do por empresa meacutedica ou entidade hospitalar Temos em ambos os casos relaccedilatildeo de consumo cuja diferenccedila seraacute apenas da modalidade da responsabilidade subjetiva no primeiro caso objetiva no segundo

Neste caso ainda tal posicionamento possui respaldo tambeacutem no Aviso 152015 do TJ-RJ que em seu enunciado nordm 29 reafirma a compe-tecircncia das Varas Especializadas Eacute importante mencionar que tal enuncia-do foi originado a partir do julgamento de outro conflito de competecircncia no qual fora decidido por unanimidade que o mesmo deveria ser julgado improcedente visto que fora suscitado pela Vara Especial em razatildeo da relaccedilatildeo de consumo existente mesmo na presenccedila do plano de sauacutede por autogestatildeo

Entretanto com a chegada da Suacutemula 608 do Superior Tribunal de Justiccedila os tribunais do paiacutes passaram a considerar e aplicar de forma majoritaacuteria tal entendimento No Agravo Interno do Agravo em Recurso Especial nordm 1679521 de relatoria do Ministro Moura Ribeiro entendeu-se que

[] eacute de competir agrave Justiccedila Comum estadual julgar a accedilatildeo de obriga-ccedilatildeo de fazer relativa aos contratos de cobertura meacutedico-hospitalar por se tratar o feito de natureza eminentemente civil [] Aos planos de sauacutede regidos sob a modalidade de autogestatildeo satildeo inaplicaacuteveis as normas contidas no Coacutedigo de Defesa do Consumidor tendo em vista que natildeo se pode dar o mesmo tratamento destinado agraves empre-sas privadas que exploram essa atividade com finalidade lucrativa agraves entidades sob a modalidade de autogestatildeo ao fundamento de que estas natildeo visam ao lucro sendo totalmente dissociadas das demais operadoras de sauacutede que natildeo adotam tal modalidade em sua cons-tituiccedilatildeo

De igual modo o Tribunal de Justiccedila do Distrito Federal entendeu nos Embargos de Declaraccedilatildeo do processo de nordm 0709352-5520178070007 pela aplicabilidade do Coacutedigo de Defesa do Consumidor em processos

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envolvendo entidade de autogestatildeo em razatildeo da superveniecircncia do en-tendimento sumulado do STJ Ou seja o relator Desembargador Joatildeo Egmont afirmou que agrave eacutepoca do julgamento do acoacuterdatildeo objeto deste embargo de declaraccedilatildeo no ano de 2018 ainda natildeo existia a mencionada suacutemula e que por este motivo entendeu-se por aplicar os institutos do Coacutedigo de Defesa do Consumidor no julgamento

Pondera-se deste modo que com a chegada deste atual entendi-mento a tendecircncia seria de que os Tribunais do Brasil passem tambeacutem a adotar tal posicionamento Aqueles que jaacute tiveram a oportunidade de se manifestar optaram por seguir a linha adotada pela instacircncia Supe-rior

Nesta senda vislumbra-se que o conflito gerado por esta duacutevida acerca da atribuiccedilatildeo de competecircncias nos casos de responsabilidade civil meacutedica em contratos de planos de sauacutede de autogestatildeo seguiu seu curso normal ao ser dirimido pelo ramo do Estado responsaacutevel pela soluccedilatildeo de discordacircncias da sociedade Considerando que o Superior Tribunal de Justiccedila dentre as suas diversas atribuiccedilotildees eacute considerado responsaacutevel por uniformizar a interpretaccedilatildeo da lei por todo o paiacutes haacute de se esperar que as demais instacircncias sigam o posicionamento adotado por ele ainda mais se tratando de um entendimento sumulado

Recentemente surgiu uma posiccedilatildeo jaacute deveras adotada no que se refere agrave inversatildeo do ocircnus da prova ao considerar a hipossuficiecircncia do paciente Os julgadores passaram a aplicar o quanto disposto no artigo 373 sect 1ordm do CPC o qual confere ao juiz a possibilidade distribuir atraveacutes de decisatildeo fundamentada o ocircnus probante O Tribunal de Justiccedila do Rio de Janeiro no Agravo de Instrumento de nordm 0042435-2320198190000 de relatoria do desembargador Ricardo Alberto Pereira que antes possuiacutea en-tendimento da competecircncia do Juiacutezo consumerista nesses casos passou a entender que apoacutes enunciado nordm 608 da Suacutemula do STJ a competecircncia seria do Juiacutezo Ciacutevel e neste sentido o juiz da causa teria a incumbecircncia de proceder com a distribuiccedilatildeo do ocircnus probatoacuterio e a anaacutelise das provas necessaacuterias ao deslinde do feito

Na mesma linha de pensamento decidiu o TJ-DF no acoacuterdatildeo nordm 0711268-4320208070000 de relatoria da desembargadora Simone Lu-cindo que poderaacute o julgador nos casos previstos em lei ou diante das pe-culiaridades da causa atribuir o ocircnus da prova agrave parte que tenha melhores condiccedilotildees de produzi-lo

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6 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS

Eacute inteligiacutevel entatildeo a partir do quanto esposado a problematizaccedilatildeo a partir do entendimento a ser adotado pelos operadores do direito ao se depararem com a competecircncia em se tratar de responsabilidade meacutedica em casos de plano de sauacutede com autogestatildeo

Anterior ao ano de 2018 o entendimento majoritaacuterio era no sentido de aplicar a legislaccedilatildeo consumerista em razatildeo da natureza juriacutedica da re-laccedilatildeo meacutedico-paciente bem como da indispensabilidade da inversatildeo do ocircnus da prova em virtude da situaccedilatildeo de hipossuficiecircncia que permeia a parte paciente Entretanto com a chegada da suacutemula 608 do STJ os entendimentos jurisprudenciais passaram a caminhar para o sentido da inaplicabilidade do Coacutedigo de Defesa do Consumidor e viabilidade do Juiacutezo Ciacutevel em razatildeo da incidecircncia dos contratos de plano de sauacutede de autogestatildeo

Em razatildeo desta dubiedade eacute deveras comum que haja uma certa confusatildeo entre os causiacutedicos acostumados a lidarem com causas desta natureza acerca do direcionamento de suas accedilotildees Surge ainda o receio no que tange agrave proteccedilatildeo daquela parte dependente que contrata o plano de sauacutede em ser notadamente vulneraacutevel em estar em desvantagem na demanda em razatildeo da inviabilidade da utilizaccedilatildeo da inversatildeo do ocircnus da prova no juiacutezo ciacutevel

Os julgadores entatildeo passaram a assegurar a aplicabilidade do Coacute-digo de Processo Civil Ele em seu artigo 3737 versa acerca do ocircnus da prova e disciplina no sect 1ordm sobre situaccedilotildees previstas em lei ou diante de peculiaridades da causa relacionadas agrave impossibilidade ou agrave excessiva di-ficuldade de provar o quanto alegado Assim confere ao julgador atribuir o ocircnus da prova de modo diverso desde que por decisatildeo devidamente fundamentada

Destarte diante desta via adotada observa-se que a proteccedilatildeo con-ferida pelo Coacutedigo de Defesa do Consumidor aos vulneraacuteveis que natildeo

7 Art 373 sect 1ordm do Coacutedigo de Processo Civil ndash Nos casos previstos em lei ou diante de peculiaridades da causa relacionadas agrave impossibilidade ou agrave excessiva dificuldade de cumprir o encargo nos termos do caput ou agrave maior facilidade de obtenccedilatildeo da prova do fato contraacuterio poderaacute o juiz atribuir o ocircnus da prova de modo diverso desde que o faccedila por decisatildeo fundamentada caso em que deveraacute dar agrave parte a oportunidade de se desincumbir do ocircnus que lhe foi atribuiacutedo

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poderia ser aplicada nas Varas Ciacuteveis em razatildeo da ediccedilatildeo da suacutemula do STJ pode ser tambeacutem aplicada atraveacutes do CPC O resultado portanto acabaria por ser semelhante uma vez que o juiz confere agrave parte hipossuficiente a defesa do seu direito e a facilitaccedilatildeo de defesa em razatildeo de sua condiccedilatildeo quanto agrave questatildeo da possiacutevel responsabilidade meacutedica a ser discutida

Como fora possiacutevel de se observar no toacutepico anterior os tribunais de justiccedila dos Estados jaacute comeccedilaram a adotar este entendimento como por exemplo o TJ-RJ e o TJ-DF em julgados recentes do ano de 2019 e 2020 Ou seja a conjugaccedilatildeo do princiacutepio do livre convencimento do juiz junto com o diploma processual permite ao oacutergatildeo competente a anaacutelise das provas necessaacuterias ao deslinde do feito sem que haja qualquer prejuiacutezo agraves partes principalmente aquela que seria prejudicada em razatildeo de sua demanda natildeo versar sobre a proteccedilatildeo conferida pelo juiacutezo de consumo

Por fim eacute de conhecimento dos profissionais do mundo juriacutedico que o CPC de 2015 inovou ao estabelecer que o sistema de precedentes deve ser observado pelo juiz no momento de tomada de sua decisatildeo (FERNAN-DES 2016) O artigo 489 deste diploma processual inclusive menciona que aquela decisatildeo que contraria suacutemula jurisprudecircncia ou precedente invocado pela parte sem demonstrar a existecircncia de distinccedilatildeo no caso em julgamento natildeo eacute considerada fundamentada

Ou seja haacute um direcionamento presente no ordenamento juriacutedico em guiar o Judiciaacuterio a se vincular natildeo somente agrave lei mas tambeacutem aos precedentes judiciais Estes por sua vez conforme afirma o Min Luis Fux precisam ser estaacuteveis para que haja uma forccedila determinante Satildeo aqueles posicionamentos considerados paciacuteficos sumulados ou que foram de-cididos em um caso com repercussatildeo geral ou oriundo do incidente de resoluccedilatildeo de demandas repetitivas ou de recursos repetitivos Isto eacute natildeo satildeo entendimentos aplicados por membros isolados atraveacutes de decisotildees monocraacuteticas (RODAS 2015) Poreacutem importante mencionar que haacute diver-gecircncia na doutrina e jurisprudecircncia acerca da constitucionalidade deste artigo bem como da aparente obrigatoriedade do juiz em se vincular aos precedentes superiores Alguns estudiosos por exemplo entendem que o magistrado deveria observar levar em conta e analisar e natildeo necessaria-mente se ver compelido a seguir

De qualquer modo no que pertine agrave discussatildeo trazida neste presente trabalho vislumbrou-se que jaacute haacute uma tendecircncia dos tribunais em se-guir a linha processual e adotar o posicionamento da Suacutemula 608 do STJ Sendo assim as accedilotildees que possuam em debate questotildees relacionadas ao

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contrato de plano de sauacutede de autogestatildeo poderatildeo seguir nas varas ciacuteveis em decorrecircncia do entendimento jurisprudencial (DAVID 2015)

Importante mencionar ainda que a parte considerada hipossuficien-te contratante do plano de sauacutede natildeo seraacute prejudicada com relaccedilatildeo agrave inversatildeo do ocircnus da prova Isto porque conforme acima mencionado o causiacutedico poderaacute se valer do artigo 373 sect 1ordm do CPC e requerer ao juiz a atribuiccedilatildeo de modo diverso sob alegaccedilotildees diversas de dificuldade para cumprimento de tal encargo

Em linhas gerais essa distribuiccedilatildeo dinacircmica do ocircnus probatoacuterio con-fere agraves partes a possibilidade de obterem o resultado desejado sem que haja qualquer divergecircncia da decisatildeo proferida pelo Tribunal Superior Assim a tutela perseguida por um dos demandantes seraacute devidamente analisada pelo juiacutezo considerado competente caminhando mais distante da trilha de reformulaccedilotildees e reconsideraccedilotildees posteriores que possam vir a tumultuar o andamento processual

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______ Superior Tribunal de Justiccedila REsp 866371RS Rel Min Raul Arauacutejo Quarta Tur-ma julgado em 27032012 DJe de 20082012 Citado como BRASIL 2012

______ Superior Tribunal de Justiccedila REsp 1285483PB Rel Min Luis Felipe Salomatildeo SEGUNDA TURMA julgado em 22062016 DJe 16082016

______ Superior Tribunal de Justiccedila REsp 1667776SP Rel Min Herman Benjamin SE-GUNDA TURMA julgado em 13062017 DJe 01082017 Citado como BRASIL 2017

______ Superior Tribunal de Justiccedila REsp 1806813SP Rel Ministro Herman Benjamin SEGUNDA TURMA julgado em 15082019 DJe 10092019

______ Superior Tribunal de Justiccedila AgInt no AREsp 1666161 SP 20200038631-9SP Rel Ministra Nancy Andrigui TERCEIRA TURMA julgado em 24082020 DJe 21082020

______ Superior Tribunal de Justiccedila AgInt no AREsp 1649072RJ Rel Ministro Luis Felipe Salomatildeo QUARTA TURMA julgado em 10082020 DJe 13082020 Citado como BRASIL 2020

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Nuances da uniformizaccedilatildeo de jurisprudecircncia e advento do IRDR no CPC2015 para suas aplicabilidades

nos Juizados Especiais

1 Especialista em Direito Previdenciaacuterio e Bacharel em Direito pela UNESA Especialista em Liacutengua Portuguesa pela REALIZA Poacutes-GraduaccedilatildeoBA Licenciado em Letras Vernaacute-culas pela UESB Advogado

Iuri Santos Ferreira da Silva1

Resumo Este estudo visa a traccedilar anaacutelises a respeito da importacircncia do advento dos Juizados Especiais para a apreciaccedilatildeo de demandas de menor complexidade e com propostas de tornarem ceacuteleres as resolu-ccedilotildees de conflitos bem como a facilitaccedilatildeo do acesso agrave justiccedila por uma grande parcela da populaccedilatildeo Ainda o trabalho presta-se a avaliar institutos que surgem no direito brasileiro em momento preacute e poacutes Constituiccedilatildeo de 1988 quais sejam a Uniformizaccedilatildeo de Jurisprudecircn-cia criada jaacute no CPC de 1973 sob o advento das suacutemulas existentes na deacutecada de 1960 na Corte Suprema e o IRDR ndash Incidente de Reso-luccedilatildeo de Demandas Repetitivas proveniente do CPC2015 Por fim aponta os contextos sobre os instrumentos de acesso agrave justiccedila e as divergecircncias existente quanto a competecircncias sob o alvitre de sobre-cargas de demandas cujos fatos trazem prejuiacutezos aos jurisdicionados haja vista a essencialidade dos Juizados Especiais

Palavras-chave Juizados Especiais Uniformizaccedilatildeo de jurisprudecircncia IRDR

1 BREVE ANAacuteLISE SOBRE AS URGEcircNCIAS DAS EVOLUCcedilOtildeES SOCIAIS E NECESSIDADES ECONOcircMICAS REFLETIDAS NO DIREITO CONTEMPORAcircNEO O ADVENTO DOS JUIZADOS

A existecircncia das intervenccedilotildees do homem com o ambiente que o cer-ca bem como as suas relaccedilotildees interpessoais satildeo o cerne da existecircncia do Direito ciecircncia tida como um ramo de estudo e ao mesmo tempo um instrumento de adequaccedilatildeo agraves demandas sociais sobre as quais a histoacuteria

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demonstra que satildeo totalmente mutaacuteveis e voluacuteveis Neste sentido cabiacutevel afirmar que se fez necessaacuterio o surgimento um instrumento de pacifica-ccedilatildeo em sociedade cuja aplicabilidade se prestava agrave resoluccedilatildeo de conflitos oriundos dos anseios e expectativas nestas relaccedilotildees

Com o passar do tempo a humanidade evoluiu e concomitantemen-te irrompeu natildeo sendo mais possiacutevel a partir de entatildeo um equiliacutebrio al-mejado somente pela existecircncia de bons costumes respeito e civilidade a ponto de que as demandas trazidas para o campo do Direito urgissem deste respostas mais efetivas sob pena de perecimento de bens disponiacute-veis e indisponiacuteveis tais como a vida a integridade a sauacutede a proprieda-de a acessibilidade entre outros

Nesta perspectiva foram necessaacuterios (e permanecem sendo) os ad-ventos e suas efetivas aplicaccedilotildees de institutos juriacutedicos que acompanhas-sem o ritmo destas demandas com o escopo de assegurar maior acesso agrave justiccedila evitar a (jaacute existente) sobrecarga do aparato judiciaacuterio em todo o mundo pela lentidatildeo do tracircmite de processos como tambeacutem de repelir as desconformidades nas decisotildees que versassem sobre temas comuns afins fazendo valer o princiacutepio da seguranccedila juriacutedica

Importante ressaltar que na contemporaneidade especificamente em momento de preluacutedio agrave promulgaccedilatildeo da Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica Federativa do Brasil de 1988 (a saber em 1982 e em 1984) e logo apoacutes a mesma sob esta eacutegide surgem as Casas Judicantes especializadas em atender a demandas de menor complexidade o que pressupotildee a sua de-finiccedilatildeo em menor tempo em cotejo com demandas de maior apuraccedilatildeo faacutetica e probatoacuteria Neste compasso cite-se a experiecircncia pioneira dos Conselhos de Conciliaccedilatildeo e Arbitragem engendrados no Rio Grande do Sul em 1982 em seguida a ediccedilatildeo da Lei nordm 724484 a qual deu azo ao Juizado de Pequenas Causas a menccedilatildeo ao Juizado de Pequenas Causas jaacute no proacuteprio art 24 X da CRFB88 com a determinaccedilatildeo de criaccedilatildeo de Juizados Especiais no art 98 I (redaccedilatildeo dada pela EC nordm 452004) deste arcabouccedilo a aprovaccedilatildeo da Lei Federal nordm 909995 que criou os Juizados Especiais Ciacuteveis e Criminais e que por consequecircncia revogou em seu art 97 a Lei nordm 724484 a partir de entatildeo passando a ser uma Justiccedila Especial

Ora o propoacutesito da criaccedilatildeo destas foi o de trazer a otimizaccedilatildeo das resoluccedilotildees de conflitos no que cerne agrave economicidade processual ins-trumentalidade de formas oralidade (com incentivo agrave conciliaccedilatildeo) cele-ridade e simplicidade ao passo que no Brasil jaacute na deacutecada de 1960 os

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tribunais faziam uso das suacutemulas (na data de 1963 tendo como mentor e propagador do instrumento o Min Victor Nunes Leal do Supremo Tri-bunal Federal) como uma ferramenta a diminuir os volumes de demanda sobretudo pela menor estrutura do sistema judiciaacuterio neste periacuteodo

2 INTRODUCcedilAtildeO AOS INSTITUTOS JURIacuteDICOS DA UNIFORMI-ZACcedilAtildeO DE JURISPRUDEcircNCIA E IRDR NO DIREITO BRASI-LEIRO

Ora no mundo juriacutedico eacute sabido que para todas as accedilotildees levadas agrave apreciaccedilatildeo judicial eacute necessaacuteria uma adequaccedilatildeo agrave formalidade de proce-dimento a qual estabelece as condiccedilotildees para que esta demanda possa de fato ser apreciada

Todavia estas (in) adequaccedilotildees ou (in) viabilidades nem sempre satildeo identificadas no iniacutecio do ato processual ao passo que nestas ocasiotildees o legislador trouxe o instituto da uniformizaccedilatildeo de jurisprudecircncia que se propotildee agrave dirimiccedilatildeo e eliminaccedilatildeo de controveacutersia acerca de determinada mateacuteria assim como a avocaccedilatildeo da seguranccedila juriacutedica que jaacute existia na Lei nordm 586973 em seus artigos 476 a 479

Importante frisar que apesar de o instituto natildeo possuir toacutepico es-peciacutefico no novel arcabouccedilo o mesmo reitera os paracircmetros acerca do instituto de maneira esparsa a exemplo da observaccedilatildeo dos precedentes do art 927 o qual assim versa

Os juiacutezes e os tribunais observaratildeo

I ndash as decisotildees do Supremo Tribunal Federal em controle concentrado de constitucionalidade

II ndash os enunciados de suacutemula vinculante

III ndash os acoacuterdatildeos em incidente de assunccedilatildeo de competecircncia ou de resoluccedilatildeo de demandas repetitivas e em julgamento de recursos ex-traordinaacuterio e especial repetitivos

IV ndash os enunciados das suacutemulas do Supremo Tribunal Federal em mateacuteria constitucional e do Superior Tribunal de Justiccedila em mateacuteria infraconstitucional

V ndash a orientaccedilatildeo do plenaacuterio ou do oacutergatildeo especial aos quais estiverem vinculados

sect 1ordm Os juiacutezes e os tribunais observaratildeo o disposto no art 10 e no art 489 sect 1ordm quando decidirem com fundamento neste artigo

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sect 2ordm A alteraccedilatildeo de tese juriacutedica adotada em enunciado de suacutemula ou em julgamento de casos repetitivos poderaacute ser precedida de audiecircn-cias puacuteblicas e da participaccedilatildeo de pessoas oacutergatildeos ou entidades que possam contribuir para a rediscussatildeo da tese

sect 3ordm Na hipoacutetese de alteraccedilatildeo de jurisprudecircncia dominante do Supre-mo Tribunal Federal e dos tribunais superiores ou daquela oriunda de julgamento de casos repetitivos pode haver modulaccedilatildeo dos efeitos da alteraccedilatildeo no interesse social e no da seguranccedila juriacutedica

sect 4ordm A modificaccedilatildeo de enunciado de suacutemula de jurisprudecircncia pa-cificada ou de tese adotada em julgamento de casos repetitivos observaraacute a necessidade de fundamentaccedilatildeo adequada e especiacutefica considerando os princiacutepios da seguranccedila juriacutedica da proteccedilatildeo da confianccedila e da isonomia

sect 5ordm Os tribunais daratildeo publicidade a seus precedentes organizando--os por questatildeo juriacutedica decidida e divulgando-os preferencialmente na rede mundial de computadores

De outra sorte emergem as inovaccedilotildees no CPC de 2015 a exemplo do denominado IRDR ndash Incidente de Resoluccedilatildeo de Demandas Repetitivas cuja justificativa para seu advento eacute a ocorrecircncia simultacircnea de efetiva repeticcedilatildeo de processos que contenham controveacutersia sobre a mesma ques-tatildeo unicamente de direito e o risco de ofensa agrave isonomia e agrave seguranccedila ju-riacutedica consoante aduz o art 976 Caput e incisos I e II da Lei nordm 1310515

Nesta toada nota-se que ambos os institutos possuem sua relevacircncia para que seja obstado o grande volume de accedilotildees apresentadas nas ins-tacircncias superiores das Casas Judiciaacuterias assim como natildeo se legitime lesatildeo a direito sobre temas que jaacute foram apreciados ou que estatildeo na iminecircncia de apreciaccedilatildeo

Destarte em que pese a regulamentaccedilatildeo do IRDR no CPC15 o CNJ jaacute vem emitindo enunciados com fins de uniformizaccedilatildeo de jurisprudecircncia sobre os quais aqui seratildeo levantadas pontuais ponderaccedilotildees

3 O INCIDENTE DE RESOLUCcedilAtildeO DE DEMANDAS REPETITIVAS E SUAS EFETIVIDADES TRAZIDAS NA LEI 1310515

Conforme anais do STJ o instituto do IRDR tem equivalecircncia com o recurso repetitivo apreciado pelo Superior Tribunal poreacutem no acircmbito dos Tribunais de Justiccedila e Tribunais Regionais Federais Sendo assim constata-da a existecircncia de diversas demandas nas quais se discute a mesma ques-tatildeo de direito os tribunais de segundo grauinstacircncia podem selecionar

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um processo para a fixaccedilatildeo de tese a qual seraacute aplicada a todos os casos congruentes

Ainda assim aduz o Superior Tribunal (consoante gestatildeo atribuiacuteda ao Min Paulo de Tarso Sanseverino)

Admitido o incidente o tribunal suspenderaacute o tracircmite de todos os processos individuais ou coletivos em sua jurisdiccedilatildeo Com a admissatildeo o CPC2015 estabelece que legitimados como as partes o Ministeacuterio Puacuteblico ou a Defensoria Puacuteblica poderatildeo requerer ao Supremo Tribu-nal Federal (STF) ou ao STJ a depender da mateacuteria a ampliaccedilatildeo da eficaacutecia de suspensatildeo em todo o territoacuterio nacional

O pedido de suspensatildeo nacional dirigido ao STJ explica-se pela hi-poacutetese de que contra o acoacuterdatildeo de segundo grau proferido no julga-mento do IRDR caberaacute a interposiccedilatildeo de recurso especial quando a questatildeo discutida versar sobre interpretaccedilatildeo de lei federal

O instituto por trazer inovaccedilotildees no mundo juriacutedico possui a sua com-plexidade e uma delas repousa no fato de que sob a visatildeo do estudioso Marcos Vinicius Gonccedilalves a doutrina majoritaacuteria tem considerado mais um requisito para a instauraccedilatildeo do mesmo que dos muacuteltiplos processos em que a questatildeo juriacutedica esteja sendo discutida ao menos um jaacute esteja no tribunal por forccedila de recurso remessa necessaacuteria ou competecircncia ori-ginaacuteria (GONCcedilALVES 2020 p1356)

Sinalize-se que diante de divergecircncias doutrinaacuterias sobre a sua ope-racionalidade nos processos existentes tem prevalecido nos pretoacuterios bra-sileiros o reconhecimento do IRDR com a preexistecircncia de uma ldquocausa-pa-radigmardquo ao passo que o instrumento soacute pode ser implementado havendo uma causa concreta pendente que esteja no tribunal ao qual pertence o oacutergatildeo competente para julgaacute-lo Deste modo o instituto eacute processado como incidente nesse processo e a questatildeo juriacutedica eacute examinada no caso concreto no qual o incidente foi instaurado

Ainda GONCALVES (2020) assevera que no mesmo instante da apre-ciaccedilatildeo pelo oacutergatildeo de um caso concreto o qual decide a questatildeo juriacutedica com forccedila de precedente vinculante o que foi decidido deve ser aplicado nos demais processos pendentes que versem sobre a mesma questatildeo e que estejam no tribunal ou nas Instacircncias inferiores

Saliente-se que em qualquer dos processos em tracircmite no qual a questatildeo juriacutedica seja discutida esteja o IRDR jaacute no tribunal ou instacircncia inferior sendo o mesmo admitido no entanto ele seraacute implementado no

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processo que estiver pendente na Colenda Casa o que exige como requi-sito do IRDR que haja ao menos um deles em curso no tribunal para que nele possa ser implementado o incidente que natildeo seraacute possiacutevel se todos os muacuteltiplos processos versando sobre a mesma questatildeo juriacutedica estive-rem no primeiro grau (a exemplo do IRDR nordm 1591478-0 TJ-PR o qual foi inadmitido por natildeo atendimento dos requisitos acima destacados)

A propoacutesito de ilustraccedilatildeo apontem-se alguns enunciados oriundos do ENFAM (Escola Nacional de Formaccedilatildeo e Aperfeiccediloamento de Ma-gistrados) quanto agrave proposiccedilatildeo dos IRDRs em sede de Juizados Especiais

Enunciado nordm 21 ndash O incidente pode ser suscitado com base em deman-das repetitivas em curso nos juizados especiais

Enunciado nordm 22 ndash A instauraccedilatildeo do IRDR natildeo pressupotildee a existecircncia de processo pendente no respectivo tribunal

Enunciado nordm 44 ndash Admite-se o IRDR nos juizados especiais que deveraacute ser julgado por oacutergatildeo colegiado de uniformizaccedilatildeo do proacuteprio sistema

Sinalize-se que apesar dos ditames dos enunciados emanados das associaccedilotildees de magistrados sobre a plausibilidade de apreciaccedilatildeo pelos Juizados Especiais haacute um grande embate entre os TRFs e TJs com o STJ em razatildeo de alegada sobrecarga de demandas nas primeiras acerca desta adequaccedilatildeo em virtude de alegada inconstitucionalidade na atribuiccedilatildeo dos Juizados em apreciar o IRDR em virtude da proacutepria Resoluccedilatildeo nordm 032016 do STJ evento sobre o qual haveraacute consideraccedilotildees a seguir

4 POSICIONAMENTOS DO STF E RESOLUCcedilAtildeO Nordm 0346 DO CNJ CRIacuteTICAS AO MANEJO DAS UNIFORMIZACcedilOtildeES DE JU-RISPRUDEcircNCIA NOS JUIZADOS E INTERPOSICcedilAtildeO DE DE-MAIS RECURSOS AgraveS CORTES MAacuteXIMAS

Com destaques ao advento dos Juizados Especiais da Lei nordm 909995 neste estudo eacute deveras relevante abordar sobre o microssistema dos jui-zados existente no Brasil para que se possa entender a dialeticidade da utilizaccedilatildeo das uniformizaccedilotildees de jurisprudecircncia como ferramenta de am-paro em cada Casa Judicante

Portanto este sistema dos Juizados Especiais eacute composto origina-riamente pelos Juizados Especiais Estaduais Comuns (Lei nordm 909995) em seguida pelos Juizados Especiais Federais (Lei nordm 102592001) e pe-los Juizados Especiais da Fazenda Puacuteblica Estadual e Municipal (Lei nordm

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121532009) Dito isto saliente-se que entendeu o legislador por limitar a quantidade de ferramentas recursais e procedimentais em nome de uma efetividade dos princiacutepios alhures mencionados no instante em que res-tringe o cabimento dos recursos quais sejam os Embargos de Declaraccedilatildeo (dirigido em face de sentenccedila de piso decisatildeo monocraacutetica e acoacuterdatildeo da Turma Recursal constante nos arts 994 IV 1022 a 1026 do CPC e arts 48 a 50 83 da Lei 909995) Recurso Inominado (direcionado agrave Turma Recur-sal consoante art 41 a 43 da Lei nordm 909995) e o Recurso Extraordinaacuterio (Enunciado de Suacutemula nordm 640 STF) para as Cortes Superiores em situaccedilotildees excepcionais

Ademais aponte-se uma observaccedilatildeo quanto agrave limitaccedilatildeo dos Juizados Especiais Ciacuteveis a existecircncia de um importante instrumento juriacutedico plei-teado quando o jurisdicionado tem direito lesado ou sob ameaccedila por de-cisatildeo jaacute tratada em temaacuteticas interpretativas de lei federal qual seja o PE-DILEF ndash Pedido de Uniformizaccedilatildeo de Interpretaccedilatildeo de Lei Federal ao passo que sua viabilidade restringe-se aos JEFs (art14 sect 4ordm da Lei 102592001) e dos Juizados Especiais da Fazenda Puacuteblica (art18 sect 3ordm e 19 caput da Lei 121532009) haja vista que a Lei nordm 909995 natildeo inovou quanto a este instrumento Nesta senda o instrumento seraacute apontado nas hipoacuteteses de

a) Interpretaccedilatildeo de lei federal destoante entre Turmas Recursais de diferentes Estados

b) Decisatildeo de Turma de Uniformizaccedilatildeo que contrariar suacutemula do STJ

Outrossim cite-se a ediccedilatildeo da Resoluccedilatildeo nordm 032016 do STJ a qual restringiu o cabimento da Reclamaccedilatildeo dirigida a esta Corte na hipoacutetese de decisatildeo de Turma Recursal Estadual que contrariar jurisprudecircncia do STJ consolidada em a) incidente de assunccedilatildeo de competecircncia b) inciden-te de resoluccedilatildeo de demandas repetitivas (IRDR) c) julgamento de recurso especial repetitivo d) enunciados das Suacutemulas do STJ e) precedentes do STJ Desta forma a hipoacutetese de divergecircncia de entendimento jurispru-dencial entre Turmas Recursais de Juizados especiais criminais comuns de diferentes Estados natildeo desafia o manejo de Pedido de Uniformizaccedilatildeo de Lei Federal perante o STJ Ou seja estas limitaccedilotildees e vedaccedilotildees reforccedilam a ideia de que o instrumento possui grande limitaccedilatildeo pois seu rol se de-monstra taxativo

Sobre estes entraves apreciem-se os exemplos tais como o julga-mento (procedente) de do Incidente de Inconstitucionalidade nordm 0000948-2120188150000 da Segunda Seccedilatildeo Especializada Ciacutevel do TJ-PB cuja

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relatora a Des Maria das Graccedilas M Guedes asseverou que o STJ natildeo de-teacutem competecircncia legislativa para ampliar as atribuiccedilotildees jurisdicionais do TJPB por ser tema da competecircncia a ser regulado pelo proacuteprio Estado Federado no exerciacutecio da autonomia poliacutetico-administrativa assegurada na CRFB88 e materializada no artigo 1ordm da sua Constituiccedilatildeo Estadual Ainda elucida que aleacutem da autonomia aludida o STF no julgamento do RE nordm 571572-BA declarou ser competente o STJ para dirimir divergecircncia entre decisotildees proferidas pelas turmas recursais estaduais e sua proacutepria jurisprudecircncia ateacute a criaccedilatildeo da turma de uniformizaccedilatildeo dos juizados espe-ciais estaduais No mesmo toar a relatora pontua que a referida Resoluccedilatildeo tambeacutem estaacute dissonante com o art 125 sect 1ordm da CRFB

Ainda aponte-se o julgado do TJMG sobre a mencionada arguiccedilatildeo

Ementa arguiccedilatildeo de inconstitucionalidade Reclamaccedilatildeo Resoluccedilatildeo nordm 3 de 2016 do STJ Fixaccedilatildeo de competecircncia Divergecircncia entre acoacuterdatildeo prolatado por turma recursal estadual e jurisprudecircncia do Superior Tribunal de Justiccedila Julgamento da Reclamaccedilatildeo pelos tribu-nais estaduais Inconstitucionalidade Incidente acolhido (Processo nordm 1000016039708-9001 Rel Caetano Levi Lopes DJe 15062018)

Destes cenaacuterios eacute possiacutevel afirmar que restam latentes os conflitos entre as Casas Judicantes brasileiras no que cerne implicitamente ao afas-tamento de novas atribuiccedilotildees de um lado e manutenccedilatildeo das agregaccedilotildees de anaacutelises pelas Cortes Maacuteximas de outro sob a alegaccedilatildeo de sobrecarga de demandas nos pretoacuterios situaccedilatildeo que no final acaba por tolhir os di-reitos e garantias estabelecidas na CRFB88

De outra banda com sua efetividade somente em 2017 delineou-se a efetividade da suspensatildeo nacional de determinada demanda por admis-satildeo do IRDR pelo STJ sob a gestatildeo do Min Paulo de Tarso Sanseverino oriundo do Tribunal Regional Federal da 4ordf Regiatildeo sob a Resoluccedilatildeo nordm 543 do Contran que trata da inclusatildeo de aulas em simulador de direccedilatildeo veicular para a obtenccedilatildeo da carteira nacional de habilitaccedilatildeo Pautado no art 982 paraacutegrafo 3ordm do Coacutedigo de Processo Civil (CPC) de 2015 o STJ por meio da Emenda Regimental 222016 introduziu em seu Regimento Interno o artigo 271-A estabelecendo que o presidente do tribunal pode-raacute suspender as accedilotildees que versem sobre o objeto do incidente por motivo de seguranccedila juriacutedica ou por excepcional interesse social

Neste contexto eacute criacutevel que as discussotildees acerca do tema ainda pre-cisam de ampla atenccedilatildeo dos aplicadores do direito bem como de apro-fundamentos dos estudos por parte dos doutrinadores uma vez que a

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aplicabilidade destes institutos prima pela seguranccedila juriacutedica pleno aces-so agrave justiccedila diminuiccedilatildeo das demandas convencionais como tambeacutem pelo caraacuteter satisfativo dos conflitos existentes na sociedade

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DIDIER JR Fredie Curso de Direito Processual Civil o processo civil nos tribunais recursos accedilotildees de competecircncia originaacuteria de tribunal e querela nullitatis incidentes de competecircn-cia originaacuteria de tribunal 13ordf ed Salvador Juspodium 2016

GONCcedilALVES Marcus V Rios Direito Processual Civil Esquematizado 11ordf ed SP Saraiva Edu-caccedilatildeo 2020

LENZA Pedro Direito Constitucional Esquematizado 24ordf ed SP Saraiva 2020

MORAES Alexandre de Direito Constitucional 35ordf ediccedilatildeo Atlas 2019

PINTO Oriana P de Azevedo Magalhatildees Abordagem Histoacuterica e Juriacutedica dos Juizados de Pequenas Causas aos atuais Juizados Especiais Ciacuteveis e Criminais Brasileiros ndash Parte II Disponiacutevel em lthttpswwwtjdftjusbrinstitucionalimprensacampanhas-e-pro-dutos artigos-discursos-e-entrevistasartigos2008abordagem-historica-e-juridica--dos-juizados-de-pequenas-causas-aos-atuais-juizados-especiais-civeis-e-criminais--brasileiros-parte-ii-juiza-oriana-piske-de-azevedo-magalhaes-pintogt Acesso em 16 nov 2020

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A melhoria da prestaccedilatildeo jurisdicional a partir do

fortalecimento das accedilotildees articuladas com oacutergatildeos de defesa

do consumidor em vista da desjudicializaccedilatildeo das demandas

1 Advogado Especialista em Direito do consumidor Mestrando em Direito Superin-tendente do ProconBA e Presidente da Associaccedilatildeo Brasileira de Procons ndash PRO-CONSBRASIL

Filipe de Arauacutejo Vieira1

Resumo O presente estudo surge motivado pela comemoraccedilatildeo dos 25 anos do COJE que nos leva a refletir sobre os avanccedilos experimen-tados ao longo deste tempo para projetar as nossas perspectivas futuras Com efeito sendo o direito uno e o Estado uma uacutenica forccedila manifestada pelo Executivo e pelo Judiciaacuterio as accedilotildees articuladas permitiram o enfrentamento ao volume e demandas o trabalho pre-ventivo e educativo para evitar o litiacutegio a busca pela conciliaccedilatildeo dos interessados inclusive por meacutetodos alternativos de soluccedilatildeo de con-flitos dentre outras iniciativas Balizar-se nos limites da prestaccedilatildeo do serviccedilo jurisdicional de qualidade e da garantia do acesso agrave justiccedila em contraponto com a desjudicializaccedilatildeo das demandas Nesta linha discutimos iniciativas e projeccedilotildees otimistas de evoluccedilatildeo social prin-cipalmente por considerar as iniciativas e parcerias realizadas com os oacutergatildeos de proteccedilatildeo e defesa do consumidor como o PROCONBA na consecuccedilatildeo dos fins comuns defesa do cidadatildeo na linha do quanto recomenda o Plano Nacional de Consumo e Cidadania

Palavras-chave Prestaccedilatildeo Jurisdicional Accedilotildees Articuladas Defesa do Consumidor Juizado Procon Conciliaccedilatildeo Desjudicializaccedilatildeo

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1 APRESENTACcedilAtildeO

A lei natildeo excluiraacute da apreciaccedilatildeo do Poder Judiciaacuterio lesatildeo ou ameaccedila a direito Assim institui o art 5ordm XXXV da Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica Federativa do Brasil de 1988 ao determinar a todo e qualquer indiviacuteduo o Direito de Acesso agrave Justiccedila Tem-se aqui uma claacuteusula peacutetrea e por isso qualificada em niacuteveis ainda mais relevantes no nosso ordenamento juriacutedico

O Poder Judiciaacuterio no alto das suas complexidades e do seu poder de atuaccedilatildeo na soluccedilatildeo de litiacutegios e contendas atraveacutes dos seus oacutergatildeos jurisdicionais acertou por bem em dividir-se de modo a qualificar a sua entrega agrave populaccedilatildeo Com isso para as causas mais ceacuteleres e de menor complexidade criaram-se os Juizados Especiais como uma das maiores transformaccedilotildees de real acessibilidade agrave Justiccedila

Tambeacutem chamada de Constituiccedilatildeo Cidadatilde a nossa lei maior vigente tambeacutem direcionou a Uniatildeo Distrito Federal e Territoacuterios bem como aos Estados a criaccedilatildeo de Juizados Especiais providos por juiacutezes togados ou togados e leigos Atribuiu competecircncia para a conciliaccedilatildeo o julgamento e a execuccedilatildeo de causas ciacuteveis de menor complexidade e infraccedilotildees penais de menor potencial ofensivo Com vistas agrave celeridade processual determi-nou-se ainda adoccedilatildeo de procedimentos oral e sumariacutessimo permitidos nas hipoacuteteses previstas em lei a transaccedilatildeo e o julgamento de recursos por turmas de juiacutezes de primeiro grau

Quando surgiram os Juizados Especiais foram tatildeo aderentes ao re-dimensionamento do Poder Judiciaacuterio brasileiro que as demandas co-meccedilaram a aumentar naturalmente como fruto de litigiosidade contida (WATANABE 2019) ganhando em relevacircncia e volume de processos Outro fenocircmeno natural decorrente foi a separaccedilatildeo didaacutetica da natureza das accedilotildees que migraram e se fizeram acontecer por meio dos juizados de modo a que fosse criadas as varas especializadas ciacuteveis de causa comum especializadas do consumidor especializadas de tracircnsito especializadas ateacute mesmo da fazendo puacuteblica A estas somem-se aquelas que funcio-nam junto ao juizado especial penal ou que foram criadas por algumas estruturas estaduais para tratar dos casos de violecircncia domeacutestica como resposta a um forte apelo da populaccedilatildeo pela atenccedilatildeo ao social

Boa parte dos estudos do Conselho Nacional de Justiccedila (CNJ) no lido das suas demandas debruccedilam-se hoje sobre o volume de proces-sos que tramitam nos Juizados Especiais em todo o paiacutes Isto porque

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embora sejam causas de menor complexidade e de menor valor envol-vido em termos de volumetria processual os juizados guardam consigo imenso potencial de concentrar demandas repetitivas E pelos criteacuterios atraveacutes quais se definem as competecircncias de um Juizado a quantidade de relaccedilotildees cotidianas ndash que podem gerar discussotildees litigiosas e com isso questionamentos levados ao conhecimento do judiciaacuterio ndash eacute igual-mente grandiosa

Diante deste cenaacuterio o presente estudo move-se por algumas inquie-taccedilotildees Uma delas versa sobre a dualidade daquilo que seria antagocircnico e aparentemente incongruente vez que ao tempo que o mandamento constitucional fala garantir o acesso a justiccedila muitos falam em Desjudicia-lizaccedilatildeo e diminuiccedilatildeo das demandas no judiciaacuterio Haveria entatildeo e de fato uma incongruecircncia nestas colocaccedilotildees

Outro raciociacutenio que nos ocorre em questatildeo seria quanto a loacutegica de soluccedilatildeo efetiva do problema Ao tempo que a justiccedila comum estava envolta em altiacutessimo volume de processos os Juizados Especiais surgiram como forma de ldquodesafogarrdquo a justiccedila comum Neste caso que agora satildeo os Juizados Especiais que estatildeo lidando com o excessivo volume de proces-sos em tracircmite qual seria a soluccedilatildeo para eles A Desjudicializaccedilatildeo deve ser defendida a todo argumento e a qualquer custo

Certamente sejam questionamentos sem uma resposta soacutelida con-creta e acabada para qual jaacute ressaltamos que o presente estudo natildeo se arvora do condatildeo de finalizar a discussatildeo nem de encerrar a mateacuteria

Guardamos a certeza poreacutem de que a expertise formada ao longo de 25 Anos dos Juizados Especiais do Tribunal de Justiccedila da Bahia em suas accedilotildees e realizaccedilotildees no lido com os problemas do cotidiano podem servir como fonte de informaccedilatildeo e inspiraccedilatildeo agravequeles que queriam re-solver os problemas da populaccedilatildeo e realizar a justiccedila de qualidade para o cidadatildeo

No presente estudo entatildeo delineamos o trabalho dos Juizados Espe-ciais ndash ao longo do seu surgimento e existecircncia arriscando-nos a projetar algumas perspectivas futuras ndash tomando por base as suas varas especia-lizadas de direito do consumidor considerando a articulaccedilatildeo com outros oacutergatildeos puacuteblicos e da administraccedilatildeo direta em especial a Superintendecircn-cia de Proteccedilatildeo e Defesa do Consumidor ndash PROCONBA

A melhoria da prestaccedilatildeo jurisdicional a partir do fortalecimento das accedilotildees articuladas com oacutergatildeos de defesa do consumidor em vista da desjudicializaccedilatildeo das demandas

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2 PREMISSAS E PROBLEMATIZACcedilAtildeO

21 VOLUME DE DEMANDAS E DADOS DO CONSELHO NACIO-NAL DE JUSTICcedilA (CNJ)

O Conselho Nacional de Justiccedila ndash oacutergatildeo integrante do Poder Judiciaacute-rio na forma do quanto disposto no art 92 I-A da Constituiccedilatildeo Federal incluiacutedo pela Emenda Constitucional nordm 452004 ndash atua de forma a aper-feiccediloar o trabalho do sistema judiciaacuterio paacutetrio de modo a ter suas accedilotildees sempre voltadas a assegurar os princiacutepios da eficiecircncia e da transparecircncia por parte dos demais oacutergatildeos judicantes de modo a promover o planeja-mento estrateacutegico e a governanccedila da Justiccedila brasileira

No exerciacutecio destas e de outras atribuiccedilotildees o CNJ promove a publi-caccedilatildeo do perioacutedico Justiccedila em Nuacutemeros publicado anualmente em sua versatildeo completa e mais objetivamente considerado atraveacutes de sumaacuterio executivo que apesentam os resultados e as percepccedilotildees acerca das de-mandas e litiacutegios em tracircmite no judiciaacuterio em todo o paiacutes

No caso do Justiccedila em Nuacutemeros 2020 ndash Sumaacuterio Executivo (CNJ 2020) anotam-se a existecircncia de 771 milhotildees de processos em tramitaccedilatildeo ao final de dezembro ressaltando como positivo o fato de ser o segundo ano consecutivo de reduccedilatildeo do nuacutemero de casos pendentes de modo que 2019 ndash ano analisado e divulgado agora em 2020 portanto fora de contexto de pandemia do coronaviacuterus e sem seus impactos ndash apresen-tou nuacutemeros proacuteximos daqueles observados em 2015 Ainda segundo a publicaccedilatildeo em comparaccedilatildeo com 2018 o nuacutemero de casos solucionados aumentos 116 Denota-se aqui o maior poder de soluccedilatildeo dos conflitos levados ao judiciaacuterio

Quando trata do Iacutendice de Produtividade do Magistrado (IPM) o es-tudo diz o seguinte

O relatoacuterio aponta o maior Iacutendice de Produtividade dos Magistrados (IPM) desde 2009 13 com meacutedia de 2107 processos baixados por magistrado (apesar da vacacircncia de 77 cargos de juiacutezes no ano de 2019)

O iacutendice de produtividade dos servidores da aacuterea judiciaacuteria tambeacutem cresceu (14) verificando meacutedia de 22 casos a mais baixados por servidor em relaccedilatildeo a 2018 (CNJ 2020)

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Ainda na publicaccedilatildeo o CNJ ao tratar da estrutura do Poder Judiciaacuterio anotou que O 1ordm grau do Poder Judiciaacuterio possui 14792 unidades judiciaacuterias nuacutemero semelhante ao apresentado no ano anterior

Natildeo obstante ainda na anaacutelise do sumaacuterio executivo destes nuacutemeros da justiccedila em 2019 aponta-se que 67 das comarcas brasileiras providas com uma vara satildeo juiacutezos uacutenicos da Justiccedila Estadual Essas unidades tecircm com-petecircncia para processar todos os tipos de feitos (CNJ 2020)

A soma destes dados datildeo ensejo ao entendimento de que natildeo houve aumento de comarcas ou novas unidades judiciaacuterias instaladas no paiacutes que ao contraacuterio chegou-se a minguar a quantidade de julgadores No Tribunal de Justiccedila do Estado da Bahia por exemplo o CNJ aponta a vacacircncia de 175 (cento e setenta e cinco) vagas para magistrados e de 6619 (seis mil seiscentos e dezenove) servidores ao tempo ainda em que alguns juiacutezos operam com a assistecircncia jurisdicional para todos os tipos de feitos

Quando fazemos o recorte das accedilotildees que tocam ao direito do con-sumidor nos juizados especiais o relatoacuterio Justiccedila em Nuacutemeros 2020 (CNJ 2020) em sua versatildeo completa eacute possiacutevel perceber que nesta aacuterea o as-sunto mais demandado eacute o exatamente o de responsabilidade do forne-cedor considerando ainda os pedidos de indenizaccedilatildeo e reparaccedilatildeo por dano moral que correspondem a 1554088 (hum milhatildeo quinhentos e cinquenta e quatro mil e oitenta e oito) de processos

Considerando o duplo grau de jurisdiccedilatildeo dos juizados assegurados pelas turmas recursais para aqueles que ficaram insatisfeitos com a tutela recebida a quantidade de processos eacute ainda mais significativa vez que 16 do total de processos que sobre versam sobre a reponsabilidade do fornecedor por dano moral e ouros 461 discutem por dano material

Preocupa-nos exatamente esta realidade de enfretamento diaacuterio dos magistrados que responsaacuteveis por juiacutezos uacutenicos tem que atender em to-das as aacutereas do direito em processos que podem ter origem e destinaccedilatildeo das mais diversas ordens possiacuteveis

Recobra-se pois a reflexatildeo sobre a qualidade desta prestaccedilatildeo jurisdi-cional vez que tramita-se e decide-se muito em quantidades crescentes mas que natildeo satildeo acompanhadas pelo igual ritmo de aparelhamento e estruturaccedilatildeo mesmo de quadro funcional

Uma reflexatildeo ainda cabiacutevel neste toacutepico versa sobre as alegaccedilotildees de quem entende haver a cultura da litigiosidade Natildeo nos aprece a mais ade-quada pois antes do litigio haacute o desrespeito ao direito e a desinformaccedilatildeo

A melhoria da prestaccedilatildeo jurisdicional a partir do fortalecimento das accedilotildees articuladas com oacutergatildeos de defesa do consumidor em vista da desjudicializaccedilatildeo das demandas

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Daqui decorreria a sensaccedilatildeo de falta e a inerente necessidade de buscar do amparo legal para recobrar algo que se entende ter sido desrespeitado

Assim nos ocorre nova linha de questionamentos se os consumido-res fossem de fato respeitados em seus direitos ou ao menos informados adequadamente ndash em face das suas vulnerabilidades teacutecnica e juriacutedica ndash seraacute que haveriam tantos litiacutegios judicializados A melhor forma de evitar a judicializaccedilatildeo poderia ser recolocar o foco na origem para que natildeo hou-vesse razotildees espaccedilo ou nem mesmo elementos ensejadores do litiacutegio Resolver na origem natildeo seria mais eficiente e mais econocircmico que atacar o resultado lsquojudicializaccedilatildeorsquo

22 NECESSIDADE DE SOLUCIONAR SEM JUDICIALIZAR AS DE-MANDAS

Os nuacutemeros apresentados para o quantitativo de processos satildeo bas-tante significativos e ajudam a dimensionar o problema vez que os Juiza-dos surgiram para desafogar a justiccedila comum e agora eacute preciso pensar em como desafogar os juizados

Kazuo Watanabe quando perguntado sobre um dos seus grandes feitos para o ordenamento juriacutedico brasileiro ndash teve participaccedilatildeo funda-mental na criaccedilatildeo da Lei nordm 9099 de 26 de setembro de 1995 que dispotildee sobre os Juizados Especiais Ciacuteveis e Criminais ndash ensinou

Diagnosticamos que estava havendo uma litigiosidade contida por-que as partes natildeo sabiam a quem ou como recorrer Notamos que o CPC ateacute poderia funcionar para pessoas que tivessem posse e condi-ccedilotildees mas natildeo funcionava para pessoas humildes Foi formulada uma proposta que facilitasse o acesso agrave justiccedila por parte de uma camada mais humilde Fui indicado pela Associaccedilatildeo Paulista de Magistrados juntamente com o professor Cacircndido Rangel Dinamarco para partici-par da comissatildeo elaboradora do anteprojeto de lei Essa lei significou o primeiro rompimento do modelo liberal-individualista que estava no CPC em que predominava a autonomia individual Essa lei foi um sucesso tanto que a Constituiccedilatildeo de 1988 a consagrou definitivamen-te (WATANABE 2019)

A desjudicializaccedilatildeo com isso se tornou em termo bastante em voga na ordem do dia de diversos oacutergatildeos e instituiccedilotildees que interagem com o ju-diciaacuterio no lido das suas atribuiccedilotildees Contudo aos nossos olhos parece que a desjudicializaccedilatildeo natildeo deva ser um fim a ser alcanccedilado por qualquer meio Eacute preciso em verdade pensar mais no caminho que neste resultado em si

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Isto porque as premissas e razotildees da justiccedila natildeo devam ser afastados da linha que traccedila a ideia de prestaccedilatildeo jurisdicional de qualidade com transparecircncia isonomia imparcialidade resolutividade e efetiva justiccedila aos assistidos Preservadas estas bases podem ser construiacutedas ferramen-tas alternativas de soluccedilatildeo de litiacutegios como forma de incentivas a conci-liaccedilatildeo a mediaccedilatildeo a autocomposiccedilatildeo e em casos de julgamentos entre iguais a arbitragem pode ser aplicada ressalvados neste caso os limites da Lei nordm 9307 de 23 de setembro de 1996

Na seara do consumidor para aleacutem do trabalho do trabalho dos Pro-cons uma boa perspectiva de soluccedilatildeo natildeo judicial ndash mas que oferece as mesas qualidades e premissas de compromisso puacuteblico com a soluccedilatildeo de conflitos ndash surge com os Procons e com a plataforma digital wwwconsu-midorgovbr criada e mantida pela Secretaria Nacional do Consumidor (SENACON) oacutergatildeo do Min da Justiccedila e Seguranccedila Puacuteblica e que seraacute abor-dada mais adiante

Para melhor dimensionarmos esta capacidade de soluccedilatildeo os dados oficiais datildeo conta que em 2019 foram realizados 2598042 (dois milhotildees quinhentos e noventa e oito mil e quarenta e dois) atendimentos pelos Procons com meacutedia de resolutividade geral na ordem de 791 dos aten-dimento atraveacutes dos primeiros atendimento estabelecendo linha direta do oacutergatildeo para com as empresas seja por uma ligaccedilatildeo telefocircnica ou envio de uma mensagem de correio eletrocircnico direcionada Quando considera o recorte de atendimento que tocam apenas aos serviccedilos e telecomuni-caccedilotildees os iacutendices de resolutividade sobem a 844 dos casos e quanto cuidam apenas de transporte aeacutereo baixam pouco ao patamar de 708 de soluccedilatildeo preliminar Evita-se com isso a discussatildeo em acircmbito judicial de forma bastante significativa

3 METODOLOGIA

As mesmas observaccedilotildees sociais que causaram as inquietaccedilotildees que motivaram o presente estudo levou ao aprofundamento da anaacutelise que ora se faz por meio do desenvolvimento do raciociacutenio logico-dedutivo A evoluccedilatildeo do pensamento se perfez por meio de leitura da legislaccedilatildeo para aleacutem do mero teto final mas conhecendo as justificativas destas leis envolvidas na mateacuteria socorrendo-se sempre que necessaacuterio dos ensina-mentos da doutrina e da jurisprudecircncia bem como coleta e apuraccedilatildeo dos dados graacuteficos e informaccedilotildees resultantes de estudos governamentais ins-titucionais e das organizaccedilotildees sociais nacionais e estrangeiras conforme pormenorizado nas referecircncias bibliograacuteficas

A melhoria da prestaccedilatildeo jurisdicional a partir do fortalecimento das accedilotildees articuladas com oacutergatildeos de defesa do consumidor em vista da desjudicializaccedilatildeo das demandas

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4 DIMINUICcedilAtildeO DA QUANTIDADE DE PROCESSO COM FOCO NA MELHORIA DA QUALIDADE DA PRESTACcedilAtildeO JURISDI-CIONAL

41 PLANO NACIONAL DAS RELACcedilOtildeES DE CONSUMO ndash PLAN-DEC

Na linha delimitada na apresentaccedilatildeo do presente estudo ajustou-se a anaacutelise a partir da defesa do consumidor cuja ancoragem principal ba-liza-se na Lei nordm 8078 de 11 de setembro de 1990 que instituiu o Coacutedigo de Defesa do Consumidor (CDC)

Numa eventual divisatildeo entre o Direito Puacuteblico e o Direito Privado po-demos assentar o Direito do Consumidor como uma codificaccedilatildeo que cuida da relaccedilatildeo entre particulares (fornecedor e consumidor) cujas normas po-reacutem satildeo de ordem puacuteblica e interesse social

Sobre isso Claudia Lima Marques ensina

O Coacutedigo de Defesa do Consumidor eacute uma lei de funccedilatildeo social traz normas de direito privado mas de ordem puacuteblica (direito privado indisponiacutevel) e normas de direito puacuteblico Eacute uma lei de ordem puacute-blica econocircmica (ordem puacuteblica de coordenaccedilatildeo de direccedilatildeo e de proibiccedilatildeo) e lei de interesse social (a permitir a proteccedilatildeo coletiva dos interesses dos consumidores presentes no caso) como claramente especifica seu art 1ordm tendo em vista a origem constitucional desta lei (MARQUES 2016)

Desta feita a relaccedilatildeo de consumo poderia ser reconhecida pela auto-ridade puacuteblica na defesa de interesses que socialmente devem prevalecer sobre os interesses pessoais Esta constataccedilatildeo decorreria do reconheci-mento da vulnerabilidade do consumidor conforme preleciona o art 4ordm I do CDC que ainda preconiza a interpretaccedilatildeo sempre com base na boa-feacute e no equiliacutebrio nas relaccedilotildees entre consumidores e fornecedores

Logo adiante no art 5ordm IV ao tratar das iniciativas para a execuccedilatildeo e instrumentalizaccedilatildeo da Poliacutetica Nacional das Relaccedilotildees de Consumo o coacute-digo previu a criaccedilatildeo de Juizados Especiais de Pequenas Causas e Varas Especializadas para a soluccedilatildeo de litiacutegios de consumo Nesta mesma li-nha editou-se o Decreto nordm 7963 de 15 de marccedilo de 2013 que instituiu o Plano Nacional de Consumo e Cidadania (PLANDEC) com a finalidade de promover a proteccedilatildeo e defesa do consumidor em todo o territoacuterio nacional por meio da integraccedilatildeo e articulaccedilatildeo de poliacuteticas programas e accedilotildees

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Eacute exatamente o que observamos na estrutura do TJ-BA por meio da sua Coordenaccedilatildeo dos Juizados Especiais (COJE) que aos nossos olhos aparece em posiccedilatildeo de destaque no cenaacuterio nacional pelo vanguardismo e por executar a diretrizes do PLANDEC quanto a promover a educaccedilatildeo para o consumo a garantia do acesso agrave justiccedila e a eficaz prestaccedilatildeo do serviccedilo puacuteblico para comunidade baiana

42 ACORDOS DE COOPERACcedilAtildeO TEacuteCNICA FORTALECENDO AS ACcedilOtildeES ARTICULADAS DOS OacuteRGAtildeOSSocorrendo-nos ainda do PLANDEC temos o seguinte dispositivo

Art 13 Para a execuccedilatildeo do Plano Nacional de Consumo e Cidadania poderatildeo ser firmados convecircnios acordos de cooperaccedilatildeo ajustes ou instrumentos congecircneres com oacutergatildeos e entidades da administraccedilatildeo puacuteblica federal dos Estados do Distrito Federal e dos Municiacutepios com consoacutercios puacuteblicos bem como com entidades privadas na for-ma da legislaccedilatildeo pertinente

Aqui mais que apenas a base legal para formulaccedilatildeo de termos de cooperaccedilatildeo teacutecnica acordos e convecircnio temos o posicionamento do le-gislador em valorizar e fomentar a articulaccedilatildeo entre os oacutergatildeos de defesa do consumidor constituindo-se no caso do Estado da Bahia um verdadei-ro sistema estadual de defesa do consumidor

Antes mesmo da ediccedilatildeo do PLANDEC esta diretiva jaacute guiava o Tribu-nal de Justiccedila do Estado da Bahia atraveacutes da Coordenaccedilatildeo dos Juizados e a entatildeo Secretaria da Justiccedila Cidadania e Direitos Humanos2 atraveacutes do PROCONBA que em 25 de janeiro de 2013 assinaram Termo de Coopera-ccedilatildeo Teacutecnica para trabalho em conjunto

O termo fora firmado com o fim uacuteltimo de obter maior efetividade agrave atuaccedilatildeo dos oacutergatildeos envolvidos e agilizar os serviccedilos jurisdicionais bem como facilitar o acesso agrave justiccedila do Consumidor resguardada a indepen-decircncia das instacircncias facilitando a defesa de seus direitos

Para tanto o Termo previa a homologaccedilatildeo pelo Poder Judiciaacuterio dos acordos firmados entre consumidores e fornecedores em mesa de audiecircn-cia realizada no PROCONBA visando constituiacute-los em tiacutetulos executivos

2 Atualmente denominada de Secretaria de Justiccedila Direitos Humanos e Desenvolvi-mento Social do Estado da Bahia conforme Lei Estadual nordm 13204 de 11 de dezem-bro de 2014

A melhoria da prestaccedilatildeo jurisdicional a partir do fortalecimento das accedilotildees articuladas com oacutergatildeos de defesa do consumidor em vista da desjudicializaccedilatildeo das demandas

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judiciais nos termos do Art 57 da Lei nordm 909995 concorrente com Art 475-N inciso V do antigo Coacutedigo de Processo Civil3

Previa-se ainda a avaliaccedilatildeo dos avanccedilos alcanccedilados e das realizaccedilotildees construiacutedas para ao aproximar do seu prazo de vencimento o Termo ser renovado Lamenta-se contudo que na sucessatildeo dos fatos as opccedilotildees de gestatildeo reconsideraram suas anaacutelises e natildeo fizeram perpetuar o pacto de trabalho firmado

Eis aqui ponto fundamental a ser revisto pelas atuais gestotildees das pastas com vistas a retomar esta importante ferramenta de realizaccedilatildeo da justiccedila no estado da Bahia

Este apelo fica reforccedilado quando observam-se os comportamentos de Procons e tribunais de justiccedila de outros estados que entre si inspira-ram-se para a formulaccedilatildeo de termos de cooperaccedilatildeo com igual premissa de realizar justiccedila e compromisso de resolver demandas em auxiacutelio um do outro Eacute o que se tem registro para os estados do Maranhatildeo do Pernam-buco e de Minas Gerais por exemplo

43 FORTALECIMENTO DOS PROCONS COMO FORMA DE SO-LUCcedilAtildeO ADMINISTRATIVA DE LITIacuteGIOS DE MENOR COM-PLEXIDADE

Mais uma vez valendo-se do quanto disposto no Decreto nordm 79632013 o art 4ordm cuida dos eixos de atuaccedilatildeo do Plano Nacional de Consumo e Cidadania dentre eles temos o fortalecimento do Sistema Na-cional de Defesa do Consumidor (SNDC) e dos seus corolaacuterios no acircmbito estadual E para que haja este o fortalecimento o art 7ordm III complementa que a forma de fazecirc-lo seria por meio do ldquofortalecimento da atuaccedilatildeo dos Procons na proteccedilatildeo dos direitos dos consumidoresrdquo

Neste sentido existem diversos projetos de lei tanto na Cacircmara dos Deputados quanto no Senado que se dispotildeem exatamente a dar maior autonomia e poder de atuaccedilatildeo aos Procons como eacute o caso do Projeto de Lei nordm 51962013 que jaacute apresenta um razoaacutevel estaacutegio de avanccedilo vez que

3 Dado o tempo da assinatura a indicaccedilatildeo do texto do Termo referia-se ao art 475-N V da Lei nordm 5869 de 11 de janeiro de 1973 (antigo CPC) Atualmente o dispositivo corres-ponde ao art 515 III da Lei nordm 13105 de 16 de marccedilo de 2015 (novo CPC)

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jaacute fora aprovado na Comissatildeo de Defesa do Consumidor e na Comissatildeo de Constituiccedilatildeo e Justiccedila da casa aberta do Congresso Nacional

O PL 51962013 dentre as modificaccedilotildees previstas para a Lei nordm 807890 (CDC) pretende dar condiccedilotildees de que em caso de infraccedilatildeo agraves normas de defesa do consumidor os Procons coercitivamente pudes-sem aplicar medidas corretivas com fito de determinar substituiccedilatildeo ou reparaccedilatildeo do produto ou a devoluccedilatildeo da contraprestaccedilatildeo paga pelo consumidor mediante cobranccedila indevida ou ainda o efetivo cumpri-mento da oferta pelo fornecedor sempre que esta conste por escrito e de forma expressa

Caso o projeto virasse lei os Procons teriam ainda a autorizaccedilatildeo legal para ndash no caso de descumprimento do prazo fixado para a medida corre-tiva imposta ndash imputar multa diaacuteria graduada de acordo com a gravidade da infraccedilatildeo a vantagem auferida e a condiccedilatildeo econocircmica do fornecedor Natildeo obstante as decisotildees administrativas que aplicassem medidas corre-tivas em favor do consumidor constituiriam tiacutetulo executivo extrajudicial exequiacutevel pelo proacuteprio consumidor individualizado e especiacutefico para titu-laridade de um direito

A SENACON apoacutes levantamento apontou que em 2019 foram reali-zados 2598042 (dois milhotildees quinhentos e noventa e oito mil e quarenta e dois) atendimentos pelos Procons integrados ao Sistema Nacional de Informaccedilotildees de Defesa do Consumidor (SINDEC ndash aumento de 142 em relaccedilatildeo ao ano anterior com meacutedia mensal de 216 mil consumidores aten-didos

Pelos nuacutemeros que apresentam pelos levantamentos feitos pelo SIN-DEC o fortalecimento dos Procons mediante das parcerias como aquela que jaacute existiu entre o TJ-BA e o PROCONBA seriam uma alternativa viaacutevel de conduzir a uma boa soluccedilatildeo de conflitos com qualidade na entrega de atos de justiccedila agrave populaccedilatildeo

44 A PLATAFORMA WWWCONSUMIDORGOVBR COMO CA-NAL DE CONCILIACcedilAtildeO

O Consumidorgovbr criada com fundamento legal no art 4ordm inciso V do CDC concorrendo com o art 7ordm incisos I II e III do PLANDEC partiria das seguintes premissas 1) transparecircncia e controle social satildeo impres-cindiacuteveis agrave efetividade dos direitos dos consumidores 2) as informaccedilotildees apresentadas pelos cidadatildeos consumidores satildeo estrateacutegicas para gestatildeo e

A melhoria da prestaccedilatildeo jurisdicional a partir do fortalecimento das accedilotildees articuladas com oacutergatildeos de defesa do consumidor em vista da desjudicializaccedilatildeo das demandas

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execuccedilatildeo de poliacuteticas puacuteblicas de defesa do consumidor e 3) o acesso a informaccedilatildeo potencializa o poder de escolha dos consumidores e contribui para o aprimoramento das relaccedilotildees de consumo

Para fins de registro neste mesmo periacuteodo segundo levantamento da SENACON os nuacutemeros de atendimento da plataforma wwwconsumi-dorgovbr de 780179 (setecentas e oitenta mil cento e setenta e nove) reclamaccedilotildees finalizadas conforme dados oficias

Segundo a sua criadora a plataforma Consumidorgovbr define-se como um serviccedilo puacuteblico que permite a interlocuccedilatildeo direta entre consu-midores e empresas para soluccedilatildeo de conflitos de consumo pela internet de forma raacutepida e desburocratizada Atualmente 80 das reclamaccedilotildees re-gistradas no Consumidorgovbr satildeo solucionadas pelas empresas que res-pondem as demandas dos consumidores em um prazo meacutedio de 7 dias

Para tanto e por buscar a efetividade da realizaccedilatildeo do atendimento ceacutelere ao cidadatildeo ao tempo que este necessitaria de cadastro e login na plataforma digital agraves empresas pressupunha a assinatura de termo de compromisso de modo a assegurar o tratamento diferenciado e propen-so agrave soluccedilatildeo do conflito atraveacutes da interatividade direta entre as partes em ambiente virtual poreacutem monitorado pela SENACON com auxiacutelio dos Procons

A plataforma jaacute se destaca na difusatildeo de uso entre oacutergatildeos de defe-sa do consumidor de modo que despertou a atenccedilatildeo do CNJ que junto com o Ministeacuterio da Justiccedila e Seguranccedila Puacuteblica por meio da SENACON assinaram um Termo de Cooperaccedilatildeo Teacutecnica para prever a utilizaccedilatildeo desta plataforma como uma das ferramentas oficiais de soluccedilatildeo extrajudicial de litiacutegios incentivando-se o seu uso antes mesmo da formalizaccedilatildeo de uma reclamaccedilatildeo nos balcotildees de acesso a justiccedila dos oacutergatildeos jurisdicionais

Este Termo embora vigente natildeo chegou a ser uma unanimidade de modo que recebeu algumas criacuteticas dentre as quais destacamos o fato de que ndash ao prever a tentativa conciliatoacuteria incentivada pela plataforma virtual ndash em termos praacuteticos alguns consideram que o Termo teria criado uma verdadeira nova condiccedilatildeo da accedilatildeo judicial cuja mateacuteria fosse o direito do consumidor Isto porque muitos causiacutedicos ao patrocinarem causas consumeristas dos seus assistidos tiveram as peticcedilotildees iniciais indeferidas liminarmente alegado natildeo ter havido a realizaccedilatildeo de tentativa conciliatoacute-ria por meio da plataforma

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Aqui entendemos pertinente as anotaccedilotildees que podem ser compro-vadas pelo empirismo de quem milita na aacuterea ao tempo que defendemos haver uma diferenccedila entre incentivar o uso de meacutetodos alternativos de so-luccedilatildeo de conflitos e impedir o acesso ao oacutergatildeo jurisdicional originaacuterio por meio de condicionamento compulsoacuterio de uso preacutevio de uma plataforma de atendimento remoto

5 CONCLUSAtildeO

Clausula peacutetrea na constituiccedilatildeo assegura o acesso agrave justiccedila inclusive gratuita em casos especiacuteficos ao tempo em que processualistas e doutri-nadores repetem incansavelmente a necessidade de desjudicializaccedilatildeo das demandas Isto porque o astronocircmico volume de processos dificulta a entrega de uma justiccedila e qualidade

Neste contexto e para diminuir a demanda especiacutefica das varas da Justiccedila Comum estruturou-se a criaccedilatildeo dos Juizados Especiais com a pre-missa de transparecircncia eficiecircncia e celeridade Estas por sua vez ficaram comprometidas pelo excesso de volume de processos que hoje ocupam as mesas dos juiacutezes togados juiacutezes leigos e conciliadores

A desjudicializaccedilatildeo entatildeo pode ser vista como um fim que natildeo vale-raacute por si caso venha a afastar uma situaccedilatildeo do judiciaacuterio sem que lhe ofe-reccedila no todo uma soluccedilatildeo justa Esta soluccedilatildeo por sua vez perpassa pelo compromisso do ente julgador em agir imparcialmente de forma impes-soal com celeridade e efetividade na prestaccedilatildeo da assistecircncia ao cidadatildeo

O recorte se mostra mais significativo no recorte feito no Direito do Consumidor vez que segundo CNJ responde pelo maior nuacutemero de pro-cessos em tramite nos juizados especiais quadro replicado na justiccedila estadual de grande parte das unidades da federaccedilatildeo

A leitura dos fundamentos e argumentos elencados no presente es-tudo sugerem que o foco deveria ser aprioristicamente na valorizaccedilatildeo e respeito ao consumidor pois isso evitaria o surgimento de um problema que por tambeacutem natildeo ser resolvido quando apresentado levaria o indiviacute-duo insatisfeito a demandar dos oacutergatildeos de defesa do consumidor ou do judiciaacuterio Respeitar o cidadatildeo consumidor portanto seria a forma mais ceacutelere e mais barata de se evitar a judicializaccedilatildeo

Neste desiderato tem-se nos PROCONS a figura de um oacutergatildeo da administraccedilatildeo direta com capacidade jaacute instalada ndash gozando de prestiacutegio social dado o poder de soluccedilatildeo e eficiecircncia que representam ndash do qual

A melhoria da prestaccedilatildeo jurisdicional a partir do fortalecimento das accedilotildees articuladas com oacutergatildeos de defesa do consumidor em vista da desjudicializaccedilatildeo das demandas

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Poder Judiciaacuterio do Estado da Bahia ISBN 978-65-89459-01-9

o Poder Judiciaacuterio poderaacute se valer para promover a entrega da justiccedila ao cidadatildeo sem necessariamente contar com a abertura de novos processos judiciais

A aproximaccedilatildeo entre tribunais e juizados em face dos Procons jaacute se mostrou frutiacutefero na Bahia hoje seguem outros estados havendo posi-cionamento oficial do CNJ o sentido de que se promova a melhoria da prestaccedilatildeo jurisdicional a partir do fortalecimento das accedilotildees articuladas com oacutergatildeos de defesa do consumidor em vista da desjudicializaccedilatildeo das demandas

REFEREcircNCIASBRASIL Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica Federativa 1988

______ Lei Federal nordm 8078 de 11 de setembro de 1990 Dispotildee sobre proteccedilatildeo do consumi-dor e daacute outras providecircncias

______ Lei Federal nordm 9099 de 26 de setembro de 1995 Dispotildee sobre os Juizados Especiais Ciacuteveis e Criminais e daacute outras providecircncias

______ Lei Federal nordm 9307 de 23 de setembro de 1996 Dispotildee sobre Arbitragem

______ Decreto Federal nordm 2181 de 20 de marccedilo de 1997 Dispotildee sobre a organizaccedilatildeo do Sistema Nacional de Defesa do Consumidor ndash SNDC estabelece as normas gerais de aplicaccedilatildeo das sanccedilotildees administrativas previstas na Lei nordm 8078 de 11 de setembro de 1990 revoga o Decreto Federal nordm 861 de 9 julho de 1993 e daacute outras providecircncias

______ Lei Federal nordm 10406 de 10 de janeiro de 2002 Coacutedigo Civil

______ Lei Federal nordm 13105 de 16 de marccedilo de 2015 Coacutedigo de Processo Civil

BAHIA Lei Estadual nordm 13204 de 11 de dezembro de 2014 Modifica a estrutura organizacio-nal da Administraccedilatildeo Puacuteblica do Poder Executivo Estadual e daacute outras providecircncias

Conselho Nacional de Justiccedila ndash CNJ Justiccedila em Nuacutemeros 2020 ano-base 2019 Brasiacutelia 2020 Disponiacutevel em lt httpswwwcnjjusbrwp-contentuploads202008WEB-V3-Jus-tiC3A7a-em-NC3BAmeros-2020-atualizado-em-25-08-2020pdf gt Uacuteltimo acesso em 08 de novembro de 2020

_______ Justiccedila em Nuacutemeros 2020 ano-base 2019 ndash Sumaacuterio Executivo Brasiacutelia 2020 Dis-poniacutevel em lt httpswwwcnjjusbrwp-contentuploads202008WEB_V2_SUMA-RIO_EXECUTIVO_CNJ_JN2020pdf gt Uacuteltimo acesso em 08 de novembro de 2020

______ Justiccedila em Nuacutemeros 2020 ano-base 2019 ndash Paineacuteis Brasiacutelia 2020 Disponiacutevel em lt httpspaineiscnjjusbrQvAJAXZfcopendochtmdocument=qvw_l2FPainelCNJqvwamphost=QVS40neodimio03ampanonymous=trueampsheet=shResumoDespFT gt Uacutelti-mo Acesso em 08112020

Filipe de Arauacutejo Vieira

211Revista Novatio 1ordf ediccedilatildeo ndash 2020

Poder Judiciaacuterio do Estado da Bahia ISBN 978-65-89459-01-9

______ Termo de Cooperaccedilatildeo Teacutecnica nordm 0162019CNJ ndash MJSP Disponiacutevel em lt httpswwwcnjjusbrwp-contentuploads202009TCOT-016_2019pdf gt Uacuteltimo acesso em 10112020

DONIZETTI Elpiacutedio Curso Didaacutetico de Direito Processual Civil 22 ed rev ampl e atual Satildeo Paulo Atlas 2019

GARCIA Leonardo de Medeiros Coacutedigo de Defesa do Consumidor Comentado artigo por artigo 13ordf ed rev ampl e atual Salvador JusPODIVM 2016

GRINOVER Ada Pellegrini FILOMENO Joseacute Geraldo Brito ET AL Coacutedigo Brasileiro de Defesa do Consumidor comentado pelos Autores do Anteprojeto 10ordf Vol I rev atual e refor-mulada Rio de Janeiro Forense Universitaacuteria 2011

MARQUES Claudia Lima BESSA Leonardo Roscoe BENJAMIN Antonio Herman de Vascon-cellos Manual de Direito do Consumidor ndash 7ordf ed Rev atual e ampl Satildeo Paulo Revista dos Tribunais 2016

Secretaria Nacional do Consumidor Ministeacuterio da Justiccedila e Seguranccedila Puacuteblica SINDEC Bole-tim ndash 2019 Disponiacutevel em lt httpswwwdefesadoconsumidorgovbrimages2020Boletim_Sindec_2019pdfgt Uacuteltimo acesso em 10112020

Tribunal de Justiccedila do Estado da Bahia Parceria entre e Tribunal de Justiccedila da Bahia e Procon vai fortalecer defesa dos Direitos do Consumidor Disponiacutevel em lt httpwww5tjbajusbrportal1234 gt Uacuteltimo Acesso em 08112020

WADA Ricardo Morishita (Coord) Os conflitos a regulaccedilatildeo e o direito do consumidor Rio de Janeiro Escola de Direito do Rio de Janeiro da Fundaccedilatildeo Getulio Vargas 2015 Dispo-niacutevel em lt httpsbibliotecadigitalfgvbrdspacebitstreamhandle1043813975Os20conflitos2c20a20regulac3a7c3a3ordm20e20o20direito20do20consumidorpdfsequence=1ampisAllowed=y gt Uacuteltimo acesso em 12112020

WATANABE Kazuo Reforma do CPC perdeu oportunidade de melhorar sistema das accedilotildees co-letivasrdquo Disponiacutevel em lt httpswwwconjurcombr2019-jun-09entrevista-kazuo--watanabe-advogado gt Uacuteltimo acesso em 10112020

A melhoria da prestaccedilatildeo jurisdicional a partir do fortalecimento das accedilotildees articuladas com oacutergatildeos de defesa do consumidor em vista da desjudicializaccedilatildeo das demandas

  • PrefaacutecioOs Juizados Especiais e o acesso agrave justiccedila
  • Dano moral natildeo eacute soacute sofrimento a crescente superaccedilatildeo do ldquomero aborrecimentordquo
    • Marcos Dessaune
      • Os juizados especiais e sua funccedilatildeo atemporal de acesso amplo agrave justiccedila
        • Alexandre Chini
        • Marcelo Moraes Caetano
          • A tutela do superendividamento como irradiaccedilatildeo dos direitos fundamentais nas relaccedilotildees de consumo
            • Fabiana Andreacutea de Almeida Oliveira Pellegrino
              • Primeiras linhas quanto ao impacto da Lei Geral de Proteccedilatildeo de Dados na forccedila probante dos documentos eletrocircnicos em processos submetidos aos Juizados Especiais de relaccedilotildees de consumo
                • Belmiro Vivaldo Santana Fernandes
                • Michelline Soares Bittencourt Trindade Luz
                  • O sistema multiportas como propulsor do acesso agrave Justiccedila no acircmbito do juizado de Fazenda Puacuteblica
                    • Ana Conceiccedilatildeo Barbuda Sanches Guimaratildees Ferreira
                    • Ana Baacuterbara Barbuda Ferreira Motta
                      • Contribuiccedilotildees da jurimetria para a administraccedilatildeo da justiccedila
                        • Caroline Dantas Godeiro de Araujo
                        • Eacuterica Baptista Vieira de Meneses
                          • O superendividamento tutelado no acircmbito do Sistema dos Juizados Especiais do Tribunal de Justiccedila do Estado da Bahia
                            • Maria Joseacute Oliveira e Silva
                              • Audiecircncia de conciliaccedilatildeo no acircmbito dos Juizados Especiais da Fazenda Puacuteblicaa indispensaacutevel concretizaccedilatildeodo acesso agrave ordem juriacutedica justa
                                • Maria Joseacute Oliveira e Silva
                                • Nataacutelia Cavalcanti de Arauacutejo
                                • Paula Gargur Calmon Teixeira da Silva
                                  • Desafios agrave aplicaccedilatildeo dos meacutetodos autocompositivos nas demandas de sauacutede suplementar construindo novos caminhos de acesso agrave justiccedila
                                    • Gabriela Silva Sady
                                    • Henrique Costa Princhak
                                    • Lucas Macedo Silva
                                      • Inovaccedilotildees tecnoloacutegicas no direito uma anaacutelise da (im)possibilidade de citaccedilatildeo por aplicativos de mensagem instantacircnea nos Juizados Especiais Ciacuteveis da Bahia
                                        • Amanda Leite Souza Alves
                                        • Lucas Duailibe Maia
                                        • Mariely Lago Vianna Nogueira
                                          • Direito fundamental agrave saude e ativismo judicial uma anaacutelise da jurisprudecircncia do Supremo Tribunal Federal
                                            • Ana Conceiccedilatildeo Barbuda Sanches Guimaratildees Ferreira
                                            • Ana Baacuterbara Barbuda Ferreira Motta
                                              • A fixaccedilatildeo da competecircncia nas accedilotildees de responsabilidade civil meacutedica em planos de sauacutede de autogestatildeo
                                                • Amanda Leite Souza Alves
                                                • Ana Paula Cruz de Santana
                                                • Rodolfo Oliveira Dourado
                                                  • Nuances da uniformizaccedilatildeo de jurisprudecircncia e advento do IRDR no CPC2015 para suas aplicabilidades nos Juizados Especiais
                                                    • Iuri Santos Ferreira da Silva
                                                      • A melhoria da prestaccedilatildeo jurisdicional a partir do fortalecimento das accedilotildees articuladas com oacutergatildeos de defesa do consumidor em vista da desjudicializaccedilatildeo das demandas
                                                        • Filipe de Arauacutejo Vieira
Page 2: COORDENAÇÃO DO SISTEMA DOS JUIZADOS ESPECIAIS …

Data de fechamento

25112020

COORDENACcedilAtildeO DO SISTEMA DOS JUIZADOS ESPECIAIS

PODER JUDICIAacuteRIO DO ESTADO DA BAHIA

CoordenadoraDra Fabiana Andreacutea de Almeida Oliveira Pellegrino

Assessoria JuriacutedicaCaroline GodeiroEacuterica de Meneses

Maria Joseacute OliveiraNataacutelia Cavalcanti

Paula GargurTatiany Ramalho

Organizaccedilatildeo da publicaccedilatildeoEacuterica de Meneses

Conselho EditorialCristiana Menezes Santos

Fabiana Andreacutea de Almeida Oliveira PellegrinoMoacir Reis Fernandes Filho

Pablo Stolze GaglianoPaulo Roberto Lyrio Pimenta

Roxana Cardoso Brasileiro BorgesJaime Barreiros Neto

Data de fechamento25112020

CoordenadoraDra Fabiana Andreacutea de Almeida Oliveira Pellegrino

Organizaccedilatildeo da publicaccedilatildeoEacuterica de MenesesAssessoria JuriacutedicaCaroline GodeiroEacuterica de MenesesMaria Joseacute OliveiraNataacutelia CavalcantiPaula GargurTatiany Ramalho

Conselho EditorialCristiana Menezes SantosFabiana Andreacutea de Almeida Oliveira PellegrinoMoacir Reis Fernandes FilhoPablo Stolze GaglianoPaulo Roberto Lyrio PimentaRoxana Cardoso Brasileiro BorgesJaime Barreiros Neto

Data de fechamento 25112020

Diagramaccedilatildeo Caetecirc Coelho

ISBN 978-65-89459-01-9

4 Revista Novatio 1ordf ediccedilatildeo ndash 2020

Poder Judiciaacuterio do Estado da Bahia ISBN 978-65-89459-01-9

Sumaacuterio

Prefaacutecio Os Juizados Especiais e o acesso agrave justiccedila 6Fabiana Andreacutea de Almeida Oliveira Pellegrino

Dano moral natildeo eacute soacute sofrimento a crescente superaccedilatildeo do ldquomero aborrecimentordquo 12Marcos Dessaune

Os juizados especiais e sua funccedilatildeo atemporal de acesso amplo agrave justiccedila 15Alexandre ChiniMarcelo Moraes Caetano

A tutela do superendividamento como irradiaccedilatildeo dos direitos fundamentais nas relaccedilotildees de consumo 29Fabiana Andreacutea de Almeida Oliveira Pellegrino

Primeiras linhas quanto ao impacto da Lei Geral de Proteccedilatildeo de Dados na forccedila probante dos documentos eletrocircnicos em processos submetidos aos Juizados Especiais de relaccedilotildees de consumo 51Belmiro Vivaldo Santana FernandesMichelline Soares Bittencourt Trindade Luz

O sistema multiportas como propulsor do acesso agrave Justiccedila no acircmbito do juizado de Fazenda Puacuteblica 68Ana Conceiccedilatildeo Barbuda Sanches Guimaratildees FerreiraAna Baacuterbara Barbuda Ferreira Motta

Contribuiccedilotildees da jurimetria para a administraccedilatildeo da justiccedila 84Caroline Dantas Godeiro de AraujoEacuterica Baptista Vieira de Meneses

O superendividamento tutelado no acircmbito do Sistema dos Juizados Especiais do Tribunal de Justiccedila do Estado da Bahia 98Maria Joseacute Oliveira e Silva

5Revista Novatio 1ordf ediccedilatildeo ndash 2020

Poder Judiciaacuterio do Estado da Bahia ISBN 978-65-89459-01-9

Audiecircncia de conciliaccedilatildeo no acircmbito dos Juizados Especiais da Fazenda Puacuteblica a indispensaacutevel concretizaccedilatildeo do acesso agrave ordem juriacutedica justa 110Maria Joseacute Oliveira e SilvaNataacutelia Cavalcanti de ArauacutejoPaula Gargur Calmon Teixeira da Silva

Desafios agrave aplicaccedilatildeo dos meacutetodos autocompositivos nas demandas de sauacutede suplementar construindo novos caminhos de acesso agrave justiccedila 126Gabriela Silva SadyHenrique Costa PrinchakLucas Macedo Silva

Inovaccedilotildees tecnoloacutegicas no direito uma anaacutelise da (im)possibilidade de citaccedilatildeo por aplicativos de mensagem instantacircnea nos Juizados Especiais Ciacuteveis da Bahia 140Amanda Leite Souza AlvesLucas Duailibe MaiaMariely Lago Vianna Nogueira

Direito fundamental agrave saude e ativismo judicial uma anaacutelise da jurisprudecircncia do Supremo Tribunal Federal 155Ana Conceiccedilatildeo Barbuda Sanches Guimaratildees FerreiraAna Baacuterbara Barbuda Ferreira Motta

A fixaccedilatildeo da competecircncia nas accedilotildees de responsabilidade civil meacutedica em planos de sauacutede de autogestatildeo 171Amanda Leite Souza AlvesAna Paula Cruz de SantanaRodolfo Oliveira Dourado

Nuances da uniformizaccedilatildeo de jurisprudecircncia e advento do IRDR no CPC2015 para suas aplicabilidades nos Juizados Especiais 187Iuri Santos Ferreira da Silva

A melhoria da prestaccedilatildeo jurisdicional a partir do fortalecimento das accedilotildees articuladas com oacutergatildeos de defesa do consumidor em vista da desjudicializaccedilatildeo das demandas 197Filipe de Arauacutejo Vieira

Sumaacuterio

6 Revista Novatio 1ordf ediccedilatildeo ndash 2020

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Prefaacutecio Os Juizados Especiais

e o acesso agrave justiccedila

A importacircncia do Poder Judiciaacuterio e em especial dos Juizados Espe-ciais para o acesso agrave Justiccedila adquire contornos ainda mais fortes em razatildeo da forccedila maior por que passamos tendo em vista toda a desconstruccedilatildeo de pilares convivenciais e as repercussotildees patrimoniais e imateriais na vida das pessoas

Atualmente nos vemos diante do desafio de compreender institutos juriacutedicos numa realidade caleidoscoacutepica pandecircmica e digital marcada pela instabilidade econocircmica fragmentaccedilatildeo de ideias e valores multiplici-dade de fontes juriacutedicas materiais e formais aleacutem de inovaccedilotildees tecnoloacutegi-cas que ressignificam os caminhos processuais

Os dados do relatoacuterio World Economic Outlook do Fundo Monetaacuterio Internacional ndash FMI avalia para 2020 uma recessatildeo global de 49 e no Brasil um recuo do Produto Interno Bruto na ordem de 91

O aumento dos gastos puacuteblicos para conter a pandemia e o afrouxa-mento fiscal foram fatores que naturalmente elevaram a diacutevida brasileira com o FMI para 1023 do PIB em 2020 e embora se projete melhora para o ano de 2021 com recuo da diacutevida para 1006 do PIB fato eacute que vivemos um periacuteodo de incertezas e uma forccedila maior da envergadura do Covid-19 fragiliza qualquer tentativa de futurologia

Na atualidade segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatiacutesti-cas ndash IBGE a taxa de desocupaccedilatildeo no paiacutes aumentou 276 somente nos primeiros quatro meses de pandemia somando mais de 137 milhotildees de desempregados com maior concentraccedilatildeo nas regiotildees norte e nordeste Ademais o consumo das famiacutelias caiu em torno de 125 no segundo trimestre do ano e o aumento do custo de vida impactou diretamente na adimplecircncia dos mais diversos contratos privados

Segundo a recente Pesquisa de Endividamento e Inadimplecircncia do Consumidor ndash PEIC de outubro de 2020 realizada pela Confederaccedilatildeo Na-cional do Comeacutercio de Bens Serviccedilos e Turismo ndash CNC 665 das famiacutelias brasileiras estatildeo endividadas com maior concentraccedilatildeo nos que recebem ateacute 10 salaacuterios miacutenimos Desses 433 estatildeo com diacutevidas atrasadas por periacuteodo superior a 90 dias 231 com comprometimento de mais de 50

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de sua renda mensal e 119 natildeo tem qualquer condiccedilatildeo de quitar as suas diacutevidas O vilatildeo desse endividamento eacute o cartatildeo de creacutedito (785) segui-do pelos carnes (164) financiamento de carro (107) financiamento de casa (99) creacutedito pessoal (86) creacutedito consignado (62)

Nesse cenaacuterio estaacute na ordem do dia a necessidade de diaacutelogos coo-perativos e leais entre os contratantes a necessidade de poliacuteticas puacuteblicas do Poder Executivo que previnam o aumento das causas do desemprego bem assim a urgecircncia de inovaccedilotildees legislativas que disciplinem as confli-tuosidades contemporacircneas e a atuaccedilatildeo firme do Poder Judiciaacuterio para efetivar direitos fundamentais

Eacute nesse cenaacuterio que no ano de 2020 comemoramos os 25 anos da Lei dos Juizados Especiais e 30 anos do Coacutedigo de Defesa do Consumidor leis que guardam relaccedilatildeo histoacuterica com o resgate da democracia solidari-zaccedilatildeo socializaccedilatildeo cidadania e acesso agrave justiccedila e que sendo visionaacuterias destinaram-se a realizar os objetivos fundamentais da nossa naccedilatildeo (art 3ordm da CF)

Tratam-se de duas leis de fundamentalidade constitucional uma principioloacutegica e outra processual desburocratizada de forte oralidade sendo o somatoacuterio de ambas o combustiacutevel e o veiacuteculo para a execuccedilatildeo de uma Poliacutetica Nacional das Relaccedilotildees de consumo (art 5 IV do CDC) e construccedilatildeo de uma sociedade livre justa e solidaacuteria que garanta a prote-ccedilatildeo dos direitos dos consumidores numa sociedade de notoacuteria prevalecircn-cia das forccedilas capitalistas de mercado em detrimento da vulnerabilidade teacutecnica juriacutedica e econocircmica do consumidor

Respeitados os limites de valor da causa mateacuteria sujeita ao procedi-mento especial complexidade bem como pessoas aptas a figurar como parte nas demandas de consumo os nuacutemeros apresentados pelo Conse-lho Nacional de Justiccedila no Relatoacuterio Justiccedila em Nuacutemeros 2020 demons-tram que os Juizados Especiais satildeo as portas escancaradas da Justiccedila para o amplo acesso de todo cidadatildeo que sofra lesatildeo ou ameaccedila a seu direito atraveacutes de um procedimento ceacutelere informal barato que preza sobremo-do pela soluccedilatildeo consensual do conflito

Segundo o Relatoacuterio Justiccedila em Nuacutemeros 2020 susomencionado embora tenhamos cerca de 8 juiacutezes por 100 mil habitantes (1 juiz para cada 12500 habitantes) distribuem-se 14000 novos processos a cada 100 mil habitantes Somente em 2019 foram distribuiacutedos mais de 20 milhotildees de casos novos na justiccedila de primeiro grau sendo os Juizados Estaduais responsaacuteveis por mais de 6 milhotildees trezentos e quarenta e cinco mil sen-

Fabiana Andreacutea de Almeida Oliveira Pellegrino

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Poder Judiciaacuterio do Estado da Bahia ISBN 978-65-89459-01-9

tenccedilas (de um total de 22 milhotildees) portanto quase trinta por cento das sentenccedilas de primeiro grau do pais

Na Bahia foram distribuiacutedos em 2019 481684 processos e julgados mais de 540000 processos Numa deacutecada triplicaram a distribuiccedilatildeo e os julgamentos no sistema dos juizados especiais da Bahia Isso eacute resultado de aspectos positivos e negativos como as facetas de uma mesma moeda

Os positivos relacionam-se com a credibilidade depositada nessa via jurisdicional ceacutelere e efetiva a partir da fluidez da Lei Federal nordm 909995 cujos criteacuterios reitores permitem a desburocratizaccedilatildeo da justiccedila Outros-sim pode-se referir o trabalho incessante de informaccedilatildeo feito pelos oacuter-gatildeos privados e puacuteblicos a exemplo do que fazem os oacutergatildeos encarrega-dos da proteccedilatildeo do consumidor talhando assim um jurisdicionado mais consciente de seus direitos

Os negativos concentram-se nas crescentes lides artificiais na cultura do litiacutegio na fotografia de uma sociedade de consumo em que muitos fornecedores de produtos e serviccedilos relutam a se conduzir segundo os signos da boa-feacute objetiva e funcionalizaccedilatildeo dos contratos

Em relaccedilatildeo agraves demandas de massa vejam que o Coacutedigo de Defesa do Consumidor traz em seu bojo um rico manancial principioloacutegico com destaque para os seus conceitos abertos o que o torna permeaacutevel agraves no-vas conflitualidades (superendividamento os contratos e-commerce os que envolvam as criptomoedas etc) permitindo o pleno acesso agrave decisotildees justas a partir de uma adequada hermenecircutica

Natildeo haacute duacutevida de que a relaccedilatildeo simbioacutetica entre o CDC e a Lei Fede-ral nordm 909995 garante o pleno acesso agrave justiccedila Germinadas a partir dos comandos da Constituiccedilatildeo Federal de 1988 ambas materializam respec-tivamente o direito fundamental agrave defesa do consumidor (art 5ordm inciso XXXII da CF88) e o direito fundamental do acesso agrave justiccedila (art 5ordm inciso XXXV da CF88) entendido como direito agraves iniciativas e decisotildees social-mente justas que atendam ao vetor da funcionalizaccedilatildeo procedimental e efetiva soluccedilatildeo do litiacutegio

Percebemos que para aleacutem de ser uma questatildeo juriacutedico-formal o acesso agrave justiccedila traduz um problema de igualdade como deixa claro o art 10 da Declaraccedilatildeo Universal dos Direitos do Homem integrada ao nosso ordenamento juriacutedico por forccedila do art 52 sect 22 da Constituiccedilatildeo Federal de 1988 ao dispor que ldquoToda pessoa tem direito em plena igualdade a uma audiecircncia justa e puacuteblica por parte de um tribunal independente e imparcial para decidir de seus direitos e deveresrdquo

Prefaacutecio Acesso agrave Justiccedila Poder Judiciaacuterio e Direito do Consumidor

9Revista Novatio 1ordf ediccedilatildeo ndash 2020

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Eacute indeleacutevel ser o procedimento permitido pela Lei Federal nordm 909995 o caminho mais eficiente para realizar a tutela dos direitos dos mais vulne-rabilizados equalizando-se a relaccedilatildeo negocial Natildeo eacute por outra razatildeo que a Lei Federal nordm 909995 atende aos questionamentos levantados com a primeira e terceira ondas tratadas por Mauro Cappelletti na pesquisa de-nominada Projeto Florenccedila na deacutecada de 70 dispondo ao cidadatildeo com enfoque na oralidade uma justiccedila desburocratizada raacutepida informal e barata que reconhece na fase conciliatoacuteria o acircmago da sua engrenagem dando contornos proacuteprios agrave noccedilatildeo de sociedade fraterna que preza pela harmonia social e soluccedilatildeo paciacutefica das controveacutersias

Vejam que a histoacuteria dos Juizados Especiais alvorece nos Estados Uni-dos a partir da primeira metade do seacuteculo XX com as denominadas Small Claimrsquos Courts e as Common Manrsquos Court cujo desiderato era justamente solver as questotildees ligadas agrave ampliaccedilatildeo do consumo de massa diante dos modelos tayloriano e fordista de produccedilatildeo

Eacute importante rememorar que agrave eacutepoca da Constituinte a sociedade brasileira estava emersa numa sociedade de consumo forjada ao longo da revoluccedilatildeo industrial sobretudo a partir da irradiaccedilatildeo do modelo de produccedilatildeo em seacuterie e consumo em massa

Jaacute viviacuteamos numa sociedade do desejo da cultura do endividamento de relaccedilotildees liacutequidas de uma moral social centrada na forccedila de consumo de contratos standartizados das chamadas contrataccedilotildees em silecircncio ou sem diaacutelogo das condutas sociais tiacutepicas (uso de tickets de caixas automaacute-ticos senhas recibos etc) de clara desigualdade do consumidor nas rela-ccedilotildees de consumo estimulando a procura da identidade pessoal e social a partir do pertencimento material

As modificaccedilotildees no modo de produccedilatildeo e na relaccedilatildeo entre o capital e o trabalho o redesenho consequente das relaccedilotildees sociais e comerciais no mundo tudo ocorria numa modelagem encadeada em detrimento da qualidade e seguranccedila dos bens e serviccedilos da precisa informaccedilatildeo aos consumidores vinculaccedilatildeo das ofertas com estabelecimento unilateral de claacuteusulas abusivas e leoninas que sobrepujavam os consumidores minguando a falsa ideia de que assegurando-se a liberdade contratual se estaria assegurando a justiccedila contratual

Portanto eacute justamente num ambiente de fortalecimento da cida-dania atendendo igualmente a um comando constitucional que a Lei Federal nordm 909995 surgiu disciplinando o rito dos Juizados Especiais nos Estados para garantir a amplificaccedilatildeo do acesso agrave Justiccedila de todos que

Fabiana Andreacutea de Almeida Oliveira Pellegrino

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estivessem com demandas diversas reprimidas e em especial as de con-sumo prestigiando sobremodo uma justiccedila participativa e coexistencial

Desse modo eacute possiacutevel afirmar que os Juizados Especiais represen-tam o revigoramento da legitimaccedilatildeo do Poder Judiciaacuterio perante o povo e do fomento agrave cultura juriacutedica no sentido da composiccedilatildeo amigaacutevel reve-lando-se notaacutevel instrumento de democratizaccedilatildeo de uma Justiccedila simples ceacutelere eficiente e natildeo onerosa afinal esse eacute o compromisso impliacutecito assu-mido pelo Estado quando vedou a autotutela oferecendo em contraparti-da o processo ao cidadatildeo

Eacute importante destacar que a Lei dos Juizados Especiais veio ao encon-tro de uma preocupaccedilatildeo mundial de tornar o Poder Judiciaacuterio acessiacutevel aos menos favorecidos inclusive os estendendo aos lugares onde ocorres-sem os conflitos prestigiando mesmo a ideia de tratamento comunitaacuterio ou de aproximaccedilatildeo do Ente Puacuteblico agrave vida social e ao povo fonte legiacutetima do Poder Democraacutetico permitindo ao cidadatildeo a pratica do proacuteprio direito

Natildeo foi de outra forma a previsatildeo da defesa do consumidor como direito fundamental e o Coacutedigo de Defesa do Consumidor como instru-mento para essa defesa como uma lei imperativa de ordem puacuteblica e in-teresse social que permitiu o intervencionismo estatal nas relaccedilotildees priva-das contratuais no intuito de relativizar ou mesmo controlar a liberdade contratual a partir de novos paradigmas dando sentido ao ideal de uma sociedade justa solidaacuteria e sobretudo igualitaacuteria

E por certo o ecircxito da atuaccedilatildeo estatal nas relaccedilotildees privadas de con-sumo perpassa por vias processuais racionalizadas para a contemporanei-dade como soacutei ser o procedimento dos Juizados Especiais

O proacuteprio Conselho Nacional de Justiccedila reconhecendo o papel pro-tagonista da resoluccedilatildeo alternativa dos conflitos para alcance dos objetivos estrateacutegicos do Poder Judiciaacuterio especialmente a responsabilidade social eficiecircncia operacional e pleno acesso ao Sistema de Justiccedila sedimentou essa diretriz na Resoluccedilatildeo 125 de 2010 revigorada sucessivamente em suas atualizaccedilotildees entre as quais merece destaque a mais recente Resolu-ccedilatildeo 326 de 2020

Isso inclusive vem ao encontro da Agenda 2030 que estabelece como 16ordm objetivo de desenvolvimento sustentaacutevel promover sociedades pacificas e inclusivas para o desenvolvimento sustentaacutevel proporcionar o acesso agrave justiccedila para todos e construir instituiccedilotildees eficazes responsaacuteveis e inclusivas em todos os niacuteveis

Prefaacutecio Acesso agrave Justiccedila Poder Judiciaacuterio e Direito do Consumidor

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Eacute preciso que se intensifique a poliacutetica nacional de soluccedilatildeo paciacutefica dos conflitos sob pena de restar prejudicado o proacuteprio acesso agrave justiccedila O CNJ tem sido incansaacutevel nessa lida o que bem demonstra a recente Resoluccedilatildeo nordm 3262020 na qual foram previstos os preciosos Centros Judi-ciaacuterios de Resoluccedilatildeo de Conflitos Regionais ndash CEJUSCs Regionais

Nessa senda calha ressaltar o projeto piloto de integraccedilatildeo entre os sistemas PJE e a plataforma Consumidorgov desenvolvido pelo Tribunal de Justiccedila do Distrito Federal e Territoacuterios assim como a plataforma Ne-gociaccedilatildeo Virtual no Projudi-BA desenvolvido pelo Poder Judiciaacuterio do Estado da Bahia nos Juizados Especiais vem ao encontro do pleno acesso agrave justiccedila em sua acepccedilatildeo mais consentacircnea com os propoacutesitos de soluccedilatildeo efetiva do conflito destacando-se a fase da conciliaccedilatildeo Do mesmo modo o Nuacutecleo de Prevenccedilatildeo e Tratamento do Superendividamento do Poder Judiciaacuterio da Bahia que se propotildee na esfera extraprocessual a tentar a conciliaccedilatildeo entre os contratantes de modo coletivo para possibilitar reco-meccedilos dignos dos endividados

Desse modo os Juizados Especiais realizam a funccedilatildeo social do pro-cesso datildeo especial valor agraves regras de experiecircncia comum buscam deci-sotildees mais justas e equacircnimes conforme os fins sociais da lei e exigecircncias do bem comum atendendo ao anseio popular de acesso a uma ordem juriacutedica justa

Por todo o escandido exaltemos os Juizados Especiais e continue-mos no empenho efervescente por seu fortalecimento lembrando sempre de Zigmunt Bauman quando disse que nenhuma sociedade que esquece a arte de questionar pode esperar encontrar respostas para os problemas que a afligem

Fabiana Andreacutea de Almeida Oliveira PellegrinoJuiacuteza Coordenadora do Sistema Estadual dos Juizados Especiais

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Fabiana Andreacutea de Almeida Oliveira Pellegrino

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Dano moral natildeo eacute soacute sofrimento a crescente superaccedilatildeo do

ldquomero aborrecimentordquo

Marcos Dessaune1

1 Advogado consultor e palestrante autor da Teoria do Desvio Produtivo do Consumidor e do Coacutedigo de Atendimento ao Consumidor Customer Service Code aleacutem de membro do Instituto Brasilcon e da Comissatildeo Especial de Defesa do Consumidor do CFOAB

Em sua obra ldquoA induacutestria do mero aborrecimentordquo Miguel Barreto (2016) registra que a Emenda Constitucional 45 que foi promulgada em 2004 reformou o Poder Judiciaacuterio e criou o Conselho Nacional de Justiccedila (CNJ) Em 2009 o CNJ implantou metas de produtividade para o Poder Ju-diciaacuterio especialmente para reduzir o acervo de processos existentes bem como para que fossem julgados mais processos do que os distribuiacutedos durante o ano

Barreto acrescenta que objetivando evitar a multiplicaccedilatildeo de proces-sos gerados por condutas repetidamente abusivas de certos fornecedores naquela eacutepoca os tribunais brasileiros criaram uma ldquojurisprudecircncia defen-sivardquo ora para negar indenizaccedilotildees ora para reduzir seu valor de modo a desestimular novas accedilotildees

Nesse contexto surgiu a hoje chamada jurisprudecircncia do ldquomero aborrecimentordquo que pode ser resumida neste julgamento de 2009 do Superior Tribunal de Justiccedila (STJ) no Recurso Especial 844736DF ldquoSoacute deve ser reputado como dano moral a dor vexame sofrimento ou hu-milhaccedilatildeo que fugindo agrave normalidade interfira intensamente no com-portamento psicoloacutegico do indiviacuteduo causando-lhe afliccedilotildees anguacutestia e desequiliacutebrio em seu bem-estar Mero dissabor aborrecimento maacutegoa irritaccedilatildeo ou sensibilidade exacerbada estatildeo fora da oacuterbita do dano mo-ral porquanto tais situaccedilotildees natildeo satildeo intensas e duradouras a ponto de romper o equiliacutebrio psicoloacutegico do indiviacuteduordquo

Tal entendimento reverbera um conceito antigo de ldquodano moralrdquo cujo grande expoente no Brasil eacute o professor Sergio Cavalieri Filho Embora jaacute

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esteja superado pela doutrina contemporacircnea e pelo proacuteprio autor que atualizou seu entendimento tal conceito continuou a ser reproduzido in-discriminadamente no Direito brasileiro Nesse sentido Fernando Noronha (2013) acrescenta inclusive que existe uma ldquotradicional confusatildeordquo entre danos extrapatrimoniais e danos morais presente em praticamente todos os autores reputados como ldquoclaacutessicos nesta mateacuteriardquo

Sendo assim e com base em diversos autores como os proacuteprios Ca-valieri e Noronha passei a sustentar que os danos extrapatrimoniais por serem tradicionalmente chamados de ldquodanos moraisrdquo podem ser classifi-cados em duas espeacutecies dano moral stricto sensu e dano moral lato sensu O primeiro decorre da lesatildeo agrave integridade psicofiacutesica da pessoa ndash cujo re-sultado geralmente satildeo sentimentos negativos como a dor e o sofrimento ndash enquanto o uacuteltimo resulta da lesatildeo a um atributo da personalidade ou da violaccedilatildeo agrave dignidade humana

Apoacutes estudar a problemaacutetica na Teoria aprofundada do Desvio Pro-dutivo do Consumidor (DESSAUNE 2017) cheguei agrave conclusatildeo que o en-tendimento jurisprudencial de que o consumidor ao enfrentar problemas de consumo criados pelos proacuteprios fornecedores sofre ldquomero dissabor ou aborrecimentordquo e natildeo dano moral indenizaacutevel revela um raciociacutenio construiacutedo sobre bases equivocadas que naturalmente conduzem a essa conclusatildeo errocircnea O primeiro equiacutevoco eacute que o conceito de dano moral enfatizaria as consequecircncias emocionais da lesatildeo enquanto ele jaacute evoluiu para centrar-se no bem ou interesse juriacutedico atingido ou seja o objeto do dano moral era a dor o sofrimento a humilhaccedilatildeo o abalo psicofiacutesico e se tornou qualquer atributo da personalidade humana lesado O segundo (equiacutevoco) eacute que nos eventos de desvio produtivo o principal bem ou interesse juriacutedico atingido seria a integridade psicofiacutesica da pessoa consu-midora enquanto na realidade satildeo o seu tempo vital e as suas atividades existenciais ndash como trabalho estudo descanso lazer conviacutevio social e familiar etc O terceiro (equiacutevoco) eacute que esse tempo existencial natildeo seria juridicamente tutelado enquanto na verdade ele se encontra protegido tanto no rol aberto dos direitos da personalidade quanto no acircmbito do direito fundamental agrave vida Por conseguinte o loacutegico eacute concluir que as si-tuaccedilotildees de desvio produtivo do consumidor acarretam no miacutenimo dano moral lato sensu indenizaacutevel

Com a disseminaccedilatildeo da nova Teoria a partir de 2012 os tribunais bra-sileiros paulatinamente passaram a adotaacute-la e a aplicaacute-la assim iniciando um processo de gradual transformaccedilatildeo daquela jurisprudecircncia defensiva

Marcos Dessaune

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que ateacute entatildeo e em grande medida natildeo reconhecia a existecircncia de danos morais em casos em que eles estavam claramente presentes sob o fun-damento de haver ldquomero dissabor ou aborrecimentordquo normal na vida do consumidor

O auge da superaccedilatildeo da jurisprudecircncia em tela ocorreu em dezem-bro de 2018 quando o Oacutergatildeo Especial do Tribunal de Justiccedila do Rio de Janeiro (TJRJ) revogou por unanimidade de votos apoacutes provocaccedilatildeo da Ordem dos Advogados do Brasil ndash Seccedilatildeo do Rio de Janeiro (OABRJ) o Ver-bete Sumular 75 que havia sido criado em 2004 e ficara conhecido como a ldquoSuacutemula do Mero Aborrecimentordquo Tanto o pedido da OABRJ quanto a decisatildeo do TJRJ basearam-se na Teoria do Desvio Produtivo

Em dezembro de 2019 desejando avanccedilar ainda mais na defesa cons-titucionalmente garantida ao vulneraacutevel a OABRJ pediu ao mesmo TJRJ a sumulaccedilatildeo da Teoria do Desvio Produtivo para trazer mais proteccedilatildeo aos consumidores que a despeito de todos os recentes avanccedilos doutrinaacuterios e jurisprudenciais ainda satildeo lesados diariamente num de seus bens mais preciosos o seu tempo vital

Portanto eacute liacutecito concluir que dano moral natildeo eacute soacute sofrimento eacute tam-beacutem lesatildeo ao tempo ndash entre outros bens juridicamente tutelados Afinal o tempo eacute o suporte impliacutecito da vida que dura certo tempo e nele se desenvolve e a vida enquanto direito da personalidade e direito funda-mental eacute constituiacuteda de atividades existenciais que nela se sucedem

Texto publicado originalmente em httpwww5tjbajusbrportaldano-moral-nao-e-so-sofrimento-a-crescente-superacao-do-mero-aborre-cimento em 23102020

Dano moral natildeo eacute soacute sofrimento a crescente superaccedilatildeo do ldquomero aborrecimentordquo

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Os juizados especiais e sua funccedilatildeo atemporal de acesso amplo agrave justiccedila

1 Juiz de Direito do Estado do Rio de Janeiro (TJRJ) e Auxiliar da Presidecircncia do Supe-rior Tribunal de Justiccedila (STJ) professor da graduaccedilatildeo e da poacutes-graduaccedilatildeo da Univer-sidade Salgado de Oliveira ndash UNUVERSO membro titular da Academia Fluminense de Letras cadeira 50

2 Professor da Universidade do Estado do Rio de Janeiro ndash UERJ professor poacutes-doutro da Universidade de Copenhague membro titular da Academia Brasileira de Filologia cadeira 38

Alexandre Chini1

Marcelo Moraes Caetano2

Resumo Os Juizados Especiais criados no Brasil a partir da Lei 9099 de 1995 revelaram desde sua implementaccedilatildeo pendor democratizan-te e civilizatoacuterio O acesso direto agrave Justiccedila sem necessidade de inter-mediaccedilatildeo propiciou uma revoluccedilatildeo no campo juriacutedico Essa amplia-ccedilatildeo notoacuteria foi articulada por noacutes neste capiacutetulo com a investigaccedilatildeo que a sociologia e a filosofia fomentam em relaccedilatildeo aos fenocircmenos de massa e seus desdobramentos (ECO 1993) jaacute que os Juizados Espe-ciais por sua iacutendole de acessibilidade abarcam parte muito grande da populaccedilatildeo Ainda contrastamos esse fator com os conceitos an-tropoloacutegicos de ldquonormardquo ldquonormalidaderdquo e ldquonormoserdquo (CREMA LELOUP WEIL 2001 CAETANO 2020) que abrangem o ser humano em seu lado individual psicoloacutegico de sujeito mas tambeacutem em sua face so-cial e coletiva Assim propusemos a explicitaccedilatildeo de algumas ideias de campos do conhecimento como antropologia e sociologia que dialo-guem com a aptidatildeo inclusiva e civilizatoacuteria dos Juizados Especiais o que se confirmou mercecirc dos vinte e cinco anos de seu ecircxito no Brasil

Palavras-chave Juizados Especiais Inclusatildeo Normalidade Norma Normose

1 INTRODUCcedilAtildeO

No ano de 2020 podemos averiguar o ecircxito da implementaccedilatildeo dos Juizados Especiais a partir da Lei Federal nordm 9099 de 26 de setembro de 1995 Os vinte e cinco anos que avultam e sobressaem daquela entatildeo

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promissora proposta de alternativa jurisdicional ora se consagram como verdadeira revoluccedilatildeo no campo juriacutedico brasileiro

Muitos aspectos poderiam ser sintetizados da iniciativa O proacuteprio FONAJE ndash Foacuterum Nacional dos Juizados Especiais ndash denota o entusiasmo perpetuado pelo desenlace beneacutefico da referida Lei de 1995 Sua iacutendole desformalizada sincreacutetica amplamente democraacutetica sumariiacutessima fo-mentadora da mediaccedilatildeo e conciliaccedilatildeo indutora da resoluccedilatildeo paciacutefica dos conflitos tudo isso descongestionou os estoques processuais e como consequecircncia trouxe aliacutevio aos sujeitos cidadatildeos participantes da Justiccedila em seu fundo e forma mais apreciaacuteveis

No que se refere agrave sociologia eacute correto falarmos que o direito quan-do do ecircxito dos Juizados Especiais logrou atingir o que se enlaccedila com as questotildees de cultura de massa

Isso porque os Juizados Especiais revelaram arraigada vocaccedilatildeo para inclusatildeo extensa e intensa da populaccedilatildeo brasileira aumentando de forma estatisticamente comprovada o acesso agrave Justiccedila condiccedilatildeo fundamental para que se possa falar na existecircncia de um Estado Democraacutetico de Direito

Entendemos numa abordagem jusfilosoacutefica e cientiacutefica do direito que os aspectos antropoloacutegicos e discursivos da sociedade propiciam um panorama a um tempo amplo e profundo dentro dos limites compreen-didos pela extensatildeo exiacutegua desta anaacutelise do caraacuteter civilizatoacuterio que a Justiccedila e seus mecanismos e dinacircmicas operam

Assim ombreada agraves questotildees de cultura de massa amparadas por esses Juizados procedemos agrave anaacutelise da antropologia num de seus as-pectos natildeo apenas teoacutericos como tambeacutem praacuteticos ou aplicados todo o arcabouccedilo de que esta ciecircncia humana se vale para construir pontes que perpassem os aspectos inclusivos da sociedade Para tanto eacute mister que nos valhamos da pesquisa sobre itens da pauta como a chamada ldquonorma-lidaderdquo que se espelha na norma juriacutedica o caminhar dessa ldquonormalida-derdquo em direccedilatildeo a seu desgaste presente no quase inexplorado conceito psicossocial de normose (CREMA LELOUP WEIL 2001 CAETANO 2020) e por fim a atualizaccedilatildeo de novas ldquonormalidadesrdquo hauridas da presentifi-caccedilatildeo da vida real cambiante em seu equiliacutebrio dinacircmico o que requer atualizaccedilotildees das proacuteprias normas do direito a fim de que estas abarquem sempre natildeo apenas uma parte (hegemocircnica) da sociedade mas tambeacutem a populaccedilatildeo que doravante sai do campo perifeacuterico de acesso agrave Justiccedila galgando cidadania jurisdicional

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Nossa proposta neste capiacutetulo seraacute a breve apreciaccedilatildeo dos carac-teres de conteuacutedo e expressatildeo discursivos que causam os fenocircmenos sociais dos sujeitos culturais e juriacutedicos que compotildeem o amplo mosaico da Justiccedila Para isso reitere-se nosso ponto de partida seraacute a antropolo-gia a compreensatildeo do supracitado conceito de normose no campo desta ciecircncia humana e a subsequente anaacutelise de algumas consequecircncias do reconhecimento da importacircncia desse conceito no campo social e mais especificamente juriacutedico

Mas tambeacutem nos abrigamos na anaacutelise discursiva de outro meio de inclusatildeo ampla que promana das sociedades a discursividade dialoacutegica em seu estatuto de comunicaccedilatildeo de massa com as dialeacuteticas presentes nessa realidade

Se existe uma ciecircncia que se encampa no rol das ciecircncias complexas eacute a antropologia o estudo do ser humano dos pontos de vista psiacutequico social cultural Buscaremos aqui perquirir as questotildees que dizem respeito agrave inclusatildeo social em seus aspectos antropoloacutegicos Essa nossa investigaccedilatildeo se justifica pelo fato mesmo de haver articulaccedilatildeo notoacuteria da antropologia com o direito Sobretudo quando nos referimos aos Juizados Especiais cuja campanha primeira como salientamos assenta-se sobre a questatildeo de encarar as ferramentas inclusivas necessaacuterias para se dar guarida agrave maior parte possiacutevel da populaccedilatildeo Nesse aspecto salientaremos toacutepicos cultu-rais e discursivos que marcam a inclusatildeo aludida tratando de questotildees especiacuteficas da relaccedilatildeo dialoacutegica da imprensa como argumento de autori-dade com o grande puacuteblico a ser incluiacutedo no saber social

2 NORMALIDADE NORMA E NORMOSE REFLEXOtildeES SOBRE A INCLUSAtildeO E A CULTURA DE MASSA

A relaccedilatildeo entre ser humano e cultura desafia o senso comum em sua ilusatildeo de que o pensamento cartesiano pretensamente contempla as suas sutilezas infinitas O sono dogmaacutetico que Kant (2004) acusou natildeo pode repousar na antropologia e nos seus desdobramentos inevitaacuteveis agravequelas sociedades que se amparam no direito como forma de vivecircncia e convi-vecircncia

Antes de remeter diretamente agrave obra de Umberto Eco um dos pinaacute-culos desta discussatildeo (ECO 1993) cremos ser necessaacuteria uma breviacutessima incursatildeo na origem dos pensamentos que opotildeem a cultura de massa e a autoridade (a norma juriacutedica aplicada pelo juiz) na circunstacircncia da evo-caccedilatildeo do caraacuteter irretorquiacutevel por exemplo do Magister dixit dos escolaacutes-

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ticos em relaccedilatildeo ao grande estagirita (ARISTOacuteTELES 1983) autoridade das autoridades naquele contexto

Essa oposiccedilatildeo como sabemos remonta agraves discussotildees sobre o papel da pessoa enquanto ser criacutetico ou acriacutetico diante da informaccedilatildeo que seu meio de conviacutevio lhe proporciona seja ela denotativa ou conotativa Em outras palavras questiona-se haacute muito tempo nas searas da filosofia em geral e da filosofia da ciecircncia (epistemologia) em particular indo-se agrave praacutetica da filosofia do direito se a informaccedilatildeo que avanccedila sobre a pessoa encontra nesta um ser ativo ou passivo em dialogismo com aquela infor-maccedilatildeo ou como mero receptaacuteculo diante de um monoacutelogo inconteste

Isso estaacute intrinsecamente ligado ao fator de inclusatildeo que a cultura e comunicaccedilatildeo de massa propicia em seu diaacutelogo Falamos aqui das dis-cursividades plurais que emanam de todas as camadas ou ceacutelulas sociais Essa discussatildeo se potencializa quando a democracia clama pela inserccedilatildeo e integraccedilatildeo de todos os sujeitos como alto-falante referencial das massas nunca desvestida de apelo e manifestaccedilatildeo psiacutequica em suas normalidades inerentes a certos espaccedilos e tempos No outro voacutertice da dialeacutetica as insti-tuiccedilotildees democraacuteticas como mass media se valem da voz das autoridades que se representa na norma inclusive a juriacutedica tambeacutem atrelada a um espaccedilo e um tempo especiacuteficos Como essa dualidade dialoacutegica se sinteti-za num ambiente de apreccedilo e zelo agrave democracia criando a inclusatildeo iacutempar de que o instituto dos Juizados Especiais eacute ao mesmo tempo consequecircn-cia e uma das causas fundamentais

Teriacuteamos nesse encontro das vastas camadas da populaccedilatildeo com as vozes de autoridade sob a campacircnula da democracia o que podemos conceber como um gecircnero discursivo derivado ou indireto para citarmos a Teoria dos atos de fala da Pragmaacutetica Ou seja um ato de fala que natildeo deve ser consumido como se se tratasse de um gecircnero direto Natildeo se pode conceber esse fluxo dialoacutegico como se a informaccedilatildeo fosse um ato de fala constativo que pode ser submetido agrave verificabilidade de onde soacute se pode afirmar ldquosimrdquo ou ldquonatildeordquo Num niacutevel de conteuacutedo e expressatildeo trata-se de um enunciado performativo que pretende ldquoto do things with wordsrdquo (AUSTIN 1962) indo aleacutem da mera verificabilidade e atingindo uma accedilatildeo que se pretende alcanccedilar sendo proferido geralmente no plano da ex-pressatildeo em primeira pessoa no presente do indicativo e na voz ativa Essa mudanccedila de perspectiva em que o papel do Juizado eacute ldquofazer coisas com as palavrasrdquo eacute de caraacuteter profundamente cultural e civilizatoacuterio pois a

Alexandre Chini bull Marcelo Moraes Caetano

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autoridade ndash que emana do povo ndash volta-se ao povo num dosificado clima democraacutetico porquanto inclusivo

Natildeo se pode falar de democracia sem se compreenderem os fatores de inclusatildeo autoridade aceitaccedilatildeo diaacutelogo mudanccedila

Toda essa discussatildeo nasceu com a dialeacutetica socraacutetica (ateacute mesmo an-tes dela) levada agrave paacutetina da literatura por seu aluno desobediente Platatildeo Entre o plano das ideias e o plano das coisas em si pairava o fantasma do simulacro Este pode ser muito bem decalcado mutatis mutandis agrave media-ccedilatildeo performativa diante da ideia da autoridade que se expressa

Os grandes personagens de diaacutelogos de Soacutecrates-Platatildeo a esse respei-to satildeo o ldquoProtaacutegorasrdquo e o ldquoGoacutergiasrdquo eacute claro (PLATAtildeO 1997) Sofistas ambas as personalidades (ou autoridades) foram confrontadas com a existecircncia possiacutevel (e provaacutevel em Soacutecrates-Platatildeo) de uma Verdade Aletheia ou Lo-gos Veritas como se conclama no apanaacutegio de Harvard Assim ldquoo homem como medida de todas as coisasrdquo em Protaacutegoras era cruamente contrasta-do com o Logos socraacutetico-platocircnico esmaecendo Goacutergias ao menos era mais franco em sua forma de retoacuterica sofista recusando uma ldquovirtude uni-versalrdquo (Arete em idioma aacutetico) e relativizando-a de acordo com as classes sociais que perfaziam a Poacutelis Eacute nisso que Goacutergias mas natildeo Protaacutegoras se assemelha aos filoacutesofos ciacutenicos como Antiacutestenes e Dioacutegenes

Prosseguindo a triacuteade grega com Soacutecrates e Platatildeo o fundador do Liceu Aristoacuteteles de Estagira jaacute estudava a retoacuterica como forma de obter ldquomeios de provardquo Segundo ele como eacute consabido esses meios se inicia-vam com o Logos (um rastro de verdade) de seu Mestre Platatildeo mas ime-diatamente se desdobravam em Ethos (a adesatildeo a uma forma de discurso relativamente estaacutevel que encampa certo grupo de pessoas ou audiecircncia) e Pathos (a capacidade enunciativa de convencer aquela audiecircncia pre-tendida) Tratamos do assunto em outros artigos e mais detidamente em recente livro nosso (CAETANO CHINI 2020)

Saltando alguns seacuteculos encontramos em Marx (1988) e em sua dialeacutetica a distinccedilatildeo entre a ldquomassa criacuteticardquo e a ldquomassa de mais-valiardquo uma forma importante de relacionar a recepccedilatildeo dos enunciados perpassada pelo modo de produccedilatildeo capitalista Segundo Marx esses dois Ethi recupe-ram sistematizam e repassam a informaccedilatildeo (denotativa ou conotativa) em funccedilatildeo de seu papel socioeconocircmico numa estrutura herdada da Revolu-ccedilatildeo Industrial Inglesa burguesia e proletariado

Os juizados especiais e sua funccedilatildeo atemporal de acesso amplo agrave justiccedila

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Chegamos finalmente aos tipos ldquoapocaliacutepticosrdquo e aos ldquointegradosrdquo que nomeiam a obra de Umberto Eco

Como sabemos o pensador poliacutemata Umberto Eco sistematizou a re-laccedilatildeo entre informaccedilatildeo (cultural ou referencial) e espectador (ECO 1993) indo ao zecircnite da discussatildeo que como mostramos se iniciou antes mes-mo de Soacutecrates e foi explicitamente ancorada com Marx Freud e a Escola de Frankfurt Ou seja toda a discussatildeo entre cultura de massa e cultura aristocraacutetica ou como temos falado aqui cultura criacutetica

O ldquoapocaliacutepticordquo de Umberto Eco como sabemos se metonimiza na figura do ldquosuper-homemrdquo natildeo apenas o de Nietzsche (Uumlbermensch) mas tambeacutem o da DC Comics surgido em 1938 numa revista em quadrinhos para a massa social O super-homem de Nietzsche natildeo se distancia tanto do personagem com muacutesculos de accedilo da induacutestria cultural Surgido em 1881 em Assim falou Zaratustra o pensador persa a quem Nietzsche daacute voz inquire e exorta ldquoEu vos ensino o super-homem O homem eacute algo a ser superado Que fizestes para superaacute-lordquo (NIETZSCHE 1998 p 112)

Num caso e noutro trata-se do protoacutetipo metafoacuterico (na acepccedilatildeo da Linguiacutestica cognitiva) do ser humano que tendo ou natildeo procedecircncia da massa dela se destaca passando a natildeo mais fazer parte de seu suposto rebotalho O super-homem de Nietzsche nasce da massa humano-terraacute-quea despertando do ldquosono dogmaacuteticordquo e da ldquonormoserdquo na sua acepccedilatildeo fundamental e tambeacutem na que proveacutem de parte significativa de nossas investigaccedilotildees sobre o tema mantendo uma normalidadenorma vigente Ao passo que o super-homem da DC Comics jaacute eacute aristocrata de nascenccedila pois veio do fictiacutecio planeta Krypton onde foi chamado como Kal-El O super-homem eacute o apocaliacuteptico a antecacircmara consoladora da nossa possi-bilidade de ascendermos sobre a massa normoacutetica e dotarmos de volume a nossa voz de autoridade Em outros termos eacute tambeacutem a possibilidade de mudanccedila de uma normanormalidade que tenha se tornado normose porque estaacute desgastada

Mas isso pode empurrar-nos a todos ao simulacro dos velhos e bons fundadores da Academia Soacutecrates e Platatildeo

O ldquointegradordquo por seu turno eacute aquela metoniacutemia que demonstra que a massa se posicione antes como espectador que goze da libaccedilatildeo acriacutetica do banquete discursivo

Cabe aqui portanto uma explicitaccedilatildeo do conceito de normalidade desgastada ou normose

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Cabe resumir a normose aqui () como um conjunto de pensamentos e comportamentos que satildeo sistematizados dentro de um consenso e aprovaccedilatildeo social tornando-se a ldquonormardquo o ldquonormalrdquo e a ldquonormalidaderdquo que satildeo ateacute mesmo incentivados dentro desse acircmbito e que no entanto satildeo patogecircnicos isto eacute levam a ldquosofrimentos doenccedilas e mortesrdquo como sintetiza Pierre Weil nesses trecircs substantivos (CAETANO 2020 p 132)

Os teoacutericos da miacutedia ao criarem o conceito de ldquoaldeia globalrdquo tatildeo equivocadamente equiparado por vezes aos conceitos de ldquoglobalizaccedilatildeordquo (o avanccedilo do turbocapitalismo) e o controverso ldquoglobalismordquo notam que agrave teoria da informaccedilatildeo por exemplo com sua ldquoCiberneacuteticardquo (do grego ldquoaquele que pilotardquo) foi acrescido um nuacutemero incalculaacutevel e extremamen-te impreciso de dados sons vozes imagens siacutembolos iacutecones signos Eles postulam que o que as mass media fornecem satildeo sempre dados e nunca informaccedilotildees em outros termos satildeo elementos de enunciado (dados) cuja interpretaccedilatildeo eacute que gera enunciaccedilatildeo (informaccedilatildeo)

Ou seja no meio das normalidades presentes nas sociedades haacute aquelas que satildeo normoacuteticas Isso satildeo dados que devem transformar-se em informaccedilatildeo agrave praacutetica legiferante a fim de que esta mude para atualizar-se a novas normalidades Todo esse movimento se concretiza na norma ju-riacutedica e em diaacutelogo com o povo nos proacuteprios atos democraacuteticos do juiz

Ao utilizar o argumento de autoridade a dialeacutetica democraacutetica natildeo deve apelar ao que supostamente seria um argumento teoloacutegico Afinal os especialistas na condiccedilatildeo prototiacutepica de ldquoapocaliacutepticosrdquo e natildeo de ldquointe-gradosrdquo fornecem a criacutevel ldquoinformaccedilatildeordquo lastreada pelo Magister dixit como vimos No plano da expressatildeo por isso mesmo retornamos isotopicamen-te ao ponto exprimem-se em primeira pessoa no presente do indicativo e na voz ativa com asserccedilotildees que se supotildeem irretorquiacuteveis em toda a sua tessitura devido ao grau de verificabilidade de que se municiam

Eacute necessaacuterio portanto exercer e exercitar o senso criacutetico mais do que em muitos outros casos O especialista fornece dados que satildeo descritivos e portanto dignos de reconhecimento e ateacute reverecircncia

Mas pode-se partir do verificaacutevel e empiacuterico para o especulativo que circunda os meios de massa ndash de mais-valia ou criacutetica Entatildeo numa demo-cracia madura a constituiccedilatildeo de massa criacutetica eacute fundamental para o equi-liacutebrio da balanccedila dialeacutetica de todas as instituiccedilotildees E esta eacute a condiccedilatildeo de existecircncia dos Juizados Especiais uacutenico mecanismo jurisdicional no Brasil em que a pessoa se apresenta diretamente agrave Justiccedila como porta-voz de si

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mesma falando e dizendo com grau distenso de formalidade ao juiz de quem promana o argumento de autoridade acerca de suas necessidades

Eacute interessante a metaacutefora que a obra Sapiens uma breve histoacuteria da humanidade (HARARI 2012) usa para descrever algumas tradiccedilotildees cultu-rais por certo acircngulo Ele as compara a um parasita que se hospeda no corpo da sociedade e vai se expandindo ateacute matar essa sociedade Aiacute a tradiccedilatildeo cultural-parasita morre junto eacute claro

Poreacutem como sabemos uma sociedade soacute se ergue como civilizaccedilatildeo a partir do momento em que compartilha valores o que vem a ser a gecircnese da cultura

O ser humano traz consigo imanentemente um lado individual e outro social (aqui pareado ao conceito de ldquouniversalrdquo) que Hegel sumariza nesta passagem

Na substacircncia universal poreacutem o indiviacuteduo natildeo soacute tem essa forma da subsistecircncia de seu agir em geral mas tambeacutem seu conteuacutedo O que ele faz eacute o gecircnio universal o etos de todos Esse conteuacutedo enquanto se singulariza completamente estaacute em sua efetividade encerrada nos limites do agir de todos O trabalho do indiviacuteduo para prover suas necessidades eacute tanto satisfaccedilatildeo das necessidades alheias quanto das proacuteprias e o indiviacuteduo soacute obteacutem a satisfaccedilatildeo de suas necessidades mediante o trabalho dos outros (HEGEL 1992 p 223)

Portanto vale uma questatildeo aqui tratar-se-ia assim de um paradoxo A mesma cultura (de caraacuteter intrinsecamente coletivo) que eacute condiccedilatildeo de nascimento de uma civilizaccedilatildeo levaraacute ao colapso dessa mesma civilizaccedilatildeo

Isso ocorre quando a tradiccedilatildeo cultural se transforma em normose que causa mais prejuiacutezos do que benefiacutecios por evidenciar-se numa nor-ma obsoleta E essa eacute entatildeo a trajetoacuteria da normose ela eacute uma parasita que sobrevive no corpo de uma sociedade ateacute tornaacute-la excludente no que se chama em direito de ldquoletra mortardquo

Obviamente a normose morre junto com esse dano momentacircneo ao direito e agrave sociedade

O direito possui relaccedilatildeo direta com esses elementos uma vez que deteacutem importantiacutessimo papel de sintetista das normas (fatos) sociais vi-gentes com o fito expresso de transformaacute-las em norma juspositiva isto eacute inserida no corpo do Ordenamento Juriacutedico de um determinado espaccedilo e tempo ndash seja a Constituiccedilatildeo sejam outras leis sentenccedilas peccedilas jurispru-decircncias doutrinas exegeses hermenecircuticas

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Eacute evidente que algumas tradiccedilotildees culturais jaacute natildeo satildeo mais autocircno-mas e legiacutetimas mas sim parasitaacuterias porquanto obsoletas e assentadas numa heteroniacutemia desconcertante e incoerente um impropeacuterio ao estado de direito de qualquer civilizaccedilatildeo coetacircnea Eacute um desses instantes em que o direito e a sociedade entram em descompasso Esse fator necessita de urgentes calibragens sem as quais natildeo se conseguiraacute atingir a inclusatildeo ampla de acesso agrave Justiccedila que os Juizados Especiais ampliaram ainda mais como temos dito

Ou seja certas normas de berccedilo cultural tornam-se exatamente o oposto do conceito etnoloacutegico e antropoloacutegico mais digno de cultura numa prova de que a distinccedilatildeo da polissemia que esse conceito encerra pode ser a chave para a compreensatildeo do paradoxo Em outras palavras quando uma tradiccedilatildeo cultural normoacutetica comeccedila a fazer naufragar uma ci-vilizaccedilatildeo eacute exatamente a cultura em seu estado vivente e puro que permi-te que essa mesma civilizaccedilatildeo se salve do naufraacutegio seja pela reinvenccedilatildeo de si mesma seja pelos novos caminhos encontrados no esteio da sua cul-tura mais perene pois eacute daiacute que se averiguaratildeo os costumes que serviratildeo de base agrave legislaccedilatildeo do futuro muitas vezes urgente no proacuteprio presente

Entatildeo retomamos isotopicamente a questatildeo todas as tradiccedilotildees cul-turais satildeo verdadeiramente tradiccedilotildees culturais que devem irrefletidamen-te ser deixadas de lado sem questionamento

O fato eacute que muitas vezes se trata de tradiccedilotildees culturais que natildeo re-pentinamente mas aos poucos transformaram-se em imensas normoses ldquoNormaisrdquo desgastados e patogecircnicos

E seu destino como comprova a antropologia (mais ateacute do que a histoacuteria) eacute o naufraacutegio

Esse naufraacutegio leva consigo a civilizaccedilatildeo que navegava nesse navio E outra civilizaccedilatildeo nasce agraves vezes dos escombros da civilizaccedilatildeo naufragada A cultura faz naufragar e a cultura faz renascer

Como na dialeacutetica hegeliana as sociedades se sustentam sobre pila-res de conservaccedilatildeo (tese) e inovaccedilatildeo (antiacutetese) e da fricccedilatildeo entre uma e outra nasce uma siacutentese que desmorona o que jaacute natildeo possui razatildeo para prosseguir tanto no seu lado conservativo quanto nas falaciosas inova-ccedilotildees que porventura natildeo passem de meros modismos invencionices ou novidades para serem consumidos e descartados A siacutentese eacute o julgamen-to do que haacute de justo na conservaccedilatildeo e o que haacute de justo na inovaccedilatildeo Satildeo forccedilas que os filoacutelogos clamaram agrave fiacutesica newtoniana para criar a metaacutefora

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socioloacutegica de forccedila centriacutepeta (conservaccedilatildeo) e forccedila centriacutefuga (inova-ccedilatildeo) Eacute uma mecacircnica social infraqueaacutevel

O berccedilo de uma civilizaccedilatildeo se daacute com a coerecircncia eacutetica e esteacutetica que a cultura propicia E essa cultura (ou parte dela) tende a se enregelar e transformar-se em tradiccedilatildeo cultural E quando essa tradiccedilatildeo cultural se calcifica torna-se uma normose que aponta a tumba da mesma socieda-de que nasceu daquela eacutetica e esteacutetica A partir daiacute eacute questatildeo de crono-metrar o seu decliacutenio

O direito entra nessa equaccedilatildeo A frase do jurista uruguaio Eduardo Couture eacute francamente lembrada ldquoTeu dever eacute lutar pelo Direito mas no dia em que encontrares em conflito o direito e a justiccedila luta pela justiccedilardquo Isso porque a ldquonormalidaderdquo desgastada que eacute intriacutenseca agrave normose natildeo pode mais ser normatizada a partir do momento em que se constata a obsolescecircncia de antigos ldquonormaisrdquo (COUTURE 1979 p 11)

O direito assim eacute dinacircmico pelo fato de que persegue a Justiccedila Como um nauta que navega guiado pelas constelaccedilotildees que permitiria que se repetisse a frase de Leonardo da Vinci ldquoNatildeo haacute como voltar atraacutes quando a meta satildeo as estrelasrdquo

A claacutessica obra Decliacutenio e Queda do Impeacuterio Romano (GIBBON 1989) tornou-se tatildeo icocircnica justamente por ter sido provavelmente a primeira que com outras palavras apontou que o Impeacuterio Romano se esfacelou por causa da sua entatildeo normose guerreira beligerante expansionista E prefaciando paacuteginas de horror da nossa histoacuteria recente o autor aponta a existecircncia de antissemitismo dentro da sociedade romana claacutessica o que se figurou terrivelmente ainda no traacutegico episoacutedio de shoah do holocausto judaico em pleno seacuteculo XX Tudo isso jaacute se tornara agrave eacutepoca do Senado de Roma um erro eacutetico e esteacutetico tiacutepico das normoses O decliacutenio foi apenas questatildeo de tempo Um poderoso impeacuterio de mais de mil anos se desman-telou como uma torre de areia

Em grande parte do mundo de hoje sobretudo na camada ocidental ou seja a porccedilatildeo da civilizaccedilatildeo humana moderna que vive sob o zecircnite do direito vemos que mesmo os temas humanistas antes considerados com-plexos e ateacute muito controversos tecircm granjeado um lugar ao Sol da Justiccedila As normoses estatildeo mais evidentes o que tem tornado a tarefa de aplicar o direito cada vez mais dinacircmica

Mesmo quando atuais normalidades natildeo satildeo ainda aceitas em deter-minadas comunidades o que observamos eacute que o nuacutemero da natildeo aceita-

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ccedilatildeo se daacute por uma margem miacutenima extremamente estreita e acirrada natildeo mais no que antes se daria por ampla e confortaacutevel extirpaccedilatildeo sumaacuteria Trata-se da explicitaccedilatildeo de que a normose jaacute foi detectada Agora eacute ques-tatildeo de tempo para que ela saia de campo fazendo histoacuteria e marcando o direito com letras novas

Natildeo eacute mais com tanto espaccedilo e folga de denegaccedilatildeo que temas antes altamente polecircmicos satildeo olhados cara a cara O divoacutercio com possibilida-de de novo casamento o voto feminino a eacutetica com os chamados animais irracionais a defesa de grupos que satildeo colocados em guetos como os idosos os negros os homossexuais a inclusatildeo anticapacitista e muitos outros pontos satildeo conquistas recentes da histoacuteria humana que natildeo se consumaram de forma unacircnime mas efetivamente se consumaram

O que antes levava a milhares de anos de interminaacutevel cacofonia de vozes estridentes como ferroadas salivando tinta e oacutedio no nascer de um Sol aparentemente de forma repentina (sem que o seja na verdade) mostra que mesmo um noacute cego se desfaz e (com a licenccedila do trocadilho) precisa enxergar a vida como ela eacute

A Justiccedila afinal de contas eacute um sentimento uma sensaccedilatildeo uma in-tuiccedilatildeo um raciociacutenio perpassando as quatro funccedilotildees psiacutequicas de Jung (1971) E na raiz dos fatos sociais quem dilapida uma normose mesmo que milenar eacute o sentido da Justiccedila que perpassa todo o psiquismo de um indiviacuteduo e indo aleacutem dele de uma sociedade

Eacute a velha metaacutefora da sabedoria dos anciatildeos do deserto que obser-vam que os catildees latem mas a caravana passa Eacute essa margem cada vez mais estreita e quase insustentaacutevel que deixa aflorar a raiz da normose que jaacute se descortinou e que jaacute daacute sinais da sua proacutepria morte enquanto parasita e da morte do corpo social que a alimenta que muito tenazmen-te renasce do aprendizado do reconhecimento dessas antigas normalida-des desgastadas

Costumamos dizer que a vida segundo a antropologia eacute comparaacutevel ao Bolero de Ravel uma melodia simples e linear com um toque de tam-bor (mais especificamente a caixa clara) em ritmo marcial impassiacutevel apa-rentemente daacute voltas sem sair do lugar mas sem que se perceba muito claramente o que acontece eacute uma evoluccedilatildeo sistemaacutetica que eleva a linha meloacutedica somando-se-lhe outras vozes que datildeo timbres e cores novas agravequela primeira melodia E essa melodia que parece estaacutetica e imutaacutevel nos conduz a um caleidoscoacutepio de prismas numa pletora de cores que cria uma paleta de tons e semitons que no fim envolvem tudo e todos

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sem deixar ningueacutem injustamente no gueto incluindo-os na grande me-lodia humana Assim eacute o compasso da harmonia da Justiccedila

Entatildeo quando a tradiccedilatildeo cultural se torna normose essa parasita mata de inaniccedilatildeo o organismo social que a nutria O direito precisa estar atento a isso na medida em que eacute vocacionado agrave inclusatildeo cada vez mais ampla de pessoas agraves suas ferramentas de Justiccedila

E queiramos ou natildeo um novo corpo societaacuterio civilizatoacuterio surge e necessita da cultura em sua base para ter coesatildeo a qual se transformaraacute em tradiccedilatildeo cultural que tende a se transformar em normose e no fim da linha em parasita O direito estaacute sempre muito ativo nessa mudanccedila in-conteste Mesmo que isso aconteccedila no passar das geraccedilotildees humanas pois agraves vezes uma uacutenica geraccedilatildeo natildeo estaraacute pronta para enfrentar e derrubar esses paradigmas por mais insustentaacuteveis que eles sejam

Natildeo eacute sem beleza poeacutetica que noacutes os epistemoacutelogos soemos dizer que de berccedilo em berccedilo e de tuacutemulo em tuacutemulo as sociedades tal qual os idiomas e o direito com seu Ordenamento Juriacutedico que as sustentam vatildeo se transformando para adequarem-se agrave realidade natildeo agrave abstraccedilatildeo da obsoleta ldquoletra mortardquo ineficaz e ineficiente

No famoso binocircmio epistemoloacutegico dizemos que agraves ciecircncias natu-rais cabe o erklaumlren (explicar) ao passo que agraves ciecircncias humanas cabe o verstehen (compreender) A congregaccedilatildeo das ciecircncias constitui portanto a equanimidade que viceja do sentimento de Justiccedila

Eacute com a uniatildeo das ciecircncias tanto as naturais quanto as humanas que se nota que o meacutetodo cientiacutefico eacute sobreposto na triacuteade pesquisa-teo-ria-teste E que portanto as sociedades suas tradiccedilotildees culturais e suas normoses satildeo tanto explicaacuteveis quanto compreensiacuteveis Eacute nesse aspecto inerente agrave ciecircncia e agrave epistemologia que o direito pode perfeitamente ser concebido como uma ciecircncia

Suas hipoacuteteses satildeo endossaacuteveis quando suas teorias passaram por testes que as comprovaram ou se mostraram natildeo refutaacuteveis E isso se daacute quando haacute adequaccedilatildeo de normas a normalidades reais concretas efica-zes inclusivas democraacuteticas civilizatoacuterias Essa eacute a contribuiccedilatildeo da epis-temologia agrave explicaccedilatildeo e compreensatildeo da sociedade como elemento das ciecircncias naturais mas tambeacutem cultural e civilizacional elemento das ciecircn-cias humanas A ciecircncia do direito eacute arquitetada portanto sobre o mesmo arcabouccedilo das suas ciecircncias pares e possui como fiel da balanccedila a obser-

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vaccedilatildeo arguta de normoses que podem criar normas infeacuterteis e infrutiacuteferas socialmente

3 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS

A antropologia mostra que o naufraacutegio em um ideal ou normalidade obsoleta embora decirc a alguns a ilusatildeo da chegada nada mais eacute do que um naufraacutegio Se natildeo observarmos os sinais de submersatildeo de certas tradiccedilotildees culturais que natildeo mais se legitimam caso das normoses permitiremos que a sociedade como um todo aderne junto porque haveraacute um peso excessivo de pessoas e direitos excluiacutedos Eacute preciso estender-lhes o navio de um direito que conduza ao continente da Justiccedila A passagem de uma normalidade social refletida na norma juriacutedica agrave normose ou normalida-de desgastada deve ser frequentemente averiguada para que o direito e a Justiccedila estejam sempre em sincronia

Nesse aspecto o papel consolidado dos Juizados Especiais tem-se mostrado cada vez mais realista fundamental e podemos dizer humanis-ta Ao permitir o acesso direto do cidadatildeo agrave Justiccedila os Juizados Especiais tecircm cumprido com justificada celebraccedilatildeo sua vocaccedilatildeo dialoacutegica inclusiva democraacutetica cultural e civilizatoacuteria expandindo seu valor antropoloacutegico e social agravequelas pessoas que antes viam toldado o direito de amplo acesso agrave Justiccedila A exclusatildeo desse acesso eacute evidentemente uma normose a ser constantemente enfrentada

REFEREcircNCIASARISTOacuteTELES Toacutepicos Dos argumentos sofiacutesticos Traduccedilatildeo de Leonel Vallandro e Gerd

Bornheim 2ordf Ed Satildeo Paulo Abril Cultural 1983 197 p

AUSTIN J L How to do things withg words Oxford Oxford University Press 1962 712 p

CAETANO MM CHINI A Argumentaccedilatildeo juriacutedica indo aleacutem das palavras Brasiacutelia Edi-tora OAB Nacional 2020 145 p

CAETANO MM Em busca do novo normal reflexotildees sobre a normose em um mundo diferente Rio de Janeiro Jaguatirica 2020 181 p

COUTURE E Os mandamentos do advogado 3ordf Ed Traduccedilatildeo Ovidio A Baptista da Silva e Carlos Otaacutevio Athayde Porto Alegre Editora SAFE 1979 78 p

CREMA R LELOUP JY WEIL P Normose a patologia da normalidade Petroacutepolis Vozes 2011 312 p

ECO U Apocaliacutepticos e integrados Traduccedilatildeo Peacuterola de Carvalho 5ordf ed Satildeo Paulo Pers-pectiva 1993 386 p

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GIBBON E Decliacutenio e queda do Impeacuterio Romano Traduccedilatildeo Joseacute Paulo Paes Satildeo Paulo Companhia da Letras Ciacuterculo do Livro 1989 521 p

HARARI YN Sapiens ndash Uma Breve Histoacuteria da Humanidade Traduccedilatildeo Janaiacutena Marcoan-tonio Porto Alegre LampPM 538 p

HEGEL Fenomenologia do espiacuterito Traduccedilatildeo Paulo Meneses 2ordf Ed Rio de Janeiro Vo-zes 1972 271 p

JUNG CG Tipos Psicoloacutegicos Traduccedilatildeo Aacutelvaro Cabral Rio de Janeiro Editora Vozes 1971 616 p

KANT I Kritik der reinen Vernunft 2ordf Ed Berlin Project Guttemberg 2004 181 p

MARX Karl O Capital Vol 2 Traduccedilatildeo Ricardo Musse 3ordf ed Satildeo Paulo Nova Cultural 1988 420 p

NIETZSCHE F Assim falou Zaratustra um livro para todos e para ningueacutem Trad Mario da Silva Rio de Janeiro Bertrand Brasil 1998 240 p

PLATAtildeO Goacutergias Traduccedilatildeo de Manoel de Oliveira Pulqueacuterio Lisboa Ediccedilotildees 70 1997 580 p

Alexandre Chini bull Marcelo Moraes Caetano

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A tutela do superendividamento como irradiaccedilatildeo dos direitos

fundamentais nas relaccedilotildees de consumo

1 Mestre em Direito Puacuteblico pela Universidade Federal da Bahia Juiacuteza Coordenadora do Sistema Estadual dos Juizados Especiais do Tribunal de Justiccedila do Estado da Bahia Magistrada titular da 19ordf Vara do Sistema dos Juizados Especiais do Consu-midor do Poder Judiciaacuterio do Estado da Bahia Poacutes-graduada em Direito Justiccedila e Cidadania pela Faculdade Mauriacutecio de Nassau Poacutes-graduada em Direito e Estado pela Faculdade Baiana de Direito Poacutes-graduada em Direito Civil e Processo Civil pela Universidade Estaacutecio de Saacute Integrante do Instituto Brasileiro de Poliacutetica e Direito do Consumidor ndash BRASILCON Integrante do Foacuterum Nacional de Juizados Especiais ndash FONAJE

Fabiana Andreacutea de Almeida Oliveira Pellegrino1

Resumo No modelo de consumo atual o creacutedito vulgarizou-se na generalidade das economias de mercado na medida em que a ur-gecircncia do ter e a descartabilidade dos produtos e serviccedilos fez do creacutedito a porta de acesso dos consumidores ao locus da visibilidade social Entretanto os contratos de creacutedito habitualmente se materia-lizam com abusividade diversas em descompasso portanto com o respeito agrave dignidade da pessoa humana que passa a ser encartada como um potencial de compra um ldquoproduto de vitrinerdquo Nesse con-texto com o propoacutesito de possibilitar o direito de recomeccedilo ao deve-dor de boa-feacute superendividado faz-se urgente a adoccedilatildeo de medidas eneacutergicas de educaccedilatildeo financeira e consumo sustentaacutevel bem assim intervenccedilotildees estatais que possibilitem a adequaccedilatildeo das contrataccedilotildees agrave funcionalizaccedilatildeo imposta por matrizes constitucionais A disciplina da concessatildeo responsaacutevel do creacutedito e a proposta de prevenccedilatildeo e tratamento do fenocircmeno do superendividamento vem ao encontro de um paradigma eacutetico e solidarista verdadeiro valor chave para a compreensatildeo da racionalidade hermenecircutica das relaccedilotildees privadas de consumo entendidas como ponto de encontro de direitos funda-mentais

Palavras-chave Consumo contrato creacutedito direitos fundamentais funcionalizaccedilatildeo superendividamento prevenccedilatildeo tratamento

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1 INTRODUCcedilAtildeOA ideologia do consumismo e a sua engrenagem de artificialidades

propondo que a moral da sociedade estaacute na forccedila do consumo conduzem intencionalmente ao sentimento de vazio para que os sujeitos estejam permanentemente em busca do seu preenchimento atraveacutes de movimen-tos inorgacircnicos e crescentes de consumo natural comando ditatorial da ordem produtiva

Nesse cenaacuterio os detentores do poder econocircmico alimentam a maacute-quina do consumo abundante atraveacutes de publicidades poliacuteticas de marke-ting inclusive com uso da neurociecircncia (marketing invisiacutevel) e sociologia do consumo para captar o perfil do consumidor e fomentar o consumo simplesmente por uma voracidade capitalista de lucro sem o compromis-so eacutetico e social indispensaacutevel agrave uma comuna civilizada

Percebe-se que desde o primeiro contato social durante a execuccedilatildeo contratual e ainda no periacuteodo poacutes-contratual em regra as partes hipersu-ficientes teacutecnica juriacutedica faacutetica e economicamente resistem a se conduzir conforme o signo da solidariedade social e da boa-feacute contratual exercitan-do posiccedilotildees juriacutedicas de forma abusiva e praticamente estigmatizando diversos contratos de adesatildeo com claacuteusulas inadequadas que aviltam o verdadeiro sentido da autonomia privada e do equiliacutebrio contratual

Em contrapartida as partes vulneraacuteveis se curvam a uma espeacutecie de cidadania do consumo construiacuteda pela ordem produtiva levado-as a introjetar a ideacuteia de natildeo existir outra forma de alcanccedilar o bem-estar ou a auto estima a natildeo ser pelo desfrute dos produtos e serviccedilos que os faccedilam parecer ser melhores lhes concedam a distinccedilatildeo social

Desse modo a conduta contratual e social dos fornecedores de bens e serviccedilos especialmente em relaccedilatildeo aos serviccedilos financeiros acabam por traduzir em regra um claro desencontro com o vetor comportamental impresso no corpo da Constituiccedilatildeo Federal de 1988 sobretudo quando encartados os pesados encargos contratuais a captaccedilatildeo imprudente da clientela em geral enfim procederes que jaacute natildeo encontram assento em tempos de poacutes-miopia individualista

Dos excessos comportamentais (de consumo e oferta) resulta o su-perendividamento a denotar a impossibilidade global do devedor pes-soa fiacutesica consumidor leigo e de boa-feacute de pagar todas as suas diacutevidas atuais e futuras de consumo (ressalvadas as fiscais oriundas de delito e alimentos) em um tempo razoaacutevel com sua capacidade atual de rendas e patrimocircnio

Fabiana Andreacutea de Almeida Oliveira Pellegrino

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Nesses moldes o superendividamento reclama medidas eneacutergicas de educaccedilatildeo financeira e ao consumo sustentaacutevel que colimem prevenir o fenocircmeno assim como medidas que busquem o tratamento do fenocircme-no atraveacutes da intervenccedilatildeo estatal sempre com o propoacutesito de possibilitar o direito de recomeccedilo ao devedor de boa-feacute

A adoccedilatildeo de um sistema formal de falecircncia do consumidor pessoa fiacutesica fulcrado na educaccedilatildeo financeira e ambiental na limitaccedilatildeo da auto-nomia privada que conduza ao abuso de posiccedilotildees juriacutedica no incentivo agraves repactuaccedilotildees que possibilitem a quitaccedilatildeo das dividas com o resguardo da dignidade da pessoa humana e o miacutenimo existencial insere-se numa li-nha humanista e inclusiva sendo sua tutela essencial ao desenvolvimento sustentaacutevel da proacutepria economia e agrave proteccedilatildeo do consumidor que con-sequentemente teraacute uma oportunidade de reescrever sua histoacuteria sem o estigma da falha pessoal

Nesse encerro de ideacuteias o presente artigo se propotildee a destacar a importacircncia do sistema formal de tratamento do superendividamento do consumidor como forma de realizar o direito fundamental de proteccedilatildeo do consumidor alcanccedilar o desenvolvimento sustentaacutevel uma sociedade justa e solidaacuteria a reduccedilatildeo das desigualdades e a promoccedilatildeo do bem estar de todos como objetivos fundamentais da Republica Federativa do Brasil contribuindo por conseguinte com a formalizaccedilatildeo de um modelo de comportamento social mais autecircntico

2 RESSIGNIFICACcedilAtildeO FUNCIONAL DAS RELACcedilOtildeES PRIVA-DAS CONTRATO COMO PONTO DE ENCONTRO DE DIREI-TOS FUNDAMENTAIS

No encerro do discurso liberal o juiacutezo de valor sobre as obrigaccedilotildees e portanto o contrato era essencialmente estrutural perquirindo-se numa visatildeo isolacionista da respectiva relaccedilatildeo juriacutedica a ausecircncia de defeitos em sua formaccedilatildeo levando-se ao extremo o dogma do pacta sunt servanda sem consideraccedilatildeo ao conteuacutedo funcional do negoacutecio

Jaacute na ambiecircncia do Estado Social e dos fenocircmenos da repersonaliza-ccedilatildeo e despatrimonializaccedilatildeo das relaccedilotildees juriacutedicas rompeu-se a loacutegica indi-vidualista restaurando-se a primazia da pessoa humana no encontro do homem concreto da sociedade contemporacircnea que busca e promove um humanismo solidificado permeaacutevel agrave concepccedilatildeo do contrato como um instrumento a serviccedilo do desenvolvimento da pessoa sujeito ao projeto social constitucionalmente articulado

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Desse modo tendo-se a Constituiccedilatildeo como coraccedilatildeo do ordenamento juriacutedico e dos princiacutepios eacuteticos normativos a relaccedilatildeo obrigacional patri-monial passou a ser ferramenta de atuaccedilatildeo do valor constitucional da dignidade da pessoa humana ganhando a autonomia privada novos con-tornos funcionais aptos a transformar a estrutura juriacutedica estanque numa dimensatildeo de equivalecircncia material fundada nas exigecircncias de sociabili-dade e solidariedade que enlaccedila os poderes puacuteblicos e cada um de seus membros

A partir dessa visatildeo ativa do ordenamento juriacutedico tem-se o Direito como instrumento de combate aos males da sociedade atraveacutes da impo-siccedilatildeo de um patamar superior de respeito e lealdade nas relaccedilotildees sociais e portanto de realizaccedilatildeo da justiccedila e da inclusatildeo sociais a partir dos para-digmas constitucionais

O paradigma solidarista eacute o valor chave para a compreensatildeo da racio-nalidade contemporacircnea A propoacutesito sob forte lente solidaacuteria Schreiber assevera (SCHREIBER p 51-52)

A solidariedade surge como valor chave para a leitura e compreensatildeo da nova racionalidade e origem inspiradora de accedilotildees que jaacute vem logran-do alterar a realidade social no iniacutecio do seacuteculo XXI Eacute essa solidariedade condicionada ao desenvolvimento da dignidade humana e informadora deste mesmo conceito que parece ser ndash mais que a proacutepria alusatildeo agrave digni-dade humana ndash o diferencial entre pensamento moderno e o pensamento contemporacircneo E a incorporaccedilatildeo desta solidariedade pelo direito como princiacutepio juriacutedico ndash e portanto como norma ndash diretamente aplicaacutevel agraves relaccedilotildees privadas eacute sem duacutevida uma alentadora novidade

Agrave margem da escolha ideoloacutegica que se faccedila a adequada descriccedilatildeo da solidariedade deve voltar-se para a verticalizaccedilatildeo dos interesses do homem para ceifar desigualdades subjetivas e regionais num cenaacuterio em que estaratildeo permanentemente indissociaacuteveis a solidariedade e a igualda-de na conformidade da dignificaccedilatildeo do homem (art1ordm III CF) erradicaccedilatildeo da pobreza diminuiccedilatildeo das diferenccedilas sociais (art 3ordm III CF) conforme solidificaccedilatildeo normativa no texto constitucional (NALIN 2002 177)

A solidariedade traz consigo a imagem do homem coletivo inserido numa comunidade viva e integrada traduzindo sobretudo uma disposi-ccedilatildeo eacutetica do ser humano de permitir o maior desenvolvimento de todos os homens (JUNIOR 2002 173) E eacute oportuno dizer que essa solidariedade contemporacircnea natildeo eacute coletivista mas humanitaacuteria pois se dirige ao de-

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senvolvimento da personalidade de todas as pessoas entre todas as pes-soas e natildeo do grupo natildeo se confundindo assim nem com o coletivismo nem com o individualismo (SCHREIBER p 50)

Natildeo eacute por outro motivo que nessa linha de coexistencialidade Perlin-gieri afirma a solidariedade como expressatildeo da cooperaccedilatildeo e da igualda-de na afirmaccedilatildeo dos direitos fundamentais de todos definindo outrossim a noccedilatildeo de dignidade social como o instrumento que confere a cada um o direito ao respeito inerente agrave qualidade de homem ou seja relaciona o conceito de dignidade agrave noccedilatildeo de solidariedade que soacute pode ser enten-dida como instrumento e resultado da dignidade humana (PERLINGIERI 2008 463)

Trata-se de paradigma eacutetico-solidarista a demandar uma forma de olhar atentamente a parte vulneraacutevel da relaccedilatildeo juriacutedica com solidarie-dade sobrepondo-se esse olhar a consideraccedilotildees de ordem econocircmica de modo a permitir assim ultrapassar juiacutezos lastreados na reprovaccedilatildeo da conduta lesiva e optar por fatores objetivos de imputaccedilatildeo do dever de reparar numa clara evidecircncia de forccedila para afastar a culpa como pressu-posto do dever de reparar

A solidariedade deriva da boa-feacute objetiva e eacute cacircnone interpretativo geral do ordenamento privado (NALIN 2002 p 179) e a solidarizaccedilatildeo conduz agrave distribuiccedilatildeo mais adequada dos riscos do contrato das perdas e custos sociais cargas e tensotildees no processo obrigacional e isso representa o perfil mais elevado da solidariedade social e poliacutetica (PERLINGIERI 2008 p 513)

Se a realizaccedilatildeo da justiccedila pressupotildee tratamento igualitaacuterio entre as partes iguais e desigual entre as partes desiguais justa eacute a distribuiccedilatildeo dos riscos nessa proporccedilatildeo entre as partes Desse modo sobre o credor penderatildeo os riscos inerentes agrave eventualidade do natildeo cumprimento ou do cumprimento impreciso da prestaccedilatildeo que lhe eacute devida e sobre o deve-dor os de ressarcir os danos causados pela inobservacircncia do programa obrigacional agrave exceccedilatildeo de causa estranha e natildeo imputaacutevel ou o exerciacutecio de uma posiccedilatildeo defensiva que provoque a violaccedilatildeo do dever contratual (CATALAN 2013 p 272)

Como bem pondera Nalin a justiccedila soacute passa a ser social quando se permite ao sistema ser informado com valores como a dignidade do ho-mem busca pela reduccedilatildeo da pobreza e das diferenccedilas regionais a tutela

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dos hipossuficientes e vulneraacuteveis de modo que a dinamicidade do movi-mento social implicaraacute a dos seus proacuteprios valores (NALIN 2008 69)

Impotildee-se assim uma concepccedilatildeo social do contrato para a qual natildeo soacute o momento da manifestaccedilatildeo de vontade importa mas tambeacutem e prin-cipalmente os efeitos do contrato na sociedade e a condiccedilatildeo social e econocircmica das pessoas nele envolvidas

O fato de um sujeito de direito da relaccedilatildeo contratual ter recebido di-reitos fundamentais ao posicionar-se como consumidor influencia direta-mente a interpretaccedilatildeo da relaccedilatildeo contratual em que se encontra inserido O contrato de consumo passa assim a ser um ponto de encontro de direi-tos fundamentais devendo ser interpretado teleologicamente e conforme a Constituiccedilatildeo entendida esta como uma estrutura ldquoprogressistardquo sujeita a uma interpretaccedilatildeo dinacircmica

Na concepccedilatildeo claacutessica liberal repudiava-se qualquer ideia de justiccedila distributiva considerando-se o contrato intangiacutevel podendo ser exigido o cumprimento forccedilado junto ao Estado independente de qualquer com-provaccedilatildeo sobre a existecircncia de atos de cumprimento do contrato con-fianccedila ou ocorrecircncia de prejuiacutezo experimentado em razatildeo do natildeo cumpri-mento

No Brasil a construccedilatildeo de um distinto paradigma contratual passa pelo reconhecimento da dignidade constitucional das normas civis a par-tir da Constituiccedilatildeo Federal de 1988 que instaurou uma nova ordem juriacute-dica social e econocircmica destacando como objetivos fundamentais os ex-pressos no art 3ordm a fim de dar a nota paradigmaacutetica da nova visatildeo social

Nessa senda colorindo-se o contrato com as cores de um fenocircmeno social verifica-se a migraccedilatildeo de um individualismo contratual para a con-sideraccedilatildeo de uma pluralidade de sujeitos com variados perfis sobretudo diante da observaccedilatildeo de que frequentemente as relaccedilotildees contratuais pro-jetam efeitos para pessoas que nem sequer conhecem os seus termos

Tem-se assim o contrato como ldquoum siacutembolo da civilizaccedilatildeordquo (PEREIRA 2010 pag 11) fundado na ideia de justa distribuiccedilatildeo de ocircnus e lucros so-ciais numa ambiecircncia de equidade desempenhando na vida social con-temporacircnea muacuteltiplas funccedilotildees mas sempre com o propoacutesito de cumprir um objetivo promocional dentro do sistema juriacutedico qual seja a realiza-ccedilatildeo da pessoa humana

Encampando essa concepccedilatildeo civilizatoacuteria Caio Mario da Silva Pereira afirma que paralelamente agrave funccedilatildeo econocircmica aponta-se no contrato

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uma outra civilizadora em si a educativa deixando-se de lado a ideia pura e simples de antagonismo entre as partes para levar em conta os efeitos do contrato na sociedade

O resultado dessa mudanccedila de estilo de pensamento eacute que as leis ganham em funcionalidade optando-se por soluccedilotildees abertas que pos-sibilitem aos operadores do direito o uso de valores baacutesicos e princiacutepios sociais (MARQUES 2011 p 211-215)

A confianccedila eacute fotografada como necessidade eacutetico-juriacutedica (CARNEI-RO DA FRADA 2007 p 261-262) pois o contrato impotildee respeitar e res-ponder pela confianccedila que o outro ao contratar nele depositou e que as expectativas quanto a natildeo infraccedilatildeo dos ditames de correccedilatildeo ou razoabili-dade de conduta produzidos por essa confianccedila podem ser consideradas como fonte autocircnoma no direito obrigacional (MARQUES 2011 p 181)

A conscientizaccedilatildeo quanto a esse perfil de contrato eacute de extrema im-portacircncia na sociedade de consumo em que os consumidores estatildeo mais fragilizados e suscetiacuteveis aos influxos de um comeacutercio juriacutedico desper-sonalizado e desmaterializado atraveacutes das contrataccedilotildees massificadas ou standardizadas dos conhecidos contratos de adesatildeo ou condiccedilotildees gerais homogecircneos em seu conteuacutedo e dirigidos indistintamente a todos os consumidores ou mesmo atraveacutes das chamadas condutas sociais tiacutepicas

Nessas relaccedilotildees massificadas sendo uma realidade a desigualdade material entre partes com distintas forccedilas faz-se necessaacuteria a desigual-dade juriacutedica de tratamento que equilibre essas forccedilas Ronaldo Porto partindo do reconhecimento das diferenccedilas de status juriacutedico das pessoas afirma que progressivamente o Direito Social acabaraacute sendo um Direito de desigualdades de discriminaccedilotildees positivas contendo em si fisiologi-camente as ideias de reciprocidade e equiliacutebrio (MACEDO 2007 p 51-53)

Assim eacute imperativa a visatildeo da obrigaccedilatildeo como um processo social e juriacutedico (SILVA p 2006) mais complexo e duradouro do que uma simples prestaccedilatildeo contratual engessada em um dar e um fazer momentacircneos entre parceiros contratuais teoricamente iguais conhecidos e escolhidos livremente sobretudo porque envolve obrigaccedilotildees de conduta

A propoacutesito calha destacar a posiccedilatildeo valiosa de Menezes Cordeiro quando afirma que ldquoA obrigaccedilatildeo implica entatildeo creacuteditos muacuteltiplos e diz-se complexa tem vaacuterias prestaccedilotildees principais ou quando uma delas domi-ne em termos finais uma principal e vaacuterias secundaacuteriasrdquo (CORDEIRO 2013 p 586-591)

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A intervenccedilatildeo do Estado na formaccedilatildeo dos contratos eacute exercida natildeo soacute pelo Poder Legislativo como tambeacutem pelos oacutergatildeos administrativos e pelo Poder Judiciaacuterio Nos contratos privados especialmente nos contra-tos de consumo essa intervenccedilatildeo assume papel de relevo no controle das claacuteusulas abusivas para proteccedilatildeo do mais fraco a partir do mandamento constitucional de proteccedilatildeo ao consumidor e do caraacuteter indisponiacutevel de ordem puacuteblica e fim social das normas do CDC

Nessa oacutetica o contrato como interseccedilatildeo de vontades dos privados estaacute sob a eacutegide de uma nova concepccedilatildeo de direito privado na qual os direitos fundamentais tem influecircncia direta nas relaccedilotildees privadas entre iguais ou desiguais impondo valores e vetores a serem respeitados de modo que quando se concretiza a boa-feacute concretizada restaraacute a dignida-de da pessoa humana

Quanto mais duradoura for a relaccedilatildeo mais destacados estaratildeo os deveres de cooperaccedilatildeo e adaptaccedilatildeo para uma maior possibilidade de ma-nutenccedilatildeo do viacutenculo contratual (SANDEL 2013 p 182)

Isso quer dizer que embora seja um pressuposto da democracia a autonomia privada natildeo tem nada de absoluta devendo ser conciliada com o direito das outras pessoas a uma idecircntica quota de liberdade e outros valores essenciais ao Estado Democraacutetico de direito como a auto-nomia puacuteblica (democracia) a igualdade a solidariedade e a seguranccedila o que justifica a restriccedilatildeo proporcional visando a otimizaccedilatildeo dos bens juriacutedi-cos em confronto atraveacutes de uma ponderaccedilatildeo de interesses

Aliaacutes foi a consagraccedilatildeo da solidariedade como norma constitucional e o reconhecimento da aplicabilidade direta das normas constitucionais sobre as relaccedilotildees privadas que impuseram a ressignificaccedilatildeo da autonomia privada de modo que mesmo estando certo comportamento expressa-mente autorizado por contrato ou lei eacute preciso verificar sua conformidade com a dignidade humana e a solidariedade social para soacute assim lhe ser assegurada a tutela pelo ordenamento juriacutedico contemporacircneo

Desse modo eacute inevitaacutevel que o Estado intervenha em situaccedilotildees con-cretas restringindo a autonomia privada seja para proteger a liberdade alheia seja para favorecer o bem comum e proteger a paz juriacutedica da sociedade atraveacutes da lei manifestaccedilatildeo da autonomia puacuteblica do cidadatildeo

Natildeo se perca de vista que a eficaacutecia horizontal dos direitos funda-mentais sobre as relaccedilotildees privadas estaacute atrelada agrave humanizaccedilatildeo da ordem juriacutedica que impotildee igualmente a observacircncia natildeo apenas da dignidade

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da pessoa humana mas tambeacutem a igualdade substantiva e a justiccedila social dado que os direitos fundamentais configuram o epicentro axioloacutegico da ordem juriacutedica

A filtragem da autonomia privada estaacute em consonacircncia com os va-lores eacuteticos e juriacutedicos mais caros agrave sociedade sendo imperativo ter-se sempre em mira que a seguranccedila juriacutedica natildeo eacute o uacutenico valor nem o mais importante almejado pelo direito estando ao seu lado ou acima dele o da justiccedila substancial que traduz a ideia de reciprocidade comutativida-de equivalecircncia material proporcionalidade (SANDULLI 1998 p 2) e da proacutepria distribuiccedilatildeo de riscos e ocircnus

Assim a maior ou menor atuaccedilatildeo da boa-feacute objetiva e o maior ou me-nor espaccedilo de exerciacutecio concedido agrave autonomia negocial estatildeo em direta dependecircncia da estrutura horizontalizada ou verticalizada simeacutetrica ou assimeacutetrica subjacente agrave relaccedilatildeo juriacutedica em causa Quanto maior o peso da horizontalidade maior seraacute o espaccedilo da autonomia negocial e com menor intensidade incidiraacute a boa-feacute em sua funccedilatildeo limitadora de direitos subjetivos formativos e posiccedilotildees juriacutedicas Inversamente quanto maior a assimetria (juriacutedica econocircmica informativa ou poliacutetica) mais diminuto seraacute o espaccedilo de exerciacutecio da autonomia e mais fortemente seratildeo irradia-dos os deveres e limites decorrentes da boa-feacute

O ldquobom direitordquo sabe se contrapor agraves razotildees econocircmicas quando ne-cessaacuterio para impedir a mercantilizaccedilatildeo da sociedade e promover a trans-formaccedilatildeo dessa sociedade para realizar as maiores chances de vida livre e digna para todos (PERLINGIERI 2008 p 509)

3 OPEN CREDITY SOCIETY

Observando-se a histoacuteria da civilizaccedilatildeo ocidental moderna percebe--se que o creacutedito vulgarizou-se na generalidade das economias de merca-do mais desenvolvidas tornando-se um instrumento estrutural fundamen-tal para incontaacuteveis famiacutelias embora com facetas positivas e negativas

Os efeitos positivos dessa democratizaccedilatildeo do creacutedito no plano ma-croeconocircmico foi logo percebido pelos americanos tendo sido responsaacute-vel pelo expressivo crescimento do paiacutes levando-o a ser a grande potecircn-cia mundial do seacuteculo XX Por isso se afirma que a partir da expansatildeo do creacutedito o mesmo deixou generalizadamente de ser entendido como sinocirc-nimo de ldquopobrezardquo ou de ldquoprodigalidaderdquo dele se utilizando indistintamen-

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te todas as classes sociais como mecanismo fundamental de dinamismo da economia (LEITAtildeO MARQUES 2000 p 16)

Daiacute se dizer que a evoluccedilatildeo do fenocircmeno creditiacutecio foi e continua sendo a mola propulsora do desenvolvimento econocircmico e verdadeiro instrumento transformador das sociedades A propoacutesito deve-se estar desperto para a reflexatildeo quanto a ldquofaceta sombriardquo do fenocircmeno consis-tente na patologia do endividamento que levado a extremo transveste--se de superendividamento responsaacutevel pela ruiacutena financeira e desestru-tura familiar de muitos nuacutecleos

No Brasil a venda direta a creacutedito por lojistas aos consumidores ex-pandiu-se nos anos 50 com o surgimento dos bancos de dados de prote-ccedilatildeo ao creacutedito que facilitaram muito a identificaccedilatildeo do consumidor e a consequente concessatildeo do creacutedito menos burocraacutetica e demorada

Apesar de as taxas de juros terem sido liberadas a partir da Lei 456564 o sistema financeiro brasileiro era regulado em funccedilatildeo da poliacutetica monetaacuteria para se trazer maior estabilidade agrave economia Entretanto mui-tas eram as exigecircncias burocraacuteticas e excessiva era a regulaccedilatildeo do creacutedito subsidiado e dos creacuteditos especiais (rural habitacional agraves microempresas etc) em razatildeo da instabilidade monetaacuteria da inseguranccedila quanto agrave sol-vabilidade dos agentes econocircmicos e das crises institucionais (ditadura militar) o que natildeo ensejou o desenvolvimento imediato do creacutedito livre observado nos paiacuteses desenvolvidos onde a demanda pelo consumo e a necessidade de conceder maior poder aquisitivo ao consumidor foram fatores decisivos que tensionaram os governos a incentivar a concessatildeo de creacutedito liberando as taxas de juros

A partir do advento do Plano Real nos idos dos anos 90 e do conse-quente controle da inflaccedilatildeo e estabilidade econocircmica o creacutedito no Brasil assumiu contornos extraordinaacuterios no que tange agrave economia de consumo e cultura do endividamento levando o Conselho Monetaacuterio Nacional a criar regras para o cheque e o cartatildeo de creacutedito

O ambiente de estabilizaccedilatildeo da moeda delineado pelo Plano Real fez com que instituiccedilotildees financeiras que antes tinham sua margem de lucro voltada essencialmente para captaccedilatildeo de depoacutesitos em virtude da alta inflacionaacuteria passassem a depender a partir do controle da inflaccedilatildeo do crescimento de operaccedilotildees a creacutedito encontrando na parcela da popu-laccedilatildeo que estava excluiacuteda do sistema formal de creacutedito uma verdadeira fonte lucrativa

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Desse modo as instituiccedilotildees financeiras passaram a fomentar o creacute-dito de forma ostensiva mirando sobretudo a parcela da populaccedilatildeo de baixa renda (a mais vulneraacutevel) antes excluiacuteda do sistema formal de creacute-dito Essa democratizaccedilatildeo do creacutedito assume relevo entre famiacutelias com rendimentos de ateacute 10 (dez) salaacuterios miacutenimos aposentados e pensionistas

Na medida em que ocorreu a expansatildeo do creacutedito ao consumo dis-puseram-se cartotildees de creacutedito de deacutebito cartotildees de loja creacuteditos pes-soais creacutedito para habitaccedilatildeo creacutedito automoacutevel creacutedito junto a particu-lares etc A explosatildeo do consumo e a vulgarizaccedilatildeo do creacutedito elevaram vertiginosamente as taxas de inadimplecircncia dos consumidores situaccedilatildeo que se alastrou na sociedade alcanccedilando diversos niacuteveis sociais em graus distintos de modo a configurar um verdadeiro fenocircmeno social

E note-se que outro natildeo poderia ser o caminho da expansatildeo do creacutedi-to O modelo de consumo consistente na urgecircncia do ter e na descartabili-dade dos produtos e serviccedilos fez do creacutedito a porta do acesso aos mesmos pelos consumidores hipervulneraacuteveis (considerados como tais tambeacutem os que ascenderam ao mercado de consumo recentemente como os da classe C D E) atraveacutes de muacuteltiplas formas de contrataccedilotildees as quais infe-lizmente natildeo tecircm primado pela reflexatildeo e ponderaccedilatildeo materializando habitualmente contratos nitidamente abusivos em detrimento da pessoa humana que passa a ser vista como um potencial de compra

Perceba-se que todo o glorioso sucesso do creacutedito e a sua vulgariza-ccedilatildeo se devem agrave transformaccedilatildeo do pensamento coletivo que afasta a co-notaccedilatildeo negativa que a histoacuteria lhe atribuiu para tornaacute-lo um instrumento de acesso agrave aquisiccedilatildeo de bens e reconhecimento social ainda que natildeo se disponha de meios materiais

Natildeo se trata simplesmente de elevaccedilatildeo do padratildeo de vida mas da proacutepria inclusatildeo do indiviacuteduo na sociedade de consumo a partir das es-colhas de consumo o que significa reconhecer que o creacutedito eacute tambeacutem sinocircnimo de status e serve de camuflagem da estratificaccedilatildeo social ao per-mitir ao indiviacuteduo adotar um estilo de vida caracteriacutestico da classe social superior agrave sua

Na qualidade de instrumento de criaccedilatildeo de moeda e elemento de dinamizaccedilatildeo da produccedilatildeo capitalista o creacutedito relaciona-se com a poliacutetica geral monetaacuteria jaacute que o Banco Central ou banco emissor reteacutem parte da moeda depositada por particulares para reduzir o multiplicador desta Por isso mesmo o Estado deve fiscalizar e intervir no mercado fixando

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limites de prazos de taxas e juros uma vez que o creacutedito ao consumidor eacute elemento ensejador do endividamento natildeo soacute de um indiviacuteduo ou classe social mas de toda uma coletividade

Desse modo o creacutedito necessaacuterio agrave sobrevivecircncia individual e do grupo social deve ser tratado como uma disciplina juriacutedica da extensatildeo da cidadania social ou mesmo de uma cidadania econocircmica sobretudo em relaccedilatildeo aos consumidores desfavorecidos que dependem desse creacutedito pois como afirma Simone Bolson ldquoter acesso ao creacutedito eacute modo de ser cidadatildeo de exercer a cidadania de ser considerado um igual nesta socie-dade de desiguaisrdquo (BOLSON 2007 p 189)

Natildeo eacute por outra razatildeo que Nichole Chardin afirmou que a moral da sociedade estaacute na forccedila do consumo (CHARDIN 1998 p 37) Nesse contex-to a doutrinadora francesa inclusive identifica os contratos de consumo e dentre eles o de creacutedito como o ponto mais alto dos contratos afetivos justamente em razatildeo da correlaccedilatildeo entre o consumo e o desejo

Nessa perspectiva embora seja o creacutedito uma atividade legiacutetima e normal em economia de mercado estando associado a seu desenvolvi-mento econocircmico melhoria da qualidade de vida e inclusatildeo social quan-do contratado em situaccedilatildeo de instabilidade financeira laboral e psicoloacute-gica ou na hipoacutetese de superveniecircncia dessa instabilidade na execuccedilatildeo contratual exsurge a sua faceta sombria diante do endividamento exces-sivo do consumidor

4 SUPERENDIVIDAMENTO SUAS CAUSAS E EFEITOS

O Superendividamento eacute a impossibilidade global do devedor pes-soa fiacutesica consumidor leigo e de boa-feacute de pagar todas as suas diacutevidas atuais e futuras de consumo (excluiacutedas as diacutevidas com o fisco oriundas de delito e de alimentos) em um tempo razoaacutevel com sua capacidade atual de rendas e patrimocircnio

Suas causas satildeo diversas passando pelo modelo societaacuterio agorista ausecircncia de educaccedilatildeo financeira falecircncia do estado social abuso das posi-ccedilotildees juriacutedicas por parte dos fornecedores acidentes da vida social dentre outros

O modelo societaacuterio agorista niilista hedonista e sem estratificaccedilatildeo predisposta fruto do capitalismo organiza as relaccedilotildees sociais a partir das escolhas de consumo numa estrutura panoacuteptica em que a forccedila produti-va constantemente vigia os consumidores para mantecirc-los numa engrena-

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gem de consumo que lhes signifique o reconhecimento social ainda que seja ao custo da integridade existencial desses consumidores

Nessa malha de realidade como pondera o psicoacutelogo Gustavo Bar-cellos ldquocomprar eacute um impulso ascendente de natureza espiritual que nos joga no eixo entre elevaccedilatildeo e mergulho Mas eacute tambeacutem um foco de fantasia portanto um lugar de alma nunca um gesto puro Diga-me o que compras e te direi quem eacutes Direi tambeacutem como patologizas e como ima-ginas a liberdaderdquo (BARCELOS 2008)

Costas Douzinas apoacutes asseverar que o contrato de propriedade sim-boliza o nascimento do sujeito alerta no sentido de que os objetos satildeo desejados natildeo por eles proacuteprios mas como um meio para o desejo de outras pessoas o que denota claramente que a subjetividade eacute construiacute-da simbolicamente para realizar os modelos de reconhecimento social (DOUZINAS 2009 p 287)

Nesse contexto a devoccedilatildeo ao consumo eacute definida como virtude do sujeito e o sujeito numa redenccedilatildeo moral se lanccedila ao consumo como um tranquilizante moral uma maneira de consolar-se ilusoriamente das des-venturas da existecircncia de preencher a vacuidade do presente e do futuro e levar o mundo a virar alma (BAUMAN DONSKIS 2014 181)

De acordo com essa forma de pensar fomentada inclusive pelo fe-nocircmeno da ldquoobsolescecircncia calculadardquo (BAUDRILLARD 1995 p 42) consi-deraacutevel parte dos bens e coisas consumidas na sociedade natildeo satildeo fun-cionais soacute possuindo utilidade no mundo da experiecircncia subjetiva do consumidor a partir do paradigma da sociedade de abundacircncia

Entretanto ldquoa liberdade e a soberania do consumidor natildeo passam de mistificaccedilatildeo (BAUDRILLARD 1995 p 72) pois natildeo eacute o consumo que con-trola a produccedilatildeo mas as grandes corporaccedilotildees produtivas eacute que controlam o comportamento do mercado de consumo ditando a moda os valores as tendecircncias de modo a retirar do indiviacuteduo todo o poder de decisatildeo e tornar esse mercado o ldquoloacutecusrdquo privilegiado do poder produtivo (MACEDO JUNIOR 2001 p 224)

Nesse cenaacuterio a publicidade eacute outro vilatildeo que se presta ao propoacutesi-to da manipulaccedilatildeo do comportamento dos haacutebitos das preferecircncias do consumidor para aquilo que eacute ditado pela ordem produtiva imprimindo neste o desejo de comportar ndash se vestir-se criar haacutebitos e fazer escolhas supostamente livres e prazerosas mas na verdade impostas pelo setor produtivo

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Essa publicidade fruto de um plano de marketing tanto coletivo quanto personalizado (marketing one-to-one) captura sociologicamente os perfis dos consumidores e incute massificadamente no cidadatildeo a pos-sibilidade de alcanccedilar independentemente de idade ou origem social o bem-estar atraveacutes da ritualiacutestica aquisiccedilatildeo de determinado produto ou serviccedilo e portanto da realizaccedilatildeo dos desejos sendo o creacutedito o passapor-te de acesso a esse bem-estar

Associado ao modelo societaacuterio em que o homem eacute aquilo que con-some inclusive para sair da invisibilidade a assimetria de informaccedilotildees e a ausecircncia de educaccedilatildeo financeira faz dos consumidores presas faacuteceis das estrateacutegias de mercado e do respectivo marketing levando-os ao consu-mo inorgacircnico E eacute justamente essa combinaccedilatildeo explosiva de fatores que leva incontaacuteveis consumidores a contratarem creacutedito para fazer frente ao consumo em condiccedilotildees adversas

Segundo a PEIC realizada pela Confederaccedilatildeo Nacional de Comercio bens e serviccedilos em outubro de 2020 665 da populaccedilatildeo adulta brasilei-ra estaacute endividada 261 com diacutevidas em atraso e 119 sem condiccedilatildeo alguma de quitar as suas diacutevidas

Nesse triste cenaacuterio segundo dados do Serasa mais de 60 milhotildees de brasileiros estatildeo com nome inscrito em oacutergatildeos restritivos encontrando-se praticamente um terccedilo da populaccedilatildeo idosa nessa situaccedilatildeo ou seja quase sete milhotildees de idosos O nuacutemero de idosos inadimplentes estaacute muito relacionado com o creacutedito consignado jaacute que eacute mais acessiacutevel aos apo-sentados Em momentos de inflaccedilatildeo alta e desemprego crescente muitos idosos satildeo levados a solicitar esse tipo de creacutedito para colocar em dia as contas da casa ou para ajudar a famiacutelia mas natildeo consegue honrar com os pagamentos das parcelas principalmente em razatildeo dos custos com remeacute-dios plano de sauacutede e alimentos

Eacute um cenaacuterio preocupante sobretudo num ano em que o Covid 19 desacelerou ainda mais a economia contribuindo para o aumento do de-semprego reduzindo o campo da proacutepria informalidade diante das regras de isolamento

Vale lembrar que segundo o IBGE 146 da populaccedilatildeo adulta estaacute desempregada o que unido a falta de poliacuteticas puacuteblicas para a prevenccedilatildeo do seu aumento agrava a fotografia do endividamento no pais

O endividamento eacute maior entre as famiacutelias com faixa de renda menor do que dez salaacuterios miacutenimos e o seu grande vilatildeo ainda eacute o cartatildeo de creacute-dito (785) seguido dos carnecircs (164) financiamento de carro (107)

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financiamento de casa (99) creacutedito pessoal 9 86) creacutedito consignado (62)

Ainda segundo a PEIC da CNC de outubro ogano 231 dos endi-vidados com renda familiar inferior a dez salaacuterios miacutenimos compromete mais de 50 da sua renda com as diacutevidas diversas comprometendo a subsistecircncia digna da famiacutelia

Dados alarmantes como esses fizeram com que economistas brasilei-ros pusessem o creacutedito no banco dos reacuteus sobretudo diante das distor-ccedilotildees no sistema de intermediaccedilatildeo que colocam em risco a oferta saudaacutevel de creacutedito o que pode inclusive gerar atraso ao crescimento nacional

Eacute preocupante perceber a situaccedilatildeo dos consumidores que pagam as contas todos os meses mas tecircm endividamento acima da renda Muitos desses consumidores usam o creacutedito caro como rotativo do cartatildeo de creacute-dito e cheque especial para rolar suas diacutevidas jaacute que acabam dispondo de reduzido percentual de sua renda para pagamento das despesas baacutesicas de alimentaccedilatildeo transporte e moradia o que gera uma ldquobola de neverdquo e a latecircncia de uma insolvecircncia proacutexima

Para esses consumidores endividados natildeo existem propostas para renegociaccedilatildeo razoaacutevel e adequada das diacutevidas ateacute porque criteacuterios de ra-zoabilidade e adequaccedilatildeo nem sequer satildeo analisados responsavelmente na proacutepria concessatildeo do creacutedito normalmente caracterizada por juros altos vendas casadas e desrespeito ao direito de informaccedilatildeo

Eacute importante dizer que a expressiva parcela da populaccedilatildeo brasileira que encontra-se superendividada enquadra-se no chamado superendi-vidamento ativo inconsciente ou passivo sujeitando a relaccedilatildeo juriacutedica agrave intervenccedilatildeo do Poder Puacuteblico para a devida equalizaccedilatildeo de forccedilas dada a boa-feacute do consumidor

Trata-se do ativo inconsciente quando o consumidor contrai diacutevidas aleacutem das suas forccedilas por impulso ou necessidade ludibriado pela publi-cidade de forma irrefletida ou por transtornos psicoloacutegicos mas crendo na sua capacidade de honraacute-las e desejando que ocorra o adimplemento

Jaacute o passivo eacute provocado por fatores externos forccedila maior social (desemprego doenccedila alteraccedilatildeo do nuacutecleo familiar ou das condiccedilotildees de existecircncia que seja capaz de afetar o orccedilamento domeacutestico (falecimento de familiar separaccedilatildeo ou divoacutercio) exploraccedilatildeo pelo credor da situaccedilatildeo de necessidade inexperiecircncia dependecircncia estado mental fraqueza ou ignoracircncia do consumidor tendo em vista a sua idade sauacutede condiccedilatildeo

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social alteraccedilatildeo na conjuntura econocircmica nacional) que desestabilizam a situaccedilatildeo financeira do agregado familiar inviabilizando o cumprimento dos compromissos firmados em momento de seguranccedila financeira

5 URGEcircNCIA DO PROJETO DE LEI Nordm 35152012

A gestatildeo do risco que representa o superendividamento e seus efei-tos extrapola a dimensatildeo econocircmica e juriacutedica assumindo contornos psi-cossociais e constitui um desafio regulatoacuterio em muitas sociedades que ainda natildeo albergaram um sistema de falecircncia da pessoa fiacutesica devedora que permita a sua recuperaccedilatildeo financeira como eacute o caso da China Viet-nam Turquia Meacutexico Iacutendia Chile Peru entre outros

No Brasil como jaacute restou delineado o tratamento do superendivi-damento ainda natildeo logrou assento formal em texto normativo embora expressivo fragmento da doutrina e jurisprudecircncia esteja alinhado com a tendecircncia de sua tutela em circunstacircncias especiacuteficas lastreado no acervo hermenecircutico axioloacutegico contemporacircneo jaacute aludido na primeira parte do presente trabalho

O processo judicial da declaraccedilatildeo de insolvecircncia previsto no Coacutedigo de Processo Civil paacutetrio CPC eacute desvantajoso para a pessoa fiacutesica consu-midora de boa-feacute natildeo apenas pela sua delonga como tambeacutem em razatildeo do vencimento antecipado de suas diacutevidas e pela arrecadaccedilatildeo de todos os seus bens presentes e futuros o que lhe retira a possibilidade de reco-meccedilar dignamente sem carregar consigo a pecha de ser um peso morto para a sociedade e para a economia natildeo servindo para gerar empregos incrementar a arrecadaccedilatildeo ou produzir riqueza

Argumente-se que a recuperaccedilatildeo dos empresaacuterios e sociedades em-presaacuterias estaacute intimamente relacionada com a capacidade creditiacutecia dos consumidores na medida em que a manutenccedilatildeo e recuperaccedilatildeo do creacutedito do consumidor superendividado estabiliza a sua capacidade de adimple-mento garante a livre iniciativa e a livre concorrecircncia aleacutem de manter a fonte produtora de empregos e das atividades empresariais

O projeto de Lei 3515 abre uma janela de oportunidade para atua-lizaccedilatildeo do Coacutedigo de Defesa do Consumidor e inspirado na legislaccedilatildeo francesa reflete uma linha humanista e inclusiva do sujeito que se supe-rendividou atendendo ao anseio da sociedade juriacutedica e de milhares de brasileiros superendividados que pretendem uma chance de viver me-lhor de modo mais digno

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Jaacute no descortino do projeto fica clara a consciecircncia quanto agrave impor-tacircncia do fenocircmeno e a opccedilatildeo pela sua prevenccedilatildeo ao se estabelecerem como princiacutepio da poliacutetica nacional das relaccedilotildees de consumo o fomento e o desenvolvimento de accedilotildees visando a educaccedilatildeo financeira e ambiental dos consumidores incentivando a inclusatildeo do tema em curriacuteculos escola-res o que por oacutebvio envolve vaacuterias accedilotildees do Estado

Para a efetivaccedilatildeo dessa poliacutetica nacional das relaccedilotildees de consumo estatildeo previstas como instrumentos a instituiccedilatildeo de mecanismos de pre-venccedilatildeo e tratamento extrajudicial e judicial do superendividamento e pro-teccedilatildeo do consumidor pessoa fiacutesica com a instituiccedilatildeo inclusive de nuacutecleos de conciliaccedilatildeo e mediaccedilatildeo de conflitos oriundos do fenocircmeno colimando sobretudo precatar ou sanar a exclusatildeo social garantir a dignidade huma-na e o miacutenimo existencial(art 5ordm VI art 6 XI XII art 54-A caput)

Valorando a prevenccedilatildeo do fenocircmeno o projeto estabelece como di-reito baacutesico do consumidor a garantia de praacuteticas de creacutedito responsaacutevel (art 6 XI) atraveacutes de medidas preventivas ou curativas resultantes de revisotildees ou repactuaccedilatildeo das dividas administrativas ou judiciais

De outra banda o projeto reforccedila o princiacutepio basilar da informaccedilatildeo para as contrataccedilotildees de creacutedito e a prazo estabelecendo a obrigaccedilatildeo do fornecedor de deixar o consumidor absolutamente consciente quanto agraves particularidades do conteuacutedo contratual e em especial os encargos que deveraacute suportar e o custo efetivo total das operaccedilotildees (art 54-B I II III IV V sect 1ordm sect 2ordm sect 3ordm)

Percebe-se que dessa forma o Projeto de Lei em relaccedilatildeo agraves pes-soas fiacutesicas superendividadas acaba por reconhecer que haacute uma falha de mercado consistente na assimetria de informaccedilatildeo quando estabelece medidas de aconselhamento justamente para preservar a racionalidade e atenuar a influecircncia de fatores externos sobre a mesma

Outrossim nota-se que positivando a noccedilatildeo de ldquomiacutenimo existencialrdquo abre margem agrave possibilidade de reserva sobre a remuneraccedilatildeo do endivi-dado para desconto em folha de pagamento com vistas agrave subsistecircncia digna excepcionada a situaccedilatildeo de deacutebito em conta de diacutevidas oriundas do uso de cartatildeo de creacutedito para pagamento do preccedilo em parcela uacutenica Uma vez descumprido o limite existencial caberaacute dilaccedilatildeo do prazo de pagamento reduccedilatildeo dos encargos e da remuneraccedilatildeo do devedor conso-lidaccedilatildeo constituiccedilatildeo ou substituiccedilatildeo de garantias (art 54-D sect 1ordm e sect 2ordm)

Nesse particular o importante a se destacar eacute a imprescindibilidade de uma renda miacutenima de inserccedilatildeo o que ao nosso ver naturalmente estaacute

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suscetiacutevel agrave variaccedilotildees conforme o necessaacuterio na praacutetica agrave atender o direito fundamental do miacutenimo existencial de cada pessoa e seu nuacutecleo familiar garantindo uma vida condigna e saudaacutevel do ponto de vista fiacutesico espiri-tual e intelectual num standart socioeconocircmico vigente Assim desgarra-do de um ldquotabelamentordquo se teraacute a missatildeo de identificar o que traduziraacute o miacutenimo existencial conforme o nuacutemero de dependentes a renda total da famiacutelia os gastos com aacutegua luz alimentaccedilatildeo moradia sauacutede e educaccedilatildeo

Importante inovaccedilatildeo eacute a que se refere ao direito de arrependimento ou de reflexatildeo que permite ao consumidor em qualquer espeacutecie con-tratual desistir do negoacutecio sem ocircnus para si no prazo de 7 dias o que implicaraacute agrave resoluccedilatildeo do contrato acessoacuterio de creacutedito Essa previsatildeo res-tringe-se agrave forma de pagamento consignaccedilatildeo em pagamento somente sendo necessaacuterio que o legislador venha a definir o valor ou percentual que o cidadatildeo teria de ter para garantir o seu miacutenimo existencial em situa-ccedilotildees diversas

Importante destaque foi dado agrave oferta e agrave publicidade abusiva esta sabidamente a grande vilatilde da histoacuteria do superendividamento e que tem capturado para a sua rede as viacutetimas mais fraacutegeis e suscetiacuteveis a exemplo das crianccedilas e dos idosos

Assim no projeto fulmina-se o ldquoasseacutedio ao consumordquo consideran-do-se abusiva a publicidade discriminatoacuteria de qualquer natureza que prevalecendo-se da predisposta vulnerabilidade do consumidor incite a violecircncia explore o medo ou a supersticcedilatildeo se aproveite da deficiecircncia de julgamento e experiecircncia da crianccedila desrespeite valores ambientais (consumo sustentaacutevel) ou que seja capaz de induzir o consumidor a se comportar de forma prejudicial ou perigosa a sua sauacutede ou seguranccedila re-ferindo-se ainda como tal aquela publicidade que contenha apelo impe-rativo ao consumo ou estimule comportamento socialmente reprovaacutevel

Tal previsatildeo insere-se na linha da Diretiva Europeia 20081948 que entre as regras de comportamento impostas aos fornecedores que pre-tendam oferecer creacutedito estabelece o dever do concedente de analisar previamente a potencial solvabilidade do pretenso mutuaacuterio permitindo uma quitaccedilatildeo regular da diacutevida aleacutem do seu dever de aconselhamento cabendo-lhe informar preacutevia e satisfatoriamente o consumidor sobre o custo real da operaccedilatildeo e seus reflexos futuros

Quanto ao consumo sustentaacutevel e ao ecomarketing eacute indeleacutevel que a contenccedilatildeo dos danos ao meio ambiente causados pela produccedilatildeo susten-taacutevel e a garantia da sobrevivecircncia das futuras geraccedilotildees estatildeo diretamen-

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te relacionadas agrave reformulaccedilatildeo dos haacutebitos de consumo indispensaacutevel agrave edificaccedilatildeo de uma sociedade mais orgacircnica Assim passou-se a incluir a proteccedilatildeo do meio ambiente como um dos objetivos da poliacutetica nacional das relaccedilotildees de consumo imprimiu-se o comando de incentivo a padrotildees de produccedilatildeo e consumo sustentaacuteveis cimentou-se o dever de precauccedilatildeo passando a ser principio a promoccedilatildeo de padrotildees de produccedilatildeo e consumo sustentaacuteveis colimando-se assim atender as necessidades das atuais ge-raccedilotildees permitir melhores condiccedilotildees de vida promover o desenvolvimen-to econocircmico e inclusatildeo social sem comprometer a qualidade ambiental no atendimento das necessidades das geraccedilotildees futuras

Mais uma vez pretendendo reforccedilar a funcionalidade socializaccedilatildeo e eticidade dos contratos na poacutes-modernidade traz o projeto a previsatildeo dos princiacutepios da boa-feacute funccedilatildeo social do creacutedito e respeito agrave dignidade para uma concessatildeo responsaacutevel e leal do creacutedito que prime pelo dever de cooperaccedilatildeo previamente agrave contrataccedilatildeo Assim devem o fornecedor e o intermediaacuterio do creacutedito avaliar as condiccedilotildees econocircmico-financeiras do consumidor mediante documentaccedilatildeo necessaacuteria e consulta a bancos de dados ponderar esclarecer aconselhar e advertir o consumidor quanto aos riscos do inadimplemento Nesse rumo propotildee acrescentar um sect 3ordm ao art 96 da Lei nordm 107412003 (Estatuto do Idoso) para estabelecer natildeo constituir crime a negativa de creacutedito motivada por superendividamento do idoso

Igualmente positivo o processo de repactuaccedilatildeo voluntaacuteria de diacutevi-das natildeo profissionais (Art 104-A sect 2ordm) em relaccedilatildeo ao superendividado (Art104-A sect 1ordm) bem assim a fase judicial para revisatildeo e integraccedilatildeo dos contratos e repactuaccedilatildeo das diacutevidas remanescentes atraveacutes de um plano judicial compulsoacuterio que poderaacute ser formulado por um administrador nomeado pelo Juiz agrave guisa de todas as informaccedilotildees pessoais financeiras e patrimoniais do consumidor

Por fim estabelece a competecircncia concorrente das entidades inte-grantes do Sistema Nacional de Defesa do Consumidor previstas no art 82 do CDC para o procedimento conciliatoacuterio e preventivo do processo de repactuaccedilatildeo de diacutevidas

Enfim todo esse plexo inovatoacuterio denota que o projeto de lei repre-senta um avanccedilo civilizatoacuterio na prevenccedilatildeo da coacutelera social do superendi-vidamento pois inegavelmente a positivaccedilatildeo representa a consciecircncia e sensibilidade natildeo soacute do Estado mas da comunidade juriacutedica do paiacutes

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6 CONCLUSAtildeO

Sabe-se que o creacutedito eacute necessaacuterio agrave sobrevivecircncia individual e do grupo social e como tal deve ser tratado como extensatildeo da cidadania so-cial ou econocircmica direito social modo de ser cidadatildeo pois permite novas oportunidades sociais

Mas embora seja atividade normal numa economia de mercado relacionando-se ao desenvolvimento econocircmico e melhoria de vida das pessoas quando o creacutedito eacute contraiacutedo em situaccedilatildeo de instabilidade finan-ceira laboral ou psicoloacutegica ou num cenaacuterio de abusividade comporta-mental por parte dos hipersuficientes numa sociedade de hiperconsumo apresenta uma faceta sombria que pode levar ao superendividamento e ao flagelo social

Percebe-se que contribuem para a crise de insolvecircncia e portanto para o superendividamento a falta de educaccedilatildeo ao consumo orgacircnico e sustentaacutevel assim como as concessotildees irresponsaacuteveis e sem eacutetica de fornecedores que natildeo atendem aos princiacutepios da seletividade garantia liquidez e diversificaccedilatildeo dos riscos e consequentemente denotam que-bra da boa-feacute e seus deveres anexos Nessa senda tambeacutem se encontram as claacuteusulas contratuais abusivas e as praacuteticas abusivas assim como o estiacutemulo artificial ao consumo irracional ao creacutedito faacutecil agrave seduccedilatildeo publi-citaacuteria agrave reduccedilatildeo dos mecanismos de controle dos encargos e reduccedilatildeo do estado do bem-estar social que eleva o custo com educaccedilatildeo e sauacutede privados

A despersonalizaccedilatildeo das relaccedilotildees (condutas sociais tiacutepicas relaccedilotildees anocircnimas) a sofisticaccedilatildeo dos instrumentos de atuaccedilatildeo a publicidade agressiva a sociologia publicitaacuteria de captaccedilatildeo de presas faacuteceis do con-sumo (jovens idosos deficientes) aleacutem da vulnerabilidade informacional satildeo as marcas do mercado hipermoderno que conduzem ao caminho do superendividamento

Mesmo nas hipoacuteteses de endividamento excessivo oriundo de forccedila maior social o superendividamento estaacute relacionado ao problema de po-liacuteticas puacuteblicas e redistribuiccedilatildeo e o seu enfrentamento passa pelo respeito agrave alteridade e consequentemente uma postura de cooperaccedilatildeo dinacircmica e reciacuteproca entre os protagonistas contratuais

Embora se deva primar pela prevenccedilatildeo do excesso de endividamento e agravamento das dificuldades diante da efetiva ocorrecircncia do superen-dividamento e portanto do fracasso das medidas preventivas a inter-venccedilatildeo puacuteblica administrativa ou judicial passa a traduzir uma legiacutetima

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expectativa do endividado na busca da reestruturaccedilatildeo de suas diacutevidas e a proacutepria concreccedilatildeo dos direitos fundamentais do consumidor

A tutela formal do fenocircmeno vem ao encontro da nova concepccedilatildeo de autonomia privada e consequentemente da noccedilatildeo de contrato como fato social cuja natureza afetiva relaciona formaccedilatildeo da vontade racional agrave atuaccedilatildeo mais qualificada do fornecedor ateacute porque os contratantes natildeo estatildeo mais em posiccedilotildees antagocircnicas mas devem atuar cooperando com o outro em prol do bem comum

Desse modo seja atraveacutes da conciliaccedilatildeo ou da mediaccedilatildeo voluntaacuteria ndash acordos realizados sob a eacutegide de autoridades do acircmbito administra-tivo ndash ou atraveacutes de processos judiciais que ora se aproximem do ldquofresh startrdquo proacuteprio dos paiacuteses do common law (Estados Unidos Inglaterra Ca-nadaacute Austraacutelia) ora se baseiem na filosofia da ldquoreeducaccedilatildeordquo preferida nos regimes de tradiccedilatildeo civil law (Franccedila Beacutelgica etc) eacute possiacutevel e urgente promover o tratamento do superendividamento como exerciacutecio da soli-dariedade realizaccedilatildeo do objetivo fundamental de erradicaccedilatildeo da pobreza da marginalizaccedilatildeo e reduccedilatildeo das desigualdades sociais e regionais

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Primeiras linhas quanto ao impacto da Lei Geral de Proteccedilatildeo de Dados na forccedila

probante dos documentos eletrocircnicos em processos submetidos aos Juizados

Especiais de relaccedilotildees de consumo

1 Doutor e Mestre em Direito pela Universidade Federal da Bahia advogado e atualmente ocupando a funccedilatildeo de juiz leigo da 4ordf vara de relaccedilotildees de consumo de SalvadorBA integrante do Sistema de Juizados Especiais do Poder Judiciaacuterio do Estado da Bahia

2 Mestre em Direito pela Universidade Federal da Bahia Juiacuteza Titular da 4ordf vara de re-laccedilotildees de consumo de SalvadorBA integrante do Sistema de Juizados Especiais do Poder Judiciaacuterio do Estado da Bahia

Belmiro Vivaldo Santana Fernandes1

Michelline Soares Bittencourt Trindade Luz2

Resumo O presente artigo cientiacutefico tem por objetivo analisar pos-siacuteveis alteraccedilotildees na valoraccedilatildeo probatoacuteria dos documentos eletrocircni-cos em demandas judiciais de relaccedilotildees de consumo nos Juizados Especiais em consequecircncia da promulgaccedilatildeo Lei Geral de Proteccedilatildeo de Dados Pessoais (Lei Federal nordm 13709 de 14 de agosto de 2018 com as alteraccedilotildees da Lei Federal nordm 138532019) Neste sentido revi-sitou-se o marco teoacuterico do acesso agrave justiccedila na visatildeo Mauro Cappel-letti e Bryan Garth na concepccedilatildeo da Lei dos Juizados Especiais (Lei 90991995) e os instrumentos processuais garantidos ao consumi-dor na defesa dos seus direitos conforme determina a Lei Federal nordm 80781990 Demonstrou-se que embora haja posicionamentos doutrinaacuterios e jurisprudenciais no sentido de minimizar a forccedila pro-batoacuteria dos documentos eletrocircnicos no contexto examinado a Lei de Proteccedilatildeo de Dados Pessoais aponta tendecircncia no sentido oposto que pode inclusive tornar ainda mais efetiva a facilitaccedilatildeo do acesso agrave justiccedila pelo consumidor inclusive nos Juizados Especiais

Palavras-chave Documentos eletrocircnicos ndash Juizados Especiais ndash Rela-ccedilotildees de Consumo ndash Lei Geral de Proteccedilatildeo de Dados Pessoais

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1 INTRODUCcedilAtildeO

O acesso agrave justiccedila eacute objeto de preocupaccedilatildeo dos estudiosos do Estado Democraacutetico de Direito que desde os primoacuterdios ateacute sua formaccedilatildeo atual enfrentou diversas crises e mudanccedilas de concepccedilatildeo

A concepccedilatildeo de acesso agrave justiccedila para aleacutem do mero processamento de demandas e a busca da concretizaccedilatildeo os direitos se revelou presente na construccedilatildeo da atual Lei 909995 especialmente no que tange agrave sua melhor aproximaccedilatildeo com a sociedade brasileira com suas desigualdades e complexidades Isto se coaduna com a garantia agrave facilitaccedilatildeo dos meios de acesso agrave justiccedila ao consumidor incorporados pelo ordenamento paacutetrio pela promulgaccedilatildeo da Lei nordm 8078 de 11 de setembro de 1990)

Entretanto embora perceptiacutevel e aceita a contrataccedilatildeo e consumo de produtos e serviccedilos pelos meios digitais constatam-se obstaacuteculos na adequada valoraccedilatildeo probatoacuteria dos documentos eletrocircnicos no pro-cesso especialmente no acircmbito dos juizados especiais A preocupaccedilatildeo reside no receio de sua manipulaccedilatildeo pelo fornecedor para eclipsar a pretensatildeo consumerista deduzida em juiacutezo o que acaba prejudicando seu proacuteprio acesso agrave justiccedila seja pelo argumento da necessidade de produccedilatildeo de prova pericial para atestar sua autenticidade pela sua total desconsideraccedilatildeo

Por outro lado eacute inequiacutevoca a convivecircncia dos meios digitais nas relaccedilotildees mais baacutesicas do dia a dia algo percebido intensificado sobretudo com o uso de tecnologias frente agrave pandemia do COVID-19 ocorrida no ano de 2020 Neste sentido observa-se que a tendecircncia legislativa eacute de reconhecer a forccedila probatoacuteria dos documentos eletrocircnicos especialmente em razatildeo da promulgaccedilatildeo do Coacutedigo de Processo Civil de 2015 Lei do Marco Civil da Internet (Lei nordm 12965 de 23 de abril de 2014) e Lei Geral de Proteccedilatildeo de Dados Pessoais (ldquoLGPDrdquo lei nordm 13709 de 14 de agosto de 2019)

O objetivo central deste artigo portanto eacute avaliar se o atual receio de reconhecimento da forccedila probante dos documentos eletrocircnicos eacute jus-tificaacutevel diante dos limites do procedimento sumariacutessimo dos Juizados Especiais e da proteccedilatildeo consumerista e natildeo o sendo quais satildeo as ferra-mentas hermenecircuticas agrave disposiccedilatildeo dos sujeitos processuais sua adequa-da valoraccedilatildeo

Para tanto em anaacutelise teoacuterico-descritiva examinou-se o marco teoacute-rico da criaccedilatildeo do atual sistema de Juizados Especiais cuja inspiraccedilatildeo eacute a

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teoria de Cappelletti e Garth de acesso agrave justiccedila e as inovaccedilotildees propostas pela Lei Geral de Proteccedilatildeo de Dados Pessoais Observou-se que em diver-sas passagens satildeo evidenciadas notaacuteveis semelhanccedilas do regime juriacutedico da novel lei com as normas do Coacutedigo de Defesa do Consumidor

Diante da proposta metodoloacutegica deste trabalho o conteuacutedo foi em quatro seccedilotildees sendo a primeira introdutoacuteria a segunda com o resgate da concepccedilatildeo de acesso agrave justiccedila na visatildeo de Cappelli e Garth a terceira com a regulaccedilatildeo especiacutefica do acesso agrave justiccedila na Lei 909995 e no Coacutedigo de Defesa do Consumidor e na quarta seccedilatildeo o valor probante dos documen-tos eletrocircnicos frente agraves recentes inovaccedilotildees legislativas como a Lei Geral de Proteccedilatildeo de dados Pessoais Ao final do trabalho apresenta-se uma breve conclusatildeo que sumariza o exposto

2 O ACESSO Agrave JUSTICcedilA NA CONCEPCcedilAtildeO DE CAPPELLETTI E GARTH

Para que verifique in concreto se o modelo poliacutetico-juriacutedico vivencia-do em dada realidade sociocultural eacute necessaacuterio observar alguns paracircme-tros fundamentais que diante de sua presenccedila eou respeito indicariam o alcance mais proacuteximo do ideal da experiecircncia de conviacutevio efetivo em uma democracia3

Morais e Streck (2010 p 99) afirmam que os principais elementos perceptiacuteveis satildeo a) existecircncia de uma constituiccedilatildeo b) pluralismo poliacute-tico c) respeito agrave diversidade e agrave liberdade de opiniatildeo e expressatildeo d) sistema de garantias aos direitos fundamentais tanto individuais quanto coletivos e) reparticcedilatildeo de funccedilotildees puacuteblicas entre autoridades distintas f ) controle da legalidade dos atos judiciais e administrativos diante da constituiccedilatildeo g) sentimento de seguranccedila e certeza juriacutedicas h) justiccedila social e isonomia

3 Explicam Morais e Streck (2010 p 97) que o Estado Democraacutetico de Direito tem o compromisso de transformaccedilatildeo da realidade sendo diverso do mero Estado Social de Direito que visa a melhoria das condiccedilotildees sociais poreacutem natildeo traz em seu componen-te central a participaccedilatildeo popular como ocorre em alguns modelos como no populis-mo no socialismo ou em estruturas acentuadamente intervencionistas O conteuacutedo central de um Estado que se propotildee a ser democraacutetico eacute ultrapassar a concretizaccedilatildeo de uma vida digna agindo simbolicamente como fomentador da participaccedilatildeo puacutebli-ca no processo de construccedilatildeo e reconstruccedilatildeo da sociedade O acesso agraves diversas fun-ccedilotildees estatais e a participaccedilatildeo dos cidadatildeos inclusive no Poder Judiciaacuterio sedimentam o efetivo caraacuteter democraacutetico de uma estrutura poliacutetica

Primeiras linhas quanto ao impacto da Lei Geral de Proteccedilatildeo de Dados na forccedila probante dos documentos eletrocircnicos em processos submetidos aos Juizados Especiais de relaccedilotildees de consumo

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Natildeo haacute de olvidar que os maiores expoentes no tema de acesso agrave justiccedila satildeo Mauro Cappelletti e Bryan Garth (1988 p 23) promoveram um estudo em escala global denominado ldquoProjeto Florenccedilardquo cujo objetivo foi o de coletar e analisar como os diversos sistemas juriacutedicos do mundo garantem a busca junto aos oacutergatildeos do Poder Judiciaacuterio de reclamaccedilotildees agrave violaccedilatildeo de seus direitos subjetivos Em consequecircncia publicaram a obra conhecida no Brasil como ldquoAcesso agrave Justiccedilardquo4 no ano de 1978 sendo um marco para o estudo do Direito Processual

Em siacutentese explicam que nos primoacuterdios do Estado Liberal o acesso agrave justiccedila5 apenas significava o direito formal de algueacutem buscar o Poder Ju-diciaacuterio para propor ou contestaccedilatildeo uma accedilatildeo entretanto estaria fora de seu escopo inicial o uso da justiccedila com uma efetiva melhoria na qualidade de vida e consequentemente incremento da participaccedilatildeo democraacutetica pela concretizaccedilatildeo da isonomia (CAPPELETTI GARTH 1988 p 13) Com o aumento da complexidade das relaccedilotildees sociais e de sua proacutepria percep-ccedilatildeo o mero processo individualizado natildeo poderia mais existir sozinho de-vendo funcionar como resgate da proacutepria cidadania (CAPPELETTI GARTH 1988 p 160)6

Outros temas tambeacutem satildeo relevantemente trabalhados na obra de Cappelletti e Garth7 mas um em especial ganha relevo e estaacute diretamente relacionado agrave proposta de criaccedilatildeo de ldquotribunais de pequenas causasrdquo que eacute o custo do processo formal o que inclui as proacuteprias custas judiciaacuterias as despesas para produccedilatildeo de provas e com o proacuteprio assessoramento juriacutedico (CAPPELETTI GARTH 1988 p 20) o que leva agrave parte mais fraca ao abandono do litiacutegio ou ao desencorajamento de enfrentar disputas ju-

4 Seu tiacutetulo original foi abreviado no Brasil mas merece ser lembrado porque permi-te a compreensatildeo do escopo do estudo de Cappelletti e Garth Assim chamou-se ldquoAccess to Justice The Worldwide Movement to Make Rights Effective ndash A General Reportrdquo algo como ldquoAcesso agrave Justiccedila o movimento mundial para tonar os direitos efetivosrdquo em traduccedilatildeo livre

5 ldquoJusticcedilardquo para os autores tecircm sentido proacuteximo de Judiciaacuterio mas ultrapassa o puro direito de accedilatildeo mas de efetivaccedilatildeo dos direitos (CAPPELLETTI GARTH 1988 p 33)

6 Como explica Hobsbawn (2014 p 399) o ponto de inflexatildeo e mudanccedila paradigmaacutetica foi a implementaccedilatildeo do Estado do Bem-Estar Social por meio dos keynesianos que compreendiam a importacircncia de acesso ao emprego e melhoria dos salaacuterios para fo-mento da economia e do mercado de consumo

7 Como a litigiosidade do proacuteprio Estado com seus cidadatildeos e a burocracia

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riacutedicas Essas preocupaccedilotildees foram objeto da construccedilatildeo da Lei 90991995 uma modernizaccedilatildeo da antiga ldquoLei de Juizados de Pequenas Causasrdquo8 (PA-RIZOTTO 2018 p 23)

Em sentido contemporacircneo Maria Aparecida Lucca Caovilla (2003 p 35) compreende que o acesso agrave justiccedila se relaciona melhor com a conscientizaccedilatildeo da populaccedilatildeo de seus direitos natildeo podendo se resumir ao acesso formal ao Poder Judiciaacuterio Eacute o mesmo sentido defendido por Eduardo de Avelar Lamy e Horaacutecio Wanderlei Rodrigues (2016 p 206) que consagra a importacircncia da resposta ao problema trazido ao Judiciaacuterio pela efetividade do resultado e concretizaccedilatildeo do direito material subjetivo percebido pelo ganho de consciecircncia juriacutedica da populaccedilatildeo O acesso agrave justiccedila tambeacutem ganha um conteuacutedo axioloacutegico da proacutepria expressatildeo de justiccedila ndash no sentido de ldquojustordquo ndash para acesso agrave ordem e aos direitos funda-mentais (LAMY RODRIGUES 2016 p 112)9

3 A FACILITACcedilAtildeO DO ACESSO Agrave JUSTICcedilA NO COacuteDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR E NOS JUIZADOS ESPECIAIS CIacuteVEIS

A Lei nordm 9099 de 26 de setembro de 1995 ao revogar a antiga Lei dos Juizados de Pequena Causa (Lei nordm 72441984) demonstrou o respeito ao quanto determinado pelo artigo 98 da Constituiccedilatildeo de 198810 que na

8 A antiga Lei dos Juizados de Pequenas Causas (Lei nordm 7244 de 07 de Setembro de 1984) instituiu oacutergatildeos do Poder Judiciaacuterio aptos agrave recepccedilatildeo de demandas que se tornariam inviaacuteveis para propositura perante os oacutergatildeos da Justiccedila Comum A Lei dos Juizados Especiais (Lei 90991995) superou algumas incongruecircncias do antigo ato normativo promulgado antes da vigecircncia da Constituiccedilatildeo de 1988 com o princiacutepio compatiacuteveis com a atual sistemaacutetica constitucional

9 Ada Pellegrini Grinover e outros (2005 p 39-40) trazem liccedilotildees importantes como que o acesso agrave justiccedila natildeo se identifica com a mera admissatildeo no processo mas se relacionando com agrave defesa adequada em processos criminais a recepccedilatildeo de causas mesmo que ldquopequenasrdquo e a efetividade Tudo isto leva agrave convergecircncia da oferta cons-titucional de direitos e garantias

10 Quanto agrave criaccedilatildeo dos Juizados Especiais a Constituiccedilatildeo de 1988 assim determinou em seu artigo 98 ldquoA Uniatildeo no Distrito Federal e nos Territoacuterios e os Estados criaratildeo I ndash Juizados especiais providos por juiacutezes togados e leigos competentes para a conciliaccedilatildeo o julgamento e a execuccedilatildeo de causas ciacuteveis de menor complexidade e infraccedilotildees penais de menor potencial ofensivo mediante os procedimentos oral e sumariacutessimo permitidos nas hipoacuteteses previstas em lei a transaccedilatildeo e o julgamento de recursos por turmas de juiacutezes de primeiro graurdquo (BRASIL 1988)

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liccedilatildeo de Caovilla (2003 p 89) garantiu um acesso a causas de menor valor econocircmico promovendo uma niacutetida evoluccedilatildeo com o povo brasileiro e preocupaccedilatildeo com sua realidade social especialmente quanto agrave reduccedilatildeo da burocracia o que inclui a isenccedilatildeo de custas e condenaccedilatildeo em honoraacute-rios advocatiacutecios em primeira instacircncia11

Caovilla (2003 p 42) ainda esclarece que o sentido de acesso agrave justiccedila como efetividade de direitos eacute cristalino na Lei dos Juizados Es-peciais especialmente quanto aos Ciacuteveis representando uma proposta realista e ainda atual Afirma que como o processo tem a missatildeo comple-xa inclusive de restabelecer a felicidade12 das pessoas pela recuperaccedilatildeo de seus bens da vida o que natildeo seria possiacutevel caso se submetessem ao regramento riacutegido e burocraacutetico dos procedimentos ciacuteveis da justiccedila natildeo especializada

Havia portanto ateacute a promulgaccedilatildeo da Lei dos Juizados Especiais uma litigiosidade contida pela inadequaccedilatildeo do modelo de caacutelculo das custas judiciais e das despesas com honoraacuterios advocatiacutecios e produccedilatildeo de prova afastando os menos abastados de uma prestaccedilatildeo jurisdicio-nal simples raacutepida econocircmica e segura (FIGUEIRA JUacuteNIOR TOURINHO NETO 2017 p 40) Como tambeacutem explicam Arenhart e Marinoni (2012 p 209) o juizado especial natildeo deve ser pensado como um meio de agi-lizaccedilatildeo de litiacutegios mas de assegurar a certos segmentos da populaccedilatildeo brasileira o direito a demandar em Juiacutezo que em outras circunstacircncias natildeo seria viaacutevel

Em contraponto ao modelo tradicional formal com a Lei dos Juizados Especiais avanccedilou-se frente agrave instrumentalizaccedilatildeo do processo em razatildeo de seus princiacutepios basilares contidos em seu artigo 2ordm oralidade simpli-cidade informalidade economia processual e celeridade com busca dos meios de autocomposiccedilatildeo de conflitos

11 Com algumas exceccedilotildees como o desinteresse processual provocador da extinccedilatildeo do processo sem apreciaccedilatildeo do meacuterito e comportamento compatiacutevel com litigacircncia de maacute-feacute como consagrado nos enunciados 114 e 136 do FONAJE (Foacuterum Nacional de Juizados Especiais) (2020)

12 O direito agrave felicidade foi previsto expressamente na Declaraccedilatildeo de Direitos do Bom Povo da Virgiacutenia em 1776 Aleacutem disto foi mencionado pelos textos constitucionais da Franccedila do Japatildeo e da Coreia do Sul aleacutem de tambeacutem integrar resoluccedilatildeo da Orga-nizaccedilatildeo das Naccedilotildees Unidas de 2011 (HAumlBERLE 2009 p 55-60)

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Humberto Theodoro Juacutenior (2019 p 21) esclarece que a instrumenta-lidade das formas e a efetividade da prestaccedilatildeo jurisdicional tecircm marcado a tocircnica do processo civil contemporacircneo com dedicaccedilatildeo a remeacutedios e medidas que resultem em melhorias do serviccedilo forense e o alcance de resultados

Dentro desta proposta Barbosa Moreira (1984 p 53) jaacute se preocupa-va com a demora na prestaccedilatildeo jurisdicional como uma falha do sistema ju-diciaacuterio tornando o processo natildeo efetivo Luiz Guilherme Marinoni (2003 p 83) jaacute haacute muito explicava que quanto maior for a demora na prestaccedilatildeo jurisdicional maior seraacute o benefiacutecio ao reacuteu com proporcional dano causa-do ao autor

Este foi o sentido da Reforma do Poder Judiciaacuterio provocada pela emenda constitucional nordm 452004 que inseriu a ldquorazoaacutevel duraccedilatildeo do processordquo no rol de direitos e garantias fundamentais Para Silvana Cristina Bonifaacutecio Souza (2005 p 52) trata-se do atendimento agrave efetividade da prestaccedilatildeo jurisdicional

Como observa Cacircndido Rangel Dinamarco (2008 p 45) a lei foi fiel agrave principiologia jaacute sedimentada na disciplina praacutetica do processo tradicio-nal para operacionalizaacute-lo sem antepocirc-lo agrave justiccedila

Por outro lado o Coacutedigo de Defesa do Consumidor promulgado em 11 de setembro de 1990 decorre na relevantiacutessima necessidade de regu-lar os conflitos proacuteprios da sociedade de massa presente sobremaneira no proacuteprio consumo de massa Para equilibrar as relaccedilotildees de consumo torna-se imprescindiacutevel a garantia de uma prestaccedilatildeo jurisdicional justa (CARVALHO 2007)

Quanto aos processos individuais em relaccedilotildees de consumo explica Nelson Nery Juacutenior (2002 p 123) que os mais diretamente aplicaacuteveis satildeo os da vulnerabilidade e da hipossuficiecircncia

Paulo Valeacuterio de Moraes (1999 p 45) esclarece que a vulnerabilidade do consumidor eacute absoluta13 porque como explica Claacuteudia Lima Marques

13 Embora existam os consumidores ainda mais vulnerados os denominados ldquohipervul-neraacuteveisrdquo (MARQUES 2012 p 127) sendo justamente aqueles que natildeo dispotildeem das caracteriacutesticas do ldquohomem meacutediordquo (conceito natildeo adotado pelo Coacutedigo de Defesa do Consumidor) como em razatildeo de idade sauacutede fiacutesica e mental renda escolaridade ou outras circunstacircncias relevantes merecendo proteccedilatildeo acentuada No mesmo senti-do cf Cristiano Heineck Schmitt (2014 p 217)

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(2002 p 151) haver um desequiliacutebrio praacutetico dos fatos presentes na re-laccedilatildeo para com o fornecedor ainda que o consumidor disponha de alta escolaridade renda e higidez fiacutesica e mental Dentre as espeacutecies de vul-nerabilidade encontram-se a teacutecnica (desconhecimento do consumidor pelos produtos e serviccedilos que estaacute adquirindo em decorrecircncia da comple-xidade das relaccedilotildees econocircmicas e juriacutedicas) a juriacutedica (desconhecimento da existecircncia de direitos e de sua extensatildeo) poliacutetico-administrativa (insufi-ciecircncia da presenccedila estatal na sua proteccedilatildeo) aleacutem da psiacutequica econocircmica e ateacute mesmo ambiental Portanto a vulnerabilidade tem maior identidade com o direito material do consumidor ao passo em que a hipossuficiecircncia tem lugar de anaacutelise no campo do direito processual

Assim eacute que a hipossuficiecircncia deriva da facilitaccedilatildeo de acesso ao con-sumidor agrave justiccedila como descrito no artigo 6ordm inciso VIII do Coacutedigo (GRI-NOVER 2001 p 145) Dentre seus traccedilos caracteriacutesticos mais concretos localiza-se a possibilidade de inversatildeo do ocircnus da prova que natildeo eacute auto-maacutetica porque diversamente da vulnerabilidade a presunccedilatildeo de hipossu-ficiecircncia eacute relativa e apreciada pelo juiz no caso concreto

Cavalieri Filho (2019 p 67) aduz que a principal finalidade da inver-satildeo do ocircnus da prova eacute tornar mais acessiacutevel a defesa do consumidor em razatildeo da desigualdade diante do fornecedor Assim admite-se que o con-sumidor traga uma prova de primeira aparecircncia relevando-se conforme apreciaccedilatildeo judicial maior robustez para o fornecedor

Ocorre que haacute uma tendecircncia de acolhimento da inversatildeo do ocircnus da prova na maioria das accedilotildees consumeristas justamente frente ao olhar das dificuldades do consumidor de deduzir em juiacutezo suas pretensotildees Em casos entretanto que exista niacutetida maacute-feacute do consumidor ou que a prova seja verificada como ldquodiaboacutelicardquo para o fornecedor aplica-se o ocircnus tradi-cional de que cabe ao autor demonstrar a existecircncia de seu direito como determina o artigo 373 inciso I do Coacutedigo de Processo Civil de 2015

4 O VALOR PROBATOacuteRIO DOS DOCUMENTOS ELETROcircNICOS A PARTIR DA ENTRADA EM VIGOR DA LEI GERAL DE PRO-TECcedilAtildeO DE DADOS PESSOAIS

Como dissemos anteriormente embora o direito resguarde grande formalismo os juizados especiais buscaram superar este paradigma de modo a garantir um mais amplo acesso agrave justiccedila frente ao propoacutesito de se buscar maior efetividade das demandas processualmente propostas

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Entretanto conjugando-se os princiacutepios da vulnerabilidade e da hipossuficiecircncia do consumidor frente aos fornecedores sobremaneira diante da exigecircncia legal de baixa complexidade das pretensotildees ajuizadas no Sistema de Juizados Especiais percebe-se a necessidade de urgente adequaccedilatildeo dos entendimentos quanto agrave apreciaccedilatildeo probatoacuteria dos docu-mentos eletrocircnicos

O reconhecimento da praacutetica de atos eletrocircnicos natildeo eacute exatamente uma novidade no ordenamento juriacutedico paacutetrio O proacuteprio Coacutedigo de Defe-sa do Consumidor inovador e revolucionaacuterio em sua proposta jaacute no ano de 1990 reconheceu regime juriacutedico especiacutefico para os denominados ldquocon-tratos agrave distacircnciardquo pela previsatildeo do direito de arrependimento presente em seu artigo 49 ateacute o termo final do denominado ldquoprazo de reflexatildeordquo (paraacutegrafo uacutenico do mesmo dispositivo) (MARQUES 2002 p 35)

No campo processual a Lei nordm 114192006 jaacute dispunha sobre a praacute-tica de atos judiciais da forma eletrocircnica embora que hoje vista de forma um tanto quanto tiacutemida diante dos saltos tecnoloacutegicos daquele ano para a contemporaneidade Observa-se ainda uma grande cautela em seu texto especialmente quando prevecirc a possibilidade de falhas nos sistemas por-que dispotildee quanto ao uso de documentos impressos de forma alternativa ou subsidiaacuteria14 (BUENO 2018 p 53)

Cerca de uma deacutecada depois o Coacutedigo de Processo Civil de 2015 pas-sou a dispor expressamente sobre os documentos eletrocircnicos incluindo--os nos dispositivos referentes agrave prova Entretanto ainda haacute elementos de certo conservadorismo e formalismo por evidente cautela ao documento impresso o que se verifica nos artigos 439 e 440 adiante citados

Art 439 A utilizaccedilatildeo de documentos eletrocircnicos no processo conven-cional dependeraacute de sua conversatildeo agrave forma impressa e da verifi-caccedilatildeo de sua autenticidade na forma da lei Art 440 O juiz apre-ciaraacute o valor probante do documento eletrocircnico natildeo convertido assegurado agraves partes o acesso ao seu teor (BRASIL 2015) (os grifos satildeo nossos)

Note-se entretanto que o legislador do CPC201515 reconhece a alta probabilidade de as disposiccedilotildees sobre relaccedilotildees juriacutedicas produzidas de forma eletrocircnica rapidamente ficarem desatualizadas (DIDIER 2017 p

14 Vide artigos 9ordm sect 2ordm 12 sectsect 2ordm e 4ordm dentre outros

15 Coacutedigo de Processo Civil de 2015

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60) pelo que deixa a cargo de outras normas o regime de produccedilatildeo e conservaccedilatildeo dos documentos eletrocircnicos ldquoArt 441 Seratildeo admitidos do-cumentos eletrocircnicos produzidos e conservados com a observacircncia da legislaccedilatildeo especiacutefica (grifos nossos)

A produccedilatildeo de documentos eletrocircnicos ganha especial relevo quan-do do notoacuterio crescimento do e-commerce sendo que em 2019 o Brasil aparecia em 14ordm lugar mundial no ranking de compras online (CONFEDE-RACcedilAtildeO NACIONAL DO COMEacuteRCIO 2019) Haacute de se esperar um incremento nesta proporccedilatildeo natildeo apenas em razatildeo das medidas de isolamento social decorrentes da pandemia do COVID-19 mas pelas provaacuteveis mudanccedilas no comportamento do consumidor a partir da superaccedilatildeo de receios com o comeacutercio eletrocircnico

A aceitaccedilatildeo dos documentos eletrocircnicos como meio de prova en-controu consideraacutevel amparo com a ediccedilatildeo da Lei nordm 12965 de 23 de abril de 2014 conhecida como ldquoMarco Civil da Internetrdquo Dispocircs da obrigatorie-dade de guarda de documentos e dos registros de acesso e utilizaccedilatildeo de aplicaccedilotildees por prazos que variam de seis meses (artigo 15) a um ano (arti-go 13) aleacutem de trazer regime proacuteprio de responsabilizaccedilatildeo civil pelo natildeo fornecimento de tais informaccedilotildees e documentos quando requisitadas Por fim garante agrave parte interessada formar ldquoconjunto probatoacuterio em processo judicialrdquo quanto aos documentos produzidos eletronicamente (artigo 22)

A lei do Marco Civil da Internet dispocircs sobre a guarda e tratamento de dados poreacutem na comparaccedilatildeo com outras normas semelhantes presen-tes em outros ordenamentos ainda precisava regular mais detalhadamen-te essas questotildees (SOUZA LEMOS 2016 p 40) Com isto foi complemen-tada ndash ou ateacute mesmo parcialmente revogada ndash pela Lei Geral de Proteccedilatildeo de Dados vulgo ldquoLGPDrdquo promulgada sob o nordm 13709 em 14 de agosto de 2019

A LGPD natildeo substitui o tratamento regulatoacuterio jaacute conferido agraves rela-ccedilotildees por meio da rede mundial de computadores no Marco Civil todavia quanto ao regime de coleta e tratamento de dados supera o ato normati-vo anterior conferindo-lhe notaacutevel detalhamento

O conceito legal de tratamento de dados eacute disposto no artigo 5ordm inciso X da LGPD a saber

Artigo 5ordm [] X ndash tratamento toda operaccedilatildeo realizada com dados pes-soais como as que se referem a coleta produccedilatildeo recepccedilatildeo classifi-caccedilatildeo utilizaccedilatildeo acesso reproduccedilatildeo transmissatildeo distribuiccedilatildeo pro-

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cessamento arquivamento armazenamento eliminaccedilatildeo avaliaccedilatildeo ou controle da informaccedilatildeo modificaccedilatildeo comunicaccedilatildeo transferecircncia difusatildeo ou extraccedilatildeo (BRASIL 2019)

Na relaccedilatildeo juriacutedica dos envolvidos no tratamento de dados aleacutem da presenccedila estatal estatildeo de um lado o titular e do outro os agentes de tratamento (artigo 5ordm inciso IX) divididos em operador e controlador O objeto da relaccedilatildeo satildeo os dados pessoais assim considerados como a ldquoinformaccedilatildeo relacionada a pessoa natural identificada ou identificaacutevel16rdquo

Em anaacutelise dos dispositivos da LGPD nota-se uma grande semelhan-ccedila com conceitos jaacute consolidados no Coacutedigo de Defesa do Consumidor em alguns casos podendo ser utilizado ateacute mesmo um paralelo Logo haacute grande aproximaccedilatildeo entre o que a LGPD considera titular e como o CDC considera consumidor a mesma loacutegica eacute aplicaacutevel aos agentes de trata-mento (operador controlador e encarregado)

O tratamento de dados ocorre a todo o momento sendo rotineira em relaccedilotildees de consumo Diante disto a LGPD segue a esteira do CDC consa-grando tambeacutem o princiacutepio da informaccedilatildeo ao titular quanto agrave finalidade forma e duraccedilatildeo do tratamento forma de contato com o controlador e direitos do titular frente agrave responsabilizaccedilatildeo dos agentes do tratamento

Sobre a responsabilidade civil dos agentes de tratamento esta eacute ex-pressamente objetiva incluindo natildeo apenas a reparaccedilatildeo de danos como de prestaccedilotildees positivas ou negativas referentes aos dados (exclusatildeo in-formaccedilatildeo etc) Uma tocircnica da LGPD eacute o rol de dispositivos englobando o tema do consentimento fornecido pelo titular com possibilidade de inversatildeo do ocircnus da prova contra os agentes de tratamento em processo judicial Assim como no Coacutedigo de Defesa do Consumidor e no Coacutedigo de Processo Civil de 2015 o ocircnus da prova natildeo eacute automaacutetico devendo ser decidido pelo juiz no caso concreto

Tantas semelhanccedilas entre a LGPD e o CDC produzem grande expec-tativa naquele que analisa os seus 65 (sessenta e cinco) artigos por uma declaraccedilatildeo mais expressa do legislador de que se inspirou nas normas

16 A LGPD estabelece dois regimes de proteccedilatildeo aos dados Dados pessoais satildeo apenas os considerados capazes de identificar seu titular por outro lado os dados ldquoanoni-mizadosrdquo satildeo os que natildeo podem ser relacionados a um certo titular de acordo com a tecnologia disponiacutevel Haacute grande diferenccedila quanto ao regime de consentimento e proteccedilatildeo entre um e outro tipo

Primeiras linhas quanto ao impacto da Lei Geral de Proteccedilatildeo de Dados na forccedila probante dos documentos eletrocircnicos em processos submetidos aos Juizados Especiais de relaccedilotildees de consumo

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consumeristas para construccedilatildeo do regime legal de proteccedilatildeo de dados pes-soais Eis que apenas no artigo 45 a LGPD confirma o que jaacute se suspeitava Dispotildee textualmente que ldquoart 45 As hipoacuteteses de violaccedilatildeo do direito do ti-tular no acircmbito das relaccedilotildees de consumo permanecem sujeitas agraves regras de responsabilidade previstas na legislaccedilatildeo pertinenterdquo17 (Grifos nossos)

Restando demonstrado que a LGPD tem condatildeo notadamente pro-tetivo aos titulares dos dados inclusive pela possibilidade de inversatildeo do ocircnus da prova pelos agentes de tratamento no cumprimento de seus deveres resta saber como fica o seu direito de defesa diante de accedilotildees ju-diciais dos quais podem ser reacuteus

Eis que a LGPD acaba por possibilitar expressamente o uso dos dados pessoais do titular contra o mesmo nos limites dos dispositivos a seguir

Art 7ordm O tratamento de dados pessoais somente poderaacute ser realizado nas seguintes hipoacuteteses [] IX ndash quando necessaacuterio para atender aos interesses legiacutetimos do controlador ou de terceiro exceto no caso de prevalecerem direitos e liberdades fundamentais do titular que exijam a proteccedilatildeo dos dados pessoais [] Art 22 A defesa dos interesses e dos direitos dos titulares de dados poderaacute ser exer-cida em juiacutezo individual ou coletivamente na forma do disposto na legislaccedilatildeo pertinente acerca dos instrumentos de tutela individual e coletiva [] Art 37 O controlador e o operador devem manter regis-tro das operaccedilotildees de tratamento de dados pessoais que realizarem especialmente quando baseado no legiacutetimo interesse [] Art 43 Os agentes de tratamento soacute natildeo seratildeo responsabilizados quan-do provarem I ndash que natildeo realizaram o tratamento de dados pessoais que lhes eacute atribuiacutedo II ndash que embora tenham realizado o tratamento de dados pessoais que lhes eacute atribuiacutedo natildeo houve violaccedilatildeo agrave legis-laccedilatildeo de proteccedilatildeo de dados ou III ndash que o dano eacute decorrente de culpa exclusiva do titular dos dados ou de terceiro (BRASIL 2019) (os grifos satildeo nossos)

Em suma embora a LGPD de modo geral proiacuteba que os dados sob posse dos agentes de tratamento possam ser utilizados contra os titulares a contrario sensu autoriza o seu uso para defesa dos interesses legiacutetimos dos controladores encarregados e operadores

17 Embora em um raacutepido raciociacutenio haja dificuldade de se imaginar a aplicaccedilatildeo da LGPD fora das relaccedilotildees de consumo natildeo se pode ignorar que o agente de tratamen-to possa ser outra pessoa fiacutesica ou juriacutedica em relaccedilotildees de natureza diversa (traba-lhista de famiacutelia ou ciacuteveis em sentido amplo) como pelo proacuteprio Estado pelo que a LGPD determina neste caso a aplicaccedilatildeo da Lei de Acesso agrave Informaccedilatildeo

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Neste contexto mostra-se desafiadora a permanecircncia do entendi-mento judicial predominante18 quanto agrave inadmissibilidade absoluta de que telas sistecircmicas como defesa dos fornecedores embora jaacute existam posicionamentos contraacuterios em construccedilatildeo19

Isto natildeo significa que o sistema protetivo do CDC tenha iniciado uma corrosatildeo a partir da promulgaccedilatildeo da LGPD ateacute mesmo porque esta con-sidera abusivo o uso de informaccedilotildees em poder do controlador contra o proacuteprio titular20 como pode ocorrer com grandes fornecedores de servi-ccedilos como energia eleacutetrica planos de sauacutede bancos e telecomunicaccedilotildees

Retornando ao debate quanto aos limites do procedimento sumariacutes-simo presente nos Juizados Especiais eacute cediccedilo que a prova pericial tradi-cional natildeo eacute admitida apenas sendo possiacutevel a colaboraccedilatildeo de pareceres teacutecnicos de profissionais de confianccedila21 ou a proacutepria inspeccedilatildeo judicial22

Eacute preciso considerar que o magistrado pode decidir em sede de Jui-zados Especiais com base nas regras de experiecircncia23 perfeitamente com-patiacutevel com o uso da razoabilidade como jaacute previsto no Coacutedigo de Proces-so Civil de 201524

Acrescente-se que a proacutepria Lei 909995 permitiu o uso de soluccedilotildees ldquojustas e equacircnimesrdquo25 sendo portanto a aplicaccedilatildeo da equidade natildeo ape-nas possiacutevel o acircmbito dos Juizados mas igualmente no proacuteprio Coacutedigo de Defesa do Consumidor26

18 Agrave guisa de exemplo como no RI 10000304220178110098 MT Relator ANTONIO VE-LOSO PELEJA JUNIOR Data de Julgamento 29092020 Turma Recursal Uacutenica Data de Publicaccedilatildeo 01102020

19 Vide TJ-SP 10158492320178260576 SP 1015849-2320178260576 Relator Edgard Rosa Data de Julgamento 15032018 25ordf Cacircmara de Direito Privado Data de Publi-caccedilatildeo 16032018

20 Art 21 Os dados pessoais referentes ao exerciacutecio regular de direitos pelo titular natildeo podem ser utilizados em seu prejuiacutezo

21 Artigo 35 da Lei 909995 e enunciado nordm 12 do FONAJE

22 Paraacutegrafo uacutenico idem

23 Artigo 5ordm idem

24 Artigo 8ordm Coacutedigo de Processo Civil de 2015

25 Artigo 6ordm Lei 909995

26 Artigo 7ordm CDC

Primeiras linhas quanto ao impacto da Lei Geral de Proteccedilatildeo de Dados na forccedila probante dos documentos eletrocircnicos em processos submetidos aos Juizados Especiais de relaccedilotildees de consumo

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Por fim nenhuma prova nos Juizados eacute absoluta e previamente con-siderada complexa o suficiente para conduzir o processo agrave sua extinccedilatildeo sem apreciaccedilatildeo do meacuterito27 e que o Coacutedigo de Processo Civil em seus artigos 411 inciso III e 412 consideram vaacutelido o documento cuja autentici-dade natildeo foi impugnada

Entretanto os novos paradigmas quanto agrave validade dos documentos eletrocircnicos sobretudo a partir da promulgaccedilatildeo da Lei Geral de Proteccedilatildeo de Dados desafiam o magistrado as partes seus procuradores e demais sujeitos processuais a uma avaliaccedilatildeo mais razoaacutevel diante de sua produccedilatildeo

Por um lado sua aceitaccedilatildeo inequiacutevoca pode ter como consequecircncias graves o cerceamento de direitos da parte contraacuteria por outro a extrema desconfianccedila quando agrave sua autenticidade entre em confronto com a cons-truccedilatildeo do acesso agrave justiccedila do legado de Cappelletti e tatildeo bem recepcio-nado pelo artigo 98 da Constituiccedilatildeo de 1988 pelo Coacutedigo de Defesa do Consumidor e pela Lei dos Juizados Especiais

5 CONSIDERACcedilOtildeES FINAISO presente teve como objetivo analisar a indicativa mudanccedila de pa-

radigmas no acircmbito da valoraccedilatildeo probatoacuteria dos documentos eletrocircnicos em lides consumeristas processadas e julgadas no acircmbito dos Juizados Especiais frente agrave promulgaccedilatildeo da Lei Geral de Proteccedilatildeo de Dados

Fez-se necessaacuterio resgatar a concepccedilatildeo originaacuteria do acesso agrave justiccedila de acordo com os estudos de Cappelletti e Garth fundamentadores da es-truturaccedilatildeo fundamental dos Juizados Especiais regulado na Constituiccedilatildeo de 1988 e na Lei 909995 e um dos indicadores da percepccedilatildeo de se viver em um Estado Democraacutetico de Direito

Conjugando-se com as normas protetivas do consumidor presentes no seu Coacutedigo de Defesa proacuteprio verificou-se que dada a realidade de que grande parte das relaccedilotildees de consumo ocorrem pela via eletrocircnica a va-loraccedilatildeo da prova por meio digital com excesso de formalismo natildeo apenas eacute contraacuteria agrave concepccedilatildeo de acesso agrave justiccedila da Lei 909995 como pode levar a decisotildees potencialmente ultrapassadas e injustas diante da inequiacute-voca e crescente presenccedila dos negoacutecios juriacutedicos produzidos por meio da rede mundial de computadores

27 FONAJE enunciado 54 ndash A menor complexidade da causa para a fixaccedilatildeo da compe-tecircncia eacute aferida pelo objeto da prova e natildeo em face do direito material

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Constatou-se que os vetores de evoluccedilatildeo do ordenamento brasileiro apontam para uma aceitaccedilatildeo maior da prova eletrocircnica inclusive em re-laccedilotildees consumeristas e para proteccedilatildeo das partes envolvidas inclusive da mais fraacutegil que eacute o consumidor

Ao fim foi possiacutevel concluir que as ferramentas interpretativas para a adequada valoraccedilatildeo dos documentos eletrocircnicos em processos judiciais de mateacuteria consumerista jaacute estatildeo disponiacuteveis nas normas contidas na Lei 909995 no Coacutedigo de Defesa do Consumidor e na Lei Geral de Proteccedilatildeo de Dados

Em relativa quebra de protocolo acadecircmico28 consideramos impor-tante resgatar o conceito de equidade como concebido por Aristoacuteteles em sua ceacutelebre obra Eacutetica a Nicocircmacos

A justiccedila eacute a observacircncia do meio termo mas natildeo de maneira idecircntica agrave observacircncia de outras formas de excelecircncia moral e sim porque ela se relaciona com o meio termo enquanto a injusticcedila se relaciona com os extremos [] No ato injusto ter muito pouco eacute ser tratado injusta-mente e ter demais eacute agir injustamente (ARISTOacuteTELES 1999 p 101)

Nota-se portanto que a alegoria simboacutelica da balanccedila como sinocircni-mo de justiccedila se mostra cada vez mais contemporacircnea e adequada Com o equiliacutebrio aplica-se agrave equidade com a aplicaccedilatildeo da equidade garante-se o acesso agrave justiccedila E com o acesso agrave justiccedila a efetividade dos direitos garan-te aos cidadatildeos o sentimento de se conviver em um Estado Democraacutetico de Direito

6 REFEREcircNCIASARISTOacuteTELES Eacutetica a Nicocircmacos Brasiacutelia Editora UNB 1999

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28 Que recomenda que natildeo sejam feitas citaccedilotildees diretas na conclusatildeo de trabalhos cientiacuteficos

Primeiras linhas quanto ao impacto da Lei Geral de Proteccedilatildeo de Dados na forccedila probante dos documentos eletrocircnicos em processos submetidos aos Juizados Especiais de relaccedilotildees de consumo

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CAOVILLA Maria Aparecida Lucca Acesso agrave Justiccedila e Cidadania Chapecoacute Argos 2003

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CONFEDERACcedilAtildeO NACIONAL DO COMEacuteRCIO Para CNC comeacutercio eletrocircnico eacute aliado do varejo tradicional 2019 disponiacutevel em httpwwwcncorgbreditoriasacoes-ins-titucionaisnoticiaspara-cnc-comercio-eletronico-e-aliado-do-varejo-tradicional acesso em 10 nov 2020

DIDIER JR Fredie Curso de Direito Processual Civil introduccedilatildeo ao direito processual civil parte geral e processo de conhecimento vol 1 19 ed Salvador Ed Jus Po-divm 2017

DINAMARCO Cacircndido Rangel A Instrumentalidade do Processo Satildeo Paulo Malheiros Editores 2008

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HAumlBERLE Peter A dignidade humana como fundamento da comunidade estatal In Di-mensotildees da Dignidade ensaios de Filosofia do Direito e Direito Constitucional SARLET Ingo Wolfgang (Org) Porto Alegre Livraria do Advogado 2009

HOBSBAWN Eric J Era dos Extremos o breve seacuteculo XX 1914-1991 Satildeo Paulo Compa-nhia das Letras 2014

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MARCELLINO JUNIOR Juacutelio Cesar Anaacutelise econocircmica do acesso agrave justiccedila a trageacutedia dos custos e a questatildeo do acesso inautecircntico Rio de Janeiro Lumen Juris 2016

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MARQUES Claacuteudia Lima MIRAGEM Bruno O novo direito privado e a proteccedilatildeo dos vul-neraacuteveis Satildeo Paulo RT 2012

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MORAES Paulo Valeacuterio Dal Pai Coacutedigo de defesa do consumidor o princiacutepio da vulne-rabilidade no contrato na publicidade nas demais praacuteticas comerciais Porto Alegre Siacutentese 1999

MORAIS Joseacute Luiz Bolzan STRECK Lenio Luiz Ciecircncia Poliacutetica e Teoria do Estado Porto Alegre Livraria do Advogado 2010

NERY JUacuteNIOR Nelson Coacutedigo Brasileiro de Defesa do Consumidor Satildeo Paulo Forense 2012

PARIZOTTO Gabriel Antocircnio Acesso agrave justiccedila por meio da atermaccedilatildeo nos juizados es-peciais ciacuteveis estudo de caso no Poder Judiciaacuterio de Santa Catarina no ano de 2018 Dissertaccedilatildeo de Mestrado Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo Profissional em Direito Universidade Federal de Santa Catarina Florianoacutepolis 2018

SCHMITT Cristiano Heineck Consumidores Hipervulneraacuteveis A proteccedilatildeo do idoso no mercado de consumo Satildeo Paulo Atlas 2014

SOUZA Carlos Affonso LEMOS Ronaldo Marco civil da internet construccedilatildeo e aplicaccedilatildeo Juiz de Fora Editar Editora Associada Ltda 2016

THEODORO JUacuteNIOR Humberto Curso de Direito Processual Civil Rio de Janeiro Foren-se 2019

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O sistema multiportas como propulsor do acesso agrave Justiccedila no acircmbito do

juizado de Fazenda Puacuteblica

1 Poacutes-Doutoranda em Direito Puacuteblico pela Universidade Federal da Bahia Doutora em Direito pela Universidade Federal da Bahia Mestra em Novos Direitos pela Universi-dade Federal da Bahia Mestra em Famiacutelia na Sociedade Contemporacircnea pela Uni-versidade Catoacutelica do Salvador Poacutes-graduada em Civil e Processo Civil da Faculdade Baiana de Direito Poacutes-graduada em Relaccedilotildees Familiares e Contextos Sociais pela UCSAL Poacutes-graduada em Direito Canocircnico pala UCSal Poacutes-graduada em Atividade Judicante pela EMABUFBA Juiacuteza Formadora Tutora e Contuedista na Escola Nacio-nal de Formaccedilatildeo e Aperfeiccediloamento de Magistrados (ENFAM) Tutora e Contuedista da Escola Nacional de Magistrados (ENM) Formadora na Unicorp Tutora do Centro de Apoio agrave Magistratura Brasileira COVID 19 da ENFAM na temaacutetica Litigiosidade recorrente e sistema multiportas Atualmente exerce funccedilatildeo judicante na 6ordf Turma Recursal da Fazenda Puacuteblica em Salvador

2 Especialista em Direito Constitucional e Administrativo pela Escola Paulista de Di-reito Especialista em Ciecircncias Criminais pela Universidade Cacircndido Mendes Poacutes--graduanda em Direito Processual Civil pela Universidade Cacircndido Mendes Poacutes-gra-duanda em Direito Civil pela Escola Paulista de Direito Graduada em Direito pela Universidade Federal da Bahia

Ana Conceiccedilatildeo Barbuda Sanches Guimaratildees Ferreira1

Ana Baacuterbara Barbuda Ferreira Motta2

Resumo O conflito eacute inerente agrave vida em sociedade As interaccedilotildees sociais e a divergecircncia dos interesses de cada indiviacuteduo fazem com que o conflito seja algo inafastaacutevel em qualquer comunidade Para tanto desenvolvem-se tambeacutem meacutetodos para a resoluccedilatildeo dessas lides A Jurisdiccedilatildeo Estatal ocupou papel central ao longo de muitos anos de modo que o excesso de litigiosidade somados agrave precarieda-de estrutural acabou fazendo da Justiccedila um espaccedilo moroso e muitas vezes inefetivo para a realizaccedilatildeo do princiacutepio constitucional do acesso agrave justiccedila Diante desse cenaacuterio nos uacuteltimos anos ganha destaque a busca por outros meacutetodos de resoluccedilatildeo de conflito retirando a exclu-sividade da Jurisdiccedilatildeo Estatal e abrindo caminho para outras formas de pacificaccedilatildeo social o que se passou a chamar de sistema multipor-tas Essa tendecircncia eacute seguida pelo Conselho Nacional de Justiccedila ao editar a resoluccedilatildeo 1252010 bem como pelo Coacutedigo de Processo Civil

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de 2015 A aplicaccedilatildeo do sistema multiportas no acircmbito dos Juizados de Fazenda Puacuteblica passa a ser um desafio que busca conciliar essa tendecircncia inafastaacutevel com as prerrogativas e limitaccedilotildees proacuteprias da Fazenda Puacuteblica

Palavras-chave Sistema multiportas meacutetodos adequados de solu-ccedilatildeo de conflitos autocomposiccedilatildeo arbitragem Fazenda Puacuteblica

1 INTRODUCcedilAtildeO

A vida em sociedade eacute uma necessidade humana de modo que o homem ao longo da histoacuteria percebeu a importacircncia de viver com seus semelhantes para garantir sua sobrevivecircncia a perpetuaccedilatildeo de sua espeacute-cie bem como sua plena satisfaccedilatildeo Ocorre que da mesma forma que a vida em sociedade eacute algo inafastaacutevel e natural assim tambeacutem eacute o conflito entre os indiviacuteduos que formam esta sociedade Os indiviacuteduos natildeo tecircm as-piraccedilotildees e interesses idecircnticos em todos os momentos e essas diferenccedilas acabam produzindo conflitos

Os conflitos portanto estatildeo presentes em todo e qualquer ambiente de modo que sempre que houver convivecircncia e interaccedilatildeo entre um grupo de pessoas invariavelmente surgiratildeo divergecircncias de objetivos ideias e interesse As causas dos conflitos satildeo pluacuterimas e justamente por essa ra-zatildeo cada vez mais cresce a necessidade de identificar as referidas causas a fim de verificar qual o meacutetodo mais apropriado para sua soluccedilatildeo ou seja aquele que proporcionaraacute o resultado mais satisfativo agraves partes e agrave pacifi-caccedilatildeo de forma mais duradoura

Numa visatildeo tradicional o conflito eacute visto como algo negativo ou seja algo ruim que provoca violecircncia irracionalidade destruiccedilatildeo Por outro lado quando considerado pela visatildeo das relaccedilotildees humanas o conflito pas-sa a ser algo natural Por fim a visatildeo interacionista exalta o conflito como um proporcionador de mudanccedilas inovaccedilotildees e melhorias

Portanto percebe-se que devemos buscar lidar com o conflito de forma natildeo violenta ou seja deixar de vecirc-lo apenas como algo negativo passando a enxergaacute-lo como algo natural no modo de existir de qualquer sociedade Sendo assim muitas consequecircncias positivas podem derivar de um conflito como o pensamento criacutetico criativo a melhoria na tomada de decisotildees o reforccedilo a consciecircncia sobre as possibilidades de escolha e o incentivo a diferentes formas de resoluccedilatildeo melhorando as relaccedilotildees e avaliando as diferenccedilas

Ana Conceiccedilatildeo Barbuda Sanches Guimaratildees Ferreira bull Ana Baacuterbara Barbuda Ferreira Motta

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A visatildeo tradicional do conflito considerando apenas seu aspecto negativo acabou gerando uma intensa litigiosidade tendo como ator principal a Jurisdiccedilatildeo Estatal Houve assim um longo periacuteodo de mono-poacutelio estatal na soluccedilatildeo das lides de modo que as partes do conflito se tornavam meros coadjuvantes da sua soluccedilatildeo

Ocorre que esse excesso de litigiosidade somados a precariedade estrutural acabou fazendo da Justiccedila um espaccedilo moroso e muitas vezes inefetivo para a realizaccedilatildeo do princiacutepio constitucional do acesso agrave justiccedila ocasionando uma verdadeira crise no Poder Judiciaacuterio Natildeo satildeo raros os relatos de processos que perduram deacutecadas sem soluccedilatildeo ou de accedilotildees re-solvidas que logo em seguida acabam gerando novos conflitos Toda essa situaccedilatildeo gera inevitavelmente um afastamento ao princiacutepio constitucional do acesso agrave justiccedila De um lado sobrecarrega-se o Judiciaacuterio com ques-totildees que seriam mais bem resolvidas por outras vias de outro lado o ju-risdicionado acaba sofrendo com uma prestaccedilatildeo muitas vezes deficiente

Sem duacutevidas o surgimento dos juizados especiais com as Leis 909995 e posteriormente com a Lei 102592001 e 121532006 contri-buiacuteram de forma intensa agrave celeridade e economia processual

Diante desse cenaacuterio nos uacuteltimos anos ganha destaque a busca por outros meacutetodos de resoluccedilatildeo de conflito retirando a exclusividade da Jurisdiccedilatildeo Estatal e abrindo caminho para outras formas de pacificaccedilatildeo so-cial o que se passou a chamar de sistema multiportas Essa tendecircncia eacute se-guida pelo Conselho Nacional de Justiccedila ao editar a resoluccedilatildeo 1252010 bem como pelo Coacutedigo de Processo Civil de 2015

Desafio ainda maior eacute a implementaccedilatildeo desse sistema multiportas no acircmbito da Fazenda Puacuteblica em especial dos Juizados de Fazenda Puacuteblica uma vez que diversos aspectos devem ser adaptados a fim de garantir que as prerrogativas princiacutepios e limitaccedilotildees proacuteprias da Fazenda Puacuteblica sejam preservados

2 O SISTEMA MULTIPORTAS NO ORDENAMENTO JURIacuteDICO BRASILEIRO

O sistema de justiccedila multiportas em que o Judiciaacuterio natildeo eacute o uacutenico meio possiacutevel para a soluccedilatildeo de controveacutersias tem ocupado cada dia mais posiccedilatildeo de destaque em nosso ordenamento juriacutedico sobretudo com o Coacutedigo de Processo Civil de 2015 Para tanto eacute fundamental compreender o seu surgimento e quais os meios de soluccedilatildeo que o integram Isso por-

O sistema multiportas como propulsor do acesso agrave Justiccedila no acircmbito do juizado de Fazenda Puacuteblica

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que para cada situaccedilatildeo haveraacute um meio adequado meio este que eacute inte-grado com outros meios que tambeacutem podem se revelar como adequado para o caso (CUNHA 2020)

21 ORIGEM E NOCcedilOtildeES GERAIS ACERCA DO ldquoSISTEMA MULTI-PORTASrdquo

Em 1976 Frank Sander professor de Havard introduziu no mundo juriacutedico uma ideia denominada ldquocentro abrangente de justiccedilardquo que mais tarde ficaria conhecida como ldquoTribunal Multiportasrdquo Sendo assim o ldquoTribu-nal Multiportasrdquo eacute uma instituiccedilatildeo que direcionaria as questotildees que lhes satildeo apresentadas ao meacutetodo mais adequado de resoluccedilatildeo Desse modo a ideia eacute examinar as diferentes formas de resoluccedilatildeo de conflito e entender no caso concreto qual eacute a mais adequada Deixa-se de lado o monopoacutelio da Jurisdiccedilatildeo Estatal e abrem-se novas portas para a soluccedilatildeo de conflitos

No nosso ordenamento destacam-se aleacutem do processo tradicional a arbitragem a mediaccedilatildeo e a conciliaccedilatildeo O tema ganha destaca nos uacuteltimos anos sobretudo pelo abarrotamento do Judiciaacuterio em meio a uma cres-cente conflitualidade o que acaba comprometendo a proacutepria prestaccedilatildeo jurisdicional Percebe-se portanto que o Tribunal Multiportas prestigia o princiacutepio da adaptabilidade e segundo Cacircndido Rangel Dinamarco (2001) potencializa a celeridade e eficiecircncia do curso processual

A doutrina tem afirmado portanto que nos uacuteltimos anos o ordena-mento juriacutedico paacutetrio adotou o sistema multiportas de soluccedilatildeo de litiacutegios vejamos

ldquoCostumam-se chamar de lsquomeios alternativos de resoluccedilatildeo de con-flitosrsquo a mediaccedilatildeo a conciliaccedilatildeo e a arbitragem (Alternative Dispute Resolution ndash ADR) Estudos mais recentes demonstram que tais meios natildeo seriam lsquoalternativosrsquo mas sim integrados formando um modelo de sistema de justiccedila multiportas Para cada tipo de controveacutersia se-ria adequada uma forma de soluccedilatildeo de modo que haacute casos em que a melhor soluccedilatildeo haacute de ser obtida pela mediaccedilatildeo enquanto outros pela conciliaccedilatildeo outros pela arbitragem e finalmente os que se re-solveriam pela decisatildeo do juiz estatal Haacute casos entatildeo em que o meio alternativo eacute que seria o da justiccedila estatal A expressatildeo multiportas decorre de uma metaacutefora seria como se houvesse no aacutetrio do foacuterum vaacuterias portas a depender do problema apresentado as partes seriam encaminhadas para a porta da mediaccedilatildeo ou da conciliaccedilatildeo ou da arbitragem ou da proacutepria justiccedila estatal (CUNHA Leonardo Carneiro da A Fazenda Puacuteblica em Juiacutezo 20ordf ed Rio de Janeiro Forense p 637)

Ana Conceiccedilatildeo Barbuda Sanches Guimaratildees Ferreira bull Ana Baacuterbara Barbuda Ferreira Motta

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Fredie Didier (2015) entende que a Resoluccedilatildeo nordm 1252012 do Con-selho Nacional de Justiccedila jaacute estabelecera a poliacutetica puacuteblica do tratamento adequado de conflitos estimulando a autocomposiccedilatildeo O Conselho Na-cional de Justiccedila vem exercendo um relevante papel como gestor desta poliacutetica puacuteblica no acircmbito do Poder judiciaacuterio (DIDIER 2015) Esta Resolu-ccedilatildeo eacute extremamente didaacutetica e inovadora definindo o proacuteprio CNJ como organizador da poliacutetica puacuteblica de tratamento adequado de conflitos impondo a criaccedilatildeo pelos tribunais de centros de soluccedilotildees de conflitos regulamentando a atuaccedilatildeo dos mediadores e conciliadores (criando um Coacutedigo de Eacutetica) determinando a criaccedilatildeo publicidade de banco de esta-tiacutesticas de seus centros de soluccedilatildeo de conflito e cidadania definindo um curriacuteculo miacutenimo para a capacitaccedilatildeo de mediadores e conciliadores

O direito brasileiro a partir da Resoluccedilatildeo nordm 1252010 do Conselho Nacional de Justiccedila e com o Coacutedigo de Processo Civil de 2015 ca-minha para a construccedilatildeo de um processo civil e sistema de justiccedila multiportas com cada caso sendo indicado para o meacutetodo ou teacutec-nica mais adequada para a soluccedilatildeo do conflito O Judiciaacuterio deixa de ser um lugar de julgamento apenas para ser um local de resoluccedilatildeo de disputas Trata-se de uma importante mudanccedila paradigmaacutetica Natildeo basta que o caso seja julgado eacute preciso que seja conferida uma soluccedilatildeo adequada que faccedila com que as partes saiam satisfeitas com o resultadordquo (CUNHA Leonardo Carneiro da A Fazenda Puacuteblica em Juiacutezo 20ordf ed Rio de Janeiro Forense p 637)

O Ministro do Supremo Tribunal Federal Marco Aureacutelio Peixoto e Re-nata Peixoto citando a liccedilatildeo de Rafael Alves de Almeida Tacircnia Almeida e Mariana Hernandez Crespo apontam as vantagens do sistema multiportas destacando o protagonismo do indiviacuteduo na soluccedilatildeo de seus problemas com maior comprometimento e responsabilizaccedilatildeo o estimulo a autocom-posiccedilatildeo maior eficiecircncia do Poder Judiciaacuteria que ficaria com casos mais complexos aleacutem da transparecircncia e conhecimento preacutevio pelas partes sobre as possiacuteveis soluccedilotildees (PEIXOTO 2018) Satildeo portanto inuacutemeras van-tagens que levam a adoccedilatildeo desse novo sistema de resoluccedilatildeo de conflitos

Por fim eacute importante destacar que a adoccedilatildeo do sistema multiportas relaciona-se com o proacuteprio acesso agrave justiccedila A Constituiccedilatildeo Federal esta-belece o acesso agrave justiccedila e o princiacutepio da inafastabilidade da jurisdiccedilatildeo em seu art 5ordm Sendo assim esse importante princiacutepio fundamental en-frenta barreiras que devem ser enfrentadas Mauro Cappelletti e Bryant Garth estabeleceram ldquotrecircs ondas renovatoacuteriasrdquo de acesso agrave justiccedila ou seja possiacuteveis soluccedilotildees surgidas nos paiacuteses do mundo Ocidental atraveacutes de

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movimento chamado ldquoProjeto Florenccedila de Acesso agrave Justiccedilardquo para ultrapas-sar essas barreiras que impedem um acesso efetivo agrave justiccedila A primeira ldquoondardquo renovatoacuteria apontada pelos autores seria a assistecircncia judiciaacuteria com a implementaccedilatildeo da gratuidade e da proacutepria Defensoria Puacuteblica por exemplo Jaacute a segunda onda relaciona-se com a tutela de interesses coletivos lato sensu com um microssistema de tutela coletiva com regras proacuteprias (CAPPELLETTI 1994) Proporcionar o acesso a outros meacutetodos para resoluccedilatildeo de conflitos eacute portanto proporcionar o proacuteprio acesso a justiccedila concretizando o comando constitucional

Existem basicamente duas maneiras de soluccedilatildeo do conflito quais sejam a autocomposiccedilatildeo e a heterocomposiccedilatildeo A nomenclatura facilita o entendimento na autocomposiccedilatildeo as proacuteprias partes envolvidas no conflito encontram a sua soluccedilatildeo ou seja o conflito eacute autogerido pelos sujeitos da relaccedilatildeo enquanto na heterocomposiccedilatildeo haacute uma intervenccedilatildeo de um terceiro alheio a relaccedilatildeo conflituosa que iraacute ditar uma soluccedilatildeo

A autocomposiccedilatildeo eacute marcada pela prevalecircncia da vontade das partes que em conjunto chegam a um desfecho Sem duacutevidas os sujeitos envol-vidos na relaccedilatildeo satildeo os que melhor conhecem as circunstacircncias em torno do problema Ademais a satisfaccedilatildeo das partes eacute uma das finalidades na resoluccedilatildeo o que faz com que a autocomposiccedilatildeo tenha grandes vantagens Tudo isso somado a celeridade relevam a importacircncia e a necessidade de estiacutemulo agrave autocomposiccedilatildeo

Compreende-se que a soluccedilatildeo negocial natildeo eacute apenas um meio eficaz e econocircmico de resoluccedilatildeo dos litiacutegios trata-se de importante instrumento de desenvolvimento da cidadania em que os interessados passam a ser protagonistas da construccedilatildeo da decisatildeo juriacutedica que regula suas relaccedilotildees Neste sentido o estiacutemulo a autocomposiccedilatildeo pode ser entendido como um reforccedilo a participaccedilatildeo popular no exerciacutecio do poder ndash no caso o po-der de soluccedilatildeo dos litiacutegios Tem tambeacutem por isso forte caraacuteter democraacuteti-co (DIDIER 2015 p 274)

A autocomposiccedilatildeo eacute gecircnero de modo que poderaacute ocorrer de trecircs formas transaccedilatildeo renuacutencia ou reconhecimento Na transaccedilatildeo as partes fazem concessotildees muacutetuas Trata-se do exerciacutecio de vontade bilateral das partes visto que quando um natildeo quer dois natildeo fazem a transaccedilatildeo (NEVES 2016) Na renuacutencia o titular do direito abdica dos seus interesses enquan-to no reconhecimento a parte contraacuteria assente agrave pretensatildeo que lhe eacute oposta Essas formas de autocomposiccedilatildeo satildeo tratadas expressamente no Coacutedigo de Processo Civil em especial no art 487 III

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Por fim eacute salutar que se observe que o Coacutedigo de Processo Civil atento a esse movimento em diversas ocasiotildees dispotildee o dever do ma-gistrado em estimular a autocomposiccedilatildeo Nas normas fundamentais o Coacutedigo de Processo Civil jaacute deixa claro esse compromisso com o incentivo agrave soluccedilatildeo consensual dos conflitos vejamos

sect 3ordm A conciliaccedilatildeo a mediaccedilatildeo e o outros meacutetodos de soluccedilatildeo con-sensual de conflitos deveratildeo ser estimulados por juiacutezes advogados defensores puacuteblicos e membros do Ministeacuterio Puacuteblico inclusive no curso do processo judicialrdquo

Eacute possiacutevel falar portanto em um princiacutepio do estiacutemulo da soluccedilatildeo por autocomposiccedilatildeo Ainda o CPC a partir do art 165 possui um capiacutetulo inteiramente dedicado aos meacutetodos autocompositivos A tentativa de au-tocomposiccedilatildeo eacute agora uma fase do processo sendo um dos requisitos da peticcedilatildeo inicial e da contestaccedilatildeo de modo que a audiecircncia de conciliaccedilatildeo apenas natildeo ocorreraacute quando ambas as partes se manifestarem expressa-mente pelo desinteresse No iniacutecio da audiecircncia de instruccedilatildeo o magistra-do deve novamente abrir agrave possibilidade de autocomposiccedilatildeo e por fim em qualquer fase do processo eacute possiacutevel a homologaccedilatildeo de acordo extra-judicial (art 515 111 art 725 VIII CPC) acordo este que pode envolver inclusive questotildees alheias ao processo (art 515 sect 2ordm CPC)

A autocomposiccedilatildeo poderaacute ocorrer com ou sem o auxiacutelio de terceiros Esses terceiros natildeo ditam a soluccedilatildeo como ocorre na heterocomposiccedilatildeo mas apenas estimulam as partes para que encontrem esse desfecho Satildeo eles os mediadores e conciliadores que seratildeo estudados nas proacuteximas paacuteginas

22 MEacuteTODOS DE SOLUCcedilAtildeO DE CONFLITOS EM ESPEacuteCIE

O primeiro meacutetodo de soluccedilatildeo dos conflitos eacute a proacutepria jurisdiccedilatildeo estatal A jurisdiccedilatildeo eacute uma atuaccedilatildeo do Estado atraveacutes do processo que aplica o direito ao caso concreto resolvendo conflitos com definitividade e modo impositivo Por outro lado existem ainda os equivalentes jurisdi-cionais que satildeo meacutetodos adequados para a soluccedilatildeo de conflitos Ou seja qualquer soluccedilatildeo do conflito obtida por via natildeo jurisdicional

A primeira eacute a autotutela Na autotutela uma das partes impotildee a sua vontade Trata-se de uma soluccedilatildeo ldquoegoiacutestica e parcialrdquo do litiacutegio de modo que uma das partes se torna um verdadeiro juiz da causa (DIDIER 2015) Evidente portanto que eacute uma forma de soluccedilatildeo que eacute em regra veda-

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da pelo nosso ordenamento podendo configurar inclusive o crime de exerciacutecio arbitraacuterio das proacuteprias razotildees ou abuso de poder Sendo assim considerando o monopoacutelio estatal do uso da forccedila essa forma de soluccedilatildeo eacute em regra proibida Excepcionalmente contudo o proacuteprio ordenamento juriacutedico em situaccedilotildees de urgecircncia permite o uso da autotutela Nesse sentido destaca-se por exemplo o desforccedilo imediato na defesa da posse (art 1210 sect 1 do Coacutedigo Civil) a legiacutetima defesa o estado de necessidade e o direito de retenccedilatildeo

Ainda haacute a autocomposiccedilatildeo que ocorreraacute quando as proacuteprias partes chegam agrave soluccedilatildeo do conflito podendo ocorrer por renuacutencia submissatildeo ou transaccedilatildeo Neste ponto merece destaque que para alguns a mediaccedilatildeo e conciliaccedilatildeo seriam formas de autocomposiccedilatildeo como denota Fredie Di-dier

Mediaccedilatildeo e conciliaccedilatildeo satildeo formas de soluccedilatildeo de conflito pelas quais um terceiro interveacutem em um processo negocial com a funccedilatildeo de au-xiliar as partes a chegarem agrave autocomposiccedilatildeo Ao terceiro natildeo cabe resolver o problema como acontece na arbitragem o mediadorconciliador exerce um papel de catalisador de soluccedilatildeo negocial do conflito Natildeo satildeo por isso espeacutecies de heterocomposiccedilatildeo do conflito trata-se de exemplo de autocomposiccedilatildeo com a participaccedilatildeo de um terceiro (DIDIER 2015)

Para outros autores contudo haacute que se diferenciar a mediaccedilatildeocon-ciliaccedilatildeo da autocomposiccedilatildeo vejamos o que diz Daniel Assumpccedilatildeo

A mediaccedilatildeo eacute forma alternativa de soluccedilatildeo de conflitos fundada no exerciacutecio da vontade das partes mas natildeo se confunde com a auto-composiccedilatildeo porque enquanto nesta haveraacute necessariamente um sacrifiacutecio total ou parcial dos interesses da parte naquela a soluccedilatildeo natildeo traz qualquer sacrifiacutecio aos interesses das partes envolvidas no conflito Em razatildeo da ausecircncia de sacrifiacutecios dos interesses das partes na mediaccedilatildeo o legislador a classificou como meio consensual de so-luccedilatildeo dos conflitos diferente da autocomposiccedilatildeo Mas tal opccedilatildeo con-ceituai certamente natildeo afasta a promoccedilatildeo da mediaccedilatildeo dos deveres do juiz (NEVES 2016)

Tanto a mediaccedilatildeo quanto a conciliaccedilatildeo se baseiam na vontade das partes Trata-se de uma forma de soluccedilatildeo em que o foco fica nas razotildees do conflito e natildeo o conflito em si Esses satildeo os aspectos que aproximam as duas teacutecnicas A diferenccedila entre a conciliaccedilatildeo e a mediaccedilatildeo eacute sutil O Coacutedigo de Processo Civil em seu art 165 sectsect 2ordm e 3ordm estabeleceu que a conciliaccedilatildeo ocorreraacute quando natildeo houver vinculo anterior com a possibi-

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lidade de sugestatildeo de soluccedilotildees pelo conciliador para o litiacutegio enquanto a mediaccedilatildeo ocorreraacute quando houver vinculo anterior de modo que em tese natildeo deveraacute haver a sugestatildeo de soluccedilotildees pelo mediador deixando que as partes possam identificar por si proacuteprias as soluccedilotildees consensuais

Percebe-se portanto que na mediaccedilatildeo o mediador facilita o diaacutelogo entre as pessoas para que elas mesmas proponham soluccedilotildees Sugere-se o uso desta teacutecnica para conflitos subjetivos cujo relacionamento seja du-radouro com relaccedilotildees preacutevias e continuadas Na conciliaccedilatildeo por sua vez o terceiro facilitador da conversa interfere de forma mais direta no litiacutegio e pode sugerir opccedilotildees de soluccedilatildeo para o conflito Para conflitos objetivos mais superficiais nos quais natildeo existe relacionamento duradouro entre os envolvidos aconselha-se o uso da conciliaccedilatildeo

A mediaccedilatildeo e a conciliaccedilatildeo podem ocorrer extrajudicialmente ou judicialmente Sendo judicial os conciliadores e mediadores satildeo auxilia-res da justiccedila de modo que seratildeo aplicados a eles as regras relativas aos sujeitos processuais inclusive com relaccedilatildeo a impedimento e suspeiccedilatildeo A mediaccedilatildeo e conciliaccedilatildeo podem ainda ocorrer perante Cacircmaras Publicas institucionais vinculadas aos tribunais ou em Cacircmaras Privadas ou ain-da em Cacircmaras Administrativas Por fim poderatildeo ocorrer ateacute mesmo em ambientes mais informais como em escritoacuterios de advocacia

O mediador e o conciliador podem ser funcionaacuterios puacuteblicos ou pro-fissionais liberais conforme art 167 CPC podendo ser de forma remune-rada mas tambeacutem atraveacutes de trabalho voluntaacuterio (art 169 sect 1 ordm CPC) Eacute possiacutevel prestigiando a vontade das partes que o mediador e conciliador seja escolhido pelas partes podendo inclusive recair em um profissional natildeo cadastrado perante o tribunal (art 1 68 sect 1 o CPC) Neste caso eacute preciso providenciar este cadastro (art 167 caput) o que eacute extremamente importante pois deveratildeo passar por um curso de capacitaccedilatildeo cujo progra-ma eacute definido pelo Conselho Nacional de Justiccedila e elo Ministeacuterio da Justi-ccedila aleacutem das reciclagens perioacutedicas (art167 sect 1 ordm CPC art 12 Resoluccedilatildeo nordm 1252012 do CNJ)

Sobre as etapas da conciliaccedilatildeo e mediaccedilatildeo natildeo haacute um consenso ab-soluto sobre quais sejam Em siacutentese normalmente haveraacute a apresentaccedilatildeo do conflito seguido de esclarecimentos Posteriormente haacute um momento de criaccedilatildeo de possiacuteveis soluccedilotildees com um braindstorm e ao final o encer-ramento

Por fim eacute importante destacar o que dispotildee o art166 sect 3 do CPC

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Art 166 A conciliaccedilatildeo e a mediaccedilatildeo satildeo informadas pelos princiacutepios da independecircncia da imparcialidade da autonomia da vontade da confidencialidade da oralidade da informalidade e da decisatildeo infor-mada sect 3ordm Admite-se a aplicaccedilatildeo de teacutecnicas negociais com o objeti-vo de proporcionar ambiente favoraacutevel agrave autocomposiccedilatildeo

Percebe-se que haacute uma liberdade maior pelos mediadores e conci-liadores na escolha das teacutecnicas que proporcionaratildeo a autocomposiccedilatildeo Existem inuacutemeras teacutecnicas que mesmo natildeo sendo do direito acabam proporcionando a soluccedilatildeo do conflito Nesse sentido deveratildeo ser obser-vadas pelo mediador e conciliador ao longo das sessotildees favorecendo o ambiente e a comunicaccedilatildeo para que as partes cheguem a um consenso a exemplo do rapport escuta ativa braindstorm entre outros

Por fim destaca-se a arbitragem meacutetodo heterocompositivo natildeo estatal em que um terceiro escolhido pelas partes determina a soluccedilatildeo para o caso concreto Trata-se de decisatildeo impositiva de um aacuterbitro ou Tri-bunal Arbitral Neste caso ao contraacuterio da Jurisdiccedilatildeo Estatal privilegia-se a confianccedila das partes na escolha do julgador Haacute uma corrente doutrinaacuteria que defende que a arbitragem natildeo eacute equivalente jurisdicional mas sim espeacutecie de jurisdiccedilatildeo ou seja uma jurisdiccedilatildeo privada Essa corrente parece ser a adotada pelo Coacutedigo de Processo Civil ao considerar no art 515 VII a sentenccedila arbitral como tiacutetulo executo judicial Haacute duas formas de institui-ccedilatildeo da arbitragem quais sejam (i) Claacuteusula compromissoacuteria que como o nome sugere eacute uma clausula inserida previamente no contrato podendo ser cheia (quando conteacutem todos os requisitos necessaacuterios) ou vazia e (ii) Compromisso arbitral que eacute uma convenccedilatildeo feita apoacutes o conflito atraveacutes da qual as partes submetem um litiacutegio agrave arbitragem de uma ou mais pes-soas podendo ser judicial ou extrajudicial

3 A FAZENDA PUacuteBLICA E O SISTEMA MULTIPORTAS

Nos uacuteltimos anos o modelo de Administraccedilatildeo Puacuteblica Burocraacutetica tem cedido espaccedilo a um novo modelo contemporacircneo o da Administra-ccedilatildeo Puacuteblica Gerencial Esses dois modelos diferem-se em razatildeo da buro-cracia que orienta os processos de tomada de decisatildeo e concretizaccedilatildeo Na burocraacutetica o processo eacute autorreferente enquanto na gerencial busca-se resultado que maior supra as necessidades dos administrados Nesse sen-tido fala-se ainda na busca por uma Administraccedilatildeo Dialoacutegica que crie pontes trocas e diaacutelogos com as demais partes trazendo um espaccedilo para a atuaccedilatildeo administrativa consensual (CUNHA 2020)

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Esse movimento de ampliaccedilatildeo da consensualidade se verifica em diversos ramos do direito puacuteblico em especial no direito penal (com a colaboraccedilatildeo premiada acordo de natildeo persecuccedilatildeo penal suspensatildeo con-dicional do processo dentre outros) direito processual civil (com os negoacute-cios juriacutedicos processuais e o princiacutepio da adaptabilidade dos procedimen-tos) e de modo geral ateacute mesmo no direito administrativo a exemplo da desapropriaccedilatildeo amigaacutevel acordo de leniecircncia e no acircmbito de agecircncias reguladoras

Nesse ambiente de crescente consensualidade se enquadra a dis-cussatildeo acerca da implementaccedilatildeo do sistema multiportas com a possi-bilidade de arbitragem autocomposiccedilatildeo envolvendo a Fazenda Puacuteblica Neste sentido eacute fundamental que em todo caso sempre se preserve as denominadas ldquopedras de toquerdquo da Administraccedilatildeo Puacuteblica quais sejam a supremacia e a indisponibilidade do interesse puacuteblico (MELLO 2009)

Recentemente a Lei de Introduccedilatildeo agraves Normas do Direito Brasileiro incluiu diversas normas de aplicaccedilatildeo no acircmbito do direito administrativo Dentre as modificaccedilotildees merece destaque a do art 26 vejamos

ldquoArt 26 Para eliminar irregularidade incerteza juriacutedica ou situaccedilatildeo contenciosa na aplicaccedilatildeo do direito puacuteblico inclusive no caso de ex-pediccedilatildeo de licenccedila a autoridade administrativa poderaacute apoacutes oitiva do oacutergatildeo juriacutedico e quando for o caso apoacutes realizaccedilatildeo de consul-ta puacuteblica e presentes razotildees de relevante interesse geral celebrar compromisso com os interessados observada a legislaccedilatildeo aplicaacutevel o qual soacute produziraacute efeitos a partir de sua publicaccedilatildeo oficialrdquo (grifos nossos)

O referido dispositivo traz a previsatildeo de uma claacuteusula geral de cele-braccedilatildeo de compromissos pela Administraccedilatildeo Puacuteblica eacute o que diz Leonar-do Carneiro Cunha (2020 p701)

ldquoA disposiccedilatildeo contida no art 26 da Lei de Introduccedilatildeo conteacutem a bem da verdade uma clausula geral estimuladora da adoccedilatildeo de meios consensuais pelo Poder Puacuteblico Aliaacutes por forccedila do art 30 da mesma LINDB o Poder Puacuteblico deve desenvolver procedimentos internos haacutebeis a identificar casos para sugerir a aplicaccedilatildeo dos meios consen-suais de conflito Esses dispositivos ndash aliados aos arts 3 e 174 do CPC ndash estabelecem um dever de a Administraccedilatildeo Puacuteblica adotar meios consensuais de soluccedilatildeo de disputasrdquo

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Evidente portanto a compatibilidade do sistema multiportas com os conflitos envolvendo o Poder Puacuteblico inclusive atraveacutes da arbitragem ou da autocomposiccedilatildeo Eacute o que seraacute tratado a seguir

31 A ARBITRAGEM NOS CONFLITOS ENVOLVENDO A FAZEN-DA PUacuteBLICA

A arbitragem conforme exposto anteriormente trata-se de meacutetodo heterocompositivo de soluccedilatildeo de conflitos ou seja meacutetodo atraveacutes do qual um terceiro imparcial (que natildeo se confunde com o Poder Judiciaacuterio) resolve a lide apresentada Para tanto anteriormente haacute a necessidade de celebraccedilatildeo de um ajuste seja atraveacutes de um compromisso arbitral ou de uma clausula compromissoacuteria

A Lei 930796 dispotildee sobre a arbitragem estabelecendo como re-quisitos que as partes sejam capazes para dirimir conflitos envolvendo ldquodireitos patrimoniais disponiacuteveisrdquo Neste aspecto subjetivo reside a grande controveacutersia acerca do tema Isso porque para uma primeira corrente a indisponibilidade do interesse puacuteblico inviabilizaria por completo a pos-sibilidade de uma arbitragem envolvendo o Poder Puacuteblico Uma segunda corrente por sua vez diferenciava ldquointeresse da administraccedilatildeordquo de ldquointeres-se puacuteblicordquo Por fim a terceira corrente baseia-se no princiacutepio da legalida-de (CUNHA 2020)

Abstraindo-se dessas discussotildees doutrinaacuterias fato eacute que a Lei de Arbi-tragem prevecirc atualmente em seu art 1ordm sect 1ordm a possibilidade de utilizaccedilatildeo da arbitragem pela Administraccedilatildeo Puacuteblica direta e indireta ldquopara dirimir conflitos relativos a direitos patrimoniais disponiacuteveisrdquo Antes mesmo da in-serccedilatildeo do referido dispositivo ocorrida em 2015 com a Lei 13129 diversos diplomas jaacute previam a arbitragem com entidades integrantes da Adminis-traccedilatildeo Puacuteblica a exemplo da Lei 898795 Lei 947297 Lei 947897 Lei 102332001 Lei 103432002 Lei 110792004 dentre outras

No sect 2ordm do art 1ordm da Lei de Arbitragem fica estabelecido que ldquoa au-toridade ou o oacutergatildeo competente da administraccedilatildeo puacuteblica direta para a celebraccedilatildeo de convenccedilatildeo de arbitragem eacute a mesma para a realizaccedilatildeo de acordos ou transaccedilotildeesrdquo Para compreender quais seriam os direitos ldquopatri-moniais disponiacuteveisrdquo passiacuteveis de soluccedilatildeo atraveacutes da arbitragem Leonardo Cunha (2020 p 710) traz a seguinte elucidaccedilatildeo

ldquoHaacute uma arbitrabilidade ampla relativamente ao Poder Puacuteblico quan-do este atua jure gestionis ou seja quando ele estiver inserido numa

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relaccedilatildeo de Direito Privado Quando poreacutem a relaccedilatildeo for puacuteblica na qual houver manifesto ciclo do poder de impeacuterio seraacute preciso exami-nar o grau de (in)disponibilidade do direito Para que seja possiacutevel a arbitragem deve haver disponibilidade e o direito deve ser patrimo-nialrdquo

Para a aplicaccedilatildeo da arbitragem no acircmbito da Fazenda Puacuteblica con-tudo algumas adaptaccedilotildees devem ser feitas Isso porque conforme jaacute fora tratado anteriormente o regime juriacutedico administrativo eacute marcado por prerrogativas e restriccedilotildees a fim de atender os princiacutepios constitucional-mente estabelecidos em especial os da legalidade impessoalidade mo-ralidade publicidade e eficiecircncia A primeira adaptaccedilatildeo eacute a necessidade de que o processo arbitral seja puacuteblico natildeo comportando portanto o sigilo Isso preserva a publicidade e garante a fiscalizaccedilatildeo por parte dos administrados

Outro aspecto eacute que para preservaccedilatildeo do princiacutepio da legalidade a arbitragem celebrada pelo Poder Puacuteblico deveraacute necessariamente ser de direito natildeo podendo portanto ser atraveacutes de equidade Eacute o que dispotildee expressamente o sect 3ordm do art 1ordm da Lei de Arbitragem

Ainda eacute importante destacar que prevalece o entendimento de que natildeo haacute necessidade de preacutevio procedimento licitatoacuterio para a escolha do juiacutezo ou tribunal arbitral uma vez que estariacuteamos diante de um caso de inexigibilidade de licitaccedilatildeo Por fim a sentenccedila arbitral natildeo estaacute sujeita a remessa necessaacuteria bem como as demais prerrogativas processuais da Fazenda Puacuteblica em juiacutezo natildeo se apresentam em regra na arbitragem Sendo assim natildeo haacute intimaccedilatildeo pessoal prazos em dobro salvo conste expressamente na convenccedilatildeo (CUNHA 2020)

32 CONCILIACcedilAtildeO E MEDIACcedilAtildeO NOS CONFLITOS ENVOLVEN-DO A FAZENDA PUacuteBLICA

O art 174 do Coacutedigo de Processo Civil dispotildee que

Art 174 A Uniatildeo os Estados o Distrito Federal e os Municiacutepios criaratildeo cacircmaras de mediaccedilatildeo e conciliaccedilatildeo com atribuiccedilotildees relacionadas agrave soluccedilatildeo consensual de conflitos no acircmbito administrativo tais como

I ndash dirimir conflitos envolvendo oacutergatildeos e entidades da administraccedilatildeo puacuteblica

II ndash avaliar a admissibilidade dos pedidos de resoluccedilatildeo de conflitos por meio de conciliaccedilatildeo no acircmbito da administraccedilatildeo puacuteblica

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III ndash promover quando couber a celebraccedilatildeo de termo de ajustamento de conduta

Percebe-se portanto que a criaccedilatildeo de tais cacircmaras tem por objetivo promover a autocomposiccedilatildeo no acircmbito da Administraccedilatildeo Puacuteblica Em 2007 foi criada a Cacircmara de Conciliaccedilatildeo e Arbitragem da Administraccedilatildeo Federal com a finalidade de dirimir conflitos envolvendo a Uniatildeo e suas entidades tendo sido posteriormente ampliada para conflitos que envol-vessem Estados Distrito Federal e Municiacutepios

A criaccedilatildeo de tais Cacircmaras consagra o princiacutepio da eficiecircncia tambeacutem previsto no art 37 da Constituiccedilatildeo Federal de modo que os conflitos se-riam solucionados com maior economia obtendo resultados satisfatoacuterios Neste ponto eacute importante destacar que logo apoacutes a promulgaccedilatildeo do Coacutedigo de Processo Civil em 2015 com clara tendecircncia de ampliaccedilatildeo dos meacutetodos de soluccedilatildeo de conflitos foi promulgada a Lei 131402015 que dispotildee sobre a mediaccedilatildeo entre particulares como meio de soluccedilatildeo de controveacutersias e sobre a autocomposiccedilatildeo de conflitos no acircmbito da admi-nistraccedilatildeo puacuteblica O capiacutetulo II do referido diploma destina-se justamente a regulamentaccedilatildeo da autocomposiccedilatildeo em que for parte pessoa juriacutedica de direito puacuteblico

Uma vez criadas as cacircmaras devem indicar em seus regulamentos quais os casos que poderatildeo ser submetidos agrave autocomposiccedilatildeo Esta sub-missatildeo contudo eacute facultativa considerando o princiacutepio da inafastabili-dade da jurisdiccedilatildeo previsto no art 5 da Constituiccedilao mas o ente publico deve indicar quais os motivos da recusa em razatildeo dos princiacutepios da publi-cidade e impessoalidade

Enquanto as Cacircmaras natildeo satildeo criadas eacute possiacutevel que a Fazenda Puacute-blica se utilize do procedimento previsto para particulares ou seja com a marcaccedilatildeo de uma reuniatildeo inicial e posteriormente com a instauraccedilatildeo da mediaccedilatildeo

Sobre isso merece destaque a previsatildeo do art 30 da referida lei que dispotildee acerca da confidencialidade Na visatildeo de Leonardo Cunha (2020 p 730) tal previsatildeo em nada afronta a fiscalizaccedilatildeo da Fazenda Puacuteblica uma vez que ldquoa confidencialidade natildeo afasta o dever de prestaccedilatildeo de informa-ccedilotildees agraves autoridades fazendaacuteriasrdquo

Por fim sobre a (des) necessidade de autorizaccedilatildeo legislativa especiacutefi-ca para determinadas transaccedilotildees faz-se necessaacuterio a seguinte diferencia-ccedilatildeo

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() nos casos em que se constata acerto total ou parcial da posiccedilatildeo daquele que litiga contra a Administraccedilatildeo natildeo eacute necessaacuteria lei au-torizadora da composiccedilatildeo Jaacute para renuacutencia da Administraccedilatildeo a di-reito que legitimamente detenha em transaccedilatildeo propriamente dita deve haver autorizaccedilatildeo legislativa Na execuccedilatildeo fiscal por exemplo a Administraccedilatildeo pode constatar erro na inscriccedilatildeo original e cobranccedila maior que a efetivamente devida e assim cancelar a inscriccedilatildeo em diacutevida ativa ou substituiacute-la por outra de valor menor o que pode ser feito inclusive em Juiacutezo no curso da execuccedilatildeo Jaacute para levar a efeito a anistia (perdatildeo) de diacutevida precisa de lei autorizativa preacutevia (TALA-MINI 2005 p 12)

Evidente portanto que o sistema multiportas com a arbitragem conciliaccedilatildeo e mediaccedilatildeo eacute aplicaacutevel aos litiacutegios envolvendo a Fazenda Puacute-blica mas sempre com a observacircncia de suas peculiaridades

4 CONCLUSAtildeO

Diante do exposto concluiu-se que a abertura dos meacutetodos de reso-luccedilatildeo de conflitos eacute um importante mecanismo na busca da concretizaccedilatildeo do acesso agrave justiccedila Esse movimento sugerido pelo sistema multiportas proporciona uma maior celeridade efetividade presteza e valorizaccedilatildeo do caraacuteter democraacutetico uma vez que as partes passam a ser verdadeiros pro-tagonistas do processo resolutivo

Atento aos inuacutemeros benefiacutecios o ordenamento juriacutedico brasileiro tem buscado normatizar cada vez mais esses meacutetodos destacando-se a Lei de Arbitragem a Resoluccedilatildeo 1252010 do Conselho Nacional de Justi-ccedila o Coacutedigo de Processo Civil e 2015 e a Lei de Mediaccedilatildeo e Conciliaccedilatildeo Esse movimento de abertura de novas portas e novas possibilidades tecircm propiciado um redimensionamento e ateacute mesmo uma democratizaccedilatildeo do proacuteprio papel do Judiciaacuterio e do modelo de prestaccedilatildeo jurisdicional pretendido

A adoccedilatildeo do sistema de Justiccedila multiportas com a ampliaccedilatildeo e in-centivo agrave utilizaccedilatildeo de meacutetodos consensuais de resoluccedilatildeo de conflitos alcanccedila os conflitos envolvendo a Fazenda Puacuteblica Nestes casos contudo utilizaccedilatildeo de meacutetodos diversos da Jurisdiccedilatildeo Estatal faz-se necessaacuterio perceber as peculiaridades da Fazenda Puacuteblica e adaptaacute-las mantendo a indisponibilidade do interesse puacuteblico Nada obstante isso natildeo implica automaacutetica inegociabilidade dos direitos e interesses defendidos pela Ad-ministraccedilatildeo pois haacute direitos indisponiacuteveis passiacuteveis de negociaccedilatildeo

O sistema multiportas como propulsor do acesso agrave Justiccedila no acircmbito do juizado de Fazenda Puacuteblica

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5 REFEREcircNCIASBRITO Marcela Mouratildeo de Manual de mediaccedilatildeo de conflitos de acordo com o CPC de

2015 1ordf ed Fortaleza CE Ed Da Autora 2020

CALMON Petronio Fundamentos da mediaccedilatildeo e da conciliaccedilatildeo Brasiacutelia Gazeta Juriacutedica 2015

CAPPELLETTI Mauro Os meacutetodos alternativos de soluccedilatildeo de conflitos no quadro do movimento universal de acesso agrave justiccedila In Revista de Processo v 19 nordm 74

CUNHA Leonardo Carneiro da A Fazenda Puacuteblica em Juiacutezo 17 ed Rio de Janeiro Editora Forense 2020

DIDIER JR Fredie Curso de direito processual civil introduccedilatildeo ao direito processual ci-vil parte geral e processo de conhecimento 7 ed Salvador Ed Jus Podivm 2015

DINAMARCO Candido Rangel Instituiccedilotildees de Direito Processual Civil Vol 1 Satildeo Paulo Malheiros 2001

FREITAS JR Antocircnio Rodrigues Mediaccedilatildeo e direitos humanos temas atuais e contro-vertidos Satildeo Paulo LTr 2014

MELLO Celso Antocircnio Bandeira de Curso de Direito Administrativo 26ordf Ediccedilatildeo Satildeo Pulo Malheiros 2009

NEVES Daniel Amorim Assumpccedilatildeo Novo Coacutedigo de Processo Civil Comentado Salva-dor Ed JusPodivm 2016

NUNES Juliana Raquel A importacircncia da mediaccedilatildeo e da conciliaccedilatildeo para o acesso agrave justiccedila uma anaacutelise agrave luz do novo CPC Rio de Janeiro Lumen Juris 2017

PEIXOTO Marco Aureacutelio Ventura PEIXOTO Renata Cortez Vieira Fazenda Puacuteblica e Execu-ccedilatildeo Salvador Juspodivm 2018

SEIDEL Daniel Mediaccedilatildeo de conflitos a soluccedilatildeo de muitos problemas pode estar em suas matildeos Brasilia Vida e Juventude 2007

VIEIRA Mariana Mediaccedilatildeo e Conciliaccedilatildeo como forma de compor Litiacutegios no Novo Coacutedi-go de Processo Civil Niteroacutei Ed Da Autoria 2017

TALAMINI Eduardo A (in)disponibilidade do interesse puacuteblico consequecircncias pro-cessuais (composiccedilotildees em juiacutezo prerrogativas processuais arbitragem e accedilatildeo monitoacuteria) 2005 Disponiacutevel em ltwwwacademiaedu231461gt

Ana Conceiccedilatildeo Barbuda Sanches Guimaratildees Ferreira bull Ana Baacuterbara Barbuda Ferreira Motta

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Contribuiccedilotildees da jurimetria para a administraccedilatildeo da justiccedila

1 Poacutes-graduada em Direito do Trabalho e Direito Processual do Trabalho pela Facul-dade Baiana de Direito (FBD) Servidora do Tribunal de Justiccedila do Estado da Bahia lotada na Coordenaccedilatildeo do Sistema Estadual dos Juizados Especiais

2 Mestranda em Direito Puacuteblico (UFBA) Especialista em Ciecircncias Criminais (UFBA) e em Direito Meacutedico Bioeacutetica e Biodireito (UCSAL) Professora da Escola Bahiana de Medi-cina e Sauacutede Puacuteblica Servidora do Tribunal de Justiccedila do Estado da Bahia lotada na Coordenaccedilatildeo do Sistema Estadual dos Juizados Especiais

Caroline Dantas Godeiro de Araujo1

Eacuterica Baptista Vieira de Meneses2

Resumo O Sistema dos Juizados Especiais instituiacutedo pela Lei Fe-deral nordm 9099 de 1995 representa um importante espaccedilo para a ampliaccedilatildeo da pacificaccedilatildeo social atraveacutes da integraccedilatildeo de ferramentas alternativas para soluccedilatildeo de conflitos atraveacutes de um procedimento ceacutelere e desburocratizado Contudo o movimento de hiperjudicializa-ccedilatildeo vislumbrado no Brasil nas uacuteltimas deacutecadas tem sobrecarregado a estrutura instalada e exigido dos gestores o desenvolvimento de estrateacutegias voltadas agrave garantia de acesso de todos os cidadatildeos a uma ordem juriacutedica justa por meio de respostas judiciais ceacuteleres isonocircmi-cas e efetivas Nesse contexto a utilizaccedilatildeo da jurimetria tem se torna-do essencial na administraccedilatildeo da justiccedila voltada ao aprimoramento da prestaccedilatildeo jurisdicional

Palavras-chave juizados especiais desjudicializaccedilatildeo jurimetria ad-ministraccedilatildeo da justiccedila

1 CONSIDERACcedilOtildeES INICIAIS

Ao descrever o direito a accedilotildees estatais positivas Robert Alexy destaca que ldquosempre que as normas procedimentais puderem aumentar a proteccedilatildeo aos direitos fundamentais elas seratildeo exigidas prima facie pelos princiacutepios de direitos fundamentaisrdquo (ALEXY 2015)

Nesse mesmo sentido Calmon de Passos refere que ldquoa relaccedilatildeo entre o chamado direito material e o processo natildeo eacute uma relaccedilatildeo de meiofim ins-trumental como se tem proclamado com tanta ecircnfase ultimamente por

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forccedila do prestiacutegio de seus arautos e sim uma relaccedilatildeo integrativa orgacircnica substancialrdquo sendo o Direito o que dele faz o processo de sua produccedilatildeo (PASSOS 2003)

Eacute com a finalidade de assegurar a fundamentalidade dos princiacutepios processuais que a Emenda Constitucional nordm 45 de 2004 inseriu o inciso LXXVIII no artigo 5ordm da Constituiccedilatildeo Federal de 1988 elevando o direito agrave razoaacutevel duraccedilatildeo do processo agrave categoria de garantia fundamental

Da mesma forma buscando a efetivaccedilatildeo do acesso a uma ordem juriacutedica justa a Lei do Juizado Especial de Pequenas Causas (nordm 724484) iniciou um processo de desburocratizaccedilatildeo dos procedimentos judiciais ldquoapoacutes diagnostico de que estava havendo uma litigiosidade contida por-que as partes natildeo sabiam a quem ou como recorrerrdquo A Lei ldquosignificou o primeiro rompimento do modelo liberal-individualista que estava no CPC em que predominava a autonomia individualrdquo (WATANABE 2019) consa-grado definitivamente pela Constituiccedilatildeo Federal anos depois e desenvol-vido atraveacutes do Sistema dos Juizados Especiais instituiacutedo e regulamenta-do pela Lei Federal nordm 9099 de 1995

Eacute no cenaacuterio de hiperjudicializaccedilatildeo e estudos acerca da efetivaccedilatildeo do acesso agrave justiccedila que a Jurimetria surge como ldquodisciplina do Direito que utiliza a metodologia estatiacutestica para estudar o funcionamento da ordem juriacutedicardquo (NUNES 2016 p 115-116) capitulada como instrumento de se promover o alcance do tempo razoaacutevel do processo

Ao verificar um possiacutevel distanciamento entre o crescente nuacutemero de normas criadas em seu paiacutes e os fatos juriacutedicos a elas correlatos o advo-gado norte-americano Lee Loevinger em 1949 denominou de Jurimetria a metodologia que analisa o Direito a partir de princiacutepios matemaacuteticos e estatiacutesticos motivando a realizaccedilatildeo de experimentos com vieacutes multidisci-plinar utilizando criteacuterios qualitativos e quantitativos

Busca-se nesse estudo trazer os meacutetodos do Conselho Nacional de Justiccedila com vistas agrave otimizaccedilatildeo da prestaccedilatildeo jurisdicional analisando de que forma as accedilotildees da Coordenaccedilatildeo do Sistema Estadual dos Juizados Especiais na Bahia tem aplicado a jurimetria no processo de definiccedilatildeo es-trateacutegica de gestatildeo voltada ao descongestionamento do poder judiciaacuterio

2 DIRETIVAS DO CNJ PARA A DESJUDICIALIZACcedilAtildeO DE CONFLI-TOS

Com a promulgaccedilatildeo da Emenda Constitucional nordm 452004 consoli-dou-se a utilizaccedilatildeo de estatiacutestica na administraccedilatildeo da justiccedila atraveacutes da

Caroline Dantas Godeiro de Araujo bull Eacuterica Baptista Vieira de Meneses

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criaccedilatildeo do Conselho Nacional de Justiccedila ndash CNJ3 como um dos oacutergatildeos do Poder Judiciaacuterio com competecircncia para elaboraccedilatildeo de controle estatiacutestico da produccedilatildeo do Poder Judiciaacuterio Nacional em conformidade com o art 103-B paraacutegrafo 4ordm incisos VI e VII4

Na observacircncia de suas atribuiccedilotildees constitucionais o CNJ editou a Resoluccedilatildeo nordm 15 de 20 de abril de 20065 dispondo dentre outras mateacuterias sobre a regulamentaccedilatildeo do Sistema de Estatiacutestica do Poder Judiciaacuterio ndash SIESPJ criado pela Resoluccedilatildeo nordm 4 de 16 de agosto de 2005

Na mesma linha o Conselho Nacional de Justiccedila estabeleceu a obri-gatoriedade dos Tribunais Estaduais e Federais cumprirem metas anual-mente estabelecidas que visam a enfrentar a retenccedilatildeo crocircnica de proces-sos que se acumulam no Poder Judiciaacuterio

Conforme o Relatoacuterio Justiccedila em Nuacutemeros de 2020 (CNJ 2020)

As pesquisas realizadas pelo CNJ passaram a utilizar conceitos de inteligecircncia artificial para classificaccedilatildeo dos processos e identificaccedilatildeo de similaridades O DataJud6 alccedila a produccedilatildeo de informaccedilotildees do ju-diciaacuterio de desenvolvimento e seraacute uma importante ferramenta para realizaccedilatildeo de estudos jurimeacutetricos na Ciecircncia de Dados

A chamada ldquocrise da jurisdiccedilatildeordquo fenocircmeno representado pelo excessi-vo volume de demandas que sobrecarrega o Poder Judiciaacuterio tem atraiacutedo a preocupaccedilatildeo dos oacutergatildeos responsaacuteveis pela definiccedilatildeo estrateacutegia de ges-tatildeo judiciaacuteria em acircmbito local e nacional haja vista o impacto no aumento das demandas para a qualidade da prestaccedilatildeo do serviccedilo puacuteblico

3 Vide artigo 92 inciso I-A da Constituiccedilatildeo Federal

4 Constituiccedilatildeo Federal Art 103-B paraacutegrafo 4ordm VI ndash elaborar semestralmente relatoacuterio estatiacutestico sobre processos e sentenccedilas prolatadas por unidade da Federaccedilatildeo nos diferentes oacutergatildeos do Poder Judiciaacuterio VII ndash elaborar relatoacuterio anual propondo as providecircncias que julgar necessaacuterias sobre a situaccedilatildeo do Poder Judiciaacuterio no Paiacutes e as atividades do Conselho o qual deve integrar mensagem do Presidente do Supremo Tribunal Federal a ser remetida ao Congresso Nacional por ocasiatildeo da abertura da sessatildeo legislativa (incluiacutedos pela EC nordm 452004)

5 Ulteriormente revogada pela Resoluccedilatildeo CNJ nordm 76 de 12 de maio de 2009 que dis-potildee sobre os princiacutepios do Sistema de Estatiacutestica do Poder Judiciaacuterio estabelece seus indicadores fixa prazos determina penalidades e daacute outras providecircncias

6 O DataJud constitui a Base Nacional de Dados do Poder Judiciaacuterio Trata-se de ferra-menta de captaccedilatildeo e recebimento de dados que reuacutene informaccedilotildees pormenoriza-das a respeito de cada processo judicial em uma base uacutenica (CNJ 2020)

Contribuiccedilotildees da jurimetria para a administraccedilatildeo da justiccedila

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Pensando nisso e em busca de soluccedilotildees desjudicializantes e desbu-rocratizantes convergentes com a mais recente e manifesta intenccedilatildeo le-gislativa o Conselho Nacional de Justiccedila editou importantes provimentos nos uacuteltimos anos (STJ 2019) tendo influenciado a gestatildeo dos Tribunais agrave adoccedilatildeo de medidas proativas no sentido da prestaccedilatildeo jurisdicional para aleacutem das decisotildees judiciais

Nesse sentido entre os Macrodesafios do Poder Judiciaacuterio 2015-2020 estabelecidos pelo CNJ com foco na efetividade da prestaccedilatildeo jurisdicio-nal destacamos a adoccedilatildeo de soluccedilotildees alternativas de conflito gestatildeo das demandas repetitivas e dos grandes litigantes bem como melhoria da in-fraestrutura de governanccedila e de tecnologia da informaccedilatildeo e comunicaccedilatildeo

Tendo como objetivo principal a garantia dos direitos da cidadania a partir da estruturaccedilatildeo de um Poder Judiciaacuterio ceacutelere efetivo isonocircmico e que apresente soluccedilotildees modernas para a pacificaccedilatildeo social a jurimetria tem sido utilizada pelo Conselho Nacional de Justiccedila cotidianamente na definiccedilatildeo de estrateacutegias do Poder Judiciaacuterio

3 JURIMETRIA COMO IMPORTANTE INSTRUMENTO PARA A OTIMIZACcedilAtildeO DA PRESTACcedilAtildeO JURISDICIONALA jurimetria eacute termo que traduz uma ciecircncia que tem por escopo o

uso de banco de dados de estatiacutesticas e da loacutegica simboacutelica aplicada ao Direito com o intuito de transportar a lei do campo da abstraccedilatildeo para o da subsunccedilatildeo da norma ao caso concreto considerando-se as peculiaridades dos sujeitos envolvidos e o alcance da realizaccedilatildeo do escopo social da ju-risdiccedilatildeo que eacute a pacificaccedilatildeo social (LOEVINGER 1963 pp 5-35) Portanto eacute uma nova ciecircncia consubstanciada na aplicaccedilatildeo de modelos estatiacutesticos sob a compreensatildeo de processos e fatos juriacutedicos

A Associaccedilatildeo Brasileira de Jurimetria (ABJ)7 explica que esta metodo-logia busca dar concretude agraves normas e instituiccedilotildees situando no tempo e no espaccedilo os processos os juiacutezes as decisotildees as sentenccedilas os tribunais as partes etc ldquoQuando se faz jurimetria enxerga-se o Judiciaacuterio como um grande gerador de dados que descrevem o funcionamento completo do

7 A Associaccedilatildeo Brasileira de Jurimetria ndash ABJ eacute uma associaccedilatildeo civil sem fins lucrativos sujeito de direito privado que tem entre suas finalidades ldquoIncentivar a utilizaccedilatildeo da jurimetria na elaboraccedilatildeo e avaliaccedilatildeo de poliacuteticas puacuteblicasrdquo e ldquoColaborar com entida-des puacuteblicas e privadas para melhorar administraccedilatildeo de Tribunaisrdquo

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sistema Quando se faz jurimetria estuda-se o Direito atraveacutes das marcas que ele deixa na sociedaderdquo

A estrateacutegia metodoloacutegica para organizar os dados compilados se daacute pelo uso da estatiacutestica ciecircncia que possui como objeto de estudo os da-dos empiacutericos quantitativamente organizados para possibilitar a identifi-caccedilatildeo de comportamento em um dado conjunto de elementos concretos como o nuacutemero de demandas relativas por exemplo aos contratos ban-caacuterios ou de prestaccedilatildeo de serviccedilos meacutedico-hospitalares ou o volume de processos divididos por classes dos processos e as estrateacutegias que podem ser traccediladas para decisotildees isonocircmicas para cada uma

Nesse contexto a Jurimetria enfrenta as demandas judiciais e suas decisotildees a partir da massa de processos que se dirigem ao Poder Judiciaacute-rio partindo-se do caso concreto agrave normativa estabelecida A aplicaccedilatildeo dessa metodologia no Poder Judiciaacuterio busca o levantamento estatiacutestico dos tipos de demanda e seu fluxo para entatildeo formular poliacuteticas voltadas a uma melhor prestaccedilatildeo jurisdicional

Com isso haacute natildeo somente um aprimoramento na prestaccedilatildeo jurisdi-cional que responde a uma demanda social mas possibilita-se a imple-mentaccedilatildeo de ferramentas para a efetivaccedilatildeo de direitos (evitando-se com isso a existecircncia de conflitos) ou ainda que natildeo seja possiacutevel a soluccedilatildeo paciacutefica de conflitos

Nesse ensejo revela-se a importacircncia do gerenciamento de proces-sos judiciais que conforme preleciona Paulo Eduardo Alves da Silva (2010)

O gerenciamento de processos judiciais pode ser compreendido como o conjunto de praacuteticas de conduccedilatildeo do processo e organizaccedilatildeo ju-diciaacuteria coordenadas pelo juiz para o processamento ceacutelere e efetivo dos conflitos submetidos ao Poder Judiciaacuterio () A filtragem de litiacutegios de massa e as demandas repetitivas pela vinculaccedilatildeo jurisprudencial tambeacutem pressupotildeem a racionalidade gerencial aqui debatida na mo-dalidade de lsquogerenciamento do volume dos processos judiciaisrsquo tema que pela amplitude e especificidades demanda um estudo especiacutefico

Ademais a anaacutelise e interpretaccedilatildeo adequados dos dados coletados atraveacutes de ferramentas tecnoloacutegicas (roboacutetica inteligecircncia artificial busi-ness intelligence) eacute possiacutevel projetar conclusotildees qualitativas com relaccedilatildeo agrave natureza da prestaccedilatildeo jurisdicional Desse modo sendo eleita determina-da natureza de demanda como a mais recorrente para determinado grupo social eacute possiacutevel a definiccedilatildeo de poliacuteticas puacuteblicas necessaacuterias e adequadas para a soluccedilatildeo dos conflitos produzidos nas respectivas relaccedilotildees materiais

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Com base nos dados coletados dos Tribunais em todo o paiacutes e visan-do a um enfrentamento crocircnico do acuacutemulo dos processos o CNJ definiu no estudo denominado ldquoEstrateacutegia Nacional do Poder Judiciaacuterio 2015-2020rdquo diversos macrodesafios do Poder Judiciaacuterio entre os quais destaca-mos a ldquoefetividade na prestaccedilatildeo jurisdicionalrdquo ldquoceleridade e produtividade na prestaccedilatildeo jurisdicionalrdquo e ldquoadoccedilatildeo de soluccedilotildees alternativas de conflitordquo

Nessa senda verifica-se que o levantamento de dados estatiacutestico--matemaacuteticos e sua anaacutelise metodoloacutegica e continuada permite o desen-volvimento de estrateacutegias e soluccedilotildees para a hiperjudicializaccedilatildeo crocircnica trazendo agrave lume a preocupaccedilatildeo com a celeridade e efetividade processual e a necessidade de se buscar soluccedilotildees alternativas aos conflitos

4 FERRAMENTAS DESENVOLVIDAS PELA COJE PARA DESJU-DICIALIZACcedilAtildeO NO SISTEMA DOS JUIZADOS ESPECIAIS NA BAHIA

Como jaacute dito a regulamentaccedilatildeo dos Juizados Especiais Ciacuteveis e Cri-minais no ano de 1995 e dos Juizados Especiais Federais em 2001 bem como dos Juizados Especiais da Fazenda Puacuteblica em 2009 se deu como tentativa de trazer soluccedilotildees alternativas agrave sobrecarga do poder judiciaacuterio e consequente morosidade processual atraveacutes da simplificaccedilatildeo dos proce-dimentos judiciais pelo denominado procedimento sumariacutessimo

Eacute com a finalidade de analisar os fluxos e entraves para o efetivo aces-so agrave justiccedila que a jurimetria tem se mostrado fundamental na tomada de decisotildees administrativas com vistas a uma gestatildeo proba transparente e acima de tudo agrave consolidaccedilatildeo de uma prestaccedilatildeo jurisdicional focada na entrega de uma ordem juriacutedica justa aos indiviacuteduos

Consideramos nesse contexto a definiccedilatildeo de Kazuo Watanabe (2019) segundo o qual o ldquoacesso agrave ordem juriacutedica justardquo significa

Atualizaccedilatildeo do conceito de acesso agrave justiccedila Escrevo justiccedila com J minuacutesculo para natildeo significar somente acesso ao Poder Judiciaacuterio Os cidadatildeos tecircm direito de ser ouvidos e atendidos natildeo somente em si-tuaccedilatildeo de controveacutersias mas em problemas juriacutedicos que impeccedilam o pleno exerciacutecio da cidadania como nas dificuldades para a obtenccedilatildeo de seus documentos ou de seus familiares ou os relativos a seus bens Instituiccedilotildees como o PoupaTempo e as cacircmaras de mediaccedilatildeo desde que bem organizados e com funcionamento correto asseguram o acesso agrave justiccedila aos cidadatildeos nessa concepccedilatildeo mais ampla

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Para o desenvolvimento de ferramentas eficazes de governanccedila vol-tados agraves particularidades das demandas que compotildee o Sistema dos Juiza-dos Especiais na Bahia a Coordenaccedilatildeo do Sistema dos Juizados Especiais ndash COJE oacutergatildeo de supervisatildeo administrativa dos Juizados estruturou nuacutecleos de trabalho com foco na especializaccedilatildeo de tarefas definiccedilatildeo de fluxos e melhoria da gestatildeo administrativa que trabalham de forma inter-relacio-nada no desenvolvimento de projetos estrateacutegicos e departamentais com foco na efetivaccedilatildeo do acesso agrave justiccedila (TJBA 2020a)

Nesse senda verifica-se pelas accedilotildees desenvolvidas que a COJE atua de forma coordenada e simultacircnea com o objetivo de desenvolver fer-ramentas processuais e preacute-processuais baseados nos dados coletados quanto agraves demandas distribuiacutedas nos Sistemas Projudi e PJe em todo o estado da Bahia

Para fins de anaacutelise agrupamos didaticamente os projetos desen-volvidos em trecircs focos de atuaccedilatildeo principais8 estiacutemulo aos meacutetodos consensuais de resoluccedilatildeo de conflitos prevenccedilatildeo e repressatildeo agrave litigacircncia temeraacuteria e padronizaccedilatildeo de fluxos e automaccedilatildeo de processos para apri-moramento da produtividade dos servidores puacuteblicos

41 M Eacute T O D O S C O N S E N S U A I S DE RESOLUCcedilAtildeO DE CONFLITOS

Conforme liccedilatildeo de Dioacutegenes Ribeiro (2013) ldquoo Judiciaacuterio estaacute proibi-do de natildeo decidir ou seja estaacute obrigado a decidirrdquo Nesse sentido o autor descreve

Existem inuacutemeras explicaccedilotildees para a ocorrecircncia do fenocircmeno a que se chama de judicializaccedilatildeo e com certeza natildeo seria possiacutevel analisaacute--las todas neste espaccedilo ateacute porque com o tempo haveria acreacutescimo de outras Uma das alusotildees cientiacuteficas eacute a do aumento de comple-xidade da sociedade que demanda soluccedilotildees inclusive do sistema juriacutedico cabendo entatildeo ao Judiciaacuterio as que lhe forem demandadas em situaccedilotildees concretas ou ateacute em algumas situaccedilotildees abstratas ge-neacutericas quando a soluccedilatildeo vem das Cortes Superiores em especial da Corte Constitucional

8 Divisatildeo desenvolvida pelas autoras exclusivamente para fins de anaacutelise didaacutetica na pre-sente publicaccedilatildeo As iniciativas foram escolhidas exemplificativamente por representa-rem efetivas inovaccedilotildees no que se refere agrave gestatildeo da justiccedila baseadas em jurimetria

Contribuiccedilotildees da jurimetria para a administraccedilatildeo da justiccedila

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A expressatildeo judicializaccedilatildeo tem sido utilizada haacute algumas deacutecadas e pretende significar um espaccedilo maior no espectro de decisotildees in-clusive de natureza poliacutetica que passou a ser ocupado pelo Poder Judiciaacuterio ()

A Administraccedilatildeo do Estado (o Executivo) tambeacutem eacute compreendida como um sistema de organizaccedilatildeo que sofre uma sobrecarga organi-zativa (LUHMANN 2002 p 114)

Com esse intuito os Tribunais acertadamente tem utilizado das fer-ramentas de jurimetria jaacute descritas para gerir a sobrecarga organizativa decorrente da (hiper)judicializaccedilatildeo atraveacutes de diferentes estrateacutegias in-clusive o estiacutemulo aos meacutetodos consensuais de resoluccedilatildeo de conflitos previstos na Resoluccedilatildeo nordm 125 de 29 de novembro de 2010

411 SISTEMA DE NEGOCIACcedilAtildeO VIRTUAL

Desenvolvido no ano de 2020 o Sistema de Negociaccedilatildeo Virtual foi instituiacutedo com a finalidade de ampliar as possibilidades de autocompo-siccedilatildeo atraveacutes da criaccedilatildeo de um espaccedilo virtual para negociaccedilatildeo entre as partes dentro do sistema processual contudo sem interferecircncia externa do estado-juiz

A sistemaacutetica permite agraves partes apoacutes a distribuiccedilatildeo da demanda e antes da triangulaccedilatildeo da relaccedilatildeo processual efetivada pela citaccedilatildeo dia-logarem acerca das possibilidades de acordo com paridade de armas e igualdade de oportunidades de manifestaccedilatildeo sem prejuiacutezos ou empe-cilhos ao regular desenvolvimento do processo caso a negociaccedilatildeo seja infrutiacutefera

O desenvolvimento desta nova porta de efetivaccedilatildeo de direitos foi pautado em dados estatiacutesticos a partir da identificaccedilatildeo de que poucas empresas representam quase a totalidade dos processos distribuiacutedos notadamente nas varas com competecircncia do consumo sendo estas deno-minadas de ldquomaiores demandadosrdquo 9

Destarte a ferramenta se insere no contexto de uma recente corrente em Direito Processual que exige que para se ajuizar uma demanda con-sumerista o autor comprove natildeo ter tido sucesso em alguma tentativa preacutevia de conciliaccedilatildeo entre as quais se destaca o portal ldquoConsumidorgovrdquo

9 Desde 2017 o Poder Judiciaacuterio do Estado da Bahia publica relaccedilatildeo das EMPRESAS MAIS DEMANDADAS nas Varas do Sistema dos Juizados Especiais do Estado da Bahia

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plataforma digital que permite a interlocuccedilatildeo direta entre consumidores e empresas via internet para soluccedilatildeo de conflitos de consumo evitando assim o ajuizamento de accedilotildees perante o Judiciaacuterio (especialmente JECs) desenvolvido e gerido pelo Ministeacuterio da Justiccedila (MARTINS e VAINZOF 2020)

A releitura do princiacutepio do acesso agrave Justiccedila ndash ou a uma ordem juriacutedica justa ndash que inclua a exigecircncia de preacutevio requerimento extrajudicial antes da propositura de accedilotildees perante o Judiciaacuterio procura promover a pacifica-ccedilatildeo social sem contudo representar violaccedilatildeo ao artigo 5ordm XXXV da CRFB e artigo 3ordm caput do CPC deste que sejam disponibilizadas caminhos para a soluccedilatildeo consensual de forma acessiacutevel e dentro de paracircmetros preacute-es-tabelecidos A intervenccedilatildeo estatal atraveacutes do estado-juiz coloca-se entatildeo como ultima ratiocedil quando efetivamente a resistecircncia agrave pretensatildeo autoral reste configurada e delimitada

412 NUacuteCLEO DE PREVENCcedilAtildeO E TRATAMENTO DO SUPEREN-DIVIDAMENTO

De acordo com informaccedilotildees constantes no sitio eletrocircnico do Poder Judiciaacuterio do Estado da Bahia ldquoo Programa de Prevenccedilatildeo e Tratamento do Superendividamento instituiacutedo no acircmbito do Poder Judiciaacuterio do Es-tado da Bahia possui o objetivo de viabilizar na esfera preacute ndash processual a renegociaccedilatildeo coletiva ou individualizada de diacutevidas atuais e futuras decorrentes de relaccedilotildees de consumo de devedor pessoa fiacutesica de boa-feacute impossibilitado de quitar suas diacutevidas sem que haja prejuiacutezo agrave sua subsis-tecircnciardquo (TJBA 2020b)

O Projeto eacute constituiacutedo de diversas accedilotildees voltadas agrave educaccedilatildeo fi-nanceira e psicoloacutegica dos consumidores realizada em parceria com uma Instituiccedilatildeo de Ensino Superior participaccedilatildeo ativa na renegociaccedilatildeo coleti-va de diacutevidas de consumo acolhimento e orientaccedilatildeo aos cidadatildeos com o intuito de propiciar um recomeccedilo digno a indiviacuteduos em situaccedilatildeo de superendividamento e adesatildeo a projetos nacionais tais como a Semana Nacional de Educaccedilatildeo Financeira

As estrateacutegias de atuaccedilatildeo satildeo baseadas no perfil dos consumidores e possiacuteveis abusividades do mercado de creacutedito identificados atraveacutes das demandas de massa distribuiacutedas em cada localidade com acompanha-mento do sistema de Business Intelligence que permite o monitoramento extraccedilatildeo de relatoacuterios dinacircmicos e anaacutelise da movimentaccedilatildeo processual

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O Business Intelligence ou Inteligecircncia de negoacutecios refere-se ao pro-cesso de coleta organizaccedilatildeo anaacutelise compartilhamento e monitoramento de informaccedilotildees que oferecem suporte a gestatildeo de negoacutecios Eacute um con-junto de teacutecnicas e ferramentas para auxiliar na transformaccedilatildeo de dados brutos em informaccedilotildees significativas e uacuteteis a fim de analisar o negoacutecio As tecnologias BI satildeo capazes de suportar uma grande quantidade de dados desestruturados para ajudar a identificar desenvolver e ateacute mesmo criar uma nova oportunidade de estrateacutegia de negoacutecios O objetivo do BI eacute per-mitir uma faacutecil interpretaccedilatildeo do grande volume de dados Identificando novas oportunidades e implementando uma estrateacutegia efetiva baseada nos dados tambeacutem pode promover negoacutecios com vantagem competitiva no mercado e estabilidade a longo prazordquo (RUD 2009)

Na gestatildeo judiciaacuteria o BI eacute largamente utilizado para agrupamento e organizaccedilatildeo de dados diversos esparsos permitindo uma anaacutelise apurada com definiccedilatildeo de criteacuterios cuja coleta satildeo relevantes a depender da finali-dade esperada e do recorte proposto

42 PREVENCcedilAtildeO E REPRESSAtildeO Agrave LITIGAcircNCIA TEMERAacuteRIA

A partir da anaacutelise qualitativa das decisotildees proferidas em diversas accedilotildees judiciais distribuiacutedas com causa de pedir e pedidos semelhantes especialmente relativas agraves empresas consideradas ldquomaiores demandadosrdquo verifica-se um aumento significativo no volume de processos com sen-tenccedilas que condenam a parte autora por litigacircncia de maacute-feacute por motivos diversos especialmente apontando supostos ldquoindiacutecios de fraudesrdquo

Atualizado ateacute 10112020

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Nesse sentido considerando a contribuiccedilatildeo da hiperjudicializaccedilatildeo associada a uma pratica leviana10 para a sobrecarga do sistema judicial o Tribunal de Justiccedila do Estado do Rio de Janeiro desenvolveu um Nuacutecleo Permanente de Combate agraves Fraudes nos Sistemas dos Juizados Especiais (Nupecof ) com o objetivo de ldquointensificar a fiscalizaccedilatildeo dos processos identificados com suspeita de fraudes que tramitam no Judiciaacuterio flumi-nenserdquo (TJRJ 2020)

Agrave semelhanccedila da sistemaacutetica supra o Poder Judiciaacuterio do Estado da Bahia instituiu no acircmbito do Sistema dos Juizados Especiais o Nuacutecleo de Combate agraves Fraudes (NUCOF) vinculado agrave Coordenaccedilatildeo dos Juizados Especiais e composto por magistrados integrantes do Sistema com atri-buiccedilatildeo para ldquorecepcionar as notiacutecias de suspeita de fraude e artificialida-des processuais identificando o seu modus operandi e eventualmente estabelecendo recomendaccedilotildees que visem a uniformizaccedilatildeo de estrateacutegias para o enfrentamentordquo (TJBA 2020a)

43 PADRONIZACcedilAtildeO DE FLUXOS E AUTOMACcedilAtildeO DE PROCES-SOS PARA APRIMORAMENTO DA PRODUTIVIDADE DOS SERVIDORES PUacuteBLICOS

Destacamos como iniciativas voltadas agrave otimizaccedilatildeo da prestaccedilatildeo ju-risdicional aquelas voltadas agrave padronizaccedilatildeo de fluxos e automaccedilatildeo de processos que tem como consequecircncia o aprimoramento da produtivida-de dos servidores puacuteblicos e auxiliares da justiccedila

As medidas implementadas envolvem o desenvolvimento de robocircs para a automaccedilatildeo de tarefas cartoraacuterias repetitivas simplificando proce-dimentos reduzindo custos e consequentemente aumentando a cele-ridade processual no acircmbito dos Juizados Especiais e Turmas Recursais permitindo aos servidores maior dedicaccedilatildeo aos procedimentos com maior complexidade cognitiva (TJBA 2020a)

Conforme dados disponibilizados pelo Tribunal de Justiccedila baiano a Coordenaccedilatildeo Estadual dos Juizados Especiais jaacute desenvolveu diversos robocircs no ano de 2020 que atuam (i) na baixa automaacutetica de processos da 6ordf Turma Recursal para as respectivas varas (ii) na elaboraccedilatildeo de citaccedilotildees

10 Expressatildeo cunhada por Hilton Vieira em Hiperjudicializaccedilatildeo prognosticaacutevel disponiacute-vel em httpsfalcao1jusbrasilcombrartigos516930243hiperjudicializacao-prog-nosticavel

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(iii) juntada de certidotildees e intimaccedilotildees nos processos que tiveram audiecircn-cias suspensas ou remarcadas no periacuteodo da pandemia (iv) intimaccedilatildeo automaacutetica dos acoacuterdatildeos proferidos pela 6ordf Turma Recursal (v) intimaccedilatildeo automaacutetica de processos migrados do sistema SAJ para o PJe na Segunda Vara Ciacutevel de Salvador ndash BA Ademais desenvolveu-se a sistemaacutetica de geraccedilatildeo de DAJE unificado para o preparo recursal eliminando a necessi-dade de gerar manualmente ateacute 13(treze) tipos de DAJErsquo s um para cada ato processual (TJBA 2020a)

Por fim estaacute descrito como projeto departamental em desenvolvi-mento na gestatildeo 2020-2021 ferramenta com uso de automaccedilatildeo e inte-ligecircncia artificial que permitiraacute a ldquorealizaccedilatildeo de julgamento em lote por tema atraveacutes da identificaccedilatildeo de demandas repetidas decisotildees proferi-das sugerindo o modelo de documentos para utilizaccedilatildeo de acordo com o que lhe foi programado potencializando a celeridade processualrdquo (TJBA 2020a)

A identificaccedilatildeo das demandas repetidas assim consideradas aque-las com mesma causa de pedir decorre de processo de anaacutelise estatiacutes-tico das principais causas de demanda no estado que tenham chegado ao poder judiciaacuterio e que deveratildeo ter um tratamento uniforme pelos magistrados ainda que natildeo tenha sido instaurado Incidente de Reso-luccedilatildeo de Demanda Repetitiva ou instada a Turma de Uniformizaccedilatildeo de Jurisprudecircncia

A ferramenta ainda natildeo disponibilizada pode ser um importante ins-trumento para melhoria da qualidade da prestaccedilatildeo jurisdicional reduccedilatildeo da insatisfaccedilatildeo do jurisdicionado com eventuais decisotildees conflitantes e consequentemente a quantidade de recursos agraves Turmas Recursais apri-morando significativamente o prestaccedilatildeo do serviccedilo jurisdicional Ademais constituiraacute importante ferramenta para que o magistrado possa melhor conhecer e gerir as demandas da vara com recorte regionalizado e espe-ciacutefico daquela localidade

5 CONCLUSAtildeO

O acesso a uma ordem juriacutedica justa representa hoje a extensatildeo e amplitude constitucional do acesso agrave justiccedila e a uma razoaacutevel duraccedilatildeo do processo princiacutepios processuais fundamentais resguardados no artigo 5ordm da Constituiccedilatildeo Federal de 1988 que devem ser observados na complexa tarefa de gestatildeo dos sistemas judiciais

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Da mesma forma buscando a efetivaccedilatildeo do acesso a uma ordem juriacutedica justa a Lei do Juizado Especial de Pequenas Causas (nordm 724484) iniciou um processo de desburocratizaccedilatildeo dos procedimentos judiciais ldquoapoacutes diagnostico de que estava havendo uma litigiosidade contida por-que as partes natildeo sabiam a quem ou como recorrerrdquo A Lei ldquosignificou o primeiro rompimento do modelo liberal-individualista que estava no CPC em que predominava a autonomia individualrdquo (WATANABE 2019) consa-grado definitivamente pela Constituiccedilatildeo Federal anos depois e desenvol-vido atraveacutes do Sistema dos Juizados Especiais instituiacutedo e regulamenta-do pela Lei Federal nordm 9099 de 1995

Luiacutes Roberto Barroso na obra ldquoA Judicializaccedilatildeo da Vida e o Papel do Supremo Tribunal Federalrdquo define ldquojudicializaccedilatildeordquo como a mera possibilida-de de levar conflitos agrave apreciaccedilatildeo do Judiciaacuterio Atualmente contudo os Tribunais tem sido sobrecarregados com a hiperjudicializaccedilatildeo das relaccedilotildees sociais

Nesse sentido o Conselho Nacional de Justiccedila tem demonstrado es-pecial preocupaccedilatildeo com a desjudicializaccedilatildeo estiacutemulo aos meacutetodos alter-nativos de soluccedilatildeo de conflitos e efetivaccedilatildeo da justiccedila atraveacutes de projetos estrateacutegicos voltados a uma gestatildeo judicial proba ceacutelere transparente e atenta agraves demandas locais

Observa-se a partir dos projetos publicizados pelo Poder Judiciaacuterio do Estado da Bahia (TJBA 2020) que a Coordenaccedilatildeo do Sistema dos Jui-zados Especiais estabeleceu metodologia de atuaccedilatildeo baseada na coleta anaacutelise e avaliaccedilatildeo dos movimentos sociais e suas consequecircncias para a hiperjudicializaccedilatildeo dos conflitos o que entendemos corresponde a uma aplicaccedilatildeo praacutetica e eficiente da jurimetria na administraccedilatildeo da justiccedila

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Contribuiccedilotildees da jurimetria para a administraccedilatildeo da justiccedila

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O superendividamento tutelado no acircmbito do Sistema dos

Juizados Especiais do Tribunal de Justiccedila do Estado da Bahia

1 Poacutes-graduada em Direito Processual Civil pela Universidade Federal de Direito da Bahia servidora do Tribunal de Justiccedila do Estado da Bahia assessora da Coordena-ccedilatildeo dos Juizados Especiais

Maria Joseacute Oliveira e Silva1

Resumo A grave situaccedilatildeo de endividamento decorrente do voraz mercado de consumo associada ao atual momento pandecircmico im-potildee a proteccedilatildeo estatal atraveacutes da criaccedilatildeo de normativas proacuteprias e de poliacutetica puacuteblicas voltadas ao enfrentamento da questatildeo Este artigo faz uma breve explanaccedilatildeo acerca dos sistemas juriacutedicos protetivos analisa o arcabouccedilo normativo existente no nosso paiacutes e apresenta soluccedilotildees praacuteticas desenvolvidas pelo Poder Judiciaacuterio do Estado da Bahia para o enfrentamento da questatildeo

Palavras-chave Superendividamento Sistemas Juriacutedicos Praacuteticas do Poder Judiciaacuterio da Bahia

1 INTRODUCcedilAtildeO

O fenocircmeno do endividamento estaacute arraigado na sociedade contem-poracircnea como reflexo das relaccedilotildees de consumo cada dia mais agressivas que outorgam ao consumidor uma condiccedilatildeo de hipossuficiecircncia diante do grande apelo do mercado financeiro que impede o cidadatildeo muitas vezes de sair ileso das grandes ofertas de creacuteditos que fatalmente iratildeo impactar na sua situaccedilatildeo econocircmica comprometendo a sua sauacutede e o seu bem estar afetando consequentemente toda a estrutura familiar

Sensiacuteveis a relevante questatildeo enraizada na proteccedilatildeo agrave dignidade da pessoa humana os ordenamentos juriacutedicos de diversos paiacuteses vecircm bus-cando soluccedilotildees para o grave problema que atinge cada vez mais pessoas sobretudo nesse momento pandecircmico em que os iacutendices de endivida-

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mento subiram consideravelmente No Brasil o percentual de famiacutelias com diacutevidas atingiu em junho o recorde histoacuterico de 671 (sessenta e sete virgula um por cento) segundo a Pesquisa de Endividamento e Inadimplecircncia do Consumidor realizada pela Confederaccedilatildeo Nacional do Comeacutercio (CNC)2

O endividamento eacute uma questatildeo de relevante preocupaccedilatildeo univer-sal sendo consenso que eacute um fato social grave e atual em diversas partes do mundo assim como no nosso paiacutes merecendo atenccedilatildeo especial dos poderes puacuteblicos mediante a elaboraccedilatildeo de normativas especiacuteficas que possam atraveacutes de intervenccedilatildeo nos contratos de consumo criar um siste-ma protetivo direcionado a esta parcela da populaccedilatildeo atingida

2 DIREITO COMPARADO DA TUTELA DO ENDIVIDAMENTO

No modelo francecircs a Lei Neiertz com suas modificaccedilotildees numa orientaccedilatildeo social previu um processo de reestruturaccedilatildeo global da diacutevi-da de caraacuteter misto repartindo estrutural e funcionalmente em dois momentos sucessivos uma fase administrativa conciliatoacuteria e uma fase judicial (redressemnte judiciare civil) desencadeada apenas no caso do in-sucesso da primeira fase Ao lado dessas possibilidades haacute a da utilizaccedilatildeo do prazo de reflexatildeo (delai de reacuteflexion) como instrumento de prevenccedilatildeo do endividamento previsto somente em casos particulares como os de creacutedito ao consumo (PELLEGRINO 2016)

O Code de la Consommation na Repuacuteblica Francesa cuida da oferta de creacutedito e dos contratos imobiliaacuterios com normas protetivas aos consu-midores na fase preacute-negocial ndash coibindo a propaganda abusiva e estabele-cendo a plena eficaacutecia do dever lateral de informaccedilatildeo ndash e sancionando vio-lentamente os abusos como a perda do direito agrave percepccedilatildeo de juros Haacute um controle riacutegido sobre as formas de cobranccedila das diacutevidas conservando a imagem e a honra do devedor em face de meacutetodos agressivos utilizados pelos credores E na hipoacutetese de endividamento excessivo ou da super-veniecircncia de ruiacutena econocircmica eacute estabelecido um complexo sistema de renegociaccedilotildees e de tutela patrimonial do devedor Na hipoacutetese de execu-ccedilatildeo instaurada pode-se invocar a exceccedilatildeo de superendividamento Com

2 Pesquisa realizada na data de 09112020 no endereccedilo httpseconomiauolcombrnoticiasestadao-conteudo20200619endividamento-de-familias-bate-recor-de-diz-cnchtm

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isso a pedido da comissatildeo de superendividamento o processo poderaacute ser suspenso (artigo L331-5) Os comissaacuterios elaboraratildeo juntamente com as partes um plano de recuperaccedilatildeo econocircmico-financeira do devedor Desta forma o perfil da diacutevida seraacute alongado e novas disposiccedilotildees seratildeo pactua-das visando adequar o negoacutecio agraves reais condiccedilotildees econocircmico-financeiras do devedor (RODRIGUES JR 2013)

A jurisprudecircncia francesa deu alguns contornos a esses dispositivos do Coacutedigo de Consumo ao estilo dos seguintes (a) considera-se ter agido de boa-feacute o devedor cujo superendividamento deu-se por sua imprudecircn-cia ou imprevidecircncia (b) a boa-feacute do devedor eacute presumida competindo aos credores provar o contraacuterio (c) a comissatildeo de superendividamento tem competecircncia para analisar os deacutebitos vencidos e os vincendos (RO-DRIGUES JR 2013)

No direito americano emergiu um modelo neoliberal que encara o endividamento como um risco associado agrave expansatildeo do mercado finan-ceiro e em razatildeo disso investe na socializaccedilatildeo do risco de desenvolvimen-to do creacutedito concebendo uma responsabilidade limitada para os consu-midores sendo o perdatildeo da diacutevida a principal medida concretizadora do fresh start concedida ao consumidor (RODRIGUES JR 2013 apud RAMSAY 1997)

Acerca do sistema americano o perdatildeo das diacutevidas eacute o fim e o come-ccedilo no sentido que encerra o procedimento legal da falecircncia com efeito de coisa julgada e o comeccedilo porque estaacute relacionado agrave concessatildeo de uma nova oportunidade aos devedores honestos de recomeccedilar a vida sem o peso opressivo psicoloacutegico de diacutevidas anteriores O perdatildeo pode ser obti-do no iniacutecio do procedimento quando natildeo haacute bens a liquidar ou apoacutes o cumprimento de um plano de pagamento que contemple o reembolso de parte das diacutevidas (PELLEGRINO 2016)

Quanto ao procedimento o devedor entrega uma peticcedilatildeo no tribunal de falecircncias com informaccedilotildees precisas sobre os credores natureza e mon-tante das diacutevidas fonte valor e regularidade dos rendimentos que aufere seus bens e seus encargos mensais essenciais (alimentaccedilatildeo transporte impostos medicamentos aluguel etc) Com a mera entrega da peticcedilatildeo as execuccedilotildees ficam suspensas Decorridos 20 a 40 dias apoacutes a entrega da peticcedilatildeo realiza-se uma reuniatildeo de credores com a presenccedila indispensaacutevel do devedor que deve responder a eventuais questotildees apresentadas pe-los credores sobre seus bens e negoacutecios e do administrador da falecircncia (LIMA 2014)

O superendividamento tutelado no acircmbito do Sistema dos Juizados Especiais do Tribunal de Justiccedila do Estado da Bahia

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3 ASPECTOS DO ORDENAMENTO JURIacuteDICO BRASILEIRO

No Brasil diante da nova ordem constitucional de 1988 e seguindo tendecircncia mundial atraveacutes do comando constitucional a tutela do endivi-damento estaacute amparada nos princiacutepios do equiliacutebrio contratual da boa-feacute da funccedilatildeo social e da dignidade da pessoa humana

A dignidade da pessoa humana eacute pilar da estrutura constitucional brasileira sendo

designada por muitos doutrinadores como macroprinciacutepio do or-denamento constitucional natildeo eacute por acaso que o referido princiacutepio foi inserido na carta magna como fundamento da Repuacuteblica Federativa do Brasil (art 1ordm III)3

A dignidade da pessoa humana eacute o fundamento axioloacutegico do di-reito eacute a razatildeo de ser da proteccedilatildeo fundamental do valor da pessoa e por conseguinte da humanidade do ser e da responsabilidade que cada homem tem pelo outro (NERY Jr 1995) Por isso se diz que a justiccedila como valor eacute o nuacutecleo central da axiologia juriacutedica e a marca desse valor fun-damental de justiccedila eacute o homem princiacutepio e razatildeo de todo o direito (GIL HERNANDEZ 1987)

Para conceder eficaacutecia a norma constitucional contida no artigo 5ordm XXXII4 criou-se o Coacutedigo de Defesa do Consumidor atraveacutes da Lei 8078 de 11 de setembro de 1990 objetivando a realizaccedilatildeo da igualdade subs-tancial e a socializaccedilatildeo atraveacutes da intervenccedilatildeo na atividade econocircmica (art 170 CF)5 como instrumentos garantidores da dignidade da pessoa humana

Os princiacutepios elencados na lei consumerista contaminaram todo o di-reito privado sobretudo a partir da ideia de confianccedila inerente da boa-feacute

3 CF Art 1ordm A Repuacuteblica Federativa do Brasil formada pela uniatildeo indissoluacutevel dos Estados e Municiacutepios e do Distrito Federal constitui-se em Estado Democraacutetico de Direito e tem como fundamentos III ndash a dignidade da pessoa humana

4 CF Art 5ordm XXXII ndash o Estado promoveraacute na forma da lei a defesa do consumidor

5 CF Art 170 A ordem econocircmica fundada na valorizaccedilatildeo do trabalho humano e na livre iniciativa tem por fim assegurar a todos existecircncia digna conforme os ditames da justiccedila social observados os seguintes princiacutepios V ndash defesa do consumidor

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objetiva consagrada como princiacutepio da poliacutetica nacional das relaccedilotildees de consumo (art 4ordm IV CDC)6

No Brasil na esteira da relevacircncia constitucional atribuiacuteda agrave proteccedilatildeo do consumidor o Coacutedigo de Defesa do Consumidor em seu artigo 4ordm III7 positivou a boa-feacute objetiva estabelecendo elo entre a proteccedilatildeo do con-sumidor e o manto axioloacutegico do ordenamento juriacutedico em cujo veacutertice encontra-se a dignidade da pessoa humana tornando-se portanto vetor das relaccedilotildees negociais privadas em face a normativa constitucional justi-ficando sua aplicaccedilatildeo para aleacutem das relaccedilotildees de consumo (PELLEGRINO 2016)

Na esteira desse entendimento a partir do advento do Coacutedigo Civil de 2002 a boa-feacute objetiva passou a alcanccedilar as relaccedilotildees privadas indis-tintamente independente de qualquer vulnerabilidade na condiccedilatildeo de princiacutepio geral do direito das obrigaccedilotildees (art 422 CC)8

A boa feacute objetiva se qualifica como uma norma de comportamento leal uma norma necessariamente nuanccedilada mais propriamente constitui--se um modelo juriacutedico ndash na medida em que se reveste de variadas formas de variadas concreccedilotildees (MARTINS 1999) ldquodenotando e conotando em sua formaccedilatildeo uma pluridiversidade de elementos entre si interligados numa unidade de sentido loacutegicordquo (REALE 1968)

6 Art 4ordm CDC A Poliacutetica Nacional das Relaccedilotildees de Consumo tem por objetivo o aten-dimento das necessidades dos consumidores o respeito agrave sua dignidade sauacutede e seguranccedila a proteccedilatildeo de seus interesses econocircmicos a melhoria da sua qualidade de vida bem como a transparecircncia e harmonia das relaccedilotildees de consumo atendidos os seguintes princiacutepios (Redaccedilatildeo dada pela Lei nordm 9008 de 2131995) IV ndash educaccedilatildeo e informaccedilatildeo de fornecedores e consumidores quanto aos seus direitos e deveres com vistas agrave melhoria do mercado de consumo

7 Art 4ordm CDC A Poliacutetica Nacional das Relaccedilotildees de Consumo tem por objetivo o aten-dimento das necessidades dos consumidores o respeito agrave sua dignidade sauacutede e seguranccedila a proteccedilatildeo de seus interesses econocircmicos a melhoria da sua qualidade de vida bem como a transparecircncia e harmonia das relaccedilotildees de consumo atendidos os seguintes princiacutepios (Redaccedilatildeo dada pela Lei nordm 9008 de 2131995) III ndash harmoni-zaccedilatildeo dos interesses dos participantes das relaccedilotildees de consumo e compatibilizaccedilatildeo da proteccedilatildeo do consumidor com a necessidade de desenvolvimento econocircmico e tecnoloacutegico de modo a viabilizar os princiacutepios nos quais se funda a ordem econocirc-mica (art 170 da Constituiccedilatildeo Federal) sempre com base na boa-feacute e equiliacutebrio nas relaccedilotildees entre consumidores e fornecedores

8 Art 422 CC Os contratantes satildeo obrigados a guardar assim na conclusatildeo do contra-to como em sua execuccedilatildeo os princiacutepios de probidade e boa-feacute

O superendividamento tutelado no acircmbito do Sistema dos Juizados Especiais do Tribunal de Justiccedila do Estado da Bahia

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A boa feacute objetiva eacute norma cujo conteuacutedo natildeo pode ser rigidamente fixado dependendo sempre das concretas circunstacircncias do caso sendo regra de caraacuteter marcadamente teacutecnico-juriacutedico porque enseja a soluccedilatildeo dos casos particulares no quadro dos demais modelos juriacutedicos postos em cada ordenamento sendo por estas caracteriacutesticas uma norma proteifoacuter-mica que convive com um sistema necessariamente aberto isso eacute o que enseja a sua proacutepria permanente construccedilatildeo e controle (MARTINS 1999)

Portanto pode-se afirmar que indubitavelmente esse cenaacuterio legis-lativo outorgou uma nova racionalidade material ao direito que imprimiu uma recente realidade juriacutedica nacional que reclama proteccedilatildeo das rela-ccedilotildees de consumo e tratativa diferenciada para o endividamento jaacute que este eacute fruto da poliacutetica de consumo da sociedade capitalista

A Resoluccedilatildeo 125 do CNJ de 29 de novembro de 2010 e suas altera-ccedilotildees ao dispor sobre a Poliacutetica Judiciaacuteria Nacional de tratamento adequa-do dos conflitos de interesses no acircmbito do Poder Judiciaacuterio determina a disseminaccedilatildeo da pacificaccedilatildeo social mediante o incentivo da conciliaccedilatildeo e mediaccedilatildeo atraveacutes da criaccedilatildeo de poliacutetica de tratamento dos conflitos de interesses tendente a assegurar a todos o direito agrave soluccedilatildeo dos conflitos por meios adequados agrave sua natureza e peculiaridade antes da soluccedilatildeo adjudicada mediante sentenccedila oferecer outros mecanismos de soluccedilotildees de controveacutersias em especial os chamados meios consensuais bem assim prestar atendimento e orientaccedilatildeo ao cidadatildeo9

Eacute cediccedilo que a mediaccedilatildeo e a conciliaccedilatildeo satildeo instrumentos efetivos de pacificaccedilatildeo social soluccedilatildeo e prevenccedilatildeo de litiacutegios e que a sua apropriada disciplina em programas jaacute implementados nos paiacutes tem reduzido a ex-cessiva judicializaccedilatildeo dos conflitos de interesses a quantidade de recursos e de execuccedilatildeo de sentenccedilas

O sistema de proteccedilatildeo da pessoa humana na condiccedilatildeo de pessoa fiacutesica deve abarcar uma normativa proacutepria para tratar do endividamento

9 Art 1ordm Paraacutegrafo uacutenico da Resoluccedilatildeo 12510 CNJ Aos oacutergatildeos judiciaacuterios incumbe nos termos do art 334 do Coacutedigo de Processo Civil de 2015 combinado com o art 27 da Lei 13140 de 26 de junho de 2015 (Lei de Mediaccedilatildeo) antes da soluccedilatildeo adjudi-cada mediante sentenccedila oferecer outros mecanismos de soluccedilotildees de controveacutersias em especial os chamados meios consensuais como a mediaccedilatildeo e a conciliaccedilatildeo bem assim prestar atendimento e orientaccedilatildeo ao cidadatildeo (Redaccedilatildeo dada pela Resoluccedilatildeo nordm 326 de 2662020)

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sobretudo pelas normas principioloacutegicas acima citadas que demandam uma proteccedilatildeo do indiviacuteduo consumidor na sua condiccedilatildeo de

hipossuficiente e que portanto preveja um processo de recuperaccedilatildeo da situaccedilatildeo financeira do indiviacuteduo a exemplo da legislaccedilatildeo norte ameri-cana que contempla o perdatildeo da totalidade das diacutevidas ou da francesa que valoriza a composiccedilatildeo amigaacutevel dos interessados

4 ANAacuteLISE DO PROJETO DE LEI Nordm 35152015 ndash TRATATIVA DO SUPERENDIVIDAMENTO

Impende ressaltar que atendendo a essa necessidade legislativa existe o Projeto de Lei 35152015 em tracircmite na Cacircmara dos Deputados de autoria do senador Joseacute Sarney que altera o Coacutedigo de Defesa do Con-sumidor e o Estatuto do Idoso para aperfeiccediloar a disciplina do creacutedito e dispor sobre a prevenccedilatildeo e o tratamento do superendividamento no Brasil Atualmente o referido projeto encontra-se pronto para Pauta na Comissatildeo Especial destinada a proferir parecer

Dentre as principais mudanccedilas sugeridas para a alteraccedilatildeo do Coacutedigo de Defesa do Consumidor destaca-se a inclusatildeo no rol dos princiacutepios da Poliacutetica Nacional das Relaccedilotildees de Consumo dentre as accedilotildees governamen-tais de proteccedilatildeo do consumidor o fomento de accedilotildees visando agrave educaccedilatildeo financeira e ambiental dos consumidores e a prevenccedilatildeo e tratamento do superendividamento como forma de evitar a exclusatildeo social do consumi-dor (artigo 4ordm incisos IX e X)

O suso projeto normativo determina que o poder puacuteblico como meio de execuccedilatildeo da Poliacutetica Nacional das Relaccedilotildees de Consumo deveraacute ins-tituir mecanismos de prevenccedilatildeo e tratamento extrajudicial e judicial do superendividamento e de proteccedilatildeo do consumidor pessoa natural bem como criaraacute nuacutecleos de conciliaccedilatildeo e mediaccedilatildeo de conflitos oriundos de superendividamento (artigo 5ordm VI e VII)

A guisa de enumeraccedilatildeo pode-se ainda citar que o projeto de lei traz a inserccedilatildeo de outros direitos baacutesicos do consumidor elencados no artigo 6ordm do CDC consubstanciados na garantia de praacuteticas de creacutedito respon-saacutevel de educaccedilatildeo financeira e de prevenccedilatildeo e tratamento de situaccedilotildees de superendividamento preservado o miacutenimo existencial nos termos da regulamentaccedilatildeo por meio da revisatildeo e repactuaccedilatildeo da diacutevida entre outras medidas na preservaccedilatildeo do miacutenimo existencial na repactuaccedilatildeo

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de diacutevidas na concessatildeo de creacutedito e na obrigatoriedade de informaccedilatildeo acerca dos preccedilos e condiccedilotildees do negoacutecio

Ressalte-se que o importante projeto de lei em anaacutelise insere Ca-piacutetulo proacuteprio (Capiacutetulo VI-A) no Coacutedigo de Defesa do Consumidor para regulamentar a prevenccedilatildeo e o

tratamento do superendividamento dispondo sobre o creacutedito res-ponsaacutevel e sobre a educaccedilatildeo financeira do consumidor

A sobredita norma traz conceito expresso acerca do superendivida-mento caracterizado pela impossibilidade manifesta de o consumidor pessoa natural de boa-feacute pagar a totalidade de suas diacutevidas de consumo exigiacuteveis e vincendas sem comprometer seu miacutenimo existencial (art 54-A sect 1ordm) estabelece tambeacutem regras para a oferta do produto mediante in-formaccedilotildees preacutevias e adequadas acerca do custo efetivo total taxa efetiva mensal taxas de juros total de encargos de qualquer natureza previstos para o atraso no pagamento momento de prestaccedilotildees prazo de validade da oferta direito do consumidor de liquidaccedilatildeo antecipada dentre outras medidas colimando resguardar a lisura no contrato (art 54-B incisos I a V)

O referido projeto de lei traz no seu bojo tambeacutem alguns deveres inerentes ao fornecedor dentre os quais informar e esclarecer adequa-damente o consumidor considerando a sua idade sauacutede conhecimento e condiccedilatildeo social sobre a natureza e a modalidade do creacutedito avaliar a capacidade e as condiccedilotildees de pagamento da diacutevida contratada mediante solicitaccedilatildeo da documentaccedilatildeo necessaacuteria e das informaccedilotildees disponiacuteveis em bancos de dados de proteccedilatildeo ao creacutedito determinando como sanccedilatildeo pelo descumprimento a possibilidade de judicialmente obter a inexigi-bilidade ou a reduccedilatildeo dos juros dos encargos ou de quaisquer acreacutescimo ao principal bem como a dilaccedilatildeo do prazo para pagamento conforme a gravidade da conduta do fornecedor e as possibilidades financeiras do consumidor sem prejuiacutezo de outras sanccedilotildees e de indenizaccedilatildeo por perdas e danos patrimoniais e morais (art 54-D)

No bojo do citado projeto haacute previsatildeo do direito de desistecircncia sem motivaccedilatildeo da contrataccedilatildeo de creacutedito consignado a contar da data da ce-lebraccedilatildeo do contrato no prazo de 7 dias (sect 2ordm do artigo 54-E)

O mencionado projeto ainda prevecirc um procedimento de repactua-ccedilatildeo de diacutevidas atraveacutes do qual o juiz poderaacute instaurar processo com au-diecircncia conciliatoacuteria em que o consumidor apresentaraacute proposta de plano

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de pagamento com prazo maacuteximo de 5 anos preservando o miacutenimo exis-tencial bem como as garantias e as formas de pagamento originalmente pactuadas (art 104-A)

Por fim prevecirc o citado projeto que natildeo exitosa a conciliaccedilatildeo em rela-ccedilatildeo a quaisquer credores o juiz a pedido do consumidor instauraraacute pro-cesso por superendividamento para revisatildeo e integraccedilatildeo dos contratos e repactuaccedilatildeo das diacutevidas remanescentes mediante plano

judicial compulsoacuterio procedendo agrave citaccedilatildeo de todos os credores cujos creacuteditos natildeo tenham integrado o acordo porventura celebrado (Art 104-B)

Tal iniciativa legislativa vem de encontro com a tutela do superendi-vidamento na esteira do movimento mundial garantista da proteccedilatildeo do consumidor sendo importante vetor do equiliacutebrio contratual em obser-vacircncia do arcabouccedilo principioloacutegico amplamente debatido sobretudo da dignidade da pessoa humana e da aplicaccedilatildeo da boa-feacute objetiva nas relaccedilotildees contratuais

5 PROJETO DESENVOLVIDO PELA COORDENACcedilAtildeO DO SIS-TEMA DOS JUIZADOS ESPECIAIS DO TRIBUNAL DE JUSTI-CcedilA DO ESTADO DA BAHIA

Nesta senda o Poder Judiciaacuterio do Estado da Bahia na atual gestatildeo do Excelentiacutessimo Desembargador Lourival Trindade por intermeacutedio da Coordenaccedilatildeo dos Juizados Especiais sob a direccedilatildeo da brilhante magis-trada Fabiana Andreacutea de Almeida Oliveira Pellegrino vem desenvolvendo importante trabalho de proteccedilatildeo ao superendividamento

A Coordenaccedilatildeo dos Juizados Especiais desenvolve projeto depar-tamental com o objetivo de renegociar na fase conciliatoacuteria diacutevidas de pessoa fiacutesica mediante prestaccedilatildeo de serviccedilos especializados atraveacutes de um Nuacutecleo de Prevenccedilatildeo e Tratamento do Superendividamento

Na data de 17 de marccedilo de 2020 foi publicado o Decreto Judiciaacuterio nordm 210 de 16 de marccedilo de 2020 que instituiu o Nuacutecleo de Prevenccedilatildeo e Tratamento do Superendividamento no acircmbito do Sistema dos Juizados Especiais do Estado da Bahia

O Nuacutecleo de Prevenccedilatildeo e Tratamento do Superendividamento tem objetivo de na esfera preacute-processual possibilitar a renegociaccedilatildeo coletiva ou individualizada de diacutevidas decorrentes de relaccedilatildeo de consumo do de-

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vedor pessoa fiacutesica de boa-feacute desprovido de condiccedilotildees para quitar seus deacutebitos sem prejuiacutezo de sua proacutepria subsistecircncia com todos os seus creacute-ditos e possibilitar nesse contexto a devida formaccedilatildeo e compreensatildeo da sociedade de consumo a partir da psicologia do consumo (art 2ordm)

O Nuacutecleo possui competecircncia para atender de modo qualificado o consumidor previamente agendado realizando anamnese da sua vida social econocircmica financeira e pessoal mediante o preenchimento de for-mulaacuterio no intuito de aferir a real situaccedilatildeo do superendividamento para promover em parcerias com instituiccedilotildees privadas ou puacuteblicas oficinas interdisciplinares de tratamento para realizar audiecircncia de renegociaccedilatildeoconciliaccedilatildeo preacute-processual entre o consumidor superendividado e os seus credores assim como para atermar e distribuir mediante provocaccedilatildeo do consumo superendividado o pedido inicial para uma das Varas do Sistema Estadual dos Juizados Especiais do Consumidor caso natildeo celebrado acor-do na audiecircncia de renegociaccedilatildeo (art 3ordm e incisos)

O agendamento poderaacute ser realizado eletronicamente atraveacutes do Sistema Central de Agendamento disponiacutevel na paacutegina do Tribunal de Justiccedila (wwwtjbajusbrcentradeagendamento) ou tambeacutem presencial-mente no proacuteprio Nuacutecleo nas hipoacuteteses de eventual impossibilidade ressaltando-se que em razatildeo da pandemia dever-se-aacute realizar o preacutevio agendamento nos termos do Ato Conjunto nordm 242020 (art 2ordm)10

O Decreto Judiciaacuterio nordm 2102020 sensiacutevel ao quanto determina o projeto de Lei 351515 que erigiu como um dos direitos baacutesicos do consu-midor a garantia da educaccedilatildeo financeira e de prevenccedilatildeo nas situaccedilotildees de superendividamento determina como obrigatoacuterio o encaminhamento do consumidor agrave oficina de educaccedilatildeo financeira como requisito preacutevio para a realizaccedilatildeo da audiecircncia de conciliaccedilatildeo (art 5ordm e 6ordm)

Para fins de subsidiar as oficinas de educaccedilatildeo financeira do Nuacutecleo de Prevenccedilatildeo e Tratamento do Superendividamento o Tribunal de Justiccedila estaacute firmando Acordo de Cooperaccedilatildeo Teacutecnica com a Sociedade Bahiana de Educaccedilatildeo e Cultura SA ndash Centro Universitaacuterio Jorge Amado para dotar essas oficinas de professores coordenadores das aacutereas de direito psicolo-

10 Art 2ordm do Ato Conjunto nordm 242020 Fica autorizado o acesso das partes advogados membros da Defensoria Puacuteblica e do Ministeacuterio Puacuteblico agraves dependecircncias do PJBA mediante preacutevio agendamento e somente nas hipoacuteteses em que natildeo for possiacutevel a realizaccedilatildeo do atendimento remoto destes em consonacircncia com o Decreto Judiciaacuterio nordm 385 de 08 de julho de 2020

Maria Joseacute Oliveira e Silva

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gia administraccedilatildeo de empresas e ciecircncias contaacutebeis que contaraacute com a participaccedilatildeo de discentes dos cursos de graduaccedilatildeo eou poacutes-graduaccedilatildeo a fim de fornecer noccedilotildees baacutesicas de organizaccedilatildeo orccedilamentaacuteria psicologia da economia psicologia do consumo direitos baacutesicos dos consumido-res matemaacutetica financeira dentre outros temas aleacutem de orientar e dar suporte informacional ao superendividado balizando as propostas de renegociaccedilatildeo conforme as possibilidades do devedor colimando a inclu-satildeo socioeconocircmica do superendividado na sociedade e no universo do empreendedorismo

Ademais estatildeo sendo assinados tambeacutem dois outros Termos de Coo-peraccedilatildeo Teacutecnica um com a Defensoria Puacuteblica o Ministeacuterio Puacuteblico a Se-cretaria de Justiccedila Direitos Humanos e Desenvolvimento Social ndash PROCON e outro com os Tabelionatos de Protesto de Tiacutetulos e Documentos da Co-marca de Salvador visando a participaccedilatildeo efetiva destas Instituiccedilotildees no sentido de identificarem e orientarem em seus atendimentos consumi-dores nesta situaccedilatildeo de superendividamento os encaminhando para o Nuacutecleo de Prevenccedilatildeo e Tratamento do Superendividamento

Ressalte-se que em razatildeo do atual momento pandecircmico em que fo-ram suspensas as audiecircncias presenciais foi baixada Portaria nordm 3272020-COJE de lavra da Excelentiacutessima Juiacuteza Assessora Fabiana Andreacutea de Almeida Oliveira Pellegrino que regulamentou as audiecircncias por video-conferecircncia no acircmbito do aludido Nuacutecleo determinando a realizaccedilatildeo atraveacutes do aplicativo Lifesize e o agendamento mediante expediccedilatildeo de carta convite enviada por e-mail ou whatsapp direcionada para o deve-dor e credores contendo o link de acesso agrave sala virtual e que o Termo de Acordo deveraacute ser distribuiacutedo para uma das Varas de Defesa do Consumi-dor para fins de homologaccedilatildeo judicial

Com vistas a divulgar o trabalho desenvolvido a Coordenaccedilatildeo dos Juizados elaborou cartazes e folhetos que estatildeo sendo enviados para os Foacuteruns e os Tabelionatos de Protestos do Estado com informaccedilotildees acerca do que eacute o superendividamento com questionaacuterio para o cidadatildeo iden-tificar se encontra-se nesta situaccedilatildeo explicando o trabalho do Nuacutecleo de Prevenccedilatildeo e Tratamento do Superendividamento quem pode ser atendi-do e como funciona

6 CONCLUSAtildeO

Nesse encerro constata-se que natildeo se pode hoje em dia deixar agrave margem da proteccedilatildeo estatal a questatildeo do endividamento jaacute que este eacute fe-

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nocircmeno atual de relevante preocupaccedilatildeo universal que merece a atenccedilatildeo especial dos poderes puacuteblicos

Atento a esta necessidade pungente de criaccedilatildeo de mecanismos pro-tecionistas diante da grave questatildeo social e do nuacutemero cada vez maior de consumidores com a renda familiar totalmente comprometida pelos com-promissos financeiros o nosso Poder Judiciaacuterio atraveacutes da criaccedilatildeo e da atuaccedilatildeo efetiva do Nuacutecleo de Prevenccedilatildeo e Tratamento do Superendivida-mento oferece ao cidadatildeo comum meios de recuperar a sua sauacutede finan-ceira atuando sobretudo na reeducaccedilatildeo destes indiviacuteduos fornecendo noccedilotildees de organizaccedilatildeo orccedilamentaacuteria psicologia da economia e do con-sumo por intermeacutedio das Oficinas realizadas em parceria com Instituiccedilotildees de ensino aleacutem de possibilitar a conciliaccedilatildeo do pagamento do deacutebito

Tais poliacuteticas puacuteblicas abraccediladas pelo nosso Poder Judiciaacuterio do Es-tado dialogam de forma harmocircnica com o direito comparado e tambeacutem com o Projeto de Lei nordm 351515 que traz para o bojo do nosso Coacutedigo de Defesa do Consumidor de forma definitiva a tutela do superendivi-damento e que portanto merecem todos os nossos aplausos vez que atuam na proteccedilatildeo da dignidade da pessoa humana

7 REFEREcircNCIASCOSTA Judith Martins A Boa-Feacute no Direito Privado 1999 editora Revista dos Tribunais

RT

GIL Antonio Hernandez Conceptos Juriacutedicos Fundamentales Obras Completas v I Ma-drid Espasa Calpe 1987 p 44

LIMA Clarissa Costa de O tratado do Superendividamento e o direito de recomeccedilar dos consumidores Satildeo Paulo RT 2014

REALE Miguel O direito como experiecircncia Editora Saraiva Satildeo Paulo 1968

Jr Nelson Nery Ed Thomson Reuters Direito Constitucional Brasileiro ed 2019 O cons-titucionalismo e os Princiacutepios constitucionais citando Joatildeo Paulo II Evangelium Vitae Satildeo Paulo Ediccedilotildees Paulina 1995

RODRIGUES JUNIOR Otaacutevio Luiz Direito Comparado Artigo Consultor Juriacutedico CONJUR Conselho francecircs rege casos de superendividamento Disponiacutevel em httpswwwconjurcombr2013-fev-13direito-comparado-conselho-frances-rege-casos--superendividamento

PELLEGRINO Fabiana Andrea de Almeida Oliveira A tutela juriacutedica do superendivida-mento ed Podivm 2ordf ediccedilatildeo 2016

AMSAY Ian Models of Consumer Brunkrupcty Implications for research and policy Journal of Consumer Policy 201997

Maria Joseacute Oliveira e Silva

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Audiecircncia de conciliaccedilatildeo no acircmbito dos Juizados Especiais da Fazenda Puacuteblica

a indispensaacutevel concretizaccedilatildeo do acesso agrave ordem juriacutedica justa

1 Poacutes-Graduada em Processo Civil pela Universidade Federal da Bahia Servidora do Tribunal de Justiccedila do Estado da Bahia

2 Poacutes-Graduada em Direito Processual Penal pela Universidade Anhanguera Servidora do Tribunal de Justiccedila do Estado da Bahia

3 Poacutes-Graduanda em Direito Constitucional Aplicado e em Direito do Consumidor pela Faculdade Legale Assessora de Magistrado no Tribunal de Justiccedila do Estado da Bahia

Maria Joseacute Oliveira e Silva1

Nataacutelia Cavalcanti de Arauacutejo2

Paula Gargur Calmon Teixeira da Silva3

Resumo A autocomposiccedilatildeo dos litiacutegios eacute vetor para a outorga de prestaccedilatildeo jurisdicional ceacutelere e eficiente O objetivo deste artigo eacute de-monstrar a indispensabilidade da audiecircncia de conciliaccedilatildeo nos feitos fazendaacuterios dos Juizados Especiais atraveacutes de anaacutelise interpretativa do sistema juriacutedico vigente

Palavras-chave Audiecircncia de conciliaccedilatildeo pacificaccedilatildeo social Juiza-dos Especiais da Fazenda Puacuteblica acesso agrave justiccedila

1 INTRODUCcedilAtildeO

Com o advento da Constituiccedilatildeo Federal de 1988 inaugurando uma nova ordem juriacutedica sob o paacutelio da democracia as formas alternativas de pacificaccedilatildeo social de conflitos ganharam nova roupagem estabelecendo--se como passo anterior agrave judicializaccedilatildeo A par dessa realidade a promo-ccedilatildeo de meios consensuais se firmou como uma soluccedilatildeo agrave hiperjudicializa-ccedilatildeo das relaccedilotildees sociais que jaacute tornava o Poder Judiciaacuterio um recocircndito moroso e ineficaz

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No acircmbito dos Juizados Especiais criados com o intuito de conferir celeridade e simplicidade agraves relaccedilotildees juriacutedicas de menor complexidade a audiecircncia de conciliaccedilatildeo assume o papel de concretizar o acesso funda-mental agrave ordem juriacutedica justa na medida em que convida o cidadatildeo a ser participante efetivo do procedimento exercendo sua cidadania e dignida-de aleacutem de contribuir para que o processo tenha uma duraccedilatildeo razoaacutevel e seja eficiente nos termos do Texto Constitucional

Nesse ensejo eacute indispensaacutevel que a assentada conciliatoacuteria mesmo nos feitos que tramitam contra a Fazenda Puacuteblica seja ultimada em seu escopo final espelhando a escolha constitucional pela pacificaccedilatildeo social assim como as diretrizes administrativas do Conselho Nacional de Justiccedila que desde os idos de 2010 vem trazendo relevo aos mecanismos con-sensuais de soluccedilatildeo de litiacutegios como vertente do direito fundamental de acesso agrave justiccedila

O objetivo deste artigo portanto eacute demonstrar a importacircncia da au-diecircncia de conciliaccedilatildeo nos feitos fazendaacuterios

2 CONSTITUCIONALIZACcedilAtildeO DO DIREITO PROCESSUAL E O NEOPROCESSUALISMO

Agrave luz do microssistema dos Juizados Especiais exsurge niacutetida a opccedilatildeo principioloacutegica do legislador pelo estiacutemulo constante agrave autocomposiccedilatildeo como meio de alcanccedilar a economia processual celeridade e eficiecircncia da prestaccedilatildeo jurisdicional Tal perspectiva ressoa como consectaacuterio loacutegico da constitucionalizaccedilatildeo do direito movimento que determina a interpretaccedilatildeo de todo o ordenamento paacutetrio em conformidade agraves diretrizes constitucio-nais

O fenocircmeno da constitucionalizaccedilatildeo do direito processual pode ser analisado sob duas vertentes a primeira eacute aquela que reconhece a incor-poraccedilatildeo de normas processuais aos textos constitucionais inclusive sob a forma de direito fundamental agrave exemplo do devido processo legal A segunda eacute a que passa a entender as normas processuais infraconstitu-cionais como concretizadoras das disposiccedilotildees constitucionais trazendo a Constituiccedilatildeo Federal para o epicentro das relaccedilotildees juriacutedicas ao mesmo tempo em que estabelece uma hierarquizaccedilatildeo pois a lei processual so-mente poderaacute ser interpretada e ordenada em sua estrita conformidade

Natildeo eacute despiciendo rememorar que o ilustre processualista Calmon de Passos jaacute lecionava

Maria Joseacute Oliveira e Silva bull Nataacutelia Cavalcanti de Arauacutejo bull Paula Gargur Calmon Teixeira da Silva

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Devido processo constitucional jurisdicional cumpre esclarecer para evitar sofismas e distorccedilotildees maliciosas natildeo eacute sinocircnimo de formalis-mo nem culto da forma pela forma do rito pelo rito sim um comple-xo de garantias miacutenimas contra o subjetivismo e o arbiacutetrio dos que tecircm poder de decidir (PASSOS 2003)

Eacute nesta senda que o artigo 1ordm do Coacutedigo de Processo Civil4 destaca seu caraacuteter simboacutelico e enuncia a norma elementar de um sistema cons-titucional as normas juriacutedicas derivam da Constituiccedilatildeo e devem estar em conformidade com ela (DIDIER 2020) exigindo natildeo somente o CPC mas tambeacutem as Leis nordm 909995 e 121532009 esta interpretaccedilatildeo consoante os valores e normas fundamentais estabelecidas no Texto Magno

Os meacutetodos de soluccedilatildeo consensual dos conflitos que devem ser constantemente analisados sob este vieacutes neoprocessualista representam papel essencial para a desjudicializaccedilatildeo das controveacutersias colaborando com a resoluccedilatildeo de problemas estruturais da justiccedila inclusive em relaccedilatildeo agraves dificuldades orccedilamentaacuterias e financeiras enfrentadas pelas diversas Cor-tes do paiacutes O estiacutemulo agrave conciliaccedilatildeo representa em essecircncia o propoacutesito de conferir forccedila ao postulado da duraccedilatildeo razoaacutevel do processo ao mes-mo tempo em que torna eficaz a prestaccedilatildeo jurisdicional sem se esquivar da pacificaccedilatildeo social Nesta linha Teresa Arruda salienta ao discorrer sobre a conciliaccedilatildeo

Eacute uma forma mais adequada ceacutelere econocircmica e eficaz de resoluccedilatildeo de conflitos que a intervenccedilatildeo judicial Permite que pelas concessotildees reciacuteprocas as partes cheguem a um resultado mais vantajoso que a manutenccedilatildeo dos conflitos Pode promover a reaproximaccedilatildeo das par-tes (e inclusive restaurar relacionamentos prolongados) Evita ainda que o litiacutegio seja resolvido com uma decisatildeo impositiva do Estado--Juiz o que contribui para o descongestionamento do Poder Judiciaacute-rio Poreacutem a principal justificativa para a utilizaccedilatildeo da conciliaccedilatildeo eacute o estiacutemulo a cooperaccedilatildeo e a pacificaccedilatildeo sociais (WAMBIER 2016)

Assim eacute possiacutevel inferir que a previsatildeo legal acerca do momento con-ciliatoacuterio reflete uma loacutegica maior do que um simples ato procedimental dispensaacutevel pois vai ao encontro de concretizar normas e valores funda-mentais dentre eles o acesso agrave ordem juriacutedica justa

4 Art 1ordm O processo civil seraacute ordenado disciplinado e interpretado conforme os valo-res e as normas fundamentais estabelecidos na Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica Federativa do Brasil observando-se as disposiccedilotildees deste Coacutedigo

Audiecircncia de conciliaccedilatildeo no acircmbito dos Juizados Especiais da Fazenda Puacuteblica a indispensaacutevel concretizaccedilatildeo do acesso agrave ordem juriacutedica justa

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3 O FOMENTO AOS MEacuteTODOS AUTOCOMPOSITIVOS COMO FORMA DE PROMOCcedilAtildeO DOS PRINCIacutePIOS DOS JUIZADOS ESPECIAIS

Para democratizaccedilatildeo ao acesso agrave justiccedila os Juizados Especiais da Fa-zenda Puacuteblica ocupam um papel de destaque possibilitando que parcela significativa da populaccedilatildeo possa reivindicar seus direitos junto ao Estado

O Brasil natildeo foi o primeiro a utilizar esse meacutetodo Espelhando-se nos bons resultados apresentados por outros paiacuteses como Estados Unidos Inglaterra e diversos da Ameacuterica Latina como o Uruguai e o Meacutexico que jaacute possuem sistemas semelhantes e efetivos logicamente com as suas especificidades a inserccedilatildeo dos Juizados no universo juriacutedico objetivou facilitar as soluccedilotildees dos litiacutegios atraveacutes da intervenccedilatildeo estatal de maneira mais econocircmica e mais ceacutelere

Neste contexto pode-se considerar um avanccedilo a implantaccedilatildeo dos Juizados Especiais da Fazenda Puacuteblica com o advento da Lei nordm 12153 de 22 de dezembro de 2009 sem se olvidar que carecem de um olhar cuidadoso e de melhorias constantes como ocorre nos diversos ramos sociais Para tanto uma alternativa eficaz eacute a utilizaccedilatildeo dos meacutetodos de autocomposiccedilatildeo alinhados aos princiacutepios orientadores dos Juizados Espe-ciais amoldando-se por conseguinte agraves diretrizes do CNJ no encalccedilo de uma Justiccedila acessiacutevel ao cidadatildeo

Essa possibilidade se coaduna com os princiacutepios dos Juizados da Fazenda Puacuteblica servindo para desafogar o Poder Judiciaacuterio garantindo assim mais celeridade nas decisotildees e eficaacutecia da prestaccedilatildeo jurisdicional

O cotejo entre a conciliaccedilatildeo e os criteacuterios orientadores dos Juizados Especiais eacute o que podemos denominar de uma nova modalidade de efe-tivaccedilatildeo da justiccedila que tem seu nascedouro na experiecircncia estadunidense das Small Claims Courts de Nova York as quais dirimiam os pequenos con-flitos e processos cujos valores fossem no maacuteximo de ateacute quarenta salaacuterios miacutenimos senatildeo vejamos

Nosso sistema de Juizados de Pequenas Causas eacute baseado na ex-periecircncia nova-iorquina das Small Claims Courts A transposiccedilatildeo do sistema americano para a nossa realidade foi realizada de modo consciente Jaacute em 1980 realizou-se estudo no Juizado de Pequenas Causas de Nova Iorque com vistas agrave adaptaccedilatildeo do sistema para o processo brasileiro Muito do que laacute se fazia foi trazido para os Con-selhos gauacutechos de conciliaccedilatildeo e arbitramento cujos procedimentos destinavam-se a solucionar desentendimentos na sua maioria entre

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vizinhos Antes de 1984 nossos Juizados de Pequenas Causas natildeo eram oacutergatildeos jurisdicionais tendo pois poder de atuaccedilatildeo limitado agrave conduccedilatildeo de conciliaccedilotildees entre as partes e agrave realizaccedilatildeo de arbitra-mentos caso os litigantes assim concordassem A praacutetica foi legaliza-da mediante a Lei no 724484 que representa uma das experiecircncias desenvolvidas no intuito de solucionar os problemas de acesso dos cidadatildeos agrave prestaccedilatildeo jurisdicional (PINTO 2014)

Destarte a experiecircncia dos Estados Unidos da Ameacuterica resultou na celeridade de causas com menor complexidade desafogando o poder judiciaacuterio e inspirando a Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica de 1988 a trazer o comando normativo no sentido de que a Uniatildeo no Distrito Federal e nos Territoacuterios e os Estados criassem os Juizados Especiais competentes para a conciliaccedilatildeo o julgamento e a execuccedilatildeo de causas ciacuteveis de menor com-plexidade e infraccedilotildees penais de menor potencial ofensivo mediante os procedimentos oral e sumariacutessimo

No ordenamento juriacutedico paacutetrio a criaccedilatildeo dos Juizados Especiais com a Lei nordm 909995 representou o surgimento de um microssistema instru-mental para atender aos anseios sociais e acompanhar a evoluccedilatildeo tecnoloacute-gica juriacutedica e social jaacute perceptiacutevel em diversos segmentos da sociedade

Para Tourinho Neto e Figueira Junior

Com a entrada em vigor da Lei 909995 de 26 de setembro de 1995 (DOU 27091995 P15034 ndash 15037) que dispotildees sobre os Juizados Es-peciais Ciacuteveis e Criminais introduziu-se no mundo juriacutedico um novo sis-tema ou ainda melhor um microssistema de natureza instrumental e de instituiccedilatildeo constitucionalmente obrigatoacuteria (o que natildeo se confunde com competecircncia relativa e a opccedilatildeo procedimental) destinado agrave raacutepida e efetiva atuaccedilatildeo do direito estando a exigir dos estudiosos da ciecircncia do processo uma atenccedilatildeo toda particular seja de sua aplicabilidade no mundo empiacuterico como do seu funcionamento teacutecnico-procedimental (NETO JUacuteNIOR 2007)

O surgimento do microssistema especial atendeu uma demanda muito importante dando celeridade aos procedimentos juriacutedicos e apri-morou a resposta do Estado-Juiz havendo imediata procura da populaccedilatildeo pelos Juizados Ciacuteveis e Juizados Especiais da Fazenda Puacuteblica colimando a resoluccedilatildeo paciacutefica ceacutelere e justa dos conflitos interpessoais

A necessidade de melhoria dos problemas estruturais e organiza-cionais enfrentados nos Juizados Fazendaacuterios visando atender aos seus objetivos a partir da efetivaccedilatildeo dos seus princiacutepios (efetividade oralidade simplicidade informalidade economia processual e celeridade) diante da

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cultura de litigacircncia da sociedade brasileira eacute vital para proacutepria subsistecircn-cia do Sistema sendo imprescindiacutevel o fomento agrave cultura de pacificaccedilatildeo das relaccedilotildees juriacutedicas subjetivas que tem iniacutecio justamente na audiecircncia de conciliaccedilatildeo

Neste diapasatildeo com o surgimento do Novo Coacutedigo de Processo Civil que vem com intuito de fortalecer a concretizaccedilatildeo do Sistema de Multi-portas de acesso agrave justiccedila5 o princiacutepio da autocomposiccedilatildeo tornou-se uma verdadeira regra nas accedilotildees judiciais mas ainda com pouca aplicabilidade nos Juizados da Fazenda Puacuteblica uma vez que os entes Federados se am-param na suposta indisponibilidade do interesse puacuteblico na ausecircncia de normativa expressa quanto agraves situaccedilotildees em que pode transigir bem como na natildeo incidecircncia dos efeitos proacuteprios da revelia para se esquivar do com-parecimento obrigatoacuterio agraves assentadas conciliatoacuterias

Tal realidade desvela a negligecircncia do Poder Legislativo em confor-mar-se aos preceptivos legais e agrave teleologia constitucional que a todo tempo reforccedilam o ideaacuterio de soluccedilatildeo paciacutefica das lides

31 A CULTURA DO LITIacuteGIO E HIPERJUDICIALIZACcedilAtildeO DAS RE-LACcedilOtildeES SOCIAIS

Garantir o acesso agrave justiccedila eacute contemplar um direito fundamental ex-presso no artigo 5ordm XXXV da Constituiccedilatildeo Federal de 1988

XXXV ndash a lei natildeo excluiraacute da apreciaccedilatildeo do Poder Judiciaacuterio lesatildeo ou ameaccedila a direito

LXXIV ndash o Estado prestaraacute assistecircncia juriacutedica integral e gratuita aos que comprovarem insuficiecircncia de recursos

5 ldquoA expressatildeo Justiccedila Multiportas foi cunhada pelo professor Frank Sander da Facul-dade de Direito de Harvard Opondo-se ao sistema claacutessico que antevecirc a atividade jurisdicional estatal como a uacutenica capaz de solver conflitos o Sistema de Justiccedila Mul-tiportas remete a uma estruturaccedilatildeo que conta com diferentes mecanismos de tutela de direitos sendo cada meacutetodo adequado para determinado tipo de disputa A juris-diccedilatildeo estatal nessa senda passa a ser apenas mais uma dentre as diversas teacutecnicas disponiacuteveis Ressalta-se que optar pelo caminho do Sistema de Justiccedila Multiportas natildeo eacute uma peculiaridade do Estado brasileiro Apoacutes a Segunda Guerra Mundial diversos paiacuteses tecircm atualizado seus sistemas juriacutedicos nesse sentido objetivando maior respeito e proteccedilatildeo aos direitos humanos individuais e coletivosrdquo COELHO M V F O Sistema de Justiccedila Multiportas no Novo CPC Disponiacutevel em httpsmigalhasuolcombrcolunacpc-marcado330271o-sistema-de-justica-multiportas-no-novo--cpc Acesso em 15 de novembro de 2020

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Como direito fundamental eacute inerente a todo cidadatildeo e portanto responsabilidade do Estado que deve buscar sempre meios eficazes para contemplaacute-lo em favor da vida digna

Diante do resultado existosos dos Juizados Especiais observa-se o surgimento de certas contingecircncias tal qual a hiperjudicializaccedilatildeo das de-mandas em especial as consumeristas atraindo uma verdadeira multidatildeo agraves portas do Judiciaacuterio por vezes gerando morosidade na finalizaccedilatildeo das accedilotildees

Desse modo o que poderia ser visto como uma tomada de consciecircn-cia dos jurisdicionados em busca de resolver seus litiacutegios perpassa pelo contingente excessivo de advogados influecircncia da miacutedia e a excessiva demanda acaba tendo um caraacuteter repetitivo causando problemas diante de decisotildees diferentes e ateacute controvertidas ferindo assim a seguranccedila juriacutedica almejada pela proacutepria Constituiccedilatildeo Federal

A massificaccedilatildeo das demandas judiciais sob esta perspectiva revelou que o Poder Judiciaacuterio natildeo estava apto a atender agrave crescente demanda tampouco a concretizar o acesso agrave justiccedila sob a vertente do acesso agrave ordem juriacutedica justa e agrave decisotildees efetivas sendo de fundamental impor-tacircncia a valorizaccedilatildeo dos meacutetodos autocompositivos dotando as partes jurisdicionadas de poder no exerciacutecio de sua cidadania

32 MEacuteTODOS AUTOCOMPOSITIVOS CELERIDADE E EFETIVI-DADE DAS DECISOtildeES JUDICIAIS

O surgimento do microssistema dos Juizados Especiais chamou a atenccedilatildeo da sociedade brasileira e logicamente provocou uma verdadeira onda de litigacircncia Para atender essa demanda crescente eacute preciso envol-ver todas as partes no processo de tomada de decisatildeo como dito alhures ganhando cada vez mais forccedila os princiacutepios de autocomposiccedilatildeo

O Estado soacute cumpriraacute verdadeiramente o seu papel quando efetivar o atendimento jurisdicional atraveacutes de mecanismos haacutebeis para soluccedilatildeo dos litiacutegios No entanto o que se percebe ainda hoje eacute um excesso de formalismo e uma morosidade inexplicaacutevel frutos da burocracia que in-siste em utilizar modelos e padrotildees obsoletos mesmo diante da necessi-dade constante de mudanccedilas visando agrave otimizaccedilatildeo dos procedimentos

Audiecircncia de conciliaccedilatildeo no acircmbito dos Juizados Especiais da Fazenda Puacuteblica a indispensaacutevel concretizaccedilatildeo do acesso agrave ordem juriacutedica justa

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de modo que muitas vezes natildeo se alcanccedila ecircxito na efetivaccedilatildeo das tutelas jurisdicionais

A partir da realidade em apreccedilo busca-se alternativas eficazes para solucionar os problemas relativos agraves demandas jurisdicionais eliminando barreiras ultrapassadas com a implantaccedilatildeo de um sistema de multiportas com justiccedilas paralelas agrave justiccedila comum passando logicamente pelo uso de alternativas extrajudiciais em busca da composiccedilatildeo diante dos conflitos

Destarte a utilizaccedilatildeo da autocomposiccedilatildeo representa inuacutemeras vanta-gens sociais juriacutedicas e organizacionais principalmente diante da capaci-dade de dar celeridade aos conflitos judiciais tornando-os ainda menos onerosos

4 PROCEDIMENTO DA LEI Nordm 121532009 E INDISPENSABI-LIDADE DE AUDIEcircNCIA DE CONCILIACcedilAtildeO

A audiecircncia de conciliaccedilatildeo no acircmbito dos Juizados da Fazenda Puacuteblica eacute ato indispensaacutevel ao procedimento A Lei nordm 909995 assim como a Lei nordm 121532009 em consonacircncia agrave interpretaccedilatildeo constitucio-nal acerca dos direitos fundamentais elege a busca da conciliaccedilatildeo como vetor hermenecircutico a impor uma atuaccedilatildeo de todos os entes puacuteblicos pautada na soluccedilatildeo consensual de conflitos

Desta forma a audiecircncia de conciliaccedilatildeo no procedimento sumariacutessi-mo natildeo eacute ato discricionaacuterio do magistrado da Vara mas sim fase obriga-toacuteria colimando alcanccedilar a pacificaccedilatildeo social de forma menos dispendio-sa burocraacutetica e formalista

A legislaccedilatildeo regente dos Juizados Especiais natildeo abre espaccedilo agrave inter-pretaccedilatildeo diversa trazendo a audiecircncia de conciliaccedilatildeo como ato iacutensito ao procedimento especial sumariacutessimo sendo indispensaacutevel a presenccedila das partes conforme Enunciado 20 do FONAJE (O comparecimento pessoal da parte agraves audiecircncias eacute obrigatoacuterio A pessoa juriacutedica poderaacute ser repre-sentada por preposto)

Assim a dispensa da audiecircncia de conciliaccedilatildeo pelo magistrado na seara dos Juizados Especiais da Fazenda Puacuteblica se daacute agrave revelia de respal-do legal para tanto sendo insuficientes as argumentaccedilotildees no sentido da ineficaacutecia da assentada em razatildeo do natildeo comparecimento da parte reacute

Eacute consabido que em muitos casos os representantes legais dos entes federados natildeo comparecem agraves audiecircncias marcadas sob o argumento de

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que natildeo tecircm autorizaccedilatildeo legal6 para transigir de forma que a tentativa de conciliaccedilatildeo restaraacute sempre infrutiacutefera aleacutem de atrasar os demais atos do procedimento e enfim a sentenccedila

Entretanto em que pese ser princiacutepio orientador do Sistema dos Jui-zados Especiais a celeridade natildeo eacute o uacutenico intento a ser perseguido pelo Poder Judiciaacuterio que deve envidar contiacutenuos esforccedilos para prestar tutela jurisdicional de qualidade Aleacutem disto o fator determinante da celeridade processual natildeo eacute a ocorrecircncia da audiecircncia conciliatoacuteria sendo impres-cindiacutevel a colaboraccedilatildeo de todos os sujeitos processuais para conceber um processo ceacutelere e eficiente

Por conseguinte natildeo obstante a inexistecircncia de autorizaccedilatildeo legal ex-pressa para que alguns entes federados e autarquias possam ofertar e fir-mar acordos no presente momento os representantes judiciais desses en-tes natildeo podem se esquivar de cumprir o preceptivo de comparecimento obrigatoacuterio agraves audiecircncias nos Juizados Especiais pois tal conduta decorre da proacutepria dicccedilatildeo das leis informadoras do procedimento sumariacutessimo

5 DIAacuteLOGO INSTRUMENTAL COM O COacuteDIGO DE PROCESSO CIVIL

A questatildeo acerca da indispensabilidade das audiecircncias de concilia-ccedilatildeo no procedimento dos Juizados da Fazenda Puacuteblica perpassa por um diaacutelogo instrumental com o Coacutedigo de Processo Civil Calha registrar nes-se ponto que o disposto no artigo 334 sect 4ordm I do Coacutedigo de Processo Civil7 que prevecirc a dispensa da audiecircncia de conciliaccedilatildeo por manifestaccedilatildeo expressa das partes natildeo pode ser aplicado ipsis literis ao procedimento especial dos Juizados

6 Lei nordm 121532009 art 8ordm Os representantes judiciais dos reacuteus presentes agrave audiecircncia poderatildeo conciliar transigir ou desistir nos processos da competecircncia dos Juizados Especiais nos termos e nas hipoacuteteses previstas na lei do respectivo ente da Federaccedilatildeo

7 Art 334 Se a peticcedilatildeo inicial preencher os requisitos essenciais e natildeo for o caso de improcedecircncia liminar do pedido o juiz designaraacute audiecircncia de conciliaccedilatildeo ou de mediaccedilatildeo com antecedecircncia miacutenima de 30 (trinta) dias devendo ser citado o reacuteu com pelo menos 20 (vinte) dias de antecedecircncia

sect 4ordm A audiecircncia natildeo seraacute realizada

I ndash se ambas as partes manifestarem expressamente desinteresse na composiccedilatildeo consensual

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Manifesta-se aqui um conflito de normas tambeacutem denominado antinomia Bobbio define que tal situaccedilatildeo ocorre quando satildeo criadas duas normas com comportamentos antagocircnicos devendo ambas as normas existir no mesmo acircmbito temporal espacial pessoal e material Nestes casos o jurisfiloacutesofo italiano aponta como uma das formas de soluccedilatildeo do conflito o criteacuterio da especialidade que consiste na prevalecircncia da norma mais especiacutefica sobre o assunto

Os processos em tracircmite nos Juizados Especiais tecircm iter distinto do procedimento comum estando peculiarizado pelas disposiccedilotildees especiais das Leis nordm 909995 e 121532009 Como bem pontua Faacutebio Ulhocirca Coelho

Por fim pelo criteacuterio de especialidade a regra juriacutedica especial preva-lece sobre a geral Nesse caso trata-se apenas de discriminar os acircm-bitos de incidecircncia de cada preceito Sempre que para um caso espe-ciacutefico houver regra juriacutedica proacutepria (especial) natildeo se aplica o disposto em regra de acircmbito de incidecircncia mais largo (geral) (COELHO 2020)

Na esteira desse entendimento preconiza Guilherme Marinoni que ldquoo procedimento comum aplica-se subsidiariamente para colmatar lacunas na interpretaccedilatildeo e aplicaccedilatildeo dos procedimentos diferenciadosrdquo (MARINONI et al 2020) A norma processual civil no acircmbito dos Juizados Especiais Fazendaacuterio possui caraacuteter subsidiaacuterio nos termos do disposto no artigo 27 da Lei nordm 121532009 no que pese o referido artigo fazer menccedilatildeo ao Coacutedigo de Processo Civil de 1973

Eacute cediccedilo que a subsidiariedade da norma pressupotildee a falta de regula-mentaccedilatildeo da questatildeo pelas normas principais in casu as Leis nordm 909995 e 121532009 Eacute mister portanto que haja lacuna omissatildeo do legislador para que o Coacutedigo de Processo Civil seja aplicado no acircmbito dos Juizados Especiais

Agrave guisa de exemplo eacute o que se denota quanto agrave expressa determina-ccedilatildeo de adoccedilatildeo do rito processualista civil na fase de execuccedilatildeo dos Juiza-dos Especiais a teor do disposto nos artigos 52 e 53 da Lei 909995

No caso em debate depreende-se nitidamente que natildeo haacute que se falar em aplicaccedilatildeo subsidiaacuteria do disposto no artigo 334 sect 4ordm I do Coacutedigo de Processo Civil visto que a conciliaccedilatildeo eacute regulamentada expressamente pela norma especial notadamente como base principioloacutegica do micros-sistema dos Juizados Especiais

Visando pacificar as perspectivas acerca da incompatibilidade nor-mativa do diploma processual civil com a sistemaacutetica proacutepria dos Juiza-

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dos Especiais foi editado o Enunciado nordm 161 do FONAJE nos seguintes termos Considerado o princiacutepio da especialidade o CPC2015 somente teraacute aplicaccedilatildeo ao Sistema dos Juizados Especiais nos casos de expressa e especiacutefica remissatildeo ou na hipoacutetese de compatibilidade com os criteacuterios previstos no art 2ordm da Lei 909995

Agrave tiacutetulo de embasamento teoacuterico e praacutetico a este Enunciado o pre-sidente do FONAJE agrave eacutepoca da sua divulgaccedilatildeo Desembargador Jones Figueirecircdo salientou que ldquonada obstante a autonomia do sistema haveraacute sempre que couber um diaacutelogo instrumental com o novo CPC por normas que repercutam subsidiariamente dentro da relevacircncia de impactos que estejam em conformidade com a teleologia sistecircmica dos Juizados notada-mente com o princiacutepios nucleares que o orientamrdquo

No caso do novo Coacutedigo de Processo Civil a supletividade deste em relaccedilatildeo agrave Lei nordm 90991995 conta com expressa disposiccedilatildeo legal contida no sect 2ordm do artigo 1046 segundo o qual ldquoPermanecem em vigor as dispo-siccedilotildees especiais dos procedimentos regulados em outras leis aos quais se aplicaraacute supletivamente este Coacutedigordquo Ou seja naquilo que a Lei nordm 90991995 eacute omissa por imperativo da certeza do direito e da seguranccedila juriacutedica a lacuna eacute colmatada pelas disposiccedilotildees do novo CPC

Nesta senda repise-se agrave luz dos princiacutepios da especialidade e da autonomia do Sistema dos Juizados Especiais as regras contidas no CPC somente teratildeo aplicaccedilatildeo agrave dinacircmica processual nos Juizados Fazendaacuterios no caso de ausecircncia de previsatildeo da norma especial natildeo determinando o complexo normativo sobre determinado instituto processual hipoacutetese natildeo verificada in casu haja vista que a audiecircncia de conciliaccedilatildeo eacute impres-cindiacutevel no acircmbito dos Juizados Especiais sendo pilar do procedimento especial em consonacircncia com as diretrizes principioloacutegicas orientadoras do processo perante o Juizado Especial Ciacutevel esculpidas no artigo 2ordm da Lei 909995 quais sejam oralidade simplicidade informalidade econo-mia processual celeridade e a busca pela composiccedilatildeo amigaacutevel da lide atraveacutes da conciliaccedilatildeo ou da transaccedilatildeo

Claacuteudio Antocircnio de Carvalho Xavier em artigo acerca do tema aduz com propriedade que

Cabe esclarecer no entanto que a conciliaccedilatildeo como jaacute vem sendo destacado por alguns autores eacute princiacutepio norteador dos juizados especiais e natildeo um procedimento ou momento processual uma vez que integra o proacuteprio processo Desse modo o procedimento suma-riacutessimo dos juizados especiais natildeo comporta a opccedilatildeo do autor pela

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realizaccedilatildeo ou natildeo de audiecircncia de conciliaccedilatildeo ou de mediaccedilatildeo nos moldes preconizados pelo art 319 inc VII do novo CPC por ser um direito irrenunciaacutevel Assim natildeo poderaacute o autor na peticcedilatildeo inicial ou o reacuteu por peticcedilatildeo manifestar desinteresse na composiccedilatildeo amigaacutevel do litiacutegio Ademais o comparecimento das partes agrave audiecircncia eacute obri-gatoacuterio (XAVIER 2016)

Agrave tiacutetulo ilustrativo percebe-se que a realidade faacutetica vivenciada nas Varas da Fazenda Puacuteblica no Estado da Bahia nas quais muitas vezes natildeo ocorre a composiccedilatildeo consensual da lide em razatildeo da ausecircncia das partes reacutes natildeo pode desnaturar sob o manto da celeridade o procedimento especial fazendo-se necessaacuteria a primazia pela busca das tratativas con-ciliatoacuterias

A normativa orgacircnica dos Juizados Especiais eacute inequiacutevoca ao apre-sentar a audiecircncia de conciliaccedilatildeo como ato iacutensito ao procedimento natildeo abarcando nenhuma disposiccedilatildeo que permita ao magistrado a discricio-nariedade em realizar ou natildeo o ato Portanto rechaccedila-se a possibilidade de dispensa da audiecircncia de conciliaccedilatildeo na esteira do quanto disposto no art 334 sect 4ordm I do Coacutedigo de Processo Civil no acircmbito dos Juizados Especiais da Fazenda Puacuteblica em razatildeo de evidente violaccedilatildeo agrave estrutura procedimental erigida pelo microssistema dos Juizados Especiais que possui como pilar a conciliaccedilatildeo

6 EXTENSAtildeO DO PRINCIacutePIO DA INDISPONIBILIDADE DO IN-TERESSE PUacuteBLICO E O ART 8ordm DA LEI 121532009

Natildeo se pode olvidar o argumento de que as pessoas juriacutedicas de di-reito puacuteblico encontrar-se-iam adstritas ao princiacutepio da indisponibilidade do interesse puacuteblico o que implicaria como consectaacuterio na impossibili-dade de conciliarem ou transigirem nas demandas judiciais travadas no acircmbito dos Juizados Fazendaacuterios

Tal postulado conquanto norteador da atuaccedilatildeo administrativa natildeo eacute absoluto e deve ser analisado agrave luz do interesse primaacuterio do povo confor-me ensina Maria Sylvia Zanella de Pietro14

O interesse puacuteblico aleacutem de refletir o interesse da coletividade em si mesma considerada e ser amparado pelo ordenamento juriacutedico vi-gente deve ser ainda reflexivo aos valores constitucionais dominantes como aqueles que a Constituiccedilatildeo Federal de 1988 se refere em seu preacircmbulo e nos preceitos cardinais dispostos entre eles os arrolados nos princiacutepios e nos objetivos fundamentais Quando o poder puacuteblico se coloca numa posiccedilatildeo favoraacutevel ao autecircntico interesse puacuteblico (vol-

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tado agrave satisfaccedilatildeo do bem geral) o benefiacutecio daiacute emergente alcanccedila prioritariamente o interesse puacuteblico primaacuterio (da sociedade) e conse-quentemente o interesse puacuteblico secundaacuterio (do Estado) Poreacutem o in-teresse puacuteblico natildeo eacute necessariamente o interesse do aparato estatal Embora estes devam coincidir dado que sua missatildeo eacute a satisfaccedilatildeo do bem comum o Estado eacute sujeito de direitos e tem interesses que nem sempre se identificam ao interesse da populaccedilatildeo e que constituem interesses patrimoniais financeiros ou fazendaacuterios cuja nota eacute a dis-ponibilidade Pode ocorrer divoacutercio entre o interesse da populaccedilatildeo e o interesse do governo () Geralmente costuma-se apresentar como princiacutepio a supremacia ou a indisponibilidade do interesse puacuteblico ndash amiuacutede ambos Em verdade eacute o interesse puacuteblico o princiacutepio consti-tuindo supremacia e indisponibilidade seus predicados (PIETRO 2019)

Em verdade a doutrina eacute paciacutefica em reconhecer que o interesse puacuteblico natildeo eacute conceito unitaacuterio tampouco se confunde com o interesse do Estado ou do aparato administrativo Em sua acepccedilatildeo substancial o in-teresse puacuteblico reside na realizaccedilatildeo de valores fundamentais consagrados pela Carta Constitucional como explana Marccedilal Justen Filho15

Recolocando o problema em outros termos um interesse eacute puacuteblico por ser indisponiacutevel e natildeo o inverso Por isso eacute incorreto afirmar que algum interesse por ser puacuteblico eacute indisponiacutevel A indisponibilidade natildeo eacute consequecircncia da natureza puacuteblica do interesse ndash eacute justamente o contraacuterio O interesse eacute reconhecido como puacuteblico porque eacute indis-poniacutevel porque natildeo pode ser colocado em risco porque sua natureza exige que seja realizado (JUSTEN FILHO 2018)

Adota-se o entendimento de que os direitos fundamentais apresen-tam natureza indisponiacutevel O nuacutecleo do direito administrativo reside natildeo no interesse puacuteblico mas na promoccedilatildeo dos direitos fundamentais indis-poniacuteveis A invocaccedilatildeo ao interesse puacuteblico toma em vista a realizaccedilatildeo de direitos fundamentais O Estado eacute investido do dever de promover esses direitos fundamentais nos casos em que for inviaacutevel a sua concretizaccedilatildeo pelos particulares segundo o regime de direito privado

Essa orientaccedilatildeo se coaduna com o entendimento prevalente no di-reito constitucional que reconhece que todas as posiccedilotildees juriacutedicas satildeo delimitadas e ordenadas de acordo com os direitos fundamentais Ne-nhuma faculdade proibiccedilatildeo ou comando juriacutedico pode ser interpretado de modo dissociado dos direitos fundamentais

Por seu turno Ricardo Marcondes Martins traz a lume importante mi-tigaccedilatildeo a este princiacutepio quando aborda o interesse secundaacuterio autorizador da disponibilidade do direito destacando distinccedilatildeo feita por Renato Alessi

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que difere dois interesses o primaacuterio que eacute a dimensatildeo puacuteblica do interes-se privado refere-se ao plexo de interesses dos indiviacuteduos enquanto par-tiacutecipes da sociedade o secundaacuterio eacute o interesse particular individual do Estado enquanto pessoa juriacutedica autocircnoma Partindo-se desta premissa o jurista italiano afirma que em relaccedilatildeo aos interesses secundaacuterios e patri-moniais a Administraccedilatildeo deve utilizar-se de meios juriacutedicos estabelecidos pelo direito privado pois para a satisfaccedilatildeo desses interesses ela natildeo goza de supremacia juriacutedica sobre os particulares

Ricardo Marcondes na obra citada elucida que partindo-se da dico-tomia suso abordada parte da doutrina passou a defender a existecircncia de interesses puacuteblicos disponiacuteveis juntamente os interesses patrimoniais da Administraccedilatildeo interesses secundaacuterios Em relaccedilatildeo a esses interesses seguin-do a doutrina de Alessi a Administraccedilatildeo natildeo gozaria de supremacia estaria numa posiccedilatildeo de igualdade em relaccedilatildeo aos administrados arrematando que seria entatildeo perfeitamente possiacutevel neste campo a utilizaccedilatildeo da arbi-tragem Esse posicionamento foi sustentado na doutrina brasileira por Caio Taacutecito e acolhido pelo Supremo Tribunal Federal no Agr NO MS 11308-DF 1ordf Seccedilatildeo relator o Min Luiz Fux julgado em 28062006 DJU 14082006

Verifica-se nitidamente que a indisponibilidade do interesse puacuteblico passa por uma releitura Acerca do tema preleciona Fernanda Marinela que parte ainda minoritaacuteria da doutrina brasileira resolver reunir esfor-ccedilos para desconstituir o princiacutepio da supremacia do interesse puacuteblico como sendo a base do autoritarismo retroacutegrado ultrapassado Critica-se a estrutura do Direito Administrativo tendo como base os princiacutepios da supremacia e da indisponibilidade do interesse puacuteblico apontando que a ausecircncia de definiccedilatildeo exata quanto ao conteuacutedo da expressatildeo ldquointeresse puacuteblicordquo gera vaacuterios problemas no exerciacutecio da atividade administrativa justificando muitas vezes o abuso e arbitrariedades praticadas pelos ad-ministradores

Marccedilal Justen Filho defende que o criteacuterio da ldquosupremacia do inte-resse puacuteblicordquo apresenta utilidade reduzida uma vez que natildeo haacute interesse uacutenico a ser reputado como supremo e que esse instrumento natildeo permite resolver de modo satisfatoacuterio os conflitos nem fornece um fundamento consistente para as decisotildees administrativas

Fraacutegil portanto a premissa dos entes puacuteblicos de alegar o princiacute-pio da indisponibilidade do interesse puacuteblico diante do comando legal conferido pela Lei nordm 121532009 no sentido de viabilizar a realizaccedilatildeo de acordos com particulares nas demandas dos Juizados da Fazenda Puacuteblica

Maria Joseacute Oliveira e Silva bull Nataacutelia Cavalcanti de Arauacutejo bull Paula Gargur Calmon Teixeira da Silva

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Poder Judiciaacuterio do Estado da Bahia ISBN 978-65-89459-01-9

Natildeo haacute que negar a necessidade de lei em sentido estrito para estabelecer as hipoacuteteses permissivas de tais acordos poreacutem natildeo se pode respaldar a conduta inerte do Estado sob as vestes de suposta indisponibilidade do interesse puacuteblico

Nesta senda resta claro que o princiacutepio em anaacutelise natildeo se faz abso-luto nem necessariamente idecircntico aos interesses da Fazenda Puacuteblica O que existe em verdade eacute uma conduta omissiva do Estado no sentido de dirimir as hipoacuteteses em que os direitos disponiacuteveis poderatildeo ser objeto de conciliaccedilatildeo ou transaccedilatildeo

Desta forma natildeo se pode sustentar a indisponibilidade do interesse puacuteblico para se negar agrave promoccedilatildeo das tentativas de conciliaccedilatildeo no acircmbito dos Juizados Especiais da Fazenda Puacuteblica sobretudo quando este confron-te com a concretizaccedilatildeo de direitos e garantias fundamentais como o direito fundamental de acesso agrave justiccedila ancorado na dignidade da pessoa humana

7 CONCLUSAtildeO

De todo o exposto restou indubitaacutevel que nas demandas dos Juiza-dos Especiais Fazendaacuterios deve-se resguardar a conciliaccedilatildeo e a transaccedilatildeo como pilares baacutesicos nos expressos termos do disposto no artigo 2ordm da Lei 909995 combinado com o disposto no artigo 8ordf da Lei nordm 121532009

Agrave guisa de remate importa registrar que dispensar as audiecircncias de conciliaccedilatildeo no acircmbito dos Juizados Especiais da Fazenda Puacuteblica re-vela-se natildeo somente contraacuterio ao interesse puacuteblico reflexivo aos valores constitucionais dominantes ao direito ao devido processo legal e acesso agrave justiccedila mas tambeacutem viola as normas especiais concernentes ao proce-dimento sumariacutessimo dos Juizados Especiais que natildeo prevecirc esta dispensa ao criteacuterio do magistrado

8 REFEREcircNCIASALESSI R Principi di Diritto Amministrativo vol I Milatildeo Giuffre 1966

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Audiecircncia de conciliaccedilatildeo no acircmbito dos Juizados Especiais da Fazenda Puacuteblica a indispensaacutevel concretizaccedilatildeo do acesso agrave ordem juriacutedica justa

125Revista Novatio 1ordf ediccedilatildeo ndash 2020

Poder Judiciaacuterio do Estado da Bahia ISBN 978-65-89459-01-9

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WAMBIER T A A Breves Comentaacuterios ao novo Coacutedigo de Processo Civil 2 ed rev e atual Satildeo Paulo Editora Revista dos Tribunais 2016

Maria Joseacute Oliveira e Silva bull Nataacutelia Cavalcanti de Arauacutejo bull Paula Gargur Calmon Teixeira da Silva

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Desafios agrave aplicaccedilatildeo dos meacutetodos autocompositivos nas demandas

de sauacutede suplementar construindo novos caminhos de acesso agrave justiccedila

1 Advogada Poacutes-graduada em Direito Puacuteblico pelo CEJAS Poacutes-graduanda em Direito Meacutedico e Hospitalar pelo CPJUR Integra a Comissatildeo Especial de Direito Meacutedico e da Sauacutede da OABBA Coordenadora executiva do Grupo de Pesquisa ldquoDiaacutelogos sobre Advocacia Consensual em Direito Meacutedicordquo promovido pela OABBA

2 Advogado Graduado em Direito pela Faculdade Baiana de Direito (2020) Poacutes-gra-duando em Direito Meacutedico da Sauacutede e Bioeacutetica pela Faculdade Baiana de Direito Membro do grupo de pesquisa ldquoDiaacutelogos sobre Advocacia Consensual em Direito Meacutedicordquo promovido pela OABBA

3 Advogado Poacutes-graduado em Direito Puacuteblico pela Faculdade Baiana de Direito e poacutes-graduando em Direito Processual Civil pela Faculdade Damaacutesio Integra a Co-missatildeo Especial de Direito Meacutedico e da Sauacutede da OABBA Coordenador acadecircmico do Grupo de Pesquisa ldquoDiaacutelogos sobre Advocacia Consensual em Direito Meacutedicordquo promovido pela OABBA Autor de artigos cientiacuteficos publicados

Gabriela Silva Sady1

Henrique Costa Princhak2

Lucas Macedo Silva3

Resumo O presente artigo se propotildee a examinar a aplicaccedilatildeo dos meacute-todos autocompositivos como caminho eficaz para garantir acesso agrave justiccedila nas demandas de sauacutede suplementar Com o fito de com-preender a profundidade temaacutetica eacute realizada uma anaacutelise acerca dos impactos positivos da consensualidade bem como do atual cenaacuterio brasileiro no qual predomina a cultura do litiacutegio examinando os de-safios sociais e institucionais para a sua aplicaccedilatildeo Ademais busca in-vestigar quais as dificuldades existentes da aplicabilidade destas teacutec-nicas de resoluccedilatildeo de conflito no acircmbito dos litiacutegios que envolvem as operadoras de sauacutede e os usuaacuterios do serviccedilo Por fim impende delinear uma nova visatildeo de acesso agrave justiccedila nas demandas de sauacutede suplementar no ordenamento juriacutedicos brasileiro

Palavras-chave Meacutetodos autocompositivos consensualidade cultu-ra do litiacutegio acesso agrave justiccedila sauacutede suplementar

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1 INTRODUCcedilAtildeOHaacute uma inegaacutevel crise no Poder Judiciaacuterio causada pelo excesso no

nuacutemero de demandas e pela carecircncia de recursos humanos e materiais para uma prestaccedilatildeo jurisdicional mais eficiente Nesse contexto o crescen-te ajuizamento de processos judiciais decorrentes de relaccedilotildees de sauacutede criou o fenocircmeno denominado de ldquojudicializaccedilatildeo da sauacutederdquo A excessiva busca ao Judiciaacuterio para dirimir questotildees de sauacutede atinge tanto o setor da sauacutede puacuteblica quanto o segmento privado da sauacutede suplementar sendo este uacuteltimo o objeto de melhor anaacutelise do presente trabalho

Nesta senda o Judiciaacuterio tem encontrado dificuldade em responder adequada e tempestivamente as demandas envolvendo operadoras de pla-nos de sauacutede e seus consumidores que vatildeo desde pleitos de coberturas de procedimentos a revisotildees de reajustes considerados abusivos As relaccedilotildees de sauacutede lidam com bens juriacutedicos com especial proteccedilatildeo constitucional tais como a vida e a integridade fiacutesica e emocional O cenaacuterio atual de as-soberbamento de processos tem dificultado o acesso agrave justiccedila por parte do usuaacuterio do plano o que potencialmente pode causar danos irreparaacuteveis

Acredita-se que os meacutetodos autocompositivos que promovem a re-soluccedilatildeo da controveacutersia pelas proacuteprias partes interessadas podem ser um caminho interessante para a reduccedilatildeo da quantidade de processos judiciais e ao mesmo tempo garantir o acesso agrave justiccedila agrave populaccedilatildeo Apesar de o sistema juriacutedico paacutetrio jaacute se preocupar com o fomento agrave via consensual como se observa exemplificativamente pela Resoluccedilatildeo nordm 1252010 do CNJ e pelo Coacutedigo de Processo Civil de 2015 ainda satildeo notados desafios agrave implementaccedilatildeo dos meacutetodos consensuais nos Tribunais de Justiccedila paacutetrios

Partindo-se desse problema o presente trabalho tem como objetivo central analisar os impactos positivos que os meios consensuais podem acarretar ao Judiciaacuterio e os eventuais obstaacuteculos que satildeo encontrados para a sua efetivaccedilatildeo A relevacircncia do trabalho eacute indubitaacutevel consideran-do a necessidade de se buscar alternativas para a crise do Poder Judiciaacuterio sobretudo no que diz respeito agrave judicializaccedilatildeo da sauacutede O trabalho utiliza o meacutetodo hipoteacutetico-dedutivo uma vez que parte de fundamentos teoacuteri-cos e praacuteticos de forma geneacuterica para alcanccedilar a soluccedilatildeo especiacutefica Foram utilizadas referecircncias bibliograacuteficas nacionais levando em consideraccedilatildeo trabalhos reconhecidos na aacuterea para verticalizar a discussatildeo pertinente objetivo proposto Apesar de natildeo ter a intenccedilatildeo de esgotar o debate este trabalho pretende enriquecer o debate no sentido de posicionar os meacute-todos de autocomposiccedilatildeo como um caminho soacutelido e interessante para o acesso agrave justiccedila

Gabriela Silva Sady bull Henrique Costa Princhak bull Lucas Macedo Silva

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2 A APLICABILIDADE DOS MEacuteTODOS AUTOCOMPOSITIVOS NO PODER JUDICIAacuteRIO

A intervenccedilatildeo do Poder Judiciaacuterio durante muitos anos figurou como uacutenico modo de efetivaccedilatildeo de direitos e deveres dos cidadatildeos natildeo apenas na visatildeo dos leigos como tambeacutem para grande parte dos juristas (MARQUES 2020) De fato o Magistrado atraveacutes da anaacutelise dos autos e da formaccedilatildeo do seu convencimento pessoal possui competecircncia para decidir quem possui razatildeo em cada aspecto da disputa Esse conteuacutedo decisoacuterio natildeo apenas coloca fim a um impasse mas tambeacutem eacute considerado como um dos mais importantes papeacuteis exercidos pelo Poder Judiciaacuterio o meacuteto-do tradicional de soluccedilatildeo dos conflitos potencial promotor da paz social (FIORELLI MANGINI 2017)

Diante desse entendimento passou-se a compreender o Judiciaacuterio como o singular meio de se concretizar o direito ao acesso agrave justiccedila nos termos do direito fundamental agrave inafastabilidade do Poder Judiciaacuterio pre-visto no art 5ordm XXXV da Constituiccedilatildeo Federal de 1988 A compreensatildeo do acesso agrave justiccedila como uma prestaccedilatildeo predominantemente prestacional do Estado fez com que se buscassem caminhos para concretizaccedilatildeo dessa garantia constitucional A partir daiacute emergiu a Lei Federal nordm 909995 que instituiu os Juizados Especiais e Criminais no acircmbito da justiccedila comum com o intuito de promover a celeridade e a economia processual nas de-mandas de menor complexidade e com valores econocircmicos abaixo de quarenta vezes o salaacuterio miacutenimo

No entanto essa mentalidade litigante gerou em pouco tempo uma enxurrada de processos judiciais assoberbando o Poder Judiciaacuterio com questotildees das mais variadas aacutereas Sem orccedilamento estrutura de material e de matildeo de obra o esgotamento do sistema judicial foi um caminho inevi-taacutevel Diante disso natildeo se apresenta razoaacutevel enxergar o processo como a uacutenica forma de se buscar a resoluccedilatildeo de um determinado conflito (NALINI 2017) Nesse contexto os meacutetodos autocompositivos emergem enquanto caminhos alternativos e por vezes mais adequados agrave via tradicional de soluccedilatildeo dos conflitos Entende-se por autocompositivos os meacutetodos pelos quais ambas ou uma das partes da controveacutersia dispondo livremente so-bre o seu direito relativizam alguns de seus interesses de maneira unilate-ral ou bilateral total ou parcial em prol do desfecho do conflito

Em 2010 o Conselho Nacional de Justiccedila ndash CNJ publicou a Resolu-ccedilatildeo nordm 1252010 a qual instituiu o tratamento adequado dos conflitos como uma poliacutetica puacuteblica do Poder Judiciaacuterio nacional A partir disso foi

Desafios agrave aplicaccedilatildeo dos meacutetodos autocompositivos nas demandas de sauacutede suplementar construindo novos caminhos de acesso agrave justiccedila

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incluiacutedo como dever dos oacutergatildeos judiciaacuterios a disponibilizaccedilatildeo de meios consensuais de soluccedilatildeo de controveacutersias aleacutem de promover atendimento e ampla divulgaccedilatildeo e orientaccedilatildeo dos cidadatildeos sobre as vantagens dessas outras vias Desde entatildeo foram realizados diversos atos afirmativos tais como a formaccedilatildeo e treinamento dos servidores conciliadores e mediado-res auxiacutelio aos tribunais regionais na implantaccedilatildeo e gerenciamento dos nuacutecleos consensuais dentre outros (CUNHA LESSA NETO 2016)

O Coacutedigo de Processo Civil de 2015 consolidou a mudanccedila do pa-radigma tradicional que entendia a jurisdiccedilatildeo estatal como porta uacutenica de resoluccedilatildeo de conflitos para um sistema de justiccedila multiportas Pelo diploma legislativo processual natildeo haacute hierarquizaccedilatildeo entre a utilizaccedilatildeo da via judicial para as demais formas de soluccedilotildees de controveacutersias ficando a escolha a cargo dos interessados no exerciacutecio da sua autonomia privada salvo algumas exceccedilotildees (DIDIER JR ZANETI JR 2017) O CPC de 2015 em seu art 3ordm dispotildee que todos os agentes do Judiciaacuterio devem estimular a conciliaccedilatildeo a mediaccedilatildeo os demais meacutetodos de soluccedilatildeo consensual de conflitos Os meacutetodos consensuais deixam de ser um caminho alternativo para ser integrado ao proacuteprio sistema de resoluccedilatildeo de conflitos incluindo todo o sistema de justiccedila na empreitada de promover a consensualidade sempre que for possiacutevel e adequado (CUNHA LESSA NETO 2016)

O grande oacutebice agrave efetivaccedilatildeo dessas vias consensuais recai na cultura do litiacutegio fortemente enraizada na cultura brasileira o que gerou a crise judiciaacuteria exposta anteriormente Revela-se fundamental o fomento aos meacutetodos de autocomposiccedilatildeo no sentido de estimular que os interessados tentem entre si resolver as suas proacuteprias controveacutersias Desse modo soacute se recorreria ao Judiciaacuterio quando do esgotamento das tentativas amigaacuteveis de soluccedilatildeo de modo que a justiccedila estatal eacute que se tornaria o caminho al-ternativo (CUNHA LESSA NETO 2016)

Feita essa anaacutelise em relaccedilatildeo agrave ascensatildeo dos meacutetodos alternativos de resoluccedilatildeo de conflito no ordenamento juriacutedico brasileiro mostra-se evi-dente o entendimento do legislador paacutetrio acerca da relevacircncia de serem pensados novos caminhos para a promoccedilatildeo do acesso agrave justiccedila natildeo soacute do ponto de vista prestacional mas tambeacutem enquanto valor social a ser defendido Nesse cenaacuterio de crescente valorizaccedilatildeo da consensualidade cumpre analisar de forma mais detida os impactos positivos da consen-sualidade no contexto da cultura de excessiva litigacircncia que ainda domina no territoacuterio brasileiro

Gabriela Silva Sady bull Henrique Costa Princhak bull Lucas Macedo Silva

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21 A CULTURA DO LITIacuteGIO DESAFIOS SOCIAIS E INSTITUCIO-NAIS

Parte-se da premissa de que o conflito eacute algo inerente a condiccedilatildeo humana A convivecircncia em sociedade faria surgir inevitavelmente con-flitos das mais diversas ordens e niacuteveis de complexidade Nos casos de menor complexidade acredita-se que natildeo seria necessaacuteria uma interven-ccedilatildeo do Poder Judiciaacuterio (TRIGO et al 2017) Eacute relevante acrescentar que os conflitos natildeo devem ser vistos apenas com o vieacutes negativo Se por um lado os conflitos tendem a indicar que algo estaacute errado ou podem ensejar consequecircncias indesejadas Por outro eles tambeacutem permitem uma maior consciecircncia de organizaccedilatildeo capacidade de lidar com problemas futuros fortalecimento da relaccedilatildeo aleacutem de serem prenuacutencios de uma necessidade de mudanccedila e adaptaccedilatildeo (LEWICKI SAUNDERS BARRYS 2014)

A cultura do litiacutegio aqui entendida como a busca ao Judiciaacuterio de forma excessiva e para a resoluccedilatildeo de todo e qualquer conflito estaacute en-raizada na sociedade brasileira Essa forma de pensar que se sobrepotildee a mentalidade do consenso ignora diversas possibilidades que poderiam dar fim agravequele determinado conflito de maneira mais eficiente ceacutelere e menos custosa (TRIGO et al 2017) Como consequecircncia o fenocircmeno da judicializaccedilatildeo eacute notado quando conflitos de grande repercussatildeo social ou poliacutetica passam a ser decididos pelo Poder Judiciaacuterio ao inveacutes de pelas instacircncias tradicionalmente poliacuteticas a saber o Congresso Nacional e o Poder Executivo (BARROSO 2010)

Em verdade esta natildeo eacute uma realidade exclusiva do Brasil A litigacircncia excessiva tambeacutem tem estado presente no contexto latino-americano no-tadamente apoacutes o periacuteodo da redemocratizaccedilatildeo dos paiacuteses latinos com o consequente retorno da prestaccedilatildeo jurisdicional No entanto o demasiado nuacutemero de processos judiciais acaba por ensejar dentre outros prejuiacutezos sociais a instabilidade e inseguranccedila juriacutedicas no sistema judicial estatal Uma soluccedilatildeo agraves incertezas do Judiciaacuterio seria a utilizaccedilatildeo dos meacutetodos alternativos de resoluccedilatildeo de conflito como a mediaccedilatildeo e a conciliaccedilatildeo (BRAGANCcedilA 2020)

Cabe ressaltar o compromisso assumido pelo Poder Judiciaacuterio Brasi-leiro na I Reuniatildeo de Cuacutepula Ibero-Americana de Presidentes dos Tribunais de Justiccedila e dos Supremos Tribunais Federais em 1998 de promoccedilatildeo de mecanismos alternativos de soluccedilatildeo de conflitos com o fito de que garan-tir o acesso dos cidadatildeos agrave justiccedila (FERNANDES 2017) Embora exista este compromisso inclusive com a Resoluccedilatildeo nordm 1252010 do CNJ ainda natildeo

Desafios agrave aplicaccedilatildeo dos meacutetodos autocompositivos nas demandas de sauacutede suplementar construindo novos caminhos de acesso agrave justiccedila

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se verifica na praacutetica uma aplicaccedilatildeo que contemple de forma satisfatoacuteria e eficaz os meacutetodos autocompositivos no acircmbito dos tribunais estaduais O Tribunal de Justiccedila do Estado da Bahia jaacute iniciou a implementaccedilatildeo das praacuteticas alternativas de resoluccedilatildeo de conflitos Nesse contexto da campa-nha nacional promovida pelo CNJ foram instalados os Centros Judiciais de Soluccedilatildeo Consensual de Conflitos ndash CEJUSC vinculado agraves Varas Ciacuteveis e de Consumo de Salvador

Ademais destaca-se que o Coacutedigo de Eacutetica e Disciplina da Ordem dos Advogados do Brasil estabelece como dever do advogado ldquoestimular a conciliaccedilatildeo entre os litigantes prevenindo sempre que possiacutevel a instau-raccedilatildeo de litiacutegiosrdquo Nesse sentido ressalta-se o papel da OAB de incentivar divulgar e fomentar os meacutetodos consensuais de resoluccedilatildeo de conflitos Observa-se que a Advocacia Geral da Uniatildeo nos uacuteltimos anos vem reali-zando um trabalho de incentivo aos meacutetodos alternativos de resoluccedilatildeo de conflitos com a criaccedilatildeo da Cacircmara de Conciliaccedilatildeo e Arbitragem Federal (FERNANDES 2017)

Haacute que se notar um avanccedilo do Legislativo no reconhecimento da importacircncia dos meacutetodos autocompositivos o que se observa por meio da ediccedilatildeo de normas especiacuteficas tais como o Coacutedigo de Processo Civil de 2015 e a Lei Federal nordm 131402015 proporcionando a participaccedilatildeo de outros agentes na composiccedilatildeo dos conflitos (TRIGO et al 2017) Contudo revela-se fundamental tambeacutem uma atuaccedilatildeo do Executivo no sentido de promoccedilatildeo de poliacuteticas puacuteblicas efetivas para incentivar a consensualidade Eacute preciso que se inclua a proacutepria sociedade nos debates criacuteticos por meio de audiecircncias puacuteblicas por exemplo para que os indiviacuteduos possam com-preender as vantagens da consensualidade e evitar recorrer ao Judiciaacuterio para demandas que podem ser resolvidas amigavelmente (VASCONCE-LOS 2012)

Observa-se que o ordenamento juriacutedico atribui a todos que com-potildeem o sistema juriacutedico e poliacutetico nacional o dever de promover os meios consensuais para se garantir o acesso agrave justiccedila e a consecuccedilatildeo dos direi-tos fundamentais constitucionalmente previstos No entanto quando no acircmbito do Judiciaacuterio haacute certa carecircncia de estrutura institucional que na realidade faacutetica transforma as tentativas conciliatoacuterias em mero cumpri-mento formal natildeo havendo preparo para conseguir realizar uma efetiva autocomposiccedilatildeo entre as partes

Gabriela Silva Sady bull Henrique Costa Princhak bull Lucas Macedo Silva

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22 O IMPACTO POSITIVO DA CONSENSUALIDADE

No contexto de crise do Poder Judiciaacuterio diversos aspectos prejudi-cam o acesso agrave justiccedila por parte dos cidadatildeos O contexto de excessiva judicializaccedilatildeo descortina o atraso na prestaccedilatildeo jurisdicional o arcaiacutesmo das estruturas de administraccedilatildeo judicial os custos processuais elevados a desigualdade de tratamento aos jurisdicionados a imprevisibilidade da justiccedila dentre outras situaccedilotildees A premente necessidade de resoluccedilatildeo dos processos daacute causa agrave estandardizaccedilatildeo das decisotildees judiciais as quais acabam se constituindo como modelos preacute-fixados e desconexos da rea-lidade (BARBOSA MENEZES 2013) Vecirc-se que o foco eacute na finalizaccedilatildeo do processo e natildeo na resoluccedilatildeo material do conflito entre as partes

Nesta senda o estiacutemulo agrave consensualidade eacute uma alternativa para mitigar as dificuldades encontradas na justiccedila estatal apresentando uma via menos custosa mais ceacutelere e mais eficiente para ambas as partes Aleacutem disso a autocomposiccedilatildeo tende a propiciar maior sensaccedilatildeo de justiccedila para os interessados o que resulta em agilidade no cumprimento das obriga-ccedilotildees pactuadas (FERNANDES 2017)

Cumpre salientar que a Resoluccedilatildeo nordm 12510 do Conselho Nacional de Justiccedila estabelece como princiacutepios fundamentais norteadores dos conciliadores e mediadores judiciais a ldquoconfidencialidade decisatildeo infor-mada competecircncia imparcialidade independecircncia e autonomia respeito agrave ordem puacuteblica e agraves leis vigentes empoderamento e validaccedilatildeordquo Desta forma tais princiacutepios devem balizar a conduta dos agentes consensuais para que seja possiacutevel promover o diaacutelogo entre as partes e consequente-mente proporcionar a conciliaccedilatildeo de interesses

Diversas satildeo as teacutecnicas de resoluccedilatildeo extrajudicial de conflitos No acircmbito do Judiciaacuterio as mais usuais satildeo a conciliaccedilatildeo e a mediaccedilatildeo as quais tentam possibilitar que as partes encontrem juntas uma soluccedilatildeo paciacutefica ao conflito antes de a mateacuteria ser decidida pelo terceiro impar-cial Privilegia-se entatildeo a comunicaccedilatildeo entre os interessados e se faculta agrave possibilidade de eles mesmos construiacuterem o caminho que entendem mais justo (MAGALHAtildeES MAGALHAtildeES 2020)

Neste sentido pode-se defender que um acordo fruto da autocom-posiccedilatildeo de interesses tende a ser mais eficaz para a soluccedilatildeo do conflito do que uma decisatildeo judicial Isto porque as partes tendem a cumprir volunta-riamente as suas obrigaccedilotildees considerando que estas foram instituiacutedas no acircmbito da autonomia privada Ademais nos meacutetodos autocompositivos

Desafios agrave aplicaccedilatildeo dos meacutetodos autocompositivos nas demandas de sauacutede suplementar construindo novos caminhos de acesso agrave justiccedila

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permite-se uma maior proximidade com a vontade das partes conflitan-tes o que costuma gerar empatia e compreensatildeo Por ser uma soluccedilatildeo conjunta o cumprimento do acordo tende a ocorrer de maneira espontacirc-nea (FALCAtildeO 2006)

O que se acredita eacute que uma decisatildeo imposta agraves partes pelo magis-trado terceiro alheio agrave realidade do problema acaba ensejando desvanta-gens para todos os interessados A construccedilatildeo dialoacutegica reduz a sensaccedilatildeo de desconfianccedila e evita maior desgaste na relaccedilatildeo havida Observa-se a busca pela ampliaccedilatildeo do acesso agrave justiccedila tentando encontrar e solucionar o problema em si e natildeo somente o processo Aleacutem disso haacute que se ter em mente que uma estrutura soacutelida que contemple os meacutetodos consensuais de resoluccedilatildeo de conflitos melhoraria tambeacutem a atividade dos magistrados uma vez que estes poderiam dispender mais tempo e atenccedilatildeo para casos mais complexos que dependam inevitavelmente de sua apreciaccedilatildeo

3 A AUTOCOMPOSICcedilAtildeO COMO CAMINHO PARA O ACESSO Agrave JUSTICcedilA NAS DEMANDAS DE SAUacuteDE SUPLEMENTAR

A sauacutede suplementar aqui compreendida como atividade econocircmi-ca em sentido estrito regida por regras e princiacutepios de direito privado possui permissivo legal no ordenamento juriacutedico brasileiro assegurado pelo artigo 197 da Constituiccedilatildeo Federal de 1988 (FREITAS 2018) Nessa modalidade de assistecircncia agrave sauacutede como satildeo estabelecidas regras e orien-taccedilotildees filiadas aos princiacutepios da livre iniciativa e concorrecircncia o Legislador considerou importante resguardar ao Poder Puacuteblico a competecircncia para regulamentar fiscalizar e controlar este setor notadamente no intuito de evitar a mercantilizaccedilatildeo da sauacutede e impor limites agrave excessiva busca por lucro naturalizada pelas empresas (LOBATO 2010)

Hodiernamente o setor de sauacutede suplementar brasileiro eacute consi-derado um dos maiores sistemas privados do mundo e a atividade das operadoras de planos de sauacutede revela-se imprescindiacutevel ao acesso agrave sauacute-de (FREITAS 2018) Contudo ainda assim sua regulamentaccedilatildeo soacute foi ob-jeto de legislaccedilatildeo especiacutefica em 1998 com o advento da Lei Federal nordm 965698 em resposta agraves necessidades mercadoloacutegicas e contratuais ad-vindas dos conflitos e instabilidades decorrentes do longo periacuteodo sem regulamentaccedilatildeo (LAVECCHIA 2019) Ato contiacutenuo no ano de 2000 por intermeacutedio da Lei Federal nordm 996100 foi criada a agecircncia reguladora es-peciacutefica para resguardar a atividade do setor a Agecircncia Nacional de Sauacutede Suplementar (ANS)

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Eacute importante perceber a existecircncia de dois momentos regulatoacuterios distintos que contribuiacuteram juntos para o surgimento de um expressivo nuacutemero de conflitos entre operadoras e seus usuaacuterios No primeiro cenaacute-rio havia ausecircncia total de normas de regulamentaccedilatildeo e posteriormente mesmo com a criaccedilatildeo da ANS esta exercia a funccedilatildeo regulatoacuteria de forma insuficiente chegando a ratificar praacuteticas abusivas ateacute entatildeo cometidas livremente pelas operadoras Com isso aos usuaacuterios natildeo restou alternativa senatildeo buscar o Judiciaacuterio para ver efetivados os direitos que entendiam possuir Desde entatildeo o fenocircmeno da judicializaccedilatildeo no setor da sauacutede suplementar passou a ser uma realidade e ateacute hoje as demandas judiciais aumentam ano a ano e se concentram principalmente em questotildees rela-cionadas a coberturas e reajustes (TRETTEL 2009)

Outro fator que contribui de forma significativa para a crescente ju-dicializaccedilatildeo do setor descansa nas caracteriacutesticas de vulnerabilidade e hi-possuficiecircncia dos beneficiaacuterios De fato grande parte dos consumidores sequer compreende os termos do que contrata com as operadoras de modo que apenas com o surgimento do imbroacuteglio decorrente de even-tual negativa de cobertura ou majoraccedilatildeo do valor da mensalidade eacute que a temaacutetica passa a ganhar especial atenccedilatildeo Desse modo como na maioria dos casos as operadoras tambeacutem natildeo se mostram interessadas em prestar efetivos esclarecimentos aos consumidores nas tratativas que precedem a contrataccedilatildeo tampouco em oferecer soluccedilotildees extrajudiciais para os con-flitos eventualmente advindos o litiacutegio novamente se apresenta como inevitaacutevel

Contudo como jaacute visto a resposta oferecida pelo Estado-Juiz atraveacutes do conteuacutedo decisoacuterio nem sempre se mostra como medida mais eficaz ao asseguramento do acesso agrave sauacutede e da garantia ao correspondente direito fundamental Natildeo satildeo raras as situaccedilotildees de descumprimento a decisotildees judiciais provisoacuterias ou definitivas que por versarem sobre bens juriacutedicos inestimaacuteveis ndash sauacutede e vida ndash acabam sendo esvaziadas pela ir-reparabilidade dos danos advindos eacute o que ocorre exemplificativamente nos casos em que o beneficiaacuterio vai a oacutebito antes do cumprimento da ordem judicial Eacute nesse cenaacuterio que os meacutetodos autocompositivos ndash no-tadamente por ensejarem menor nuacutemero de descumprimento do que os preceitos judiciais ndash revelam-se enquanto alternativa potencialmente ca-paz de reduzir essa disparidade de armas e viabilizar o alcance de soluccedilotildees mais efetivas (RIBEIRO 2018)

Desafios agrave aplicaccedilatildeo dos meacutetodos autocompositivos nas demandas de sauacutede suplementar construindo novos caminhos de acesso agrave justiccedila

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Ao se tentar colocar em praacutetica a autocomposiccedilatildeo como meacutetodo de soluccedilatildeo de conflitos nas demandas envolvendo planos de sauacutede revela--se de iniacutecio uma latente dificuldade a ser superada qual seja a usual indisponibilidade das operadoras de se mostrarem dispostas agrave consen-sualidade Isso porque na qualidade de grandes empresas estas estatildeo acostumadas com a logiacutestica estrutural de priorizar o lucro persistindo em muitos casos a dificuldade de compreender o serviccedilo ofertado como um serviccedilo natildeo apenas de caraacuteter essencial mas principalmente que tem por objeto bens indisponiacuteveis como a vida e inestimaacuteveis como a sauacutede

Por essa razatildeo eacute que a relaccedilatildeo travada entre as operadoras de planos de sauacutede e os seus usuaacuterios natildeo pode ser encarada e interpretada exclusi-vamente como consumerista ou mercantil notadamente quando se tem em mente que desde a formaccedilatildeo do viacutenculo o contratante jaacute estaacute em uma posiccedilatildeo de vulnerabilidade teacutecnica Isto porque a maioria dos con-tratos firmados pelas operadoras de sauacutede possuem o caraacuteter adesivo de modo que o consumidor natildeo possui a prerrogativa de se insurgir contra claacuteusulas que entenda desfavoraacuteveis ou abusivas Essa vulnerabilidade ini-cial eacute posteriormente acentuada quando haacute a tentativa de efetiva utiliza-ccedilatildeo do serviccedilo e a operadora de sauacutede nega ou cria os mais diversos tipos de oacutebices ao cumprimento do contrato (LAVECCHIA 2019)

No aspecto extrajudicial exemplificativamente a praacutetica descortina que a grande maioria das operadoras de planos de sauacutede natildeo se mostra disponiacutevel a negociar ou minimamente buscar soluccedilotildees consensuais para os conflitos retomando a antiga e tradicional premissa de necessidade de intervenccedilatildeo judicial para resoluccedilatildeo dos litiacutegios Impende registrar aliaacutes que mesmo com a propositura da demanda judicial que nos moldes atuais implica na necessaacuteria realizaccedilatildeo de audiecircncia de conciliaccedilatildeo as empresas de plano de sauacutede se mostram bastante resistentes agrave tentativa de autocomposiccedilatildeo natildeo se dispondo sequer a apresentar propostas de acordo

Apesar do esforccedilo do legislador em incluir os meacutetodos de autocom-posiccedilatildeo na realidade do Judiciaacuterio o que se tem encontrado eacute a preo-cupaccedilatildeo em cumprir apenas o requisito formal da conciliaccedilatildeo Eacute o que sustentam Baptista e Amorim (2014) quando apontam

O movimento em favor da conciliaccedilatildeo de iniacutecio tido como inovador natildeo se consagra em mais de uma deacutecada e meia e surge na atuali-dade uma nova onda em favor da mediaccedilatildeo tal qual aconteceu em passado com a conciliaccedilatildeo As esperanccedilas seriam de que a conciliaccedilatildeo

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mostrasse a necessidade de mudanccedilas eficazes que introduzissem uma justiccedila de aproximaccedilatildeo entre o direito e os cidadatildeos bastante distinta da concedida pela praacutetica advinda da legislaccedilatildeo processual tradicional Mas ao contraacuterio esta tradiccedilatildeo ainda exerce predomiacutenio sobre as inovaccedilotildees a exemplo do que aconteceu apoacutes a introduccedilatildeo da ldquoconciliaccedilatildeo intraprocessualrdquo nos juizados especiais pois neles o formato concebido como ldquoconciliaccedilatildeordquo natildeo vingou

Desse modo torna-se possiacutevel afirmar que a simples introduccedilatildeo da conciliaccedilatildeo como um ato processual formal e obrigatoacuterio sem uma efetiva educaccedilatildeo que possibilitasse a mudanccedila de mentalidade natildeo se mostra eficaz (BAPTISTA AMORIM 2014)

O estudo estatiacutestico realizado por Lavecchia (2019) no acircmbito do Tri-bunal de Justiccedila do Estado de Satildeo Paulo demonstra que o percentual de decisotildees favoraacuteveis agraves pretensotildees dos consumidores eacute altiacutessimo de modo que na grande maioria dos casos as operadoras de sauacutede acabam sendo compelidas a reconhecerem o direito dos segurados Diante disso vecirc-se que a operadora de sauacutede mesmo tendo ciecircncia das suas obrigaccedilotildees de-cide cumprir apenas apoacutes determinaccedilatildeo judicial o que agrava os iacutendices de judicializaccedilatildeo

Para que os meacutetodos autocompositivos possam ser consolidados no acircmbito da sauacutede suplementar eacute necessaacuterio que em um primeiro mo-mento o Judiciaacuterio exija e condene pedagogicamente agraves operadoras de sauacutede por litigacircncia de maacute-feacute por causarem a sobreutilizaccedilatildeo da maacutequina judiciaacuteria A partir disso deve-se construir institucionalmente um modelo de consensualidade que permita o efetivo diaacutelogo entre as partes no sentido de se promover a conciliaccedilatildeo de interesses Como visto nos casos envolvendo sauacutede suplementar os consumidores encontram-se em uma situaccedilatildeo ainda mais vulneraacutevel por terem a sua vida e integridade fiacutesica ou psiacutequica expostas motivo pelo qual a autocomposiccedilatildeo se apresenta como o melhor caminho para uma soluccedilatildeo ceacutelere eficaz e justa

4 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS

Ao final da pesquisa percebe-se que a implementaccedilatildeo de meacutetodos autocompositivos nas demandas que tecircm por objeto conflitos decorren-tes da relaccedilatildeo contratual existente entre as operadoras de planos de sauacutede e seus usuaacuterios representa uma alternativa interessante para reduzir o fe-nocircmeno da judicializaccedilatildeo da sauacutede suplementar Em primeiro plano ten-do em vista que a consensualidade reduz de forma significativa os iacutendices

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de descumprimento do pactuado e homologado quando em comparaccedilatildeo com as decisotildees judiciais mas tambeacutem por garantir aos envolvidos na controveacutersia a possibilidade de alcanccedilar soluccedilotildees mais justas e eficazes para ambas as partes O desafio inicial eacute enfrentar natildeo apenas a forte pre-dominacircncia da cultura do litiacutegio que inegavelmente tem impactado a relaccedilatildeo entre as operadoras e os beneficiaacuterios mas tambeacutem a falta de incentivo agrave consensualidade seja por parte da reguladora seja por parte das grandes empresas do setor

Aleacutem disso atraveacutes de uma efetiva e adequada implementaccedilatildeo dos meacutetodos autocompositivos nas demandas de sauacutede suplementar certa-mente seria alcanccedilada em consequecircncia uma significativa reduccedilatildeo do abarrotamento do Poder Judiciaacuterio devolvendo-o o papel de ultima ratio como pacificador social Para que isso efetivamente se concretize faz-se imperiosa uma transformaccedilatildeo de mentalidade por parte das operadoras dos usuaacuterios dos seus representantes e do proacuteprio Poder Judiciaacuterio para que este uacuteltimo deixe de ser visto e compreendido exclusivamente como solucionador de litiacutegios e passe a ser encarado como verdadeiro centro de harmonizaccedilatildeo e pacificaccedilatildeo social

REFEREcircNCIASBAPTISTA Baacuterbara Gomes Lupetti AMORIM Maria Stella de Quando direitos alternativos

viram obrigatoacuterios Burocracia e tutela na administraccedilatildeo de conflitos In Revista An-tropoliacutetica nordm 37 Niteroacutei 2 sem 2014

BARBOSA Caacutessio Modenesi MENEZES Daniel Francisco Nagatildeo Jurimetria buscando um referencial teoacuterico Revista Intelecttus Ano IV nordm 24 2013 Disponiacutevel em Acesso em 05 nov de 2020

BARROSO Luis Roberto Judicializaccedilatildeo Ativismo judicial e legitimidade democraacutetica Re-vista da EMARF Cadernos Temaacuteticos dez 2010 Disponiacutevel em wwwtrf2govbremarfdocumentsrevistaemarfseminariopdf Acesso em 05 nov de 2020

BRAGANCcedilA Fernanda Da cultura do litiacutegio para ADR os verdadeiros bastidores dessa mudanccedila Revista de Formas Consensuais e Resoluccedilatildeo de Conflitos v 06 nordm 01 2020 Disponiacutevel em httpsindexlaworgindexphprevistasolucoesconflitosarti-cleview6385 Acesso em 05 nov de 2020

BRASIL Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica Federativa do Brasil de 1988 Disponiacutevel em ltwwwplanaltogovbr ccivil_03constituicaoconstituicaohtmgt Acesso em 15 nov 2020

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Gabriela Silva Sady bull Henrique Costa Princhak bull Lucas Macedo Silva

138 Revista Novatio 1ordf ediccedilatildeo ndash 2020

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_____ Ordem dos Advogados COacuteDIGO DE EacuteTICA E DISCPLINA DA OAB Disponiacutevel em httpswwwoaborgbrcontentpdflegislacaooabcodigodeeticapdf Acesso em 05 nov de 2020

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CUNHA Leonardo Carneiro da LESSA NETO Joatildeo Luiz Mediaccedilatildeo e conciliaccedilatildeo no poder Judiciaacuterio e o Novo Coacutedigo de Processo Civil In Novo CPC doutrina selecionada v 1 parte geral Salvador Juspodivm 2016

DIDIER JR Fredie ZANETI JR Hermes Justiccedila multiportas e tutela constitucional adequada autocomposiccedilatildeo em Direitos Coletivos In Justiccedila Multiportas mediaccedilatildeo concilia-ccedilatildeo arbitragem e outros meios de soluccedilatildeo adequada para conflitos Salvador Juspodivm 2016

FALCAtildeO Joaquim Movimento pela conciliaccedilatildeo Revista Conjutura Econocircmicav 60 nordm 09 Fundaccedilatildeo Getuacutelio Vargas 2006 Disponiacutevel em httpbibliotecadigitalfgvbrojsindexphprcearticleview2752626401 Acesso em 05 nov de 2020

FERNANDES Tarsila Ribeiro Marques In Manual de Negociaccedilatildeo Baseado na Teoria de Harvard Advocacia ndash Geral da Uniatildeo Escola da Advocacia-Geral da Uniatildeo Ministro Victor Nunes Leal Brasiacutelia 2017 Disponiacutevel em httpwwwmpspmpbrportalpageportaldocumentacao_e_divulgacaodoc_bibliotecabibli_servicos_produtosBibliotecaDigitalBibDigitalLivrosTodosOsLivrosManual-de-negociacao-baseado--na-teoria-Harvardpdf Acesso em 05 nov de 2020

FILPO Klever Paulo Leal Redescobrindo os meacutetodos autocompositivos de soluccedilatildeo de con-flitos em tempos de COVID-19 In Rev Augustus | ISSN 1981-1896 | Rio de Janeiro | v25 nordm 51 p 183-197 julout 2020

FIORELLI Joseacute Osmir MANGINI Rosana Cathya Rangazzoni Psicologia juriacutedica 8ed Satildeo Paulo Atlas 2017

FREITAS Marco Antocircnio Barbosa de Tutelas Provisoacuterias Individuais nos Contratos de Plano de Sauacutede Editora Lumen Juris RJ 2018

LEWICKI Roy J SAUNDERS David M BARRYS Bruce Fundamentos de Negociaccedilatildeo AMGH Editora 5ordf Ediccedilatildeo 2014

MAGALHAtildeES NETO Floriano Benevides de MAGALHAtildeES Lilese Barroso Benevides de Con-ciliaccedilatildeo no Brasil anaacutelise de sua repercussatildeo na celeridade e efetividade da Justiccedila Revista de Direito da ADVOCEF Porto Alegre ADVOCEF v1 n30 2020 Disponiacutevel em httpswwwadvoceforgbrwp-contentuploads202010miolo_RD-30-sitepdf Acesso em 05 nov de 2020

MARQUES Renata Grazielle Ferratildeo O papel dos meacutetodos autocompositivos para o po-der puacuteblico no ordenamento juriacutedico brasileiro como forma de acesso agrave Justiccedila In FIDES Natal V 11 nordm 1 janjun 2020

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NALINI Joseacute Renato Eacute urgente construir alternativas agrave justiccedila In Justiccedila Multiportas mediaccedilatildeo conciliaccedilatildeo arbitragem e outros meios de soluccedilatildeo adequada para conflitos Salvador Juspodivm 2016 PEDROSO Joseane Ceolin Mariani de Andrade A importacircncia da conciliaccedilatildeo e mediaccedilatildeo como ferramenta extrajudicial de in-serccedilatildeo aos meacutetodos alternativos para resoluccedilatildeo de conflitos relatos do nuacutecleo de praacutetica de mediaccedilatildeo do curso de direito da fames 10ordf Jornada de Pesquisa e 9ordf Extensatildeo do Curso de Direito 2018 Disponiacutevel em httpmetodistacentenariocombrjornada-de-direitoanais10a-jornada-de-pesquisa-e-9a-jornada-de-exten-sao-do-curso-de-direitoartigosrelatos-de-experiencianucleo-de-pratica-de-me-diacao_famespdf Acesso em 05 nov de 2020

SANTOS Beniacutecio Fagner Conciliaccedilatildeo e mediaccedilatildeo efetividade da autocomposiccedilatildeo no CEJUSC das Varas de Famiacutelia de Salvador ndash BA Universidade do Sul de Santa Catarina 2019 Disponiacutevel em httpsriuniunisulbrbitstreamhandle123457920BENc38dCIO20FAGNER20DO20SANTOS20-20versc3a3ordm20final20apc3b3s20defesapdfsequence=1ampisAllowed=y Acesso em 05 nov de 2020

TRETTEL DANIELA BATALHA Planos de sauacutede na Justiccedila o direito agrave sauacutede estaacute sendo efetivado Estudo do posicionamento dos Tribunais Superiores na anaacutelise dos conflitos entre usuaacuterios e operadoras de planos de sauacutede 2009

TRIGO Beatriz et al Poliacuteticas puacuteblicas para mitigaccedilatildeo da cultura do litiacutegio no Brasil Direito e Sociedade Rev Estudos Juriacutedicos e Interdisciplinares Catanduva ndash SP v 12 nordm 1 jandez 2017 Disponiacutevel em httpunifipacombrsitedocumentosrevistasdireitodir_2017_vol12_n1pdfpage=72 Acesso em 05 nov de 2020

VASCONCELOS Camila Responsabilidade meacutedica e judicializaccedilatildeo na relaccedilatildeo meacutedico--paciente Revista Bioeacutetica 2012 v 20 n3 p389-396Disponiacutevel em httpwwwredalycorgpdf3615361533260002pdf Acesso em 05 nov 2020

Gabriela Silva Sady bull Henrique Costa Princhak bull Lucas Macedo Silva

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Inovaccedilotildees tecnoloacutegicas no direito uma anaacutelise da (im)possibilidade de citaccedilatildeo

por aplicativos de mensagem instantacircnea nos Juizados Especiais Ciacuteveis da Bahia

1 Advogada Bacharela em Direito pela Universidade do Estado da Bahia ndash UNEB Poacutes--graduanda em Direito Constitucional Aplicado pela Faculdade Legale

2 Bacharel em Direito pela Universidade do Estado da Bahia Poacutes-graduando em Direi-to Processual Civil pela Pontifiacutecia Universidade Catoacutelica do Rio de Janeiro ndash PUC-RJ

3 Bacharela em Direito pela Universidade do Estado da Bahia ndash UNEB Poacutes-graduanda em Direito Constitucional Aplicado e Direito Previdenciaacuterio pela Faculdade Legale

Amanda Leite Souza Alves1

Lucas Duailibe Maia2

Mariely Lago Vianna Nogueira3

Resumo As constantes inovaccedilotildees tecnoloacutegicas que surgem com o passar dos tempos no mundo tem provocado grandes alteraccedilotildees na dinacircmica da sociedade Nesse contexto o presente artigo ao partir da premissa de que o Direito deve se adequar a realidade social para natildeo se tornar inoacutecuo a esta pretende com vistas a garantir sobre-tudo uma prestaccedilatildeo jurisdicional mais ceacutelere investigar com pro-fundidade e inteireza acerca da possibilidade de se realizar citaccedilotildees por aplicativos de mensagens instantacircneas no acircmbito dos Juizados Especiais Ciacuteveis da Bahia Para tanto este escrito que se divide em trecircs partes busca em suas duas primeiras realizar respectivamente breves apontamentos sobre a inter-relaccedilatildeo entre tecnologia e o Direi-to bem como a respeito do instituto processual da citaccedilatildeo para que assim diante de um cenaacuterio mais cognosciacutevel possa-se em sua uacutelti-ma parte enfrentar o aludido questionamento de modo a examinar a viabilidade da referida modalidade desta citaccedilatildeo e suas provaacuteveis implicaccedilotildees

Palavras-chave direito tecnologia juizados citaccedilatildeo whatsapp

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1 CONSIDERACcedilOtildeES INICIAIS

A informatizaccedilatildeo do Poder Judiciaacuterio brasileiro eacute uma realidade de deacutecadas a qual se iniciou com a implementaccedilatildeo do processo digital Con-tudo atualmente as inovaccedilotildees tecnoloacutegicas jaacute implementadas pelos tri-bunais mostram-se insuficientes para atender a certas demandas de uma sociedade cada vez mais imediatista e conectada agrave realidade digital Nesse sentido nota-se a necessidade latente do Poder Judiciaacuterio adotar novas ferramentas digitais que sejam capazes de conjugar a celeridade almejada com a seguranccedila juriacutedica necessaacuteria

Dentre as inovaccedilotildees socialmente requisitadas destaque-se o uso de aplicativos de mensagem instantacircnea para proceder agrave comunicaccedilatildeo de atos processuais em especial de intimaccedilatildeo e citaccedilatildeo no acircmbito dos Juizados Especiais cujo rito eacute regido pelos princiacutepios da simplicidade e ce-leridade Embora o Conselho Nacional de Justiccedila (CNJ) tenha reconhecido a possibilidade do uso da plataforma WhatsApp para proceder intimaccedilotildees desde que regulamentado pelos tribunais ainda natildeo haacute consenso sobre a viabilidade eou validade da citaccedilatildeo realizado por meio dessa ferramenta

Essa temaacutetica mostra-se de suma importacircncia tanto aos profissionais da aacuterea juriacutedica quanto a todos os cidadatildeos munidos do direito funda-mental do acesso agrave justiccedila tendo em vista que a adoccedilatildeo de aplicativos de mensagem instantacircnea no rito dos Juizados Especiais Ciacuteveis deve atender aos princiacutepios da celeridade e simplicidade mas sem gerar prejuiacutezos ao princiacutepio da seguranccedila juriacutedica No tocante agrave metodologia utilizada na ela-boraccedilatildeo deste escrito optou-se pelo uso da pesquisa qualitativa uma vez que eacute pautada em subjetividades aplicada pelo intuito de gerar conhe-cimento para aplicaccedilotildees praacuteticas na resoluccedilatildeo de problemas exploratoacuteria cujo objetivo eacute gerar familiaridade com o tema e bibliograacutefica pois as fon-tes de pesquisa constituem mateacuterias jaacute publicadas como livros e artigos

Nesse diapasatildeo o presente artigo visa analisar a possibilidade juriacutedi-ca de o ato citatoacuterio ser realizado atraveacutes de aplicativo de mensagem ins-tantacircnea no acircmbito dos Juizados Especiais tendo em vista os princiacutepios regentes da celeridade e simplicidade Com o intuito de alcanccedilar esse ob-jetivo geral traccedilaram-se trecircs objetivos especiacuteficos que se fazem os toacutepicos deste artigo sendo estes os seguintes i) realizar um breve levantamento sobre as implementaccedilotildees de recursos tecnoloacutegicos pelo Poder Judiciaacuterio ii) elucidar a importacircncia do ato citatoacuterio para a integralizaccedilatildeo da lide iii) analisar o cabimento ou natildeo da realizaccedilatildeo do ato citatoacuterio por aplicativos de mensagem instantacircnea

Amanda Leite Souza Alves bull Lucas Duailibe Maia bull Mariely Lago Vianna Nogueira

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2 INOVACcedilOtildeES TECNOLOacuteGICAS E O DIREITO BREVES APON-TAMENTOS

Nos uacuteltimos tempos o avanccedilo tecnoloacutegico eacute cada vez mais frequente e impactante O uso da internet e das demais tecnologias decorrentes des-ta demonstra mais um cenaacuterio da revoluccedilatildeo cientiacutefica vivenciada Eacute neste contexto que o Poder Judiciaacuterio brasileiro tambeacutem foi acometido por tais mudanccedilas em especial pela informatizaccedilatildeo do processo judicial

Segundo Boaventura de Sousa Santos (2005 p 90-91) as novas tec-nologias de comunicaccedilatildeo e de informaccedilatildeo tecircm enorme potencial de trans-formaccedilatildeo do sistema judicial em diversos acircmbitos dentre os quais estatildeo na administraccedilatildeo e gestatildeo da justiccedila na transformaccedilatildeo do exerciacutecio das profissotildees juriacutedicas e na democratizaccedilatildeo do acesso ao direito agrave justiccedila

Sobre o primeiro ponto as novas tecnologias teriam um efeito posi-tivo em face da celeridade e eficaacutecia dos processos judiciais ao melhorar os recursos humanos as secretarias e agendas judiciais tornar mais eficaz a tramitaccedilatildeo dos feitos facilitar o acesso agraves fontes dentre outros fatores Por conseguinte o segundo ponto permitiria a maior circulaccedilatildeo da infor-maccedilatildeo e portanto um direito e justiccedila mais proacuteximo e transparente Ao exemplificar o autor admite que a facilidade do acesso agraves bases de da-dos juriacutedicos e agraves informaccedilotildees fundamentais para o exerciacutecio de direitos permite o exerciacutecio de um conjunto de direitos e deveres dos cidadatildeos (SANTOS 2005 p 91)

Nesta perspectiva a informatizaccedilatildeo do processo judicial teria como um dos objetivos a promoccedilatildeo de uma justiccedila mais aacutegil ceacutelere e mais efi-ciente com o uso avanccedilado da tecnologia e disseminaccedilatildeo do computador tanto para as partes do processo quanto para o proacuteprio Poder Judiciaacuterio Entatildeo os processos ao se tornarem eletrocircnicos poderiam tornar mais aacutegil a distribuiccedilatildeo e tramitaccedilatildeo dos feitos aleacutem de ocasionar uma melhor ges-tatildeo e controle do andamento dos processos e por consequecircncia aumen-taria a produccedilatildeo de julgados (HINO CUNHA 2020 p 02)

Segundo Hino e Cunha (2020 p 09) foi a instituiccedilatildeo dos Juizados Es-peciais Federais por meio da Lei 102592001 que deu iniacutecio ao processo de informatizaccedilatildeo do Poder Judiciaacuterio Para o autor o uso da tecnologia de informaccedilatildeo ocasionou o desenvolvimento dos sistemas de comunica-ccedilatildeo dos atos processuais permitiu o envio de peticcedilotildees eletrocircnicas sem a apresentaccedilatildeo das peccedilas originais fiacutesicas propiciou a realizaccedilatildeo de sessotildees virtuais e o desenvolvimento de soluccedilotildees para suportar a instruccedilatildeo da lide

Inovaccedilotildees tecnoloacutegicas no direito uma anaacutelise da (im)possibilidade de citaccedilatildeo por aplicativos de mensagem instantacircnea nos Juizados Especiais Ciacuteveis da Bahia

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Inclusive no mesmo ano houve a legalizaccedilatildeo da assinatura digital por meio dos certificados digitais

No entanto embora a instituiccedilatildeo dos Juizados Federais tenha impor-tado uma alteraccedilatildeo no cenaacuterio brasileiro foi apenas em 2004 que houve uma grande mudanccedila no Poder Judiciaacuterio como um todo quando o Tribu-nal Regional Federal (TRF) da 4ordf Regiatildeo autorizou a substituiccedilatildeo dos seus processos fiacutesicos pelos autos eletrocircnicos Dois anos depois em 2006 a Lei nordm 11419 dispocircs sobre a informatizaccedilatildeo do processo digital e possibilitou o uso de meios eletrocircnicos na tramitaccedilatildeo de processos judiciais A partir deste ato os tribunais passaram de forma gradativa a implantar as novas accedilotildees (ALVARES 2012 apud HINO CUNHA 2020 p09)

E embora tais fatos tenham propiciado a informatizaccedilatildeo processual a independecircncia administrativa de cada tribunal ocasionou uma variedade na adoccedilatildeo dos sistemas de gerenciamento dos processos eletrocircnicos Sendo assim apenas em 2011 com uma parceria do Conselho Nacional de Justiccedila (CNJ) e da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) houve o lanccedilamento do Processo Judicial eletrocircnico (PJe) Dois anos apoacutes o CNJ determinou por meio da Resoluccedilatildeo nordm 185 que os tribunais desenvolvessem um plano e um cronograma de implantaccedilatildeo do PJe4 (HINO CUNHA 2020 p 09)

Inobstante a tentativa de padronizaccedilatildeo do CNJ a referida Resoluccedilatildeo natildeo previu a obrigatoriedade do formato do PJe o que permitiu a exis-tecircncia de outros sistemas de tramitaccedilatildeo eletrocircnica nos tribunais Assim existem diversas plataformas eletrocircnicas diferentes (e-SAJ Themis Projudi dentre outros) nos diversos oacutergatildeos do Poder Judiciaacuterio ainda que estas tenham objetivo de facilitar o acompanhamento processual dos casos (OLIVEIRA CUNHA 2020 p 14)

Todavia a estrateacutegia para melhorar a prestaccedilatildeo jurisdicional atraveacutes da tecnologia poderia ser eficaz natildeo apenas para produzir informaccedilatildeo sobre as atividades judiciais como tambeacutem mecanismo de acesso agrave Jus-ticcedila Isto porque nos processos judiciais digitais por exemplo o impacto eacute direto no tempo de tramitaccedilatildeo do processo devido ao seu formato eacute tambeacutem pelo meio digital que haacute uma maior transparecircncia e agilidade no acompanhamento dos processos Observe-se que segundo Chemin

4 Eacute interessante destacar que de acordo com Hino e Cunha (2020 p09) a partir do ano de 2015 o CNJ passou a emitir o relatoacuterio Justiccedila em Nuacutemeros com destaques acerca da produtividade avanccedilos de informatizaccedilatildeo dentre outros fatores a respeito da atuaccedilatildeo do Poder Judiciaacuterio

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Harley e Panter (2017) apud Oliveira e Cunha (2020 p 06) no relatoacuterio publicado pelo Banco Mundial em 2017 os resultados de reformas dos Judiciaacuterios realizados em diversos paiacuteses dentre eles o Brasil modernizou as instituiccedilotildees do sistema de Justiccedila e produziu resultados em menor tem-po e com maior impacto ao medir o desempenho das instituiccedilotildees

Ademais outra inovaccedilatildeo tecnoloacutegica que deve ser destacada eacute o uso de robocircs para captura de informaccedilotildees Tais meios registram a movimenta-ccedilatildeo processual como despachos atas de audiecircncia sentenccedilas e acoacuterdatildeos e jaacute satildeo utilizados por alguns escritoacuterios de advocacia Para tanto os robocircs se conectam aos sistemas do processo eletrocircnico ao utilizar dados vaacutelidos para o sistema ou seja em grande parte dados de um dos soacutecios dos es-critoacuterios (HINO CUNHA 2020 p 21)

Outro ponto a ser suscitado eacute a mudanccedila na atuaccedilatildeo mentalidade e produccedilatildeo dos magistrados diante da introduccedilatildeo de computadores e sistemas digitais Segundo Fernando Fontainha (2012) citado por Oliveira e Cunha (2020 p 16) tais meios tecnoloacutegicos impactaram a prestaccedilatildeo jurisdicional e levaram ao surgimento de um novo tipo de juiz o ldquojuiz-em-preendedorrdquo que tem como interesse fundamental a gestatildeo dos tribunais e cumprir as metas quantitativas impostas pelo CNJ ao inveacutes de se atentar agrave atividade para qual foi selecionado e treinado a prestaccedilatildeo jurisdicional No entanto Oliveira e Cunha (2020 p 16) apontam que

Apesar da existecircncia de processos digitais e do uso de ferramentas como protocolos eletrocircnicos e videoconferecircncias ou do aplicativo de mensagens WhatsApp para realizar intimaccedilotildees judiciais o foco estaacute na gestatildeo das atividades e natildeo no impacto que o Judiciaacuterio tem na sociedade

Diante do exposto embora a informatizaccedilatildeo tenha propiciado diver-sas mudanccedilas no cenaacuterio juriacutedico brasileiro haacute muito para se discutir acer-ca do processo e desenvolvimento de sua implantaccedilatildeo Para aleacutem de todo o contexto que representa a virtualizaccedilatildeo dos processos diante de um paiacutes dotado de desigualdades socioeconocircmicas e culturais eacute importante debater quais os meacutetodos tecnoloacutegicos e o modo como seratildeo adotados pelos operadores do Direito (SANTOS FILHO PEREIRA OLIVEIRA 2017) Isto porque no acircmbito dos Juizados Especiais se espera uma justiccedila ainda mais aacutegil ceacutelere e eficiente e o uso de certos meios para alcanccedilar esse fim pode problematizar institutos processuais presentes tanto no Coacutedigo de Processo Civil quanto na Lei 90991995 ndash que dispotildee sobre os Juizados Especiais Ciacuteveis e Criminais

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Neste trabalho o intuito eacute propiciar uma reflexatildeo acerca da possibili-dade do uso das tecnologias dos aplicativos de mensagens instantacircneas em especial o WhatsApp como meio haacutebil a efetivar o ato citatoacuterio nos processos dos Juizados Especiais do Estado da Bahia Logo da anaacutelise do contexto juriacutedico brasileiro eacute perceptiacutevel a utilizaccedilatildeo destes meios nos Juizados de outros Estados para efetivar citaccedilotildees e intimaccedilotildees das partes processuais eou de seus representantes legais

3 A CITACcedilAtildeO NOS JUIZADOS ESPECIAIS CIacuteVEIS CONCEITO E MODALIDADES

A fim de investigar com mais inteireza e profundidade a problemaacuteti-ca a que este artigo se propotildee a examinar a saber a possibilidade ou natildeo da realizaccedilatildeo do ato citatoacuterio por aplicativos de mensagem instantacircnea nos Juizados Especiais Ciacuteveis da Bahia revela-se necessaacuterio preliminar-mente compreender determinadas premissas acerca do instituto da cita-ccedilatildeo Para tanto passa-se sem mais delongas ao exame do conceito e das modalidades do referido ato processual

A citaccedilatildeo conforme se extrai do art 238 do CPC155 eacute o ato proces-sual de comunicaccedilatildeo pelo qual satildeo convocados o reacuteu o executado ou o interessado para integrar a relaccedilatildeo processual

Agrave vista de tal conceito cumpre destacar sob o prisma da Constituiccedilatildeo Federal mais especificamente do art 5ordm LV da CF886 que a citaccedilatildeo tem a importante incumbecircncia de iniciar o momento no qual o requerido pode-raacute exercer seu direito ao contraditoacuterio e agrave ampla defesa

Aleacutem desta o professor Fredie Didier (2016 p 615) a partir de uma visatildeo mais procedimental aponta que o referido ato apresenta uma dupla funccedilatildeo sendo estas as seguintes ldquoa) in ius vacatio convocar o sujeito a juiacutezo b) edictio actionis cientificar-lhe do teor da demandardquo

Nesse diapasatildeo cumpre ressaltar que apesar de o aludido doutri-nador e o proacuteprio dispositivo infraconstitucional supramencionado se utilizarem do verbo ldquoconvocarrdquo tal expressatildeo natildeo se demonstra como a

5 Art 238 do CPC15 ldquoCitaccedilatildeo eacute o ato pelo qual satildeo convocados o reacuteu o executado ou o interessado para integrar a relaccedilatildeo processualrdquo

6 Art 5ordm LV da CF ldquoaos litigantes em processo judicial ou administrativo e aos acu-sados em geral satildeo assegurados o contraditoacuterio e ampla defesa com os meios e recursos a ela inerentesrdquo

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mais adequada uma vez que a citaccedilatildeo natildeo convoca o demandado tendo em vista que natildeo depende de sua vontade mas sim o integra de forma automaacutetica e coercitiva a relaccedilatildeo juriacutedica processual (NEVES 2018 p411)

Assim sendo se infere ser mais adequado o conceito ensinado por Alexandre de Freitas Cacircmara (2017 p129) o qual a ldquocitaccedilatildeo eacute pois o ato pelo qual algueacutem eacute convocado a integrar um processo dele se tornando parte independentemente de sua vontaderdquo

Ademais jaacute quanto agraves modalidades de ato citatoacuterio se depreende a partir da leitura dos incisos do art 18 da Lei nordm 909995 que a citaccedilatildeo po-deraacute ser efetuada no acircmbito dos Juizados Especiais Ciacuteveis de trecircs formas sendo estas as seguintes

I ndash por correspondecircncia com aviso de recebimento em matildeo proacutepria II ndash tratando-se de pessoa juriacutedica ou firma individual mediante en-trega ao encarregado da recepccedilatildeo que seraacute obrigatoriamente iden-tificado III ndash sendo necessaacuterio por oficial de justiccedila independente-mente de mandado ou carta precatoacuteria

Nesse contexto se observa que a referida legislaccedilatildeo permite a uti-lizaccedilatildeo de quase todas as modalidades de atos citatoacuterios previstos no art 2467 do Coacutedigo de Processo Civil salvo a citaccedilatildeo por edital a qual eacute expressamente vedada pelo sect 2ordm do referido artigo8 no contexto dos juizados

A respeito desta vedaccedilatildeo Flaacutevio Oliacutempio de Azevedo (2013) bem explica que o legislador infraconstitucional optou por esse oacutebice porque esta modalidade ao se revelar muito custosa complexa e demorada vio-lava diversos princiacutepios inerentes aos Juizados Especiais sobretudo os da simplicidade informalidade e celeridade estabelecidos no art 2ordm da Lei dos Juizados Especiais9

7 Art 246 do CPC ldquoA citaccedilatildeo seraacute feita I ndash pelo correio II ndash por oficial de justiccedila III ndash pelo escrivatildeo ou chefe de secretaria se o citando comparecer em cartoacuterio IV ndash por edital V ndash por meio eletrocircnico conforme regulado em leirdquo

8 Art 18 sect 2ordm da Lei nordm 909995 ldquoNatildeo se faraacute citaccedilatildeo por editalrdquo

9 Art 2ordm da Lei nordm 909995 ldquoArt 2ordm O processo orientar-se-aacute pelos criteacuterios da orali-dade simplicidade informalidade economia processual e celeridade buscando sempre que possiacutevel a conciliaccedilatildeo ou a transaccedilatildeordquo

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Nessa seara caso haja a necessidade de realizar uma citaccedilatildeo por edi-tal em um processo que tramita no juizado os autos devem ser enviados ao distribuidor para que accedilatildeo seja distribuiacuteda a uma das varas comuns

Esse eacute o entendimento que se extrai da jurisprudecircncia paacutetria

EMENTA CONFLITO DE COMPETEcircNCIA ndash ACcedilAtildeO DECLARATOacuteRIA ndash CI-TACcedilAtildeO POR EDITAL ndash IMPOSSIBILIDADE NO JUIZADO ESPECIAL ndash COMPETEcircNCIA DO JUIacuteZO COMUM ldquoA Lei nordm 909995 prevecirc ex-pressamente que natildeo se admite a citaccedilatildeo por edital no acircmbi-to dos juizados especiais Havendo necessidade de citaccedilatildeo por edital a competecircncia seraacute da Justiccedila Comum (TJMG ndash Conflito de Competecircncia 1000019134327-6000 Relator (a) Des(a) Kildare Carvalho 4ordf CAcircMARA CIacuteVEL julgamento em 14052020 publicaccedilatildeo da suacutemula em 15052020) (grifo nosso)

Ainda acerca desta temaacutetica cumpre pontuar que parte minoritaacuteria da doutrina como Ricardo Cunha Chimenti (2012 p165) adverte que tal vedaccedilatildeo natildeo eacute absoluta uma vez que a partir do teor do art 53 sect 4ordm da referida lei10 se constata que eacute possiacutevel a feitura do ato citatoacuterio ao proces-so de execuccedilatildeo que tramitem nos juizados

Esse tambeacutem eacute a compreensatildeo que se retira do Enunciado 37 do FO-NAJE o qual afirma que

Em exegese ao art 53 sect 4ordm da Lei 909995 natildeo se aplica ao pro-cesso de execuccedilatildeo o disposto no art 18 sect 2ordm da referida lei sen-do autorizados o arresto e a citaccedilatildeo editaliacutecia quando natildeo encon-trado o devedor observados no que couber os arts 653 e 654 do Coacutedigo de Processo Civil (grifo nosso)

Aleacutem do mais ainda se nota a partir do jaacute mencionado inciso III do art18 da Lei nordm 909995 que a citaccedilatildeo por oficial de justiccedila existente no CPC eacute adaptada para a realidade dos juizados especiais de modo a dis-pensar algumas de suas formalidades11 com vistas agrave concretizaccedilatildeo espe-cialmente do princiacutepio da informalidade que se faz um dos norteadores do sistema em comento

10 Art 53 sect 4ordm da Lei nordm 909995 ldquo4ordm Natildeo encontrado o devedor ou inexistindo bens penhoraacuteveis o processo seraacute imediatamente extinto devolvendo-se os documentos ao autorrdquo

11 Flaacutevio Oliacutempio de Azevedo (2013) afirma que haacute por exemplo a dispensa da neces-sidade de mandado ou de carta precatoacuteria para a citaccedilatildeo por oficial de justiccedila nos juizados

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Por fim cabe destacar que o sect 3ordm do art 18 da Lei dos Juizados12 ado-ta regra idecircntica agrave contida no art 239 sect 1ordm do CPC13 na qual se estabelece que o comparecimento espontacircneo da pessoa do citando supre eventual falta ou nulidade da citaccedilatildeo de forma a se privilegiar desta forma o prin-ciacutepio da economia processual

4 A REALIZACcedilAtildeO DE CITACcedilAtildeO POR APLICATIVO DE MENSA-GENS INSTANTAcircNEAS UMA ANAacuteLISE DE SUA (IM)POSSIBI-LIDADE NO AcircMBITO DOS JUIZADOS ESPECIAIS CIacuteVEIS DA BAHIA

Conforme explicitado anteriormente o sistema processual brasileiro tem passado nas uacuteltimas deacutecadas pelo importante processo de informa-tizaccedilatildeo destacando-se como modificaccedilatildeo propulsora a tramitaccedilatildeo das accedilotildees judiciais por meio eletrocircnico indistintamente nas aacutereas ciacutevel penal e trabalhista nos Juizados Especiais e em qualquer grau de jurisdiccedilatildeo

Em decorrecircncia do grande avanccedilo tecnoloacutegico nos meios de comu-nicaccedilatildeo da popularizaccedilatildeo de alguns destes em especial os aplicativos de mensagens instantacircneas e da incessante busca pela celeridade proces-sual alguns operadores do Direito como magistrados e advogados tecircm defendido a possibilidade de que a comunicaccedilatildeo eletrocircnica dos atos de intimaccedilatildeo e citaccedilatildeo judiciais seja realizada atraveacutes desse meio digital al-ternativo sempre que possiacutevel Esse posicionamento eacute mais veemente no acircmbito dos Juizados Especiais tendo em vista os princiacutepios regentes da simplicidade informalidade economia processual e celeridade previstos no art 2ordm da lei 90991995

A comunicaccedilatildeo dos atos eletrocircnicos eacute regulamentada pela Lei nordm 114192006 a qual dispotildee sobre a informatizaccedilatildeo do processo judicial es-tabelecendo portanto paracircmetros que validam tanto os atos de comuni-caccedilatildeo quanto agrave transmissatildeo de peccedilas processuais e a tramitaccedilatildeo das accedilotildees judiciais O art 9ordm da lei 1141906 prevecirc que ldquono processo eletrocircnico todas as citaccedilotildees intimaccedilotildees e notificaccedilotildees inclusive da Fazenda Puacuteblica seratildeo feitas por meio eletrocircnico na forma desta Leirdquo ressaltando em seu

12 Art18 sect 3ordm da Lei nordm 909995 ldquoO comparecimento espontacircneo supriraacute a falta ou nulidade da citaccedilatildeordquo

13 Art 239 sect 1ordm do CPC15 ldquo sect 1ordm O comparecimento espontacircneo do reacuteu ou do execu-tado supre a falta ou a nulidade da citaccedilatildeo fluindo a partir desta data o prazo para apresentaccedilatildeo de contestaccedilatildeo ou de embargos agrave execuccedilatildeordquo

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sect 1ordm que ldquoas citaccedilotildees intimaccedilotildees notificaccedilotildees e remessas que viabilizem o acesso agrave iacutentegra do processo correspondente seratildeo consideradas vista pessoal do interessado para todos os efeitos legaisrdquo

Embora natildeo se tenha a previsatildeo expressa sobre a possibilidade de in-timaccedilatildeo ou citaccedilatildeo por aplicativo de mensagem instantacircnea como desta-cado acima haacute magistrados que defendem e se utilizam dessa ferramenta para realizar atos de comunicaccedilatildeo processual Nesse sentido o Conselho Nacional de Justiccedila (CNJ) no ano de 2017 julgou procedente o Procedi-mento de Controle Administrativo (PCA) 0003251-9420162000000 no qual o requerente Gabriel Consigliero Lessa14 juiz de direito da comarca de PiracanjubaGoiaacutes pleiteou a ratificaccedilatildeo integral da Portaria Conjunta nordm 012015 do Juizado Especial Ciacutevel e Criminal da Comarca de Piracan-jubaGO e da Ordem dos Advogados do Brasil apoacutes o Tribunal de Justiccedila de Goiaacutes por meio de sua Corregedoria ter proibido o uso do WhatsApp como ferramenta de comunicaccedilatildeo dos atos processuais A conselheira Dal-dice Santana relatora do referido PCA em seu voto ressaltou que tanto os princiacutepios orientadores dos Juizados quanto a sua competecircncia de con-ciliar processar e julgar causas de menor complexidade satildeo pilares que visam ldquoampliar o acesso agrave justiccedila garantindo a prestaccedilatildeo jurisdicional ade-quada efetiva e tempestiva para o tratamento do conflito apresentadordquo

Natildeo obstante o entendimento do CNJ ser direcionado para a pos-sibilidade de intimaccedilatildeo das partes por meio de aplicativo de mensagem instantacircnea e desde que haja anuecircncia preacutevia de ambas conforme os termos da Portaria Conjunta nordm 012015 acima citada a juiacuteza Deborah Ca-valcante de Oliveira Salomatildeo Guarines em 2017 agrave eacutepoca titular da 2ordf Vara da Comarca de Maranguape no Cearaacute deferiu o pleito da parte autora para proceder agrave citaccedilatildeo da parte reacute por meio de telefone ou pelo uso do aplicativo de WhatsApp

De acordo com as informaccedilotildees fornecidas no portal do Tribunal de Justiccedila do Cearaacute a magistrada defende que a citaccedilatildeo pode ser realizada por qualquer meio de comunicaccedilatildeo idocircneo atraveacutes do oficial de justiccedila o qual eacute dotado de feacute puacuteblica com fulcro na previsatildeo do art 13 sect 2ordm da Lei 90999515 Frisa-se que neste caso houve anteriormente ao menos duas

14 O magistrado Gabriel Consigliero Lessa foi homenageado na ediccedilatildeo XII do Precircmio Innovare 2015 em virtude da implementaccedilatildeo da praacutetica de intimaccedilatildeo eletrocircnica via plataforma Whatsapp

15 Art 13 sect 3ordm A praacutetica de atos processuais em outras comarcas poderaacute ser solicitada por qualquer meio idocircneo de comunicaccedilatildeo

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tentativas de citaccedilatildeo presencial por oficial de justiccedila mas todas frustradas em decorrecircncia do desconhecimento do endereccedilo atual da demandada sendo a uacutenica certeza da demandante o nuacutemero de telefone daquela

Ao discorrer sobre a citaccedilatildeo eletrocircnica Neves (2018 p 643) pondera que ldquosendo a citaccedilatildeo ato essencial para a efetivaccedilatildeo dos princiacutepios cons-titucionais da ampla defesa e contraditoacuterio o endereccedilo eletrocircnico tem de ser informado pelo demandadordquo Nesse sentido por analogia questiona--se sobre a possiacutevel falta de seguranccedila juriacutedica aos envolvidos na accedilatildeo pois pode haver casos em que natildeo eacute possiacutevel saber se o nuacutemero telefocircnico fornecido pela parte autora realmente pertence a parte demandante ou caso pertenccedila se vai haver a efetiva entrega e leitura da citaccedilatildeo tendo em vista que haacute configuraccedilotildees dos aplicativos de mensagem instantacircnea que ocultam informaccedilotildees como ldquovisto por uacuteltimordquo ldquomensagem recebidardquo e ldquomensagem lidardquo

Ademais destacam-se as hipoacuteteses de se o demandado possui ou natildeo um smartphone16 se tem acesso ou natildeo agrave internet se tem o apli-cativo de mensagem instantacircnea instalado com boa funcionalidade e alguma periodicidade de acesso e leitura de mensagens De acordo com a reportagem de Rodrigo Loureiro publicada no portal eletrocircnico Exame uma pesquisa organizada em conjunto pelo Mobile Time Opinion Box e Infopib no ano de 2019 concluiu que o aplicativo WhatsApp era utilizado por 98 dos entrevistados o que significou um aumento de 1 em rela-ccedilatildeo aos resultados registrados no ano de 2018 Enquanto que os dados co-letados pela pesquisa Panorama Mobile Time Opinion Box ndash Mensageria no Brasil de 2020 os quais foram analisados pelo jornalista Fernando Pai-va mostram que 97 dos 2046 internautas17 entrevistados afirmaram que

16 Smartphone eacute um termo em inglecircs que significa em traduccedilatildeo livre telefone inte-ligente Utiliza-se esse vocaacutebulo para referir-se a modelos de celulares com tecno-logias avanccediladas os quais possibilitam que aplicativos sejam executados em um sistema operacional semelhante aos computadores

17 Nesta ediccedilatildeo foram entrevistados 2046 brasileiros com mais de 16 anos de idade que acessam a Internet e possuem celular respeitando as proporccedilotildees de gecircnero idade renda mensal e distribuiccedilatildeo geograacutefica desse grupo As entrevistas foram feitas on-line entre 7 e 28 de julho de 2020 Esta pesquisa tem validade estatiacutestica com margem de erro de 22 pontos percentuais e grau de confianccedila de 95 (PANORAMA 2020)

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possuiacuteam smartphones e 9918 deles utilizavam o aplicativo WhatsApp enquanto que 9519 afirmaram acessaacute-lo todos os dias

Natildeo obstante o nuacutemero de internautas entrevistados neste ano este montante representa pequena parte da populaccedilatildeo brasileira passiacutevel de compor uma lide judicial Os dados coletados refletem uma realidade so-cial facilmente constatada no cotidiano de muitos municiacutepios brasileiros qual seja o crescente nuacutemero de pessoas que possuem smartphones com acesso agrave internet seja ela moacutevel ou por Wi-Fi20 e com algum aplicativo de mensagem instantacircnea instalado com ecircnfase para o WhatsApp

Nesse diapasatildeo depreende-se que a possibilidade de implementa-ccedilatildeo de novas ferramentas digitais que possibilitem aos oficiais de justiccedila a realizaccedilatildeo do ato de citaccedilatildeo de modo mais ceacutelere e simplificado com reduccedilatildeo de custos e tempo morto do processo eacute uma realidade latente e que atenderaacute aos anseios sociais atuais Para tanto eacute imprescindiacutevel a ediccedilatildeo de regulamentaccedilatildeo preacutevia que garanta seguranccedila juriacutedica a todos os envolvidos

5 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS

Diante deste contexto tecnoloacutegico diversos aspectos positivos e ne-gativos podem ser destacados a partir da informatizaccedilatildeo do processo judicial Dentre os aspectos positivos pode se destacar a maior produtivi-dade acesso agrave informaccedilatildeo celeridade transparecircncia reduccedilatildeo de gastos preservaccedilatildeo do meio ambiente dentre outros Por outro lado os aspectos negativos estariam pautados na falta de padronizaccedilatildeo da informaccedilatildeo dificuldade de localizaccedilatildeo da informaccedilatildeo e de visualizaccedilatildeo da informaccedilatildeo dependecircncia de infraestrutura interna e externa e indisponibilidade den-tre outros fatores (HINO CUNHA 2020 p 15-24)

Embora a virtualizaccedilatildeo do processo seja objeto de criacuteticas sejam elas positivas ou negativas eacute indubitaacutevel a ascensatildeo da busca por meios alter-nativos no meio judicial Neste artigo em especial tratou-se dos meios

18 Universo de 1983 internautas que possuem smartphone

19 Universo de 1969 internautas que tecircm o WhatsApp instalado em seu smartphone

20 Wi-Fi eacute um termo em inglecircs que corresponde agrave forma abreviada de Wireless Fidelity ou fidelidade sem fio (traduccedilatildeo para o portuguecircs) que eacute um tipo de tecnologia a qual permite a conexatildeo sem fio entre vaacuterios dispositivos diferentes normalmente utilizado para o compartilhamento de internet

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alternativos para proceder agrave comunicaccedilatildeo dos atos processuais agraves partes uma vez que diante do cenaacuterio de avanccedilo tecnoloacutegico e de distanciamen-to social em virtude da Pandemia COVID-19 o uso dos aplicativos de men-sagem instantacircnea pode se tornar uma realidade progressiva no acircmbito dos Juizados Especiais

Da anaacutelise do exposto eacute perceptiacutevel que a comunicaccedilatildeo por meio eletrocircnico natildeo eacute algo tatildeo recente tendo em vista a regulamentaccedilatildeo da informatizaccedilatildeo do processo desde 2006 ou seja antes mesmo da vivecircncia da pandemia supracitada No entanto eacute a busca pelo uso do WhatsApp para proceder a comunicaccedilatildeo dos atos processuais que tem se mostrado cada vez mais presente e se relacionado com as necessidades dispostas pelo momento atual Isto se justifica ante a inter-relaccedilatildeo do ato requerido com os princiacutepios norteadores dos Juizados Especiais em especial o da celeridade e da simplicidade bem como pelas regras impostas pelas Leis 9009995 e 1141906

No ordenamento juriacutedico brasileiro eacute possiacutevel observar que esta ino-vaccedilatildeo com o passar dos anos tem tido uma melhor aceitaccedilatildeo pelos tri-bunais e juristas quando diz respeito agrave intimaccedilatildeo No entanto haacute muita divergecircncia e inseguranccedila quando se refere agrave citaccedilatildeo pois este eacute um ato cujo objetivo eacute integrar o Reacuteu ao processo e se mostra essencial para es-tabelecer a relaccedilatildeo processual e dar continuidade agrave accedilatildeo

Embora haja divergecircncia acerca do uso do aplicativo pode se tornar latente a necessidade do Poder Judiciaacuterio aderir agraves novas tecnologias para acompanhar as demandas sociais aperfeiccediloar a prestaccedilatildeo jurisdicional e promover o acesso agrave justiccedila Assim ainda que natildeo haja concordacircncia para utilizar o WhatsApp seja para intimaccedilatildeo ou citaccedilatildeo caso o Tribunal de Justiccedila do Estado da Bahia resolva se utilizar deste meio no acircmbito dos Juizados Especiais eacute imprescindiacutevel a existecircncia de uma regulamentaccedilatildeo para o ato

A essencialidade de se normatizar a utilizaccedilatildeo do aplicativo eacute justifi-caacutevel para padronizar a atuaccedilatildeo do Tribunal e garantir a seguranccedila juriacutedica na atividade de prestaccedilatildeo jurisdicional do Poder Judiciaacuterio Deste modo o uso desta tecnologia agrave revelia dos operadores do direito sem o devido cuidado ou seguimento de normas norteadoras pode se tornar prejudicial tanto ao acesso agrave justiccedila quanto ao devido processo legal ante agrave impos-sibilidade da plataforma garantir por si soacute a idoneidade da comunicaccedilatildeo entre o Estado e as partes

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Direito fundamental agrave saude e ativismo judicial uma anaacutelise da jurisprudecircncia

do Supremo Tribunal Federal

1 Poacutes-Doutoranda em Direito Puacuteblico pela Universidade Federal da Bahia Doutora em Direito pela Universidade Federal da Bahia Mestra em Novos Direitos pela Universi-dade Federal da Bahia Mestra em Famiacutelia na Sociedade Contemporacircnea pela Uni-versidade Catoacutelica do Salvador Poacutes-graduada em Civil e Processo Civil da Faculdade Baiana de Direito Poacutes-graduada em Relaccedilotildees Familiares e Contextos Sociais pela UCSAL Poacutes-graduada em Direito Canocircnico pala UCSal Poacutes-graduada em Atividade Judicante pela EMABUFBA Juiacuteza Formadora Tutora e Conteudista na Escola Nacio-nal de Formaccedilatildeo e Aperfeiccediloamento de Magistrados (ENFAM) Tutora e Conteudista da Escola Nacional de Magistrados (ENM) Formadora na Unicorp Tutora do Centro de Apoio agrave Magistratura Brasileira COVID 19 da ENFAM na temaacutetica Litigiosidade recorrente e sistema multiportas Atualmente exerce funccedilatildeo judicante na 6a Turma Recursal da Fazenda Puacuteblica em Salvador

2 Especialista em Direito Constitucional e Administrativo pela Escola Paulista de Di-reito Especialista em Ciecircncias Criminais pela Universidade Cacircndido Mendes Poacutes--graduanda em Direito Processual Civil pela Universidade Cacircndido Mendes Poacutes-gra-duanda em Direito Civil pela Escola Paulista de Direito Graduada em Direito pela Universidade Federal da Bahia

Ana Conceiccedilatildeo Barbuda Sanches Guimaratildees Ferreira1

Ana Baacuterbara Barbuda Ferreira Motta2

Resumo Os direitos fundamentais satildeo aqueles direitos essenciais a todo e qualquer indiviacuteduo decorrentes da dignidade da pessoa huma-na e protegidos constitucionalmente A doutrina classifica tais direitos em dimensotildees e ainda em status de direitos fundamentais No neo-constitucionalismo os direitos fundamentais ocupam posiccedilatildeo de gran-de relevacircncia irradiando a sua forccedila para todo o ordenamento juriacutedico O direito agrave sauacutede eacute considerado um direito fundamental de segunda dimensatildeo devendo portanto ser garantido atraveacutes de uma postura ativa do Estado com prestaccedilotildees positivas Neste ponto reside o debate acerca do papel do Judiciaacuterio na efetivaccedilatildeo desse direito com enfoque para a anaacutelise acerca do ativismo judicial e da autocontenccedilatildeo Para tan-to busca-se analisar a jurisprudecircncia do Supremo Tribunal Federal e os contornos de suas decisotildees envolvendo o direito fundamental agrave sauacutede

Palavras-chave Direitos fundamentais neoconstitucionalismo direito agrave sauacutede ativismo judicial jurisprudecircncia do STF

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1 INTRODUCcedilAtildeO

O direito agrave sauacutede sob a perspectiva da teoria geral dos direitos fun-damentais eacute considerado direito de segunda dimensatildeo de modo que se exige do Estado para sua concretizaccedilatildeo natildeo apenas um comportamento de abstenccedilatildeo e respeito mas sobretudo uma postura ativa e diligente que possa proporcionar a sua efetivaccedilatildeo para todos indiviacuteduos Nesse sentido ganha destaque a atuaccedilatildeo do Judiciaacuterio na efetivaccedilatildeo desse direito visto que de um lado integra o chamado ldquomiacutenimo existencialrdquo e de outro lado a teoria da ldquoreserva do possiacutevelrdquo passa a ser sustentada por atores estatais

Todo esse debate relaciona-se com o papel do Judiciaacuterio na consoli-daccedilatildeo de direitos fundamentais aflorando a discussatildeo acerca do ativismo judicial A jurisprudecircncia sobretudo do Supremo Tribunal Federal que em muito orienta a atuaccedilatildeo dos magistrados tem estabelecido alguns paracirc-metros acerca de casos relacionados ao direito agrave sauacutede Nesse sentido nos Juizados de Fazenda Puacuteblica casos relacionados a este direito fundamen-tal passam a ocupar lugar de destaque havendo um acreacutescimo expressivo nos uacuteltimos tempos notadamente com a pandemia instalada no nosso paiacutes desde marccedilo de 2020

Para a compreensatildeo do tema eacute basilar compreender qual a posiccedilatildeo desse direito no nosso ordenamento juriacutedico como direitos fundamentais garantidos constitucionalmente bem como perceber quais os debates que cercam a atuaccedilatildeo do Poder Judiciaacuterio na concretizaccedilatildeo desses direitos agrave todas as pessoas

2 NOCcedilOtildeES GERAIS SOBRE OS DIREITOS FUNDAMENTAIS

Inicialmente considerando a natureza juriacutedica do direito agrave sauacutede como um direito fundamental eacute preciso compreender o que satildeo tais di-reitos sua posiccedilatildeo central dentro do atual modelo de constitucionalismo vivido bem como suas principais caracteriacutesticas

21 ANAacuteLISE DA ORIGEM E PRINCIPAIS CARACTERIacuteSTICAS DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS

A fim de compreender o significado do referido termo ldquodireitos fun-damentaisrdquo eacute de grande relevacircncia notar a origem da nomenclaturaoO primeiro uso da expressatildeo ldquodireitos fundamentaisrdquo surgiu na Franccedila du-rante o movimento poliacutetico e cultural que culminou na Declaraccedilatildeo Univer-sal dos Direitos do Homem e do Cidadatildeo (NOVELINO 2017)

Ana Conceiccedilatildeo Barbuda Sanches Guimaratildees Ferreira bull Ana Baacuterbara Barbuda Ferreira Motta

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Sob o ponto de vista material os termos ldquodireitos humanosrdquo e de ldquodireitos fundamentaisrdquo possuem equivalente conteuacutedo pois se referem a um conjunto de normas que objetivam proteger os bens juriacutedicos mais sensiacuteveis no plano da proteccedilatildeo da dignidade humana Contudo eacute preciso esclarecer que inexiste um entendimento uniforme acerca da diferenccedila dos termos conforme entende Marcelo Novelino (2017 p 277)

ldquoApesar da inexistecircncia de um consenso a distinccedilatildeo mais usual da doutrina brasileira eacute no sentido de que ambos com o objetivo de proteger e promover a dignidade da pessoa humana abrangem di-reitos relacionados a liberdade e a igualdade mas positivados em planos distintos Enquanto os direitos humanos se encontram consa-grados nos tratados e convenccedilotildees internacionais (plano internacio-nal) os direitos fundamentais satildeo os direitos humanos consagrados e positivados na Constituiccedilatildeo de cada paiacutes (plano interno) podendo o seu conteuacutedo e conformaccedilatildeo variar de acordo com cada paiacutesrdquo

Norberto Bobbio (2004) sobre o tema diz que eacute necessaacuterio reconhe-cer que os Direitos domHomem estatildeo na base das Constituiccedilotildees Demo-craacuteticas modernas sendo a paz um pressuposto necessaacuterio para a efetiva proteccedilatildeo dos direitos dos homens em cada Estado e no sistema inter-nacional Considerando que os direitos fundamentais satildeo os direitos ati-nentes a todas os homens de modo a garantir a dignidade da pessoa humana percebe-se que a referida classe de direitos tem caracteriacutesticas em comum Neste sentido todas as caracteriacutesticas a seguir apresentadas qualificam todos os direitos fundamentais inclusive o direito agrave sauacutede Ini-cialmente tais direito satildeo universais conforme explica Marcelo Novelino (2017 p 281)

ldquoA existecircncia de um nuacutecleo miacutenimo de proteccedilatildeo a dignidade deve estar presente em qualquer sociedade ainda que os aspectos cultu-rais devam ser respeitados Por isso a validade universal natildeo significa uniformidade Conforme observa Konrad Hesse (2001) o conteuacutedo concreto e a significaccedilatildeo dos direitos fundamentais para um Estado dependem de numerosos fatores extrajuriacutedicos especialmente de idiossincrasia da cultura e da histoacuteria dos povosrdquo

Ainda como caracteriacutestica de tais direitos tem-se a historicidade ou seja esses direitos surgem e se desenvolvem ao longo da histoacuteria haven-do portanto a possibilidade de alteraccedilatildeo do seu sentido e conteuacutedo Esta caracteriacutestica afasta a fundamentaccedilatildeo jusnaturalista a tais direitos (NOVE-LINO 2017 p 281) Tambeacutem satildeo inalienaacuteveis imprescritiacuteveis e irrenun-ciaacuteveis Deste modo o natildeo exerciacutecio natildeo significaarenuacutencia ePercebe-se

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que os direitos fundamentais possuem peculiaridades que os tornam es-senciais em nosso ordenamento juriacutedico estando relacionadossa valores atinentes a preservaccedilatildeo da dignidade da pessoa humana em todos os seus acircmbitos

22 DIMENSOtildeES E STATUS DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS

Ao se voltar ao passado vecirc-se que os direitos fundamentais satildeo con-quistados cada qual ao seu tempo por motivos variados pois estes re-velam a vida em sociedade Assim ldquoos direitos natildeo nascem todos de uma vezrdquo [] nascem quando devem ou podem nascerrdquo (BOBBIO 2004 p 6) Para Bobbio os direitos satildeo frutos da histoacuteria que caminha e por isto po-dem estes direitos ser identificados a partir da geraccedilatildeo em que foram reconhecidos Assim tambeacute discorre Dirley da Cunha Junior ao argumen-tar que estas geraccedilotildees dos direitos ldquorevelam a ordem cronoloacutegica do re-conhecimento e afirmaccedilatildeo dos direitos fundamentais que se proclamam gradualmente na proporccedilatildeo das carecircncias do ser humano nascidas em funccedilatildeo da mudanccedila das condiccedilotildees sociaisrdquo (CUNHA JR 2012 p 596)

Afirma Bobbio (2004 p 7) que ldquonum primeiro momento afirmaram--se os direitos de liberdaderdquo Estes satildeo os direitos de primeira geraccedilatildeo que nascem com o seacuteculo XVII eNesta dimensatildeo se identificam os direitos de natureza civis e poliacuteticos tendo sidooopostos contra o Estado eztrazem a defesasdas Liberdades Fatos histoacutericos estatildeo referendados na Consti-tuiccedilatildeo Americana e da Declaraccedilatildeo dos Direitos do Homem e do Cidadatildeo

Os direitos sociais culturais previdenciaacuterios econocircmicos coletivos vatildeo se constituir na segunda geraccedilatildeo dos direitos Clamam por uma igual-dade coletiva que instaure o Estado do Bem-Estar social do Seacuteculo XX Eles satildeo consequecircnciaeda derrocada do Estado Liberal e verificam que o Estado tem de oportunizar ldquodireitos poliacuteticos os quais ndash concebendo a liberdade natildeo apenas negativamente como natildeo impedimento mas positivamente como autonomiardquo (BOBBIO 2004 p 32) O cunho ideoloacute-gico nasceu com a Constituiccedilatildeo Mexicana de 1917 e a Lei Fundamental de Weimar em 191 na Alemanha Como se vecirc assume um novo papel o Estado a quem caberaacute tambeacutem assegurar a igualdade entre as pessoas no gozo dos direitos competindo-lhes especialmente a reduccedilatildeo das ldquode-sigualdades sociais e econocircmicas ateacute entatildeo existentes que debilitavam a dignidade humanardquo (CUNHA JR 2012 p 623)

Correspondem aos direitos fundamentais da terceira geraccedilatildeo os di-reitos da solidariedadeaTem sua origem na Revoluccedilatildeo Francesa e com o

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siacutembolo da fraternidade vieram para proteger os direitos decorrentes de uma sociedade organizada que se encontra envolvida em relaccedilotildees de di-versas naturezas fruto do processo de industrializaccedilatildeo e urbanizaccedilatildeo pro-jetando para as titularidades difusa e coletiva Satildeo de terceira geraccedilatildeo de direitos fundamentais o direito ao meio ambiente ecologicamente equi-librado ao desenvolvimento a comunicaccedilatildeo os direitos dos consumido-res e vaacuterios outros direitos especialmente aqueles relacionados a grupos de pessoas mais vulneraacuteveis (a crianccedila o idosoopessoa com deficiecircncia etc)aA partir da quarta geraccedilatildeo natildeo haacute um consenso doutrinaacuterio acerca dos referidos direitos A quarta geraccedilatildeo de direitos fundamentais para alguns eacute caracterizada pela pesquisa bioloacutegica e cientiacutefica pela defesa do patrimocircnio geneacutetico pelo avanccedilo tecnoloacutegico pelo direito agrave democracia agrave informaccedilatildeo e ao pluralismo (CUNHA JR 2012) Evocam tambeacutem as ques-totildees sobre a eacutetica e da moralidade E os direitos de quinta geraccedilatildeo satildeo como o direito a paz Bonavides afirma que estaacute em um ldquopatamar supe-riorrdquo haja vista que ldquoa dignidade juriacutedica da paz deriva do reconhecimento universal que se lhe deve enquanto pressuposto qualitativo da convivecircn-cia humana elemento de conservaccedilatildeo da espeacutecie reino de seguranccedila dos direitosrdquo (BONAVIDES 2017)

Percebe-se portanto que os direitos fundamentaisesatildeo um ldquofeixe de posiccedilotildees juriacutedicas abrangendo estruturas e conteuacutedos diferentesrdquo confor-me estabelece Robert Alexy (2011 p 255) Neste sentidoerelevante des-tacar a teoria dos status de Jellineeacute de grande importacircncia no estudo dos Direitos Fundamentais Segundo a teoria existem quatro status de direitos fundamentais quais sejam o status positivo negativo ativo e passivo So-bre a referida teoria Marcelo Novelino (2017 p 278) esclarece

Um status natildeo se confundo com um direito Dentre as diversas formas de descrever o que eacute um status tem importacircncia central suaocarac-terizaccedilatildeo como uma relaccedilatildeo com o Estado que qualifica ooindiviacuteduo Segundo a concepccedilatildeo de Jellinek o direito tem como conteuacutedo o ldquoterrdquo ao passo que o status tem como conteuacutedo o ldquoserrdquo

Sendo assim o status passivo relaciona-se com a esfera das obriga-ccedilotildees individuais impondo por parte do Estado um dever ou uma proibi-ccedilatildeo ao indiviacuteduo Jaacute o status ativo refere-se a capacidade que extrapolam a liberdade natural ou seja trata-se do direito de participaccedilatildeo do indiviacute-duo nas atividades poliacuteticas O status negativo por sua vez refere-se as liberdades ou seja o direito as accedilotildees negativas do estado Por fim o status positivo eacute aquele que diz respeito a capacidade de recorrer ao aparato estatal (NOVELINO 2017 p 278-279)

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23 A RELEVAcircNCIA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS NO NEO-CONSTITUCIONALISMO

A fim de compreender a importacircncia valorativa dos direitos funda-mentais eacute indispensaacutevel perceber o momento constitucional vivido nos dias hodiernos Isso porque apenas desse modo eacute possiacutevel entender o pa-pel e forccedila da Constituiccedilatildeo como centro de um ordenamento e portanto justificador e limitador das demais normas que compotildeem dado sistema normativo

A partir do seacuteculo XXI a doutrina passa a observar uma nova pers-pectiva constitucional denominada neoconstitucionalismo ou ainda constitucionalismo poacutes-moderno (TAVARES 2016) O momento histoacuterico vigente natildeo comportava mais o positivismo juriacutedico passando a repudiar os meacutetodos mecacircnicos da subsunccedilatildeo e ldquouma nova visatildeo interpretativa e das tarefas da Ciecircncia e Teoria do Direito cuja preocupaccedilatildeo reside no desenvolvimento de um trabalho criacutetico e natildeo apenas descritivordquo desabro-chou dando ensejo a uma nova fase o poacutes-positivismo conforme explica Novelino (2017)

Sendo assim a superaccedilatildeo histoacuterica do jusnaturalismo e o fracasso poliacutetico do positivismo fizeram como que uma nova corrente ganhasse destaque com evidente abandono a tradicional compreensatildeo na qual a constituiccedilatildeo era vista ldquocomo um documento essencialmente poliacutetic(rdquo (NOVELINO 2017 p 59) Nesse sentido fazia-se necessaacuterio um conjunto amplo de reflexotildees sobre o Direito considerando sua funccedilatildeo social e in-terpretaccedilatildeo

ldquoA superaccedilatildeo histoacuterica do jusnaturalismo e o fracasso poliacutetico do posi-tivismo abriram caminho para um conjunto amplo e ainda inacabado de reflexotildees acerca do Direito sua funccedilatildeo social e sua interpretaccedilatildeordquo (BARROSO 2020 p 246)

O poacutes-positivismo coloca-se como uma corrente intermediaacuteria que busca exaltar a forccedila normativa dos princiacutepios o caraacuteter central da argu-mentaccedilatildeo juriacutedica e a aproximaccedilatildeo entre a moral e o direito Ainda pode--se empregar o termo em anaacutelise em trecircs acepccedilotildees quais sejam como um meacutetodo para o estudo do direito como ideologia e como teoria juriacutedica

(NOVELINO 2017 p 63) Ideologicamente o poacutes-positivismo busca de um lado a manutenccedilatildeo da seguranccedila juriacutedica e de outro valoriza a justiccedila material afastando-se da visatildeo ceacutetica existente no positivismo puro Ao-Constituiccedilatildeo passa a assumir uma forte carga valorativa assegurando di-

Ana Conceiccedilatildeo Barbuda Sanches Guimaratildees Ferreira bull Ana Baacuterbara Barbuda Ferreira Motta

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reitos fundamentais relacionados agrave pessoa humana pelo que o inteacuterprete ao aplicar as normas do ordenamento deve buscar a concretizaccedilatildeo destes valores constitucionalizados (NOVELINO 2017)

Barroso (2020 p 250) nesse sentido afirma que a doutrina do poacutes--positivismo tem sua inspiraccedilatildeo na ldquorevalorizaccedilatildeo da razatildeo praacutetica na teo-ria da justiccedila e na legitimaccedilatildeo democraacuteticardquo Para o constitucionalista eacute a ldquodesignaccedilatildeo provisoacuteria e geneacuterica de um ideaacuterio difusordquo que incorpora ideias de justiccedila igualdade material miacutenima direitos fundamentais e da nova hermenecircutica com ldquoa redefiniccedilatildeo das relaccedilotildees entre valores princiacute-pios e regrasrdquo (BARROSO 2020 p 250)

A respeito do tema de forma clara Dirley Cunha aduz ldquoo neocons-titucionalismo representa o constitucionalismo atual contemporacircneordquo que propotildee uma mudanccedila paradigmaacutetica em razatildeo da forccedila normativa da Constituiccedilatildeo constituiacuteda ldquode normas de eficaacutecia vinculante e obrigatoacuteriardquo e portanto ldquodotada de supremacia material e intensa carga valorativardquo gestora do Estado Constitucional de Direito (CUNHA JR12012 p 20)

Sendo assim o poacutes-positivismo sustenta essa nova etapa constitu-cional a qual se passou a chamar de neoconstitucionalismo Dentre as diversas caracteriacutesticas existentes nesse novo modelo constitucional des-taca-se sem duacutevidas a hierarquia formal e axioloacutegica da Constituiccedilatildeo que passa a ser como o coraccedilatildeo eixo central do sistema e tambeacutem do ponto substancial para a sobrevivecircncia e a manutenccedilatildeo do Estado de Direito

Ainda conforme a alta carga valorativa que passa a integrar os textos constitucionais incorporando valores e opccedilotildees poliacuteticas relacionadas agrave dignidade humana e aos direitos fundamentais devendo ser aplicadas de logo em todos os poderes e ateacute mesmo aos particulares dada a sua eficaacute-cia irradiante vertical e horizontal

Desse modo percebe-se que com o neoconstitucionalismo a Consti-tuiccedilatildeo ganha nova face sendo o centro axioloacutegico do ordenamento juriacutedi-co irradiando valores para todos os demais diplomas normativos e para a realidade social Nesse sentido os direitos fundamentais passam a ter uma eficaacutecia horizontal aplicando-se a todas as relaccedilotildees juriacutedicas inclusive en-tre particulares Percebe-se portanto que com o atual momento de cons-titucionalismo vivido os direitos fundamentais devem ser implementados da forma mais ampla abrangente e eficaz possiacutevel

Direito fundamental agrave saude e ativismo judicial uma anaacutelise da jurisprudecircncia do Supremo Tribunal Federal

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3 DIREITO FUNDAMENTAL Agrave SAUacuteDE E ATIVISMO JUDICIAL

O art 6ordm caput da Constituiccedilatildeo Federal conteacutem expressamente o di-reito agrave sauacutede como um direito social e portanto um direito fundamental Ademais a Constituiccedilatildeo em seu art 23 que trata acerca das competecircncias comuns de todos os entes federados estabelece que a Uniatildeo os Estados os Municiacutepios e o Distrito Federal devem cuidar do direito agrave sauacutede Logo apoacutes o art 24 da CF enquadra o direito agrave sauacutede dentre as competecircncias legislativas concorrentes da Uniatildeo e Estados e no art 30 dentre as com-petecircncias municipais estaacute a de prestar serviccedilos de atendimento agrave sauacutede da populaccedilatildeo Evidente portanto que o constituinte considerando a rele-vacircncia do direito agrave sauacutede buscou garantir a maior amplitude possiacutevel es-tabelecendo que todos os entes satildeo responsaacuteveis pela sua concretizaccedilatildeo

Ainda analisando o texto constitucional o direito agrave sauacutede eacute nova-mente mencionado como um princiacutepio sensiacutevel (arts 34 e 35 da CF) ou seja caso um ente natildeo aplique o miacutenimo exigido da receita resultante de impostos nas accedilotildees e serviccedilos puacuteblicos de sauacutede esta omissatildeo poderaacute en-sejar uma intervenccedilatildeo federal ou estadual Ao longo do atual texto consti-tucional a sauacutede eacute mencionada em sessenta e sete dispositivos demons-trando assim a importacircncia do referido direito em nosso ordenamento

A partir do art 196 CF inicia-se uma seccedilatildeo unicamente dedicada ao referido direito com a previsatildeo acerca da sua amplitude bem como do sistema uacutenico de sauacutede responsaacutevel por de forma integral e universal garantir a sauacutede a todos os indiviacuteduos do nosso paiacutes

Sobre o referido direito Bernardo Gonccedilalves (2020 p 919) faz a se-guinte consideraccedilatildeo

ldquoEacute indiscutiacutevel que o direito agrave sauacutede se relaciona de forma direta com o direito agrave vida Todavia natildeo eacute nada faacutecil nem simples desenvolver um conceito juriacutedico do que seja sauacutede () A Lei Orgacircnica da Sauacutede (Lei nordm 808090) por outro lado apresenta uma leitura que engloba ainda no conceito de sauacutede um conjunto de accedilotildees puacuteblicas que asse-gurem uma vida digna e a autonomia dos sujeitos beneficiaacuterios Por isso mesmo fala-se em medidas de sauacutede preventiva e medidas de sauacutede curativa o primeiro conceito se revelaria como um status posi-tivus Libertatis ndash na leitura de Jellinek conectado agrave noccedilatildeo de miacutenimo existencial ndash enquanto o segundo um status positivo socialis (isto eacute um direito social propriamente dito)

Percebe-se portanto que a amplitude do direito agrave sauacutede conduz a uma dificuldade de conceituaccedilatildeo estanque do referido direito O direito agrave

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sauacutede engloba assim um feixe de outros direitos como o direito agrave preven-ccedilatildeo ao tratamento adequado ao recebimento de medicamentos dentre outros E ainda estaacute intrinsecamente relacionado aacute outros direitos funda-mentais como o direito aacute vida e aacute liberdade

A Constituiccedilatildeo cria o Sistema Uacutenico de Sauacutede (SUS) a fim de con-cretizar este direito atraveacutes de uma rede regionalizada e hierarquizada marcada pela descentralizaccedilatildeo mas com direccedilatildeo uacutenica em cada esfera de governo com atendimento integral com a fixaccedilatildeo de prioridade para atividades preventivas sem prejuiacutezo de serviccedilos assistenciais e de parti-cipaccedilatildeo da comunidade conforme art 198 da Constituiccedilatildeo Federal Tam-beacutem percebe-se que a assistecircncia agrave sauacutede tambeacutem eacute permitida agrave iniciativa privada de forma complementar segundo contratos ou convecircnios com preferencia agrave entidades filantroacutepicas sem fins lucrativos (art 199 CF)

Pela leitura da Constituiccedilatildeo percebe-se que duas caracteriacutesticas acer-ca desse direito satildeo ressaltadas a universalidade e a integralidade De um lado a universalidade garante que todo e qualquer indiviacuteduo tenha acesso ao sistema uacutenico de sauacutede independente de raccedila condiccedilatildeo social econocircmica ou qualquer outra caracteriacutestica Isso prestigia outro principio constitucional o da igualdade previsto no art 5ordm da CF Essa universalida-de natildeo impede contudo a previsatildeo do art 32 da Lei nordm 965698 que cria o denominado ldquoressarcimento ao SUSrdquo julgado constitucional pela Supremo Tribunal Federal em sede de repercussatildeo geral vejamos

Eacute constitucional o ressarcimento previsto no art 32 da Lei nordm 965698 o qual eacute aplicaacutevel aos procedimentos meacutedicos hospitalares ou ambu-latoriais custeados pelo SUS e posteriores a 461998 assegurados o contraditoacuterio e a ampla defesa no acircmbito administrativo em todos os marcos juriacutedicos O art 32 da Lei nordm 965698 prevecirc que se um cliente do plano de sauacutede utilizar-se dos serviccedilos do SUS o Poder Puacuteblico poderaacute cobrar do referido plano o ressarcimento que ele teve com essas despesasAssim o chamado ldquoressarcimento ao SUSrdquo criado pelo art 32 eacute uma obrigaccedilatildeo legal das operadoras de planos priva-dos de assistecircncia agrave sauacutede de restituir as despesas que o SUS teve ao atender uma pessoa que seja cliente e que esteja coberta por esses planos STF PlenaacuterioRE 597064RJ Rel Min Gilmar Mendes julgado em 722018 (repercussatildeo geral) (Info 890)

Por outro lado a integralidade do Sistema Uacutenico de Sauacutede prevecirc que natildeo haacute a priori um limite estabelecido a quais serviccedilos seratildeo fornecidos aos indiviacuteduos para a efetivaccedilatildeo do direito agrave sauacutede Ao contraacuterio o serviccedilo de sauacutede deve ser o mais amplo completo possiacutevel Neste ponto cumpre destacar alguns dispositivos da Lei nordm 808096 sobre o tema vejamos

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Art 6ordm Estatildeo incluiacutedas ainda no campo de atuaccedilatildeo do Sistema Uacutenico de Sauacutede (SUS)

d) de assistecircncia terapecircutica integral inclusive farmacecircutica

Art 7ordm As accedilotildees e serviccedilos puacuteblicos de sauacutede e os serviccedilos privados contratados ou conveniados que integram o Sistema Uacutenico de Sauacutede (SUS) satildeo desenvolvidos de acordo com as diretrizes previstas no art 198 da Constituiccedilatildeo Federal obedecendo ainda aos seguintes princiacutepios

II ndash integralidade de assistecircncia entendida como conjunto articulado e contiacutenuo das accedilotildees e serviccedilos preventivos e curativos individuais e coletivos exigidos para cada caso em todos os niacuteveis de complexida-de do sistema

Art 19-M A assistecircncia terapecircutica integral a que se refere a aliacutenea d do inciso I do art 6ordm consiste em

I ndash dispensaccedilatildeo de medicamentos e produtos de interesse para a sauacutede cuja prescriccedilatildeo esteja em conformidade com as diretrizes tera-pecircuticas definidas em protocolo cliacutenico para a doenccedila ou o agravo agrave sauacutede a ser tratado ou na falta do protocolo em conformidade com o disposto no art 19-P

II ndash oferta de procedimentos terapecircuticos em regime domiciliar am-bulatorial e hospitalar constantes de tabelas elaboradas pelo gestor federal do Sistema Uacutenico de Sauacutede ndash SUS realizados no territoacuterio nacional por serviccedilo proacuteprio conveniado ou contratado

Art 19-N Para os efeitos do disposto no art 19-M satildeo adotadas as seguintes definiccedilotildees

I ndash produtos de interesse para a sauacutede oacuterteses proacuteteses bolsas cole-toras e equipamentos meacutedicos

II ndash protocolo cliacutenico e diretriz terapecircutica documento que estabe-lece criteacuterios para o diagnoacutestico da doenccedila ou do agravo agrave sauacutede o tratamento preconizado com os medicamentos e demais produtos apropriados quando couber as posologias recomendadas os meca-nismos de controle cliacutenico e o acompanhamento e a verificaccedilatildeo dos resultados terapecircuticos a serem seguidos pelos gestores do SUS

Evidente portanto que a Lei do SUS atendendo ao comando consti-tucional tambeacutem estabeleceu dentre as diretrizes de atuaccedilatildeo a integrali-dade Neste ponto residem contudo os maiores debates jurisprudenciais uma vez que o Estado muitas vezes se recusa a fornecer determinados tratamentos o que acaba colidindo com a integralidade gerando lides que satildeo levadas ao crivo do Judiciaacuterio

Sobre o tema cresce o debate acerca da postura do magistrado dian-te de tais conflitos em especial com as correntes que defendem o ativis-

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mo judicial e de outro a autocontenccedilatildeo Para Luiacutes Roberto Barroso (2020) ativismo judicial corresponde ao alargamento do escopo jurisdicional para causas relacionadas a poliacuteticas puacuteblicas sobretudo em discussotildees envol-vendo o alcance e as restriccedilotildees aos direitos sociais Nesses casos quando o Judiciaacuterio toma uma postura ativa determinando medidas concretas aos agentes puacuteblicos a fim de concretizar direitos fundamentais fala-se numa atuaccedilatildeo de ativismo judicial Trata-se de um juiacutezo substancialmente poliacutetico mas juridicamente fundamentado

Por outro lado a corrente que defende a autocontenccedilatildeo do Judiciaacuterio tem por objetivo combater os efeitos nocivos de um ativismo exercido de forma excessiva uma vez o Judiciaacuterio por ausecircncia de teacutecnica e tam-beacutem de legitimidade (uma vez que natildeo foi eleito pelo povo) natildeo deveria adentrar em certos meacuteritos enaltecendo outras vias poliacuteticas de debate e deliberaccedilatildeo Esta corrente em muito se relaciona com o minimalismo de Susntein (LIMA 2013)

Por fim o presente debate envolve em muito a teoria da reserva do possiacutevel que em siacutentese entende que existe uma infinitude de direitos mas uma finitude de recursos o que ocasionaria a possibilidade de o ges-tor puacuteblico fazer escolhas traacutegicas desatendendo determinadas presta-ccedilotildees sociais antes a sua impossibilidade vejamos

Embora operante no universo dos direitos sociais em geral como no acircmbito da previdecircncia social em particular o princiacutepio da reserva do financeiramente possiacutevel tem especial incidecircncia no terreno da sauacutede e da educaccedilatildeo cujas normas constitucionais ndash nisso particularmente influenciadas pelas ideias de constituiccedilatildeo dirigente e de Estado pro-vedor ndash atribuiacuteam sobretudo ao Poder Puacuteblico o encargo de custear a satisfaccedilatildeo dessas necessidades consideradas inerentes a uma vida digna Daiacute a similitude dos arts 196 e 205 da nossa Constituiccedilatildeo a proclamarem que tanto a sauacutede quanto a educaccedilatildeo satildeo direitos de todos e deveres do Estado normas-tarefas ou meramente programaacute-ticas cuja concretizaccedilatildeo fica a depender das forccedilas do Eraacuterio como diziam os claacutessicos das financcedilas puacuteblicas De mais a mais e nisso resi-de um aspecto crucial do problema a alocaccedilatildeo de recursos puacuteblicos para a implementaccedilatildeo desses direitos pressupotildee ndash aleacutem de uma eco-nomia forte ndash a difiacutecil decisatildeo poliacutetica de ratear os poucos recursos disponiacuteveis de modo a poder dispensar um miacutenimo de atendimento aos mais necessitados situaccedilatildeo criacutetica que nos paiacuteses perifeacutericos con-figura o que muitos denominam ciacuterculo vicioso da miseacuteria pois eacute pre-cisamente aiacute onde faltam recursos para atendecirc-las que se mostram mais dramaacuteticas as carecircncias sociais (MENDES 2009 p 1420)

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Por outro lado quando os direitos que estatildeo sendo alvo de discussatildeo fazem parte do chamado ldquomiacutenimo existencialrdquo eacute certo que natildeo deve sub-sistir a tese da reserva do possiacutevel O chamado ldquomiacutenimo existencialrdquo vem portanto limitar a utilizaccedilatildeo da referida tese de forma desmedida Sendo assim defensores de uma postura mais ativa do Poder Judiciaacuterio argu-mentam que haacute direitos indispensaacuteveis para a realizaccedilatildeo da dignidade da pessoa humana e estes devem ser garantidos em todas as circunstacircncias (MENDES 2009)

O direito agrave sauacutede compotildee portanto esse miacutenimo existencial e justa-mente por isso considerando seu alto custo de implementaccedilatildeo acaba por gerar tantas controveacutersias jurisprudenciais e doutrinaacuterias

4 JURISPRUDEcircNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL NO AcircMBITO DO DIREITO Aacute SAUacuteDEA jurisprudecircncia do Supremo Tribunal Federal lida diariamente com

questotildees envolvendo o direito fundamental agrave sauacutede em sede de recursos repetitivos com repercussatildeo geral ou em controle de constitucionalidade Tais decisotildees repercutem na forma com que os demais Tribunais interpre-taratildeo as normas e decidiratildeo os casos concretos que lhe satildeo apresentados

Com relaccedilatildeo ao direito agrave sauacutede em 2014 a 1ordf Turma do Supremo Tribunal Federal entendeu pela possibilidade de o Poder Judiciaacuterio deter-minar que a Administraccedilatildeo Puacuteblica mantenha estoque miacutenimo de medica-mento a fim de evitar interrupccedilotildees no tratamento sem que isso configure violaccedilatildeo agrave separaccedilatildeo de poderes justamente considerando que o direito agrave sauacutede compotildee o miacutenimo existencial vejamos

RECURSO EXTRAORDINAacuteRIO FORNECIMENTO DE MEDICAMENTO E MANUTENCcedilAtildeO EM ESTOQUE DOENCcedilA DE GAUCHER QUESTAtildeO DI-VERSA DE TEMA COM REPERCUSSAtildeO GERAL RECONHECIDA SOBRES-TAMENTO RECONSIDERACcedilAtildeO PREQUESTIONAMENTO OCORREcircNCIA AUSEcircNCIA DE OFENSA AO PRINCIacutePIO DA SEPARACcedilAtildeO DOS PODERES CONSTITUCIONAL DIREITO Agrave SAUacuteDE DEVER PODER PUacuteBLICO RE-CURSO EXTRAORDINAacuteRIO A QUE SE NEGA PROVIMENTO I ndash A ques-tatildeo discutida no presente feito eacute diversa daquela que seraacute apreciada no caso submetido agrave sistemaacutetica da repercussatildeo geral no RE 566471-RGRN Rel Min Marco Aureacutelio II ndash No presente caso o Estado do Rio de Janeiro recorrente natildeo se opotildee a fornecer o medicamento de alto custo a portadores da doenccedila de Gaucher buscando apenas eximir--se da obrigaccedilatildeo imposta por forccedila de decisatildeo judicial de manter o remeacutedio em estoque pelo prazo de dois meses III ndash A jurisprudecircncia e a doutrina satildeo paciacuteficas em afirmar que natildeo eacute necessaacuterio para o prequestionamento que o acoacuterdatildeo recorrido mencione expressa-

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mente a norma violada Basta para tanto que o tema constitucional tenha sido objeto de debate na decisatildeo recorrida IV ndash O exame pelo Poder Judiciaacuterio de ato administrativo tido por ilegal ou abusivo natildeo viola o princiacutepio da separaccedilatildeo dos poderes Precedentes V ndash O Poder Puacuteblico natildeo pode se mostrar indiferente ao problema da sauacutede da populaccedilatildeo sob pena de incidir ainda que por censuraacutevel omissatildeo em grave comportamento inconstitucional Precedentes VI ndash Recurso extraordinaacuterio a que se nega provimento STF 1ordf Turma RE 429903RJ Rel Min Ricardo Lewandowski julgado em 2562014 (Info 752)

No caso entendeu-se que o Judiciaacuterio natildeo afrontaria a separaccedilatildeo de poderes uma vez que natildeo estaria interferindo em metas e prioridades nem em verbas puacuteblicas mas apenas controlando atos abusivos e ilegais da Administraccedilatildeo Puacuteblica

Outro caso envolvendo medicamentos recentemente pacificado em 2019 eacute com relaccedilatildeo aqueles medicamentos ainda natildeo incorporados na lista do SUS Para tanto o STF entendeu que haveraacute o dever de fornecer o medicamente se preenchidos os seguintes criteacuterios

i) Comprovaccedilatildeo por meio de laudo meacutedico fundamentado e cir-cunstanciado expedido por meacutedico que assiste o paciente da im-prescindibilidade ou necessidade do medicamento assim como da ineficaacutecia para o tratamento da moleacutestia dos faacutermacos fornecidos pelo SUS ii) incapacidade financeira de arcar com o custo do me-dicamento prescrito iii) existecircncia de registro do medicamento na ANVISA observados os usos autorizados pela agecircncia STJ 1ordf Seccedilatildeo EDcl no REsp 1657156-RJ Rel Min Benedito Gonccedilalves julgado em 12092018 (recurso repetitivo) (Info 633)

Por outro lado caso o medicamento ainda natildeo esteja registrado na ANVISA em regra natildeo haveraacute a obrigaccedilatildeo do Estado em fornececirc-los A concessatildeo ocorreraacute excepcionalmente desde que novos criteacuterios sejam observados vejamos

A ausecircncia de registro na Agecircncia Nacional de Vigilacircncia Sanitaacuteria (Anvisa) impede como regra geral o fornecimento de medicamento por decisatildeo judicial Eacute possiacutevel excepcionalmente a concessatildeo judi-cial de medicamento sem registro sanitaacuterio em caso de mora irrazoaacute-vel da Anvisa em apreciar o pedido (prazo superior ao previsto na Lei 134112016) quando preenchidos trecircs requisitos

a) a existecircncia de pedido de registro do medicamento no Brasil (salvo no caso de medicamentos oacuterfatildeos para doenccedilas raras e ultrarraras)

b) a existecircncia de registro do medicamento em renomadas agecircncias de regulaccedilatildeo no exterior e

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c) a inexistecircncia de substituto terapecircutico com registro no Brasil

STF Plenaacuterio RE 657718MG rel orig Min Marco Aureacutelio red p o ac Min Roberto Barroso julgado em 2252019 (repercussatildeo geral) (Info 941)

Ademais algumas accedilotildees de controle de constitucionalidade envol-vendo o direito agrave sauacutede jaacute foram objeto de anaacutelise pelo STF Atento a ne-cessidade de concretizaccedilatildeo da universalidade do direito agrave sauacutede de modo que o SUS consiga alcanccedilar todas as localidades do paiacutes o STF julgou constitucional o ldquoPrograma Mais Meacutedicosrdquo conforme ADI 5035DF e ADI 5037DF

Por outro lado considerando a igualdade que deve pautar os servi-ccedilos de sauacutede em controle de constitucionalidade julgou inconstitucional a diferenccedilas de classes no acircmbito do SUS conforme observa-se a seguir

O programa ldquoMais Meacutedicosrdquo instituiacutedo pela MP 6912013 pos-teriormente convertida na Lei nordm 128712013 eacute constitucional STF PlenaacuterioADI 5035DF e ADI 5037DF rel orig Min Marco Aureacutelio red p o ac Min Alexandre de Moraes julgados em 30112017 (Info 886)

Eacute inconstitucional a possibilidade de um paciente do Sistema Uacutenico de Sauacutede (SUS) pagar para ter acomodaccedilotildees superiores ou ser atendido por meacutedico de sua preferecircncia a chamada ldquodi-ferenccedila de classesrdquo STF Plenaacuterio RE 581488RS Rel Min Dias Toffoli julgado em 3122015 (repercussatildeo geral) (Info 810)

Por fim decisatildeo recente no contexto de pandemia foi o conhecimen-to da Accedilatildeo Direta de Inconstitucionalidade por Omissatildeo a fim de promo-ver a instituiccedilatildeo do auxiacutelio emergencial Ou seja o STF entendeu que em tese a ADO poderia discutir sobre o referido tema Neste caso poreacutem a accedilatildeo teve seu julgamento impedido por perda de objeto jaacute que foi pu-blicada a Lei nordm 139822020 que instituiu o referido auxiacutelio (STF Plenaacuterio ADO 56DF Rel Min Marco Aureacutelio red p o ac Min Roberto Barroso julgado em 3042020)

5 CONCLUSAtildeO

Percebe-se que o direito fundamental agrave sauacutede ocupa papel de desta-que em nosso ordenamento juriacutedico Nesse sentido a Constituiccedilatildeo Federal deixa claro o papel central desse direito para a concretizaccedilatildeo da dignidade da pessoa humana A teoria geral dos direitos fundamentais atraveacutes dos

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estudos de sua origem caracteriacutesticas e contornos fornece o substrato importante para a compreensatildeo do alcance do direito agrave sauacutede e sobretu-do qual o papel dos agentes puacuteblicos na busca por sua efetivaccedilatildeo

Neste ponto inclusive reside o grande debate sobre o tema qual o papel do Poder Judiciaacuterio na concretizaccedilatildeo do referido direito que con-forme restou demonstrado atraveacutes da jurisprudecircncia do Supremo Tribunal Federal tem prevalecido uma atuaccedilatildeo de maior ativismo considerando que o referido direito integra o chamado ldquomiacutenimo existencialrdquo

Os debates contudo natildeo satildeo estanques de modo que eacute necessaacuterio cada vez mais se aprofundar e investigar o caso concreto a fim de com-patibilizar a atuaccedilatildeo dos trecircs poderes de modo a proporcionar a maior eficaacutecia social para a norma constitucional

6 REFEREcircNCIASALEXY Robert Teoria dos Direitos Fundamentais Traduccedilatildeo de Virgiacutelio Afonso da Silva

2ed Satildeo Paulo Malheiros 2011

ARAUacuteJO Luiz Alberto David NUNES JUNIOR Vida Serrano Curso de Direito Constitucio-nal 6ed Satildeo Paulo Editora Saraiva 2002

AVENA Norberto Processo penal esquematizado 6ed Rio de Janeiro Forense Satildeo Pau-lo Meacutetodo 2014

AacuteVILA Humberto Teoria dos Princiacutepios da definiccedilatildeo agrave aplicaccedilatildeo dos princiacutepios juriacutedi-cos Satildeo Paulo Malheiros 2009

BASTOS Celso Ribeiro Curso de direito constitucional 20 ed Satildeo Paulo Editora Saraiva 1999

BARROSO Luis Roberto Curso de Direito Constitucional Contemporacircneo 9ed Satildeo Paulo Editora Saraiva 2020

BOBBIO Noberto Igualdade e Liberdade 3ed Rio de Janeiro Ediouro 1997

______________ A era dos direitos 7 ed Rio de Janeiro Elsevier 2004

CANOTILHO Joseacute Joaquim Gomes Direito Constitucional 6ed Coimbra Livraria Almedi-na 1993

COMPARATO Faacutebio Konder A Afirmaccedilatildeo Histoacuterica dos Direitos Humanos 4ed Satildeo Pau-lo Editora Saraiva 2005

CUNHA JUNIOR Dirley da Curso de direito constitucional 5ed Salvador Editora JusPO-DIVM 2012

FERNANDES Bernardo Gonccedilalves Curso de Direito Constitucional 12ed Salvador Editora JusPODIVM 2020

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Poder Judiciaacuterio do Estado da Bahia ISBN 978-65-89459-01-9

MENDES Gilmar Ferreira Curso de direito constitucional Gilmar Ferreira Mendes Paulo Gustavo Gonet Branco 12 ed rev SatildeoPaulo Saraiva 2009

MORAES Alexandre de Direito constitucional 27ed Satildeo Paulo Atlas 2011

________ Direitos Humanos Fundamentais 8ed Satildeo Paulo Atlas 2007

NOVELINO Marcelo Curso de Direito Constitucional 12ordf ed Salvador Juspodivm 2017

LIMA Flaacutevia Daniele Santiago Ativismo e autocontenccedilatildeo no Supremo Tribunal Federal uma proposta de delimitaccedilatildeo do debate 2013 Tese (Doutorado em Direito) Uni-versidade Federal de Pernambuco Recife-PE 2013

REALE Miguel O Estado democraacutetico de direito e os conflitos de ideologia Satildeo Paulo Editora Saraiva 1998

SARLET Ingo Wolfgang A eficaacutecia dos direitos fundamentais uma teoria geral dos direitos fundamentais na perspectiva constitucional 11ed Porto Alegre Livraria do Advogado Editora 2012

SILVA Joseacute Afonso da Curso de direito constitucional positivo 32ed Satildeo Paulo Editora Malheiros 2009

TAVARES Andreacute Ramos Curso de Direito Constitucional 8ordf ed Satildeo Paulo Saraiva 2010

Ana Conceiccedilatildeo Barbuda Sanches Guimaratildees Ferreira bull Ana Baacuterbara Barbuda Ferreira Motta

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Poder Judiciaacuterio do Estado da Bahia ISBN 978-65-89459-01-9

A fixaccedilatildeo da competecircncia nas accedilotildees de responsabilidade civil meacutedica em planos de

sauacutede de autogestatildeo

1 Advogada Bacharel em Direito pela Universidade do Estado da Bahia ndash UNEB Poacutes--graduanda em Direito Constitucional Aplicado pela Faculdade Legale

2 Advogada Bacharel em Direito pela Universidade Salvador ndash UNIFACS

3 Advogado Bacharel em Direito pela Universidade do Estado da Bahia ndash UNEB

Amanda Leite Souza Alves1

Ana Paula Cruz de Santana2

Rodolfo Oliveira Dourado3

Resumo Diante de um contexto de judicializaccedilatildeo em massa da rela-ccedilatildeo meacutedico-paciente hospitais e operadoras de sauacutede eacute imprescin-diacutevel refletir acerca dos desdobramentos juriacutedicos apoacutes a ediccedilatildeo da suacutemula 608 do STJ em 2018 O objetivo eacute problematizar o criteacuterio de fixaccedilatildeo de competecircncia aos casos dos meacutedicos credenciados a estes planos pois o entendimento firmado antes da suacutemula era no sentido de considerar o Juiacutezo Consumerista como competente ante a con-diccedilatildeo de consumidor do paciente em face do meacutedico e do hospital Adotou-se o meacutetodo de pesquisa qualitativa e exploratoacuteria com le-vantamento e revisatildeo bibliograacutefica da doutrina e anaacutelise criacutetica da ju-risprudecircncia para induzir a reflexatildeo do tema em comento E embora a suacutemula tenha de fato alterado a competecircncia processual ainda eacute possiacutevel utilizar-se de certos institutos juriacutedicos para garantir a defesa do paciente hipossuficiente e vulneraacutevel

Palavras-chave Suacutemula 608 STJ responsabilidade meacutedica paciente hospitais judicializaccedilatildeo

1 CONSIDERACcedilOtildeES INICIAIS

Eacute de notoacuterio conhecimento que no cenaacuterio brasileiro de judicializa-ccedilatildeo da medicina e da sauacutede eacute comum o ajuizamento de processos pelos

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pacientes ou seus familiares com o intuito de sanar eventuais situaccedilotildees danosas Nestas demandas por diversas vezes figuram no polo passivo em forma de litisconsorte a operadora dos planos de sauacutede os hospitais e os meacutedicos

No entanto a responsabilidade civil em face destes sujeitos se com-porta de forma diversificada Por anos a aplicaccedilatildeo da legislaccedilatildeo consume-rista em face dos trecircs sujeitos foi pauta de debates doutrinaacuterios e jurispru-denciais E por consequecircncia a temaacutetica acerca do Juiacutezo competente para processar e julgar as accedilotildees tambeacutem foi problematizada

Da anaacutelise do ordenamento juriacutedico especialmente apoacutes a dicccedilatildeo da Suacutemula 608 do Superior Tribunal de Justiccedila em 2018 houve a alteraccedilatildeo do entendimento firmado ao considerar a inaplicabilidade do Coacutedigo de Defesa do Consumidor aos contratos de plano de sauacutede administrados por entidades de autogestatildeo Eacute nesta perspectiva que haacute o questiona-mento acerca de qual seria o Juiacutezo competente para processar e julgar a temaacutetica da responsabilidade meacutedica dos profissionais credenciados ou que prestam serviccedilos em hospitais credenciados aos planos de sauacutede de autogestatildeo

Neste sentido o objetivo da pesquisa eacute propor uma reflexatildeo acerca da competecircncia a ser fixada para processar e julgar os feitos apoacutes a ediccedilatildeo da suacutemula pela Corte Superior haja vista entendimento anterior aplicado agrave relaccedilatildeo meacutedico-paciente ser no vieacutes consumerista Isto porque tal dilema tambeacutem influencia em outras questotildees processuais a exemplo da inver-satildeo do ocircnus da prova admitida pelo Coacutedigo de Defesa do Consumidor em contraposto agrave dinacircmica estaacutetica do CPC

Por fim a metodologia adotada para produccedilatildeo do presente artigo eacute de cunho qualitativo e exploratoacuterio ante a anaacutelise subjetiva do tema abor-dado com averiguaccedilatildeo do problema por meio de levantamento bibliograacute-fico Os materiais e os dados utilizados para pesquisa foram deduzidos a partir da leitura de artigos livros e perioacutedicos anteriormente publicados bem como pela anaacutelise criacutetica da jurisprudecircncia paacutetria

2 OS CRITEacuteRIOS DE FIXACcedilAtildeO DE COMPETEcircNCIA NO ORDE-NAMENTO JURIacuteDICO BRASILEIRO

A competecircncia eacute um instituto processual definida como sendo a ca-pacidade do juiacutezo em aplicar o poder fornecido pela jurisdiccedilatildeo ( MARINONI

Amanda Leite Souza Alves bull Ana Paula Cruz de Santana bull Rodolfo Oliveira Dourado

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et al 2020) considerando que todos os juiacutezes satildeo dotados de funccedilatildeo ju-risdicional em nome do Estado (GRECO 2015) Ou seja cada um a exerce em determinadas situaccedilotildees que satildeo previamente estabelecidas na ordem juriacutedica

Especificamente no acircmbito processual ciacutevel a determinaccedilatildeo de qual juiacutezo eacute competente estaacute disciplinada nos arts 42 a 66 do Coacutedigo de Pro-cesso Civil Em se tratando dos Juizados Especiais Ciacuteveis que eacute regido pela Lei nordm 9099 de 1995 estaacute ordenada nos art 3ordm e 4ordm e em acircmbito estadual verifica-se em artigos espaccedilados da Lei 7033 de 1997

Eacute possiacutevel em alguns casos que o juiacutezo ao se deparar com litiacutegios em que natildeo haja previsatildeo na supracitada norma tendo que recorrer em outras regras para a melhor soluccedilatildeo do feito Nesse momento aponta-se como alternativa a aplicaccedilatildeo do CPC desde que sejam respeitados os princiacutepios que regem os Juizados Especiais referidos em seu art 2ordm que satildeo oralidade simplicidade informalidade economia processual e celeri-dade (XAVIER 2016 v 20 p 16)

Ademais a competecircncia em sua aplicaccedilatildeo eacute dividida em dois regi-mes podendo ser de caracteriacutestica absoluta ou relativa A absoluta seraacute re-gida por regras cogentes devido ao interesse puacuteblico sendo de tal modo relevante para o interesse da administraccedilatildeo da Justiccedila (MARINONI et al 2020) podendo ser alegada em qualquer tempo e em qualquer jurisdiccedilatildeo Jaacute a relativa eacute disciplinada por regras disponiacuteveis agraves partes pois eacute fixada com base no interesse exclusivo dos litigantes e natildeo pode ser declarada de ofiacutecio devendo ser arguida em momento oportuno pela parte reacute e outros interessados na causa sob pena de gerar a automaacutetica preclusatildeo (CAMBI et al 2019)

Entre os regimes de competecircncia existem os criteacuterios de fixaccedilatildeo sen-do categorizados em trecircs territorial funcional e objetivo esse que se divi-de em razatildeo da mateacuteria da pessoa ou valor da causa Em regra consoante o CPC dentro do regime de competecircncia absoluta estatildeo o criteacuterio objeti-vo e funcional ao passo que o territoacuterio se encontra em regime relativo (GRECO 2015 p140)

Apoacutes apresentada a competecircncia no ordenamento juriacutedico a fim de ser relacionado com o caso em temaacutetica que eacute a responsabilidade civil do meacutedico credenciado em plano de autogestatildeo em litisconsoacutercio passivo necessaacuterio questiona-se qual juiacutezo eacute competente para julgar o feito

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3 A RESPONSABILIDADE CIVIL MEacuteDICA Agrave LUZ DO COacuteDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR (CDC)Diante do exposto anteriormente eacute sugestivo suscitar o interesse

pelo estudo da responsabilidade civil do meacutedico Por seacuteculos a funccedilatildeo do profissional da Medicina esteve vinculada a um caraacuteter religioso e maacutegico e resumia a relaccedilatildeo entre uma confianccedila ndash a do cliente ndash e uma consciecircn-cia ndash a do meacutedico No entanto com a mudanccedila de paradigma a relaccedilatildeo foi distanciada em virtude da massificaccedilatildeo das relaccedilotildees sociais Segundo Aguiar Juacutenior (2000 p 134) a denominaccedilatildeo dos sujeitos da relaccedilatildeo fora al-terada para ldquousuaacuteriordquo e ldquoprestador de serviccedilosrdquo sob a oacutetica de uma socieda-de de consumo na qual a consciecircncia de direito reais e fictiacutecios ascendeu a exigecircncia pelos resultados

Por sua vez a instituiccedilatildeo da Lei nordm 80781990 estabeleceu Coacutedigo de Defesa do Consumidor (CDC) e ocasionou diversas inovaccedilotildees do or-denamento juriacutedico brasileiro A legislaccedilatildeo apresentou noccedilotildees acerca do conceito de consumidor no art 2ordm bem como quais sujeitos seriam equi-parados a esta condiccedilatildeo Segundo Cavalieri Filho (2008 p 81) o Coacutedigo representou a lei mais revolucionaacuteria do seacuteculo XX tanto pelo avanccedilar da teacutecnica legislativa adotada ndash baseada em princiacutepios e claacuteusulas gerais ndash quanto pela sua influecircncia em todo o sistema juriacutedico brasileiro ndash doutrina e jurisprudecircncia embora seja um minissistema4

Dentre as problemaacuteticas estaacute por exemplo a utilizaccedilatildeo do termo ldquodestinataacuterio finalrdquo para designar qual sujeito seria considerado consumi-dor Filomeno (2018) entende que o consumidor seria qualquer pessoa fiacutesica tendo o Coacutedigo acrescentado tambeacutem a pessoa juriacutedica que con-trata para consumo final em benefiacutecio proacuteprio ou de outrem a aquisiccedilatildeo ou locaccedilatildeo de bens ou mesmo a prestaccedilatildeo de serviccedilos E neste sentido seria possiacutevel indicar um pacientecliente do profissional meacutedico como um consumidor

Por outro lado em relaccedilatildeo ao ldquofornecedorrdquo Filomeno (2018) entende que o meacutedico que trata de um clientepaciente deve ser equiparado ao fornecedor de serviccedilos pois comercializa seus serviccedilos de forma habi-

4 Nesta perspectiva a legislaccedilatildeo consumerista teria atribuiacutedo uma repersonalizaccedilatildeo do consumidor e seria dever do Estado garantir os direitos baacutesicos deste sujeito de direito considerando a disposiccedilatildeo do art 6ordm do CDC (CAVALIERI FILHO 2004 p 83) E o fato do Coacutedigo natildeo ter conceituado de forma taxativa a pessoa do consumidor tendo apenas apresentado uma noccedilatildeo geneacuterica abriu margem aos problemas de interpretaccedilatildeo os quais se encontram em diversos debates doutrinaacuterios e jurisprudenciais

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tual e profissional e em consequecircncia disto os eventuais danos devem ser cobertos Eacute deste modo que o paciente deve ser considerado como consumidor pois almeja interesses proacuteprios como destinataacuterio final5 Ao buscar a prestaccedilatildeo de serviccedilo o paciente pretende efetivar um tratamento seja por meio da atividade de meio ou da atividade de fim por parte do profissional da medicina

Da anaacutelise das divergecircncias opinativas acerca dos fornecedores agraveque-les que satildeo profissionais liberais deve-se observar em verdade o tipo de responsabilidade a ser aplicada posto que o uacuteltimo em regra responde pela ilicitude dos seus atos com a afericcedilatildeo de culpa com as modalidades de negligecircncia imprudecircncia ou imperiacutecia (art 14 sect 4ordm do CDC) Ao contraacute-rio do fornecedor que responde de forma objetiva independentemente da culpa pelos danos causados aos consumidores caso promova uma prestaccedilatildeo defeituosa de seu serviccedilo A principal oposiccedilatildeo se daacute pela na-tureza intuitu personae dos serviccedilos prestados pelos profissionais liberais (BORGES et al 2017 p 22)

Segundo Filomeno (2018) e Miragem (2016) as relaccedilotildees consume-ristas devem ser pautadas no princiacutepio da boa-feacute objetiva ndash perpetrada tambeacutem no art 422 do Coacutedigo Civil de 2002 e sua funccedilatildeo ativa na qual satildeo deveres anexos a lealdade a cooperaccedilatildeo a informaccedilatildeo e a seguran-ccedila O dever de seguranccedila tem mais ecircnfase pois os meacutedicos prestadores de serviccedilos tecircm situaccedilatildeo privilegiada dos saberes teacutecnicos e profissio-nais e devem informar e aconselhar o consumidor E mais o dever de informar dos meacutedicos em relaccedilatildeo aos seus pacientes eacute primordial posto que o profissional se encontra em uma autecircntica situaccedilatildeo de poder na qual o pacientedoenteafetado com o risco da doenccedila assim como seus familiares estaacute em situaccedilatildeo de vulnerabilidade agravada (MIRAGEM 2016 p 296)

5 Eacute interessante ressaltar o recente entendimento da Corte Superior no julgamento do RESP 1771169 A Terceira Turma cuja Ministra Relatora eacute Nancy Andrighi fixou tese no sentido de afastar a incidecircncia do CDC nos casos de problemas relacionados a atendimento meacutedico custeado pelo Sistema Uacutenico de Sauacutede (SUS) em hospitais privados Isto porque a participaccedilatildeo complementar da iniciativa privada na execuccedilatildeo de accedilotildees e os serviccedilos de sauacutede formalizados por contrato ou convecircnio com a admi-nistraccedilatildeo puacuteblica satildeo remunerados com base na tabela de procedimentos do SUS editada pelo Ministeacuterio da Sauacutede Assim configuram os serviccedilos prestados de forma uti universi e os prestadoresfornecedores desempenham funccedilatildeo puacuteblica

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Deste modo eacute importante salientar que a responsabilidade civil dos meacutedicos era interpretada agrave luz da legislaccedilatildeo consumerista e tanto a opera-dora de sauacutede quanto o hospital na condiccedilatildeo de fornecedores do serviccedilo podem responder perante o consumidor E em especial agrave operadora de sauacutede sua responsabilidade seria intriacutenseca ao fornecimento de serviccedilo por meio de hospital proacuteprio e meacutedicos contratados ou por meio de meacutedi-cos e hospitais credenciados nos termos do arts 2ordm 3ordm 14ordm e 34ordm do CDC bem como pelo disposto no Coacutedigo Civil de 2002 A responsabilidade da operadora e do hospital por sua vez seria objetiva e solidaacuteria em relaccedilatildeo ao consumidor mas internamente responderiam o hospital o meacutedico e a operadora do plano de sauacutede nos limites de sua culpa (BRASIL 2012)

Nesta perspectiva haacute um ponto a ser suscitado sobre a distribuiccedilatildeo do ocircnus da prova em face das accedilotildees de responsabilidade civil meacutedica Segundo o modelo adotado pelo CPC com o acolhimento da teoria de Giuseppe Chiovenda eacute o autor da accedilatildeo que deveria provar os fatos que constituem o direito por ele afirmado Logo na relaccedilatildeo meacutedico-pacien-te seria de incumbecircncia do paciente lesado o dever de provar todos os pressupostos faacuteticos aptos a configurar o dever de indenizar ndash o fato a ilicitude a culpabilidade e o nexo de causalidade Tal encargo poderia ser penoso e por vezes conduziria agrave improcedecircncia do pedido

Com a disciplina do Coacutedigo de Defesa do Consumidor a regra geral da distribuiccedilatildeo do ocircnus da prova eacute excepcionada e invertida conforme disposiccedilatildeo do art 6ordm inciso VIII Nestes casos natildeo recai sobre a parte tra-dicionalmente lesada a responsabilidade de demonstrar a verdade mas sim a contraparte teraacute a incumbecircncia de provar o fato contraacuterio E consi-derando que haacute sedimentado tanto na jurisprudecircncia quanto na doutrina a aplicabilidade do Coacutedigo de Defesa do Consumidor na relaccedilatildeo juriacutedica mantida entre meacutedico e paciente e hospitais a inversatildeo do ocircnus da prova deveria ser aplicada uma vez que eacute imprescindiacutevel a interpretaccedilatildeo sis-temaacutetica da legislaccedilatildeo em especial o Coacutedigo Civil de 2002 o Coacutedigo de Defesa do Consumidor e a Constituiccedilatildeo Federal (BRASIL 2017 2019 2020)

Inclusive eacute de se esclarecer que quando se promove a inversatildeo do ocircnus natildeo haacute impedimento ou incompatibilidade com a responsabilidade subjetiva Portanto ainda que fornecedor responda de forma subjetiva deveraacute provar a ausecircncia de culpa na sua atuaccedilatildeo profissional Assim ao consumidor caberia provar a existecircncia do serviccedilo ou seja a relaccedilatildeo entre este e o profissional e a existecircncia do defeito de execuccedilatildeo jaacute ao meacutedico caberia provar a ausecircncia de culpa na conduta aleacutem das demais hipoacuteteses

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comuns de responsabilidade dos demais fornecedores de serviccedilos (MIRA-GEM 2016 p 631)

Por fim eacute interessante observar a solidariedade dos fornecedores de serviccedilos em face da responsabilidade meacutedica Eacute sabido que a responsa-bilidade objetiva fixada no art 14 caput do Coacutedigo de Defesa do Consu-midor abrange natildeo apenas o fornecedor direto como o organizador da cadeia de fornecimento ainda que natildeo se configurem como prestadores diretos do serviccedilo defeituoso Eacute o caso por exemplo do meacutedico hospital e administradora de plano de sauacutede responsabilizados solidariamente pelo erro meacutedico dos profissionais por ela indicados ressalvada a accedilatildeo de regresso No entanto tambeacutem eacute de se observar as particularidades da res-ponsabilidade subjetiva do meacutedico e da objetiva dos demais fornecedo-res a exemplo do hospital e plano de sauacutede haacute portanto de se atentar ao entendimento do STJ no tocante a individualizaccedilatildeo da responsabilidade (MIRAGEM 2016 p 622 ndash 630)

Diante do exposto eacute de se ressaltar que ao considerar a aplicaccedilatildeo da legislaccedilatildeo consumerista ante a natureza juriacutedica da relaccedilatildeo entre meacutedico--paciente bem como a necessidade de inversatildeo do ocircnus ante a hipossufi-ciecircncia e vulnerabilidade do paciente a competecircncia para processar e jul-gar o feito em face dos profissionais meacutedicos ainda que em litisconsoacutercio poderia ser no Juiacutezo Consumerista

Assim eacute perceptiacutevel a necessidade de problematizar a aplicaccedilatildeo do entendimento firmado e sumulado pela Corte Superior no tocante a fixa-ccedilatildeo de competecircncia no Juiacutezo Ciacutevel em face dos planos de sauacutede de auto-gestatildeo bem como a inaplicabilidade do Coacutedigo de Defesa do Consumidor nos casos em que haacute litisconsorte passivo com os profissionais meacutedicos

4 A EDICcedilAtildeO DA SUacuteMULA 608 DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTICcedilA

A Suacutemula 608 do Superior Tribunal de Justiccedila que tem como texto a aplicaccedilatildeo do Coacutedigo de Defesa do Consumidor aos contratos de plano de sauacutede desde que natildeo administrados por entidades de autogestatildeo surgiu do julgado do REsp 1285483-PB de relatoria do Min Luis Felipe Salomatildeo Cancelou-se entatildeo a Suacutemula nordm 469 a qual determinava a aplicaccedilatildeo do Coacutedigo de Defesa do Consumidor aos contratos de plano de sauacutede sem distinccedilatildeo

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Enquanto perdurou o entendimento da Suacutemula nordm 469 do STJ era firmado pela Corte que independentemente da natureza juriacutedica adotada pelo plano de sauacutede uma vez que a qualificaccedilatildeo da pessoa juriacutedica aten-dia somente aos criteacuterios objetivos a relaccedilatildeo entre beneficiaacuterio e o plano era caracterizado como relaccedilatildeo de consumo consoante o voto proferido pela Ministra Nancy Andrighi no Resp nordm 519310SP (BRASIL 2004)

Em oposiccedilatildeo formou-se posteriormente a criaccedilatildeo da Suacutemula 608 segundo a qual deveria se levar em conta o fato do plano de sauacutede ser coordenado em modelo de autogestatildeo e ser constituiacutedo por mutualismo dos contribuintes que satildeo em regra oacutergatildeos internos das empresas en-tidades sindicais ou entidades privadas sem fins lucrativos De tal modo natildeo seria possiacutevel definir tais relaccedilotildees entre beneficiaacuterios e o plano de sauacutede como de consumo haja vista a essencialidade de ser aberto e ser possiacutevel a todos os consumidores e com finalidade lucrativa para a carac-terizaccedilatildeo

Eacute mister expor o que eacute e quais satildeo os efeitos de uma suacutemula para poder entender sua aplicaccedilatildeo ao caso proposto Em poucas palavras Ro-naldo Cramer (2018 p 315) entende que a suacutemula significa ldquoo coletivo dos enunciados representativos da jurisprudecircncia de um tribunalrdquo eacute a identi-ficaccedilatildeo de como o Tribunal julgou determinada mateacuteria e recomenda que assim se julgue No entanto as suacutemulas podem ter efeitos vinculativos ou persuasivos e no caso dos vinculativos disciplinados pelo art 103-A da Constituiccedilatildeo Federal de 1988 somente o Supremo Tribunal Federal pode-ria emitir Jaacute as persuasivas satildeo para os julgados de tribunais inferiores e da proacutepria Corte acompanharem o enunciado da jurisprudecircncia emitida (MORAIS 2016)

Em se tratando da aplicaccedilatildeo processual das suacutemulas o CPC no art 926 dispotildee que os Tribunais deveratildeo uniformizar sua jurisprudecircncia por meio da produccedilatildeo de enunciados de suacutemula passando-se a ser o enten-dimento dominante do Tribunal acerca de determinado problema juriacutedico (THEODORO JUNIOR 2018 p 1035) O Coacutedigo tambeacutem dispotildee no art 927 que os Tribunais deveratildeo observar as Suacutemulas Vinculantes (inciso II) e as Suacutemulas em mateacuteria infraconstitucional do STJ e Suacutemulas em mateacuteria Constitucional do STF (inciso IV) Ronaldo Cramer (2018) denominou tal artigo de ldquoprecedentes vinculantesrdquo e Humberto Theodoro Juacutenior (2018 p 1037) conceituou de Jurisprudecircncia de plano vertical ndash vincula todos os juiacutezes ou tribunais inferiores agraves decisotildees do STF quando em controle concentrado de constitucionalidade e suacutemulas vinculantes e aos julga-

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mentos do STF e STJ em Recurso Extraordinaacuterio e Especial Repetitivos aos enunciados de suacutemulas do STF e STJ

Nesta senda relacionando ao caso de responsabilidade civil por erro meacutedico em litisconsoacutercio passivo necessaacuterio com plano de sauacutede de au-togestatildeo eacute perceptiacutevel a necessidade de aplicaccedilatildeo da Suacutemula 608 do STJ uma vez que consoante o inciso IV do art 927 do CPC impera pela apli-caccedilatildeo do ratio decidendi do enunciado da suacutemula produzida por Tribunal Superior

5 O ENTENDIMENTO JURISPRUDENCIAL ACERCA DA COM-PETEcircNCIA

Diante do arcabouccedilo demonstrado alhures seja para o reconheci-mento da responsabilidade meacutedica pelo vieacutes consumerista ante a relaccedilatildeo material entre as partes ou pelo reconhecimento da competecircncia Civil pelo vieacutes firmado pela Corte Superior ante a dicccedilatildeo processual do CPC fa-z-se necessaacuterio apresentar a aplicaccedilatildeo dos Tribunais em torno da questatildeo

Nesta perspectiva a jurisprudecircncia a qual eacute o entendimento resul-tante de decisotildees reiteradas dos tribunais sobre um determinado assunto jaacute se posicionou em diversas ocasiotildees acerca da divergecircncia no que tange a fixaccedilatildeo de competecircncia neste caso apresentado Em alguns momentos com juiacutezos consideravelmente divergentes Isto porque conforme seraacute demonstrado adiante natildeo haacute consenso acerca de qual posicionamento deveraacute ser adotado Em alguns casos o Tribunal correspondente aplica o entendimento da Suacutemula 608 caminhando para o lado processual Jaacute em outras situaccedilotildees aplica-se o entendimento da existecircncia de relaccedilatildeo de consumo viabilizando o lado material

O Tribunal de Justiccedila do Rio de Janeiro por exemplo possuiacutea o cos-tume de adotar uma linha direcionada agrave relaccedilatildeo existente entre as partes Em um conflito de competecircncia julgado6 em 2017 entendeu-se que a

6 Competecircncia recursal Conflito negativo Atendimento de emergecircncia em hospital credenciado pelo plano de sauacutede Erro meacutedico Relaccedilatildeo de consumo Aplicaccedilatildeo do Coacutedigo de Defesa do Consumidor Precedentes do STJ e deste Oacutergatildeo Especial Aplicaccedilatildeo por analogia do Enunciado nordm 29 do Aviso 152015 Modalidade de au-togestatildeo do plano de sauacutede que in casu natildeo afasta a competecircncia das Cacircmaras Ciacuteveis Especializadas em razatildeo da relaccedilatildeo de consumo existente entre a autora e o hospital-reacuteu Competecircncia do Oacutergatildeo Julgador especializado (26ordf CC) Incidecircncia do art 6ordm-A sect 3ordm do RITJRJ Conflito julgado procedente pelo relator

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modalidade de autogestatildeo do plano de sauacutede no caso em concreto natildeo afastaria a competecircncia das Cacircmaras Especializadas em razatildeo da relaccedilatildeo de consumo existente entre a autora e o hospital-reacuteu Neste acoacuterdatildeo os julgadores ainda mencionam entendimento doutrinaacuterio neste mesmo sentido como eacute o caso de Felipe Peixoto Braga Netto (2015 p 236) que afirma

A relaccedilatildeo meacutedico-paciente eacute inegavelmente relaccedilatildeo de consumo Seja o serviccedilo prestado pelo meacutedico individual seja o serviccedilo presta-do por empresa meacutedica ou entidade hospitalar Temos em ambos os casos relaccedilatildeo de consumo cuja diferenccedila seraacute apenas da modalidade da responsabilidade subjetiva no primeiro caso objetiva no segundo

Neste caso ainda tal posicionamento possui respaldo tambeacutem no Aviso 152015 do TJ-RJ que em seu enunciado nordm 29 reafirma a compe-tecircncia das Varas Especializadas Eacute importante mencionar que tal enuncia-do foi originado a partir do julgamento de outro conflito de competecircncia no qual fora decidido por unanimidade que o mesmo deveria ser julgado improcedente visto que fora suscitado pela Vara Especial em razatildeo da relaccedilatildeo de consumo existente mesmo na presenccedila do plano de sauacutede por autogestatildeo

Entretanto com a chegada da Suacutemula 608 do Superior Tribunal de Justiccedila os tribunais do paiacutes passaram a considerar e aplicar de forma majoritaacuteria tal entendimento No Agravo Interno do Agravo em Recurso Especial nordm 1679521 de relatoria do Ministro Moura Ribeiro entendeu-se que

[] eacute de competir agrave Justiccedila Comum estadual julgar a accedilatildeo de obriga-ccedilatildeo de fazer relativa aos contratos de cobertura meacutedico-hospitalar por se tratar o feito de natureza eminentemente civil [] Aos planos de sauacutede regidos sob a modalidade de autogestatildeo satildeo inaplicaacuteveis as normas contidas no Coacutedigo de Defesa do Consumidor tendo em vista que natildeo se pode dar o mesmo tratamento destinado agraves empre-sas privadas que exploram essa atividade com finalidade lucrativa agraves entidades sob a modalidade de autogestatildeo ao fundamento de que estas natildeo visam ao lucro sendo totalmente dissociadas das demais operadoras de sauacutede que natildeo adotam tal modalidade em sua cons-tituiccedilatildeo

De igual modo o Tribunal de Justiccedila do Distrito Federal entendeu nos Embargos de Declaraccedilatildeo do processo de nordm 0709352-5520178070007 pela aplicabilidade do Coacutedigo de Defesa do Consumidor em processos

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envolvendo entidade de autogestatildeo em razatildeo da superveniecircncia do en-tendimento sumulado do STJ Ou seja o relator Desembargador Joatildeo Egmont afirmou que agrave eacutepoca do julgamento do acoacuterdatildeo objeto deste embargo de declaraccedilatildeo no ano de 2018 ainda natildeo existia a mencionada suacutemula e que por este motivo entendeu-se por aplicar os institutos do Coacutedigo de Defesa do Consumidor no julgamento

Pondera-se deste modo que com a chegada deste atual entendi-mento a tendecircncia seria de que os Tribunais do Brasil passem tambeacutem a adotar tal posicionamento Aqueles que jaacute tiveram a oportunidade de se manifestar optaram por seguir a linha adotada pela instacircncia Supe-rior

Nesta senda vislumbra-se que o conflito gerado por esta duacutevida acerca da atribuiccedilatildeo de competecircncias nos casos de responsabilidade civil meacutedica em contratos de planos de sauacutede de autogestatildeo seguiu seu curso normal ao ser dirimido pelo ramo do Estado responsaacutevel pela soluccedilatildeo de discordacircncias da sociedade Considerando que o Superior Tribunal de Justiccedila dentre as suas diversas atribuiccedilotildees eacute considerado responsaacutevel por uniformizar a interpretaccedilatildeo da lei por todo o paiacutes haacute de se esperar que as demais instacircncias sigam o posicionamento adotado por ele ainda mais se tratando de um entendimento sumulado

Recentemente surgiu uma posiccedilatildeo jaacute deveras adotada no que se refere agrave inversatildeo do ocircnus da prova ao considerar a hipossuficiecircncia do paciente Os julgadores passaram a aplicar o quanto disposto no artigo 373 sect 1ordm do CPC o qual confere ao juiz a possibilidade distribuir atraveacutes de decisatildeo fundamentada o ocircnus probante O Tribunal de Justiccedila do Rio de Janeiro no Agravo de Instrumento de nordm 0042435-2320198190000 de relatoria do desembargador Ricardo Alberto Pereira que antes possuiacutea en-tendimento da competecircncia do Juiacutezo consumerista nesses casos passou a entender que apoacutes enunciado nordm 608 da Suacutemula do STJ a competecircncia seria do Juiacutezo Ciacutevel e neste sentido o juiz da causa teria a incumbecircncia de proceder com a distribuiccedilatildeo do ocircnus probatoacuterio e a anaacutelise das provas necessaacuterias ao deslinde do feito

Na mesma linha de pensamento decidiu o TJ-DF no acoacuterdatildeo nordm 0711268-4320208070000 de relatoria da desembargadora Simone Lu-cindo que poderaacute o julgador nos casos previstos em lei ou diante das pe-culiaridades da causa atribuir o ocircnus da prova agrave parte que tenha melhores condiccedilotildees de produzi-lo

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6 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS

Eacute inteligiacutevel entatildeo a partir do quanto esposado a problematizaccedilatildeo a partir do entendimento a ser adotado pelos operadores do direito ao se depararem com a competecircncia em se tratar de responsabilidade meacutedica em casos de plano de sauacutede com autogestatildeo

Anterior ao ano de 2018 o entendimento majoritaacuterio era no sentido de aplicar a legislaccedilatildeo consumerista em razatildeo da natureza juriacutedica da re-laccedilatildeo meacutedico-paciente bem como da indispensabilidade da inversatildeo do ocircnus da prova em virtude da situaccedilatildeo de hipossuficiecircncia que permeia a parte paciente Entretanto com a chegada da suacutemula 608 do STJ os entendimentos jurisprudenciais passaram a caminhar para o sentido da inaplicabilidade do Coacutedigo de Defesa do Consumidor e viabilidade do Juiacutezo Ciacutevel em razatildeo da incidecircncia dos contratos de plano de sauacutede de autogestatildeo

Em razatildeo desta dubiedade eacute deveras comum que haja uma certa confusatildeo entre os causiacutedicos acostumados a lidarem com causas desta natureza acerca do direcionamento de suas accedilotildees Surge ainda o receio no que tange agrave proteccedilatildeo daquela parte dependente que contrata o plano de sauacutede em ser notadamente vulneraacutevel em estar em desvantagem na demanda em razatildeo da inviabilidade da utilizaccedilatildeo da inversatildeo do ocircnus da prova no juiacutezo ciacutevel

Os julgadores entatildeo passaram a assegurar a aplicabilidade do Coacute-digo de Processo Civil Ele em seu artigo 3737 versa acerca do ocircnus da prova e disciplina no sect 1ordm sobre situaccedilotildees previstas em lei ou diante de peculiaridades da causa relacionadas agrave impossibilidade ou agrave excessiva di-ficuldade de provar o quanto alegado Assim confere ao julgador atribuir o ocircnus da prova de modo diverso desde que por decisatildeo devidamente fundamentada

Destarte diante desta via adotada observa-se que a proteccedilatildeo con-ferida pelo Coacutedigo de Defesa do Consumidor aos vulneraacuteveis que natildeo

7 Art 373 sect 1ordm do Coacutedigo de Processo Civil ndash Nos casos previstos em lei ou diante de peculiaridades da causa relacionadas agrave impossibilidade ou agrave excessiva dificuldade de cumprir o encargo nos termos do caput ou agrave maior facilidade de obtenccedilatildeo da prova do fato contraacuterio poderaacute o juiz atribuir o ocircnus da prova de modo diverso desde que o faccedila por decisatildeo fundamentada caso em que deveraacute dar agrave parte a oportunidade de se desincumbir do ocircnus que lhe foi atribuiacutedo

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poderia ser aplicada nas Varas Ciacuteveis em razatildeo da ediccedilatildeo da suacutemula do STJ pode ser tambeacutem aplicada atraveacutes do CPC O resultado portanto acabaria por ser semelhante uma vez que o juiz confere agrave parte hipossuficiente a defesa do seu direito e a facilitaccedilatildeo de defesa em razatildeo de sua condiccedilatildeo quanto agrave questatildeo da possiacutevel responsabilidade meacutedica a ser discutida

Como fora possiacutevel de se observar no toacutepico anterior os tribunais de justiccedila dos Estados jaacute comeccedilaram a adotar este entendimento como por exemplo o TJ-RJ e o TJ-DF em julgados recentes do ano de 2019 e 2020 Ou seja a conjugaccedilatildeo do princiacutepio do livre convencimento do juiz junto com o diploma processual permite ao oacutergatildeo competente a anaacutelise das provas necessaacuterias ao deslinde do feito sem que haja qualquer prejuiacutezo agraves partes principalmente aquela que seria prejudicada em razatildeo de sua demanda natildeo versar sobre a proteccedilatildeo conferida pelo juiacutezo de consumo

Por fim eacute de conhecimento dos profissionais do mundo juriacutedico que o CPC de 2015 inovou ao estabelecer que o sistema de precedentes deve ser observado pelo juiz no momento de tomada de sua decisatildeo (FERNAN-DES 2016) O artigo 489 deste diploma processual inclusive menciona que aquela decisatildeo que contraria suacutemula jurisprudecircncia ou precedente invocado pela parte sem demonstrar a existecircncia de distinccedilatildeo no caso em julgamento natildeo eacute considerada fundamentada

Ou seja haacute um direcionamento presente no ordenamento juriacutedico em guiar o Judiciaacuterio a se vincular natildeo somente agrave lei mas tambeacutem aos precedentes judiciais Estes por sua vez conforme afirma o Min Luis Fux precisam ser estaacuteveis para que haja uma forccedila determinante Satildeo aqueles posicionamentos considerados paciacuteficos sumulados ou que foram de-cididos em um caso com repercussatildeo geral ou oriundo do incidente de resoluccedilatildeo de demandas repetitivas ou de recursos repetitivos Isto eacute natildeo satildeo entendimentos aplicados por membros isolados atraveacutes de decisotildees monocraacuteticas (RODAS 2015) Poreacutem importante mencionar que haacute diver-gecircncia na doutrina e jurisprudecircncia acerca da constitucionalidade deste artigo bem como da aparente obrigatoriedade do juiz em se vincular aos precedentes superiores Alguns estudiosos por exemplo entendem que o magistrado deveria observar levar em conta e analisar e natildeo necessaria-mente se ver compelido a seguir

De qualquer modo no que pertine agrave discussatildeo trazida neste presente trabalho vislumbrou-se que jaacute haacute uma tendecircncia dos tribunais em se-guir a linha processual e adotar o posicionamento da Suacutemula 608 do STJ Sendo assim as accedilotildees que possuam em debate questotildees relacionadas ao

A fixaccedilatildeo da competecircncia nas accedilotildees de responsabilidade civil meacutedica em planos de sauacutede de autogestatildeo

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contrato de plano de sauacutede de autogestatildeo poderatildeo seguir nas varas ciacuteveis em decorrecircncia do entendimento jurisprudencial (DAVID 2015)

Importante mencionar ainda que a parte considerada hipossuficien-te contratante do plano de sauacutede natildeo seraacute prejudicada com relaccedilatildeo agrave inversatildeo do ocircnus da prova Isto porque conforme acima mencionado o causiacutedico poderaacute se valer do artigo 373 sect 1ordm do CPC e requerer ao juiz a atribuiccedilatildeo de modo diverso sob alegaccedilotildees diversas de dificuldade para cumprimento de tal encargo

Em linhas gerais essa distribuiccedilatildeo dinacircmica do ocircnus probatoacuterio con-fere agraves partes a possibilidade de obterem o resultado desejado sem que haja qualquer divergecircncia da decisatildeo proferida pelo Tribunal Superior Assim a tutela perseguida por um dos demandantes seraacute devidamente analisada pelo juiacutezo considerado competente caminhando mais distante da trilha de reformulaccedilotildees e reconsideraccedilotildees posteriores que possam vir a tumultuar o andamento processual

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______ Superior Tribunal de Justiccedila REsp 866371RS Rel Min Raul Arauacutejo Quarta Tur-ma julgado em 27032012 DJe de 20082012 Citado como BRASIL 2012

______ Superior Tribunal de Justiccedila REsp 1285483PB Rel Min Luis Felipe Salomatildeo SEGUNDA TURMA julgado em 22062016 DJe 16082016

______ Superior Tribunal de Justiccedila REsp 1667776SP Rel Min Herman Benjamin SE-GUNDA TURMA julgado em 13062017 DJe 01082017 Citado como BRASIL 2017

______ Superior Tribunal de Justiccedila REsp 1806813SP Rel Ministro Herman Benjamin SEGUNDA TURMA julgado em 15082019 DJe 10092019

______ Superior Tribunal de Justiccedila AgInt no AREsp 1666161 SP 20200038631-9SP Rel Ministra Nancy Andrigui TERCEIRA TURMA julgado em 24082020 DJe 21082020

______ Superior Tribunal de Justiccedila AgInt no AREsp 1649072RJ Rel Ministro Luis Felipe Salomatildeo QUARTA TURMA julgado em 10082020 DJe 13082020 Citado como BRASIL 2020

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Nuances da uniformizaccedilatildeo de jurisprudecircncia e advento do IRDR no CPC2015 para suas aplicabilidades

nos Juizados Especiais

1 Especialista em Direito Previdenciaacuterio e Bacharel em Direito pela UNESA Especialista em Liacutengua Portuguesa pela REALIZA Poacutes-GraduaccedilatildeoBA Licenciado em Letras Vernaacute-culas pela UESB Advogado

Iuri Santos Ferreira da Silva1

Resumo Este estudo visa a traccedilar anaacutelises a respeito da importacircncia do advento dos Juizados Especiais para a apreciaccedilatildeo de demandas de menor complexidade e com propostas de tornarem ceacuteleres as resolu-ccedilotildees de conflitos bem como a facilitaccedilatildeo do acesso agrave justiccedila por uma grande parcela da populaccedilatildeo Ainda o trabalho presta-se a avaliar institutos que surgem no direito brasileiro em momento preacute e poacutes Constituiccedilatildeo de 1988 quais sejam a Uniformizaccedilatildeo de Jurisprudecircn-cia criada jaacute no CPC de 1973 sob o advento das suacutemulas existentes na deacutecada de 1960 na Corte Suprema e o IRDR ndash Incidente de Reso-luccedilatildeo de Demandas Repetitivas proveniente do CPC2015 Por fim aponta os contextos sobre os instrumentos de acesso agrave justiccedila e as divergecircncias existente quanto a competecircncias sob o alvitre de sobre-cargas de demandas cujos fatos trazem prejuiacutezos aos jurisdicionados haja vista a essencialidade dos Juizados Especiais

Palavras-chave Juizados Especiais Uniformizaccedilatildeo de jurisprudecircncia IRDR

1 BREVE ANAacuteLISE SOBRE AS URGEcircNCIAS DAS EVOLUCcedilOtildeES SOCIAIS E NECESSIDADES ECONOcircMICAS REFLETIDAS NO DIREITO CONTEMPORAcircNEO O ADVENTO DOS JUIZADOS

A existecircncia das intervenccedilotildees do homem com o ambiente que o cer-ca bem como as suas relaccedilotildees interpessoais satildeo o cerne da existecircncia do Direito ciecircncia tida como um ramo de estudo e ao mesmo tempo um instrumento de adequaccedilatildeo agraves demandas sociais sobre as quais a histoacuteria

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demonstra que satildeo totalmente mutaacuteveis e voluacuteveis Neste sentido cabiacutevel afirmar que se fez necessaacuterio o surgimento um instrumento de pacifica-ccedilatildeo em sociedade cuja aplicabilidade se prestava agrave resoluccedilatildeo de conflitos oriundos dos anseios e expectativas nestas relaccedilotildees

Com o passar do tempo a humanidade evoluiu e concomitantemen-te irrompeu natildeo sendo mais possiacutevel a partir de entatildeo um equiliacutebrio al-mejado somente pela existecircncia de bons costumes respeito e civilidade a ponto de que as demandas trazidas para o campo do Direito urgissem deste respostas mais efetivas sob pena de perecimento de bens disponiacute-veis e indisponiacuteveis tais como a vida a integridade a sauacutede a proprieda-de a acessibilidade entre outros

Nesta perspectiva foram necessaacuterios (e permanecem sendo) os ad-ventos e suas efetivas aplicaccedilotildees de institutos juriacutedicos que acompanhas-sem o ritmo destas demandas com o escopo de assegurar maior acesso agrave justiccedila evitar a (jaacute existente) sobrecarga do aparato judiciaacuterio em todo o mundo pela lentidatildeo do tracircmite de processos como tambeacutem de repelir as desconformidades nas decisotildees que versassem sobre temas comuns afins fazendo valer o princiacutepio da seguranccedila juriacutedica

Importante ressaltar que na contemporaneidade especificamente em momento de preluacutedio agrave promulgaccedilatildeo da Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica Federativa do Brasil de 1988 (a saber em 1982 e em 1984) e logo apoacutes a mesma sob esta eacutegide surgem as Casas Judicantes especializadas em atender a demandas de menor complexidade o que pressupotildee a sua de-finiccedilatildeo em menor tempo em cotejo com demandas de maior apuraccedilatildeo faacutetica e probatoacuteria Neste compasso cite-se a experiecircncia pioneira dos Conselhos de Conciliaccedilatildeo e Arbitragem engendrados no Rio Grande do Sul em 1982 em seguida a ediccedilatildeo da Lei nordm 724484 a qual deu azo ao Juizado de Pequenas Causas a menccedilatildeo ao Juizado de Pequenas Causas jaacute no proacuteprio art 24 X da CRFB88 com a determinaccedilatildeo de criaccedilatildeo de Juizados Especiais no art 98 I (redaccedilatildeo dada pela EC nordm 452004) deste arcabouccedilo a aprovaccedilatildeo da Lei Federal nordm 909995 que criou os Juizados Especiais Ciacuteveis e Criminais e que por consequecircncia revogou em seu art 97 a Lei nordm 724484 a partir de entatildeo passando a ser uma Justiccedila Especial

Ora o propoacutesito da criaccedilatildeo destas foi o de trazer a otimizaccedilatildeo das resoluccedilotildees de conflitos no que cerne agrave economicidade processual ins-trumentalidade de formas oralidade (com incentivo agrave conciliaccedilatildeo) cele-ridade e simplicidade ao passo que no Brasil jaacute na deacutecada de 1960 os

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tribunais faziam uso das suacutemulas (na data de 1963 tendo como mentor e propagador do instrumento o Min Victor Nunes Leal do Supremo Tri-bunal Federal) como uma ferramenta a diminuir os volumes de demanda sobretudo pela menor estrutura do sistema judiciaacuterio neste periacuteodo

2 INTRODUCcedilAtildeO AOS INSTITUTOS JURIacuteDICOS DA UNIFORMI-ZACcedilAtildeO DE JURISPRUDEcircNCIA E IRDR NO DIREITO BRASI-LEIRO

Ora no mundo juriacutedico eacute sabido que para todas as accedilotildees levadas agrave apreciaccedilatildeo judicial eacute necessaacuteria uma adequaccedilatildeo agrave formalidade de proce-dimento a qual estabelece as condiccedilotildees para que esta demanda possa de fato ser apreciada

Todavia estas (in) adequaccedilotildees ou (in) viabilidades nem sempre satildeo identificadas no iniacutecio do ato processual ao passo que nestas ocasiotildees o legislador trouxe o instituto da uniformizaccedilatildeo de jurisprudecircncia que se propotildee agrave dirimiccedilatildeo e eliminaccedilatildeo de controveacutersia acerca de determinada mateacuteria assim como a avocaccedilatildeo da seguranccedila juriacutedica que jaacute existia na Lei nordm 586973 em seus artigos 476 a 479

Importante frisar que apesar de o instituto natildeo possuir toacutepico es-peciacutefico no novel arcabouccedilo o mesmo reitera os paracircmetros acerca do instituto de maneira esparsa a exemplo da observaccedilatildeo dos precedentes do art 927 o qual assim versa

Os juiacutezes e os tribunais observaratildeo

I ndash as decisotildees do Supremo Tribunal Federal em controle concentrado de constitucionalidade

II ndash os enunciados de suacutemula vinculante

III ndash os acoacuterdatildeos em incidente de assunccedilatildeo de competecircncia ou de resoluccedilatildeo de demandas repetitivas e em julgamento de recursos ex-traordinaacuterio e especial repetitivos

IV ndash os enunciados das suacutemulas do Supremo Tribunal Federal em mateacuteria constitucional e do Superior Tribunal de Justiccedila em mateacuteria infraconstitucional

V ndash a orientaccedilatildeo do plenaacuterio ou do oacutergatildeo especial aos quais estiverem vinculados

sect 1ordm Os juiacutezes e os tribunais observaratildeo o disposto no art 10 e no art 489 sect 1ordm quando decidirem com fundamento neste artigo

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sect 2ordm A alteraccedilatildeo de tese juriacutedica adotada em enunciado de suacutemula ou em julgamento de casos repetitivos poderaacute ser precedida de audiecircn-cias puacuteblicas e da participaccedilatildeo de pessoas oacutergatildeos ou entidades que possam contribuir para a rediscussatildeo da tese

sect 3ordm Na hipoacutetese de alteraccedilatildeo de jurisprudecircncia dominante do Supre-mo Tribunal Federal e dos tribunais superiores ou daquela oriunda de julgamento de casos repetitivos pode haver modulaccedilatildeo dos efeitos da alteraccedilatildeo no interesse social e no da seguranccedila juriacutedica

sect 4ordm A modificaccedilatildeo de enunciado de suacutemula de jurisprudecircncia pa-cificada ou de tese adotada em julgamento de casos repetitivos observaraacute a necessidade de fundamentaccedilatildeo adequada e especiacutefica considerando os princiacutepios da seguranccedila juriacutedica da proteccedilatildeo da confianccedila e da isonomia

sect 5ordm Os tribunais daratildeo publicidade a seus precedentes organizando--os por questatildeo juriacutedica decidida e divulgando-os preferencialmente na rede mundial de computadores

De outra sorte emergem as inovaccedilotildees no CPC de 2015 a exemplo do denominado IRDR ndash Incidente de Resoluccedilatildeo de Demandas Repetitivas cuja justificativa para seu advento eacute a ocorrecircncia simultacircnea de efetiva repeticcedilatildeo de processos que contenham controveacutersia sobre a mesma ques-tatildeo unicamente de direito e o risco de ofensa agrave isonomia e agrave seguranccedila ju-riacutedica consoante aduz o art 976 Caput e incisos I e II da Lei nordm 1310515

Nesta toada nota-se que ambos os institutos possuem sua relevacircncia para que seja obstado o grande volume de accedilotildees apresentadas nas ins-tacircncias superiores das Casas Judiciaacuterias assim como natildeo se legitime lesatildeo a direito sobre temas que jaacute foram apreciados ou que estatildeo na iminecircncia de apreciaccedilatildeo

Destarte em que pese a regulamentaccedilatildeo do IRDR no CPC15 o CNJ jaacute vem emitindo enunciados com fins de uniformizaccedilatildeo de jurisprudecircncia sobre os quais aqui seratildeo levantadas pontuais ponderaccedilotildees

3 O INCIDENTE DE RESOLUCcedilAtildeO DE DEMANDAS REPETITIVAS E SUAS EFETIVIDADES TRAZIDAS NA LEI 1310515

Conforme anais do STJ o instituto do IRDR tem equivalecircncia com o recurso repetitivo apreciado pelo Superior Tribunal poreacutem no acircmbito dos Tribunais de Justiccedila e Tribunais Regionais Federais Sendo assim constata-da a existecircncia de diversas demandas nas quais se discute a mesma ques-tatildeo de direito os tribunais de segundo grauinstacircncia podem selecionar

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um processo para a fixaccedilatildeo de tese a qual seraacute aplicada a todos os casos congruentes

Ainda assim aduz o Superior Tribunal (consoante gestatildeo atribuiacuteda ao Min Paulo de Tarso Sanseverino)

Admitido o incidente o tribunal suspenderaacute o tracircmite de todos os processos individuais ou coletivos em sua jurisdiccedilatildeo Com a admissatildeo o CPC2015 estabelece que legitimados como as partes o Ministeacuterio Puacuteblico ou a Defensoria Puacuteblica poderatildeo requerer ao Supremo Tribu-nal Federal (STF) ou ao STJ a depender da mateacuteria a ampliaccedilatildeo da eficaacutecia de suspensatildeo em todo o territoacuterio nacional

O pedido de suspensatildeo nacional dirigido ao STJ explica-se pela hi-poacutetese de que contra o acoacuterdatildeo de segundo grau proferido no julga-mento do IRDR caberaacute a interposiccedilatildeo de recurso especial quando a questatildeo discutida versar sobre interpretaccedilatildeo de lei federal

O instituto por trazer inovaccedilotildees no mundo juriacutedico possui a sua com-plexidade e uma delas repousa no fato de que sob a visatildeo do estudioso Marcos Vinicius Gonccedilalves a doutrina majoritaacuteria tem considerado mais um requisito para a instauraccedilatildeo do mesmo que dos muacuteltiplos processos em que a questatildeo juriacutedica esteja sendo discutida ao menos um jaacute esteja no tribunal por forccedila de recurso remessa necessaacuteria ou competecircncia ori-ginaacuteria (GONCcedilALVES 2020 p1356)

Sinalize-se que diante de divergecircncias doutrinaacuterias sobre a sua ope-racionalidade nos processos existentes tem prevalecido nos pretoacuterios bra-sileiros o reconhecimento do IRDR com a preexistecircncia de uma ldquocausa-pa-radigmardquo ao passo que o instrumento soacute pode ser implementado havendo uma causa concreta pendente que esteja no tribunal ao qual pertence o oacutergatildeo competente para julgaacute-lo Deste modo o instituto eacute processado como incidente nesse processo e a questatildeo juriacutedica eacute examinada no caso concreto no qual o incidente foi instaurado

Ainda GONCALVES (2020) assevera que no mesmo instante da apre-ciaccedilatildeo pelo oacutergatildeo de um caso concreto o qual decide a questatildeo juriacutedica com forccedila de precedente vinculante o que foi decidido deve ser aplicado nos demais processos pendentes que versem sobre a mesma questatildeo e que estejam no tribunal ou nas Instacircncias inferiores

Saliente-se que em qualquer dos processos em tracircmite no qual a questatildeo juriacutedica seja discutida esteja o IRDR jaacute no tribunal ou instacircncia inferior sendo o mesmo admitido no entanto ele seraacute implementado no

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processo que estiver pendente na Colenda Casa o que exige como requi-sito do IRDR que haja ao menos um deles em curso no tribunal para que nele possa ser implementado o incidente que natildeo seraacute possiacutevel se todos os muacuteltiplos processos versando sobre a mesma questatildeo juriacutedica estive-rem no primeiro grau (a exemplo do IRDR nordm 1591478-0 TJ-PR o qual foi inadmitido por natildeo atendimento dos requisitos acima destacados)

A propoacutesito de ilustraccedilatildeo apontem-se alguns enunciados oriundos do ENFAM (Escola Nacional de Formaccedilatildeo e Aperfeiccediloamento de Ma-gistrados) quanto agrave proposiccedilatildeo dos IRDRs em sede de Juizados Especiais

Enunciado nordm 21 ndash O incidente pode ser suscitado com base em deman-das repetitivas em curso nos juizados especiais

Enunciado nordm 22 ndash A instauraccedilatildeo do IRDR natildeo pressupotildee a existecircncia de processo pendente no respectivo tribunal

Enunciado nordm 44 ndash Admite-se o IRDR nos juizados especiais que deveraacute ser julgado por oacutergatildeo colegiado de uniformizaccedilatildeo do proacuteprio sistema

Sinalize-se que apesar dos ditames dos enunciados emanados das associaccedilotildees de magistrados sobre a plausibilidade de apreciaccedilatildeo pelos Juizados Especiais haacute um grande embate entre os TRFs e TJs com o STJ em razatildeo de alegada sobrecarga de demandas nas primeiras acerca desta adequaccedilatildeo em virtude de alegada inconstitucionalidade na atribuiccedilatildeo dos Juizados em apreciar o IRDR em virtude da proacutepria Resoluccedilatildeo nordm 032016 do STJ evento sobre o qual haveraacute consideraccedilotildees a seguir

4 POSICIONAMENTOS DO STF E RESOLUCcedilAtildeO Nordm 0346 DO CNJ CRIacuteTICAS AO MANEJO DAS UNIFORMIZACcedilOtildeES DE JU-RISPRUDEcircNCIA NOS JUIZADOS E INTERPOSICcedilAtildeO DE DE-MAIS RECURSOS AgraveS CORTES MAacuteXIMAS

Com destaques ao advento dos Juizados Especiais da Lei nordm 909995 neste estudo eacute deveras relevante abordar sobre o microssistema dos jui-zados existente no Brasil para que se possa entender a dialeticidade da utilizaccedilatildeo das uniformizaccedilotildees de jurisprudecircncia como ferramenta de am-paro em cada Casa Judicante

Portanto este sistema dos Juizados Especiais eacute composto origina-riamente pelos Juizados Especiais Estaduais Comuns (Lei nordm 909995) em seguida pelos Juizados Especiais Federais (Lei nordm 102592001) e pe-los Juizados Especiais da Fazenda Puacuteblica Estadual e Municipal (Lei nordm

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121532009) Dito isto saliente-se que entendeu o legislador por limitar a quantidade de ferramentas recursais e procedimentais em nome de uma efetividade dos princiacutepios alhures mencionados no instante em que res-tringe o cabimento dos recursos quais sejam os Embargos de Declaraccedilatildeo (dirigido em face de sentenccedila de piso decisatildeo monocraacutetica e acoacuterdatildeo da Turma Recursal constante nos arts 994 IV 1022 a 1026 do CPC e arts 48 a 50 83 da Lei 909995) Recurso Inominado (direcionado agrave Turma Recur-sal consoante art 41 a 43 da Lei nordm 909995) e o Recurso Extraordinaacuterio (Enunciado de Suacutemula nordm 640 STF) para as Cortes Superiores em situaccedilotildees excepcionais

Ademais aponte-se uma observaccedilatildeo quanto agrave limitaccedilatildeo dos Juizados Especiais Ciacuteveis a existecircncia de um importante instrumento juriacutedico plei-teado quando o jurisdicionado tem direito lesado ou sob ameaccedila por de-cisatildeo jaacute tratada em temaacuteticas interpretativas de lei federal qual seja o PE-DILEF ndash Pedido de Uniformizaccedilatildeo de Interpretaccedilatildeo de Lei Federal ao passo que sua viabilidade restringe-se aos JEFs (art14 sect 4ordm da Lei 102592001) e dos Juizados Especiais da Fazenda Puacuteblica (art18 sect 3ordm e 19 caput da Lei 121532009) haja vista que a Lei nordm 909995 natildeo inovou quanto a este instrumento Nesta senda o instrumento seraacute apontado nas hipoacuteteses de

a) Interpretaccedilatildeo de lei federal destoante entre Turmas Recursais de diferentes Estados

b) Decisatildeo de Turma de Uniformizaccedilatildeo que contrariar suacutemula do STJ

Outrossim cite-se a ediccedilatildeo da Resoluccedilatildeo nordm 032016 do STJ a qual restringiu o cabimento da Reclamaccedilatildeo dirigida a esta Corte na hipoacutetese de decisatildeo de Turma Recursal Estadual que contrariar jurisprudecircncia do STJ consolidada em a) incidente de assunccedilatildeo de competecircncia b) inciden-te de resoluccedilatildeo de demandas repetitivas (IRDR) c) julgamento de recurso especial repetitivo d) enunciados das Suacutemulas do STJ e) precedentes do STJ Desta forma a hipoacutetese de divergecircncia de entendimento jurispru-dencial entre Turmas Recursais de Juizados especiais criminais comuns de diferentes Estados natildeo desafia o manejo de Pedido de Uniformizaccedilatildeo de Lei Federal perante o STJ Ou seja estas limitaccedilotildees e vedaccedilotildees reforccedilam a ideia de que o instrumento possui grande limitaccedilatildeo pois seu rol se de-monstra taxativo

Sobre estes entraves apreciem-se os exemplos tais como o julga-mento (procedente) de do Incidente de Inconstitucionalidade nordm 0000948-2120188150000 da Segunda Seccedilatildeo Especializada Ciacutevel do TJ-PB cuja

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relatora a Des Maria das Graccedilas M Guedes asseverou que o STJ natildeo de-teacutem competecircncia legislativa para ampliar as atribuiccedilotildees jurisdicionais do TJPB por ser tema da competecircncia a ser regulado pelo proacuteprio Estado Federado no exerciacutecio da autonomia poliacutetico-administrativa assegurada na CRFB88 e materializada no artigo 1ordm da sua Constituiccedilatildeo Estadual Ainda elucida que aleacutem da autonomia aludida o STF no julgamento do RE nordm 571572-BA declarou ser competente o STJ para dirimir divergecircncia entre decisotildees proferidas pelas turmas recursais estaduais e sua proacutepria jurisprudecircncia ateacute a criaccedilatildeo da turma de uniformizaccedilatildeo dos juizados espe-ciais estaduais No mesmo toar a relatora pontua que a referida Resoluccedilatildeo tambeacutem estaacute dissonante com o art 125 sect 1ordm da CRFB

Ainda aponte-se o julgado do TJMG sobre a mencionada arguiccedilatildeo

Ementa arguiccedilatildeo de inconstitucionalidade Reclamaccedilatildeo Resoluccedilatildeo nordm 3 de 2016 do STJ Fixaccedilatildeo de competecircncia Divergecircncia entre acoacuterdatildeo prolatado por turma recursal estadual e jurisprudecircncia do Superior Tribunal de Justiccedila Julgamento da Reclamaccedilatildeo pelos tribu-nais estaduais Inconstitucionalidade Incidente acolhido (Processo nordm 1000016039708-9001 Rel Caetano Levi Lopes DJe 15062018)

Destes cenaacuterios eacute possiacutevel afirmar que restam latentes os conflitos entre as Casas Judicantes brasileiras no que cerne implicitamente ao afas-tamento de novas atribuiccedilotildees de um lado e manutenccedilatildeo das agregaccedilotildees de anaacutelises pelas Cortes Maacuteximas de outro sob a alegaccedilatildeo de sobrecarga de demandas nos pretoacuterios situaccedilatildeo que no final acaba por tolhir os di-reitos e garantias estabelecidas na CRFB88

De outra banda com sua efetividade somente em 2017 delineou-se a efetividade da suspensatildeo nacional de determinada demanda por admis-satildeo do IRDR pelo STJ sob a gestatildeo do Min Paulo de Tarso Sanseverino oriundo do Tribunal Regional Federal da 4ordf Regiatildeo sob a Resoluccedilatildeo nordm 543 do Contran que trata da inclusatildeo de aulas em simulador de direccedilatildeo veicular para a obtenccedilatildeo da carteira nacional de habilitaccedilatildeo Pautado no art 982 paraacutegrafo 3ordm do Coacutedigo de Processo Civil (CPC) de 2015 o STJ por meio da Emenda Regimental 222016 introduziu em seu Regimento Interno o artigo 271-A estabelecendo que o presidente do tribunal pode-raacute suspender as accedilotildees que versem sobre o objeto do incidente por motivo de seguranccedila juriacutedica ou por excepcional interesse social

Neste contexto eacute criacutevel que as discussotildees acerca do tema ainda pre-cisam de ampla atenccedilatildeo dos aplicadores do direito bem como de apro-fundamentos dos estudos por parte dos doutrinadores uma vez que a

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aplicabilidade destes institutos prima pela seguranccedila juriacutedica pleno aces-so agrave justiccedila diminuiccedilatildeo das demandas convencionais como tambeacutem pelo caraacuteter satisfativo dos conflitos existentes na sociedade

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DIDIER JR Fredie Curso de Direito Processual Civil o processo civil nos tribunais recursos accedilotildees de competecircncia originaacuteria de tribunal e querela nullitatis incidentes de competecircn-cia originaacuteria de tribunal 13ordf ed Salvador Juspodium 2016

GONCcedilALVES Marcus V Rios Direito Processual Civil Esquematizado 11ordf ed SP Saraiva Edu-caccedilatildeo 2020

LENZA Pedro Direito Constitucional Esquematizado 24ordf ed SP Saraiva 2020

MORAES Alexandre de Direito Constitucional 35ordf ediccedilatildeo Atlas 2019

PINTO Oriana P de Azevedo Magalhatildees Abordagem Histoacuterica e Juriacutedica dos Juizados de Pequenas Causas aos atuais Juizados Especiais Ciacuteveis e Criminais Brasileiros ndash Parte II Disponiacutevel em lthttpswwwtjdftjusbrinstitucionalimprensacampanhas-e-pro-dutos artigos-discursos-e-entrevistasartigos2008abordagem-historica-e-juridica--dos-juizados-de-pequenas-causas-aos-atuais-juizados-especiais-civeis-e-criminais--brasileiros-parte-ii-juiza-oriana-piske-de-azevedo-magalhaes-pintogt Acesso em 16 nov 2020

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A melhoria da prestaccedilatildeo jurisdicional a partir do

fortalecimento das accedilotildees articuladas com oacutergatildeos de defesa

do consumidor em vista da desjudicializaccedilatildeo das demandas

1 Advogado Especialista em Direito do consumidor Mestrando em Direito Superin-tendente do ProconBA e Presidente da Associaccedilatildeo Brasileira de Procons ndash PRO-CONSBRASIL

Filipe de Arauacutejo Vieira1

Resumo O presente estudo surge motivado pela comemoraccedilatildeo dos 25 anos do COJE que nos leva a refletir sobre os avanccedilos experimen-tados ao longo deste tempo para projetar as nossas perspectivas futuras Com efeito sendo o direito uno e o Estado uma uacutenica forccedila manifestada pelo Executivo e pelo Judiciaacuterio as accedilotildees articuladas permitiram o enfrentamento ao volume e demandas o trabalho pre-ventivo e educativo para evitar o litiacutegio a busca pela conciliaccedilatildeo dos interessados inclusive por meacutetodos alternativos de soluccedilatildeo de con-flitos dentre outras iniciativas Balizar-se nos limites da prestaccedilatildeo do serviccedilo jurisdicional de qualidade e da garantia do acesso agrave justiccedila em contraponto com a desjudicializaccedilatildeo das demandas Nesta linha discutimos iniciativas e projeccedilotildees otimistas de evoluccedilatildeo social prin-cipalmente por considerar as iniciativas e parcerias realizadas com os oacutergatildeos de proteccedilatildeo e defesa do consumidor como o PROCONBA na consecuccedilatildeo dos fins comuns defesa do cidadatildeo na linha do quanto recomenda o Plano Nacional de Consumo e Cidadania

Palavras-chave Prestaccedilatildeo Jurisdicional Accedilotildees Articuladas Defesa do Consumidor Juizado Procon Conciliaccedilatildeo Desjudicializaccedilatildeo

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1 APRESENTACcedilAtildeO

A lei natildeo excluiraacute da apreciaccedilatildeo do Poder Judiciaacuterio lesatildeo ou ameaccedila a direito Assim institui o art 5ordm XXXV da Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica Federativa do Brasil de 1988 ao determinar a todo e qualquer indiviacuteduo o Direito de Acesso agrave Justiccedila Tem-se aqui uma claacuteusula peacutetrea e por isso qualificada em niacuteveis ainda mais relevantes no nosso ordenamento juriacutedico

O Poder Judiciaacuterio no alto das suas complexidades e do seu poder de atuaccedilatildeo na soluccedilatildeo de litiacutegios e contendas atraveacutes dos seus oacutergatildeos jurisdicionais acertou por bem em dividir-se de modo a qualificar a sua entrega agrave populaccedilatildeo Com isso para as causas mais ceacuteleres e de menor complexidade criaram-se os Juizados Especiais como uma das maiores transformaccedilotildees de real acessibilidade agrave Justiccedila

Tambeacutem chamada de Constituiccedilatildeo Cidadatilde a nossa lei maior vigente tambeacutem direcionou a Uniatildeo Distrito Federal e Territoacuterios bem como aos Estados a criaccedilatildeo de Juizados Especiais providos por juiacutezes togados ou togados e leigos Atribuiu competecircncia para a conciliaccedilatildeo o julgamento e a execuccedilatildeo de causas ciacuteveis de menor complexidade e infraccedilotildees penais de menor potencial ofensivo Com vistas agrave celeridade processual determi-nou-se ainda adoccedilatildeo de procedimentos oral e sumariacutessimo permitidos nas hipoacuteteses previstas em lei a transaccedilatildeo e o julgamento de recursos por turmas de juiacutezes de primeiro grau

Quando surgiram os Juizados Especiais foram tatildeo aderentes ao re-dimensionamento do Poder Judiciaacuterio brasileiro que as demandas co-meccedilaram a aumentar naturalmente como fruto de litigiosidade contida (WATANABE 2019) ganhando em relevacircncia e volume de processos Outro fenocircmeno natural decorrente foi a separaccedilatildeo didaacutetica da natureza das accedilotildees que migraram e se fizeram acontecer por meio dos juizados de modo a que fosse criadas as varas especializadas ciacuteveis de causa comum especializadas do consumidor especializadas de tracircnsito especializadas ateacute mesmo da fazendo puacuteblica A estas somem-se aquelas que funcio-nam junto ao juizado especial penal ou que foram criadas por algumas estruturas estaduais para tratar dos casos de violecircncia domeacutestica como resposta a um forte apelo da populaccedilatildeo pela atenccedilatildeo ao social

Boa parte dos estudos do Conselho Nacional de Justiccedila (CNJ) no lido das suas demandas debruccedilam-se hoje sobre o volume de proces-sos que tramitam nos Juizados Especiais em todo o paiacutes Isto porque

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embora sejam causas de menor complexidade e de menor valor envol-vido em termos de volumetria processual os juizados guardam consigo imenso potencial de concentrar demandas repetitivas E pelos criteacuterios atraveacutes quais se definem as competecircncias de um Juizado a quantidade de relaccedilotildees cotidianas ndash que podem gerar discussotildees litigiosas e com isso questionamentos levados ao conhecimento do judiciaacuterio ndash eacute igual-mente grandiosa

Diante deste cenaacuterio o presente estudo move-se por algumas inquie-taccedilotildees Uma delas versa sobre a dualidade daquilo que seria antagocircnico e aparentemente incongruente vez que ao tempo que o mandamento constitucional fala garantir o acesso a justiccedila muitos falam em Desjudicia-lizaccedilatildeo e diminuiccedilatildeo das demandas no judiciaacuterio Haveria entatildeo e de fato uma incongruecircncia nestas colocaccedilotildees

Outro raciociacutenio que nos ocorre em questatildeo seria quanto a loacutegica de soluccedilatildeo efetiva do problema Ao tempo que a justiccedila comum estava envolta em altiacutessimo volume de processos os Juizados Especiais surgiram como forma de ldquodesafogarrdquo a justiccedila comum Neste caso que agora satildeo os Juizados Especiais que estatildeo lidando com o excessivo volume de proces-sos em tracircmite qual seria a soluccedilatildeo para eles A Desjudicializaccedilatildeo deve ser defendida a todo argumento e a qualquer custo

Certamente sejam questionamentos sem uma resposta soacutelida con-creta e acabada para qual jaacute ressaltamos que o presente estudo natildeo se arvora do condatildeo de finalizar a discussatildeo nem de encerrar a mateacuteria

Guardamos a certeza poreacutem de que a expertise formada ao longo de 25 Anos dos Juizados Especiais do Tribunal de Justiccedila da Bahia em suas accedilotildees e realizaccedilotildees no lido com os problemas do cotidiano podem servir como fonte de informaccedilatildeo e inspiraccedilatildeo agravequeles que queriam re-solver os problemas da populaccedilatildeo e realizar a justiccedila de qualidade para o cidadatildeo

No presente estudo entatildeo delineamos o trabalho dos Juizados Espe-ciais ndash ao longo do seu surgimento e existecircncia arriscando-nos a projetar algumas perspectivas futuras ndash tomando por base as suas varas especia-lizadas de direito do consumidor considerando a articulaccedilatildeo com outros oacutergatildeos puacuteblicos e da administraccedilatildeo direta em especial a Superintendecircn-cia de Proteccedilatildeo e Defesa do Consumidor ndash PROCONBA

A melhoria da prestaccedilatildeo jurisdicional a partir do fortalecimento das accedilotildees articuladas com oacutergatildeos de defesa do consumidor em vista da desjudicializaccedilatildeo das demandas

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2 PREMISSAS E PROBLEMATIZACcedilAtildeO

21 VOLUME DE DEMANDAS E DADOS DO CONSELHO NACIO-NAL DE JUSTICcedilA (CNJ)

O Conselho Nacional de Justiccedila ndash oacutergatildeo integrante do Poder Judiciaacute-rio na forma do quanto disposto no art 92 I-A da Constituiccedilatildeo Federal incluiacutedo pela Emenda Constitucional nordm 452004 ndash atua de forma a aper-feiccediloar o trabalho do sistema judiciaacuterio paacutetrio de modo a ter suas accedilotildees sempre voltadas a assegurar os princiacutepios da eficiecircncia e da transparecircncia por parte dos demais oacutergatildeos judicantes de modo a promover o planeja-mento estrateacutegico e a governanccedila da Justiccedila brasileira

No exerciacutecio destas e de outras atribuiccedilotildees o CNJ promove a publi-caccedilatildeo do perioacutedico Justiccedila em Nuacutemeros publicado anualmente em sua versatildeo completa e mais objetivamente considerado atraveacutes de sumaacuterio executivo que apesentam os resultados e as percepccedilotildees acerca das de-mandas e litiacutegios em tracircmite no judiciaacuterio em todo o paiacutes

No caso do Justiccedila em Nuacutemeros 2020 ndash Sumaacuterio Executivo (CNJ 2020) anotam-se a existecircncia de 771 milhotildees de processos em tramitaccedilatildeo ao final de dezembro ressaltando como positivo o fato de ser o segundo ano consecutivo de reduccedilatildeo do nuacutemero de casos pendentes de modo que 2019 ndash ano analisado e divulgado agora em 2020 portanto fora de contexto de pandemia do coronaviacuterus e sem seus impactos ndash apresen-tou nuacutemeros proacuteximos daqueles observados em 2015 Ainda segundo a publicaccedilatildeo em comparaccedilatildeo com 2018 o nuacutemero de casos solucionados aumentos 116 Denota-se aqui o maior poder de soluccedilatildeo dos conflitos levados ao judiciaacuterio

Quando trata do Iacutendice de Produtividade do Magistrado (IPM) o es-tudo diz o seguinte

O relatoacuterio aponta o maior Iacutendice de Produtividade dos Magistrados (IPM) desde 2009 13 com meacutedia de 2107 processos baixados por magistrado (apesar da vacacircncia de 77 cargos de juiacutezes no ano de 2019)

O iacutendice de produtividade dos servidores da aacuterea judiciaacuteria tambeacutem cresceu (14) verificando meacutedia de 22 casos a mais baixados por servidor em relaccedilatildeo a 2018 (CNJ 2020)

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Ainda na publicaccedilatildeo o CNJ ao tratar da estrutura do Poder Judiciaacuterio anotou que O 1ordm grau do Poder Judiciaacuterio possui 14792 unidades judiciaacuterias nuacutemero semelhante ao apresentado no ano anterior

Natildeo obstante ainda na anaacutelise do sumaacuterio executivo destes nuacutemeros da justiccedila em 2019 aponta-se que 67 das comarcas brasileiras providas com uma vara satildeo juiacutezos uacutenicos da Justiccedila Estadual Essas unidades tecircm com-petecircncia para processar todos os tipos de feitos (CNJ 2020)

A soma destes dados datildeo ensejo ao entendimento de que natildeo houve aumento de comarcas ou novas unidades judiciaacuterias instaladas no paiacutes que ao contraacuterio chegou-se a minguar a quantidade de julgadores No Tribunal de Justiccedila do Estado da Bahia por exemplo o CNJ aponta a vacacircncia de 175 (cento e setenta e cinco) vagas para magistrados e de 6619 (seis mil seiscentos e dezenove) servidores ao tempo ainda em que alguns juiacutezos operam com a assistecircncia jurisdicional para todos os tipos de feitos

Quando fazemos o recorte das accedilotildees que tocam ao direito do con-sumidor nos juizados especiais o relatoacuterio Justiccedila em Nuacutemeros 2020 (CNJ 2020) em sua versatildeo completa eacute possiacutevel perceber que nesta aacuterea o as-sunto mais demandado eacute o exatamente o de responsabilidade do forne-cedor considerando ainda os pedidos de indenizaccedilatildeo e reparaccedilatildeo por dano moral que correspondem a 1554088 (hum milhatildeo quinhentos e cinquenta e quatro mil e oitenta e oito) de processos

Considerando o duplo grau de jurisdiccedilatildeo dos juizados assegurados pelas turmas recursais para aqueles que ficaram insatisfeitos com a tutela recebida a quantidade de processos eacute ainda mais significativa vez que 16 do total de processos que sobre versam sobre a reponsabilidade do fornecedor por dano moral e ouros 461 discutem por dano material

Preocupa-nos exatamente esta realidade de enfretamento diaacuterio dos magistrados que responsaacuteveis por juiacutezos uacutenicos tem que atender em to-das as aacutereas do direito em processos que podem ter origem e destinaccedilatildeo das mais diversas ordens possiacuteveis

Recobra-se pois a reflexatildeo sobre a qualidade desta prestaccedilatildeo jurisdi-cional vez que tramita-se e decide-se muito em quantidades crescentes mas que natildeo satildeo acompanhadas pelo igual ritmo de aparelhamento e estruturaccedilatildeo mesmo de quadro funcional

Uma reflexatildeo ainda cabiacutevel neste toacutepico versa sobre as alegaccedilotildees de quem entende haver a cultura da litigiosidade Natildeo nos aprece a mais ade-quada pois antes do litigio haacute o desrespeito ao direito e a desinformaccedilatildeo

A melhoria da prestaccedilatildeo jurisdicional a partir do fortalecimento das accedilotildees articuladas com oacutergatildeos de defesa do consumidor em vista da desjudicializaccedilatildeo das demandas

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Daqui decorreria a sensaccedilatildeo de falta e a inerente necessidade de buscar do amparo legal para recobrar algo que se entende ter sido desrespeitado

Assim nos ocorre nova linha de questionamentos se os consumido-res fossem de fato respeitados em seus direitos ou ao menos informados adequadamente ndash em face das suas vulnerabilidades teacutecnica e juriacutedica ndash seraacute que haveriam tantos litiacutegios judicializados A melhor forma de evitar a judicializaccedilatildeo poderia ser recolocar o foco na origem para que natildeo hou-vesse razotildees espaccedilo ou nem mesmo elementos ensejadores do litiacutegio Resolver na origem natildeo seria mais eficiente e mais econocircmico que atacar o resultado lsquojudicializaccedilatildeorsquo

22 NECESSIDADE DE SOLUCIONAR SEM JUDICIALIZAR AS DE-MANDAS

Os nuacutemeros apresentados para o quantitativo de processos satildeo bas-tante significativos e ajudam a dimensionar o problema vez que os Juiza-dos surgiram para desafogar a justiccedila comum e agora eacute preciso pensar em como desafogar os juizados

Kazuo Watanabe quando perguntado sobre um dos seus grandes feitos para o ordenamento juriacutedico brasileiro ndash teve participaccedilatildeo funda-mental na criaccedilatildeo da Lei nordm 9099 de 26 de setembro de 1995 que dispotildee sobre os Juizados Especiais Ciacuteveis e Criminais ndash ensinou

Diagnosticamos que estava havendo uma litigiosidade contida por-que as partes natildeo sabiam a quem ou como recorrer Notamos que o CPC ateacute poderia funcionar para pessoas que tivessem posse e condi-ccedilotildees mas natildeo funcionava para pessoas humildes Foi formulada uma proposta que facilitasse o acesso agrave justiccedila por parte de uma camada mais humilde Fui indicado pela Associaccedilatildeo Paulista de Magistrados juntamente com o professor Cacircndido Rangel Dinamarco para partici-par da comissatildeo elaboradora do anteprojeto de lei Essa lei significou o primeiro rompimento do modelo liberal-individualista que estava no CPC em que predominava a autonomia individual Essa lei foi um sucesso tanto que a Constituiccedilatildeo de 1988 a consagrou definitivamen-te (WATANABE 2019)

A desjudicializaccedilatildeo com isso se tornou em termo bastante em voga na ordem do dia de diversos oacutergatildeos e instituiccedilotildees que interagem com o ju-diciaacuterio no lido das suas atribuiccedilotildees Contudo aos nossos olhos parece que a desjudicializaccedilatildeo natildeo deva ser um fim a ser alcanccedilado por qualquer meio Eacute preciso em verdade pensar mais no caminho que neste resultado em si

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Isto porque as premissas e razotildees da justiccedila natildeo devam ser afastados da linha que traccedila a ideia de prestaccedilatildeo jurisdicional de qualidade com transparecircncia isonomia imparcialidade resolutividade e efetiva justiccedila aos assistidos Preservadas estas bases podem ser construiacutedas ferramen-tas alternativas de soluccedilatildeo de litiacutegios como forma de incentivas a conci-liaccedilatildeo a mediaccedilatildeo a autocomposiccedilatildeo e em casos de julgamentos entre iguais a arbitragem pode ser aplicada ressalvados neste caso os limites da Lei nordm 9307 de 23 de setembro de 1996

Na seara do consumidor para aleacutem do trabalho do trabalho dos Pro-cons uma boa perspectiva de soluccedilatildeo natildeo judicial ndash mas que oferece as mesas qualidades e premissas de compromisso puacuteblico com a soluccedilatildeo de conflitos ndash surge com os Procons e com a plataforma digital wwwconsu-midorgovbr criada e mantida pela Secretaria Nacional do Consumidor (SENACON) oacutergatildeo do Min da Justiccedila e Seguranccedila Puacuteblica e que seraacute abor-dada mais adiante

Para melhor dimensionarmos esta capacidade de soluccedilatildeo os dados oficiais datildeo conta que em 2019 foram realizados 2598042 (dois milhotildees quinhentos e noventa e oito mil e quarenta e dois) atendimentos pelos Procons com meacutedia de resolutividade geral na ordem de 791 dos aten-dimento atraveacutes dos primeiros atendimento estabelecendo linha direta do oacutergatildeo para com as empresas seja por uma ligaccedilatildeo telefocircnica ou envio de uma mensagem de correio eletrocircnico direcionada Quando considera o recorte de atendimento que tocam apenas aos serviccedilos e telecomuni-caccedilotildees os iacutendices de resolutividade sobem a 844 dos casos e quanto cuidam apenas de transporte aeacutereo baixam pouco ao patamar de 708 de soluccedilatildeo preliminar Evita-se com isso a discussatildeo em acircmbito judicial de forma bastante significativa

3 METODOLOGIA

As mesmas observaccedilotildees sociais que causaram as inquietaccedilotildees que motivaram o presente estudo levou ao aprofundamento da anaacutelise que ora se faz por meio do desenvolvimento do raciociacutenio logico-dedutivo A evoluccedilatildeo do pensamento se perfez por meio de leitura da legislaccedilatildeo para aleacutem do mero teto final mas conhecendo as justificativas destas leis envolvidas na mateacuteria socorrendo-se sempre que necessaacuterio dos ensina-mentos da doutrina e da jurisprudecircncia bem como coleta e apuraccedilatildeo dos dados graacuteficos e informaccedilotildees resultantes de estudos governamentais ins-titucionais e das organizaccedilotildees sociais nacionais e estrangeiras conforme pormenorizado nas referecircncias bibliograacuteficas

A melhoria da prestaccedilatildeo jurisdicional a partir do fortalecimento das accedilotildees articuladas com oacutergatildeos de defesa do consumidor em vista da desjudicializaccedilatildeo das demandas

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4 DIMINUICcedilAtildeO DA QUANTIDADE DE PROCESSO COM FOCO NA MELHORIA DA QUALIDADE DA PRESTACcedilAtildeO JURISDI-CIONAL

41 PLANO NACIONAL DAS RELACcedilOtildeES DE CONSUMO ndash PLAN-DEC

Na linha delimitada na apresentaccedilatildeo do presente estudo ajustou-se a anaacutelise a partir da defesa do consumidor cuja ancoragem principal ba-liza-se na Lei nordm 8078 de 11 de setembro de 1990 que instituiu o Coacutedigo de Defesa do Consumidor (CDC)

Numa eventual divisatildeo entre o Direito Puacuteblico e o Direito Privado po-demos assentar o Direito do Consumidor como uma codificaccedilatildeo que cuida da relaccedilatildeo entre particulares (fornecedor e consumidor) cujas normas po-reacutem satildeo de ordem puacuteblica e interesse social

Sobre isso Claudia Lima Marques ensina

O Coacutedigo de Defesa do Consumidor eacute uma lei de funccedilatildeo social traz normas de direito privado mas de ordem puacuteblica (direito privado indisponiacutevel) e normas de direito puacuteblico Eacute uma lei de ordem puacute-blica econocircmica (ordem puacuteblica de coordenaccedilatildeo de direccedilatildeo e de proibiccedilatildeo) e lei de interesse social (a permitir a proteccedilatildeo coletiva dos interesses dos consumidores presentes no caso) como claramente especifica seu art 1ordm tendo em vista a origem constitucional desta lei (MARQUES 2016)

Desta feita a relaccedilatildeo de consumo poderia ser reconhecida pela auto-ridade puacuteblica na defesa de interesses que socialmente devem prevalecer sobre os interesses pessoais Esta constataccedilatildeo decorreria do reconheci-mento da vulnerabilidade do consumidor conforme preleciona o art 4ordm I do CDC que ainda preconiza a interpretaccedilatildeo sempre com base na boa-feacute e no equiliacutebrio nas relaccedilotildees entre consumidores e fornecedores

Logo adiante no art 5ordm IV ao tratar das iniciativas para a execuccedilatildeo e instrumentalizaccedilatildeo da Poliacutetica Nacional das Relaccedilotildees de Consumo o coacute-digo previu a criaccedilatildeo de Juizados Especiais de Pequenas Causas e Varas Especializadas para a soluccedilatildeo de litiacutegios de consumo Nesta mesma li-nha editou-se o Decreto nordm 7963 de 15 de marccedilo de 2013 que instituiu o Plano Nacional de Consumo e Cidadania (PLANDEC) com a finalidade de promover a proteccedilatildeo e defesa do consumidor em todo o territoacuterio nacional por meio da integraccedilatildeo e articulaccedilatildeo de poliacuteticas programas e accedilotildees

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Eacute exatamente o que observamos na estrutura do TJ-BA por meio da sua Coordenaccedilatildeo dos Juizados Especiais (COJE) que aos nossos olhos aparece em posiccedilatildeo de destaque no cenaacuterio nacional pelo vanguardismo e por executar a diretrizes do PLANDEC quanto a promover a educaccedilatildeo para o consumo a garantia do acesso agrave justiccedila e a eficaz prestaccedilatildeo do serviccedilo puacuteblico para comunidade baiana

42 ACORDOS DE COOPERACcedilAtildeO TEacuteCNICA FORTALECENDO AS ACcedilOtildeES ARTICULADAS DOS OacuteRGAtildeOSSocorrendo-nos ainda do PLANDEC temos o seguinte dispositivo

Art 13 Para a execuccedilatildeo do Plano Nacional de Consumo e Cidadania poderatildeo ser firmados convecircnios acordos de cooperaccedilatildeo ajustes ou instrumentos congecircneres com oacutergatildeos e entidades da administraccedilatildeo puacuteblica federal dos Estados do Distrito Federal e dos Municiacutepios com consoacutercios puacuteblicos bem como com entidades privadas na for-ma da legislaccedilatildeo pertinente

Aqui mais que apenas a base legal para formulaccedilatildeo de termos de cooperaccedilatildeo teacutecnica acordos e convecircnio temos o posicionamento do le-gislador em valorizar e fomentar a articulaccedilatildeo entre os oacutergatildeos de defesa do consumidor constituindo-se no caso do Estado da Bahia um verdadei-ro sistema estadual de defesa do consumidor

Antes mesmo da ediccedilatildeo do PLANDEC esta diretiva jaacute guiava o Tribu-nal de Justiccedila do Estado da Bahia atraveacutes da Coordenaccedilatildeo dos Juizados e a entatildeo Secretaria da Justiccedila Cidadania e Direitos Humanos2 atraveacutes do PROCONBA que em 25 de janeiro de 2013 assinaram Termo de Coopera-ccedilatildeo Teacutecnica para trabalho em conjunto

O termo fora firmado com o fim uacuteltimo de obter maior efetividade agrave atuaccedilatildeo dos oacutergatildeos envolvidos e agilizar os serviccedilos jurisdicionais bem como facilitar o acesso agrave justiccedila do Consumidor resguardada a indepen-decircncia das instacircncias facilitando a defesa de seus direitos

Para tanto o Termo previa a homologaccedilatildeo pelo Poder Judiciaacuterio dos acordos firmados entre consumidores e fornecedores em mesa de audiecircn-cia realizada no PROCONBA visando constituiacute-los em tiacutetulos executivos

2 Atualmente denominada de Secretaria de Justiccedila Direitos Humanos e Desenvolvi-mento Social do Estado da Bahia conforme Lei Estadual nordm 13204 de 11 de dezem-bro de 2014

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judiciais nos termos do Art 57 da Lei nordm 909995 concorrente com Art 475-N inciso V do antigo Coacutedigo de Processo Civil3

Previa-se ainda a avaliaccedilatildeo dos avanccedilos alcanccedilados e das realizaccedilotildees construiacutedas para ao aproximar do seu prazo de vencimento o Termo ser renovado Lamenta-se contudo que na sucessatildeo dos fatos as opccedilotildees de gestatildeo reconsideraram suas anaacutelises e natildeo fizeram perpetuar o pacto de trabalho firmado

Eis aqui ponto fundamental a ser revisto pelas atuais gestotildees das pastas com vistas a retomar esta importante ferramenta de realizaccedilatildeo da justiccedila no estado da Bahia

Este apelo fica reforccedilado quando observam-se os comportamentos de Procons e tribunais de justiccedila de outros estados que entre si inspira-ram-se para a formulaccedilatildeo de termos de cooperaccedilatildeo com igual premissa de realizar justiccedila e compromisso de resolver demandas em auxiacutelio um do outro Eacute o que se tem registro para os estados do Maranhatildeo do Pernam-buco e de Minas Gerais por exemplo

43 FORTALECIMENTO DOS PROCONS COMO FORMA DE SO-LUCcedilAtildeO ADMINISTRATIVA DE LITIacuteGIOS DE MENOR COM-PLEXIDADE

Mais uma vez valendo-se do quanto disposto no Decreto nordm 79632013 o art 4ordm cuida dos eixos de atuaccedilatildeo do Plano Nacional de Consumo e Cidadania dentre eles temos o fortalecimento do Sistema Na-cional de Defesa do Consumidor (SNDC) e dos seus corolaacuterios no acircmbito estadual E para que haja este o fortalecimento o art 7ordm III complementa que a forma de fazecirc-lo seria por meio do ldquofortalecimento da atuaccedilatildeo dos Procons na proteccedilatildeo dos direitos dos consumidoresrdquo

Neste sentido existem diversos projetos de lei tanto na Cacircmara dos Deputados quanto no Senado que se dispotildeem exatamente a dar maior autonomia e poder de atuaccedilatildeo aos Procons como eacute o caso do Projeto de Lei nordm 51962013 que jaacute apresenta um razoaacutevel estaacutegio de avanccedilo vez que

3 Dado o tempo da assinatura a indicaccedilatildeo do texto do Termo referia-se ao art 475-N V da Lei nordm 5869 de 11 de janeiro de 1973 (antigo CPC) Atualmente o dispositivo corres-ponde ao art 515 III da Lei nordm 13105 de 16 de marccedilo de 2015 (novo CPC)

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jaacute fora aprovado na Comissatildeo de Defesa do Consumidor e na Comissatildeo de Constituiccedilatildeo e Justiccedila da casa aberta do Congresso Nacional

O PL 51962013 dentre as modificaccedilotildees previstas para a Lei nordm 807890 (CDC) pretende dar condiccedilotildees de que em caso de infraccedilatildeo agraves normas de defesa do consumidor os Procons coercitivamente pudes-sem aplicar medidas corretivas com fito de determinar substituiccedilatildeo ou reparaccedilatildeo do produto ou a devoluccedilatildeo da contraprestaccedilatildeo paga pelo consumidor mediante cobranccedila indevida ou ainda o efetivo cumpri-mento da oferta pelo fornecedor sempre que esta conste por escrito e de forma expressa

Caso o projeto virasse lei os Procons teriam ainda a autorizaccedilatildeo legal para ndash no caso de descumprimento do prazo fixado para a medida corre-tiva imposta ndash imputar multa diaacuteria graduada de acordo com a gravidade da infraccedilatildeo a vantagem auferida e a condiccedilatildeo econocircmica do fornecedor Natildeo obstante as decisotildees administrativas que aplicassem medidas corre-tivas em favor do consumidor constituiriam tiacutetulo executivo extrajudicial exequiacutevel pelo proacuteprio consumidor individualizado e especiacutefico para titu-laridade de um direito

A SENACON apoacutes levantamento apontou que em 2019 foram reali-zados 2598042 (dois milhotildees quinhentos e noventa e oito mil e quarenta e dois) atendimentos pelos Procons integrados ao Sistema Nacional de Informaccedilotildees de Defesa do Consumidor (SINDEC ndash aumento de 142 em relaccedilatildeo ao ano anterior com meacutedia mensal de 216 mil consumidores aten-didos

Pelos nuacutemeros que apresentam pelos levantamentos feitos pelo SIN-DEC o fortalecimento dos Procons mediante das parcerias como aquela que jaacute existiu entre o TJ-BA e o PROCONBA seriam uma alternativa viaacutevel de conduzir a uma boa soluccedilatildeo de conflitos com qualidade na entrega de atos de justiccedila agrave populaccedilatildeo

44 A PLATAFORMA WWWCONSUMIDORGOVBR COMO CA-NAL DE CONCILIACcedilAtildeO

O Consumidorgovbr criada com fundamento legal no art 4ordm inciso V do CDC concorrendo com o art 7ordm incisos I II e III do PLANDEC partiria das seguintes premissas 1) transparecircncia e controle social satildeo impres-cindiacuteveis agrave efetividade dos direitos dos consumidores 2) as informaccedilotildees apresentadas pelos cidadatildeos consumidores satildeo estrateacutegicas para gestatildeo e

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execuccedilatildeo de poliacuteticas puacuteblicas de defesa do consumidor e 3) o acesso a informaccedilatildeo potencializa o poder de escolha dos consumidores e contribui para o aprimoramento das relaccedilotildees de consumo

Para fins de registro neste mesmo periacuteodo segundo levantamento da SENACON os nuacutemeros de atendimento da plataforma wwwconsumi-dorgovbr de 780179 (setecentas e oitenta mil cento e setenta e nove) reclamaccedilotildees finalizadas conforme dados oficias

Segundo a sua criadora a plataforma Consumidorgovbr define-se como um serviccedilo puacuteblico que permite a interlocuccedilatildeo direta entre consu-midores e empresas para soluccedilatildeo de conflitos de consumo pela internet de forma raacutepida e desburocratizada Atualmente 80 das reclamaccedilotildees re-gistradas no Consumidorgovbr satildeo solucionadas pelas empresas que res-pondem as demandas dos consumidores em um prazo meacutedio de 7 dias

Para tanto e por buscar a efetividade da realizaccedilatildeo do atendimento ceacutelere ao cidadatildeo ao tempo que este necessitaria de cadastro e login na plataforma digital agraves empresas pressupunha a assinatura de termo de compromisso de modo a assegurar o tratamento diferenciado e propen-so agrave soluccedilatildeo do conflito atraveacutes da interatividade direta entre as partes em ambiente virtual poreacutem monitorado pela SENACON com auxiacutelio dos Procons

A plataforma jaacute se destaca na difusatildeo de uso entre oacutergatildeos de defe-sa do consumidor de modo que despertou a atenccedilatildeo do CNJ que junto com o Ministeacuterio da Justiccedila e Seguranccedila Puacuteblica por meio da SENACON assinaram um Termo de Cooperaccedilatildeo Teacutecnica para prever a utilizaccedilatildeo desta plataforma como uma das ferramentas oficiais de soluccedilatildeo extrajudicial de litiacutegios incentivando-se o seu uso antes mesmo da formalizaccedilatildeo de uma reclamaccedilatildeo nos balcotildees de acesso a justiccedila dos oacutergatildeos jurisdicionais

Este Termo embora vigente natildeo chegou a ser uma unanimidade de modo que recebeu algumas criacuteticas dentre as quais destacamos o fato de que ndash ao prever a tentativa conciliatoacuteria incentivada pela plataforma virtual ndash em termos praacuteticos alguns consideram que o Termo teria criado uma verdadeira nova condiccedilatildeo da accedilatildeo judicial cuja mateacuteria fosse o direito do consumidor Isto porque muitos causiacutedicos ao patrocinarem causas consumeristas dos seus assistidos tiveram as peticcedilotildees iniciais indeferidas liminarmente alegado natildeo ter havido a realizaccedilatildeo de tentativa conciliatoacute-ria por meio da plataforma

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Aqui entendemos pertinente as anotaccedilotildees que podem ser compro-vadas pelo empirismo de quem milita na aacuterea ao tempo que defendemos haver uma diferenccedila entre incentivar o uso de meacutetodos alternativos de so-luccedilatildeo de conflitos e impedir o acesso ao oacutergatildeo jurisdicional originaacuterio por meio de condicionamento compulsoacuterio de uso preacutevio de uma plataforma de atendimento remoto

5 CONCLUSAtildeO

Clausula peacutetrea na constituiccedilatildeo assegura o acesso agrave justiccedila inclusive gratuita em casos especiacuteficos ao tempo em que processualistas e doutri-nadores repetem incansavelmente a necessidade de desjudicializaccedilatildeo das demandas Isto porque o astronocircmico volume de processos dificulta a entrega de uma justiccedila e qualidade

Neste contexto e para diminuir a demanda especiacutefica das varas da Justiccedila Comum estruturou-se a criaccedilatildeo dos Juizados Especiais com a pre-missa de transparecircncia eficiecircncia e celeridade Estas por sua vez ficaram comprometidas pelo excesso de volume de processos que hoje ocupam as mesas dos juiacutezes togados juiacutezes leigos e conciliadores

A desjudicializaccedilatildeo entatildeo pode ser vista como um fim que natildeo vale-raacute por si caso venha a afastar uma situaccedilatildeo do judiciaacuterio sem que lhe ofe-reccedila no todo uma soluccedilatildeo justa Esta soluccedilatildeo por sua vez perpassa pelo compromisso do ente julgador em agir imparcialmente de forma impes-soal com celeridade e efetividade na prestaccedilatildeo da assistecircncia ao cidadatildeo

O recorte se mostra mais significativo no recorte feito no Direito do Consumidor vez que segundo CNJ responde pelo maior nuacutemero de pro-cessos em tramite nos juizados especiais quadro replicado na justiccedila estadual de grande parte das unidades da federaccedilatildeo

A leitura dos fundamentos e argumentos elencados no presente es-tudo sugerem que o foco deveria ser aprioristicamente na valorizaccedilatildeo e respeito ao consumidor pois isso evitaria o surgimento de um problema que por tambeacutem natildeo ser resolvido quando apresentado levaria o indiviacute-duo insatisfeito a demandar dos oacutergatildeos de defesa do consumidor ou do judiciaacuterio Respeitar o cidadatildeo consumidor portanto seria a forma mais ceacutelere e mais barata de se evitar a judicializaccedilatildeo

Neste desiderato tem-se nos PROCONS a figura de um oacutergatildeo da administraccedilatildeo direta com capacidade jaacute instalada ndash gozando de prestiacutegio social dado o poder de soluccedilatildeo e eficiecircncia que representam ndash do qual

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o Poder Judiciaacuterio poderaacute se valer para promover a entrega da justiccedila ao cidadatildeo sem necessariamente contar com a abertura de novos processos judiciais

A aproximaccedilatildeo entre tribunais e juizados em face dos Procons jaacute se mostrou frutiacutefero na Bahia hoje seguem outros estados havendo posi-cionamento oficial do CNJ o sentido de que se promova a melhoria da prestaccedilatildeo jurisdicional a partir do fortalecimento das accedilotildees articuladas com oacutergatildeos de defesa do consumidor em vista da desjudicializaccedilatildeo das demandas

REFEREcircNCIASBRASIL Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica Federativa 1988

______ Lei Federal nordm 8078 de 11 de setembro de 1990 Dispotildee sobre proteccedilatildeo do consumi-dor e daacute outras providecircncias

______ Lei Federal nordm 9099 de 26 de setembro de 1995 Dispotildee sobre os Juizados Especiais Ciacuteveis e Criminais e daacute outras providecircncias

______ Lei Federal nordm 9307 de 23 de setembro de 1996 Dispotildee sobre Arbitragem

______ Decreto Federal nordm 2181 de 20 de marccedilo de 1997 Dispotildee sobre a organizaccedilatildeo do Sistema Nacional de Defesa do Consumidor ndash SNDC estabelece as normas gerais de aplicaccedilatildeo das sanccedilotildees administrativas previstas na Lei nordm 8078 de 11 de setembro de 1990 revoga o Decreto Federal nordm 861 de 9 julho de 1993 e daacute outras providecircncias

______ Lei Federal nordm 10406 de 10 de janeiro de 2002 Coacutedigo Civil

______ Lei Federal nordm 13105 de 16 de marccedilo de 2015 Coacutedigo de Processo Civil

BAHIA Lei Estadual nordm 13204 de 11 de dezembro de 2014 Modifica a estrutura organizacio-nal da Administraccedilatildeo Puacuteblica do Poder Executivo Estadual e daacute outras providecircncias

Conselho Nacional de Justiccedila ndash CNJ Justiccedila em Nuacutemeros 2020 ano-base 2019 Brasiacutelia 2020 Disponiacutevel em lt httpswwwcnjjusbrwp-contentuploads202008WEB-V3-Jus-tiC3A7a-em-NC3BAmeros-2020-atualizado-em-25-08-2020pdf gt Uacuteltimo acesso em 08 de novembro de 2020

_______ Justiccedila em Nuacutemeros 2020 ano-base 2019 ndash Sumaacuterio Executivo Brasiacutelia 2020 Dis-poniacutevel em lt httpswwwcnjjusbrwp-contentuploads202008WEB_V2_SUMA-RIO_EXECUTIVO_CNJ_JN2020pdf gt Uacuteltimo acesso em 08 de novembro de 2020

______ Justiccedila em Nuacutemeros 2020 ano-base 2019 ndash Paineacuteis Brasiacutelia 2020 Disponiacutevel em lt httpspaineiscnjjusbrQvAJAXZfcopendochtmdocument=qvw_l2FPainelCNJqvwamphost=QVS40neodimio03ampanonymous=trueampsheet=shResumoDespFT gt Uacutelti-mo Acesso em 08112020

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______ Termo de Cooperaccedilatildeo Teacutecnica nordm 0162019CNJ ndash MJSP Disponiacutevel em lt httpswwwcnjjusbrwp-contentuploads202009TCOT-016_2019pdf gt Uacuteltimo acesso em 10112020

DONIZETTI Elpiacutedio Curso Didaacutetico de Direito Processual Civil 22 ed rev ampl e atual Satildeo Paulo Atlas 2019

GARCIA Leonardo de Medeiros Coacutedigo de Defesa do Consumidor Comentado artigo por artigo 13ordf ed rev ampl e atual Salvador JusPODIVM 2016

GRINOVER Ada Pellegrini FILOMENO Joseacute Geraldo Brito ET AL Coacutedigo Brasileiro de Defesa do Consumidor comentado pelos Autores do Anteprojeto 10ordf Vol I rev atual e refor-mulada Rio de Janeiro Forense Universitaacuteria 2011

MARQUES Claudia Lima BESSA Leonardo Roscoe BENJAMIN Antonio Herman de Vascon-cellos Manual de Direito do Consumidor ndash 7ordf ed Rev atual e ampl Satildeo Paulo Revista dos Tribunais 2016

Secretaria Nacional do Consumidor Ministeacuterio da Justiccedila e Seguranccedila Puacuteblica SINDEC Bole-tim ndash 2019 Disponiacutevel em lt httpswwwdefesadoconsumidorgovbrimages2020Boletim_Sindec_2019pdfgt Uacuteltimo acesso em 10112020

Tribunal de Justiccedila do Estado da Bahia Parceria entre e Tribunal de Justiccedila da Bahia e Procon vai fortalecer defesa dos Direitos do Consumidor Disponiacutevel em lt httpwww5tjbajusbrportal1234 gt Uacuteltimo Acesso em 08112020

WADA Ricardo Morishita (Coord) Os conflitos a regulaccedilatildeo e o direito do consumidor Rio de Janeiro Escola de Direito do Rio de Janeiro da Fundaccedilatildeo Getulio Vargas 2015 Dispo-niacutevel em lt httpsbibliotecadigitalfgvbrdspacebitstreamhandle1043813975Os20conflitos2c20a20regulac3a7c3a3ordm20e20o20direito20do20consumidorpdfsequence=1ampisAllowed=y gt Uacuteltimo acesso em 12112020

WATANABE Kazuo Reforma do CPC perdeu oportunidade de melhorar sistema das accedilotildees co-letivasrdquo Disponiacutevel em lt httpswwwconjurcombr2019-jun-09entrevista-kazuo--watanabe-advogado gt Uacuteltimo acesso em 10112020

A melhoria da prestaccedilatildeo jurisdicional a partir do fortalecimento das accedilotildees articuladas com oacutergatildeos de defesa do consumidor em vista da desjudicializaccedilatildeo das demandas

  • PrefaacutecioOs Juizados Especiais e o acesso agrave justiccedila
  • Dano moral natildeo eacute soacute sofrimento a crescente superaccedilatildeo do ldquomero aborrecimentordquo
    • Marcos Dessaune
      • Os juizados especiais e sua funccedilatildeo atemporal de acesso amplo agrave justiccedila
        • Alexandre Chini
        • Marcelo Moraes Caetano
          • A tutela do superendividamento como irradiaccedilatildeo dos direitos fundamentais nas relaccedilotildees de consumo
            • Fabiana Andreacutea de Almeida Oliveira Pellegrino
              • Primeiras linhas quanto ao impacto da Lei Geral de Proteccedilatildeo de Dados na forccedila probante dos documentos eletrocircnicos em processos submetidos aos Juizados Especiais de relaccedilotildees de consumo
                • Belmiro Vivaldo Santana Fernandes
                • Michelline Soares Bittencourt Trindade Luz
                  • O sistema multiportas como propulsor do acesso agrave Justiccedila no acircmbito do juizado de Fazenda Puacuteblica
                    • Ana Conceiccedilatildeo Barbuda Sanches Guimaratildees Ferreira
                    • Ana Baacuterbara Barbuda Ferreira Motta
                      • Contribuiccedilotildees da jurimetria para a administraccedilatildeo da justiccedila
                        • Caroline Dantas Godeiro de Araujo
                        • Eacuterica Baptista Vieira de Meneses
                          • O superendividamento tutelado no acircmbito do Sistema dos Juizados Especiais do Tribunal de Justiccedila do Estado da Bahia
                            • Maria Joseacute Oliveira e Silva
                              • Audiecircncia de conciliaccedilatildeo no acircmbito dos Juizados Especiais da Fazenda Puacuteblicaa indispensaacutevel concretizaccedilatildeodo acesso agrave ordem juriacutedica justa
                                • Maria Joseacute Oliveira e Silva
                                • Nataacutelia Cavalcanti de Arauacutejo
                                • Paula Gargur Calmon Teixeira da Silva
                                  • Desafios agrave aplicaccedilatildeo dos meacutetodos autocompositivos nas demandas de sauacutede suplementar construindo novos caminhos de acesso agrave justiccedila
                                    • Gabriela Silva Sady
                                    • Henrique Costa Princhak
                                    • Lucas Macedo Silva
                                      • Inovaccedilotildees tecnoloacutegicas no direito uma anaacutelise da (im)possibilidade de citaccedilatildeo por aplicativos de mensagem instantacircnea nos Juizados Especiais Ciacuteveis da Bahia
                                        • Amanda Leite Souza Alves
                                        • Lucas Duailibe Maia
                                        • Mariely Lago Vianna Nogueira
                                          • Direito fundamental agrave saude e ativismo judicial uma anaacutelise da jurisprudecircncia do Supremo Tribunal Federal
                                            • Ana Conceiccedilatildeo Barbuda Sanches Guimaratildees Ferreira
                                            • Ana Baacuterbara Barbuda Ferreira Motta
                                              • A fixaccedilatildeo da competecircncia nas accedilotildees de responsabilidade civil meacutedica em planos de sauacutede de autogestatildeo
                                                • Amanda Leite Souza Alves
                                                • Ana Paula Cruz de Santana
                                                • Rodolfo Oliveira Dourado
                                                  • Nuances da uniformizaccedilatildeo de jurisprudecircncia e advento do IRDR no CPC2015 para suas aplicabilidades nos Juizados Especiais
                                                    • Iuri Santos Ferreira da Silva
                                                      • A melhoria da prestaccedilatildeo jurisdicional a partir do fortalecimento das accedilotildees articuladas com oacutergatildeos de defesa do consumidor em vista da desjudicializaccedilatildeo das demandas
                                                        • Filipe de Arauacutejo Vieira
Page 3: COORDENAÇÃO DO SISTEMA DOS JUIZADOS ESPECIAIS …

CoordenadoraDra Fabiana Andreacutea de Almeida Oliveira Pellegrino

Organizaccedilatildeo da publicaccedilatildeoEacuterica de MenesesAssessoria JuriacutedicaCaroline GodeiroEacuterica de MenesesMaria Joseacute OliveiraNataacutelia CavalcantiPaula GargurTatiany Ramalho

Conselho EditorialCristiana Menezes SantosFabiana Andreacutea de Almeida Oliveira PellegrinoMoacir Reis Fernandes FilhoPablo Stolze GaglianoPaulo Roberto Lyrio PimentaRoxana Cardoso Brasileiro BorgesJaime Barreiros Neto

Data de fechamento 25112020

Diagramaccedilatildeo Caetecirc Coelho

ISBN 978-65-89459-01-9

4 Revista Novatio 1ordf ediccedilatildeo ndash 2020

Poder Judiciaacuterio do Estado da Bahia ISBN 978-65-89459-01-9

Sumaacuterio

Prefaacutecio Os Juizados Especiais e o acesso agrave justiccedila 6Fabiana Andreacutea de Almeida Oliveira Pellegrino

Dano moral natildeo eacute soacute sofrimento a crescente superaccedilatildeo do ldquomero aborrecimentordquo 12Marcos Dessaune

Os juizados especiais e sua funccedilatildeo atemporal de acesso amplo agrave justiccedila 15Alexandre ChiniMarcelo Moraes Caetano

A tutela do superendividamento como irradiaccedilatildeo dos direitos fundamentais nas relaccedilotildees de consumo 29Fabiana Andreacutea de Almeida Oliveira Pellegrino

Primeiras linhas quanto ao impacto da Lei Geral de Proteccedilatildeo de Dados na forccedila probante dos documentos eletrocircnicos em processos submetidos aos Juizados Especiais de relaccedilotildees de consumo 51Belmiro Vivaldo Santana FernandesMichelline Soares Bittencourt Trindade Luz

O sistema multiportas como propulsor do acesso agrave Justiccedila no acircmbito do juizado de Fazenda Puacuteblica 68Ana Conceiccedilatildeo Barbuda Sanches Guimaratildees FerreiraAna Baacuterbara Barbuda Ferreira Motta

Contribuiccedilotildees da jurimetria para a administraccedilatildeo da justiccedila 84Caroline Dantas Godeiro de AraujoEacuterica Baptista Vieira de Meneses

O superendividamento tutelado no acircmbito do Sistema dos Juizados Especiais do Tribunal de Justiccedila do Estado da Bahia 98Maria Joseacute Oliveira e Silva

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Audiecircncia de conciliaccedilatildeo no acircmbito dos Juizados Especiais da Fazenda Puacuteblica a indispensaacutevel concretizaccedilatildeo do acesso agrave ordem juriacutedica justa 110Maria Joseacute Oliveira e SilvaNataacutelia Cavalcanti de ArauacutejoPaula Gargur Calmon Teixeira da Silva

Desafios agrave aplicaccedilatildeo dos meacutetodos autocompositivos nas demandas de sauacutede suplementar construindo novos caminhos de acesso agrave justiccedila 126Gabriela Silva SadyHenrique Costa PrinchakLucas Macedo Silva

Inovaccedilotildees tecnoloacutegicas no direito uma anaacutelise da (im)possibilidade de citaccedilatildeo por aplicativos de mensagem instantacircnea nos Juizados Especiais Ciacuteveis da Bahia 140Amanda Leite Souza AlvesLucas Duailibe MaiaMariely Lago Vianna Nogueira

Direito fundamental agrave saude e ativismo judicial uma anaacutelise da jurisprudecircncia do Supremo Tribunal Federal 155Ana Conceiccedilatildeo Barbuda Sanches Guimaratildees FerreiraAna Baacuterbara Barbuda Ferreira Motta

A fixaccedilatildeo da competecircncia nas accedilotildees de responsabilidade civil meacutedica em planos de sauacutede de autogestatildeo 171Amanda Leite Souza AlvesAna Paula Cruz de SantanaRodolfo Oliveira Dourado

Nuances da uniformizaccedilatildeo de jurisprudecircncia e advento do IRDR no CPC2015 para suas aplicabilidades nos Juizados Especiais 187Iuri Santos Ferreira da Silva

A melhoria da prestaccedilatildeo jurisdicional a partir do fortalecimento das accedilotildees articuladas com oacutergatildeos de defesa do consumidor em vista da desjudicializaccedilatildeo das demandas 197Filipe de Arauacutejo Vieira

Sumaacuterio

6 Revista Novatio 1ordf ediccedilatildeo ndash 2020

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Prefaacutecio Os Juizados Especiais

e o acesso agrave justiccedila

A importacircncia do Poder Judiciaacuterio e em especial dos Juizados Espe-ciais para o acesso agrave Justiccedila adquire contornos ainda mais fortes em razatildeo da forccedila maior por que passamos tendo em vista toda a desconstruccedilatildeo de pilares convivenciais e as repercussotildees patrimoniais e imateriais na vida das pessoas

Atualmente nos vemos diante do desafio de compreender institutos juriacutedicos numa realidade caleidoscoacutepica pandecircmica e digital marcada pela instabilidade econocircmica fragmentaccedilatildeo de ideias e valores multiplici-dade de fontes juriacutedicas materiais e formais aleacutem de inovaccedilotildees tecnoloacutegi-cas que ressignificam os caminhos processuais

Os dados do relatoacuterio World Economic Outlook do Fundo Monetaacuterio Internacional ndash FMI avalia para 2020 uma recessatildeo global de 49 e no Brasil um recuo do Produto Interno Bruto na ordem de 91

O aumento dos gastos puacuteblicos para conter a pandemia e o afrouxa-mento fiscal foram fatores que naturalmente elevaram a diacutevida brasileira com o FMI para 1023 do PIB em 2020 e embora se projete melhora para o ano de 2021 com recuo da diacutevida para 1006 do PIB fato eacute que vivemos um periacuteodo de incertezas e uma forccedila maior da envergadura do Covid-19 fragiliza qualquer tentativa de futurologia

Na atualidade segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatiacutesti-cas ndash IBGE a taxa de desocupaccedilatildeo no paiacutes aumentou 276 somente nos primeiros quatro meses de pandemia somando mais de 137 milhotildees de desempregados com maior concentraccedilatildeo nas regiotildees norte e nordeste Ademais o consumo das famiacutelias caiu em torno de 125 no segundo trimestre do ano e o aumento do custo de vida impactou diretamente na adimplecircncia dos mais diversos contratos privados

Segundo a recente Pesquisa de Endividamento e Inadimplecircncia do Consumidor ndash PEIC de outubro de 2020 realizada pela Confederaccedilatildeo Na-cional do Comeacutercio de Bens Serviccedilos e Turismo ndash CNC 665 das famiacutelias brasileiras estatildeo endividadas com maior concentraccedilatildeo nos que recebem ateacute 10 salaacuterios miacutenimos Desses 433 estatildeo com diacutevidas atrasadas por periacuteodo superior a 90 dias 231 com comprometimento de mais de 50

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de sua renda mensal e 119 natildeo tem qualquer condiccedilatildeo de quitar as suas diacutevidas O vilatildeo desse endividamento eacute o cartatildeo de creacutedito (785) segui-do pelos carnes (164) financiamento de carro (107) financiamento de casa (99) creacutedito pessoal (86) creacutedito consignado (62)

Nesse cenaacuterio estaacute na ordem do dia a necessidade de diaacutelogos coo-perativos e leais entre os contratantes a necessidade de poliacuteticas puacuteblicas do Poder Executivo que previnam o aumento das causas do desemprego bem assim a urgecircncia de inovaccedilotildees legislativas que disciplinem as confli-tuosidades contemporacircneas e a atuaccedilatildeo firme do Poder Judiciaacuterio para efetivar direitos fundamentais

Eacute nesse cenaacuterio que no ano de 2020 comemoramos os 25 anos da Lei dos Juizados Especiais e 30 anos do Coacutedigo de Defesa do Consumidor leis que guardam relaccedilatildeo histoacuterica com o resgate da democracia solidari-zaccedilatildeo socializaccedilatildeo cidadania e acesso agrave justiccedila e que sendo visionaacuterias destinaram-se a realizar os objetivos fundamentais da nossa naccedilatildeo (art 3ordm da CF)

Tratam-se de duas leis de fundamentalidade constitucional uma principioloacutegica e outra processual desburocratizada de forte oralidade sendo o somatoacuterio de ambas o combustiacutevel e o veiacuteculo para a execuccedilatildeo de uma Poliacutetica Nacional das Relaccedilotildees de consumo (art 5 IV do CDC) e construccedilatildeo de uma sociedade livre justa e solidaacuteria que garanta a prote-ccedilatildeo dos direitos dos consumidores numa sociedade de notoacuteria prevalecircn-cia das forccedilas capitalistas de mercado em detrimento da vulnerabilidade teacutecnica juriacutedica e econocircmica do consumidor

Respeitados os limites de valor da causa mateacuteria sujeita ao procedi-mento especial complexidade bem como pessoas aptas a figurar como parte nas demandas de consumo os nuacutemeros apresentados pelo Conse-lho Nacional de Justiccedila no Relatoacuterio Justiccedila em Nuacutemeros 2020 demons-tram que os Juizados Especiais satildeo as portas escancaradas da Justiccedila para o amplo acesso de todo cidadatildeo que sofra lesatildeo ou ameaccedila a seu direito atraveacutes de um procedimento ceacutelere informal barato que preza sobremo-do pela soluccedilatildeo consensual do conflito

Segundo o Relatoacuterio Justiccedila em Nuacutemeros 2020 susomencionado embora tenhamos cerca de 8 juiacutezes por 100 mil habitantes (1 juiz para cada 12500 habitantes) distribuem-se 14000 novos processos a cada 100 mil habitantes Somente em 2019 foram distribuiacutedos mais de 20 milhotildees de casos novos na justiccedila de primeiro grau sendo os Juizados Estaduais responsaacuteveis por mais de 6 milhotildees trezentos e quarenta e cinco mil sen-

Fabiana Andreacutea de Almeida Oliveira Pellegrino

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tenccedilas (de um total de 22 milhotildees) portanto quase trinta por cento das sentenccedilas de primeiro grau do pais

Na Bahia foram distribuiacutedos em 2019 481684 processos e julgados mais de 540000 processos Numa deacutecada triplicaram a distribuiccedilatildeo e os julgamentos no sistema dos juizados especiais da Bahia Isso eacute resultado de aspectos positivos e negativos como as facetas de uma mesma moeda

Os positivos relacionam-se com a credibilidade depositada nessa via jurisdicional ceacutelere e efetiva a partir da fluidez da Lei Federal nordm 909995 cujos criteacuterios reitores permitem a desburocratizaccedilatildeo da justiccedila Outros-sim pode-se referir o trabalho incessante de informaccedilatildeo feito pelos oacuter-gatildeos privados e puacuteblicos a exemplo do que fazem os oacutergatildeos encarrega-dos da proteccedilatildeo do consumidor talhando assim um jurisdicionado mais consciente de seus direitos

Os negativos concentram-se nas crescentes lides artificiais na cultura do litiacutegio na fotografia de uma sociedade de consumo em que muitos fornecedores de produtos e serviccedilos relutam a se conduzir segundo os signos da boa-feacute objetiva e funcionalizaccedilatildeo dos contratos

Em relaccedilatildeo agraves demandas de massa vejam que o Coacutedigo de Defesa do Consumidor traz em seu bojo um rico manancial principioloacutegico com destaque para os seus conceitos abertos o que o torna permeaacutevel agraves no-vas conflitualidades (superendividamento os contratos e-commerce os que envolvam as criptomoedas etc) permitindo o pleno acesso agrave decisotildees justas a partir de uma adequada hermenecircutica

Natildeo haacute duacutevida de que a relaccedilatildeo simbioacutetica entre o CDC e a Lei Fede-ral nordm 909995 garante o pleno acesso agrave justiccedila Germinadas a partir dos comandos da Constituiccedilatildeo Federal de 1988 ambas materializam respec-tivamente o direito fundamental agrave defesa do consumidor (art 5ordm inciso XXXII da CF88) e o direito fundamental do acesso agrave justiccedila (art 5ordm inciso XXXV da CF88) entendido como direito agraves iniciativas e decisotildees social-mente justas que atendam ao vetor da funcionalizaccedilatildeo procedimental e efetiva soluccedilatildeo do litiacutegio

Percebemos que para aleacutem de ser uma questatildeo juriacutedico-formal o acesso agrave justiccedila traduz um problema de igualdade como deixa claro o art 10 da Declaraccedilatildeo Universal dos Direitos do Homem integrada ao nosso ordenamento juriacutedico por forccedila do art 52 sect 22 da Constituiccedilatildeo Federal de 1988 ao dispor que ldquoToda pessoa tem direito em plena igualdade a uma audiecircncia justa e puacuteblica por parte de um tribunal independente e imparcial para decidir de seus direitos e deveresrdquo

Prefaacutecio Acesso agrave Justiccedila Poder Judiciaacuterio e Direito do Consumidor

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Eacute indeleacutevel ser o procedimento permitido pela Lei Federal nordm 909995 o caminho mais eficiente para realizar a tutela dos direitos dos mais vulne-rabilizados equalizando-se a relaccedilatildeo negocial Natildeo eacute por outra razatildeo que a Lei Federal nordm 909995 atende aos questionamentos levantados com a primeira e terceira ondas tratadas por Mauro Cappelletti na pesquisa de-nominada Projeto Florenccedila na deacutecada de 70 dispondo ao cidadatildeo com enfoque na oralidade uma justiccedila desburocratizada raacutepida informal e barata que reconhece na fase conciliatoacuteria o acircmago da sua engrenagem dando contornos proacuteprios agrave noccedilatildeo de sociedade fraterna que preza pela harmonia social e soluccedilatildeo paciacutefica das controveacutersias

Vejam que a histoacuteria dos Juizados Especiais alvorece nos Estados Uni-dos a partir da primeira metade do seacuteculo XX com as denominadas Small Claimrsquos Courts e as Common Manrsquos Court cujo desiderato era justamente solver as questotildees ligadas agrave ampliaccedilatildeo do consumo de massa diante dos modelos tayloriano e fordista de produccedilatildeo

Eacute importante rememorar que agrave eacutepoca da Constituinte a sociedade brasileira estava emersa numa sociedade de consumo forjada ao longo da revoluccedilatildeo industrial sobretudo a partir da irradiaccedilatildeo do modelo de produccedilatildeo em seacuterie e consumo em massa

Jaacute viviacuteamos numa sociedade do desejo da cultura do endividamento de relaccedilotildees liacutequidas de uma moral social centrada na forccedila de consumo de contratos standartizados das chamadas contrataccedilotildees em silecircncio ou sem diaacutelogo das condutas sociais tiacutepicas (uso de tickets de caixas automaacute-ticos senhas recibos etc) de clara desigualdade do consumidor nas rela-ccedilotildees de consumo estimulando a procura da identidade pessoal e social a partir do pertencimento material

As modificaccedilotildees no modo de produccedilatildeo e na relaccedilatildeo entre o capital e o trabalho o redesenho consequente das relaccedilotildees sociais e comerciais no mundo tudo ocorria numa modelagem encadeada em detrimento da qualidade e seguranccedila dos bens e serviccedilos da precisa informaccedilatildeo aos consumidores vinculaccedilatildeo das ofertas com estabelecimento unilateral de claacuteusulas abusivas e leoninas que sobrepujavam os consumidores minguando a falsa ideia de que assegurando-se a liberdade contratual se estaria assegurando a justiccedila contratual

Portanto eacute justamente num ambiente de fortalecimento da cida-dania atendendo igualmente a um comando constitucional que a Lei Federal nordm 909995 surgiu disciplinando o rito dos Juizados Especiais nos Estados para garantir a amplificaccedilatildeo do acesso agrave Justiccedila de todos que

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estivessem com demandas diversas reprimidas e em especial as de con-sumo prestigiando sobremodo uma justiccedila participativa e coexistencial

Desse modo eacute possiacutevel afirmar que os Juizados Especiais represen-tam o revigoramento da legitimaccedilatildeo do Poder Judiciaacuterio perante o povo e do fomento agrave cultura juriacutedica no sentido da composiccedilatildeo amigaacutevel reve-lando-se notaacutevel instrumento de democratizaccedilatildeo de uma Justiccedila simples ceacutelere eficiente e natildeo onerosa afinal esse eacute o compromisso impliacutecito assu-mido pelo Estado quando vedou a autotutela oferecendo em contraparti-da o processo ao cidadatildeo

Eacute importante destacar que a Lei dos Juizados Especiais veio ao encon-tro de uma preocupaccedilatildeo mundial de tornar o Poder Judiciaacuterio acessiacutevel aos menos favorecidos inclusive os estendendo aos lugares onde ocorres-sem os conflitos prestigiando mesmo a ideia de tratamento comunitaacuterio ou de aproximaccedilatildeo do Ente Puacuteblico agrave vida social e ao povo fonte legiacutetima do Poder Democraacutetico permitindo ao cidadatildeo a pratica do proacuteprio direito

Natildeo foi de outra forma a previsatildeo da defesa do consumidor como direito fundamental e o Coacutedigo de Defesa do Consumidor como instru-mento para essa defesa como uma lei imperativa de ordem puacuteblica e in-teresse social que permitiu o intervencionismo estatal nas relaccedilotildees priva-das contratuais no intuito de relativizar ou mesmo controlar a liberdade contratual a partir de novos paradigmas dando sentido ao ideal de uma sociedade justa solidaacuteria e sobretudo igualitaacuteria

E por certo o ecircxito da atuaccedilatildeo estatal nas relaccedilotildees privadas de con-sumo perpassa por vias processuais racionalizadas para a contemporanei-dade como soacutei ser o procedimento dos Juizados Especiais

O proacuteprio Conselho Nacional de Justiccedila reconhecendo o papel pro-tagonista da resoluccedilatildeo alternativa dos conflitos para alcance dos objetivos estrateacutegicos do Poder Judiciaacuterio especialmente a responsabilidade social eficiecircncia operacional e pleno acesso ao Sistema de Justiccedila sedimentou essa diretriz na Resoluccedilatildeo 125 de 2010 revigorada sucessivamente em suas atualizaccedilotildees entre as quais merece destaque a mais recente Resolu-ccedilatildeo 326 de 2020

Isso inclusive vem ao encontro da Agenda 2030 que estabelece como 16ordm objetivo de desenvolvimento sustentaacutevel promover sociedades pacificas e inclusivas para o desenvolvimento sustentaacutevel proporcionar o acesso agrave justiccedila para todos e construir instituiccedilotildees eficazes responsaacuteveis e inclusivas em todos os niacuteveis

Prefaacutecio Acesso agrave Justiccedila Poder Judiciaacuterio e Direito do Consumidor

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Eacute preciso que se intensifique a poliacutetica nacional de soluccedilatildeo paciacutefica dos conflitos sob pena de restar prejudicado o proacuteprio acesso agrave justiccedila O CNJ tem sido incansaacutevel nessa lida o que bem demonstra a recente Resoluccedilatildeo nordm 3262020 na qual foram previstos os preciosos Centros Judi-ciaacuterios de Resoluccedilatildeo de Conflitos Regionais ndash CEJUSCs Regionais

Nessa senda calha ressaltar o projeto piloto de integraccedilatildeo entre os sistemas PJE e a plataforma Consumidorgov desenvolvido pelo Tribunal de Justiccedila do Distrito Federal e Territoacuterios assim como a plataforma Ne-gociaccedilatildeo Virtual no Projudi-BA desenvolvido pelo Poder Judiciaacuterio do Estado da Bahia nos Juizados Especiais vem ao encontro do pleno acesso agrave justiccedila em sua acepccedilatildeo mais consentacircnea com os propoacutesitos de soluccedilatildeo efetiva do conflito destacando-se a fase da conciliaccedilatildeo Do mesmo modo o Nuacutecleo de Prevenccedilatildeo e Tratamento do Superendividamento do Poder Judiciaacuterio da Bahia que se propotildee na esfera extraprocessual a tentar a conciliaccedilatildeo entre os contratantes de modo coletivo para possibilitar reco-meccedilos dignos dos endividados

Desse modo os Juizados Especiais realizam a funccedilatildeo social do pro-cesso datildeo especial valor agraves regras de experiecircncia comum buscam deci-sotildees mais justas e equacircnimes conforme os fins sociais da lei e exigecircncias do bem comum atendendo ao anseio popular de acesso a uma ordem juriacutedica justa

Por todo o escandido exaltemos os Juizados Especiais e continue-mos no empenho efervescente por seu fortalecimento lembrando sempre de Zigmunt Bauman quando disse que nenhuma sociedade que esquece a arte de questionar pode esperar encontrar respostas para os problemas que a afligem

Fabiana Andreacutea de Almeida Oliveira PellegrinoJuiacuteza Coordenadora do Sistema Estadual dos Juizados Especiais

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Dano moral natildeo eacute soacute sofrimento a crescente superaccedilatildeo do

ldquomero aborrecimentordquo

Marcos Dessaune1

1 Advogado consultor e palestrante autor da Teoria do Desvio Produtivo do Consumidor e do Coacutedigo de Atendimento ao Consumidor Customer Service Code aleacutem de membro do Instituto Brasilcon e da Comissatildeo Especial de Defesa do Consumidor do CFOAB

Em sua obra ldquoA induacutestria do mero aborrecimentordquo Miguel Barreto (2016) registra que a Emenda Constitucional 45 que foi promulgada em 2004 reformou o Poder Judiciaacuterio e criou o Conselho Nacional de Justiccedila (CNJ) Em 2009 o CNJ implantou metas de produtividade para o Poder Ju-diciaacuterio especialmente para reduzir o acervo de processos existentes bem como para que fossem julgados mais processos do que os distribuiacutedos durante o ano

Barreto acrescenta que objetivando evitar a multiplicaccedilatildeo de proces-sos gerados por condutas repetidamente abusivas de certos fornecedores naquela eacutepoca os tribunais brasileiros criaram uma ldquojurisprudecircncia defen-sivardquo ora para negar indenizaccedilotildees ora para reduzir seu valor de modo a desestimular novas accedilotildees

Nesse contexto surgiu a hoje chamada jurisprudecircncia do ldquomero aborrecimentordquo que pode ser resumida neste julgamento de 2009 do Superior Tribunal de Justiccedila (STJ) no Recurso Especial 844736DF ldquoSoacute deve ser reputado como dano moral a dor vexame sofrimento ou hu-milhaccedilatildeo que fugindo agrave normalidade interfira intensamente no com-portamento psicoloacutegico do indiviacuteduo causando-lhe afliccedilotildees anguacutestia e desequiliacutebrio em seu bem-estar Mero dissabor aborrecimento maacutegoa irritaccedilatildeo ou sensibilidade exacerbada estatildeo fora da oacuterbita do dano mo-ral porquanto tais situaccedilotildees natildeo satildeo intensas e duradouras a ponto de romper o equiliacutebrio psicoloacutegico do indiviacuteduordquo

Tal entendimento reverbera um conceito antigo de ldquodano moralrdquo cujo grande expoente no Brasil eacute o professor Sergio Cavalieri Filho Embora jaacute

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esteja superado pela doutrina contemporacircnea e pelo proacuteprio autor que atualizou seu entendimento tal conceito continuou a ser reproduzido in-discriminadamente no Direito brasileiro Nesse sentido Fernando Noronha (2013) acrescenta inclusive que existe uma ldquotradicional confusatildeordquo entre danos extrapatrimoniais e danos morais presente em praticamente todos os autores reputados como ldquoclaacutessicos nesta mateacuteriardquo

Sendo assim e com base em diversos autores como os proacuteprios Ca-valieri e Noronha passei a sustentar que os danos extrapatrimoniais por serem tradicionalmente chamados de ldquodanos moraisrdquo podem ser classifi-cados em duas espeacutecies dano moral stricto sensu e dano moral lato sensu O primeiro decorre da lesatildeo agrave integridade psicofiacutesica da pessoa ndash cujo re-sultado geralmente satildeo sentimentos negativos como a dor e o sofrimento ndash enquanto o uacuteltimo resulta da lesatildeo a um atributo da personalidade ou da violaccedilatildeo agrave dignidade humana

Apoacutes estudar a problemaacutetica na Teoria aprofundada do Desvio Pro-dutivo do Consumidor (DESSAUNE 2017) cheguei agrave conclusatildeo que o en-tendimento jurisprudencial de que o consumidor ao enfrentar problemas de consumo criados pelos proacuteprios fornecedores sofre ldquomero dissabor ou aborrecimentordquo e natildeo dano moral indenizaacutevel revela um raciociacutenio construiacutedo sobre bases equivocadas que naturalmente conduzem a essa conclusatildeo errocircnea O primeiro equiacutevoco eacute que o conceito de dano moral enfatizaria as consequecircncias emocionais da lesatildeo enquanto ele jaacute evoluiu para centrar-se no bem ou interesse juriacutedico atingido ou seja o objeto do dano moral era a dor o sofrimento a humilhaccedilatildeo o abalo psicofiacutesico e se tornou qualquer atributo da personalidade humana lesado O segundo (equiacutevoco) eacute que nos eventos de desvio produtivo o principal bem ou interesse juriacutedico atingido seria a integridade psicofiacutesica da pessoa consu-midora enquanto na realidade satildeo o seu tempo vital e as suas atividades existenciais ndash como trabalho estudo descanso lazer conviacutevio social e familiar etc O terceiro (equiacutevoco) eacute que esse tempo existencial natildeo seria juridicamente tutelado enquanto na verdade ele se encontra protegido tanto no rol aberto dos direitos da personalidade quanto no acircmbito do direito fundamental agrave vida Por conseguinte o loacutegico eacute concluir que as si-tuaccedilotildees de desvio produtivo do consumidor acarretam no miacutenimo dano moral lato sensu indenizaacutevel

Com a disseminaccedilatildeo da nova Teoria a partir de 2012 os tribunais bra-sileiros paulatinamente passaram a adotaacute-la e a aplicaacute-la assim iniciando um processo de gradual transformaccedilatildeo daquela jurisprudecircncia defensiva

Marcos Dessaune

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que ateacute entatildeo e em grande medida natildeo reconhecia a existecircncia de danos morais em casos em que eles estavam claramente presentes sob o fun-damento de haver ldquomero dissabor ou aborrecimentordquo normal na vida do consumidor

O auge da superaccedilatildeo da jurisprudecircncia em tela ocorreu em dezem-bro de 2018 quando o Oacutergatildeo Especial do Tribunal de Justiccedila do Rio de Janeiro (TJRJ) revogou por unanimidade de votos apoacutes provocaccedilatildeo da Ordem dos Advogados do Brasil ndash Seccedilatildeo do Rio de Janeiro (OABRJ) o Ver-bete Sumular 75 que havia sido criado em 2004 e ficara conhecido como a ldquoSuacutemula do Mero Aborrecimentordquo Tanto o pedido da OABRJ quanto a decisatildeo do TJRJ basearam-se na Teoria do Desvio Produtivo

Em dezembro de 2019 desejando avanccedilar ainda mais na defesa cons-titucionalmente garantida ao vulneraacutevel a OABRJ pediu ao mesmo TJRJ a sumulaccedilatildeo da Teoria do Desvio Produtivo para trazer mais proteccedilatildeo aos consumidores que a despeito de todos os recentes avanccedilos doutrinaacuterios e jurisprudenciais ainda satildeo lesados diariamente num de seus bens mais preciosos o seu tempo vital

Portanto eacute liacutecito concluir que dano moral natildeo eacute soacute sofrimento eacute tam-beacutem lesatildeo ao tempo ndash entre outros bens juridicamente tutelados Afinal o tempo eacute o suporte impliacutecito da vida que dura certo tempo e nele se desenvolve e a vida enquanto direito da personalidade e direito funda-mental eacute constituiacuteda de atividades existenciais que nela se sucedem

Texto publicado originalmente em httpwww5tjbajusbrportaldano-moral-nao-e-so-sofrimento-a-crescente-superacao-do-mero-aborre-cimento em 23102020

Dano moral natildeo eacute soacute sofrimento a crescente superaccedilatildeo do ldquomero aborrecimentordquo

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Os juizados especiais e sua funccedilatildeo atemporal de acesso amplo agrave justiccedila

1 Juiz de Direito do Estado do Rio de Janeiro (TJRJ) e Auxiliar da Presidecircncia do Supe-rior Tribunal de Justiccedila (STJ) professor da graduaccedilatildeo e da poacutes-graduaccedilatildeo da Univer-sidade Salgado de Oliveira ndash UNUVERSO membro titular da Academia Fluminense de Letras cadeira 50

2 Professor da Universidade do Estado do Rio de Janeiro ndash UERJ professor poacutes-doutro da Universidade de Copenhague membro titular da Academia Brasileira de Filologia cadeira 38

Alexandre Chini1

Marcelo Moraes Caetano2

Resumo Os Juizados Especiais criados no Brasil a partir da Lei 9099 de 1995 revelaram desde sua implementaccedilatildeo pendor democratizan-te e civilizatoacuterio O acesso direto agrave Justiccedila sem necessidade de inter-mediaccedilatildeo propiciou uma revoluccedilatildeo no campo juriacutedico Essa amplia-ccedilatildeo notoacuteria foi articulada por noacutes neste capiacutetulo com a investigaccedilatildeo que a sociologia e a filosofia fomentam em relaccedilatildeo aos fenocircmenos de massa e seus desdobramentos (ECO 1993) jaacute que os Juizados Espe-ciais por sua iacutendole de acessibilidade abarcam parte muito grande da populaccedilatildeo Ainda contrastamos esse fator com os conceitos an-tropoloacutegicos de ldquonormardquo ldquonormalidaderdquo e ldquonormoserdquo (CREMA LELOUP WEIL 2001 CAETANO 2020) que abrangem o ser humano em seu lado individual psicoloacutegico de sujeito mas tambeacutem em sua face so-cial e coletiva Assim propusemos a explicitaccedilatildeo de algumas ideias de campos do conhecimento como antropologia e sociologia que dialo-guem com a aptidatildeo inclusiva e civilizatoacuteria dos Juizados Especiais o que se confirmou mercecirc dos vinte e cinco anos de seu ecircxito no Brasil

Palavras-chave Juizados Especiais Inclusatildeo Normalidade Norma Normose

1 INTRODUCcedilAtildeO

No ano de 2020 podemos averiguar o ecircxito da implementaccedilatildeo dos Juizados Especiais a partir da Lei Federal nordm 9099 de 26 de setembro de 1995 Os vinte e cinco anos que avultam e sobressaem daquela entatildeo

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promissora proposta de alternativa jurisdicional ora se consagram como verdadeira revoluccedilatildeo no campo juriacutedico brasileiro

Muitos aspectos poderiam ser sintetizados da iniciativa O proacuteprio FONAJE ndash Foacuterum Nacional dos Juizados Especiais ndash denota o entusiasmo perpetuado pelo desenlace beneacutefico da referida Lei de 1995 Sua iacutendole desformalizada sincreacutetica amplamente democraacutetica sumariiacutessima fo-mentadora da mediaccedilatildeo e conciliaccedilatildeo indutora da resoluccedilatildeo paciacutefica dos conflitos tudo isso descongestionou os estoques processuais e como consequecircncia trouxe aliacutevio aos sujeitos cidadatildeos participantes da Justiccedila em seu fundo e forma mais apreciaacuteveis

No que se refere agrave sociologia eacute correto falarmos que o direito quan-do do ecircxito dos Juizados Especiais logrou atingir o que se enlaccedila com as questotildees de cultura de massa

Isso porque os Juizados Especiais revelaram arraigada vocaccedilatildeo para inclusatildeo extensa e intensa da populaccedilatildeo brasileira aumentando de forma estatisticamente comprovada o acesso agrave Justiccedila condiccedilatildeo fundamental para que se possa falar na existecircncia de um Estado Democraacutetico de Direito

Entendemos numa abordagem jusfilosoacutefica e cientiacutefica do direito que os aspectos antropoloacutegicos e discursivos da sociedade propiciam um panorama a um tempo amplo e profundo dentro dos limites compreen-didos pela extensatildeo exiacutegua desta anaacutelise do caraacuteter civilizatoacuterio que a Justiccedila e seus mecanismos e dinacircmicas operam

Assim ombreada agraves questotildees de cultura de massa amparadas por esses Juizados procedemos agrave anaacutelise da antropologia num de seus as-pectos natildeo apenas teoacutericos como tambeacutem praacuteticos ou aplicados todo o arcabouccedilo de que esta ciecircncia humana se vale para construir pontes que perpassem os aspectos inclusivos da sociedade Para tanto eacute mister que nos valhamos da pesquisa sobre itens da pauta como a chamada ldquonorma-lidaderdquo que se espelha na norma juriacutedica o caminhar dessa ldquonormalida-derdquo em direccedilatildeo a seu desgaste presente no quase inexplorado conceito psicossocial de normose (CREMA LELOUP WEIL 2001 CAETANO 2020) e por fim a atualizaccedilatildeo de novas ldquonormalidadesrdquo hauridas da presentifi-caccedilatildeo da vida real cambiante em seu equiliacutebrio dinacircmico o que requer atualizaccedilotildees das proacuteprias normas do direito a fim de que estas abarquem sempre natildeo apenas uma parte (hegemocircnica) da sociedade mas tambeacutem a populaccedilatildeo que doravante sai do campo perifeacuterico de acesso agrave Justiccedila galgando cidadania jurisdicional

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Nossa proposta neste capiacutetulo seraacute a breve apreciaccedilatildeo dos carac-teres de conteuacutedo e expressatildeo discursivos que causam os fenocircmenos sociais dos sujeitos culturais e juriacutedicos que compotildeem o amplo mosaico da Justiccedila Para isso reitere-se nosso ponto de partida seraacute a antropolo-gia a compreensatildeo do supracitado conceito de normose no campo desta ciecircncia humana e a subsequente anaacutelise de algumas consequecircncias do reconhecimento da importacircncia desse conceito no campo social e mais especificamente juriacutedico

Mas tambeacutem nos abrigamos na anaacutelise discursiva de outro meio de inclusatildeo ampla que promana das sociedades a discursividade dialoacutegica em seu estatuto de comunicaccedilatildeo de massa com as dialeacuteticas presentes nessa realidade

Se existe uma ciecircncia que se encampa no rol das ciecircncias complexas eacute a antropologia o estudo do ser humano dos pontos de vista psiacutequico social cultural Buscaremos aqui perquirir as questotildees que dizem respeito agrave inclusatildeo social em seus aspectos antropoloacutegicos Essa nossa investigaccedilatildeo se justifica pelo fato mesmo de haver articulaccedilatildeo notoacuteria da antropologia com o direito Sobretudo quando nos referimos aos Juizados Especiais cuja campanha primeira como salientamos assenta-se sobre a questatildeo de encarar as ferramentas inclusivas necessaacuterias para se dar guarida agrave maior parte possiacutevel da populaccedilatildeo Nesse aspecto salientaremos toacutepicos cultu-rais e discursivos que marcam a inclusatildeo aludida tratando de questotildees especiacuteficas da relaccedilatildeo dialoacutegica da imprensa como argumento de autori-dade com o grande puacuteblico a ser incluiacutedo no saber social

2 NORMALIDADE NORMA E NORMOSE REFLEXOtildeES SOBRE A INCLUSAtildeO E A CULTURA DE MASSA

A relaccedilatildeo entre ser humano e cultura desafia o senso comum em sua ilusatildeo de que o pensamento cartesiano pretensamente contempla as suas sutilezas infinitas O sono dogmaacutetico que Kant (2004) acusou natildeo pode repousar na antropologia e nos seus desdobramentos inevitaacuteveis agravequelas sociedades que se amparam no direito como forma de vivecircncia e convi-vecircncia

Antes de remeter diretamente agrave obra de Umberto Eco um dos pinaacute-culos desta discussatildeo (ECO 1993) cremos ser necessaacuteria uma breviacutessima incursatildeo na origem dos pensamentos que opotildeem a cultura de massa e a autoridade (a norma juriacutedica aplicada pelo juiz) na circunstacircncia da evo-caccedilatildeo do caraacuteter irretorquiacutevel por exemplo do Magister dixit dos escolaacutes-

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ticos em relaccedilatildeo ao grande estagirita (ARISTOacuteTELES 1983) autoridade das autoridades naquele contexto

Essa oposiccedilatildeo como sabemos remonta agraves discussotildees sobre o papel da pessoa enquanto ser criacutetico ou acriacutetico diante da informaccedilatildeo que seu meio de conviacutevio lhe proporciona seja ela denotativa ou conotativa Em outras palavras questiona-se haacute muito tempo nas searas da filosofia em geral e da filosofia da ciecircncia (epistemologia) em particular indo-se agrave praacutetica da filosofia do direito se a informaccedilatildeo que avanccedila sobre a pessoa encontra nesta um ser ativo ou passivo em dialogismo com aquela infor-maccedilatildeo ou como mero receptaacuteculo diante de um monoacutelogo inconteste

Isso estaacute intrinsecamente ligado ao fator de inclusatildeo que a cultura e comunicaccedilatildeo de massa propicia em seu diaacutelogo Falamos aqui das dis-cursividades plurais que emanam de todas as camadas ou ceacutelulas sociais Essa discussatildeo se potencializa quando a democracia clama pela inserccedilatildeo e integraccedilatildeo de todos os sujeitos como alto-falante referencial das massas nunca desvestida de apelo e manifestaccedilatildeo psiacutequica em suas normalidades inerentes a certos espaccedilos e tempos No outro voacutertice da dialeacutetica as insti-tuiccedilotildees democraacuteticas como mass media se valem da voz das autoridades que se representa na norma inclusive a juriacutedica tambeacutem atrelada a um espaccedilo e um tempo especiacuteficos Como essa dualidade dialoacutegica se sinteti-za num ambiente de apreccedilo e zelo agrave democracia criando a inclusatildeo iacutempar de que o instituto dos Juizados Especiais eacute ao mesmo tempo consequecircn-cia e uma das causas fundamentais

Teriacuteamos nesse encontro das vastas camadas da populaccedilatildeo com as vozes de autoridade sob a campacircnula da democracia o que podemos conceber como um gecircnero discursivo derivado ou indireto para citarmos a Teoria dos atos de fala da Pragmaacutetica Ou seja um ato de fala que natildeo deve ser consumido como se se tratasse de um gecircnero direto Natildeo se pode conceber esse fluxo dialoacutegico como se a informaccedilatildeo fosse um ato de fala constativo que pode ser submetido agrave verificabilidade de onde soacute se pode afirmar ldquosimrdquo ou ldquonatildeordquo Num niacutevel de conteuacutedo e expressatildeo trata-se de um enunciado performativo que pretende ldquoto do things with wordsrdquo (AUSTIN 1962) indo aleacutem da mera verificabilidade e atingindo uma accedilatildeo que se pretende alcanccedilar sendo proferido geralmente no plano da ex-pressatildeo em primeira pessoa no presente do indicativo e na voz ativa Essa mudanccedila de perspectiva em que o papel do Juizado eacute ldquofazer coisas com as palavrasrdquo eacute de caraacuteter profundamente cultural e civilizatoacuterio pois a

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autoridade ndash que emana do povo ndash volta-se ao povo num dosificado clima democraacutetico porquanto inclusivo

Natildeo se pode falar de democracia sem se compreenderem os fatores de inclusatildeo autoridade aceitaccedilatildeo diaacutelogo mudanccedila

Toda essa discussatildeo nasceu com a dialeacutetica socraacutetica (ateacute mesmo an-tes dela) levada agrave paacutetina da literatura por seu aluno desobediente Platatildeo Entre o plano das ideias e o plano das coisas em si pairava o fantasma do simulacro Este pode ser muito bem decalcado mutatis mutandis agrave media-ccedilatildeo performativa diante da ideia da autoridade que se expressa

Os grandes personagens de diaacutelogos de Soacutecrates-Platatildeo a esse respei-to satildeo o ldquoProtaacutegorasrdquo e o ldquoGoacutergiasrdquo eacute claro (PLATAtildeO 1997) Sofistas ambas as personalidades (ou autoridades) foram confrontadas com a existecircncia possiacutevel (e provaacutevel em Soacutecrates-Platatildeo) de uma Verdade Aletheia ou Lo-gos Veritas como se conclama no apanaacutegio de Harvard Assim ldquoo homem como medida de todas as coisasrdquo em Protaacutegoras era cruamente contrasta-do com o Logos socraacutetico-platocircnico esmaecendo Goacutergias ao menos era mais franco em sua forma de retoacuterica sofista recusando uma ldquovirtude uni-versalrdquo (Arete em idioma aacutetico) e relativizando-a de acordo com as classes sociais que perfaziam a Poacutelis Eacute nisso que Goacutergias mas natildeo Protaacutegoras se assemelha aos filoacutesofos ciacutenicos como Antiacutestenes e Dioacutegenes

Prosseguindo a triacuteade grega com Soacutecrates e Platatildeo o fundador do Liceu Aristoacuteteles de Estagira jaacute estudava a retoacuterica como forma de obter ldquomeios de provardquo Segundo ele como eacute consabido esses meios se inicia-vam com o Logos (um rastro de verdade) de seu Mestre Platatildeo mas ime-diatamente se desdobravam em Ethos (a adesatildeo a uma forma de discurso relativamente estaacutevel que encampa certo grupo de pessoas ou audiecircncia) e Pathos (a capacidade enunciativa de convencer aquela audiecircncia pre-tendida) Tratamos do assunto em outros artigos e mais detidamente em recente livro nosso (CAETANO CHINI 2020)

Saltando alguns seacuteculos encontramos em Marx (1988) e em sua dialeacutetica a distinccedilatildeo entre a ldquomassa criacuteticardquo e a ldquomassa de mais-valiardquo uma forma importante de relacionar a recepccedilatildeo dos enunciados perpassada pelo modo de produccedilatildeo capitalista Segundo Marx esses dois Ethi recupe-ram sistematizam e repassam a informaccedilatildeo (denotativa ou conotativa) em funccedilatildeo de seu papel socioeconocircmico numa estrutura herdada da Revolu-ccedilatildeo Industrial Inglesa burguesia e proletariado

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Chegamos finalmente aos tipos ldquoapocaliacutepticosrdquo e aos ldquointegradosrdquo que nomeiam a obra de Umberto Eco

Como sabemos o pensador poliacutemata Umberto Eco sistematizou a re-laccedilatildeo entre informaccedilatildeo (cultural ou referencial) e espectador (ECO 1993) indo ao zecircnite da discussatildeo que como mostramos se iniciou antes mes-mo de Soacutecrates e foi explicitamente ancorada com Marx Freud e a Escola de Frankfurt Ou seja toda a discussatildeo entre cultura de massa e cultura aristocraacutetica ou como temos falado aqui cultura criacutetica

O ldquoapocaliacutepticordquo de Umberto Eco como sabemos se metonimiza na figura do ldquosuper-homemrdquo natildeo apenas o de Nietzsche (Uumlbermensch) mas tambeacutem o da DC Comics surgido em 1938 numa revista em quadrinhos para a massa social O super-homem de Nietzsche natildeo se distancia tanto do personagem com muacutesculos de accedilo da induacutestria cultural Surgido em 1881 em Assim falou Zaratustra o pensador persa a quem Nietzsche daacute voz inquire e exorta ldquoEu vos ensino o super-homem O homem eacute algo a ser superado Que fizestes para superaacute-lordquo (NIETZSCHE 1998 p 112)

Num caso e noutro trata-se do protoacutetipo metafoacuterico (na acepccedilatildeo da Linguiacutestica cognitiva) do ser humano que tendo ou natildeo procedecircncia da massa dela se destaca passando a natildeo mais fazer parte de seu suposto rebotalho O super-homem de Nietzsche nasce da massa humano-terraacute-quea despertando do ldquosono dogmaacuteticordquo e da ldquonormoserdquo na sua acepccedilatildeo fundamental e tambeacutem na que proveacutem de parte significativa de nossas investigaccedilotildees sobre o tema mantendo uma normalidadenorma vigente Ao passo que o super-homem da DC Comics jaacute eacute aristocrata de nascenccedila pois veio do fictiacutecio planeta Krypton onde foi chamado como Kal-El O super-homem eacute o apocaliacuteptico a antecacircmara consoladora da nossa possi-bilidade de ascendermos sobre a massa normoacutetica e dotarmos de volume a nossa voz de autoridade Em outros termos eacute tambeacutem a possibilidade de mudanccedila de uma normanormalidade que tenha se tornado normose porque estaacute desgastada

Mas isso pode empurrar-nos a todos ao simulacro dos velhos e bons fundadores da Academia Soacutecrates e Platatildeo

O ldquointegradordquo por seu turno eacute aquela metoniacutemia que demonstra que a massa se posicione antes como espectador que goze da libaccedilatildeo acriacutetica do banquete discursivo

Cabe aqui portanto uma explicitaccedilatildeo do conceito de normalidade desgastada ou normose

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Cabe resumir a normose aqui () como um conjunto de pensamentos e comportamentos que satildeo sistematizados dentro de um consenso e aprovaccedilatildeo social tornando-se a ldquonormardquo o ldquonormalrdquo e a ldquonormalidaderdquo que satildeo ateacute mesmo incentivados dentro desse acircmbito e que no entanto satildeo patogecircnicos isto eacute levam a ldquosofrimentos doenccedilas e mortesrdquo como sintetiza Pierre Weil nesses trecircs substantivos (CAETANO 2020 p 132)

Os teoacutericos da miacutedia ao criarem o conceito de ldquoaldeia globalrdquo tatildeo equivocadamente equiparado por vezes aos conceitos de ldquoglobalizaccedilatildeordquo (o avanccedilo do turbocapitalismo) e o controverso ldquoglobalismordquo notam que agrave teoria da informaccedilatildeo por exemplo com sua ldquoCiberneacuteticardquo (do grego ldquoaquele que pilotardquo) foi acrescido um nuacutemero incalculaacutevel e extremamen-te impreciso de dados sons vozes imagens siacutembolos iacutecones signos Eles postulam que o que as mass media fornecem satildeo sempre dados e nunca informaccedilotildees em outros termos satildeo elementos de enunciado (dados) cuja interpretaccedilatildeo eacute que gera enunciaccedilatildeo (informaccedilatildeo)

Ou seja no meio das normalidades presentes nas sociedades haacute aquelas que satildeo normoacuteticas Isso satildeo dados que devem transformar-se em informaccedilatildeo agrave praacutetica legiferante a fim de que esta mude para atualizar-se a novas normalidades Todo esse movimento se concretiza na norma ju-riacutedica e em diaacutelogo com o povo nos proacuteprios atos democraacuteticos do juiz

Ao utilizar o argumento de autoridade a dialeacutetica democraacutetica natildeo deve apelar ao que supostamente seria um argumento teoloacutegico Afinal os especialistas na condiccedilatildeo prototiacutepica de ldquoapocaliacutepticosrdquo e natildeo de ldquointe-gradosrdquo fornecem a criacutevel ldquoinformaccedilatildeordquo lastreada pelo Magister dixit como vimos No plano da expressatildeo por isso mesmo retornamos isotopicamen-te ao ponto exprimem-se em primeira pessoa no presente do indicativo e na voz ativa com asserccedilotildees que se supotildeem irretorquiacuteveis em toda a sua tessitura devido ao grau de verificabilidade de que se municiam

Eacute necessaacuterio portanto exercer e exercitar o senso criacutetico mais do que em muitos outros casos O especialista fornece dados que satildeo descritivos e portanto dignos de reconhecimento e ateacute reverecircncia

Mas pode-se partir do verificaacutevel e empiacuterico para o especulativo que circunda os meios de massa ndash de mais-valia ou criacutetica Entatildeo numa demo-cracia madura a constituiccedilatildeo de massa criacutetica eacute fundamental para o equi-liacutebrio da balanccedila dialeacutetica de todas as instituiccedilotildees E esta eacute a condiccedilatildeo de existecircncia dos Juizados Especiais uacutenico mecanismo jurisdicional no Brasil em que a pessoa se apresenta diretamente agrave Justiccedila como porta-voz de si

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mesma falando e dizendo com grau distenso de formalidade ao juiz de quem promana o argumento de autoridade acerca de suas necessidades

Eacute interessante a metaacutefora que a obra Sapiens uma breve histoacuteria da humanidade (HARARI 2012) usa para descrever algumas tradiccedilotildees cultu-rais por certo acircngulo Ele as compara a um parasita que se hospeda no corpo da sociedade e vai se expandindo ateacute matar essa sociedade Aiacute a tradiccedilatildeo cultural-parasita morre junto eacute claro

Poreacutem como sabemos uma sociedade soacute se ergue como civilizaccedilatildeo a partir do momento em que compartilha valores o que vem a ser a gecircnese da cultura

O ser humano traz consigo imanentemente um lado individual e outro social (aqui pareado ao conceito de ldquouniversalrdquo) que Hegel sumariza nesta passagem

Na substacircncia universal poreacutem o indiviacuteduo natildeo soacute tem essa forma da subsistecircncia de seu agir em geral mas tambeacutem seu conteuacutedo O que ele faz eacute o gecircnio universal o etos de todos Esse conteuacutedo enquanto se singulariza completamente estaacute em sua efetividade encerrada nos limites do agir de todos O trabalho do indiviacuteduo para prover suas necessidades eacute tanto satisfaccedilatildeo das necessidades alheias quanto das proacuteprias e o indiviacuteduo soacute obteacutem a satisfaccedilatildeo de suas necessidades mediante o trabalho dos outros (HEGEL 1992 p 223)

Portanto vale uma questatildeo aqui tratar-se-ia assim de um paradoxo A mesma cultura (de caraacuteter intrinsecamente coletivo) que eacute condiccedilatildeo de nascimento de uma civilizaccedilatildeo levaraacute ao colapso dessa mesma civilizaccedilatildeo

Isso ocorre quando a tradiccedilatildeo cultural se transforma em normose que causa mais prejuiacutezos do que benefiacutecios por evidenciar-se numa nor-ma obsoleta E essa eacute entatildeo a trajetoacuteria da normose ela eacute uma parasita que sobrevive no corpo de uma sociedade ateacute tornaacute-la excludente no que se chama em direito de ldquoletra mortardquo

Obviamente a normose morre junto com esse dano momentacircneo ao direito e agrave sociedade

O direito possui relaccedilatildeo direta com esses elementos uma vez que deteacutem importantiacutessimo papel de sintetista das normas (fatos) sociais vi-gentes com o fito expresso de transformaacute-las em norma juspositiva isto eacute inserida no corpo do Ordenamento Juriacutedico de um determinado espaccedilo e tempo ndash seja a Constituiccedilatildeo sejam outras leis sentenccedilas peccedilas jurispru-decircncias doutrinas exegeses hermenecircuticas

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Eacute evidente que algumas tradiccedilotildees culturais jaacute natildeo satildeo mais autocircno-mas e legiacutetimas mas sim parasitaacuterias porquanto obsoletas e assentadas numa heteroniacutemia desconcertante e incoerente um impropeacuterio ao estado de direito de qualquer civilizaccedilatildeo coetacircnea Eacute um desses instantes em que o direito e a sociedade entram em descompasso Esse fator necessita de urgentes calibragens sem as quais natildeo se conseguiraacute atingir a inclusatildeo ampla de acesso agrave Justiccedila que os Juizados Especiais ampliaram ainda mais como temos dito

Ou seja certas normas de berccedilo cultural tornam-se exatamente o oposto do conceito etnoloacutegico e antropoloacutegico mais digno de cultura numa prova de que a distinccedilatildeo da polissemia que esse conceito encerra pode ser a chave para a compreensatildeo do paradoxo Em outras palavras quando uma tradiccedilatildeo cultural normoacutetica comeccedila a fazer naufragar uma ci-vilizaccedilatildeo eacute exatamente a cultura em seu estado vivente e puro que permi-te que essa mesma civilizaccedilatildeo se salve do naufraacutegio seja pela reinvenccedilatildeo de si mesma seja pelos novos caminhos encontrados no esteio da sua cul-tura mais perene pois eacute daiacute que se averiguaratildeo os costumes que serviratildeo de base agrave legislaccedilatildeo do futuro muitas vezes urgente no proacuteprio presente

Entatildeo retomamos isotopicamente a questatildeo todas as tradiccedilotildees cul-turais satildeo verdadeiramente tradiccedilotildees culturais que devem irrefletidamen-te ser deixadas de lado sem questionamento

O fato eacute que muitas vezes se trata de tradiccedilotildees culturais que natildeo re-pentinamente mas aos poucos transformaram-se em imensas normoses ldquoNormaisrdquo desgastados e patogecircnicos

E seu destino como comprova a antropologia (mais ateacute do que a histoacuteria) eacute o naufraacutegio

Esse naufraacutegio leva consigo a civilizaccedilatildeo que navegava nesse navio E outra civilizaccedilatildeo nasce agraves vezes dos escombros da civilizaccedilatildeo naufragada A cultura faz naufragar e a cultura faz renascer

Como na dialeacutetica hegeliana as sociedades se sustentam sobre pila-res de conservaccedilatildeo (tese) e inovaccedilatildeo (antiacutetese) e da fricccedilatildeo entre uma e outra nasce uma siacutentese que desmorona o que jaacute natildeo possui razatildeo para prosseguir tanto no seu lado conservativo quanto nas falaciosas inova-ccedilotildees que porventura natildeo passem de meros modismos invencionices ou novidades para serem consumidos e descartados A siacutentese eacute o julgamen-to do que haacute de justo na conservaccedilatildeo e o que haacute de justo na inovaccedilatildeo Satildeo forccedilas que os filoacutelogos clamaram agrave fiacutesica newtoniana para criar a metaacutefora

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socioloacutegica de forccedila centriacutepeta (conservaccedilatildeo) e forccedila centriacutefuga (inova-ccedilatildeo) Eacute uma mecacircnica social infraqueaacutevel

O berccedilo de uma civilizaccedilatildeo se daacute com a coerecircncia eacutetica e esteacutetica que a cultura propicia E essa cultura (ou parte dela) tende a se enregelar e transformar-se em tradiccedilatildeo cultural E quando essa tradiccedilatildeo cultural se calcifica torna-se uma normose que aponta a tumba da mesma socieda-de que nasceu daquela eacutetica e esteacutetica A partir daiacute eacute questatildeo de crono-metrar o seu decliacutenio

O direito entra nessa equaccedilatildeo A frase do jurista uruguaio Eduardo Couture eacute francamente lembrada ldquoTeu dever eacute lutar pelo Direito mas no dia em que encontrares em conflito o direito e a justiccedila luta pela justiccedilardquo Isso porque a ldquonormalidaderdquo desgastada que eacute intriacutenseca agrave normose natildeo pode mais ser normatizada a partir do momento em que se constata a obsolescecircncia de antigos ldquonormaisrdquo (COUTURE 1979 p 11)

O direito assim eacute dinacircmico pelo fato de que persegue a Justiccedila Como um nauta que navega guiado pelas constelaccedilotildees que permitiria que se repetisse a frase de Leonardo da Vinci ldquoNatildeo haacute como voltar atraacutes quando a meta satildeo as estrelasrdquo

A claacutessica obra Decliacutenio e Queda do Impeacuterio Romano (GIBBON 1989) tornou-se tatildeo icocircnica justamente por ter sido provavelmente a primeira que com outras palavras apontou que o Impeacuterio Romano se esfacelou por causa da sua entatildeo normose guerreira beligerante expansionista E prefaciando paacuteginas de horror da nossa histoacuteria recente o autor aponta a existecircncia de antissemitismo dentro da sociedade romana claacutessica o que se figurou terrivelmente ainda no traacutegico episoacutedio de shoah do holocausto judaico em pleno seacuteculo XX Tudo isso jaacute se tornara agrave eacutepoca do Senado de Roma um erro eacutetico e esteacutetico tiacutepico das normoses O decliacutenio foi apenas questatildeo de tempo Um poderoso impeacuterio de mais de mil anos se desman-telou como uma torre de areia

Em grande parte do mundo de hoje sobretudo na camada ocidental ou seja a porccedilatildeo da civilizaccedilatildeo humana moderna que vive sob o zecircnite do direito vemos que mesmo os temas humanistas antes considerados com-plexos e ateacute muito controversos tecircm granjeado um lugar ao Sol da Justiccedila As normoses estatildeo mais evidentes o que tem tornado a tarefa de aplicar o direito cada vez mais dinacircmica

Mesmo quando atuais normalidades natildeo satildeo ainda aceitas em deter-minadas comunidades o que observamos eacute que o nuacutemero da natildeo aceita-

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ccedilatildeo se daacute por uma margem miacutenima extremamente estreita e acirrada natildeo mais no que antes se daria por ampla e confortaacutevel extirpaccedilatildeo sumaacuteria Trata-se da explicitaccedilatildeo de que a normose jaacute foi detectada Agora eacute ques-tatildeo de tempo para que ela saia de campo fazendo histoacuteria e marcando o direito com letras novas

Natildeo eacute mais com tanto espaccedilo e folga de denegaccedilatildeo que temas antes altamente polecircmicos satildeo olhados cara a cara O divoacutercio com possibilida-de de novo casamento o voto feminino a eacutetica com os chamados animais irracionais a defesa de grupos que satildeo colocados em guetos como os idosos os negros os homossexuais a inclusatildeo anticapacitista e muitos outros pontos satildeo conquistas recentes da histoacuteria humana que natildeo se consumaram de forma unacircnime mas efetivamente se consumaram

O que antes levava a milhares de anos de interminaacutevel cacofonia de vozes estridentes como ferroadas salivando tinta e oacutedio no nascer de um Sol aparentemente de forma repentina (sem que o seja na verdade) mostra que mesmo um noacute cego se desfaz e (com a licenccedila do trocadilho) precisa enxergar a vida como ela eacute

A Justiccedila afinal de contas eacute um sentimento uma sensaccedilatildeo uma in-tuiccedilatildeo um raciociacutenio perpassando as quatro funccedilotildees psiacutequicas de Jung (1971) E na raiz dos fatos sociais quem dilapida uma normose mesmo que milenar eacute o sentido da Justiccedila que perpassa todo o psiquismo de um indiviacuteduo e indo aleacutem dele de uma sociedade

Eacute a velha metaacutefora da sabedoria dos anciatildeos do deserto que obser-vam que os catildees latem mas a caravana passa Eacute essa margem cada vez mais estreita e quase insustentaacutevel que deixa aflorar a raiz da normose que jaacute se descortinou e que jaacute daacute sinais da sua proacutepria morte enquanto parasita e da morte do corpo social que a alimenta que muito tenazmen-te renasce do aprendizado do reconhecimento dessas antigas normalida-des desgastadas

Costumamos dizer que a vida segundo a antropologia eacute comparaacutevel ao Bolero de Ravel uma melodia simples e linear com um toque de tam-bor (mais especificamente a caixa clara) em ritmo marcial impassiacutevel apa-rentemente daacute voltas sem sair do lugar mas sem que se perceba muito claramente o que acontece eacute uma evoluccedilatildeo sistemaacutetica que eleva a linha meloacutedica somando-se-lhe outras vozes que datildeo timbres e cores novas agravequela primeira melodia E essa melodia que parece estaacutetica e imutaacutevel nos conduz a um caleidoscoacutepio de prismas numa pletora de cores que cria uma paleta de tons e semitons que no fim envolvem tudo e todos

Os juizados especiais e sua funccedilatildeo atemporal de acesso amplo agrave justiccedila

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sem deixar ningueacutem injustamente no gueto incluindo-os na grande me-lodia humana Assim eacute o compasso da harmonia da Justiccedila

Entatildeo quando a tradiccedilatildeo cultural se torna normose essa parasita mata de inaniccedilatildeo o organismo social que a nutria O direito precisa estar atento a isso na medida em que eacute vocacionado agrave inclusatildeo cada vez mais ampla de pessoas agraves suas ferramentas de Justiccedila

E queiramos ou natildeo um novo corpo societaacuterio civilizatoacuterio surge e necessita da cultura em sua base para ter coesatildeo a qual se transformaraacute em tradiccedilatildeo cultural que tende a se transformar em normose e no fim da linha em parasita O direito estaacute sempre muito ativo nessa mudanccedila in-conteste Mesmo que isso aconteccedila no passar das geraccedilotildees humanas pois agraves vezes uma uacutenica geraccedilatildeo natildeo estaraacute pronta para enfrentar e derrubar esses paradigmas por mais insustentaacuteveis que eles sejam

Natildeo eacute sem beleza poeacutetica que noacutes os epistemoacutelogos soemos dizer que de berccedilo em berccedilo e de tuacutemulo em tuacutemulo as sociedades tal qual os idiomas e o direito com seu Ordenamento Juriacutedico que as sustentam vatildeo se transformando para adequarem-se agrave realidade natildeo agrave abstraccedilatildeo da obsoleta ldquoletra mortardquo ineficaz e ineficiente

No famoso binocircmio epistemoloacutegico dizemos que agraves ciecircncias natu-rais cabe o erklaumlren (explicar) ao passo que agraves ciecircncias humanas cabe o verstehen (compreender) A congregaccedilatildeo das ciecircncias constitui portanto a equanimidade que viceja do sentimento de Justiccedila

Eacute com a uniatildeo das ciecircncias tanto as naturais quanto as humanas que se nota que o meacutetodo cientiacutefico eacute sobreposto na triacuteade pesquisa-teo-ria-teste E que portanto as sociedades suas tradiccedilotildees culturais e suas normoses satildeo tanto explicaacuteveis quanto compreensiacuteveis Eacute nesse aspecto inerente agrave ciecircncia e agrave epistemologia que o direito pode perfeitamente ser concebido como uma ciecircncia

Suas hipoacuteteses satildeo endossaacuteveis quando suas teorias passaram por testes que as comprovaram ou se mostraram natildeo refutaacuteveis E isso se daacute quando haacute adequaccedilatildeo de normas a normalidades reais concretas efica-zes inclusivas democraacuteticas civilizatoacuterias Essa eacute a contribuiccedilatildeo da epis-temologia agrave explicaccedilatildeo e compreensatildeo da sociedade como elemento das ciecircncias naturais mas tambeacutem cultural e civilizacional elemento das ciecircn-cias humanas A ciecircncia do direito eacute arquitetada portanto sobre o mesmo arcabouccedilo das suas ciecircncias pares e possui como fiel da balanccedila a obser-

Alexandre Chini bull Marcelo Moraes Caetano

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vaccedilatildeo arguta de normoses que podem criar normas infeacuterteis e infrutiacuteferas socialmente

3 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS

A antropologia mostra que o naufraacutegio em um ideal ou normalidade obsoleta embora decirc a alguns a ilusatildeo da chegada nada mais eacute do que um naufraacutegio Se natildeo observarmos os sinais de submersatildeo de certas tradiccedilotildees culturais que natildeo mais se legitimam caso das normoses permitiremos que a sociedade como um todo aderne junto porque haveraacute um peso excessivo de pessoas e direitos excluiacutedos Eacute preciso estender-lhes o navio de um direito que conduza ao continente da Justiccedila A passagem de uma normalidade social refletida na norma juriacutedica agrave normose ou normalida-de desgastada deve ser frequentemente averiguada para que o direito e a Justiccedila estejam sempre em sincronia

Nesse aspecto o papel consolidado dos Juizados Especiais tem-se mostrado cada vez mais realista fundamental e podemos dizer humanis-ta Ao permitir o acesso direto do cidadatildeo agrave Justiccedila os Juizados Especiais tecircm cumprido com justificada celebraccedilatildeo sua vocaccedilatildeo dialoacutegica inclusiva democraacutetica cultural e civilizatoacuteria expandindo seu valor antropoloacutegico e social agravequelas pessoas que antes viam toldado o direito de amplo acesso agrave Justiccedila A exclusatildeo desse acesso eacute evidentemente uma normose a ser constantemente enfrentada

REFEREcircNCIASARISTOacuteTELES Toacutepicos Dos argumentos sofiacutesticos Traduccedilatildeo de Leonel Vallandro e Gerd

Bornheim 2ordf Ed Satildeo Paulo Abril Cultural 1983 197 p

AUSTIN J L How to do things withg words Oxford Oxford University Press 1962 712 p

CAETANO MM CHINI A Argumentaccedilatildeo juriacutedica indo aleacutem das palavras Brasiacutelia Edi-tora OAB Nacional 2020 145 p

CAETANO MM Em busca do novo normal reflexotildees sobre a normose em um mundo diferente Rio de Janeiro Jaguatirica 2020 181 p

COUTURE E Os mandamentos do advogado 3ordf Ed Traduccedilatildeo Ovidio A Baptista da Silva e Carlos Otaacutevio Athayde Porto Alegre Editora SAFE 1979 78 p

CREMA R LELOUP JY WEIL P Normose a patologia da normalidade Petroacutepolis Vozes 2011 312 p

ECO U Apocaliacutepticos e integrados Traduccedilatildeo Peacuterola de Carvalho 5ordf ed Satildeo Paulo Pers-pectiva 1993 386 p

Os juizados especiais e sua funccedilatildeo atemporal de acesso amplo agrave justiccedila

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GIBBON E Decliacutenio e queda do Impeacuterio Romano Traduccedilatildeo Joseacute Paulo Paes Satildeo Paulo Companhia da Letras Ciacuterculo do Livro 1989 521 p

HARARI YN Sapiens ndash Uma Breve Histoacuteria da Humanidade Traduccedilatildeo Janaiacutena Marcoan-tonio Porto Alegre LampPM 538 p

HEGEL Fenomenologia do espiacuterito Traduccedilatildeo Paulo Meneses 2ordf Ed Rio de Janeiro Vo-zes 1972 271 p

JUNG CG Tipos Psicoloacutegicos Traduccedilatildeo Aacutelvaro Cabral Rio de Janeiro Editora Vozes 1971 616 p

KANT I Kritik der reinen Vernunft 2ordf Ed Berlin Project Guttemberg 2004 181 p

MARX Karl O Capital Vol 2 Traduccedilatildeo Ricardo Musse 3ordf ed Satildeo Paulo Nova Cultural 1988 420 p

NIETZSCHE F Assim falou Zaratustra um livro para todos e para ningueacutem Trad Mario da Silva Rio de Janeiro Bertrand Brasil 1998 240 p

PLATAtildeO Goacutergias Traduccedilatildeo de Manoel de Oliveira Pulqueacuterio Lisboa Ediccedilotildees 70 1997 580 p

Alexandre Chini bull Marcelo Moraes Caetano

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A tutela do superendividamento como irradiaccedilatildeo dos direitos

fundamentais nas relaccedilotildees de consumo

1 Mestre em Direito Puacuteblico pela Universidade Federal da Bahia Juiacuteza Coordenadora do Sistema Estadual dos Juizados Especiais do Tribunal de Justiccedila do Estado da Bahia Magistrada titular da 19ordf Vara do Sistema dos Juizados Especiais do Consu-midor do Poder Judiciaacuterio do Estado da Bahia Poacutes-graduada em Direito Justiccedila e Cidadania pela Faculdade Mauriacutecio de Nassau Poacutes-graduada em Direito e Estado pela Faculdade Baiana de Direito Poacutes-graduada em Direito Civil e Processo Civil pela Universidade Estaacutecio de Saacute Integrante do Instituto Brasileiro de Poliacutetica e Direito do Consumidor ndash BRASILCON Integrante do Foacuterum Nacional de Juizados Especiais ndash FONAJE

Fabiana Andreacutea de Almeida Oliveira Pellegrino1

Resumo No modelo de consumo atual o creacutedito vulgarizou-se na generalidade das economias de mercado na medida em que a ur-gecircncia do ter e a descartabilidade dos produtos e serviccedilos fez do creacutedito a porta de acesso dos consumidores ao locus da visibilidade social Entretanto os contratos de creacutedito habitualmente se materia-lizam com abusividade diversas em descompasso portanto com o respeito agrave dignidade da pessoa humana que passa a ser encartada como um potencial de compra um ldquoproduto de vitrinerdquo Nesse con-texto com o propoacutesito de possibilitar o direito de recomeccedilo ao deve-dor de boa-feacute superendividado faz-se urgente a adoccedilatildeo de medidas eneacutergicas de educaccedilatildeo financeira e consumo sustentaacutevel bem assim intervenccedilotildees estatais que possibilitem a adequaccedilatildeo das contrataccedilotildees agrave funcionalizaccedilatildeo imposta por matrizes constitucionais A disciplina da concessatildeo responsaacutevel do creacutedito e a proposta de prevenccedilatildeo e tratamento do fenocircmeno do superendividamento vem ao encontro de um paradigma eacutetico e solidarista verdadeiro valor chave para a compreensatildeo da racionalidade hermenecircutica das relaccedilotildees privadas de consumo entendidas como ponto de encontro de direitos funda-mentais

Palavras-chave Consumo contrato creacutedito direitos fundamentais funcionalizaccedilatildeo superendividamento prevenccedilatildeo tratamento

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1 INTRODUCcedilAtildeOA ideologia do consumismo e a sua engrenagem de artificialidades

propondo que a moral da sociedade estaacute na forccedila do consumo conduzem intencionalmente ao sentimento de vazio para que os sujeitos estejam permanentemente em busca do seu preenchimento atraveacutes de movimen-tos inorgacircnicos e crescentes de consumo natural comando ditatorial da ordem produtiva

Nesse cenaacuterio os detentores do poder econocircmico alimentam a maacute-quina do consumo abundante atraveacutes de publicidades poliacuteticas de marke-ting inclusive com uso da neurociecircncia (marketing invisiacutevel) e sociologia do consumo para captar o perfil do consumidor e fomentar o consumo simplesmente por uma voracidade capitalista de lucro sem o compromis-so eacutetico e social indispensaacutevel agrave uma comuna civilizada

Percebe-se que desde o primeiro contato social durante a execuccedilatildeo contratual e ainda no periacuteodo poacutes-contratual em regra as partes hipersu-ficientes teacutecnica juriacutedica faacutetica e economicamente resistem a se conduzir conforme o signo da solidariedade social e da boa-feacute contratual exercitan-do posiccedilotildees juriacutedicas de forma abusiva e praticamente estigmatizando diversos contratos de adesatildeo com claacuteusulas inadequadas que aviltam o verdadeiro sentido da autonomia privada e do equiliacutebrio contratual

Em contrapartida as partes vulneraacuteveis se curvam a uma espeacutecie de cidadania do consumo construiacuteda pela ordem produtiva levado-as a introjetar a ideacuteia de natildeo existir outra forma de alcanccedilar o bem-estar ou a auto estima a natildeo ser pelo desfrute dos produtos e serviccedilos que os faccedilam parecer ser melhores lhes concedam a distinccedilatildeo social

Desse modo a conduta contratual e social dos fornecedores de bens e serviccedilos especialmente em relaccedilatildeo aos serviccedilos financeiros acabam por traduzir em regra um claro desencontro com o vetor comportamental impresso no corpo da Constituiccedilatildeo Federal de 1988 sobretudo quando encartados os pesados encargos contratuais a captaccedilatildeo imprudente da clientela em geral enfim procederes que jaacute natildeo encontram assento em tempos de poacutes-miopia individualista

Dos excessos comportamentais (de consumo e oferta) resulta o su-perendividamento a denotar a impossibilidade global do devedor pes-soa fiacutesica consumidor leigo e de boa-feacute de pagar todas as suas diacutevidas atuais e futuras de consumo (ressalvadas as fiscais oriundas de delito e alimentos) em um tempo razoaacutevel com sua capacidade atual de rendas e patrimocircnio

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Nesses moldes o superendividamento reclama medidas eneacutergicas de educaccedilatildeo financeira e ao consumo sustentaacutevel que colimem prevenir o fenocircmeno assim como medidas que busquem o tratamento do fenocircme-no atraveacutes da intervenccedilatildeo estatal sempre com o propoacutesito de possibilitar o direito de recomeccedilo ao devedor de boa-feacute

A adoccedilatildeo de um sistema formal de falecircncia do consumidor pessoa fiacutesica fulcrado na educaccedilatildeo financeira e ambiental na limitaccedilatildeo da auto-nomia privada que conduza ao abuso de posiccedilotildees juriacutedica no incentivo agraves repactuaccedilotildees que possibilitem a quitaccedilatildeo das dividas com o resguardo da dignidade da pessoa humana e o miacutenimo existencial insere-se numa li-nha humanista e inclusiva sendo sua tutela essencial ao desenvolvimento sustentaacutevel da proacutepria economia e agrave proteccedilatildeo do consumidor que con-sequentemente teraacute uma oportunidade de reescrever sua histoacuteria sem o estigma da falha pessoal

Nesse encerro de ideacuteias o presente artigo se propotildee a destacar a importacircncia do sistema formal de tratamento do superendividamento do consumidor como forma de realizar o direito fundamental de proteccedilatildeo do consumidor alcanccedilar o desenvolvimento sustentaacutevel uma sociedade justa e solidaacuteria a reduccedilatildeo das desigualdades e a promoccedilatildeo do bem estar de todos como objetivos fundamentais da Republica Federativa do Brasil contribuindo por conseguinte com a formalizaccedilatildeo de um modelo de comportamento social mais autecircntico

2 RESSIGNIFICACcedilAtildeO FUNCIONAL DAS RELACcedilOtildeES PRIVA-DAS CONTRATO COMO PONTO DE ENCONTRO DE DIREI-TOS FUNDAMENTAIS

No encerro do discurso liberal o juiacutezo de valor sobre as obrigaccedilotildees e portanto o contrato era essencialmente estrutural perquirindo-se numa visatildeo isolacionista da respectiva relaccedilatildeo juriacutedica a ausecircncia de defeitos em sua formaccedilatildeo levando-se ao extremo o dogma do pacta sunt servanda sem consideraccedilatildeo ao conteuacutedo funcional do negoacutecio

Jaacute na ambiecircncia do Estado Social e dos fenocircmenos da repersonaliza-ccedilatildeo e despatrimonializaccedilatildeo das relaccedilotildees juriacutedicas rompeu-se a loacutegica indi-vidualista restaurando-se a primazia da pessoa humana no encontro do homem concreto da sociedade contemporacircnea que busca e promove um humanismo solidificado permeaacutevel agrave concepccedilatildeo do contrato como um instrumento a serviccedilo do desenvolvimento da pessoa sujeito ao projeto social constitucionalmente articulado

A tutela do superendividamento como irradiaccedilatildeo dos direitos fundamentais nas relaccedilotildees de consumo

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Desse modo tendo-se a Constituiccedilatildeo como coraccedilatildeo do ordenamento juriacutedico e dos princiacutepios eacuteticos normativos a relaccedilatildeo obrigacional patri-monial passou a ser ferramenta de atuaccedilatildeo do valor constitucional da dignidade da pessoa humana ganhando a autonomia privada novos con-tornos funcionais aptos a transformar a estrutura juriacutedica estanque numa dimensatildeo de equivalecircncia material fundada nas exigecircncias de sociabili-dade e solidariedade que enlaccedila os poderes puacuteblicos e cada um de seus membros

A partir dessa visatildeo ativa do ordenamento juriacutedico tem-se o Direito como instrumento de combate aos males da sociedade atraveacutes da impo-siccedilatildeo de um patamar superior de respeito e lealdade nas relaccedilotildees sociais e portanto de realizaccedilatildeo da justiccedila e da inclusatildeo sociais a partir dos para-digmas constitucionais

O paradigma solidarista eacute o valor chave para a compreensatildeo da racio-nalidade contemporacircnea A propoacutesito sob forte lente solidaacuteria Schreiber assevera (SCHREIBER p 51-52)

A solidariedade surge como valor chave para a leitura e compreensatildeo da nova racionalidade e origem inspiradora de accedilotildees que jaacute vem logran-do alterar a realidade social no iniacutecio do seacuteculo XXI Eacute essa solidariedade condicionada ao desenvolvimento da dignidade humana e informadora deste mesmo conceito que parece ser ndash mais que a proacutepria alusatildeo agrave digni-dade humana ndash o diferencial entre pensamento moderno e o pensamento contemporacircneo E a incorporaccedilatildeo desta solidariedade pelo direito como princiacutepio juriacutedico ndash e portanto como norma ndash diretamente aplicaacutevel agraves relaccedilotildees privadas eacute sem duacutevida uma alentadora novidade

Agrave margem da escolha ideoloacutegica que se faccedila a adequada descriccedilatildeo da solidariedade deve voltar-se para a verticalizaccedilatildeo dos interesses do homem para ceifar desigualdades subjetivas e regionais num cenaacuterio em que estaratildeo permanentemente indissociaacuteveis a solidariedade e a igualda-de na conformidade da dignificaccedilatildeo do homem (art1ordm III CF) erradicaccedilatildeo da pobreza diminuiccedilatildeo das diferenccedilas sociais (art 3ordm III CF) conforme solidificaccedilatildeo normativa no texto constitucional (NALIN 2002 177)

A solidariedade traz consigo a imagem do homem coletivo inserido numa comunidade viva e integrada traduzindo sobretudo uma disposi-ccedilatildeo eacutetica do ser humano de permitir o maior desenvolvimento de todos os homens (JUNIOR 2002 173) E eacute oportuno dizer que essa solidariedade contemporacircnea natildeo eacute coletivista mas humanitaacuteria pois se dirige ao de-

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senvolvimento da personalidade de todas as pessoas entre todas as pes-soas e natildeo do grupo natildeo se confundindo assim nem com o coletivismo nem com o individualismo (SCHREIBER p 50)

Natildeo eacute por outro motivo que nessa linha de coexistencialidade Perlin-gieri afirma a solidariedade como expressatildeo da cooperaccedilatildeo e da igualda-de na afirmaccedilatildeo dos direitos fundamentais de todos definindo outrossim a noccedilatildeo de dignidade social como o instrumento que confere a cada um o direito ao respeito inerente agrave qualidade de homem ou seja relaciona o conceito de dignidade agrave noccedilatildeo de solidariedade que soacute pode ser enten-dida como instrumento e resultado da dignidade humana (PERLINGIERI 2008 463)

Trata-se de paradigma eacutetico-solidarista a demandar uma forma de olhar atentamente a parte vulneraacutevel da relaccedilatildeo juriacutedica com solidarie-dade sobrepondo-se esse olhar a consideraccedilotildees de ordem econocircmica de modo a permitir assim ultrapassar juiacutezos lastreados na reprovaccedilatildeo da conduta lesiva e optar por fatores objetivos de imputaccedilatildeo do dever de reparar numa clara evidecircncia de forccedila para afastar a culpa como pressu-posto do dever de reparar

A solidariedade deriva da boa-feacute objetiva e eacute cacircnone interpretativo geral do ordenamento privado (NALIN 2002 p 179) e a solidarizaccedilatildeo conduz agrave distribuiccedilatildeo mais adequada dos riscos do contrato das perdas e custos sociais cargas e tensotildees no processo obrigacional e isso representa o perfil mais elevado da solidariedade social e poliacutetica (PERLINGIERI 2008 p 513)

Se a realizaccedilatildeo da justiccedila pressupotildee tratamento igualitaacuterio entre as partes iguais e desigual entre as partes desiguais justa eacute a distribuiccedilatildeo dos riscos nessa proporccedilatildeo entre as partes Desse modo sobre o credor penderatildeo os riscos inerentes agrave eventualidade do natildeo cumprimento ou do cumprimento impreciso da prestaccedilatildeo que lhe eacute devida e sobre o deve-dor os de ressarcir os danos causados pela inobservacircncia do programa obrigacional agrave exceccedilatildeo de causa estranha e natildeo imputaacutevel ou o exerciacutecio de uma posiccedilatildeo defensiva que provoque a violaccedilatildeo do dever contratual (CATALAN 2013 p 272)

Como bem pondera Nalin a justiccedila soacute passa a ser social quando se permite ao sistema ser informado com valores como a dignidade do ho-mem busca pela reduccedilatildeo da pobreza e das diferenccedilas regionais a tutela

A tutela do superendividamento como irradiaccedilatildeo dos direitos fundamentais nas relaccedilotildees de consumo

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dos hipossuficientes e vulneraacuteveis de modo que a dinamicidade do movi-mento social implicaraacute a dos seus proacuteprios valores (NALIN 2008 69)

Impotildee-se assim uma concepccedilatildeo social do contrato para a qual natildeo soacute o momento da manifestaccedilatildeo de vontade importa mas tambeacutem e prin-cipalmente os efeitos do contrato na sociedade e a condiccedilatildeo social e econocircmica das pessoas nele envolvidas

O fato de um sujeito de direito da relaccedilatildeo contratual ter recebido di-reitos fundamentais ao posicionar-se como consumidor influencia direta-mente a interpretaccedilatildeo da relaccedilatildeo contratual em que se encontra inserido O contrato de consumo passa assim a ser um ponto de encontro de direi-tos fundamentais devendo ser interpretado teleologicamente e conforme a Constituiccedilatildeo entendida esta como uma estrutura ldquoprogressistardquo sujeita a uma interpretaccedilatildeo dinacircmica

Na concepccedilatildeo claacutessica liberal repudiava-se qualquer ideia de justiccedila distributiva considerando-se o contrato intangiacutevel podendo ser exigido o cumprimento forccedilado junto ao Estado independente de qualquer com-provaccedilatildeo sobre a existecircncia de atos de cumprimento do contrato con-fianccedila ou ocorrecircncia de prejuiacutezo experimentado em razatildeo do natildeo cumpri-mento

No Brasil a construccedilatildeo de um distinto paradigma contratual passa pelo reconhecimento da dignidade constitucional das normas civis a par-tir da Constituiccedilatildeo Federal de 1988 que instaurou uma nova ordem juriacute-dica social e econocircmica destacando como objetivos fundamentais os ex-pressos no art 3ordm a fim de dar a nota paradigmaacutetica da nova visatildeo social

Nessa senda colorindo-se o contrato com as cores de um fenocircmeno social verifica-se a migraccedilatildeo de um individualismo contratual para a con-sideraccedilatildeo de uma pluralidade de sujeitos com variados perfis sobretudo diante da observaccedilatildeo de que frequentemente as relaccedilotildees contratuais pro-jetam efeitos para pessoas que nem sequer conhecem os seus termos

Tem-se assim o contrato como ldquoum siacutembolo da civilizaccedilatildeordquo (PEREIRA 2010 pag 11) fundado na ideia de justa distribuiccedilatildeo de ocircnus e lucros so-ciais numa ambiecircncia de equidade desempenhando na vida social con-temporacircnea muacuteltiplas funccedilotildees mas sempre com o propoacutesito de cumprir um objetivo promocional dentro do sistema juriacutedico qual seja a realiza-ccedilatildeo da pessoa humana

Encampando essa concepccedilatildeo civilizatoacuteria Caio Mario da Silva Pereira afirma que paralelamente agrave funccedilatildeo econocircmica aponta-se no contrato

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uma outra civilizadora em si a educativa deixando-se de lado a ideia pura e simples de antagonismo entre as partes para levar em conta os efeitos do contrato na sociedade

O resultado dessa mudanccedila de estilo de pensamento eacute que as leis ganham em funcionalidade optando-se por soluccedilotildees abertas que pos-sibilitem aos operadores do direito o uso de valores baacutesicos e princiacutepios sociais (MARQUES 2011 p 211-215)

A confianccedila eacute fotografada como necessidade eacutetico-juriacutedica (CARNEI-RO DA FRADA 2007 p 261-262) pois o contrato impotildee respeitar e res-ponder pela confianccedila que o outro ao contratar nele depositou e que as expectativas quanto a natildeo infraccedilatildeo dos ditames de correccedilatildeo ou razoabili-dade de conduta produzidos por essa confianccedila podem ser consideradas como fonte autocircnoma no direito obrigacional (MARQUES 2011 p 181)

A conscientizaccedilatildeo quanto a esse perfil de contrato eacute de extrema im-portacircncia na sociedade de consumo em que os consumidores estatildeo mais fragilizados e suscetiacuteveis aos influxos de um comeacutercio juriacutedico desper-sonalizado e desmaterializado atraveacutes das contrataccedilotildees massificadas ou standardizadas dos conhecidos contratos de adesatildeo ou condiccedilotildees gerais homogecircneos em seu conteuacutedo e dirigidos indistintamente a todos os consumidores ou mesmo atraveacutes das chamadas condutas sociais tiacutepicas

Nessas relaccedilotildees massificadas sendo uma realidade a desigualdade material entre partes com distintas forccedilas faz-se necessaacuteria a desigual-dade juriacutedica de tratamento que equilibre essas forccedilas Ronaldo Porto partindo do reconhecimento das diferenccedilas de status juriacutedico das pessoas afirma que progressivamente o Direito Social acabaraacute sendo um Direito de desigualdades de discriminaccedilotildees positivas contendo em si fisiologi-camente as ideias de reciprocidade e equiliacutebrio (MACEDO 2007 p 51-53)

Assim eacute imperativa a visatildeo da obrigaccedilatildeo como um processo social e juriacutedico (SILVA p 2006) mais complexo e duradouro do que uma simples prestaccedilatildeo contratual engessada em um dar e um fazer momentacircneos entre parceiros contratuais teoricamente iguais conhecidos e escolhidos livremente sobretudo porque envolve obrigaccedilotildees de conduta

A propoacutesito calha destacar a posiccedilatildeo valiosa de Menezes Cordeiro quando afirma que ldquoA obrigaccedilatildeo implica entatildeo creacuteditos muacuteltiplos e diz-se complexa tem vaacuterias prestaccedilotildees principais ou quando uma delas domi-ne em termos finais uma principal e vaacuterias secundaacuteriasrdquo (CORDEIRO 2013 p 586-591)

A tutela do superendividamento como irradiaccedilatildeo dos direitos fundamentais nas relaccedilotildees de consumo

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A intervenccedilatildeo do Estado na formaccedilatildeo dos contratos eacute exercida natildeo soacute pelo Poder Legislativo como tambeacutem pelos oacutergatildeos administrativos e pelo Poder Judiciaacuterio Nos contratos privados especialmente nos contra-tos de consumo essa intervenccedilatildeo assume papel de relevo no controle das claacuteusulas abusivas para proteccedilatildeo do mais fraco a partir do mandamento constitucional de proteccedilatildeo ao consumidor e do caraacuteter indisponiacutevel de ordem puacuteblica e fim social das normas do CDC

Nessa oacutetica o contrato como interseccedilatildeo de vontades dos privados estaacute sob a eacutegide de uma nova concepccedilatildeo de direito privado na qual os direitos fundamentais tem influecircncia direta nas relaccedilotildees privadas entre iguais ou desiguais impondo valores e vetores a serem respeitados de modo que quando se concretiza a boa-feacute concretizada restaraacute a dignida-de da pessoa humana

Quanto mais duradoura for a relaccedilatildeo mais destacados estaratildeo os deveres de cooperaccedilatildeo e adaptaccedilatildeo para uma maior possibilidade de ma-nutenccedilatildeo do viacutenculo contratual (SANDEL 2013 p 182)

Isso quer dizer que embora seja um pressuposto da democracia a autonomia privada natildeo tem nada de absoluta devendo ser conciliada com o direito das outras pessoas a uma idecircntica quota de liberdade e outros valores essenciais ao Estado Democraacutetico de direito como a auto-nomia puacuteblica (democracia) a igualdade a solidariedade e a seguranccedila o que justifica a restriccedilatildeo proporcional visando a otimizaccedilatildeo dos bens juriacutedi-cos em confronto atraveacutes de uma ponderaccedilatildeo de interesses

Aliaacutes foi a consagraccedilatildeo da solidariedade como norma constitucional e o reconhecimento da aplicabilidade direta das normas constitucionais sobre as relaccedilotildees privadas que impuseram a ressignificaccedilatildeo da autonomia privada de modo que mesmo estando certo comportamento expressa-mente autorizado por contrato ou lei eacute preciso verificar sua conformidade com a dignidade humana e a solidariedade social para soacute assim lhe ser assegurada a tutela pelo ordenamento juriacutedico contemporacircneo

Desse modo eacute inevitaacutevel que o Estado intervenha em situaccedilotildees con-cretas restringindo a autonomia privada seja para proteger a liberdade alheia seja para favorecer o bem comum e proteger a paz juriacutedica da sociedade atraveacutes da lei manifestaccedilatildeo da autonomia puacuteblica do cidadatildeo

Natildeo se perca de vista que a eficaacutecia horizontal dos direitos funda-mentais sobre as relaccedilotildees privadas estaacute atrelada agrave humanizaccedilatildeo da ordem juriacutedica que impotildee igualmente a observacircncia natildeo apenas da dignidade

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da pessoa humana mas tambeacutem a igualdade substantiva e a justiccedila social dado que os direitos fundamentais configuram o epicentro axioloacutegico da ordem juriacutedica

A filtragem da autonomia privada estaacute em consonacircncia com os va-lores eacuteticos e juriacutedicos mais caros agrave sociedade sendo imperativo ter-se sempre em mira que a seguranccedila juriacutedica natildeo eacute o uacutenico valor nem o mais importante almejado pelo direito estando ao seu lado ou acima dele o da justiccedila substancial que traduz a ideia de reciprocidade comutativida-de equivalecircncia material proporcionalidade (SANDULLI 1998 p 2) e da proacutepria distribuiccedilatildeo de riscos e ocircnus

Assim a maior ou menor atuaccedilatildeo da boa-feacute objetiva e o maior ou me-nor espaccedilo de exerciacutecio concedido agrave autonomia negocial estatildeo em direta dependecircncia da estrutura horizontalizada ou verticalizada simeacutetrica ou assimeacutetrica subjacente agrave relaccedilatildeo juriacutedica em causa Quanto maior o peso da horizontalidade maior seraacute o espaccedilo da autonomia negocial e com menor intensidade incidiraacute a boa-feacute em sua funccedilatildeo limitadora de direitos subjetivos formativos e posiccedilotildees juriacutedicas Inversamente quanto maior a assimetria (juriacutedica econocircmica informativa ou poliacutetica) mais diminuto seraacute o espaccedilo de exerciacutecio da autonomia e mais fortemente seratildeo irradia-dos os deveres e limites decorrentes da boa-feacute

O ldquobom direitordquo sabe se contrapor agraves razotildees econocircmicas quando ne-cessaacuterio para impedir a mercantilizaccedilatildeo da sociedade e promover a trans-formaccedilatildeo dessa sociedade para realizar as maiores chances de vida livre e digna para todos (PERLINGIERI 2008 p 509)

3 OPEN CREDITY SOCIETY

Observando-se a histoacuteria da civilizaccedilatildeo ocidental moderna percebe--se que o creacutedito vulgarizou-se na generalidade das economias de merca-do mais desenvolvidas tornando-se um instrumento estrutural fundamen-tal para incontaacuteveis famiacutelias embora com facetas positivas e negativas

Os efeitos positivos dessa democratizaccedilatildeo do creacutedito no plano ma-croeconocircmico foi logo percebido pelos americanos tendo sido responsaacute-vel pelo expressivo crescimento do paiacutes levando-o a ser a grande potecircn-cia mundial do seacuteculo XX Por isso se afirma que a partir da expansatildeo do creacutedito o mesmo deixou generalizadamente de ser entendido como sinocirc-nimo de ldquopobrezardquo ou de ldquoprodigalidaderdquo dele se utilizando indistintamen-

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te todas as classes sociais como mecanismo fundamental de dinamismo da economia (LEITAtildeO MARQUES 2000 p 16)

Daiacute se dizer que a evoluccedilatildeo do fenocircmeno creditiacutecio foi e continua sendo a mola propulsora do desenvolvimento econocircmico e verdadeiro instrumento transformador das sociedades A propoacutesito deve-se estar desperto para a reflexatildeo quanto a ldquofaceta sombriardquo do fenocircmeno consis-tente na patologia do endividamento que levado a extremo transveste--se de superendividamento responsaacutevel pela ruiacutena financeira e desestru-tura familiar de muitos nuacutecleos

No Brasil a venda direta a creacutedito por lojistas aos consumidores ex-pandiu-se nos anos 50 com o surgimento dos bancos de dados de prote-ccedilatildeo ao creacutedito que facilitaram muito a identificaccedilatildeo do consumidor e a consequente concessatildeo do creacutedito menos burocraacutetica e demorada

Apesar de as taxas de juros terem sido liberadas a partir da Lei 456564 o sistema financeiro brasileiro era regulado em funccedilatildeo da poliacutetica monetaacuteria para se trazer maior estabilidade agrave economia Entretanto mui-tas eram as exigecircncias burocraacuteticas e excessiva era a regulaccedilatildeo do creacutedito subsidiado e dos creacuteditos especiais (rural habitacional agraves microempresas etc) em razatildeo da instabilidade monetaacuteria da inseguranccedila quanto agrave sol-vabilidade dos agentes econocircmicos e das crises institucionais (ditadura militar) o que natildeo ensejou o desenvolvimento imediato do creacutedito livre observado nos paiacuteses desenvolvidos onde a demanda pelo consumo e a necessidade de conceder maior poder aquisitivo ao consumidor foram fatores decisivos que tensionaram os governos a incentivar a concessatildeo de creacutedito liberando as taxas de juros

A partir do advento do Plano Real nos idos dos anos 90 e do conse-quente controle da inflaccedilatildeo e estabilidade econocircmica o creacutedito no Brasil assumiu contornos extraordinaacuterios no que tange agrave economia de consumo e cultura do endividamento levando o Conselho Monetaacuterio Nacional a criar regras para o cheque e o cartatildeo de creacutedito

O ambiente de estabilizaccedilatildeo da moeda delineado pelo Plano Real fez com que instituiccedilotildees financeiras que antes tinham sua margem de lucro voltada essencialmente para captaccedilatildeo de depoacutesitos em virtude da alta inflacionaacuteria passassem a depender a partir do controle da inflaccedilatildeo do crescimento de operaccedilotildees a creacutedito encontrando na parcela da popu-laccedilatildeo que estava excluiacuteda do sistema formal de creacutedito uma verdadeira fonte lucrativa

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Desse modo as instituiccedilotildees financeiras passaram a fomentar o creacute-dito de forma ostensiva mirando sobretudo a parcela da populaccedilatildeo de baixa renda (a mais vulneraacutevel) antes excluiacuteda do sistema formal de creacute-dito Essa democratizaccedilatildeo do creacutedito assume relevo entre famiacutelias com rendimentos de ateacute 10 (dez) salaacuterios miacutenimos aposentados e pensionistas

Na medida em que ocorreu a expansatildeo do creacutedito ao consumo dis-puseram-se cartotildees de creacutedito de deacutebito cartotildees de loja creacuteditos pes-soais creacutedito para habitaccedilatildeo creacutedito automoacutevel creacutedito junto a particu-lares etc A explosatildeo do consumo e a vulgarizaccedilatildeo do creacutedito elevaram vertiginosamente as taxas de inadimplecircncia dos consumidores situaccedilatildeo que se alastrou na sociedade alcanccedilando diversos niacuteveis sociais em graus distintos de modo a configurar um verdadeiro fenocircmeno social

E note-se que outro natildeo poderia ser o caminho da expansatildeo do creacutedi-to O modelo de consumo consistente na urgecircncia do ter e na descartabili-dade dos produtos e serviccedilos fez do creacutedito a porta do acesso aos mesmos pelos consumidores hipervulneraacuteveis (considerados como tais tambeacutem os que ascenderam ao mercado de consumo recentemente como os da classe C D E) atraveacutes de muacuteltiplas formas de contrataccedilotildees as quais infe-lizmente natildeo tecircm primado pela reflexatildeo e ponderaccedilatildeo materializando habitualmente contratos nitidamente abusivos em detrimento da pessoa humana que passa a ser vista como um potencial de compra

Perceba-se que todo o glorioso sucesso do creacutedito e a sua vulgariza-ccedilatildeo se devem agrave transformaccedilatildeo do pensamento coletivo que afasta a co-notaccedilatildeo negativa que a histoacuteria lhe atribuiu para tornaacute-lo um instrumento de acesso agrave aquisiccedilatildeo de bens e reconhecimento social ainda que natildeo se disponha de meios materiais

Natildeo se trata simplesmente de elevaccedilatildeo do padratildeo de vida mas da proacutepria inclusatildeo do indiviacuteduo na sociedade de consumo a partir das es-colhas de consumo o que significa reconhecer que o creacutedito eacute tambeacutem sinocircnimo de status e serve de camuflagem da estratificaccedilatildeo social ao per-mitir ao indiviacuteduo adotar um estilo de vida caracteriacutestico da classe social superior agrave sua

Na qualidade de instrumento de criaccedilatildeo de moeda e elemento de dinamizaccedilatildeo da produccedilatildeo capitalista o creacutedito relaciona-se com a poliacutetica geral monetaacuteria jaacute que o Banco Central ou banco emissor reteacutem parte da moeda depositada por particulares para reduzir o multiplicador desta Por isso mesmo o Estado deve fiscalizar e intervir no mercado fixando

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limites de prazos de taxas e juros uma vez que o creacutedito ao consumidor eacute elemento ensejador do endividamento natildeo soacute de um indiviacuteduo ou classe social mas de toda uma coletividade

Desse modo o creacutedito necessaacuterio agrave sobrevivecircncia individual e do grupo social deve ser tratado como uma disciplina juriacutedica da extensatildeo da cidadania social ou mesmo de uma cidadania econocircmica sobretudo em relaccedilatildeo aos consumidores desfavorecidos que dependem desse creacutedito pois como afirma Simone Bolson ldquoter acesso ao creacutedito eacute modo de ser cidadatildeo de exercer a cidadania de ser considerado um igual nesta socie-dade de desiguaisrdquo (BOLSON 2007 p 189)

Natildeo eacute por outra razatildeo que Nichole Chardin afirmou que a moral da sociedade estaacute na forccedila do consumo (CHARDIN 1998 p 37) Nesse contex-to a doutrinadora francesa inclusive identifica os contratos de consumo e dentre eles o de creacutedito como o ponto mais alto dos contratos afetivos justamente em razatildeo da correlaccedilatildeo entre o consumo e o desejo

Nessa perspectiva embora seja o creacutedito uma atividade legiacutetima e normal em economia de mercado estando associado a seu desenvolvi-mento econocircmico melhoria da qualidade de vida e inclusatildeo social quan-do contratado em situaccedilatildeo de instabilidade financeira laboral e psicoloacute-gica ou na hipoacutetese de superveniecircncia dessa instabilidade na execuccedilatildeo contratual exsurge a sua faceta sombria diante do endividamento exces-sivo do consumidor

4 SUPERENDIVIDAMENTO SUAS CAUSAS E EFEITOS

O Superendividamento eacute a impossibilidade global do devedor pes-soa fiacutesica consumidor leigo e de boa-feacute de pagar todas as suas diacutevidas atuais e futuras de consumo (excluiacutedas as diacutevidas com o fisco oriundas de delito e de alimentos) em um tempo razoaacutevel com sua capacidade atual de rendas e patrimocircnio

Suas causas satildeo diversas passando pelo modelo societaacuterio agorista ausecircncia de educaccedilatildeo financeira falecircncia do estado social abuso das posi-ccedilotildees juriacutedicas por parte dos fornecedores acidentes da vida social dentre outros

O modelo societaacuterio agorista niilista hedonista e sem estratificaccedilatildeo predisposta fruto do capitalismo organiza as relaccedilotildees sociais a partir das escolhas de consumo numa estrutura panoacuteptica em que a forccedila produti-va constantemente vigia os consumidores para mantecirc-los numa engrena-

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gem de consumo que lhes signifique o reconhecimento social ainda que seja ao custo da integridade existencial desses consumidores

Nessa malha de realidade como pondera o psicoacutelogo Gustavo Bar-cellos ldquocomprar eacute um impulso ascendente de natureza espiritual que nos joga no eixo entre elevaccedilatildeo e mergulho Mas eacute tambeacutem um foco de fantasia portanto um lugar de alma nunca um gesto puro Diga-me o que compras e te direi quem eacutes Direi tambeacutem como patologizas e como ima-ginas a liberdaderdquo (BARCELOS 2008)

Costas Douzinas apoacutes asseverar que o contrato de propriedade sim-boliza o nascimento do sujeito alerta no sentido de que os objetos satildeo desejados natildeo por eles proacuteprios mas como um meio para o desejo de outras pessoas o que denota claramente que a subjetividade eacute construiacute-da simbolicamente para realizar os modelos de reconhecimento social (DOUZINAS 2009 p 287)

Nesse contexto a devoccedilatildeo ao consumo eacute definida como virtude do sujeito e o sujeito numa redenccedilatildeo moral se lanccedila ao consumo como um tranquilizante moral uma maneira de consolar-se ilusoriamente das des-venturas da existecircncia de preencher a vacuidade do presente e do futuro e levar o mundo a virar alma (BAUMAN DONSKIS 2014 181)

De acordo com essa forma de pensar fomentada inclusive pelo fe-nocircmeno da ldquoobsolescecircncia calculadardquo (BAUDRILLARD 1995 p 42) consi-deraacutevel parte dos bens e coisas consumidas na sociedade natildeo satildeo fun-cionais soacute possuindo utilidade no mundo da experiecircncia subjetiva do consumidor a partir do paradigma da sociedade de abundacircncia

Entretanto ldquoa liberdade e a soberania do consumidor natildeo passam de mistificaccedilatildeo (BAUDRILLARD 1995 p 72) pois natildeo eacute o consumo que con-trola a produccedilatildeo mas as grandes corporaccedilotildees produtivas eacute que controlam o comportamento do mercado de consumo ditando a moda os valores as tendecircncias de modo a retirar do indiviacuteduo todo o poder de decisatildeo e tornar esse mercado o ldquoloacutecusrdquo privilegiado do poder produtivo (MACEDO JUNIOR 2001 p 224)

Nesse cenaacuterio a publicidade eacute outro vilatildeo que se presta ao propoacutesi-to da manipulaccedilatildeo do comportamento dos haacutebitos das preferecircncias do consumidor para aquilo que eacute ditado pela ordem produtiva imprimindo neste o desejo de comportar ndash se vestir-se criar haacutebitos e fazer escolhas supostamente livres e prazerosas mas na verdade impostas pelo setor produtivo

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Essa publicidade fruto de um plano de marketing tanto coletivo quanto personalizado (marketing one-to-one) captura sociologicamente os perfis dos consumidores e incute massificadamente no cidadatildeo a pos-sibilidade de alcanccedilar independentemente de idade ou origem social o bem-estar atraveacutes da ritualiacutestica aquisiccedilatildeo de determinado produto ou serviccedilo e portanto da realizaccedilatildeo dos desejos sendo o creacutedito o passapor-te de acesso a esse bem-estar

Associado ao modelo societaacuterio em que o homem eacute aquilo que con-some inclusive para sair da invisibilidade a assimetria de informaccedilotildees e a ausecircncia de educaccedilatildeo financeira faz dos consumidores presas faacuteceis das estrateacutegias de mercado e do respectivo marketing levando-os ao consu-mo inorgacircnico E eacute justamente essa combinaccedilatildeo explosiva de fatores que leva incontaacuteveis consumidores a contratarem creacutedito para fazer frente ao consumo em condiccedilotildees adversas

Segundo a PEIC realizada pela Confederaccedilatildeo Nacional de Comercio bens e serviccedilos em outubro de 2020 665 da populaccedilatildeo adulta brasilei-ra estaacute endividada 261 com diacutevidas em atraso e 119 sem condiccedilatildeo alguma de quitar as suas diacutevidas

Nesse triste cenaacuterio segundo dados do Serasa mais de 60 milhotildees de brasileiros estatildeo com nome inscrito em oacutergatildeos restritivos encontrando-se praticamente um terccedilo da populaccedilatildeo idosa nessa situaccedilatildeo ou seja quase sete milhotildees de idosos O nuacutemero de idosos inadimplentes estaacute muito relacionado com o creacutedito consignado jaacute que eacute mais acessiacutevel aos apo-sentados Em momentos de inflaccedilatildeo alta e desemprego crescente muitos idosos satildeo levados a solicitar esse tipo de creacutedito para colocar em dia as contas da casa ou para ajudar a famiacutelia mas natildeo consegue honrar com os pagamentos das parcelas principalmente em razatildeo dos custos com remeacute-dios plano de sauacutede e alimentos

Eacute um cenaacuterio preocupante sobretudo num ano em que o Covid 19 desacelerou ainda mais a economia contribuindo para o aumento do de-semprego reduzindo o campo da proacutepria informalidade diante das regras de isolamento

Vale lembrar que segundo o IBGE 146 da populaccedilatildeo adulta estaacute desempregada o que unido a falta de poliacuteticas puacuteblicas para a prevenccedilatildeo do seu aumento agrava a fotografia do endividamento no pais

O endividamento eacute maior entre as famiacutelias com faixa de renda menor do que dez salaacuterios miacutenimos e o seu grande vilatildeo ainda eacute o cartatildeo de creacute-dito (785) seguido dos carnecircs (164) financiamento de carro (107)

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financiamento de casa (99) creacutedito pessoal 9 86) creacutedito consignado (62)

Ainda segundo a PEIC da CNC de outubro ogano 231 dos endi-vidados com renda familiar inferior a dez salaacuterios miacutenimos compromete mais de 50 da sua renda com as diacutevidas diversas comprometendo a subsistecircncia digna da famiacutelia

Dados alarmantes como esses fizeram com que economistas brasilei-ros pusessem o creacutedito no banco dos reacuteus sobretudo diante das distor-ccedilotildees no sistema de intermediaccedilatildeo que colocam em risco a oferta saudaacutevel de creacutedito o que pode inclusive gerar atraso ao crescimento nacional

Eacute preocupante perceber a situaccedilatildeo dos consumidores que pagam as contas todos os meses mas tecircm endividamento acima da renda Muitos desses consumidores usam o creacutedito caro como rotativo do cartatildeo de creacute-dito e cheque especial para rolar suas diacutevidas jaacute que acabam dispondo de reduzido percentual de sua renda para pagamento das despesas baacutesicas de alimentaccedilatildeo transporte e moradia o que gera uma ldquobola de neverdquo e a latecircncia de uma insolvecircncia proacutexima

Para esses consumidores endividados natildeo existem propostas para renegociaccedilatildeo razoaacutevel e adequada das diacutevidas ateacute porque criteacuterios de ra-zoabilidade e adequaccedilatildeo nem sequer satildeo analisados responsavelmente na proacutepria concessatildeo do creacutedito normalmente caracterizada por juros altos vendas casadas e desrespeito ao direito de informaccedilatildeo

Eacute importante dizer que a expressiva parcela da populaccedilatildeo brasileira que encontra-se superendividada enquadra-se no chamado superendi-vidamento ativo inconsciente ou passivo sujeitando a relaccedilatildeo juriacutedica agrave intervenccedilatildeo do Poder Puacuteblico para a devida equalizaccedilatildeo de forccedilas dada a boa-feacute do consumidor

Trata-se do ativo inconsciente quando o consumidor contrai diacutevidas aleacutem das suas forccedilas por impulso ou necessidade ludibriado pela publi-cidade de forma irrefletida ou por transtornos psicoloacutegicos mas crendo na sua capacidade de honraacute-las e desejando que ocorra o adimplemento

Jaacute o passivo eacute provocado por fatores externos forccedila maior social (desemprego doenccedila alteraccedilatildeo do nuacutecleo familiar ou das condiccedilotildees de existecircncia que seja capaz de afetar o orccedilamento domeacutestico (falecimento de familiar separaccedilatildeo ou divoacutercio) exploraccedilatildeo pelo credor da situaccedilatildeo de necessidade inexperiecircncia dependecircncia estado mental fraqueza ou ignoracircncia do consumidor tendo em vista a sua idade sauacutede condiccedilatildeo

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social alteraccedilatildeo na conjuntura econocircmica nacional) que desestabilizam a situaccedilatildeo financeira do agregado familiar inviabilizando o cumprimento dos compromissos firmados em momento de seguranccedila financeira

5 URGEcircNCIA DO PROJETO DE LEI Nordm 35152012

A gestatildeo do risco que representa o superendividamento e seus efei-tos extrapola a dimensatildeo econocircmica e juriacutedica assumindo contornos psi-cossociais e constitui um desafio regulatoacuterio em muitas sociedades que ainda natildeo albergaram um sistema de falecircncia da pessoa fiacutesica devedora que permita a sua recuperaccedilatildeo financeira como eacute o caso da China Viet-nam Turquia Meacutexico Iacutendia Chile Peru entre outros

No Brasil como jaacute restou delineado o tratamento do superendivi-damento ainda natildeo logrou assento formal em texto normativo embora expressivo fragmento da doutrina e jurisprudecircncia esteja alinhado com a tendecircncia de sua tutela em circunstacircncias especiacuteficas lastreado no acervo hermenecircutico axioloacutegico contemporacircneo jaacute aludido na primeira parte do presente trabalho

O processo judicial da declaraccedilatildeo de insolvecircncia previsto no Coacutedigo de Processo Civil paacutetrio CPC eacute desvantajoso para a pessoa fiacutesica consu-midora de boa-feacute natildeo apenas pela sua delonga como tambeacutem em razatildeo do vencimento antecipado de suas diacutevidas e pela arrecadaccedilatildeo de todos os seus bens presentes e futuros o que lhe retira a possibilidade de reco-meccedilar dignamente sem carregar consigo a pecha de ser um peso morto para a sociedade e para a economia natildeo servindo para gerar empregos incrementar a arrecadaccedilatildeo ou produzir riqueza

Argumente-se que a recuperaccedilatildeo dos empresaacuterios e sociedades em-presaacuterias estaacute intimamente relacionada com a capacidade creditiacutecia dos consumidores na medida em que a manutenccedilatildeo e recuperaccedilatildeo do creacutedito do consumidor superendividado estabiliza a sua capacidade de adimple-mento garante a livre iniciativa e a livre concorrecircncia aleacutem de manter a fonte produtora de empregos e das atividades empresariais

O projeto de Lei 3515 abre uma janela de oportunidade para atua-lizaccedilatildeo do Coacutedigo de Defesa do Consumidor e inspirado na legislaccedilatildeo francesa reflete uma linha humanista e inclusiva do sujeito que se supe-rendividou atendendo ao anseio da sociedade juriacutedica e de milhares de brasileiros superendividados que pretendem uma chance de viver me-lhor de modo mais digno

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Jaacute no descortino do projeto fica clara a consciecircncia quanto agrave impor-tacircncia do fenocircmeno e a opccedilatildeo pela sua prevenccedilatildeo ao se estabelecerem como princiacutepio da poliacutetica nacional das relaccedilotildees de consumo o fomento e o desenvolvimento de accedilotildees visando a educaccedilatildeo financeira e ambiental dos consumidores incentivando a inclusatildeo do tema em curriacuteculos escola-res o que por oacutebvio envolve vaacuterias accedilotildees do Estado

Para a efetivaccedilatildeo dessa poliacutetica nacional das relaccedilotildees de consumo estatildeo previstas como instrumentos a instituiccedilatildeo de mecanismos de pre-venccedilatildeo e tratamento extrajudicial e judicial do superendividamento e pro-teccedilatildeo do consumidor pessoa fiacutesica com a instituiccedilatildeo inclusive de nuacutecleos de conciliaccedilatildeo e mediaccedilatildeo de conflitos oriundos do fenocircmeno colimando sobretudo precatar ou sanar a exclusatildeo social garantir a dignidade huma-na e o miacutenimo existencial(art 5ordm VI art 6 XI XII art 54-A caput)

Valorando a prevenccedilatildeo do fenocircmeno o projeto estabelece como di-reito baacutesico do consumidor a garantia de praacuteticas de creacutedito responsaacutevel (art 6 XI) atraveacutes de medidas preventivas ou curativas resultantes de revisotildees ou repactuaccedilatildeo das dividas administrativas ou judiciais

De outra banda o projeto reforccedila o princiacutepio basilar da informaccedilatildeo para as contrataccedilotildees de creacutedito e a prazo estabelecendo a obrigaccedilatildeo do fornecedor de deixar o consumidor absolutamente consciente quanto agraves particularidades do conteuacutedo contratual e em especial os encargos que deveraacute suportar e o custo efetivo total das operaccedilotildees (art 54-B I II III IV V sect 1ordm sect 2ordm sect 3ordm)

Percebe-se que dessa forma o Projeto de Lei em relaccedilatildeo agraves pes-soas fiacutesicas superendividadas acaba por reconhecer que haacute uma falha de mercado consistente na assimetria de informaccedilatildeo quando estabelece medidas de aconselhamento justamente para preservar a racionalidade e atenuar a influecircncia de fatores externos sobre a mesma

Outrossim nota-se que positivando a noccedilatildeo de ldquomiacutenimo existencialrdquo abre margem agrave possibilidade de reserva sobre a remuneraccedilatildeo do endivi-dado para desconto em folha de pagamento com vistas agrave subsistecircncia digna excepcionada a situaccedilatildeo de deacutebito em conta de diacutevidas oriundas do uso de cartatildeo de creacutedito para pagamento do preccedilo em parcela uacutenica Uma vez descumprido o limite existencial caberaacute dilaccedilatildeo do prazo de pagamento reduccedilatildeo dos encargos e da remuneraccedilatildeo do devedor conso-lidaccedilatildeo constituiccedilatildeo ou substituiccedilatildeo de garantias (art 54-D sect 1ordm e sect 2ordm)

Nesse particular o importante a se destacar eacute a imprescindibilidade de uma renda miacutenima de inserccedilatildeo o que ao nosso ver naturalmente estaacute

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suscetiacutevel agrave variaccedilotildees conforme o necessaacuterio na praacutetica agrave atender o direito fundamental do miacutenimo existencial de cada pessoa e seu nuacutecleo familiar garantindo uma vida condigna e saudaacutevel do ponto de vista fiacutesico espiri-tual e intelectual num standart socioeconocircmico vigente Assim desgarra-do de um ldquotabelamentordquo se teraacute a missatildeo de identificar o que traduziraacute o miacutenimo existencial conforme o nuacutemero de dependentes a renda total da famiacutelia os gastos com aacutegua luz alimentaccedilatildeo moradia sauacutede e educaccedilatildeo

Importante inovaccedilatildeo eacute a que se refere ao direito de arrependimento ou de reflexatildeo que permite ao consumidor em qualquer espeacutecie con-tratual desistir do negoacutecio sem ocircnus para si no prazo de 7 dias o que implicaraacute agrave resoluccedilatildeo do contrato acessoacuterio de creacutedito Essa previsatildeo res-tringe-se agrave forma de pagamento consignaccedilatildeo em pagamento somente sendo necessaacuterio que o legislador venha a definir o valor ou percentual que o cidadatildeo teria de ter para garantir o seu miacutenimo existencial em situa-ccedilotildees diversas

Importante destaque foi dado agrave oferta e agrave publicidade abusiva esta sabidamente a grande vilatilde da histoacuteria do superendividamento e que tem capturado para a sua rede as viacutetimas mais fraacutegeis e suscetiacuteveis a exemplo das crianccedilas e dos idosos

Assim no projeto fulmina-se o ldquoasseacutedio ao consumordquo consideran-do-se abusiva a publicidade discriminatoacuteria de qualquer natureza que prevalecendo-se da predisposta vulnerabilidade do consumidor incite a violecircncia explore o medo ou a supersticcedilatildeo se aproveite da deficiecircncia de julgamento e experiecircncia da crianccedila desrespeite valores ambientais (consumo sustentaacutevel) ou que seja capaz de induzir o consumidor a se comportar de forma prejudicial ou perigosa a sua sauacutede ou seguranccedila re-ferindo-se ainda como tal aquela publicidade que contenha apelo impe-rativo ao consumo ou estimule comportamento socialmente reprovaacutevel

Tal previsatildeo insere-se na linha da Diretiva Europeia 20081948 que entre as regras de comportamento impostas aos fornecedores que pre-tendam oferecer creacutedito estabelece o dever do concedente de analisar previamente a potencial solvabilidade do pretenso mutuaacuterio permitindo uma quitaccedilatildeo regular da diacutevida aleacutem do seu dever de aconselhamento cabendo-lhe informar preacutevia e satisfatoriamente o consumidor sobre o custo real da operaccedilatildeo e seus reflexos futuros

Quanto ao consumo sustentaacutevel e ao ecomarketing eacute indeleacutevel que a contenccedilatildeo dos danos ao meio ambiente causados pela produccedilatildeo susten-taacutevel e a garantia da sobrevivecircncia das futuras geraccedilotildees estatildeo diretamen-

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te relacionadas agrave reformulaccedilatildeo dos haacutebitos de consumo indispensaacutevel agrave edificaccedilatildeo de uma sociedade mais orgacircnica Assim passou-se a incluir a proteccedilatildeo do meio ambiente como um dos objetivos da poliacutetica nacional das relaccedilotildees de consumo imprimiu-se o comando de incentivo a padrotildees de produccedilatildeo e consumo sustentaacuteveis cimentou-se o dever de precauccedilatildeo passando a ser principio a promoccedilatildeo de padrotildees de produccedilatildeo e consumo sustentaacuteveis colimando-se assim atender as necessidades das atuais ge-raccedilotildees permitir melhores condiccedilotildees de vida promover o desenvolvimen-to econocircmico e inclusatildeo social sem comprometer a qualidade ambiental no atendimento das necessidades das geraccedilotildees futuras

Mais uma vez pretendendo reforccedilar a funcionalidade socializaccedilatildeo e eticidade dos contratos na poacutes-modernidade traz o projeto a previsatildeo dos princiacutepios da boa-feacute funccedilatildeo social do creacutedito e respeito agrave dignidade para uma concessatildeo responsaacutevel e leal do creacutedito que prime pelo dever de cooperaccedilatildeo previamente agrave contrataccedilatildeo Assim devem o fornecedor e o intermediaacuterio do creacutedito avaliar as condiccedilotildees econocircmico-financeiras do consumidor mediante documentaccedilatildeo necessaacuteria e consulta a bancos de dados ponderar esclarecer aconselhar e advertir o consumidor quanto aos riscos do inadimplemento Nesse rumo propotildee acrescentar um sect 3ordm ao art 96 da Lei nordm 107412003 (Estatuto do Idoso) para estabelecer natildeo constituir crime a negativa de creacutedito motivada por superendividamento do idoso

Igualmente positivo o processo de repactuaccedilatildeo voluntaacuteria de diacutevi-das natildeo profissionais (Art 104-A sect 2ordm) em relaccedilatildeo ao superendividado (Art104-A sect 1ordm) bem assim a fase judicial para revisatildeo e integraccedilatildeo dos contratos e repactuaccedilatildeo das diacutevidas remanescentes atraveacutes de um plano judicial compulsoacuterio que poderaacute ser formulado por um administrador nomeado pelo Juiz agrave guisa de todas as informaccedilotildees pessoais financeiras e patrimoniais do consumidor

Por fim estabelece a competecircncia concorrente das entidades inte-grantes do Sistema Nacional de Defesa do Consumidor previstas no art 82 do CDC para o procedimento conciliatoacuterio e preventivo do processo de repactuaccedilatildeo de diacutevidas

Enfim todo esse plexo inovatoacuterio denota que o projeto de lei repre-senta um avanccedilo civilizatoacuterio na prevenccedilatildeo da coacutelera social do superendi-vidamento pois inegavelmente a positivaccedilatildeo representa a consciecircncia e sensibilidade natildeo soacute do Estado mas da comunidade juriacutedica do paiacutes

A tutela do superendividamento como irradiaccedilatildeo dos direitos fundamentais nas relaccedilotildees de consumo

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6 CONCLUSAtildeO

Sabe-se que o creacutedito eacute necessaacuterio agrave sobrevivecircncia individual e do grupo social e como tal deve ser tratado como extensatildeo da cidadania so-cial ou econocircmica direito social modo de ser cidadatildeo pois permite novas oportunidades sociais

Mas embora seja atividade normal numa economia de mercado relacionando-se ao desenvolvimento econocircmico e melhoria de vida das pessoas quando o creacutedito eacute contraiacutedo em situaccedilatildeo de instabilidade finan-ceira laboral ou psicoloacutegica ou num cenaacuterio de abusividade comporta-mental por parte dos hipersuficientes numa sociedade de hiperconsumo apresenta uma faceta sombria que pode levar ao superendividamento e ao flagelo social

Percebe-se que contribuem para a crise de insolvecircncia e portanto para o superendividamento a falta de educaccedilatildeo ao consumo orgacircnico e sustentaacutevel assim como as concessotildees irresponsaacuteveis e sem eacutetica de fornecedores que natildeo atendem aos princiacutepios da seletividade garantia liquidez e diversificaccedilatildeo dos riscos e consequentemente denotam que-bra da boa-feacute e seus deveres anexos Nessa senda tambeacutem se encontram as claacuteusulas contratuais abusivas e as praacuteticas abusivas assim como o estiacutemulo artificial ao consumo irracional ao creacutedito faacutecil agrave seduccedilatildeo publi-citaacuteria agrave reduccedilatildeo dos mecanismos de controle dos encargos e reduccedilatildeo do estado do bem-estar social que eleva o custo com educaccedilatildeo e sauacutede privados

A despersonalizaccedilatildeo das relaccedilotildees (condutas sociais tiacutepicas relaccedilotildees anocircnimas) a sofisticaccedilatildeo dos instrumentos de atuaccedilatildeo a publicidade agressiva a sociologia publicitaacuteria de captaccedilatildeo de presas faacuteceis do con-sumo (jovens idosos deficientes) aleacutem da vulnerabilidade informacional satildeo as marcas do mercado hipermoderno que conduzem ao caminho do superendividamento

Mesmo nas hipoacuteteses de endividamento excessivo oriundo de forccedila maior social o superendividamento estaacute relacionado ao problema de po-liacuteticas puacuteblicas e redistribuiccedilatildeo e o seu enfrentamento passa pelo respeito agrave alteridade e consequentemente uma postura de cooperaccedilatildeo dinacircmica e reciacuteproca entre os protagonistas contratuais

Embora se deva primar pela prevenccedilatildeo do excesso de endividamento e agravamento das dificuldades diante da efetiva ocorrecircncia do superen-dividamento e portanto do fracasso das medidas preventivas a inter-venccedilatildeo puacuteblica administrativa ou judicial passa a traduzir uma legiacutetima

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expectativa do endividado na busca da reestruturaccedilatildeo de suas diacutevidas e a proacutepria concreccedilatildeo dos direitos fundamentais do consumidor

A tutela formal do fenocircmeno vem ao encontro da nova concepccedilatildeo de autonomia privada e consequentemente da noccedilatildeo de contrato como fato social cuja natureza afetiva relaciona formaccedilatildeo da vontade racional agrave atuaccedilatildeo mais qualificada do fornecedor ateacute porque os contratantes natildeo estatildeo mais em posiccedilotildees antagocircnicas mas devem atuar cooperando com o outro em prol do bem comum

Desse modo seja atraveacutes da conciliaccedilatildeo ou da mediaccedilatildeo voluntaacuteria ndash acordos realizados sob a eacutegide de autoridades do acircmbito administra-tivo ndash ou atraveacutes de processos judiciais que ora se aproximem do ldquofresh startrdquo proacuteprio dos paiacuteses do common law (Estados Unidos Inglaterra Ca-nadaacute Austraacutelia) ora se baseiem na filosofia da ldquoreeducaccedilatildeordquo preferida nos regimes de tradiccedilatildeo civil law (Franccedila Beacutelgica etc) eacute possiacutevel e urgente promover o tratamento do superendividamento como exerciacutecio da soli-dariedade realizaccedilatildeo do objetivo fundamental de erradicaccedilatildeo da pobreza da marginalizaccedilatildeo e reduccedilatildeo das desigualdades sociais e regionais

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Primeiras linhas quanto ao impacto da Lei Geral de Proteccedilatildeo de Dados na forccedila

probante dos documentos eletrocircnicos em processos submetidos aos Juizados

Especiais de relaccedilotildees de consumo

1 Doutor e Mestre em Direito pela Universidade Federal da Bahia advogado e atualmente ocupando a funccedilatildeo de juiz leigo da 4ordf vara de relaccedilotildees de consumo de SalvadorBA integrante do Sistema de Juizados Especiais do Poder Judiciaacuterio do Estado da Bahia

2 Mestre em Direito pela Universidade Federal da Bahia Juiacuteza Titular da 4ordf vara de re-laccedilotildees de consumo de SalvadorBA integrante do Sistema de Juizados Especiais do Poder Judiciaacuterio do Estado da Bahia

Belmiro Vivaldo Santana Fernandes1

Michelline Soares Bittencourt Trindade Luz2

Resumo O presente artigo cientiacutefico tem por objetivo analisar pos-siacuteveis alteraccedilotildees na valoraccedilatildeo probatoacuteria dos documentos eletrocircni-cos em demandas judiciais de relaccedilotildees de consumo nos Juizados Especiais em consequecircncia da promulgaccedilatildeo Lei Geral de Proteccedilatildeo de Dados Pessoais (Lei Federal nordm 13709 de 14 de agosto de 2018 com as alteraccedilotildees da Lei Federal nordm 138532019) Neste sentido revi-sitou-se o marco teoacuterico do acesso agrave justiccedila na visatildeo Mauro Cappel-letti e Bryan Garth na concepccedilatildeo da Lei dos Juizados Especiais (Lei 90991995) e os instrumentos processuais garantidos ao consumi-dor na defesa dos seus direitos conforme determina a Lei Federal nordm 80781990 Demonstrou-se que embora haja posicionamentos doutrinaacuterios e jurisprudenciais no sentido de minimizar a forccedila pro-batoacuteria dos documentos eletrocircnicos no contexto examinado a Lei de Proteccedilatildeo de Dados Pessoais aponta tendecircncia no sentido oposto que pode inclusive tornar ainda mais efetiva a facilitaccedilatildeo do acesso agrave justiccedila pelo consumidor inclusive nos Juizados Especiais

Palavras-chave Documentos eletrocircnicos ndash Juizados Especiais ndash Rela-ccedilotildees de Consumo ndash Lei Geral de Proteccedilatildeo de Dados Pessoais

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1 INTRODUCcedilAtildeO

O acesso agrave justiccedila eacute objeto de preocupaccedilatildeo dos estudiosos do Estado Democraacutetico de Direito que desde os primoacuterdios ateacute sua formaccedilatildeo atual enfrentou diversas crises e mudanccedilas de concepccedilatildeo

A concepccedilatildeo de acesso agrave justiccedila para aleacutem do mero processamento de demandas e a busca da concretizaccedilatildeo os direitos se revelou presente na construccedilatildeo da atual Lei 909995 especialmente no que tange agrave sua melhor aproximaccedilatildeo com a sociedade brasileira com suas desigualdades e complexidades Isto se coaduna com a garantia agrave facilitaccedilatildeo dos meios de acesso agrave justiccedila ao consumidor incorporados pelo ordenamento paacutetrio pela promulgaccedilatildeo da Lei nordm 8078 de 11 de setembro de 1990)

Entretanto embora perceptiacutevel e aceita a contrataccedilatildeo e consumo de produtos e serviccedilos pelos meios digitais constatam-se obstaacuteculos na adequada valoraccedilatildeo probatoacuteria dos documentos eletrocircnicos no pro-cesso especialmente no acircmbito dos juizados especiais A preocupaccedilatildeo reside no receio de sua manipulaccedilatildeo pelo fornecedor para eclipsar a pretensatildeo consumerista deduzida em juiacutezo o que acaba prejudicando seu proacuteprio acesso agrave justiccedila seja pelo argumento da necessidade de produccedilatildeo de prova pericial para atestar sua autenticidade pela sua total desconsideraccedilatildeo

Por outro lado eacute inequiacutevoca a convivecircncia dos meios digitais nas relaccedilotildees mais baacutesicas do dia a dia algo percebido intensificado sobretudo com o uso de tecnologias frente agrave pandemia do COVID-19 ocorrida no ano de 2020 Neste sentido observa-se que a tendecircncia legislativa eacute de reconhecer a forccedila probatoacuteria dos documentos eletrocircnicos especialmente em razatildeo da promulgaccedilatildeo do Coacutedigo de Processo Civil de 2015 Lei do Marco Civil da Internet (Lei nordm 12965 de 23 de abril de 2014) e Lei Geral de Proteccedilatildeo de Dados Pessoais (ldquoLGPDrdquo lei nordm 13709 de 14 de agosto de 2019)

O objetivo central deste artigo portanto eacute avaliar se o atual receio de reconhecimento da forccedila probante dos documentos eletrocircnicos eacute jus-tificaacutevel diante dos limites do procedimento sumariacutessimo dos Juizados Especiais e da proteccedilatildeo consumerista e natildeo o sendo quais satildeo as ferra-mentas hermenecircuticas agrave disposiccedilatildeo dos sujeitos processuais sua adequa-da valoraccedilatildeo

Para tanto em anaacutelise teoacuterico-descritiva examinou-se o marco teoacute-rico da criaccedilatildeo do atual sistema de Juizados Especiais cuja inspiraccedilatildeo eacute a

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teoria de Cappelletti e Garth de acesso agrave justiccedila e as inovaccedilotildees propostas pela Lei Geral de Proteccedilatildeo de Dados Pessoais Observou-se que em diver-sas passagens satildeo evidenciadas notaacuteveis semelhanccedilas do regime juriacutedico da novel lei com as normas do Coacutedigo de Defesa do Consumidor

Diante da proposta metodoloacutegica deste trabalho o conteuacutedo foi em quatro seccedilotildees sendo a primeira introdutoacuteria a segunda com o resgate da concepccedilatildeo de acesso agrave justiccedila na visatildeo de Cappelli e Garth a terceira com a regulaccedilatildeo especiacutefica do acesso agrave justiccedila na Lei 909995 e no Coacutedigo de Defesa do Consumidor e na quarta seccedilatildeo o valor probante dos documen-tos eletrocircnicos frente agraves recentes inovaccedilotildees legislativas como a Lei Geral de Proteccedilatildeo de dados Pessoais Ao final do trabalho apresenta-se uma breve conclusatildeo que sumariza o exposto

2 O ACESSO Agrave JUSTICcedilA NA CONCEPCcedilAtildeO DE CAPPELLETTI E GARTH

Para que verifique in concreto se o modelo poliacutetico-juriacutedico vivencia-do em dada realidade sociocultural eacute necessaacuterio observar alguns paracircme-tros fundamentais que diante de sua presenccedila eou respeito indicariam o alcance mais proacuteximo do ideal da experiecircncia de conviacutevio efetivo em uma democracia3

Morais e Streck (2010 p 99) afirmam que os principais elementos perceptiacuteveis satildeo a) existecircncia de uma constituiccedilatildeo b) pluralismo poliacute-tico c) respeito agrave diversidade e agrave liberdade de opiniatildeo e expressatildeo d) sistema de garantias aos direitos fundamentais tanto individuais quanto coletivos e) reparticcedilatildeo de funccedilotildees puacuteblicas entre autoridades distintas f ) controle da legalidade dos atos judiciais e administrativos diante da constituiccedilatildeo g) sentimento de seguranccedila e certeza juriacutedicas h) justiccedila social e isonomia

3 Explicam Morais e Streck (2010 p 97) que o Estado Democraacutetico de Direito tem o compromisso de transformaccedilatildeo da realidade sendo diverso do mero Estado Social de Direito que visa a melhoria das condiccedilotildees sociais poreacutem natildeo traz em seu componen-te central a participaccedilatildeo popular como ocorre em alguns modelos como no populis-mo no socialismo ou em estruturas acentuadamente intervencionistas O conteuacutedo central de um Estado que se propotildee a ser democraacutetico eacute ultrapassar a concretizaccedilatildeo de uma vida digna agindo simbolicamente como fomentador da participaccedilatildeo puacutebli-ca no processo de construccedilatildeo e reconstruccedilatildeo da sociedade O acesso agraves diversas fun-ccedilotildees estatais e a participaccedilatildeo dos cidadatildeos inclusive no Poder Judiciaacuterio sedimentam o efetivo caraacuteter democraacutetico de uma estrutura poliacutetica

Primeiras linhas quanto ao impacto da Lei Geral de Proteccedilatildeo de Dados na forccedila probante dos documentos eletrocircnicos em processos submetidos aos Juizados Especiais de relaccedilotildees de consumo

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Natildeo haacute de olvidar que os maiores expoentes no tema de acesso agrave justiccedila satildeo Mauro Cappelletti e Bryan Garth (1988 p 23) promoveram um estudo em escala global denominado ldquoProjeto Florenccedilardquo cujo objetivo foi o de coletar e analisar como os diversos sistemas juriacutedicos do mundo garantem a busca junto aos oacutergatildeos do Poder Judiciaacuterio de reclamaccedilotildees agrave violaccedilatildeo de seus direitos subjetivos Em consequecircncia publicaram a obra conhecida no Brasil como ldquoAcesso agrave Justiccedilardquo4 no ano de 1978 sendo um marco para o estudo do Direito Processual

Em siacutentese explicam que nos primoacuterdios do Estado Liberal o acesso agrave justiccedila5 apenas significava o direito formal de algueacutem buscar o Poder Ju-diciaacuterio para propor ou contestaccedilatildeo uma accedilatildeo entretanto estaria fora de seu escopo inicial o uso da justiccedila com uma efetiva melhoria na qualidade de vida e consequentemente incremento da participaccedilatildeo democraacutetica pela concretizaccedilatildeo da isonomia (CAPPELETTI GARTH 1988 p 13) Com o aumento da complexidade das relaccedilotildees sociais e de sua proacutepria percep-ccedilatildeo o mero processo individualizado natildeo poderia mais existir sozinho de-vendo funcionar como resgate da proacutepria cidadania (CAPPELETTI GARTH 1988 p 160)6

Outros temas tambeacutem satildeo relevantemente trabalhados na obra de Cappelletti e Garth7 mas um em especial ganha relevo e estaacute diretamente relacionado agrave proposta de criaccedilatildeo de ldquotribunais de pequenas causasrdquo que eacute o custo do processo formal o que inclui as proacuteprias custas judiciaacuterias as despesas para produccedilatildeo de provas e com o proacuteprio assessoramento juriacutedico (CAPPELETTI GARTH 1988 p 20) o que leva agrave parte mais fraca ao abandono do litiacutegio ou ao desencorajamento de enfrentar disputas ju-

4 Seu tiacutetulo original foi abreviado no Brasil mas merece ser lembrado porque permi-te a compreensatildeo do escopo do estudo de Cappelletti e Garth Assim chamou-se ldquoAccess to Justice The Worldwide Movement to Make Rights Effective ndash A General Reportrdquo algo como ldquoAcesso agrave Justiccedila o movimento mundial para tonar os direitos efetivosrdquo em traduccedilatildeo livre

5 ldquoJusticcedilardquo para os autores tecircm sentido proacuteximo de Judiciaacuterio mas ultrapassa o puro direito de accedilatildeo mas de efetivaccedilatildeo dos direitos (CAPPELLETTI GARTH 1988 p 33)

6 Como explica Hobsbawn (2014 p 399) o ponto de inflexatildeo e mudanccedila paradigmaacutetica foi a implementaccedilatildeo do Estado do Bem-Estar Social por meio dos keynesianos que compreendiam a importacircncia de acesso ao emprego e melhoria dos salaacuterios para fo-mento da economia e do mercado de consumo

7 Como a litigiosidade do proacuteprio Estado com seus cidadatildeos e a burocracia

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riacutedicas Essas preocupaccedilotildees foram objeto da construccedilatildeo da Lei 90991995 uma modernizaccedilatildeo da antiga ldquoLei de Juizados de Pequenas Causasrdquo8 (PA-RIZOTTO 2018 p 23)

Em sentido contemporacircneo Maria Aparecida Lucca Caovilla (2003 p 35) compreende que o acesso agrave justiccedila se relaciona melhor com a conscientizaccedilatildeo da populaccedilatildeo de seus direitos natildeo podendo se resumir ao acesso formal ao Poder Judiciaacuterio Eacute o mesmo sentido defendido por Eduardo de Avelar Lamy e Horaacutecio Wanderlei Rodrigues (2016 p 206) que consagra a importacircncia da resposta ao problema trazido ao Judiciaacuterio pela efetividade do resultado e concretizaccedilatildeo do direito material subjetivo percebido pelo ganho de consciecircncia juriacutedica da populaccedilatildeo O acesso agrave justiccedila tambeacutem ganha um conteuacutedo axioloacutegico da proacutepria expressatildeo de justiccedila ndash no sentido de ldquojustordquo ndash para acesso agrave ordem e aos direitos funda-mentais (LAMY RODRIGUES 2016 p 112)9

3 A FACILITACcedilAtildeO DO ACESSO Agrave JUSTICcedilA NO COacuteDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR E NOS JUIZADOS ESPECIAIS CIacuteVEIS

A Lei nordm 9099 de 26 de setembro de 1995 ao revogar a antiga Lei dos Juizados de Pequena Causa (Lei nordm 72441984) demonstrou o respeito ao quanto determinado pelo artigo 98 da Constituiccedilatildeo de 198810 que na

8 A antiga Lei dos Juizados de Pequenas Causas (Lei nordm 7244 de 07 de Setembro de 1984) instituiu oacutergatildeos do Poder Judiciaacuterio aptos agrave recepccedilatildeo de demandas que se tornariam inviaacuteveis para propositura perante os oacutergatildeos da Justiccedila Comum A Lei dos Juizados Especiais (Lei 90991995) superou algumas incongruecircncias do antigo ato normativo promulgado antes da vigecircncia da Constituiccedilatildeo de 1988 com o princiacutepio compatiacuteveis com a atual sistemaacutetica constitucional

9 Ada Pellegrini Grinover e outros (2005 p 39-40) trazem liccedilotildees importantes como que o acesso agrave justiccedila natildeo se identifica com a mera admissatildeo no processo mas se relacionando com agrave defesa adequada em processos criminais a recepccedilatildeo de causas mesmo que ldquopequenasrdquo e a efetividade Tudo isto leva agrave convergecircncia da oferta cons-titucional de direitos e garantias

10 Quanto agrave criaccedilatildeo dos Juizados Especiais a Constituiccedilatildeo de 1988 assim determinou em seu artigo 98 ldquoA Uniatildeo no Distrito Federal e nos Territoacuterios e os Estados criaratildeo I ndash Juizados especiais providos por juiacutezes togados e leigos competentes para a conciliaccedilatildeo o julgamento e a execuccedilatildeo de causas ciacuteveis de menor complexidade e infraccedilotildees penais de menor potencial ofensivo mediante os procedimentos oral e sumariacutessimo permitidos nas hipoacuteteses previstas em lei a transaccedilatildeo e o julgamento de recursos por turmas de juiacutezes de primeiro graurdquo (BRASIL 1988)

Primeiras linhas quanto ao impacto da Lei Geral de Proteccedilatildeo de Dados na forccedila probante dos documentos eletrocircnicos em processos submetidos aos Juizados Especiais de relaccedilotildees de consumo

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liccedilatildeo de Caovilla (2003 p 89) garantiu um acesso a causas de menor valor econocircmico promovendo uma niacutetida evoluccedilatildeo com o povo brasileiro e preocupaccedilatildeo com sua realidade social especialmente quanto agrave reduccedilatildeo da burocracia o que inclui a isenccedilatildeo de custas e condenaccedilatildeo em honoraacute-rios advocatiacutecios em primeira instacircncia11

Caovilla (2003 p 42) ainda esclarece que o sentido de acesso agrave justiccedila como efetividade de direitos eacute cristalino na Lei dos Juizados Es-peciais especialmente quanto aos Ciacuteveis representando uma proposta realista e ainda atual Afirma que como o processo tem a missatildeo comple-xa inclusive de restabelecer a felicidade12 das pessoas pela recuperaccedilatildeo de seus bens da vida o que natildeo seria possiacutevel caso se submetessem ao regramento riacutegido e burocraacutetico dos procedimentos ciacuteveis da justiccedila natildeo especializada

Havia portanto ateacute a promulgaccedilatildeo da Lei dos Juizados Especiais uma litigiosidade contida pela inadequaccedilatildeo do modelo de caacutelculo das custas judiciais e das despesas com honoraacuterios advocatiacutecios e produccedilatildeo de prova afastando os menos abastados de uma prestaccedilatildeo jurisdicio-nal simples raacutepida econocircmica e segura (FIGUEIRA JUacuteNIOR TOURINHO NETO 2017 p 40) Como tambeacutem explicam Arenhart e Marinoni (2012 p 209) o juizado especial natildeo deve ser pensado como um meio de agi-lizaccedilatildeo de litiacutegios mas de assegurar a certos segmentos da populaccedilatildeo brasileira o direito a demandar em Juiacutezo que em outras circunstacircncias natildeo seria viaacutevel

Em contraponto ao modelo tradicional formal com a Lei dos Juizados Especiais avanccedilou-se frente agrave instrumentalizaccedilatildeo do processo em razatildeo de seus princiacutepios basilares contidos em seu artigo 2ordm oralidade simpli-cidade informalidade economia processual e celeridade com busca dos meios de autocomposiccedilatildeo de conflitos

11 Com algumas exceccedilotildees como o desinteresse processual provocador da extinccedilatildeo do processo sem apreciaccedilatildeo do meacuterito e comportamento compatiacutevel com litigacircncia de maacute-feacute como consagrado nos enunciados 114 e 136 do FONAJE (Foacuterum Nacional de Juizados Especiais) (2020)

12 O direito agrave felicidade foi previsto expressamente na Declaraccedilatildeo de Direitos do Bom Povo da Virgiacutenia em 1776 Aleacutem disto foi mencionado pelos textos constitucionais da Franccedila do Japatildeo e da Coreia do Sul aleacutem de tambeacutem integrar resoluccedilatildeo da Orga-nizaccedilatildeo das Naccedilotildees Unidas de 2011 (HAumlBERLE 2009 p 55-60)

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Humberto Theodoro Juacutenior (2019 p 21) esclarece que a instrumenta-lidade das formas e a efetividade da prestaccedilatildeo jurisdicional tecircm marcado a tocircnica do processo civil contemporacircneo com dedicaccedilatildeo a remeacutedios e medidas que resultem em melhorias do serviccedilo forense e o alcance de resultados

Dentro desta proposta Barbosa Moreira (1984 p 53) jaacute se preocupa-va com a demora na prestaccedilatildeo jurisdicional como uma falha do sistema ju-diciaacuterio tornando o processo natildeo efetivo Luiz Guilherme Marinoni (2003 p 83) jaacute haacute muito explicava que quanto maior for a demora na prestaccedilatildeo jurisdicional maior seraacute o benefiacutecio ao reacuteu com proporcional dano causa-do ao autor

Este foi o sentido da Reforma do Poder Judiciaacuterio provocada pela emenda constitucional nordm 452004 que inseriu a ldquorazoaacutevel duraccedilatildeo do processordquo no rol de direitos e garantias fundamentais Para Silvana Cristina Bonifaacutecio Souza (2005 p 52) trata-se do atendimento agrave efetividade da prestaccedilatildeo jurisdicional

Como observa Cacircndido Rangel Dinamarco (2008 p 45) a lei foi fiel agrave principiologia jaacute sedimentada na disciplina praacutetica do processo tradicio-nal para operacionalizaacute-lo sem antepocirc-lo agrave justiccedila

Por outro lado o Coacutedigo de Defesa do Consumidor promulgado em 11 de setembro de 1990 decorre na relevantiacutessima necessidade de regu-lar os conflitos proacuteprios da sociedade de massa presente sobremaneira no proacuteprio consumo de massa Para equilibrar as relaccedilotildees de consumo torna-se imprescindiacutevel a garantia de uma prestaccedilatildeo jurisdicional justa (CARVALHO 2007)

Quanto aos processos individuais em relaccedilotildees de consumo explica Nelson Nery Juacutenior (2002 p 123) que os mais diretamente aplicaacuteveis satildeo os da vulnerabilidade e da hipossuficiecircncia

Paulo Valeacuterio de Moraes (1999 p 45) esclarece que a vulnerabilidade do consumidor eacute absoluta13 porque como explica Claacuteudia Lima Marques

13 Embora existam os consumidores ainda mais vulnerados os denominados ldquohipervul-neraacuteveisrdquo (MARQUES 2012 p 127) sendo justamente aqueles que natildeo dispotildeem das caracteriacutesticas do ldquohomem meacutediordquo (conceito natildeo adotado pelo Coacutedigo de Defesa do Consumidor) como em razatildeo de idade sauacutede fiacutesica e mental renda escolaridade ou outras circunstacircncias relevantes merecendo proteccedilatildeo acentuada No mesmo senti-do cf Cristiano Heineck Schmitt (2014 p 217)

Primeiras linhas quanto ao impacto da Lei Geral de Proteccedilatildeo de Dados na forccedila probante dos documentos eletrocircnicos em processos submetidos aos Juizados Especiais de relaccedilotildees de consumo

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(2002 p 151) haver um desequiliacutebrio praacutetico dos fatos presentes na re-laccedilatildeo para com o fornecedor ainda que o consumidor disponha de alta escolaridade renda e higidez fiacutesica e mental Dentre as espeacutecies de vul-nerabilidade encontram-se a teacutecnica (desconhecimento do consumidor pelos produtos e serviccedilos que estaacute adquirindo em decorrecircncia da comple-xidade das relaccedilotildees econocircmicas e juriacutedicas) a juriacutedica (desconhecimento da existecircncia de direitos e de sua extensatildeo) poliacutetico-administrativa (insufi-ciecircncia da presenccedila estatal na sua proteccedilatildeo) aleacutem da psiacutequica econocircmica e ateacute mesmo ambiental Portanto a vulnerabilidade tem maior identidade com o direito material do consumidor ao passo em que a hipossuficiecircncia tem lugar de anaacutelise no campo do direito processual

Assim eacute que a hipossuficiecircncia deriva da facilitaccedilatildeo de acesso ao con-sumidor agrave justiccedila como descrito no artigo 6ordm inciso VIII do Coacutedigo (GRI-NOVER 2001 p 145) Dentre seus traccedilos caracteriacutesticos mais concretos localiza-se a possibilidade de inversatildeo do ocircnus da prova que natildeo eacute auto-maacutetica porque diversamente da vulnerabilidade a presunccedilatildeo de hipossu-ficiecircncia eacute relativa e apreciada pelo juiz no caso concreto

Cavalieri Filho (2019 p 67) aduz que a principal finalidade da inver-satildeo do ocircnus da prova eacute tornar mais acessiacutevel a defesa do consumidor em razatildeo da desigualdade diante do fornecedor Assim admite-se que o con-sumidor traga uma prova de primeira aparecircncia relevando-se conforme apreciaccedilatildeo judicial maior robustez para o fornecedor

Ocorre que haacute uma tendecircncia de acolhimento da inversatildeo do ocircnus da prova na maioria das accedilotildees consumeristas justamente frente ao olhar das dificuldades do consumidor de deduzir em juiacutezo suas pretensotildees Em casos entretanto que exista niacutetida maacute-feacute do consumidor ou que a prova seja verificada como ldquodiaboacutelicardquo para o fornecedor aplica-se o ocircnus tradi-cional de que cabe ao autor demonstrar a existecircncia de seu direito como determina o artigo 373 inciso I do Coacutedigo de Processo Civil de 2015

4 O VALOR PROBATOacuteRIO DOS DOCUMENTOS ELETROcircNICOS A PARTIR DA ENTRADA EM VIGOR DA LEI GERAL DE PRO-TECcedilAtildeO DE DADOS PESSOAIS

Como dissemos anteriormente embora o direito resguarde grande formalismo os juizados especiais buscaram superar este paradigma de modo a garantir um mais amplo acesso agrave justiccedila frente ao propoacutesito de se buscar maior efetividade das demandas processualmente propostas

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Entretanto conjugando-se os princiacutepios da vulnerabilidade e da hipossuficiecircncia do consumidor frente aos fornecedores sobremaneira diante da exigecircncia legal de baixa complexidade das pretensotildees ajuizadas no Sistema de Juizados Especiais percebe-se a necessidade de urgente adequaccedilatildeo dos entendimentos quanto agrave apreciaccedilatildeo probatoacuteria dos docu-mentos eletrocircnicos

O reconhecimento da praacutetica de atos eletrocircnicos natildeo eacute exatamente uma novidade no ordenamento juriacutedico paacutetrio O proacuteprio Coacutedigo de Defe-sa do Consumidor inovador e revolucionaacuterio em sua proposta jaacute no ano de 1990 reconheceu regime juriacutedico especiacutefico para os denominados ldquocon-tratos agrave distacircnciardquo pela previsatildeo do direito de arrependimento presente em seu artigo 49 ateacute o termo final do denominado ldquoprazo de reflexatildeordquo (paraacutegrafo uacutenico do mesmo dispositivo) (MARQUES 2002 p 35)

No campo processual a Lei nordm 114192006 jaacute dispunha sobre a praacute-tica de atos judiciais da forma eletrocircnica embora que hoje vista de forma um tanto quanto tiacutemida diante dos saltos tecnoloacutegicos daquele ano para a contemporaneidade Observa-se ainda uma grande cautela em seu texto especialmente quando prevecirc a possibilidade de falhas nos sistemas por-que dispotildee quanto ao uso de documentos impressos de forma alternativa ou subsidiaacuteria14 (BUENO 2018 p 53)

Cerca de uma deacutecada depois o Coacutedigo de Processo Civil de 2015 pas-sou a dispor expressamente sobre os documentos eletrocircnicos incluindo--os nos dispositivos referentes agrave prova Entretanto ainda haacute elementos de certo conservadorismo e formalismo por evidente cautela ao documento impresso o que se verifica nos artigos 439 e 440 adiante citados

Art 439 A utilizaccedilatildeo de documentos eletrocircnicos no processo conven-cional dependeraacute de sua conversatildeo agrave forma impressa e da verifi-caccedilatildeo de sua autenticidade na forma da lei Art 440 O juiz apre-ciaraacute o valor probante do documento eletrocircnico natildeo convertido assegurado agraves partes o acesso ao seu teor (BRASIL 2015) (os grifos satildeo nossos)

Note-se entretanto que o legislador do CPC201515 reconhece a alta probabilidade de as disposiccedilotildees sobre relaccedilotildees juriacutedicas produzidas de forma eletrocircnica rapidamente ficarem desatualizadas (DIDIER 2017 p

14 Vide artigos 9ordm sect 2ordm 12 sectsect 2ordm e 4ordm dentre outros

15 Coacutedigo de Processo Civil de 2015

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60) pelo que deixa a cargo de outras normas o regime de produccedilatildeo e conservaccedilatildeo dos documentos eletrocircnicos ldquoArt 441 Seratildeo admitidos do-cumentos eletrocircnicos produzidos e conservados com a observacircncia da legislaccedilatildeo especiacutefica (grifos nossos)

A produccedilatildeo de documentos eletrocircnicos ganha especial relevo quan-do do notoacuterio crescimento do e-commerce sendo que em 2019 o Brasil aparecia em 14ordm lugar mundial no ranking de compras online (CONFEDE-RACcedilAtildeO NACIONAL DO COMEacuteRCIO 2019) Haacute de se esperar um incremento nesta proporccedilatildeo natildeo apenas em razatildeo das medidas de isolamento social decorrentes da pandemia do COVID-19 mas pelas provaacuteveis mudanccedilas no comportamento do consumidor a partir da superaccedilatildeo de receios com o comeacutercio eletrocircnico

A aceitaccedilatildeo dos documentos eletrocircnicos como meio de prova en-controu consideraacutevel amparo com a ediccedilatildeo da Lei nordm 12965 de 23 de abril de 2014 conhecida como ldquoMarco Civil da Internetrdquo Dispocircs da obrigatorie-dade de guarda de documentos e dos registros de acesso e utilizaccedilatildeo de aplicaccedilotildees por prazos que variam de seis meses (artigo 15) a um ano (arti-go 13) aleacutem de trazer regime proacuteprio de responsabilizaccedilatildeo civil pelo natildeo fornecimento de tais informaccedilotildees e documentos quando requisitadas Por fim garante agrave parte interessada formar ldquoconjunto probatoacuterio em processo judicialrdquo quanto aos documentos produzidos eletronicamente (artigo 22)

A lei do Marco Civil da Internet dispocircs sobre a guarda e tratamento de dados poreacutem na comparaccedilatildeo com outras normas semelhantes presen-tes em outros ordenamentos ainda precisava regular mais detalhadamen-te essas questotildees (SOUZA LEMOS 2016 p 40) Com isto foi complemen-tada ndash ou ateacute mesmo parcialmente revogada ndash pela Lei Geral de Proteccedilatildeo de Dados vulgo ldquoLGPDrdquo promulgada sob o nordm 13709 em 14 de agosto de 2019

A LGPD natildeo substitui o tratamento regulatoacuterio jaacute conferido agraves rela-ccedilotildees por meio da rede mundial de computadores no Marco Civil todavia quanto ao regime de coleta e tratamento de dados supera o ato normati-vo anterior conferindo-lhe notaacutevel detalhamento

O conceito legal de tratamento de dados eacute disposto no artigo 5ordm inciso X da LGPD a saber

Artigo 5ordm [] X ndash tratamento toda operaccedilatildeo realizada com dados pes-soais como as que se referem a coleta produccedilatildeo recepccedilatildeo classifi-caccedilatildeo utilizaccedilatildeo acesso reproduccedilatildeo transmissatildeo distribuiccedilatildeo pro-

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cessamento arquivamento armazenamento eliminaccedilatildeo avaliaccedilatildeo ou controle da informaccedilatildeo modificaccedilatildeo comunicaccedilatildeo transferecircncia difusatildeo ou extraccedilatildeo (BRASIL 2019)

Na relaccedilatildeo juriacutedica dos envolvidos no tratamento de dados aleacutem da presenccedila estatal estatildeo de um lado o titular e do outro os agentes de tratamento (artigo 5ordm inciso IX) divididos em operador e controlador O objeto da relaccedilatildeo satildeo os dados pessoais assim considerados como a ldquoinformaccedilatildeo relacionada a pessoa natural identificada ou identificaacutevel16rdquo

Em anaacutelise dos dispositivos da LGPD nota-se uma grande semelhan-ccedila com conceitos jaacute consolidados no Coacutedigo de Defesa do Consumidor em alguns casos podendo ser utilizado ateacute mesmo um paralelo Logo haacute grande aproximaccedilatildeo entre o que a LGPD considera titular e como o CDC considera consumidor a mesma loacutegica eacute aplicaacutevel aos agentes de trata-mento (operador controlador e encarregado)

O tratamento de dados ocorre a todo o momento sendo rotineira em relaccedilotildees de consumo Diante disto a LGPD segue a esteira do CDC consa-grando tambeacutem o princiacutepio da informaccedilatildeo ao titular quanto agrave finalidade forma e duraccedilatildeo do tratamento forma de contato com o controlador e direitos do titular frente agrave responsabilizaccedilatildeo dos agentes do tratamento

Sobre a responsabilidade civil dos agentes de tratamento esta eacute ex-pressamente objetiva incluindo natildeo apenas a reparaccedilatildeo de danos como de prestaccedilotildees positivas ou negativas referentes aos dados (exclusatildeo in-formaccedilatildeo etc) Uma tocircnica da LGPD eacute o rol de dispositivos englobando o tema do consentimento fornecido pelo titular com possibilidade de inversatildeo do ocircnus da prova contra os agentes de tratamento em processo judicial Assim como no Coacutedigo de Defesa do Consumidor e no Coacutedigo de Processo Civil de 2015 o ocircnus da prova natildeo eacute automaacutetico devendo ser decidido pelo juiz no caso concreto

Tantas semelhanccedilas entre a LGPD e o CDC produzem grande expec-tativa naquele que analisa os seus 65 (sessenta e cinco) artigos por uma declaraccedilatildeo mais expressa do legislador de que se inspirou nas normas

16 A LGPD estabelece dois regimes de proteccedilatildeo aos dados Dados pessoais satildeo apenas os considerados capazes de identificar seu titular por outro lado os dados ldquoanoni-mizadosrdquo satildeo os que natildeo podem ser relacionados a um certo titular de acordo com a tecnologia disponiacutevel Haacute grande diferenccedila quanto ao regime de consentimento e proteccedilatildeo entre um e outro tipo

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consumeristas para construccedilatildeo do regime legal de proteccedilatildeo de dados pes-soais Eis que apenas no artigo 45 a LGPD confirma o que jaacute se suspeitava Dispotildee textualmente que ldquoart 45 As hipoacuteteses de violaccedilatildeo do direito do ti-tular no acircmbito das relaccedilotildees de consumo permanecem sujeitas agraves regras de responsabilidade previstas na legislaccedilatildeo pertinenterdquo17 (Grifos nossos)

Restando demonstrado que a LGPD tem condatildeo notadamente pro-tetivo aos titulares dos dados inclusive pela possibilidade de inversatildeo do ocircnus da prova pelos agentes de tratamento no cumprimento de seus deveres resta saber como fica o seu direito de defesa diante de accedilotildees ju-diciais dos quais podem ser reacuteus

Eis que a LGPD acaba por possibilitar expressamente o uso dos dados pessoais do titular contra o mesmo nos limites dos dispositivos a seguir

Art 7ordm O tratamento de dados pessoais somente poderaacute ser realizado nas seguintes hipoacuteteses [] IX ndash quando necessaacuterio para atender aos interesses legiacutetimos do controlador ou de terceiro exceto no caso de prevalecerem direitos e liberdades fundamentais do titular que exijam a proteccedilatildeo dos dados pessoais [] Art 22 A defesa dos interesses e dos direitos dos titulares de dados poderaacute ser exer-cida em juiacutezo individual ou coletivamente na forma do disposto na legislaccedilatildeo pertinente acerca dos instrumentos de tutela individual e coletiva [] Art 37 O controlador e o operador devem manter regis-tro das operaccedilotildees de tratamento de dados pessoais que realizarem especialmente quando baseado no legiacutetimo interesse [] Art 43 Os agentes de tratamento soacute natildeo seratildeo responsabilizados quan-do provarem I ndash que natildeo realizaram o tratamento de dados pessoais que lhes eacute atribuiacutedo II ndash que embora tenham realizado o tratamento de dados pessoais que lhes eacute atribuiacutedo natildeo houve violaccedilatildeo agrave legis-laccedilatildeo de proteccedilatildeo de dados ou III ndash que o dano eacute decorrente de culpa exclusiva do titular dos dados ou de terceiro (BRASIL 2019) (os grifos satildeo nossos)

Em suma embora a LGPD de modo geral proiacuteba que os dados sob posse dos agentes de tratamento possam ser utilizados contra os titulares a contrario sensu autoriza o seu uso para defesa dos interesses legiacutetimos dos controladores encarregados e operadores

17 Embora em um raacutepido raciociacutenio haja dificuldade de se imaginar a aplicaccedilatildeo da LGPD fora das relaccedilotildees de consumo natildeo se pode ignorar que o agente de tratamen-to possa ser outra pessoa fiacutesica ou juriacutedica em relaccedilotildees de natureza diversa (traba-lhista de famiacutelia ou ciacuteveis em sentido amplo) como pelo proacuteprio Estado pelo que a LGPD determina neste caso a aplicaccedilatildeo da Lei de Acesso agrave Informaccedilatildeo

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Neste contexto mostra-se desafiadora a permanecircncia do entendi-mento judicial predominante18 quanto agrave inadmissibilidade absoluta de que telas sistecircmicas como defesa dos fornecedores embora jaacute existam posicionamentos contraacuterios em construccedilatildeo19

Isto natildeo significa que o sistema protetivo do CDC tenha iniciado uma corrosatildeo a partir da promulgaccedilatildeo da LGPD ateacute mesmo porque esta con-sidera abusivo o uso de informaccedilotildees em poder do controlador contra o proacuteprio titular20 como pode ocorrer com grandes fornecedores de servi-ccedilos como energia eleacutetrica planos de sauacutede bancos e telecomunicaccedilotildees

Retornando ao debate quanto aos limites do procedimento sumariacutes-simo presente nos Juizados Especiais eacute cediccedilo que a prova pericial tradi-cional natildeo eacute admitida apenas sendo possiacutevel a colaboraccedilatildeo de pareceres teacutecnicos de profissionais de confianccedila21 ou a proacutepria inspeccedilatildeo judicial22

Eacute preciso considerar que o magistrado pode decidir em sede de Jui-zados Especiais com base nas regras de experiecircncia23 perfeitamente com-patiacutevel com o uso da razoabilidade como jaacute previsto no Coacutedigo de Proces-so Civil de 201524

Acrescente-se que a proacutepria Lei 909995 permitiu o uso de soluccedilotildees ldquojustas e equacircnimesrdquo25 sendo portanto a aplicaccedilatildeo da equidade natildeo ape-nas possiacutevel o acircmbito dos Juizados mas igualmente no proacuteprio Coacutedigo de Defesa do Consumidor26

18 Agrave guisa de exemplo como no RI 10000304220178110098 MT Relator ANTONIO VE-LOSO PELEJA JUNIOR Data de Julgamento 29092020 Turma Recursal Uacutenica Data de Publicaccedilatildeo 01102020

19 Vide TJ-SP 10158492320178260576 SP 1015849-2320178260576 Relator Edgard Rosa Data de Julgamento 15032018 25ordf Cacircmara de Direito Privado Data de Publi-caccedilatildeo 16032018

20 Art 21 Os dados pessoais referentes ao exerciacutecio regular de direitos pelo titular natildeo podem ser utilizados em seu prejuiacutezo

21 Artigo 35 da Lei 909995 e enunciado nordm 12 do FONAJE

22 Paraacutegrafo uacutenico idem

23 Artigo 5ordm idem

24 Artigo 8ordm Coacutedigo de Processo Civil de 2015

25 Artigo 6ordm Lei 909995

26 Artigo 7ordm CDC

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Por fim nenhuma prova nos Juizados eacute absoluta e previamente con-siderada complexa o suficiente para conduzir o processo agrave sua extinccedilatildeo sem apreciaccedilatildeo do meacuterito27 e que o Coacutedigo de Processo Civil em seus artigos 411 inciso III e 412 consideram vaacutelido o documento cuja autentici-dade natildeo foi impugnada

Entretanto os novos paradigmas quanto agrave validade dos documentos eletrocircnicos sobretudo a partir da promulgaccedilatildeo da Lei Geral de Proteccedilatildeo de Dados desafiam o magistrado as partes seus procuradores e demais sujeitos processuais a uma avaliaccedilatildeo mais razoaacutevel diante de sua produccedilatildeo

Por um lado sua aceitaccedilatildeo inequiacutevoca pode ter como consequecircncias graves o cerceamento de direitos da parte contraacuteria por outro a extrema desconfianccedila quando agrave sua autenticidade entre em confronto com a cons-truccedilatildeo do acesso agrave justiccedila do legado de Cappelletti e tatildeo bem recepcio-nado pelo artigo 98 da Constituiccedilatildeo de 1988 pelo Coacutedigo de Defesa do Consumidor e pela Lei dos Juizados Especiais

5 CONSIDERACcedilOtildeES FINAISO presente teve como objetivo analisar a indicativa mudanccedila de pa-

radigmas no acircmbito da valoraccedilatildeo probatoacuteria dos documentos eletrocircnicos em lides consumeristas processadas e julgadas no acircmbito dos Juizados Especiais frente agrave promulgaccedilatildeo da Lei Geral de Proteccedilatildeo de Dados

Fez-se necessaacuterio resgatar a concepccedilatildeo originaacuteria do acesso agrave justiccedila de acordo com os estudos de Cappelletti e Garth fundamentadores da es-truturaccedilatildeo fundamental dos Juizados Especiais regulado na Constituiccedilatildeo de 1988 e na Lei 909995 e um dos indicadores da percepccedilatildeo de se viver em um Estado Democraacutetico de Direito

Conjugando-se com as normas protetivas do consumidor presentes no seu Coacutedigo de Defesa proacuteprio verificou-se que dada a realidade de que grande parte das relaccedilotildees de consumo ocorrem pela via eletrocircnica a va-loraccedilatildeo da prova por meio digital com excesso de formalismo natildeo apenas eacute contraacuteria agrave concepccedilatildeo de acesso agrave justiccedila da Lei 909995 como pode levar a decisotildees potencialmente ultrapassadas e injustas diante da inequiacute-voca e crescente presenccedila dos negoacutecios juriacutedicos produzidos por meio da rede mundial de computadores

27 FONAJE enunciado 54 ndash A menor complexidade da causa para a fixaccedilatildeo da compe-tecircncia eacute aferida pelo objeto da prova e natildeo em face do direito material

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Constatou-se que os vetores de evoluccedilatildeo do ordenamento brasileiro apontam para uma aceitaccedilatildeo maior da prova eletrocircnica inclusive em re-laccedilotildees consumeristas e para proteccedilatildeo das partes envolvidas inclusive da mais fraacutegil que eacute o consumidor

Ao fim foi possiacutevel concluir que as ferramentas interpretativas para a adequada valoraccedilatildeo dos documentos eletrocircnicos em processos judiciais de mateacuteria consumerista jaacute estatildeo disponiacuteveis nas normas contidas na Lei 909995 no Coacutedigo de Defesa do Consumidor e na Lei Geral de Proteccedilatildeo de Dados

Em relativa quebra de protocolo acadecircmico28 consideramos impor-tante resgatar o conceito de equidade como concebido por Aristoacuteteles em sua ceacutelebre obra Eacutetica a Nicocircmacos

A justiccedila eacute a observacircncia do meio termo mas natildeo de maneira idecircntica agrave observacircncia de outras formas de excelecircncia moral e sim porque ela se relaciona com o meio termo enquanto a injusticcedila se relaciona com os extremos [] No ato injusto ter muito pouco eacute ser tratado injusta-mente e ter demais eacute agir injustamente (ARISTOacuteTELES 1999 p 101)

Nota-se portanto que a alegoria simboacutelica da balanccedila como sinocircni-mo de justiccedila se mostra cada vez mais contemporacircnea e adequada Com o equiliacutebrio aplica-se agrave equidade com a aplicaccedilatildeo da equidade garante-se o acesso agrave justiccedila E com o acesso agrave justiccedila a efetividade dos direitos garan-te aos cidadatildeos o sentimento de se conviver em um Estado Democraacutetico de Direito

6 REFEREcircNCIASARISTOacuteTELES Eacutetica a Nicocircmacos Brasiacutelia Editora UNB 1999

ARENHART Seacutergio Cruz MARINONI Luiz Guilherme Procedimentos Especiais Satildeo Paulo Revista dos Tribunais 2012

BUENO Cassio Scarpinella Manual de Direito Processual Civil 4 ed Satildeo Paulo Saraiva Educaccedilatildeo 2018

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28 Que recomenda que natildeo sejam feitas citaccedilotildees diretas na conclusatildeo de trabalhos cientiacuteficos

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CAVALIERI FILHO Seacutergio Programa de Direito do Consumidor Ed Atlas 2ordf ed Satildeo Paulo 2019

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O sistema multiportas como propulsor do acesso agrave Justiccedila no acircmbito do

juizado de Fazenda Puacuteblica

1 Poacutes-Doutoranda em Direito Puacuteblico pela Universidade Federal da Bahia Doutora em Direito pela Universidade Federal da Bahia Mestra em Novos Direitos pela Universi-dade Federal da Bahia Mestra em Famiacutelia na Sociedade Contemporacircnea pela Uni-versidade Catoacutelica do Salvador Poacutes-graduada em Civil e Processo Civil da Faculdade Baiana de Direito Poacutes-graduada em Relaccedilotildees Familiares e Contextos Sociais pela UCSAL Poacutes-graduada em Direito Canocircnico pala UCSal Poacutes-graduada em Atividade Judicante pela EMABUFBA Juiacuteza Formadora Tutora e Contuedista na Escola Nacio-nal de Formaccedilatildeo e Aperfeiccediloamento de Magistrados (ENFAM) Tutora e Contuedista da Escola Nacional de Magistrados (ENM) Formadora na Unicorp Tutora do Centro de Apoio agrave Magistratura Brasileira COVID 19 da ENFAM na temaacutetica Litigiosidade recorrente e sistema multiportas Atualmente exerce funccedilatildeo judicante na 6ordf Turma Recursal da Fazenda Puacuteblica em Salvador

2 Especialista em Direito Constitucional e Administrativo pela Escola Paulista de Di-reito Especialista em Ciecircncias Criminais pela Universidade Cacircndido Mendes Poacutes--graduanda em Direito Processual Civil pela Universidade Cacircndido Mendes Poacutes-gra-duanda em Direito Civil pela Escola Paulista de Direito Graduada em Direito pela Universidade Federal da Bahia

Ana Conceiccedilatildeo Barbuda Sanches Guimaratildees Ferreira1

Ana Baacuterbara Barbuda Ferreira Motta2

Resumo O conflito eacute inerente agrave vida em sociedade As interaccedilotildees sociais e a divergecircncia dos interesses de cada indiviacuteduo fazem com que o conflito seja algo inafastaacutevel em qualquer comunidade Para tanto desenvolvem-se tambeacutem meacutetodos para a resoluccedilatildeo dessas lides A Jurisdiccedilatildeo Estatal ocupou papel central ao longo de muitos anos de modo que o excesso de litigiosidade somados agrave precarieda-de estrutural acabou fazendo da Justiccedila um espaccedilo moroso e muitas vezes inefetivo para a realizaccedilatildeo do princiacutepio constitucional do acesso agrave justiccedila Diante desse cenaacuterio nos uacuteltimos anos ganha destaque a busca por outros meacutetodos de resoluccedilatildeo de conflito retirando a exclu-sividade da Jurisdiccedilatildeo Estatal e abrindo caminho para outras formas de pacificaccedilatildeo social o que se passou a chamar de sistema multipor-tas Essa tendecircncia eacute seguida pelo Conselho Nacional de Justiccedila ao editar a resoluccedilatildeo 1252010 bem como pelo Coacutedigo de Processo Civil

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de 2015 A aplicaccedilatildeo do sistema multiportas no acircmbito dos Juizados de Fazenda Puacuteblica passa a ser um desafio que busca conciliar essa tendecircncia inafastaacutevel com as prerrogativas e limitaccedilotildees proacuteprias da Fazenda Puacuteblica

Palavras-chave Sistema multiportas meacutetodos adequados de solu-ccedilatildeo de conflitos autocomposiccedilatildeo arbitragem Fazenda Puacuteblica

1 INTRODUCcedilAtildeO

A vida em sociedade eacute uma necessidade humana de modo que o homem ao longo da histoacuteria percebeu a importacircncia de viver com seus semelhantes para garantir sua sobrevivecircncia a perpetuaccedilatildeo de sua espeacute-cie bem como sua plena satisfaccedilatildeo Ocorre que da mesma forma que a vida em sociedade eacute algo inafastaacutevel e natural assim tambeacutem eacute o conflito entre os indiviacuteduos que formam esta sociedade Os indiviacuteduos natildeo tecircm as-piraccedilotildees e interesses idecircnticos em todos os momentos e essas diferenccedilas acabam produzindo conflitos

Os conflitos portanto estatildeo presentes em todo e qualquer ambiente de modo que sempre que houver convivecircncia e interaccedilatildeo entre um grupo de pessoas invariavelmente surgiratildeo divergecircncias de objetivos ideias e interesse As causas dos conflitos satildeo pluacuterimas e justamente por essa ra-zatildeo cada vez mais cresce a necessidade de identificar as referidas causas a fim de verificar qual o meacutetodo mais apropriado para sua soluccedilatildeo ou seja aquele que proporcionaraacute o resultado mais satisfativo agraves partes e agrave pacifi-caccedilatildeo de forma mais duradoura

Numa visatildeo tradicional o conflito eacute visto como algo negativo ou seja algo ruim que provoca violecircncia irracionalidade destruiccedilatildeo Por outro lado quando considerado pela visatildeo das relaccedilotildees humanas o conflito pas-sa a ser algo natural Por fim a visatildeo interacionista exalta o conflito como um proporcionador de mudanccedilas inovaccedilotildees e melhorias

Portanto percebe-se que devemos buscar lidar com o conflito de forma natildeo violenta ou seja deixar de vecirc-lo apenas como algo negativo passando a enxergaacute-lo como algo natural no modo de existir de qualquer sociedade Sendo assim muitas consequecircncias positivas podem derivar de um conflito como o pensamento criacutetico criativo a melhoria na tomada de decisotildees o reforccedilo a consciecircncia sobre as possibilidades de escolha e o incentivo a diferentes formas de resoluccedilatildeo melhorando as relaccedilotildees e avaliando as diferenccedilas

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A visatildeo tradicional do conflito considerando apenas seu aspecto negativo acabou gerando uma intensa litigiosidade tendo como ator principal a Jurisdiccedilatildeo Estatal Houve assim um longo periacuteodo de mono-poacutelio estatal na soluccedilatildeo das lides de modo que as partes do conflito se tornavam meros coadjuvantes da sua soluccedilatildeo

Ocorre que esse excesso de litigiosidade somados a precariedade estrutural acabou fazendo da Justiccedila um espaccedilo moroso e muitas vezes inefetivo para a realizaccedilatildeo do princiacutepio constitucional do acesso agrave justiccedila ocasionando uma verdadeira crise no Poder Judiciaacuterio Natildeo satildeo raros os relatos de processos que perduram deacutecadas sem soluccedilatildeo ou de accedilotildees re-solvidas que logo em seguida acabam gerando novos conflitos Toda essa situaccedilatildeo gera inevitavelmente um afastamento ao princiacutepio constitucional do acesso agrave justiccedila De um lado sobrecarrega-se o Judiciaacuterio com ques-totildees que seriam mais bem resolvidas por outras vias de outro lado o ju-risdicionado acaba sofrendo com uma prestaccedilatildeo muitas vezes deficiente

Sem duacutevidas o surgimento dos juizados especiais com as Leis 909995 e posteriormente com a Lei 102592001 e 121532006 contri-buiacuteram de forma intensa agrave celeridade e economia processual

Diante desse cenaacuterio nos uacuteltimos anos ganha destaque a busca por outros meacutetodos de resoluccedilatildeo de conflito retirando a exclusividade da Jurisdiccedilatildeo Estatal e abrindo caminho para outras formas de pacificaccedilatildeo so-cial o que se passou a chamar de sistema multiportas Essa tendecircncia eacute se-guida pelo Conselho Nacional de Justiccedila ao editar a resoluccedilatildeo 1252010 bem como pelo Coacutedigo de Processo Civil de 2015

Desafio ainda maior eacute a implementaccedilatildeo desse sistema multiportas no acircmbito da Fazenda Puacuteblica em especial dos Juizados de Fazenda Puacuteblica uma vez que diversos aspectos devem ser adaptados a fim de garantir que as prerrogativas princiacutepios e limitaccedilotildees proacuteprias da Fazenda Puacuteblica sejam preservados

2 O SISTEMA MULTIPORTAS NO ORDENAMENTO JURIacuteDICO BRASILEIRO

O sistema de justiccedila multiportas em que o Judiciaacuterio natildeo eacute o uacutenico meio possiacutevel para a soluccedilatildeo de controveacutersias tem ocupado cada dia mais posiccedilatildeo de destaque em nosso ordenamento juriacutedico sobretudo com o Coacutedigo de Processo Civil de 2015 Para tanto eacute fundamental compreender o seu surgimento e quais os meios de soluccedilatildeo que o integram Isso por-

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que para cada situaccedilatildeo haveraacute um meio adequado meio este que eacute inte-grado com outros meios que tambeacutem podem se revelar como adequado para o caso (CUNHA 2020)

21 ORIGEM E NOCcedilOtildeES GERAIS ACERCA DO ldquoSISTEMA MULTI-PORTASrdquo

Em 1976 Frank Sander professor de Havard introduziu no mundo juriacutedico uma ideia denominada ldquocentro abrangente de justiccedilardquo que mais tarde ficaria conhecida como ldquoTribunal Multiportasrdquo Sendo assim o ldquoTribu-nal Multiportasrdquo eacute uma instituiccedilatildeo que direcionaria as questotildees que lhes satildeo apresentadas ao meacutetodo mais adequado de resoluccedilatildeo Desse modo a ideia eacute examinar as diferentes formas de resoluccedilatildeo de conflito e entender no caso concreto qual eacute a mais adequada Deixa-se de lado o monopoacutelio da Jurisdiccedilatildeo Estatal e abrem-se novas portas para a soluccedilatildeo de conflitos

No nosso ordenamento destacam-se aleacutem do processo tradicional a arbitragem a mediaccedilatildeo e a conciliaccedilatildeo O tema ganha destaca nos uacuteltimos anos sobretudo pelo abarrotamento do Judiciaacuterio em meio a uma cres-cente conflitualidade o que acaba comprometendo a proacutepria prestaccedilatildeo jurisdicional Percebe-se portanto que o Tribunal Multiportas prestigia o princiacutepio da adaptabilidade e segundo Cacircndido Rangel Dinamarco (2001) potencializa a celeridade e eficiecircncia do curso processual

A doutrina tem afirmado portanto que nos uacuteltimos anos o ordena-mento juriacutedico paacutetrio adotou o sistema multiportas de soluccedilatildeo de litiacutegios vejamos

ldquoCostumam-se chamar de lsquomeios alternativos de resoluccedilatildeo de con-flitosrsquo a mediaccedilatildeo a conciliaccedilatildeo e a arbitragem (Alternative Dispute Resolution ndash ADR) Estudos mais recentes demonstram que tais meios natildeo seriam lsquoalternativosrsquo mas sim integrados formando um modelo de sistema de justiccedila multiportas Para cada tipo de controveacutersia se-ria adequada uma forma de soluccedilatildeo de modo que haacute casos em que a melhor soluccedilatildeo haacute de ser obtida pela mediaccedilatildeo enquanto outros pela conciliaccedilatildeo outros pela arbitragem e finalmente os que se re-solveriam pela decisatildeo do juiz estatal Haacute casos entatildeo em que o meio alternativo eacute que seria o da justiccedila estatal A expressatildeo multiportas decorre de uma metaacutefora seria como se houvesse no aacutetrio do foacuterum vaacuterias portas a depender do problema apresentado as partes seriam encaminhadas para a porta da mediaccedilatildeo ou da conciliaccedilatildeo ou da arbitragem ou da proacutepria justiccedila estatal (CUNHA Leonardo Carneiro da A Fazenda Puacuteblica em Juiacutezo 20ordf ed Rio de Janeiro Forense p 637)

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Fredie Didier (2015) entende que a Resoluccedilatildeo nordm 1252012 do Con-selho Nacional de Justiccedila jaacute estabelecera a poliacutetica puacuteblica do tratamento adequado de conflitos estimulando a autocomposiccedilatildeo O Conselho Na-cional de Justiccedila vem exercendo um relevante papel como gestor desta poliacutetica puacuteblica no acircmbito do Poder judiciaacuterio (DIDIER 2015) Esta Resolu-ccedilatildeo eacute extremamente didaacutetica e inovadora definindo o proacuteprio CNJ como organizador da poliacutetica puacuteblica de tratamento adequado de conflitos impondo a criaccedilatildeo pelos tribunais de centros de soluccedilotildees de conflitos regulamentando a atuaccedilatildeo dos mediadores e conciliadores (criando um Coacutedigo de Eacutetica) determinando a criaccedilatildeo publicidade de banco de esta-tiacutesticas de seus centros de soluccedilatildeo de conflito e cidadania definindo um curriacuteculo miacutenimo para a capacitaccedilatildeo de mediadores e conciliadores

O direito brasileiro a partir da Resoluccedilatildeo nordm 1252010 do Conselho Nacional de Justiccedila e com o Coacutedigo de Processo Civil de 2015 ca-minha para a construccedilatildeo de um processo civil e sistema de justiccedila multiportas com cada caso sendo indicado para o meacutetodo ou teacutec-nica mais adequada para a soluccedilatildeo do conflito O Judiciaacuterio deixa de ser um lugar de julgamento apenas para ser um local de resoluccedilatildeo de disputas Trata-se de uma importante mudanccedila paradigmaacutetica Natildeo basta que o caso seja julgado eacute preciso que seja conferida uma soluccedilatildeo adequada que faccedila com que as partes saiam satisfeitas com o resultadordquo (CUNHA Leonardo Carneiro da A Fazenda Puacuteblica em Juiacutezo 20ordf ed Rio de Janeiro Forense p 637)

O Ministro do Supremo Tribunal Federal Marco Aureacutelio Peixoto e Re-nata Peixoto citando a liccedilatildeo de Rafael Alves de Almeida Tacircnia Almeida e Mariana Hernandez Crespo apontam as vantagens do sistema multiportas destacando o protagonismo do indiviacuteduo na soluccedilatildeo de seus problemas com maior comprometimento e responsabilizaccedilatildeo o estimulo a autocom-posiccedilatildeo maior eficiecircncia do Poder Judiciaacuteria que ficaria com casos mais complexos aleacutem da transparecircncia e conhecimento preacutevio pelas partes sobre as possiacuteveis soluccedilotildees (PEIXOTO 2018) Satildeo portanto inuacutemeras van-tagens que levam a adoccedilatildeo desse novo sistema de resoluccedilatildeo de conflitos

Por fim eacute importante destacar que a adoccedilatildeo do sistema multiportas relaciona-se com o proacuteprio acesso agrave justiccedila A Constituiccedilatildeo Federal esta-belece o acesso agrave justiccedila e o princiacutepio da inafastabilidade da jurisdiccedilatildeo em seu art 5ordm Sendo assim esse importante princiacutepio fundamental en-frenta barreiras que devem ser enfrentadas Mauro Cappelletti e Bryant Garth estabeleceram ldquotrecircs ondas renovatoacuteriasrdquo de acesso agrave justiccedila ou seja possiacuteveis soluccedilotildees surgidas nos paiacuteses do mundo Ocidental atraveacutes de

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movimento chamado ldquoProjeto Florenccedila de Acesso agrave Justiccedilardquo para ultrapas-sar essas barreiras que impedem um acesso efetivo agrave justiccedila A primeira ldquoondardquo renovatoacuteria apontada pelos autores seria a assistecircncia judiciaacuteria com a implementaccedilatildeo da gratuidade e da proacutepria Defensoria Puacuteblica por exemplo Jaacute a segunda onda relaciona-se com a tutela de interesses coletivos lato sensu com um microssistema de tutela coletiva com regras proacuteprias (CAPPELLETTI 1994) Proporcionar o acesso a outros meacutetodos para resoluccedilatildeo de conflitos eacute portanto proporcionar o proacuteprio acesso a justiccedila concretizando o comando constitucional

Existem basicamente duas maneiras de soluccedilatildeo do conflito quais sejam a autocomposiccedilatildeo e a heterocomposiccedilatildeo A nomenclatura facilita o entendimento na autocomposiccedilatildeo as proacuteprias partes envolvidas no conflito encontram a sua soluccedilatildeo ou seja o conflito eacute autogerido pelos sujeitos da relaccedilatildeo enquanto na heterocomposiccedilatildeo haacute uma intervenccedilatildeo de um terceiro alheio a relaccedilatildeo conflituosa que iraacute ditar uma soluccedilatildeo

A autocomposiccedilatildeo eacute marcada pela prevalecircncia da vontade das partes que em conjunto chegam a um desfecho Sem duacutevidas os sujeitos envol-vidos na relaccedilatildeo satildeo os que melhor conhecem as circunstacircncias em torno do problema Ademais a satisfaccedilatildeo das partes eacute uma das finalidades na resoluccedilatildeo o que faz com que a autocomposiccedilatildeo tenha grandes vantagens Tudo isso somado a celeridade relevam a importacircncia e a necessidade de estiacutemulo agrave autocomposiccedilatildeo

Compreende-se que a soluccedilatildeo negocial natildeo eacute apenas um meio eficaz e econocircmico de resoluccedilatildeo dos litiacutegios trata-se de importante instrumento de desenvolvimento da cidadania em que os interessados passam a ser protagonistas da construccedilatildeo da decisatildeo juriacutedica que regula suas relaccedilotildees Neste sentido o estiacutemulo a autocomposiccedilatildeo pode ser entendido como um reforccedilo a participaccedilatildeo popular no exerciacutecio do poder ndash no caso o po-der de soluccedilatildeo dos litiacutegios Tem tambeacutem por isso forte caraacuteter democraacuteti-co (DIDIER 2015 p 274)

A autocomposiccedilatildeo eacute gecircnero de modo que poderaacute ocorrer de trecircs formas transaccedilatildeo renuacutencia ou reconhecimento Na transaccedilatildeo as partes fazem concessotildees muacutetuas Trata-se do exerciacutecio de vontade bilateral das partes visto que quando um natildeo quer dois natildeo fazem a transaccedilatildeo (NEVES 2016) Na renuacutencia o titular do direito abdica dos seus interesses enquan-to no reconhecimento a parte contraacuteria assente agrave pretensatildeo que lhe eacute oposta Essas formas de autocomposiccedilatildeo satildeo tratadas expressamente no Coacutedigo de Processo Civil em especial no art 487 III

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Por fim eacute salutar que se observe que o Coacutedigo de Processo Civil atento a esse movimento em diversas ocasiotildees dispotildee o dever do ma-gistrado em estimular a autocomposiccedilatildeo Nas normas fundamentais o Coacutedigo de Processo Civil jaacute deixa claro esse compromisso com o incentivo agrave soluccedilatildeo consensual dos conflitos vejamos

sect 3ordm A conciliaccedilatildeo a mediaccedilatildeo e o outros meacutetodos de soluccedilatildeo con-sensual de conflitos deveratildeo ser estimulados por juiacutezes advogados defensores puacuteblicos e membros do Ministeacuterio Puacuteblico inclusive no curso do processo judicialrdquo

Eacute possiacutevel falar portanto em um princiacutepio do estiacutemulo da soluccedilatildeo por autocomposiccedilatildeo Ainda o CPC a partir do art 165 possui um capiacutetulo inteiramente dedicado aos meacutetodos autocompositivos A tentativa de au-tocomposiccedilatildeo eacute agora uma fase do processo sendo um dos requisitos da peticcedilatildeo inicial e da contestaccedilatildeo de modo que a audiecircncia de conciliaccedilatildeo apenas natildeo ocorreraacute quando ambas as partes se manifestarem expressa-mente pelo desinteresse No iniacutecio da audiecircncia de instruccedilatildeo o magistra-do deve novamente abrir agrave possibilidade de autocomposiccedilatildeo e por fim em qualquer fase do processo eacute possiacutevel a homologaccedilatildeo de acordo extra-judicial (art 515 111 art 725 VIII CPC) acordo este que pode envolver inclusive questotildees alheias ao processo (art 515 sect 2ordm CPC)

A autocomposiccedilatildeo poderaacute ocorrer com ou sem o auxiacutelio de terceiros Esses terceiros natildeo ditam a soluccedilatildeo como ocorre na heterocomposiccedilatildeo mas apenas estimulam as partes para que encontrem esse desfecho Satildeo eles os mediadores e conciliadores que seratildeo estudados nas proacuteximas paacuteginas

22 MEacuteTODOS DE SOLUCcedilAtildeO DE CONFLITOS EM ESPEacuteCIE

O primeiro meacutetodo de soluccedilatildeo dos conflitos eacute a proacutepria jurisdiccedilatildeo estatal A jurisdiccedilatildeo eacute uma atuaccedilatildeo do Estado atraveacutes do processo que aplica o direito ao caso concreto resolvendo conflitos com definitividade e modo impositivo Por outro lado existem ainda os equivalentes jurisdi-cionais que satildeo meacutetodos adequados para a soluccedilatildeo de conflitos Ou seja qualquer soluccedilatildeo do conflito obtida por via natildeo jurisdicional

A primeira eacute a autotutela Na autotutela uma das partes impotildee a sua vontade Trata-se de uma soluccedilatildeo ldquoegoiacutestica e parcialrdquo do litiacutegio de modo que uma das partes se torna um verdadeiro juiz da causa (DIDIER 2015) Evidente portanto que eacute uma forma de soluccedilatildeo que eacute em regra veda-

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da pelo nosso ordenamento podendo configurar inclusive o crime de exerciacutecio arbitraacuterio das proacuteprias razotildees ou abuso de poder Sendo assim considerando o monopoacutelio estatal do uso da forccedila essa forma de soluccedilatildeo eacute em regra proibida Excepcionalmente contudo o proacuteprio ordenamento juriacutedico em situaccedilotildees de urgecircncia permite o uso da autotutela Nesse sentido destaca-se por exemplo o desforccedilo imediato na defesa da posse (art 1210 sect 1 do Coacutedigo Civil) a legiacutetima defesa o estado de necessidade e o direito de retenccedilatildeo

Ainda haacute a autocomposiccedilatildeo que ocorreraacute quando as proacuteprias partes chegam agrave soluccedilatildeo do conflito podendo ocorrer por renuacutencia submissatildeo ou transaccedilatildeo Neste ponto merece destaque que para alguns a mediaccedilatildeo e conciliaccedilatildeo seriam formas de autocomposiccedilatildeo como denota Fredie Di-dier

Mediaccedilatildeo e conciliaccedilatildeo satildeo formas de soluccedilatildeo de conflito pelas quais um terceiro interveacutem em um processo negocial com a funccedilatildeo de au-xiliar as partes a chegarem agrave autocomposiccedilatildeo Ao terceiro natildeo cabe resolver o problema como acontece na arbitragem o mediadorconciliador exerce um papel de catalisador de soluccedilatildeo negocial do conflito Natildeo satildeo por isso espeacutecies de heterocomposiccedilatildeo do conflito trata-se de exemplo de autocomposiccedilatildeo com a participaccedilatildeo de um terceiro (DIDIER 2015)

Para outros autores contudo haacute que se diferenciar a mediaccedilatildeocon-ciliaccedilatildeo da autocomposiccedilatildeo vejamos o que diz Daniel Assumpccedilatildeo

A mediaccedilatildeo eacute forma alternativa de soluccedilatildeo de conflitos fundada no exerciacutecio da vontade das partes mas natildeo se confunde com a auto-composiccedilatildeo porque enquanto nesta haveraacute necessariamente um sacrifiacutecio total ou parcial dos interesses da parte naquela a soluccedilatildeo natildeo traz qualquer sacrifiacutecio aos interesses das partes envolvidas no conflito Em razatildeo da ausecircncia de sacrifiacutecios dos interesses das partes na mediaccedilatildeo o legislador a classificou como meio consensual de so-luccedilatildeo dos conflitos diferente da autocomposiccedilatildeo Mas tal opccedilatildeo con-ceituai certamente natildeo afasta a promoccedilatildeo da mediaccedilatildeo dos deveres do juiz (NEVES 2016)

Tanto a mediaccedilatildeo quanto a conciliaccedilatildeo se baseiam na vontade das partes Trata-se de uma forma de soluccedilatildeo em que o foco fica nas razotildees do conflito e natildeo o conflito em si Esses satildeo os aspectos que aproximam as duas teacutecnicas A diferenccedila entre a conciliaccedilatildeo e a mediaccedilatildeo eacute sutil O Coacutedigo de Processo Civil em seu art 165 sectsect 2ordm e 3ordm estabeleceu que a conciliaccedilatildeo ocorreraacute quando natildeo houver vinculo anterior com a possibi-

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lidade de sugestatildeo de soluccedilotildees pelo conciliador para o litiacutegio enquanto a mediaccedilatildeo ocorreraacute quando houver vinculo anterior de modo que em tese natildeo deveraacute haver a sugestatildeo de soluccedilotildees pelo mediador deixando que as partes possam identificar por si proacuteprias as soluccedilotildees consensuais

Percebe-se portanto que na mediaccedilatildeo o mediador facilita o diaacutelogo entre as pessoas para que elas mesmas proponham soluccedilotildees Sugere-se o uso desta teacutecnica para conflitos subjetivos cujo relacionamento seja du-radouro com relaccedilotildees preacutevias e continuadas Na conciliaccedilatildeo por sua vez o terceiro facilitador da conversa interfere de forma mais direta no litiacutegio e pode sugerir opccedilotildees de soluccedilatildeo para o conflito Para conflitos objetivos mais superficiais nos quais natildeo existe relacionamento duradouro entre os envolvidos aconselha-se o uso da conciliaccedilatildeo

A mediaccedilatildeo e a conciliaccedilatildeo podem ocorrer extrajudicialmente ou judicialmente Sendo judicial os conciliadores e mediadores satildeo auxilia-res da justiccedila de modo que seratildeo aplicados a eles as regras relativas aos sujeitos processuais inclusive com relaccedilatildeo a impedimento e suspeiccedilatildeo A mediaccedilatildeo e conciliaccedilatildeo podem ainda ocorrer perante Cacircmaras Publicas institucionais vinculadas aos tribunais ou em Cacircmaras Privadas ou ain-da em Cacircmaras Administrativas Por fim poderatildeo ocorrer ateacute mesmo em ambientes mais informais como em escritoacuterios de advocacia

O mediador e o conciliador podem ser funcionaacuterios puacuteblicos ou pro-fissionais liberais conforme art 167 CPC podendo ser de forma remune-rada mas tambeacutem atraveacutes de trabalho voluntaacuterio (art 169 sect 1 ordm CPC) Eacute possiacutevel prestigiando a vontade das partes que o mediador e conciliador seja escolhido pelas partes podendo inclusive recair em um profissional natildeo cadastrado perante o tribunal (art 1 68 sect 1 o CPC) Neste caso eacute preciso providenciar este cadastro (art 167 caput) o que eacute extremamente importante pois deveratildeo passar por um curso de capacitaccedilatildeo cujo progra-ma eacute definido pelo Conselho Nacional de Justiccedila e elo Ministeacuterio da Justi-ccedila aleacutem das reciclagens perioacutedicas (art167 sect 1 ordm CPC art 12 Resoluccedilatildeo nordm 1252012 do CNJ)

Sobre as etapas da conciliaccedilatildeo e mediaccedilatildeo natildeo haacute um consenso ab-soluto sobre quais sejam Em siacutentese normalmente haveraacute a apresentaccedilatildeo do conflito seguido de esclarecimentos Posteriormente haacute um momento de criaccedilatildeo de possiacuteveis soluccedilotildees com um braindstorm e ao final o encer-ramento

Por fim eacute importante destacar o que dispotildee o art166 sect 3 do CPC

O sistema multiportas como propulsor do acesso agrave Justiccedila no acircmbito do juizado de Fazenda Puacuteblica

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Art 166 A conciliaccedilatildeo e a mediaccedilatildeo satildeo informadas pelos princiacutepios da independecircncia da imparcialidade da autonomia da vontade da confidencialidade da oralidade da informalidade e da decisatildeo infor-mada sect 3ordm Admite-se a aplicaccedilatildeo de teacutecnicas negociais com o objeti-vo de proporcionar ambiente favoraacutevel agrave autocomposiccedilatildeo

Percebe-se que haacute uma liberdade maior pelos mediadores e conci-liadores na escolha das teacutecnicas que proporcionaratildeo a autocomposiccedilatildeo Existem inuacutemeras teacutecnicas que mesmo natildeo sendo do direito acabam proporcionando a soluccedilatildeo do conflito Nesse sentido deveratildeo ser obser-vadas pelo mediador e conciliador ao longo das sessotildees favorecendo o ambiente e a comunicaccedilatildeo para que as partes cheguem a um consenso a exemplo do rapport escuta ativa braindstorm entre outros

Por fim destaca-se a arbitragem meacutetodo heterocompositivo natildeo estatal em que um terceiro escolhido pelas partes determina a soluccedilatildeo para o caso concreto Trata-se de decisatildeo impositiva de um aacuterbitro ou Tri-bunal Arbitral Neste caso ao contraacuterio da Jurisdiccedilatildeo Estatal privilegia-se a confianccedila das partes na escolha do julgador Haacute uma corrente doutrinaacuteria que defende que a arbitragem natildeo eacute equivalente jurisdicional mas sim espeacutecie de jurisdiccedilatildeo ou seja uma jurisdiccedilatildeo privada Essa corrente parece ser a adotada pelo Coacutedigo de Processo Civil ao considerar no art 515 VII a sentenccedila arbitral como tiacutetulo executo judicial Haacute duas formas de institui-ccedilatildeo da arbitragem quais sejam (i) Claacuteusula compromissoacuteria que como o nome sugere eacute uma clausula inserida previamente no contrato podendo ser cheia (quando conteacutem todos os requisitos necessaacuterios) ou vazia e (ii) Compromisso arbitral que eacute uma convenccedilatildeo feita apoacutes o conflito atraveacutes da qual as partes submetem um litiacutegio agrave arbitragem de uma ou mais pes-soas podendo ser judicial ou extrajudicial

3 A FAZENDA PUacuteBLICA E O SISTEMA MULTIPORTAS

Nos uacuteltimos anos o modelo de Administraccedilatildeo Puacuteblica Burocraacutetica tem cedido espaccedilo a um novo modelo contemporacircneo o da Administra-ccedilatildeo Puacuteblica Gerencial Esses dois modelos diferem-se em razatildeo da buro-cracia que orienta os processos de tomada de decisatildeo e concretizaccedilatildeo Na burocraacutetica o processo eacute autorreferente enquanto na gerencial busca-se resultado que maior supra as necessidades dos administrados Nesse sen-tido fala-se ainda na busca por uma Administraccedilatildeo Dialoacutegica que crie pontes trocas e diaacutelogos com as demais partes trazendo um espaccedilo para a atuaccedilatildeo administrativa consensual (CUNHA 2020)

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Esse movimento de ampliaccedilatildeo da consensualidade se verifica em diversos ramos do direito puacuteblico em especial no direito penal (com a colaboraccedilatildeo premiada acordo de natildeo persecuccedilatildeo penal suspensatildeo con-dicional do processo dentre outros) direito processual civil (com os negoacute-cios juriacutedicos processuais e o princiacutepio da adaptabilidade dos procedimen-tos) e de modo geral ateacute mesmo no direito administrativo a exemplo da desapropriaccedilatildeo amigaacutevel acordo de leniecircncia e no acircmbito de agecircncias reguladoras

Nesse ambiente de crescente consensualidade se enquadra a dis-cussatildeo acerca da implementaccedilatildeo do sistema multiportas com a possi-bilidade de arbitragem autocomposiccedilatildeo envolvendo a Fazenda Puacuteblica Neste sentido eacute fundamental que em todo caso sempre se preserve as denominadas ldquopedras de toquerdquo da Administraccedilatildeo Puacuteblica quais sejam a supremacia e a indisponibilidade do interesse puacuteblico (MELLO 2009)

Recentemente a Lei de Introduccedilatildeo agraves Normas do Direito Brasileiro incluiu diversas normas de aplicaccedilatildeo no acircmbito do direito administrativo Dentre as modificaccedilotildees merece destaque a do art 26 vejamos

ldquoArt 26 Para eliminar irregularidade incerteza juriacutedica ou situaccedilatildeo contenciosa na aplicaccedilatildeo do direito puacuteblico inclusive no caso de ex-pediccedilatildeo de licenccedila a autoridade administrativa poderaacute apoacutes oitiva do oacutergatildeo juriacutedico e quando for o caso apoacutes realizaccedilatildeo de consul-ta puacuteblica e presentes razotildees de relevante interesse geral celebrar compromisso com os interessados observada a legislaccedilatildeo aplicaacutevel o qual soacute produziraacute efeitos a partir de sua publicaccedilatildeo oficialrdquo (grifos nossos)

O referido dispositivo traz a previsatildeo de uma claacuteusula geral de cele-braccedilatildeo de compromissos pela Administraccedilatildeo Puacuteblica eacute o que diz Leonar-do Carneiro Cunha (2020 p701)

ldquoA disposiccedilatildeo contida no art 26 da Lei de Introduccedilatildeo conteacutem a bem da verdade uma clausula geral estimuladora da adoccedilatildeo de meios consensuais pelo Poder Puacuteblico Aliaacutes por forccedila do art 30 da mesma LINDB o Poder Puacuteblico deve desenvolver procedimentos internos haacutebeis a identificar casos para sugerir a aplicaccedilatildeo dos meios consen-suais de conflito Esses dispositivos ndash aliados aos arts 3 e 174 do CPC ndash estabelecem um dever de a Administraccedilatildeo Puacuteblica adotar meios consensuais de soluccedilatildeo de disputasrdquo

O sistema multiportas como propulsor do acesso agrave Justiccedila no acircmbito do juizado de Fazenda Puacuteblica

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Evidente portanto a compatibilidade do sistema multiportas com os conflitos envolvendo o Poder Puacuteblico inclusive atraveacutes da arbitragem ou da autocomposiccedilatildeo Eacute o que seraacute tratado a seguir

31 A ARBITRAGEM NOS CONFLITOS ENVOLVENDO A FAZEN-DA PUacuteBLICA

A arbitragem conforme exposto anteriormente trata-se de meacutetodo heterocompositivo de soluccedilatildeo de conflitos ou seja meacutetodo atraveacutes do qual um terceiro imparcial (que natildeo se confunde com o Poder Judiciaacuterio) resolve a lide apresentada Para tanto anteriormente haacute a necessidade de celebraccedilatildeo de um ajuste seja atraveacutes de um compromisso arbitral ou de uma clausula compromissoacuteria

A Lei 930796 dispotildee sobre a arbitragem estabelecendo como re-quisitos que as partes sejam capazes para dirimir conflitos envolvendo ldquodireitos patrimoniais disponiacuteveisrdquo Neste aspecto subjetivo reside a grande controveacutersia acerca do tema Isso porque para uma primeira corrente a indisponibilidade do interesse puacuteblico inviabilizaria por completo a pos-sibilidade de uma arbitragem envolvendo o Poder Puacuteblico Uma segunda corrente por sua vez diferenciava ldquointeresse da administraccedilatildeordquo de ldquointeres-se puacuteblicordquo Por fim a terceira corrente baseia-se no princiacutepio da legalida-de (CUNHA 2020)

Abstraindo-se dessas discussotildees doutrinaacuterias fato eacute que a Lei de Arbi-tragem prevecirc atualmente em seu art 1ordm sect 1ordm a possibilidade de utilizaccedilatildeo da arbitragem pela Administraccedilatildeo Puacuteblica direta e indireta ldquopara dirimir conflitos relativos a direitos patrimoniais disponiacuteveisrdquo Antes mesmo da in-serccedilatildeo do referido dispositivo ocorrida em 2015 com a Lei 13129 diversos diplomas jaacute previam a arbitragem com entidades integrantes da Adminis-traccedilatildeo Puacuteblica a exemplo da Lei 898795 Lei 947297 Lei 947897 Lei 102332001 Lei 103432002 Lei 110792004 dentre outras

No sect 2ordm do art 1ordm da Lei de Arbitragem fica estabelecido que ldquoa au-toridade ou o oacutergatildeo competente da administraccedilatildeo puacuteblica direta para a celebraccedilatildeo de convenccedilatildeo de arbitragem eacute a mesma para a realizaccedilatildeo de acordos ou transaccedilotildeesrdquo Para compreender quais seriam os direitos ldquopatri-moniais disponiacuteveisrdquo passiacuteveis de soluccedilatildeo atraveacutes da arbitragem Leonardo Cunha (2020 p 710) traz a seguinte elucidaccedilatildeo

ldquoHaacute uma arbitrabilidade ampla relativamente ao Poder Puacuteblico quan-do este atua jure gestionis ou seja quando ele estiver inserido numa

Ana Conceiccedilatildeo Barbuda Sanches Guimaratildees Ferreira bull Ana Baacuterbara Barbuda Ferreira Motta

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relaccedilatildeo de Direito Privado Quando poreacutem a relaccedilatildeo for puacuteblica na qual houver manifesto ciclo do poder de impeacuterio seraacute preciso exami-nar o grau de (in)disponibilidade do direito Para que seja possiacutevel a arbitragem deve haver disponibilidade e o direito deve ser patrimo-nialrdquo

Para a aplicaccedilatildeo da arbitragem no acircmbito da Fazenda Puacuteblica con-tudo algumas adaptaccedilotildees devem ser feitas Isso porque conforme jaacute fora tratado anteriormente o regime juriacutedico administrativo eacute marcado por prerrogativas e restriccedilotildees a fim de atender os princiacutepios constitucional-mente estabelecidos em especial os da legalidade impessoalidade mo-ralidade publicidade e eficiecircncia A primeira adaptaccedilatildeo eacute a necessidade de que o processo arbitral seja puacuteblico natildeo comportando portanto o sigilo Isso preserva a publicidade e garante a fiscalizaccedilatildeo por parte dos administrados

Outro aspecto eacute que para preservaccedilatildeo do princiacutepio da legalidade a arbitragem celebrada pelo Poder Puacuteblico deveraacute necessariamente ser de direito natildeo podendo portanto ser atraveacutes de equidade Eacute o que dispotildee expressamente o sect 3ordm do art 1ordm da Lei de Arbitragem

Ainda eacute importante destacar que prevalece o entendimento de que natildeo haacute necessidade de preacutevio procedimento licitatoacuterio para a escolha do juiacutezo ou tribunal arbitral uma vez que estariacuteamos diante de um caso de inexigibilidade de licitaccedilatildeo Por fim a sentenccedila arbitral natildeo estaacute sujeita a remessa necessaacuteria bem como as demais prerrogativas processuais da Fazenda Puacuteblica em juiacutezo natildeo se apresentam em regra na arbitragem Sendo assim natildeo haacute intimaccedilatildeo pessoal prazos em dobro salvo conste expressamente na convenccedilatildeo (CUNHA 2020)

32 CONCILIACcedilAtildeO E MEDIACcedilAtildeO NOS CONFLITOS ENVOLVEN-DO A FAZENDA PUacuteBLICA

O art 174 do Coacutedigo de Processo Civil dispotildee que

Art 174 A Uniatildeo os Estados o Distrito Federal e os Municiacutepios criaratildeo cacircmaras de mediaccedilatildeo e conciliaccedilatildeo com atribuiccedilotildees relacionadas agrave soluccedilatildeo consensual de conflitos no acircmbito administrativo tais como

I ndash dirimir conflitos envolvendo oacutergatildeos e entidades da administraccedilatildeo puacuteblica

II ndash avaliar a admissibilidade dos pedidos de resoluccedilatildeo de conflitos por meio de conciliaccedilatildeo no acircmbito da administraccedilatildeo puacuteblica

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III ndash promover quando couber a celebraccedilatildeo de termo de ajustamento de conduta

Percebe-se portanto que a criaccedilatildeo de tais cacircmaras tem por objetivo promover a autocomposiccedilatildeo no acircmbito da Administraccedilatildeo Puacuteblica Em 2007 foi criada a Cacircmara de Conciliaccedilatildeo e Arbitragem da Administraccedilatildeo Federal com a finalidade de dirimir conflitos envolvendo a Uniatildeo e suas entidades tendo sido posteriormente ampliada para conflitos que envol-vessem Estados Distrito Federal e Municiacutepios

A criaccedilatildeo de tais Cacircmaras consagra o princiacutepio da eficiecircncia tambeacutem previsto no art 37 da Constituiccedilatildeo Federal de modo que os conflitos se-riam solucionados com maior economia obtendo resultados satisfatoacuterios Neste ponto eacute importante destacar que logo apoacutes a promulgaccedilatildeo do Coacutedigo de Processo Civil em 2015 com clara tendecircncia de ampliaccedilatildeo dos meacutetodos de soluccedilatildeo de conflitos foi promulgada a Lei 131402015 que dispotildee sobre a mediaccedilatildeo entre particulares como meio de soluccedilatildeo de controveacutersias e sobre a autocomposiccedilatildeo de conflitos no acircmbito da admi-nistraccedilatildeo puacuteblica O capiacutetulo II do referido diploma destina-se justamente a regulamentaccedilatildeo da autocomposiccedilatildeo em que for parte pessoa juriacutedica de direito puacuteblico

Uma vez criadas as cacircmaras devem indicar em seus regulamentos quais os casos que poderatildeo ser submetidos agrave autocomposiccedilatildeo Esta sub-missatildeo contudo eacute facultativa considerando o princiacutepio da inafastabili-dade da jurisdiccedilatildeo previsto no art 5 da Constituiccedilao mas o ente publico deve indicar quais os motivos da recusa em razatildeo dos princiacutepios da publi-cidade e impessoalidade

Enquanto as Cacircmaras natildeo satildeo criadas eacute possiacutevel que a Fazenda Puacute-blica se utilize do procedimento previsto para particulares ou seja com a marcaccedilatildeo de uma reuniatildeo inicial e posteriormente com a instauraccedilatildeo da mediaccedilatildeo

Sobre isso merece destaque a previsatildeo do art 30 da referida lei que dispotildee acerca da confidencialidade Na visatildeo de Leonardo Cunha (2020 p 730) tal previsatildeo em nada afronta a fiscalizaccedilatildeo da Fazenda Puacuteblica uma vez que ldquoa confidencialidade natildeo afasta o dever de prestaccedilatildeo de informa-ccedilotildees agraves autoridades fazendaacuteriasrdquo

Por fim sobre a (des) necessidade de autorizaccedilatildeo legislativa especiacutefi-ca para determinadas transaccedilotildees faz-se necessaacuterio a seguinte diferencia-ccedilatildeo

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() nos casos em que se constata acerto total ou parcial da posiccedilatildeo daquele que litiga contra a Administraccedilatildeo natildeo eacute necessaacuteria lei au-torizadora da composiccedilatildeo Jaacute para renuacutencia da Administraccedilatildeo a di-reito que legitimamente detenha em transaccedilatildeo propriamente dita deve haver autorizaccedilatildeo legislativa Na execuccedilatildeo fiscal por exemplo a Administraccedilatildeo pode constatar erro na inscriccedilatildeo original e cobranccedila maior que a efetivamente devida e assim cancelar a inscriccedilatildeo em diacutevida ativa ou substituiacute-la por outra de valor menor o que pode ser feito inclusive em Juiacutezo no curso da execuccedilatildeo Jaacute para levar a efeito a anistia (perdatildeo) de diacutevida precisa de lei autorizativa preacutevia (TALA-MINI 2005 p 12)

Evidente portanto que o sistema multiportas com a arbitragem conciliaccedilatildeo e mediaccedilatildeo eacute aplicaacutevel aos litiacutegios envolvendo a Fazenda Puacute-blica mas sempre com a observacircncia de suas peculiaridades

4 CONCLUSAtildeO

Diante do exposto concluiu-se que a abertura dos meacutetodos de reso-luccedilatildeo de conflitos eacute um importante mecanismo na busca da concretizaccedilatildeo do acesso agrave justiccedila Esse movimento sugerido pelo sistema multiportas proporciona uma maior celeridade efetividade presteza e valorizaccedilatildeo do caraacuteter democraacutetico uma vez que as partes passam a ser verdadeiros pro-tagonistas do processo resolutivo

Atento aos inuacutemeros benefiacutecios o ordenamento juriacutedico brasileiro tem buscado normatizar cada vez mais esses meacutetodos destacando-se a Lei de Arbitragem a Resoluccedilatildeo 1252010 do Conselho Nacional de Justi-ccedila o Coacutedigo de Processo Civil e 2015 e a Lei de Mediaccedilatildeo e Conciliaccedilatildeo Esse movimento de abertura de novas portas e novas possibilidades tecircm propiciado um redimensionamento e ateacute mesmo uma democratizaccedilatildeo do proacuteprio papel do Judiciaacuterio e do modelo de prestaccedilatildeo jurisdicional pretendido

A adoccedilatildeo do sistema de Justiccedila multiportas com a ampliaccedilatildeo e in-centivo agrave utilizaccedilatildeo de meacutetodos consensuais de resoluccedilatildeo de conflitos alcanccedila os conflitos envolvendo a Fazenda Puacuteblica Nestes casos contudo utilizaccedilatildeo de meacutetodos diversos da Jurisdiccedilatildeo Estatal faz-se necessaacuterio perceber as peculiaridades da Fazenda Puacuteblica e adaptaacute-las mantendo a indisponibilidade do interesse puacuteblico Nada obstante isso natildeo implica automaacutetica inegociabilidade dos direitos e interesses defendidos pela Ad-ministraccedilatildeo pois haacute direitos indisponiacuteveis passiacuteveis de negociaccedilatildeo

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5 REFEREcircNCIASBRITO Marcela Mouratildeo de Manual de mediaccedilatildeo de conflitos de acordo com o CPC de

2015 1ordf ed Fortaleza CE Ed Da Autora 2020

CALMON Petronio Fundamentos da mediaccedilatildeo e da conciliaccedilatildeo Brasiacutelia Gazeta Juriacutedica 2015

CAPPELLETTI Mauro Os meacutetodos alternativos de soluccedilatildeo de conflitos no quadro do movimento universal de acesso agrave justiccedila In Revista de Processo v 19 nordm 74

CUNHA Leonardo Carneiro da A Fazenda Puacuteblica em Juiacutezo 17 ed Rio de Janeiro Editora Forense 2020

DIDIER JR Fredie Curso de direito processual civil introduccedilatildeo ao direito processual ci-vil parte geral e processo de conhecimento 7 ed Salvador Ed Jus Podivm 2015

DINAMARCO Candido Rangel Instituiccedilotildees de Direito Processual Civil Vol 1 Satildeo Paulo Malheiros 2001

FREITAS JR Antocircnio Rodrigues Mediaccedilatildeo e direitos humanos temas atuais e contro-vertidos Satildeo Paulo LTr 2014

MELLO Celso Antocircnio Bandeira de Curso de Direito Administrativo 26ordf Ediccedilatildeo Satildeo Pulo Malheiros 2009

NEVES Daniel Amorim Assumpccedilatildeo Novo Coacutedigo de Processo Civil Comentado Salva-dor Ed JusPodivm 2016

NUNES Juliana Raquel A importacircncia da mediaccedilatildeo e da conciliaccedilatildeo para o acesso agrave justiccedila uma anaacutelise agrave luz do novo CPC Rio de Janeiro Lumen Juris 2017

PEIXOTO Marco Aureacutelio Ventura PEIXOTO Renata Cortez Vieira Fazenda Puacuteblica e Execu-ccedilatildeo Salvador Juspodivm 2018

SEIDEL Daniel Mediaccedilatildeo de conflitos a soluccedilatildeo de muitos problemas pode estar em suas matildeos Brasilia Vida e Juventude 2007

VIEIRA Mariana Mediaccedilatildeo e Conciliaccedilatildeo como forma de compor Litiacutegios no Novo Coacutedi-go de Processo Civil Niteroacutei Ed Da Autoria 2017

TALAMINI Eduardo A (in)disponibilidade do interesse puacuteblico consequecircncias pro-cessuais (composiccedilotildees em juiacutezo prerrogativas processuais arbitragem e accedilatildeo monitoacuteria) 2005 Disponiacutevel em ltwwwacademiaedu231461gt

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Contribuiccedilotildees da jurimetria para a administraccedilatildeo da justiccedila

1 Poacutes-graduada em Direito do Trabalho e Direito Processual do Trabalho pela Facul-dade Baiana de Direito (FBD) Servidora do Tribunal de Justiccedila do Estado da Bahia lotada na Coordenaccedilatildeo do Sistema Estadual dos Juizados Especiais

2 Mestranda em Direito Puacuteblico (UFBA) Especialista em Ciecircncias Criminais (UFBA) e em Direito Meacutedico Bioeacutetica e Biodireito (UCSAL) Professora da Escola Bahiana de Medi-cina e Sauacutede Puacuteblica Servidora do Tribunal de Justiccedila do Estado da Bahia lotada na Coordenaccedilatildeo do Sistema Estadual dos Juizados Especiais

Caroline Dantas Godeiro de Araujo1

Eacuterica Baptista Vieira de Meneses2

Resumo O Sistema dos Juizados Especiais instituiacutedo pela Lei Fe-deral nordm 9099 de 1995 representa um importante espaccedilo para a ampliaccedilatildeo da pacificaccedilatildeo social atraveacutes da integraccedilatildeo de ferramentas alternativas para soluccedilatildeo de conflitos atraveacutes de um procedimento ceacutelere e desburocratizado Contudo o movimento de hiperjudicializa-ccedilatildeo vislumbrado no Brasil nas uacuteltimas deacutecadas tem sobrecarregado a estrutura instalada e exigido dos gestores o desenvolvimento de estrateacutegias voltadas agrave garantia de acesso de todos os cidadatildeos a uma ordem juriacutedica justa por meio de respostas judiciais ceacuteleres isonocircmi-cas e efetivas Nesse contexto a utilizaccedilatildeo da jurimetria tem se torna-do essencial na administraccedilatildeo da justiccedila voltada ao aprimoramento da prestaccedilatildeo jurisdicional

Palavras-chave juizados especiais desjudicializaccedilatildeo jurimetria ad-ministraccedilatildeo da justiccedila

1 CONSIDERACcedilOtildeES INICIAIS

Ao descrever o direito a accedilotildees estatais positivas Robert Alexy destaca que ldquosempre que as normas procedimentais puderem aumentar a proteccedilatildeo aos direitos fundamentais elas seratildeo exigidas prima facie pelos princiacutepios de direitos fundamentaisrdquo (ALEXY 2015)

Nesse mesmo sentido Calmon de Passos refere que ldquoa relaccedilatildeo entre o chamado direito material e o processo natildeo eacute uma relaccedilatildeo de meiofim ins-trumental como se tem proclamado com tanta ecircnfase ultimamente por

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forccedila do prestiacutegio de seus arautos e sim uma relaccedilatildeo integrativa orgacircnica substancialrdquo sendo o Direito o que dele faz o processo de sua produccedilatildeo (PASSOS 2003)

Eacute com a finalidade de assegurar a fundamentalidade dos princiacutepios processuais que a Emenda Constitucional nordm 45 de 2004 inseriu o inciso LXXVIII no artigo 5ordm da Constituiccedilatildeo Federal de 1988 elevando o direito agrave razoaacutevel duraccedilatildeo do processo agrave categoria de garantia fundamental

Da mesma forma buscando a efetivaccedilatildeo do acesso a uma ordem juriacutedica justa a Lei do Juizado Especial de Pequenas Causas (nordm 724484) iniciou um processo de desburocratizaccedilatildeo dos procedimentos judiciais ldquoapoacutes diagnostico de que estava havendo uma litigiosidade contida por-que as partes natildeo sabiam a quem ou como recorrerrdquo A Lei ldquosignificou o primeiro rompimento do modelo liberal-individualista que estava no CPC em que predominava a autonomia individualrdquo (WATANABE 2019) consa-grado definitivamente pela Constituiccedilatildeo Federal anos depois e desenvol-vido atraveacutes do Sistema dos Juizados Especiais instituiacutedo e regulamenta-do pela Lei Federal nordm 9099 de 1995

Eacute no cenaacuterio de hiperjudicializaccedilatildeo e estudos acerca da efetivaccedilatildeo do acesso agrave justiccedila que a Jurimetria surge como ldquodisciplina do Direito que utiliza a metodologia estatiacutestica para estudar o funcionamento da ordem juriacutedicardquo (NUNES 2016 p 115-116) capitulada como instrumento de se promover o alcance do tempo razoaacutevel do processo

Ao verificar um possiacutevel distanciamento entre o crescente nuacutemero de normas criadas em seu paiacutes e os fatos juriacutedicos a elas correlatos o advo-gado norte-americano Lee Loevinger em 1949 denominou de Jurimetria a metodologia que analisa o Direito a partir de princiacutepios matemaacuteticos e estatiacutesticos motivando a realizaccedilatildeo de experimentos com vieacutes multidisci-plinar utilizando criteacuterios qualitativos e quantitativos

Busca-se nesse estudo trazer os meacutetodos do Conselho Nacional de Justiccedila com vistas agrave otimizaccedilatildeo da prestaccedilatildeo jurisdicional analisando de que forma as accedilotildees da Coordenaccedilatildeo do Sistema Estadual dos Juizados Especiais na Bahia tem aplicado a jurimetria no processo de definiccedilatildeo es-trateacutegica de gestatildeo voltada ao descongestionamento do poder judiciaacuterio

2 DIRETIVAS DO CNJ PARA A DESJUDICIALIZACcedilAtildeO DE CONFLI-TOS

Com a promulgaccedilatildeo da Emenda Constitucional nordm 452004 consoli-dou-se a utilizaccedilatildeo de estatiacutestica na administraccedilatildeo da justiccedila atraveacutes da

Caroline Dantas Godeiro de Araujo bull Eacuterica Baptista Vieira de Meneses

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criaccedilatildeo do Conselho Nacional de Justiccedila ndash CNJ3 como um dos oacutergatildeos do Poder Judiciaacuterio com competecircncia para elaboraccedilatildeo de controle estatiacutestico da produccedilatildeo do Poder Judiciaacuterio Nacional em conformidade com o art 103-B paraacutegrafo 4ordm incisos VI e VII4

Na observacircncia de suas atribuiccedilotildees constitucionais o CNJ editou a Resoluccedilatildeo nordm 15 de 20 de abril de 20065 dispondo dentre outras mateacuterias sobre a regulamentaccedilatildeo do Sistema de Estatiacutestica do Poder Judiciaacuterio ndash SIESPJ criado pela Resoluccedilatildeo nordm 4 de 16 de agosto de 2005

Na mesma linha o Conselho Nacional de Justiccedila estabeleceu a obri-gatoriedade dos Tribunais Estaduais e Federais cumprirem metas anual-mente estabelecidas que visam a enfrentar a retenccedilatildeo crocircnica de proces-sos que se acumulam no Poder Judiciaacuterio

Conforme o Relatoacuterio Justiccedila em Nuacutemeros de 2020 (CNJ 2020)

As pesquisas realizadas pelo CNJ passaram a utilizar conceitos de inteligecircncia artificial para classificaccedilatildeo dos processos e identificaccedilatildeo de similaridades O DataJud6 alccedila a produccedilatildeo de informaccedilotildees do ju-diciaacuterio de desenvolvimento e seraacute uma importante ferramenta para realizaccedilatildeo de estudos jurimeacutetricos na Ciecircncia de Dados

A chamada ldquocrise da jurisdiccedilatildeordquo fenocircmeno representado pelo excessi-vo volume de demandas que sobrecarrega o Poder Judiciaacuterio tem atraiacutedo a preocupaccedilatildeo dos oacutergatildeos responsaacuteveis pela definiccedilatildeo estrateacutegia de ges-tatildeo judiciaacuteria em acircmbito local e nacional haja vista o impacto no aumento das demandas para a qualidade da prestaccedilatildeo do serviccedilo puacuteblico

3 Vide artigo 92 inciso I-A da Constituiccedilatildeo Federal

4 Constituiccedilatildeo Federal Art 103-B paraacutegrafo 4ordm VI ndash elaborar semestralmente relatoacuterio estatiacutestico sobre processos e sentenccedilas prolatadas por unidade da Federaccedilatildeo nos diferentes oacutergatildeos do Poder Judiciaacuterio VII ndash elaborar relatoacuterio anual propondo as providecircncias que julgar necessaacuterias sobre a situaccedilatildeo do Poder Judiciaacuterio no Paiacutes e as atividades do Conselho o qual deve integrar mensagem do Presidente do Supremo Tribunal Federal a ser remetida ao Congresso Nacional por ocasiatildeo da abertura da sessatildeo legislativa (incluiacutedos pela EC nordm 452004)

5 Ulteriormente revogada pela Resoluccedilatildeo CNJ nordm 76 de 12 de maio de 2009 que dis-potildee sobre os princiacutepios do Sistema de Estatiacutestica do Poder Judiciaacuterio estabelece seus indicadores fixa prazos determina penalidades e daacute outras providecircncias

6 O DataJud constitui a Base Nacional de Dados do Poder Judiciaacuterio Trata-se de ferra-menta de captaccedilatildeo e recebimento de dados que reuacutene informaccedilotildees pormenoriza-das a respeito de cada processo judicial em uma base uacutenica (CNJ 2020)

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Pensando nisso e em busca de soluccedilotildees desjudicializantes e desbu-rocratizantes convergentes com a mais recente e manifesta intenccedilatildeo le-gislativa o Conselho Nacional de Justiccedila editou importantes provimentos nos uacuteltimos anos (STJ 2019) tendo influenciado a gestatildeo dos Tribunais agrave adoccedilatildeo de medidas proativas no sentido da prestaccedilatildeo jurisdicional para aleacutem das decisotildees judiciais

Nesse sentido entre os Macrodesafios do Poder Judiciaacuterio 2015-2020 estabelecidos pelo CNJ com foco na efetividade da prestaccedilatildeo jurisdicio-nal destacamos a adoccedilatildeo de soluccedilotildees alternativas de conflito gestatildeo das demandas repetitivas e dos grandes litigantes bem como melhoria da in-fraestrutura de governanccedila e de tecnologia da informaccedilatildeo e comunicaccedilatildeo

Tendo como objetivo principal a garantia dos direitos da cidadania a partir da estruturaccedilatildeo de um Poder Judiciaacuterio ceacutelere efetivo isonocircmico e que apresente soluccedilotildees modernas para a pacificaccedilatildeo social a jurimetria tem sido utilizada pelo Conselho Nacional de Justiccedila cotidianamente na definiccedilatildeo de estrateacutegias do Poder Judiciaacuterio

3 JURIMETRIA COMO IMPORTANTE INSTRUMENTO PARA A OTIMIZACcedilAtildeO DA PRESTACcedilAtildeO JURISDICIONALA jurimetria eacute termo que traduz uma ciecircncia que tem por escopo o

uso de banco de dados de estatiacutesticas e da loacutegica simboacutelica aplicada ao Direito com o intuito de transportar a lei do campo da abstraccedilatildeo para o da subsunccedilatildeo da norma ao caso concreto considerando-se as peculiaridades dos sujeitos envolvidos e o alcance da realizaccedilatildeo do escopo social da ju-risdiccedilatildeo que eacute a pacificaccedilatildeo social (LOEVINGER 1963 pp 5-35) Portanto eacute uma nova ciecircncia consubstanciada na aplicaccedilatildeo de modelos estatiacutesticos sob a compreensatildeo de processos e fatos juriacutedicos

A Associaccedilatildeo Brasileira de Jurimetria (ABJ)7 explica que esta metodo-logia busca dar concretude agraves normas e instituiccedilotildees situando no tempo e no espaccedilo os processos os juiacutezes as decisotildees as sentenccedilas os tribunais as partes etc ldquoQuando se faz jurimetria enxerga-se o Judiciaacuterio como um grande gerador de dados que descrevem o funcionamento completo do

7 A Associaccedilatildeo Brasileira de Jurimetria ndash ABJ eacute uma associaccedilatildeo civil sem fins lucrativos sujeito de direito privado que tem entre suas finalidades ldquoIncentivar a utilizaccedilatildeo da jurimetria na elaboraccedilatildeo e avaliaccedilatildeo de poliacuteticas puacuteblicasrdquo e ldquoColaborar com entida-des puacuteblicas e privadas para melhorar administraccedilatildeo de Tribunaisrdquo

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sistema Quando se faz jurimetria estuda-se o Direito atraveacutes das marcas que ele deixa na sociedaderdquo

A estrateacutegia metodoloacutegica para organizar os dados compilados se daacute pelo uso da estatiacutestica ciecircncia que possui como objeto de estudo os da-dos empiacutericos quantitativamente organizados para possibilitar a identifi-caccedilatildeo de comportamento em um dado conjunto de elementos concretos como o nuacutemero de demandas relativas por exemplo aos contratos ban-caacuterios ou de prestaccedilatildeo de serviccedilos meacutedico-hospitalares ou o volume de processos divididos por classes dos processos e as estrateacutegias que podem ser traccediladas para decisotildees isonocircmicas para cada uma

Nesse contexto a Jurimetria enfrenta as demandas judiciais e suas decisotildees a partir da massa de processos que se dirigem ao Poder Judiciaacute-rio partindo-se do caso concreto agrave normativa estabelecida A aplicaccedilatildeo dessa metodologia no Poder Judiciaacuterio busca o levantamento estatiacutestico dos tipos de demanda e seu fluxo para entatildeo formular poliacuteticas voltadas a uma melhor prestaccedilatildeo jurisdicional

Com isso haacute natildeo somente um aprimoramento na prestaccedilatildeo jurisdi-cional que responde a uma demanda social mas possibilita-se a imple-mentaccedilatildeo de ferramentas para a efetivaccedilatildeo de direitos (evitando-se com isso a existecircncia de conflitos) ou ainda que natildeo seja possiacutevel a soluccedilatildeo paciacutefica de conflitos

Nesse ensejo revela-se a importacircncia do gerenciamento de proces-sos judiciais que conforme preleciona Paulo Eduardo Alves da Silva (2010)

O gerenciamento de processos judiciais pode ser compreendido como o conjunto de praacuteticas de conduccedilatildeo do processo e organizaccedilatildeo ju-diciaacuteria coordenadas pelo juiz para o processamento ceacutelere e efetivo dos conflitos submetidos ao Poder Judiciaacuterio () A filtragem de litiacutegios de massa e as demandas repetitivas pela vinculaccedilatildeo jurisprudencial tambeacutem pressupotildeem a racionalidade gerencial aqui debatida na mo-dalidade de lsquogerenciamento do volume dos processos judiciaisrsquo tema que pela amplitude e especificidades demanda um estudo especiacutefico

Ademais a anaacutelise e interpretaccedilatildeo adequados dos dados coletados atraveacutes de ferramentas tecnoloacutegicas (roboacutetica inteligecircncia artificial busi-ness intelligence) eacute possiacutevel projetar conclusotildees qualitativas com relaccedilatildeo agrave natureza da prestaccedilatildeo jurisdicional Desse modo sendo eleita determina-da natureza de demanda como a mais recorrente para determinado grupo social eacute possiacutevel a definiccedilatildeo de poliacuteticas puacuteblicas necessaacuterias e adequadas para a soluccedilatildeo dos conflitos produzidos nas respectivas relaccedilotildees materiais

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Com base nos dados coletados dos Tribunais em todo o paiacutes e visan-do a um enfrentamento crocircnico do acuacutemulo dos processos o CNJ definiu no estudo denominado ldquoEstrateacutegia Nacional do Poder Judiciaacuterio 2015-2020rdquo diversos macrodesafios do Poder Judiciaacuterio entre os quais destaca-mos a ldquoefetividade na prestaccedilatildeo jurisdicionalrdquo ldquoceleridade e produtividade na prestaccedilatildeo jurisdicionalrdquo e ldquoadoccedilatildeo de soluccedilotildees alternativas de conflitordquo

Nessa senda verifica-se que o levantamento de dados estatiacutestico--matemaacuteticos e sua anaacutelise metodoloacutegica e continuada permite o desen-volvimento de estrateacutegias e soluccedilotildees para a hiperjudicializaccedilatildeo crocircnica trazendo agrave lume a preocupaccedilatildeo com a celeridade e efetividade processual e a necessidade de se buscar soluccedilotildees alternativas aos conflitos

4 FERRAMENTAS DESENVOLVIDAS PELA COJE PARA DESJU-DICIALIZACcedilAtildeO NO SISTEMA DOS JUIZADOS ESPECIAIS NA BAHIA

Como jaacute dito a regulamentaccedilatildeo dos Juizados Especiais Ciacuteveis e Cri-minais no ano de 1995 e dos Juizados Especiais Federais em 2001 bem como dos Juizados Especiais da Fazenda Puacuteblica em 2009 se deu como tentativa de trazer soluccedilotildees alternativas agrave sobrecarga do poder judiciaacuterio e consequente morosidade processual atraveacutes da simplificaccedilatildeo dos proce-dimentos judiciais pelo denominado procedimento sumariacutessimo

Eacute com a finalidade de analisar os fluxos e entraves para o efetivo aces-so agrave justiccedila que a jurimetria tem se mostrado fundamental na tomada de decisotildees administrativas com vistas a uma gestatildeo proba transparente e acima de tudo agrave consolidaccedilatildeo de uma prestaccedilatildeo jurisdicional focada na entrega de uma ordem juriacutedica justa aos indiviacuteduos

Consideramos nesse contexto a definiccedilatildeo de Kazuo Watanabe (2019) segundo o qual o ldquoacesso agrave ordem juriacutedica justardquo significa

Atualizaccedilatildeo do conceito de acesso agrave justiccedila Escrevo justiccedila com J minuacutesculo para natildeo significar somente acesso ao Poder Judiciaacuterio Os cidadatildeos tecircm direito de ser ouvidos e atendidos natildeo somente em si-tuaccedilatildeo de controveacutersias mas em problemas juriacutedicos que impeccedilam o pleno exerciacutecio da cidadania como nas dificuldades para a obtenccedilatildeo de seus documentos ou de seus familiares ou os relativos a seus bens Instituiccedilotildees como o PoupaTempo e as cacircmaras de mediaccedilatildeo desde que bem organizados e com funcionamento correto asseguram o acesso agrave justiccedila aos cidadatildeos nessa concepccedilatildeo mais ampla

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Para o desenvolvimento de ferramentas eficazes de governanccedila vol-tados agraves particularidades das demandas que compotildee o Sistema dos Juiza-dos Especiais na Bahia a Coordenaccedilatildeo do Sistema dos Juizados Especiais ndash COJE oacutergatildeo de supervisatildeo administrativa dos Juizados estruturou nuacutecleos de trabalho com foco na especializaccedilatildeo de tarefas definiccedilatildeo de fluxos e melhoria da gestatildeo administrativa que trabalham de forma inter-relacio-nada no desenvolvimento de projetos estrateacutegicos e departamentais com foco na efetivaccedilatildeo do acesso agrave justiccedila (TJBA 2020a)

Nesse senda verifica-se pelas accedilotildees desenvolvidas que a COJE atua de forma coordenada e simultacircnea com o objetivo de desenvolver fer-ramentas processuais e preacute-processuais baseados nos dados coletados quanto agraves demandas distribuiacutedas nos Sistemas Projudi e PJe em todo o estado da Bahia

Para fins de anaacutelise agrupamos didaticamente os projetos desen-volvidos em trecircs focos de atuaccedilatildeo principais8 estiacutemulo aos meacutetodos consensuais de resoluccedilatildeo de conflitos prevenccedilatildeo e repressatildeo agrave litigacircncia temeraacuteria e padronizaccedilatildeo de fluxos e automaccedilatildeo de processos para apri-moramento da produtividade dos servidores puacuteblicos

41 M Eacute T O D O S C O N S E N S U A I S DE RESOLUCcedilAtildeO DE CONFLITOS

Conforme liccedilatildeo de Dioacutegenes Ribeiro (2013) ldquoo Judiciaacuterio estaacute proibi-do de natildeo decidir ou seja estaacute obrigado a decidirrdquo Nesse sentido o autor descreve

Existem inuacutemeras explicaccedilotildees para a ocorrecircncia do fenocircmeno a que se chama de judicializaccedilatildeo e com certeza natildeo seria possiacutevel analisaacute--las todas neste espaccedilo ateacute porque com o tempo haveria acreacutescimo de outras Uma das alusotildees cientiacuteficas eacute a do aumento de comple-xidade da sociedade que demanda soluccedilotildees inclusive do sistema juriacutedico cabendo entatildeo ao Judiciaacuterio as que lhe forem demandadas em situaccedilotildees concretas ou ateacute em algumas situaccedilotildees abstratas ge-neacutericas quando a soluccedilatildeo vem das Cortes Superiores em especial da Corte Constitucional

8 Divisatildeo desenvolvida pelas autoras exclusivamente para fins de anaacutelise didaacutetica na pre-sente publicaccedilatildeo As iniciativas foram escolhidas exemplificativamente por representa-rem efetivas inovaccedilotildees no que se refere agrave gestatildeo da justiccedila baseadas em jurimetria

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A expressatildeo judicializaccedilatildeo tem sido utilizada haacute algumas deacutecadas e pretende significar um espaccedilo maior no espectro de decisotildees in-clusive de natureza poliacutetica que passou a ser ocupado pelo Poder Judiciaacuterio ()

A Administraccedilatildeo do Estado (o Executivo) tambeacutem eacute compreendida como um sistema de organizaccedilatildeo que sofre uma sobrecarga organi-zativa (LUHMANN 2002 p 114)

Com esse intuito os Tribunais acertadamente tem utilizado das fer-ramentas de jurimetria jaacute descritas para gerir a sobrecarga organizativa decorrente da (hiper)judicializaccedilatildeo atraveacutes de diferentes estrateacutegias in-clusive o estiacutemulo aos meacutetodos consensuais de resoluccedilatildeo de conflitos previstos na Resoluccedilatildeo nordm 125 de 29 de novembro de 2010

411 SISTEMA DE NEGOCIACcedilAtildeO VIRTUAL

Desenvolvido no ano de 2020 o Sistema de Negociaccedilatildeo Virtual foi instituiacutedo com a finalidade de ampliar as possibilidades de autocompo-siccedilatildeo atraveacutes da criaccedilatildeo de um espaccedilo virtual para negociaccedilatildeo entre as partes dentro do sistema processual contudo sem interferecircncia externa do estado-juiz

A sistemaacutetica permite agraves partes apoacutes a distribuiccedilatildeo da demanda e antes da triangulaccedilatildeo da relaccedilatildeo processual efetivada pela citaccedilatildeo dia-logarem acerca das possibilidades de acordo com paridade de armas e igualdade de oportunidades de manifestaccedilatildeo sem prejuiacutezos ou empe-cilhos ao regular desenvolvimento do processo caso a negociaccedilatildeo seja infrutiacutefera

O desenvolvimento desta nova porta de efetivaccedilatildeo de direitos foi pautado em dados estatiacutesticos a partir da identificaccedilatildeo de que poucas empresas representam quase a totalidade dos processos distribuiacutedos notadamente nas varas com competecircncia do consumo sendo estas deno-minadas de ldquomaiores demandadosrdquo 9

Destarte a ferramenta se insere no contexto de uma recente corrente em Direito Processual que exige que para se ajuizar uma demanda con-sumerista o autor comprove natildeo ter tido sucesso em alguma tentativa preacutevia de conciliaccedilatildeo entre as quais se destaca o portal ldquoConsumidorgovrdquo

9 Desde 2017 o Poder Judiciaacuterio do Estado da Bahia publica relaccedilatildeo das EMPRESAS MAIS DEMANDADAS nas Varas do Sistema dos Juizados Especiais do Estado da Bahia

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plataforma digital que permite a interlocuccedilatildeo direta entre consumidores e empresas via internet para soluccedilatildeo de conflitos de consumo evitando assim o ajuizamento de accedilotildees perante o Judiciaacuterio (especialmente JECs) desenvolvido e gerido pelo Ministeacuterio da Justiccedila (MARTINS e VAINZOF 2020)

A releitura do princiacutepio do acesso agrave Justiccedila ndash ou a uma ordem juriacutedica justa ndash que inclua a exigecircncia de preacutevio requerimento extrajudicial antes da propositura de accedilotildees perante o Judiciaacuterio procura promover a pacifica-ccedilatildeo social sem contudo representar violaccedilatildeo ao artigo 5ordm XXXV da CRFB e artigo 3ordm caput do CPC deste que sejam disponibilizadas caminhos para a soluccedilatildeo consensual de forma acessiacutevel e dentro de paracircmetros preacute-es-tabelecidos A intervenccedilatildeo estatal atraveacutes do estado-juiz coloca-se entatildeo como ultima ratiocedil quando efetivamente a resistecircncia agrave pretensatildeo autoral reste configurada e delimitada

412 NUacuteCLEO DE PREVENCcedilAtildeO E TRATAMENTO DO SUPEREN-DIVIDAMENTO

De acordo com informaccedilotildees constantes no sitio eletrocircnico do Poder Judiciaacuterio do Estado da Bahia ldquoo Programa de Prevenccedilatildeo e Tratamento do Superendividamento instituiacutedo no acircmbito do Poder Judiciaacuterio do Es-tado da Bahia possui o objetivo de viabilizar na esfera preacute ndash processual a renegociaccedilatildeo coletiva ou individualizada de diacutevidas atuais e futuras decorrentes de relaccedilotildees de consumo de devedor pessoa fiacutesica de boa-feacute impossibilitado de quitar suas diacutevidas sem que haja prejuiacutezo agrave sua subsis-tecircnciardquo (TJBA 2020b)

O Projeto eacute constituiacutedo de diversas accedilotildees voltadas agrave educaccedilatildeo fi-nanceira e psicoloacutegica dos consumidores realizada em parceria com uma Instituiccedilatildeo de Ensino Superior participaccedilatildeo ativa na renegociaccedilatildeo coleti-va de diacutevidas de consumo acolhimento e orientaccedilatildeo aos cidadatildeos com o intuito de propiciar um recomeccedilo digno a indiviacuteduos em situaccedilatildeo de superendividamento e adesatildeo a projetos nacionais tais como a Semana Nacional de Educaccedilatildeo Financeira

As estrateacutegias de atuaccedilatildeo satildeo baseadas no perfil dos consumidores e possiacuteveis abusividades do mercado de creacutedito identificados atraveacutes das demandas de massa distribuiacutedas em cada localidade com acompanha-mento do sistema de Business Intelligence que permite o monitoramento extraccedilatildeo de relatoacuterios dinacircmicos e anaacutelise da movimentaccedilatildeo processual

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O Business Intelligence ou Inteligecircncia de negoacutecios refere-se ao pro-cesso de coleta organizaccedilatildeo anaacutelise compartilhamento e monitoramento de informaccedilotildees que oferecem suporte a gestatildeo de negoacutecios Eacute um con-junto de teacutecnicas e ferramentas para auxiliar na transformaccedilatildeo de dados brutos em informaccedilotildees significativas e uacuteteis a fim de analisar o negoacutecio As tecnologias BI satildeo capazes de suportar uma grande quantidade de dados desestruturados para ajudar a identificar desenvolver e ateacute mesmo criar uma nova oportunidade de estrateacutegia de negoacutecios O objetivo do BI eacute per-mitir uma faacutecil interpretaccedilatildeo do grande volume de dados Identificando novas oportunidades e implementando uma estrateacutegia efetiva baseada nos dados tambeacutem pode promover negoacutecios com vantagem competitiva no mercado e estabilidade a longo prazordquo (RUD 2009)

Na gestatildeo judiciaacuteria o BI eacute largamente utilizado para agrupamento e organizaccedilatildeo de dados diversos esparsos permitindo uma anaacutelise apurada com definiccedilatildeo de criteacuterios cuja coleta satildeo relevantes a depender da finali-dade esperada e do recorte proposto

42 PREVENCcedilAtildeO E REPRESSAtildeO Agrave LITIGAcircNCIA TEMERAacuteRIA

A partir da anaacutelise qualitativa das decisotildees proferidas em diversas accedilotildees judiciais distribuiacutedas com causa de pedir e pedidos semelhantes especialmente relativas agraves empresas consideradas ldquomaiores demandadosrdquo verifica-se um aumento significativo no volume de processos com sen-tenccedilas que condenam a parte autora por litigacircncia de maacute-feacute por motivos diversos especialmente apontando supostos ldquoindiacutecios de fraudesrdquo

Atualizado ateacute 10112020

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Nesse sentido considerando a contribuiccedilatildeo da hiperjudicializaccedilatildeo associada a uma pratica leviana10 para a sobrecarga do sistema judicial o Tribunal de Justiccedila do Estado do Rio de Janeiro desenvolveu um Nuacutecleo Permanente de Combate agraves Fraudes nos Sistemas dos Juizados Especiais (Nupecof ) com o objetivo de ldquointensificar a fiscalizaccedilatildeo dos processos identificados com suspeita de fraudes que tramitam no Judiciaacuterio flumi-nenserdquo (TJRJ 2020)

Agrave semelhanccedila da sistemaacutetica supra o Poder Judiciaacuterio do Estado da Bahia instituiu no acircmbito do Sistema dos Juizados Especiais o Nuacutecleo de Combate agraves Fraudes (NUCOF) vinculado agrave Coordenaccedilatildeo dos Juizados Especiais e composto por magistrados integrantes do Sistema com atri-buiccedilatildeo para ldquorecepcionar as notiacutecias de suspeita de fraude e artificialida-des processuais identificando o seu modus operandi e eventualmente estabelecendo recomendaccedilotildees que visem a uniformizaccedilatildeo de estrateacutegias para o enfrentamentordquo (TJBA 2020a)

43 PADRONIZACcedilAtildeO DE FLUXOS E AUTOMACcedilAtildeO DE PROCES-SOS PARA APRIMORAMENTO DA PRODUTIVIDADE DOS SERVIDORES PUacuteBLICOS

Destacamos como iniciativas voltadas agrave otimizaccedilatildeo da prestaccedilatildeo ju-risdicional aquelas voltadas agrave padronizaccedilatildeo de fluxos e automaccedilatildeo de processos que tem como consequecircncia o aprimoramento da produtivida-de dos servidores puacuteblicos e auxiliares da justiccedila

As medidas implementadas envolvem o desenvolvimento de robocircs para a automaccedilatildeo de tarefas cartoraacuterias repetitivas simplificando proce-dimentos reduzindo custos e consequentemente aumentando a cele-ridade processual no acircmbito dos Juizados Especiais e Turmas Recursais permitindo aos servidores maior dedicaccedilatildeo aos procedimentos com maior complexidade cognitiva (TJBA 2020a)

Conforme dados disponibilizados pelo Tribunal de Justiccedila baiano a Coordenaccedilatildeo Estadual dos Juizados Especiais jaacute desenvolveu diversos robocircs no ano de 2020 que atuam (i) na baixa automaacutetica de processos da 6ordf Turma Recursal para as respectivas varas (ii) na elaboraccedilatildeo de citaccedilotildees

10 Expressatildeo cunhada por Hilton Vieira em Hiperjudicializaccedilatildeo prognosticaacutevel disponiacute-vel em httpsfalcao1jusbrasilcombrartigos516930243hiperjudicializacao-prog-nosticavel

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(iii) juntada de certidotildees e intimaccedilotildees nos processos que tiveram audiecircn-cias suspensas ou remarcadas no periacuteodo da pandemia (iv) intimaccedilatildeo automaacutetica dos acoacuterdatildeos proferidos pela 6ordf Turma Recursal (v) intimaccedilatildeo automaacutetica de processos migrados do sistema SAJ para o PJe na Segunda Vara Ciacutevel de Salvador ndash BA Ademais desenvolveu-se a sistemaacutetica de geraccedilatildeo de DAJE unificado para o preparo recursal eliminando a necessi-dade de gerar manualmente ateacute 13(treze) tipos de DAJErsquo s um para cada ato processual (TJBA 2020a)

Por fim estaacute descrito como projeto departamental em desenvolvi-mento na gestatildeo 2020-2021 ferramenta com uso de automaccedilatildeo e inte-ligecircncia artificial que permitiraacute a ldquorealizaccedilatildeo de julgamento em lote por tema atraveacutes da identificaccedilatildeo de demandas repetidas decisotildees proferi-das sugerindo o modelo de documentos para utilizaccedilatildeo de acordo com o que lhe foi programado potencializando a celeridade processualrdquo (TJBA 2020a)

A identificaccedilatildeo das demandas repetidas assim consideradas aque-las com mesma causa de pedir decorre de processo de anaacutelise estatiacutes-tico das principais causas de demanda no estado que tenham chegado ao poder judiciaacuterio e que deveratildeo ter um tratamento uniforme pelos magistrados ainda que natildeo tenha sido instaurado Incidente de Reso-luccedilatildeo de Demanda Repetitiva ou instada a Turma de Uniformizaccedilatildeo de Jurisprudecircncia

A ferramenta ainda natildeo disponibilizada pode ser um importante ins-trumento para melhoria da qualidade da prestaccedilatildeo jurisdicional reduccedilatildeo da insatisfaccedilatildeo do jurisdicionado com eventuais decisotildees conflitantes e consequentemente a quantidade de recursos agraves Turmas Recursais apri-morando significativamente o prestaccedilatildeo do serviccedilo jurisdicional Ademais constituiraacute importante ferramenta para que o magistrado possa melhor conhecer e gerir as demandas da vara com recorte regionalizado e espe-ciacutefico daquela localidade

5 CONCLUSAtildeO

O acesso a uma ordem juriacutedica justa representa hoje a extensatildeo e amplitude constitucional do acesso agrave justiccedila e a uma razoaacutevel duraccedilatildeo do processo princiacutepios processuais fundamentais resguardados no artigo 5ordm da Constituiccedilatildeo Federal de 1988 que devem ser observados na complexa tarefa de gestatildeo dos sistemas judiciais

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Da mesma forma buscando a efetivaccedilatildeo do acesso a uma ordem juriacutedica justa a Lei do Juizado Especial de Pequenas Causas (nordm 724484) iniciou um processo de desburocratizaccedilatildeo dos procedimentos judiciais ldquoapoacutes diagnostico de que estava havendo uma litigiosidade contida por-que as partes natildeo sabiam a quem ou como recorrerrdquo A Lei ldquosignificou o primeiro rompimento do modelo liberal-individualista que estava no CPC em que predominava a autonomia individualrdquo (WATANABE 2019) consa-grado definitivamente pela Constituiccedilatildeo Federal anos depois e desenvol-vido atraveacutes do Sistema dos Juizados Especiais instituiacutedo e regulamenta-do pela Lei Federal nordm 9099 de 1995

Luiacutes Roberto Barroso na obra ldquoA Judicializaccedilatildeo da Vida e o Papel do Supremo Tribunal Federalrdquo define ldquojudicializaccedilatildeordquo como a mera possibilida-de de levar conflitos agrave apreciaccedilatildeo do Judiciaacuterio Atualmente contudo os Tribunais tem sido sobrecarregados com a hiperjudicializaccedilatildeo das relaccedilotildees sociais

Nesse sentido o Conselho Nacional de Justiccedila tem demonstrado es-pecial preocupaccedilatildeo com a desjudicializaccedilatildeo estiacutemulo aos meacutetodos alter-nativos de soluccedilatildeo de conflitos e efetivaccedilatildeo da justiccedila atraveacutes de projetos estrateacutegicos voltados a uma gestatildeo judicial proba ceacutelere transparente e atenta agraves demandas locais

Observa-se a partir dos projetos publicizados pelo Poder Judiciaacuterio do Estado da Bahia (TJBA 2020) que a Coordenaccedilatildeo do Sistema dos Jui-zados Especiais estabeleceu metodologia de atuaccedilatildeo baseada na coleta anaacutelise e avaliaccedilatildeo dos movimentos sociais e suas consequecircncias para a hiperjudicializaccedilatildeo dos conflitos o que entendemos corresponde a uma aplicaccedilatildeo praacutetica e eficiente da jurimetria na administraccedilatildeo da justiccedila

REFEREcircNCIASALEXY Robert Teoria dos Direitos Fundamentais Trad Virgiacutelio Afonso da Silva 2ordf ed Satildeo

Paulo Ed Malheiros 2015

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O superendividamento tutelado no acircmbito do Sistema dos

Juizados Especiais do Tribunal de Justiccedila do Estado da Bahia

1 Poacutes-graduada em Direito Processual Civil pela Universidade Federal de Direito da Bahia servidora do Tribunal de Justiccedila do Estado da Bahia assessora da Coordena-ccedilatildeo dos Juizados Especiais

Maria Joseacute Oliveira e Silva1

Resumo A grave situaccedilatildeo de endividamento decorrente do voraz mercado de consumo associada ao atual momento pandecircmico im-potildee a proteccedilatildeo estatal atraveacutes da criaccedilatildeo de normativas proacuteprias e de poliacutetica puacuteblicas voltadas ao enfrentamento da questatildeo Este artigo faz uma breve explanaccedilatildeo acerca dos sistemas juriacutedicos protetivos analisa o arcabouccedilo normativo existente no nosso paiacutes e apresenta soluccedilotildees praacuteticas desenvolvidas pelo Poder Judiciaacuterio do Estado da Bahia para o enfrentamento da questatildeo

Palavras-chave Superendividamento Sistemas Juriacutedicos Praacuteticas do Poder Judiciaacuterio da Bahia

1 INTRODUCcedilAtildeO

O fenocircmeno do endividamento estaacute arraigado na sociedade contem-poracircnea como reflexo das relaccedilotildees de consumo cada dia mais agressivas que outorgam ao consumidor uma condiccedilatildeo de hipossuficiecircncia diante do grande apelo do mercado financeiro que impede o cidadatildeo muitas vezes de sair ileso das grandes ofertas de creacuteditos que fatalmente iratildeo impactar na sua situaccedilatildeo econocircmica comprometendo a sua sauacutede e o seu bem estar afetando consequentemente toda a estrutura familiar

Sensiacuteveis a relevante questatildeo enraizada na proteccedilatildeo agrave dignidade da pessoa humana os ordenamentos juriacutedicos de diversos paiacuteses vecircm bus-cando soluccedilotildees para o grave problema que atinge cada vez mais pessoas sobretudo nesse momento pandecircmico em que os iacutendices de endivida-

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mento subiram consideravelmente No Brasil o percentual de famiacutelias com diacutevidas atingiu em junho o recorde histoacuterico de 671 (sessenta e sete virgula um por cento) segundo a Pesquisa de Endividamento e Inadimplecircncia do Consumidor realizada pela Confederaccedilatildeo Nacional do Comeacutercio (CNC)2

O endividamento eacute uma questatildeo de relevante preocupaccedilatildeo univer-sal sendo consenso que eacute um fato social grave e atual em diversas partes do mundo assim como no nosso paiacutes merecendo atenccedilatildeo especial dos poderes puacuteblicos mediante a elaboraccedilatildeo de normativas especiacuteficas que possam atraveacutes de intervenccedilatildeo nos contratos de consumo criar um siste-ma protetivo direcionado a esta parcela da populaccedilatildeo atingida

2 DIREITO COMPARADO DA TUTELA DO ENDIVIDAMENTO

No modelo francecircs a Lei Neiertz com suas modificaccedilotildees numa orientaccedilatildeo social previu um processo de reestruturaccedilatildeo global da diacutevi-da de caraacuteter misto repartindo estrutural e funcionalmente em dois momentos sucessivos uma fase administrativa conciliatoacuteria e uma fase judicial (redressemnte judiciare civil) desencadeada apenas no caso do in-sucesso da primeira fase Ao lado dessas possibilidades haacute a da utilizaccedilatildeo do prazo de reflexatildeo (delai de reacuteflexion) como instrumento de prevenccedilatildeo do endividamento previsto somente em casos particulares como os de creacutedito ao consumo (PELLEGRINO 2016)

O Code de la Consommation na Repuacuteblica Francesa cuida da oferta de creacutedito e dos contratos imobiliaacuterios com normas protetivas aos consu-midores na fase preacute-negocial ndash coibindo a propaganda abusiva e estabele-cendo a plena eficaacutecia do dever lateral de informaccedilatildeo ndash e sancionando vio-lentamente os abusos como a perda do direito agrave percepccedilatildeo de juros Haacute um controle riacutegido sobre as formas de cobranccedila das diacutevidas conservando a imagem e a honra do devedor em face de meacutetodos agressivos utilizados pelos credores E na hipoacutetese de endividamento excessivo ou da super-veniecircncia de ruiacutena econocircmica eacute estabelecido um complexo sistema de renegociaccedilotildees e de tutela patrimonial do devedor Na hipoacutetese de execu-ccedilatildeo instaurada pode-se invocar a exceccedilatildeo de superendividamento Com

2 Pesquisa realizada na data de 09112020 no endereccedilo httpseconomiauolcombrnoticiasestadao-conteudo20200619endividamento-de-familias-bate-recor-de-diz-cnchtm

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isso a pedido da comissatildeo de superendividamento o processo poderaacute ser suspenso (artigo L331-5) Os comissaacuterios elaboraratildeo juntamente com as partes um plano de recuperaccedilatildeo econocircmico-financeira do devedor Desta forma o perfil da diacutevida seraacute alongado e novas disposiccedilotildees seratildeo pactua-das visando adequar o negoacutecio agraves reais condiccedilotildees econocircmico-financeiras do devedor (RODRIGUES JR 2013)

A jurisprudecircncia francesa deu alguns contornos a esses dispositivos do Coacutedigo de Consumo ao estilo dos seguintes (a) considera-se ter agido de boa-feacute o devedor cujo superendividamento deu-se por sua imprudecircn-cia ou imprevidecircncia (b) a boa-feacute do devedor eacute presumida competindo aos credores provar o contraacuterio (c) a comissatildeo de superendividamento tem competecircncia para analisar os deacutebitos vencidos e os vincendos (RO-DRIGUES JR 2013)

No direito americano emergiu um modelo neoliberal que encara o endividamento como um risco associado agrave expansatildeo do mercado finan-ceiro e em razatildeo disso investe na socializaccedilatildeo do risco de desenvolvimen-to do creacutedito concebendo uma responsabilidade limitada para os consu-midores sendo o perdatildeo da diacutevida a principal medida concretizadora do fresh start concedida ao consumidor (RODRIGUES JR 2013 apud RAMSAY 1997)

Acerca do sistema americano o perdatildeo das diacutevidas eacute o fim e o come-ccedilo no sentido que encerra o procedimento legal da falecircncia com efeito de coisa julgada e o comeccedilo porque estaacute relacionado agrave concessatildeo de uma nova oportunidade aos devedores honestos de recomeccedilar a vida sem o peso opressivo psicoloacutegico de diacutevidas anteriores O perdatildeo pode ser obti-do no iniacutecio do procedimento quando natildeo haacute bens a liquidar ou apoacutes o cumprimento de um plano de pagamento que contemple o reembolso de parte das diacutevidas (PELLEGRINO 2016)

Quanto ao procedimento o devedor entrega uma peticcedilatildeo no tribunal de falecircncias com informaccedilotildees precisas sobre os credores natureza e mon-tante das diacutevidas fonte valor e regularidade dos rendimentos que aufere seus bens e seus encargos mensais essenciais (alimentaccedilatildeo transporte impostos medicamentos aluguel etc) Com a mera entrega da peticcedilatildeo as execuccedilotildees ficam suspensas Decorridos 20 a 40 dias apoacutes a entrega da peticcedilatildeo realiza-se uma reuniatildeo de credores com a presenccedila indispensaacutevel do devedor que deve responder a eventuais questotildees apresentadas pe-los credores sobre seus bens e negoacutecios e do administrador da falecircncia (LIMA 2014)

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3 ASPECTOS DO ORDENAMENTO JURIacuteDICO BRASILEIRO

No Brasil diante da nova ordem constitucional de 1988 e seguindo tendecircncia mundial atraveacutes do comando constitucional a tutela do endivi-damento estaacute amparada nos princiacutepios do equiliacutebrio contratual da boa-feacute da funccedilatildeo social e da dignidade da pessoa humana

A dignidade da pessoa humana eacute pilar da estrutura constitucional brasileira sendo

designada por muitos doutrinadores como macroprinciacutepio do or-denamento constitucional natildeo eacute por acaso que o referido princiacutepio foi inserido na carta magna como fundamento da Repuacuteblica Federativa do Brasil (art 1ordm III)3

A dignidade da pessoa humana eacute o fundamento axioloacutegico do di-reito eacute a razatildeo de ser da proteccedilatildeo fundamental do valor da pessoa e por conseguinte da humanidade do ser e da responsabilidade que cada homem tem pelo outro (NERY Jr 1995) Por isso se diz que a justiccedila como valor eacute o nuacutecleo central da axiologia juriacutedica e a marca desse valor fun-damental de justiccedila eacute o homem princiacutepio e razatildeo de todo o direito (GIL HERNANDEZ 1987)

Para conceder eficaacutecia a norma constitucional contida no artigo 5ordm XXXII4 criou-se o Coacutedigo de Defesa do Consumidor atraveacutes da Lei 8078 de 11 de setembro de 1990 objetivando a realizaccedilatildeo da igualdade subs-tancial e a socializaccedilatildeo atraveacutes da intervenccedilatildeo na atividade econocircmica (art 170 CF)5 como instrumentos garantidores da dignidade da pessoa humana

Os princiacutepios elencados na lei consumerista contaminaram todo o di-reito privado sobretudo a partir da ideia de confianccedila inerente da boa-feacute

3 CF Art 1ordm A Repuacuteblica Federativa do Brasil formada pela uniatildeo indissoluacutevel dos Estados e Municiacutepios e do Distrito Federal constitui-se em Estado Democraacutetico de Direito e tem como fundamentos III ndash a dignidade da pessoa humana

4 CF Art 5ordm XXXII ndash o Estado promoveraacute na forma da lei a defesa do consumidor

5 CF Art 170 A ordem econocircmica fundada na valorizaccedilatildeo do trabalho humano e na livre iniciativa tem por fim assegurar a todos existecircncia digna conforme os ditames da justiccedila social observados os seguintes princiacutepios V ndash defesa do consumidor

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objetiva consagrada como princiacutepio da poliacutetica nacional das relaccedilotildees de consumo (art 4ordm IV CDC)6

No Brasil na esteira da relevacircncia constitucional atribuiacuteda agrave proteccedilatildeo do consumidor o Coacutedigo de Defesa do Consumidor em seu artigo 4ordm III7 positivou a boa-feacute objetiva estabelecendo elo entre a proteccedilatildeo do con-sumidor e o manto axioloacutegico do ordenamento juriacutedico em cujo veacutertice encontra-se a dignidade da pessoa humana tornando-se portanto vetor das relaccedilotildees negociais privadas em face a normativa constitucional justi-ficando sua aplicaccedilatildeo para aleacutem das relaccedilotildees de consumo (PELLEGRINO 2016)

Na esteira desse entendimento a partir do advento do Coacutedigo Civil de 2002 a boa-feacute objetiva passou a alcanccedilar as relaccedilotildees privadas indis-tintamente independente de qualquer vulnerabilidade na condiccedilatildeo de princiacutepio geral do direito das obrigaccedilotildees (art 422 CC)8

A boa feacute objetiva se qualifica como uma norma de comportamento leal uma norma necessariamente nuanccedilada mais propriamente constitui--se um modelo juriacutedico ndash na medida em que se reveste de variadas formas de variadas concreccedilotildees (MARTINS 1999) ldquodenotando e conotando em sua formaccedilatildeo uma pluridiversidade de elementos entre si interligados numa unidade de sentido loacutegicordquo (REALE 1968)

6 Art 4ordm CDC A Poliacutetica Nacional das Relaccedilotildees de Consumo tem por objetivo o aten-dimento das necessidades dos consumidores o respeito agrave sua dignidade sauacutede e seguranccedila a proteccedilatildeo de seus interesses econocircmicos a melhoria da sua qualidade de vida bem como a transparecircncia e harmonia das relaccedilotildees de consumo atendidos os seguintes princiacutepios (Redaccedilatildeo dada pela Lei nordm 9008 de 2131995) IV ndash educaccedilatildeo e informaccedilatildeo de fornecedores e consumidores quanto aos seus direitos e deveres com vistas agrave melhoria do mercado de consumo

7 Art 4ordm CDC A Poliacutetica Nacional das Relaccedilotildees de Consumo tem por objetivo o aten-dimento das necessidades dos consumidores o respeito agrave sua dignidade sauacutede e seguranccedila a proteccedilatildeo de seus interesses econocircmicos a melhoria da sua qualidade de vida bem como a transparecircncia e harmonia das relaccedilotildees de consumo atendidos os seguintes princiacutepios (Redaccedilatildeo dada pela Lei nordm 9008 de 2131995) III ndash harmoni-zaccedilatildeo dos interesses dos participantes das relaccedilotildees de consumo e compatibilizaccedilatildeo da proteccedilatildeo do consumidor com a necessidade de desenvolvimento econocircmico e tecnoloacutegico de modo a viabilizar os princiacutepios nos quais se funda a ordem econocirc-mica (art 170 da Constituiccedilatildeo Federal) sempre com base na boa-feacute e equiliacutebrio nas relaccedilotildees entre consumidores e fornecedores

8 Art 422 CC Os contratantes satildeo obrigados a guardar assim na conclusatildeo do contra-to como em sua execuccedilatildeo os princiacutepios de probidade e boa-feacute

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A boa feacute objetiva eacute norma cujo conteuacutedo natildeo pode ser rigidamente fixado dependendo sempre das concretas circunstacircncias do caso sendo regra de caraacuteter marcadamente teacutecnico-juriacutedico porque enseja a soluccedilatildeo dos casos particulares no quadro dos demais modelos juriacutedicos postos em cada ordenamento sendo por estas caracteriacutesticas uma norma proteifoacuter-mica que convive com um sistema necessariamente aberto isso eacute o que enseja a sua proacutepria permanente construccedilatildeo e controle (MARTINS 1999)

Portanto pode-se afirmar que indubitavelmente esse cenaacuterio legis-lativo outorgou uma nova racionalidade material ao direito que imprimiu uma recente realidade juriacutedica nacional que reclama proteccedilatildeo das rela-ccedilotildees de consumo e tratativa diferenciada para o endividamento jaacute que este eacute fruto da poliacutetica de consumo da sociedade capitalista

A Resoluccedilatildeo 125 do CNJ de 29 de novembro de 2010 e suas altera-ccedilotildees ao dispor sobre a Poliacutetica Judiciaacuteria Nacional de tratamento adequa-do dos conflitos de interesses no acircmbito do Poder Judiciaacuterio determina a disseminaccedilatildeo da pacificaccedilatildeo social mediante o incentivo da conciliaccedilatildeo e mediaccedilatildeo atraveacutes da criaccedilatildeo de poliacutetica de tratamento dos conflitos de interesses tendente a assegurar a todos o direito agrave soluccedilatildeo dos conflitos por meios adequados agrave sua natureza e peculiaridade antes da soluccedilatildeo adjudicada mediante sentenccedila oferecer outros mecanismos de soluccedilotildees de controveacutersias em especial os chamados meios consensuais bem assim prestar atendimento e orientaccedilatildeo ao cidadatildeo9

Eacute cediccedilo que a mediaccedilatildeo e a conciliaccedilatildeo satildeo instrumentos efetivos de pacificaccedilatildeo social soluccedilatildeo e prevenccedilatildeo de litiacutegios e que a sua apropriada disciplina em programas jaacute implementados nos paiacutes tem reduzido a ex-cessiva judicializaccedilatildeo dos conflitos de interesses a quantidade de recursos e de execuccedilatildeo de sentenccedilas

O sistema de proteccedilatildeo da pessoa humana na condiccedilatildeo de pessoa fiacutesica deve abarcar uma normativa proacutepria para tratar do endividamento

9 Art 1ordm Paraacutegrafo uacutenico da Resoluccedilatildeo 12510 CNJ Aos oacutergatildeos judiciaacuterios incumbe nos termos do art 334 do Coacutedigo de Processo Civil de 2015 combinado com o art 27 da Lei 13140 de 26 de junho de 2015 (Lei de Mediaccedilatildeo) antes da soluccedilatildeo adjudi-cada mediante sentenccedila oferecer outros mecanismos de soluccedilotildees de controveacutersias em especial os chamados meios consensuais como a mediaccedilatildeo e a conciliaccedilatildeo bem assim prestar atendimento e orientaccedilatildeo ao cidadatildeo (Redaccedilatildeo dada pela Resoluccedilatildeo nordm 326 de 2662020)

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sobretudo pelas normas principioloacutegicas acima citadas que demandam uma proteccedilatildeo do indiviacuteduo consumidor na sua condiccedilatildeo de

hipossuficiente e que portanto preveja um processo de recuperaccedilatildeo da situaccedilatildeo financeira do indiviacuteduo a exemplo da legislaccedilatildeo norte ameri-cana que contempla o perdatildeo da totalidade das diacutevidas ou da francesa que valoriza a composiccedilatildeo amigaacutevel dos interessados

4 ANAacuteLISE DO PROJETO DE LEI Nordm 35152015 ndash TRATATIVA DO SUPERENDIVIDAMENTO

Impende ressaltar que atendendo a essa necessidade legislativa existe o Projeto de Lei 35152015 em tracircmite na Cacircmara dos Deputados de autoria do senador Joseacute Sarney que altera o Coacutedigo de Defesa do Con-sumidor e o Estatuto do Idoso para aperfeiccediloar a disciplina do creacutedito e dispor sobre a prevenccedilatildeo e o tratamento do superendividamento no Brasil Atualmente o referido projeto encontra-se pronto para Pauta na Comissatildeo Especial destinada a proferir parecer

Dentre as principais mudanccedilas sugeridas para a alteraccedilatildeo do Coacutedigo de Defesa do Consumidor destaca-se a inclusatildeo no rol dos princiacutepios da Poliacutetica Nacional das Relaccedilotildees de Consumo dentre as accedilotildees governamen-tais de proteccedilatildeo do consumidor o fomento de accedilotildees visando agrave educaccedilatildeo financeira e ambiental dos consumidores e a prevenccedilatildeo e tratamento do superendividamento como forma de evitar a exclusatildeo social do consumi-dor (artigo 4ordm incisos IX e X)

O suso projeto normativo determina que o poder puacuteblico como meio de execuccedilatildeo da Poliacutetica Nacional das Relaccedilotildees de Consumo deveraacute ins-tituir mecanismos de prevenccedilatildeo e tratamento extrajudicial e judicial do superendividamento e de proteccedilatildeo do consumidor pessoa natural bem como criaraacute nuacutecleos de conciliaccedilatildeo e mediaccedilatildeo de conflitos oriundos de superendividamento (artigo 5ordm VI e VII)

A guisa de enumeraccedilatildeo pode-se ainda citar que o projeto de lei traz a inserccedilatildeo de outros direitos baacutesicos do consumidor elencados no artigo 6ordm do CDC consubstanciados na garantia de praacuteticas de creacutedito respon-saacutevel de educaccedilatildeo financeira e de prevenccedilatildeo e tratamento de situaccedilotildees de superendividamento preservado o miacutenimo existencial nos termos da regulamentaccedilatildeo por meio da revisatildeo e repactuaccedilatildeo da diacutevida entre outras medidas na preservaccedilatildeo do miacutenimo existencial na repactuaccedilatildeo

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de diacutevidas na concessatildeo de creacutedito e na obrigatoriedade de informaccedilatildeo acerca dos preccedilos e condiccedilotildees do negoacutecio

Ressalte-se que o importante projeto de lei em anaacutelise insere Ca-piacutetulo proacuteprio (Capiacutetulo VI-A) no Coacutedigo de Defesa do Consumidor para regulamentar a prevenccedilatildeo e o

tratamento do superendividamento dispondo sobre o creacutedito res-ponsaacutevel e sobre a educaccedilatildeo financeira do consumidor

A sobredita norma traz conceito expresso acerca do superendivida-mento caracterizado pela impossibilidade manifesta de o consumidor pessoa natural de boa-feacute pagar a totalidade de suas diacutevidas de consumo exigiacuteveis e vincendas sem comprometer seu miacutenimo existencial (art 54-A sect 1ordm) estabelece tambeacutem regras para a oferta do produto mediante in-formaccedilotildees preacutevias e adequadas acerca do custo efetivo total taxa efetiva mensal taxas de juros total de encargos de qualquer natureza previstos para o atraso no pagamento momento de prestaccedilotildees prazo de validade da oferta direito do consumidor de liquidaccedilatildeo antecipada dentre outras medidas colimando resguardar a lisura no contrato (art 54-B incisos I a V)

O referido projeto de lei traz no seu bojo tambeacutem alguns deveres inerentes ao fornecedor dentre os quais informar e esclarecer adequa-damente o consumidor considerando a sua idade sauacutede conhecimento e condiccedilatildeo social sobre a natureza e a modalidade do creacutedito avaliar a capacidade e as condiccedilotildees de pagamento da diacutevida contratada mediante solicitaccedilatildeo da documentaccedilatildeo necessaacuteria e das informaccedilotildees disponiacuteveis em bancos de dados de proteccedilatildeo ao creacutedito determinando como sanccedilatildeo pelo descumprimento a possibilidade de judicialmente obter a inexigi-bilidade ou a reduccedilatildeo dos juros dos encargos ou de quaisquer acreacutescimo ao principal bem como a dilaccedilatildeo do prazo para pagamento conforme a gravidade da conduta do fornecedor e as possibilidades financeiras do consumidor sem prejuiacutezo de outras sanccedilotildees e de indenizaccedilatildeo por perdas e danos patrimoniais e morais (art 54-D)

No bojo do citado projeto haacute previsatildeo do direito de desistecircncia sem motivaccedilatildeo da contrataccedilatildeo de creacutedito consignado a contar da data da ce-lebraccedilatildeo do contrato no prazo de 7 dias (sect 2ordm do artigo 54-E)

O mencionado projeto ainda prevecirc um procedimento de repactua-ccedilatildeo de diacutevidas atraveacutes do qual o juiz poderaacute instaurar processo com au-diecircncia conciliatoacuteria em que o consumidor apresentaraacute proposta de plano

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de pagamento com prazo maacuteximo de 5 anos preservando o miacutenimo exis-tencial bem como as garantias e as formas de pagamento originalmente pactuadas (art 104-A)

Por fim prevecirc o citado projeto que natildeo exitosa a conciliaccedilatildeo em rela-ccedilatildeo a quaisquer credores o juiz a pedido do consumidor instauraraacute pro-cesso por superendividamento para revisatildeo e integraccedilatildeo dos contratos e repactuaccedilatildeo das diacutevidas remanescentes mediante plano

judicial compulsoacuterio procedendo agrave citaccedilatildeo de todos os credores cujos creacuteditos natildeo tenham integrado o acordo porventura celebrado (Art 104-B)

Tal iniciativa legislativa vem de encontro com a tutela do superendi-vidamento na esteira do movimento mundial garantista da proteccedilatildeo do consumidor sendo importante vetor do equiliacutebrio contratual em obser-vacircncia do arcabouccedilo principioloacutegico amplamente debatido sobretudo da dignidade da pessoa humana e da aplicaccedilatildeo da boa-feacute objetiva nas relaccedilotildees contratuais

5 PROJETO DESENVOLVIDO PELA COORDENACcedilAtildeO DO SIS-TEMA DOS JUIZADOS ESPECIAIS DO TRIBUNAL DE JUSTI-CcedilA DO ESTADO DA BAHIA

Nesta senda o Poder Judiciaacuterio do Estado da Bahia na atual gestatildeo do Excelentiacutessimo Desembargador Lourival Trindade por intermeacutedio da Coordenaccedilatildeo dos Juizados Especiais sob a direccedilatildeo da brilhante magis-trada Fabiana Andreacutea de Almeida Oliveira Pellegrino vem desenvolvendo importante trabalho de proteccedilatildeo ao superendividamento

A Coordenaccedilatildeo dos Juizados Especiais desenvolve projeto depar-tamental com o objetivo de renegociar na fase conciliatoacuteria diacutevidas de pessoa fiacutesica mediante prestaccedilatildeo de serviccedilos especializados atraveacutes de um Nuacutecleo de Prevenccedilatildeo e Tratamento do Superendividamento

Na data de 17 de marccedilo de 2020 foi publicado o Decreto Judiciaacuterio nordm 210 de 16 de marccedilo de 2020 que instituiu o Nuacutecleo de Prevenccedilatildeo e Tratamento do Superendividamento no acircmbito do Sistema dos Juizados Especiais do Estado da Bahia

O Nuacutecleo de Prevenccedilatildeo e Tratamento do Superendividamento tem objetivo de na esfera preacute-processual possibilitar a renegociaccedilatildeo coletiva ou individualizada de diacutevidas decorrentes de relaccedilatildeo de consumo do de-

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vedor pessoa fiacutesica de boa-feacute desprovido de condiccedilotildees para quitar seus deacutebitos sem prejuiacutezo de sua proacutepria subsistecircncia com todos os seus creacute-ditos e possibilitar nesse contexto a devida formaccedilatildeo e compreensatildeo da sociedade de consumo a partir da psicologia do consumo (art 2ordm)

O Nuacutecleo possui competecircncia para atender de modo qualificado o consumidor previamente agendado realizando anamnese da sua vida social econocircmica financeira e pessoal mediante o preenchimento de for-mulaacuterio no intuito de aferir a real situaccedilatildeo do superendividamento para promover em parcerias com instituiccedilotildees privadas ou puacuteblicas oficinas interdisciplinares de tratamento para realizar audiecircncia de renegociaccedilatildeoconciliaccedilatildeo preacute-processual entre o consumidor superendividado e os seus credores assim como para atermar e distribuir mediante provocaccedilatildeo do consumo superendividado o pedido inicial para uma das Varas do Sistema Estadual dos Juizados Especiais do Consumidor caso natildeo celebrado acor-do na audiecircncia de renegociaccedilatildeo (art 3ordm e incisos)

O agendamento poderaacute ser realizado eletronicamente atraveacutes do Sistema Central de Agendamento disponiacutevel na paacutegina do Tribunal de Justiccedila (wwwtjbajusbrcentradeagendamento) ou tambeacutem presencial-mente no proacuteprio Nuacutecleo nas hipoacuteteses de eventual impossibilidade ressaltando-se que em razatildeo da pandemia dever-se-aacute realizar o preacutevio agendamento nos termos do Ato Conjunto nordm 242020 (art 2ordm)10

O Decreto Judiciaacuterio nordm 2102020 sensiacutevel ao quanto determina o projeto de Lei 351515 que erigiu como um dos direitos baacutesicos do consu-midor a garantia da educaccedilatildeo financeira e de prevenccedilatildeo nas situaccedilotildees de superendividamento determina como obrigatoacuterio o encaminhamento do consumidor agrave oficina de educaccedilatildeo financeira como requisito preacutevio para a realizaccedilatildeo da audiecircncia de conciliaccedilatildeo (art 5ordm e 6ordm)

Para fins de subsidiar as oficinas de educaccedilatildeo financeira do Nuacutecleo de Prevenccedilatildeo e Tratamento do Superendividamento o Tribunal de Justiccedila estaacute firmando Acordo de Cooperaccedilatildeo Teacutecnica com a Sociedade Bahiana de Educaccedilatildeo e Cultura SA ndash Centro Universitaacuterio Jorge Amado para dotar essas oficinas de professores coordenadores das aacutereas de direito psicolo-

10 Art 2ordm do Ato Conjunto nordm 242020 Fica autorizado o acesso das partes advogados membros da Defensoria Puacuteblica e do Ministeacuterio Puacuteblico agraves dependecircncias do PJBA mediante preacutevio agendamento e somente nas hipoacuteteses em que natildeo for possiacutevel a realizaccedilatildeo do atendimento remoto destes em consonacircncia com o Decreto Judiciaacuterio nordm 385 de 08 de julho de 2020

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gia administraccedilatildeo de empresas e ciecircncias contaacutebeis que contaraacute com a participaccedilatildeo de discentes dos cursos de graduaccedilatildeo eou poacutes-graduaccedilatildeo a fim de fornecer noccedilotildees baacutesicas de organizaccedilatildeo orccedilamentaacuteria psicologia da economia psicologia do consumo direitos baacutesicos dos consumido-res matemaacutetica financeira dentre outros temas aleacutem de orientar e dar suporte informacional ao superendividado balizando as propostas de renegociaccedilatildeo conforme as possibilidades do devedor colimando a inclu-satildeo socioeconocircmica do superendividado na sociedade e no universo do empreendedorismo

Ademais estatildeo sendo assinados tambeacutem dois outros Termos de Coo-peraccedilatildeo Teacutecnica um com a Defensoria Puacuteblica o Ministeacuterio Puacuteblico a Se-cretaria de Justiccedila Direitos Humanos e Desenvolvimento Social ndash PROCON e outro com os Tabelionatos de Protesto de Tiacutetulos e Documentos da Co-marca de Salvador visando a participaccedilatildeo efetiva destas Instituiccedilotildees no sentido de identificarem e orientarem em seus atendimentos consumi-dores nesta situaccedilatildeo de superendividamento os encaminhando para o Nuacutecleo de Prevenccedilatildeo e Tratamento do Superendividamento

Ressalte-se que em razatildeo do atual momento pandecircmico em que fo-ram suspensas as audiecircncias presenciais foi baixada Portaria nordm 3272020-COJE de lavra da Excelentiacutessima Juiacuteza Assessora Fabiana Andreacutea de Almeida Oliveira Pellegrino que regulamentou as audiecircncias por video-conferecircncia no acircmbito do aludido Nuacutecleo determinando a realizaccedilatildeo atraveacutes do aplicativo Lifesize e o agendamento mediante expediccedilatildeo de carta convite enviada por e-mail ou whatsapp direcionada para o deve-dor e credores contendo o link de acesso agrave sala virtual e que o Termo de Acordo deveraacute ser distribuiacutedo para uma das Varas de Defesa do Consumi-dor para fins de homologaccedilatildeo judicial

Com vistas a divulgar o trabalho desenvolvido a Coordenaccedilatildeo dos Juizados elaborou cartazes e folhetos que estatildeo sendo enviados para os Foacuteruns e os Tabelionatos de Protestos do Estado com informaccedilotildees acerca do que eacute o superendividamento com questionaacuterio para o cidadatildeo iden-tificar se encontra-se nesta situaccedilatildeo explicando o trabalho do Nuacutecleo de Prevenccedilatildeo e Tratamento do Superendividamento quem pode ser atendi-do e como funciona

6 CONCLUSAtildeO

Nesse encerro constata-se que natildeo se pode hoje em dia deixar agrave margem da proteccedilatildeo estatal a questatildeo do endividamento jaacute que este eacute fe-

O superendividamento tutelado no acircmbito do Sistema dos Juizados Especiais do Tribunal de Justiccedila do Estado da Bahia

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nocircmeno atual de relevante preocupaccedilatildeo universal que merece a atenccedilatildeo especial dos poderes puacuteblicos

Atento a esta necessidade pungente de criaccedilatildeo de mecanismos pro-tecionistas diante da grave questatildeo social e do nuacutemero cada vez maior de consumidores com a renda familiar totalmente comprometida pelos com-promissos financeiros o nosso Poder Judiciaacuterio atraveacutes da criaccedilatildeo e da atuaccedilatildeo efetiva do Nuacutecleo de Prevenccedilatildeo e Tratamento do Superendivida-mento oferece ao cidadatildeo comum meios de recuperar a sua sauacutede finan-ceira atuando sobretudo na reeducaccedilatildeo destes indiviacuteduos fornecendo noccedilotildees de organizaccedilatildeo orccedilamentaacuteria psicologia da economia e do con-sumo por intermeacutedio das Oficinas realizadas em parceria com Instituiccedilotildees de ensino aleacutem de possibilitar a conciliaccedilatildeo do pagamento do deacutebito

Tais poliacuteticas puacuteblicas abraccediladas pelo nosso Poder Judiciaacuterio do Es-tado dialogam de forma harmocircnica com o direito comparado e tambeacutem com o Projeto de Lei nordm 351515 que traz para o bojo do nosso Coacutedigo de Defesa do Consumidor de forma definitiva a tutela do superendivi-damento e que portanto merecem todos os nossos aplausos vez que atuam na proteccedilatildeo da dignidade da pessoa humana

7 REFEREcircNCIASCOSTA Judith Martins A Boa-Feacute no Direito Privado 1999 editora Revista dos Tribunais

RT

GIL Antonio Hernandez Conceptos Juriacutedicos Fundamentales Obras Completas v I Ma-drid Espasa Calpe 1987 p 44

LIMA Clarissa Costa de O tratado do Superendividamento e o direito de recomeccedilar dos consumidores Satildeo Paulo RT 2014

REALE Miguel O direito como experiecircncia Editora Saraiva Satildeo Paulo 1968

Jr Nelson Nery Ed Thomson Reuters Direito Constitucional Brasileiro ed 2019 O cons-titucionalismo e os Princiacutepios constitucionais citando Joatildeo Paulo II Evangelium Vitae Satildeo Paulo Ediccedilotildees Paulina 1995

RODRIGUES JUNIOR Otaacutevio Luiz Direito Comparado Artigo Consultor Juriacutedico CONJUR Conselho francecircs rege casos de superendividamento Disponiacutevel em httpswwwconjurcombr2013-fev-13direito-comparado-conselho-frances-rege-casos--superendividamento

PELLEGRINO Fabiana Andrea de Almeida Oliveira A tutela juriacutedica do superendivida-mento ed Podivm 2ordf ediccedilatildeo 2016

AMSAY Ian Models of Consumer Brunkrupcty Implications for research and policy Journal of Consumer Policy 201997

Maria Joseacute Oliveira e Silva

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Audiecircncia de conciliaccedilatildeo no acircmbito dos Juizados Especiais da Fazenda Puacuteblica

a indispensaacutevel concretizaccedilatildeo do acesso agrave ordem juriacutedica justa

1 Poacutes-Graduada em Processo Civil pela Universidade Federal da Bahia Servidora do Tribunal de Justiccedila do Estado da Bahia

2 Poacutes-Graduada em Direito Processual Penal pela Universidade Anhanguera Servidora do Tribunal de Justiccedila do Estado da Bahia

3 Poacutes-Graduanda em Direito Constitucional Aplicado e em Direito do Consumidor pela Faculdade Legale Assessora de Magistrado no Tribunal de Justiccedila do Estado da Bahia

Maria Joseacute Oliveira e Silva1

Nataacutelia Cavalcanti de Arauacutejo2

Paula Gargur Calmon Teixeira da Silva3

Resumo A autocomposiccedilatildeo dos litiacutegios eacute vetor para a outorga de prestaccedilatildeo jurisdicional ceacutelere e eficiente O objetivo deste artigo eacute de-monstrar a indispensabilidade da audiecircncia de conciliaccedilatildeo nos feitos fazendaacuterios dos Juizados Especiais atraveacutes de anaacutelise interpretativa do sistema juriacutedico vigente

Palavras-chave Audiecircncia de conciliaccedilatildeo pacificaccedilatildeo social Juiza-dos Especiais da Fazenda Puacuteblica acesso agrave justiccedila

1 INTRODUCcedilAtildeO

Com o advento da Constituiccedilatildeo Federal de 1988 inaugurando uma nova ordem juriacutedica sob o paacutelio da democracia as formas alternativas de pacificaccedilatildeo social de conflitos ganharam nova roupagem estabelecendo--se como passo anterior agrave judicializaccedilatildeo A par dessa realidade a promo-ccedilatildeo de meios consensuais se firmou como uma soluccedilatildeo agrave hiperjudicializa-ccedilatildeo das relaccedilotildees sociais que jaacute tornava o Poder Judiciaacuterio um recocircndito moroso e ineficaz

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No acircmbito dos Juizados Especiais criados com o intuito de conferir celeridade e simplicidade agraves relaccedilotildees juriacutedicas de menor complexidade a audiecircncia de conciliaccedilatildeo assume o papel de concretizar o acesso funda-mental agrave ordem juriacutedica justa na medida em que convida o cidadatildeo a ser participante efetivo do procedimento exercendo sua cidadania e dignida-de aleacutem de contribuir para que o processo tenha uma duraccedilatildeo razoaacutevel e seja eficiente nos termos do Texto Constitucional

Nesse ensejo eacute indispensaacutevel que a assentada conciliatoacuteria mesmo nos feitos que tramitam contra a Fazenda Puacuteblica seja ultimada em seu escopo final espelhando a escolha constitucional pela pacificaccedilatildeo social assim como as diretrizes administrativas do Conselho Nacional de Justiccedila que desde os idos de 2010 vem trazendo relevo aos mecanismos con-sensuais de soluccedilatildeo de litiacutegios como vertente do direito fundamental de acesso agrave justiccedila

O objetivo deste artigo portanto eacute demonstrar a importacircncia da au-diecircncia de conciliaccedilatildeo nos feitos fazendaacuterios

2 CONSTITUCIONALIZACcedilAtildeO DO DIREITO PROCESSUAL E O NEOPROCESSUALISMO

Agrave luz do microssistema dos Juizados Especiais exsurge niacutetida a opccedilatildeo principioloacutegica do legislador pelo estiacutemulo constante agrave autocomposiccedilatildeo como meio de alcanccedilar a economia processual celeridade e eficiecircncia da prestaccedilatildeo jurisdicional Tal perspectiva ressoa como consectaacuterio loacutegico da constitucionalizaccedilatildeo do direito movimento que determina a interpretaccedilatildeo de todo o ordenamento paacutetrio em conformidade agraves diretrizes constitucio-nais

O fenocircmeno da constitucionalizaccedilatildeo do direito processual pode ser analisado sob duas vertentes a primeira eacute aquela que reconhece a incor-poraccedilatildeo de normas processuais aos textos constitucionais inclusive sob a forma de direito fundamental agrave exemplo do devido processo legal A segunda eacute a que passa a entender as normas processuais infraconstitu-cionais como concretizadoras das disposiccedilotildees constitucionais trazendo a Constituiccedilatildeo Federal para o epicentro das relaccedilotildees juriacutedicas ao mesmo tempo em que estabelece uma hierarquizaccedilatildeo pois a lei processual so-mente poderaacute ser interpretada e ordenada em sua estrita conformidade

Natildeo eacute despiciendo rememorar que o ilustre processualista Calmon de Passos jaacute lecionava

Maria Joseacute Oliveira e Silva bull Nataacutelia Cavalcanti de Arauacutejo bull Paula Gargur Calmon Teixeira da Silva

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Devido processo constitucional jurisdicional cumpre esclarecer para evitar sofismas e distorccedilotildees maliciosas natildeo eacute sinocircnimo de formalis-mo nem culto da forma pela forma do rito pelo rito sim um comple-xo de garantias miacutenimas contra o subjetivismo e o arbiacutetrio dos que tecircm poder de decidir (PASSOS 2003)

Eacute nesta senda que o artigo 1ordm do Coacutedigo de Processo Civil4 destaca seu caraacuteter simboacutelico e enuncia a norma elementar de um sistema cons-titucional as normas juriacutedicas derivam da Constituiccedilatildeo e devem estar em conformidade com ela (DIDIER 2020) exigindo natildeo somente o CPC mas tambeacutem as Leis nordm 909995 e 121532009 esta interpretaccedilatildeo consoante os valores e normas fundamentais estabelecidas no Texto Magno

Os meacutetodos de soluccedilatildeo consensual dos conflitos que devem ser constantemente analisados sob este vieacutes neoprocessualista representam papel essencial para a desjudicializaccedilatildeo das controveacutersias colaborando com a resoluccedilatildeo de problemas estruturais da justiccedila inclusive em relaccedilatildeo agraves dificuldades orccedilamentaacuterias e financeiras enfrentadas pelas diversas Cor-tes do paiacutes O estiacutemulo agrave conciliaccedilatildeo representa em essecircncia o propoacutesito de conferir forccedila ao postulado da duraccedilatildeo razoaacutevel do processo ao mes-mo tempo em que torna eficaz a prestaccedilatildeo jurisdicional sem se esquivar da pacificaccedilatildeo social Nesta linha Teresa Arruda salienta ao discorrer sobre a conciliaccedilatildeo

Eacute uma forma mais adequada ceacutelere econocircmica e eficaz de resoluccedilatildeo de conflitos que a intervenccedilatildeo judicial Permite que pelas concessotildees reciacuteprocas as partes cheguem a um resultado mais vantajoso que a manutenccedilatildeo dos conflitos Pode promover a reaproximaccedilatildeo das par-tes (e inclusive restaurar relacionamentos prolongados) Evita ainda que o litiacutegio seja resolvido com uma decisatildeo impositiva do Estado--Juiz o que contribui para o descongestionamento do Poder Judiciaacute-rio Poreacutem a principal justificativa para a utilizaccedilatildeo da conciliaccedilatildeo eacute o estiacutemulo a cooperaccedilatildeo e a pacificaccedilatildeo sociais (WAMBIER 2016)

Assim eacute possiacutevel inferir que a previsatildeo legal acerca do momento con-ciliatoacuterio reflete uma loacutegica maior do que um simples ato procedimental dispensaacutevel pois vai ao encontro de concretizar normas e valores funda-mentais dentre eles o acesso agrave ordem juriacutedica justa

4 Art 1ordm O processo civil seraacute ordenado disciplinado e interpretado conforme os valo-res e as normas fundamentais estabelecidos na Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica Federativa do Brasil observando-se as disposiccedilotildees deste Coacutedigo

Audiecircncia de conciliaccedilatildeo no acircmbito dos Juizados Especiais da Fazenda Puacuteblica a indispensaacutevel concretizaccedilatildeo do acesso agrave ordem juriacutedica justa

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3 O FOMENTO AOS MEacuteTODOS AUTOCOMPOSITIVOS COMO FORMA DE PROMOCcedilAtildeO DOS PRINCIacutePIOS DOS JUIZADOS ESPECIAIS

Para democratizaccedilatildeo ao acesso agrave justiccedila os Juizados Especiais da Fa-zenda Puacuteblica ocupam um papel de destaque possibilitando que parcela significativa da populaccedilatildeo possa reivindicar seus direitos junto ao Estado

O Brasil natildeo foi o primeiro a utilizar esse meacutetodo Espelhando-se nos bons resultados apresentados por outros paiacuteses como Estados Unidos Inglaterra e diversos da Ameacuterica Latina como o Uruguai e o Meacutexico que jaacute possuem sistemas semelhantes e efetivos logicamente com as suas especificidades a inserccedilatildeo dos Juizados no universo juriacutedico objetivou facilitar as soluccedilotildees dos litiacutegios atraveacutes da intervenccedilatildeo estatal de maneira mais econocircmica e mais ceacutelere

Neste contexto pode-se considerar um avanccedilo a implantaccedilatildeo dos Juizados Especiais da Fazenda Puacuteblica com o advento da Lei nordm 12153 de 22 de dezembro de 2009 sem se olvidar que carecem de um olhar cuidadoso e de melhorias constantes como ocorre nos diversos ramos sociais Para tanto uma alternativa eficaz eacute a utilizaccedilatildeo dos meacutetodos de autocomposiccedilatildeo alinhados aos princiacutepios orientadores dos Juizados Espe-ciais amoldando-se por conseguinte agraves diretrizes do CNJ no encalccedilo de uma Justiccedila acessiacutevel ao cidadatildeo

Essa possibilidade se coaduna com os princiacutepios dos Juizados da Fazenda Puacuteblica servindo para desafogar o Poder Judiciaacuterio garantindo assim mais celeridade nas decisotildees e eficaacutecia da prestaccedilatildeo jurisdicional

O cotejo entre a conciliaccedilatildeo e os criteacuterios orientadores dos Juizados Especiais eacute o que podemos denominar de uma nova modalidade de efe-tivaccedilatildeo da justiccedila que tem seu nascedouro na experiecircncia estadunidense das Small Claims Courts de Nova York as quais dirimiam os pequenos con-flitos e processos cujos valores fossem no maacuteximo de ateacute quarenta salaacuterios miacutenimos senatildeo vejamos

Nosso sistema de Juizados de Pequenas Causas eacute baseado na ex-periecircncia nova-iorquina das Small Claims Courts A transposiccedilatildeo do sistema americano para a nossa realidade foi realizada de modo consciente Jaacute em 1980 realizou-se estudo no Juizado de Pequenas Causas de Nova Iorque com vistas agrave adaptaccedilatildeo do sistema para o processo brasileiro Muito do que laacute se fazia foi trazido para os Con-selhos gauacutechos de conciliaccedilatildeo e arbitramento cujos procedimentos destinavam-se a solucionar desentendimentos na sua maioria entre

Maria Joseacute Oliveira e Silva bull Nataacutelia Cavalcanti de Arauacutejo bull Paula Gargur Calmon Teixeira da Silva

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vizinhos Antes de 1984 nossos Juizados de Pequenas Causas natildeo eram oacutergatildeos jurisdicionais tendo pois poder de atuaccedilatildeo limitado agrave conduccedilatildeo de conciliaccedilotildees entre as partes e agrave realizaccedilatildeo de arbitra-mentos caso os litigantes assim concordassem A praacutetica foi legaliza-da mediante a Lei no 724484 que representa uma das experiecircncias desenvolvidas no intuito de solucionar os problemas de acesso dos cidadatildeos agrave prestaccedilatildeo jurisdicional (PINTO 2014)

Destarte a experiecircncia dos Estados Unidos da Ameacuterica resultou na celeridade de causas com menor complexidade desafogando o poder judiciaacuterio e inspirando a Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica de 1988 a trazer o comando normativo no sentido de que a Uniatildeo no Distrito Federal e nos Territoacuterios e os Estados criassem os Juizados Especiais competentes para a conciliaccedilatildeo o julgamento e a execuccedilatildeo de causas ciacuteveis de menor com-plexidade e infraccedilotildees penais de menor potencial ofensivo mediante os procedimentos oral e sumariacutessimo

No ordenamento juriacutedico paacutetrio a criaccedilatildeo dos Juizados Especiais com a Lei nordm 909995 representou o surgimento de um microssistema instru-mental para atender aos anseios sociais e acompanhar a evoluccedilatildeo tecnoloacute-gica juriacutedica e social jaacute perceptiacutevel em diversos segmentos da sociedade

Para Tourinho Neto e Figueira Junior

Com a entrada em vigor da Lei 909995 de 26 de setembro de 1995 (DOU 27091995 P15034 ndash 15037) que dispotildees sobre os Juizados Es-peciais Ciacuteveis e Criminais introduziu-se no mundo juriacutedico um novo sis-tema ou ainda melhor um microssistema de natureza instrumental e de instituiccedilatildeo constitucionalmente obrigatoacuteria (o que natildeo se confunde com competecircncia relativa e a opccedilatildeo procedimental) destinado agrave raacutepida e efetiva atuaccedilatildeo do direito estando a exigir dos estudiosos da ciecircncia do processo uma atenccedilatildeo toda particular seja de sua aplicabilidade no mundo empiacuterico como do seu funcionamento teacutecnico-procedimental (NETO JUacuteNIOR 2007)

O surgimento do microssistema especial atendeu uma demanda muito importante dando celeridade aos procedimentos juriacutedicos e apri-morou a resposta do Estado-Juiz havendo imediata procura da populaccedilatildeo pelos Juizados Ciacuteveis e Juizados Especiais da Fazenda Puacuteblica colimando a resoluccedilatildeo paciacutefica ceacutelere e justa dos conflitos interpessoais

A necessidade de melhoria dos problemas estruturais e organiza-cionais enfrentados nos Juizados Fazendaacuterios visando atender aos seus objetivos a partir da efetivaccedilatildeo dos seus princiacutepios (efetividade oralidade simplicidade informalidade economia processual e celeridade) diante da

Audiecircncia de conciliaccedilatildeo no acircmbito dos Juizados Especiais da Fazenda Puacuteblica a indispensaacutevel concretizaccedilatildeo do acesso agrave ordem juriacutedica justa

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cultura de litigacircncia da sociedade brasileira eacute vital para proacutepria subsistecircn-cia do Sistema sendo imprescindiacutevel o fomento agrave cultura de pacificaccedilatildeo das relaccedilotildees juriacutedicas subjetivas que tem iniacutecio justamente na audiecircncia de conciliaccedilatildeo

Neste diapasatildeo com o surgimento do Novo Coacutedigo de Processo Civil que vem com intuito de fortalecer a concretizaccedilatildeo do Sistema de Multi-portas de acesso agrave justiccedila5 o princiacutepio da autocomposiccedilatildeo tornou-se uma verdadeira regra nas accedilotildees judiciais mas ainda com pouca aplicabilidade nos Juizados da Fazenda Puacuteblica uma vez que os entes Federados se am-param na suposta indisponibilidade do interesse puacuteblico na ausecircncia de normativa expressa quanto agraves situaccedilotildees em que pode transigir bem como na natildeo incidecircncia dos efeitos proacuteprios da revelia para se esquivar do com-parecimento obrigatoacuterio agraves assentadas conciliatoacuterias

Tal realidade desvela a negligecircncia do Poder Legislativo em confor-mar-se aos preceptivos legais e agrave teleologia constitucional que a todo tempo reforccedilam o ideaacuterio de soluccedilatildeo paciacutefica das lides

31 A CULTURA DO LITIacuteGIO E HIPERJUDICIALIZACcedilAtildeO DAS RE-LACcedilOtildeES SOCIAIS

Garantir o acesso agrave justiccedila eacute contemplar um direito fundamental ex-presso no artigo 5ordm XXXV da Constituiccedilatildeo Federal de 1988

XXXV ndash a lei natildeo excluiraacute da apreciaccedilatildeo do Poder Judiciaacuterio lesatildeo ou ameaccedila a direito

LXXIV ndash o Estado prestaraacute assistecircncia juriacutedica integral e gratuita aos que comprovarem insuficiecircncia de recursos

5 ldquoA expressatildeo Justiccedila Multiportas foi cunhada pelo professor Frank Sander da Facul-dade de Direito de Harvard Opondo-se ao sistema claacutessico que antevecirc a atividade jurisdicional estatal como a uacutenica capaz de solver conflitos o Sistema de Justiccedila Mul-tiportas remete a uma estruturaccedilatildeo que conta com diferentes mecanismos de tutela de direitos sendo cada meacutetodo adequado para determinado tipo de disputa A juris-diccedilatildeo estatal nessa senda passa a ser apenas mais uma dentre as diversas teacutecnicas disponiacuteveis Ressalta-se que optar pelo caminho do Sistema de Justiccedila Multiportas natildeo eacute uma peculiaridade do Estado brasileiro Apoacutes a Segunda Guerra Mundial diversos paiacuteses tecircm atualizado seus sistemas juriacutedicos nesse sentido objetivando maior respeito e proteccedilatildeo aos direitos humanos individuais e coletivosrdquo COELHO M V F O Sistema de Justiccedila Multiportas no Novo CPC Disponiacutevel em httpsmigalhasuolcombrcolunacpc-marcado330271o-sistema-de-justica-multiportas-no-novo--cpc Acesso em 15 de novembro de 2020

Maria Joseacute Oliveira e Silva bull Nataacutelia Cavalcanti de Arauacutejo bull Paula Gargur Calmon Teixeira da Silva

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Como direito fundamental eacute inerente a todo cidadatildeo e portanto responsabilidade do Estado que deve buscar sempre meios eficazes para contemplaacute-lo em favor da vida digna

Diante do resultado existosos dos Juizados Especiais observa-se o surgimento de certas contingecircncias tal qual a hiperjudicializaccedilatildeo das de-mandas em especial as consumeristas atraindo uma verdadeira multidatildeo agraves portas do Judiciaacuterio por vezes gerando morosidade na finalizaccedilatildeo das accedilotildees

Desse modo o que poderia ser visto como uma tomada de consciecircn-cia dos jurisdicionados em busca de resolver seus litiacutegios perpassa pelo contingente excessivo de advogados influecircncia da miacutedia e a excessiva demanda acaba tendo um caraacuteter repetitivo causando problemas diante de decisotildees diferentes e ateacute controvertidas ferindo assim a seguranccedila juriacutedica almejada pela proacutepria Constituiccedilatildeo Federal

A massificaccedilatildeo das demandas judiciais sob esta perspectiva revelou que o Poder Judiciaacuterio natildeo estava apto a atender agrave crescente demanda tampouco a concretizar o acesso agrave justiccedila sob a vertente do acesso agrave ordem juriacutedica justa e agrave decisotildees efetivas sendo de fundamental impor-tacircncia a valorizaccedilatildeo dos meacutetodos autocompositivos dotando as partes jurisdicionadas de poder no exerciacutecio de sua cidadania

32 MEacuteTODOS AUTOCOMPOSITIVOS CELERIDADE E EFETIVI-DADE DAS DECISOtildeES JUDICIAIS

O surgimento do microssistema dos Juizados Especiais chamou a atenccedilatildeo da sociedade brasileira e logicamente provocou uma verdadeira onda de litigacircncia Para atender essa demanda crescente eacute preciso envol-ver todas as partes no processo de tomada de decisatildeo como dito alhures ganhando cada vez mais forccedila os princiacutepios de autocomposiccedilatildeo

O Estado soacute cumpriraacute verdadeiramente o seu papel quando efetivar o atendimento jurisdicional atraveacutes de mecanismos haacutebeis para soluccedilatildeo dos litiacutegios No entanto o que se percebe ainda hoje eacute um excesso de formalismo e uma morosidade inexplicaacutevel frutos da burocracia que in-siste em utilizar modelos e padrotildees obsoletos mesmo diante da necessi-dade constante de mudanccedilas visando agrave otimizaccedilatildeo dos procedimentos

Audiecircncia de conciliaccedilatildeo no acircmbito dos Juizados Especiais da Fazenda Puacuteblica a indispensaacutevel concretizaccedilatildeo do acesso agrave ordem juriacutedica justa

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de modo que muitas vezes natildeo se alcanccedila ecircxito na efetivaccedilatildeo das tutelas jurisdicionais

A partir da realidade em apreccedilo busca-se alternativas eficazes para solucionar os problemas relativos agraves demandas jurisdicionais eliminando barreiras ultrapassadas com a implantaccedilatildeo de um sistema de multiportas com justiccedilas paralelas agrave justiccedila comum passando logicamente pelo uso de alternativas extrajudiciais em busca da composiccedilatildeo diante dos conflitos

Destarte a utilizaccedilatildeo da autocomposiccedilatildeo representa inuacutemeras vanta-gens sociais juriacutedicas e organizacionais principalmente diante da capaci-dade de dar celeridade aos conflitos judiciais tornando-os ainda menos onerosos

4 PROCEDIMENTO DA LEI Nordm 121532009 E INDISPENSABI-LIDADE DE AUDIEcircNCIA DE CONCILIACcedilAtildeO

A audiecircncia de conciliaccedilatildeo no acircmbito dos Juizados da Fazenda Puacuteblica eacute ato indispensaacutevel ao procedimento A Lei nordm 909995 assim como a Lei nordm 121532009 em consonacircncia agrave interpretaccedilatildeo constitucio-nal acerca dos direitos fundamentais elege a busca da conciliaccedilatildeo como vetor hermenecircutico a impor uma atuaccedilatildeo de todos os entes puacuteblicos pautada na soluccedilatildeo consensual de conflitos

Desta forma a audiecircncia de conciliaccedilatildeo no procedimento sumariacutessi-mo natildeo eacute ato discricionaacuterio do magistrado da Vara mas sim fase obriga-toacuteria colimando alcanccedilar a pacificaccedilatildeo social de forma menos dispendio-sa burocraacutetica e formalista

A legislaccedilatildeo regente dos Juizados Especiais natildeo abre espaccedilo agrave inter-pretaccedilatildeo diversa trazendo a audiecircncia de conciliaccedilatildeo como ato iacutensito ao procedimento especial sumariacutessimo sendo indispensaacutevel a presenccedila das partes conforme Enunciado 20 do FONAJE (O comparecimento pessoal da parte agraves audiecircncias eacute obrigatoacuterio A pessoa juriacutedica poderaacute ser repre-sentada por preposto)

Assim a dispensa da audiecircncia de conciliaccedilatildeo pelo magistrado na seara dos Juizados Especiais da Fazenda Puacuteblica se daacute agrave revelia de respal-do legal para tanto sendo insuficientes as argumentaccedilotildees no sentido da ineficaacutecia da assentada em razatildeo do natildeo comparecimento da parte reacute

Eacute consabido que em muitos casos os representantes legais dos entes federados natildeo comparecem agraves audiecircncias marcadas sob o argumento de

Maria Joseacute Oliveira e Silva bull Nataacutelia Cavalcanti de Arauacutejo bull Paula Gargur Calmon Teixeira da Silva

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que natildeo tecircm autorizaccedilatildeo legal6 para transigir de forma que a tentativa de conciliaccedilatildeo restaraacute sempre infrutiacutefera aleacutem de atrasar os demais atos do procedimento e enfim a sentenccedila

Entretanto em que pese ser princiacutepio orientador do Sistema dos Jui-zados Especiais a celeridade natildeo eacute o uacutenico intento a ser perseguido pelo Poder Judiciaacuterio que deve envidar contiacutenuos esforccedilos para prestar tutela jurisdicional de qualidade Aleacutem disto o fator determinante da celeridade processual natildeo eacute a ocorrecircncia da audiecircncia conciliatoacuteria sendo impres-cindiacutevel a colaboraccedilatildeo de todos os sujeitos processuais para conceber um processo ceacutelere e eficiente

Por conseguinte natildeo obstante a inexistecircncia de autorizaccedilatildeo legal ex-pressa para que alguns entes federados e autarquias possam ofertar e fir-mar acordos no presente momento os representantes judiciais desses en-tes natildeo podem se esquivar de cumprir o preceptivo de comparecimento obrigatoacuterio agraves audiecircncias nos Juizados Especiais pois tal conduta decorre da proacutepria dicccedilatildeo das leis informadoras do procedimento sumariacutessimo

5 DIAacuteLOGO INSTRUMENTAL COM O COacuteDIGO DE PROCESSO CIVIL

A questatildeo acerca da indispensabilidade das audiecircncias de concilia-ccedilatildeo no procedimento dos Juizados da Fazenda Puacuteblica perpassa por um diaacutelogo instrumental com o Coacutedigo de Processo Civil Calha registrar nes-se ponto que o disposto no artigo 334 sect 4ordm I do Coacutedigo de Processo Civil7 que prevecirc a dispensa da audiecircncia de conciliaccedilatildeo por manifestaccedilatildeo expressa das partes natildeo pode ser aplicado ipsis literis ao procedimento especial dos Juizados

6 Lei nordm 121532009 art 8ordm Os representantes judiciais dos reacuteus presentes agrave audiecircncia poderatildeo conciliar transigir ou desistir nos processos da competecircncia dos Juizados Especiais nos termos e nas hipoacuteteses previstas na lei do respectivo ente da Federaccedilatildeo

7 Art 334 Se a peticcedilatildeo inicial preencher os requisitos essenciais e natildeo for o caso de improcedecircncia liminar do pedido o juiz designaraacute audiecircncia de conciliaccedilatildeo ou de mediaccedilatildeo com antecedecircncia miacutenima de 30 (trinta) dias devendo ser citado o reacuteu com pelo menos 20 (vinte) dias de antecedecircncia

sect 4ordm A audiecircncia natildeo seraacute realizada

I ndash se ambas as partes manifestarem expressamente desinteresse na composiccedilatildeo consensual

Audiecircncia de conciliaccedilatildeo no acircmbito dos Juizados Especiais da Fazenda Puacuteblica a indispensaacutevel concretizaccedilatildeo do acesso agrave ordem juriacutedica justa

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Manifesta-se aqui um conflito de normas tambeacutem denominado antinomia Bobbio define que tal situaccedilatildeo ocorre quando satildeo criadas duas normas com comportamentos antagocircnicos devendo ambas as normas existir no mesmo acircmbito temporal espacial pessoal e material Nestes casos o jurisfiloacutesofo italiano aponta como uma das formas de soluccedilatildeo do conflito o criteacuterio da especialidade que consiste na prevalecircncia da norma mais especiacutefica sobre o assunto

Os processos em tracircmite nos Juizados Especiais tecircm iter distinto do procedimento comum estando peculiarizado pelas disposiccedilotildees especiais das Leis nordm 909995 e 121532009 Como bem pontua Faacutebio Ulhocirca Coelho

Por fim pelo criteacuterio de especialidade a regra juriacutedica especial preva-lece sobre a geral Nesse caso trata-se apenas de discriminar os acircm-bitos de incidecircncia de cada preceito Sempre que para um caso espe-ciacutefico houver regra juriacutedica proacutepria (especial) natildeo se aplica o disposto em regra de acircmbito de incidecircncia mais largo (geral) (COELHO 2020)

Na esteira desse entendimento preconiza Guilherme Marinoni que ldquoo procedimento comum aplica-se subsidiariamente para colmatar lacunas na interpretaccedilatildeo e aplicaccedilatildeo dos procedimentos diferenciadosrdquo (MARINONI et al 2020) A norma processual civil no acircmbito dos Juizados Especiais Fazendaacuterio possui caraacuteter subsidiaacuterio nos termos do disposto no artigo 27 da Lei nordm 121532009 no que pese o referido artigo fazer menccedilatildeo ao Coacutedigo de Processo Civil de 1973

Eacute cediccedilo que a subsidiariedade da norma pressupotildee a falta de regula-mentaccedilatildeo da questatildeo pelas normas principais in casu as Leis nordm 909995 e 121532009 Eacute mister portanto que haja lacuna omissatildeo do legislador para que o Coacutedigo de Processo Civil seja aplicado no acircmbito dos Juizados Especiais

Agrave guisa de exemplo eacute o que se denota quanto agrave expressa determina-ccedilatildeo de adoccedilatildeo do rito processualista civil na fase de execuccedilatildeo dos Juiza-dos Especiais a teor do disposto nos artigos 52 e 53 da Lei 909995

No caso em debate depreende-se nitidamente que natildeo haacute que se falar em aplicaccedilatildeo subsidiaacuteria do disposto no artigo 334 sect 4ordm I do Coacutedigo de Processo Civil visto que a conciliaccedilatildeo eacute regulamentada expressamente pela norma especial notadamente como base principioloacutegica do micros-sistema dos Juizados Especiais

Visando pacificar as perspectivas acerca da incompatibilidade nor-mativa do diploma processual civil com a sistemaacutetica proacutepria dos Juiza-

Maria Joseacute Oliveira e Silva bull Nataacutelia Cavalcanti de Arauacutejo bull Paula Gargur Calmon Teixeira da Silva

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dos Especiais foi editado o Enunciado nordm 161 do FONAJE nos seguintes termos Considerado o princiacutepio da especialidade o CPC2015 somente teraacute aplicaccedilatildeo ao Sistema dos Juizados Especiais nos casos de expressa e especiacutefica remissatildeo ou na hipoacutetese de compatibilidade com os criteacuterios previstos no art 2ordm da Lei 909995

Agrave tiacutetulo de embasamento teoacuterico e praacutetico a este Enunciado o pre-sidente do FONAJE agrave eacutepoca da sua divulgaccedilatildeo Desembargador Jones Figueirecircdo salientou que ldquonada obstante a autonomia do sistema haveraacute sempre que couber um diaacutelogo instrumental com o novo CPC por normas que repercutam subsidiariamente dentro da relevacircncia de impactos que estejam em conformidade com a teleologia sistecircmica dos Juizados notada-mente com o princiacutepios nucleares que o orientamrdquo

No caso do novo Coacutedigo de Processo Civil a supletividade deste em relaccedilatildeo agrave Lei nordm 90991995 conta com expressa disposiccedilatildeo legal contida no sect 2ordm do artigo 1046 segundo o qual ldquoPermanecem em vigor as dispo-siccedilotildees especiais dos procedimentos regulados em outras leis aos quais se aplicaraacute supletivamente este Coacutedigordquo Ou seja naquilo que a Lei nordm 90991995 eacute omissa por imperativo da certeza do direito e da seguranccedila juriacutedica a lacuna eacute colmatada pelas disposiccedilotildees do novo CPC

Nesta senda repise-se agrave luz dos princiacutepios da especialidade e da autonomia do Sistema dos Juizados Especiais as regras contidas no CPC somente teratildeo aplicaccedilatildeo agrave dinacircmica processual nos Juizados Fazendaacuterios no caso de ausecircncia de previsatildeo da norma especial natildeo determinando o complexo normativo sobre determinado instituto processual hipoacutetese natildeo verificada in casu haja vista que a audiecircncia de conciliaccedilatildeo eacute impres-cindiacutevel no acircmbito dos Juizados Especiais sendo pilar do procedimento especial em consonacircncia com as diretrizes principioloacutegicas orientadoras do processo perante o Juizado Especial Ciacutevel esculpidas no artigo 2ordm da Lei 909995 quais sejam oralidade simplicidade informalidade econo-mia processual celeridade e a busca pela composiccedilatildeo amigaacutevel da lide atraveacutes da conciliaccedilatildeo ou da transaccedilatildeo

Claacuteudio Antocircnio de Carvalho Xavier em artigo acerca do tema aduz com propriedade que

Cabe esclarecer no entanto que a conciliaccedilatildeo como jaacute vem sendo destacado por alguns autores eacute princiacutepio norteador dos juizados especiais e natildeo um procedimento ou momento processual uma vez que integra o proacuteprio processo Desse modo o procedimento suma-riacutessimo dos juizados especiais natildeo comporta a opccedilatildeo do autor pela

Audiecircncia de conciliaccedilatildeo no acircmbito dos Juizados Especiais da Fazenda Puacuteblica a indispensaacutevel concretizaccedilatildeo do acesso agrave ordem juriacutedica justa

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realizaccedilatildeo ou natildeo de audiecircncia de conciliaccedilatildeo ou de mediaccedilatildeo nos moldes preconizados pelo art 319 inc VII do novo CPC por ser um direito irrenunciaacutevel Assim natildeo poderaacute o autor na peticcedilatildeo inicial ou o reacuteu por peticcedilatildeo manifestar desinteresse na composiccedilatildeo amigaacutevel do litiacutegio Ademais o comparecimento das partes agrave audiecircncia eacute obri-gatoacuterio (XAVIER 2016)

Agrave tiacutetulo ilustrativo percebe-se que a realidade faacutetica vivenciada nas Varas da Fazenda Puacuteblica no Estado da Bahia nas quais muitas vezes natildeo ocorre a composiccedilatildeo consensual da lide em razatildeo da ausecircncia das partes reacutes natildeo pode desnaturar sob o manto da celeridade o procedimento especial fazendo-se necessaacuteria a primazia pela busca das tratativas con-ciliatoacuterias

A normativa orgacircnica dos Juizados Especiais eacute inequiacutevoca ao apre-sentar a audiecircncia de conciliaccedilatildeo como ato iacutensito ao procedimento natildeo abarcando nenhuma disposiccedilatildeo que permita ao magistrado a discricio-nariedade em realizar ou natildeo o ato Portanto rechaccedila-se a possibilidade de dispensa da audiecircncia de conciliaccedilatildeo na esteira do quanto disposto no art 334 sect 4ordm I do Coacutedigo de Processo Civil no acircmbito dos Juizados Especiais da Fazenda Puacuteblica em razatildeo de evidente violaccedilatildeo agrave estrutura procedimental erigida pelo microssistema dos Juizados Especiais que possui como pilar a conciliaccedilatildeo

6 EXTENSAtildeO DO PRINCIacutePIO DA INDISPONIBILIDADE DO IN-TERESSE PUacuteBLICO E O ART 8ordm DA LEI 121532009

Natildeo se pode olvidar o argumento de que as pessoas juriacutedicas de di-reito puacuteblico encontrar-se-iam adstritas ao princiacutepio da indisponibilidade do interesse puacuteblico o que implicaria como consectaacuterio na impossibili-dade de conciliarem ou transigirem nas demandas judiciais travadas no acircmbito dos Juizados Fazendaacuterios

Tal postulado conquanto norteador da atuaccedilatildeo administrativa natildeo eacute absoluto e deve ser analisado agrave luz do interesse primaacuterio do povo confor-me ensina Maria Sylvia Zanella de Pietro14

O interesse puacuteblico aleacutem de refletir o interesse da coletividade em si mesma considerada e ser amparado pelo ordenamento juriacutedico vi-gente deve ser ainda reflexivo aos valores constitucionais dominantes como aqueles que a Constituiccedilatildeo Federal de 1988 se refere em seu preacircmbulo e nos preceitos cardinais dispostos entre eles os arrolados nos princiacutepios e nos objetivos fundamentais Quando o poder puacuteblico se coloca numa posiccedilatildeo favoraacutevel ao autecircntico interesse puacuteblico (vol-

Maria Joseacute Oliveira e Silva bull Nataacutelia Cavalcanti de Arauacutejo bull Paula Gargur Calmon Teixeira da Silva

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tado agrave satisfaccedilatildeo do bem geral) o benefiacutecio daiacute emergente alcanccedila prioritariamente o interesse puacuteblico primaacuterio (da sociedade) e conse-quentemente o interesse puacuteblico secundaacuterio (do Estado) Poreacutem o in-teresse puacuteblico natildeo eacute necessariamente o interesse do aparato estatal Embora estes devam coincidir dado que sua missatildeo eacute a satisfaccedilatildeo do bem comum o Estado eacute sujeito de direitos e tem interesses que nem sempre se identificam ao interesse da populaccedilatildeo e que constituem interesses patrimoniais financeiros ou fazendaacuterios cuja nota eacute a dis-ponibilidade Pode ocorrer divoacutercio entre o interesse da populaccedilatildeo e o interesse do governo () Geralmente costuma-se apresentar como princiacutepio a supremacia ou a indisponibilidade do interesse puacuteblico ndash amiuacutede ambos Em verdade eacute o interesse puacuteblico o princiacutepio consti-tuindo supremacia e indisponibilidade seus predicados (PIETRO 2019)

Em verdade a doutrina eacute paciacutefica em reconhecer que o interesse puacuteblico natildeo eacute conceito unitaacuterio tampouco se confunde com o interesse do Estado ou do aparato administrativo Em sua acepccedilatildeo substancial o in-teresse puacuteblico reside na realizaccedilatildeo de valores fundamentais consagrados pela Carta Constitucional como explana Marccedilal Justen Filho15

Recolocando o problema em outros termos um interesse eacute puacuteblico por ser indisponiacutevel e natildeo o inverso Por isso eacute incorreto afirmar que algum interesse por ser puacuteblico eacute indisponiacutevel A indisponibilidade natildeo eacute consequecircncia da natureza puacuteblica do interesse ndash eacute justamente o contraacuterio O interesse eacute reconhecido como puacuteblico porque eacute indis-poniacutevel porque natildeo pode ser colocado em risco porque sua natureza exige que seja realizado (JUSTEN FILHO 2018)

Adota-se o entendimento de que os direitos fundamentais apresen-tam natureza indisponiacutevel O nuacutecleo do direito administrativo reside natildeo no interesse puacuteblico mas na promoccedilatildeo dos direitos fundamentais indis-poniacuteveis A invocaccedilatildeo ao interesse puacuteblico toma em vista a realizaccedilatildeo de direitos fundamentais O Estado eacute investido do dever de promover esses direitos fundamentais nos casos em que for inviaacutevel a sua concretizaccedilatildeo pelos particulares segundo o regime de direito privado

Essa orientaccedilatildeo se coaduna com o entendimento prevalente no di-reito constitucional que reconhece que todas as posiccedilotildees juriacutedicas satildeo delimitadas e ordenadas de acordo com os direitos fundamentais Ne-nhuma faculdade proibiccedilatildeo ou comando juriacutedico pode ser interpretado de modo dissociado dos direitos fundamentais

Por seu turno Ricardo Marcondes Martins traz a lume importante mi-tigaccedilatildeo a este princiacutepio quando aborda o interesse secundaacuterio autorizador da disponibilidade do direito destacando distinccedilatildeo feita por Renato Alessi

Audiecircncia de conciliaccedilatildeo no acircmbito dos Juizados Especiais da Fazenda Puacuteblica a indispensaacutevel concretizaccedilatildeo do acesso agrave ordem juriacutedica justa

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que difere dois interesses o primaacuterio que eacute a dimensatildeo puacuteblica do interes-se privado refere-se ao plexo de interesses dos indiviacuteduos enquanto par-tiacutecipes da sociedade o secundaacuterio eacute o interesse particular individual do Estado enquanto pessoa juriacutedica autocircnoma Partindo-se desta premissa o jurista italiano afirma que em relaccedilatildeo aos interesses secundaacuterios e patri-moniais a Administraccedilatildeo deve utilizar-se de meios juriacutedicos estabelecidos pelo direito privado pois para a satisfaccedilatildeo desses interesses ela natildeo goza de supremacia juriacutedica sobre os particulares

Ricardo Marcondes na obra citada elucida que partindo-se da dico-tomia suso abordada parte da doutrina passou a defender a existecircncia de interesses puacuteblicos disponiacuteveis juntamente os interesses patrimoniais da Administraccedilatildeo interesses secundaacuterios Em relaccedilatildeo a esses interesses seguin-do a doutrina de Alessi a Administraccedilatildeo natildeo gozaria de supremacia estaria numa posiccedilatildeo de igualdade em relaccedilatildeo aos administrados arrematando que seria entatildeo perfeitamente possiacutevel neste campo a utilizaccedilatildeo da arbi-tragem Esse posicionamento foi sustentado na doutrina brasileira por Caio Taacutecito e acolhido pelo Supremo Tribunal Federal no Agr NO MS 11308-DF 1ordf Seccedilatildeo relator o Min Luiz Fux julgado em 28062006 DJU 14082006

Verifica-se nitidamente que a indisponibilidade do interesse puacuteblico passa por uma releitura Acerca do tema preleciona Fernanda Marinela que parte ainda minoritaacuteria da doutrina brasileira resolver reunir esfor-ccedilos para desconstituir o princiacutepio da supremacia do interesse puacuteblico como sendo a base do autoritarismo retroacutegrado ultrapassado Critica-se a estrutura do Direito Administrativo tendo como base os princiacutepios da supremacia e da indisponibilidade do interesse puacuteblico apontando que a ausecircncia de definiccedilatildeo exata quanto ao conteuacutedo da expressatildeo ldquointeresse puacuteblicordquo gera vaacuterios problemas no exerciacutecio da atividade administrativa justificando muitas vezes o abuso e arbitrariedades praticadas pelos ad-ministradores

Marccedilal Justen Filho defende que o criteacuterio da ldquosupremacia do inte-resse puacuteblicordquo apresenta utilidade reduzida uma vez que natildeo haacute interesse uacutenico a ser reputado como supremo e que esse instrumento natildeo permite resolver de modo satisfatoacuterio os conflitos nem fornece um fundamento consistente para as decisotildees administrativas

Fraacutegil portanto a premissa dos entes puacuteblicos de alegar o princiacute-pio da indisponibilidade do interesse puacuteblico diante do comando legal conferido pela Lei nordm 121532009 no sentido de viabilizar a realizaccedilatildeo de acordos com particulares nas demandas dos Juizados da Fazenda Puacuteblica

Maria Joseacute Oliveira e Silva bull Nataacutelia Cavalcanti de Arauacutejo bull Paula Gargur Calmon Teixeira da Silva

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Natildeo haacute que negar a necessidade de lei em sentido estrito para estabelecer as hipoacuteteses permissivas de tais acordos poreacutem natildeo se pode respaldar a conduta inerte do Estado sob as vestes de suposta indisponibilidade do interesse puacuteblico

Nesta senda resta claro que o princiacutepio em anaacutelise natildeo se faz abso-luto nem necessariamente idecircntico aos interesses da Fazenda Puacuteblica O que existe em verdade eacute uma conduta omissiva do Estado no sentido de dirimir as hipoacuteteses em que os direitos disponiacuteveis poderatildeo ser objeto de conciliaccedilatildeo ou transaccedilatildeo

Desta forma natildeo se pode sustentar a indisponibilidade do interesse puacuteblico para se negar agrave promoccedilatildeo das tentativas de conciliaccedilatildeo no acircmbito dos Juizados Especiais da Fazenda Puacuteblica sobretudo quando este confron-te com a concretizaccedilatildeo de direitos e garantias fundamentais como o direito fundamental de acesso agrave justiccedila ancorado na dignidade da pessoa humana

7 CONCLUSAtildeO

De todo o exposto restou indubitaacutevel que nas demandas dos Juiza-dos Especiais Fazendaacuterios deve-se resguardar a conciliaccedilatildeo e a transaccedilatildeo como pilares baacutesicos nos expressos termos do disposto no artigo 2ordm da Lei 909995 combinado com o disposto no artigo 8ordf da Lei nordm 121532009

Agrave guisa de remate importa registrar que dispensar as audiecircncias de conciliaccedilatildeo no acircmbito dos Juizados Especiais da Fazenda Puacuteblica re-vela-se natildeo somente contraacuterio ao interesse puacuteblico reflexivo aos valores constitucionais dominantes ao direito ao devido processo legal e acesso agrave justiccedila mas tambeacutem viola as normas especiais concernentes ao proce-dimento sumariacutessimo dos Juizados Especiais que natildeo prevecirc esta dispensa ao criteacuterio do magistrado

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Audiecircncia de conciliaccedilatildeo no acircmbito dos Juizados Especiais da Fazenda Puacuteblica a indispensaacutevel concretizaccedilatildeo do acesso agrave ordem juriacutedica justa

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Desafios agrave aplicaccedilatildeo dos meacutetodos autocompositivos nas demandas

de sauacutede suplementar construindo novos caminhos de acesso agrave justiccedila

1 Advogada Poacutes-graduada em Direito Puacuteblico pelo CEJAS Poacutes-graduanda em Direito Meacutedico e Hospitalar pelo CPJUR Integra a Comissatildeo Especial de Direito Meacutedico e da Sauacutede da OABBA Coordenadora executiva do Grupo de Pesquisa ldquoDiaacutelogos sobre Advocacia Consensual em Direito Meacutedicordquo promovido pela OABBA

2 Advogado Graduado em Direito pela Faculdade Baiana de Direito (2020) Poacutes-gra-duando em Direito Meacutedico da Sauacutede e Bioeacutetica pela Faculdade Baiana de Direito Membro do grupo de pesquisa ldquoDiaacutelogos sobre Advocacia Consensual em Direito Meacutedicordquo promovido pela OABBA

3 Advogado Poacutes-graduado em Direito Puacuteblico pela Faculdade Baiana de Direito e poacutes-graduando em Direito Processual Civil pela Faculdade Damaacutesio Integra a Co-missatildeo Especial de Direito Meacutedico e da Sauacutede da OABBA Coordenador acadecircmico do Grupo de Pesquisa ldquoDiaacutelogos sobre Advocacia Consensual em Direito Meacutedicordquo promovido pela OABBA Autor de artigos cientiacuteficos publicados

Gabriela Silva Sady1

Henrique Costa Princhak2

Lucas Macedo Silva3

Resumo O presente artigo se propotildee a examinar a aplicaccedilatildeo dos meacute-todos autocompositivos como caminho eficaz para garantir acesso agrave justiccedila nas demandas de sauacutede suplementar Com o fito de com-preender a profundidade temaacutetica eacute realizada uma anaacutelise acerca dos impactos positivos da consensualidade bem como do atual cenaacuterio brasileiro no qual predomina a cultura do litiacutegio examinando os de-safios sociais e institucionais para a sua aplicaccedilatildeo Ademais busca in-vestigar quais as dificuldades existentes da aplicabilidade destas teacutec-nicas de resoluccedilatildeo de conflito no acircmbito dos litiacutegios que envolvem as operadoras de sauacutede e os usuaacuterios do serviccedilo Por fim impende delinear uma nova visatildeo de acesso agrave justiccedila nas demandas de sauacutede suplementar no ordenamento juriacutedicos brasileiro

Palavras-chave Meacutetodos autocompositivos consensualidade cultu-ra do litiacutegio acesso agrave justiccedila sauacutede suplementar

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1 INTRODUCcedilAtildeOHaacute uma inegaacutevel crise no Poder Judiciaacuterio causada pelo excesso no

nuacutemero de demandas e pela carecircncia de recursos humanos e materiais para uma prestaccedilatildeo jurisdicional mais eficiente Nesse contexto o crescen-te ajuizamento de processos judiciais decorrentes de relaccedilotildees de sauacutede criou o fenocircmeno denominado de ldquojudicializaccedilatildeo da sauacutederdquo A excessiva busca ao Judiciaacuterio para dirimir questotildees de sauacutede atinge tanto o setor da sauacutede puacuteblica quanto o segmento privado da sauacutede suplementar sendo este uacuteltimo o objeto de melhor anaacutelise do presente trabalho

Nesta senda o Judiciaacuterio tem encontrado dificuldade em responder adequada e tempestivamente as demandas envolvendo operadoras de pla-nos de sauacutede e seus consumidores que vatildeo desde pleitos de coberturas de procedimentos a revisotildees de reajustes considerados abusivos As relaccedilotildees de sauacutede lidam com bens juriacutedicos com especial proteccedilatildeo constitucional tais como a vida e a integridade fiacutesica e emocional O cenaacuterio atual de as-soberbamento de processos tem dificultado o acesso agrave justiccedila por parte do usuaacuterio do plano o que potencialmente pode causar danos irreparaacuteveis

Acredita-se que os meacutetodos autocompositivos que promovem a re-soluccedilatildeo da controveacutersia pelas proacuteprias partes interessadas podem ser um caminho interessante para a reduccedilatildeo da quantidade de processos judiciais e ao mesmo tempo garantir o acesso agrave justiccedila agrave populaccedilatildeo Apesar de o sistema juriacutedico paacutetrio jaacute se preocupar com o fomento agrave via consensual como se observa exemplificativamente pela Resoluccedilatildeo nordm 1252010 do CNJ e pelo Coacutedigo de Processo Civil de 2015 ainda satildeo notados desafios agrave implementaccedilatildeo dos meacutetodos consensuais nos Tribunais de Justiccedila paacutetrios

Partindo-se desse problema o presente trabalho tem como objetivo central analisar os impactos positivos que os meios consensuais podem acarretar ao Judiciaacuterio e os eventuais obstaacuteculos que satildeo encontrados para a sua efetivaccedilatildeo A relevacircncia do trabalho eacute indubitaacutevel consideran-do a necessidade de se buscar alternativas para a crise do Poder Judiciaacuterio sobretudo no que diz respeito agrave judicializaccedilatildeo da sauacutede O trabalho utiliza o meacutetodo hipoteacutetico-dedutivo uma vez que parte de fundamentos teoacuteri-cos e praacuteticos de forma geneacuterica para alcanccedilar a soluccedilatildeo especiacutefica Foram utilizadas referecircncias bibliograacuteficas nacionais levando em consideraccedilatildeo trabalhos reconhecidos na aacuterea para verticalizar a discussatildeo pertinente objetivo proposto Apesar de natildeo ter a intenccedilatildeo de esgotar o debate este trabalho pretende enriquecer o debate no sentido de posicionar os meacute-todos de autocomposiccedilatildeo como um caminho soacutelido e interessante para o acesso agrave justiccedila

Gabriela Silva Sady bull Henrique Costa Princhak bull Lucas Macedo Silva

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2 A APLICABILIDADE DOS MEacuteTODOS AUTOCOMPOSITIVOS NO PODER JUDICIAacuteRIO

A intervenccedilatildeo do Poder Judiciaacuterio durante muitos anos figurou como uacutenico modo de efetivaccedilatildeo de direitos e deveres dos cidadatildeos natildeo apenas na visatildeo dos leigos como tambeacutem para grande parte dos juristas (MARQUES 2020) De fato o Magistrado atraveacutes da anaacutelise dos autos e da formaccedilatildeo do seu convencimento pessoal possui competecircncia para decidir quem possui razatildeo em cada aspecto da disputa Esse conteuacutedo decisoacuterio natildeo apenas coloca fim a um impasse mas tambeacutem eacute considerado como um dos mais importantes papeacuteis exercidos pelo Poder Judiciaacuterio o meacuteto-do tradicional de soluccedilatildeo dos conflitos potencial promotor da paz social (FIORELLI MANGINI 2017)

Diante desse entendimento passou-se a compreender o Judiciaacuterio como o singular meio de se concretizar o direito ao acesso agrave justiccedila nos termos do direito fundamental agrave inafastabilidade do Poder Judiciaacuterio pre-visto no art 5ordm XXXV da Constituiccedilatildeo Federal de 1988 A compreensatildeo do acesso agrave justiccedila como uma prestaccedilatildeo predominantemente prestacional do Estado fez com que se buscassem caminhos para concretizaccedilatildeo dessa garantia constitucional A partir daiacute emergiu a Lei Federal nordm 909995 que instituiu os Juizados Especiais e Criminais no acircmbito da justiccedila comum com o intuito de promover a celeridade e a economia processual nas de-mandas de menor complexidade e com valores econocircmicos abaixo de quarenta vezes o salaacuterio miacutenimo

No entanto essa mentalidade litigante gerou em pouco tempo uma enxurrada de processos judiciais assoberbando o Poder Judiciaacuterio com questotildees das mais variadas aacutereas Sem orccedilamento estrutura de material e de matildeo de obra o esgotamento do sistema judicial foi um caminho inevi-taacutevel Diante disso natildeo se apresenta razoaacutevel enxergar o processo como a uacutenica forma de se buscar a resoluccedilatildeo de um determinado conflito (NALINI 2017) Nesse contexto os meacutetodos autocompositivos emergem enquanto caminhos alternativos e por vezes mais adequados agrave via tradicional de soluccedilatildeo dos conflitos Entende-se por autocompositivos os meacutetodos pelos quais ambas ou uma das partes da controveacutersia dispondo livremente so-bre o seu direito relativizam alguns de seus interesses de maneira unilate-ral ou bilateral total ou parcial em prol do desfecho do conflito

Em 2010 o Conselho Nacional de Justiccedila ndash CNJ publicou a Resolu-ccedilatildeo nordm 1252010 a qual instituiu o tratamento adequado dos conflitos como uma poliacutetica puacuteblica do Poder Judiciaacuterio nacional A partir disso foi

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incluiacutedo como dever dos oacutergatildeos judiciaacuterios a disponibilizaccedilatildeo de meios consensuais de soluccedilatildeo de controveacutersias aleacutem de promover atendimento e ampla divulgaccedilatildeo e orientaccedilatildeo dos cidadatildeos sobre as vantagens dessas outras vias Desde entatildeo foram realizados diversos atos afirmativos tais como a formaccedilatildeo e treinamento dos servidores conciliadores e mediado-res auxiacutelio aos tribunais regionais na implantaccedilatildeo e gerenciamento dos nuacutecleos consensuais dentre outros (CUNHA LESSA NETO 2016)

O Coacutedigo de Processo Civil de 2015 consolidou a mudanccedila do pa-radigma tradicional que entendia a jurisdiccedilatildeo estatal como porta uacutenica de resoluccedilatildeo de conflitos para um sistema de justiccedila multiportas Pelo diploma legislativo processual natildeo haacute hierarquizaccedilatildeo entre a utilizaccedilatildeo da via judicial para as demais formas de soluccedilotildees de controveacutersias ficando a escolha a cargo dos interessados no exerciacutecio da sua autonomia privada salvo algumas exceccedilotildees (DIDIER JR ZANETI JR 2017) O CPC de 2015 em seu art 3ordm dispotildee que todos os agentes do Judiciaacuterio devem estimular a conciliaccedilatildeo a mediaccedilatildeo os demais meacutetodos de soluccedilatildeo consensual de conflitos Os meacutetodos consensuais deixam de ser um caminho alternativo para ser integrado ao proacuteprio sistema de resoluccedilatildeo de conflitos incluindo todo o sistema de justiccedila na empreitada de promover a consensualidade sempre que for possiacutevel e adequado (CUNHA LESSA NETO 2016)

O grande oacutebice agrave efetivaccedilatildeo dessas vias consensuais recai na cultura do litiacutegio fortemente enraizada na cultura brasileira o que gerou a crise judiciaacuteria exposta anteriormente Revela-se fundamental o fomento aos meacutetodos de autocomposiccedilatildeo no sentido de estimular que os interessados tentem entre si resolver as suas proacuteprias controveacutersias Desse modo soacute se recorreria ao Judiciaacuterio quando do esgotamento das tentativas amigaacuteveis de soluccedilatildeo de modo que a justiccedila estatal eacute que se tornaria o caminho al-ternativo (CUNHA LESSA NETO 2016)

Feita essa anaacutelise em relaccedilatildeo agrave ascensatildeo dos meacutetodos alternativos de resoluccedilatildeo de conflito no ordenamento juriacutedico brasileiro mostra-se evi-dente o entendimento do legislador paacutetrio acerca da relevacircncia de serem pensados novos caminhos para a promoccedilatildeo do acesso agrave justiccedila natildeo soacute do ponto de vista prestacional mas tambeacutem enquanto valor social a ser defendido Nesse cenaacuterio de crescente valorizaccedilatildeo da consensualidade cumpre analisar de forma mais detida os impactos positivos da consen-sualidade no contexto da cultura de excessiva litigacircncia que ainda domina no territoacuterio brasileiro

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21 A CULTURA DO LITIacuteGIO DESAFIOS SOCIAIS E INSTITUCIO-NAIS

Parte-se da premissa de que o conflito eacute algo inerente a condiccedilatildeo humana A convivecircncia em sociedade faria surgir inevitavelmente con-flitos das mais diversas ordens e niacuteveis de complexidade Nos casos de menor complexidade acredita-se que natildeo seria necessaacuteria uma interven-ccedilatildeo do Poder Judiciaacuterio (TRIGO et al 2017) Eacute relevante acrescentar que os conflitos natildeo devem ser vistos apenas com o vieacutes negativo Se por um lado os conflitos tendem a indicar que algo estaacute errado ou podem ensejar consequecircncias indesejadas Por outro eles tambeacutem permitem uma maior consciecircncia de organizaccedilatildeo capacidade de lidar com problemas futuros fortalecimento da relaccedilatildeo aleacutem de serem prenuacutencios de uma necessidade de mudanccedila e adaptaccedilatildeo (LEWICKI SAUNDERS BARRYS 2014)

A cultura do litiacutegio aqui entendida como a busca ao Judiciaacuterio de forma excessiva e para a resoluccedilatildeo de todo e qualquer conflito estaacute en-raizada na sociedade brasileira Essa forma de pensar que se sobrepotildee a mentalidade do consenso ignora diversas possibilidades que poderiam dar fim agravequele determinado conflito de maneira mais eficiente ceacutelere e menos custosa (TRIGO et al 2017) Como consequecircncia o fenocircmeno da judicializaccedilatildeo eacute notado quando conflitos de grande repercussatildeo social ou poliacutetica passam a ser decididos pelo Poder Judiciaacuterio ao inveacutes de pelas instacircncias tradicionalmente poliacuteticas a saber o Congresso Nacional e o Poder Executivo (BARROSO 2010)

Em verdade esta natildeo eacute uma realidade exclusiva do Brasil A litigacircncia excessiva tambeacutem tem estado presente no contexto latino-americano no-tadamente apoacutes o periacuteodo da redemocratizaccedilatildeo dos paiacuteses latinos com o consequente retorno da prestaccedilatildeo jurisdicional No entanto o demasiado nuacutemero de processos judiciais acaba por ensejar dentre outros prejuiacutezos sociais a instabilidade e inseguranccedila juriacutedicas no sistema judicial estatal Uma soluccedilatildeo agraves incertezas do Judiciaacuterio seria a utilizaccedilatildeo dos meacutetodos alternativos de resoluccedilatildeo de conflito como a mediaccedilatildeo e a conciliaccedilatildeo (BRAGANCcedilA 2020)

Cabe ressaltar o compromisso assumido pelo Poder Judiciaacuterio Brasi-leiro na I Reuniatildeo de Cuacutepula Ibero-Americana de Presidentes dos Tribunais de Justiccedila e dos Supremos Tribunais Federais em 1998 de promoccedilatildeo de mecanismos alternativos de soluccedilatildeo de conflitos com o fito de que garan-tir o acesso dos cidadatildeos agrave justiccedila (FERNANDES 2017) Embora exista este compromisso inclusive com a Resoluccedilatildeo nordm 1252010 do CNJ ainda natildeo

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se verifica na praacutetica uma aplicaccedilatildeo que contemple de forma satisfatoacuteria e eficaz os meacutetodos autocompositivos no acircmbito dos tribunais estaduais O Tribunal de Justiccedila do Estado da Bahia jaacute iniciou a implementaccedilatildeo das praacuteticas alternativas de resoluccedilatildeo de conflitos Nesse contexto da campa-nha nacional promovida pelo CNJ foram instalados os Centros Judiciais de Soluccedilatildeo Consensual de Conflitos ndash CEJUSC vinculado agraves Varas Ciacuteveis e de Consumo de Salvador

Ademais destaca-se que o Coacutedigo de Eacutetica e Disciplina da Ordem dos Advogados do Brasil estabelece como dever do advogado ldquoestimular a conciliaccedilatildeo entre os litigantes prevenindo sempre que possiacutevel a instau-raccedilatildeo de litiacutegiosrdquo Nesse sentido ressalta-se o papel da OAB de incentivar divulgar e fomentar os meacutetodos consensuais de resoluccedilatildeo de conflitos Observa-se que a Advocacia Geral da Uniatildeo nos uacuteltimos anos vem reali-zando um trabalho de incentivo aos meacutetodos alternativos de resoluccedilatildeo de conflitos com a criaccedilatildeo da Cacircmara de Conciliaccedilatildeo e Arbitragem Federal (FERNANDES 2017)

Haacute que se notar um avanccedilo do Legislativo no reconhecimento da importacircncia dos meacutetodos autocompositivos o que se observa por meio da ediccedilatildeo de normas especiacuteficas tais como o Coacutedigo de Processo Civil de 2015 e a Lei Federal nordm 131402015 proporcionando a participaccedilatildeo de outros agentes na composiccedilatildeo dos conflitos (TRIGO et al 2017) Contudo revela-se fundamental tambeacutem uma atuaccedilatildeo do Executivo no sentido de promoccedilatildeo de poliacuteticas puacuteblicas efetivas para incentivar a consensualidade Eacute preciso que se inclua a proacutepria sociedade nos debates criacuteticos por meio de audiecircncias puacuteblicas por exemplo para que os indiviacuteduos possam com-preender as vantagens da consensualidade e evitar recorrer ao Judiciaacuterio para demandas que podem ser resolvidas amigavelmente (VASCONCE-LOS 2012)

Observa-se que o ordenamento juriacutedico atribui a todos que com-potildeem o sistema juriacutedico e poliacutetico nacional o dever de promover os meios consensuais para se garantir o acesso agrave justiccedila e a consecuccedilatildeo dos direi-tos fundamentais constitucionalmente previstos No entanto quando no acircmbito do Judiciaacuterio haacute certa carecircncia de estrutura institucional que na realidade faacutetica transforma as tentativas conciliatoacuterias em mero cumpri-mento formal natildeo havendo preparo para conseguir realizar uma efetiva autocomposiccedilatildeo entre as partes

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22 O IMPACTO POSITIVO DA CONSENSUALIDADE

No contexto de crise do Poder Judiciaacuterio diversos aspectos prejudi-cam o acesso agrave justiccedila por parte dos cidadatildeos O contexto de excessiva judicializaccedilatildeo descortina o atraso na prestaccedilatildeo jurisdicional o arcaiacutesmo das estruturas de administraccedilatildeo judicial os custos processuais elevados a desigualdade de tratamento aos jurisdicionados a imprevisibilidade da justiccedila dentre outras situaccedilotildees A premente necessidade de resoluccedilatildeo dos processos daacute causa agrave estandardizaccedilatildeo das decisotildees judiciais as quais acabam se constituindo como modelos preacute-fixados e desconexos da rea-lidade (BARBOSA MENEZES 2013) Vecirc-se que o foco eacute na finalizaccedilatildeo do processo e natildeo na resoluccedilatildeo material do conflito entre as partes

Nesta senda o estiacutemulo agrave consensualidade eacute uma alternativa para mitigar as dificuldades encontradas na justiccedila estatal apresentando uma via menos custosa mais ceacutelere e mais eficiente para ambas as partes Aleacutem disso a autocomposiccedilatildeo tende a propiciar maior sensaccedilatildeo de justiccedila para os interessados o que resulta em agilidade no cumprimento das obriga-ccedilotildees pactuadas (FERNANDES 2017)

Cumpre salientar que a Resoluccedilatildeo nordm 12510 do Conselho Nacional de Justiccedila estabelece como princiacutepios fundamentais norteadores dos conciliadores e mediadores judiciais a ldquoconfidencialidade decisatildeo infor-mada competecircncia imparcialidade independecircncia e autonomia respeito agrave ordem puacuteblica e agraves leis vigentes empoderamento e validaccedilatildeordquo Desta forma tais princiacutepios devem balizar a conduta dos agentes consensuais para que seja possiacutevel promover o diaacutelogo entre as partes e consequente-mente proporcionar a conciliaccedilatildeo de interesses

Diversas satildeo as teacutecnicas de resoluccedilatildeo extrajudicial de conflitos No acircmbito do Judiciaacuterio as mais usuais satildeo a conciliaccedilatildeo e a mediaccedilatildeo as quais tentam possibilitar que as partes encontrem juntas uma soluccedilatildeo paciacutefica ao conflito antes de a mateacuteria ser decidida pelo terceiro impar-cial Privilegia-se entatildeo a comunicaccedilatildeo entre os interessados e se faculta agrave possibilidade de eles mesmos construiacuterem o caminho que entendem mais justo (MAGALHAtildeES MAGALHAtildeES 2020)

Neste sentido pode-se defender que um acordo fruto da autocom-posiccedilatildeo de interesses tende a ser mais eficaz para a soluccedilatildeo do conflito do que uma decisatildeo judicial Isto porque as partes tendem a cumprir volunta-riamente as suas obrigaccedilotildees considerando que estas foram instituiacutedas no acircmbito da autonomia privada Ademais nos meacutetodos autocompositivos

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permite-se uma maior proximidade com a vontade das partes conflitan-tes o que costuma gerar empatia e compreensatildeo Por ser uma soluccedilatildeo conjunta o cumprimento do acordo tende a ocorrer de maneira espontacirc-nea (FALCAtildeO 2006)

O que se acredita eacute que uma decisatildeo imposta agraves partes pelo magis-trado terceiro alheio agrave realidade do problema acaba ensejando desvanta-gens para todos os interessados A construccedilatildeo dialoacutegica reduz a sensaccedilatildeo de desconfianccedila e evita maior desgaste na relaccedilatildeo havida Observa-se a busca pela ampliaccedilatildeo do acesso agrave justiccedila tentando encontrar e solucionar o problema em si e natildeo somente o processo Aleacutem disso haacute que se ter em mente que uma estrutura soacutelida que contemple os meacutetodos consensuais de resoluccedilatildeo de conflitos melhoraria tambeacutem a atividade dos magistrados uma vez que estes poderiam dispender mais tempo e atenccedilatildeo para casos mais complexos que dependam inevitavelmente de sua apreciaccedilatildeo

3 A AUTOCOMPOSICcedilAtildeO COMO CAMINHO PARA O ACESSO Agrave JUSTICcedilA NAS DEMANDAS DE SAUacuteDE SUPLEMENTAR

A sauacutede suplementar aqui compreendida como atividade econocircmi-ca em sentido estrito regida por regras e princiacutepios de direito privado possui permissivo legal no ordenamento juriacutedico brasileiro assegurado pelo artigo 197 da Constituiccedilatildeo Federal de 1988 (FREITAS 2018) Nessa modalidade de assistecircncia agrave sauacutede como satildeo estabelecidas regras e orien-taccedilotildees filiadas aos princiacutepios da livre iniciativa e concorrecircncia o Legislador considerou importante resguardar ao Poder Puacuteblico a competecircncia para regulamentar fiscalizar e controlar este setor notadamente no intuito de evitar a mercantilizaccedilatildeo da sauacutede e impor limites agrave excessiva busca por lucro naturalizada pelas empresas (LOBATO 2010)

Hodiernamente o setor de sauacutede suplementar brasileiro eacute consi-derado um dos maiores sistemas privados do mundo e a atividade das operadoras de planos de sauacutede revela-se imprescindiacutevel ao acesso agrave sauacute-de (FREITAS 2018) Contudo ainda assim sua regulamentaccedilatildeo soacute foi ob-jeto de legislaccedilatildeo especiacutefica em 1998 com o advento da Lei Federal nordm 965698 em resposta agraves necessidades mercadoloacutegicas e contratuais ad-vindas dos conflitos e instabilidades decorrentes do longo periacuteodo sem regulamentaccedilatildeo (LAVECCHIA 2019) Ato contiacutenuo no ano de 2000 por intermeacutedio da Lei Federal nordm 996100 foi criada a agecircncia reguladora es-peciacutefica para resguardar a atividade do setor a Agecircncia Nacional de Sauacutede Suplementar (ANS)

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Eacute importante perceber a existecircncia de dois momentos regulatoacuterios distintos que contribuiacuteram juntos para o surgimento de um expressivo nuacutemero de conflitos entre operadoras e seus usuaacuterios No primeiro cenaacute-rio havia ausecircncia total de normas de regulamentaccedilatildeo e posteriormente mesmo com a criaccedilatildeo da ANS esta exercia a funccedilatildeo regulatoacuteria de forma insuficiente chegando a ratificar praacuteticas abusivas ateacute entatildeo cometidas livremente pelas operadoras Com isso aos usuaacuterios natildeo restou alternativa senatildeo buscar o Judiciaacuterio para ver efetivados os direitos que entendiam possuir Desde entatildeo o fenocircmeno da judicializaccedilatildeo no setor da sauacutede suplementar passou a ser uma realidade e ateacute hoje as demandas judiciais aumentam ano a ano e se concentram principalmente em questotildees rela-cionadas a coberturas e reajustes (TRETTEL 2009)

Outro fator que contribui de forma significativa para a crescente ju-dicializaccedilatildeo do setor descansa nas caracteriacutesticas de vulnerabilidade e hi-possuficiecircncia dos beneficiaacuterios De fato grande parte dos consumidores sequer compreende os termos do que contrata com as operadoras de modo que apenas com o surgimento do imbroacuteglio decorrente de even-tual negativa de cobertura ou majoraccedilatildeo do valor da mensalidade eacute que a temaacutetica passa a ganhar especial atenccedilatildeo Desse modo como na maioria dos casos as operadoras tambeacutem natildeo se mostram interessadas em prestar efetivos esclarecimentos aos consumidores nas tratativas que precedem a contrataccedilatildeo tampouco em oferecer soluccedilotildees extrajudiciais para os con-flitos eventualmente advindos o litiacutegio novamente se apresenta como inevitaacutevel

Contudo como jaacute visto a resposta oferecida pelo Estado-Juiz atraveacutes do conteuacutedo decisoacuterio nem sempre se mostra como medida mais eficaz ao asseguramento do acesso agrave sauacutede e da garantia ao correspondente direito fundamental Natildeo satildeo raras as situaccedilotildees de descumprimento a decisotildees judiciais provisoacuterias ou definitivas que por versarem sobre bens juriacutedicos inestimaacuteveis ndash sauacutede e vida ndash acabam sendo esvaziadas pela ir-reparabilidade dos danos advindos eacute o que ocorre exemplificativamente nos casos em que o beneficiaacuterio vai a oacutebito antes do cumprimento da ordem judicial Eacute nesse cenaacuterio que os meacutetodos autocompositivos ndash no-tadamente por ensejarem menor nuacutemero de descumprimento do que os preceitos judiciais ndash revelam-se enquanto alternativa potencialmente ca-paz de reduzir essa disparidade de armas e viabilizar o alcance de soluccedilotildees mais efetivas (RIBEIRO 2018)

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Ao se tentar colocar em praacutetica a autocomposiccedilatildeo como meacutetodo de soluccedilatildeo de conflitos nas demandas envolvendo planos de sauacutede revela--se de iniacutecio uma latente dificuldade a ser superada qual seja a usual indisponibilidade das operadoras de se mostrarem dispostas agrave consen-sualidade Isso porque na qualidade de grandes empresas estas estatildeo acostumadas com a logiacutestica estrutural de priorizar o lucro persistindo em muitos casos a dificuldade de compreender o serviccedilo ofertado como um serviccedilo natildeo apenas de caraacuteter essencial mas principalmente que tem por objeto bens indisponiacuteveis como a vida e inestimaacuteveis como a sauacutede

Por essa razatildeo eacute que a relaccedilatildeo travada entre as operadoras de planos de sauacutede e os seus usuaacuterios natildeo pode ser encarada e interpretada exclusi-vamente como consumerista ou mercantil notadamente quando se tem em mente que desde a formaccedilatildeo do viacutenculo o contratante jaacute estaacute em uma posiccedilatildeo de vulnerabilidade teacutecnica Isto porque a maioria dos con-tratos firmados pelas operadoras de sauacutede possuem o caraacuteter adesivo de modo que o consumidor natildeo possui a prerrogativa de se insurgir contra claacuteusulas que entenda desfavoraacuteveis ou abusivas Essa vulnerabilidade ini-cial eacute posteriormente acentuada quando haacute a tentativa de efetiva utiliza-ccedilatildeo do serviccedilo e a operadora de sauacutede nega ou cria os mais diversos tipos de oacutebices ao cumprimento do contrato (LAVECCHIA 2019)

No aspecto extrajudicial exemplificativamente a praacutetica descortina que a grande maioria das operadoras de planos de sauacutede natildeo se mostra disponiacutevel a negociar ou minimamente buscar soluccedilotildees consensuais para os conflitos retomando a antiga e tradicional premissa de necessidade de intervenccedilatildeo judicial para resoluccedilatildeo dos litiacutegios Impende registrar aliaacutes que mesmo com a propositura da demanda judicial que nos moldes atuais implica na necessaacuteria realizaccedilatildeo de audiecircncia de conciliaccedilatildeo as empresas de plano de sauacutede se mostram bastante resistentes agrave tentativa de autocomposiccedilatildeo natildeo se dispondo sequer a apresentar propostas de acordo

Apesar do esforccedilo do legislador em incluir os meacutetodos de autocom-posiccedilatildeo na realidade do Judiciaacuterio o que se tem encontrado eacute a preo-cupaccedilatildeo em cumprir apenas o requisito formal da conciliaccedilatildeo Eacute o que sustentam Baptista e Amorim (2014) quando apontam

O movimento em favor da conciliaccedilatildeo de iniacutecio tido como inovador natildeo se consagra em mais de uma deacutecada e meia e surge na atuali-dade uma nova onda em favor da mediaccedilatildeo tal qual aconteceu em passado com a conciliaccedilatildeo As esperanccedilas seriam de que a conciliaccedilatildeo

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mostrasse a necessidade de mudanccedilas eficazes que introduzissem uma justiccedila de aproximaccedilatildeo entre o direito e os cidadatildeos bastante distinta da concedida pela praacutetica advinda da legislaccedilatildeo processual tradicional Mas ao contraacuterio esta tradiccedilatildeo ainda exerce predomiacutenio sobre as inovaccedilotildees a exemplo do que aconteceu apoacutes a introduccedilatildeo da ldquoconciliaccedilatildeo intraprocessualrdquo nos juizados especiais pois neles o formato concebido como ldquoconciliaccedilatildeordquo natildeo vingou

Desse modo torna-se possiacutevel afirmar que a simples introduccedilatildeo da conciliaccedilatildeo como um ato processual formal e obrigatoacuterio sem uma efetiva educaccedilatildeo que possibilitasse a mudanccedila de mentalidade natildeo se mostra eficaz (BAPTISTA AMORIM 2014)

O estudo estatiacutestico realizado por Lavecchia (2019) no acircmbito do Tri-bunal de Justiccedila do Estado de Satildeo Paulo demonstra que o percentual de decisotildees favoraacuteveis agraves pretensotildees dos consumidores eacute altiacutessimo de modo que na grande maioria dos casos as operadoras de sauacutede acabam sendo compelidas a reconhecerem o direito dos segurados Diante disso vecirc-se que a operadora de sauacutede mesmo tendo ciecircncia das suas obrigaccedilotildees de-cide cumprir apenas apoacutes determinaccedilatildeo judicial o que agrava os iacutendices de judicializaccedilatildeo

Para que os meacutetodos autocompositivos possam ser consolidados no acircmbito da sauacutede suplementar eacute necessaacuterio que em um primeiro mo-mento o Judiciaacuterio exija e condene pedagogicamente agraves operadoras de sauacutede por litigacircncia de maacute-feacute por causarem a sobreutilizaccedilatildeo da maacutequina judiciaacuteria A partir disso deve-se construir institucionalmente um modelo de consensualidade que permita o efetivo diaacutelogo entre as partes no sentido de se promover a conciliaccedilatildeo de interesses Como visto nos casos envolvendo sauacutede suplementar os consumidores encontram-se em uma situaccedilatildeo ainda mais vulneraacutevel por terem a sua vida e integridade fiacutesica ou psiacutequica expostas motivo pelo qual a autocomposiccedilatildeo se apresenta como o melhor caminho para uma soluccedilatildeo ceacutelere eficaz e justa

4 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS

Ao final da pesquisa percebe-se que a implementaccedilatildeo de meacutetodos autocompositivos nas demandas que tecircm por objeto conflitos decorren-tes da relaccedilatildeo contratual existente entre as operadoras de planos de sauacutede e seus usuaacuterios representa uma alternativa interessante para reduzir o fe-nocircmeno da judicializaccedilatildeo da sauacutede suplementar Em primeiro plano ten-do em vista que a consensualidade reduz de forma significativa os iacutendices

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de descumprimento do pactuado e homologado quando em comparaccedilatildeo com as decisotildees judiciais mas tambeacutem por garantir aos envolvidos na controveacutersia a possibilidade de alcanccedilar soluccedilotildees mais justas e eficazes para ambas as partes O desafio inicial eacute enfrentar natildeo apenas a forte pre-dominacircncia da cultura do litiacutegio que inegavelmente tem impactado a relaccedilatildeo entre as operadoras e os beneficiaacuterios mas tambeacutem a falta de incentivo agrave consensualidade seja por parte da reguladora seja por parte das grandes empresas do setor

Aleacutem disso atraveacutes de uma efetiva e adequada implementaccedilatildeo dos meacutetodos autocompositivos nas demandas de sauacutede suplementar certa-mente seria alcanccedilada em consequecircncia uma significativa reduccedilatildeo do abarrotamento do Poder Judiciaacuterio devolvendo-o o papel de ultima ratio como pacificador social Para que isso efetivamente se concretize faz-se imperiosa uma transformaccedilatildeo de mentalidade por parte das operadoras dos usuaacuterios dos seus representantes e do proacuteprio Poder Judiciaacuterio para que este uacuteltimo deixe de ser visto e compreendido exclusivamente como solucionador de litiacutegios e passe a ser encarado como verdadeiro centro de harmonizaccedilatildeo e pacificaccedilatildeo social

REFEREcircNCIASBAPTISTA Baacuterbara Gomes Lupetti AMORIM Maria Stella de Quando direitos alternativos

viram obrigatoacuterios Burocracia e tutela na administraccedilatildeo de conflitos In Revista An-tropoliacutetica nordm 37 Niteroacutei 2 sem 2014

BARBOSA Caacutessio Modenesi MENEZES Daniel Francisco Nagatildeo Jurimetria buscando um referencial teoacuterico Revista Intelecttus Ano IV nordm 24 2013 Disponiacutevel em Acesso em 05 nov de 2020

BARROSO Luis Roberto Judicializaccedilatildeo Ativismo judicial e legitimidade democraacutetica Re-vista da EMARF Cadernos Temaacuteticos dez 2010 Disponiacutevel em wwwtrf2govbremarfdocumentsrevistaemarfseminariopdf Acesso em 05 nov de 2020

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138 Revista Novatio 1ordf ediccedilatildeo ndash 2020

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Desafios agrave aplicaccedilatildeo dos meacutetodos autocompositivos nas demandas de sauacutede suplementar construindo novos caminhos de acesso agrave justiccedila

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Inovaccedilotildees tecnoloacutegicas no direito uma anaacutelise da (im)possibilidade de citaccedilatildeo

por aplicativos de mensagem instantacircnea nos Juizados Especiais Ciacuteveis da Bahia

1 Advogada Bacharela em Direito pela Universidade do Estado da Bahia ndash UNEB Poacutes--graduanda em Direito Constitucional Aplicado pela Faculdade Legale

2 Bacharel em Direito pela Universidade do Estado da Bahia Poacutes-graduando em Direi-to Processual Civil pela Pontifiacutecia Universidade Catoacutelica do Rio de Janeiro ndash PUC-RJ

3 Bacharela em Direito pela Universidade do Estado da Bahia ndash UNEB Poacutes-graduanda em Direito Constitucional Aplicado e Direito Previdenciaacuterio pela Faculdade Legale

Amanda Leite Souza Alves1

Lucas Duailibe Maia2

Mariely Lago Vianna Nogueira3

Resumo As constantes inovaccedilotildees tecnoloacutegicas que surgem com o passar dos tempos no mundo tem provocado grandes alteraccedilotildees na dinacircmica da sociedade Nesse contexto o presente artigo ao partir da premissa de que o Direito deve se adequar a realidade social para natildeo se tornar inoacutecuo a esta pretende com vistas a garantir sobre-tudo uma prestaccedilatildeo jurisdicional mais ceacutelere investigar com pro-fundidade e inteireza acerca da possibilidade de se realizar citaccedilotildees por aplicativos de mensagens instantacircneas no acircmbito dos Juizados Especiais Ciacuteveis da Bahia Para tanto este escrito que se divide em trecircs partes busca em suas duas primeiras realizar respectivamente breves apontamentos sobre a inter-relaccedilatildeo entre tecnologia e o Direi-to bem como a respeito do instituto processual da citaccedilatildeo para que assim diante de um cenaacuterio mais cognosciacutevel possa-se em sua uacutelti-ma parte enfrentar o aludido questionamento de modo a examinar a viabilidade da referida modalidade desta citaccedilatildeo e suas provaacuteveis implicaccedilotildees

Palavras-chave direito tecnologia juizados citaccedilatildeo whatsapp

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1 CONSIDERACcedilOtildeES INICIAIS

A informatizaccedilatildeo do Poder Judiciaacuterio brasileiro eacute uma realidade de deacutecadas a qual se iniciou com a implementaccedilatildeo do processo digital Con-tudo atualmente as inovaccedilotildees tecnoloacutegicas jaacute implementadas pelos tri-bunais mostram-se insuficientes para atender a certas demandas de uma sociedade cada vez mais imediatista e conectada agrave realidade digital Nesse sentido nota-se a necessidade latente do Poder Judiciaacuterio adotar novas ferramentas digitais que sejam capazes de conjugar a celeridade almejada com a seguranccedila juriacutedica necessaacuteria

Dentre as inovaccedilotildees socialmente requisitadas destaque-se o uso de aplicativos de mensagem instantacircnea para proceder agrave comunicaccedilatildeo de atos processuais em especial de intimaccedilatildeo e citaccedilatildeo no acircmbito dos Juizados Especiais cujo rito eacute regido pelos princiacutepios da simplicidade e ce-leridade Embora o Conselho Nacional de Justiccedila (CNJ) tenha reconhecido a possibilidade do uso da plataforma WhatsApp para proceder intimaccedilotildees desde que regulamentado pelos tribunais ainda natildeo haacute consenso sobre a viabilidade eou validade da citaccedilatildeo realizado por meio dessa ferramenta

Essa temaacutetica mostra-se de suma importacircncia tanto aos profissionais da aacuterea juriacutedica quanto a todos os cidadatildeos munidos do direito funda-mental do acesso agrave justiccedila tendo em vista que a adoccedilatildeo de aplicativos de mensagem instantacircnea no rito dos Juizados Especiais Ciacuteveis deve atender aos princiacutepios da celeridade e simplicidade mas sem gerar prejuiacutezos ao princiacutepio da seguranccedila juriacutedica No tocante agrave metodologia utilizada na ela-boraccedilatildeo deste escrito optou-se pelo uso da pesquisa qualitativa uma vez que eacute pautada em subjetividades aplicada pelo intuito de gerar conhe-cimento para aplicaccedilotildees praacuteticas na resoluccedilatildeo de problemas exploratoacuteria cujo objetivo eacute gerar familiaridade com o tema e bibliograacutefica pois as fon-tes de pesquisa constituem mateacuterias jaacute publicadas como livros e artigos

Nesse diapasatildeo o presente artigo visa analisar a possibilidade juriacutedi-ca de o ato citatoacuterio ser realizado atraveacutes de aplicativo de mensagem ins-tantacircnea no acircmbito dos Juizados Especiais tendo em vista os princiacutepios regentes da celeridade e simplicidade Com o intuito de alcanccedilar esse ob-jetivo geral traccedilaram-se trecircs objetivos especiacuteficos que se fazem os toacutepicos deste artigo sendo estes os seguintes i) realizar um breve levantamento sobre as implementaccedilotildees de recursos tecnoloacutegicos pelo Poder Judiciaacuterio ii) elucidar a importacircncia do ato citatoacuterio para a integralizaccedilatildeo da lide iii) analisar o cabimento ou natildeo da realizaccedilatildeo do ato citatoacuterio por aplicativos de mensagem instantacircnea

Amanda Leite Souza Alves bull Lucas Duailibe Maia bull Mariely Lago Vianna Nogueira

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2 INOVACcedilOtildeES TECNOLOacuteGICAS E O DIREITO BREVES APON-TAMENTOS

Nos uacuteltimos tempos o avanccedilo tecnoloacutegico eacute cada vez mais frequente e impactante O uso da internet e das demais tecnologias decorrentes des-ta demonstra mais um cenaacuterio da revoluccedilatildeo cientiacutefica vivenciada Eacute neste contexto que o Poder Judiciaacuterio brasileiro tambeacutem foi acometido por tais mudanccedilas em especial pela informatizaccedilatildeo do processo judicial

Segundo Boaventura de Sousa Santos (2005 p 90-91) as novas tec-nologias de comunicaccedilatildeo e de informaccedilatildeo tecircm enorme potencial de trans-formaccedilatildeo do sistema judicial em diversos acircmbitos dentre os quais estatildeo na administraccedilatildeo e gestatildeo da justiccedila na transformaccedilatildeo do exerciacutecio das profissotildees juriacutedicas e na democratizaccedilatildeo do acesso ao direito agrave justiccedila

Sobre o primeiro ponto as novas tecnologias teriam um efeito posi-tivo em face da celeridade e eficaacutecia dos processos judiciais ao melhorar os recursos humanos as secretarias e agendas judiciais tornar mais eficaz a tramitaccedilatildeo dos feitos facilitar o acesso agraves fontes dentre outros fatores Por conseguinte o segundo ponto permitiria a maior circulaccedilatildeo da infor-maccedilatildeo e portanto um direito e justiccedila mais proacuteximo e transparente Ao exemplificar o autor admite que a facilidade do acesso agraves bases de da-dos juriacutedicos e agraves informaccedilotildees fundamentais para o exerciacutecio de direitos permite o exerciacutecio de um conjunto de direitos e deveres dos cidadatildeos (SANTOS 2005 p 91)

Nesta perspectiva a informatizaccedilatildeo do processo judicial teria como um dos objetivos a promoccedilatildeo de uma justiccedila mais aacutegil ceacutelere e mais efi-ciente com o uso avanccedilado da tecnologia e disseminaccedilatildeo do computador tanto para as partes do processo quanto para o proacuteprio Poder Judiciaacuterio Entatildeo os processos ao se tornarem eletrocircnicos poderiam tornar mais aacutegil a distribuiccedilatildeo e tramitaccedilatildeo dos feitos aleacutem de ocasionar uma melhor ges-tatildeo e controle do andamento dos processos e por consequecircncia aumen-taria a produccedilatildeo de julgados (HINO CUNHA 2020 p 02)

Segundo Hino e Cunha (2020 p 09) foi a instituiccedilatildeo dos Juizados Es-peciais Federais por meio da Lei 102592001 que deu iniacutecio ao processo de informatizaccedilatildeo do Poder Judiciaacuterio Para o autor o uso da tecnologia de informaccedilatildeo ocasionou o desenvolvimento dos sistemas de comunica-ccedilatildeo dos atos processuais permitiu o envio de peticcedilotildees eletrocircnicas sem a apresentaccedilatildeo das peccedilas originais fiacutesicas propiciou a realizaccedilatildeo de sessotildees virtuais e o desenvolvimento de soluccedilotildees para suportar a instruccedilatildeo da lide

Inovaccedilotildees tecnoloacutegicas no direito uma anaacutelise da (im)possibilidade de citaccedilatildeo por aplicativos de mensagem instantacircnea nos Juizados Especiais Ciacuteveis da Bahia

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Inclusive no mesmo ano houve a legalizaccedilatildeo da assinatura digital por meio dos certificados digitais

No entanto embora a instituiccedilatildeo dos Juizados Federais tenha impor-tado uma alteraccedilatildeo no cenaacuterio brasileiro foi apenas em 2004 que houve uma grande mudanccedila no Poder Judiciaacuterio como um todo quando o Tribu-nal Regional Federal (TRF) da 4ordf Regiatildeo autorizou a substituiccedilatildeo dos seus processos fiacutesicos pelos autos eletrocircnicos Dois anos depois em 2006 a Lei nordm 11419 dispocircs sobre a informatizaccedilatildeo do processo digital e possibilitou o uso de meios eletrocircnicos na tramitaccedilatildeo de processos judiciais A partir deste ato os tribunais passaram de forma gradativa a implantar as novas accedilotildees (ALVARES 2012 apud HINO CUNHA 2020 p09)

E embora tais fatos tenham propiciado a informatizaccedilatildeo processual a independecircncia administrativa de cada tribunal ocasionou uma variedade na adoccedilatildeo dos sistemas de gerenciamento dos processos eletrocircnicos Sendo assim apenas em 2011 com uma parceria do Conselho Nacional de Justiccedila (CNJ) e da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) houve o lanccedilamento do Processo Judicial eletrocircnico (PJe) Dois anos apoacutes o CNJ determinou por meio da Resoluccedilatildeo nordm 185 que os tribunais desenvolvessem um plano e um cronograma de implantaccedilatildeo do PJe4 (HINO CUNHA 2020 p 09)

Inobstante a tentativa de padronizaccedilatildeo do CNJ a referida Resoluccedilatildeo natildeo previu a obrigatoriedade do formato do PJe o que permitiu a exis-tecircncia de outros sistemas de tramitaccedilatildeo eletrocircnica nos tribunais Assim existem diversas plataformas eletrocircnicas diferentes (e-SAJ Themis Projudi dentre outros) nos diversos oacutergatildeos do Poder Judiciaacuterio ainda que estas tenham objetivo de facilitar o acompanhamento processual dos casos (OLIVEIRA CUNHA 2020 p 14)

Todavia a estrateacutegia para melhorar a prestaccedilatildeo jurisdicional atraveacutes da tecnologia poderia ser eficaz natildeo apenas para produzir informaccedilatildeo sobre as atividades judiciais como tambeacutem mecanismo de acesso agrave Jus-ticcedila Isto porque nos processos judiciais digitais por exemplo o impacto eacute direto no tempo de tramitaccedilatildeo do processo devido ao seu formato eacute tambeacutem pelo meio digital que haacute uma maior transparecircncia e agilidade no acompanhamento dos processos Observe-se que segundo Chemin

4 Eacute interessante destacar que de acordo com Hino e Cunha (2020 p09) a partir do ano de 2015 o CNJ passou a emitir o relatoacuterio Justiccedila em Nuacutemeros com destaques acerca da produtividade avanccedilos de informatizaccedilatildeo dentre outros fatores a respeito da atuaccedilatildeo do Poder Judiciaacuterio

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Harley e Panter (2017) apud Oliveira e Cunha (2020 p 06) no relatoacuterio publicado pelo Banco Mundial em 2017 os resultados de reformas dos Judiciaacuterios realizados em diversos paiacuteses dentre eles o Brasil modernizou as instituiccedilotildees do sistema de Justiccedila e produziu resultados em menor tem-po e com maior impacto ao medir o desempenho das instituiccedilotildees

Ademais outra inovaccedilatildeo tecnoloacutegica que deve ser destacada eacute o uso de robocircs para captura de informaccedilotildees Tais meios registram a movimenta-ccedilatildeo processual como despachos atas de audiecircncia sentenccedilas e acoacuterdatildeos e jaacute satildeo utilizados por alguns escritoacuterios de advocacia Para tanto os robocircs se conectam aos sistemas do processo eletrocircnico ao utilizar dados vaacutelidos para o sistema ou seja em grande parte dados de um dos soacutecios dos es-critoacuterios (HINO CUNHA 2020 p 21)

Outro ponto a ser suscitado eacute a mudanccedila na atuaccedilatildeo mentalidade e produccedilatildeo dos magistrados diante da introduccedilatildeo de computadores e sistemas digitais Segundo Fernando Fontainha (2012) citado por Oliveira e Cunha (2020 p 16) tais meios tecnoloacutegicos impactaram a prestaccedilatildeo jurisdicional e levaram ao surgimento de um novo tipo de juiz o ldquojuiz-em-preendedorrdquo que tem como interesse fundamental a gestatildeo dos tribunais e cumprir as metas quantitativas impostas pelo CNJ ao inveacutes de se atentar agrave atividade para qual foi selecionado e treinado a prestaccedilatildeo jurisdicional No entanto Oliveira e Cunha (2020 p 16) apontam que

Apesar da existecircncia de processos digitais e do uso de ferramentas como protocolos eletrocircnicos e videoconferecircncias ou do aplicativo de mensagens WhatsApp para realizar intimaccedilotildees judiciais o foco estaacute na gestatildeo das atividades e natildeo no impacto que o Judiciaacuterio tem na sociedade

Diante do exposto embora a informatizaccedilatildeo tenha propiciado diver-sas mudanccedilas no cenaacuterio juriacutedico brasileiro haacute muito para se discutir acer-ca do processo e desenvolvimento de sua implantaccedilatildeo Para aleacutem de todo o contexto que representa a virtualizaccedilatildeo dos processos diante de um paiacutes dotado de desigualdades socioeconocircmicas e culturais eacute importante debater quais os meacutetodos tecnoloacutegicos e o modo como seratildeo adotados pelos operadores do Direito (SANTOS FILHO PEREIRA OLIVEIRA 2017) Isto porque no acircmbito dos Juizados Especiais se espera uma justiccedila ainda mais aacutegil ceacutelere e eficiente e o uso de certos meios para alcanccedilar esse fim pode problematizar institutos processuais presentes tanto no Coacutedigo de Processo Civil quanto na Lei 90991995 ndash que dispotildee sobre os Juizados Especiais Ciacuteveis e Criminais

Inovaccedilotildees tecnoloacutegicas no direito uma anaacutelise da (im)possibilidade de citaccedilatildeo por aplicativos de mensagem instantacircnea nos Juizados Especiais Ciacuteveis da Bahia

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Neste trabalho o intuito eacute propiciar uma reflexatildeo acerca da possibili-dade do uso das tecnologias dos aplicativos de mensagens instantacircneas em especial o WhatsApp como meio haacutebil a efetivar o ato citatoacuterio nos processos dos Juizados Especiais do Estado da Bahia Logo da anaacutelise do contexto juriacutedico brasileiro eacute perceptiacutevel a utilizaccedilatildeo destes meios nos Juizados de outros Estados para efetivar citaccedilotildees e intimaccedilotildees das partes processuais eou de seus representantes legais

3 A CITACcedilAtildeO NOS JUIZADOS ESPECIAIS CIacuteVEIS CONCEITO E MODALIDADES

A fim de investigar com mais inteireza e profundidade a problemaacuteti-ca a que este artigo se propotildee a examinar a saber a possibilidade ou natildeo da realizaccedilatildeo do ato citatoacuterio por aplicativos de mensagem instantacircnea nos Juizados Especiais Ciacuteveis da Bahia revela-se necessaacuterio preliminar-mente compreender determinadas premissas acerca do instituto da cita-ccedilatildeo Para tanto passa-se sem mais delongas ao exame do conceito e das modalidades do referido ato processual

A citaccedilatildeo conforme se extrai do art 238 do CPC155 eacute o ato proces-sual de comunicaccedilatildeo pelo qual satildeo convocados o reacuteu o executado ou o interessado para integrar a relaccedilatildeo processual

Agrave vista de tal conceito cumpre destacar sob o prisma da Constituiccedilatildeo Federal mais especificamente do art 5ordm LV da CF886 que a citaccedilatildeo tem a importante incumbecircncia de iniciar o momento no qual o requerido pode-raacute exercer seu direito ao contraditoacuterio e agrave ampla defesa

Aleacutem desta o professor Fredie Didier (2016 p 615) a partir de uma visatildeo mais procedimental aponta que o referido ato apresenta uma dupla funccedilatildeo sendo estas as seguintes ldquoa) in ius vacatio convocar o sujeito a juiacutezo b) edictio actionis cientificar-lhe do teor da demandardquo

Nesse diapasatildeo cumpre ressaltar que apesar de o aludido doutri-nador e o proacuteprio dispositivo infraconstitucional supramencionado se utilizarem do verbo ldquoconvocarrdquo tal expressatildeo natildeo se demonstra como a

5 Art 238 do CPC15 ldquoCitaccedilatildeo eacute o ato pelo qual satildeo convocados o reacuteu o executado ou o interessado para integrar a relaccedilatildeo processualrdquo

6 Art 5ordm LV da CF ldquoaos litigantes em processo judicial ou administrativo e aos acu-sados em geral satildeo assegurados o contraditoacuterio e ampla defesa com os meios e recursos a ela inerentesrdquo

Amanda Leite Souza Alves bull Lucas Duailibe Maia bull Mariely Lago Vianna Nogueira

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mais adequada uma vez que a citaccedilatildeo natildeo convoca o demandado tendo em vista que natildeo depende de sua vontade mas sim o integra de forma automaacutetica e coercitiva a relaccedilatildeo juriacutedica processual (NEVES 2018 p411)

Assim sendo se infere ser mais adequado o conceito ensinado por Alexandre de Freitas Cacircmara (2017 p129) o qual a ldquocitaccedilatildeo eacute pois o ato pelo qual algueacutem eacute convocado a integrar um processo dele se tornando parte independentemente de sua vontaderdquo

Ademais jaacute quanto agraves modalidades de ato citatoacuterio se depreende a partir da leitura dos incisos do art 18 da Lei nordm 909995 que a citaccedilatildeo po-deraacute ser efetuada no acircmbito dos Juizados Especiais Ciacuteveis de trecircs formas sendo estas as seguintes

I ndash por correspondecircncia com aviso de recebimento em matildeo proacutepria II ndash tratando-se de pessoa juriacutedica ou firma individual mediante en-trega ao encarregado da recepccedilatildeo que seraacute obrigatoriamente iden-tificado III ndash sendo necessaacuterio por oficial de justiccedila independente-mente de mandado ou carta precatoacuteria

Nesse contexto se observa que a referida legislaccedilatildeo permite a uti-lizaccedilatildeo de quase todas as modalidades de atos citatoacuterios previstos no art 2467 do Coacutedigo de Processo Civil salvo a citaccedilatildeo por edital a qual eacute expressamente vedada pelo sect 2ordm do referido artigo8 no contexto dos juizados

A respeito desta vedaccedilatildeo Flaacutevio Oliacutempio de Azevedo (2013) bem explica que o legislador infraconstitucional optou por esse oacutebice porque esta modalidade ao se revelar muito custosa complexa e demorada vio-lava diversos princiacutepios inerentes aos Juizados Especiais sobretudo os da simplicidade informalidade e celeridade estabelecidos no art 2ordm da Lei dos Juizados Especiais9

7 Art 246 do CPC ldquoA citaccedilatildeo seraacute feita I ndash pelo correio II ndash por oficial de justiccedila III ndash pelo escrivatildeo ou chefe de secretaria se o citando comparecer em cartoacuterio IV ndash por edital V ndash por meio eletrocircnico conforme regulado em leirdquo

8 Art 18 sect 2ordm da Lei nordm 909995 ldquoNatildeo se faraacute citaccedilatildeo por editalrdquo

9 Art 2ordm da Lei nordm 909995 ldquoArt 2ordm O processo orientar-se-aacute pelos criteacuterios da orali-dade simplicidade informalidade economia processual e celeridade buscando sempre que possiacutevel a conciliaccedilatildeo ou a transaccedilatildeordquo

Inovaccedilotildees tecnoloacutegicas no direito uma anaacutelise da (im)possibilidade de citaccedilatildeo por aplicativos de mensagem instantacircnea nos Juizados Especiais Ciacuteveis da Bahia

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Nessa seara caso haja a necessidade de realizar uma citaccedilatildeo por edi-tal em um processo que tramita no juizado os autos devem ser enviados ao distribuidor para que accedilatildeo seja distribuiacuteda a uma das varas comuns

Esse eacute o entendimento que se extrai da jurisprudecircncia paacutetria

EMENTA CONFLITO DE COMPETEcircNCIA ndash ACcedilAtildeO DECLARATOacuteRIA ndash CI-TACcedilAtildeO POR EDITAL ndash IMPOSSIBILIDADE NO JUIZADO ESPECIAL ndash COMPETEcircNCIA DO JUIacuteZO COMUM ldquoA Lei nordm 909995 prevecirc ex-pressamente que natildeo se admite a citaccedilatildeo por edital no acircmbi-to dos juizados especiais Havendo necessidade de citaccedilatildeo por edital a competecircncia seraacute da Justiccedila Comum (TJMG ndash Conflito de Competecircncia 1000019134327-6000 Relator (a) Des(a) Kildare Carvalho 4ordf CAcircMARA CIacuteVEL julgamento em 14052020 publicaccedilatildeo da suacutemula em 15052020) (grifo nosso)

Ainda acerca desta temaacutetica cumpre pontuar que parte minoritaacuteria da doutrina como Ricardo Cunha Chimenti (2012 p165) adverte que tal vedaccedilatildeo natildeo eacute absoluta uma vez que a partir do teor do art 53 sect 4ordm da referida lei10 se constata que eacute possiacutevel a feitura do ato citatoacuterio ao proces-so de execuccedilatildeo que tramitem nos juizados

Esse tambeacutem eacute a compreensatildeo que se retira do Enunciado 37 do FO-NAJE o qual afirma que

Em exegese ao art 53 sect 4ordm da Lei 909995 natildeo se aplica ao pro-cesso de execuccedilatildeo o disposto no art 18 sect 2ordm da referida lei sen-do autorizados o arresto e a citaccedilatildeo editaliacutecia quando natildeo encon-trado o devedor observados no que couber os arts 653 e 654 do Coacutedigo de Processo Civil (grifo nosso)

Aleacutem do mais ainda se nota a partir do jaacute mencionado inciso III do art18 da Lei nordm 909995 que a citaccedilatildeo por oficial de justiccedila existente no CPC eacute adaptada para a realidade dos juizados especiais de modo a dis-pensar algumas de suas formalidades11 com vistas agrave concretizaccedilatildeo espe-cialmente do princiacutepio da informalidade que se faz um dos norteadores do sistema em comento

10 Art 53 sect 4ordm da Lei nordm 909995 ldquo4ordm Natildeo encontrado o devedor ou inexistindo bens penhoraacuteveis o processo seraacute imediatamente extinto devolvendo-se os documentos ao autorrdquo

11 Flaacutevio Oliacutempio de Azevedo (2013) afirma que haacute por exemplo a dispensa da neces-sidade de mandado ou de carta precatoacuteria para a citaccedilatildeo por oficial de justiccedila nos juizados

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Por fim cabe destacar que o sect 3ordm do art 18 da Lei dos Juizados12 ado-ta regra idecircntica agrave contida no art 239 sect 1ordm do CPC13 na qual se estabelece que o comparecimento espontacircneo da pessoa do citando supre eventual falta ou nulidade da citaccedilatildeo de forma a se privilegiar desta forma o prin-ciacutepio da economia processual

4 A REALIZACcedilAtildeO DE CITACcedilAtildeO POR APLICATIVO DE MENSA-GENS INSTANTAcircNEAS UMA ANAacuteLISE DE SUA (IM)POSSIBI-LIDADE NO AcircMBITO DOS JUIZADOS ESPECIAIS CIacuteVEIS DA BAHIA

Conforme explicitado anteriormente o sistema processual brasileiro tem passado nas uacuteltimas deacutecadas pelo importante processo de informa-tizaccedilatildeo destacando-se como modificaccedilatildeo propulsora a tramitaccedilatildeo das accedilotildees judiciais por meio eletrocircnico indistintamente nas aacutereas ciacutevel penal e trabalhista nos Juizados Especiais e em qualquer grau de jurisdiccedilatildeo

Em decorrecircncia do grande avanccedilo tecnoloacutegico nos meios de comu-nicaccedilatildeo da popularizaccedilatildeo de alguns destes em especial os aplicativos de mensagens instantacircneas e da incessante busca pela celeridade proces-sual alguns operadores do Direito como magistrados e advogados tecircm defendido a possibilidade de que a comunicaccedilatildeo eletrocircnica dos atos de intimaccedilatildeo e citaccedilatildeo judiciais seja realizada atraveacutes desse meio digital al-ternativo sempre que possiacutevel Esse posicionamento eacute mais veemente no acircmbito dos Juizados Especiais tendo em vista os princiacutepios regentes da simplicidade informalidade economia processual e celeridade previstos no art 2ordm da lei 90991995

A comunicaccedilatildeo dos atos eletrocircnicos eacute regulamentada pela Lei nordm 114192006 a qual dispotildee sobre a informatizaccedilatildeo do processo judicial es-tabelecendo portanto paracircmetros que validam tanto os atos de comuni-caccedilatildeo quanto agrave transmissatildeo de peccedilas processuais e a tramitaccedilatildeo das accedilotildees judiciais O art 9ordm da lei 1141906 prevecirc que ldquono processo eletrocircnico todas as citaccedilotildees intimaccedilotildees e notificaccedilotildees inclusive da Fazenda Puacuteblica seratildeo feitas por meio eletrocircnico na forma desta Leirdquo ressaltando em seu

12 Art18 sect 3ordm da Lei nordm 909995 ldquoO comparecimento espontacircneo supriraacute a falta ou nulidade da citaccedilatildeordquo

13 Art 239 sect 1ordm do CPC15 ldquo sect 1ordm O comparecimento espontacircneo do reacuteu ou do execu-tado supre a falta ou a nulidade da citaccedilatildeo fluindo a partir desta data o prazo para apresentaccedilatildeo de contestaccedilatildeo ou de embargos agrave execuccedilatildeordquo

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sect 1ordm que ldquoas citaccedilotildees intimaccedilotildees notificaccedilotildees e remessas que viabilizem o acesso agrave iacutentegra do processo correspondente seratildeo consideradas vista pessoal do interessado para todos os efeitos legaisrdquo

Embora natildeo se tenha a previsatildeo expressa sobre a possibilidade de in-timaccedilatildeo ou citaccedilatildeo por aplicativo de mensagem instantacircnea como desta-cado acima haacute magistrados que defendem e se utilizam dessa ferramenta para realizar atos de comunicaccedilatildeo processual Nesse sentido o Conselho Nacional de Justiccedila (CNJ) no ano de 2017 julgou procedente o Procedi-mento de Controle Administrativo (PCA) 0003251-9420162000000 no qual o requerente Gabriel Consigliero Lessa14 juiz de direito da comarca de PiracanjubaGoiaacutes pleiteou a ratificaccedilatildeo integral da Portaria Conjunta nordm 012015 do Juizado Especial Ciacutevel e Criminal da Comarca de Piracan-jubaGO e da Ordem dos Advogados do Brasil apoacutes o Tribunal de Justiccedila de Goiaacutes por meio de sua Corregedoria ter proibido o uso do WhatsApp como ferramenta de comunicaccedilatildeo dos atos processuais A conselheira Dal-dice Santana relatora do referido PCA em seu voto ressaltou que tanto os princiacutepios orientadores dos Juizados quanto a sua competecircncia de con-ciliar processar e julgar causas de menor complexidade satildeo pilares que visam ldquoampliar o acesso agrave justiccedila garantindo a prestaccedilatildeo jurisdicional ade-quada efetiva e tempestiva para o tratamento do conflito apresentadordquo

Natildeo obstante o entendimento do CNJ ser direcionado para a pos-sibilidade de intimaccedilatildeo das partes por meio de aplicativo de mensagem instantacircnea e desde que haja anuecircncia preacutevia de ambas conforme os termos da Portaria Conjunta nordm 012015 acima citada a juiacuteza Deborah Ca-valcante de Oliveira Salomatildeo Guarines em 2017 agrave eacutepoca titular da 2ordf Vara da Comarca de Maranguape no Cearaacute deferiu o pleito da parte autora para proceder agrave citaccedilatildeo da parte reacute por meio de telefone ou pelo uso do aplicativo de WhatsApp

De acordo com as informaccedilotildees fornecidas no portal do Tribunal de Justiccedila do Cearaacute a magistrada defende que a citaccedilatildeo pode ser realizada por qualquer meio de comunicaccedilatildeo idocircneo atraveacutes do oficial de justiccedila o qual eacute dotado de feacute puacuteblica com fulcro na previsatildeo do art 13 sect 2ordm da Lei 90999515 Frisa-se que neste caso houve anteriormente ao menos duas

14 O magistrado Gabriel Consigliero Lessa foi homenageado na ediccedilatildeo XII do Precircmio Innovare 2015 em virtude da implementaccedilatildeo da praacutetica de intimaccedilatildeo eletrocircnica via plataforma Whatsapp

15 Art 13 sect 3ordm A praacutetica de atos processuais em outras comarcas poderaacute ser solicitada por qualquer meio idocircneo de comunicaccedilatildeo

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tentativas de citaccedilatildeo presencial por oficial de justiccedila mas todas frustradas em decorrecircncia do desconhecimento do endereccedilo atual da demandada sendo a uacutenica certeza da demandante o nuacutemero de telefone daquela

Ao discorrer sobre a citaccedilatildeo eletrocircnica Neves (2018 p 643) pondera que ldquosendo a citaccedilatildeo ato essencial para a efetivaccedilatildeo dos princiacutepios cons-titucionais da ampla defesa e contraditoacuterio o endereccedilo eletrocircnico tem de ser informado pelo demandadordquo Nesse sentido por analogia questiona--se sobre a possiacutevel falta de seguranccedila juriacutedica aos envolvidos na accedilatildeo pois pode haver casos em que natildeo eacute possiacutevel saber se o nuacutemero telefocircnico fornecido pela parte autora realmente pertence a parte demandante ou caso pertenccedila se vai haver a efetiva entrega e leitura da citaccedilatildeo tendo em vista que haacute configuraccedilotildees dos aplicativos de mensagem instantacircnea que ocultam informaccedilotildees como ldquovisto por uacuteltimordquo ldquomensagem recebidardquo e ldquomensagem lidardquo

Ademais destacam-se as hipoacuteteses de se o demandado possui ou natildeo um smartphone16 se tem acesso ou natildeo agrave internet se tem o apli-cativo de mensagem instantacircnea instalado com boa funcionalidade e alguma periodicidade de acesso e leitura de mensagens De acordo com a reportagem de Rodrigo Loureiro publicada no portal eletrocircnico Exame uma pesquisa organizada em conjunto pelo Mobile Time Opinion Box e Infopib no ano de 2019 concluiu que o aplicativo WhatsApp era utilizado por 98 dos entrevistados o que significou um aumento de 1 em rela-ccedilatildeo aos resultados registrados no ano de 2018 Enquanto que os dados co-letados pela pesquisa Panorama Mobile Time Opinion Box ndash Mensageria no Brasil de 2020 os quais foram analisados pelo jornalista Fernando Pai-va mostram que 97 dos 2046 internautas17 entrevistados afirmaram que

16 Smartphone eacute um termo em inglecircs que significa em traduccedilatildeo livre telefone inte-ligente Utiliza-se esse vocaacutebulo para referir-se a modelos de celulares com tecno-logias avanccediladas os quais possibilitam que aplicativos sejam executados em um sistema operacional semelhante aos computadores

17 Nesta ediccedilatildeo foram entrevistados 2046 brasileiros com mais de 16 anos de idade que acessam a Internet e possuem celular respeitando as proporccedilotildees de gecircnero idade renda mensal e distribuiccedilatildeo geograacutefica desse grupo As entrevistas foram feitas on-line entre 7 e 28 de julho de 2020 Esta pesquisa tem validade estatiacutestica com margem de erro de 22 pontos percentuais e grau de confianccedila de 95 (PANORAMA 2020)

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possuiacuteam smartphones e 9918 deles utilizavam o aplicativo WhatsApp enquanto que 9519 afirmaram acessaacute-lo todos os dias

Natildeo obstante o nuacutemero de internautas entrevistados neste ano este montante representa pequena parte da populaccedilatildeo brasileira passiacutevel de compor uma lide judicial Os dados coletados refletem uma realidade so-cial facilmente constatada no cotidiano de muitos municiacutepios brasileiros qual seja o crescente nuacutemero de pessoas que possuem smartphones com acesso agrave internet seja ela moacutevel ou por Wi-Fi20 e com algum aplicativo de mensagem instantacircnea instalado com ecircnfase para o WhatsApp

Nesse diapasatildeo depreende-se que a possibilidade de implementa-ccedilatildeo de novas ferramentas digitais que possibilitem aos oficiais de justiccedila a realizaccedilatildeo do ato de citaccedilatildeo de modo mais ceacutelere e simplificado com reduccedilatildeo de custos e tempo morto do processo eacute uma realidade latente e que atenderaacute aos anseios sociais atuais Para tanto eacute imprescindiacutevel a ediccedilatildeo de regulamentaccedilatildeo preacutevia que garanta seguranccedila juriacutedica a todos os envolvidos

5 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS

Diante deste contexto tecnoloacutegico diversos aspectos positivos e ne-gativos podem ser destacados a partir da informatizaccedilatildeo do processo judicial Dentre os aspectos positivos pode se destacar a maior produtivi-dade acesso agrave informaccedilatildeo celeridade transparecircncia reduccedilatildeo de gastos preservaccedilatildeo do meio ambiente dentre outros Por outro lado os aspectos negativos estariam pautados na falta de padronizaccedilatildeo da informaccedilatildeo dificuldade de localizaccedilatildeo da informaccedilatildeo e de visualizaccedilatildeo da informaccedilatildeo dependecircncia de infraestrutura interna e externa e indisponibilidade den-tre outros fatores (HINO CUNHA 2020 p 15-24)

Embora a virtualizaccedilatildeo do processo seja objeto de criacuteticas sejam elas positivas ou negativas eacute indubitaacutevel a ascensatildeo da busca por meios alter-nativos no meio judicial Neste artigo em especial tratou-se dos meios

18 Universo de 1983 internautas que possuem smartphone

19 Universo de 1969 internautas que tecircm o WhatsApp instalado em seu smartphone

20 Wi-Fi eacute um termo em inglecircs que corresponde agrave forma abreviada de Wireless Fidelity ou fidelidade sem fio (traduccedilatildeo para o portuguecircs) que eacute um tipo de tecnologia a qual permite a conexatildeo sem fio entre vaacuterios dispositivos diferentes normalmente utilizado para o compartilhamento de internet

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alternativos para proceder agrave comunicaccedilatildeo dos atos processuais agraves partes uma vez que diante do cenaacuterio de avanccedilo tecnoloacutegico e de distanciamen-to social em virtude da Pandemia COVID-19 o uso dos aplicativos de men-sagem instantacircnea pode se tornar uma realidade progressiva no acircmbito dos Juizados Especiais

Da anaacutelise do exposto eacute perceptiacutevel que a comunicaccedilatildeo por meio eletrocircnico natildeo eacute algo tatildeo recente tendo em vista a regulamentaccedilatildeo da informatizaccedilatildeo do processo desde 2006 ou seja antes mesmo da vivecircncia da pandemia supracitada No entanto eacute a busca pelo uso do WhatsApp para proceder a comunicaccedilatildeo dos atos processuais que tem se mostrado cada vez mais presente e se relacionado com as necessidades dispostas pelo momento atual Isto se justifica ante a inter-relaccedilatildeo do ato requerido com os princiacutepios norteadores dos Juizados Especiais em especial o da celeridade e da simplicidade bem como pelas regras impostas pelas Leis 9009995 e 1141906

No ordenamento juriacutedico brasileiro eacute possiacutevel observar que esta ino-vaccedilatildeo com o passar dos anos tem tido uma melhor aceitaccedilatildeo pelos tri-bunais e juristas quando diz respeito agrave intimaccedilatildeo No entanto haacute muita divergecircncia e inseguranccedila quando se refere agrave citaccedilatildeo pois este eacute um ato cujo objetivo eacute integrar o Reacuteu ao processo e se mostra essencial para es-tabelecer a relaccedilatildeo processual e dar continuidade agrave accedilatildeo

Embora haja divergecircncia acerca do uso do aplicativo pode se tornar latente a necessidade do Poder Judiciaacuterio aderir agraves novas tecnologias para acompanhar as demandas sociais aperfeiccediloar a prestaccedilatildeo jurisdicional e promover o acesso agrave justiccedila Assim ainda que natildeo haja concordacircncia para utilizar o WhatsApp seja para intimaccedilatildeo ou citaccedilatildeo caso o Tribunal de Justiccedila do Estado da Bahia resolva se utilizar deste meio no acircmbito dos Juizados Especiais eacute imprescindiacutevel a existecircncia de uma regulamentaccedilatildeo para o ato

A essencialidade de se normatizar a utilizaccedilatildeo do aplicativo eacute justifi-caacutevel para padronizar a atuaccedilatildeo do Tribunal e garantir a seguranccedila juriacutedica na atividade de prestaccedilatildeo jurisdicional do Poder Judiciaacuterio Deste modo o uso desta tecnologia agrave revelia dos operadores do direito sem o devido cuidado ou seguimento de normas norteadoras pode se tornar prejudicial tanto ao acesso agrave justiccedila quanto ao devido processo legal ante agrave impos-sibilidade da plataforma garantir por si soacute a idoneidade da comunicaccedilatildeo entre o Estado e as partes

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REFEREcircNCIASAZEVEDO Flaacutevio Olimpio de Lei de Juizados Especiais comentada (909995) 2013 Dis-

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CHIMENTI Ricardo Cunha Teoria e Praacutetica dos Juizados Especiais Ciacuteveis Estaduais e Federais 13 ed Satildeo Paulo Editora Saraiva 2012

DIDIER JR Fredie Curso de Direito Processual Civil introduccedilatildeo ao direito processual parte geral e processo de conhecimento 18 ed Salvador Ed JusPodivm 2016

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Poder Judiciaacuterio do Estado da Bahia ISBN 978-65-89459-01-9

HINO Marcia Cassitas CUNHA Maria Alexandra Adoccedilatildeo de tecnologias na perspectiva de profissionais de direito Revista Direito GV Satildeo Paulo 16 n01 e1952 2020 Dispo-niacutevel em lt httpdxdoiorg 1015902317-6172201952 gt Acesso em 14 nov 2020

INNOVARE Intimaccedilatildeo eletrocircnica via plataforma Whatsapp Instituto Innovare 2015 Dis-poniacutevel em lt httpswwwpremioinnovarecombrpraticaslintimacao-eletronica--via-plataforma-whathsapp-20150514210419976117 gt Aceso em 14 nov 2020

JUIacuteZA DE MARANGUAPE AUTORIZA CITACcedilAtildeO POR TELEFONE OU WHATSAPP Tribunal de Justiccedila do Cearaacute 2017 Disponiacutevel em lthttpswwwtjcejusbrnoticiasjuiza-de--maranguape-autoriza-citacao-por-telefone-ou-whatsappgt Acesso em 14 nov 2020

LOUREIRO Rodrigo Pesquisa revela os aplicativos de mensagem mais utilizados no Brasil Exame 2019 Disponiacutevel em lt httpsexamecomtecnologiapesquisa-revela-os--aplicativos-de-mensagens-mais-utilizados-no-brasil gt Acesso em 14 nov 2020

NEVES Daniel Amorim Assumpccedilatildeo Novo Coacutedigo de Processo Civil Comentado 3ordm ed Salvador Ed JusPodivm 2018

O QUE Eacute SMARTPHONE Significados 2013 Disponiacutevel em lthttpswwwsignificadoscombrsmartphonegt Acesso em 16 nov 2020

OLIVEIRA Fabiana Luci de CUNHA Luciana Gross Os indicadores sobre o judiciaacuterio bra-sileiro limitaccedilotildees desafios e o uso da tecnologia Revista Direito GV Satildeo Paulo v16 nordm 01 e1948 2020 p Disponiacutevellt httpsdoiorg1015902317-6172201948gt Acesso em 13 nov 2020

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SANTOS FILHO Itamar da Silva PEREIRA Antonio de Paacutedua C OLIVEIRA Maxwell Brito O processo judicial eletrocircnico e o acesso agrave justiccedila Revista da Escola Judiciaacuteria do Piauiacute Piauiacute v 1 nordm 1 (2017) Disponiacutevel em httpwwwtjpijusbrrevistaejudindexphpescolajudiciariapiauiarticleview36gt Acesso em 13 nov 2020

SANTOS Boaventura de Sousa Os tribunais e as novas tecnologias de comunicaccedilatildeo e de informaccedilatildeo Sociologias Porto Alegre ano 7 n13 janjun 2005 p 82-109 Dis-poniacutevel emlthttpwwwboaventuradesousasantosptmediaTribunais20e20novas20tecnologias_Sociologias_2005(1)pdfgt Acesso em 13 nov 2020

WHATSAPP PODE SER USADO PARA INTIMACcedilOtildeES JUDICIAIS Conselho Nacional de Justi-ccedila 2017 Disponiacutevel em lt httpswwwcnjjusbrwhatsapp-pode-ser-usado-para-in-timacoes-judiciais gt Acesso em 14 nov 2020

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Direito fundamental agrave saude e ativismo judicial uma anaacutelise da jurisprudecircncia

do Supremo Tribunal Federal

1 Poacutes-Doutoranda em Direito Puacuteblico pela Universidade Federal da Bahia Doutora em Direito pela Universidade Federal da Bahia Mestra em Novos Direitos pela Universi-dade Federal da Bahia Mestra em Famiacutelia na Sociedade Contemporacircnea pela Uni-versidade Catoacutelica do Salvador Poacutes-graduada em Civil e Processo Civil da Faculdade Baiana de Direito Poacutes-graduada em Relaccedilotildees Familiares e Contextos Sociais pela UCSAL Poacutes-graduada em Direito Canocircnico pala UCSal Poacutes-graduada em Atividade Judicante pela EMABUFBA Juiacuteza Formadora Tutora e Conteudista na Escola Nacio-nal de Formaccedilatildeo e Aperfeiccediloamento de Magistrados (ENFAM) Tutora e Conteudista da Escola Nacional de Magistrados (ENM) Formadora na Unicorp Tutora do Centro de Apoio agrave Magistratura Brasileira COVID 19 da ENFAM na temaacutetica Litigiosidade recorrente e sistema multiportas Atualmente exerce funccedilatildeo judicante na 6a Turma Recursal da Fazenda Puacuteblica em Salvador

2 Especialista em Direito Constitucional e Administrativo pela Escola Paulista de Di-reito Especialista em Ciecircncias Criminais pela Universidade Cacircndido Mendes Poacutes--graduanda em Direito Processual Civil pela Universidade Cacircndido Mendes Poacutes-gra-duanda em Direito Civil pela Escola Paulista de Direito Graduada em Direito pela Universidade Federal da Bahia

Ana Conceiccedilatildeo Barbuda Sanches Guimaratildees Ferreira1

Ana Baacuterbara Barbuda Ferreira Motta2

Resumo Os direitos fundamentais satildeo aqueles direitos essenciais a todo e qualquer indiviacuteduo decorrentes da dignidade da pessoa huma-na e protegidos constitucionalmente A doutrina classifica tais direitos em dimensotildees e ainda em status de direitos fundamentais No neo-constitucionalismo os direitos fundamentais ocupam posiccedilatildeo de gran-de relevacircncia irradiando a sua forccedila para todo o ordenamento juriacutedico O direito agrave sauacutede eacute considerado um direito fundamental de segunda dimensatildeo devendo portanto ser garantido atraveacutes de uma postura ativa do Estado com prestaccedilotildees positivas Neste ponto reside o debate acerca do papel do Judiciaacuterio na efetivaccedilatildeo desse direito com enfoque para a anaacutelise acerca do ativismo judicial e da autocontenccedilatildeo Para tan-to busca-se analisar a jurisprudecircncia do Supremo Tribunal Federal e os contornos de suas decisotildees envolvendo o direito fundamental agrave sauacutede

Palavras-chave Direitos fundamentais neoconstitucionalismo direito agrave sauacutede ativismo judicial jurisprudecircncia do STF

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1 INTRODUCcedilAtildeO

O direito agrave sauacutede sob a perspectiva da teoria geral dos direitos fun-damentais eacute considerado direito de segunda dimensatildeo de modo que se exige do Estado para sua concretizaccedilatildeo natildeo apenas um comportamento de abstenccedilatildeo e respeito mas sobretudo uma postura ativa e diligente que possa proporcionar a sua efetivaccedilatildeo para todos indiviacuteduos Nesse sentido ganha destaque a atuaccedilatildeo do Judiciaacuterio na efetivaccedilatildeo desse direito visto que de um lado integra o chamado ldquomiacutenimo existencialrdquo e de outro lado a teoria da ldquoreserva do possiacutevelrdquo passa a ser sustentada por atores estatais

Todo esse debate relaciona-se com o papel do Judiciaacuterio na consoli-daccedilatildeo de direitos fundamentais aflorando a discussatildeo acerca do ativismo judicial A jurisprudecircncia sobretudo do Supremo Tribunal Federal que em muito orienta a atuaccedilatildeo dos magistrados tem estabelecido alguns paracirc-metros acerca de casos relacionados ao direito agrave sauacutede Nesse sentido nos Juizados de Fazenda Puacuteblica casos relacionados a este direito fundamen-tal passam a ocupar lugar de destaque havendo um acreacutescimo expressivo nos uacuteltimos tempos notadamente com a pandemia instalada no nosso paiacutes desde marccedilo de 2020

Para a compreensatildeo do tema eacute basilar compreender qual a posiccedilatildeo desse direito no nosso ordenamento juriacutedico como direitos fundamentais garantidos constitucionalmente bem como perceber quais os debates que cercam a atuaccedilatildeo do Poder Judiciaacuterio na concretizaccedilatildeo desses direitos agrave todas as pessoas

2 NOCcedilOtildeES GERAIS SOBRE OS DIREITOS FUNDAMENTAIS

Inicialmente considerando a natureza juriacutedica do direito agrave sauacutede como um direito fundamental eacute preciso compreender o que satildeo tais di-reitos sua posiccedilatildeo central dentro do atual modelo de constitucionalismo vivido bem como suas principais caracteriacutesticas

21 ANAacuteLISE DA ORIGEM E PRINCIPAIS CARACTERIacuteSTICAS DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS

A fim de compreender o significado do referido termo ldquodireitos fun-damentaisrdquo eacute de grande relevacircncia notar a origem da nomenclaturaoO primeiro uso da expressatildeo ldquodireitos fundamentaisrdquo surgiu na Franccedila du-rante o movimento poliacutetico e cultural que culminou na Declaraccedilatildeo Univer-sal dos Direitos do Homem e do Cidadatildeo (NOVELINO 2017)

Ana Conceiccedilatildeo Barbuda Sanches Guimaratildees Ferreira bull Ana Baacuterbara Barbuda Ferreira Motta

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Sob o ponto de vista material os termos ldquodireitos humanosrdquo e de ldquodireitos fundamentaisrdquo possuem equivalente conteuacutedo pois se referem a um conjunto de normas que objetivam proteger os bens juriacutedicos mais sensiacuteveis no plano da proteccedilatildeo da dignidade humana Contudo eacute preciso esclarecer que inexiste um entendimento uniforme acerca da diferenccedila dos termos conforme entende Marcelo Novelino (2017 p 277)

ldquoApesar da inexistecircncia de um consenso a distinccedilatildeo mais usual da doutrina brasileira eacute no sentido de que ambos com o objetivo de proteger e promover a dignidade da pessoa humana abrangem di-reitos relacionados a liberdade e a igualdade mas positivados em planos distintos Enquanto os direitos humanos se encontram consa-grados nos tratados e convenccedilotildees internacionais (plano internacio-nal) os direitos fundamentais satildeo os direitos humanos consagrados e positivados na Constituiccedilatildeo de cada paiacutes (plano interno) podendo o seu conteuacutedo e conformaccedilatildeo variar de acordo com cada paiacutesrdquo

Norberto Bobbio (2004) sobre o tema diz que eacute necessaacuterio reconhe-cer que os Direitos domHomem estatildeo na base das Constituiccedilotildees Demo-craacuteticas modernas sendo a paz um pressuposto necessaacuterio para a efetiva proteccedilatildeo dos direitos dos homens em cada Estado e no sistema inter-nacional Considerando que os direitos fundamentais satildeo os direitos ati-nentes a todas os homens de modo a garantir a dignidade da pessoa humana percebe-se que a referida classe de direitos tem caracteriacutesticas em comum Neste sentido todas as caracteriacutesticas a seguir apresentadas qualificam todos os direitos fundamentais inclusive o direito agrave sauacutede Ini-cialmente tais direito satildeo universais conforme explica Marcelo Novelino (2017 p 281)

ldquoA existecircncia de um nuacutecleo miacutenimo de proteccedilatildeo a dignidade deve estar presente em qualquer sociedade ainda que os aspectos cultu-rais devam ser respeitados Por isso a validade universal natildeo significa uniformidade Conforme observa Konrad Hesse (2001) o conteuacutedo concreto e a significaccedilatildeo dos direitos fundamentais para um Estado dependem de numerosos fatores extrajuriacutedicos especialmente de idiossincrasia da cultura e da histoacuteria dos povosrdquo

Ainda como caracteriacutestica de tais direitos tem-se a historicidade ou seja esses direitos surgem e se desenvolvem ao longo da histoacuteria haven-do portanto a possibilidade de alteraccedilatildeo do seu sentido e conteuacutedo Esta caracteriacutestica afasta a fundamentaccedilatildeo jusnaturalista a tais direitos (NOVE-LINO 2017 p 281) Tambeacutem satildeo inalienaacuteveis imprescritiacuteveis e irrenun-ciaacuteveis Deste modo o natildeo exerciacutecio natildeo significaarenuacutencia ePercebe-se

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que os direitos fundamentais possuem peculiaridades que os tornam es-senciais em nosso ordenamento juriacutedico estando relacionadossa valores atinentes a preservaccedilatildeo da dignidade da pessoa humana em todos os seus acircmbitos

22 DIMENSOtildeES E STATUS DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS

Ao se voltar ao passado vecirc-se que os direitos fundamentais satildeo con-quistados cada qual ao seu tempo por motivos variados pois estes re-velam a vida em sociedade Assim ldquoos direitos natildeo nascem todos de uma vezrdquo [] nascem quando devem ou podem nascerrdquo (BOBBIO 2004 p 6) Para Bobbio os direitos satildeo frutos da histoacuteria que caminha e por isto po-dem estes direitos ser identificados a partir da geraccedilatildeo em que foram reconhecidos Assim tambeacute discorre Dirley da Cunha Junior ao argumen-tar que estas geraccedilotildees dos direitos ldquorevelam a ordem cronoloacutegica do re-conhecimento e afirmaccedilatildeo dos direitos fundamentais que se proclamam gradualmente na proporccedilatildeo das carecircncias do ser humano nascidas em funccedilatildeo da mudanccedila das condiccedilotildees sociaisrdquo (CUNHA JR 2012 p 596)

Afirma Bobbio (2004 p 7) que ldquonum primeiro momento afirmaram--se os direitos de liberdaderdquo Estes satildeo os direitos de primeira geraccedilatildeo que nascem com o seacuteculo XVII eNesta dimensatildeo se identificam os direitos de natureza civis e poliacuteticos tendo sidooopostos contra o Estado eztrazem a defesasdas Liberdades Fatos histoacutericos estatildeo referendados na Consti-tuiccedilatildeo Americana e da Declaraccedilatildeo dos Direitos do Homem e do Cidadatildeo

Os direitos sociais culturais previdenciaacuterios econocircmicos coletivos vatildeo se constituir na segunda geraccedilatildeo dos direitos Clamam por uma igual-dade coletiva que instaure o Estado do Bem-Estar social do Seacuteculo XX Eles satildeo consequecircnciaeda derrocada do Estado Liberal e verificam que o Estado tem de oportunizar ldquodireitos poliacuteticos os quais ndash concebendo a liberdade natildeo apenas negativamente como natildeo impedimento mas positivamente como autonomiardquo (BOBBIO 2004 p 32) O cunho ideoloacute-gico nasceu com a Constituiccedilatildeo Mexicana de 1917 e a Lei Fundamental de Weimar em 191 na Alemanha Como se vecirc assume um novo papel o Estado a quem caberaacute tambeacutem assegurar a igualdade entre as pessoas no gozo dos direitos competindo-lhes especialmente a reduccedilatildeo das ldquode-sigualdades sociais e econocircmicas ateacute entatildeo existentes que debilitavam a dignidade humanardquo (CUNHA JR 2012 p 623)

Correspondem aos direitos fundamentais da terceira geraccedilatildeo os di-reitos da solidariedadeaTem sua origem na Revoluccedilatildeo Francesa e com o

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siacutembolo da fraternidade vieram para proteger os direitos decorrentes de uma sociedade organizada que se encontra envolvida em relaccedilotildees de di-versas naturezas fruto do processo de industrializaccedilatildeo e urbanizaccedilatildeo pro-jetando para as titularidades difusa e coletiva Satildeo de terceira geraccedilatildeo de direitos fundamentais o direito ao meio ambiente ecologicamente equi-librado ao desenvolvimento a comunicaccedilatildeo os direitos dos consumido-res e vaacuterios outros direitos especialmente aqueles relacionados a grupos de pessoas mais vulneraacuteveis (a crianccedila o idosoopessoa com deficiecircncia etc)aA partir da quarta geraccedilatildeo natildeo haacute um consenso doutrinaacuterio acerca dos referidos direitos A quarta geraccedilatildeo de direitos fundamentais para alguns eacute caracterizada pela pesquisa bioloacutegica e cientiacutefica pela defesa do patrimocircnio geneacutetico pelo avanccedilo tecnoloacutegico pelo direito agrave democracia agrave informaccedilatildeo e ao pluralismo (CUNHA JR 2012) Evocam tambeacutem as ques-totildees sobre a eacutetica e da moralidade E os direitos de quinta geraccedilatildeo satildeo como o direito a paz Bonavides afirma que estaacute em um ldquopatamar supe-riorrdquo haja vista que ldquoa dignidade juriacutedica da paz deriva do reconhecimento universal que se lhe deve enquanto pressuposto qualitativo da convivecircn-cia humana elemento de conservaccedilatildeo da espeacutecie reino de seguranccedila dos direitosrdquo (BONAVIDES 2017)

Percebe-se portanto que os direitos fundamentaisesatildeo um ldquofeixe de posiccedilotildees juriacutedicas abrangendo estruturas e conteuacutedos diferentesrdquo confor-me estabelece Robert Alexy (2011 p 255) Neste sentidoerelevante des-tacar a teoria dos status de Jellineeacute de grande importacircncia no estudo dos Direitos Fundamentais Segundo a teoria existem quatro status de direitos fundamentais quais sejam o status positivo negativo ativo e passivo So-bre a referida teoria Marcelo Novelino (2017 p 278) esclarece

Um status natildeo se confundo com um direito Dentre as diversas formas de descrever o que eacute um status tem importacircncia central suaocarac-terizaccedilatildeo como uma relaccedilatildeo com o Estado que qualifica ooindiviacuteduo Segundo a concepccedilatildeo de Jellinek o direito tem como conteuacutedo o ldquoterrdquo ao passo que o status tem como conteuacutedo o ldquoserrdquo

Sendo assim o status passivo relaciona-se com a esfera das obriga-ccedilotildees individuais impondo por parte do Estado um dever ou uma proibi-ccedilatildeo ao indiviacuteduo Jaacute o status ativo refere-se a capacidade que extrapolam a liberdade natural ou seja trata-se do direito de participaccedilatildeo do indiviacute-duo nas atividades poliacuteticas O status negativo por sua vez refere-se as liberdades ou seja o direito as accedilotildees negativas do estado Por fim o status positivo eacute aquele que diz respeito a capacidade de recorrer ao aparato estatal (NOVELINO 2017 p 278-279)

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23 A RELEVAcircNCIA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS NO NEO-CONSTITUCIONALISMO

A fim de compreender a importacircncia valorativa dos direitos funda-mentais eacute indispensaacutevel perceber o momento constitucional vivido nos dias hodiernos Isso porque apenas desse modo eacute possiacutevel entender o pa-pel e forccedila da Constituiccedilatildeo como centro de um ordenamento e portanto justificador e limitador das demais normas que compotildeem dado sistema normativo

A partir do seacuteculo XXI a doutrina passa a observar uma nova pers-pectiva constitucional denominada neoconstitucionalismo ou ainda constitucionalismo poacutes-moderno (TAVARES 2016) O momento histoacuterico vigente natildeo comportava mais o positivismo juriacutedico passando a repudiar os meacutetodos mecacircnicos da subsunccedilatildeo e ldquouma nova visatildeo interpretativa e das tarefas da Ciecircncia e Teoria do Direito cuja preocupaccedilatildeo reside no desenvolvimento de um trabalho criacutetico e natildeo apenas descritivordquo desabro-chou dando ensejo a uma nova fase o poacutes-positivismo conforme explica Novelino (2017)

Sendo assim a superaccedilatildeo histoacuterica do jusnaturalismo e o fracasso poliacutetico do positivismo fizeram como que uma nova corrente ganhasse destaque com evidente abandono a tradicional compreensatildeo na qual a constituiccedilatildeo era vista ldquocomo um documento essencialmente poliacutetic(rdquo (NOVELINO 2017 p 59) Nesse sentido fazia-se necessaacuterio um conjunto amplo de reflexotildees sobre o Direito considerando sua funccedilatildeo social e in-terpretaccedilatildeo

ldquoA superaccedilatildeo histoacuterica do jusnaturalismo e o fracasso poliacutetico do posi-tivismo abriram caminho para um conjunto amplo e ainda inacabado de reflexotildees acerca do Direito sua funccedilatildeo social e sua interpretaccedilatildeordquo (BARROSO 2020 p 246)

O poacutes-positivismo coloca-se como uma corrente intermediaacuteria que busca exaltar a forccedila normativa dos princiacutepios o caraacuteter central da argu-mentaccedilatildeo juriacutedica e a aproximaccedilatildeo entre a moral e o direito Ainda pode--se empregar o termo em anaacutelise em trecircs acepccedilotildees quais sejam como um meacutetodo para o estudo do direito como ideologia e como teoria juriacutedica

(NOVELINO 2017 p 63) Ideologicamente o poacutes-positivismo busca de um lado a manutenccedilatildeo da seguranccedila juriacutedica e de outro valoriza a justiccedila material afastando-se da visatildeo ceacutetica existente no positivismo puro Ao-Constituiccedilatildeo passa a assumir uma forte carga valorativa assegurando di-

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reitos fundamentais relacionados agrave pessoa humana pelo que o inteacuterprete ao aplicar as normas do ordenamento deve buscar a concretizaccedilatildeo destes valores constitucionalizados (NOVELINO 2017)

Barroso (2020 p 250) nesse sentido afirma que a doutrina do poacutes--positivismo tem sua inspiraccedilatildeo na ldquorevalorizaccedilatildeo da razatildeo praacutetica na teo-ria da justiccedila e na legitimaccedilatildeo democraacuteticardquo Para o constitucionalista eacute a ldquodesignaccedilatildeo provisoacuteria e geneacuterica de um ideaacuterio difusordquo que incorpora ideias de justiccedila igualdade material miacutenima direitos fundamentais e da nova hermenecircutica com ldquoa redefiniccedilatildeo das relaccedilotildees entre valores princiacute-pios e regrasrdquo (BARROSO 2020 p 250)

A respeito do tema de forma clara Dirley Cunha aduz ldquoo neocons-titucionalismo representa o constitucionalismo atual contemporacircneordquo que propotildee uma mudanccedila paradigmaacutetica em razatildeo da forccedila normativa da Constituiccedilatildeo constituiacuteda ldquode normas de eficaacutecia vinculante e obrigatoacuteriardquo e portanto ldquodotada de supremacia material e intensa carga valorativardquo gestora do Estado Constitucional de Direito (CUNHA JR12012 p 20)

Sendo assim o poacutes-positivismo sustenta essa nova etapa constitu-cional a qual se passou a chamar de neoconstitucionalismo Dentre as diversas caracteriacutesticas existentes nesse novo modelo constitucional des-taca-se sem duacutevidas a hierarquia formal e axioloacutegica da Constituiccedilatildeo que passa a ser como o coraccedilatildeo eixo central do sistema e tambeacutem do ponto substancial para a sobrevivecircncia e a manutenccedilatildeo do Estado de Direito

Ainda conforme a alta carga valorativa que passa a integrar os textos constitucionais incorporando valores e opccedilotildees poliacuteticas relacionadas agrave dignidade humana e aos direitos fundamentais devendo ser aplicadas de logo em todos os poderes e ateacute mesmo aos particulares dada a sua eficaacute-cia irradiante vertical e horizontal

Desse modo percebe-se que com o neoconstitucionalismo a Consti-tuiccedilatildeo ganha nova face sendo o centro axioloacutegico do ordenamento juriacutedi-co irradiando valores para todos os demais diplomas normativos e para a realidade social Nesse sentido os direitos fundamentais passam a ter uma eficaacutecia horizontal aplicando-se a todas as relaccedilotildees juriacutedicas inclusive en-tre particulares Percebe-se portanto que com o atual momento de cons-titucionalismo vivido os direitos fundamentais devem ser implementados da forma mais ampla abrangente e eficaz possiacutevel

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3 DIREITO FUNDAMENTAL Agrave SAUacuteDE E ATIVISMO JUDICIAL

O art 6ordm caput da Constituiccedilatildeo Federal conteacutem expressamente o di-reito agrave sauacutede como um direito social e portanto um direito fundamental Ademais a Constituiccedilatildeo em seu art 23 que trata acerca das competecircncias comuns de todos os entes federados estabelece que a Uniatildeo os Estados os Municiacutepios e o Distrito Federal devem cuidar do direito agrave sauacutede Logo apoacutes o art 24 da CF enquadra o direito agrave sauacutede dentre as competecircncias legislativas concorrentes da Uniatildeo e Estados e no art 30 dentre as com-petecircncias municipais estaacute a de prestar serviccedilos de atendimento agrave sauacutede da populaccedilatildeo Evidente portanto que o constituinte considerando a rele-vacircncia do direito agrave sauacutede buscou garantir a maior amplitude possiacutevel es-tabelecendo que todos os entes satildeo responsaacuteveis pela sua concretizaccedilatildeo

Ainda analisando o texto constitucional o direito agrave sauacutede eacute nova-mente mencionado como um princiacutepio sensiacutevel (arts 34 e 35 da CF) ou seja caso um ente natildeo aplique o miacutenimo exigido da receita resultante de impostos nas accedilotildees e serviccedilos puacuteblicos de sauacutede esta omissatildeo poderaacute en-sejar uma intervenccedilatildeo federal ou estadual Ao longo do atual texto consti-tucional a sauacutede eacute mencionada em sessenta e sete dispositivos demons-trando assim a importacircncia do referido direito em nosso ordenamento

A partir do art 196 CF inicia-se uma seccedilatildeo unicamente dedicada ao referido direito com a previsatildeo acerca da sua amplitude bem como do sistema uacutenico de sauacutede responsaacutevel por de forma integral e universal garantir a sauacutede a todos os indiviacuteduos do nosso paiacutes

Sobre o referido direito Bernardo Gonccedilalves (2020 p 919) faz a se-guinte consideraccedilatildeo

ldquoEacute indiscutiacutevel que o direito agrave sauacutede se relaciona de forma direta com o direito agrave vida Todavia natildeo eacute nada faacutecil nem simples desenvolver um conceito juriacutedico do que seja sauacutede () A Lei Orgacircnica da Sauacutede (Lei nordm 808090) por outro lado apresenta uma leitura que engloba ainda no conceito de sauacutede um conjunto de accedilotildees puacuteblicas que asse-gurem uma vida digna e a autonomia dos sujeitos beneficiaacuterios Por isso mesmo fala-se em medidas de sauacutede preventiva e medidas de sauacutede curativa o primeiro conceito se revelaria como um status posi-tivus Libertatis ndash na leitura de Jellinek conectado agrave noccedilatildeo de miacutenimo existencial ndash enquanto o segundo um status positivo socialis (isto eacute um direito social propriamente dito)

Percebe-se portanto que a amplitude do direito agrave sauacutede conduz a uma dificuldade de conceituaccedilatildeo estanque do referido direito O direito agrave

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sauacutede engloba assim um feixe de outros direitos como o direito agrave preven-ccedilatildeo ao tratamento adequado ao recebimento de medicamentos dentre outros E ainda estaacute intrinsecamente relacionado aacute outros direitos funda-mentais como o direito aacute vida e aacute liberdade

A Constituiccedilatildeo cria o Sistema Uacutenico de Sauacutede (SUS) a fim de con-cretizar este direito atraveacutes de uma rede regionalizada e hierarquizada marcada pela descentralizaccedilatildeo mas com direccedilatildeo uacutenica em cada esfera de governo com atendimento integral com a fixaccedilatildeo de prioridade para atividades preventivas sem prejuiacutezo de serviccedilos assistenciais e de parti-cipaccedilatildeo da comunidade conforme art 198 da Constituiccedilatildeo Federal Tam-beacutem percebe-se que a assistecircncia agrave sauacutede tambeacutem eacute permitida agrave iniciativa privada de forma complementar segundo contratos ou convecircnios com preferencia agrave entidades filantroacutepicas sem fins lucrativos (art 199 CF)

Pela leitura da Constituiccedilatildeo percebe-se que duas caracteriacutesticas acer-ca desse direito satildeo ressaltadas a universalidade e a integralidade De um lado a universalidade garante que todo e qualquer indiviacuteduo tenha acesso ao sistema uacutenico de sauacutede independente de raccedila condiccedilatildeo social econocircmica ou qualquer outra caracteriacutestica Isso prestigia outro principio constitucional o da igualdade previsto no art 5ordm da CF Essa universalida-de natildeo impede contudo a previsatildeo do art 32 da Lei nordm 965698 que cria o denominado ldquoressarcimento ao SUSrdquo julgado constitucional pela Supremo Tribunal Federal em sede de repercussatildeo geral vejamos

Eacute constitucional o ressarcimento previsto no art 32 da Lei nordm 965698 o qual eacute aplicaacutevel aos procedimentos meacutedicos hospitalares ou ambu-latoriais custeados pelo SUS e posteriores a 461998 assegurados o contraditoacuterio e a ampla defesa no acircmbito administrativo em todos os marcos juriacutedicos O art 32 da Lei nordm 965698 prevecirc que se um cliente do plano de sauacutede utilizar-se dos serviccedilos do SUS o Poder Puacuteblico poderaacute cobrar do referido plano o ressarcimento que ele teve com essas despesasAssim o chamado ldquoressarcimento ao SUSrdquo criado pelo art 32 eacute uma obrigaccedilatildeo legal das operadoras de planos priva-dos de assistecircncia agrave sauacutede de restituir as despesas que o SUS teve ao atender uma pessoa que seja cliente e que esteja coberta por esses planos STF PlenaacuterioRE 597064RJ Rel Min Gilmar Mendes julgado em 722018 (repercussatildeo geral) (Info 890)

Por outro lado a integralidade do Sistema Uacutenico de Sauacutede prevecirc que natildeo haacute a priori um limite estabelecido a quais serviccedilos seratildeo fornecidos aos indiviacuteduos para a efetivaccedilatildeo do direito agrave sauacutede Ao contraacuterio o serviccedilo de sauacutede deve ser o mais amplo completo possiacutevel Neste ponto cumpre destacar alguns dispositivos da Lei nordm 808096 sobre o tema vejamos

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Art 6ordm Estatildeo incluiacutedas ainda no campo de atuaccedilatildeo do Sistema Uacutenico de Sauacutede (SUS)

d) de assistecircncia terapecircutica integral inclusive farmacecircutica

Art 7ordm As accedilotildees e serviccedilos puacuteblicos de sauacutede e os serviccedilos privados contratados ou conveniados que integram o Sistema Uacutenico de Sauacutede (SUS) satildeo desenvolvidos de acordo com as diretrizes previstas no art 198 da Constituiccedilatildeo Federal obedecendo ainda aos seguintes princiacutepios

II ndash integralidade de assistecircncia entendida como conjunto articulado e contiacutenuo das accedilotildees e serviccedilos preventivos e curativos individuais e coletivos exigidos para cada caso em todos os niacuteveis de complexida-de do sistema

Art 19-M A assistecircncia terapecircutica integral a que se refere a aliacutenea d do inciso I do art 6ordm consiste em

I ndash dispensaccedilatildeo de medicamentos e produtos de interesse para a sauacutede cuja prescriccedilatildeo esteja em conformidade com as diretrizes tera-pecircuticas definidas em protocolo cliacutenico para a doenccedila ou o agravo agrave sauacutede a ser tratado ou na falta do protocolo em conformidade com o disposto no art 19-P

II ndash oferta de procedimentos terapecircuticos em regime domiciliar am-bulatorial e hospitalar constantes de tabelas elaboradas pelo gestor federal do Sistema Uacutenico de Sauacutede ndash SUS realizados no territoacuterio nacional por serviccedilo proacuteprio conveniado ou contratado

Art 19-N Para os efeitos do disposto no art 19-M satildeo adotadas as seguintes definiccedilotildees

I ndash produtos de interesse para a sauacutede oacuterteses proacuteteses bolsas cole-toras e equipamentos meacutedicos

II ndash protocolo cliacutenico e diretriz terapecircutica documento que estabe-lece criteacuterios para o diagnoacutestico da doenccedila ou do agravo agrave sauacutede o tratamento preconizado com os medicamentos e demais produtos apropriados quando couber as posologias recomendadas os meca-nismos de controle cliacutenico e o acompanhamento e a verificaccedilatildeo dos resultados terapecircuticos a serem seguidos pelos gestores do SUS

Evidente portanto que a Lei do SUS atendendo ao comando consti-tucional tambeacutem estabeleceu dentre as diretrizes de atuaccedilatildeo a integrali-dade Neste ponto residem contudo os maiores debates jurisprudenciais uma vez que o Estado muitas vezes se recusa a fornecer determinados tratamentos o que acaba colidindo com a integralidade gerando lides que satildeo levadas ao crivo do Judiciaacuterio

Sobre o tema cresce o debate acerca da postura do magistrado dian-te de tais conflitos em especial com as correntes que defendem o ativis-

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mo judicial e de outro a autocontenccedilatildeo Para Luiacutes Roberto Barroso (2020) ativismo judicial corresponde ao alargamento do escopo jurisdicional para causas relacionadas a poliacuteticas puacuteblicas sobretudo em discussotildees envol-vendo o alcance e as restriccedilotildees aos direitos sociais Nesses casos quando o Judiciaacuterio toma uma postura ativa determinando medidas concretas aos agentes puacuteblicos a fim de concretizar direitos fundamentais fala-se numa atuaccedilatildeo de ativismo judicial Trata-se de um juiacutezo substancialmente poliacutetico mas juridicamente fundamentado

Por outro lado a corrente que defende a autocontenccedilatildeo do Judiciaacuterio tem por objetivo combater os efeitos nocivos de um ativismo exercido de forma excessiva uma vez o Judiciaacuterio por ausecircncia de teacutecnica e tam-beacutem de legitimidade (uma vez que natildeo foi eleito pelo povo) natildeo deveria adentrar em certos meacuteritos enaltecendo outras vias poliacuteticas de debate e deliberaccedilatildeo Esta corrente em muito se relaciona com o minimalismo de Susntein (LIMA 2013)

Por fim o presente debate envolve em muito a teoria da reserva do possiacutevel que em siacutentese entende que existe uma infinitude de direitos mas uma finitude de recursos o que ocasionaria a possibilidade de o ges-tor puacuteblico fazer escolhas traacutegicas desatendendo determinadas presta-ccedilotildees sociais antes a sua impossibilidade vejamos

Embora operante no universo dos direitos sociais em geral como no acircmbito da previdecircncia social em particular o princiacutepio da reserva do financeiramente possiacutevel tem especial incidecircncia no terreno da sauacutede e da educaccedilatildeo cujas normas constitucionais ndash nisso particularmente influenciadas pelas ideias de constituiccedilatildeo dirigente e de Estado pro-vedor ndash atribuiacuteam sobretudo ao Poder Puacuteblico o encargo de custear a satisfaccedilatildeo dessas necessidades consideradas inerentes a uma vida digna Daiacute a similitude dos arts 196 e 205 da nossa Constituiccedilatildeo a proclamarem que tanto a sauacutede quanto a educaccedilatildeo satildeo direitos de todos e deveres do Estado normas-tarefas ou meramente programaacute-ticas cuja concretizaccedilatildeo fica a depender das forccedilas do Eraacuterio como diziam os claacutessicos das financcedilas puacuteblicas De mais a mais e nisso resi-de um aspecto crucial do problema a alocaccedilatildeo de recursos puacuteblicos para a implementaccedilatildeo desses direitos pressupotildee ndash aleacutem de uma eco-nomia forte ndash a difiacutecil decisatildeo poliacutetica de ratear os poucos recursos disponiacuteveis de modo a poder dispensar um miacutenimo de atendimento aos mais necessitados situaccedilatildeo criacutetica que nos paiacuteses perifeacutericos con-figura o que muitos denominam ciacuterculo vicioso da miseacuteria pois eacute pre-cisamente aiacute onde faltam recursos para atendecirc-las que se mostram mais dramaacuteticas as carecircncias sociais (MENDES 2009 p 1420)

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Por outro lado quando os direitos que estatildeo sendo alvo de discussatildeo fazem parte do chamado ldquomiacutenimo existencialrdquo eacute certo que natildeo deve sub-sistir a tese da reserva do possiacutevel O chamado ldquomiacutenimo existencialrdquo vem portanto limitar a utilizaccedilatildeo da referida tese de forma desmedida Sendo assim defensores de uma postura mais ativa do Poder Judiciaacuterio argu-mentam que haacute direitos indispensaacuteveis para a realizaccedilatildeo da dignidade da pessoa humana e estes devem ser garantidos em todas as circunstacircncias (MENDES 2009)

O direito agrave sauacutede compotildee portanto esse miacutenimo existencial e justa-mente por isso considerando seu alto custo de implementaccedilatildeo acaba por gerar tantas controveacutersias jurisprudenciais e doutrinaacuterias

4 JURISPRUDEcircNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL NO AcircMBITO DO DIREITO Aacute SAUacuteDEA jurisprudecircncia do Supremo Tribunal Federal lida diariamente com

questotildees envolvendo o direito fundamental agrave sauacutede em sede de recursos repetitivos com repercussatildeo geral ou em controle de constitucionalidade Tais decisotildees repercutem na forma com que os demais Tribunais interpre-taratildeo as normas e decidiratildeo os casos concretos que lhe satildeo apresentados

Com relaccedilatildeo ao direito agrave sauacutede em 2014 a 1ordf Turma do Supremo Tribunal Federal entendeu pela possibilidade de o Poder Judiciaacuterio deter-minar que a Administraccedilatildeo Puacuteblica mantenha estoque miacutenimo de medica-mento a fim de evitar interrupccedilotildees no tratamento sem que isso configure violaccedilatildeo agrave separaccedilatildeo de poderes justamente considerando que o direito agrave sauacutede compotildee o miacutenimo existencial vejamos

RECURSO EXTRAORDINAacuteRIO FORNECIMENTO DE MEDICAMENTO E MANUTENCcedilAtildeO EM ESTOQUE DOENCcedilA DE GAUCHER QUESTAtildeO DI-VERSA DE TEMA COM REPERCUSSAtildeO GERAL RECONHECIDA SOBRES-TAMENTO RECONSIDERACcedilAtildeO PREQUESTIONAMENTO OCORREcircNCIA AUSEcircNCIA DE OFENSA AO PRINCIacutePIO DA SEPARACcedilAtildeO DOS PODERES CONSTITUCIONAL DIREITO Agrave SAUacuteDE DEVER PODER PUacuteBLICO RE-CURSO EXTRAORDINAacuteRIO A QUE SE NEGA PROVIMENTO I ndash A ques-tatildeo discutida no presente feito eacute diversa daquela que seraacute apreciada no caso submetido agrave sistemaacutetica da repercussatildeo geral no RE 566471-RGRN Rel Min Marco Aureacutelio II ndash No presente caso o Estado do Rio de Janeiro recorrente natildeo se opotildee a fornecer o medicamento de alto custo a portadores da doenccedila de Gaucher buscando apenas eximir--se da obrigaccedilatildeo imposta por forccedila de decisatildeo judicial de manter o remeacutedio em estoque pelo prazo de dois meses III ndash A jurisprudecircncia e a doutrina satildeo paciacuteficas em afirmar que natildeo eacute necessaacuterio para o prequestionamento que o acoacuterdatildeo recorrido mencione expressa-

Ana Conceiccedilatildeo Barbuda Sanches Guimaratildees Ferreira bull Ana Baacuterbara Barbuda Ferreira Motta

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Poder Judiciaacuterio do Estado da Bahia ISBN 978-65-89459-01-9

mente a norma violada Basta para tanto que o tema constitucional tenha sido objeto de debate na decisatildeo recorrida IV ndash O exame pelo Poder Judiciaacuterio de ato administrativo tido por ilegal ou abusivo natildeo viola o princiacutepio da separaccedilatildeo dos poderes Precedentes V ndash O Poder Puacuteblico natildeo pode se mostrar indiferente ao problema da sauacutede da populaccedilatildeo sob pena de incidir ainda que por censuraacutevel omissatildeo em grave comportamento inconstitucional Precedentes VI ndash Recurso extraordinaacuterio a que se nega provimento STF 1ordf Turma RE 429903RJ Rel Min Ricardo Lewandowski julgado em 2562014 (Info 752)

No caso entendeu-se que o Judiciaacuterio natildeo afrontaria a separaccedilatildeo de poderes uma vez que natildeo estaria interferindo em metas e prioridades nem em verbas puacuteblicas mas apenas controlando atos abusivos e ilegais da Administraccedilatildeo Puacuteblica

Outro caso envolvendo medicamentos recentemente pacificado em 2019 eacute com relaccedilatildeo aqueles medicamentos ainda natildeo incorporados na lista do SUS Para tanto o STF entendeu que haveraacute o dever de fornecer o medicamente se preenchidos os seguintes criteacuterios

i) Comprovaccedilatildeo por meio de laudo meacutedico fundamentado e cir-cunstanciado expedido por meacutedico que assiste o paciente da im-prescindibilidade ou necessidade do medicamento assim como da ineficaacutecia para o tratamento da moleacutestia dos faacutermacos fornecidos pelo SUS ii) incapacidade financeira de arcar com o custo do me-dicamento prescrito iii) existecircncia de registro do medicamento na ANVISA observados os usos autorizados pela agecircncia STJ 1ordf Seccedilatildeo EDcl no REsp 1657156-RJ Rel Min Benedito Gonccedilalves julgado em 12092018 (recurso repetitivo) (Info 633)

Por outro lado caso o medicamento ainda natildeo esteja registrado na ANVISA em regra natildeo haveraacute a obrigaccedilatildeo do Estado em fornececirc-los A concessatildeo ocorreraacute excepcionalmente desde que novos criteacuterios sejam observados vejamos

A ausecircncia de registro na Agecircncia Nacional de Vigilacircncia Sanitaacuteria (Anvisa) impede como regra geral o fornecimento de medicamento por decisatildeo judicial Eacute possiacutevel excepcionalmente a concessatildeo judi-cial de medicamento sem registro sanitaacuterio em caso de mora irrazoaacute-vel da Anvisa em apreciar o pedido (prazo superior ao previsto na Lei 134112016) quando preenchidos trecircs requisitos

a) a existecircncia de pedido de registro do medicamento no Brasil (salvo no caso de medicamentos oacuterfatildeos para doenccedilas raras e ultrarraras)

b) a existecircncia de registro do medicamento em renomadas agecircncias de regulaccedilatildeo no exterior e

Direito fundamental agrave saude e ativismo judicial uma anaacutelise da jurisprudecircncia do Supremo Tribunal Federal

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c) a inexistecircncia de substituto terapecircutico com registro no Brasil

STF Plenaacuterio RE 657718MG rel orig Min Marco Aureacutelio red p o ac Min Roberto Barroso julgado em 2252019 (repercussatildeo geral) (Info 941)

Ademais algumas accedilotildees de controle de constitucionalidade envol-vendo o direito agrave sauacutede jaacute foram objeto de anaacutelise pelo STF Atento a ne-cessidade de concretizaccedilatildeo da universalidade do direito agrave sauacutede de modo que o SUS consiga alcanccedilar todas as localidades do paiacutes o STF julgou constitucional o ldquoPrograma Mais Meacutedicosrdquo conforme ADI 5035DF e ADI 5037DF

Por outro lado considerando a igualdade que deve pautar os servi-ccedilos de sauacutede em controle de constitucionalidade julgou inconstitucional a diferenccedilas de classes no acircmbito do SUS conforme observa-se a seguir

O programa ldquoMais Meacutedicosrdquo instituiacutedo pela MP 6912013 pos-teriormente convertida na Lei nordm 128712013 eacute constitucional STF PlenaacuterioADI 5035DF e ADI 5037DF rel orig Min Marco Aureacutelio red p o ac Min Alexandre de Moraes julgados em 30112017 (Info 886)

Eacute inconstitucional a possibilidade de um paciente do Sistema Uacutenico de Sauacutede (SUS) pagar para ter acomodaccedilotildees superiores ou ser atendido por meacutedico de sua preferecircncia a chamada ldquodi-ferenccedila de classesrdquo STF Plenaacuterio RE 581488RS Rel Min Dias Toffoli julgado em 3122015 (repercussatildeo geral) (Info 810)

Por fim decisatildeo recente no contexto de pandemia foi o conhecimen-to da Accedilatildeo Direta de Inconstitucionalidade por Omissatildeo a fim de promo-ver a instituiccedilatildeo do auxiacutelio emergencial Ou seja o STF entendeu que em tese a ADO poderia discutir sobre o referido tema Neste caso poreacutem a accedilatildeo teve seu julgamento impedido por perda de objeto jaacute que foi pu-blicada a Lei nordm 139822020 que instituiu o referido auxiacutelio (STF Plenaacuterio ADO 56DF Rel Min Marco Aureacutelio red p o ac Min Roberto Barroso julgado em 3042020)

5 CONCLUSAtildeO

Percebe-se que o direito fundamental agrave sauacutede ocupa papel de desta-que em nosso ordenamento juriacutedico Nesse sentido a Constituiccedilatildeo Federal deixa claro o papel central desse direito para a concretizaccedilatildeo da dignidade da pessoa humana A teoria geral dos direitos fundamentais atraveacutes dos

Ana Conceiccedilatildeo Barbuda Sanches Guimaratildees Ferreira bull Ana Baacuterbara Barbuda Ferreira Motta

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estudos de sua origem caracteriacutesticas e contornos fornece o substrato importante para a compreensatildeo do alcance do direito agrave sauacutede e sobretu-do qual o papel dos agentes puacuteblicos na busca por sua efetivaccedilatildeo

Neste ponto inclusive reside o grande debate sobre o tema qual o papel do Poder Judiciaacuterio na concretizaccedilatildeo do referido direito que con-forme restou demonstrado atraveacutes da jurisprudecircncia do Supremo Tribunal Federal tem prevalecido uma atuaccedilatildeo de maior ativismo considerando que o referido direito integra o chamado ldquomiacutenimo existencialrdquo

Os debates contudo natildeo satildeo estanques de modo que eacute necessaacuterio cada vez mais se aprofundar e investigar o caso concreto a fim de com-patibilizar a atuaccedilatildeo dos trecircs poderes de modo a proporcionar a maior eficaacutecia social para a norma constitucional

6 REFEREcircNCIASALEXY Robert Teoria dos Direitos Fundamentais Traduccedilatildeo de Virgiacutelio Afonso da Silva

2ed Satildeo Paulo Malheiros 2011

ARAUacuteJO Luiz Alberto David NUNES JUNIOR Vida Serrano Curso de Direito Constitucio-nal 6ed Satildeo Paulo Editora Saraiva 2002

AVENA Norberto Processo penal esquematizado 6ed Rio de Janeiro Forense Satildeo Pau-lo Meacutetodo 2014

AacuteVILA Humberto Teoria dos Princiacutepios da definiccedilatildeo agrave aplicaccedilatildeo dos princiacutepios juriacutedi-cos Satildeo Paulo Malheiros 2009

BASTOS Celso Ribeiro Curso de direito constitucional 20 ed Satildeo Paulo Editora Saraiva 1999

BARROSO Luis Roberto Curso de Direito Constitucional Contemporacircneo 9ed Satildeo Paulo Editora Saraiva 2020

BOBBIO Noberto Igualdade e Liberdade 3ed Rio de Janeiro Ediouro 1997

______________ A era dos direitos 7 ed Rio de Janeiro Elsevier 2004

CANOTILHO Joseacute Joaquim Gomes Direito Constitucional 6ed Coimbra Livraria Almedi-na 1993

COMPARATO Faacutebio Konder A Afirmaccedilatildeo Histoacuterica dos Direitos Humanos 4ed Satildeo Pau-lo Editora Saraiva 2005

CUNHA JUNIOR Dirley da Curso de direito constitucional 5ed Salvador Editora JusPO-DIVM 2012

FERNANDES Bernardo Gonccedilalves Curso de Direito Constitucional 12ed Salvador Editora JusPODIVM 2020

Direito fundamental agrave saude e ativismo judicial uma anaacutelise da jurisprudecircncia do Supremo Tribunal Federal

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MENDES Gilmar Ferreira Curso de direito constitucional Gilmar Ferreira Mendes Paulo Gustavo Gonet Branco 12 ed rev SatildeoPaulo Saraiva 2009

MORAES Alexandre de Direito constitucional 27ed Satildeo Paulo Atlas 2011

________ Direitos Humanos Fundamentais 8ed Satildeo Paulo Atlas 2007

NOVELINO Marcelo Curso de Direito Constitucional 12ordf ed Salvador Juspodivm 2017

LIMA Flaacutevia Daniele Santiago Ativismo e autocontenccedilatildeo no Supremo Tribunal Federal uma proposta de delimitaccedilatildeo do debate 2013 Tese (Doutorado em Direito) Uni-versidade Federal de Pernambuco Recife-PE 2013

REALE Miguel O Estado democraacutetico de direito e os conflitos de ideologia Satildeo Paulo Editora Saraiva 1998

SARLET Ingo Wolfgang A eficaacutecia dos direitos fundamentais uma teoria geral dos direitos fundamentais na perspectiva constitucional 11ed Porto Alegre Livraria do Advogado Editora 2012

SILVA Joseacute Afonso da Curso de direito constitucional positivo 32ed Satildeo Paulo Editora Malheiros 2009

TAVARES Andreacute Ramos Curso de Direito Constitucional 8ordf ed Satildeo Paulo Saraiva 2010

Ana Conceiccedilatildeo Barbuda Sanches Guimaratildees Ferreira bull Ana Baacuterbara Barbuda Ferreira Motta

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A fixaccedilatildeo da competecircncia nas accedilotildees de responsabilidade civil meacutedica em planos de

sauacutede de autogestatildeo

1 Advogada Bacharel em Direito pela Universidade do Estado da Bahia ndash UNEB Poacutes--graduanda em Direito Constitucional Aplicado pela Faculdade Legale

2 Advogada Bacharel em Direito pela Universidade Salvador ndash UNIFACS

3 Advogado Bacharel em Direito pela Universidade do Estado da Bahia ndash UNEB

Amanda Leite Souza Alves1

Ana Paula Cruz de Santana2

Rodolfo Oliveira Dourado3

Resumo Diante de um contexto de judicializaccedilatildeo em massa da rela-ccedilatildeo meacutedico-paciente hospitais e operadoras de sauacutede eacute imprescin-diacutevel refletir acerca dos desdobramentos juriacutedicos apoacutes a ediccedilatildeo da suacutemula 608 do STJ em 2018 O objetivo eacute problematizar o criteacuterio de fixaccedilatildeo de competecircncia aos casos dos meacutedicos credenciados a estes planos pois o entendimento firmado antes da suacutemula era no sentido de considerar o Juiacutezo Consumerista como competente ante a con-diccedilatildeo de consumidor do paciente em face do meacutedico e do hospital Adotou-se o meacutetodo de pesquisa qualitativa e exploratoacuteria com le-vantamento e revisatildeo bibliograacutefica da doutrina e anaacutelise criacutetica da ju-risprudecircncia para induzir a reflexatildeo do tema em comento E embora a suacutemula tenha de fato alterado a competecircncia processual ainda eacute possiacutevel utilizar-se de certos institutos juriacutedicos para garantir a defesa do paciente hipossuficiente e vulneraacutevel

Palavras-chave Suacutemula 608 STJ responsabilidade meacutedica paciente hospitais judicializaccedilatildeo

1 CONSIDERACcedilOtildeES INICIAIS

Eacute de notoacuterio conhecimento que no cenaacuterio brasileiro de judicializa-ccedilatildeo da medicina e da sauacutede eacute comum o ajuizamento de processos pelos

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pacientes ou seus familiares com o intuito de sanar eventuais situaccedilotildees danosas Nestas demandas por diversas vezes figuram no polo passivo em forma de litisconsorte a operadora dos planos de sauacutede os hospitais e os meacutedicos

No entanto a responsabilidade civil em face destes sujeitos se com-porta de forma diversificada Por anos a aplicaccedilatildeo da legislaccedilatildeo consume-rista em face dos trecircs sujeitos foi pauta de debates doutrinaacuterios e jurispru-denciais E por consequecircncia a temaacutetica acerca do Juiacutezo competente para processar e julgar as accedilotildees tambeacutem foi problematizada

Da anaacutelise do ordenamento juriacutedico especialmente apoacutes a dicccedilatildeo da Suacutemula 608 do Superior Tribunal de Justiccedila em 2018 houve a alteraccedilatildeo do entendimento firmado ao considerar a inaplicabilidade do Coacutedigo de Defesa do Consumidor aos contratos de plano de sauacutede administrados por entidades de autogestatildeo Eacute nesta perspectiva que haacute o questiona-mento acerca de qual seria o Juiacutezo competente para processar e julgar a temaacutetica da responsabilidade meacutedica dos profissionais credenciados ou que prestam serviccedilos em hospitais credenciados aos planos de sauacutede de autogestatildeo

Neste sentido o objetivo da pesquisa eacute propor uma reflexatildeo acerca da competecircncia a ser fixada para processar e julgar os feitos apoacutes a ediccedilatildeo da suacutemula pela Corte Superior haja vista entendimento anterior aplicado agrave relaccedilatildeo meacutedico-paciente ser no vieacutes consumerista Isto porque tal dilema tambeacutem influencia em outras questotildees processuais a exemplo da inver-satildeo do ocircnus da prova admitida pelo Coacutedigo de Defesa do Consumidor em contraposto agrave dinacircmica estaacutetica do CPC

Por fim a metodologia adotada para produccedilatildeo do presente artigo eacute de cunho qualitativo e exploratoacuterio ante a anaacutelise subjetiva do tema abor-dado com averiguaccedilatildeo do problema por meio de levantamento bibliograacute-fico Os materiais e os dados utilizados para pesquisa foram deduzidos a partir da leitura de artigos livros e perioacutedicos anteriormente publicados bem como pela anaacutelise criacutetica da jurisprudecircncia paacutetria

2 OS CRITEacuteRIOS DE FIXACcedilAtildeO DE COMPETEcircNCIA NO ORDE-NAMENTO JURIacuteDICO BRASILEIRO

A competecircncia eacute um instituto processual definida como sendo a ca-pacidade do juiacutezo em aplicar o poder fornecido pela jurisdiccedilatildeo ( MARINONI

Amanda Leite Souza Alves bull Ana Paula Cruz de Santana bull Rodolfo Oliveira Dourado

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et al 2020) considerando que todos os juiacutezes satildeo dotados de funccedilatildeo ju-risdicional em nome do Estado (GRECO 2015) Ou seja cada um a exerce em determinadas situaccedilotildees que satildeo previamente estabelecidas na ordem juriacutedica

Especificamente no acircmbito processual ciacutevel a determinaccedilatildeo de qual juiacutezo eacute competente estaacute disciplinada nos arts 42 a 66 do Coacutedigo de Pro-cesso Civil Em se tratando dos Juizados Especiais Ciacuteveis que eacute regido pela Lei nordm 9099 de 1995 estaacute ordenada nos art 3ordm e 4ordm e em acircmbito estadual verifica-se em artigos espaccedilados da Lei 7033 de 1997

Eacute possiacutevel em alguns casos que o juiacutezo ao se deparar com litiacutegios em que natildeo haja previsatildeo na supracitada norma tendo que recorrer em outras regras para a melhor soluccedilatildeo do feito Nesse momento aponta-se como alternativa a aplicaccedilatildeo do CPC desde que sejam respeitados os princiacutepios que regem os Juizados Especiais referidos em seu art 2ordm que satildeo oralidade simplicidade informalidade economia processual e celeri-dade (XAVIER 2016 v 20 p 16)

Ademais a competecircncia em sua aplicaccedilatildeo eacute dividida em dois regi-mes podendo ser de caracteriacutestica absoluta ou relativa A absoluta seraacute re-gida por regras cogentes devido ao interesse puacuteblico sendo de tal modo relevante para o interesse da administraccedilatildeo da Justiccedila (MARINONI et al 2020) podendo ser alegada em qualquer tempo e em qualquer jurisdiccedilatildeo Jaacute a relativa eacute disciplinada por regras disponiacuteveis agraves partes pois eacute fixada com base no interesse exclusivo dos litigantes e natildeo pode ser declarada de ofiacutecio devendo ser arguida em momento oportuno pela parte reacute e outros interessados na causa sob pena de gerar a automaacutetica preclusatildeo (CAMBI et al 2019)

Entre os regimes de competecircncia existem os criteacuterios de fixaccedilatildeo sen-do categorizados em trecircs territorial funcional e objetivo esse que se divi-de em razatildeo da mateacuteria da pessoa ou valor da causa Em regra consoante o CPC dentro do regime de competecircncia absoluta estatildeo o criteacuterio objeti-vo e funcional ao passo que o territoacuterio se encontra em regime relativo (GRECO 2015 p140)

Apoacutes apresentada a competecircncia no ordenamento juriacutedico a fim de ser relacionado com o caso em temaacutetica que eacute a responsabilidade civil do meacutedico credenciado em plano de autogestatildeo em litisconsoacutercio passivo necessaacuterio questiona-se qual juiacutezo eacute competente para julgar o feito

A fixaccedilatildeo da competecircncia nas accedilotildees de responsabilidade civil meacutedica em planos de sauacutede de autogestatildeo

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3 A RESPONSABILIDADE CIVIL MEacuteDICA Agrave LUZ DO COacuteDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR (CDC)Diante do exposto anteriormente eacute sugestivo suscitar o interesse

pelo estudo da responsabilidade civil do meacutedico Por seacuteculos a funccedilatildeo do profissional da Medicina esteve vinculada a um caraacuteter religioso e maacutegico e resumia a relaccedilatildeo entre uma confianccedila ndash a do cliente ndash e uma consciecircn-cia ndash a do meacutedico No entanto com a mudanccedila de paradigma a relaccedilatildeo foi distanciada em virtude da massificaccedilatildeo das relaccedilotildees sociais Segundo Aguiar Juacutenior (2000 p 134) a denominaccedilatildeo dos sujeitos da relaccedilatildeo fora al-terada para ldquousuaacuteriordquo e ldquoprestador de serviccedilosrdquo sob a oacutetica de uma socieda-de de consumo na qual a consciecircncia de direito reais e fictiacutecios ascendeu a exigecircncia pelos resultados

Por sua vez a instituiccedilatildeo da Lei nordm 80781990 estabeleceu Coacutedigo de Defesa do Consumidor (CDC) e ocasionou diversas inovaccedilotildees do or-denamento juriacutedico brasileiro A legislaccedilatildeo apresentou noccedilotildees acerca do conceito de consumidor no art 2ordm bem como quais sujeitos seriam equi-parados a esta condiccedilatildeo Segundo Cavalieri Filho (2008 p 81) o Coacutedigo representou a lei mais revolucionaacuteria do seacuteculo XX tanto pelo avanccedilar da teacutecnica legislativa adotada ndash baseada em princiacutepios e claacuteusulas gerais ndash quanto pela sua influecircncia em todo o sistema juriacutedico brasileiro ndash doutrina e jurisprudecircncia embora seja um minissistema4

Dentre as problemaacuteticas estaacute por exemplo a utilizaccedilatildeo do termo ldquodestinataacuterio finalrdquo para designar qual sujeito seria considerado consumi-dor Filomeno (2018) entende que o consumidor seria qualquer pessoa fiacutesica tendo o Coacutedigo acrescentado tambeacutem a pessoa juriacutedica que con-trata para consumo final em benefiacutecio proacuteprio ou de outrem a aquisiccedilatildeo ou locaccedilatildeo de bens ou mesmo a prestaccedilatildeo de serviccedilos E neste sentido seria possiacutevel indicar um pacientecliente do profissional meacutedico como um consumidor

Por outro lado em relaccedilatildeo ao ldquofornecedorrdquo Filomeno (2018) entende que o meacutedico que trata de um clientepaciente deve ser equiparado ao fornecedor de serviccedilos pois comercializa seus serviccedilos de forma habi-

4 Nesta perspectiva a legislaccedilatildeo consumerista teria atribuiacutedo uma repersonalizaccedilatildeo do consumidor e seria dever do Estado garantir os direitos baacutesicos deste sujeito de direito considerando a disposiccedilatildeo do art 6ordm do CDC (CAVALIERI FILHO 2004 p 83) E o fato do Coacutedigo natildeo ter conceituado de forma taxativa a pessoa do consumidor tendo apenas apresentado uma noccedilatildeo geneacuterica abriu margem aos problemas de interpretaccedilatildeo os quais se encontram em diversos debates doutrinaacuterios e jurisprudenciais

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tual e profissional e em consequecircncia disto os eventuais danos devem ser cobertos Eacute deste modo que o paciente deve ser considerado como consumidor pois almeja interesses proacuteprios como destinataacuterio final5 Ao buscar a prestaccedilatildeo de serviccedilo o paciente pretende efetivar um tratamento seja por meio da atividade de meio ou da atividade de fim por parte do profissional da medicina

Da anaacutelise das divergecircncias opinativas acerca dos fornecedores agraveque-les que satildeo profissionais liberais deve-se observar em verdade o tipo de responsabilidade a ser aplicada posto que o uacuteltimo em regra responde pela ilicitude dos seus atos com a afericcedilatildeo de culpa com as modalidades de negligecircncia imprudecircncia ou imperiacutecia (art 14 sect 4ordm do CDC) Ao contraacute-rio do fornecedor que responde de forma objetiva independentemente da culpa pelos danos causados aos consumidores caso promova uma prestaccedilatildeo defeituosa de seu serviccedilo A principal oposiccedilatildeo se daacute pela na-tureza intuitu personae dos serviccedilos prestados pelos profissionais liberais (BORGES et al 2017 p 22)

Segundo Filomeno (2018) e Miragem (2016) as relaccedilotildees consume-ristas devem ser pautadas no princiacutepio da boa-feacute objetiva ndash perpetrada tambeacutem no art 422 do Coacutedigo Civil de 2002 e sua funccedilatildeo ativa na qual satildeo deveres anexos a lealdade a cooperaccedilatildeo a informaccedilatildeo e a seguran-ccedila O dever de seguranccedila tem mais ecircnfase pois os meacutedicos prestadores de serviccedilos tecircm situaccedilatildeo privilegiada dos saberes teacutecnicos e profissio-nais e devem informar e aconselhar o consumidor E mais o dever de informar dos meacutedicos em relaccedilatildeo aos seus pacientes eacute primordial posto que o profissional se encontra em uma autecircntica situaccedilatildeo de poder na qual o pacientedoenteafetado com o risco da doenccedila assim como seus familiares estaacute em situaccedilatildeo de vulnerabilidade agravada (MIRAGEM 2016 p 296)

5 Eacute interessante ressaltar o recente entendimento da Corte Superior no julgamento do RESP 1771169 A Terceira Turma cuja Ministra Relatora eacute Nancy Andrighi fixou tese no sentido de afastar a incidecircncia do CDC nos casos de problemas relacionados a atendimento meacutedico custeado pelo Sistema Uacutenico de Sauacutede (SUS) em hospitais privados Isto porque a participaccedilatildeo complementar da iniciativa privada na execuccedilatildeo de accedilotildees e os serviccedilos de sauacutede formalizados por contrato ou convecircnio com a admi-nistraccedilatildeo puacuteblica satildeo remunerados com base na tabela de procedimentos do SUS editada pelo Ministeacuterio da Sauacutede Assim configuram os serviccedilos prestados de forma uti universi e os prestadoresfornecedores desempenham funccedilatildeo puacuteblica

A fixaccedilatildeo da competecircncia nas accedilotildees de responsabilidade civil meacutedica em planos de sauacutede de autogestatildeo

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Deste modo eacute importante salientar que a responsabilidade civil dos meacutedicos era interpretada agrave luz da legislaccedilatildeo consumerista e tanto a opera-dora de sauacutede quanto o hospital na condiccedilatildeo de fornecedores do serviccedilo podem responder perante o consumidor E em especial agrave operadora de sauacutede sua responsabilidade seria intriacutenseca ao fornecimento de serviccedilo por meio de hospital proacuteprio e meacutedicos contratados ou por meio de meacutedi-cos e hospitais credenciados nos termos do arts 2ordm 3ordm 14ordm e 34ordm do CDC bem como pelo disposto no Coacutedigo Civil de 2002 A responsabilidade da operadora e do hospital por sua vez seria objetiva e solidaacuteria em relaccedilatildeo ao consumidor mas internamente responderiam o hospital o meacutedico e a operadora do plano de sauacutede nos limites de sua culpa (BRASIL 2012)

Nesta perspectiva haacute um ponto a ser suscitado sobre a distribuiccedilatildeo do ocircnus da prova em face das accedilotildees de responsabilidade civil meacutedica Segundo o modelo adotado pelo CPC com o acolhimento da teoria de Giuseppe Chiovenda eacute o autor da accedilatildeo que deveria provar os fatos que constituem o direito por ele afirmado Logo na relaccedilatildeo meacutedico-pacien-te seria de incumbecircncia do paciente lesado o dever de provar todos os pressupostos faacuteticos aptos a configurar o dever de indenizar ndash o fato a ilicitude a culpabilidade e o nexo de causalidade Tal encargo poderia ser penoso e por vezes conduziria agrave improcedecircncia do pedido

Com a disciplina do Coacutedigo de Defesa do Consumidor a regra geral da distribuiccedilatildeo do ocircnus da prova eacute excepcionada e invertida conforme disposiccedilatildeo do art 6ordm inciso VIII Nestes casos natildeo recai sobre a parte tra-dicionalmente lesada a responsabilidade de demonstrar a verdade mas sim a contraparte teraacute a incumbecircncia de provar o fato contraacuterio E consi-derando que haacute sedimentado tanto na jurisprudecircncia quanto na doutrina a aplicabilidade do Coacutedigo de Defesa do Consumidor na relaccedilatildeo juriacutedica mantida entre meacutedico e paciente e hospitais a inversatildeo do ocircnus da prova deveria ser aplicada uma vez que eacute imprescindiacutevel a interpretaccedilatildeo sis-temaacutetica da legislaccedilatildeo em especial o Coacutedigo Civil de 2002 o Coacutedigo de Defesa do Consumidor e a Constituiccedilatildeo Federal (BRASIL 2017 2019 2020)

Inclusive eacute de se esclarecer que quando se promove a inversatildeo do ocircnus natildeo haacute impedimento ou incompatibilidade com a responsabilidade subjetiva Portanto ainda que fornecedor responda de forma subjetiva deveraacute provar a ausecircncia de culpa na sua atuaccedilatildeo profissional Assim ao consumidor caberia provar a existecircncia do serviccedilo ou seja a relaccedilatildeo entre este e o profissional e a existecircncia do defeito de execuccedilatildeo jaacute ao meacutedico caberia provar a ausecircncia de culpa na conduta aleacutem das demais hipoacuteteses

Amanda Leite Souza Alves bull Ana Paula Cruz de Santana bull Rodolfo Oliveira Dourado

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comuns de responsabilidade dos demais fornecedores de serviccedilos (MIRA-GEM 2016 p 631)

Por fim eacute interessante observar a solidariedade dos fornecedores de serviccedilos em face da responsabilidade meacutedica Eacute sabido que a responsa-bilidade objetiva fixada no art 14 caput do Coacutedigo de Defesa do Consu-midor abrange natildeo apenas o fornecedor direto como o organizador da cadeia de fornecimento ainda que natildeo se configurem como prestadores diretos do serviccedilo defeituoso Eacute o caso por exemplo do meacutedico hospital e administradora de plano de sauacutede responsabilizados solidariamente pelo erro meacutedico dos profissionais por ela indicados ressalvada a accedilatildeo de regresso No entanto tambeacutem eacute de se observar as particularidades da res-ponsabilidade subjetiva do meacutedico e da objetiva dos demais fornecedo-res a exemplo do hospital e plano de sauacutede haacute portanto de se atentar ao entendimento do STJ no tocante a individualizaccedilatildeo da responsabilidade (MIRAGEM 2016 p 622 ndash 630)

Diante do exposto eacute de se ressaltar que ao considerar a aplicaccedilatildeo da legislaccedilatildeo consumerista ante a natureza juriacutedica da relaccedilatildeo entre meacutedico--paciente bem como a necessidade de inversatildeo do ocircnus ante a hipossufi-ciecircncia e vulnerabilidade do paciente a competecircncia para processar e jul-gar o feito em face dos profissionais meacutedicos ainda que em litisconsoacutercio poderia ser no Juiacutezo Consumerista

Assim eacute perceptiacutevel a necessidade de problematizar a aplicaccedilatildeo do entendimento firmado e sumulado pela Corte Superior no tocante a fixa-ccedilatildeo de competecircncia no Juiacutezo Ciacutevel em face dos planos de sauacutede de auto-gestatildeo bem como a inaplicabilidade do Coacutedigo de Defesa do Consumidor nos casos em que haacute litisconsorte passivo com os profissionais meacutedicos

4 A EDICcedilAtildeO DA SUacuteMULA 608 DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTICcedilA

A Suacutemula 608 do Superior Tribunal de Justiccedila que tem como texto a aplicaccedilatildeo do Coacutedigo de Defesa do Consumidor aos contratos de plano de sauacutede desde que natildeo administrados por entidades de autogestatildeo surgiu do julgado do REsp 1285483-PB de relatoria do Min Luis Felipe Salomatildeo Cancelou-se entatildeo a Suacutemula nordm 469 a qual determinava a aplicaccedilatildeo do Coacutedigo de Defesa do Consumidor aos contratos de plano de sauacutede sem distinccedilatildeo

A fixaccedilatildeo da competecircncia nas accedilotildees de responsabilidade civil meacutedica em planos de sauacutede de autogestatildeo

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Enquanto perdurou o entendimento da Suacutemula nordm 469 do STJ era firmado pela Corte que independentemente da natureza juriacutedica adotada pelo plano de sauacutede uma vez que a qualificaccedilatildeo da pessoa juriacutedica aten-dia somente aos criteacuterios objetivos a relaccedilatildeo entre beneficiaacuterio e o plano era caracterizado como relaccedilatildeo de consumo consoante o voto proferido pela Ministra Nancy Andrighi no Resp nordm 519310SP (BRASIL 2004)

Em oposiccedilatildeo formou-se posteriormente a criaccedilatildeo da Suacutemula 608 segundo a qual deveria se levar em conta o fato do plano de sauacutede ser coordenado em modelo de autogestatildeo e ser constituiacutedo por mutualismo dos contribuintes que satildeo em regra oacutergatildeos internos das empresas en-tidades sindicais ou entidades privadas sem fins lucrativos De tal modo natildeo seria possiacutevel definir tais relaccedilotildees entre beneficiaacuterios e o plano de sauacutede como de consumo haja vista a essencialidade de ser aberto e ser possiacutevel a todos os consumidores e com finalidade lucrativa para a carac-terizaccedilatildeo

Eacute mister expor o que eacute e quais satildeo os efeitos de uma suacutemula para poder entender sua aplicaccedilatildeo ao caso proposto Em poucas palavras Ro-naldo Cramer (2018 p 315) entende que a suacutemula significa ldquoo coletivo dos enunciados representativos da jurisprudecircncia de um tribunalrdquo eacute a identi-ficaccedilatildeo de como o Tribunal julgou determinada mateacuteria e recomenda que assim se julgue No entanto as suacutemulas podem ter efeitos vinculativos ou persuasivos e no caso dos vinculativos disciplinados pelo art 103-A da Constituiccedilatildeo Federal de 1988 somente o Supremo Tribunal Federal pode-ria emitir Jaacute as persuasivas satildeo para os julgados de tribunais inferiores e da proacutepria Corte acompanharem o enunciado da jurisprudecircncia emitida (MORAIS 2016)

Em se tratando da aplicaccedilatildeo processual das suacutemulas o CPC no art 926 dispotildee que os Tribunais deveratildeo uniformizar sua jurisprudecircncia por meio da produccedilatildeo de enunciados de suacutemula passando-se a ser o enten-dimento dominante do Tribunal acerca de determinado problema juriacutedico (THEODORO JUNIOR 2018 p 1035) O Coacutedigo tambeacutem dispotildee no art 927 que os Tribunais deveratildeo observar as Suacutemulas Vinculantes (inciso II) e as Suacutemulas em mateacuteria infraconstitucional do STJ e Suacutemulas em mateacuteria Constitucional do STF (inciso IV) Ronaldo Cramer (2018) denominou tal artigo de ldquoprecedentes vinculantesrdquo e Humberto Theodoro Juacutenior (2018 p 1037) conceituou de Jurisprudecircncia de plano vertical ndash vincula todos os juiacutezes ou tribunais inferiores agraves decisotildees do STF quando em controle concentrado de constitucionalidade e suacutemulas vinculantes e aos julga-

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mentos do STF e STJ em Recurso Extraordinaacuterio e Especial Repetitivos aos enunciados de suacutemulas do STF e STJ

Nesta senda relacionando ao caso de responsabilidade civil por erro meacutedico em litisconsoacutercio passivo necessaacuterio com plano de sauacutede de au-togestatildeo eacute perceptiacutevel a necessidade de aplicaccedilatildeo da Suacutemula 608 do STJ uma vez que consoante o inciso IV do art 927 do CPC impera pela apli-caccedilatildeo do ratio decidendi do enunciado da suacutemula produzida por Tribunal Superior

5 O ENTENDIMENTO JURISPRUDENCIAL ACERCA DA COM-PETEcircNCIA

Diante do arcabouccedilo demonstrado alhures seja para o reconheci-mento da responsabilidade meacutedica pelo vieacutes consumerista ante a relaccedilatildeo material entre as partes ou pelo reconhecimento da competecircncia Civil pelo vieacutes firmado pela Corte Superior ante a dicccedilatildeo processual do CPC fa-z-se necessaacuterio apresentar a aplicaccedilatildeo dos Tribunais em torno da questatildeo

Nesta perspectiva a jurisprudecircncia a qual eacute o entendimento resul-tante de decisotildees reiteradas dos tribunais sobre um determinado assunto jaacute se posicionou em diversas ocasiotildees acerca da divergecircncia no que tange a fixaccedilatildeo de competecircncia neste caso apresentado Em alguns momentos com juiacutezos consideravelmente divergentes Isto porque conforme seraacute demonstrado adiante natildeo haacute consenso acerca de qual posicionamento deveraacute ser adotado Em alguns casos o Tribunal correspondente aplica o entendimento da Suacutemula 608 caminhando para o lado processual Jaacute em outras situaccedilotildees aplica-se o entendimento da existecircncia de relaccedilatildeo de consumo viabilizando o lado material

O Tribunal de Justiccedila do Rio de Janeiro por exemplo possuiacutea o cos-tume de adotar uma linha direcionada agrave relaccedilatildeo existente entre as partes Em um conflito de competecircncia julgado6 em 2017 entendeu-se que a

6 Competecircncia recursal Conflito negativo Atendimento de emergecircncia em hospital credenciado pelo plano de sauacutede Erro meacutedico Relaccedilatildeo de consumo Aplicaccedilatildeo do Coacutedigo de Defesa do Consumidor Precedentes do STJ e deste Oacutergatildeo Especial Aplicaccedilatildeo por analogia do Enunciado nordm 29 do Aviso 152015 Modalidade de au-togestatildeo do plano de sauacutede que in casu natildeo afasta a competecircncia das Cacircmaras Ciacuteveis Especializadas em razatildeo da relaccedilatildeo de consumo existente entre a autora e o hospital-reacuteu Competecircncia do Oacutergatildeo Julgador especializado (26ordf CC) Incidecircncia do art 6ordm-A sect 3ordm do RITJRJ Conflito julgado procedente pelo relator

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modalidade de autogestatildeo do plano de sauacutede no caso em concreto natildeo afastaria a competecircncia das Cacircmaras Especializadas em razatildeo da relaccedilatildeo de consumo existente entre a autora e o hospital-reacuteu Neste acoacuterdatildeo os julgadores ainda mencionam entendimento doutrinaacuterio neste mesmo sentido como eacute o caso de Felipe Peixoto Braga Netto (2015 p 236) que afirma

A relaccedilatildeo meacutedico-paciente eacute inegavelmente relaccedilatildeo de consumo Seja o serviccedilo prestado pelo meacutedico individual seja o serviccedilo presta-do por empresa meacutedica ou entidade hospitalar Temos em ambos os casos relaccedilatildeo de consumo cuja diferenccedila seraacute apenas da modalidade da responsabilidade subjetiva no primeiro caso objetiva no segundo

Neste caso ainda tal posicionamento possui respaldo tambeacutem no Aviso 152015 do TJ-RJ que em seu enunciado nordm 29 reafirma a compe-tecircncia das Varas Especializadas Eacute importante mencionar que tal enuncia-do foi originado a partir do julgamento de outro conflito de competecircncia no qual fora decidido por unanimidade que o mesmo deveria ser julgado improcedente visto que fora suscitado pela Vara Especial em razatildeo da relaccedilatildeo de consumo existente mesmo na presenccedila do plano de sauacutede por autogestatildeo

Entretanto com a chegada da Suacutemula 608 do Superior Tribunal de Justiccedila os tribunais do paiacutes passaram a considerar e aplicar de forma majoritaacuteria tal entendimento No Agravo Interno do Agravo em Recurso Especial nordm 1679521 de relatoria do Ministro Moura Ribeiro entendeu-se que

[] eacute de competir agrave Justiccedila Comum estadual julgar a accedilatildeo de obriga-ccedilatildeo de fazer relativa aos contratos de cobertura meacutedico-hospitalar por se tratar o feito de natureza eminentemente civil [] Aos planos de sauacutede regidos sob a modalidade de autogestatildeo satildeo inaplicaacuteveis as normas contidas no Coacutedigo de Defesa do Consumidor tendo em vista que natildeo se pode dar o mesmo tratamento destinado agraves empre-sas privadas que exploram essa atividade com finalidade lucrativa agraves entidades sob a modalidade de autogestatildeo ao fundamento de que estas natildeo visam ao lucro sendo totalmente dissociadas das demais operadoras de sauacutede que natildeo adotam tal modalidade em sua cons-tituiccedilatildeo

De igual modo o Tribunal de Justiccedila do Distrito Federal entendeu nos Embargos de Declaraccedilatildeo do processo de nordm 0709352-5520178070007 pela aplicabilidade do Coacutedigo de Defesa do Consumidor em processos

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envolvendo entidade de autogestatildeo em razatildeo da superveniecircncia do en-tendimento sumulado do STJ Ou seja o relator Desembargador Joatildeo Egmont afirmou que agrave eacutepoca do julgamento do acoacuterdatildeo objeto deste embargo de declaraccedilatildeo no ano de 2018 ainda natildeo existia a mencionada suacutemula e que por este motivo entendeu-se por aplicar os institutos do Coacutedigo de Defesa do Consumidor no julgamento

Pondera-se deste modo que com a chegada deste atual entendi-mento a tendecircncia seria de que os Tribunais do Brasil passem tambeacutem a adotar tal posicionamento Aqueles que jaacute tiveram a oportunidade de se manifestar optaram por seguir a linha adotada pela instacircncia Supe-rior

Nesta senda vislumbra-se que o conflito gerado por esta duacutevida acerca da atribuiccedilatildeo de competecircncias nos casos de responsabilidade civil meacutedica em contratos de planos de sauacutede de autogestatildeo seguiu seu curso normal ao ser dirimido pelo ramo do Estado responsaacutevel pela soluccedilatildeo de discordacircncias da sociedade Considerando que o Superior Tribunal de Justiccedila dentre as suas diversas atribuiccedilotildees eacute considerado responsaacutevel por uniformizar a interpretaccedilatildeo da lei por todo o paiacutes haacute de se esperar que as demais instacircncias sigam o posicionamento adotado por ele ainda mais se tratando de um entendimento sumulado

Recentemente surgiu uma posiccedilatildeo jaacute deveras adotada no que se refere agrave inversatildeo do ocircnus da prova ao considerar a hipossuficiecircncia do paciente Os julgadores passaram a aplicar o quanto disposto no artigo 373 sect 1ordm do CPC o qual confere ao juiz a possibilidade distribuir atraveacutes de decisatildeo fundamentada o ocircnus probante O Tribunal de Justiccedila do Rio de Janeiro no Agravo de Instrumento de nordm 0042435-2320198190000 de relatoria do desembargador Ricardo Alberto Pereira que antes possuiacutea en-tendimento da competecircncia do Juiacutezo consumerista nesses casos passou a entender que apoacutes enunciado nordm 608 da Suacutemula do STJ a competecircncia seria do Juiacutezo Ciacutevel e neste sentido o juiz da causa teria a incumbecircncia de proceder com a distribuiccedilatildeo do ocircnus probatoacuterio e a anaacutelise das provas necessaacuterias ao deslinde do feito

Na mesma linha de pensamento decidiu o TJ-DF no acoacuterdatildeo nordm 0711268-4320208070000 de relatoria da desembargadora Simone Lu-cindo que poderaacute o julgador nos casos previstos em lei ou diante das pe-culiaridades da causa atribuir o ocircnus da prova agrave parte que tenha melhores condiccedilotildees de produzi-lo

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6 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS

Eacute inteligiacutevel entatildeo a partir do quanto esposado a problematizaccedilatildeo a partir do entendimento a ser adotado pelos operadores do direito ao se depararem com a competecircncia em se tratar de responsabilidade meacutedica em casos de plano de sauacutede com autogestatildeo

Anterior ao ano de 2018 o entendimento majoritaacuterio era no sentido de aplicar a legislaccedilatildeo consumerista em razatildeo da natureza juriacutedica da re-laccedilatildeo meacutedico-paciente bem como da indispensabilidade da inversatildeo do ocircnus da prova em virtude da situaccedilatildeo de hipossuficiecircncia que permeia a parte paciente Entretanto com a chegada da suacutemula 608 do STJ os entendimentos jurisprudenciais passaram a caminhar para o sentido da inaplicabilidade do Coacutedigo de Defesa do Consumidor e viabilidade do Juiacutezo Ciacutevel em razatildeo da incidecircncia dos contratos de plano de sauacutede de autogestatildeo

Em razatildeo desta dubiedade eacute deveras comum que haja uma certa confusatildeo entre os causiacutedicos acostumados a lidarem com causas desta natureza acerca do direcionamento de suas accedilotildees Surge ainda o receio no que tange agrave proteccedilatildeo daquela parte dependente que contrata o plano de sauacutede em ser notadamente vulneraacutevel em estar em desvantagem na demanda em razatildeo da inviabilidade da utilizaccedilatildeo da inversatildeo do ocircnus da prova no juiacutezo ciacutevel

Os julgadores entatildeo passaram a assegurar a aplicabilidade do Coacute-digo de Processo Civil Ele em seu artigo 3737 versa acerca do ocircnus da prova e disciplina no sect 1ordm sobre situaccedilotildees previstas em lei ou diante de peculiaridades da causa relacionadas agrave impossibilidade ou agrave excessiva di-ficuldade de provar o quanto alegado Assim confere ao julgador atribuir o ocircnus da prova de modo diverso desde que por decisatildeo devidamente fundamentada

Destarte diante desta via adotada observa-se que a proteccedilatildeo con-ferida pelo Coacutedigo de Defesa do Consumidor aos vulneraacuteveis que natildeo

7 Art 373 sect 1ordm do Coacutedigo de Processo Civil ndash Nos casos previstos em lei ou diante de peculiaridades da causa relacionadas agrave impossibilidade ou agrave excessiva dificuldade de cumprir o encargo nos termos do caput ou agrave maior facilidade de obtenccedilatildeo da prova do fato contraacuterio poderaacute o juiz atribuir o ocircnus da prova de modo diverso desde que o faccedila por decisatildeo fundamentada caso em que deveraacute dar agrave parte a oportunidade de se desincumbir do ocircnus que lhe foi atribuiacutedo

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poderia ser aplicada nas Varas Ciacuteveis em razatildeo da ediccedilatildeo da suacutemula do STJ pode ser tambeacutem aplicada atraveacutes do CPC O resultado portanto acabaria por ser semelhante uma vez que o juiz confere agrave parte hipossuficiente a defesa do seu direito e a facilitaccedilatildeo de defesa em razatildeo de sua condiccedilatildeo quanto agrave questatildeo da possiacutevel responsabilidade meacutedica a ser discutida

Como fora possiacutevel de se observar no toacutepico anterior os tribunais de justiccedila dos Estados jaacute comeccedilaram a adotar este entendimento como por exemplo o TJ-RJ e o TJ-DF em julgados recentes do ano de 2019 e 2020 Ou seja a conjugaccedilatildeo do princiacutepio do livre convencimento do juiz junto com o diploma processual permite ao oacutergatildeo competente a anaacutelise das provas necessaacuterias ao deslinde do feito sem que haja qualquer prejuiacutezo agraves partes principalmente aquela que seria prejudicada em razatildeo de sua demanda natildeo versar sobre a proteccedilatildeo conferida pelo juiacutezo de consumo

Por fim eacute de conhecimento dos profissionais do mundo juriacutedico que o CPC de 2015 inovou ao estabelecer que o sistema de precedentes deve ser observado pelo juiz no momento de tomada de sua decisatildeo (FERNAN-DES 2016) O artigo 489 deste diploma processual inclusive menciona que aquela decisatildeo que contraria suacutemula jurisprudecircncia ou precedente invocado pela parte sem demonstrar a existecircncia de distinccedilatildeo no caso em julgamento natildeo eacute considerada fundamentada

Ou seja haacute um direcionamento presente no ordenamento juriacutedico em guiar o Judiciaacuterio a se vincular natildeo somente agrave lei mas tambeacutem aos precedentes judiciais Estes por sua vez conforme afirma o Min Luis Fux precisam ser estaacuteveis para que haja uma forccedila determinante Satildeo aqueles posicionamentos considerados paciacuteficos sumulados ou que foram de-cididos em um caso com repercussatildeo geral ou oriundo do incidente de resoluccedilatildeo de demandas repetitivas ou de recursos repetitivos Isto eacute natildeo satildeo entendimentos aplicados por membros isolados atraveacutes de decisotildees monocraacuteticas (RODAS 2015) Poreacutem importante mencionar que haacute diver-gecircncia na doutrina e jurisprudecircncia acerca da constitucionalidade deste artigo bem como da aparente obrigatoriedade do juiz em se vincular aos precedentes superiores Alguns estudiosos por exemplo entendem que o magistrado deveria observar levar em conta e analisar e natildeo necessaria-mente se ver compelido a seguir

De qualquer modo no que pertine agrave discussatildeo trazida neste presente trabalho vislumbrou-se que jaacute haacute uma tendecircncia dos tribunais em se-guir a linha processual e adotar o posicionamento da Suacutemula 608 do STJ Sendo assim as accedilotildees que possuam em debate questotildees relacionadas ao

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contrato de plano de sauacutede de autogestatildeo poderatildeo seguir nas varas ciacuteveis em decorrecircncia do entendimento jurisprudencial (DAVID 2015)

Importante mencionar ainda que a parte considerada hipossuficien-te contratante do plano de sauacutede natildeo seraacute prejudicada com relaccedilatildeo agrave inversatildeo do ocircnus da prova Isto porque conforme acima mencionado o causiacutedico poderaacute se valer do artigo 373 sect 1ordm do CPC e requerer ao juiz a atribuiccedilatildeo de modo diverso sob alegaccedilotildees diversas de dificuldade para cumprimento de tal encargo

Em linhas gerais essa distribuiccedilatildeo dinacircmica do ocircnus probatoacuterio con-fere agraves partes a possibilidade de obterem o resultado desejado sem que haja qualquer divergecircncia da decisatildeo proferida pelo Tribunal Superior Assim a tutela perseguida por um dos demandantes seraacute devidamente analisada pelo juiacutezo considerado competente caminhando mais distante da trilha de reformulaccedilotildees e reconsideraccedilotildees posteriores que possam vir a tumultuar o andamento processual

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______ Superior Tribunal de Justiccedila REsp 1285483PB Rel Min Luis Felipe Salomatildeo SEGUNDA TURMA julgado em 22062016 DJe 16082016

______ Superior Tribunal de Justiccedila REsp 1667776SP Rel Min Herman Benjamin SE-GUNDA TURMA julgado em 13062017 DJe 01082017 Citado como BRASIL 2017

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Nuances da uniformizaccedilatildeo de jurisprudecircncia e advento do IRDR no CPC2015 para suas aplicabilidades

nos Juizados Especiais

1 Especialista em Direito Previdenciaacuterio e Bacharel em Direito pela UNESA Especialista em Liacutengua Portuguesa pela REALIZA Poacutes-GraduaccedilatildeoBA Licenciado em Letras Vernaacute-culas pela UESB Advogado

Iuri Santos Ferreira da Silva1

Resumo Este estudo visa a traccedilar anaacutelises a respeito da importacircncia do advento dos Juizados Especiais para a apreciaccedilatildeo de demandas de menor complexidade e com propostas de tornarem ceacuteleres as resolu-ccedilotildees de conflitos bem como a facilitaccedilatildeo do acesso agrave justiccedila por uma grande parcela da populaccedilatildeo Ainda o trabalho presta-se a avaliar institutos que surgem no direito brasileiro em momento preacute e poacutes Constituiccedilatildeo de 1988 quais sejam a Uniformizaccedilatildeo de Jurisprudecircn-cia criada jaacute no CPC de 1973 sob o advento das suacutemulas existentes na deacutecada de 1960 na Corte Suprema e o IRDR ndash Incidente de Reso-luccedilatildeo de Demandas Repetitivas proveniente do CPC2015 Por fim aponta os contextos sobre os instrumentos de acesso agrave justiccedila e as divergecircncias existente quanto a competecircncias sob o alvitre de sobre-cargas de demandas cujos fatos trazem prejuiacutezos aos jurisdicionados haja vista a essencialidade dos Juizados Especiais

Palavras-chave Juizados Especiais Uniformizaccedilatildeo de jurisprudecircncia IRDR

1 BREVE ANAacuteLISE SOBRE AS URGEcircNCIAS DAS EVOLUCcedilOtildeES SOCIAIS E NECESSIDADES ECONOcircMICAS REFLETIDAS NO DIREITO CONTEMPORAcircNEO O ADVENTO DOS JUIZADOS

A existecircncia das intervenccedilotildees do homem com o ambiente que o cer-ca bem como as suas relaccedilotildees interpessoais satildeo o cerne da existecircncia do Direito ciecircncia tida como um ramo de estudo e ao mesmo tempo um instrumento de adequaccedilatildeo agraves demandas sociais sobre as quais a histoacuteria

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demonstra que satildeo totalmente mutaacuteveis e voluacuteveis Neste sentido cabiacutevel afirmar que se fez necessaacuterio o surgimento um instrumento de pacifica-ccedilatildeo em sociedade cuja aplicabilidade se prestava agrave resoluccedilatildeo de conflitos oriundos dos anseios e expectativas nestas relaccedilotildees

Com o passar do tempo a humanidade evoluiu e concomitantemen-te irrompeu natildeo sendo mais possiacutevel a partir de entatildeo um equiliacutebrio al-mejado somente pela existecircncia de bons costumes respeito e civilidade a ponto de que as demandas trazidas para o campo do Direito urgissem deste respostas mais efetivas sob pena de perecimento de bens disponiacute-veis e indisponiacuteveis tais como a vida a integridade a sauacutede a proprieda-de a acessibilidade entre outros

Nesta perspectiva foram necessaacuterios (e permanecem sendo) os ad-ventos e suas efetivas aplicaccedilotildees de institutos juriacutedicos que acompanhas-sem o ritmo destas demandas com o escopo de assegurar maior acesso agrave justiccedila evitar a (jaacute existente) sobrecarga do aparato judiciaacuterio em todo o mundo pela lentidatildeo do tracircmite de processos como tambeacutem de repelir as desconformidades nas decisotildees que versassem sobre temas comuns afins fazendo valer o princiacutepio da seguranccedila juriacutedica

Importante ressaltar que na contemporaneidade especificamente em momento de preluacutedio agrave promulgaccedilatildeo da Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica Federativa do Brasil de 1988 (a saber em 1982 e em 1984) e logo apoacutes a mesma sob esta eacutegide surgem as Casas Judicantes especializadas em atender a demandas de menor complexidade o que pressupotildee a sua de-finiccedilatildeo em menor tempo em cotejo com demandas de maior apuraccedilatildeo faacutetica e probatoacuteria Neste compasso cite-se a experiecircncia pioneira dos Conselhos de Conciliaccedilatildeo e Arbitragem engendrados no Rio Grande do Sul em 1982 em seguida a ediccedilatildeo da Lei nordm 724484 a qual deu azo ao Juizado de Pequenas Causas a menccedilatildeo ao Juizado de Pequenas Causas jaacute no proacuteprio art 24 X da CRFB88 com a determinaccedilatildeo de criaccedilatildeo de Juizados Especiais no art 98 I (redaccedilatildeo dada pela EC nordm 452004) deste arcabouccedilo a aprovaccedilatildeo da Lei Federal nordm 909995 que criou os Juizados Especiais Ciacuteveis e Criminais e que por consequecircncia revogou em seu art 97 a Lei nordm 724484 a partir de entatildeo passando a ser uma Justiccedila Especial

Ora o propoacutesito da criaccedilatildeo destas foi o de trazer a otimizaccedilatildeo das resoluccedilotildees de conflitos no que cerne agrave economicidade processual ins-trumentalidade de formas oralidade (com incentivo agrave conciliaccedilatildeo) cele-ridade e simplicidade ao passo que no Brasil jaacute na deacutecada de 1960 os

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tribunais faziam uso das suacutemulas (na data de 1963 tendo como mentor e propagador do instrumento o Min Victor Nunes Leal do Supremo Tri-bunal Federal) como uma ferramenta a diminuir os volumes de demanda sobretudo pela menor estrutura do sistema judiciaacuterio neste periacuteodo

2 INTRODUCcedilAtildeO AOS INSTITUTOS JURIacuteDICOS DA UNIFORMI-ZACcedilAtildeO DE JURISPRUDEcircNCIA E IRDR NO DIREITO BRASI-LEIRO

Ora no mundo juriacutedico eacute sabido que para todas as accedilotildees levadas agrave apreciaccedilatildeo judicial eacute necessaacuteria uma adequaccedilatildeo agrave formalidade de proce-dimento a qual estabelece as condiccedilotildees para que esta demanda possa de fato ser apreciada

Todavia estas (in) adequaccedilotildees ou (in) viabilidades nem sempre satildeo identificadas no iniacutecio do ato processual ao passo que nestas ocasiotildees o legislador trouxe o instituto da uniformizaccedilatildeo de jurisprudecircncia que se propotildee agrave dirimiccedilatildeo e eliminaccedilatildeo de controveacutersia acerca de determinada mateacuteria assim como a avocaccedilatildeo da seguranccedila juriacutedica que jaacute existia na Lei nordm 586973 em seus artigos 476 a 479

Importante frisar que apesar de o instituto natildeo possuir toacutepico es-peciacutefico no novel arcabouccedilo o mesmo reitera os paracircmetros acerca do instituto de maneira esparsa a exemplo da observaccedilatildeo dos precedentes do art 927 o qual assim versa

Os juiacutezes e os tribunais observaratildeo

I ndash as decisotildees do Supremo Tribunal Federal em controle concentrado de constitucionalidade

II ndash os enunciados de suacutemula vinculante

III ndash os acoacuterdatildeos em incidente de assunccedilatildeo de competecircncia ou de resoluccedilatildeo de demandas repetitivas e em julgamento de recursos ex-traordinaacuterio e especial repetitivos

IV ndash os enunciados das suacutemulas do Supremo Tribunal Federal em mateacuteria constitucional e do Superior Tribunal de Justiccedila em mateacuteria infraconstitucional

V ndash a orientaccedilatildeo do plenaacuterio ou do oacutergatildeo especial aos quais estiverem vinculados

sect 1ordm Os juiacutezes e os tribunais observaratildeo o disposto no art 10 e no art 489 sect 1ordm quando decidirem com fundamento neste artigo

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sect 2ordm A alteraccedilatildeo de tese juriacutedica adotada em enunciado de suacutemula ou em julgamento de casos repetitivos poderaacute ser precedida de audiecircn-cias puacuteblicas e da participaccedilatildeo de pessoas oacutergatildeos ou entidades que possam contribuir para a rediscussatildeo da tese

sect 3ordm Na hipoacutetese de alteraccedilatildeo de jurisprudecircncia dominante do Supre-mo Tribunal Federal e dos tribunais superiores ou daquela oriunda de julgamento de casos repetitivos pode haver modulaccedilatildeo dos efeitos da alteraccedilatildeo no interesse social e no da seguranccedila juriacutedica

sect 4ordm A modificaccedilatildeo de enunciado de suacutemula de jurisprudecircncia pa-cificada ou de tese adotada em julgamento de casos repetitivos observaraacute a necessidade de fundamentaccedilatildeo adequada e especiacutefica considerando os princiacutepios da seguranccedila juriacutedica da proteccedilatildeo da confianccedila e da isonomia

sect 5ordm Os tribunais daratildeo publicidade a seus precedentes organizando--os por questatildeo juriacutedica decidida e divulgando-os preferencialmente na rede mundial de computadores

De outra sorte emergem as inovaccedilotildees no CPC de 2015 a exemplo do denominado IRDR ndash Incidente de Resoluccedilatildeo de Demandas Repetitivas cuja justificativa para seu advento eacute a ocorrecircncia simultacircnea de efetiva repeticcedilatildeo de processos que contenham controveacutersia sobre a mesma ques-tatildeo unicamente de direito e o risco de ofensa agrave isonomia e agrave seguranccedila ju-riacutedica consoante aduz o art 976 Caput e incisos I e II da Lei nordm 1310515

Nesta toada nota-se que ambos os institutos possuem sua relevacircncia para que seja obstado o grande volume de accedilotildees apresentadas nas ins-tacircncias superiores das Casas Judiciaacuterias assim como natildeo se legitime lesatildeo a direito sobre temas que jaacute foram apreciados ou que estatildeo na iminecircncia de apreciaccedilatildeo

Destarte em que pese a regulamentaccedilatildeo do IRDR no CPC15 o CNJ jaacute vem emitindo enunciados com fins de uniformizaccedilatildeo de jurisprudecircncia sobre os quais aqui seratildeo levantadas pontuais ponderaccedilotildees

3 O INCIDENTE DE RESOLUCcedilAtildeO DE DEMANDAS REPETITIVAS E SUAS EFETIVIDADES TRAZIDAS NA LEI 1310515

Conforme anais do STJ o instituto do IRDR tem equivalecircncia com o recurso repetitivo apreciado pelo Superior Tribunal poreacutem no acircmbito dos Tribunais de Justiccedila e Tribunais Regionais Federais Sendo assim constata-da a existecircncia de diversas demandas nas quais se discute a mesma ques-tatildeo de direito os tribunais de segundo grauinstacircncia podem selecionar

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um processo para a fixaccedilatildeo de tese a qual seraacute aplicada a todos os casos congruentes

Ainda assim aduz o Superior Tribunal (consoante gestatildeo atribuiacuteda ao Min Paulo de Tarso Sanseverino)

Admitido o incidente o tribunal suspenderaacute o tracircmite de todos os processos individuais ou coletivos em sua jurisdiccedilatildeo Com a admissatildeo o CPC2015 estabelece que legitimados como as partes o Ministeacuterio Puacuteblico ou a Defensoria Puacuteblica poderatildeo requerer ao Supremo Tribu-nal Federal (STF) ou ao STJ a depender da mateacuteria a ampliaccedilatildeo da eficaacutecia de suspensatildeo em todo o territoacuterio nacional

O pedido de suspensatildeo nacional dirigido ao STJ explica-se pela hi-poacutetese de que contra o acoacuterdatildeo de segundo grau proferido no julga-mento do IRDR caberaacute a interposiccedilatildeo de recurso especial quando a questatildeo discutida versar sobre interpretaccedilatildeo de lei federal

O instituto por trazer inovaccedilotildees no mundo juriacutedico possui a sua com-plexidade e uma delas repousa no fato de que sob a visatildeo do estudioso Marcos Vinicius Gonccedilalves a doutrina majoritaacuteria tem considerado mais um requisito para a instauraccedilatildeo do mesmo que dos muacuteltiplos processos em que a questatildeo juriacutedica esteja sendo discutida ao menos um jaacute esteja no tribunal por forccedila de recurso remessa necessaacuteria ou competecircncia ori-ginaacuteria (GONCcedilALVES 2020 p1356)

Sinalize-se que diante de divergecircncias doutrinaacuterias sobre a sua ope-racionalidade nos processos existentes tem prevalecido nos pretoacuterios bra-sileiros o reconhecimento do IRDR com a preexistecircncia de uma ldquocausa-pa-radigmardquo ao passo que o instrumento soacute pode ser implementado havendo uma causa concreta pendente que esteja no tribunal ao qual pertence o oacutergatildeo competente para julgaacute-lo Deste modo o instituto eacute processado como incidente nesse processo e a questatildeo juriacutedica eacute examinada no caso concreto no qual o incidente foi instaurado

Ainda GONCALVES (2020) assevera que no mesmo instante da apre-ciaccedilatildeo pelo oacutergatildeo de um caso concreto o qual decide a questatildeo juriacutedica com forccedila de precedente vinculante o que foi decidido deve ser aplicado nos demais processos pendentes que versem sobre a mesma questatildeo e que estejam no tribunal ou nas Instacircncias inferiores

Saliente-se que em qualquer dos processos em tracircmite no qual a questatildeo juriacutedica seja discutida esteja o IRDR jaacute no tribunal ou instacircncia inferior sendo o mesmo admitido no entanto ele seraacute implementado no

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processo que estiver pendente na Colenda Casa o que exige como requi-sito do IRDR que haja ao menos um deles em curso no tribunal para que nele possa ser implementado o incidente que natildeo seraacute possiacutevel se todos os muacuteltiplos processos versando sobre a mesma questatildeo juriacutedica estive-rem no primeiro grau (a exemplo do IRDR nordm 1591478-0 TJ-PR o qual foi inadmitido por natildeo atendimento dos requisitos acima destacados)

A propoacutesito de ilustraccedilatildeo apontem-se alguns enunciados oriundos do ENFAM (Escola Nacional de Formaccedilatildeo e Aperfeiccediloamento de Ma-gistrados) quanto agrave proposiccedilatildeo dos IRDRs em sede de Juizados Especiais

Enunciado nordm 21 ndash O incidente pode ser suscitado com base em deman-das repetitivas em curso nos juizados especiais

Enunciado nordm 22 ndash A instauraccedilatildeo do IRDR natildeo pressupotildee a existecircncia de processo pendente no respectivo tribunal

Enunciado nordm 44 ndash Admite-se o IRDR nos juizados especiais que deveraacute ser julgado por oacutergatildeo colegiado de uniformizaccedilatildeo do proacuteprio sistema

Sinalize-se que apesar dos ditames dos enunciados emanados das associaccedilotildees de magistrados sobre a plausibilidade de apreciaccedilatildeo pelos Juizados Especiais haacute um grande embate entre os TRFs e TJs com o STJ em razatildeo de alegada sobrecarga de demandas nas primeiras acerca desta adequaccedilatildeo em virtude de alegada inconstitucionalidade na atribuiccedilatildeo dos Juizados em apreciar o IRDR em virtude da proacutepria Resoluccedilatildeo nordm 032016 do STJ evento sobre o qual haveraacute consideraccedilotildees a seguir

4 POSICIONAMENTOS DO STF E RESOLUCcedilAtildeO Nordm 0346 DO CNJ CRIacuteTICAS AO MANEJO DAS UNIFORMIZACcedilOtildeES DE JU-RISPRUDEcircNCIA NOS JUIZADOS E INTERPOSICcedilAtildeO DE DE-MAIS RECURSOS AgraveS CORTES MAacuteXIMAS

Com destaques ao advento dos Juizados Especiais da Lei nordm 909995 neste estudo eacute deveras relevante abordar sobre o microssistema dos jui-zados existente no Brasil para que se possa entender a dialeticidade da utilizaccedilatildeo das uniformizaccedilotildees de jurisprudecircncia como ferramenta de am-paro em cada Casa Judicante

Portanto este sistema dos Juizados Especiais eacute composto origina-riamente pelos Juizados Especiais Estaduais Comuns (Lei nordm 909995) em seguida pelos Juizados Especiais Federais (Lei nordm 102592001) e pe-los Juizados Especiais da Fazenda Puacuteblica Estadual e Municipal (Lei nordm

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121532009) Dito isto saliente-se que entendeu o legislador por limitar a quantidade de ferramentas recursais e procedimentais em nome de uma efetividade dos princiacutepios alhures mencionados no instante em que res-tringe o cabimento dos recursos quais sejam os Embargos de Declaraccedilatildeo (dirigido em face de sentenccedila de piso decisatildeo monocraacutetica e acoacuterdatildeo da Turma Recursal constante nos arts 994 IV 1022 a 1026 do CPC e arts 48 a 50 83 da Lei 909995) Recurso Inominado (direcionado agrave Turma Recur-sal consoante art 41 a 43 da Lei nordm 909995) e o Recurso Extraordinaacuterio (Enunciado de Suacutemula nordm 640 STF) para as Cortes Superiores em situaccedilotildees excepcionais

Ademais aponte-se uma observaccedilatildeo quanto agrave limitaccedilatildeo dos Juizados Especiais Ciacuteveis a existecircncia de um importante instrumento juriacutedico plei-teado quando o jurisdicionado tem direito lesado ou sob ameaccedila por de-cisatildeo jaacute tratada em temaacuteticas interpretativas de lei federal qual seja o PE-DILEF ndash Pedido de Uniformizaccedilatildeo de Interpretaccedilatildeo de Lei Federal ao passo que sua viabilidade restringe-se aos JEFs (art14 sect 4ordm da Lei 102592001) e dos Juizados Especiais da Fazenda Puacuteblica (art18 sect 3ordm e 19 caput da Lei 121532009) haja vista que a Lei nordm 909995 natildeo inovou quanto a este instrumento Nesta senda o instrumento seraacute apontado nas hipoacuteteses de

a) Interpretaccedilatildeo de lei federal destoante entre Turmas Recursais de diferentes Estados

b) Decisatildeo de Turma de Uniformizaccedilatildeo que contrariar suacutemula do STJ

Outrossim cite-se a ediccedilatildeo da Resoluccedilatildeo nordm 032016 do STJ a qual restringiu o cabimento da Reclamaccedilatildeo dirigida a esta Corte na hipoacutetese de decisatildeo de Turma Recursal Estadual que contrariar jurisprudecircncia do STJ consolidada em a) incidente de assunccedilatildeo de competecircncia b) inciden-te de resoluccedilatildeo de demandas repetitivas (IRDR) c) julgamento de recurso especial repetitivo d) enunciados das Suacutemulas do STJ e) precedentes do STJ Desta forma a hipoacutetese de divergecircncia de entendimento jurispru-dencial entre Turmas Recursais de Juizados especiais criminais comuns de diferentes Estados natildeo desafia o manejo de Pedido de Uniformizaccedilatildeo de Lei Federal perante o STJ Ou seja estas limitaccedilotildees e vedaccedilotildees reforccedilam a ideia de que o instrumento possui grande limitaccedilatildeo pois seu rol se de-monstra taxativo

Sobre estes entraves apreciem-se os exemplos tais como o julga-mento (procedente) de do Incidente de Inconstitucionalidade nordm 0000948-2120188150000 da Segunda Seccedilatildeo Especializada Ciacutevel do TJ-PB cuja

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relatora a Des Maria das Graccedilas M Guedes asseverou que o STJ natildeo de-teacutem competecircncia legislativa para ampliar as atribuiccedilotildees jurisdicionais do TJPB por ser tema da competecircncia a ser regulado pelo proacuteprio Estado Federado no exerciacutecio da autonomia poliacutetico-administrativa assegurada na CRFB88 e materializada no artigo 1ordm da sua Constituiccedilatildeo Estadual Ainda elucida que aleacutem da autonomia aludida o STF no julgamento do RE nordm 571572-BA declarou ser competente o STJ para dirimir divergecircncia entre decisotildees proferidas pelas turmas recursais estaduais e sua proacutepria jurisprudecircncia ateacute a criaccedilatildeo da turma de uniformizaccedilatildeo dos juizados espe-ciais estaduais No mesmo toar a relatora pontua que a referida Resoluccedilatildeo tambeacutem estaacute dissonante com o art 125 sect 1ordm da CRFB

Ainda aponte-se o julgado do TJMG sobre a mencionada arguiccedilatildeo

Ementa arguiccedilatildeo de inconstitucionalidade Reclamaccedilatildeo Resoluccedilatildeo nordm 3 de 2016 do STJ Fixaccedilatildeo de competecircncia Divergecircncia entre acoacuterdatildeo prolatado por turma recursal estadual e jurisprudecircncia do Superior Tribunal de Justiccedila Julgamento da Reclamaccedilatildeo pelos tribu-nais estaduais Inconstitucionalidade Incidente acolhido (Processo nordm 1000016039708-9001 Rel Caetano Levi Lopes DJe 15062018)

Destes cenaacuterios eacute possiacutevel afirmar que restam latentes os conflitos entre as Casas Judicantes brasileiras no que cerne implicitamente ao afas-tamento de novas atribuiccedilotildees de um lado e manutenccedilatildeo das agregaccedilotildees de anaacutelises pelas Cortes Maacuteximas de outro sob a alegaccedilatildeo de sobrecarga de demandas nos pretoacuterios situaccedilatildeo que no final acaba por tolhir os di-reitos e garantias estabelecidas na CRFB88

De outra banda com sua efetividade somente em 2017 delineou-se a efetividade da suspensatildeo nacional de determinada demanda por admis-satildeo do IRDR pelo STJ sob a gestatildeo do Min Paulo de Tarso Sanseverino oriundo do Tribunal Regional Federal da 4ordf Regiatildeo sob a Resoluccedilatildeo nordm 543 do Contran que trata da inclusatildeo de aulas em simulador de direccedilatildeo veicular para a obtenccedilatildeo da carteira nacional de habilitaccedilatildeo Pautado no art 982 paraacutegrafo 3ordm do Coacutedigo de Processo Civil (CPC) de 2015 o STJ por meio da Emenda Regimental 222016 introduziu em seu Regimento Interno o artigo 271-A estabelecendo que o presidente do tribunal pode-raacute suspender as accedilotildees que versem sobre o objeto do incidente por motivo de seguranccedila juriacutedica ou por excepcional interesse social

Neste contexto eacute criacutevel que as discussotildees acerca do tema ainda pre-cisam de ampla atenccedilatildeo dos aplicadores do direito bem como de apro-fundamentos dos estudos por parte dos doutrinadores uma vez que a

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aplicabilidade destes institutos prima pela seguranccedila juriacutedica pleno aces-so agrave justiccedila diminuiccedilatildeo das demandas convencionais como tambeacutem pelo caraacuteter satisfativo dos conflitos existentes na sociedade

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DIDIER JR Fredie Curso de Direito Processual Civil o processo civil nos tribunais recursos accedilotildees de competecircncia originaacuteria de tribunal e querela nullitatis incidentes de competecircn-cia originaacuteria de tribunal 13ordf ed Salvador Juspodium 2016

GONCcedilALVES Marcus V Rios Direito Processual Civil Esquematizado 11ordf ed SP Saraiva Edu-caccedilatildeo 2020

LENZA Pedro Direito Constitucional Esquematizado 24ordf ed SP Saraiva 2020

MORAES Alexandre de Direito Constitucional 35ordf ediccedilatildeo Atlas 2019

PINTO Oriana P de Azevedo Magalhatildees Abordagem Histoacuterica e Juriacutedica dos Juizados de Pequenas Causas aos atuais Juizados Especiais Ciacuteveis e Criminais Brasileiros ndash Parte II Disponiacutevel em lthttpswwwtjdftjusbrinstitucionalimprensacampanhas-e-pro-dutos artigos-discursos-e-entrevistasartigos2008abordagem-historica-e-juridica--dos-juizados-de-pequenas-causas-aos-atuais-juizados-especiais-civeis-e-criminais--brasileiros-parte-ii-juiza-oriana-piske-de-azevedo-magalhaes-pintogt Acesso em 16 nov 2020

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A melhoria da prestaccedilatildeo jurisdicional a partir do

fortalecimento das accedilotildees articuladas com oacutergatildeos de defesa

do consumidor em vista da desjudicializaccedilatildeo das demandas

1 Advogado Especialista em Direito do consumidor Mestrando em Direito Superin-tendente do ProconBA e Presidente da Associaccedilatildeo Brasileira de Procons ndash PRO-CONSBRASIL

Filipe de Arauacutejo Vieira1

Resumo O presente estudo surge motivado pela comemoraccedilatildeo dos 25 anos do COJE que nos leva a refletir sobre os avanccedilos experimen-tados ao longo deste tempo para projetar as nossas perspectivas futuras Com efeito sendo o direito uno e o Estado uma uacutenica forccedila manifestada pelo Executivo e pelo Judiciaacuterio as accedilotildees articuladas permitiram o enfrentamento ao volume e demandas o trabalho pre-ventivo e educativo para evitar o litiacutegio a busca pela conciliaccedilatildeo dos interessados inclusive por meacutetodos alternativos de soluccedilatildeo de con-flitos dentre outras iniciativas Balizar-se nos limites da prestaccedilatildeo do serviccedilo jurisdicional de qualidade e da garantia do acesso agrave justiccedila em contraponto com a desjudicializaccedilatildeo das demandas Nesta linha discutimos iniciativas e projeccedilotildees otimistas de evoluccedilatildeo social prin-cipalmente por considerar as iniciativas e parcerias realizadas com os oacutergatildeos de proteccedilatildeo e defesa do consumidor como o PROCONBA na consecuccedilatildeo dos fins comuns defesa do cidadatildeo na linha do quanto recomenda o Plano Nacional de Consumo e Cidadania

Palavras-chave Prestaccedilatildeo Jurisdicional Accedilotildees Articuladas Defesa do Consumidor Juizado Procon Conciliaccedilatildeo Desjudicializaccedilatildeo

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1 APRESENTACcedilAtildeO

A lei natildeo excluiraacute da apreciaccedilatildeo do Poder Judiciaacuterio lesatildeo ou ameaccedila a direito Assim institui o art 5ordm XXXV da Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica Federativa do Brasil de 1988 ao determinar a todo e qualquer indiviacuteduo o Direito de Acesso agrave Justiccedila Tem-se aqui uma claacuteusula peacutetrea e por isso qualificada em niacuteveis ainda mais relevantes no nosso ordenamento juriacutedico

O Poder Judiciaacuterio no alto das suas complexidades e do seu poder de atuaccedilatildeo na soluccedilatildeo de litiacutegios e contendas atraveacutes dos seus oacutergatildeos jurisdicionais acertou por bem em dividir-se de modo a qualificar a sua entrega agrave populaccedilatildeo Com isso para as causas mais ceacuteleres e de menor complexidade criaram-se os Juizados Especiais como uma das maiores transformaccedilotildees de real acessibilidade agrave Justiccedila

Tambeacutem chamada de Constituiccedilatildeo Cidadatilde a nossa lei maior vigente tambeacutem direcionou a Uniatildeo Distrito Federal e Territoacuterios bem como aos Estados a criaccedilatildeo de Juizados Especiais providos por juiacutezes togados ou togados e leigos Atribuiu competecircncia para a conciliaccedilatildeo o julgamento e a execuccedilatildeo de causas ciacuteveis de menor complexidade e infraccedilotildees penais de menor potencial ofensivo Com vistas agrave celeridade processual determi-nou-se ainda adoccedilatildeo de procedimentos oral e sumariacutessimo permitidos nas hipoacuteteses previstas em lei a transaccedilatildeo e o julgamento de recursos por turmas de juiacutezes de primeiro grau

Quando surgiram os Juizados Especiais foram tatildeo aderentes ao re-dimensionamento do Poder Judiciaacuterio brasileiro que as demandas co-meccedilaram a aumentar naturalmente como fruto de litigiosidade contida (WATANABE 2019) ganhando em relevacircncia e volume de processos Outro fenocircmeno natural decorrente foi a separaccedilatildeo didaacutetica da natureza das accedilotildees que migraram e se fizeram acontecer por meio dos juizados de modo a que fosse criadas as varas especializadas ciacuteveis de causa comum especializadas do consumidor especializadas de tracircnsito especializadas ateacute mesmo da fazendo puacuteblica A estas somem-se aquelas que funcio-nam junto ao juizado especial penal ou que foram criadas por algumas estruturas estaduais para tratar dos casos de violecircncia domeacutestica como resposta a um forte apelo da populaccedilatildeo pela atenccedilatildeo ao social

Boa parte dos estudos do Conselho Nacional de Justiccedila (CNJ) no lido das suas demandas debruccedilam-se hoje sobre o volume de proces-sos que tramitam nos Juizados Especiais em todo o paiacutes Isto porque

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embora sejam causas de menor complexidade e de menor valor envol-vido em termos de volumetria processual os juizados guardam consigo imenso potencial de concentrar demandas repetitivas E pelos criteacuterios atraveacutes quais se definem as competecircncias de um Juizado a quantidade de relaccedilotildees cotidianas ndash que podem gerar discussotildees litigiosas e com isso questionamentos levados ao conhecimento do judiciaacuterio ndash eacute igual-mente grandiosa

Diante deste cenaacuterio o presente estudo move-se por algumas inquie-taccedilotildees Uma delas versa sobre a dualidade daquilo que seria antagocircnico e aparentemente incongruente vez que ao tempo que o mandamento constitucional fala garantir o acesso a justiccedila muitos falam em Desjudicia-lizaccedilatildeo e diminuiccedilatildeo das demandas no judiciaacuterio Haveria entatildeo e de fato uma incongruecircncia nestas colocaccedilotildees

Outro raciociacutenio que nos ocorre em questatildeo seria quanto a loacutegica de soluccedilatildeo efetiva do problema Ao tempo que a justiccedila comum estava envolta em altiacutessimo volume de processos os Juizados Especiais surgiram como forma de ldquodesafogarrdquo a justiccedila comum Neste caso que agora satildeo os Juizados Especiais que estatildeo lidando com o excessivo volume de proces-sos em tracircmite qual seria a soluccedilatildeo para eles A Desjudicializaccedilatildeo deve ser defendida a todo argumento e a qualquer custo

Certamente sejam questionamentos sem uma resposta soacutelida con-creta e acabada para qual jaacute ressaltamos que o presente estudo natildeo se arvora do condatildeo de finalizar a discussatildeo nem de encerrar a mateacuteria

Guardamos a certeza poreacutem de que a expertise formada ao longo de 25 Anos dos Juizados Especiais do Tribunal de Justiccedila da Bahia em suas accedilotildees e realizaccedilotildees no lido com os problemas do cotidiano podem servir como fonte de informaccedilatildeo e inspiraccedilatildeo agravequeles que queriam re-solver os problemas da populaccedilatildeo e realizar a justiccedila de qualidade para o cidadatildeo

No presente estudo entatildeo delineamos o trabalho dos Juizados Espe-ciais ndash ao longo do seu surgimento e existecircncia arriscando-nos a projetar algumas perspectivas futuras ndash tomando por base as suas varas especia-lizadas de direito do consumidor considerando a articulaccedilatildeo com outros oacutergatildeos puacuteblicos e da administraccedilatildeo direta em especial a Superintendecircn-cia de Proteccedilatildeo e Defesa do Consumidor ndash PROCONBA

A melhoria da prestaccedilatildeo jurisdicional a partir do fortalecimento das accedilotildees articuladas com oacutergatildeos de defesa do consumidor em vista da desjudicializaccedilatildeo das demandas

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2 PREMISSAS E PROBLEMATIZACcedilAtildeO

21 VOLUME DE DEMANDAS E DADOS DO CONSELHO NACIO-NAL DE JUSTICcedilA (CNJ)

O Conselho Nacional de Justiccedila ndash oacutergatildeo integrante do Poder Judiciaacute-rio na forma do quanto disposto no art 92 I-A da Constituiccedilatildeo Federal incluiacutedo pela Emenda Constitucional nordm 452004 ndash atua de forma a aper-feiccediloar o trabalho do sistema judiciaacuterio paacutetrio de modo a ter suas accedilotildees sempre voltadas a assegurar os princiacutepios da eficiecircncia e da transparecircncia por parte dos demais oacutergatildeos judicantes de modo a promover o planeja-mento estrateacutegico e a governanccedila da Justiccedila brasileira

No exerciacutecio destas e de outras atribuiccedilotildees o CNJ promove a publi-caccedilatildeo do perioacutedico Justiccedila em Nuacutemeros publicado anualmente em sua versatildeo completa e mais objetivamente considerado atraveacutes de sumaacuterio executivo que apesentam os resultados e as percepccedilotildees acerca das de-mandas e litiacutegios em tracircmite no judiciaacuterio em todo o paiacutes

No caso do Justiccedila em Nuacutemeros 2020 ndash Sumaacuterio Executivo (CNJ 2020) anotam-se a existecircncia de 771 milhotildees de processos em tramitaccedilatildeo ao final de dezembro ressaltando como positivo o fato de ser o segundo ano consecutivo de reduccedilatildeo do nuacutemero de casos pendentes de modo que 2019 ndash ano analisado e divulgado agora em 2020 portanto fora de contexto de pandemia do coronaviacuterus e sem seus impactos ndash apresen-tou nuacutemeros proacuteximos daqueles observados em 2015 Ainda segundo a publicaccedilatildeo em comparaccedilatildeo com 2018 o nuacutemero de casos solucionados aumentos 116 Denota-se aqui o maior poder de soluccedilatildeo dos conflitos levados ao judiciaacuterio

Quando trata do Iacutendice de Produtividade do Magistrado (IPM) o es-tudo diz o seguinte

O relatoacuterio aponta o maior Iacutendice de Produtividade dos Magistrados (IPM) desde 2009 13 com meacutedia de 2107 processos baixados por magistrado (apesar da vacacircncia de 77 cargos de juiacutezes no ano de 2019)

O iacutendice de produtividade dos servidores da aacuterea judiciaacuteria tambeacutem cresceu (14) verificando meacutedia de 22 casos a mais baixados por servidor em relaccedilatildeo a 2018 (CNJ 2020)

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Ainda na publicaccedilatildeo o CNJ ao tratar da estrutura do Poder Judiciaacuterio anotou que O 1ordm grau do Poder Judiciaacuterio possui 14792 unidades judiciaacuterias nuacutemero semelhante ao apresentado no ano anterior

Natildeo obstante ainda na anaacutelise do sumaacuterio executivo destes nuacutemeros da justiccedila em 2019 aponta-se que 67 das comarcas brasileiras providas com uma vara satildeo juiacutezos uacutenicos da Justiccedila Estadual Essas unidades tecircm com-petecircncia para processar todos os tipos de feitos (CNJ 2020)

A soma destes dados datildeo ensejo ao entendimento de que natildeo houve aumento de comarcas ou novas unidades judiciaacuterias instaladas no paiacutes que ao contraacuterio chegou-se a minguar a quantidade de julgadores No Tribunal de Justiccedila do Estado da Bahia por exemplo o CNJ aponta a vacacircncia de 175 (cento e setenta e cinco) vagas para magistrados e de 6619 (seis mil seiscentos e dezenove) servidores ao tempo ainda em que alguns juiacutezos operam com a assistecircncia jurisdicional para todos os tipos de feitos

Quando fazemos o recorte das accedilotildees que tocam ao direito do con-sumidor nos juizados especiais o relatoacuterio Justiccedila em Nuacutemeros 2020 (CNJ 2020) em sua versatildeo completa eacute possiacutevel perceber que nesta aacuterea o as-sunto mais demandado eacute o exatamente o de responsabilidade do forne-cedor considerando ainda os pedidos de indenizaccedilatildeo e reparaccedilatildeo por dano moral que correspondem a 1554088 (hum milhatildeo quinhentos e cinquenta e quatro mil e oitenta e oito) de processos

Considerando o duplo grau de jurisdiccedilatildeo dos juizados assegurados pelas turmas recursais para aqueles que ficaram insatisfeitos com a tutela recebida a quantidade de processos eacute ainda mais significativa vez que 16 do total de processos que sobre versam sobre a reponsabilidade do fornecedor por dano moral e ouros 461 discutem por dano material

Preocupa-nos exatamente esta realidade de enfretamento diaacuterio dos magistrados que responsaacuteveis por juiacutezos uacutenicos tem que atender em to-das as aacutereas do direito em processos que podem ter origem e destinaccedilatildeo das mais diversas ordens possiacuteveis

Recobra-se pois a reflexatildeo sobre a qualidade desta prestaccedilatildeo jurisdi-cional vez que tramita-se e decide-se muito em quantidades crescentes mas que natildeo satildeo acompanhadas pelo igual ritmo de aparelhamento e estruturaccedilatildeo mesmo de quadro funcional

Uma reflexatildeo ainda cabiacutevel neste toacutepico versa sobre as alegaccedilotildees de quem entende haver a cultura da litigiosidade Natildeo nos aprece a mais ade-quada pois antes do litigio haacute o desrespeito ao direito e a desinformaccedilatildeo

A melhoria da prestaccedilatildeo jurisdicional a partir do fortalecimento das accedilotildees articuladas com oacutergatildeos de defesa do consumidor em vista da desjudicializaccedilatildeo das demandas

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Daqui decorreria a sensaccedilatildeo de falta e a inerente necessidade de buscar do amparo legal para recobrar algo que se entende ter sido desrespeitado

Assim nos ocorre nova linha de questionamentos se os consumido-res fossem de fato respeitados em seus direitos ou ao menos informados adequadamente ndash em face das suas vulnerabilidades teacutecnica e juriacutedica ndash seraacute que haveriam tantos litiacutegios judicializados A melhor forma de evitar a judicializaccedilatildeo poderia ser recolocar o foco na origem para que natildeo hou-vesse razotildees espaccedilo ou nem mesmo elementos ensejadores do litiacutegio Resolver na origem natildeo seria mais eficiente e mais econocircmico que atacar o resultado lsquojudicializaccedilatildeorsquo

22 NECESSIDADE DE SOLUCIONAR SEM JUDICIALIZAR AS DE-MANDAS

Os nuacutemeros apresentados para o quantitativo de processos satildeo bas-tante significativos e ajudam a dimensionar o problema vez que os Juiza-dos surgiram para desafogar a justiccedila comum e agora eacute preciso pensar em como desafogar os juizados

Kazuo Watanabe quando perguntado sobre um dos seus grandes feitos para o ordenamento juriacutedico brasileiro ndash teve participaccedilatildeo funda-mental na criaccedilatildeo da Lei nordm 9099 de 26 de setembro de 1995 que dispotildee sobre os Juizados Especiais Ciacuteveis e Criminais ndash ensinou

Diagnosticamos que estava havendo uma litigiosidade contida por-que as partes natildeo sabiam a quem ou como recorrer Notamos que o CPC ateacute poderia funcionar para pessoas que tivessem posse e condi-ccedilotildees mas natildeo funcionava para pessoas humildes Foi formulada uma proposta que facilitasse o acesso agrave justiccedila por parte de uma camada mais humilde Fui indicado pela Associaccedilatildeo Paulista de Magistrados juntamente com o professor Cacircndido Rangel Dinamarco para partici-par da comissatildeo elaboradora do anteprojeto de lei Essa lei significou o primeiro rompimento do modelo liberal-individualista que estava no CPC em que predominava a autonomia individual Essa lei foi um sucesso tanto que a Constituiccedilatildeo de 1988 a consagrou definitivamen-te (WATANABE 2019)

A desjudicializaccedilatildeo com isso se tornou em termo bastante em voga na ordem do dia de diversos oacutergatildeos e instituiccedilotildees que interagem com o ju-diciaacuterio no lido das suas atribuiccedilotildees Contudo aos nossos olhos parece que a desjudicializaccedilatildeo natildeo deva ser um fim a ser alcanccedilado por qualquer meio Eacute preciso em verdade pensar mais no caminho que neste resultado em si

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Isto porque as premissas e razotildees da justiccedila natildeo devam ser afastados da linha que traccedila a ideia de prestaccedilatildeo jurisdicional de qualidade com transparecircncia isonomia imparcialidade resolutividade e efetiva justiccedila aos assistidos Preservadas estas bases podem ser construiacutedas ferramen-tas alternativas de soluccedilatildeo de litiacutegios como forma de incentivas a conci-liaccedilatildeo a mediaccedilatildeo a autocomposiccedilatildeo e em casos de julgamentos entre iguais a arbitragem pode ser aplicada ressalvados neste caso os limites da Lei nordm 9307 de 23 de setembro de 1996

Na seara do consumidor para aleacutem do trabalho do trabalho dos Pro-cons uma boa perspectiva de soluccedilatildeo natildeo judicial ndash mas que oferece as mesas qualidades e premissas de compromisso puacuteblico com a soluccedilatildeo de conflitos ndash surge com os Procons e com a plataforma digital wwwconsu-midorgovbr criada e mantida pela Secretaria Nacional do Consumidor (SENACON) oacutergatildeo do Min da Justiccedila e Seguranccedila Puacuteblica e que seraacute abor-dada mais adiante

Para melhor dimensionarmos esta capacidade de soluccedilatildeo os dados oficiais datildeo conta que em 2019 foram realizados 2598042 (dois milhotildees quinhentos e noventa e oito mil e quarenta e dois) atendimentos pelos Procons com meacutedia de resolutividade geral na ordem de 791 dos aten-dimento atraveacutes dos primeiros atendimento estabelecendo linha direta do oacutergatildeo para com as empresas seja por uma ligaccedilatildeo telefocircnica ou envio de uma mensagem de correio eletrocircnico direcionada Quando considera o recorte de atendimento que tocam apenas aos serviccedilos e telecomuni-caccedilotildees os iacutendices de resolutividade sobem a 844 dos casos e quanto cuidam apenas de transporte aeacutereo baixam pouco ao patamar de 708 de soluccedilatildeo preliminar Evita-se com isso a discussatildeo em acircmbito judicial de forma bastante significativa

3 METODOLOGIA

As mesmas observaccedilotildees sociais que causaram as inquietaccedilotildees que motivaram o presente estudo levou ao aprofundamento da anaacutelise que ora se faz por meio do desenvolvimento do raciociacutenio logico-dedutivo A evoluccedilatildeo do pensamento se perfez por meio de leitura da legislaccedilatildeo para aleacutem do mero teto final mas conhecendo as justificativas destas leis envolvidas na mateacuteria socorrendo-se sempre que necessaacuterio dos ensina-mentos da doutrina e da jurisprudecircncia bem como coleta e apuraccedilatildeo dos dados graacuteficos e informaccedilotildees resultantes de estudos governamentais ins-titucionais e das organizaccedilotildees sociais nacionais e estrangeiras conforme pormenorizado nas referecircncias bibliograacuteficas

A melhoria da prestaccedilatildeo jurisdicional a partir do fortalecimento das accedilotildees articuladas com oacutergatildeos de defesa do consumidor em vista da desjudicializaccedilatildeo das demandas

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4 DIMINUICcedilAtildeO DA QUANTIDADE DE PROCESSO COM FOCO NA MELHORIA DA QUALIDADE DA PRESTACcedilAtildeO JURISDI-CIONAL

41 PLANO NACIONAL DAS RELACcedilOtildeES DE CONSUMO ndash PLAN-DEC

Na linha delimitada na apresentaccedilatildeo do presente estudo ajustou-se a anaacutelise a partir da defesa do consumidor cuja ancoragem principal ba-liza-se na Lei nordm 8078 de 11 de setembro de 1990 que instituiu o Coacutedigo de Defesa do Consumidor (CDC)

Numa eventual divisatildeo entre o Direito Puacuteblico e o Direito Privado po-demos assentar o Direito do Consumidor como uma codificaccedilatildeo que cuida da relaccedilatildeo entre particulares (fornecedor e consumidor) cujas normas po-reacutem satildeo de ordem puacuteblica e interesse social

Sobre isso Claudia Lima Marques ensina

O Coacutedigo de Defesa do Consumidor eacute uma lei de funccedilatildeo social traz normas de direito privado mas de ordem puacuteblica (direito privado indisponiacutevel) e normas de direito puacuteblico Eacute uma lei de ordem puacute-blica econocircmica (ordem puacuteblica de coordenaccedilatildeo de direccedilatildeo e de proibiccedilatildeo) e lei de interesse social (a permitir a proteccedilatildeo coletiva dos interesses dos consumidores presentes no caso) como claramente especifica seu art 1ordm tendo em vista a origem constitucional desta lei (MARQUES 2016)

Desta feita a relaccedilatildeo de consumo poderia ser reconhecida pela auto-ridade puacuteblica na defesa de interesses que socialmente devem prevalecer sobre os interesses pessoais Esta constataccedilatildeo decorreria do reconheci-mento da vulnerabilidade do consumidor conforme preleciona o art 4ordm I do CDC que ainda preconiza a interpretaccedilatildeo sempre com base na boa-feacute e no equiliacutebrio nas relaccedilotildees entre consumidores e fornecedores

Logo adiante no art 5ordm IV ao tratar das iniciativas para a execuccedilatildeo e instrumentalizaccedilatildeo da Poliacutetica Nacional das Relaccedilotildees de Consumo o coacute-digo previu a criaccedilatildeo de Juizados Especiais de Pequenas Causas e Varas Especializadas para a soluccedilatildeo de litiacutegios de consumo Nesta mesma li-nha editou-se o Decreto nordm 7963 de 15 de marccedilo de 2013 que instituiu o Plano Nacional de Consumo e Cidadania (PLANDEC) com a finalidade de promover a proteccedilatildeo e defesa do consumidor em todo o territoacuterio nacional por meio da integraccedilatildeo e articulaccedilatildeo de poliacuteticas programas e accedilotildees

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Eacute exatamente o que observamos na estrutura do TJ-BA por meio da sua Coordenaccedilatildeo dos Juizados Especiais (COJE) que aos nossos olhos aparece em posiccedilatildeo de destaque no cenaacuterio nacional pelo vanguardismo e por executar a diretrizes do PLANDEC quanto a promover a educaccedilatildeo para o consumo a garantia do acesso agrave justiccedila e a eficaz prestaccedilatildeo do serviccedilo puacuteblico para comunidade baiana

42 ACORDOS DE COOPERACcedilAtildeO TEacuteCNICA FORTALECENDO AS ACcedilOtildeES ARTICULADAS DOS OacuteRGAtildeOSSocorrendo-nos ainda do PLANDEC temos o seguinte dispositivo

Art 13 Para a execuccedilatildeo do Plano Nacional de Consumo e Cidadania poderatildeo ser firmados convecircnios acordos de cooperaccedilatildeo ajustes ou instrumentos congecircneres com oacutergatildeos e entidades da administraccedilatildeo puacuteblica federal dos Estados do Distrito Federal e dos Municiacutepios com consoacutercios puacuteblicos bem como com entidades privadas na for-ma da legislaccedilatildeo pertinente

Aqui mais que apenas a base legal para formulaccedilatildeo de termos de cooperaccedilatildeo teacutecnica acordos e convecircnio temos o posicionamento do le-gislador em valorizar e fomentar a articulaccedilatildeo entre os oacutergatildeos de defesa do consumidor constituindo-se no caso do Estado da Bahia um verdadei-ro sistema estadual de defesa do consumidor

Antes mesmo da ediccedilatildeo do PLANDEC esta diretiva jaacute guiava o Tribu-nal de Justiccedila do Estado da Bahia atraveacutes da Coordenaccedilatildeo dos Juizados e a entatildeo Secretaria da Justiccedila Cidadania e Direitos Humanos2 atraveacutes do PROCONBA que em 25 de janeiro de 2013 assinaram Termo de Coopera-ccedilatildeo Teacutecnica para trabalho em conjunto

O termo fora firmado com o fim uacuteltimo de obter maior efetividade agrave atuaccedilatildeo dos oacutergatildeos envolvidos e agilizar os serviccedilos jurisdicionais bem como facilitar o acesso agrave justiccedila do Consumidor resguardada a indepen-decircncia das instacircncias facilitando a defesa de seus direitos

Para tanto o Termo previa a homologaccedilatildeo pelo Poder Judiciaacuterio dos acordos firmados entre consumidores e fornecedores em mesa de audiecircn-cia realizada no PROCONBA visando constituiacute-los em tiacutetulos executivos

2 Atualmente denominada de Secretaria de Justiccedila Direitos Humanos e Desenvolvi-mento Social do Estado da Bahia conforme Lei Estadual nordm 13204 de 11 de dezem-bro de 2014

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judiciais nos termos do Art 57 da Lei nordm 909995 concorrente com Art 475-N inciso V do antigo Coacutedigo de Processo Civil3

Previa-se ainda a avaliaccedilatildeo dos avanccedilos alcanccedilados e das realizaccedilotildees construiacutedas para ao aproximar do seu prazo de vencimento o Termo ser renovado Lamenta-se contudo que na sucessatildeo dos fatos as opccedilotildees de gestatildeo reconsideraram suas anaacutelises e natildeo fizeram perpetuar o pacto de trabalho firmado

Eis aqui ponto fundamental a ser revisto pelas atuais gestotildees das pastas com vistas a retomar esta importante ferramenta de realizaccedilatildeo da justiccedila no estado da Bahia

Este apelo fica reforccedilado quando observam-se os comportamentos de Procons e tribunais de justiccedila de outros estados que entre si inspira-ram-se para a formulaccedilatildeo de termos de cooperaccedilatildeo com igual premissa de realizar justiccedila e compromisso de resolver demandas em auxiacutelio um do outro Eacute o que se tem registro para os estados do Maranhatildeo do Pernam-buco e de Minas Gerais por exemplo

43 FORTALECIMENTO DOS PROCONS COMO FORMA DE SO-LUCcedilAtildeO ADMINISTRATIVA DE LITIacuteGIOS DE MENOR COM-PLEXIDADE

Mais uma vez valendo-se do quanto disposto no Decreto nordm 79632013 o art 4ordm cuida dos eixos de atuaccedilatildeo do Plano Nacional de Consumo e Cidadania dentre eles temos o fortalecimento do Sistema Na-cional de Defesa do Consumidor (SNDC) e dos seus corolaacuterios no acircmbito estadual E para que haja este o fortalecimento o art 7ordm III complementa que a forma de fazecirc-lo seria por meio do ldquofortalecimento da atuaccedilatildeo dos Procons na proteccedilatildeo dos direitos dos consumidoresrdquo

Neste sentido existem diversos projetos de lei tanto na Cacircmara dos Deputados quanto no Senado que se dispotildeem exatamente a dar maior autonomia e poder de atuaccedilatildeo aos Procons como eacute o caso do Projeto de Lei nordm 51962013 que jaacute apresenta um razoaacutevel estaacutegio de avanccedilo vez que

3 Dado o tempo da assinatura a indicaccedilatildeo do texto do Termo referia-se ao art 475-N V da Lei nordm 5869 de 11 de janeiro de 1973 (antigo CPC) Atualmente o dispositivo corres-ponde ao art 515 III da Lei nordm 13105 de 16 de marccedilo de 2015 (novo CPC)

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jaacute fora aprovado na Comissatildeo de Defesa do Consumidor e na Comissatildeo de Constituiccedilatildeo e Justiccedila da casa aberta do Congresso Nacional

O PL 51962013 dentre as modificaccedilotildees previstas para a Lei nordm 807890 (CDC) pretende dar condiccedilotildees de que em caso de infraccedilatildeo agraves normas de defesa do consumidor os Procons coercitivamente pudes-sem aplicar medidas corretivas com fito de determinar substituiccedilatildeo ou reparaccedilatildeo do produto ou a devoluccedilatildeo da contraprestaccedilatildeo paga pelo consumidor mediante cobranccedila indevida ou ainda o efetivo cumpri-mento da oferta pelo fornecedor sempre que esta conste por escrito e de forma expressa

Caso o projeto virasse lei os Procons teriam ainda a autorizaccedilatildeo legal para ndash no caso de descumprimento do prazo fixado para a medida corre-tiva imposta ndash imputar multa diaacuteria graduada de acordo com a gravidade da infraccedilatildeo a vantagem auferida e a condiccedilatildeo econocircmica do fornecedor Natildeo obstante as decisotildees administrativas que aplicassem medidas corre-tivas em favor do consumidor constituiriam tiacutetulo executivo extrajudicial exequiacutevel pelo proacuteprio consumidor individualizado e especiacutefico para titu-laridade de um direito

A SENACON apoacutes levantamento apontou que em 2019 foram reali-zados 2598042 (dois milhotildees quinhentos e noventa e oito mil e quarenta e dois) atendimentos pelos Procons integrados ao Sistema Nacional de Informaccedilotildees de Defesa do Consumidor (SINDEC ndash aumento de 142 em relaccedilatildeo ao ano anterior com meacutedia mensal de 216 mil consumidores aten-didos

Pelos nuacutemeros que apresentam pelos levantamentos feitos pelo SIN-DEC o fortalecimento dos Procons mediante das parcerias como aquela que jaacute existiu entre o TJ-BA e o PROCONBA seriam uma alternativa viaacutevel de conduzir a uma boa soluccedilatildeo de conflitos com qualidade na entrega de atos de justiccedila agrave populaccedilatildeo

44 A PLATAFORMA WWWCONSUMIDORGOVBR COMO CA-NAL DE CONCILIACcedilAtildeO

O Consumidorgovbr criada com fundamento legal no art 4ordm inciso V do CDC concorrendo com o art 7ordm incisos I II e III do PLANDEC partiria das seguintes premissas 1) transparecircncia e controle social satildeo impres-cindiacuteveis agrave efetividade dos direitos dos consumidores 2) as informaccedilotildees apresentadas pelos cidadatildeos consumidores satildeo estrateacutegicas para gestatildeo e

A melhoria da prestaccedilatildeo jurisdicional a partir do fortalecimento das accedilotildees articuladas com oacutergatildeos de defesa do consumidor em vista da desjudicializaccedilatildeo das demandas

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execuccedilatildeo de poliacuteticas puacuteblicas de defesa do consumidor e 3) o acesso a informaccedilatildeo potencializa o poder de escolha dos consumidores e contribui para o aprimoramento das relaccedilotildees de consumo

Para fins de registro neste mesmo periacuteodo segundo levantamento da SENACON os nuacutemeros de atendimento da plataforma wwwconsumi-dorgovbr de 780179 (setecentas e oitenta mil cento e setenta e nove) reclamaccedilotildees finalizadas conforme dados oficias

Segundo a sua criadora a plataforma Consumidorgovbr define-se como um serviccedilo puacuteblico que permite a interlocuccedilatildeo direta entre consu-midores e empresas para soluccedilatildeo de conflitos de consumo pela internet de forma raacutepida e desburocratizada Atualmente 80 das reclamaccedilotildees re-gistradas no Consumidorgovbr satildeo solucionadas pelas empresas que res-pondem as demandas dos consumidores em um prazo meacutedio de 7 dias

Para tanto e por buscar a efetividade da realizaccedilatildeo do atendimento ceacutelere ao cidadatildeo ao tempo que este necessitaria de cadastro e login na plataforma digital agraves empresas pressupunha a assinatura de termo de compromisso de modo a assegurar o tratamento diferenciado e propen-so agrave soluccedilatildeo do conflito atraveacutes da interatividade direta entre as partes em ambiente virtual poreacutem monitorado pela SENACON com auxiacutelio dos Procons

A plataforma jaacute se destaca na difusatildeo de uso entre oacutergatildeos de defe-sa do consumidor de modo que despertou a atenccedilatildeo do CNJ que junto com o Ministeacuterio da Justiccedila e Seguranccedila Puacuteblica por meio da SENACON assinaram um Termo de Cooperaccedilatildeo Teacutecnica para prever a utilizaccedilatildeo desta plataforma como uma das ferramentas oficiais de soluccedilatildeo extrajudicial de litiacutegios incentivando-se o seu uso antes mesmo da formalizaccedilatildeo de uma reclamaccedilatildeo nos balcotildees de acesso a justiccedila dos oacutergatildeos jurisdicionais

Este Termo embora vigente natildeo chegou a ser uma unanimidade de modo que recebeu algumas criacuteticas dentre as quais destacamos o fato de que ndash ao prever a tentativa conciliatoacuteria incentivada pela plataforma virtual ndash em termos praacuteticos alguns consideram que o Termo teria criado uma verdadeira nova condiccedilatildeo da accedilatildeo judicial cuja mateacuteria fosse o direito do consumidor Isto porque muitos causiacutedicos ao patrocinarem causas consumeristas dos seus assistidos tiveram as peticcedilotildees iniciais indeferidas liminarmente alegado natildeo ter havido a realizaccedilatildeo de tentativa conciliatoacute-ria por meio da plataforma

Filipe de Arauacutejo Vieira

209Revista Novatio 1ordf ediccedilatildeo ndash 2020

Poder Judiciaacuterio do Estado da Bahia ISBN 978-65-89459-01-9

Aqui entendemos pertinente as anotaccedilotildees que podem ser compro-vadas pelo empirismo de quem milita na aacuterea ao tempo que defendemos haver uma diferenccedila entre incentivar o uso de meacutetodos alternativos de so-luccedilatildeo de conflitos e impedir o acesso ao oacutergatildeo jurisdicional originaacuterio por meio de condicionamento compulsoacuterio de uso preacutevio de uma plataforma de atendimento remoto

5 CONCLUSAtildeO

Clausula peacutetrea na constituiccedilatildeo assegura o acesso agrave justiccedila inclusive gratuita em casos especiacuteficos ao tempo em que processualistas e doutri-nadores repetem incansavelmente a necessidade de desjudicializaccedilatildeo das demandas Isto porque o astronocircmico volume de processos dificulta a entrega de uma justiccedila e qualidade

Neste contexto e para diminuir a demanda especiacutefica das varas da Justiccedila Comum estruturou-se a criaccedilatildeo dos Juizados Especiais com a pre-missa de transparecircncia eficiecircncia e celeridade Estas por sua vez ficaram comprometidas pelo excesso de volume de processos que hoje ocupam as mesas dos juiacutezes togados juiacutezes leigos e conciliadores

A desjudicializaccedilatildeo entatildeo pode ser vista como um fim que natildeo vale-raacute por si caso venha a afastar uma situaccedilatildeo do judiciaacuterio sem que lhe ofe-reccedila no todo uma soluccedilatildeo justa Esta soluccedilatildeo por sua vez perpassa pelo compromisso do ente julgador em agir imparcialmente de forma impes-soal com celeridade e efetividade na prestaccedilatildeo da assistecircncia ao cidadatildeo

O recorte se mostra mais significativo no recorte feito no Direito do Consumidor vez que segundo CNJ responde pelo maior nuacutemero de pro-cessos em tramite nos juizados especiais quadro replicado na justiccedila estadual de grande parte das unidades da federaccedilatildeo

A leitura dos fundamentos e argumentos elencados no presente es-tudo sugerem que o foco deveria ser aprioristicamente na valorizaccedilatildeo e respeito ao consumidor pois isso evitaria o surgimento de um problema que por tambeacutem natildeo ser resolvido quando apresentado levaria o indiviacute-duo insatisfeito a demandar dos oacutergatildeos de defesa do consumidor ou do judiciaacuterio Respeitar o cidadatildeo consumidor portanto seria a forma mais ceacutelere e mais barata de se evitar a judicializaccedilatildeo

Neste desiderato tem-se nos PROCONS a figura de um oacutergatildeo da administraccedilatildeo direta com capacidade jaacute instalada ndash gozando de prestiacutegio social dado o poder de soluccedilatildeo e eficiecircncia que representam ndash do qual

A melhoria da prestaccedilatildeo jurisdicional a partir do fortalecimento das accedilotildees articuladas com oacutergatildeos de defesa do consumidor em vista da desjudicializaccedilatildeo das demandas

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Poder Judiciaacuterio do Estado da Bahia ISBN 978-65-89459-01-9

o Poder Judiciaacuterio poderaacute se valer para promover a entrega da justiccedila ao cidadatildeo sem necessariamente contar com a abertura de novos processos judiciais

A aproximaccedilatildeo entre tribunais e juizados em face dos Procons jaacute se mostrou frutiacutefero na Bahia hoje seguem outros estados havendo posi-cionamento oficial do CNJ o sentido de que se promova a melhoria da prestaccedilatildeo jurisdicional a partir do fortalecimento das accedilotildees articuladas com oacutergatildeos de defesa do consumidor em vista da desjudicializaccedilatildeo das demandas

REFEREcircNCIASBRASIL Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica Federativa 1988

______ Lei Federal nordm 8078 de 11 de setembro de 1990 Dispotildee sobre proteccedilatildeo do consumi-dor e daacute outras providecircncias

______ Lei Federal nordm 9099 de 26 de setembro de 1995 Dispotildee sobre os Juizados Especiais Ciacuteveis e Criminais e daacute outras providecircncias

______ Lei Federal nordm 9307 de 23 de setembro de 1996 Dispotildee sobre Arbitragem

______ Decreto Federal nordm 2181 de 20 de marccedilo de 1997 Dispotildee sobre a organizaccedilatildeo do Sistema Nacional de Defesa do Consumidor ndash SNDC estabelece as normas gerais de aplicaccedilatildeo das sanccedilotildees administrativas previstas na Lei nordm 8078 de 11 de setembro de 1990 revoga o Decreto Federal nordm 861 de 9 julho de 1993 e daacute outras providecircncias

______ Lei Federal nordm 10406 de 10 de janeiro de 2002 Coacutedigo Civil

______ Lei Federal nordm 13105 de 16 de marccedilo de 2015 Coacutedigo de Processo Civil

BAHIA Lei Estadual nordm 13204 de 11 de dezembro de 2014 Modifica a estrutura organizacio-nal da Administraccedilatildeo Puacuteblica do Poder Executivo Estadual e daacute outras providecircncias

Conselho Nacional de Justiccedila ndash CNJ Justiccedila em Nuacutemeros 2020 ano-base 2019 Brasiacutelia 2020 Disponiacutevel em lt httpswwwcnjjusbrwp-contentuploads202008WEB-V3-Jus-tiC3A7a-em-NC3BAmeros-2020-atualizado-em-25-08-2020pdf gt Uacuteltimo acesso em 08 de novembro de 2020

_______ Justiccedila em Nuacutemeros 2020 ano-base 2019 ndash Sumaacuterio Executivo Brasiacutelia 2020 Dis-poniacutevel em lt httpswwwcnjjusbrwp-contentuploads202008WEB_V2_SUMA-RIO_EXECUTIVO_CNJ_JN2020pdf gt Uacuteltimo acesso em 08 de novembro de 2020

______ Justiccedila em Nuacutemeros 2020 ano-base 2019 ndash Paineacuteis Brasiacutelia 2020 Disponiacutevel em lt httpspaineiscnjjusbrQvAJAXZfcopendochtmdocument=qvw_l2FPainelCNJqvwamphost=QVS40neodimio03ampanonymous=trueampsheet=shResumoDespFT gt Uacutelti-mo Acesso em 08112020

Filipe de Arauacutejo Vieira

211Revista Novatio 1ordf ediccedilatildeo ndash 2020

Poder Judiciaacuterio do Estado da Bahia ISBN 978-65-89459-01-9

______ Termo de Cooperaccedilatildeo Teacutecnica nordm 0162019CNJ ndash MJSP Disponiacutevel em lt httpswwwcnjjusbrwp-contentuploads202009TCOT-016_2019pdf gt Uacuteltimo acesso em 10112020

DONIZETTI Elpiacutedio Curso Didaacutetico de Direito Processual Civil 22 ed rev ampl e atual Satildeo Paulo Atlas 2019

GARCIA Leonardo de Medeiros Coacutedigo de Defesa do Consumidor Comentado artigo por artigo 13ordf ed rev ampl e atual Salvador JusPODIVM 2016

GRINOVER Ada Pellegrini FILOMENO Joseacute Geraldo Brito ET AL Coacutedigo Brasileiro de Defesa do Consumidor comentado pelos Autores do Anteprojeto 10ordf Vol I rev atual e refor-mulada Rio de Janeiro Forense Universitaacuteria 2011

MARQUES Claudia Lima BESSA Leonardo Roscoe BENJAMIN Antonio Herman de Vascon-cellos Manual de Direito do Consumidor ndash 7ordf ed Rev atual e ampl Satildeo Paulo Revista dos Tribunais 2016

Secretaria Nacional do Consumidor Ministeacuterio da Justiccedila e Seguranccedila Puacuteblica SINDEC Bole-tim ndash 2019 Disponiacutevel em lt httpswwwdefesadoconsumidorgovbrimages2020Boletim_Sindec_2019pdfgt Uacuteltimo acesso em 10112020

Tribunal de Justiccedila do Estado da Bahia Parceria entre e Tribunal de Justiccedila da Bahia e Procon vai fortalecer defesa dos Direitos do Consumidor Disponiacutevel em lt httpwww5tjbajusbrportal1234 gt Uacuteltimo Acesso em 08112020

WADA Ricardo Morishita (Coord) Os conflitos a regulaccedilatildeo e o direito do consumidor Rio de Janeiro Escola de Direito do Rio de Janeiro da Fundaccedilatildeo Getulio Vargas 2015 Dispo-niacutevel em lt httpsbibliotecadigitalfgvbrdspacebitstreamhandle1043813975Os20conflitos2c20a20regulac3a7c3a3ordm20e20o20direito20do20consumidorpdfsequence=1ampisAllowed=y gt Uacuteltimo acesso em 12112020

WATANABE Kazuo Reforma do CPC perdeu oportunidade de melhorar sistema das accedilotildees co-letivasrdquo Disponiacutevel em lt httpswwwconjurcombr2019-jun-09entrevista-kazuo--watanabe-advogado gt Uacuteltimo acesso em 10112020

A melhoria da prestaccedilatildeo jurisdicional a partir do fortalecimento das accedilotildees articuladas com oacutergatildeos de defesa do consumidor em vista da desjudicializaccedilatildeo das demandas

  • PrefaacutecioOs Juizados Especiais e o acesso agrave justiccedila
  • Dano moral natildeo eacute soacute sofrimento a crescente superaccedilatildeo do ldquomero aborrecimentordquo
    • Marcos Dessaune
      • Os juizados especiais e sua funccedilatildeo atemporal de acesso amplo agrave justiccedila
        • Alexandre Chini
        • Marcelo Moraes Caetano
          • A tutela do superendividamento como irradiaccedilatildeo dos direitos fundamentais nas relaccedilotildees de consumo
            • Fabiana Andreacutea de Almeida Oliveira Pellegrino
              • Primeiras linhas quanto ao impacto da Lei Geral de Proteccedilatildeo de Dados na forccedila probante dos documentos eletrocircnicos em processos submetidos aos Juizados Especiais de relaccedilotildees de consumo
                • Belmiro Vivaldo Santana Fernandes
                • Michelline Soares Bittencourt Trindade Luz
                  • O sistema multiportas como propulsor do acesso agrave Justiccedila no acircmbito do juizado de Fazenda Puacuteblica
                    • Ana Conceiccedilatildeo Barbuda Sanches Guimaratildees Ferreira
                    • Ana Baacuterbara Barbuda Ferreira Motta
                      • Contribuiccedilotildees da jurimetria para a administraccedilatildeo da justiccedila
                        • Caroline Dantas Godeiro de Araujo
                        • Eacuterica Baptista Vieira de Meneses
                          • O superendividamento tutelado no acircmbito do Sistema dos Juizados Especiais do Tribunal de Justiccedila do Estado da Bahia
                            • Maria Joseacute Oliveira e Silva
                              • Audiecircncia de conciliaccedilatildeo no acircmbito dos Juizados Especiais da Fazenda Puacuteblicaa indispensaacutevel concretizaccedilatildeodo acesso agrave ordem juriacutedica justa
                                • Maria Joseacute Oliveira e Silva
                                • Nataacutelia Cavalcanti de Arauacutejo
                                • Paula Gargur Calmon Teixeira da Silva
                                  • Desafios agrave aplicaccedilatildeo dos meacutetodos autocompositivos nas demandas de sauacutede suplementar construindo novos caminhos de acesso agrave justiccedila
                                    • Gabriela Silva Sady
                                    • Henrique Costa Princhak
                                    • Lucas Macedo Silva
                                      • Inovaccedilotildees tecnoloacutegicas no direito uma anaacutelise da (im)possibilidade de citaccedilatildeo por aplicativos de mensagem instantacircnea nos Juizados Especiais Ciacuteveis da Bahia
                                        • Amanda Leite Souza Alves
                                        • Lucas Duailibe Maia
                                        • Mariely Lago Vianna Nogueira
                                          • Direito fundamental agrave saude e ativismo judicial uma anaacutelise da jurisprudecircncia do Supremo Tribunal Federal
                                            • Ana Conceiccedilatildeo Barbuda Sanches Guimaratildees Ferreira
                                            • Ana Baacuterbara Barbuda Ferreira Motta
                                              • A fixaccedilatildeo da competecircncia nas accedilotildees de responsabilidade civil meacutedica em planos de sauacutede de autogestatildeo
                                                • Amanda Leite Souza Alves
                                                • Ana Paula Cruz de Santana
                                                • Rodolfo Oliveira Dourado
                                                  • Nuances da uniformizaccedilatildeo de jurisprudecircncia e advento do IRDR no CPC2015 para suas aplicabilidades nos Juizados Especiais
                                                    • Iuri Santos Ferreira da Silva
                                                      • A melhoria da prestaccedilatildeo jurisdicional a partir do fortalecimento das accedilotildees articuladas com oacutergatildeos de defesa do consumidor em vista da desjudicializaccedilatildeo das demandas
                                                        • Filipe de Arauacutejo Vieira
Page 4: COORDENAÇÃO DO SISTEMA DOS JUIZADOS ESPECIAIS …

4 Revista Novatio 1ordf ediccedilatildeo ndash 2020

Poder Judiciaacuterio do Estado da Bahia ISBN 978-65-89459-01-9

Sumaacuterio

Prefaacutecio Os Juizados Especiais e o acesso agrave justiccedila 6Fabiana Andreacutea de Almeida Oliveira Pellegrino

Dano moral natildeo eacute soacute sofrimento a crescente superaccedilatildeo do ldquomero aborrecimentordquo 12Marcos Dessaune

Os juizados especiais e sua funccedilatildeo atemporal de acesso amplo agrave justiccedila 15Alexandre ChiniMarcelo Moraes Caetano

A tutela do superendividamento como irradiaccedilatildeo dos direitos fundamentais nas relaccedilotildees de consumo 29Fabiana Andreacutea de Almeida Oliveira Pellegrino

Primeiras linhas quanto ao impacto da Lei Geral de Proteccedilatildeo de Dados na forccedila probante dos documentos eletrocircnicos em processos submetidos aos Juizados Especiais de relaccedilotildees de consumo 51Belmiro Vivaldo Santana FernandesMichelline Soares Bittencourt Trindade Luz

O sistema multiportas como propulsor do acesso agrave Justiccedila no acircmbito do juizado de Fazenda Puacuteblica 68Ana Conceiccedilatildeo Barbuda Sanches Guimaratildees FerreiraAna Baacuterbara Barbuda Ferreira Motta

Contribuiccedilotildees da jurimetria para a administraccedilatildeo da justiccedila 84Caroline Dantas Godeiro de AraujoEacuterica Baptista Vieira de Meneses

O superendividamento tutelado no acircmbito do Sistema dos Juizados Especiais do Tribunal de Justiccedila do Estado da Bahia 98Maria Joseacute Oliveira e Silva

5Revista Novatio 1ordf ediccedilatildeo ndash 2020

Poder Judiciaacuterio do Estado da Bahia ISBN 978-65-89459-01-9

Audiecircncia de conciliaccedilatildeo no acircmbito dos Juizados Especiais da Fazenda Puacuteblica a indispensaacutevel concretizaccedilatildeo do acesso agrave ordem juriacutedica justa 110Maria Joseacute Oliveira e SilvaNataacutelia Cavalcanti de ArauacutejoPaula Gargur Calmon Teixeira da Silva

Desafios agrave aplicaccedilatildeo dos meacutetodos autocompositivos nas demandas de sauacutede suplementar construindo novos caminhos de acesso agrave justiccedila 126Gabriela Silva SadyHenrique Costa PrinchakLucas Macedo Silva

Inovaccedilotildees tecnoloacutegicas no direito uma anaacutelise da (im)possibilidade de citaccedilatildeo por aplicativos de mensagem instantacircnea nos Juizados Especiais Ciacuteveis da Bahia 140Amanda Leite Souza AlvesLucas Duailibe MaiaMariely Lago Vianna Nogueira

Direito fundamental agrave saude e ativismo judicial uma anaacutelise da jurisprudecircncia do Supremo Tribunal Federal 155Ana Conceiccedilatildeo Barbuda Sanches Guimaratildees FerreiraAna Baacuterbara Barbuda Ferreira Motta

A fixaccedilatildeo da competecircncia nas accedilotildees de responsabilidade civil meacutedica em planos de sauacutede de autogestatildeo 171Amanda Leite Souza AlvesAna Paula Cruz de SantanaRodolfo Oliveira Dourado

Nuances da uniformizaccedilatildeo de jurisprudecircncia e advento do IRDR no CPC2015 para suas aplicabilidades nos Juizados Especiais 187Iuri Santos Ferreira da Silva

A melhoria da prestaccedilatildeo jurisdicional a partir do fortalecimento das accedilotildees articuladas com oacutergatildeos de defesa do consumidor em vista da desjudicializaccedilatildeo das demandas 197Filipe de Arauacutejo Vieira

Sumaacuterio

6 Revista Novatio 1ordf ediccedilatildeo ndash 2020

Poder Judiciaacuterio do Estado da Bahia ISBN 978-65-89459-01-9

Prefaacutecio Os Juizados Especiais

e o acesso agrave justiccedila

A importacircncia do Poder Judiciaacuterio e em especial dos Juizados Espe-ciais para o acesso agrave Justiccedila adquire contornos ainda mais fortes em razatildeo da forccedila maior por que passamos tendo em vista toda a desconstruccedilatildeo de pilares convivenciais e as repercussotildees patrimoniais e imateriais na vida das pessoas

Atualmente nos vemos diante do desafio de compreender institutos juriacutedicos numa realidade caleidoscoacutepica pandecircmica e digital marcada pela instabilidade econocircmica fragmentaccedilatildeo de ideias e valores multiplici-dade de fontes juriacutedicas materiais e formais aleacutem de inovaccedilotildees tecnoloacutegi-cas que ressignificam os caminhos processuais

Os dados do relatoacuterio World Economic Outlook do Fundo Monetaacuterio Internacional ndash FMI avalia para 2020 uma recessatildeo global de 49 e no Brasil um recuo do Produto Interno Bruto na ordem de 91

O aumento dos gastos puacuteblicos para conter a pandemia e o afrouxa-mento fiscal foram fatores que naturalmente elevaram a diacutevida brasileira com o FMI para 1023 do PIB em 2020 e embora se projete melhora para o ano de 2021 com recuo da diacutevida para 1006 do PIB fato eacute que vivemos um periacuteodo de incertezas e uma forccedila maior da envergadura do Covid-19 fragiliza qualquer tentativa de futurologia

Na atualidade segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatiacutesti-cas ndash IBGE a taxa de desocupaccedilatildeo no paiacutes aumentou 276 somente nos primeiros quatro meses de pandemia somando mais de 137 milhotildees de desempregados com maior concentraccedilatildeo nas regiotildees norte e nordeste Ademais o consumo das famiacutelias caiu em torno de 125 no segundo trimestre do ano e o aumento do custo de vida impactou diretamente na adimplecircncia dos mais diversos contratos privados

Segundo a recente Pesquisa de Endividamento e Inadimplecircncia do Consumidor ndash PEIC de outubro de 2020 realizada pela Confederaccedilatildeo Na-cional do Comeacutercio de Bens Serviccedilos e Turismo ndash CNC 665 das famiacutelias brasileiras estatildeo endividadas com maior concentraccedilatildeo nos que recebem ateacute 10 salaacuterios miacutenimos Desses 433 estatildeo com diacutevidas atrasadas por periacuteodo superior a 90 dias 231 com comprometimento de mais de 50

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Poder Judiciaacuterio do Estado da Bahia ISBN 978-65-89459-01-9

de sua renda mensal e 119 natildeo tem qualquer condiccedilatildeo de quitar as suas diacutevidas O vilatildeo desse endividamento eacute o cartatildeo de creacutedito (785) segui-do pelos carnes (164) financiamento de carro (107) financiamento de casa (99) creacutedito pessoal (86) creacutedito consignado (62)

Nesse cenaacuterio estaacute na ordem do dia a necessidade de diaacutelogos coo-perativos e leais entre os contratantes a necessidade de poliacuteticas puacuteblicas do Poder Executivo que previnam o aumento das causas do desemprego bem assim a urgecircncia de inovaccedilotildees legislativas que disciplinem as confli-tuosidades contemporacircneas e a atuaccedilatildeo firme do Poder Judiciaacuterio para efetivar direitos fundamentais

Eacute nesse cenaacuterio que no ano de 2020 comemoramos os 25 anos da Lei dos Juizados Especiais e 30 anos do Coacutedigo de Defesa do Consumidor leis que guardam relaccedilatildeo histoacuterica com o resgate da democracia solidari-zaccedilatildeo socializaccedilatildeo cidadania e acesso agrave justiccedila e que sendo visionaacuterias destinaram-se a realizar os objetivos fundamentais da nossa naccedilatildeo (art 3ordm da CF)

Tratam-se de duas leis de fundamentalidade constitucional uma principioloacutegica e outra processual desburocratizada de forte oralidade sendo o somatoacuterio de ambas o combustiacutevel e o veiacuteculo para a execuccedilatildeo de uma Poliacutetica Nacional das Relaccedilotildees de consumo (art 5 IV do CDC) e construccedilatildeo de uma sociedade livre justa e solidaacuteria que garanta a prote-ccedilatildeo dos direitos dos consumidores numa sociedade de notoacuteria prevalecircn-cia das forccedilas capitalistas de mercado em detrimento da vulnerabilidade teacutecnica juriacutedica e econocircmica do consumidor

Respeitados os limites de valor da causa mateacuteria sujeita ao procedi-mento especial complexidade bem como pessoas aptas a figurar como parte nas demandas de consumo os nuacutemeros apresentados pelo Conse-lho Nacional de Justiccedila no Relatoacuterio Justiccedila em Nuacutemeros 2020 demons-tram que os Juizados Especiais satildeo as portas escancaradas da Justiccedila para o amplo acesso de todo cidadatildeo que sofra lesatildeo ou ameaccedila a seu direito atraveacutes de um procedimento ceacutelere informal barato que preza sobremo-do pela soluccedilatildeo consensual do conflito

Segundo o Relatoacuterio Justiccedila em Nuacutemeros 2020 susomencionado embora tenhamos cerca de 8 juiacutezes por 100 mil habitantes (1 juiz para cada 12500 habitantes) distribuem-se 14000 novos processos a cada 100 mil habitantes Somente em 2019 foram distribuiacutedos mais de 20 milhotildees de casos novos na justiccedila de primeiro grau sendo os Juizados Estaduais responsaacuteveis por mais de 6 milhotildees trezentos e quarenta e cinco mil sen-

Fabiana Andreacutea de Almeida Oliveira Pellegrino

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Poder Judiciaacuterio do Estado da Bahia ISBN 978-65-89459-01-9

tenccedilas (de um total de 22 milhotildees) portanto quase trinta por cento das sentenccedilas de primeiro grau do pais

Na Bahia foram distribuiacutedos em 2019 481684 processos e julgados mais de 540000 processos Numa deacutecada triplicaram a distribuiccedilatildeo e os julgamentos no sistema dos juizados especiais da Bahia Isso eacute resultado de aspectos positivos e negativos como as facetas de uma mesma moeda

Os positivos relacionam-se com a credibilidade depositada nessa via jurisdicional ceacutelere e efetiva a partir da fluidez da Lei Federal nordm 909995 cujos criteacuterios reitores permitem a desburocratizaccedilatildeo da justiccedila Outros-sim pode-se referir o trabalho incessante de informaccedilatildeo feito pelos oacuter-gatildeos privados e puacuteblicos a exemplo do que fazem os oacutergatildeos encarrega-dos da proteccedilatildeo do consumidor talhando assim um jurisdicionado mais consciente de seus direitos

Os negativos concentram-se nas crescentes lides artificiais na cultura do litiacutegio na fotografia de uma sociedade de consumo em que muitos fornecedores de produtos e serviccedilos relutam a se conduzir segundo os signos da boa-feacute objetiva e funcionalizaccedilatildeo dos contratos

Em relaccedilatildeo agraves demandas de massa vejam que o Coacutedigo de Defesa do Consumidor traz em seu bojo um rico manancial principioloacutegico com destaque para os seus conceitos abertos o que o torna permeaacutevel agraves no-vas conflitualidades (superendividamento os contratos e-commerce os que envolvam as criptomoedas etc) permitindo o pleno acesso agrave decisotildees justas a partir de uma adequada hermenecircutica

Natildeo haacute duacutevida de que a relaccedilatildeo simbioacutetica entre o CDC e a Lei Fede-ral nordm 909995 garante o pleno acesso agrave justiccedila Germinadas a partir dos comandos da Constituiccedilatildeo Federal de 1988 ambas materializam respec-tivamente o direito fundamental agrave defesa do consumidor (art 5ordm inciso XXXII da CF88) e o direito fundamental do acesso agrave justiccedila (art 5ordm inciso XXXV da CF88) entendido como direito agraves iniciativas e decisotildees social-mente justas que atendam ao vetor da funcionalizaccedilatildeo procedimental e efetiva soluccedilatildeo do litiacutegio

Percebemos que para aleacutem de ser uma questatildeo juriacutedico-formal o acesso agrave justiccedila traduz um problema de igualdade como deixa claro o art 10 da Declaraccedilatildeo Universal dos Direitos do Homem integrada ao nosso ordenamento juriacutedico por forccedila do art 52 sect 22 da Constituiccedilatildeo Federal de 1988 ao dispor que ldquoToda pessoa tem direito em plena igualdade a uma audiecircncia justa e puacuteblica por parte de um tribunal independente e imparcial para decidir de seus direitos e deveresrdquo

Prefaacutecio Acesso agrave Justiccedila Poder Judiciaacuterio e Direito do Consumidor

9Revista Novatio 1ordf ediccedilatildeo ndash 2020

Poder Judiciaacuterio do Estado da Bahia ISBN 978-65-89459-01-9

Eacute indeleacutevel ser o procedimento permitido pela Lei Federal nordm 909995 o caminho mais eficiente para realizar a tutela dos direitos dos mais vulne-rabilizados equalizando-se a relaccedilatildeo negocial Natildeo eacute por outra razatildeo que a Lei Federal nordm 909995 atende aos questionamentos levantados com a primeira e terceira ondas tratadas por Mauro Cappelletti na pesquisa de-nominada Projeto Florenccedila na deacutecada de 70 dispondo ao cidadatildeo com enfoque na oralidade uma justiccedila desburocratizada raacutepida informal e barata que reconhece na fase conciliatoacuteria o acircmago da sua engrenagem dando contornos proacuteprios agrave noccedilatildeo de sociedade fraterna que preza pela harmonia social e soluccedilatildeo paciacutefica das controveacutersias

Vejam que a histoacuteria dos Juizados Especiais alvorece nos Estados Uni-dos a partir da primeira metade do seacuteculo XX com as denominadas Small Claimrsquos Courts e as Common Manrsquos Court cujo desiderato era justamente solver as questotildees ligadas agrave ampliaccedilatildeo do consumo de massa diante dos modelos tayloriano e fordista de produccedilatildeo

Eacute importante rememorar que agrave eacutepoca da Constituinte a sociedade brasileira estava emersa numa sociedade de consumo forjada ao longo da revoluccedilatildeo industrial sobretudo a partir da irradiaccedilatildeo do modelo de produccedilatildeo em seacuterie e consumo em massa

Jaacute viviacuteamos numa sociedade do desejo da cultura do endividamento de relaccedilotildees liacutequidas de uma moral social centrada na forccedila de consumo de contratos standartizados das chamadas contrataccedilotildees em silecircncio ou sem diaacutelogo das condutas sociais tiacutepicas (uso de tickets de caixas automaacute-ticos senhas recibos etc) de clara desigualdade do consumidor nas rela-ccedilotildees de consumo estimulando a procura da identidade pessoal e social a partir do pertencimento material

As modificaccedilotildees no modo de produccedilatildeo e na relaccedilatildeo entre o capital e o trabalho o redesenho consequente das relaccedilotildees sociais e comerciais no mundo tudo ocorria numa modelagem encadeada em detrimento da qualidade e seguranccedila dos bens e serviccedilos da precisa informaccedilatildeo aos consumidores vinculaccedilatildeo das ofertas com estabelecimento unilateral de claacuteusulas abusivas e leoninas que sobrepujavam os consumidores minguando a falsa ideia de que assegurando-se a liberdade contratual se estaria assegurando a justiccedila contratual

Portanto eacute justamente num ambiente de fortalecimento da cida-dania atendendo igualmente a um comando constitucional que a Lei Federal nordm 909995 surgiu disciplinando o rito dos Juizados Especiais nos Estados para garantir a amplificaccedilatildeo do acesso agrave Justiccedila de todos que

Fabiana Andreacutea de Almeida Oliveira Pellegrino

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estivessem com demandas diversas reprimidas e em especial as de con-sumo prestigiando sobremodo uma justiccedila participativa e coexistencial

Desse modo eacute possiacutevel afirmar que os Juizados Especiais represen-tam o revigoramento da legitimaccedilatildeo do Poder Judiciaacuterio perante o povo e do fomento agrave cultura juriacutedica no sentido da composiccedilatildeo amigaacutevel reve-lando-se notaacutevel instrumento de democratizaccedilatildeo de uma Justiccedila simples ceacutelere eficiente e natildeo onerosa afinal esse eacute o compromisso impliacutecito assu-mido pelo Estado quando vedou a autotutela oferecendo em contraparti-da o processo ao cidadatildeo

Eacute importante destacar que a Lei dos Juizados Especiais veio ao encon-tro de uma preocupaccedilatildeo mundial de tornar o Poder Judiciaacuterio acessiacutevel aos menos favorecidos inclusive os estendendo aos lugares onde ocorres-sem os conflitos prestigiando mesmo a ideia de tratamento comunitaacuterio ou de aproximaccedilatildeo do Ente Puacuteblico agrave vida social e ao povo fonte legiacutetima do Poder Democraacutetico permitindo ao cidadatildeo a pratica do proacuteprio direito

Natildeo foi de outra forma a previsatildeo da defesa do consumidor como direito fundamental e o Coacutedigo de Defesa do Consumidor como instru-mento para essa defesa como uma lei imperativa de ordem puacuteblica e in-teresse social que permitiu o intervencionismo estatal nas relaccedilotildees priva-das contratuais no intuito de relativizar ou mesmo controlar a liberdade contratual a partir de novos paradigmas dando sentido ao ideal de uma sociedade justa solidaacuteria e sobretudo igualitaacuteria

E por certo o ecircxito da atuaccedilatildeo estatal nas relaccedilotildees privadas de con-sumo perpassa por vias processuais racionalizadas para a contemporanei-dade como soacutei ser o procedimento dos Juizados Especiais

O proacuteprio Conselho Nacional de Justiccedila reconhecendo o papel pro-tagonista da resoluccedilatildeo alternativa dos conflitos para alcance dos objetivos estrateacutegicos do Poder Judiciaacuterio especialmente a responsabilidade social eficiecircncia operacional e pleno acesso ao Sistema de Justiccedila sedimentou essa diretriz na Resoluccedilatildeo 125 de 2010 revigorada sucessivamente em suas atualizaccedilotildees entre as quais merece destaque a mais recente Resolu-ccedilatildeo 326 de 2020

Isso inclusive vem ao encontro da Agenda 2030 que estabelece como 16ordm objetivo de desenvolvimento sustentaacutevel promover sociedades pacificas e inclusivas para o desenvolvimento sustentaacutevel proporcionar o acesso agrave justiccedila para todos e construir instituiccedilotildees eficazes responsaacuteveis e inclusivas em todos os niacuteveis

Prefaacutecio Acesso agrave Justiccedila Poder Judiciaacuterio e Direito do Consumidor

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Eacute preciso que se intensifique a poliacutetica nacional de soluccedilatildeo paciacutefica dos conflitos sob pena de restar prejudicado o proacuteprio acesso agrave justiccedila O CNJ tem sido incansaacutevel nessa lida o que bem demonstra a recente Resoluccedilatildeo nordm 3262020 na qual foram previstos os preciosos Centros Judi-ciaacuterios de Resoluccedilatildeo de Conflitos Regionais ndash CEJUSCs Regionais

Nessa senda calha ressaltar o projeto piloto de integraccedilatildeo entre os sistemas PJE e a plataforma Consumidorgov desenvolvido pelo Tribunal de Justiccedila do Distrito Federal e Territoacuterios assim como a plataforma Ne-gociaccedilatildeo Virtual no Projudi-BA desenvolvido pelo Poder Judiciaacuterio do Estado da Bahia nos Juizados Especiais vem ao encontro do pleno acesso agrave justiccedila em sua acepccedilatildeo mais consentacircnea com os propoacutesitos de soluccedilatildeo efetiva do conflito destacando-se a fase da conciliaccedilatildeo Do mesmo modo o Nuacutecleo de Prevenccedilatildeo e Tratamento do Superendividamento do Poder Judiciaacuterio da Bahia que se propotildee na esfera extraprocessual a tentar a conciliaccedilatildeo entre os contratantes de modo coletivo para possibilitar reco-meccedilos dignos dos endividados

Desse modo os Juizados Especiais realizam a funccedilatildeo social do pro-cesso datildeo especial valor agraves regras de experiecircncia comum buscam deci-sotildees mais justas e equacircnimes conforme os fins sociais da lei e exigecircncias do bem comum atendendo ao anseio popular de acesso a uma ordem juriacutedica justa

Por todo o escandido exaltemos os Juizados Especiais e continue-mos no empenho efervescente por seu fortalecimento lembrando sempre de Zigmunt Bauman quando disse que nenhuma sociedade que esquece a arte de questionar pode esperar encontrar respostas para os problemas que a afligem

Fabiana Andreacutea de Almeida Oliveira PellegrinoJuiacuteza Coordenadora do Sistema Estadual dos Juizados Especiais

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Fabiana Andreacutea de Almeida Oliveira Pellegrino

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Dano moral natildeo eacute soacute sofrimento a crescente superaccedilatildeo do

ldquomero aborrecimentordquo

Marcos Dessaune1

1 Advogado consultor e palestrante autor da Teoria do Desvio Produtivo do Consumidor e do Coacutedigo de Atendimento ao Consumidor Customer Service Code aleacutem de membro do Instituto Brasilcon e da Comissatildeo Especial de Defesa do Consumidor do CFOAB

Em sua obra ldquoA induacutestria do mero aborrecimentordquo Miguel Barreto (2016) registra que a Emenda Constitucional 45 que foi promulgada em 2004 reformou o Poder Judiciaacuterio e criou o Conselho Nacional de Justiccedila (CNJ) Em 2009 o CNJ implantou metas de produtividade para o Poder Ju-diciaacuterio especialmente para reduzir o acervo de processos existentes bem como para que fossem julgados mais processos do que os distribuiacutedos durante o ano

Barreto acrescenta que objetivando evitar a multiplicaccedilatildeo de proces-sos gerados por condutas repetidamente abusivas de certos fornecedores naquela eacutepoca os tribunais brasileiros criaram uma ldquojurisprudecircncia defen-sivardquo ora para negar indenizaccedilotildees ora para reduzir seu valor de modo a desestimular novas accedilotildees

Nesse contexto surgiu a hoje chamada jurisprudecircncia do ldquomero aborrecimentordquo que pode ser resumida neste julgamento de 2009 do Superior Tribunal de Justiccedila (STJ) no Recurso Especial 844736DF ldquoSoacute deve ser reputado como dano moral a dor vexame sofrimento ou hu-milhaccedilatildeo que fugindo agrave normalidade interfira intensamente no com-portamento psicoloacutegico do indiviacuteduo causando-lhe afliccedilotildees anguacutestia e desequiliacutebrio em seu bem-estar Mero dissabor aborrecimento maacutegoa irritaccedilatildeo ou sensibilidade exacerbada estatildeo fora da oacuterbita do dano mo-ral porquanto tais situaccedilotildees natildeo satildeo intensas e duradouras a ponto de romper o equiliacutebrio psicoloacutegico do indiviacuteduordquo

Tal entendimento reverbera um conceito antigo de ldquodano moralrdquo cujo grande expoente no Brasil eacute o professor Sergio Cavalieri Filho Embora jaacute

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esteja superado pela doutrina contemporacircnea e pelo proacuteprio autor que atualizou seu entendimento tal conceito continuou a ser reproduzido in-discriminadamente no Direito brasileiro Nesse sentido Fernando Noronha (2013) acrescenta inclusive que existe uma ldquotradicional confusatildeordquo entre danos extrapatrimoniais e danos morais presente em praticamente todos os autores reputados como ldquoclaacutessicos nesta mateacuteriardquo

Sendo assim e com base em diversos autores como os proacuteprios Ca-valieri e Noronha passei a sustentar que os danos extrapatrimoniais por serem tradicionalmente chamados de ldquodanos moraisrdquo podem ser classifi-cados em duas espeacutecies dano moral stricto sensu e dano moral lato sensu O primeiro decorre da lesatildeo agrave integridade psicofiacutesica da pessoa ndash cujo re-sultado geralmente satildeo sentimentos negativos como a dor e o sofrimento ndash enquanto o uacuteltimo resulta da lesatildeo a um atributo da personalidade ou da violaccedilatildeo agrave dignidade humana

Apoacutes estudar a problemaacutetica na Teoria aprofundada do Desvio Pro-dutivo do Consumidor (DESSAUNE 2017) cheguei agrave conclusatildeo que o en-tendimento jurisprudencial de que o consumidor ao enfrentar problemas de consumo criados pelos proacuteprios fornecedores sofre ldquomero dissabor ou aborrecimentordquo e natildeo dano moral indenizaacutevel revela um raciociacutenio construiacutedo sobre bases equivocadas que naturalmente conduzem a essa conclusatildeo errocircnea O primeiro equiacutevoco eacute que o conceito de dano moral enfatizaria as consequecircncias emocionais da lesatildeo enquanto ele jaacute evoluiu para centrar-se no bem ou interesse juriacutedico atingido ou seja o objeto do dano moral era a dor o sofrimento a humilhaccedilatildeo o abalo psicofiacutesico e se tornou qualquer atributo da personalidade humana lesado O segundo (equiacutevoco) eacute que nos eventos de desvio produtivo o principal bem ou interesse juriacutedico atingido seria a integridade psicofiacutesica da pessoa consu-midora enquanto na realidade satildeo o seu tempo vital e as suas atividades existenciais ndash como trabalho estudo descanso lazer conviacutevio social e familiar etc O terceiro (equiacutevoco) eacute que esse tempo existencial natildeo seria juridicamente tutelado enquanto na verdade ele se encontra protegido tanto no rol aberto dos direitos da personalidade quanto no acircmbito do direito fundamental agrave vida Por conseguinte o loacutegico eacute concluir que as si-tuaccedilotildees de desvio produtivo do consumidor acarretam no miacutenimo dano moral lato sensu indenizaacutevel

Com a disseminaccedilatildeo da nova Teoria a partir de 2012 os tribunais bra-sileiros paulatinamente passaram a adotaacute-la e a aplicaacute-la assim iniciando um processo de gradual transformaccedilatildeo daquela jurisprudecircncia defensiva

Marcos Dessaune

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que ateacute entatildeo e em grande medida natildeo reconhecia a existecircncia de danos morais em casos em que eles estavam claramente presentes sob o fun-damento de haver ldquomero dissabor ou aborrecimentordquo normal na vida do consumidor

O auge da superaccedilatildeo da jurisprudecircncia em tela ocorreu em dezem-bro de 2018 quando o Oacutergatildeo Especial do Tribunal de Justiccedila do Rio de Janeiro (TJRJ) revogou por unanimidade de votos apoacutes provocaccedilatildeo da Ordem dos Advogados do Brasil ndash Seccedilatildeo do Rio de Janeiro (OABRJ) o Ver-bete Sumular 75 que havia sido criado em 2004 e ficara conhecido como a ldquoSuacutemula do Mero Aborrecimentordquo Tanto o pedido da OABRJ quanto a decisatildeo do TJRJ basearam-se na Teoria do Desvio Produtivo

Em dezembro de 2019 desejando avanccedilar ainda mais na defesa cons-titucionalmente garantida ao vulneraacutevel a OABRJ pediu ao mesmo TJRJ a sumulaccedilatildeo da Teoria do Desvio Produtivo para trazer mais proteccedilatildeo aos consumidores que a despeito de todos os recentes avanccedilos doutrinaacuterios e jurisprudenciais ainda satildeo lesados diariamente num de seus bens mais preciosos o seu tempo vital

Portanto eacute liacutecito concluir que dano moral natildeo eacute soacute sofrimento eacute tam-beacutem lesatildeo ao tempo ndash entre outros bens juridicamente tutelados Afinal o tempo eacute o suporte impliacutecito da vida que dura certo tempo e nele se desenvolve e a vida enquanto direito da personalidade e direito funda-mental eacute constituiacuteda de atividades existenciais que nela se sucedem

Texto publicado originalmente em httpwww5tjbajusbrportaldano-moral-nao-e-so-sofrimento-a-crescente-superacao-do-mero-aborre-cimento em 23102020

Dano moral natildeo eacute soacute sofrimento a crescente superaccedilatildeo do ldquomero aborrecimentordquo

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Os juizados especiais e sua funccedilatildeo atemporal de acesso amplo agrave justiccedila

1 Juiz de Direito do Estado do Rio de Janeiro (TJRJ) e Auxiliar da Presidecircncia do Supe-rior Tribunal de Justiccedila (STJ) professor da graduaccedilatildeo e da poacutes-graduaccedilatildeo da Univer-sidade Salgado de Oliveira ndash UNUVERSO membro titular da Academia Fluminense de Letras cadeira 50

2 Professor da Universidade do Estado do Rio de Janeiro ndash UERJ professor poacutes-doutro da Universidade de Copenhague membro titular da Academia Brasileira de Filologia cadeira 38

Alexandre Chini1

Marcelo Moraes Caetano2

Resumo Os Juizados Especiais criados no Brasil a partir da Lei 9099 de 1995 revelaram desde sua implementaccedilatildeo pendor democratizan-te e civilizatoacuterio O acesso direto agrave Justiccedila sem necessidade de inter-mediaccedilatildeo propiciou uma revoluccedilatildeo no campo juriacutedico Essa amplia-ccedilatildeo notoacuteria foi articulada por noacutes neste capiacutetulo com a investigaccedilatildeo que a sociologia e a filosofia fomentam em relaccedilatildeo aos fenocircmenos de massa e seus desdobramentos (ECO 1993) jaacute que os Juizados Espe-ciais por sua iacutendole de acessibilidade abarcam parte muito grande da populaccedilatildeo Ainda contrastamos esse fator com os conceitos an-tropoloacutegicos de ldquonormardquo ldquonormalidaderdquo e ldquonormoserdquo (CREMA LELOUP WEIL 2001 CAETANO 2020) que abrangem o ser humano em seu lado individual psicoloacutegico de sujeito mas tambeacutem em sua face so-cial e coletiva Assim propusemos a explicitaccedilatildeo de algumas ideias de campos do conhecimento como antropologia e sociologia que dialo-guem com a aptidatildeo inclusiva e civilizatoacuteria dos Juizados Especiais o que se confirmou mercecirc dos vinte e cinco anos de seu ecircxito no Brasil

Palavras-chave Juizados Especiais Inclusatildeo Normalidade Norma Normose

1 INTRODUCcedilAtildeO

No ano de 2020 podemos averiguar o ecircxito da implementaccedilatildeo dos Juizados Especiais a partir da Lei Federal nordm 9099 de 26 de setembro de 1995 Os vinte e cinco anos que avultam e sobressaem daquela entatildeo

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promissora proposta de alternativa jurisdicional ora se consagram como verdadeira revoluccedilatildeo no campo juriacutedico brasileiro

Muitos aspectos poderiam ser sintetizados da iniciativa O proacuteprio FONAJE ndash Foacuterum Nacional dos Juizados Especiais ndash denota o entusiasmo perpetuado pelo desenlace beneacutefico da referida Lei de 1995 Sua iacutendole desformalizada sincreacutetica amplamente democraacutetica sumariiacutessima fo-mentadora da mediaccedilatildeo e conciliaccedilatildeo indutora da resoluccedilatildeo paciacutefica dos conflitos tudo isso descongestionou os estoques processuais e como consequecircncia trouxe aliacutevio aos sujeitos cidadatildeos participantes da Justiccedila em seu fundo e forma mais apreciaacuteveis

No que se refere agrave sociologia eacute correto falarmos que o direito quan-do do ecircxito dos Juizados Especiais logrou atingir o que se enlaccedila com as questotildees de cultura de massa

Isso porque os Juizados Especiais revelaram arraigada vocaccedilatildeo para inclusatildeo extensa e intensa da populaccedilatildeo brasileira aumentando de forma estatisticamente comprovada o acesso agrave Justiccedila condiccedilatildeo fundamental para que se possa falar na existecircncia de um Estado Democraacutetico de Direito

Entendemos numa abordagem jusfilosoacutefica e cientiacutefica do direito que os aspectos antropoloacutegicos e discursivos da sociedade propiciam um panorama a um tempo amplo e profundo dentro dos limites compreen-didos pela extensatildeo exiacutegua desta anaacutelise do caraacuteter civilizatoacuterio que a Justiccedila e seus mecanismos e dinacircmicas operam

Assim ombreada agraves questotildees de cultura de massa amparadas por esses Juizados procedemos agrave anaacutelise da antropologia num de seus as-pectos natildeo apenas teoacutericos como tambeacutem praacuteticos ou aplicados todo o arcabouccedilo de que esta ciecircncia humana se vale para construir pontes que perpassem os aspectos inclusivos da sociedade Para tanto eacute mister que nos valhamos da pesquisa sobre itens da pauta como a chamada ldquonorma-lidaderdquo que se espelha na norma juriacutedica o caminhar dessa ldquonormalida-derdquo em direccedilatildeo a seu desgaste presente no quase inexplorado conceito psicossocial de normose (CREMA LELOUP WEIL 2001 CAETANO 2020) e por fim a atualizaccedilatildeo de novas ldquonormalidadesrdquo hauridas da presentifi-caccedilatildeo da vida real cambiante em seu equiliacutebrio dinacircmico o que requer atualizaccedilotildees das proacuteprias normas do direito a fim de que estas abarquem sempre natildeo apenas uma parte (hegemocircnica) da sociedade mas tambeacutem a populaccedilatildeo que doravante sai do campo perifeacuterico de acesso agrave Justiccedila galgando cidadania jurisdicional

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Nossa proposta neste capiacutetulo seraacute a breve apreciaccedilatildeo dos carac-teres de conteuacutedo e expressatildeo discursivos que causam os fenocircmenos sociais dos sujeitos culturais e juriacutedicos que compotildeem o amplo mosaico da Justiccedila Para isso reitere-se nosso ponto de partida seraacute a antropolo-gia a compreensatildeo do supracitado conceito de normose no campo desta ciecircncia humana e a subsequente anaacutelise de algumas consequecircncias do reconhecimento da importacircncia desse conceito no campo social e mais especificamente juriacutedico

Mas tambeacutem nos abrigamos na anaacutelise discursiva de outro meio de inclusatildeo ampla que promana das sociedades a discursividade dialoacutegica em seu estatuto de comunicaccedilatildeo de massa com as dialeacuteticas presentes nessa realidade

Se existe uma ciecircncia que se encampa no rol das ciecircncias complexas eacute a antropologia o estudo do ser humano dos pontos de vista psiacutequico social cultural Buscaremos aqui perquirir as questotildees que dizem respeito agrave inclusatildeo social em seus aspectos antropoloacutegicos Essa nossa investigaccedilatildeo se justifica pelo fato mesmo de haver articulaccedilatildeo notoacuteria da antropologia com o direito Sobretudo quando nos referimos aos Juizados Especiais cuja campanha primeira como salientamos assenta-se sobre a questatildeo de encarar as ferramentas inclusivas necessaacuterias para se dar guarida agrave maior parte possiacutevel da populaccedilatildeo Nesse aspecto salientaremos toacutepicos cultu-rais e discursivos que marcam a inclusatildeo aludida tratando de questotildees especiacuteficas da relaccedilatildeo dialoacutegica da imprensa como argumento de autori-dade com o grande puacuteblico a ser incluiacutedo no saber social

2 NORMALIDADE NORMA E NORMOSE REFLEXOtildeES SOBRE A INCLUSAtildeO E A CULTURA DE MASSA

A relaccedilatildeo entre ser humano e cultura desafia o senso comum em sua ilusatildeo de que o pensamento cartesiano pretensamente contempla as suas sutilezas infinitas O sono dogmaacutetico que Kant (2004) acusou natildeo pode repousar na antropologia e nos seus desdobramentos inevitaacuteveis agravequelas sociedades que se amparam no direito como forma de vivecircncia e convi-vecircncia

Antes de remeter diretamente agrave obra de Umberto Eco um dos pinaacute-culos desta discussatildeo (ECO 1993) cremos ser necessaacuteria uma breviacutessima incursatildeo na origem dos pensamentos que opotildeem a cultura de massa e a autoridade (a norma juriacutedica aplicada pelo juiz) na circunstacircncia da evo-caccedilatildeo do caraacuteter irretorquiacutevel por exemplo do Magister dixit dos escolaacutes-

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ticos em relaccedilatildeo ao grande estagirita (ARISTOacuteTELES 1983) autoridade das autoridades naquele contexto

Essa oposiccedilatildeo como sabemos remonta agraves discussotildees sobre o papel da pessoa enquanto ser criacutetico ou acriacutetico diante da informaccedilatildeo que seu meio de conviacutevio lhe proporciona seja ela denotativa ou conotativa Em outras palavras questiona-se haacute muito tempo nas searas da filosofia em geral e da filosofia da ciecircncia (epistemologia) em particular indo-se agrave praacutetica da filosofia do direito se a informaccedilatildeo que avanccedila sobre a pessoa encontra nesta um ser ativo ou passivo em dialogismo com aquela infor-maccedilatildeo ou como mero receptaacuteculo diante de um monoacutelogo inconteste

Isso estaacute intrinsecamente ligado ao fator de inclusatildeo que a cultura e comunicaccedilatildeo de massa propicia em seu diaacutelogo Falamos aqui das dis-cursividades plurais que emanam de todas as camadas ou ceacutelulas sociais Essa discussatildeo se potencializa quando a democracia clama pela inserccedilatildeo e integraccedilatildeo de todos os sujeitos como alto-falante referencial das massas nunca desvestida de apelo e manifestaccedilatildeo psiacutequica em suas normalidades inerentes a certos espaccedilos e tempos No outro voacutertice da dialeacutetica as insti-tuiccedilotildees democraacuteticas como mass media se valem da voz das autoridades que se representa na norma inclusive a juriacutedica tambeacutem atrelada a um espaccedilo e um tempo especiacuteficos Como essa dualidade dialoacutegica se sinteti-za num ambiente de apreccedilo e zelo agrave democracia criando a inclusatildeo iacutempar de que o instituto dos Juizados Especiais eacute ao mesmo tempo consequecircn-cia e uma das causas fundamentais

Teriacuteamos nesse encontro das vastas camadas da populaccedilatildeo com as vozes de autoridade sob a campacircnula da democracia o que podemos conceber como um gecircnero discursivo derivado ou indireto para citarmos a Teoria dos atos de fala da Pragmaacutetica Ou seja um ato de fala que natildeo deve ser consumido como se se tratasse de um gecircnero direto Natildeo se pode conceber esse fluxo dialoacutegico como se a informaccedilatildeo fosse um ato de fala constativo que pode ser submetido agrave verificabilidade de onde soacute se pode afirmar ldquosimrdquo ou ldquonatildeordquo Num niacutevel de conteuacutedo e expressatildeo trata-se de um enunciado performativo que pretende ldquoto do things with wordsrdquo (AUSTIN 1962) indo aleacutem da mera verificabilidade e atingindo uma accedilatildeo que se pretende alcanccedilar sendo proferido geralmente no plano da ex-pressatildeo em primeira pessoa no presente do indicativo e na voz ativa Essa mudanccedila de perspectiva em que o papel do Juizado eacute ldquofazer coisas com as palavrasrdquo eacute de caraacuteter profundamente cultural e civilizatoacuterio pois a

Alexandre Chini bull Marcelo Moraes Caetano

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autoridade ndash que emana do povo ndash volta-se ao povo num dosificado clima democraacutetico porquanto inclusivo

Natildeo se pode falar de democracia sem se compreenderem os fatores de inclusatildeo autoridade aceitaccedilatildeo diaacutelogo mudanccedila

Toda essa discussatildeo nasceu com a dialeacutetica socraacutetica (ateacute mesmo an-tes dela) levada agrave paacutetina da literatura por seu aluno desobediente Platatildeo Entre o plano das ideias e o plano das coisas em si pairava o fantasma do simulacro Este pode ser muito bem decalcado mutatis mutandis agrave media-ccedilatildeo performativa diante da ideia da autoridade que se expressa

Os grandes personagens de diaacutelogos de Soacutecrates-Platatildeo a esse respei-to satildeo o ldquoProtaacutegorasrdquo e o ldquoGoacutergiasrdquo eacute claro (PLATAtildeO 1997) Sofistas ambas as personalidades (ou autoridades) foram confrontadas com a existecircncia possiacutevel (e provaacutevel em Soacutecrates-Platatildeo) de uma Verdade Aletheia ou Lo-gos Veritas como se conclama no apanaacutegio de Harvard Assim ldquoo homem como medida de todas as coisasrdquo em Protaacutegoras era cruamente contrasta-do com o Logos socraacutetico-platocircnico esmaecendo Goacutergias ao menos era mais franco em sua forma de retoacuterica sofista recusando uma ldquovirtude uni-versalrdquo (Arete em idioma aacutetico) e relativizando-a de acordo com as classes sociais que perfaziam a Poacutelis Eacute nisso que Goacutergias mas natildeo Protaacutegoras se assemelha aos filoacutesofos ciacutenicos como Antiacutestenes e Dioacutegenes

Prosseguindo a triacuteade grega com Soacutecrates e Platatildeo o fundador do Liceu Aristoacuteteles de Estagira jaacute estudava a retoacuterica como forma de obter ldquomeios de provardquo Segundo ele como eacute consabido esses meios se inicia-vam com o Logos (um rastro de verdade) de seu Mestre Platatildeo mas ime-diatamente se desdobravam em Ethos (a adesatildeo a uma forma de discurso relativamente estaacutevel que encampa certo grupo de pessoas ou audiecircncia) e Pathos (a capacidade enunciativa de convencer aquela audiecircncia pre-tendida) Tratamos do assunto em outros artigos e mais detidamente em recente livro nosso (CAETANO CHINI 2020)

Saltando alguns seacuteculos encontramos em Marx (1988) e em sua dialeacutetica a distinccedilatildeo entre a ldquomassa criacuteticardquo e a ldquomassa de mais-valiardquo uma forma importante de relacionar a recepccedilatildeo dos enunciados perpassada pelo modo de produccedilatildeo capitalista Segundo Marx esses dois Ethi recupe-ram sistematizam e repassam a informaccedilatildeo (denotativa ou conotativa) em funccedilatildeo de seu papel socioeconocircmico numa estrutura herdada da Revolu-ccedilatildeo Industrial Inglesa burguesia e proletariado

Os juizados especiais e sua funccedilatildeo atemporal de acesso amplo agrave justiccedila

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Chegamos finalmente aos tipos ldquoapocaliacutepticosrdquo e aos ldquointegradosrdquo que nomeiam a obra de Umberto Eco

Como sabemos o pensador poliacutemata Umberto Eco sistematizou a re-laccedilatildeo entre informaccedilatildeo (cultural ou referencial) e espectador (ECO 1993) indo ao zecircnite da discussatildeo que como mostramos se iniciou antes mes-mo de Soacutecrates e foi explicitamente ancorada com Marx Freud e a Escola de Frankfurt Ou seja toda a discussatildeo entre cultura de massa e cultura aristocraacutetica ou como temos falado aqui cultura criacutetica

O ldquoapocaliacutepticordquo de Umberto Eco como sabemos se metonimiza na figura do ldquosuper-homemrdquo natildeo apenas o de Nietzsche (Uumlbermensch) mas tambeacutem o da DC Comics surgido em 1938 numa revista em quadrinhos para a massa social O super-homem de Nietzsche natildeo se distancia tanto do personagem com muacutesculos de accedilo da induacutestria cultural Surgido em 1881 em Assim falou Zaratustra o pensador persa a quem Nietzsche daacute voz inquire e exorta ldquoEu vos ensino o super-homem O homem eacute algo a ser superado Que fizestes para superaacute-lordquo (NIETZSCHE 1998 p 112)

Num caso e noutro trata-se do protoacutetipo metafoacuterico (na acepccedilatildeo da Linguiacutestica cognitiva) do ser humano que tendo ou natildeo procedecircncia da massa dela se destaca passando a natildeo mais fazer parte de seu suposto rebotalho O super-homem de Nietzsche nasce da massa humano-terraacute-quea despertando do ldquosono dogmaacuteticordquo e da ldquonormoserdquo na sua acepccedilatildeo fundamental e tambeacutem na que proveacutem de parte significativa de nossas investigaccedilotildees sobre o tema mantendo uma normalidadenorma vigente Ao passo que o super-homem da DC Comics jaacute eacute aristocrata de nascenccedila pois veio do fictiacutecio planeta Krypton onde foi chamado como Kal-El O super-homem eacute o apocaliacuteptico a antecacircmara consoladora da nossa possi-bilidade de ascendermos sobre a massa normoacutetica e dotarmos de volume a nossa voz de autoridade Em outros termos eacute tambeacutem a possibilidade de mudanccedila de uma normanormalidade que tenha se tornado normose porque estaacute desgastada

Mas isso pode empurrar-nos a todos ao simulacro dos velhos e bons fundadores da Academia Soacutecrates e Platatildeo

O ldquointegradordquo por seu turno eacute aquela metoniacutemia que demonstra que a massa se posicione antes como espectador que goze da libaccedilatildeo acriacutetica do banquete discursivo

Cabe aqui portanto uma explicitaccedilatildeo do conceito de normalidade desgastada ou normose

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Cabe resumir a normose aqui () como um conjunto de pensamentos e comportamentos que satildeo sistematizados dentro de um consenso e aprovaccedilatildeo social tornando-se a ldquonormardquo o ldquonormalrdquo e a ldquonormalidaderdquo que satildeo ateacute mesmo incentivados dentro desse acircmbito e que no entanto satildeo patogecircnicos isto eacute levam a ldquosofrimentos doenccedilas e mortesrdquo como sintetiza Pierre Weil nesses trecircs substantivos (CAETANO 2020 p 132)

Os teoacutericos da miacutedia ao criarem o conceito de ldquoaldeia globalrdquo tatildeo equivocadamente equiparado por vezes aos conceitos de ldquoglobalizaccedilatildeordquo (o avanccedilo do turbocapitalismo) e o controverso ldquoglobalismordquo notam que agrave teoria da informaccedilatildeo por exemplo com sua ldquoCiberneacuteticardquo (do grego ldquoaquele que pilotardquo) foi acrescido um nuacutemero incalculaacutevel e extremamen-te impreciso de dados sons vozes imagens siacutembolos iacutecones signos Eles postulam que o que as mass media fornecem satildeo sempre dados e nunca informaccedilotildees em outros termos satildeo elementos de enunciado (dados) cuja interpretaccedilatildeo eacute que gera enunciaccedilatildeo (informaccedilatildeo)

Ou seja no meio das normalidades presentes nas sociedades haacute aquelas que satildeo normoacuteticas Isso satildeo dados que devem transformar-se em informaccedilatildeo agrave praacutetica legiferante a fim de que esta mude para atualizar-se a novas normalidades Todo esse movimento se concretiza na norma ju-riacutedica e em diaacutelogo com o povo nos proacuteprios atos democraacuteticos do juiz

Ao utilizar o argumento de autoridade a dialeacutetica democraacutetica natildeo deve apelar ao que supostamente seria um argumento teoloacutegico Afinal os especialistas na condiccedilatildeo prototiacutepica de ldquoapocaliacutepticosrdquo e natildeo de ldquointe-gradosrdquo fornecem a criacutevel ldquoinformaccedilatildeordquo lastreada pelo Magister dixit como vimos No plano da expressatildeo por isso mesmo retornamos isotopicamen-te ao ponto exprimem-se em primeira pessoa no presente do indicativo e na voz ativa com asserccedilotildees que se supotildeem irretorquiacuteveis em toda a sua tessitura devido ao grau de verificabilidade de que se municiam

Eacute necessaacuterio portanto exercer e exercitar o senso criacutetico mais do que em muitos outros casos O especialista fornece dados que satildeo descritivos e portanto dignos de reconhecimento e ateacute reverecircncia

Mas pode-se partir do verificaacutevel e empiacuterico para o especulativo que circunda os meios de massa ndash de mais-valia ou criacutetica Entatildeo numa demo-cracia madura a constituiccedilatildeo de massa criacutetica eacute fundamental para o equi-liacutebrio da balanccedila dialeacutetica de todas as instituiccedilotildees E esta eacute a condiccedilatildeo de existecircncia dos Juizados Especiais uacutenico mecanismo jurisdicional no Brasil em que a pessoa se apresenta diretamente agrave Justiccedila como porta-voz de si

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mesma falando e dizendo com grau distenso de formalidade ao juiz de quem promana o argumento de autoridade acerca de suas necessidades

Eacute interessante a metaacutefora que a obra Sapiens uma breve histoacuteria da humanidade (HARARI 2012) usa para descrever algumas tradiccedilotildees cultu-rais por certo acircngulo Ele as compara a um parasita que se hospeda no corpo da sociedade e vai se expandindo ateacute matar essa sociedade Aiacute a tradiccedilatildeo cultural-parasita morre junto eacute claro

Poreacutem como sabemos uma sociedade soacute se ergue como civilizaccedilatildeo a partir do momento em que compartilha valores o que vem a ser a gecircnese da cultura

O ser humano traz consigo imanentemente um lado individual e outro social (aqui pareado ao conceito de ldquouniversalrdquo) que Hegel sumariza nesta passagem

Na substacircncia universal poreacutem o indiviacuteduo natildeo soacute tem essa forma da subsistecircncia de seu agir em geral mas tambeacutem seu conteuacutedo O que ele faz eacute o gecircnio universal o etos de todos Esse conteuacutedo enquanto se singulariza completamente estaacute em sua efetividade encerrada nos limites do agir de todos O trabalho do indiviacuteduo para prover suas necessidades eacute tanto satisfaccedilatildeo das necessidades alheias quanto das proacuteprias e o indiviacuteduo soacute obteacutem a satisfaccedilatildeo de suas necessidades mediante o trabalho dos outros (HEGEL 1992 p 223)

Portanto vale uma questatildeo aqui tratar-se-ia assim de um paradoxo A mesma cultura (de caraacuteter intrinsecamente coletivo) que eacute condiccedilatildeo de nascimento de uma civilizaccedilatildeo levaraacute ao colapso dessa mesma civilizaccedilatildeo

Isso ocorre quando a tradiccedilatildeo cultural se transforma em normose que causa mais prejuiacutezos do que benefiacutecios por evidenciar-se numa nor-ma obsoleta E essa eacute entatildeo a trajetoacuteria da normose ela eacute uma parasita que sobrevive no corpo de uma sociedade ateacute tornaacute-la excludente no que se chama em direito de ldquoletra mortardquo

Obviamente a normose morre junto com esse dano momentacircneo ao direito e agrave sociedade

O direito possui relaccedilatildeo direta com esses elementos uma vez que deteacutem importantiacutessimo papel de sintetista das normas (fatos) sociais vi-gentes com o fito expresso de transformaacute-las em norma juspositiva isto eacute inserida no corpo do Ordenamento Juriacutedico de um determinado espaccedilo e tempo ndash seja a Constituiccedilatildeo sejam outras leis sentenccedilas peccedilas jurispru-decircncias doutrinas exegeses hermenecircuticas

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Eacute evidente que algumas tradiccedilotildees culturais jaacute natildeo satildeo mais autocircno-mas e legiacutetimas mas sim parasitaacuterias porquanto obsoletas e assentadas numa heteroniacutemia desconcertante e incoerente um impropeacuterio ao estado de direito de qualquer civilizaccedilatildeo coetacircnea Eacute um desses instantes em que o direito e a sociedade entram em descompasso Esse fator necessita de urgentes calibragens sem as quais natildeo se conseguiraacute atingir a inclusatildeo ampla de acesso agrave Justiccedila que os Juizados Especiais ampliaram ainda mais como temos dito

Ou seja certas normas de berccedilo cultural tornam-se exatamente o oposto do conceito etnoloacutegico e antropoloacutegico mais digno de cultura numa prova de que a distinccedilatildeo da polissemia que esse conceito encerra pode ser a chave para a compreensatildeo do paradoxo Em outras palavras quando uma tradiccedilatildeo cultural normoacutetica comeccedila a fazer naufragar uma ci-vilizaccedilatildeo eacute exatamente a cultura em seu estado vivente e puro que permi-te que essa mesma civilizaccedilatildeo se salve do naufraacutegio seja pela reinvenccedilatildeo de si mesma seja pelos novos caminhos encontrados no esteio da sua cul-tura mais perene pois eacute daiacute que se averiguaratildeo os costumes que serviratildeo de base agrave legislaccedilatildeo do futuro muitas vezes urgente no proacuteprio presente

Entatildeo retomamos isotopicamente a questatildeo todas as tradiccedilotildees cul-turais satildeo verdadeiramente tradiccedilotildees culturais que devem irrefletidamen-te ser deixadas de lado sem questionamento

O fato eacute que muitas vezes se trata de tradiccedilotildees culturais que natildeo re-pentinamente mas aos poucos transformaram-se em imensas normoses ldquoNormaisrdquo desgastados e patogecircnicos

E seu destino como comprova a antropologia (mais ateacute do que a histoacuteria) eacute o naufraacutegio

Esse naufraacutegio leva consigo a civilizaccedilatildeo que navegava nesse navio E outra civilizaccedilatildeo nasce agraves vezes dos escombros da civilizaccedilatildeo naufragada A cultura faz naufragar e a cultura faz renascer

Como na dialeacutetica hegeliana as sociedades se sustentam sobre pila-res de conservaccedilatildeo (tese) e inovaccedilatildeo (antiacutetese) e da fricccedilatildeo entre uma e outra nasce uma siacutentese que desmorona o que jaacute natildeo possui razatildeo para prosseguir tanto no seu lado conservativo quanto nas falaciosas inova-ccedilotildees que porventura natildeo passem de meros modismos invencionices ou novidades para serem consumidos e descartados A siacutentese eacute o julgamen-to do que haacute de justo na conservaccedilatildeo e o que haacute de justo na inovaccedilatildeo Satildeo forccedilas que os filoacutelogos clamaram agrave fiacutesica newtoniana para criar a metaacutefora

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socioloacutegica de forccedila centriacutepeta (conservaccedilatildeo) e forccedila centriacutefuga (inova-ccedilatildeo) Eacute uma mecacircnica social infraqueaacutevel

O berccedilo de uma civilizaccedilatildeo se daacute com a coerecircncia eacutetica e esteacutetica que a cultura propicia E essa cultura (ou parte dela) tende a se enregelar e transformar-se em tradiccedilatildeo cultural E quando essa tradiccedilatildeo cultural se calcifica torna-se uma normose que aponta a tumba da mesma socieda-de que nasceu daquela eacutetica e esteacutetica A partir daiacute eacute questatildeo de crono-metrar o seu decliacutenio

O direito entra nessa equaccedilatildeo A frase do jurista uruguaio Eduardo Couture eacute francamente lembrada ldquoTeu dever eacute lutar pelo Direito mas no dia em que encontrares em conflito o direito e a justiccedila luta pela justiccedilardquo Isso porque a ldquonormalidaderdquo desgastada que eacute intriacutenseca agrave normose natildeo pode mais ser normatizada a partir do momento em que se constata a obsolescecircncia de antigos ldquonormaisrdquo (COUTURE 1979 p 11)

O direito assim eacute dinacircmico pelo fato de que persegue a Justiccedila Como um nauta que navega guiado pelas constelaccedilotildees que permitiria que se repetisse a frase de Leonardo da Vinci ldquoNatildeo haacute como voltar atraacutes quando a meta satildeo as estrelasrdquo

A claacutessica obra Decliacutenio e Queda do Impeacuterio Romano (GIBBON 1989) tornou-se tatildeo icocircnica justamente por ter sido provavelmente a primeira que com outras palavras apontou que o Impeacuterio Romano se esfacelou por causa da sua entatildeo normose guerreira beligerante expansionista E prefaciando paacuteginas de horror da nossa histoacuteria recente o autor aponta a existecircncia de antissemitismo dentro da sociedade romana claacutessica o que se figurou terrivelmente ainda no traacutegico episoacutedio de shoah do holocausto judaico em pleno seacuteculo XX Tudo isso jaacute se tornara agrave eacutepoca do Senado de Roma um erro eacutetico e esteacutetico tiacutepico das normoses O decliacutenio foi apenas questatildeo de tempo Um poderoso impeacuterio de mais de mil anos se desman-telou como uma torre de areia

Em grande parte do mundo de hoje sobretudo na camada ocidental ou seja a porccedilatildeo da civilizaccedilatildeo humana moderna que vive sob o zecircnite do direito vemos que mesmo os temas humanistas antes considerados com-plexos e ateacute muito controversos tecircm granjeado um lugar ao Sol da Justiccedila As normoses estatildeo mais evidentes o que tem tornado a tarefa de aplicar o direito cada vez mais dinacircmica

Mesmo quando atuais normalidades natildeo satildeo ainda aceitas em deter-minadas comunidades o que observamos eacute que o nuacutemero da natildeo aceita-

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ccedilatildeo se daacute por uma margem miacutenima extremamente estreita e acirrada natildeo mais no que antes se daria por ampla e confortaacutevel extirpaccedilatildeo sumaacuteria Trata-se da explicitaccedilatildeo de que a normose jaacute foi detectada Agora eacute ques-tatildeo de tempo para que ela saia de campo fazendo histoacuteria e marcando o direito com letras novas

Natildeo eacute mais com tanto espaccedilo e folga de denegaccedilatildeo que temas antes altamente polecircmicos satildeo olhados cara a cara O divoacutercio com possibilida-de de novo casamento o voto feminino a eacutetica com os chamados animais irracionais a defesa de grupos que satildeo colocados em guetos como os idosos os negros os homossexuais a inclusatildeo anticapacitista e muitos outros pontos satildeo conquistas recentes da histoacuteria humana que natildeo se consumaram de forma unacircnime mas efetivamente se consumaram

O que antes levava a milhares de anos de interminaacutevel cacofonia de vozes estridentes como ferroadas salivando tinta e oacutedio no nascer de um Sol aparentemente de forma repentina (sem que o seja na verdade) mostra que mesmo um noacute cego se desfaz e (com a licenccedila do trocadilho) precisa enxergar a vida como ela eacute

A Justiccedila afinal de contas eacute um sentimento uma sensaccedilatildeo uma in-tuiccedilatildeo um raciociacutenio perpassando as quatro funccedilotildees psiacutequicas de Jung (1971) E na raiz dos fatos sociais quem dilapida uma normose mesmo que milenar eacute o sentido da Justiccedila que perpassa todo o psiquismo de um indiviacuteduo e indo aleacutem dele de uma sociedade

Eacute a velha metaacutefora da sabedoria dos anciatildeos do deserto que obser-vam que os catildees latem mas a caravana passa Eacute essa margem cada vez mais estreita e quase insustentaacutevel que deixa aflorar a raiz da normose que jaacute se descortinou e que jaacute daacute sinais da sua proacutepria morte enquanto parasita e da morte do corpo social que a alimenta que muito tenazmen-te renasce do aprendizado do reconhecimento dessas antigas normalida-des desgastadas

Costumamos dizer que a vida segundo a antropologia eacute comparaacutevel ao Bolero de Ravel uma melodia simples e linear com um toque de tam-bor (mais especificamente a caixa clara) em ritmo marcial impassiacutevel apa-rentemente daacute voltas sem sair do lugar mas sem que se perceba muito claramente o que acontece eacute uma evoluccedilatildeo sistemaacutetica que eleva a linha meloacutedica somando-se-lhe outras vozes que datildeo timbres e cores novas agravequela primeira melodia E essa melodia que parece estaacutetica e imutaacutevel nos conduz a um caleidoscoacutepio de prismas numa pletora de cores que cria uma paleta de tons e semitons que no fim envolvem tudo e todos

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sem deixar ningueacutem injustamente no gueto incluindo-os na grande me-lodia humana Assim eacute o compasso da harmonia da Justiccedila

Entatildeo quando a tradiccedilatildeo cultural se torna normose essa parasita mata de inaniccedilatildeo o organismo social que a nutria O direito precisa estar atento a isso na medida em que eacute vocacionado agrave inclusatildeo cada vez mais ampla de pessoas agraves suas ferramentas de Justiccedila

E queiramos ou natildeo um novo corpo societaacuterio civilizatoacuterio surge e necessita da cultura em sua base para ter coesatildeo a qual se transformaraacute em tradiccedilatildeo cultural que tende a se transformar em normose e no fim da linha em parasita O direito estaacute sempre muito ativo nessa mudanccedila in-conteste Mesmo que isso aconteccedila no passar das geraccedilotildees humanas pois agraves vezes uma uacutenica geraccedilatildeo natildeo estaraacute pronta para enfrentar e derrubar esses paradigmas por mais insustentaacuteveis que eles sejam

Natildeo eacute sem beleza poeacutetica que noacutes os epistemoacutelogos soemos dizer que de berccedilo em berccedilo e de tuacutemulo em tuacutemulo as sociedades tal qual os idiomas e o direito com seu Ordenamento Juriacutedico que as sustentam vatildeo se transformando para adequarem-se agrave realidade natildeo agrave abstraccedilatildeo da obsoleta ldquoletra mortardquo ineficaz e ineficiente

No famoso binocircmio epistemoloacutegico dizemos que agraves ciecircncias natu-rais cabe o erklaumlren (explicar) ao passo que agraves ciecircncias humanas cabe o verstehen (compreender) A congregaccedilatildeo das ciecircncias constitui portanto a equanimidade que viceja do sentimento de Justiccedila

Eacute com a uniatildeo das ciecircncias tanto as naturais quanto as humanas que se nota que o meacutetodo cientiacutefico eacute sobreposto na triacuteade pesquisa-teo-ria-teste E que portanto as sociedades suas tradiccedilotildees culturais e suas normoses satildeo tanto explicaacuteveis quanto compreensiacuteveis Eacute nesse aspecto inerente agrave ciecircncia e agrave epistemologia que o direito pode perfeitamente ser concebido como uma ciecircncia

Suas hipoacuteteses satildeo endossaacuteveis quando suas teorias passaram por testes que as comprovaram ou se mostraram natildeo refutaacuteveis E isso se daacute quando haacute adequaccedilatildeo de normas a normalidades reais concretas efica-zes inclusivas democraacuteticas civilizatoacuterias Essa eacute a contribuiccedilatildeo da epis-temologia agrave explicaccedilatildeo e compreensatildeo da sociedade como elemento das ciecircncias naturais mas tambeacutem cultural e civilizacional elemento das ciecircn-cias humanas A ciecircncia do direito eacute arquitetada portanto sobre o mesmo arcabouccedilo das suas ciecircncias pares e possui como fiel da balanccedila a obser-

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vaccedilatildeo arguta de normoses que podem criar normas infeacuterteis e infrutiacuteferas socialmente

3 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS

A antropologia mostra que o naufraacutegio em um ideal ou normalidade obsoleta embora decirc a alguns a ilusatildeo da chegada nada mais eacute do que um naufraacutegio Se natildeo observarmos os sinais de submersatildeo de certas tradiccedilotildees culturais que natildeo mais se legitimam caso das normoses permitiremos que a sociedade como um todo aderne junto porque haveraacute um peso excessivo de pessoas e direitos excluiacutedos Eacute preciso estender-lhes o navio de um direito que conduza ao continente da Justiccedila A passagem de uma normalidade social refletida na norma juriacutedica agrave normose ou normalida-de desgastada deve ser frequentemente averiguada para que o direito e a Justiccedila estejam sempre em sincronia

Nesse aspecto o papel consolidado dos Juizados Especiais tem-se mostrado cada vez mais realista fundamental e podemos dizer humanis-ta Ao permitir o acesso direto do cidadatildeo agrave Justiccedila os Juizados Especiais tecircm cumprido com justificada celebraccedilatildeo sua vocaccedilatildeo dialoacutegica inclusiva democraacutetica cultural e civilizatoacuteria expandindo seu valor antropoloacutegico e social agravequelas pessoas que antes viam toldado o direito de amplo acesso agrave Justiccedila A exclusatildeo desse acesso eacute evidentemente uma normose a ser constantemente enfrentada

REFEREcircNCIASARISTOacuteTELES Toacutepicos Dos argumentos sofiacutesticos Traduccedilatildeo de Leonel Vallandro e Gerd

Bornheim 2ordf Ed Satildeo Paulo Abril Cultural 1983 197 p

AUSTIN J L How to do things withg words Oxford Oxford University Press 1962 712 p

CAETANO MM CHINI A Argumentaccedilatildeo juriacutedica indo aleacutem das palavras Brasiacutelia Edi-tora OAB Nacional 2020 145 p

CAETANO MM Em busca do novo normal reflexotildees sobre a normose em um mundo diferente Rio de Janeiro Jaguatirica 2020 181 p

COUTURE E Os mandamentos do advogado 3ordf Ed Traduccedilatildeo Ovidio A Baptista da Silva e Carlos Otaacutevio Athayde Porto Alegre Editora SAFE 1979 78 p

CREMA R LELOUP JY WEIL P Normose a patologia da normalidade Petroacutepolis Vozes 2011 312 p

ECO U Apocaliacutepticos e integrados Traduccedilatildeo Peacuterola de Carvalho 5ordf ed Satildeo Paulo Pers-pectiva 1993 386 p

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GIBBON E Decliacutenio e queda do Impeacuterio Romano Traduccedilatildeo Joseacute Paulo Paes Satildeo Paulo Companhia da Letras Ciacuterculo do Livro 1989 521 p

HARARI YN Sapiens ndash Uma Breve Histoacuteria da Humanidade Traduccedilatildeo Janaiacutena Marcoan-tonio Porto Alegre LampPM 538 p

HEGEL Fenomenologia do espiacuterito Traduccedilatildeo Paulo Meneses 2ordf Ed Rio de Janeiro Vo-zes 1972 271 p

JUNG CG Tipos Psicoloacutegicos Traduccedilatildeo Aacutelvaro Cabral Rio de Janeiro Editora Vozes 1971 616 p

KANT I Kritik der reinen Vernunft 2ordf Ed Berlin Project Guttemberg 2004 181 p

MARX Karl O Capital Vol 2 Traduccedilatildeo Ricardo Musse 3ordf ed Satildeo Paulo Nova Cultural 1988 420 p

NIETZSCHE F Assim falou Zaratustra um livro para todos e para ningueacutem Trad Mario da Silva Rio de Janeiro Bertrand Brasil 1998 240 p

PLATAtildeO Goacutergias Traduccedilatildeo de Manoel de Oliveira Pulqueacuterio Lisboa Ediccedilotildees 70 1997 580 p

Alexandre Chini bull Marcelo Moraes Caetano

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A tutela do superendividamento como irradiaccedilatildeo dos direitos

fundamentais nas relaccedilotildees de consumo

1 Mestre em Direito Puacuteblico pela Universidade Federal da Bahia Juiacuteza Coordenadora do Sistema Estadual dos Juizados Especiais do Tribunal de Justiccedila do Estado da Bahia Magistrada titular da 19ordf Vara do Sistema dos Juizados Especiais do Consu-midor do Poder Judiciaacuterio do Estado da Bahia Poacutes-graduada em Direito Justiccedila e Cidadania pela Faculdade Mauriacutecio de Nassau Poacutes-graduada em Direito e Estado pela Faculdade Baiana de Direito Poacutes-graduada em Direito Civil e Processo Civil pela Universidade Estaacutecio de Saacute Integrante do Instituto Brasileiro de Poliacutetica e Direito do Consumidor ndash BRASILCON Integrante do Foacuterum Nacional de Juizados Especiais ndash FONAJE

Fabiana Andreacutea de Almeida Oliveira Pellegrino1

Resumo No modelo de consumo atual o creacutedito vulgarizou-se na generalidade das economias de mercado na medida em que a ur-gecircncia do ter e a descartabilidade dos produtos e serviccedilos fez do creacutedito a porta de acesso dos consumidores ao locus da visibilidade social Entretanto os contratos de creacutedito habitualmente se materia-lizam com abusividade diversas em descompasso portanto com o respeito agrave dignidade da pessoa humana que passa a ser encartada como um potencial de compra um ldquoproduto de vitrinerdquo Nesse con-texto com o propoacutesito de possibilitar o direito de recomeccedilo ao deve-dor de boa-feacute superendividado faz-se urgente a adoccedilatildeo de medidas eneacutergicas de educaccedilatildeo financeira e consumo sustentaacutevel bem assim intervenccedilotildees estatais que possibilitem a adequaccedilatildeo das contrataccedilotildees agrave funcionalizaccedilatildeo imposta por matrizes constitucionais A disciplina da concessatildeo responsaacutevel do creacutedito e a proposta de prevenccedilatildeo e tratamento do fenocircmeno do superendividamento vem ao encontro de um paradigma eacutetico e solidarista verdadeiro valor chave para a compreensatildeo da racionalidade hermenecircutica das relaccedilotildees privadas de consumo entendidas como ponto de encontro de direitos funda-mentais

Palavras-chave Consumo contrato creacutedito direitos fundamentais funcionalizaccedilatildeo superendividamento prevenccedilatildeo tratamento

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1 INTRODUCcedilAtildeOA ideologia do consumismo e a sua engrenagem de artificialidades

propondo que a moral da sociedade estaacute na forccedila do consumo conduzem intencionalmente ao sentimento de vazio para que os sujeitos estejam permanentemente em busca do seu preenchimento atraveacutes de movimen-tos inorgacircnicos e crescentes de consumo natural comando ditatorial da ordem produtiva

Nesse cenaacuterio os detentores do poder econocircmico alimentam a maacute-quina do consumo abundante atraveacutes de publicidades poliacuteticas de marke-ting inclusive com uso da neurociecircncia (marketing invisiacutevel) e sociologia do consumo para captar o perfil do consumidor e fomentar o consumo simplesmente por uma voracidade capitalista de lucro sem o compromis-so eacutetico e social indispensaacutevel agrave uma comuna civilizada

Percebe-se que desde o primeiro contato social durante a execuccedilatildeo contratual e ainda no periacuteodo poacutes-contratual em regra as partes hipersu-ficientes teacutecnica juriacutedica faacutetica e economicamente resistem a se conduzir conforme o signo da solidariedade social e da boa-feacute contratual exercitan-do posiccedilotildees juriacutedicas de forma abusiva e praticamente estigmatizando diversos contratos de adesatildeo com claacuteusulas inadequadas que aviltam o verdadeiro sentido da autonomia privada e do equiliacutebrio contratual

Em contrapartida as partes vulneraacuteveis se curvam a uma espeacutecie de cidadania do consumo construiacuteda pela ordem produtiva levado-as a introjetar a ideacuteia de natildeo existir outra forma de alcanccedilar o bem-estar ou a auto estima a natildeo ser pelo desfrute dos produtos e serviccedilos que os faccedilam parecer ser melhores lhes concedam a distinccedilatildeo social

Desse modo a conduta contratual e social dos fornecedores de bens e serviccedilos especialmente em relaccedilatildeo aos serviccedilos financeiros acabam por traduzir em regra um claro desencontro com o vetor comportamental impresso no corpo da Constituiccedilatildeo Federal de 1988 sobretudo quando encartados os pesados encargos contratuais a captaccedilatildeo imprudente da clientela em geral enfim procederes que jaacute natildeo encontram assento em tempos de poacutes-miopia individualista

Dos excessos comportamentais (de consumo e oferta) resulta o su-perendividamento a denotar a impossibilidade global do devedor pes-soa fiacutesica consumidor leigo e de boa-feacute de pagar todas as suas diacutevidas atuais e futuras de consumo (ressalvadas as fiscais oriundas de delito e alimentos) em um tempo razoaacutevel com sua capacidade atual de rendas e patrimocircnio

Fabiana Andreacutea de Almeida Oliveira Pellegrino

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Nesses moldes o superendividamento reclama medidas eneacutergicas de educaccedilatildeo financeira e ao consumo sustentaacutevel que colimem prevenir o fenocircmeno assim como medidas que busquem o tratamento do fenocircme-no atraveacutes da intervenccedilatildeo estatal sempre com o propoacutesito de possibilitar o direito de recomeccedilo ao devedor de boa-feacute

A adoccedilatildeo de um sistema formal de falecircncia do consumidor pessoa fiacutesica fulcrado na educaccedilatildeo financeira e ambiental na limitaccedilatildeo da auto-nomia privada que conduza ao abuso de posiccedilotildees juriacutedica no incentivo agraves repactuaccedilotildees que possibilitem a quitaccedilatildeo das dividas com o resguardo da dignidade da pessoa humana e o miacutenimo existencial insere-se numa li-nha humanista e inclusiva sendo sua tutela essencial ao desenvolvimento sustentaacutevel da proacutepria economia e agrave proteccedilatildeo do consumidor que con-sequentemente teraacute uma oportunidade de reescrever sua histoacuteria sem o estigma da falha pessoal

Nesse encerro de ideacuteias o presente artigo se propotildee a destacar a importacircncia do sistema formal de tratamento do superendividamento do consumidor como forma de realizar o direito fundamental de proteccedilatildeo do consumidor alcanccedilar o desenvolvimento sustentaacutevel uma sociedade justa e solidaacuteria a reduccedilatildeo das desigualdades e a promoccedilatildeo do bem estar de todos como objetivos fundamentais da Republica Federativa do Brasil contribuindo por conseguinte com a formalizaccedilatildeo de um modelo de comportamento social mais autecircntico

2 RESSIGNIFICACcedilAtildeO FUNCIONAL DAS RELACcedilOtildeES PRIVA-DAS CONTRATO COMO PONTO DE ENCONTRO DE DIREI-TOS FUNDAMENTAIS

No encerro do discurso liberal o juiacutezo de valor sobre as obrigaccedilotildees e portanto o contrato era essencialmente estrutural perquirindo-se numa visatildeo isolacionista da respectiva relaccedilatildeo juriacutedica a ausecircncia de defeitos em sua formaccedilatildeo levando-se ao extremo o dogma do pacta sunt servanda sem consideraccedilatildeo ao conteuacutedo funcional do negoacutecio

Jaacute na ambiecircncia do Estado Social e dos fenocircmenos da repersonaliza-ccedilatildeo e despatrimonializaccedilatildeo das relaccedilotildees juriacutedicas rompeu-se a loacutegica indi-vidualista restaurando-se a primazia da pessoa humana no encontro do homem concreto da sociedade contemporacircnea que busca e promove um humanismo solidificado permeaacutevel agrave concepccedilatildeo do contrato como um instrumento a serviccedilo do desenvolvimento da pessoa sujeito ao projeto social constitucionalmente articulado

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Desse modo tendo-se a Constituiccedilatildeo como coraccedilatildeo do ordenamento juriacutedico e dos princiacutepios eacuteticos normativos a relaccedilatildeo obrigacional patri-monial passou a ser ferramenta de atuaccedilatildeo do valor constitucional da dignidade da pessoa humana ganhando a autonomia privada novos con-tornos funcionais aptos a transformar a estrutura juriacutedica estanque numa dimensatildeo de equivalecircncia material fundada nas exigecircncias de sociabili-dade e solidariedade que enlaccedila os poderes puacuteblicos e cada um de seus membros

A partir dessa visatildeo ativa do ordenamento juriacutedico tem-se o Direito como instrumento de combate aos males da sociedade atraveacutes da impo-siccedilatildeo de um patamar superior de respeito e lealdade nas relaccedilotildees sociais e portanto de realizaccedilatildeo da justiccedila e da inclusatildeo sociais a partir dos para-digmas constitucionais

O paradigma solidarista eacute o valor chave para a compreensatildeo da racio-nalidade contemporacircnea A propoacutesito sob forte lente solidaacuteria Schreiber assevera (SCHREIBER p 51-52)

A solidariedade surge como valor chave para a leitura e compreensatildeo da nova racionalidade e origem inspiradora de accedilotildees que jaacute vem logran-do alterar a realidade social no iniacutecio do seacuteculo XXI Eacute essa solidariedade condicionada ao desenvolvimento da dignidade humana e informadora deste mesmo conceito que parece ser ndash mais que a proacutepria alusatildeo agrave digni-dade humana ndash o diferencial entre pensamento moderno e o pensamento contemporacircneo E a incorporaccedilatildeo desta solidariedade pelo direito como princiacutepio juriacutedico ndash e portanto como norma ndash diretamente aplicaacutevel agraves relaccedilotildees privadas eacute sem duacutevida uma alentadora novidade

Agrave margem da escolha ideoloacutegica que se faccedila a adequada descriccedilatildeo da solidariedade deve voltar-se para a verticalizaccedilatildeo dos interesses do homem para ceifar desigualdades subjetivas e regionais num cenaacuterio em que estaratildeo permanentemente indissociaacuteveis a solidariedade e a igualda-de na conformidade da dignificaccedilatildeo do homem (art1ordm III CF) erradicaccedilatildeo da pobreza diminuiccedilatildeo das diferenccedilas sociais (art 3ordm III CF) conforme solidificaccedilatildeo normativa no texto constitucional (NALIN 2002 177)

A solidariedade traz consigo a imagem do homem coletivo inserido numa comunidade viva e integrada traduzindo sobretudo uma disposi-ccedilatildeo eacutetica do ser humano de permitir o maior desenvolvimento de todos os homens (JUNIOR 2002 173) E eacute oportuno dizer que essa solidariedade contemporacircnea natildeo eacute coletivista mas humanitaacuteria pois se dirige ao de-

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senvolvimento da personalidade de todas as pessoas entre todas as pes-soas e natildeo do grupo natildeo se confundindo assim nem com o coletivismo nem com o individualismo (SCHREIBER p 50)

Natildeo eacute por outro motivo que nessa linha de coexistencialidade Perlin-gieri afirma a solidariedade como expressatildeo da cooperaccedilatildeo e da igualda-de na afirmaccedilatildeo dos direitos fundamentais de todos definindo outrossim a noccedilatildeo de dignidade social como o instrumento que confere a cada um o direito ao respeito inerente agrave qualidade de homem ou seja relaciona o conceito de dignidade agrave noccedilatildeo de solidariedade que soacute pode ser enten-dida como instrumento e resultado da dignidade humana (PERLINGIERI 2008 463)

Trata-se de paradigma eacutetico-solidarista a demandar uma forma de olhar atentamente a parte vulneraacutevel da relaccedilatildeo juriacutedica com solidarie-dade sobrepondo-se esse olhar a consideraccedilotildees de ordem econocircmica de modo a permitir assim ultrapassar juiacutezos lastreados na reprovaccedilatildeo da conduta lesiva e optar por fatores objetivos de imputaccedilatildeo do dever de reparar numa clara evidecircncia de forccedila para afastar a culpa como pressu-posto do dever de reparar

A solidariedade deriva da boa-feacute objetiva e eacute cacircnone interpretativo geral do ordenamento privado (NALIN 2002 p 179) e a solidarizaccedilatildeo conduz agrave distribuiccedilatildeo mais adequada dos riscos do contrato das perdas e custos sociais cargas e tensotildees no processo obrigacional e isso representa o perfil mais elevado da solidariedade social e poliacutetica (PERLINGIERI 2008 p 513)

Se a realizaccedilatildeo da justiccedila pressupotildee tratamento igualitaacuterio entre as partes iguais e desigual entre as partes desiguais justa eacute a distribuiccedilatildeo dos riscos nessa proporccedilatildeo entre as partes Desse modo sobre o credor penderatildeo os riscos inerentes agrave eventualidade do natildeo cumprimento ou do cumprimento impreciso da prestaccedilatildeo que lhe eacute devida e sobre o deve-dor os de ressarcir os danos causados pela inobservacircncia do programa obrigacional agrave exceccedilatildeo de causa estranha e natildeo imputaacutevel ou o exerciacutecio de uma posiccedilatildeo defensiva que provoque a violaccedilatildeo do dever contratual (CATALAN 2013 p 272)

Como bem pondera Nalin a justiccedila soacute passa a ser social quando se permite ao sistema ser informado com valores como a dignidade do ho-mem busca pela reduccedilatildeo da pobreza e das diferenccedilas regionais a tutela

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dos hipossuficientes e vulneraacuteveis de modo que a dinamicidade do movi-mento social implicaraacute a dos seus proacuteprios valores (NALIN 2008 69)

Impotildee-se assim uma concepccedilatildeo social do contrato para a qual natildeo soacute o momento da manifestaccedilatildeo de vontade importa mas tambeacutem e prin-cipalmente os efeitos do contrato na sociedade e a condiccedilatildeo social e econocircmica das pessoas nele envolvidas

O fato de um sujeito de direito da relaccedilatildeo contratual ter recebido di-reitos fundamentais ao posicionar-se como consumidor influencia direta-mente a interpretaccedilatildeo da relaccedilatildeo contratual em que se encontra inserido O contrato de consumo passa assim a ser um ponto de encontro de direi-tos fundamentais devendo ser interpretado teleologicamente e conforme a Constituiccedilatildeo entendida esta como uma estrutura ldquoprogressistardquo sujeita a uma interpretaccedilatildeo dinacircmica

Na concepccedilatildeo claacutessica liberal repudiava-se qualquer ideia de justiccedila distributiva considerando-se o contrato intangiacutevel podendo ser exigido o cumprimento forccedilado junto ao Estado independente de qualquer com-provaccedilatildeo sobre a existecircncia de atos de cumprimento do contrato con-fianccedila ou ocorrecircncia de prejuiacutezo experimentado em razatildeo do natildeo cumpri-mento

No Brasil a construccedilatildeo de um distinto paradigma contratual passa pelo reconhecimento da dignidade constitucional das normas civis a par-tir da Constituiccedilatildeo Federal de 1988 que instaurou uma nova ordem juriacute-dica social e econocircmica destacando como objetivos fundamentais os ex-pressos no art 3ordm a fim de dar a nota paradigmaacutetica da nova visatildeo social

Nessa senda colorindo-se o contrato com as cores de um fenocircmeno social verifica-se a migraccedilatildeo de um individualismo contratual para a con-sideraccedilatildeo de uma pluralidade de sujeitos com variados perfis sobretudo diante da observaccedilatildeo de que frequentemente as relaccedilotildees contratuais pro-jetam efeitos para pessoas que nem sequer conhecem os seus termos

Tem-se assim o contrato como ldquoum siacutembolo da civilizaccedilatildeordquo (PEREIRA 2010 pag 11) fundado na ideia de justa distribuiccedilatildeo de ocircnus e lucros so-ciais numa ambiecircncia de equidade desempenhando na vida social con-temporacircnea muacuteltiplas funccedilotildees mas sempre com o propoacutesito de cumprir um objetivo promocional dentro do sistema juriacutedico qual seja a realiza-ccedilatildeo da pessoa humana

Encampando essa concepccedilatildeo civilizatoacuteria Caio Mario da Silva Pereira afirma que paralelamente agrave funccedilatildeo econocircmica aponta-se no contrato

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uma outra civilizadora em si a educativa deixando-se de lado a ideia pura e simples de antagonismo entre as partes para levar em conta os efeitos do contrato na sociedade

O resultado dessa mudanccedila de estilo de pensamento eacute que as leis ganham em funcionalidade optando-se por soluccedilotildees abertas que pos-sibilitem aos operadores do direito o uso de valores baacutesicos e princiacutepios sociais (MARQUES 2011 p 211-215)

A confianccedila eacute fotografada como necessidade eacutetico-juriacutedica (CARNEI-RO DA FRADA 2007 p 261-262) pois o contrato impotildee respeitar e res-ponder pela confianccedila que o outro ao contratar nele depositou e que as expectativas quanto a natildeo infraccedilatildeo dos ditames de correccedilatildeo ou razoabili-dade de conduta produzidos por essa confianccedila podem ser consideradas como fonte autocircnoma no direito obrigacional (MARQUES 2011 p 181)

A conscientizaccedilatildeo quanto a esse perfil de contrato eacute de extrema im-portacircncia na sociedade de consumo em que os consumidores estatildeo mais fragilizados e suscetiacuteveis aos influxos de um comeacutercio juriacutedico desper-sonalizado e desmaterializado atraveacutes das contrataccedilotildees massificadas ou standardizadas dos conhecidos contratos de adesatildeo ou condiccedilotildees gerais homogecircneos em seu conteuacutedo e dirigidos indistintamente a todos os consumidores ou mesmo atraveacutes das chamadas condutas sociais tiacutepicas

Nessas relaccedilotildees massificadas sendo uma realidade a desigualdade material entre partes com distintas forccedilas faz-se necessaacuteria a desigual-dade juriacutedica de tratamento que equilibre essas forccedilas Ronaldo Porto partindo do reconhecimento das diferenccedilas de status juriacutedico das pessoas afirma que progressivamente o Direito Social acabaraacute sendo um Direito de desigualdades de discriminaccedilotildees positivas contendo em si fisiologi-camente as ideias de reciprocidade e equiliacutebrio (MACEDO 2007 p 51-53)

Assim eacute imperativa a visatildeo da obrigaccedilatildeo como um processo social e juriacutedico (SILVA p 2006) mais complexo e duradouro do que uma simples prestaccedilatildeo contratual engessada em um dar e um fazer momentacircneos entre parceiros contratuais teoricamente iguais conhecidos e escolhidos livremente sobretudo porque envolve obrigaccedilotildees de conduta

A propoacutesito calha destacar a posiccedilatildeo valiosa de Menezes Cordeiro quando afirma que ldquoA obrigaccedilatildeo implica entatildeo creacuteditos muacuteltiplos e diz-se complexa tem vaacuterias prestaccedilotildees principais ou quando uma delas domi-ne em termos finais uma principal e vaacuterias secundaacuteriasrdquo (CORDEIRO 2013 p 586-591)

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A intervenccedilatildeo do Estado na formaccedilatildeo dos contratos eacute exercida natildeo soacute pelo Poder Legislativo como tambeacutem pelos oacutergatildeos administrativos e pelo Poder Judiciaacuterio Nos contratos privados especialmente nos contra-tos de consumo essa intervenccedilatildeo assume papel de relevo no controle das claacuteusulas abusivas para proteccedilatildeo do mais fraco a partir do mandamento constitucional de proteccedilatildeo ao consumidor e do caraacuteter indisponiacutevel de ordem puacuteblica e fim social das normas do CDC

Nessa oacutetica o contrato como interseccedilatildeo de vontades dos privados estaacute sob a eacutegide de uma nova concepccedilatildeo de direito privado na qual os direitos fundamentais tem influecircncia direta nas relaccedilotildees privadas entre iguais ou desiguais impondo valores e vetores a serem respeitados de modo que quando se concretiza a boa-feacute concretizada restaraacute a dignida-de da pessoa humana

Quanto mais duradoura for a relaccedilatildeo mais destacados estaratildeo os deveres de cooperaccedilatildeo e adaptaccedilatildeo para uma maior possibilidade de ma-nutenccedilatildeo do viacutenculo contratual (SANDEL 2013 p 182)

Isso quer dizer que embora seja um pressuposto da democracia a autonomia privada natildeo tem nada de absoluta devendo ser conciliada com o direito das outras pessoas a uma idecircntica quota de liberdade e outros valores essenciais ao Estado Democraacutetico de direito como a auto-nomia puacuteblica (democracia) a igualdade a solidariedade e a seguranccedila o que justifica a restriccedilatildeo proporcional visando a otimizaccedilatildeo dos bens juriacutedi-cos em confronto atraveacutes de uma ponderaccedilatildeo de interesses

Aliaacutes foi a consagraccedilatildeo da solidariedade como norma constitucional e o reconhecimento da aplicabilidade direta das normas constitucionais sobre as relaccedilotildees privadas que impuseram a ressignificaccedilatildeo da autonomia privada de modo que mesmo estando certo comportamento expressa-mente autorizado por contrato ou lei eacute preciso verificar sua conformidade com a dignidade humana e a solidariedade social para soacute assim lhe ser assegurada a tutela pelo ordenamento juriacutedico contemporacircneo

Desse modo eacute inevitaacutevel que o Estado intervenha em situaccedilotildees con-cretas restringindo a autonomia privada seja para proteger a liberdade alheia seja para favorecer o bem comum e proteger a paz juriacutedica da sociedade atraveacutes da lei manifestaccedilatildeo da autonomia puacuteblica do cidadatildeo

Natildeo se perca de vista que a eficaacutecia horizontal dos direitos funda-mentais sobre as relaccedilotildees privadas estaacute atrelada agrave humanizaccedilatildeo da ordem juriacutedica que impotildee igualmente a observacircncia natildeo apenas da dignidade

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da pessoa humana mas tambeacutem a igualdade substantiva e a justiccedila social dado que os direitos fundamentais configuram o epicentro axioloacutegico da ordem juriacutedica

A filtragem da autonomia privada estaacute em consonacircncia com os va-lores eacuteticos e juriacutedicos mais caros agrave sociedade sendo imperativo ter-se sempre em mira que a seguranccedila juriacutedica natildeo eacute o uacutenico valor nem o mais importante almejado pelo direito estando ao seu lado ou acima dele o da justiccedila substancial que traduz a ideia de reciprocidade comutativida-de equivalecircncia material proporcionalidade (SANDULLI 1998 p 2) e da proacutepria distribuiccedilatildeo de riscos e ocircnus

Assim a maior ou menor atuaccedilatildeo da boa-feacute objetiva e o maior ou me-nor espaccedilo de exerciacutecio concedido agrave autonomia negocial estatildeo em direta dependecircncia da estrutura horizontalizada ou verticalizada simeacutetrica ou assimeacutetrica subjacente agrave relaccedilatildeo juriacutedica em causa Quanto maior o peso da horizontalidade maior seraacute o espaccedilo da autonomia negocial e com menor intensidade incidiraacute a boa-feacute em sua funccedilatildeo limitadora de direitos subjetivos formativos e posiccedilotildees juriacutedicas Inversamente quanto maior a assimetria (juriacutedica econocircmica informativa ou poliacutetica) mais diminuto seraacute o espaccedilo de exerciacutecio da autonomia e mais fortemente seratildeo irradia-dos os deveres e limites decorrentes da boa-feacute

O ldquobom direitordquo sabe se contrapor agraves razotildees econocircmicas quando ne-cessaacuterio para impedir a mercantilizaccedilatildeo da sociedade e promover a trans-formaccedilatildeo dessa sociedade para realizar as maiores chances de vida livre e digna para todos (PERLINGIERI 2008 p 509)

3 OPEN CREDITY SOCIETY

Observando-se a histoacuteria da civilizaccedilatildeo ocidental moderna percebe--se que o creacutedito vulgarizou-se na generalidade das economias de merca-do mais desenvolvidas tornando-se um instrumento estrutural fundamen-tal para incontaacuteveis famiacutelias embora com facetas positivas e negativas

Os efeitos positivos dessa democratizaccedilatildeo do creacutedito no plano ma-croeconocircmico foi logo percebido pelos americanos tendo sido responsaacute-vel pelo expressivo crescimento do paiacutes levando-o a ser a grande potecircn-cia mundial do seacuteculo XX Por isso se afirma que a partir da expansatildeo do creacutedito o mesmo deixou generalizadamente de ser entendido como sinocirc-nimo de ldquopobrezardquo ou de ldquoprodigalidaderdquo dele se utilizando indistintamen-

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te todas as classes sociais como mecanismo fundamental de dinamismo da economia (LEITAtildeO MARQUES 2000 p 16)

Daiacute se dizer que a evoluccedilatildeo do fenocircmeno creditiacutecio foi e continua sendo a mola propulsora do desenvolvimento econocircmico e verdadeiro instrumento transformador das sociedades A propoacutesito deve-se estar desperto para a reflexatildeo quanto a ldquofaceta sombriardquo do fenocircmeno consis-tente na patologia do endividamento que levado a extremo transveste--se de superendividamento responsaacutevel pela ruiacutena financeira e desestru-tura familiar de muitos nuacutecleos

No Brasil a venda direta a creacutedito por lojistas aos consumidores ex-pandiu-se nos anos 50 com o surgimento dos bancos de dados de prote-ccedilatildeo ao creacutedito que facilitaram muito a identificaccedilatildeo do consumidor e a consequente concessatildeo do creacutedito menos burocraacutetica e demorada

Apesar de as taxas de juros terem sido liberadas a partir da Lei 456564 o sistema financeiro brasileiro era regulado em funccedilatildeo da poliacutetica monetaacuteria para se trazer maior estabilidade agrave economia Entretanto mui-tas eram as exigecircncias burocraacuteticas e excessiva era a regulaccedilatildeo do creacutedito subsidiado e dos creacuteditos especiais (rural habitacional agraves microempresas etc) em razatildeo da instabilidade monetaacuteria da inseguranccedila quanto agrave sol-vabilidade dos agentes econocircmicos e das crises institucionais (ditadura militar) o que natildeo ensejou o desenvolvimento imediato do creacutedito livre observado nos paiacuteses desenvolvidos onde a demanda pelo consumo e a necessidade de conceder maior poder aquisitivo ao consumidor foram fatores decisivos que tensionaram os governos a incentivar a concessatildeo de creacutedito liberando as taxas de juros

A partir do advento do Plano Real nos idos dos anos 90 e do conse-quente controle da inflaccedilatildeo e estabilidade econocircmica o creacutedito no Brasil assumiu contornos extraordinaacuterios no que tange agrave economia de consumo e cultura do endividamento levando o Conselho Monetaacuterio Nacional a criar regras para o cheque e o cartatildeo de creacutedito

O ambiente de estabilizaccedilatildeo da moeda delineado pelo Plano Real fez com que instituiccedilotildees financeiras que antes tinham sua margem de lucro voltada essencialmente para captaccedilatildeo de depoacutesitos em virtude da alta inflacionaacuteria passassem a depender a partir do controle da inflaccedilatildeo do crescimento de operaccedilotildees a creacutedito encontrando na parcela da popu-laccedilatildeo que estava excluiacuteda do sistema formal de creacutedito uma verdadeira fonte lucrativa

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Desse modo as instituiccedilotildees financeiras passaram a fomentar o creacute-dito de forma ostensiva mirando sobretudo a parcela da populaccedilatildeo de baixa renda (a mais vulneraacutevel) antes excluiacuteda do sistema formal de creacute-dito Essa democratizaccedilatildeo do creacutedito assume relevo entre famiacutelias com rendimentos de ateacute 10 (dez) salaacuterios miacutenimos aposentados e pensionistas

Na medida em que ocorreu a expansatildeo do creacutedito ao consumo dis-puseram-se cartotildees de creacutedito de deacutebito cartotildees de loja creacuteditos pes-soais creacutedito para habitaccedilatildeo creacutedito automoacutevel creacutedito junto a particu-lares etc A explosatildeo do consumo e a vulgarizaccedilatildeo do creacutedito elevaram vertiginosamente as taxas de inadimplecircncia dos consumidores situaccedilatildeo que se alastrou na sociedade alcanccedilando diversos niacuteveis sociais em graus distintos de modo a configurar um verdadeiro fenocircmeno social

E note-se que outro natildeo poderia ser o caminho da expansatildeo do creacutedi-to O modelo de consumo consistente na urgecircncia do ter e na descartabili-dade dos produtos e serviccedilos fez do creacutedito a porta do acesso aos mesmos pelos consumidores hipervulneraacuteveis (considerados como tais tambeacutem os que ascenderam ao mercado de consumo recentemente como os da classe C D E) atraveacutes de muacuteltiplas formas de contrataccedilotildees as quais infe-lizmente natildeo tecircm primado pela reflexatildeo e ponderaccedilatildeo materializando habitualmente contratos nitidamente abusivos em detrimento da pessoa humana que passa a ser vista como um potencial de compra

Perceba-se que todo o glorioso sucesso do creacutedito e a sua vulgariza-ccedilatildeo se devem agrave transformaccedilatildeo do pensamento coletivo que afasta a co-notaccedilatildeo negativa que a histoacuteria lhe atribuiu para tornaacute-lo um instrumento de acesso agrave aquisiccedilatildeo de bens e reconhecimento social ainda que natildeo se disponha de meios materiais

Natildeo se trata simplesmente de elevaccedilatildeo do padratildeo de vida mas da proacutepria inclusatildeo do indiviacuteduo na sociedade de consumo a partir das es-colhas de consumo o que significa reconhecer que o creacutedito eacute tambeacutem sinocircnimo de status e serve de camuflagem da estratificaccedilatildeo social ao per-mitir ao indiviacuteduo adotar um estilo de vida caracteriacutestico da classe social superior agrave sua

Na qualidade de instrumento de criaccedilatildeo de moeda e elemento de dinamizaccedilatildeo da produccedilatildeo capitalista o creacutedito relaciona-se com a poliacutetica geral monetaacuteria jaacute que o Banco Central ou banco emissor reteacutem parte da moeda depositada por particulares para reduzir o multiplicador desta Por isso mesmo o Estado deve fiscalizar e intervir no mercado fixando

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limites de prazos de taxas e juros uma vez que o creacutedito ao consumidor eacute elemento ensejador do endividamento natildeo soacute de um indiviacuteduo ou classe social mas de toda uma coletividade

Desse modo o creacutedito necessaacuterio agrave sobrevivecircncia individual e do grupo social deve ser tratado como uma disciplina juriacutedica da extensatildeo da cidadania social ou mesmo de uma cidadania econocircmica sobretudo em relaccedilatildeo aos consumidores desfavorecidos que dependem desse creacutedito pois como afirma Simone Bolson ldquoter acesso ao creacutedito eacute modo de ser cidadatildeo de exercer a cidadania de ser considerado um igual nesta socie-dade de desiguaisrdquo (BOLSON 2007 p 189)

Natildeo eacute por outra razatildeo que Nichole Chardin afirmou que a moral da sociedade estaacute na forccedila do consumo (CHARDIN 1998 p 37) Nesse contex-to a doutrinadora francesa inclusive identifica os contratos de consumo e dentre eles o de creacutedito como o ponto mais alto dos contratos afetivos justamente em razatildeo da correlaccedilatildeo entre o consumo e o desejo

Nessa perspectiva embora seja o creacutedito uma atividade legiacutetima e normal em economia de mercado estando associado a seu desenvolvi-mento econocircmico melhoria da qualidade de vida e inclusatildeo social quan-do contratado em situaccedilatildeo de instabilidade financeira laboral e psicoloacute-gica ou na hipoacutetese de superveniecircncia dessa instabilidade na execuccedilatildeo contratual exsurge a sua faceta sombria diante do endividamento exces-sivo do consumidor

4 SUPERENDIVIDAMENTO SUAS CAUSAS E EFEITOS

O Superendividamento eacute a impossibilidade global do devedor pes-soa fiacutesica consumidor leigo e de boa-feacute de pagar todas as suas diacutevidas atuais e futuras de consumo (excluiacutedas as diacutevidas com o fisco oriundas de delito e de alimentos) em um tempo razoaacutevel com sua capacidade atual de rendas e patrimocircnio

Suas causas satildeo diversas passando pelo modelo societaacuterio agorista ausecircncia de educaccedilatildeo financeira falecircncia do estado social abuso das posi-ccedilotildees juriacutedicas por parte dos fornecedores acidentes da vida social dentre outros

O modelo societaacuterio agorista niilista hedonista e sem estratificaccedilatildeo predisposta fruto do capitalismo organiza as relaccedilotildees sociais a partir das escolhas de consumo numa estrutura panoacuteptica em que a forccedila produti-va constantemente vigia os consumidores para mantecirc-los numa engrena-

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gem de consumo que lhes signifique o reconhecimento social ainda que seja ao custo da integridade existencial desses consumidores

Nessa malha de realidade como pondera o psicoacutelogo Gustavo Bar-cellos ldquocomprar eacute um impulso ascendente de natureza espiritual que nos joga no eixo entre elevaccedilatildeo e mergulho Mas eacute tambeacutem um foco de fantasia portanto um lugar de alma nunca um gesto puro Diga-me o que compras e te direi quem eacutes Direi tambeacutem como patologizas e como ima-ginas a liberdaderdquo (BARCELOS 2008)

Costas Douzinas apoacutes asseverar que o contrato de propriedade sim-boliza o nascimento do sujeito alerta no sentido de que os objetos satildeo desejados natildeo por eles proacuteprios mas como um meio para o desejo de outras pessoas o que denota claramente que a subjetividade eacute construiacute-da simbolicamente para realizar os modelos de reconhecimento social (DOUZINAS 2009 p 287)

Nesse contexto a devoccedilatildeo ao consumo eacute definida como virtude do sujeito e o sujeito numa redenccedilatildeo moral se lanccedila ao consumo como um tranquilizante moral uma maneira de consolar-se ilusoriamente das des-venturas da existecircncia de preencher a vacuidade do presente e do futuro e levar o mundo a virar alma (BAUMAN DONSKIS 2014 181)

De acordo com essa forma de pensar fomentada inclusive pelo fe-nocircmeno da ldquoobsolescecircncia calculadardquo (BAUDRILLARD 1995 p 42) consi-deraacutevel parte dos bens e coisas consumidas na sociedade natildeo satildeo fun-cionais soacute possuindo utilidade no mundo da experiecircncia subjetiva do consumidor a partir do paradigma da sociedade de abundacircncia

Entretanto ldquoa liberdade e a soberania do consumidor natildeo passam de mistificaccedilatildeo (BAUDRILLARD 1995 p 72) pois natildeo eacute o consumo que con-trola a produccedilatildeo mas as grandes corporaccedilotildees produtivas eacute que controlam o comportamento do mercado de consumo ditando a moda os valores as tendecircncias de modo a retirar do indiviacuteduo todo o poder de decisatildeo e tornar esse mercado o ldquoloacutecusrdquo privilegiado do poder produtivo (MACEDO JUNIOR 2001 p 224)

Nesse cenaacuterio a publicidade eacute outro vilatildeo que se presta ao propoacutesi-to da manipulaccedilatildeo do comportamento dos haacutebitos das preferecircncias do consumidor para aquilo que eacute ditado pela ordem produtiva imprimindo neste o desejo de comportar ndash se vestir-se criar haacutebitos e fazer escolhas supostamente livres e prazerosas mas na verdade impostas pelo setor produtivo

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Essa publicidade fruto de um plano de marketing tanto coletivo quanto personalizado (marketing one-to-one) captura sociologicamente os perfis dos consumidores e incute massificadamente no cidadatildeo a pos-sibilidade de alcanccedilar independentemente de idade ou origem social o bem-estar atraveacutes da ritualiacutestica aquisiccedilatildeo de determinado produto ou serviccedilo e portanto da realizaccedilatildeo dos desejos sendo o creacutedito o passapor-te de acesso a esse bem-estar

Associado ao modelo societaacuterio em que o homem eacute aquilo que con-some inclusive para sair da invisibilidade a assimetria de informaccedilotildees e a ausecircncia de educaccedilatildeo financeira faz dos consumidores presas faacuteceis das estrateacutegias de mercado e do respectivo marketing levando-os ao consu-mo inorgacircnico E eacute justamente essa combinaccedilatildeo explosiva de fatores que leva incontaacuteveis consumidores a contratarem creacutedito para fazer frente ao consumo em condiccedilotildees adversas

Segundo a PEIC realizada pela Confederaccedilatildeo Nacional de Comercio bens e serviccedilos em outubro de 2020 665 da populaccedilatildeo adulta brasilei-ra estaacute endividada 261 com diacutevidas em atraso e 119 sem condiccedilatildeo alguma de quitar as suas diacutevidas

Nesse triste cenaacuterio segundo dados do Serasa mais de 60 milhotildees de brasileiros estatildeo com nome inscrito em oacutergatildeos restritivos encontrando-se praticamente um terccedilo da populaccedilatildeo idosa nessa situaccedilatildeo ou seja quase sete milhotildees de idosos O nuacutemero de idosos inadimplentes estaacute muito relacionado com o creacutedito consignado jaacute que eacute mais acessiacutevel aos apo-sentados Em momentos de inflaccedilatildeo alta e desemprego crescente muitos idosos satildeo levados a solicitar esse tipo de creacutedito para colocar em dia as contas da casa ou para ajudar a famiacutelia mas natildeo consegue honrar com os pagamentos das parcelas principalmente em razatildeo dos custos com remeacute-dios plano de sauacutede e alimentos

Eacute um cenaacuterio preocupante sobretudo num ano em que o Covid 19 desacelerou ainda mais a economia contribuindo para o aumento do de-semprego reduzindo o campo da proacutepria informalidade diante das regras de isolamento

Vale lembrar que segundo o IBGE 146 da populaccedilatildeo adulta estaacute desempregada o que unido a falta de poliacuteticas puacuteblicas para a prevenccedilatildeo do seu aumento agrava a fotografia do endividamento no pais

O endividamento eacute maior entre as famiacutelias com faixa de renda menor do que dez salaacuterios miacutenimos e o seu grande vilatildeo ainda eacute o cartatildeo de creacute-dito (785) seguido dos carnecircs (164) financiamento de carro (107)

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financiamento de casa (99) creacutedito pessoal 9 86) creacutedito consignado (62)

Ainda segundo a PEIC da CNC de outubro ogano 231 dos endi-vidados com renda familiar inferior a dez salaacuterios miacutenimos compromete mais de 50 da sua renda com as diacutevidas diversas comprometendo a subsistecircncia digna da famiacutelia

Dados alarmantes como esses fizeram com que economistas brasilei-ros pusessem o creacutedito no banco dos reacuteus sobretudo diante das distor-ccedilotildees no sistema de intermediaccedilatildeo que colocam em risco a oferta saudaacutevel de creacutedito o que pode inclusive gerar atraso ao crescimento nacional

Eacute preocupante perceber a situaccedilatildeo dos consumidores que pagam as contas todos os meses mas tecircm endividamento acima da renda Muitos desses consumidores usam o creacutedito caro como rotativo do cartatildeo de creacute-dito e cheque especial para rolar suas diacutevidas jaacute que acabam dispondo de reduzido percentual de sua renda para pagamento das despesas baacutesicas de alimentaccedilatildeo transporte e moradia o que gera uma ldquobola de neverdquo e a latecircncia de uma insolvecircncia proacutexima

Para esses consumidores endividados natildeo existem propostas para renegociaccedilatildeo razoaacutevel e adequada das diacutevidas ateacute porque criteacuterios de ra-zoabilidade e adequaccedilatildeo nem sequer satildeo analisados responsavelmente na proacutepria concessatildeo do creacutedito normalmente caracterizada por juros altos vendas casadas e desrespeito ao direito de informaccedilatildeo

Eacute importante dizer que a expressiva parcela da populaccedilatildeo brasileira que encontra-se superendividada enquadra-se no chamado superendi-vidamento ativo inconsciente ou passivo sujeitando a relaccedilatildeo juriacutedica agrave intervenccedilatildeo do Poder Puacuteblico para a devida equalizaccedilatildeo de forccedilas dada a boa-feacute do consumidor

Trata-se do ativo inconsciente quando o consumidor contrai diacutevidas aleacutem das suas forccedilas por impulso ou necessidade ludibriado pela publi-cidade de forma irrefletida ou por transtornos psicoloacutegicos mas crendo na sua capacidade de honraacute-las e desejando que ocorra o adimplemento

Jaacute o passivo eacute provocado por fatores externos forccedila maior social (desemprego doenccedila alteraccedilatildeo do nuacutecleo familiar ou das condiccedilotildees de existecircncia que seja capaz de afetar o orccedilamento domeacutestico (falecimento de familiar separaccedilatildeo ou divoacutercio) exploraccedilatildeo pelo credor da situaccedilatildeo de necessidade inexperiecircncia dependecircncia estado mental fraqueza ou ignoracircncia do consumidor tendo em vista a sua idade sauacutede condiccedilatildeo

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social alteraccedilatildeo na conjuntura econocircmica nacional) que desestabilizam a situaccedilatildeo financeira do agregado familiar inviabilizando o cumprimento dos compromissos firmados em momento de seguranccedila financeira

5 URGEcircNCIA DO PROJETO DE LEI Nordm 35152012

A gestatildeo do risco que representa o superendividamento e seus efei-tos extrapola a dimensatildeo econocircmica e juriacutedica assumindo contornos psi-cossociais e constitui um desafio regulatoacuterio em muitas sociedades que ainda natildeo albergaram um sistema de falecircncia da pessoa fiacutesica devedora que permita a sua recuperaccedilatildeo financeira como eacute o caso da China Viet-nam Turquia Meacutexico Iacutendia Chile Peru entre outros

No Brasil como jaacute restou delineado o tratamento do superendivi-damento ainda natildeo logrou assento formal em texto normativo embora expressivo fragmento da doutrina e jurisprudecircncia esteja alinhado com a tendecircncia de sua tutela em circunstacircncias especiacuteficas lastreado no acervo hermenecircutico axioloacutegico contemporacircneo jaacute aludido na primeira parte do presente trabalho

O processo judicial da declaraccedilatildeo de insolvecircncia previsto no Coacutedigo de Processo Civil paacutetrio CPC eacute desvantajoso para a pessoa fiacutesica consu-midora de boa-feacute natildeo apenas pela sua delonga como tambeacutem em razatildeo do vencimento antecipado de suas diacutevidas e pela arrecadaccedilatildeo de todos os seus bens presentes e futuros o que lhe retira a possibilidade de reco-meccedilar dignamente sem carregar consigo a pecha de ser um peso morto para a sociedade e para a economia natildeo servindo para gerar empregos incrementar a arrecadaccedilatildeo ou produzir riqueza

Argumente-se que a recuperaccedilatildeo dos empresaacuterios e sociedades em-presaacuterias estaacute intimamente relacionada com a capacidade creditiacutecia dos consumidores na medida em que a manutenccedilatildeo e recuperaccedilatildeo do creacutedito do consumidor superendividado estabiliza a sua capacidade de adimple-mento garante a livre iniciativa e a livre concorrecircncia aleacutem de manter a fonte produtora de empregos e das atividades empresariais

O projeto de Lei 3515 abre uma janela de oportunidade para atua-lizaccedilatildeo do Coacutedigo de Defesa do Consumidor e inspirado na legislaccedilatildeo francesa reflete uma linha humanista e inclusiva do sujeito que se supe-rendividou atendendo ao anseio da sociedade juriacutedica e de milhares de brasileiros superendividados que pretendem uma chance de viver me-lhor de modo mais digno

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Jaacute no descortino do projeto fica clara a consciecircncia quanto agrave impor-tacircncia do fenocircmeno e a opccedilatildeo pela sua prevenccedilatildeo ao se estabelecerem como princiacutepio da poliacutetica nacional das relaccedilotildees de consumo o fomento e o desenvolvimento de accedilotildees visando a educaccedilatildeo financeira e ambiental dos consumidores incentivando a inclusatildeo do tema em curriacuteculos escola-res o que por oacutebvio envolve vaacuterias accedilotildees do Estado

Para a efetivaccedilatildeo dessa poliacutetica nacional das relaccedilotildees de consumo estatildeo previstas como instrumentos a instituiccedilatildeo de mecanismos de pre-venccedilatildeo e tratamento extrajudicial e judicial do superendividamento e pro-teccedilatildeo do consumidor pessoa fiacutesica com a instituiccedilatildeo inclusive de nuacutecleos de conciliaccedilatildeo e mediaccedilatildeo de conflitos oriundos do fenocircmeno colimando sobretudo precatar ou sanar a exclusatildeo social garantir a dignidade huma-na e o miacutenimo existencial(art 5ordm VI art 6 XI XII art 54-A caput)

Valorando a prevenccedilatildeo do fenocircmeno o projeto estabelece como di-reito baacutesico do consumidor a garantia de praacuteticas de creacutedito responsaacutevel (art 6 XI) atraveacutes de medidas preventivas ou curativas resultantes de revisotildees ou repactuaccedilatildeo das dividas administrativas ou judiciais

De outra banda o projeto reforccedila o princiacutepio basilar da informaccedilatildeo para as contrataccedilotildees de creacutedito e a prazo estabelecendo a obrigaccedilatildeo do fornecedor de deixar o consumidor absolutamente consciente quanto agraves particularidades do conteuacutedo contratual e em especial os encargos que deveraacute suportar e o custo efetivo total das operaccedilotildees (art 54-B I II III IV V sect 1ordm sect 2ordm sect 3ordm)

Percebe-se que dessa forma o Projeto de Lei em relaccedilatildeo agraves pes-soas fiacutesicas superendividadas acaba por reconhecer que haacute uma falha de mercado consistente na assimetria de informaccedilatildeo quando estabelece medidas de aconselhamento justamente para preservar a racionalidade e atenuar a influecircncia de fatores externos sobre a mesma

Outrossim nota-se que positivando a noccedilatildeo de ldquomiacutenimo existencialrdquo abre margem agrave possibilidade de reserva sobre a remuneraccedilatildeo do endivi-dado para desconto em folha de pagamento com vistas agrave subsistecircncia digna excepcionada a situaccedilatildeo de deacutebito em conta de diacutevidas oriundas do uso de cartatildeo de creacutedito para pagamento do preccedilo em parcela uacutenica Uma vez descumprido o limite existencial caberaacute dilaccedilatildeo do prazo de pagamento reduccedilatildeo dos encargos e da remuneraccedilatildeo do devedor conso-lidaccedilatildeo constituiccedilatildeo ou substituiccedilatildeo de garantias (art 54-D sect 1ordm e sect 2ordm)

Nesse particular o importante a se destacar eacute a imprescindibilidade de uma renda miacutenima de inserccedilatildeo o que ao nosso ver naturalmente estaacute

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suscetiacutevel agrave variaccedilotildees conforme o necessaacuterio na praacutetica agrave atender o direito fundamental do miacutenimo existencial de cada pessoa e seu nuacutecleo familiar garantindo uma vida condigna e saudaacutevel do ponto de vista fiacutesico espiri-tual e intelectual num standart socioeconocircmico vigente Assim desgarra-do de um ldquotabelamentordquo se teraacute a missatildeo de identificar o que traduziraacute o miacutenimo existencial conforme o nuacutemero de dependentes a renda total da famiacutelia os gastos com aacutegua luz alimentaccedilatildeo moradia sauacutede e educaccedilatildeo

Importante inovaccedilatildeo eacute a que se refere ao direito de arrependimento ou de reflexatildeo que permite ao consumidor em qualquer espeacutecie con-tratual desistir do negoacutecio sem ocircnus para si no prazo de 7 dias o que implicaraacute agrave resoluccedilatildeo do contrato acessoacuterio de creacutedito Essa previsatildeo res-tringe-se agrave forma de pagamento consignaccedilatildeo em pagamento somente sendo necessaacuterio que o legislador venha a definir o valor ou percentual que o cidadatildeo teria de ter para garantir o seu miacutenimo existencial em situa-ccedilotildees diversas

Importante destaque foi dado agrave oferta e agrave publicidade abusiva esta sabidamente a grande vilatilde da histoacuteria do superendividamento e que tem capturado para a sua rede as viacutetimas mais fraacutegeis e suscetiacuteveis a exemplo das crianccedilas e dos idosos

Assim no projeto fulmina-se o ldquoasseacutedio ao consumordquo consideran-do-se abusiva a publicidade discriminatoacuteria de qualquer natureza que prevalecendo-se da predisposta vulnerabilidade do consumidor incite a violecircncia explore o medo ou a supersticcedilatildeo se aproveite da deficiecircncia de julgamento e experiecircncia da crianccedila desrespeite valores ambientais (consumo sustentaacutevel) ou que seja capaz de induzir o consumidor a se comportar de forma prejudicial ou perigosa a sua sauacutede ou seguranccedila re-ferindo-se ainda como tal aquela publicidade que contenha apelo impe-rativo ao consumo ou estimule comportamento socialmente reprovaacutevel

Tal previsatildeo insere-se na linha da Diretiva Europeia 20081948 que entre as regras de comportamento impostas aos fornecedores que pre-tendam oferecer creacutedito estabelece o dever do concedente de analisar previamente a potencial solvabilidade do pretenso mutuaacuterio permitindo uma quitaccedilatildeo regular da diacutevida aleacutem do seu dever de aconselhamento cabendo-lhe informar preacutevia e satisfatoriamente o consumidor sobre o custo real da operaccedilatildeo e seus reflexos futuros

Quanto ao consumo sustentaacutevel e ao ecomarketing eacute indeleacutevel que a contenccedilatildeo dos danos ao meio ambiente causados pela produccedilatildeo susten-taacutevel e a garantia da sobrevivecircncia das futuras geraccedilotildees estatildeo diretamen-

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te relacionadas agrave reformulaccedilatildeo dos haacutebitos de consumo indispensaacutevel agrave edificaccedilatildeo de uma sociedade mais orgacircnica Assim passou-se a incluir a proteccedilatildeo do meio ambiente como um dos objetivos da poliacutetica nacional das relaccedilotildees de consumo imprimiu-se o comando de incentivo a padrotildees de produccedilatildeo e consumo sustentaacuteveis cimentou-se o dever de precauccedilatildeo passando a ser principio a promoccedilatildeo de padrotildees de produccedilatildeo e consumo sustentaacuteveis colimando-se assim atender as necessidades das atuais ge-raccedilotildees permitir melhores condiccedilotildees de vida promover o desenvolvimen-to econocircmico e inclusatildeo social sem comprometer a qualidade ambiental no atendimento das necessidades das geraccedilotildees futuras

Mais uma vez pretendendo reforccedilar a funcionalidade socializaccedilatildeo e eticidade dos contratos na poacutes-modernidade traz o projeto a previsatildeo dos princiacutepios da boa-feacute funccedilatildeo social do creacutedito e respeito agrave dignidade para uma concessatildeo responsaacutevel e leal do creacutedito que prime pelo dever de cooperaccedilatildeo previamente agrave contrataccedilatildeo Assim devem o fornecedor e o intermediaacuterio do creacutedito avaliar as condiccedilotildees econocircmico-financeiras do consumidor mediante documentaccedilatildeo necessaacuteria e consulta a bancos de dados ponderar esclarecer aconselhar e advertir o consumidor quanto aos riscos do inadimplemento Nesse rumo propotildee acrescentar um sect 3ordm ao art 96 da Lei nordm 107412003 (Estatuto do Idoso) para estabelecer natildeo constituir crime a negativa de creacutedito motivada por superendividamento do idoso

Igualmente positivo o processo de repactuaccedilatildeo voluntaacuteria de diacutevi-das natildeo profissionais (Art 104-A sect 2ordm) em relaccedilatildeo ao superendividado (Art104-A sect 1ordm) bem assim a fase judicial para revisatildeo e integraccedilatildeo dos contratos e repactuaccedilatildeo das diacutevidas remanescentes atraveacutes de um plano judicial compulsoacuterio que poderaacute ser formulado por um administrador nomeado pelo Juiz agrave guisa de todas as informaccedilotildees pessoais financeiras e patrimoniais do consumidor

Por fim estabelece a competecircncia concorrente das entidades inte-grantes do Sistema Nacional de Defesa do Consumidor previstas no art 82 do CDC para o procedimento conciliatoacuterio e preventivo do processo de repactuaccedilatildeo de diacutevidas

Enfim todo esse plexo inovatoacuterio denota que o projeto de lei repre-senta um avanccedilo civilizatoacuterio na prevenccedilatildeo da coacutelera social do superendi-vidamento pois inegavelmente a positivaccedilatildeo representa a consciecircncia e sensibilidade natildeo soacute do Estado mas da comunidade juriacutedica do paiacutes

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6 CONCLUSAtildeO

Sabe-se que o creacutedito eacute necessaacuterio agrave sobrevivecircncia individual e do grupo social e como tal deve ser tratado como extensatildeo da cidadania so-cial ou econocircmica direito social modo de ser cidadatildeo pois permite novas oportunidades sociais

Mas embora seja atividade normal numa economia de mercado relacionando-se ao desenvolvimento econocircmico e melhoria de vida das pessoas quando o creacutedito eacute contraiacutedo em situaccedilatildeo de instabilidade finan-ceira laboral ou psicoloacutegica ou num cenaacuterio de abusividade comporta-mental por parte dos hipersuficientes numa sociedade de hiperconsumo apresenta uma faceta sombria que pode levar ao superendividamento e ao flagelo social

Percebe-se que contribuem para a crise de insolvecircncia e portanto para o superendividamento a falta de educaccedilatildeo ao consumo orgacircnico e sustentaacutevel assim como as concessotildees irresponsaacuteveis e sem eacutetica de fornecedores que natildeo atendem aos princiacutepios da seletividade garantia liquidez e diversificaccedilatildeo dos riscos e consequentemente denotam que-bra da boa-feacute e seus deveres anexos Nessa senda tambeacutem se encontram as claacuteusulas contratuais abusivas e as praacuteticas abusivas assim como o estiacutemulo artificial ao consumo irracional ao creacutedito faacutecil agrave seduccedilatildeo publi-citaacuteria agrave reduccedilatildeo dos mecanismos de controle dos encargos e reduccedilatildeo do estado do bem-estar social que eleva o custo com educaccedilatildeo e sauacutede privados

A despersonalizaccedilatildeo das relaccedilotildees (condutas sociais tiacutepicas relaccedilotildees anocircnimas) a sofisticaccedilatildeo dos instrumentos de atuaccedilatildeo a publicidade agressiva a sociologia publicitaacuteria de captaccedilatildeo de presas faacuteceis do con-sumo (jovens idosos deficientes) aleacutem da vulnerabilidade informacional satildeo as marcas do mercado hipermoderno que conduzem ao caminho do superendividamento

Mesmo nas hipoacuteteses de endividamento excessivo oriundo de forccedila maior social o superendividamento estaacute relacionado ao problema de po-liacuteticas puacuteblicas e redistribuiccedilatildeo e o seu enfrentamento passa pelo respeito agrave alteridade e consequentemente uma postura de cooperaccedilatildeo dinacircmica e reciacuteproca entre os protagonistas contratuais

Embora se deva primar pela prevenccedilatildeo do excesso de endividamento e agravamento das dificuldades diante da efetiva ocorrecircncia do superen-dividamento e portanto do fracasso das medidas preventivas a inter-venccedilatildeo puacuteblica administrativa ou judicial passa a traduzir uma legiacutetima

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expectativa do endividado na busca da reestruturaccedilatildeo de suas diacutevidas e a proacutepria concreccedilatildeo dos direitos fundamentais do consumidor

A tutela formal do fenocircmeno vem ao encontro da nova concepccedilatildeo de autonomia privada e consequentemente da noccedilatildeo de contrato como fato social cuja natureza afetiva relaciona formaccedilatildeo da vontade racional agrave atuaccedilatildeo mais qualificada do fornecedor ateacute porque os contratantes natildeo estatildeo mais em posiccedilotildees antagocircnicas mas devem atuar cooperando com o outro em prol do bem comum

Desse modo seja atraveacutes da conciliaccedilatildeo ou da mediaccedilatildeo voluntaacuteria ndash acordos realizados sob a eacutegide de autoridades do acircmbito administra-tivo ndash ou atraveacutes de processos judiciais que ora se aproximem do ldquofresh startrdquo proacuteprio dos paiacuteses do common law (Estados Unidos Inglaterra Ca-nadaacute Austraacutelia) ora se baseiem na filosofia da ldquoreeducaccedilatildeordquo preferida nos regimes de tradiccedilatildeo civil law (Franccedila Beacutelgica etc) eacute possiacutevel e urgente promover o tratamento do superendividamento como exerciacutecio da soli-dariedade realizaccedilatildeo do objetivo fundamental de erradicaccedilatildeo da pobreza da marginalizaccedilatildeo e reduccedilatildeo das desigualdades sociais e regionais

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Primeiras linhas quanto ao impacto da Lei Geral de Proteccedilatildeo de Dados na forccedila

probante dos documentos eletrocircnicos em processos submetidos aos Juizados

Especiais de relaccedilotildees de consumo

1 Doutor e Mestre em Direito pela Universidade Federal da Bahia advogado e atualmente ocupando a funccedilatildeo de juiz leigo da 4ordf vara de relaccedilotildees de consumo de SalvadorBA integrante do Sistema de Juizados Especiais do Poder Judiciaacuterio do Estado da Bahia

2 Mestre em Direito pela Universidade Federal da Bahia Juiacuteza Titular da 4ordf vara de re-laccedilotildees de consumo de SalvadorBA integrante do Sistema de Juizados Especiais do Poder Judiciaacuterio do Estado da Bahia

Belmiro Vivaldo Santana Fernandes1

Michelline Soares Bittencourt Trindade Luz2

Resumo O presente artigo cientiacutefico tem por objetivo analisar pos-siacuteveis alteraccedilotildees na valoraccedilatildeo probatoacuteria dos documentos eletrocircni-cos em demandas judiciais de relaccedilotildees de consumo nos Juizados Especiais em consequecircncia da promulgaccedilatildeo Lei Geral de Proteccedilatildeo de Dados Pessoais (Lei Federal nordm 13709 de 14 de agosto de 2018 com as alteraccedilotildees da Lei Federal nordm 138532019) Neste sentido revi-sitou-se o marco teoacuterico do acesso agrave justiccedila na visatildeo Mauro Cappel-letti e Bryan Garth na concepccedilatildeo da Lei dos Juizados Especiais (Lei 90991995) e os instrumentos processuais garantidos ao consumi-dor na defesa dos seus direitos conforme determina a Lei Federal nordm 80781990 Demonstrou-se que embora haja posicionamentos doutrinaacuterios e jurisprudenciais no sentido de minimizar a forccedila pro-batoacuteria dos documentos eletrocircnicos no contexto examinado a Lei de Proteccedilatildeo de Dados Pessoais aponta tendecircncia no sentido oposto que pode inclusive tornar ainda mais efetiva a facilitaccedilatildeo do acesso agrave justiccedila pelo consumidor inclusive nos Juizados Especiais

Palavras-chave Documentos eletrocircnicos ndash Juizados Especiais ndash Rela-ccedilotildees de Consumo ndash Lei Geral de Proteccedilatildeo de Dados Pessoais

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1 INTRODUCcedilAtildeO

O acesso agrave justiccedila eacute objeto de preocupaccedilatildeo dos estudiosos do Estado Democraacutetico de Direito que desde os primoacuterdios ateacute sua formaccedilatildeo atual enfrentou diversas crises e mudanccedilas de concepccedilatildeo

A concepccedilatildeo de acesso agrave justiccedila para aleacutem do mero processamento de demandas e a busca da concretizaccedilatildeo os direitos se revelou presente na construccedilatildeo da atual Lei 909995 especialmente no que tange agrave sua melhor aproximaccedilatildeo com a sociedade brasileira com suas desigualdades e complexidades Isto se coaduna com a garantia agrave facilitaccedilatildeo dos meios de acesso agrave justiccedila ao consumidor incorporados pelo ordenamento paacutetrio pela promulgaccedilatildeo da Lei nordm 8078 de 11 de setembro de 1990)

Entretanto embora perceptiacutevel e aceita a contrataccedilatildeo e consumo de produtos e serviccedilos pelos meios digitais constatam-se obstaacuteculos na adequada valoraccedilatildeo probatoacuteria dos documentos eletrocircnicos no pro-cesso especialmente no acircmbito dos juizados especiais A preocupaccedilatildeo reside no receio de sua manipulaccedilatildeo pelo fornecedor para eclipsar a pretensatildeo consumerista deduzida em juiacutezo o que acaba prejudicando seu proacuteprio acesso agrave justiccedila seja pelo argumento da necessidade de produccedilatildeo de prova pericial para atestar sua autenticidade pela sua total desconsideraccedilatildeo

Por outro lado eacute inequiacutevoca a convivecircncia dos meios digitais nas relaccedilotildees mais baacutesicas do dia a dia algo percebido intensificado sobretudo com o uso de tecnologias frente agrave pandemia do COVID-19 ocorrida no ano de 2020 Neste sentido observa-se que a tendecircncia legislativa eacute de reconhecer a forccedila probatoacuteria dos documentos eletrocircnicos especialmente em razatildeo da promulgaccedilatildeo do Coacutedigo de Processo Civil de 2015 Lei do Marco Civil da Internet (Lei nordm 12965 de 23 de abril de 2014) e Lei Geral de Proteccedilatildeo de Dados Pessoais (ldquoLGPDrdquo lei nordm 13709 de 14 de agosto de 2019)

O objetivo central deste artigo portanto eacute avaliar se o atual receio de reconhecimento da forccedila probante dos documentos eletrocircnicos eacute jus-tificaacutevel diante dos limites do procedimento sumariacutessimo dos Juizados Especiais e da proteccedilatildeo consumerista e natildeo o sendo quais satildeo as ferra-mentas hermenecircuticas agrave disposiccedilatildeo dos sujeitos processuais sua adequa-da valoraccedilatildeo

Para tanto em anaacutelise teoacuterico-descritiva examinou-se o marco teoacute-rico da criaccedilatildeo do atual sistema de Juizados Especiais cuja inspiraccedilatildeo eacute a

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teoria de Cappelletti e Garth de acesso agrave justiccedila e as inovaccedilotildees propostas pela Lei Geral de Proteccedilatildeo de Dados Pessoais Observou-se que em diver-sas passagens satildeo evidenciadas notaacuteveis semelhanccedilas do regime juriacutedico da novel lei com as normas do Coacutedigo de Defesa do Consumidor

Diante da proposta metodoloacutegica deste trabalho o conteuacutedo foi em quatro seccedilotildees sendo a primeira introdutoacuteria a segunda com o resgate da concepccedilatildeo de acesso agrave justiccedila na visatildeo de Cappelli e Garth a terceira com a regulaccedilatildeo especiacutefica do acesso agrave justiccedila na Lei 909995 e no Coacutedigo de Defesa do Consumidor e na quarta seccedilatildeo o valor probante dos documen-tos eletrocircnicos frente agraves recentes inovaccedilotildees legislativas como a Lei Geral de Proteccedilatildeo de dados Pessoais Ao final do trabalho apresenta-se uma breve conclusatildeo que sumariza o exposto

2 O ACESSO Agrave JUSTICcedilA NA CONCEPCcedilAtildeO DE CAPPELLETTI E GARTH

Para que verifique in concreto se o modelo poliacutetico-juriacutedico vivencia-do em dada realidade sociocultural eacute necessaacuterio observar alguns paracircme-tros fundamentais que diante de sua presenccedila eou respeito indicariam o alcance mais proacuteximo do ideal da experiecircncia de conviacutevio efetivo em uma democracia3

Morais e Streck (2010 p 99) afirmam que os principais elementos perceptiacuteveis satildeo a) existecircncia de uma constituiccedilatildeo b) pluralismo poliacute-tico c) respeito agrave diversidade e agrave liberdade de opiniatildeo e expressatildeo d) sistema de garantias aos direitos fundamentais tanto individuais quanto coletivos e) reparticcedilatildeo de funccedilotildees puacuteblicas entre autoridades distintas f ) controle da legalidade dos atos judiciais e administrativos diante da constituiccedilatildeo g) sentimento de seguranccedila e certeza juriacutedicas h) justiccedila social e isonomia

3 Explicam Morais e Streck (2010 p 97) que o Estado Democraacutetico de Direito tem o compromisso de transformaccedilatildeo da realidade sendo diverso do mero Estado Social de Direito que visa a melhoria das condiccedilotildees sociais poreacutem natildeo traz em seu componen-te central a participaccedilatildeo popular como ocorre em alguns modelos como no populis-mo no socialismo ou em estruturas acentuadamente intervencionistas O conteuacutedo central de um Estado que se propotildee a ser democraacutetico eacute ultrapassar a concretizaccedilatildeo de uma vida digna agindo simbolicamente como fomentador da participaccedilatildeo puacutebli-ca no processo de construccedilatildeo e reconstruccedilatildeo da sociedade O acesso agraves diversas fun-ccedilotildees estatais e a participaccedilatildeo dos cidadatildeos inclusive no Poder Judiciaacuterio sedimentam o efetivo caraacuteter democraacutetico de uma estrutura poliacutetica

Primeiras linhas quanto ao impacto da Lei Geral de Proteccedilatildeo de Dados na forccedila probante dos documentos eletrocircnicos em processos submetidos aos Juizados Especiais de relaccedilotildees de consumo

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Natildeo haacute de olvidar que os maiores expoentes no tema de acesso agrave justiccedila satildeo Mauro Cappelletti e Bryan Garth (1988 p 23) promoveram um estudo em escala global denominado ldquoProjeto Florenccedilardquo cujo objetivo foi o de coletar e analisar como os diversos sistemas juriacutedicos do mundo garantem a busca junto aos oacutergatildeos do Poder Judiciaacuterio de reclamaccedilotildees agrave violaccedilatildeo de seus direitos subjetivos Em consequecircncia publicaram a obra conhecida no Brasil como ldquoAcesso agrave Justiccedilardquo4 no ano de 1978 sendo um marco para o estudo do Direito Processual

Em siacutentese explicam que nos primoacuterdios do Estado Liberal o acesso agrave justiccedila5 apenas significava o direito formal de algueacutem buscar o Poder Ju-diciaacuterio para propor ou contestaccedilatildeo uma accedilatildeo entretanto estaria fora de seu escopo inicial o uso da justiccedila com uma efetiva melhoria na qualidade de vida e consequentemente incremento da participaccedilatildeo democraacutetica pela concretizaccedilatildeo da isonomia (CAPPELETTI GARTH 1988 p 13) Com o aumento da complexidade das relaccedilotildees sociais e de sua proacutepria percep-ccedilatildeo o mero processo individualizado natildeo poderia mais existir sozinho de-vendo funcionar como resgate da proacutepria cidadania (CAPPELETTI GARTH 1988 p 160)6

Outros temas tambeacutem satildeo relevantemente trabalhados na obra de Cappelletti e Garth7 mas um em especial ganha relevo e estaacute diretamente relacionado agrave proposta de criaccedilatildeo de ldquotribunais de pequenas causasrdquo que eacute o custo do processo formal o que inclui as proacuteprias custas judiciaacuterias as despesas para produccedilatildeo de provas e com o proacuteprio assessoramento juriacutedico (CAPPELETTI GARTH 1988 p 20) o que leva agrave parte mais fraca ao abandono do litiacutegio ou ao desencorajamento de enfrentar disputas ju-

4 Seu tiacutetulo original foi abreviado no Brasil mas merece ser lembrado porque permi-te a compreensatildeo do escopo do estudo de Cappelletti e Garth Assim chamou-se ldquoAccess to Justice The Worldwide Movement to Make Rights Effective ndash A General Reportrdquo algo como ldquoAcesso agrave Justiccedila o movimento mundial para tonar os direitos efetivosrdquo em traduccedilatildeo livre

5 ldquoJusticcedilardquo para os autores tecircm sentido proacuteximo de Judiciaacuterio mas ultrapassa o puro direito de accedilatildeo mas de efetivaccedilatildeo dos direitos (CAPPELLETTI GARTH 1988 p 33)

6 Como explica Hobsbawn (2014 p 399) o ponto de inflexatildeo e mudanccedila paradigmaacutetica foi a implementaccedilatildeo do Estado do Bem-Estar Social por meio dos keynesianos que compreendiam a importacircncia de acesso ao emprego e melhoria dos salaacuterios para fo-mento da economia e do mercado de consumo

7 Como a litigiosidade do proacuteprio Estado com seus cidadatildeos e a burocracia

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riacutedicas Essas preocupaccedilotildees foram objeto da construccedilatildeo da Lei 90991995 uma modernizaccedilatildeo da antiga ldquoLei de Juizados de Pequenas Causasrdquo8 (PA-RIZOTTO 2018 p 23)

Em sentido contemporacircneo Maria Aparecida Lucca Caovilla (2003 p 35) compreende que o acesso agrave justiccedila se relaciona melhor com a conscientizaccedilatildeo da populaccedilatildeo de seus direitos natildeo podendo se resumir ao acesso formal ao Poder Judiciaacuterio Eacute o mesmo sentido defendido por Eduardo de Avelar Lamy e Horaacutecio Wanderlei Rodrigues (2016 p 206) que consagra a importacircncia da resposta ao problema trazido ao Judiciaacuterio pela efetividade do resultado e concretizaccedilatildeo do direito material subjetivo percebido pelo ganho de consciecircncia juriacutedica da populaccedilatildeo O acesso agrave justiccedila tambeacutem ganha um conteuacutedo axioloacutegico da proacutepria expressatildeo de justiccedila ndash no sentido de ldquojustordquo ndash para acesso agrave ordem e aos direitos funda-mentais (LAMY RODRIGUES 2016 p 112)9

3 A FACILITACcedilAtildeO DO ACESSO Agrave JUSTICcedilA NO COacuteDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR E NOS JUIZADOS ESPECIAIS CIacuteVEIS

A Lei nordm 9099 de 26 de setembro de 1995 ao revogar a antiga Lei dos Juizados de Pequena Causa (Lei nordm 72441984) demonstrou o respeito ao quanto determinado pelo artigo 98 da Constituiccedilatildeo de 198810 que na

8 A antiga Lei dos Juizados de Pequenas Causas (Lei nordm 7244 de 07 de Setembro de 1984) instituiu oacutergatildeos do Poder Judiciaacuterio aptos agrave recepccedilatildeo de demandas que se tornariam inviaacuteveis para propositura perante os oacutergatildeos da Justiccedila Comum A Lei dos Juizados Especiais (Lei 90991995) superou algumas incongruecircncias do antigo ato normativo promulgado antes da vigecircncia da Constituiccedilatildeo de 1988 com o princiacutepio compatiacuteveis com a atual sistemaacutetica constitucional

9 Ada Pellegrini Grinover e outros (2005 p 39-40) trazem liccedilotildees importantes como que o acesso agrave justiccedila natildeo se identifica com a mera admissatildeo no processo mas se relacionando com agrave defesa adequada em processos criminais a recepccedilatildeo de causas mesmo que ldquopequenasrdquo e a efetividade Tudo isto leva agrave convergecircncia da oferta cons-titucional de direitos e garantias

10 Quanto agrave criaccedilatildeo dos Juizados Especiais a Constituiccedilatildeo de 1988 assim determinou em seu artigo 98 ldquoA Uniatildeo no Distrito Federal e nos Territoacuterios e os Estados criaratildeo I ndash Juizados especiais providos por juiacutezes togados e leigos competentes para a conciliaccedilatildeo o julgamento e a execuccedilatildeo de causas ciacuteveis de menor complexidade e infraccedilotildees penais de menor potencial ofensivo mediante os procedimentos oral e sumariacutessimo permitidos nas hipoacuteteses previstas em lei a transaccedilatildeo e o julgamento de recursos por turmas de juiacutezes de primeiro graurdquo (BRASIL 1988)

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liccedilatildeo de Caovilla (2003 p 89) garantiu um acesso a causas de menor valor econocircmico promovendo uma niacutetida evoluccedilatildeo com o povo brasileiro e preocupaccedilatildeo com sua realidade social especialmente quanto agrave reduccedilatildeo da burocracia o que inclui a isenccedilatildeo de custas e condenaccedilatildeo em honoraacute-rios advocatiacutecios em primeira instacircncia11

Caovilla (2003 p 42) ainda esclarece que o sentido de acesso agrave justiccedila como efetividade de direitos eacute cristalino na Lei dos Juizados Es-peciais especialmente quanto aos Ciacuteveis representando uma proposta realista e ainda atual Afirma que como o processo tem a missatildeo comple-xa inclusive de restabelecer a felicidade12 das pessoas pela recuperaccedilatildeo de seus bens da vida o que natildeo seria possiacutevel caso se submetessem ao regramento riacutegido e burocraacutetico dos procedimentos ciacuteveis da justiccedila natildeo especializada

Havia portanto ateacute a promulgaccedilatildeo da Lei dos Juizados Especiais uma litigiosidade contida pela inadequaccedilatildeo do modelo de caacutelculo das custas judiciais e das despesas com honoraacuterios advocatiacutecios e produccedilatildeo de prova afastando os menos abastados de uma prestaccedilatildeo jurisdicio-nal simples raacutepida econocircmica e segura (FIGUEIRA JUacuteNIOR TOURINHO NETO 2017 p 40) Como tambeacutem explicam Arenhart e Marinoni (2012 p 209) o juizado especial natildeo deve ser pensado como um meio de agi-lizaccedilatildeo de litiacutegios mas de assegurar a certos segmentos da populaccedilatildeo brasileira o direito a demandar em Juiacutezo que em outras circunstacircncias natildeo seria viaacutevel

Em contraponto ao modelo tradicional formal com a Lei dos Juizados Especiais avanccedilou-se frente agrave instrumentalizaccedilatildeo do processo em razatildeo de seus princiacutepios basilares contidos em seu artigo 2ordm oralidade simpli-cidade informalidade economia processual e celeridade com busca dos meios de autocomposiccedilatildeo de conflitos

11 Com algumas exceccedilotildees como o desinteresse processual provocador da extinccedilatildeo do processo sem apreciaccedilatildeo do meacuterito e comportamento compatiacutevel com litigacircncia de maacute-feacute como consagrado nos enunciados 114 e 136 do FONAJE (Foacuterum Nacional de Juizados Especiais) (2020)

12 O direito agrave felicidade foi previsto expressamente na Declaraccedilatildeo de Direitos do Bom Povo da Virgiacutenia em 1776 Aleacutem disto foi mencionado pelos textos constitucionais da Franccedila do Japatildeo e da Coreia do Sul aleacutem de tambeacutem integrar resoluccedilatildeo da Orga-nizaccedilatildeo das Naccedilotildees Unidas de 2011 (HAumlBERLE 2009 p 55-60)

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Humberto Theodoro Juacutenior (2019 p 21) esclarece que a instrumenta-lidade das formas e a efetividade da prestaccedilatildeo jurisdicional tecircm marcado a tocircnica do processo civil contemporacircneo com dedicaccedilatildeo a remeacutedios e medidas que resultem em melhorias do serviccedilo forense e o alcance de resultados

Dentro desta proposta Barbosa Moreira (1984 p 53) jaacute se preocupa-va com a demora na prestaccedilatildeo jurisdicional como uma falha do sistema ju-diciaacuterio tornando o processo natildeo efetivo Luiz Guilherme Marinoni (2003 p 83) jaacute haacute muito explicava que quanto maior for a demora na prestaccedilatildeo jurisdicional maior seraacute o benefiacutecio ao reacuteu com proporcional dano causa-do ao autor

Este foi o sentido da Reforma do Poder Judiciaacuterio provocada pela emenda constitucional nordm 452004 que inseriu a ldquorazoaacutevel duraccedilatildeo do processordquo no rol de direitos e garantias fundamentais Para Silvana Cristina Bonifaacutecio Souza (2005 p 52) trata-se do atendimento agrave efetividade da prestaccedilatildeo jurisdicional

Como observa Cacircndido Rangel Dinamarco (2008 p 45) a lei foi fiel agrave principiologia jaacute sedimentada na disciplina praacutetica do processo tradicio-nal para operacionalizaacute-lo sem antepocirc-lo agrave justiccedila

Por outro lado o Coacutedigo de Defesa do Consumidor promulgado em 11 de setembro de 1990 decorre na relevantiacutessima necessidade de regu-lar os conflitos proacuteprios da sociedade de massa presente sobremaneira no proacuteprio consumo de massa Para equilibrar as relaccedilotildees de consumo torna-se imprescindiacutevel a garantia de uma prestaccedilatildeo jurisdicional justa (CARVALHO 2007)

Quanto aos processos individuais em relaccedilotildees de consumo explica Nelson Nery Juacutenior (2002 p 123) que os mais diretamente aplicaacuteveis satildeo os da vulnerabilidade e da hipossuficiecircncia

Paulo Valeacuterio de Moraes (1999 p 45) esclarece que a vulnerabilidade do consumidor eacute absoluta13 porque como explica Claacuteudia Lima Marques

13 Embora existam os consumidores ainda mais vulnerados os denominados ldquohipervul-neraacuteveisrdquo (MARQUES 2012 p 127) sendo justamente aqueles que natildeo dispotildeem das caracteriacutesticas do ldquohomem meacutediordquo (conceito natildeo adotado pelo Coacutedigo de Defesa do Consumidor) como em razatildeo de idade sauacutede fiacutesica e mental renda escolaridade ou outras circunstacircncias relevantes merecendo proteccedilatildeo acentuada No mesmo senti-do cf Cristiano Heineck Schmitt (2014 p 217)

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(2002 p 151) haver um desequiliacutebrio praacutetico dos fatos presentes na re-laccedilatildeo para com o fornecedor ainda que o consumidor disponha de alta escolaridade renda e higidez fiacutesica e mental Dentre as espeacutecies de vul-nerabilidade encontram-se a teacutecnica (desconhecimento do consumidor pelos produtos e serviccedilos que estaacute adquirindo em decorrecircncia da comple-xidade das relaccedilotildees econocircmicas e juriacutedicas) a juriacutedica (desconhecimento da existecircncia de direitos e de sua extensatildeo) poliacutetico-administrativa (insufi-ciecircncia da presenccedila estatal na sua proteccedilatildeo) aleacutem da psiacutequica econocircmica e ateacute mesmo ambiental Portanto a vulnerabilidade tem maior identidade com o direito material do consumidor ao passo em que a hipossuficiecircncia tem lugar de anaacutelise no campo do direito processual

Assim eacute que a hipossuficiecircncia deriva da facilitaccedilatildeo de acesso ao con-sumidor agrave justiccedila como descrito no artigo 6ordm inciso VIII do Coacutedigo (GRI-NOVER 2001 p 145) Dentre seus traccedilos caracteriacutesticos mais concretos localiza-se a possibilidade de inversatildeo do ocircnus da prova que natildeo eacute auto-maacutetica porque diversamente da vulnerabilidade a presunccedilatildeo de hipossu-ficiecircncia eacute relativa e apreciada pelo juiz no caso concreto

Cavalieri Filho (2019 p 67) aduz que a principal finalidade da inver-satildeo do ocircnus da prova eacute tornar mais acessiacutevel a defesa do consumidor em razatildeo da desigualdade diante do fornecedor Assim admite-se que o con-sumidor traga uma prova de primeira aparecircncia relevando-se conforme apreciaccedilatildeo judicial maior robustez para o fornecedor

Ocorre que haacute uma tendecircncia de acolhimento da inversatildeo do ocircnus da prova na maioria das accedilotildees consumeristas justamente frente ao olhar das dificuldades do consumidor de deduzir em juiacutezo suas pretensotildees Em casos entretanto que exista niacutetida maacute-feacute do consumidor ou que a prova seja verificada como ldquodiaboacutelicardquo para o fornecedor aplica-se o ocircnus tradi-cional de que cabe ao autor demonstrar a existecircncia de seu direito como determina o artigo 373 inciso I do Coacutedigo de Processo Civil de 2015

4 O VALOR PROBATOacuteRIO DOS DOCUMENTOS ELETROcircNICOS A PARTIR DA ENTRADA EM VIGOR DA LEI GERAL DE PRO-TECcedilAtildeO DE DADOS PESSOAIS

Como dissemos anteriormente embora o direito resguarde grande formalismo os juizados especiais buscaram superar este paradigma de modo a garantir um mais amplo acesso agrave justiccedila frente ao propoacutesito de se buscar maior efetividade das demandas processualmente propostas

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Entretanto conjugando-se os princiacutepios da vulnerabilidade e da hipossuficiecircncia do consumidor frente aos fornecedores sobremaneira diante da exigecircncia legal de baixa complexidade das pretensotildees ajuizadas no Sistema de Juizados Especiais percebe-se a necessidade de urgente adequaccedilatildeo dos entendimentos quanto agrave apreciaccedilatildeo probatoacuteria dos docu-mentos eletrocircnicos

O reconhecimento da praacutetica de atos eletrocircnicos natildeo eacute exatamente uma novidade no ordenamento juriacutedico paacutetrio O proacuteprio Coacutedigo de Defe-sa do Consumidor inovador e revolucionaacuterio em sua proposta jaacute no ano de 1990 reconheceu regime juriacutedico especiacutefico para os denominados ldquocon-tratos agrave distacircnciardquo pela previsatildeo do direito de arrependimento presente em seu artigo 49 ateacute o termo final do denominado ldquoprazo de reflexatildeordquo (paraacutegrafo uacutenico do mesmo dispositivo) (MARQUES 2002 p 35)

No campo processual a Lei nordm 114192006 jaacute dispunha sobre a praacute-tica de atos judiciais da forma eletrocircnica embora que hoje vista de forma um tanto quanto tiacutemida diante dos saltos tecnoloacutegicos daquele ano para a contemporaneidade Observa-se ainda uma grande cautela em seu texto especialmente quando prevecirc a possibilidade de falhas nos sistemas por-que dispotildee quanto ao uso de documentos impressos de forma alternativa ou subsidiaacuteria14 (BUENO 2018 p 53)

Cerca de uma deacutecada depois o Coacutedigo de Processo Civil de 2015 pas-sou a dispor expressamente sobre os documentos eletrocircnicos incluindo--os nos dispositivos referentes agrave prova Entretanto ainda haacute elementos de certo conservadorismo e formalismo por evidente cautela ao documento impresso o que se verifica nos artigos 439 e 440 adiante citados

Art 439 A utilizaccedilatildeo de documentos eletrocircnicos no processo conven-cional dependeraacute de sua conversatildeo agrave forma impressa e da verifi-caccedilatildeo de sua autenticidade na forma da lei Art 440 O juiz apre-ciaraacute o valor probante do documento eletrocircnico natildeo convertido assegurado agraves partes o acesso ao seu teor (BRASIL 2015) (os grifos satildeo nossos)

Note-se entretanto que o legislador do CPC201515 reconhece a alta probabilidade de as disposiccedilotildees sobre relaccedilotildees juriacutedicas produzidas de forma eletrocircnica rapidamente ficarem desatualizadas (DIDIER 2017 p

14 Vide artigos 9ordm sect 2ordm 12 sectsect 2ordm e 4ordm dentre outros

15 Coacutedigo de Processo Civil de 2015

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60) pelo que deixa a cargo de outras normas o regime de produccedilatildeo e conservaccedilatildeo dos documentos eletrocircnicos ldquoArt 441 Seratildeo admitidos do-cumentos eletrocircnicos produzidos e conservados com a observacircncia da legislaccedilatildeo especiacutefica (grifos nossos)

A produccedilatildeo de documentos eletrocircnicos ganha especial relevo quan-do do notoacuterio crescimento do e-commerce sendo que em 2019 o Brasil aparecia em 14ordm lugar mundial no ranking de compras online (CONFEDE-RACcedilAtildeO NACIONAL DO COMEacuteRCIO 2019) Haacute de se esperar um incremento nesta proporccedilatildeo natildeo apenas em razatildeo das medidas de isolamento social decorrentes da pandemia do COVID-19 mas pelas provaacuteveis mudanccedilas no comportamento do consumidor a partir da superaccedilatildeo de receios com o comeacutercio eletrocircnico

A aceitaccedilatildeo dos documentos eletrocircnicos como meio de prova en-controu consideraacutevel amparo com a ediccedilatildeo da Lei nordm 12965 de 23 de abril de 2014 conhecida como ldquoMarco Civil da Internetrdquo Dispocircs da obrigatorie-dade de guarda de documentos e dos registros de acesso e utilizaccedilatildeo de aplicaccedilotildees por prazos que variam de seis meses (artigo 15) a um ano (arti-go 13) aleacutem de trazer regime proacuteprio de responsabilizaccedilatildeo civil pelo natildeo fornecimento de tais informaccedilotildees e documentos quando requisitadas Por fim garante agrave parte interessada formar ldquoconjunto probatoacuterio em processo judicialrdquo quanto aos documentos produzidos eletronicamente (artigo 22)

A lei do Marco Civil da Internet dispocircs sobre a guarda e tratamento de dados poreacutem na comparaccedilatildeo com outras normas semelhantes presen-tes em outros ordenamentos ainda precisava regular mais detalhadamen-te essas questotildees (SOUZA LEMOS 2016 p 40) Com isto foi complemen-tada ndash ou ateacute mesmo parcialmente revogada ndash pela Lei Geral de Proteccedilatildeo de Dados vulgo ldquoLGPDrdquo promulgada sob o nordm 13709 em 14 de agosto de 2019

A LGPD natildeo substitui o tratamento regulatoacuterio jaacute conferido agraves rela-ccedilotildees por meio da rede mundial de computadores no Marco Civil todavia quanto ao regime de coleta e tratamento de dados supera o ato normati-vo anterior conferindo-lhe notaacutevel detalhamento

O conceito legal de tratamento de dados eacute disposto no artigo 5ordm inciso X da LGPD a saber

Artigo 5ordm [] X ndash tratamento toda operaccedilatildeo realizada com dados pes-soais como as que se referem a coleta produccedilatildeo recepccedilatildeo classifi-caccedilatildeo utilizaccedilatildeo acesso reproduccedilatildeo transmissatildeo distribuiccedilatildeo pro-

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cessamento arquivamento armazenamento eliminaccedilatildeo avaliaccedilatildeo ou controle da informaccedilatildeo modificaccedilatildeo comunicaccedilatildeo transferecircncia difusatildeo ou extraccedilatildeo (BRASIL 2019)

Na relaccedilatildeo juriacutedica dos envolvidos no tratamento de dados aleacutem da presenccedila estatal estatildeo de um lado o titular e do outro os agentes de tratamento (artigo 5ordm inciso IX) divididos em operador e controlador O objeto da relaccedilatildeo satildeo os dados pessoais assim considerados como a ldquoinformaccedilatildeo relacionada a pessoa natural identificada ou identificaacutevel16rdquo

Em anaacutelise dos dispositivos da LGPD nota-se uma grande semelhan-ccedila com conceitos jaacute consolidados no Coacutedigo de Defesa do Consumidor em alguns casos podendo ser utilizado ateacute mesmo um paralelo Logo haacute grande aproximaccedilatildeo entre o que a LGPD considera titular e como o CDC considera consumidor a mesma loacutegica eacute aplicaacutevel aos agentes de trata-mento (operador controlador e encarregado)

O tratamento de dados ocorre a todo o momento sendo rotineira em relaccedilotildees de consumo Diante disto a LGPD segue a esteira do CDC consa-grando tambeacutem o princiacutepio da informaccedilatildeo ao titular quanto agrave finalidade forma e duraccedilatildeo do tratamento forma de contato com o controlador e direitos do titular frente agrave responsabilizaccedilatildeo dos agentes do tratamento

Sobre a responsabilidade civil dos agentes de tratamento esta eacute ex-pressamente objetiva incluindo natildeo apenas a reparaccedilatildeo de danos como de prestaccedilotildees positivas ou negativas referentes aos dados (exclusatildeo in-formaccedilatildeo etc) Uma tocircnica da LGPD eacute o rol de dispositivos englobando o tema do consentimento fornecido pelo titular com possibilidade de inversatildeo do ocircnus da prova contra os agentes de tratamento em processo judicial Assim como no Coacutedigo de Defesa do Consumidor e no Coacutedigo de Processo Civil de 2015 o ocircnus da prova natildeo eacute automaacutetico devendo ser decidido pelo juiz no caso concreto

Tantas semelhanccedilas entre a LGPD e o CDC produzem grande expec-tativa naquele que analisa os seus 65 (sessenta e cinco) artigos por uma declaraccedilatildeo mais expressa do legislador de que se inspirou nas normas

16 A LGPD estabelece dois regimes de proteccedilatildeo aos dados Dados pessoais satildeo apenas os considerados capazes de identificar seu titular por outro lado os dados ldquoanoni-mizadosrdquo satildeo os que natildeo podem ser relacionados a um certo titular de acordo com a tecnologia disponiacutevel Haacute grande diferenccedila quanto ao regime de consentimento e proteccedilatildeo entre um e outro tipo

Primeiras linhas quanto ao impacto da Lei Geral de Proteccedilatildeo de Dados na forccedila probante dos documentos eletrocircnicos em processos submetidos aos Juizados Especiais de relaccedilotildees de consumo

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consumeristas para construccedilatildeo do regime legal de proteccedilatildeo de dados pes-soais Eis que apenas no artigo 45 a LGPD confirma o que jaacute se suspeitava Dispotildee textualmente que ldquoart 45 As hipoacuteteses de violaccedilatildeo do direito do ti-tular no acircmbito das relaccedilotildees de consumo permanecem sujeitas agraves regras de responsabilidade previstas na legislaccedilatildeo pertinenterdquo17 (Grifos nossos)

Restando demonstrado que a LGPD tem condatildeo notadamente pro-tetivo aos titulares dos dados inclusive pela possibilidade de inversatildeo do ocircnus da prova pelos agentes de tratamento no cumprimento de seus deveres resta saber como fica o seu direito de defesa diante de accedilotildees ju-diciais dos quais podem ser reacuteus

Eis que a LGPD acaba por possibilitar expressamente o uso dos dados pessoais do titular contra o mesmo nos limites dos dispositivos a seguir

Art 7ordm O tratamento de dados pessoais somente poderaacute ser realizado nas seguintes hipoacuteteses [] IX ndash quando necessaacuterio para atender aos interesses legiacutetimos do controlador ou de terceiro exceto no caso de prevalecerem direitos e liberdades fundamentais do titular que exijam a proteccedilatildeo dos dados pessoais [] Art 22 A defesa dos interesses e dos direitos dos titulares de dados poderaacute ser exer-cida em juiacutezo individual ou coletivamente na forma do disposto na legislaccedilatildeo pertinente acerca dos instrumentos de tutela individual e coletiva [] Art 37 O controlador e o operador devem manter regis-tro das operaccedilotildees de tratamento de dados pessoais que realizarem especialmente quando baseado no legiacutetimo interesse [] Art 43 Os agentes de tratamento soacute natildeo seratildeo responsabilizados quan-do provarem I ndash que natildeo realizaram o tratamento de dados pessoais que lhes eacute atribuiacutedo II ndash que embora tenham realizado o tratamento de dados pessoais que lhes eacute atribuiacutedo natildeo houve violaccedilatildeo agrave legis-laccedilatildeo de proteccedilatildeo de dados ou III ndash que o dano eacute decorrente de culpa exclusiva do titular dos dados ou de terceiro (BRASIL 2019) (os grifos satildeo nossos)

Em suma embora a LGPD de modo geral proiacuteba que os dados sob posse dos agentes de tratamento possam ser utilizados contra os titulares a contrario sensu autoriza o seu uso para defesa dos interesses legiacutetimos dos controladores encarregados e operadores

17 Embora em um raacutepido raciociacutenio haja dificuldade de se imaginar a aplicaccedilatildeo da LGPD fora das relaccedilotildees de consumo natildeo se pode ignorar que o agente de tratamen-to possa ser outra pessoa fiacutesica ou juriacutedica em relaccedilotildees de natureza diversa (traba-lhista de famiacutelia ou ciacuteveis em sentido amplo) como pelo proacuteprio Estado pelo que a LGPD determina neste caso a aplicaccedilatildeo da Lei de Acesso agrave Informaccedilatildeo

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Neste contexto mostra-se desafiadora a permanecircncia do entendi-mento judicial predominante18 quanto agrave inadmissibilidade absoluta de que telas sistecircmicas como defesa dos fornecedores embora jaacute existam posicionamentos contraacuterios em construccedilatildeo19

Isto natildeo significa que o sistema protetivo do CDC tenha iniciado uma corrosatildeo a partir da promulgaccedilatildeo da LGPD ateacute mesmo porque esta con-sidera abusivo o uso de informaccedilotildees em poder do controlador contra o proacuteprio titular20 como pode ocorrer com grandes fornecedores de servi-ccedilos como energia eleacutetrica planos de sauacutede bancos e telecomunicaccedilotildees

Retornando ao debate quanto aos limites do procedimento sumariacutes-simo presente nos Juizados Especiais eacute cediccedilo que a prova pericial tradi-cional natildeo eacute admitida apenas sendo possiacutevel a colaboraccedilatildeo de pareceres teacutecnicos de profissionais de confianccedila21 ou a proacutepria inspeccedilatildeo judicial22

Eacute preciso considerar que o magistrado pode decidir em sede de Jui-zados Especiais com base nas regras de experiecircncia23 perfeitamente com-patiacutevel com o uso da razoabilidade como jaacute previsto no Coacutedigo de Proces-so Civil de 201524

Acrescente-se que a proacutepria Lei 909995 permitiu o uso de soluccedilotildees ldquojustas e equacircnimesrdquo25 sendo portanto a aplicaccedilatildeo da equidade natildeo ape-nas possiacutevel o acircmbito dos Juizados mas igualmente no proacuteprio Coacutedigo de Defesa do Consumidor26

18 Agrave guisa de exemplo como no RI 10000304220178110098 MT Relator ANTONIO VE-LOSO PELEJA JUNIOR Data de Julgamento 29092020 Turma Recursal Uacutenica Data de Publicaccedilatildeo 01102020

19 Vide TJ-SP 10158492320178260576 SP 1015849-2320178260576 Relator Edgard Rosa Data de Julgamento 15032018 25ordf Cacircmara de Direito Privado Data de Publi-caccedilatildeo 16032018

20 Art 21 Os dados pessoais referentes ao exerciacutecio regular de direitos pelo titular natildeo podem ser utilizados em seu prejuiacutezo

21 Artigo 35 da Lei 909995 e enunciado nordm 12 do FONAJE

22 Paraacutegrafo uacutenico idem

23 Artigo 5ordm idem

24 Artigo 8ordm Coacutedigo de Processo Civil de 2015

25 Artigo 6ordm Lei 909995

26 Artigo 7ordm CDC

Primeiras linhas quanto ao impacto da Lei Geral de Proteccedilatildeo de Dados na forccedila probante dos documentos eletrocircnicos em processos submetidos aos Juizados Especiais de relaccedilotildees de consumo

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Por fim nenhuma prova nos Juizados eacute absoluta e previamente con-siderada complexa o suficiente para conduzir o processo agrave sua extinccedilatildeo sem apreciaccedilatildeo do meacuterito27 e que o Coacutedigo de Processo Civil em seus artigos 411 inciso III e 412 consideram vaacutelido o documento cuja autentici-dade natildeo foi impugnada

Entretanto os novos paradigmas quanto agrave validade dos documentos eletrocircnicos sobretudo a partir da promulgaccedilatildeo da Lei Geral de Proteccedilatildeo de Dados desafiam o magistrado as partes seus procuradores e demais sujeitos processuais a uma avaliaccedilatildeo mais razoaacutevel diante de sua produccedilatildeo

Por um lado sua aceitaccedilatildeo inequiacutevoca pode ter como consequecircncias graves o cerceamento de direitos da parte contraacuteria por outro a extrema desconfianccedila quando agrave sua autenticidade entre em confronto com a cons-truccedilatildeo do acesso agrave justiccedila do legado de Cappelletti e tatildeo bem recepcio-nado pelo artigo 98 da Constituiccedilatildeo de 1988 pelo Coacutedigo de Defesa do Consumidor e pela Lei dos Juizados Especiais

5 CONSIDERACcedilOtildeES FINAISO presente teve como objetivo analisar a indicativa mudanccedila de pa-

radigmas no acircmbito da valoraccedilatildeo probatoacuteria dos documentos eletrocircnicos em lides consumeristas processadas e julgadas no acircmbito dos Juizados Especiais frente agrave promulgaccedilatildeo da Lei Geral de Proteccedilatildeo de Dados

Fez-se necessaacuterio resgatar a concepccedilatildeo originaacuteria do acesso agrave justiccedila de acordo com os estudos de Cappelletti e Garth fundamentadores da es-truturaccedilatildeo fundamental dos Juizados Especiais regulado na Constituiccedilatildeo de 1988 e na Lei 909995 e um dos indicadores da percepccedilatildeo de se viver em um Estado Democraacutetico de Direito

Conjugando-se com as normas protetivas do consumidor presentes no seu Coacutedigo de Defesa proacuteprio verificou-se que dada a realidade de que grande parte das relaccedilotildees de consumo ocorrem pela via eletrocircnica a va-loraccedilatildeo da prova por meio digital com excesso de formalismo natildeo apenas eacute contraacuteria agrave concepccedilatildeo de acesso agrave justiccedila da Lei 909995 como pode levar a decisotildees potencialmente ultrapassadas e injustas diante da inequiacute-voca e crescente presenccedila dos negoacutecios juriacutedicos produzidos por meio da rede mundial de computadores

27 FONAJE enunciado 54 ndash A menor complexidade da causa para a fixaccedilatildeo da compe-tecircncia eacute aferida pelo objeto da prova e natildeo em face do direito material

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Constatou-se que os vetores de evoluccedilatildeo do ordenamento brasileiro apontam para uma aceitaccedilatildeo maior da prova eletrocircnica inclusive em re-laccedilotildees consumeristas e para proteccedilatildeo das partes envolvidas inclusive da mais fraacutegil que eacute o consumidor

Ao fim foi possiacutevel concluir que as ferramentas interpretativas para a adequada valoraccedilatildeo dos documentos eletrocircnicos em processos judiciais de mateacuteria consumerista jaacute estatildeo disponiacuteveis nas normas contidas na Lei 909995 no Coacutedigo de Defesa do Consumidor e na Lei Geral de Proteccedilatildeo de Dados

Em relativa quebra de protocolo acadecircmico28 consideramos impor-tante resgatar o conceito de equidade como concebido por Aristoacuteteles em sua ceacutelebre obra Eacutetica a Nicocircmacos

A justiccedila eacute a observacircncia do meio termo mas natildeo de maneira idecircntica agrave observacircncia de outras formas de excelecircncia moral e sim porque ela se relaciona com o meio termo enquanto a injusticcedila se relaciona com os extremos [] No ato injusto ter muito pouco eacute ser tratado injusta-mente e ter demais eacute agir injustamente (ARISTOacuteTELES 1999 p 101)

Nota-se portanto que a alegoria simboacutelica da balanccedila como sinocircni-mo de justiccedila se mostra cada vez mais contemporacircnea e adequada Com o equiliacutebrio aplica-se agrave equidade com a aplicaccedilatildeo da equidade garante-se o acesso agrave justiccedila E com o acesso agrave justiccedila a efetividade dos direitos garan-te aos cidadatildeos o sentimento de se conviver em um Estado Democraacutetico de Direito

6 REFEREcircNCIASARISTOacuteTELES Eacutetica a Nicocircmacos Brasiacutelia Editora UNB 1999

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28 Que recomenda que natildeo sejam feitas citaccedilotildees diretas na conclusatildeo de trabalhos cientiacuteficos

Primeiras linhas quanto ao impacto da Lei Geral de Proteccedilatildeo de Dados na forccedila probante dos documentos eletrocircnicos em processos submetidos aos Juizados Especiais de relaccedilotildees de consumo

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CAOVILLA Maria Aparecida Lucca Acesso agrave Justiccedila e Cidadania Chapecoacute Argos 2003

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CONFEDERACcedilAtildeO NACIONAL DO COMEacuteRCIO Para CNC comeacutercio eletrocircnico eacute aliado do varejo tradicional 2019 disponiacutevel em httpwwwcncorgbreditoriasacoes-ins-titucionaisnoticiaspara-cnc-comercio-eletronico-e-aliado-do-varejo-tradicional acesso em 10 nov 2020

DIDIER JR Fredie Curso de Direito Processual Civil introduccedilatildeo ao direito processual civil parte geral e processo de conhecimento vol 1 19 ed Salvador Ed Jus Po-divm 2017

DINAMARCO Cacircndido Rangel A Instrumentalidade do Processo Satildeo Paulo Malheiros Editores 2008

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HAumlBERLE Peter A dignidade humana como fundamento da comunidade estatal In Di-mensotildees da Dignidade ensaios de Filosofia do Direito e Direito Constitucional SARLET Ingo Wolfgang (Org) Porto Alegre Livraria do Advogado 2009

HOBSBAWN Eric J Era dos Extremos o breve seacuteculo XX 1914-1991 Satildeo Paulo Compa-nhia das Letras 2014

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MARCELLINO JUNIOR Juacutelio Cesar Anaacutelise econocircmica do acesso agrave justiccedila a trageacutedia dos custos e a questatildeo do acesso inautecircntico Rio de Janeiro Lumen Juris 2016

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MARQUES Claacuteudia Lima MIRAGEM Bruno O novo direito privado e a proteccedilatildeo dos vul-neraacuteveis Satildeo Paulo RT 2012

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MORAES Paulo Valeacuterio Dal Pai Coacutedigo de defesa do consumidor o princiacutepio da vulne-rabilidade no contrato na publicidade nas demais praacuteticas comerciais Porto Alegre Siacutentese 1999

MORAIS Joseacute Luiz Bolzan STRECK Lenio Luiz Ciecircncia Poliacutetica e Teoria do Estado Porto Alegre Livraria do Advogado 2010

NERY JUacuteNIOR Nelson Coacutedigo Brasileiro de Defesa do Consumidor Satildeo Paulo Forense 2012

PARIZOTTO Gabriel Antocircnio Acesso agrave justiccedila por meio da atermaccedilatildeo nos juizados es-peciais ciacuteveis estudo de caso no Poder Judiciaacuterio de Santa Catarina no ano de 2018 Dissertaccedilatildeo de Mestrado Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo Profissional em Direito Universidade Federal de Santa Catarina Florianoacutepolis 2018

SCHMITT Cristiano Heineck Consumidores Hipervulneraacuteveis A proteccedilatildeo do idoso no mercado de consumo Satildeo Paulo Atlas 2014

SOUZA Carlos Affonso LEMOS Ronaldo Marco civil da internet construccedilatildeo e aplicaccedilatildeo Juiz de Fora Editar Editora Associada Ltda 2016

THEODORO JUacuteNIOR Humberto Curso de Direito Processual Civil Rio de Janeiro Foren-se 2019

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O sistema multiportas como propulsor do acesso agrave Justiccedila no acircmbito do

juizado de Fazenda Puacuteblica

1 Poacutes-Doutoranda em Direito Puacuteblico pela Universidade Federal da Bahia Doutora em Direito pela Universidade Federal da Bahia Mestra em Novos Direitos pela Universi-dade Federal da Bahia Mestra em Famiacutelia na Sociedade Contemporacircnea pela Uni-versidade Catoacutelica do Salvador Poacutes-graduada em Civil e Processo Civil da Faculdade Baiana de Direito Poacutes-graduada em Relaccedilotildees Familiares e Contextos Sociais pela UCSAL Poacutes-graduada em Direito Canocircnico pala UCSal Poacutes-graduada em Atividade Judicante pela EMABUFBA Juiacuteza Formadora Tutora e Contuedista na Escola Nacio-nal de Formaccedilatildeo e Aperfeiccediloamento de Magistrados (ENFAM) Tutora e Contuedista da Escola Nacional de Magistrados (ENM) Formadora na Unicorp Tutora do Centro de Apoio agrave Magistratura Brasileira COVID 19 da ENFAM na temaacutetica Litigiosidade recorrente e sistema multiportas Atualmente exerce funccedilatildeo judicante na 6ordf Turma Recursal da Fazenda Puacuteblica em Salvador

2 Especialista em Direito Constitucional e Administrativo pela Escola Paulista de Di-reito Especialista em Ciecircncias Criminais pela Universidade Cacircndido Mendes Poacutes--graduanda em Direito Processual Civil pela Universidade Cacircndido Mendes Poacutes-gra-duanda em Direito Civil pela Escola Paulista de Direito Graduada em Direito pela Universidade Federal da Bahia

Ana Conceiccedilatildeo Barbuda Sanches Guimaratildees Ferreira1

Ana Baacuterbara Barbuda Ferreira Motta2

Resumo O conflito eacute inerente agrave vida em sociedade As interaccedilotildees sociais e a divergecircncia dos interesses de cada indiviacuteduo fazem com que o conflito seja algo inafastaacutevel em qualquer comunidade Para tanto desenvolvem-se tambeacutem meacutetodos para a resoluccedilatildeo dessas lides A Jurisdiccedilatildeo Estatal ocupou papel central ao longo de muitos anos de modo que o excesso de litigiosidade somados agrave precarieda-de estrutural acabou fazendo da Justiccedila um espaccedilo moroso e muitas vezes inefetivo para a realizaccedilatildeo do princiacutepio constitucional do acesso agrave justiccedila Diante desse cenaacuterio nos uacuteltimos anos ganha destaque a busca por outros meacutetodos de resoluccedilatildeo de conflito retirando a exclu-sividade da Jurisdiccedilatildeo Estatal e abrindo caminho para outras formas de pacificaccedilatildeo social o que se passou a chamar de sistema multipor-tas Essa tendecircncia eacute seguida pelo Conselho Nacional de Justiccedila ao editar a resoluccedilatildeo 1252010 bem como pelo Coacutedigo de Processo Civil

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de 2015 A aplicaccedilatildeo do sistema multiportas no acircmbito dos Juizados de Fazenda Puacuteblica passa a ser um desafio que busca conciliar essa tendecircncia inafastaacutevel com as prerrogativas e limitaccedilotildees proacuteprias da Fazenda Puacuteblica

Palavras-chave Sistema multiportas meacutetodos adequados de solu-ccedilatildeo de conflitos autocomposiccedilatildeo arbitragem Fazenda Puacuteblica

1 INTRODUCcedilAtildeO

A vida em sociedade eacute uma necessidade humana de modo que o homem ao longo da histoacuteria percebeu a importacircncia de viver com seus semelhantes para garantir sua sobrevivecircncia a perpetuaccedilatildeo de sua espeacute-cie bem como sua plena satisfaccedilatildeo Ocorre que da mesma forma que a vida em sociedade eacute algo inafastaacutevel e natural assim tambeacutem eacute o conflito entre os indiviacuteduos que formam esta sociedade Os indiviacuteduos natildeo tecircm as-piraccedilotildees e interesses idecircnticos em todos os momentos e essas diferenccedilas acabam produzindo conflitos

Os conflitos portanto estatildeo presentes em todo e qualquer ambiente de modo que sempre que houver convivecircncia e interaccedilatildeo entre um grupo de pessoas invariavelmente surgiratildeo divergecircncias de objetivos ideias e interesse As causas dos conflitos satildeo pluacuterimas e justamente por essa ra-zatildeo cada vez mais cresce a necessidade de identificar as referidas causas a fim de verificar qual o meacutetodo mais apropriado para sua soluccedilatildeo ou seja aquele que proporcionaraacute o resultado mais satisfativo agraves partes e agrave pacifi-caccedilatildeo de forma mais duradoura

Numa visatildeo tradicional o conflito eacute visto como algo negativo ou seja algo ruim que provoca violecircncia irracionalidade destruiccedilatildeo Por outro lado quando considerado pela visatildeo das relaccedilotildees humanas o conflito pas-sa a ser algo natural Por fim a visatildeo interacionista exalta o conflito como um proporcionador de mudanccedilas inovaccedilotildees e melhorias

Portanto percebe-se que devemos buscar lidar com o conflito de forma natildeo violenta ou seja deixar de vecirc-lo apenas como algo negativo passando a enxergaacute-lo como algo natural no modo de existir de qualquer sociedade Sendo assim muitas consequecircncias positivas podem derivar de um conflito como o pensamento criacutetico criativo a melhoria na tomada de decisotildees o reforccedilo a consciecircncia sobre as possibilidades de escolha e o incentivo a diferentes formas de resoluccedilatildeo melhorando as relaccedilotildees e avaliando as diferenccedilas

Ana Conceiccedilatildeo Barbuda Sanches Guimaratildees Ferreira bull Ana Baacuterbara Barbuda Ferreira Motta

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A visatildeo tradicional do conflito considerando apenas seu aspecto negativo acabou gerando uma intensa litigiosidade tendo como ator principal a Jurisdiccedilatildeo Estatal Houve assim um longo periacuteodo de mono-poacutelio estatal na soluccedilatildeo das lides de modo que as partes do conflito se tornavam meros coadjuvantes da sua soluccedilatildeo

Ocorre que esse excesso de litigiosidade somados a precariedade estrutural acabou fazendo da Justiccedila um espaccedilo moroso e muitas vezes inefetivo para a realizaccedilatildeo do princiacutepio constitucional do acesso agrave justiccedila ocasionando uma verdadeira crise no Poder Judiciaacuterio Natildeo satildeo raros os relatos de processos que perduram deacutecadas sem soluccedilatildeo ou de accedilotildees re-solvidas que logo em seguida acabam gerando novos conflitos Toda essa situaccedilatildeo gera inevitavelmente um afastamento ao princiacutepio constitucional do acesso agrave justiccedila De um lado sobrecarrega-se o Judiciaacuterio com ques-totildees que seriam mais bem resolvidas por outras vias de outro lado o ju-risdicionado acaba sofrendo com uma prestaccedilatildeo muitas vezes deficiente

Sem duacutevidas o surgimento dos juizados especiais com as Leis 909995 e posteriormente com a Lei 102592001 e 121532006 contri-buiacuteram de forma intensa agrave celeridade e economia processual

Diante desse cenaacuterio nos uacuteltimos anos ganha destaque a busca por outros meacutetodos de resoluccedilatildeo de conflito retirando a exclusividade da Jurisdiccedilatildeo Estatal e abrindo caminho para outras formas de pacificaccedilatildeo so-cial o que se passou a chamar de sistema multiportas Essa tendecircncia eacute se-guida pelo Conselho Nacional de Justiccedila ao editar a resoluccedilatildeo 1252010 bem como pelo Coacutedigo de Processo Civil de 2015

Desafio ainda maior eacute a implementaccedilatildeo desse sistema multiportas no acircmbito da Fazenda Puacuteblica em especial dos Juizados de Fazenda Puacuteblica uma vez que diversos aspectos devem ser adaptados a fim de garantir que as prerrogativas princiacutepios e limitaccedilotildees proacuteprias da Fazenda Puacuteblica sejam preservados

2 O SISTEMA MULTIPORTAS NO ORDENAMENTO JURIacuteDICO BRASILEIRO

O sistema de justiccedila multiportas em que o Judiciaacuterio natildeo eacute o uacutenico meio possiacutevel para a soluccedilatildeo de controveacutersias tem ocupado cada dia mais posiccedilatildeo de destaque em nosso ordenamento juriacutedico sobretudo com o Coacutedigo de Processo Civil de 2015 Para tanto eacute fundamental compreender o seu surgimento e quais os meios de soluccedilatildeo que o integram Isso por-

O sistema multiportas como propulsor do acesso agrave Justiccedila no acircmbito do juizado de Fazenda Puacuteblica

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que para cada situaccedilatildeo haveraacute um meio adequado meio este que eacute inte-grado com outros meios que tambeacutem podem se revelar como adequado para o caso (CUNHA 2020)

21 ORIGEM E NOCcedilOtildeES GERAIS ACERCA DO ldquoSISTEMA MULTI-PORTASrdquo

Em 1976 Frank Sander professor de Havard introduziu no mundo juriacutedico uma ideia denominada ldquocentro abrangente de justiccedilardquo que mais tarde ficaria conhecida como ldquoTribunal Multiportasrdquo Sendo assim o ldquoTribu-nal Multiportasrdquo eacute uma instituiccedilatildeo que direcionaria as questotildees que lhes satildeo apresentadas ao meacutetodo mais adequado de resoluccedilatildeo Desse modo a ideia eacute examinar as diferentes formas de resoluccedilatildeo de conflito e entender no caso concreto qual eacute a mais adequada Deixa-se de lado o monopoacutelio da Jurisdiccedilatildeo Estatal e abrem-se novas portas para a soluccedilatildeo de conflitos

No nosso ordenamento destacam-se aleacutem do processo tradicional a arbitragem a mediaccedilatildeo e a conciliaccedilatildeo O tema ganha destaca nos uacuteltimos anos sobretudo pelo abarrotamento do Judiciaacuterio em meio a uma cres-cente conflitualidade o que acaba comprometendo a proacutepria prestaccedilatildeo jurisdicional Percebe-se portanto que o Tribunal Multiportas prestigia o princiacutepio da adaptabilidade e segundo Cacircndido Rangel Dinamarco (2001) potencializa a celeridade e eficiecircncia do curso processual

A doutrina tem afirmado portanto que nos uacuteltimos anos o ordena-mento juriacutedico paacutetrio adotou o sistema multiportas de soluccedilatildeo de litiacutegios vejamos

ldquoCostumam-se chamar de lsquomeios alternativos de resoluccedilatildeo de con-flitosrsquo a mediaccedilatildeo a conciliaccedilatildeo e a arbitragem (Alternative Dispute Resolution ndash ADR) Estudos mais recentes demonstram que tais meios natildeo seriam lsquoalternativosrsquo mas sim integrados formando um modelo de sistema de justiccedila multiportas Para cada tipo de controveacutersia se-ria adequada uma forma de soluccedilatildeo de modo que haacute casos em que a melhor soluccedilatildeo haacute de ser obtida pela mediaccedilatildeo enquanto outros pela conciliaccedilatildeo outros pela arbitragem e finalmente os que se re-solveriam pela decisatildeo do juiz estatal Haacute casos entatildeo em que o meio alternativo eacute que seria o da justiccedila estatal A expressatildeo multiportas decorre de uma metaacutefora seria como se houvesse no aacutetrio do foacuterum vaacuterias portas a depender do problema apresentado as partes seriam encaminhadas para a porta da mediaccedilatildeo ou da conciliaccedilatildeo ou da arbitragem ou da proacutepria justiccedila estatal (CUNHA Leonardo Carneiro da A Fazenda Puacuteblica em Juiacutezo 20ordf ed Rio de Janeiro Forense p 637)

Ana Conceiccedilatildeo Barbuda Sanches Guimaratildees Ferreira bull Ana Baacuterbara Barbuda Ferreira Motta

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Fredie Didier (2015) entende que a Resoluccedilatildeo nordm 1252012 do Con-selho Nacional de Justiccedila jaacute estabelecera a poliacutetica puacuteblica do tratamento adequado de conflitos estimulando a autocomposiccedilatildeo O Conselho Na-cional de Justiccedila vem exercendo um relevante papel como gestor desta poliacutetica puacuteblica no acircmbito do Poder judiciaacuterio (DIDIER 2015) Esta Resolu-ccedilatildeo eacute extremamente didaacutetica e inovadora definindo o proacuteprio CNJ como organizador da poliacutetica puacuteblica de tratamento adequado de conflitos impondo a criaccedilatildeo pelos tribunais de centros de soluccedilotildees de conflitos regulamentando a atuaccedilatildeo dos mediadores e conciliadores (criando um Coacutedigo de Eacutetica) determinando a criaccedilatildeo publicidade de banco de esta-tiacutesticas de seus centros de soluccedilatildeo de conflito e cidadania definindo um curriacuteculo miacutenimo para a capacitaccedilatildeo de mediadores e conciliadores

O direito brasileiro a partir da Resoluccedilatildeo nordm 1252010 do Conselho Nacional de Justiccedila e com o Coacutedigo de Processo Civil de 2015 ca-minha para a construccedilatildeo de um processo civil e sistema de justiccedila multiportas com cada caso sendo indicado para o meacutetodo ou teacutec-nica mais adequada para a soluccedilatildeo do conflito O Judiciaacuterio deixa de ser um lugar de julgamento apenas para ser um local de resoluccedilatildeo de disputas Trata-se de uma importante mudanccedila paradigmaacutetica Natildeo basta que o caso seja julgado eacute preciso que seja conferida uma soluccedilatildeo adequada que faccedila com que as partes saiam satisfeitas com o resultadordquo (CUNHA Leonardo Carneiro da A Fazenda Puacuteblica em Juiacutezo 20ordf ed Rio de Janeiro Forense p 637)

O Ministro do Supremo Tribunal Federal Marco Aureacutelio Peixoto e Re-nata Peixoto citando a liccedilatildeo de Rafael Alves de Almeida Tacircnia Almeida e Mariana Hernandez Crespo apontam as vantagens do sistema multiportas destacando o protagonismo do indiviacuteduo na soluccedilatildeo de seus problemas com maior comprometimento e responsabilizaccedilatildeo o estimulo a autocom-posiccedilatildeo maior eficiecircncia do Poder Judiciaacuteria que ficaria com casos mais complexos aleacutem da transparecircncia e conhecimento preacutevio pelas partes sobre as possiacuteveis soluccedilotildees (PEIXOTO 2018) Satildeo portanto inuacutemeras van-tagens que levam a adoccedilatildeo desse novo sistema de resoluccedilatildeo de conflitos

Por fim eacute importante destacar que a adoccedilatildeo do sistema multiportas relaciona-se com o proacuteprio acesso agrave justiccedila A Constituiccedilatildeo Federal esta-belece o acesso agrave justiccedila e o princiacutepio da inafastabilidade da jurisdiccedilatildeo em seu art 5ordm Sendo assim esse importante princiacutepio fundamental en-frenta barreiras que devem ser enfrentadas Mauro Cappelletti e Bryant Garth estabeleceram ldquotrecircs ondas renovatoacuteriasrdquo de acesso agrave justiccedila ou seja possiacuteveis soluccedilotildees surgidas nos paiacuteses do mundo Ocidental atraveacutes de

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movimento chamado ldquoProjeto Florenccedila de Acesso agrave Justiccedilardquo para ultrapas-sar essas barreiras que impedem um acesso efetivo agrave justiccedila A primeira ldquoondardquo renovatoacuteria apontada pelos autores seria a assistecircncia judiciaacuteria com a implementaccedilatildeo da gratuidade e da proacutepria Defensoria Puacuteblica por exemplo Jaacute a segunda onda relaciona-se com a tutela de interesses coletivos lato sensu com um microssistema de tutela coletiva com regras proacuteprias (CAPPELLETTI 1994) Proporcionar o acesso a outros meacutetodos para resoluccedilatildeo de conflitos eacute portanto proporcionar o proacuteprio acesso a justiccedila concretizando o comando constitucional

Existem basicamente duas maneiras de soluccedilatildeo do conflito quais sejam a autocomposiccedilatildeo e a heterocomposiccedilatildeo A nomenclatura facilita o entendimento na autocomposiccedilatildeo as proacuteprias partes envolvidas no conflito encontram a sua soluccedilatildeo ou seja o conflito eacute autogerido pelos sujeitos da relaccedilatildeo enquanto na heterocomposiccedilatildeo haacute uma intervenccedilatildeo de um terceiro alheio a relaccedilatildeo conflituosa que iraacute ditar uma soluccedilatildeo

A autocomposiccedilatildeo eacute marcada pela prevalecircncia da vontade das partes que em conjunto chegam a um desfecho Sem duacutevidas os sujeitos envol-vidos na relaccedilatildeo satildeo os que melhor conhecem as circunstacircncias em torno do problema Ademais a satisfaccedilatildeo das partes eacute uma das finalidades na resoluccedilatildeo o que faz com que a autocomposiccedilatildeo tenha grandes vantagens Tudo isso somado a celeridade relevam a importacircncia e a necessidade de estiacutemulo agrave autocomposiccedilatildeo

Compreende-se que a soluccedilatildeo negocial natildeo eacute apenas um meio eficaz e econocircmico de resoluccedilatildeo dos litiacutegios trata-se de importante instrumento de desenvolvimento da cidadania em que os interessados passam a ser protagonistas da construccedilatildeo da decisatildeo juriacutedica que regula suas relaccedilotildees Neste sentido o estiacutemulo a autocomposiccedilatildeo pode ser entendido como um reforccedilo a participaccedilatildeo popular no exerciacutecio do poder ndash no caso o po-der de soluccedilatildeo dos litiacutegios Tem tambeacutem por isso forte caraacuteter democraacuteti-co (DIDIER 2015 p 274)

A autocomposiccedilatildeo eacute gecircnero de modo que poderaacute ocorrer de trecircs formas transaccedilatildeo renuacutencia ou reconhecimento Na transaccedilatildeo as partes fazem concessotildees muacutetuas Trata-se do exerciacutecio de vontade bilateral das partes visto que quando um natildeo quer dois natildeo fazem a transaccedilatildeo (NEVES 2016) Na renuacutencia o titular do direito abdica dos seus interesses enquan-to no reconhecimento a parte contraacuteria assente agrave pretensatildeo que lhe eacute oposta Essas formas de autocomposiccedilatildeo satildeo tratadas expressamente no Coacutedigo de Processo Civil em especial no art 487 III

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Por fim eacute salutar que se observe que o Coacutedigo de Processo Civil atento a esse movimento em diversas ocasiotildees dispotildee o dever do ma-gistrado em estimular a autocomposiccedilatildeo Nas normas fundamentais o Coacutedigo de Processo Civil jaacute deixa claro esse compromisso com o incentivo agrave soluccedilatildeo consensual dos conflitos vejamos

sect 3ordm A conciliaccedilatildeo a mediaccedilatildeo e o outros meacutetodos de soluccedilatildeo con-sensual de conflitos deveratildeo ser estimulados por juiacutezes advogados defensores puacuteblicos e membros do Ministeacuterio Puacuteblico inclusive no curso do processo judicialrdquo

Eacute possiacutevel falar portanto em um princiacutepio do estiacutemulo da soluccedilatildeo por autocomposiccedilatildeo Ainda o CPC a partir do art 165 possui um capiacutetulo inteiramente dedicado aos meacutetodos autocompositivos A tentativa de au-tocomposiccedilatildeo eacute agora uma fase do processo sendo um dos requisitos da peticcedilatildeo inicial e da contestaccedilatildeo de modo que a audiecircncia de conciliaccedilatildeo apenas natildeo ocorreraacute quando ambas as partes se manifestarem expressa-mente pelo desinteresse No iniacutecio da audiecircncia de instruccedilatildeo o magistra-do deve novamente abrir agrave possibilidade de autocomposiccedilatildeo e por fim em qualquer fase do processo eacute possiacutevel a homologaccedilatildeo de acordo extra-judicial (art 515 111 art 725 VIII CPC) acordo este que pode envolver inclusive questotildees alheias ao processo (art 515 sect 2ordm CPC)

A autocomposiccedilatildeo poderaacute ocorrer com ou sem o auxiacutelio de terceiros Esses terceiros natildeo ditam a soluccedilatildeo como ocorre na heterocomposiccedilatildeo mas apenas estimulam as partes para que encontrem esse desfecho Satildeo eles os mediadores e conciliadores que seratildeo estudados nas proacuteximas paacuteginas

22 MEacuteTODOS DE SOLUCcedilAtildeO DE CONFLITOS EM ESPEacuteCIE

O primeiro meacutetodo de soluccedilatildeo dos conflitos eacute a proacutepria jurisdiccedilatildeo estatal A jurisdiccedilatildeo eacute uma atuaccedilatildeo do Estado atraveacutes do processo que aplica o direito ao caso concreto resolvendo conflitos com definitividade e modo impositivo Por outro lado existem ainda os equivalentes jurisdi-cionais que satildeo meacutetodos adequados para a soluccedilatildeo de conflitos Ou seja qualquer soluccedilatildeo do conflito obtida por via natildeo jurisdicional

A primeira eacute a autotutela Na autotutela uma das partes impotildee a sua vontade Trata-se de uma soluccedilatildeo ldquoegoiacutestica e parcialrdquo do litiacutegio de modo que uma das partes se torna um verdadeiro juiz da causa (DIDIER 2015) Evidente portanto que eacute uma forma de soluccedilatildeo que eacute em regra veda-

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da pelo nosso ordenamento podendo configurar inclusive o crime de exerciacutecio arbitraacuterio das proacuteprias razotildees ou abuso de poder Sendo assim considerando o monopoacutelio estatal do uso da forccedila essa forma de soluccedilatildeo eacute em regra proibida Excepcionalmente contudo o proacuteprio ordenamento juriacutedico em situaccedilotildees de urgecircncia permite o uso da autotutela Nesse sentido destaca-se por exemplo o desforccedilo imediato na defesa da posse (art 1210 sect 1 do Coacutedigo Civil) a legiacutetima defesa o estado de necessidade e o direito de retenccedilatildeo

Ainda haacute a autocomposiccedilatildeo que ocorreraacute quando as proacuteprias partes chegam agrave soluccedilatildeo do conflito podendo ocorrer por renuacutencia submissatildeo ou transaccedilatildeo Neste ponto merece destaque que para alguns a mediaccedilatildeo e conciliaccedilatildeo seriam formas de autocomposiccedilatildeo como denota Fredie Di-dier

Mediaccedilatildeo e conciliaccedilatildeo satildeo formas de soluccedilatildeo de conflito pelas quais um terceiro interveacutem em um processo negocial com a funccedilatildeo de au-xiliar as partes a chegarem agrave autocomposiccedilatildeo Ao terceiro natildeo cabe resolver o problema como acontece na arbitragem o mediadorconciliador exerce um papel de catalisador de soluccedilatildeo negocial do conflito Natildeo satildeo por isso espeacutecies de heterocomposiccedilatildeo do conflito trata-se de exemplo de autocomposiccedilatildeo com a participaccedilatildeo de um terceiro (DIDIER 2015)

Para outros autores contudo haacute que se diferenciar a mediaccedilatildeocon-ciliaccedilatildeo da autocomposiccedilatildeo vejamos o que diz Daniel Assumpccedilatildeo

A mediaccedilatildeo eacute forma alternativa de soluccedilatildeo de conflitos fundada no exerciacutecio da vontade das partes mas natildeo se confunde com a auto-composiccedilatildeo porque enquanto nesta haveraacute necessariamente um sacrifiacutecio total ou parcial dos interesses da parte naquela a soluccedilatildeo natildeo traz qualquer sacrifiacutecio aos interesses das partes envolvidas no conflito Em razatildeo da ausecircncia de sacrifiacutecios dos interesses das partes na mediaccedilatildeo o legislador a classificou como meio consensual de so-luccedilatildeo dos conflitos diferente da autocomposiccedilatildeo Mas tal opccedilatildeo con-ceituai certamente natildeo afasta a promoccedilatildeo da mediaccedilatildeo dos deveres do juiz (NEVES 2016)

Tanto a mediaccedilatildeo quanto a conciliaccedilatildeo se baseiam na vontade das partes Trata-se de uma forma de soluccedilatildeo em que o foco fica nas razotildees do conflito e natildeo o conflito em si Esses satildeo os aspectos que aproximam as duas teacutecnicas A diferenccedila entre a conciliaccedilatildeo e a mediaccedilatildeo eacute sutil O Coacutedigo de Processo Civil em seu art 165 sectsect 2ordm e 3ordm estabeleceu que a conciliaccedilatildeo ocorreraacute quando natildeo houver vinculo anterior com a possibi-

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lidade de sugestatildeo de soluccedilotildees pelo conciliador para o litiacutegio enquanto a mediaccedilatildeo ocorreraacute quando houver vinculo anterior de modo que em tese natildeo deveraacute haver a sugestatildeo de soluccedilotildees pelo mediador deixando que as partes possam identificar por si proacuteprias as soluccedilotildees consensuais

Percebe-se portanto que na mediaccedilatildeo o mediador facilita o diaacutelogo entre as pessoas para que elas mesmas proponham soluccedilotildees Sugere-se o uso desta teacutecnica para conflitos subjetivos cujo relacionamento seja du-radouro com relaccedilotildees preacutevias e continuadas Na conciliaccedilatildeo por sua vez o terceiro facilitador da conversa interfere de forma mais direta no litiacutegio e pode sugerir opccedilotildees de soluccedilatildeo para o conflito Para conflitos objetivos mais superficiais nos quais natildeo existe relacionamento duradouro entre os envolvidos aconselha-se o uso da conciliaccedilatildeo

A mediaccedilatildeo e a conciliaccedilatildeo podem ocorrer extrajudicialmente ou judicialmente Sendo judicial os conciliadores e mediadores satildeo auxilia-res da justiccedila de modo que seratildeo aplicados a eles as regras relativas aos sujeitos processuais inclusive com relaccedilatildeo a impedimento e suspeiccedilatildeo A mediaccedilatildeo e conciliaccedilatildeo podem ainda ocorrer perante Cacircmaras Publicas institucionais vinculadas aos tribunais ou em Cacircmaras Privadas ou ain-da em Cacircmaras Administrativas Por fim poderatildeo ocorrer ateacute mesmo em ambientes mais informais como em escritoacuterios de advocacia

O mediador e o conciliador podem ser funcionaacuterios puacuteblicos ou pro-fissionais liberais conforme art 167 CPC podendo ser de forma remune-rada mas tambeacutem atraveacutes de trabalho voluntaacuterio (art 169 sect 1 ordm CPC) Eacute possiacutevel prestigiando a vontade das partes que o mediador e conciliador seja escolhido pelas partes podendo inclusive recair em um profissional natildeo cadastrado perante o tribunal (art 1 68 sect 1 o CPC) Neste caso eacute preciso providenciar este cadastro (art 167 caput) o que eacute extremamente importante pois deveratildeo passar por um curso de capacitaccedilatildeo cujo progra-ma eacute definido pelo Conselho Nacional de Justiccedila e elo Ministeacuterio da Justi-ccedila aleacutem das reciclagens perioacutedicas (art167 sect 1 ordm CPC art 12 Resoluccedilatildeo nordm 1252012 do CNJ)

Sobre as etapas da conciliaccedilatildeo e mediaccedilatildeo natildeo haacute um consenso ab-soluto sobre quais sejam Em siacutentese normalmente haveraacute a apresentaccedilatildeo do conflito seguido de esclarecimentos Posteriormente haacute um momento de criaccedilatildeo de possiacuteveis soluccedilotildees com um braindstorm e ao final o encer-ramento

Por fim eacute importante destacar o que dispotildee o art166 sect 3 do CPC

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Art 166 A conciliaccedilatildeo e a mediaccedilatildeo satildeo informadas pelos princiacutepios da independecircncia da imparcialidade da autonomia da vontade da confidencialidade da oralidade da informalidade e da decisatildeo infor-mada sect 3ordm Admite-se a aplicaccedilatildeo de teacutecnicas negociais com o objeti-vo de proporcionar ambiente favoraacutevel agrave autocomposiccedilatildeo

Percebe-se que haacute uma liberdade maior pelos mediadores e conci-liadores na escolha das teacutecnicas que proporcionaratildeo a autocomposiccedilatildeo Existem inuacutemeras teacutecnicas que mesmo natildeo sendo do direito acabam proporcionando a soluccedilatildeo do conflito Nesse sentido deveratildeo ser obser-vadas pelo mediador e conciliador ao longo das sessotildees favorecendo o ambiente e a comunicaccedilatildeo para que as partes cheguem a um consenso a exemplo do rapport escuta ativa braindstorm entre outros

Por fim destaca-se a arbitragem meacutetodo heterocompositivo natildeo estatal em que um terceiro escolhido pelas partes determina a soluccedilatildeo para o caso concreto Trata-se de decisatildeo impositiva de um aacuterbitro ou Tri-bunal Arbitral Neste caso ao contraacuterio da Jurisdiccedilatildeo Estatal privilegia-se a confianccedila das partes na escolha do julgador Haacute uma corrente doutrinaacuteria que defende que a arbitragem natildeo eacute equivalente jurisdicional mas sim espeacutecie de jurisdiccedilatildeo ou seja uma jurisdiccedilatildeo privada Essa corrente parece ser a adotada pelo Coacutedigo de Processo Civil ao considerar no art 515 VII a sentenccedila arbitral como tiacutetulo executo judicial Haacute duas formas de institui-ccedilatildeo da arbitragem quais sejam (i) Claacuteusula compromissoacuteria que como o nome sugere eacute uma clausula inserida previamente no contrato podendo ser cheia (quando conteacutem todos os requisitos necessaacuterios) ou vazia e (ii) Compromisso arbitral que eacute uma convenccedilatildeo feita apoacutes o conflito atraveacutes da qual as partes submetem um litiacutegio agrave arbitragem de uma ou mais pes-soas podendo ser judicial ou extrajudicial

3 A FAZENDA PUacuteBLICA E O SISTEMA MULTIPORTAS

Nos uacuteltimos anos o modelo de Administraccedilatildeo Puacuteblica Burocraacutetica tem cedido espaccedilo a um novo modelo contemporacircneo o da Administra-ccedilatildeo Puacuteblica Gerencial Esses dois modelos diferem-se em razatildeo da buro-cracia que orienta os processos de tomada de decisatildeo e concretizaccedilatildeo Na burocraacutetica o processo eacute autorreferente enquanto na gerencial busca-se resultado que maior supra as necessidades dos administrados Nesse sen-tido fala-se ainda na busca por uma Administraccedilatildeo Dialoacutegica que crie pontes trocas e diaacutelogos com as demais partes trazendo um espaccedilo para a atuaccedilatildeo administrativa consensual (CUNHA 2020)

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Esse movimento de ampliaccedilatildeo da consensualidade se verifica em diversos ramos do direito puacuteblico em especial no direito penal (com a colaboraccedilatildeo premiada acordo de natildeo persecuccedilatildeo penal suspensatildeo con-dicional do processo dentre outros) direito processual civil (com os negoacute-cios juriacutedicos processuais e o princiacutepio da adaptabilidade dos procedimen-tos) e de modo geral ateacute mesmo no direito administrativo a exemplo da desapropriaccedilatildeo amigaacutevel acordo de leniecircncia e no acircmbito de agecircncias reguladoras

Nesse ambiente de crescente consensualidade se enquadra a dis-cussatildeo acerca da implementaccedilatildeo do sistema multiportas com a possi-bilidade de arbitragem autocomposiccedilatildeo envolvendo a Fazenda Puacuteblica Neste sentido eacute fundamental que em todo caso sempre se preserve as denominadas ldquopedras de toquerdquo da Administraccedilatildeo Puacuteblica quais sejam a supremacia e a indisponibilidade do interesse puacuteblico (MELLO 2009)

Recentemente a Lei de Introduccedilatildeo agraves Normas do Direito Brasileiro incluiu diversas normas de aplicaccedilatildeo no acircmbito do direito administrativo Dentre as modificaccedilotildees merece destaque a do art 26 vejamos

ldquoArt 26 Para eliminar irregularidade incerteza juriacutedica ou situaccedilatildeo contenciosa na aplicaccedilatildeo do direito puacuteblico inclusive no caso de ex-pediccedilatildeo de licenccedila a autoridade administrativa poderaacute apoacutes oitiva do oacutergatildeo juriacutedico e quando for o caso apoacutes realizaccedilatildeo de consul-ta puacuteblica e presentes razotildees de relevante interesse geral celebrar compromisso com os interessados observada a legislaccedilatildeo aplicaacutevel o qual soacute produziraacute efeitos a partir de sua publicaccedilatildeo oficialrdquo (grifos nossos)

O referido dispositivo traz a previsatildeo de uma claacuteusula geral de cele-braccedilatildeo de compromissos pela Administraccedilatildeo Puacuteblica eacute o que diz Leonar-do Carneiro Cunha (2020 p701)

ldquoA disposiccedilatildeo contida no art 26 da Lei de Introduccedilatildeo conteacutem a bem da verdade uma clausula geral estimuladora da adoccedilatildeo de meios consensuais pelo Poder Puacuteblico Aliaacutes por forccedila do art 30 da mesma LINDB o Poder Puacuteblico deve desenvolver procedimentos internos haacutebeis a identificar casos para sugerir a aplicaccedilatildeo dos meios consen-suais de conflito Esses dispositivos ndash aliados aos arts 3 e 174 do CPC ndash estabelecem um dever de a Administraccedilatildeo Puacuteblica adotar meios consensuais de soluccedilatildeo de disputasrdquo

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Evidente portanto a compatibilidade do sistema multiportas com os conflitos envolvendo o Poder Puacuteblico inclusive atraveacutes da arbitragem ou da autocomposiccedilatildeo Eacute o que seraacute tratado a seguir

31 A ARBITRAGEM NOS CONFLITOS ENVOLVENDO A FAZEN-DA PUacuteBLICA

A arbitragem conforme exposto anteriormente trata-se de meacutetodo heterocompositivo de soluccedilatildeo de conflitos ou seja meacutetodo atraveacutes do qual um terceiro imparcial (que natildeo se confunde com o Poder Judiciaacuterio) resolve a lide apresentada Para tanto anteriormente haacute a necessidade de celebraccedilatildeo de um ajuste seja atraveacutes de um compromisso arbitral ou de uma clausula compromissoacuteria

A Lei 930796 dispotildee sobre a arbitragem estabelecendo como re-quisitos que as partes sejam capazes para dirimir conflitos envolvendo ldquodireitos patrimoniais disponiacuteveisrdquo Neste aspecto subjetivo reside a grande controveacutersia acerca do tema Isso porque para uma primeira corrente a indisponibilidade do interesse puacuteblico inviabilizaria por completo a pos-sibilidade de uma arbitragem envolvendo o Poder Puacuteblico Uma segunda corrente por sua vez diferenciava ldquointeresse da administraccedilatildeordquo de ldquointeres-se puacuteblicordquo Por fim a terceira corrente baseia-se no princiacutepio da legalida-de (CUNHA 2020)

Abstraindo-se dessas discussotildees doutrinaacuterias fato eacute que a Lei de Arbi-tragem prevecirc atualmente em seu art 1ordm sect 1ordm a possibilidade de utilizaccedilatildeo da arbitragem pela Administraccedilatildeo Puacuteblica direta e indireta ldquopara dirimir conflitos relativos a direitos patrimoniais disponiacuteveisrdquo Antes mesmo da in-serccedilatildeo do referido dispositivo ocorrida em 2015 com a Lei 13129 diversos diplomas jaacute previam a arbitragem com entidades integrantes da Adminis-traccedilatildeo Puacuteblica a exemplo da Lei 898795 Lei 947297 Lei 947897 Lei 102332001 Lei 103432002 Lei 110792004 dentre outras

No sect 2ordm do art 1ordm da Lei de Arbitragem fica estabelecido que ldquoa au-toridade ou o oacutergatildeo competente da administraccedilatildeo puacuteblica direta para a celebraccedilatildeo de convenccedilatildeo de arbitragem eacute a mesma para a realizaccedilatildeo de acordos ou transaccedilotildeesrdquo Para compreender quais seriam os direitos ldquopatri-moniais disponiacuteveisrdquo passiacuteveis de soluccedilatildeo atraveacutes da arbitragem Leonardo Cunha (2020 p 710) traz a seguinte elucidaccedilatildeo

ldquoHaacute uma arbitrabilidade ampla relativamente ao Poder Puacuteblico quan-do este atua jure gestionis ou seja quando ele estiver inserido numa

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relaccedilatildeo de Direito Privado Quando poreacutem a relaccedilatildeo for puacuteblica na qual houver manifesto ciclo do poder de impeacuterio seraacute preciso exami-nar o grau de (in)disponibilidade do direito Para que seja possiacutevel a arbitragem deve haver disponibilidade e o direito deve ser patrimo-nialrdquo

Para a aplicaccedilatildeo da arbitragem no acircmbito da Fazenda Puacuteblica con-tudo algumas adaptaccedilotildees devem ser feitas Isso porque conforme jaacute fora tratado anteriormente o regime juriacutedico administrativo eacute marcado por prerrogativas e restriccedilotildees a fim de atender os princiacutepios constitucional-mente estabelecidos em especial os da legalidade impessoalidade mo-ralidade publicidade e eficiecircncia A primeira adaptaccedilatildeo eacute a necessidade de que o processo arbitral seja puacuteblico natildeo comportando portanto o sigilo Isso preserva a publicidade e garante a fiscalizaccedilatildeo por parte dos administrados

Outro aspecto eacute que para preservaccedilatildeo do princiacutepio da legalidade a arbitragem celebrada pelo Poder Puacuteblico deveraacute necessariamente ser de direito natildeo podendo portanto ser atraveacutes de equidade Eacute o que dispotildee expressamente o sect 3ordm do art 1ordm da Lei de Arbitragem

Ainda eacute importante destacar que prevalece o entendimento de que natildeo haacute necessidade de preacutevio procedimento licitatoacuterio para a escolha do juiacutezo ou tribunal arbitral uma vez que estariacuteamos diante de um caso de inexigibilidade de licitaccedilatildeo Por fim a sentenccedila arbitral natildeo estaacute sujeita a remessa necessaacuteria bem como as demais prerrogativas processuais da Fazenda Puacuteblica em juiacutezo natildeo se apresentam em regra na arbitragem Sendo assim natildeo haacute intimaccedilatildeo pessoal prazos em dobro salvo conste expressamente na convenccedilatildeo (CUNHA 2020)

32 CONCILIACcedilAtildeO E MEDIACcedilAtildeO NOS CONFLITOS ENVOLVEN-DO A FAZENDA PUacuteBLICA

O art 174 do Coacutedigo de Processo Civil dispotildee que

Art 174 A Uniatildeo os Estados o Distrito Federal e os Municiacutepios criaratildeo cacircmaras de mediaccedilatildeo e conciliaccedilatildeo com atribuiccedilotildees relacionadas agrave soluccedilatildeo consensual de conflitos no acircmbito administrativo tais como

I ndash dirimir conflitos envolvendo oacutergatildeos e entidades da administraccedilatildeo puacuteblica

II ndash avaliar a admissibilidade dos pedidos de resoluccedilatildeo de conflitos por meio de conciliaccedilatildeo no acircmbito da administraccedilatildeo puacuteblica

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III ndash promover quando couber a celebraccedilatildeo de termo de ajustamento de conduta

Percebe-se portanto que a criaccedilatildeo de tais cacircmaras tem por objetivo promover a autocomposiccedilatildeo no acircmbito da Administraccedilatildeo Puacuteblica Em 2007 foi criada a Cacircmara de Conciliaccedilatildeo e Arbitragem da Administraccedilatildeo Federal com a finalidade de dirimir conflitos envolvendo a Uniatildeo e suas entidades tendo sido posteriormente ampliada para conflitos que envol-vessem Estados Distrito Federal e Municiacutepios

A criaccedilatildeo de tais Cacircmaras consagra o princiacutepio da eficiecircncia tambeacutem previsto no art 37 da Constituiccedilatildeo Federal de modo que os conflitos se-riam solucionados com maior economia obtendo resultados satisfatoacuterios Neste ponto eacute importante destacar que logo apoacutes a promulgaccedilatildeo do Coacutedigo de Processo Civil em 2015 com clara tendecircncia de ampliaccedilatildeo dos meacutetodos de soluccedilatildeo de conflitos foi promulgada a Lei 131402015 que dispotildee sobre a mediaccedilatildeo entre particulares como meio de soluccedilatildeo de controveacutersias e sobre a autocomposiccedilatildeo de conflitos no acircmbito da admi-nistraccedilatildeo puacuteblica O capiacutetulo II do referido diploma destina-se justamente a regulamentaccedilatildeo da autocomposiccedilatildeo em que for parte pessoa juriacutedica de direito puacuteblico

Uma vez criadas as cacircmaras devem indicar em seus regulamentos quais os casos que poderatildeo ser submetidos agrave autocomposiccedilatildeo Esta sub-missatildeo contudo eacute facultativa considerando o princiacutepio da inafastabili-dade da jurisdiccedilatildeo previsto no art 5 da Constituiccedilao mas o ente publico deve indicar quais os motivos da recusa em razatildeo dos princiacutepios da publi-cidade e impessoalidade

Enquanto as Cacircmaras natildeo satildeo criadas eacute possiacutevel que a Fazenda Puacute-blica se utilize do procedimento previsto para particulares ou seja com a marcaccedilatildeo de uma reuniatildeo inicial e posteriormente com a instauraccedilatildeo da mediaccedilatildeo

Sobre isso merece destaque a previsatildeo do art 30 da referida lei que dispotildee acerca da confidencialidade Na visatildeo de Leonardo Cunha (2020 p 730) tal previsatildeo em nada afronta a fiscalizaccedilatildeo da Fazenda Puacuteblica uma vez que ldquoa confidencialidade natildeo afasta o dever de prestaccedilatildeo de informa-ccedilotildees agraves autoridades fazendaacuteriasrdquo

Por fim sobre a (des) necessidade de autorizaccedilatildeo legislativa especiacutefi-ca para determinadas transaccedilotildees faz-se necessaacuterio a seguinte diferencia-ccedilatildeo

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() nos casos em que se constata acerto total ou parcial da posiccedilatildeo daquele que litiga contra a Administraccedilatildeo natildeo eacute necessaacuteria lei au-torizadora da composiccedilatildeo Jaacute para renuacutencia da Administraccedilatildeo a di-reito que legitimamente detenha em transaccedilatildeo propriamente dita deve haver autorizaccedilatildeo legislativa Na execuccedilatildeo fiscal por exemplo a Administraccedilatildeo pode constatar erro na inscriccedilatildeo original e cobranccedila maior que a efetivamente devida e assim cancelar a inscriccedilatildeo em diacutevida ativa ou substituiacute-la por outra de valor menor o que pode ser feito inclusive em Juiacutezo no curso da execuccedilatildeo Jaacute para levar a efeito a anistia (perdatildeo) de diacutevida precisa de lei autorizativa preacutevia (TALA-MINI 2005 p 12)

Evidente portanto que o sistema multiportas com a arbitragem conciliaccedilatildeo e mediaccedilatildeo eacute aplicaacutevel aos litiacutegios envolvendo a Fazenda Puacute-blica mas sempre com a observacircncia de suas peculiaridades

4 CONCLUSAtildeO

Diante do exposto concluiu-se que a abertura dos meacutetodos de reso-luccedilatildeo de conflitos eacute um importante mecanismo na busca da concretizaccedilatildeo do acesso agrave justiccedila Esse movimento sugerido pelo sistema multiportas proporciona uma maior celeridade efetividade presteza e valorizaccedilatildeo do caraacuteter democraacutetico uma vez que as partes passam a ser verdadeiros pro-tagonistas do processo resolutivo

Atento aos inuacutemeros benefiacutecios o ordenamento juriacutedico brasileiro tem buscado normatizar cada vez mais esses meacutetodos destacando-se a Lei de Arbitragem a Resoluccedilatildeo 1252010 do Conselho Nacional de Justi-ccedila o Coacutedigo de Processo Civil e 2015 e a Lei de Mediaccedilatildeo e Conciliaccedilatildeo Esse movimento de abertura de novas portas e novas possibilidades tecircm propiciado um redimensionamento e ateacute mesmo uma democratizaccedilatildeo do proacuteprio papel do Judiciaacuterio e do modelo de prestaccedilatildeo jurisdicional pretendido

A adoccedilatildeo do sistema de Justiccedila multiportas com a ampliaccedilatildeo e in-centivo agrave utilizaccedilatildeo de meacutetodos consensuais de resoluccedilatildeo de conflitos alcanccedila os conflitos envolvendo a Fazenda Puacuteblica Nestes casos contudo utilizaccedilatildeo de meacutetodos diversos da Jurisdiccedilatildeo Estatal faz-se necessaacuterio perceber as peculiaridades da Fazenda Puacuteblica e adaptaacute-las mantendo a indisponibilidade do interesse puacuteblico Nada obstante isso natildeo implica automaacutetica inegociabilidade dos direitos e interesses defendidos pela Ad-ministraccedilatildeo pois haacute direitos indisponiacuteveis passiacuteveis de negociaccedilatildeo

O sistema multiportas como propulsor do acesso agrave Justiccedila no acircmbito do juizado de Fazenda Puacuteblica

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5 REFEREcircNCIASBRITO Marcela Mouratildeo de Manual de mediaccedilatildeo de conflitos de acordo com o CPC de

2015 1ordf ed Fortaleza CE Ed Da Autora 2020

CALMON Petronio Fundamentos da mediaccedilatildeo e da conciliaccedilatildeo Brasiacutelia Gazeta Juriacutedica 2015

CAPPELLETTI Mauro Os meacutetodos alternativos de soluccedilatildeo de conflitos no quadro do movimento universal de acesso agrave justiccedila In Revista de Processo v 19 nordm 74

CUNHA Leonardo Carneiro da A Fazenda Puacuteblica em Juiacutezo 17 ed Rio de Janeiro Editora Forense 2020

DIDIER JR Fredie Curso de direito processual civil introduccedilatildeo ao direito processual ci-vil parte geral e processo de conhecimento 7 ed Salvador Ed Jus Podivm 2015

DINAMARCO Candido Rangel Instituiccedilotildees de Direito Processual Civil Vol 1 Satildeo Paulo Malheiros 2001

FREITAS JR Antocircnio Rodrigues Mediaccedilatildeo e direitos humanos temas atuais e contro-vertidos Satildeo Paulo LTr 2014

MELLO Celso Antocircnio Bandeira de Curso de Direito Administrativo 26ordf Ediccedilatildeo Satildeo Pulo Malheiros 2009

NEVES Daniel Amorim Assumpccedilatildeo Novo Coacutedigo de Processo Civil Comentado Salva-dor Ed JusPodivm 2016

NUNES Juliana Raquel A importacircncia da mediaccedilatildeo e da conciliaccedilatildeo para o acesso agrave justiccedila uma anaacutelise agrave luz do novo CPC Rio de Janeiro Lumen Juris 2017

PEIXOTO Marco Aureacutelio Ventura PEIXOTO Renata Cortez Vieira Fazenda Puacuteblica e Execu-ccedilatildeo Salvador Juspodivm 2018

SEIDEL Daniel Mediaccedilatildeo de conflitos a soluccedilatildeo de muitos problemas pode estar em suas matildeos Brasilia Vida e Juventude 2007

VIEIRA Mariana Mediaccedilatildeo e Conciliaccedilatildeo como forma de compor Litiacutegios no Novo Coacutedi-go de Processo Civil Niteroacutei Ed Da Autoria 2017

TALAMINI Eduardo A (in)disponibilidade do interesse puacuteblico consequecircncias pro-cessuais (composiccedilotildees em juiacutezo prerrogativas processuais arbitragem e accedilatildeo monitoacuteria) 2005 Disponiacutevel em ltwwwacademiaedu231461gt

Ana Conceiccedilatildeo Barbuda Sanches Guimaratildees Ferreira bull Ana Baacuterbara Barbuda Ferreira Motta

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Contribuiccedilotildees da jurimetria para a administraccedilatildeo da justiccedila

1 Poacutes-graduada em Direito do Trabalho e Direito Processual do Trabalho pela Facul-dade Baiana de Direito (FBD) Servidora do Tribunal de Justiccedila do Estado da Bahia lotada na Coordenaccedilatildeo do Sistema Estadual dos Juizados Especiais

2 Mestranda em Direito Puacuteblico (UFBA) Especialista em Ciecircncias Criminais (UFBA) e em Direito Meacutedico Bioeacutetica e Biodireito (UCSAL) Professora da Escola Bahiana de Medi-cina e Sauacutede Puacuteblica Servidora do Tribunal de Justiccedila do Estado da Bahia lotada na Coordenaccedilatildeo do Sistema Estadual dos Juizados Especiais

Caroline Dantas Godeiro de Araujo1

Eacuterica Baptista Vieira de Meneses2

Resumo O Sistema dos Juizados Especiais instituiacutedo pela Lei Fe-deral nordm 9099 de 1995 representa um importante espaccedilo para a ampliaccedilatildeo da pacificaccedilatildeo social atraveacutes da integraccedilatildeo de ferramentas alternativas para soluccedilatildeo de conflitos atraveacutes de um procedimento ceacutelere e desburocratizado Contudo o movimento de hiperjudicializa-ccedilatildeo vislumbrado no Brasil nas uacuteltimas deacutecadas tem sobrecarregado a estrutura instalada e exigido dos gestores o desenvolvimento de estrateacutegias voltadas agrave garantia de acesso de todos os cidadatildeos a uma ordem juriacutedica justa por meio de respostas judiciais ceacuteleres isonocircmi-cas e efetivas Nesse contexto a utilizaccedilatildeo da jurimetria tem se torna-do essencial na administraccedilatildeo da justiccedila voltada ao aprimoramento da prestaccedilatildeo jurisdicional

Palavras-chave juizados especiais desjudicializaccedilatildeo jurimetria ad-ministraccedilatildeo da justiccedila

1 CONSIDERACcedilOtildeES INICIAIS

Ao descrever o direito a accedilotildees estatais positivas Robert Alexy destaca que ldquosempre que as normas procedimentais puderem aumentar a proteccedilatildeo aos direitos fundamentais elas seratildeo exigidas prima facie pelos princiacutepios de direitos fundamentaisrdquo (ALEXY 2015)

Nesse mesmo sentido Calmon de Passos refere que ldquoa relaccedilatildeo entre o chamado direito material e o processo natildeo eacute uma relaccedilatildeo de meiofim ins-trumental como se tem proclamado com tanta ecircnfase ultimamente por

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forccedila do prestiacutegio de seus arautos e sim uma relaccedilatildeo integrativa orgacircnica substancialrdquo sendo o Direito o que dele faz o processo de sua produccedilatildeo (PASSOS 2003)

Eacute com a finalidade de assegurar a fundamentalidade dos princiacutepios processuais que a Emenda Constitucional nordm 45 de 2004 inseriu o inciso LXXVIII no artigo 5ordm da Constituiccedilatildeo Federal de 1988 elevando o direito agrave razoaacutevel duraccedilatildeo do processo agrave categoria de garantia fundamental

Da mesma forma buscando a efetivaccedilatildeo do acesso a uma ordem juriacutedica justa a Lei do Juizado Especial de Pequenas Causas (nordm 724484) iniciou um processo de desburocratizaccedilatildeo dos procedimentos judiciais ldquoapoacutes diagnostico de que estava havendo uma litigiosidade contida por-que as partes natildeo sabiam a quem ou como recorrerrdquo A Lei ldquosignificou o primeiro rompimento do modelo liberal-individualista que estava no CPC em que predominava a autonomia individualrdquo (WATANABE 2019) consa-grado definitivamente pela Constituiccedilatildeo Federal anos depois e desenvol-vido atraveacutes do Sistema dos Juizados Especiais instituiacutedo e regulamenta-do pela Lei Federal nordm 9099 de 1995

Eacute no cenaacuterio de hiperjudicializaccedilatildeo e estudos acerca da efetivaccedilatildeo do acesso agrave justiccedila que a Jurimetria surge como ldquodisciplina do Direito que utiliza a metodologia estatiacutestica para estudar o funcionamento da ordem juriacutedicardquo (NUNES 2016 p 115-116) capitulada como instrumento de se promover o alcance do tempo razoaacutevel do processo

Ao verificar um possiacutevel distanciamento entre o crescente nuacutemero de normas criadas em seu paiacutes e os fatos juriacutedicos a elas correlatos o advo-gado norte-americano Lee Loevinger em 1949 denominou de Jurimetria a metodologia que analisa o Direito a partir de princiacutepios matemaacuteticos e estatiacutesticos motivando a realizaccedilatildeo de experimentos com vieacutes multidisci-plinar utilizando criteacuterios qualitativos e quantitativos

Busca-se nesse estudo trazer os meacutetodos do Conselho Nacional de Justiccedila com vistas agrave otimizaccedilatildeo da prestaccedilatildeo jurisdicional analisando de que forma as accedilotildees da Coordenaccedilatildeo do Sistema Estadual dos Juizados Especiais na Bahia tem aplicado a jurimetria no processo de definiccedilatildeo es-trateacutegica de gestatildeo voltada ao descongestionamento do poder judiciaacuterio

2 DIRETIVAS DO CNJ PARA A DESJUDICIALIZACcedilAtildeO DE CONFLI-TOS

Com a promulgaccedilatildeo da Emenda Constitucional nordm 452004 consoli-dou-se a utilizaccedilatildeo de estatiacutestica na administraccedilatildeo da justiccedila atraveacutes da

Caroline Dantas Godeiro de Araujo bull Eacuterica Baptista Vieira de Meneses

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criaccedilatildeo do Conselho Nacional de Justiccedila ndash CNJ3 como um dos oacutergatildeos do Poder Judiciaacuterio com competecircncia para elaboraccedilatildeo de controle estatiacutestico da produccedilatildeo do Poder Judiciaacuterio Nacional em conformidade com o art 103-B paraacutegrafo 4ordm incisos VI e VII4

Na observacircncia de suas atribuiccedilotildees constitucionais o CNJ editou a Resoluccedilatildeo nordm 15 de 20 de abril de 20065 dispondo dentre outras mateacuterias sobre a regulamentaccedilatildeo do Sistema de Estatiacutestica do Poder Judiciaacuterio ndash SIESPJ criado pela Resoluccedilatildeo nordm 4 de 16 de agosto de 2005

Na mesma linha o Conselho Nacional de Justiccedila estabeleceu a obri-gatoriedade dos Tribunais Estaduais e Federais cumprirem metas anual-mente estabelecidas que visam a enfrentar a retenccedilatildeo crocircnica de proces-sos que se acumulam no Poder Judiciaacuterio

Conforme o Relatoacuterio Justiccedila em Nuacutemeros de 2020 (CNJ 2020)

As pesquisas realizadas pelo CNJ passaram a utilizar conceitos de inteligecircncia artificial para classificaccedilatildeo dos processos e identificaccedilatildeo de similaridades O DataJud6 alccedila a produccedilatildeo de informaccedilotildees do ju-diciaacuterio de desenvolvimento e seraacute uma importante ferramenta para realizaccedilatildeo de estudos jurimeacutetricos na Ciecircncia de Dados

A chamada ldquocrise da jurisdiccedilatildeordquo fenocircmeno representado pelo excessi-vo volume de demandas que sobrecarrega o Poder Judiciaacuterio tem atraiacutedo a preocupaccedilatildeo dos oacutergatildeos responsaacuteveis pela definiccedilatildeo estrateacutegia de ges-tatildeo judiciaacuteria em acircmbito local e nacional haja vista o impacto no aumento das demandas para a qualidade da prestaccedilatildeo do serviccedilo puacuteblico

3 Vide artigo 92 inciso I-A da Constituiccedilatildeo Federal

4 Constituiccedilatildeo Federal Art 103-B paraacutegrafo 4ordm VI ndash elaborar semestralmente relatoacuterio estatiacutestico sobre processos e sentenccedilas prolatadas por unidade da Federaccedilatildeo nos diferentes oacutergatildeos do Poder Judiciaacuterio VII ndash elaborar relatoacuterio anual propondo as providecircncias que julgar necessaacuterias sobre a situaccedilatildeo do Poder Judiciaacuterio no Paiacutes e as atividades do Conselho o qual deve integrar mensagem do Presidente do Supremo Tribunal Federal a ser remetida ao Congresso Nacional por ocasiatildeo da abertura da sessatildeo legislativa (incluiacutedos pela EC nordm 452004)

5 Ulteriormente revogada pela Resoluccedilatildeo CNJ nordm 76 de 12 de maio de 2009 que dis-potildee sobre os princiacutepios do Sistema de Estatiacutestica do Poder Judiciaacuterio estabelece seus indicadores fixa prazos determina penalidades e daacute outras providecircncias

6 O DataJud constitui a Base Nacional de Dados do Poder Judiciaacuterio Trata-se de ferra-menta de captaccedilatildeo e recebimento de dados que reuacutene informaccedilotildees pormenoriza-das a respeito de cada processo judicial em uma base uacutenica (CNJ 2020)

Contribuiccedilotildees da jurimetria para a administraccedilatildeo da justiccedila

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Pensando nisso e em busca de soluccedilotildees desjudicializantes e desbu-rocratizantes convergentes com a mais recente e manifesta intenccedilatildeo le-gislativa o Conselho Nacional de Justiccedila editou importantes provimentos nos uacuteltimos anos (STJ 2019) tendo influenciado a gestatildeo dos Tribunais agrave adoccedilatildeo de medidas proativas no sentido da prestaccedilatildeo jurisdicional para aleacutem das decisotildees judiciais

Nesse sentido entre os Macrodesafios do Poder Judiciaacuterio 2015-2020 estabelecidos pelo CNJ com foco na efetividade da prestaccedilatildeo jurisdicio-nal destacamos a adoccedilatildeo de soluccedilotildees alternativas de conflito gestatildeo das demandas repetitivas e dos grandes litigantes bem como melhoria da in-fraestrutura de governanccedila e de tecnologia da informaccedilatildeo e comunicaccedilatildeo

Tendo como objetivo principal a garantia dos direitos da cidadania a partir da estruturaccedilatildeo de um Poder Judiciaacuterio ceacutelere efetivo isonocircmico e que apresente soluccedilotildees modernas para a pacificaccedilatildeo social a jurimetria tem sido utilizada pelo Conselho Nacional de Justiccedila cotidianamente na definiccedilatildeo de estrateacutegias do Poder Judiciaacuterio

3 JURIMETRIA COMO IMPORTANTE INSTRUMENTO PARA A OTIMIZACcedilAtildeO DA PRESTACcedilAtildeO JURISDICIONALA jurimetria eacute termo que traduz uma ciecircncia que tem por escopo o

uso de banco de dados de estatiacutesticas e da loacutegica simboacutelica aplicada ao Direito com o intuito de transportar a lei do campo da abstraccedilatildeo para o da subsunccedilatildeo da norma ao caso concreto considerando-se as peculiaridades dos sujeitos envolvidos e o alcance da realizaccedilatildeo do escopo social da ju-risdiccedilatildeo que eacute a pacificaccedilatildeo social (LOEVINGER 1963 pp 5-35) Portanto eacute uma nova ciecircncia consubstanciada na aplicaccedilatildeo de modelos estatiacutesticos sob a compreensatildeo de processos e fatos juriacutedicos

A Associaccedilatildeo Brasileira de Jurimetria (ABJ)7 explica que esta metodo-logia busca dar concretude agraves normas e instituiccedilotildees situando no tempo e no espaccedilo os processos os juiacutezes as decisotildees as sentenccedilas os tribunais as partes etc ldquoQuando se faz jurimetria enxerga-se o Judiciaacuterio como um grande gerador de dados que descrevem o funcionamento completo do

7 A Associaccedilatildeo Brasileira de Jurimetria ndash ABJ eacute uma associaccedilatildeo civil sem fins lucrativos sujeito de direito privado que tem entre suas finalidades ldquoIncentivar a utilizaccedilatildeo da jurimetria na elaboraccedilatildeo e avaliaccedilatildeo de poliacuteticas puacuteblicasrdquo e ldquoColaborar com entida-des puacuteblicas e privadas para melhorar administraccedilatildeo de Tribunaisrdquo

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sistema Quando se faz jurimetria estuda-se o Direito atraveacutes das marcas que ele deixa na sociedaderdquo

A estrateacutegia metodoloacutegica para organizar os dados compilados se daacute pelo uso da estatiacutestica ciecircncia que possui como objeto de estudo os da-dos empiacutericos quantitativamente organizados para possibilitar a identifi-caccedilatildeo de comportamento em um dado conjunto de elementos concretos como o nuacutemero de demandas relativas por exemplo aos contratos ban-caacuterios ou de prestaccedilatildeo de serviccedilos meacutedico-hospitalares ou o volume de processos divididos por classes dos processos e as estrateacutegias que podem ser traccediladas para decisotildees isonocircmicas para cada uma

Nesse contexto a Jurimetria enfrenta as demandas judiciais e suas decisotildees a partir da massa de processos que se dirigem ao Poder Judiciaacute-rio partindo-se do caso concreto agrave normativa estabelecida A aplicaccedilatildeo dessa metodologia no Poder Judiciaacuterio busca o levantamento estatiacutestico dos tipos de demanda e seu fluxo para entatildeo formular poliacuteticas voltadas a uma melhor prestaccedilatildeo jurisdicional

Com isso haacute natildeo somente um aprimoramento na prestaccedilatildeo jurisdi-cional que responde a uma demanda social mas possibilita-se a imple-mentaccedilatildeo de ferramentas para a efetivaccedilatildeo de direitos (evitando-se com isso a existecircncia de conflitos) ou ainda que natildeo seja possiacutevel a soluccedilatildeo paciacutefica de conflitos

Nesse ensejo revela-se a importacircncia do gerenciamento de proces-sos judiciais que conforme preleciona Paulo Eduardo Alves da Silva (2010)

O gerenciamento de processos judiciais pode ser compreendido como o conjunto de praacuteticas de conduccedilatildeo do processo e organizaccedilatildeo ju-diciaacuteria coordenadas pelo juiz para o processamento ceacutelere e efetivo dos conflitos submetidos ao Poder Judiciaacuterio () A filtragem de litiacutegios de massa e as demandas repetitivas pela vinculaccedilatildeo jurisprudencial tambeacutem pressupotildeem a racionalidade gerencial aqui debatida na mo-dalidade de lsquogerenciamento do volume dos processos judiciaisrsquo tema que pela amplitude e especificidades demanda um estudo especiacutefico

Ademais a anaacutelise e interpretaccedilatildeo adequados dos dados coletados atraveacutes de ferramentas tecnoloacutegicas (roboacutetica inteligecircncia artificial busi-ness intelligence) eacute possiacutevel projetar conclusotildees qualitativas com relaccedilatildeo agrave natureza da prestaccedilatildeo jurisdicional Desse modo sendo eleita determina-da natureza de demanda como a mais recorrente para determinado grupo social eacute possiacutevel a definiccedilatildeo de poliacuteticas puacuteblicas necessaacuterias e adequadas para a soluccedilatildeo dos conflitos produzidos nas respectivas relaccedilotildees materiais

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Com base nos dados coletados dos Tribunais em todo o paiacutes e visan-do a um enfrentamento crocircnico do acuacutemulo dos processos o CNJ definiu no estudo denominado ldquoEstrateacutegia Nacional do Poder Judiciaacuterio 2015-2020rdquo diversos macrodesafios do Poder Judiciaacuterio entre os quais destaca-mos a ldquoefetividade na prestaccedilatildeo jurisdicionalrdquo ldquoceleridade e produtividade na prestaccedilatildeo jurisdicionalrdquo e ldquoadoccedilatildeo de soluccedilotildees alternativas de conflitordquo

Nessa senda verifica-se que o levantamento de dados estatiacutestico--matemaacuteticos e sua anaacutelise metodoloacutegica e continuada permite o desen-volvimento de estrateacutegias e soluccedilotildees para a hiperjudicializaccedilatildeo crocircnica trazendo agrave lume a preocupaccedilatildeo com a celeridade e efetividade processual e a necessidade de se buscar soluccedilotildees alternativas aos conflitos

4 FERRAMENTAS DESENVOLVIDAS PELA COJE PARA DESJU-DICIALIZACcedilAtildeO NO SISTEMA DOS JUIZADOS ESPECIAIS NA BAHIA

Como jaacute dito a regulamentaccedilatildeo dos Juizados Especiais Ciacuteveis e Cri-minais no ano de 1995 e dos Juizados Especiais Federais em 2001 bem como dos Juizados Especiais da Fazenda Puacuteblica em 2009 se deu como tentativa de trazer soluccedilotildees alternativas agrave sobrecarga do poder judiciaacuterio e consequente morosidade processual atraveacutes da simplificaccedilatildeo dos proce-dimentos judiciais pelo denominado procedimento sumariacutessimo

Eacute com a finalidade de analisar os fluxos e entraves para o efetivo aces-so agrave justiccedila que a jurimetria tem se mostrado fundamental na tomada de decisotildees administrativas com vistas a uma gestatildeo proba transparente e acima de tudo agrave consolidaccedilatildeo de uma prestaccedilatildeo jurisdicional focada na entrega de uma ordem juriacutedica justa aos indiviacuteduos

Consideramos nesse contexto a definiccedilatildeo de Kazuo Watanabe (2019) segundo o qual o ldquoacesso agrave ordem juriacutedica justardquo significa

Atualizaccedilatildeo do conceito de acesso agrave justiccedila Escrevo justiccedila com J minuacutesculo para natildeo significar somente acesso ao Poder Judiciaacuterio Os cidadatildeos tecircm direito de ser ouvidos e atendidos natildeo somente em si-tuaccedilatildeo de controveacutersias mas em problemas juriacutedicos que impeccedilam o pleno exerciacutecio da cidadania como nas dificuldades para a obtenccedilatildeo de seus documentos ou de seus familiares ou os relativos a seus bens Instituiccedilotildees como o PoupaTempo e as cacircmaras de mediaccedilatildeo desde que bem organizados e com funcionamento correto asseguram o acesso agrave justiccedila aos cidadatildeos nessa concepccedilatildeo mais ampla

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Para o desenvolvimento de ferramentas eficazes de governanccedila vol-tados agraves particularidades das demandas que compotildee o Sistema dos Juiza-dos Especiais na Bahia a Coordenaccedilatildeo do Sistema dos Juizados Especiais ndash COJE oacutergatildeo de supervisatildeo administrativa dos Juizados estruturou nuacutecleos de trabalho com foco na especializaccedilatildeo de tarefas definiccedilatildeo de fluxos e melhoria da gestatildeo administrativa que trabalham de forma inter-relacio-nada no desenvolvimento de projetos estrateacutegicos e departamentais com foco na efetivaccedilatildeo do acesso agrave justiccedila (TJBA 2020a)

Nesse senda verifica-se pelas accedilotildees desenvolvidas que a COJE atua de forma coordenada e simultacircnea com o objetivo de desenvolver fer-ramentas processuais e preacute-processuais baseados nos dados coletados quanto agraves demandas distribuiacutedas nos Sistemas Projudi e PJe em todo o estado da Bahia

Para fins de anaacutelise agrupamos didaticamente os projetos desen-volvidos em trecircs focos de atuaccedilatildeo principais8 estiacutemulo aos meacutetodos consensuais de resoluccedilatildeo de conflitos prevenccedilatildeo e repressatildeo agrave litigacircncia temeraacuteria e padronizaccedilatildeo de fluxos e automaccedilatildeo de processos para apri-moramento da produtividade dos servidores puacuteblicos

41 M Eacute T O D O S C O N S E N S U A I S DE RESOLUCcedilAtildeO DE CONFLITOS

Conforme liccedilatildeo de Dioacutegenes Ribeiro (2013) ldquoo Judiciaacuterio estaacute proibi-do de natildeo decidir ou seja estaacute obrigado a decidirrdquo Nesse sentido o autor descreve

Existem inuacutemeras explicaccedilotildees para a ocorrecircncia do fenocircmeno a que se chama de judicializaccedilatildeo e com certeza natildeo seria possiacutevel analisaacute--las todas neste espaccedilo ateacute porque com o tempo haveria acreacutescimo de outras Uma das alusotildees cientiacuteficas eacute a do aumento de comple-xidade da sociedade que demanda soluccedilotildees inclusive do sistema juriacutedico cabendo entatildeo ao Judiciaacuterio as que lhe forem demandadas em situaccedilotildees concretas ou ateacute em algumas situaccedilotildees abstratas ge-neacutericas quando a soluccedilatildeo vem das Cortes Superiores em especial da Corte Constitucional

8 Divisatildeo desenvolvida pelas autoras exclusivamente para fins de anaacutelise didaacutetica na pre-sente publicaccedilatildeo As iniciativas foram escolhidas exemplificativamente por representa-rem efetivas inovaccedilotildees no que se refere agrave gestatildeo da justiccedila baseadas em jurimetria

Contribuiccedilotildees da jurimetria para a administraccedilatildeo da justiccedila

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A expressatildeo judicializaccedilatildeo tem sido utilizada haacute algumas deacutecadas e pretende significar um espaccedilo maior no espectro de decisotildees in-clusive de natureza poliacutetica que passou a ser ocupado pelo Poder Judiciaacuterio ()

A Administraccedilatildeo do Estado (o Executivo) tambeacutem eacute compreendida como um sistema de organizaccedilatildeo que sofre uma sobrecarga organi-zativa (LUHMANN 2002 p 114)

Com esse intuito os Tribunais acertadamente tem utilizado das fer-ramentas de jurimetria jaacute descritas para gerir a sobrecarga organizativa decorrente da (hiper)judicializaccedilatildeo atraveacutes de diferentes estrateacutegias in-clusive o estiacutemulo aos meacutetodos consensuais de resoluccedilatildeo de conflitos previstos na Resoluccedilatildeo nordm 125 de 29 de novembro de 2010

411 SISTEMA DE NEGOCIACcedilAtildeO VIRTUAL

Desenvolvido no ano de 2020 o Sistema de Negociaccedilatildeo Virtual foi instituiacutedo com a finalidade de ampliar as possibilidades de autocompo-siccedilatildeo atraveacutes da criaccedilatildeo de um espaccedilo virtual para negociaccedilatildeo entre as partes dentro do sistema processual contudo sem interferecircncia externa do estado-juiz

A sistemaacutetica permite agraves partes apoacutes a distribuiccedilatildeo da demanda e antes da triangulaccedilatildeo da relaccedilatildeo processual efetivada pela citaccedilatildeo dia-logarem acerca das possibilidades de acordo com paridade de armas e igualdade de oportunidades de manifestaccedilatildeo sem prejuiacutezos ou empe-cilhos ao regular desenvolvimento do processo caso a negociaccedilatildeo seja infrutiacutefera

O desenvolvimento desta nova porta de efetivaccedilatildeo de direitos foi pautado em dados estatiacutesticos a partir da identificaccedilatildeo de que poucas empresas representam quase a totalidade dos processos distribuiacutedos notadamente nas varas com competecircncia do consumo sendo estas deno-minadas de ldquomaiores demandadosrdquo 9

Destarte a ferramenta se insere no contexto de uma recente corrente em Direito Processual que exige que para se ajuizar uma demanda con-sumerista o autor comprove natildeo ter tido sucesso em alguma tentativa preacutevia de conciliaccedilatildeo entre as quais se destaca o portal ldquoConsumidorgovrdquo

9 Desde 2017 o Poder Judiciaacuterio do Estado da Bahia publica relaccedilatildeo das EMPRESAS MAIS DEMANDADAS nas Varas do Sistema dos Juizados Especiais do Estado da Bahia

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plataforma digital que permite a interlocuccedilatildeo direta entre consumidores e empresas via internet para soluccedilatildeo de conflitos de consumo evitando assim o ajuizamento de accedilotildees perante o Judiciaacuterio (especialmente JECs) desenvolvido e gerido pelo Ministeacuterio da Justiccedila (MARTINS e VAINZOF 2020)

A releitura do princiacutepio do acesso agrave Justiccedila ndash ou a uma ordem juriacutedica justa ndash que inclua a exigecircncia de preacutevio requerimento extrajudicial antes da propositura de accedilotildees perante o Judiciaacuterio procura promover a pacifica-ccedilatildeo social sem contudo representar violaccedilatildeo ao artigo 5ordm XXXV da CRFB e artigo 3ordm caput do CPC deste que sejam disponibilizadas caminhos para a soluccedilatildeo consensual de forma acessiacutevel e dentro de paracircmetros preacute-es-tabelecidos A intervenccedilatildeo estatal atraveacutes do estado-juiz coloca-se entatildeo como ultima ratiocedil quando efetivamente a resistecircncia agrave pretensatildeo autoral reste configurada e delimitada

412 NUacuteCLEO DE PREVENCcedilAtildeO E TRATAMENTO DO SUPEREN-DIVIDAMENTO

De acordo com informaccedilotildees constantes no sitio eletrocircnico do Poder Judiciaacuterio do Estado da Bahia ldquoo Programa de Prevenccedilatildeo e Tratamento do Superendividamento instituiacutedo no acircmbito do Poder Judiciaacuterio do Es-tado da Bahia possui o objetivo de viabilizar na esfera preacute ndash processual a renegociaccedilatildeo coletiva ou individualizada de diacutevidas atuais e futuras decorrentes de relaccedilotildees de consumo de devedor pessoa fiacutesica de boa-feacute impossibilitado de quitar suas diacutevidas sem que haja prejuiacutezo agrave sua subsis-tecircnciardquo (TJBA 2020b)

O Projeto eacute constituiacutedo de diversas accedilotildees voltadas agrave educaccedilatildeo fi-nanceira e psicoloacutegica dos consumidores realizada em parceria com uma Instituiccedilatildeo de Ensino Superior participaccedilatildeo ativa na renegociaccedilatildeo coleti-va de diacutevidas de consumo acolhimento e orientaccedilatildeo aos cidadatildeos com o intuito de propiciar um recomeccedilo digno a indiviacuteduos em situaccedilatildeo de superendividamento e adesatildeo a projetos nacionais tais como a Semana Nacional de Educaccedilatildeo Financeira

As estrateacutegias de atuaccedilatildeo satildeo baseadas no perfil dos consumidores e possiacuteveis abusividades do mercado de creacutedito identificados atraveacutes das demandas de massa distribuiacutedas em cada localidade com acompanha-mento do sistema de Business Intelligence que permite o monitoramento extraccedilatildeo de relatoacuterios dinacircmicos e anaacutelise da movimentaccedilatildeo processual

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O Business Intelligence ou Inteligecircncia de negoacutecios refere-se ao pro-cesso de coleta organizaccedilatildeo anaacutelise compartilhamento e monitoramento de informaccedilotildees que oferecem suporte a gestatildeo de negoacutecios Eacute um con-junto de teacutecnicas e ferramentas para auxiliar na transformaccedilatildeo de dados brutos em informaccedilotildees significativas e uacuteteis a fim de analisar o negoacutecio As tecnologias BI satildeo capazes de suportar uma grande quantidade de dados desestruturados para ajudar a identificar desenvolver e ateacute mesmo criar uma nova oportunidade de estrateacutegia de negoacutecios O objetivo do BI eacute per-mitir uma faacutecil interpretaccedilatildeo do grande volume de dados Identificando novas oportunidades e implementando uma estrateacutegia efetiva baseada nos dados tambeacutem pode promover negoacutecios com vantagem competitiva no mercado e estabilidade a longo prazordquo (RUD 2009)

Na gestatildeo judiciaacuteria o BI eacute largamente utilizado para agrupamento e organizaccedilatildeo de dados diversos esparsos permitindo uma anaacutelise apurada com definiccedilatildeo de criteacuterios cuja coleta satildeo relevantes a depender da finali-dade esperada e do recorte proposto

42 PREVENCcedilAtildeO E REPRESSAtildeO Agrave LITIGAcircNCIA TEMERAacuteRIA

A partir da anaacutelise qualitativa das decisotildees proferidas em diversas accedilotildees judiciais distribuiacutedas com causa de pedir e pedidos semelhantes especialmente relativas agraves empresas consideradas ldquomaiores demandadosrdquo verifica-se um aumento significativo no volume de processos com sen-tenccedilas que condenam a parte autora por litigacircncia de maacute-feacute por motivos diversos especialmente apontando supostos ldquoindiacutecios de fraudesrdquo

Atualizado ateacute 10112020

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Nesse sentido considerando a contribuiccedilatildeo da hiperjudicializaccedilatildeo associada a uma pratica leviana10 para a sobrecarga do sistema judicial o Tribunal de Justiccedila do Estado do Rio de Janeiro desenvolveu um Nuacutecleo Permanente de Combate agraves Fraudes nos Sistemas dos Juizados Especiais (Nupecof ) com o objetivo de ldquointensificar a fiscalizaccedilatildeo dos processos identificados com suspeita de fraudes que tramitam no Judiciaacuterio flumi-nenserdquo (TJRJ 2020)

Agrave semelhanccedila da sistemaacutetica supra o Poder Judiciaacuterio do Estado da Bahia instituiu no acircmbito do Sistema dos Juizados Especiais o Nuacutecleo de Combate agraves Fraudes (NUCOF) vinculado agrave Coordenaccedilatildeo dos Juizados Especiais e composto por magistrados integrantes do Sistema com atri-buiccedilatildeo para ldquorecepcionar as notiacutecias de suspeita de fraude e artificialida-des processuais identificando o seu modus operandi e eventualmente estabelecendo recomendaccedilotildees que visem a uniformizaccedilatildeo de estrateacutegias para o enfrentamentordquo (TJBA 2020a)

43 PADRONIZACcedilAtildeO DE FLUXOS E AUTOMACcedilAtildeO DE PROCES-SOS PARA APRIMORAMENTO DA PRODUTIVIDADE DOS SERVIDORES PUacuteBLICOS

Destacamos como iniciativas voltadas agrave otimizaccedilatildeo da prestaccedilatildeo ju-risdicional aquelas voltadas agrave padronizaccedilatildeo de fluxos e automaccedilatildeo de processos que tem como consequecircncia o aprimoramento da produtivida-de dos servidores puacuteblicos e auxiliares da justiccedila

As medidas implementadas envolvem o desenvolvimento de robocircs para a automaccedilatildeo de tarefas cartoraacuterias repetitivas simplificando proce-dimentos reduzindo custos e consequentemente aumentando a cele-ridade processual no acircmbito dos Juizados Especiais e Turmas Recursais permitindo aos servidores maior dedicaccedilatildeo aos procedimentos com maior complexidade cognitiva (TJBA 2020a)

Conforme dados disponibilizados pelo Tribunal de Justiccedila baiano a Coordenaccedilatildeo Estadual dos Juizados Especiais jaacute desenvolveu diversos robocircs no ano de 2020 que atuam (i) na baixa automaacutetica de processos da 6ordf Turma Recursal para as respectivas varas (ii) na elaboraccedilatildeo de citaccedilotildees

10 Expressatildeo cunhada por Hilton Vieira em Hiperjudicializaccedilatildeo prognosticaacutevel disponiacute-vel em httpsfalcao1jusbrasilcombrartigos516930243hiperjudicializacao-prog-nosticavel

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(iii) juntada de certidotildees e intimaccedilotildees nos processos que tiveram audiecircn-cias suspensas ou remarcadas no periacuteodo da pandemia (iv) intimaccedilatildeo automaacutetica dos acoacuterdatildeos proferidos pela 6ordf Turma Recursal (v) intimaccedilatildeo automaacutetica de processos migrados do sistema SAJ para o PJe na Segunda Vara Ciacutevel de Salvador ndash BA Ademais desenvolveu-se a sistemaacutetica de geraccedilatildeo de DAJE unificado para o preparo recursal eliminando a necessi-dade de gerar manualmente ateacute 13(treze) tipos de DAJErsquo s um para cada ato processual (TJBA 2020a)

Por fim estaacute descrito como projeto departamental em desenvolvi-mento na gestatildeo 2020-2021 ferramenta com uso de automaccedilatildeo e inte-ligecircncia artificial que permitiraacute a ldquorealizaccedilatildeo de julgamento em lote por tema atraveacutes da identificaccedilatildeo de demandas repetidas decisotildees proferi-das sugerindo o modelo de documentos para utilizaccedilatildeo de acordo com o que lhe foi programado potencializando a celeridade processualrdquo (TJBA 2020a)

A identificaccedilatildeo das demandas repetidas assim consideradas aque-las com mesma causa de pedir decorre de processo de anaacutelise estatiacutes-tico das principais causas de demanda no estado que tenham chegado ao poder judiciaacuterio e que deveratildeo ter um tratamento uniforme pelos magistrados ainda que natildeo tenha sido instaurado Incidente de Reso-luccedilatildeo de Demanda Repetitiva ou instada a Turma de Uniformizaccedilatildeo de Jurisprudecircncia

A ferramenta ainda natildeo disponibilizada pode ser um importante ins-trumento para melhoria da qualidade da prestaccedilatildeo jurisdicional reduccedilatildeo da insatisfaccedilatildeo do jurisdicionado com eventuais decisotildees conflitantes e consequentemente a quantidade de recursos agraves Turmas Recursais apri-morando significativamente o prestaccedilatildeo do serviccedilo jurisdicional Ademais constituiraacute importante ferramenta para que o magistrado possa melhor conhecer e gerir as demandas da vara com recorte regionalizado e espe-ciacutefico daquela localidade

5 CONCLUSAtildeO

O acesso a uma ordem juriacutedica justa representa hoje a extensatildeo e amplitude constitucional do acesso agrave justiccedila e a uma razoaacutevel duraccedilatildeo do processo princiacutepios processuais fundamentais resguardados no artigo 5ordm da Constituiccedilatildeo Federal de 1988 que devem ser observados na complexa tarefa de gestatildeo dos sistemas judiciais

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Da mesma forma buscando a efetivaccedilatildeo do acesso a uma ordem juriacutedica justa a Lei do Juizado Especial de Pequenas Causas (nordm 724484) iniciou um processo de desburocratizaccedilatildeo dos procedimentos judiciais ldquoapoacutes diagnostico de que estava havendo uma litigiosidade contida por-que as partes natildeo sabiam a quem ou como recorrerrdquo A Lei ldquosignificou o primeiro rompimento do modelo liberal-individualista que estava no CPC em que predominava a autonomia individualrdquo (WATANABE 2019) consa-grado definitivamente pela Constituiccedilatildeo Federal anos depois e desenvol-vido atraveacutes do Sistema dos Juizados Especiais instituiacutedo e regulamenta-do pela Lei Federal nordm 9099 de 1995

Luiacutes Roberto Barroso na obra ldquoA Judicializaccedilatildeo da Vida e o Papel do Supremo Tribunal Federalrdquo define ldquojudicializaccedilatildeordquo como a mera possibilida-de de levar conflitos agrave apreciaccedilatildeo do Judiciaacuterio Atualmente contudo os Tribunais tem sido sobrecarregados com a hiperjudicializaccedilatildeo das relaccedilotildees sociais

Nesse sentido o Conselho Nacional de Justiccedila tem demonstrado es-pecial preocupaccedilatildeo com a desjudicializaccedilatildeo estiacutemulo aos meacutetodos alter-nativos de soluccedilatildeo de conflitos e efetivaccedilatildeo da justiccedila atraveacutes de projetos estrateacutegicos voltados a uma gestatildeo judicial proba ceacutelere transparente e atenta agraves demandas locais

Observa-se a partir dos projetos publicizados pelo Poder Judiciaacuterio do Estado da Bahia (TJBA 2020) que a Coordenaccedilatildeo do Sistema dos Jui-zados Especiais estabeleceu metodologia de atuaccedilatildeo baseada na coleta anaacutelise e avaliaccedilatildeo dos movimentos sociais e suas consequecircncias para a hiperjudicializaccedilatildeo dos conflitos o que entendemos corresponde a uma aplicaccedilatildeo praacutetica e eficiente da jurimetria na administraccedilatildeo da justiccedila

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Contribuiccedilotildees da jurimetria para a administraccedilatildeo da justiccedila

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O superendividamento tutelado no acircmbito do Sistema dos

Juizados Especiais do Tribunal de Justiccedila do Estado da Bahia

1 Poacutes-graduada em Direito Processual Civil pela Universidade Federal de Direito da Bahia servidora do Tribunal de Justiccedila do Estado da Bahia assessora da Coordena-ccedilatildeo dos Juizados Especiais

Maria Joseacute Oliveira e Silva1

Resumo A grave situaccedilatildeo de endividamento decorrente do voraz mercado de consumo associada ao atual momento pandecircmico im-potildee a proteccedilatildeo estatal atraveacutes da criaccedilatildeo de normativas proacuteprias e de poliacutetica puacuteblicas voltadas ao enfrentamento da questatildeo Este artigo faz uma breve explanaccedilatildeo acerca dos sistemas juriacutedicos protetivos analisa o arcabouccedilo normativo existente no nosso paiacutes e apresenta soluccedilotildees praacuteticas desenvolvidas pelo Poder Judiciaacuterio do Estado da Bahia para o enfrentamento da questatildeo

Palavras-chave Superendividamento Sistemas Juriacutedicos Praacuteticas do Poder Judiciaacuterio da Bahia

1 INTRODUCcedilAtildeO

O fenocircmeno do endividamento estaacute arraigado na sociedade contem-poracircnea como reflexo das relaccedilotildees de consumo cada dia mais agressivas que outorgam ao consumidor uma condiccedilatildeo de hipossuficiecircncia diante do grande apelo do mercado financeiro que impede o cidadatildeo muitas vezes de sair ileso das grandes ofertas de creacuteditos que fatalmente iratildeo impactar na sua situaccedilatildeo econocircmica comprometendo a sua sauacutede e o seu bem estar afetando consequentemente toda a estrutura familiar

Sensiacuteveis a relevante questatildeo enraizada na proteccedilatildeo agrave dignidade da pessoa humana os ordenamentos juriacutedicos de diversos paiacuteses vecircm bus-cando soluccedilotildees para o grave problema que atinge cada vez mais pessoas sobretudo nesse momento pandecircmico em que os iacutendices de endivida-

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mento subiram consideravelmente No Brasil o percentual de famiacutelias com diacutevidas atingiu em junho o recorde histoacuterico de 671 (sessenta e sete virgula um por cento) segundo a Pesquisa de Endividamento e Inadimplecircncia do Consumidor realizada pela Confederaccedilatildeo Nacional do Comeacutercio (CNC)2

O endividamento eacute uma questatildeo de relevante preocupaccedilatildeo univer-sal sendo consenso que eacute um fato social grave e atual em diversas partes do mundo assim como no nosso paiacutes merecendo atenccedilatildeo especial dos poderes puacuteblicos mediante a elaboraccedilatildeo de normativas especiacuteficas que possam atraveacutes de intervenccedilatildeo nos contratos de consumo criar um siste-ma protetivo direcionado a esta parcela da populaccedilatildeo atingida

2 DIREITO COMPARADO DA TUTELA DO ENDIVIDAMENTO

No modelo francecircs a Lei Neiertz com suas modificaccedilotildees numa orientaccedilatildeo social previu um processo de reestruturaccedilatildeo global da diacutevi-da de caraacuteter misto repartindo estrutural e funcionalmente em dois momentos sucessivos uma fase administrativa conciliatoacuteria e uma fase judicial (redressemnte judiciare civil) desencadeada apenas no caso do in-sucesso da primeira fase Ao lado dessas possibilidades haacute a da utilizaccedilatildeo do prazo de reflexatildeo (delai de reacuteflexion) como instrumento de prevenccedilatildeo do endividamento previsto somente em casos particulares como os de creacutedito ao consumo (PELLEGRINO 2016)

O Code de la Consommation na Repuacuteblica Francesa cuida da oferta de creacutedito e dos contratos imobiliaacuterios com normas protetivas aos consu-midores na fase preacute-negocial ndash coibindo a propaganda abusiva e estabele-cendo a plena eficaacutecia do dever lateral de informaccedilatildeo ndash e sancionando vio-lentamente os abusos como a perda do direito agrave percepccedilatildeo de juros Haacute um controle riacutegido sobre as formas de cobranccedila das diacutevidas conservando a imagem e a honra do devedor em face de meacutetodos agressivos utilizados pelos credores E na hipoacutetese de endividamento excessivo ou da super-veniecircncia de ruiacutena econocircmica eacute estabelecido um complexo sistema de renegociaccedilotildees e de tutela patrimonial do devedor Na hipoacutetese de execu-ccedilatildeo instaurada pode-se invocar a exceccedilatildeo de superendividamento Com

2 Pesquisa realizada na data de 09112020 no endereccedilo httpseconomiauolcombrnoticiasestadao-conteudo20200619endividamento-de-familias-bate-recor-de-diz-cnchtm

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isso a pedido da comissatildeo de superendividamento o processo poderaacute ser suspenso (artigo L331-5) Os comissaacuterios elaboraratildeo juntamente com as partes um plano de recuperaccedilatildeo econocircmico-financeira do devedor Desta forma o perfil da diacutevida seraacute alongado e novas disposiccedilotildees seratildeo pactua-das visando adequar o negoacutecio agraves reais condiccedilotildees econocircmico-financeiras do devedor (RODRIGUES JR 2013)

A jurisprudecircncia francesa deu alguns contornos a esses dispositivos do Coacutedigo de Consumo ao estilo dos seguintes (a) considera-se ter agido de boa-feacute o devedor cujo superendividamento deu-se por sua imprudecircn-cia ou imprevidecircncia (b) a boa-feacute do devedor eacute presumida competindo aos credores provar o contraacuterio (c) a comissatildeo de superendividamento tem competecircncia para analisar os deacutebitos vencidos e os vincendos (RO-DRIGUES JR 2013)

No direito americano emergiu um modelo neoliberal que encara o endividamento como um risco associado agrave expansatildeo do mercado finan-ceiro e em razatildeo disso investe na socializaccedilatildeo do risco de desenvolvimen-to do creacutedito concebendo uma responsabilidade limitada para os consu-midores sendo o perdatildeo da diacutevida a principal medida concretizadora do fresh start concedida ao consumidor (RODRIGUES JR 2013 apud RAMSAY 1997)

Acerca do sistema americano o perdatildeo das diacutevidas eacute o fim e o come-ccedilo no sentido que encerra o procedimento legal da falecircncia com efeito de coisa julgada e o comeccedilo porque estaacute relacionado agrave concessatildeo de uma nova oportunidade aos devedores honestos de recomeccedilar a vida sem o peso opressivo psicoloacutegico de diacutevidas anteriores O perdatildeo pode ser obti-do no iniacutecio do procedimento quando natildeo haacute bens a liquidar ou apoacutes o cumprimento de um plano de pagamento que contemple o reembolso de parte das diacutevidas (PELLEGRINO 2016)

Quanto ao procedimento o devedor entrega uma peticcedilatildeo no tribunal de falecircncias com informaccedilotildees precisas sobre os credores natureza e mon-tante das diacutevidas fonte valor e regularidade dos rendimentos que aufere seus bens e seus encargos mensais essenciais (alimentaccedilatildeo transporte impostos medicamentos aluguel etc) Com a mera entrega da peticcedilatildeo as execuccedilotildees ficam suspensas Decorridos 20 a 40 dias apoacutes a entrega da peticcedilatildeo realiza-se uma reuniatildeo de credores com a presenccedila indispensaacutevel do devedor que deve responder a eventuais questotildees apresentadas pe-los credores sobre seus bens e negoacutecios e do administrador da falecircncia (LIMA 2014)

O superendividamento tutelado no acircmbito do Sistema dos Juizados Especiais do Tribunal de Justiccedila do Estado da Bahia

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3 ASPECTOS DO ORDENAMENTO JURIacuteDICO BRASILEIRO

No Brasil diante da nova ordem constitucional de 1988 e seguindo tendecircncia mundial atraveacutes do comando constitucional a tutela do endivi-damento estaacute amparada nos princiacutepios do equiliacutebrio contratual da boa-feacute da funccedilatildeo social e da dignidade da pessoa humana

A dignidade da pessoa humana eacute pilar da estrutura constitucional brasileira sendo

designada por muitos doutrinadores como macroprinciacutepio do or-denamento constitucional natildeo eacute por acaso que o referido princiacutepio foi inserido na carta magna como fundamento da Repuacuteblica Federativa do Brasil (art 1ordm III)3

A dignidade da pessoa humana eacute o fundamento axioloacutegico do di-reito eacute a razatildeo de ser da proteccedilatildeo fundamental do valor da pessoa e por conseguinte da humanidade do ser e da responsabilidade que cada homem tem pelo outro (NERY Jr 1995) Por isso se diz que a justiccedila como valor eacute o nuacutecleo central da axiologia juriacutedica e a marca desse valor fun-damental de justiccedila eacute o homem princiacutepio e razatildeo de todo o direito (GIL HERNANDEZ 1987)

Para conceder eficaacutecia a norma constitucional contida no artigo 5ordm XXXII4 criou-se o Coacutedigo de Defesa do Consumidor atraveacutes da Lei 8078 de 11 de setembro de 1990 objetivando a realizaccedilatildeo da igualdade subs-tancial e a socializaccedilatildeo atraveacutes da intervenccedilatildeo na atividade econocircmica (art 170 CF)5 como instrumentos garantidores da dignidade da pessoa humana

Os princiacutepios elencados na lei consumerista contaminaram todo o di-reito privado sobretudo a partir da ideia de confianccedila inerente da boa-feacute

3 CF Art 1ordm A Repuacuteblica Federativa do Brasil formada pela uniatildeo indissoluacutevel dos Estados e Municiacutepios e do Distrito Federal constitui-se em Estado Democraacutetico de Direito e tem como fundamentos III ndash a dignidade da pessoa humana

4 CF Art 5ordm XXXII ndash o Estado promoveraacute na forma da lei a defesa do consumidor

5 CF Art 170 A ordem econocircmica fundada na valorizaccedilatildeo do trabalho humano e na livre iniciativa tem por fim assegurar a todos existecircncia digna conforme os ditames da justiccedila social observados os seguintes princiacutepios V ndash defesa do consumidor

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objetiva consagrada como princiacutepio da poliacutetica nacional das relaccedilotildees de consumo (art 4ordm IV CDC)6

No Brasil na esteira da relevacircncia constitucional atribuiacuteda agrave proteccedilatildeo do consumidor o Coacutedigo de Defesa do Consumidor em seu artigo 4ordm III7 positivou a boa-feacute objetiva estabelecendo elo entre a proteccedilatildeo do con-sumidor e o manto axioloacutegico do ordenamento juriacutedico em cujo veacutertice encontra-se a dignidade da pessoa humana tornando-se portanto vetor das relaccedilotildees negociais privadas em face a normativa constitucional justi-ficando sua aplicaccedilatildeo para aleacutem das relaccedilotildees de consumo (PELLEGRINO 2016)

Na esteira desse entendimento a partir do advento do Coacutedigo Civil de 2002 a boa-feacute objetiva passou a alcanccedilar as relaccedilotildees privadas indis-tintamente independente de qualquer vulnerabilidade na condiccedilatildeo de princiacutepio geral do direito das obrigaccedilotildees (art 422 CC)8

A boa feacute objetiva se qualifica como uma norma de comportamento leal uma norma necessariamente nuanccedilada mais propriamente constitui--se um modelo juriacutedico ndash na medida em que se reveste de variadas formas de variadas concreccedilotildees (MARTINS 1999) ldquodenotando e conotando em sua formaccedilatildeo uma pluridiversidade de elementos entre si interligados numa unidade de sentido loacutegicordquo (REALE 1968)

6 Art 4ordm CDC A Poliacutetica Nacional das Relaccedilotildees de Consumo tem por objetivo o aten-dimento das necessidades dos consumidores o respeito agrave sua dignidade sauacutede e seguranccedila a proteccedilatildeo de seus interesses econocircmicos a melhoria da sua qualidade de vida bem como a transparecircncia e harmonia das relaccedilotildees de consumo atendidos os seguintes princiacutepios (Redaccedilatildeo dada pela Lei nordm 9008 de 2131995) IV ndash educaccedilatildeo e informaccedilatildeo de fornecedores e consumidores quanto aos seus direitos e deveres com vistas agrave melhoria do mercado de consumo

7 Art 4ordm CDC A Poliacutetica Nacional das Relaccedilotildees de Consumo tem por objetivo o aten-dimento das necessidades dos consumidores o respeito agrave sua dignidade sauacutede e seguranccedila a proteccedilatildeo de seus interesses econocircmicos a melhoria da sua qualidade de vida bem como a transparecircncia e harmonia das relaccedilotildees de consumo atendidos os seguintes princiacutepios (Redaccedilatildeo dada pela Lei nordm 9008 de 2131995) III ndash harmoni-zaccedilatildeo dos interesses dos participantes das relaccedilotildees de consumo e compatibilizaccedilatildeo da proteccedilatildeo do consumidor com a necessidade de desenvolvimento econocircmico e tecnoloacutegico de modo a viabilizar os princiacutepios nos quais se funda a ordem econocirc-mica (art 170 da Constituiccedilatildeo Federal) sempre com base na boa-feacute e equiliacutebrio nas relaccedilotildees entre consumidores e fornecedores

8 Art 422 CC Os contratantes satildeo obrigados a guardar assim na conclusatildeo do contra-to como em sua execuccedilatildeo os princiacutepios de probidade e boa-feacute

O superendividamento tutelado no acircmbito do Sistema dos Juizados Especiais do Tribunal de Justiccedila do Estado da Bahia

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A boa feacute objetiva eacute norma cujo conteuacutedo natildeo pode ser rigidamente fixado dependendo sempre das concretas circunstacircncias do caso sendo regra de caraacuteter marcadamente teacutecnico-juriacutedico porque enseja a soluccedilatildeo dos casos particulares no quadro dos demais modelos juriacutedicos postos em cada ordenamento sendo por estas caracteriacutesticas uma norma proteifoacuter-mica que convive com um sistema necessariamente aberto isso eacute o que enseja a sua proacutepria permanente construccedilatildeo e controle (MARTINS 1999)

Portanto pode-se afirmar que indubitavelmente esse cenaacuterio legis-lativo outorgou uma nova racionalidade material ao direito que imprimiu uma recente realidade juriacutedica nacional que reclama proteccedilatildeo das rela-ccedilotildees de consumo e tratativa diferenciada para o endividamento jaacute que este eacute fruto da poliacutetica de consumo da sociedade capitalista

A Resoluccedilatildeo 125 do CNJ de 29 de novembro de 2010 e suas altera-ccedilotildees ao dispor sobre a Poliacutetica Judiciaacuteria Nacional de tratamento adequa-do dos conflitos de interesses no acircmbito do Poder Judiciaacuterio determina a disseminaccedilatildeo da pacificaccedilatildeo social mediante o incentivo da conciliaccedilatildeo e mediaccedilatildeo atraveacutes da criaccedilatildeo de poliacutetica de tratamento dos conflitos de interesses tendente a assegurar a todos o direito agrave soluccedilatildeo dos conflitos por meios adequados agrave sua natureza e peculiaridade antes da soluccedilatildeo adjudicada mediante sentenccedila oferecer outros mecanismos de soluccedilotildees de controveacutersias em especial os chamados meios consensuais bem assim prestar atendimento e orientaccedilatildeo ao cidadatildeo9

Eacute cediccedilo que a mediaccedilatildeo e a conciliaccedilatildeo satildeo instrumentos efetivos de pacificaccedilatildeo social soluccedilatildeo e prevenccedilatildeo de litiacutegios e que a sua apropriada disciplina em programas jaacute implementados nos paiacutes tem reduzido a ex-cessiva judicializaccedilatildeo dos conflitos de interesses a quantidade de recursos e de execuccedilatildeo de sentenccedilas

O sistema de proteccedilatildeo da pessoa humana na condiccedilatildeo de pessoa fiacutesica deve abarcar uma normativa proacutepria para tratar do endividamento

9 Art 1ordm Paraacutegrafo uacutenico da Resoluccedilatildeo 12510 CNJ Aos oacutergatildeos judiciaacuterios incumbe nos termos do art 334 do Coacutedigo de Processo Civil de 2015 combinado com o art 27 da Lei 13140 de 26 de junho de 2015 (Lei de Mediaccedilatildeo) antes da soluccedilatildeo adjudi-cada mediante sentenccedila oferecer outros mecanismos de soluccedilotildees de controveacutersias em especial os chamados meios consensuais como a mediaccedilatildeo e a conciliaccedilatildeo bem assim prestar atendimento e orientaccedilatildeo ao cidadatildeo (Redaccedilatildeo dada pela Resoluccedilatildeo nordm 326 de 2662020)

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sobretudo pelas normas principioloacutegicas acima citadas que demandam uma proteccedilatildeo do indiviacuteduo consumidor na sua condiccedilatildeo de

hipossuficiente e que portanto preveja um processo de recuperaccedilatildeo da situaccedilatildeo financeira do indiviacuteduo a exemplo da legislaccedilatildeo norte ameri-cana que contempla o perdatildeo da totalidade das diacutevidas ou da francesa que valoriza a composiccedilatildeo amigaacutevel dos interessados

4 ANAacuteLISE DO PROJETO DE LEI Nordm 35152015 ndash TRATATIVA DO SUPERENDIVIDAMENTO

Impende ressaltar que atendendo a essa necessidade legislativa existe o Projeto de Lei 35152015 em tracircmite na Cacircmara dos Deputados de autoria do senador Joseacute Sarney que altera o Coacutedigo de Defesa do Con-sumidor e o Estatuto do Idoso para aperfeiccediloar a disciplina do creacutedito e dispor sobre a prevenccedilatildeo e o tratamento do superendividamento no Brasil Atualmente o referido projeto encontra-se pronto para Pauta na Comissatildeo Especial destinada a proferir parecer

Dentre as principais mudanccedilas sugeridas para a alteraccedilatildeo do Coacutedigo de Defesa do Consumidor destaca-se a inclusatildeo no rol dos princiacutepios da Poliacutetica Nacional das Relaccedilotildees de Consumo dentre as accedilotildees governamen-tais de proteccedilatildeo do consumidor o fomento de accedilotildees visando agrave educaccedilatildeo financeira e ambiental dos consumidores e a prevenccedilatildeo e tratamento do superendividamento como forma de evitar a exclusatildeo social do consumi-dor (artigo 4ordm incisos IX e X)

O suso projeto normativo determina que o poder puacuteblico como meio de execuccedilatildeo da Poliacutetica Nacional das Relaccedilotildees de Consumo deveraacute ins-tituir mecanismos de prevenccedilatildeo e tratamento extrajudicial e judicial do superendividamento e de proteccedilatildeo do consumidor pessoa natural bem como criaraacute nuacutecleos de conciliaccedilatildeo e mediaccedilatildeo de conflitos oriundos de superendividamento (artigo 5ordm VI e VII)

A guisa de enumeraccedilatildeo pode-se ainda citar que o projeto de lei traz a inserccedilatildeo de outros direitos baacutesicos do consumidor elencados no artigo 6ordm do CDC consubstanciados na garantia de praacuteticas de creacutedito respon-saacutevel de educaccedilatildeo financeira e de prevenccedilatildeo e tratamento de situaccedilotildees de superendividamento preservado o miacutenimo existencial nos termos da regulamentaccedilatildeo por meio da revisatildeo e repactuaccedilatildeo da diacutevida entre outras medidas na preservaccedilatildeo do miacutenimo existencial na repactuaccedilatildeo

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de diacutevidas na concessatildeo de creacutedito e na obrigatoriedade de informaccedilatildeo acerca dos preccedilos e condiccedilotildees do negoacutecio

Ressalte-se que o importante projeto de lei em anaacutelise insere Ca-piacutetulo proacuteprio (Capiacutetulo VI-A) no Coacutedigo de Defesa do Consumidor para regulamentar a prevenccedilatildeo e o

tratamento do superendividamento dispondo sobre o creacutedito res-ponsaacutevel e sobre a educaccedilatildeo financeira do consumidor

A sobredita norma traz conceito expresso acerca do superendivida-mento caracterizado pela impossibilidade manifesta de o consumidor pessoa natural de boa-feacute pagar a totalidade de suas diacutevidas de consumo exigiacuteveis e vincendas sem comprometer seu miacutenimo existencial (art 54-A sect 1ordm) estabelece tambeacutem regras para a oferta do produto mediante in-formaccedilotildees preacutevias e adequadas acerca do custo efetivo total taxa efetiva mensal taxas de juros total de encargos de qualquer natureza previstos para o atraso no pagamento momento de prestaccedilotildees prazo de validade da oferta direito do consumidor de liquidaccedilatildeo antecipada dentre outras medidas colimando resguardar a lisura no contrato (art 54-B incisos I a V)

O referido projeto de lei traz no seu bojo tambeacutem alguns deveres inerentes ao fornecedor dentre os quais informar e esclarecer adequa-damente o consumidor considerando a sua idade sauacutede conhecimento e condiccedilatildeo social sobre a natureza e a modalidade do creacutedito avaliar a capacidade e as condiccedilotildees de pagamento da diacutevida contratada mediante solicitaccedilatildeo da documentaccedilatildeo necessaacuteria e das informaccedilotildees disponiacuteveis em bancos de dados de proteccedilatildeo ao creacutedito determinando como sanccedilatildeo pelo descumprimento a possibilidade de judicialmente obter a inexigi-bilidade ou a reduccedilatildeo dos juros dos encargos ou de quaisquer acreacutescimo ao principal bem como a dilaccedilatildeo do prazo para pagamento conforme a gravidade da conduta do fornecedor e as possibilidades financeiras do consumidor sem prejuiacutezo de outras sanccedilotildees e de indenizaccedilatildeo por perdas e danos patrimoniais e morais (art 54-D)

No bojo do citado projeto haacute previsatildeo do direito de desistecircncia sem motivaccedilatildeo da contrataccedilatildeo de creacutedito consignado a contar da data da ce-lebraccedilatildeo do contrato no prazo de 7 dias (sect 2ordm do artigo 54-E)

O mencionado projeto ainda prevecirc um procedimento de repactua-ccedilatildeo de diacutevidas atraveacutes do qual o juiz poderaacute instaurar processo com au-diecircncia conciliatoacuteria em que o consumidor apresentaraacute proposta de plano

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de pagamento com prazo maacuteximo de 5 anos preservando o miacutenimo exis-tencial bem como as garantias e as formas de pagamento originalmente pactuadas (art 104-A)

Por fim prevecirc o citado projeto que natildeo exitosa a conciliaccedilatildeo em rela-ccedilatildeo a quaisquer credores o juiz a pedido do consumidor instauraraacute pro-cesso por superendividamento para revisatildeo e integraccedilatildeo dos contratos e repactuaccedilatildeo das diacutevidas remanescentes mediante plano

judicial compulsoacuterio procedendo agrave citaccedilatildeo de todos os credores cujos creacuteditos natildeo tenham integrado o acordo porventura celebrado (Art 104-B)

Tal iniciativa legislativa vem de encontro com a tutela do superendi-vidamento na esteira do movimento mundial garantista da proteccedilatildeo do consumidor sendo importante vetor do equiliacutebrio contratual em obser-vacircncia do arcabouccedilo principioloacutegico amplamente debatido sobretudo da dignidade da pessoa humana e da aplicaccedilatildeo da boa-feacute objetiva nas relaccedilotildees contratuais

5 PROJETO DESENVOLVIDO PELA COORDENACcedilAtildeO DO SIS-TEMA DOS JUIZADOS ESPECIAIS DO TRIBUNAL DE JUSTI-CcedilA DO ESTADO DA BAHIA

Nesta senda o Poder Judiciaacuterio do Estado da Bahia na atual gestatildeo do Excelentiacutessimo Desembargador Lourival Trindade por intermeacutedio da Coordenaccedilatildeo dos Juizados Especiais sob a direccedilatildeo da brilhante magis-trada Fabiana Andreacutea de Almeida Oliveira Pellegrino vem desenvolvendo importante trabalho de proteccedilatildeo ao superendividamento

A Coordenaccedilatildeo dos Juizados Especiais desenvolve projeto depar-tamental com o objetivo de renegociar na fase conciliatoacuteria diacutevidas de pessoa fiacutesica mediante prestaccedilatildeo de serviccedilos especializados atraveacutes de um Nuacutecleo de Prevenccedilatildeo e Tratamento do Superendividamento

Na data de 17 de marccedilo de 2020 foi publicado o Decreto Judiciaacuterio nordm 210 de 16 de marccedilo de 2020 que instituiu o Nuacutecleo de Prevenccedilatildeo e Tratamento do Superendividamento no acircmbito do Sistema dos Juizados Especiais do Estado da Bahia

O Nuacutecleo de Prevenccedilatildeo e Tratamento do Superendividamento tem objetivo de na esfera preacute-processual possibilitar a renegociaccedilatildeo coletiva ou individualizada de diacutevidas decorrentes de relaccedilatildeo de consumo do de-

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vedor pessoa fiacutesica de boa-feacute desprovido de condiccedilotildees para quitar seus deacutebitos sem prejuiacutezo de sua proacutepria subsistecircncia com todos os seus creacute-ditos e possibilitar nesse contexto a devida formaccedilatildeo e compreensatildeo da sociedade de consumo a partir da psicologia do consumo (art 2ordm)

O Nuacutecleo possui competecircncia para atender de modo qualificado o consumidor previamente agendado realizando anamnese da sua vida social econocircmica financeira e pessoal mediante o preenchimento de for-mulaacuterio no intuito de aferir a real situaccedilatildeo do superendividamento para promover em parcerias com instituiccedilotildees privadas ou puacuteblicas oficinas interdisciplinares de tratamento para realizar audiecircncia de renegociaccedilatildeoconciliaccedilatildeo preacute-processual entre o consumidor superendividado e os seus credores assim como para atermar e distribuir mediante provocaccedilatildeo do consumo superendividado o pedido inicial para uma das Varas do Sistema Estadual dos Juizados Especiais do Consumidor caso natildeo celebrado acor-do na audiecircncia de renegociaccedilatildeo (art 3ordm e incisos)

O agendamento poderaacute ser realizado eletronicamente atraveacutes do Sistema Central de Agendamento disponiacutevel na paacutegina do Tribunal de Justiccedila (wwwtjbajusbrcentradeagendamento) ou tambeacutem presencial-mente no proacuteprio Nuacutecleo nas hipoacuteteses de eventual impossibilidade ressaltando-se que em razatildeo da pandemia dever-se-aacute realizar o preacutevio agendamento nos termos do Ato Conjunto nordm 242020 (art 2ordm)10

O Decreto Judiciaacuterio nordm 2102020 sensiacutevel ao quanto determina o projeto de Lei 351515 que erigiu como um dos direitos baacutesicos do consu-midor a garantia da educaccedilatildeo financeira e de prevenccedilatildeo nas situaccedilotildees de superendividamento determina como obrigatoacuterio o encaminhamento do consumidor agrave oficina de educaccedilatildeo financeira como requisito preacutevio para a realizaccedilatildeo da audiecircncia de conciliaccedilatildeo (art 5ordm e 6ordm)

Para fins de subsidiar as oficinas de educaccedilatildeo financeira do Nuacutecleo de Prevenccedilatildeo e Tratamento do Superendividamento o Tribunal de Justiccedila estaacute firmando Acordo de Cooperaccedilatildeo Teacutecnica com a Sociedade Bahiana de Educaccedilatildeo e Cultura SA ndash Centro Universitaacuterio Jorge Amado para dotar essas oficinas de professores coordenadores das aacutereas de direito psicolo-

10 Art 2ordm do Ato Conjunto nordm 242020 Fica autorizado o acesso das partes advogados membros da Defensoria Puacuteblica e do Ministeacuterio Puacuteblico agraves dependecircncias do PJBA mediante preacutevio agendamento e somente nas hipoacuteteses em que natildeo for possiacutevel a realizaccedilatildeo do atendimento remoto destes em consonacircncia com o Decreto Judiciaacuterio nordm 385 de 08 de julho de 2020

Maria Joseacute Oliveira e Silva

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gia administraccedilatildeo de empresas e ciecircncias contaacutebeis que contaraacute com a participaccedilatildeo de discentes dos cursos de graduaccedilatildeo eou poacutes-graduaccedilatildeo a fim de fornecer noccedilotildees baacutesicas de organizaccedilatildeo orccedilamentaacuteria psicologia da economia psicologia do consumo direitos baacutesicos dos consumido-res matemaacutetica financeira dentre outros temas aleacutem de orientar e dar suporte informacional ao superendividado balizando as propostas de renegociaccedilatildeo conforme as possibilidades do devedor colimando a inclu-satildeo socioeconocircmica do superendividado na sociedade e no universo do empreendedorismo

Ademais estatildeo sendo assinados tambeacutem dois outros Termos de Coo-peraccedilatildeo Teacutecnica um com a Defensoria Puacuteblica o Ministeacuterio Puacuteblico a Se-cretaria de Justiccedila Direitos Humanos e Desenvolvimento Social ndash PROCON e outro com os Tabelionatos de Protesto de Tiacutetulos e Documentos da Co-marca de Salvador visando a participaccedilatildeo efetiva destas Instituiccedilotildees no sentido de identificarem e orientarem em seus atendimentos consumi-dores nesta situaccedilatildeo de superendividamento os encaminhando para o Nuacutecleo de Prevenccedilatildeo e Tratamento do Superendividamento

Ressalte-se que em razatildeo do atual momento pandecircmico em que fo-ram suspensas as audiecircncias presenciais foi baixada Portaria nordm 3272020-COJE de lavra da Excelentiacutessima Juiacuteza Assessora Fabiana Andreacutea de Almeida Oliveira Pellegrino que regulamentou as audiecircncias por video-conferecircncia no acircmbito do aludido Nuacutecleo determinando a realizaccedilatildeo atraveacutes do aplicativo Lifesize e o agendamento mediante expediccedilatildeo de carta convite enviada por e-mail ou whatsapp direcionada para o deve-dor e credores contendo o link de acesso agrave sala virtual e que o Termo de Acordo deveraacute ser distribuiacutedo para uma das Varas de Defesa do Consumi-dor para fins de homologaccedilatildeo judicial

Com vistas a divulgar o trabalho desenvolvido a Coordenaccedilatildeo dos Juizados elaborou cartazes e folhetos que estatildeo sendo enviados para os Foacuteruns e os Tabelionatos de Protestos do Estado com informaccedilotildees acerca do que eacute o superendividamento com questionaacuterio para o cidadatildeo iden-tificar se encontra-se nesta situaccedilatildeo explicando o trabalho do Nuacutecleo de Prevenccedilatildeo e Tratamento do Superendividamento quem pode ser atendi-do e como funciona

6 CONCLUSAtildeO

Nesse encerro constata-se que natildeo se pode hoje em dia deixar agrave margem da proteccedilatildeo estatal a questatildeo do endividamento jaacute que este eacute fe-

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nocircmeno atual de relevante preocupaccedilatildeo universal que merece a atenccedilatildeo especial dos poderes puacuteblicos

Atento a esta necessidade pungente de criaccedilatildeo de mecanismos pro-tecionistas diante da grave questatildeo social e do nuacutemero cada vez maior de consumidores com a renda familiar totalmente comprometida pelos com-promissos financeiros o nosso Poder Judiciaacuterio atraveacutes da criaccedilatildeo e da atuaccedilatildeo efetiva do Nuacutecleo de Prevenccedilatildeo e Tratamento do Superendivida-mento oferece ao cidadatildeo comum meios de recuperar a sua sauacutede finan-ceira atuando sobretudo na reeducaccedilatildeo destes indiviacuteduos fornecendo noccedilotildees de organizaccedilatildeo orccedilamentaacuteria psicologia da economia e do con-sumo por intermeacutedio das Oficinas realizadas em parceria com Instituiccedilotildees de ensino aleacutem de possibilitar a conciliaccedilatildeo do pagamento do deacutebito

Tais poliacuteticas puacuteblicas abraccediladas pelo nosso Poder Judiciaacuterio do Es-tado dialogam de forma harmocircnica com o direito comparado e tambeacutem com o Projeto de Lei nordm 351515 que traz para o bojo do nosso Coacutedigo de Defesa do Consumidor de forma definitiva a tutela do superendivi-damento e que portanto merecem todos os nossos aplausos vez que atuam na proteccedilatildeo da dignidade da pessoa humana

7 REFEREcircNCIASCOSTA Judith Martins A Boa-Feacute no Direito Privado 1999 editora Revista dos Tribunais

RT

GIL Antonio Hernandez Conceptos Juriacutedicos Fundamentales Obras Completas v I Ma-drid Espasa Calpe 1987 p 44

LIMA Clarissa Costa de O tratado do Superendividamento e o direito de recomeccedilar dos consumidores Satildeo Paulo RT 2014

REALE Miguel O direito como experiecircncia Editora Saraiva Satildeo Paulo 1968

Jr Nelson Nery Ed Thomson Reuters Direito Constitucional Brasileiro ed 2019 O cons-titucionalismo e os Princiacutepios constitucionais citando Joatildeo Paulo II Evangelium Vitae Satildeo Paulo Ediccedilotildees Paulina 1995

RODRIGUES JUNIOR Otaacutevio Luiz Direito Comparado Artigo Consultor Juriacutedico CONJUR Conselho francecircs rege casos de superendividamento Disponiacutevel em httpswwwconjurcombr2013-fev-13direito-comparado-conselho-frances-rege-casos--superendividamento

PELLEGRINO Fabiana Andrea de Almeida Oliveira A tutela juriacutedica do superendivida-mento ed Podivm 2ordf ediccedilatildeo 2016

AMSAY Ian Models of Consumer Brunkrupcty Implications for research and policy Journal of Consumer Policy 201997

Maria Joseacute Oliveira e Silva

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Audiecircncia de conciliaccedilatildeo no acircmbito dos Juizados Especiais da Fazenda Puacuteblica

a indispensaacutevel concretizaccedilatildeo do acesso agrave ordem juriacutedica justa

1 Poacutes-Graduada em Processo Civil pela Universidade Federal da Bahia Servidora do Tribunal de Justiccedila do Estado da Bahia

2 Poacutes-Graduada em Direito Processual Penal pela Universidade Anhanguera Servidora do Tribunal de Justiccedila do Estado da Bahia

3 Poacutes-Graduanda em Direito Constitucional Aplicado e em Direito do Consumidor pela Faculdade Legale Assessora de Magistrado no Tribunal de Justiccedila do Estado da Bahia

Maria Joseacute Oliveira e Silva1

Nataacutelia Cavalcanti de Arauacutejo2

Paula Gargur Calmon Teixeira da Silva3

Resumo A autocomposiccedilatildeo dos litiacutegios eacute vetor para a outorga de prestaccedilatildeo jurisdicional ceacutelere e eficiente O objetivo deste artigo eacute de-monstrar a indispensabilidade da audiecircncia de conciliaccedilatildeo nos feitos fazendaacuterios dos Juizados Especiais atraveacutes de anaacutelise interpretativa do sistema juriacutedico vigente

Palavras-chave Audiecircncia de conciliaccedilatildeo pacificaccedilatildeo social Juiza-dos Especiais da Fazenda Puacuteblica acesso agrave justiccedila

1 INTRODUCcedilAtildeO

Com o advento da Constituiccedilatildeo Federal de 1988 inaugurando uma nova ordem juriacutedica sob o paacutelio da democracia as formas alternativas de pacificaccedilatildeo social de conflitos ganharam nova roupagem estabelecendo--se como passo anterior agrave judicializaccedilatildeo A par dessa realidade a promo-ccedilatildeo de meios consensuais se firmou como uma soluccedilatildeo agrave hiperjudicializa-ccedilatildeo das relaccedilotildees sociais que jaacute tornava o Poder Judiciaacuterio um recocircndito moroso e ineficaz

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No acircmbito dos Juizados Especiais criados com o intuito de conferir celeridade e simplicidade agraves relaccedilotildees juriacutedicas de menor complexidade a audiecircncia de conciliaccedilatildeo assume o papel de concretizar o acesso funda-mental agrave ordem juriacutedica justa na medida em que convida o cidadatildeo a ser participante efetivo do procedimento exercendo sua cidadania e dignida-de aleacutem de contribuir para que o processo tenha uma duraccedilatildeo razoaacutevel e seja eficiente nos termos do Texto Constitucional

Nesse ensejo eacute indispensaacutevel que a assentada conciliatoacuteria mesmo nos feitos que tramitam contra a Fazenda Puacuteblica seja ultimada em seu escopo final espelhando a escolha constitucional pela pacificaccedilatildeo social assim como as diretrizes administrativas do Conselho Nacional de Justiccedila que desde os idos de 2010 vem trazendo relevo aos mecanismos con-sensuais de soluccedilatildeo de litiacutegios como vertente do direito fundamental de acesso agrave justiccedila

O objetivo deste artigo portanto eacute demonstrar a importacircncia da au-diecircncia de conciliaccedilatildeo nos feitos fazendaacuterios

2 CONSTITUCIONALIZACcedilAtildeO DO DIREITO PROCESSUAL E O NEOPROCESSUALISMO

Agrave luz do microssistema dos Juizados Especiais exsurge niacutetida a opccedilatildeo principioloacutegica do legislador pelo estiacutemulo constante agrave autocomposiccedilatildeo como meio de alcanccedilar a economia processual celeridade e eficiecircncia da prestaccedilatildeo jurisdicional Tal perspectiva ressoa como consectaacuterio loacutegico da constitucionalizaccedilatildeo do direito movimento que determina a interpretaccedilatildeo de todo o ordenamento paacutetrio em conformidade agraves diretrizes constitucio-nais

O fenocircmeno da constitucionalizaccedilatildeo do direito processual pode ser analisado sob duas vertentes a primeira eacute aquela que reconhece a incor-poraccedilatildeo de normas processuais aos textos constitucionais inclusive sob a forma de direito fundamental agrave exemplo do devido processo legal A segunda eacute a que passa a entender as normas processuais infraconstitu-cionais como concretizadoras das disposiccedilotildees constitucionais trazendo a Constituiccedilatildeo Federal para o epicentro das relaccedilotildees juriacutedicas ao mesmo tempo em que estabelece uma hierarquizaccedilatildeo pois a lei processual so-mente poderaacute ser interpretada e ordenada em sua estrita conformidade

Natildeo eacute despiciendo rememorar que o ilustre processualista Calmon de Passos jaacute lecionava

Maria Joseacute Oliveira e Silva bull Nataacutelia Cavalcanti de Arauacutejo bull Paula Gargur Calmon Teixeira da Silva

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Devido processo constitucional jurisdicional cumpre esclarecer para evitar sofismas e distorccedilotildees maliciosas natildeo eacute sinocircnimo de formalis-mo nem culto da forma pela forma do rito pelo rito sim um comple-xo de garantias miacutenimas contra o subjetivismo e o arbiacutetrio dos que tecircm poder de decidir (PASSOS 2003)

Eacute nesta senda que o artigo 1ordm do Coacutedigo de Processo Civil4 destaca seu caraacuteter simboacutelico e enuncia a norma elementar de um sistema cons-titucional as normas juriacutedicas derivam da Constituiccedilatildeo e devem estar em conformidade com ela (DIDIER 2020) exigindo natildeo somente o CPC mas tambeacutem as Leis nordm 909995 e 121532009 esta interpretaccedilatildeo consoante os valores e normas fundamentais estabelecidas no Texto Magno

Os meacutetodos de soluccedilatildeo consensual dos conflitos que devem ser constantemente analisados sob este vieacutes neoprocessualista representam papel essencial para a desjudicializaccedilatildeo das controveacutersias colaborando com a resoluccedilatildeo de problemas estruturais da justiccedila inclusive em relaccedilatildeo agraves dificuldades orccedilamentaacuterias e financeiras enfrentadas pelas diversas Cor-tes do paiacutes O estiacutemulo agrave conciliaccedilatildeo representa em essecircncia o propoacutesito de conferir forccedila ao postulado da duraccedilatildeo razoaacutevel do processo ao mes-mo tempo em que torna eficaz a prestaccedilatildeo jurisdicional sem se esquivar da pacificaccedilatildeo social Nesta linha Teresa Arruda salienta ao discorrer sobre a conciliaccedilatildeo

Eacute uma forma mais adequada ceacutelere econocircmica e eficaz de resoluccedilatildeo de conflitos que a intervenccedilatildeo judicial Permite que pelas concessotildees reciacuteprocas as partes cheguem a um resultado mais vantajoso que a manutenccedilatildeo dos conflitos Pode promover a reaproximaccedilatildeo das par-tes (e inclusive restaurar relacionamentos prolongados) Evita ainda que o litiacutegio seja resolvido com uma decisatildeo impositiva do Estado--Juiz o que contribui para o descongestionamento do Poder Judiciaacute-rio Poreacutem a principal justificativa para a utilizaccedilatildeo da conciliaccedilatildeo eacute o estiacutemulo a cooperaccedilatildeo e a pacificaccedilatildeo sociais (WAMBIER 2016)

Assim eacute possiacutevel inferir que a previsatildeo legal acerca do momento con-ciliatoacuterio reflete uma loacutegica maior do que um simples ato procedimental dispensaacutevel pois vai ao encontro de concretizar normas e valores funda-mentais dentre eles o acesso agrave ordem juriacutedica justa

4 Art 1ordm O processo civil seraacute ordenado disciplinado e interpretado conforme os valo-res e as normas fundamentais estabelecidos na Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica Federativa do Brasil observando-se as disposiccedilotildees deste Coacutedigo

Audiecircncia de conciliaccedilatildeo no acircmbito dos Juizados Especiais da Fazenda Puacuteblica a indispensaacutevel concretizaccedilatildeo do acesso agrave ordem juriacutedica justa

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3 O FOMENTO AOS MEacuteTODOS AUTOCOMPOSITIVOS COMO FORMA DE PROMOCcedilAtildeO DOS PRINCIacutePIOS DOS JUIZADOS ESPECIAIS

Para democratizaccedilatildeo ao acesso agrave justiccedila os Juizados Especiais da Fa-zenda Puacuteblica ocupam um papel de destaque possibilitando que parcela significativa da populaccedilatildeo possa reivindicar seus direitos junto ao Estado

O Brasil natildeo foi o primeiro a utilizar esse meacutetodo Espelhando-se nos bons resultados apresentados por outros paiacuteses como Estados Unidos Inglaterra e diversos da Ameacuterica Latina como o Uruguai e o Meacutexico que jaacute possuem sistemas semelhantes e efetivos logicamente com as suas especificidades a inserccedilatildeo dos Juizados no universo juriacutedico objetivou facilitar as soluccedilotildees dos litiacutegios atraveacutes da intervenccedilatildeo estatal de maneira mais econocircmica e mais ceacutelere

Neste contexto pode-se considerar um avanccedilo a implantaccedilatildeo dos Juizados Especiais da Fazenda Puacuteblica com o advento da Lei nordm 12153 de 22 de dezembro de 2009 sem se olvidar que carecem de um olhar cuidadoso e de melhorias constantes como ocorre nos diversos ramos sociais Para tanto uma alternativa eficaz eacute a utilizaccedilatildeo dos meacutetodos de autocomposiccedilatildeo alinhados aos princiacutepios orientadores dos Juizados Espe-ciais amoldando-se por conseguinte agraves diretrizes do CNJ no encalccedilo de uma Justiccedila acessiacutevel ao cidadatildeo

Essa possibilidade se coaduna com os princiacutepios dos Juizados da Fazenda Puacuteblica servindo para desafogar o Poder Judiciaacuterio garantindo assim mais celeridade nas decisotildees e eficaacutecia da prestaccedilatildeo jurisdicional

O cotejo entre a conciliaccedilatildeo e os criteacuterios orientadores dos Juizados Especiais eacute o que podemos denominar de uma nova modalidade de efe-tivaccedilatildeo da justiccedila que tem seu nascedouro na experiecircncia estadunidense das Small Claims Courts de Nova York as quais dirimiam os pequenos con-flitos e processos cujos valores fossem no maacuteximo de ateacute quarenta salaacuterios miacutenimos senatildeo vejamos

Nosso sistema de Juizados de Pequenas Causas eacute baseado na ex-periecircncia nova-iorquina das Small Claims Courts A transposiccedilatildeo do sistema americano para a nossa realidade foi realizada de modo consciente Jaacute em 1980 realizou-se estudo no Juizado de Pequenas Causas de Nova Iorque com vistas agrave adaptaccedilatildeo do sistema para o processo brasileiro Muito do que laacute se fazia foi trazido para os Con-selhos gauacutechos de conciliaccedilatildeo e arbitramento cujos procedimentos destinavam-se a solucionar desentendimentos na sua maioria entre

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vizinhos Antes de 1984 nossos Juizados de Pequenas Causas natildeo eram oacutergatildeos jurisdicionais tendo pois poder de atuaccedilatildeo limitado agrave conduccedilatildeo de conciliaccedilotildees entre as partes e agrave realizaccedilatildeo de arbitra-mentos caso os litigantes assim concordassem A praacutetica foi legaliza-da mediante a Lei no 724484 que representa uma das experiecircncias desenvolvidas no intuito de solucionar os problemas de acesso dos cidadatildeos agrave prestaccedilatildeo jurisdicional (PINTO 2014)

Destarte a experiecircncia dos Estados Unidos da Ameacuterica resultou na celeridade de causas com menor complexidade desafogando o poder judiciaacuterio e inspirando a Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica de 1988 a trazer o comando normativo no sentido de que a Uniatildeo no Distrito Federal e nos Territoacuterios e os Estados criassem os Juizados Especiais competentes para a conciliaccedilatildeo o julgamento e a execuccedilatildeo de causas ciacuteveis de menor com-plexidade e infraccedilotildees penais de menor potencial ofensivo mediante os procedimentos oral e sumariacutessimo

No ordenamento juriacutedico paacutetrio a criaccedilatildeo dos Juizados Especiais com a Lei nordm 909995 representou o surgimento de um microssistema instru-mental para atender aos anseios sociais e acompanhar a evoluccedilatildeo tecnoloacute-gica juriacutedica e social jaacute perceptiacutevel em diversos segmentos da sociedade

Para Tourinho Neto e Figueira Junior

Com a entrada em vigor da Lei 909995 de 26 de setembro de 1995 (DOU 27091995 P15034 ndash 15037) que dispotildees sobre os Juizados Es-peciais Ciacuteveis e Criminais introduziu-se no mundo juriacutedico um novo sis-tema ou ainda melhor um microssistema de natureza instrumental e de instituiccedilatildeo constitucionalmente obrigatoacuteria (o que natildeo se confunde com competecircncia relativa e a opccedilatildeo procedimental) destinado agrave raacutepida e efetiva atuaccedilatildeo do direito estando a exigir dos estudiosos da ciecircncia do processo uma atenccedilatildeo toda particular seja de sua aplicabilidade no mundo empiacuterico como do seu funcionamento teacutecnico-procedimental (NETO JUacuteNIOR 2007)

O surgimento do microssistema especial atendeu uma demanda muito importante dando celeridade aos procedimentos juriacutedicos e apri-morou a resposta do Estado-Juiz havendo imediata procura da populaccedilatildeo pelos Juizados Ciacuteveis e Juizados Especiais da Fazenda Puacuteblica colimando a resoluccedilatildeo paciacutefica ceacutelere e justa dos conflitos interpessoais

A necessidade de melhoria dos problemas estruturais e organiza-cionais enfrentados nos Juizados Fazendaacuterios visando atender aos seus objetivos a partir da efetivaccedilatildeo dos seus princiacutepios (efetividade oralidade simplicidade informalidade economia processual e celeridade) diante da

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cultura de litigacircncia da sociedade brasileira eacute vital para proacutepria subsistecircn-cia do Sistema sendo imprescindiacutevel o fomento agrave cultura de pacificaccedilatildeo das relaccedilotildees juriacutedicas subjetivas que tem iniacutecio justamente na audiecircncia de conciliaccedilatildeo

Neste diapasatildeo com o surgimento do Novo Coacutedigo de Processo Civil que vem com intuito de fortalecer a concretizaccedilatildeo do Sistema de Multi-portas de acesso agrave justiccedila5 o princiacutepio da autocomposiccedilatildeo tornou-se uma verdadeira regra nas accedilotildees judiciais mas ainda com pouca aplicabilidade nos Juizados da Fazenda Puacuteblica uma vez que os entes Federados se am-param na suposta indisponibilidade do interesse puacuteblico na ausecircncia de normativa expressa quanto agraves situaccedilotildees em que pode transigir bem como na natildeo incidecircncia dos efeitos proacuteprios da revelia para se esquivar do com-parecimento obrigatoacuterio agraves assentadas conciliatoacuterias

Tal realidade desvela a negligecircncia do Poder Legislativo em confor-mar-se aos preceptivos legais e agrave teleologia constitucional que a todo tempo reforccedilam o ideaacuterio de soluccedilatildeo paciacutefica das lides

31 A CULTURA DO LITIacuteGIO E HIPERJUDICIALIZACcedilAtildeO DAS RE-LACcedilOtildeES SOCIAIS

Garantir o acesso agrave justiccedila eacute contemplar um direito fundamental ex-presso no artigo 5ordm XXXV da Constituiccedilatildeo Federal de 1988

XXXV ndash a lei natildeo excluiraacute da apreciaccedilatildeo do Poder Judiciaacuterio lesatildeo ou ameaccedila a direito

LXXIV ndash o Estado prestaraacute assistecircncia juriacutedica integral e gratuita aos que comprovarem insuficiecircncia de recursos

5 ldquoA expressatildeo Justiccedila Multiportas foi cunhada pelo professor Frank Sander da Facul-dade de Direito de Harvard Opondo-se ao sistema claacutessico que antevecirc a atividade jurisdicional estatal como a uacutenica capaz de solver conflitos o Sistema de Justiccedila Mul-tiportas remete a uma estruturaccedilatildeo que conta com diferentes mecanismos de tutela de direitos sendo cada meacutetodo adequado para determinado tipo de disputa A juris-diccedilatildeo estatal nessa senda passa a ser apenas mais uma dentre as diversas teacutecnicas disponiacuteveis Ressalta-se que optar pelo caminho do Sistema de Justiccedila Multiportas natildeo eacute uma peculiaridade do Estado brasileiro Apoacutes a Segunda Guerra Mundial diversos paiacuteses tecircm atualizado seus sistemas juriacutedicos nesse sentido objetivando maior respeito e proteccedilatildeo aos direitos humanos individuais e coletivosrdquo COELHO M V F O Sistema de Justiccedila Multiportas no Novo CPC Disponiacutevel em httpsmigalhasuolcombrcolunacpc-marcado330271o-sistema-de-justica-multiportas-no-novo--cpc Acesso em 15 de novembro de 2020

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Como direito fundamental eacute inerente a todo cidadatildeo e portanto responsabilidade do Estado que deve buscar sempre meios eficazes para contemplaacute-lo em favor da vida digna

Diante do resultado existosos dos Juizados Especiais observa-se o surgimento de certas contingecircncias tal qual a hiperjudicializaccedilatildeo das de-mandas em especial as consumeristas atraindo uma verdadeira multidatildeo agraves portas do Judiciaacuterio por vezes gerando morosidade na finalizaccedilatildeo das accedilotildees

Desse modo o que poderia ser visto como uma tomada de consciecircn-cia dos jurisdicionados em busca de resolver seus litiacutegios perpassa pelo contingente excessivo de advogados influecircncia da miacutedia e a excessiva demanda acaba tendo um caraacuteter repetitivo causando problemas diante de decisotildees diferentes e ateacute controvertidas ferindo assim a seguranccedila juriacutedica almejada pela proacutepria Constituiccedilatildeo Federal

A massificaccedilatildeo das demandas judiciais sob esta perspectiva revelou que o Poder Judiciaacuterio natildeo estava apto a atender agrave crescente demanda tampouco a concretizar o acesso agrave justiccedila sob a vertente do acesso agrave ordem juriacutedica justa e agrave decisotildees efetivas sendo de fundamental impor-tacircncia a valorizaccedilatildeo dos meacutetodos autocompositivos dotando as partes jurisdicionadas de poder no exerciacutecio de sua cidadania

32 MEacuteTODOS AUTOCOMPOSITIVOS CELERIDADE E EFETIVI-DADE DAS DECISOtildeES JUDICIAIS

O surgimento do microssistema dos Juizados Especiais chamou a atenccedilatildeo da sociedade brasileira e logicamente provocou uma verdadeira onda de litigacircncia Para atender essa demanda crescente eacute preciso envol-ver todas as partes no processo de tomada de decisatildeo como dito alhures ganhando cada vez mais forccedila os princiacutepios de autocomposiccedilatildeo

O Estado soacute cumpriraacute verdadeiramente o seu papel quando efetivar o atendimento jurisdicional atraveacutes de mecanismos haacutebeis para soluccedilatildeo dos litiacutegios No entanto o que se percebe ainda hoje eacute um excesso de formalismo e uma morosidade inexplicaacutevel frutos da burocracia que in-siste em utilizar modelos e padrotildees obsoletos mesmo diante da necessi-dade constante de mudanccedilas visando agrave otimizaccedilatildeo dos procedimentos

Audiecircncia de conciliaccedilatildeo no acircmbito dos Juizados Especiais da Fazenda Puacuteblica a indispensaacutevel concretizaccedilatildeo do acesso agrave ordem juriacutedica justa

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de modo que muitas vezes natildeo se alcanccedila ecircxito na efetivaccedilatildeo das tutelas jurisdicionais

A partir da realidade em apreccedilo busca-se alternativas eficazes para solucionar os problemas relativos agraves demandas jurisdicionais eliminando barreiras ultrapassadas com a implantaccedilatildeo de um sistema de multiportas com justiccedilas paralelas agrave justiccedila comum passando logicamente pelo uso de alternativas extrajudiciais em busca da composiccedilatildeo diante dos conflitos

Destarte a utilizaccedilatildeo da autocomposiccedilatildeo representa inuacutemeras vanta-gens sociais juriacutedicas e organizacionais principalmente diante da capaci-dade de dar celeridade aos conflitos judiciais tornando-os ainda menos onerosos

4 PROCEDIMENTO DA LEI Nordm 121532009 E INDISPENSABI-LIDADE DE AUDIEcircNCIA DE CONCILIACcedilAtildeO

A audiecircncia de conciliaccedilatildeo no acircmbito dos Juizados da Fazenda Puacuteblica eacute ato indispensaacutevel ao procedimento A Lei nordm 909995 assim como a Lei nordm 121532009 em consonacircncia agrave interpretaccedilatildeo constitucio-nal acerca dos direitos fundamentais elege a busca da conciliaccedilatildeo como vetor hermenecircutico a impor uma atuaccedilatildeo de todos os entes puacuteblicos pautada na soluccedilatildeo consensual de conflitos

Desta forma a audiecircncia de conciliaccedilatildeo no procedimento sumariacutessi-mo natildeo eacute ato discricionaacuterio do magistrado da Vara mas sim fase obriga-toacuteria colimando alcanccedilar a pacificaccedilatildeo social de forma menos dispendio-sa burocraacutetica e formalista

A legislaccedilatildeo regente dos Juizados Especiais natildeo abre espaccedilo agrave inter-pretaccedilatildeo diversa trazendo a audiecircncia de conciliaccedilatildeo como ato iacutensito ao procedimento especial sumariacutessimo sendo indispensaacutevel a presenccedila das partes conforme Enunciado 20 do FONAJE (O comparecimento pessoal da parte agraves audiecircncias eacute obrigatoacuterio A pessoa juriacutedica poderaacute ser repre-sentada por preposto)

Assim a dispensa da audiecircncia de conciliaccedilatildeo pelo magistrado na seara dos Juizados Especiais da Fazenda Puacuteblica se daacute agrave revelia de respal-do legal para tanto sendo insuficientes as argumentaccedilotildees no sentido da ineficaacutecia da assentada em razatildeo do natildeo comparecimento da parte reacute

Eacute consabido que em muitos casos os representantes legais dos entes federados natildeo comparecem agraves audiecircncias marcadas sob o argumento de

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que natildeo tecircm autorizaccedilatildeo legal6 para transigir de forma que a tentativa de conciliaccedilatildeo restaraacute sempre infrutiacutefera aleacutem de atrasar os demais atos do procedimento e enfim a sentenccedila

Entretanto em que pese ser princiacutepio orientador do Sistema dos Jui-zados Especiais a celeridade natildeo eacute o uacutenico intento a ser perseguido pelo Poder Judiciaacuterio que deve envidar contiacutenuos esforccedilos para prestar tutela jurisdicional de qualidade Aleacutem disto o fator determinante da celeridade processual natildeo eacute a ocorrecircncia da audiecircncia conciliatoacuteria sendo impres-cindiacutevel a colaboraccedilatildeo de todos os sujeitos processuais para conceber um processo ceacutelere e eficiente

Por conseguinte natildeo obstante a inexistecircncia de autorizaccedilatildeo legal ex-pressa para que alguns entes federados e autarquias possam ofertar e fir-mar acordos no presente momento os representantes judiciais desses en-tes natildeo podem se esquivar de cumprir o preceptivo de comparecimento obrigatoacuterio agraves audiecircncias nos Juizados Especiais pois tal conduta decorre da proacutepria dicccedilatildeo das leis informadoras do procedimento sumariacutessimo

5 DIAacuteLOGO INSTRUMENTAL COM O COacuteDIGO DE PROCESSO CIVIL

A questatildeo acerca da indispensabilidade das audiecircncias de concilia-ccedilatildeo no procedimento dos Juizados da Fazenda Puacuteblica perpassa por um diaacutelogo instrumental com o Coacutedigo de Processo Civil Calha registrar nes-se ponto que o disposto no artigo 334 sect 4ordm I do Coacutedigo de Processo Civil7 que prevecirc a dispensa da audiecircncia de conciliaccedilatildeo por manifestaccedilatildeo expressa das partes natildeo pode ser aplicado ipsis literis ao procedimento especial dos Juizados

6 Lei nordm 121532009 art 8ordm Os representantes judiciais dos reacuteus presentes agrave audiecircncia poderatildeo conciliar transigir ou desistir nos processos da competecircncia dos Juizados Especiais nos termos e nas hipoacuteteses previstas na lei do respectivo ente da Federaccedilatildeo

7 Art 334 Se a peticcedilatildeo inicial preencher os requisitos essenciais e natildeo for o caso de improcedecircncia liminar do pedido o juiz designaraacute audiecircncia de conciliaccedilatildeo ou de mediaccedilatildeo com antecedecircncia miacutenima de 30 (trinta) dias devendo ser citado o reacuteu com pelo menos 20 (vinte) dias de antecedecircncia

sect 4ordm A audiecircncia natildeo seraacute realizada

I ndash se ambas as partes manifestarem expressamente desinteresse na composiccedilatildeo consensual

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Manifesta-se aqui um conflito de normas tambeacutem denominado antinomia Bobbio define que tal situaccedilatildeo ocorre quando satildeo criadas duas normas com comportamentos antagocircnicos devendo ambas as normas existir no mesmo acircmbito temporal espacial pessoal e material Nestes casos o jurisfiloacutesofo italiano aponta como uma das formas de soluccedilatildeo do conflito o criteacuterio da especialidade que consiste na prevalecircncia da norma mais especiacutefica sobre o assunto

Os processos em tracircmite nos Juizados Especiais tecircm iter distinto do procedimento comum estando peculiarizado pelas disposiccedilotildees especiais das Leis nordm 909995 e 121532009 Como bem pontua Faacutebio Ulhocirca Coelho

Por fim pelo criteacuterio de especialidade a regra juriacutedica especial preva-lece sobre a geral Nesse caso trata-se apenas de discriminar os acircm-bitos de incidecircncia de cada preceito Sempre que para um caso espe-ciacutefico houver regra juriacutedica proacutepria (especial) natildeo se aplica o disposto em regra de acircmbito de incidecircncia mais largo (geral) (COELHO 2020)

Na esteira desse entendimento preconiza Guilherme Marinoni que ldquoo procedimento comum aplica-se subsidiariamente para colmatar lacunas na interpretaccedilatildeo e aplicaccedilatildeo dos procedimentos diferenciadosrdquo (MARINONI et al 2020) A norma processual civil no acircmbito dos Juizados Especiais Fazendaacuterio possui caraacuteter subsidiaacuterio nos termos do disposto no artigo 27 da Lei nordm 121532009 no que pese o referido artigo fazer menccedilatildeo ao Coacutedigo de Processo Civil de 1973

Eacute cediccedilo que a subsidiariedade da norma pressupotildee a falta de regula-mentaccedilatildeo da questatildeo pelas normas principais in casu as Leis nordm 909995 e 121532009 Eacute mister portanto que haja lacuna omissatildeo do legislador para que o Coacutedigo de Processo Civil seja aplicado no acircmbito dos Juizados Especiais

Agrave guisa de exemplo eacute o que se denota quanto agrave expressa determina-ccedilatildeo de adoccedilatildeo do rito processualista civil na fase de execuccedilatildeo dos Juiza-dos Especiais a teor do disposto nos artigos 52 e 53 da Lei 909995

No caso em debate depreende-se nitidamente que natildeo haacute que se falar em aplicaccedilatildeo subsidiaacuteria do disposto no artigo 334 sect 4ordm I do Coacutedigo de Processo Civil visto que a conciliaccedilatildeo eacute regulamentada expressamente pela norma especial notadamente como base principioloacutegica do micros-sistema dos Juizados Especiais

Visando pacificar as perspectivas acerca da incompatibilidade nor-mativa do diploma processual civil com a sistemaacutetica proacutepria dos Juiza-

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dos Especiais foi editado o Enunciado nordm 161 do FONAJE nos seguintes termos Considerado o princiacutepio da especialidade o CPC2015 somente teraacute aplicaccedilatildeo ao Sistema dos Juizados Especiais nos casos de expressa e especiacutefica remissatildeo ou na hipoacutetese de compatibilidade com os criteacuterios previstos no art 2ordm da Lei 909995

Agrave tiacutetulo de embasamento teoacuterico e praacutetico a este Enunciado o pre-sidente do FONAJE agrave eacutepoca da sua divulgaccedilatildeo Desembargador Jones Figueirecircdo salientou que ldquonada obstante a autonomia do sistema haveraacute sempre que couber um diaacutelogo instrumental com o novo CPC por normas que repercutam subsidiariamente dentro da relevacircncia de impactos que estejam em conformidade com a teleologia sistecircmica dos Juizados notada-mente com o princiacutepios nucleares que o orientamrdquo

No caso do novo Coacutedigo de Processo Civil a supletividade deste em relaccedilatildeo agrave Lei nordm 90991995 conta com expressa disposiccedilatildeo legal contida no sect 2ordm do artigo 1046 segundo o qual ldquoPermanecem em vigor as dispo-siccedilotildees especiais dos procedimentos regulados em outras leis aos quais se aplicaraacute supletivamente este Coacutedigordquo Ou seja naquilo que a Lei nordm 90991995 eacute omissa por imperativo da certeza do direito e da seguranccedila juriacutedica a lacuna eacute colmatada pelas disposiccedilotildees do novo CPC

Nesta senda repise-se agrave luz dos princiacutepios da especialidade e da autonomia do Sistema dos Juizados Especiais as regras contidas no CPC somente teratildeo aplicaccedilatildeo agrave dinacircmica processual nos Juizados Fazendaacuterios no caso de ausecircncia de previsatildeo da norma especial natildeo determinando o complexo normativo sobre determinado instituto processual hipoacutetese natildeo verificada in casu haja vista que a audiecircncia de conciliaccedilatildeo eacute impres-cindiacutevel no acircmbito dos Juizados Especiais sendo pilar do procedimento especial em consonacircncia com as diretrizes principioloacutegicas orientadoras do processo perante o Juizado Especial Ciacutevel esculpidas no artigo 2ordm da Lei 909995 quais sejam oralidade simplicidade informalidade econo-mia processual celeridade e a busca pela composiccedilatildeo amigaacutevel da lide atraveacutes da conciliaccedilatildeo ou da transaccedilatildeo

Claacuteudio Antocircnio de Carvalho Xavier em artigo acerca do tema aduz com propriedade que

Cabe esclarecer no entanto que a conciliaccedilatildeo como jaacute vem sendo destacado por alguns autores eacute princiacutepio norteador dos juizados especiais e natildeo um procedimento ou momento processual uma vez que integra o proacuteprio processo Desse modo o procedimento suma-riacutessimo dos juizados especiais natildeo comporta a opccedilatildeo do autor pela

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realizaccedilatildeo ou natildeo de audiecircncia de conciliaccedilatildeo ou de mediaccedilatildeo nos moldes preconizados pelo art 319 inc VII do novo CPC por ser um direito irrenunciaacutevel Assim natildeo poderaacute o autor na peticcedilatildeo inicial ou o reacuteu por peticcedilatildeo manifestar desinteresse na composiccedilatildeo amigaacutevel do litiacutegio Ademais o comparecimento das partes agrave audiecircncia eacute obri-gatoacuterio (XAVIER 2016)

Agrave tiacutetulo ilustrativo percebe-se que a realidade faacutetica vivenciada nas Varas da Fazenda Puacuteblica no Estado da Bahia nas quais muitas vezes natildeo ocorre a composiccedilatildeo consensual da lide em razatildeo da ausecircncia das partes reacutes natildeo pode desnaturar sob o manto da celeridade o procedimento especial fazendo-se necessaacuteria a primazia pela busca das tratativas con-ciliatoacuterias

A normativa orgacircnica dos Juizados Especiais eacute inequiacutevoca ao apre-sentar a audiecircncia de conciliaccedilatildeo como ato iacutensito ao procedimento natildeo abarcando nenhuma disposiccedilatildeo que permita ao magistrado a discricio-nariedade em realizar ou natildeo o ato Portanto rechaccedila-se a possibilidade de dispensa da audiecircncia de conciliaccedilatildeo na esteira do quanto disposto no art 334 sect 4ordm I do Coacutedigo de Processo Civil no acircmbito dos Juizados Especiais da Fazenda Puacuteblica em razatildeo de evidente violaccedilatildeo agrave estrutura procedimental erigida pelo microssistema dos Juizados Especiais que possui como pilar a conciliaccedilatildeo

6 EXTENSAtildeO DO PRINCIacutePIO DA INDISPONIBILIDADE DO IN-TERESSE PUacuteBLICO E O ART 8ordm DA LEI 121532009

Natildeo se pode olvidar o argumento de que as pessoas juriacutedicas de di-reito puacuteblico encontrar-se-iam adstritas ao princiacutepio da indisponibilidade do interesse puacuteblico o que implicaria como consectaacuterio na impossibili-dade de conciliarem ou transigirem nas demandas judiciais travadas no acircmbito dos Juizados Fazendaacuterios

Tal postulado conquanto norteador da atuaccedilatildeo administrativa natildeo eacute absoluto e deve ser analisado agrave luz do interesse primaacuterio do povo confor-me ensina Maria Sylvia Zanella de Pietro14

O interesse puacuteblico aleacutem de refletir o interesse da coletividade em si mesma considerada e ser amparado pelo ordenamento juriacutedico vi-gente deve ser ainda reflexivo aos valores constitucionais dominantes como aqueles que a Constituiccedilatildeo Federal de 1988 se refere em seu preacircmbulo e nos preceitos cardinais dispostos entre eles os arrolados nos princiacutepios e nos objetivos fundamentais Quando o poder puacuteblico se coloca numa posiccedilatildeo favoraacutevel ao autecircntico interesse puacuteblico (vol-

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tado agrave satisfaccedilatildeo do bem geral) o benefiacutecio daiacute emergente alcanccedila prioritariamente o interesse puacuteblico primaacuterio (da sociedade) e conse-quentemente o interesse puacuteblico secundaacuterio (do Estado) Poreacutem o in-teresse puacuteblico natildeo eacute necessariamente o interesse do aparato estatal Embora estes devam coincidir dado que sua missatildeo eacute a satisfaccedilatildeo do bem comum o Estado eacute sujeito de direitos e tem interesses que nem sempre se identificam ao interesse da populaccedilatildeo e que constituem interesses patrimoniais financeiros ou fazendaacuterios cuja nota eacute a dis-ponibilidade Pode ocorrer divoacutercio entre o interesse da populaccedilatildeo e o interesse do governo () Geralmente costuma-se apresentar como princiacutepio a supremacia ou a indisponibilidade do interesse puacuteblico ndash amiuacutede ambos Em verdade eacute o interesse puacuteblico o princiacutepio consti-tuindo supremacia e indisponibilidade seus predicados (PIETRO 2019)

Em verdade a doutrina eacute paciacutefica em reconhecer que o interesse puacuteblico natildeo eacute conceito unitaacuterio tampouco se confunde com o interesse do Estado ou do aparato administrativo Em sua acepccedilatildeo substancial o in-teresse puacuteblico reside na realizaccedilatildeo de valores fundamentais consagrados pela Carta Constitucional como explana Marccedilal Justen Filho15

Recolocando o problema em outros termos um interesse eacute puacuteblico por ser indisponiacutevel e natildeo o inverso Por isso eacute incorreto afirmar que algum interesse por ser puacuteblico eacute indisponiacutevel A indisponibilidade natildeo eacute consequecircncia da natureza puacuteblica do interesse ndash eacute justamente o contraacuterio O interesse eacute reconhecido como puacuteblico porque eacute indis-poniacutevel porque natildeo pode ser colocado em risco porque sua natureza exige que seja realizado (JUSTEN FILHO 2018)

Adota-se o entendimento de que os direitos fundamentais apresen-tam natureza indisponiacutevel O nuacutecleo do direito administrativo reside natildeo no interesse puacuteblico mas na promoccedilatildeo dos direitos fundamentais indis-poniacuteveis A invocaccedilatildeo ao interesse puacuteblico toma em vista a realizaccedilatildeo de direitos fundamentais O Estado eacute investido do dever de promover esses direitos fundamentais nos casos em que for inviaacutevel a sua concretizaccedilatildeo pelos particulares segundo o regime de direito privado

Essa orientaccedilatildeo se coaduna com o entendimento prevalente no di-reito constitucional que reconhece que todas as posiccedilotildees juriacutedicas satildeo delimitadas e ordenadas de acordo com os direitos fundamentais Ne-nhuma faculdade proibiccedilatildeo ou comando juriacutedico pode ser interpretado de modo dissociado dos direitos fundamentais

Por seu turno Ricardo Marcondes Martins traz a lume importante mi-tigaccedilatildeo a este princiacutepio quando aborda o interesse secundaacuterio autorizador da disponibilidade do direito destacando distinccedilatildeo feita por Renato Alessi

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que difere dois interesses o primaacuterio que eacute a dimensatildeo puacuteblica do interes-se privado refere-se ao plexo de interesses dos indiviacuteduos enquanto par-tiacutecipes da sociedade o secundaacuterio eacute o interesse particular individual do Estado enquanto pessoa juriacutedica autocircnoma Partindo-se desta premissa o jurista italiano afirma que em relaccedilatildeo aos interesses secundaacuterios e patri-moniais a Administraccedilatildeo deve utilizar-se de meios juriacutedicos estabelecidos pelo direito privado pois para a satisfaccedilatildeo desses interesses ela natildeo goza de supremacia juriacutedica sobre os particulares

Ricardo Marcondes na obra citada elucida que partindo-se da dico-tomia suso abordada parte da doutrina passou a defender a existecircncia de interesses puacuteblicos disponiacuteveis juntamente os interesses patrimoniais da Administraccedilatildeo interesses secundaacuterios Em relaccedilatildeo a esses interesses seguin-do a doutrina de Alessi a Administraccedilatildeo natildeo gozaria de supremacia estaria numa posiccedilatildeo de igualdade em relaccedilatildeo aos administrados arrematando que seria entatildeo perfeitamente possiacutevel neste campo a utilizaccedilatildeo da arbi-tragem Esse posicionamento foi sustentado na doutrina brasileira por Caio Taacutecito e acolhido pelo Supremo Tribunal Federal no Agr NO MS 11308-DF 1ordf Seccedilatildeo relator o Min Luiz Fux julgado em 28062006 DJU 14082006

Verifica-se nitidamente que a indisponibilidade do interesse puacuteblico passa por uma releitura Acerca do tema preleciona Fernanda Marinela que parte ainda minoritaacuteria da doutrina brasileira resolver reunir esfor-ccedilos para desconstituir o princiacutepio da supremacia do interesse puacuteblico como sendo a base do autoritarismo retroacutegrado ultrapassado Critica-se a estrutura do Direito Administrativo tendo como base os princiacutepios da supremacia e da indisponibilidade do interesse puacuteblico apontando que a ausecircncia de definiccedilatildeo exata quanto ao conteuacutedo da expressatildeo ldquointeresse puacuteblicordquo gera vaacuterios problemas no exerciacutecio da atividade administrativa justificando muitas vezes o abuso e arbitrariedades praticadas pelos ad-ministradores

Marccedilal Justen Filho defende que o criteacuterio da ldquosupremacia do inte-resse puacuteblicordquo apresenta utilidade reduzida uma vez que natildeo haacute interesse uacutenico a ser reputado como supremo e que esse instrumento natildeo permite resolver de modo satisfatoacuterio os conflitos nem fornece um fundamento consistente para as decisotildees administrativas

Fraacutegil portanto a premissa dos entes puacuteblicos de alegar o princiacute-pio da indisponibilidade do interesse puacuteblico diante do comando legal conferido pela Lei nordm 121532009 no sentido de viabilizar a realizaccedilatildeo de acordos com particulares nas demandas dos Juizados da Fazenda Puacuteblica

Maria Joseacute Oliveira e Silva bull Nataacutelia Cavalcanti de Arauacutejo bull Paula Gargur Calmon Teixeira da Silva

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Poder Judiciaacuterio do Estado da Bahia ISBN 978-65-89459-01-9

Natildeo haacute que negar a necessidade de lei em sentido estrito para estabelecer as hipoacuteteses permissivas de tais acordos poreacutem natildeo se pode respaldar a conduta inerte do Estado sob as vestes de suposta indisponibilidade do interesse puacuteblico

Nesta senda resta claro que o princiacutepio em anaacutelise natildeo se faz abso-luto nem necessariamente idecircntico aos interesses da Fazenda Puacuteblica O que existe em verdade eacute uma conduta omissiva do Estado no sentido de dirimir as hipoacuteteses em que os direitos disponiacuteveis poderatildeo ser objeto de conciliaccedilatildeo ou transaccedilatildeo

Desta forma natildeo se pode sustentar a indisponibilidade do interesse puacuteblico para se negar agrave promoccedilatildeo das tentativas de conciliaccedilatildeo no acircmbito dos Juizados Especiais da Fazenda Puacuteblica sobretudo quando este confron-te com a concretizaccedilatildeo de direitos e garantias fundamentais como o direito fundamental de acesso agrave justiccedila ancorado na dignidade da pessoa humana

7 CONCLUSAtildeO

De todo o exposto restou indubitaacutevel que nas demandas dos Juiza-dos Especiais Fazendaacuterios deve-se resguardar a conciliaccedilatildeo e a transaccedilatildeo como pilares baacutesicos nos expressos termos do disposto no artigo 2ordm da Lei 909995 combinado com o disposto no artigo 8ordf da Lei nordm 121532009

Agrave guisa de remate importa registrar que dispensar as audiecircncias de conciliaccedilatildeo no acircmbito dos Juizados Especiais da Fazenda Puacuteblica re-vela-se natildeo somente contraacuterio ao interesse puacuteblico reflexivo aos valores constitucionais dominantes ao direito ao devido processo legal e acesso agrave justiccedila mas tambeacutem viola as normas especiais concernentes ao proce-dimento sumariacutessimo dos Juizados Especiais que natildeo prevecirc esta dispensa ao criteacuterio do magistrado

8 REFEREcircNCIASALESSI R Principi di Diritto Amministrativo vol I Milatildeo Giuffre 1966

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Audiecircncia de conciliaccedilatildeo no acircmbito dos Juizados Especiais da Fazenda Puacuteblica a indispensaacutevel concretizaccedilatildeo do acesso agrave ordem juriacutedica justa

125Revista Novatio 1ordf ediccedilatildeo ndash 2020

Poder Judiciaacuterio do Estado da Bahia ISBN 978-65-89459-01-9

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WAMBIER T A A Breves Comentaacuterios ao novo Coacutedigo de Processo Civil 2 ed rev e atual Satildeo Paulo Editora Revista dos Tribunais 2016

Maria Joseacute Oliveira e Silva bull Nataacutelia Cavalcanti de Arauacutejo bull Paula Gargur Calmon Teixeira da Silva

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Desafios agrave aplicaccedilatildeo dos meacutetodos autocompositivos nas demandas

de sauacutede suplementar construindo novos caminhos de acesso agrave justiccedila

1 Advogada Poacutes-graduada em Direito Puacuteblico pelo CEJAS Poacutes-graduanda em Direito Meacutedico e Hospitalar pelo CPJUR Integra a Comissatildeo Especial de Direito Meacutedico e da Sauacutede da OABBA Coordenadora executiva do Grupo de Pesquisa ldquoDiaacutelogos sobre Advocacia Consensual em Direito Meacutedicordquo promovido pela OABBA

2 Advogado Graduado em Direito pela Faculdade Baiana de Direito (2020) Poacutes-gra-duando em Direito Meacutedico da Sauacutede e Bioeacutetica pela Faculdade Baiana de Direito Membro do grupo de pesquisa ldquoDiaacutelogos sobre Advocacia Consensual em Direito Meacutedicordquo promovido pela OABBA

3 Advogado Poacutes-graduado em Direito Puacuteblico pela Faculdade Baiana de Direito e poacutes-graduando em Direito Processual Civil pela Faculdade Damaacutesio Integra a Co-missatildeo Especial de Direito Meacutedico e da Sauacutede da OABBA Coordenador acadecircmico do Grupo de Pesquisa ldquoDiaacutelogos sobre Advocacia Consensual em Direito Meacutedicordquo promovido pela OABBA Autor de artigos cientiacuteficos publicados

Gabriela Silva Sady1

Henrique Costa Princhak2

Lucas Macedo Silva3

Resumo O presente artigo se propotildee a examinar a aplicaccedilatildeo dos meacute-todos autocompositivos como caminho eficaz para garantir acesso agrave justiccedila nas demandas de sauacutede suplementar Com o fito de com-preender a profundidade temaacutetica eacute realizada uma anaacutelise acerca dos impactos positivos da consensualidade bem como do atual cenaacuterio brasileiro no qual predomina a cultura do litiacutegio examinando os de-safios sociais e institucionais para a sua aplicaccedilatildeo Ademais busca in-vestigar quais as dificuldades existentes da aplicabilidade destas teacutec-nicas de resoluccedilatildeo de conflito no acircmbito dos litiacutegios que envolvem as operadoras de sauacutede e os usuaacuterios do serviccedilo Por fim impende delinear uma nova visatildeo de acesso agrave justiccedila nas demandas de sauacutede suplementar no ordenamento juriacutedicos brasileiro

Palavras-chave Meacutetodos autocompositivos consensualidade cultu-ra do litiacutegio acesso agrave justiccedila sauacutede suplementar

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1 INTRODUCcedilAtildeOHaacute uma inegaacutevel crise no Poder Judiciaacuterio causada pelo excesso no

nuacutemero de demandas e pela carecircncia de recursos humanos e materiais para uma prestaccedilatildeo jurisdicional mais eficiente Nesse contexto o crescen-te ajuizamento de processos judiciais decorrentes de relaccedilotildees de sauacutede criou o fenocircmeno denominado de ldquojudicializaccedilatildeo da sauacutederdquo A excessiva busca ao Judiciaacuterio para dirimir questotildees de sauacutede atinge tanto o setor da sauacutede puacuteblica quanto o segmento privado da sauacutede suplementar sendo este uacuteltimo o objeto de melhor anaacutelise do presente trabalho

Nesta senda o Judiciaacuterio tem encontrado dificuldade em responder adequada e tempestivamente as demandas envolvendo operadoras de pla-nos de sauacutede e seus consumidores que vatildeo desde pleitos de coberturas de procedimentos a revisotildees de reajustes considerados abusivos As relaccedilotildees de sauacutede lidam com bens juriacutedicos com especial proteccedilatildeo constitucional tais como a vida e a integridade fiacutesica e emocional O cenaacuterio atual de as-soberbamento de processos tem dificultado o acesso agrave justiccedila por parte do usuaacuterio do plano o que potencialmente pode causar danos irreparaacuteveis

Acredita-se que os meacutetodos autocompositivos que promovem a re-soluccedilatildeo da controveacutersia pelas proacuteprias partes interessadas podem ser um caminho interessante para a reduccedilatildeo da quantidade de processos judiciais e ao mesmo tempo garantir o acesso agrave justiccedila agrave populaccedilatildeo Apesar de o sistema juriacutedico paacutetrio jaacute se preocupar com o fomento agrave via consensual como se observa exemplificativamente pela Resoluccedilatildeo nordm 1252010 do CNJ e pelo Coacutedigo de Processo Civil de 2015 ainda satildeo notados desafios agrave implementaccedilatildeo dos meacutetodos consensuais nos Tribunais de Justiccedila paacutetrios

Partindo-se desse problema o presente trabalho tem como objetivo central analisar os impactos positivos que os meios consensuais podem acarretar ao Judiciaacuterio e os eventuais obstaacuteculos que satildeo encontrados para a sua efetivaccedilatildeo A relevacircncia do trabalho eacute indubitaacutevel consideran-do a necessidade de se buscar alternativas para a crise do Poder Judiciaacuterio sobretudo no que diz respeito agrave judicializaccedilatildeo da sauacutede O trabalho utiliza o meacutetodo hipoteacutetico-dedutivo uma vez que parte de fundamentos teoacuteri-cos e praacuteticos de forma geneacuterica para alcanccedilar a soluccedilatildeo especiacutefica Foram utilizadas referecircncias bibliograacuteficas nacionais levando em consideraccedilatildeo trabalhos reconhecidos na aacuterea para verticalizar a discussatildeo pertinente objetivo proposto Apesar de natildeo ter a intenccedilatildeo de esgotar o debate este trabalho pretende enriquecer o debate no sentido de posicionar os meacute-todos de autocomposiccedilatildeo como um caminho soacutelido e interessante para o acesso agrave justiccedila

Gabriela Silva Sady bull Henrique Costa Princhak bull Lucas Macedo Silva

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2 A APLICABILIDADE DOS MEacuteTODOS AUTOCOMPOSITIVOS NO PODER JUDICIAacuteRIO

A intervenccedilatildeo do Poder Judiciaacuterio durante muitos anos figurou como uacutenico modo de efetivaccedilatildeo de direitos e deveres dos cidadatildeos natildeo apenas na visatildeo dos leigos como tambeacutem para grande parte dos juristas (MARQUES 2020) De fato o Magistrado atraveacutes da anaacutelise dos autos e da formaccedilatildeo do seu convencimento pessoal possui competecircncia para decidir quem possui razatildeo em cada aspecto da disputa Esse conteuacutedo decisoacuterio natildeo apenas coloca fim a um impasse mas tambeacutem eacute considerado como um dos mais importantes papeacuteis exercidos pelo Poder Judiciaacuterio o meacuteto-do tradicional de soluccedilatildeo dos conflitos potencial promotor da paz social (FIORELLI MANGINI 2017)

Diante desse entendimento passou-se a compreender o Judiciaacuterio como o singular meio de se concretizar o direito ao acesso agrave justiccedila nos termos do direito fundamental agrave inafastabilidade do Poder Judiciaacuterio pre-visto no art 5ordm XXXV da Constituiccedilatildeo Federal de 1988 A compreensatildeo do acesso agrave justiccedila como uma prestaccedilatildeo predominantemente prestacional do Estado fez com que se buscassem caminhos para concretizaccedilatildeo dessa garantia constitucional A partir daiacute emergiu a Lei Federal nordm 909995 que instituiu os Juizados Especiais e Criminais no acircmbito da justiccedila comum com o intuito de promover a celeridade e a economia processual nas de-mandas de menor complexidade e com valores econocircmicos abaixo de quarenta vezes o salaacuterio miacutenimo

No entanto essa mentalidade litigante gerou em pouco tempo uma enxurrada de processos judiciais assoberbando o Poder Judiciaacuterio com questotildees das mais variadas aacutereas Sem orccedilamento estrutura de material e de matildeo de obra o esgotamento do sistema judicial foi um caminho inevi-taacutevel Diante disso natildeo se apresenta razoaacutevel enxergar o processo como a uacutenica forma de se buscar a resoluccedilatildeo de um determinado conflito (NALINI 2017) Nesse contexto os meacutetodos autocompositivos emergem enquanto caminhos alternativos e por vezes mais adequados agrave via tradicional de soluccedilatildeo dos conflitos Entende-se por autocompositivos os meacutetodos pelos quais ambas ou uma das partes da controveacutersia dispondo livremente so-bre o seu direito relativizam alguns de seus interesses de maneira unilate-ral ou bilateral total ou parcial em prol do desfecho do conflito

Em 2010 o Conselho Nacional de Justiccedila ndash CNJ publicou a Resolu-ccedilatildeo nordm 1252010 a qual instituiu o tratamento adequado dos conflitos como uma poliacutetica puacuteblica do Poder Judiciaacuterio nacional A partir disso foi

Desafios agrave aplicaccedilatildeo dos meacutetodos autocompositivos nas demandas de sauacutede suplementar construindo novos caminhos de acesso agrave justiccedila

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incluiacutedo como dever dos oacutergatildeos judiciaacuterios a disponibilizaccedilatildeo de meios consensuais de soluccedilatildeo de controveacutersias aleacutem de promover atendimento e ampla divulgaccedilatildeo e orientaccedilatildeo dos cidadatildeos sobre as vantagens dessas outras vias Desde entatildeo foram realizados diversos atos afirmativos tais como a formaccedilatildeo e treinamento dos servidores conciliadores e mediado-res auxiacutelio aos tribunais regionais na implantaccedilatildeo e gerenciamento dos nuacutecleos consensuais dentre outros (CUNHA LESSA NETO 2016)

O Coacutedigo de Processo Civil de 2015 consolidou a mudanccedila do pa-radigma tradicional que entendia a jurisdiccedilatildeo estatal como porta uacutenica de resoluccedilatildeo de conflitos para um sistema de justiccedila multiportas Pelo diploma legislativo processual natildeo haacute hierarquizaccedilatildeo entre a utilizaccedilatildeo da via judicial para as demais formas de soluccedilotildees de controveacutersias ficando a escolha a cargo dos interessados no exerciacutecio da sua autonomia privada salvo algumas exceccedilotildees (DIDIER JR ZANETI JR 2017) O CPC de 2015 em seu art 3ordm dispotildee que todos os agentes do Judiciaacuterio devem estimular a conciliaccedilatildeo a mediaccedilatildeo os demais meacutetodos de soluccedilatildeo consensual de conflitos Os meacutetodos consensuais deixam de ser um caminho alternativo para ser integrado ao proacuteprio sistema de resoluccedilatildeo de conflitos incluindo todo o sistema de justiccedila na empreitada de promover a consensualidade sempre que for possiacutevel e adequado (CUNHA LESSA NETO 2016)

O grande oacutebice agrave efetivaccedilatildeo dessas vias consensuais recai na cultura do litiacutegio fortemente enraizada na cultura brasileira o que gerou a crise judiciaacuteria exposta anteriormente Revela-se fundamental o fomento aos meacutetodos de autocomposiccedilatildeo no sentido de estimular que os interessados tentem entre si resolver as suas proacuteprias controveacutersias Desse modo soacute se recorreria ao Judiciaacuterio quando do esgotamento das tentativas amigaacuteveis de soluccedilatildeo de modo que a justiccedila estatal eacute que se tornaria o caminho al-ternativo (CUNHA LESSA NETO 2016)

Feita essa anaacutelise em relaccedilatildeo agrave ascensatildeo dos meacutetodos alternativos de resoluccedilatildeo de conflito no ordenamento juriacutedico brasileiro mostra-se evi-dente o entendimento do legislador paacutetrio acerca da relevacircncia de serem pensados novos caminhos para a promoccedilatildeo do acesso agrave justiccedila natildeo soacute do ponto de vista prestacional mas tambeacutem enquanto valor social a ser defendido Nesse cenaacuterio de crescente valorizaccedilatildeo da consensualidade cumpre analisar de forma mais detida os impactos positivos da consen-sualidade no contexto da cultura de excessiva litigacircncia que ainda domina no territoacuterio brasileiro

Gabriela Silva Sady bull Henrique Costa Princhak bull Lucas Macedo Silva

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21 A CULTURA DO LITIacuteGIO DESAFIOS SOCIAIS E INSTITUCIO-NAIS

Parte-se da premissa de que o conflito eacute algo inerente a condiccedilatildeo humana A convivecircncia em sociedade faria surgir inevitavelmente con-flitos das mais diversas ordens e niacuteveis de complexidade Nos casos de menor complexidade acredita-se que natildeo seria necessaacuteria uma interven-ccedilatildeo do Poder Judiciaacuterio (TRIGO et al 2017) Eacute relevante acrescentar que os conflitos natildeo devem ser vistos apenas com o vieacutes negativo Se por um lado os conflitos tendem a indicar que algo estaacute errado ou podem ensejar consequecircncias indesejadas Por outro eles tambeacutem permitem uma maior consciecircncia de organizaccedilatildeo capacidade de lidar com problemas futuros fortalecimento da relaccedilatildeo aleacutem de serem prenuacutencios de uma necessidade de mudanccedila e adaptaccedilatildeo (LEWICKI SAUNDERS BARRYS 2014)

A cultura do litiacutegio aqui entendida como a busca ao Judiciaacuterio de forma excessiva e para a resoluccedilatildeo de todo e qualquer conflito estaacute en-raizada na sociedade brasileira Essa forma de pensar que se sobrepotildee a mentalidade do consenso ignora diversas possibilidades que poderiam dar fim agravequele determinado conflito de maneira mais eficiente ceacutelere e menos custosa (TRIGO et al 2017) Como consequecircncia o fenocircmeno da judicializaccedilatildeo eacute notado quando conflitos de grande repercussatildeo social ou poliacutetica passam a ser decididos pelo Poder Judiciaacuterio ao inveacutes de pelas instacircncias tradicionalmente poliacuteticas a saber o Congresso Nacional e o Poder Executivo (BARROSO 2010)

Em verdade esta natildeo eacute uma realidade exclusiva do Brasil A litigacircncia excessiva tambeacutem tem estado presente no contexto latino-americano no-tadamente apoacutes o periacuteodo da redemocratizaccedilatildeo dos paiacuteses latinos com o consequente retorno da prestaccedilatildeo jurisdicional No entanto o demasiado nuacutemero de processos judiciais acaba por ensejar dentre outros prejuiacutezos sociais a instabilidade e inseguranccedila juriacutedicas no sistema judicial estatal Uma soluccedilatildeo agraves incertezas do Judiciaacuterio seria a utilizaccedilatildeo dos meacutetodos alternativos de resoluccedilatildeo de conflito como a mediaccedilatildeo e a conciliaccedilatildeo (BRAGANCcedilA 2020)

Cabe ressaltar o compromisso assumido pelo Poder Judiciaacuterio Brasi-leiro na I Reuniatildeo de Cuacutepula Ibero-Americana de Presidentes dos Tribunais de Justiccedila e dos Supremos Tribunais Federais em 1998 de promoccedilatildeo de mecanismos alternativos de soluccedilatildeo de conflitos com o fito de que garan-tir o acesso dos cidadatildeos agrave justiccedila (FERNANDES 2017) Embora exista este compromisso inclusive com a Resoluccedilatildeo nordm 1252010 do CNJ ainda natildeo

Desafios agrave aplicaccedilatildeo dos meacutetodos autocompositivos nas demandas de sauacutede suplementar construindo novos caminhos de acesso agrave justiccedila

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se verifica na praacutetica uma aplicaccedilatildeo que contemple de forma satisfatoacuteria e eficaz os meacutetodos autocompositivos no acircmbito dos tribunais estaduais O Tribunal de Justiccedila do Estado da Bahia jaacute iniciou a implementaccedilatildeo das praacuteticas alternativas de resoluccedilatildeo de conflitos Nesse contexto da campa-nha nacional promovida pelo CNJ foram instalados os Centros Judiciais de Soluccedilatildeo Consensual de Conflitos ndash CEJUSC vinculado agraves Varas Ciacuteveis e de Consumo de Salvador

Ademais destaca-se que o Coacutedigo de Eacutetica e Disciplina da Ordem dos Advogados do Brasil estabelece como dever do advogado ldquoestimular a conciliaccedilatildeo entre os litigantes prevenindo sempre que possiacutevel a instau-raccedilatildeo de litiacutegiosrdquo Nesse sentido ressalta-se o papel da OAB de incentivar divulgar e fomentar os meacutetodos consensuais de resoluccedilatildeo de conflitos Observa-se que a Advocacia Geral da Uniatildeo nos uacuteltimos anos vem reali-zando um trabalho de incentivo aos meacutetodos alternativos de resoluccedilatildeo de conflitos com a criaccedilatildeo da Cacircmara de Conciliaccedilatildeo e Arbitragem Federal (FERNANDES 2017)

Haacute que se notar um avanccedilo do Legislativo no reconhecimento da importacircncia dos meacutetodos autocompositivos o que se observa por meio da ediccedilatildeo de normas especiacuteficas tais como o Coacutedigo de Processo Civil de 2015 e a Lei Federal nordm 131402015 proporcionando a participaccedilatildeo de outros agentes na composiccedilatildeo dos conflitos (TRIGO et al 2017) Contudo revela-se fundamental tambeacutem uma atuaccedilatildeo do Executivo no sentido de promoccedilatildeo de poliacuteticas puacuteblicas efetivas para incentivar a consensualidade Eacute preciso que se inclua a proacutepria sociedade nos debates criacuteticos por meio de audiecircncias puacuteblicas por exemplo para que os indiviacuteduos possam com-preender as vantagens da consensualidade e evitar recorrer ao Judiciaacuterio para demandas que podem ser resolvidas amigavelmente (VASCONCE-LOS 2012)

Observa-se que o ordenamento juriacutedico atribui a todos que com-potildeem o sistema juriacutedico e poliacutetico nacional o dever de promover os meios consensuais para se garantir o acesso agrave justiccedila e a consecuccedilatildeo dos direi-tos fundamentais constitucionalmente previstos No entanto quando no acircmbito do Judiciaacuterio haacute certa carecircncia de estrutura institucional que na realidade faacutetica transforma as tentativas conciliatoacuterias em mero cumpri-mento formal natildeo havendo preparo para conseguir realizar uma efetiva autocomposiccedilatildeo entre as partes

Gabriela Silva Sady bull Henrique Costa Princhak bull Lucas Macedo Silva

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22 O IMPACTO POSITIVO DA CONSENSUALIDADE

No contexto de crise do Poder Judiciaacuterio diversos aspectos prejudi-cam o acesso agrave justiccedila por parte dos cidadatildeos O contexto de excessiva judicializaccedilatildeo descortina o atraso na prestaccedilatildeo jurisdicional o arcaiacutesmo das estruturas de administraccedilatildeo judicial os custos processuais elevados a desigualdade de tratamento aos jurisdicionados a imprevisibilidade da justiccedila dentre outras situaccedilotildees A premente necessidade de resoluccedilatildeo dos processos daacute causa agrave estandardizaccedilatildeo das decisotildees judiciais as quais acabam se constituindo como modelos preacute-fixados e desconexos da rea-lidade (BARBOSA MENEZES 2013) Vecirc-se que o foco eacute na finalizaccedilatildeo do processo e natildeo na resoluccedilatildeo material do conflito entre as partes

Nesta senda o estiacutemulo agrave consensualidade eacute uma alternativa para mitigar as dificuldades encontradas na justiccedila estatal apresentando uma via menos custosa mais ceacutelere e mais eficiente para ambas as partes Aleacutem disso a autocomposiccedilatildeo tende a propiciar maior sensaccedilatildeo de justiccedila para os interessados o que resulta em agilidade no cumprimento das obriga-ccedilotildees pactuadas (FERNANDES 2017)

Cumpre salientar que a Resoluccedilatildeo nordm 12510 do Conselho Nacional de Justiccedila estabelece como princiacutepios fundamentais norteadores dos conciliadores e mediadores judiciais a ldquoconfidencialidade decisatildeo infor-mada competecircncia imparcialidade independecircncia e autonomia respeito agrave ordem puacuteblica e agraves leis vigentes empoderamento e validaccedilatildeordquo Desta forma tais princiacutepios devem balizar a conduta dos agentes consensuais para que seja possiacutevel promover o diaacutelogo entre as partes e consequente-mente proporcionar a conciliaccedilatildeo de interesses

Diversas satildeo as teacutecnicas de resoluccedilatildeo extrajudicial de conflitos No acircmbito do Judiciaacuterio as mais usuais satildeo a conciliaccedilatildeo e a mediaccedilatildeo as quais tentam possibilitar que as partes encontrem juntas uma soluccedilatildeo paciacutefica ao conflito antes de a mateacuteria ser decidida pelo terceiro impar-cial Privilegia-se entatildeo a comunicaccedilatildeo entre os interessados e se faculta agrave possibilidade de eles mesmos construiacuterem o caminho que entendem mais justo (MAGALHAtildeES MAGALHAtildeES 2020)

Neste sentido pode-se defender que um acordo fruto da autocom-posiccedilatildeo de interesses tende a ser mais eficaz para a soluccedilatildeo do conflito do que uma decisatildeo judicial Isto porque as partes tendem a cumprir volunta-riamente as suas obrigaccedilotildees considerando que estas foram instituiacutedas no acircmbito da autonomia privada Ademais nos meacutetodos autocompositivos

Desafios agrave aplicaccedilatildeo dos meacutetodos autocompositivos nas demandas de sauacutede suplementar construindo novos caminhos de acesso agrave justiccedila

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permite-se uma maior proximidade com a vontade das partes conflitan-tes o que costuma gerar empatia e compreensatildeo Por ser uma soluccedilatildeo conjunta o cumprimento do acordo tende a ocorrer de maneira espontacirc-nea (FALCAtildeO 2006)

O que se acredita eacute que uma decisatildeo imposta agraves partes pelo magis-trado terceiro alheio agrave realidade do problema acaba ensejando desvanta-gens para todos os interessados A construccedilatildeo dialoacutegica reduz a sensaccedilatildeo de desconfianccedila e evita maior desgaste na relaccedilatildeo havida Observa-se a busca pela ampliaccedilatildeo do acesso agrave justiccedila tentando encontrar e solucionar o problema em si e natildeo somente o processo Aleacutem disso haacute que se ter em mente que uma estrutura soacutelida que contemple os meacutetodos consensuais de resoluccedilatildeo de conflitos melhoraria tambeacutem a atividade dos magistrados uma vez que estes poderiam dispender mais tempo e atenccedilatildeo para casos mais complexos que dependam inevitavelmente de sua apreciaccedilatildeo

3 A AUTOCOMPOSICcedilAtildeO COMO CAMINHO PARA O ACESSO Agrave JUSTICcedilA NAS DEMANDAS DE SAUacuteDE SUPLEMENTAR

A sauacutede suplementar aqui compreendida como atividade econocircmi-ca em sentido estrito regida por regras e princiacutepios de direito privado possui permissivo legal no ordenamento juriacutedico brasileiro assegurado pelo artigo 197 da Constituiccedilatildeo Federal de 1988 (FREITAS 2018) Nessa modalidade de assistecircncia agrave sauacutede como satildeo estabelecidas regras e orien-taccedilotildees filiadas aos princiacutepios da livre iniciativa e concorrecircncia o Legislador considerou importante resguardar ao Poder Puacuteblico a competecircncia para regulamentar fiscalizar e controlar este setor notadamente no intuito de evitar a mercantilizaccedilatildeo da sauacutede e impor limites agrave excessiva busca por lucro naturalizada pelas empresas (LOBATO 2010)

Hodiernamente o setor de sauacutede suplementar brasileiro eacute consi-derado um dos maiores sistemas privados do mundo e a atividade das operadoras de planos de sauacutede revela-se imprescindiacutevel ao acesso agrave sauacute-de (FREITAS 2018) Contudo ainda assim sua regulamentaccedilatildeo soacute foi ob-jeto de legislaccedilatildeo especiacutefica em 1998 com o advento da Lei Federal nordm 965698 em resposta agraves necessidades mercadoloacutegicas e contratuais ad-vindas dos conflitos e instabilidades decorrentes do longo periacuteodo sem regulamentaccedilatildeo (LAVECCHIA 2019) Ato contiacutenuo no ano de 2000 por intermeacutedio da Lei Federal nordm 996100 foi criada a agecircncia reguladora es-peciacutefica para resguardar a atividade do setor a Agecircncia Nacional de Sauacutede Suplementar (ANS)

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Eacute importante perceber a existecircncia de dois momentos regulatoacuterios distintos que contribuiacuteram juntos para o surgimento de um expressivo nuacutemero de conflitos entre operadoras e seus usuaacuterios No primeiro cenaacute-rio havia ausecircncia total de normas de regulamentaccedilatildeo e posteriormente mesmo com a criaccedilatildeo da ANS esta exercia a funccedilatildeo regulatoacuteria de forma insuficiente chegando a ratificar praacuteticas abusivas ateacute entatildeo cometidas livremente pelas operadoras Com isso aos usuaacuterios natildeo restou alternativa senatildeo buscar o Judiciaacuterio para ver efetivados os direitos que entendiam possuir Desde entatildeo o fenocircmeno da judicializaccedilatildeo no setor da sauacutede suplementar passou a ser uma realidade e ateacute hoje as demandas judiciais aumentam ano a ano e se concentram principalmente em questotildees rela-cionadas a coberturas e reajustes (TRETTEL 2009)

Outro fator que contribui de forma significativa para a crescente ju-dicializaccedilatildeo do setor descansa nas caracteriacutesticas de vulnerabilidade e hi-possuficiecircncia dos beneficiaacuterios De fato grande parte dos consumidores sequer compreende os termos do que contrata com as operadoras de modo que apenas com o surgimento do imbroacuteglio decorrente de even-tual negativa de cobertura ou majoraccedilatildeo do valor da mensalidade eacute que a temaacutetica passa a ganhar especial atenccedilatildeo Desse modo como na maioria dos casos as operadoras tambeacutem natildeo se mostram interessadas em prestar efetivos esclarecimentos aos consumidores nas tratativas que precedem a contrataccedilatildeo tampouco em oferecer soluccedilotildees extrajudiciais para os con-flitos eventualmente advindos o litiacutegio novamente se apresenta como inevitaacutevel

Contudo como jaacute visto a resposta oferecida pelo Estado-Juiz atraveacutes do conteuacutedo decisoacuterio nem sempre se mostra como medida mais eficaz ao asseguramento do acesso agrave sauacutede e da garantia ao correspondente direito fundamental Natildeo satildeo raras as situaccedilotildees de descumprimento a decisotildees judiciais provisoacuterias ou definitivas que por versarem sobre bens juriacutedicos inestimaacuteveis ndash sauacutede e vida ndash acabam sendo esvaziadas pela ir-reparabilidade dos danos advindos eacute o que ocorre exemplificativamente nos casos em que o beneficiaacuterio vai a oacutebito antes do cumprimento da ordem judicial Eacute nesse cenaacuterio que os meacutetodos autocompositivos ndash no-tadamente por ensejarem menor nuacutemero de descumprimento do que os preceitos judiciais ndash revelam-se enquanto alternativa potencialmente ca-paz de reduzir essa disparidade de armas e viabilizar o alcance de soluccedilotildees mais efetivas (RIBEIRO 2018)

Desafios agrave aplicaccedilatildeo dos meacutetodos autocompositivos nas demandas de sauacutede suplementar construindo novos caminhos de acesso agrave justiccedila

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Ao se tentar colocar em praacutetica a autocomposiccedilatildeo como meacutetodo de soluccedilatildeo de conflitos nas demandas envolvendo planos de sauacutede revela--se de iniacutecio uma latente dificuldade a ser superada qual seja a usual indisponibilidade das operadoras de se mostrarem dispostas agrave consen-sualidade Isso porque na qualidade de grandes empresas estas estatildeo acostumadas com a logiacutestica estrutural de priorizar o lucro persistindo em muitos casos a dificuldade de compreender o serviccedilo ofertado como um serviccedilo natildeo apenas de caraacuteter essencial mas principalmente que tem por objeto bens indisponiacuteveis como a vida e inestimaacuteveis como a sauacutede

Por essa razatildeo eacute que a relaccedilatildeo travada entre as operadoras de planos de sauacutede e os seus usuaacuterios natildeo pode ser encarada e interpretada exclusi-vamente como consumerista ou mercantil notadamente quando se tem em mente que desde a formaccedilatildeo do viacutenculo o contratante jaacute estaacute em uma posiccedilatildeo de vulnerabilidade teacutecnica Isto porque a maioria dos con-tratos firmados pelas operadoras de sauacutede possuem o caraacuteter adesivo de modo que o consumidor natildeo possui a prerrogativa de se insurgir contra claacuteusulas que entenda desfavoraacuteveis ou abusivas Essa vulnerabilidade ini-cial eacute posteriormente acentuada quando haacute a tentativa de efetiva utiliza-ccedilatildeo do serviccedilo e a operadora de sauacutede nega ou cria os mais diversos tipos de oacutebices ao cumprimento do contrato (LAVECCHIA 2019)

No aspecto extrajudicial exemplificativamente a praacutetica descortina que a grande maioria das operadoras de planos de sauacutede natildeo se mostra disponiacutevel a negociar ou minimamente buscar soluccedilotildees consensuais para os conflitos retomando a antiga e tradicional premissa de necessidade de intervenccedilatildeo judicial para resoluccedilatildeo dos litiacutegios Impende registrar aliaacutes que mesmo com a propositura da demanda judicial que nos moldes atuais implica na necessaacuteria realizaccedilatildeo de audiecircncia de conciliaccedilatildeo as empresas de plano de sauacutede se mostram bastante resistentes agrave tentativa de autocomposiccedilatildeo natildeo se dispondo sequer a apresentar propostas de acordo

Apesar do esforccedilo do legislador em incluir os meacutetodos de autocom-posiccedilatildeo na realidade do Judiciaacuterio o que se tem encontrado eacute a preo-cupaccedilatildeo em cumprir apenas o requisito formal da conciliaccedilatildeo Eacute o que sustentam Baptista e Amorim (2014) quando apontam

O movimento em favor da conciliaccedilatildeo de iniacutecio tido como inovador natildeo se consagra em mais de uma deacutecada e meia e surge na atuali-dade uma nova onda em favor da mediaccedilatildeo tal qual aconteceu em passado com a conciliaccedilatildeo As esperanccedilas seriam de que a conciliaccedilatildeo

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mostrasse a necessidade de mudanccedilas eficazes que introduzissem uma justiccedila de aproximaccedilatildeo entre o direito e os cidadatildeos bastante distinta da concedida pela praacutetica advinda da legislaccedilatildeo processual tradicional Mas ao contraacuterio esta tradiccedilatildeo ainda exerce predomiacutenio sobre as inovaccedilotildees a exemplo do que aconteceu apoacutes a introduccedilatildeo da ldquoconciliaccedilatildeo intraprocessualrdquo nos juizados especiais pois neles o formato concebido como ldquoconciliaccedilatildeordquo natildeo vingou

Desse modo torna-se possiacutevel afirmar que a simples introduccedilatildeo da conciliaccedilatildeo como um ato processual formal e obrigatoacuterio sem uma efetiva educaccedilatildeo que possibilitasse a mudanccedila de mentalidade natildeo se mostra eficaz (BAPTISTA AMORIM 2014)

O estudo estatiacutestico realizado por Lavecchia (2019) no acircmbito do Tri-bunal de Justiccedila do Estado de Satildeo Paulo demonstra que o percentual de decisotildees favoraacuteveis agraves pretensotildees dos consumidores eacute altiacutessimo de modo que na grande maioria dos casos as operadoras de sauacutede acabam sendo compelidas a reconhecerem o direito dos segurados Diante disso vecirc-se que a operadora de sauacutede mesmo tendo ciecircncia das suas obrigaccedilotildees de-cide cumprir apenas apoacutes determinaccedilatildeo judicial o que agrava os iacutendices de judicializaccedilatildeo

Para que os meacutetodos autocompositivos possam ser consolidados no acircmbito da sauacutede suplementar eacute necessaacuterio que em um primeiro mo-mento o Judiciaacuterio exija e condene pedagogicamente agraves operadoras de sauacutede por litigacircncia de maacute-feacute por causarem a sobreutilizaccedilatildeo da maacutequina judiciaacuteria A partir disso deve-se construir institucionalmente um modelo de consensualidade que permita o efetivo diaacutelogo entre as partes no sentido de se promover a conciliaccedilatildeo de interesses Como visto nos casos envolvendo sauacutede suplementar os consumidores encontram-se em uma situaccedilatildeo ainda mais vulneraacutevel por terem a sua vida e integridade fiacutesica ou psiacutequica expostas motivo pelo qual a autocomposiccedilatildeo se apresenta como o melhor caminho para uma soluccedilatildeo ceacutelere eficaz e justa

4 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS

Ao final da pesquisa percebe-se que a implementaccedilatildeo de meacutetodos autocompositivos nas demandas que tecircm por objeto conflitos decorren-tes da relaccedilatildeo contratual existente entre as operadoras de planos de sauacutede e seus usuaacuterios representa uma alternativa interessante para reduzir o fe-nocircmeno da judicializaccedilatildeo da sauacutede suplementar Em primeiro plano ten-do em vista que a consensualidade reduz de forma significativa os iacutendices

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de descumprimento do pactuado e homologado quando em comparaccedilatildeo com as decisotildees judiciais mas tambeacutem por garantir aos envolvidos na controveacutersia a possibilidade de alcanccedilar soluccedilotildees mais justas e eficazes para ambas as partes O desafio inicial eacute enfrentar natildeo apenas a forte pre-dominacircncia da cultura do litiacutegio que inegavelmente tem impactado a relaccedilatildeo entre as operadoras e os beneficiaacuterios mas tambeacutem a falta de incentivo agrave consensualidade seja por parte da reguladora seja por parte das grandes empresas do setor

Aleacutem disso atraveacutes de uma efetiva e adequada implementaccedilatildeo dos meacutetodos autocompositivos nas demandas de sauacutede suplementar certa-mente seria alcanccedilada em consequecircncia uma significativa reduccedilatildeo do abarrotamento do Poder Judiciaacuterio devolvendo-o o papel de ultima ratio como pacificador social Para que isso efetivamente se concretize faz-se imperiosa uma transformaccedilatildeo de mentalidade por parte das operadoras dos usuaacuterios dos seus representantes e do proacuteprio Poder Judiciaacuterio para que este uacuteltimo deixe de ser visto e compreendido exclusivamente como solucionador de litiacutegios e passe a ser encarado como verdadeiro centro de harmonizaccedilatildeo e pacificaccedilatildeo social

REFEREcircNCIASBAPTISTA Baacuterbara Gomes Lupetti AMORIM Maria Stella de Quando direitos alternativos

viram obrigatoacuterios Burocracia e tutela na administraccedilatildeo de conflitos In Revista An-tropoliacutetica nordm 37 Niteroacutei 2 sem 2014

BARBOSA Caacutessio Modenesi MENEZES Daniel Francisco Nagatildeo Jurimetria buscando um referencial teoacuterico Revista Intelecttus Ano IV nordm 24 2013 Disponiacutevel em Acesso em 05 nov de 2020

BARROSO Luis Roberto Judicializaccedilatildeo Ativismo judicial e legitimidade democraacutetica Re-vista da EMARF Cadernos Temaacuteticos dez 2010 Disponiacutevel em wwwtrf2govbremarfdocumentsrevistaemarfseminariopdf Acesso em 05 nov de 2020

BRAGANCcedilA Fernanda Da cultura do litiacutegio para ADR os verdadeiros bastidores dessa mudanccedila Revista de Formas Consensuais e Resoluccedilatildeo de Conflitos v 06 nordm 01 2020 Disponiacutevel em httpsindexlaworgindexphprevistasolucoesconflitosarti-cleview6385 Acesso em 05 nov de 2020

BRASIL Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica Federativa do Brasil de 1988 Disponiacutevel em ltwwwplanaltogovbr ccivil_03constituicaoconstituicaohtmgt Acesso em 15 nov 2020

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Gabriela Silva Sady bull Henrique Costa Princhak bull Lucas Macedo Silva

138 Revista Novatio 1ordf ediccedilatildeo ndash 2020

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_____ Ordem dos Advogados COacuteDIGO DE EacuteTICA E DISCPLINA DA OAB Disponiacutevel em httpswwwoaborgbrcontentpdflegislacaooabcodigodeeticapdf Acesso em 05 nov de 2020

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CUNHA Leonardo Carneiro da LESSA NETO Joatildeo Luiz Mediaccedilatildeo e conciliaccedilatildeo no poder Judiciaacuterio e o Novo Coacutedigo de Processo Civil In Novo CPC doutrina selecionada v 1 parte geral Salvador Juspodivm 2016

DIDIER JR Fredie ZANETI JR Hermes Justiccedila multiportas e tutela constitucional adequada autocomposiccedilatildeo em Direitos Coletivos In Justiccedila Multiportas mediaccedilatildeo concilia-ccedilatildeo arbitragem e outros meios de soluccedilatildeo adequada para conflitos Salvador Juspodivm 2016

FALCAtildeO Joaquim Movimento pela conciliaccedilatildeo Revista Conjutura Econocircmicav 60 nordm 09 Fundaccedilatildeo Getuacutelio Vargas 2006 Disponiacutevel em httpbibliotecadigitalfgvbrojsindexphprcearticleview2752626401 Acesso em 05 nov de 2020

FERNANDES Tarsila Ribeiro Marques In Manual de Negociaccedilatildeo Baseado na Teoria de Harvard Advocacia ndash Geral da Uniatildeo Escola da Advocacia-Geral da Uniatildeo Ministro Victor Nunes Leal Brasiacutelia 2017 Disponiacutevel em httpwwwmpspmpbrportalpageportaldocumentacao_e_divulgacaodoc_bibliotecabibli_servicos_produtosBibliotecaDigitalBibDigitalLivrosTodosOsLivrosManual-de-negociacao-baseado--na-teoria-Harvardpdf Acesso em 05 nov de 2020

FILPO Klever Paulo Leal Redescobrindo os meacutetodos autocompositivos de soluccedilatildeo de con-flitos em tempos de COVID-19 In Rev Augustus | ISSN 1981-1896 | Rio de Janeiro | v25 nordm 51 p 183-197 julout 2020

FIORELLI Joseacute Osmir MANGINI Rosana Cathya Rangazzoni Psicologia juriacutedica 8ed Satildeo Paulo Atlas 2017

FREITAS Marco Antocircnio Barbosa de Tutelas Provisoacuterias Individuais nos Contratos de Plano de Sauacutede Editora Lumen Juris RJ 2018

LEWICKI Roy J SAUNDERS David M BARRYS Bruce Fundamentos de Negociaccedilatildeo AMGH Editora 5ordf Ediccedilatildeo 2014

MAGALHAtildeES NETO Floriano Benevides de MAGALHAtildeES Lilese Barroso Benevides de Con-ciliaccedilatildeo no Brasil anaacutelise de sua repercussatildeo na celeridade e efetividade da Justiccedila Revista de Direito da ADVOCEF Porto Alegre ADVOCEF v1 n30 2020 Disponiacutevel em httpswwwadvoceforgbrwp-contentuploads202010miolo_RD-30-sitepdf Acesso em 05 nov de 2020

MARQUES Renata Grazielle Ferratildeo O papel dos meacutetodos autocompositivos para o po-der puacuteblico no ordenamento juriacutedico brasileiro como forma de acesso agrave Justiccedila In FIDES Natal V 11 nordm 1 janjun 2020

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NALINI Joseacute Renato Eacute urgente construir alternativas agrave justiccedila In Justiccedila Multiportas mediaccedilatildeo conciliaccedilatildeo arbitragem e outros meios de soluccedilatildeo adequada para conflitos Salvador Juspodivm 2016 PEDROSO Joseane Ceolin Mariani de Andrade A importacircncia da conciliaccedilatildeo e mediaccedilatildeo como ferramenta extrajudicial de in-serccedilatildeo aos meacutetodos alternativos para resoluccedilatildeo de conflitos relatos do nuacutecleo de praacutetica de mediaccedilatildeo do curso de direito da fames 10ordf Jornada de Pesquisa e 9ordf Extensatildeo do Curso de Direito 2018 Disponiacutevel em httpmetodistacentenariocombrjornada-de-direitoanais10a-jornada-de-pesquisa-e-9a-jornada-de-exten-sao-do-curso-de-direitoartigosrelatos-de-experiencianucleo-de-pratica-de-me-diacao_famespdf Acesso em 05 nov de 2020

SANTOS Beniacutecio Fagner Conciliaccedilatildeo e mediaccedilatildeo efetividade da autocomposiccedilatildeo no CEJUSC das Varas de Famiacutelia de Salvador ndash BA Universidade do Sul de Santa Catarina 2019 Disponiacutevel em httpsriuniunisulbrbitstreamhandle123457920BENc38dCIO20FAGNER20DO20SANTOS20-20versc3a3ordm20final20apc3b3s20defesapdfsequence=1ampisAllowed=y Acesso em 05 nov de 2020

TRETTEL DANIELA BATALHA Planos de sauacutede na Justiccedila o direito agrave sauacutede estaacute sendo efetivado Estudo do posicionamento dos Tribunais Superiores na anaacutelise dos conflitos entre usuaacuterios e operadoras de planos de sauacutede 2009

TRIGO Beatriz et al Poliacuteticas puacuteblicas para mitigaccedilatildeo da cultura do litiacutegio no Brasil Direito e Sociedade Rev Estudos Juriacutedicos e Interdisciplinares Catanduva ndash SP v 12 nordm 1 jandez 2017 Disponiacutevel em httpunifipacombrsitedocumentosrevistasdireitodir_2017_vol12_n1pdfpage=72 Acesso em 05 nov de 2020

VASCONCELOS Camila Responsabilidade meacutedica e judicializaccedilatildeo na relaccedilatildeo meacutedico--paciente Revista Bioeacutetica 2012 v 20 n3 p389-396Disponiacutevel em httpwwwredalycorgpdf3615361533260002pdf Acesso em 05 nov 2020

Gabriela Silva Sady bull Henrique Costa Princhak bull Lucas Macedo Silva

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Inovaccedilotildees tecnoloacutegicas no direito uma anaacutelise da (im)possibilidade de citaccedilatildeo

por aplicativos de mensagem instantacircnea nos Juizados Especiais Ciacuteveis da Bahia

1 Advogada Bacharela em Direito pela Universidade do Estado da Bahia ndash UNEB Poacutes--graduanda em Direito Constitucional Aplicado pela Faculdade Legale

2 Bacharel em Direito pela Universidade do Estado da Bahia Poacutes-graduando em Direi-to Processual Civil pela Pontifiacutecia Universidade Catoacutelica do Rio de Janeiro ndash PUC-RJ

3 Bacharela em Direito pela Universidade do Estado da Bahia ndash UNEB Poacutes-graduanda em Direito Constitucional Aplicado e Direito Previdenciaacuterio pela Faculdade Legale

Amanda Leite Souza Alves1

Lucas Duailibe Maia2

Mariely Lago Vianna Nogueira3

Resumo As constantes inovaccedilotildees tecnoloacutegicas que surgem com o passar dos tempos no mundo tem provocado grandes alteraccedilotildees na dinacircmica da sociedade Nesse contexto o presente artigo ao partir da premissa de que o Direito deve se adequar a realidade social para natildeo se tornar inoacutecuo a esta pretende com vistas a garantir sobre-tudo uma prestaccedilatildeo jurisdicional mais ceacutelere investigar com pro-fundidade e inteireza acerca da possibilidade de se realizar citaccedilotildees por aplicativos de mensagens instantacircneas no acircmbito dos Juizados Especiais Ciacuteveis da Bahia Para tanto este escrito que se divide em trecircs partes busca em suas duas primeiras realizar respectivamente breves apontamentos sobre a inter-relaccedilatildeo entre tecnologia e o Direi-to bem como a respeito do instituto processual da citaccedilatildeo para que assim diante de um cenaacuterio mais cognosciacutevel possa-se em sua uacutelti-ma parte enfrentar o aludido questionamento de modo a examinar a viabilidade da referida modalidade desta citaccedilatildeo e suas provaacuteveis implicaccedilotildees

Palavras-chave direito tecnologia juizados citaccedilatildeo whatsapp

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1 CONSIDERACcedilOtildeES INICIAIS

A informatizaccedilatildeo do Poder Judiciaacuterio brasileiro eacute uma realidade de deacutecadas a qual se iniciou com a implementaccedilatildeo do processo digital Con-tudo atualmente as inovaccedilotildees tecnoloacutegicas jaacute implementadas pelos tri-bunais mostram-se insuficientes para atender a certas demandas de uma sociedade cada vez mais imediatista e conectada agrave realidade digital Nesse sentido nota-se a necessidade latente do Poder Judiciaacuterio adotar novas ferramentas digitais que sejam capazes de conjugar a celeridade almejada com a seguranccedila juriacutedica necessaacuteria

Dentre as inovaccedilotildees socialmente requisitadas destaque-se o uso de aplicativos de mensagem instantacircnea para proceder agrave comunicaccedilatildeo de atos processuais em especial de intimaccedilatildeo e citaccedilatildeo no acircmbito dos Juizados Especiais cujo rito eacute regido pelos princiacutepios da simplicidade e ce-leridade Embora o Conselho Nacional de Justiccedila (CNJ) tenha reconhecido a possibilidade do uso da plataforma WhatsApp para proceder intimaccedilotildees desde que regulamentado pelos tribunais ainda natildeo haacute consenso sobre a viabilidade eou validade da citaccedilatildeo realizado por meio dessa ferramenta

Essa temaacutetica mostra-se de suma importacircncia tanto aos profissionais da aacuterea juriacutedica quanto a todos os cidadatildeos munidos do direito funda-mental do acesso agrave justiccedila tendo em vista que a adoccedilatildeo de aplicativos de mensagem instantacircnea no rito dos Juizados Especiais Ciacuteveis deve atender aos princiacutepios da celeridade e simplicidade mas sem gerar prejuiacutezos ao princiacutepio da seguranccedila juriacutedica No tocante agrave metodologia utilizada na ela-boraccedilatildeo deste escrito optou-se pelo uso da pesquisa qualitativa uma vez que eacute pautada em subjetividades aplicada pelo intuito de gerar conhe-cimento para aplicaccedilotildees praacuteticas na resoluccedilatildeo de problemas exploratoacuteria cujo objetivo eacute gerar familiaridade com o tema e bibliograacutefica pois as fon-tes de pesquisa constituem mateacuterias jaacute publicadas como livros e artigos

Nesse diapasatildeo o presente artigo visa analisar a possibilidade juriacutedi-ca de o ato citatoacuterio ser realizado atraveacutes de aplicativo de mensagem ins-tantacircnea no acircmbito dos Juizados Especiais tendo em vista os princiacutepios regentes da celeridade e simplicidade Com o intuito de alcanccedilar esse ob-jetivo geral traccedilaram-se trecircs objetivos especiacuteficos que se fazem os toacutepicos deste artigo sendo estes os seguintes i) realizar um breve levantamento sobre as implementaccedilotildees de recursos tecnoloacutegicos pelo Poder Judiciaacuterio ii) elucidar a importacircncia do ato citatoacuterio para a integralizaccedilatildeo da lide iii) analisar o cabimento ou natildeo da realizaccedilatildeo do ato citatoacuterio por aplicativos de mensagem instantacircnea

Amanda Leite Souza Alves bull Lucas Duailibe Maia bull Mariely Lago Vianna Nogueira

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2 INOVACcedilOtildeES TECNOLOacuteGICAS E O DIREITO BREVES APON-TAMENTOS

Nos uacuteltimos tempos o avanccedilo tecnoloacutegico eacute cada vez mais frequente e impactante O uso da internet e das demais tecnologias decorrentes des-ta demonstra mais um cenaacuterio da revoluccedilatildeo cientiacutefica vivenciada Eacute neste contexto que o Poder Judiciaacuterio brasileiro tambeacutem foi acometido por tais mudanccedilas em especial pela informatizaccedilatildeo do processo judicial

Segundo Boaventura de Sousa Santos (2005 p 90-91) as novas tec-nologias de comunicaccedilatildeo e de informaccedilatildeo tecircm enorme potencial de trans-formaccedilatildeo do sistema judicial em diversos acircmbitos dentre os quais estatildeo na administraccedilatildeo e gestatildeo da justiccedila na transformaccedilatildeo do exerciacutecio das profissotildees juriacutedicas e na democratizaccedilatildeo do acesso ao direito agrave justiccedila

Sobre o primeiro ponto as novas tecnologias teriam um efeito posi-tivo em face da celeridade e eficaacutecia dos processos judiciais ao melhorar os recursos humanos as secretarias e agendas judiciais tornar mais eficaz a tramitaccedilatildeo dos feitos facilitar o acesso agraves fontes dentre outros fatores Por conseguinte o segundo ponto permitiria a maior circulaccedilatildeo da infor-maccedilatildeo e portanto um direito e justiccedila mais proacuteximo e transparente Ao exemplificar o autor admite que a facilidade do acesso agraves bases de da-dos juriacutedicos e agraves informaccedilotildees fundamentais para o exerciacutecio de direitos permite o exerciacutecio de um conjunto de direitos e deveres dos cidadatildeos (SANTOS 2005 p 91)

Nesta perspectiva a informatizaccedilatildeo do processo judicial teria como um dos objetivos a promoccedilatildeo de uma justiccedila mais aacutegil ceacutelere e mais efi-ciente com o uso avanccedilado da tecnologia e disseminaccedilatildeo do computador tanto para as partes do processo quanto para o proacuteprio Poder Judiciaacuterio Entatildeo os processos ao se tornarem eletrocircnicos poderiam tornar mais aacutegil a distribuiccedilatildeo e tramitaccedilatildeo dos feitos aleacutem de ocasionar uma melhor ges-tatildeo e controle do andamento dos processos e por consequecircncia aumen-taria a produccedilatildeo de julgados (HINO CUNHA 2020 p 02)

Segundo Hino e Cunha (2020 p 09) foi a instituiccedilatildeo dos Juizados Es-peciais Federais por meio da Lei 102592001 que deu iniacutecio ao processo de informatizaccedilatildeo do Poder Judiciaacuterio Para o autor o uso da tecnologia de informaccedilatildeo ocasionou o desenvolvimento dos sistemas de comunica-ccedilatildeo dos atos processuais permitiu o envio de peticcedilotildees eletrocircnicas sem a apresentaccedilatildeo das peccedilas originais fiacutesicas propiciou a realizaccedilatildeo de sessotildees virtuais e o desenvolvimento de soluccedilotildees para suportar a instruccedilatildeo da lide

Inovaccedilotildees tecnoloacutegicas no direito uma anaacutelise da (im)possibilidade de citaccedilatildeo por aplicativos de mensagem instantacircnea nos Juizados Especiais Ciacuteveis da Bahia

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Inclusive no mesmo ano houve a legalizaccedilatildeo da assinatura digital por meio dos certificados digitais

No entanto embora a instituiccedilatildeo dos Juizados Federais tenha impor-tado uma alteraccedilatildeo no cenaacuterio brasileiro foi apenas em 2004 que houve uma grande mudanccedila no Poder Judiciaacuterio como um todo quando o Tribu-nal Regional Federal (TRF) da 4ordf Regiatildeo autorizou a substituiccedilatildeo dos seus processos fiacutesicos pelos autos eletrocircnicos Dois anos depois em 2006 a Lei nordm 11419 dispocircs sobre a informatizaccedilatildeo do processo digital e possibilitou o uso de meios eletrocircnicos na tramitaccedilatildeo de processos judiciais A partir deste ato os tribunais passaram de forma gradativa a implantar as novas accedilotildees (ALVARES 2012 apud HINO CUNHA 2020 p09)

E embora tais fatos tenham propiciado a informatizaccedilatildeo processual a independecircncia administrativa de cada tribunal ocasionou uma variedade na adoccedilatildeo dos sistemas de gerenciamento dos processos eletrocircnicos Sendo assim apenas em 2011 com uma parceria do Conselho Nacional de Justiccedila (CNJ) e da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) houve o lanccedilamento do Processo Judicial eletrocircnico (PJe) Dois anos apoacutes o CNJ determinou por meio da Resoluccedilatildeo nordm 185 que os tribunais desenvolvessem um plano e um cronograma de implantaccedilatildeo do PJe4 (HINO CUNHA 2020 p 09)

Inobstante a tentativa de padronizaccedilatildeo do CNJ a referida Resoluccedilatildeo natildeo previu a obrigatoriedade do formato do PJe o que permitiu a exis-tecircncia de outros sistemas de tramitaccedilatildeo eletrocircnica nos tribunais Assim existem diversas plataformas eletrocircnicas diferentes (e-SAJ Themis Projudi dentre outros) nos diversos oacutergatildeos do Poder Judiciaacuterio ainda que estas tenham objetivo de facilitar o acompanhamento processual dos casos (OLIVEIRA CUNHA 2020 p 14)

Todavia a estrateacutegia para melhorar a prestaccedilatildeo jurisdicional atraveacutes da tecnologia poderia ser eficaz natildeo apenas para produzir informaccedilatildeo sobre as atividades judiciais como tambeacutem mecanismo de acesso agrave Jus-ticcedila Isto porque nos processos judiciais digitais por exemplo o impacto eacute direto no tempo de tramitaccedilatildeo do processo devido ao seu formato eacute tambeacutem pelo meio digital que haacute uma maior transparecircncia e agilidade no acompanhamento dos processos Observe-se que segundo Chemin

4 Eacute interessante destacar que de acordo com Hino e Cunha (2020 p09) a partir do ano de 2015 o CNJ passou a emitir o relatoacuterio Justiccedila em Nuacutemeros com destaques acerca da produtividade avanccedilos de informatizaccedilatildeo dentre outros fatores a respeito da atuaccedilatildeo do Poder Judiciaacuterio

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Harley e Panter (2017) apud Oliveira e Cunha (2020 p 06) no relatoacuterio publicado pelo Banco Mundial em 2017 os resultados de reformas dos Judiciaacuterios realizados em diversos paiacuteses dentre eles o Brasil modernizou as instituiccedilotildees do sistema de Justiccedila e produziu resultados em menor tem-po e com maior impacto ao medir o desempenho das instituiccedilotildees

Ademais outra inovaccedilatildeo tecnoloacutegica que deve ser destacada eacute o uso de robocircs para captura de informaccedilotildees Tais meios registram a movimenta-ccedilatildeo processual como despachos atas de audiecircncia sentenccedilas e acoacuterdatildeos e jaacute satildeo utilizados por alguns escritoacuterios de advocacia Para tanto os robocircs se conectam aos sistemas do processo eletrocircnico ao utilizar dados vaacutelidos para o sistema ou seja em grande parte dados de um dos soacutecios dos es-critoacuterios (HINO CUNHA 2020 p 21)

Outro ponto a ser suscitado eacute a mudanccedila na atuaccedilatildeo mentalidade e produccedilatildeo dos magistrados diante da introduccedilatildeo de computadores e sistemas digitais Segundo Fernando Fontainha (2012) citado por Oliveira e Cunha (2020 p 16) tais meios tecnoloacutegicos impactaram a prestaccedilatildeo jurisdicional e levaram ao surgimento de um novo tipo de juiz o ldquojuiz-em-preendedorrdquo que tem como interesse fundamental a gestatildeo dos tribunais e cumprir as metas quantitativas impostas pelo CNJ ao inveacutes de se atentar agrave atividade para qual foi selecionado e treinado a prestaccedilatildeo jurisdicional No entanto Oliveira e Cunha (2020 p 16) apontam que

Apesar da existecircncia de processos digitais e do uso de ferramentas como protocolos eletrocircnicos e videoconferecircncias ou do aplicativo de mensagens WhatsApp para realizar intimaccedilotildees judiciais o foco estaacute na gestatildeo das atividades e natildeo no impacto que o Judiciaacuterio tem na sociedade

Diante do exposto embora a informatizaccedilatildeo tenha propiciado diver-sas mudanccedilas no cenaacuterio juriacutedico brasileiro haacute muito para se discutir acer-ca do processo e desenvolvimento de sua implantaccedilatildeo Para aleacutem de todo o contexto que representa a virtualizaccedilatildeo dos processos diante de um paiacutes dotado de desigualdades socioeconocircmicas e culturais eacute importante debater quais os meacutetodos tecnoloacutegicos e o modo como seratildeo adotados pelos operadores do Direito (SANTOS FILHO PEREIRA OLIVEIRA 2017) Isto porque no acircmbito dos Juizados Especiais se espera uma justiccedila ainda mais aacutegil ceacutelere e eficiente e o uso de certos meios para alcanccedilar esse fim pode problematizar institutos processuais presentes tanto no Coacutedigo de Processo Civil quanto na Lei 90991995 ndash que dispotildee sobre os Juizados Especiais Ciacuteveis e Criminais

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Neste trabalho o intuito eacute propiciar uma reflexatildeo acerca da possibili-dade do uso das tecnologias dos aplicativos de mensagens instantacircneas em especial o WhatsApp como meio haacutebil a efetivar o ato citatoacuterio nos processos dos Juizados Especiais do Estado da Bahia Logo da anaacutelise do contexto juriacutedico brasileiro eacute perceptiacutevel a utilizaccedilatildeo destes meios nos Juizados de outros Estados para efetivar citaccedilotildees e intimaccedilotildees das partes processuais eou de seus representantes legais

3 A CITACcedilAtildeO NOS JUIZADOS ESPECIAIS CIacuteVEIS CONCEITO E MODALIDADES

A fim de investigar com mais inteireza e profundidade a problemaacuteti-ca a que este artigo se propotildee a examinar a saber a possibilidade ou natildeo da realizaccedilatildeo do ato citatoacuterio por aplicativos de mensagem instantacircnea nos Juizados Especiais Ciacuteveis da Bahia revela-se necessaacuterio preliminar-mente compreender determinadas premissas acerca do instituto da cita-ccedilatildeo Para tanto passa-se sem mais delongas ao exame do conceito e das modalidades do referido ato processual

A citaccedilatildeo conforme se extrai do art 238 do CPC155 eacute o ato proces-sual de comunicaccedilatildeo pelo qual satildeo convocados o reacuteu o executado ou o interessado para integrar a relaccedilatildeo processual

Agrave vista de tal conceito cumpre destacar sob o prisma da Constituiccedilatildeo Federal mais especificamente do art 5ordm LV da CF886 que a citaccedilatildeo tem a importante incumbecircncia de iniciar o momento no qual o requerido pode-raacute exercer seu direito ao contraditoacuterio e agrave ampla defesa

Aleacutem desta o professor Fredie Didier (2016 p 615) a partir de uma visatildeo mais procedimental aponta que o referido ato apresenta uma dupla funccedilatildeo sendo estas as seguintes ldquoa) in ius vacatio convocar o sujeito a juiacutezo b) edictio actionis cientificar-lhe do teor da demandardquo

Nesse diapasatildeo cumpre ressaltar que apesar de o aludido doutri-nador e o proacuteprio dispositivo infraconstitucional supramencionado se utilizarem do verbo ldquoconvocarrdquo tal expressatildeo natildeo se demonstra como a

5 Art 238 do CPC15 ldquoCitaccedilatildeo eacute o ato pelo qual satildeo convocados o reacuteu o executado ou o interessado para integrar a relaccedilatildeo processualrdquo

6 Art 5ordm LV da CF ldquoaos litigantes em processo judicial ou administrativo e aos acu-sados em geral satildeo assegurados o contraditoacuterio e ampla defesa com os meios e recursos a ela inerentesrdquo

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mais adequada uma vez que a citaccedilatildeo natildeo convoca o demandado tendo em vista que natildeo depende de sua vontade mas sim o integra de forma automaacutetica e coercitiva a relaccedilatildeo juriacutedica processual (NEVES 2018 p411)

Assim sendo se infere ser mais adequado o conceito ensinado por Alexandre de Freitas Cacircmara (2017 p129) o qual a ldquocitaccedilatildeo eacute pois o ato pelo qual algueacutem eacute convocado a integrar um processo dele se tornando parte independentemente de sua vontaderdquo

Ademais jaacute quanto agraves modalidades de ato citatoacuterio se depreende a partir da leitura dos incisos do art 18 da Lei nordm 909995 que a citaccedilatildeo po-deraacute ser efetuada no acircmbito dos Juizados Especiais Ciacuteveis de trecircs formas sendo estas as seguintes

I ndash por correspondecircncia com aviso de recebimento em matildeo proacutepria II ndash tratando-se de pessoa juriacutedica ou firma individual mediante en-trega ao encarregado da recepccedilatildeo que seraacute obrigatoriamente iden-tificado III ndash sendo necessaacuterio por oficial de justiccedila independente-mente de mandado ou carta precatoacuteria

Nesse contexto se observa que a referida legislaccedilatildeo permite a uti-lizaccedilatildeo de quase todas as modalidades de atos citatoacuterios previstos no art 2467 do Coacutedigo de Processo Civil salvo a citaccedilatildeo por edital a qual eacute expressamente vedada pelo sect 2ordm do referido artigo8 no contexto dos juizados

A respeito desta vedaccedilatildeo Flaacutevio Oliacutempio de Azevedo (2013) bem explica que o legislador infraconstitucional optou por esse oacutebice porque esta modalidade ao se revelar muito custosa complexa e demorada vio-lava diversos princiacutepios inerentes aos Juizados Especiais sobretudo os da simplicidade informalidade e celeridade estabelecidos no art 2ordm da Lei dos Juizados Especiais9

7 Art 246 do CPC ldquoA citaccedilatildeo seraacute feita I ndash pelo correio II ndash por oficial de justiccedila III ndash pelo escrivatildeo ou chefe de secretaria se o citando comparecer em cartoacuterio IV ndash por edital V ndash por meio eletrocircnico conforme regulado em leirdquo

8 Art 18 sect 2ordm da Lei nordm 909995 ldquoNatildeo se faraacute citaccedilatildeo por editalrdquo

9 Art 2ordm da Lei nordm 909995 ldquoArt 2ordm O processo orientar-se-aacute pelos criteacuterios da orali-dade simplicidade informalidade economia processual e celeridade buscando sempre que possiacutevel a conciliaccedilatildeo ou a transaccedilatildeordquo

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Nessa seara caso haja a necessidade de realizar uma citaccedilatildeo por edi-tal em um processo que tramita no juizado os autos devem ser enviados ao distribuidor para que accedilatildeo seja distribuiacuteda a uma das varas comuns

Esse eacute o entendimento que se extrai da jurisprudecircncia paacutetria

EMENTA CONFLITO DE COMPETEcircNCIA ndash ACcedilAtildeO DECLARATOacuteRIA ndash CI-TACcedilAtildeO POR EDITAL ndash IMPOSSIBILIDADE NO JUIZADO ESPECIAL ndash COMPETEcircNCIA DO JUIacuteZO COMUM ldquoA Lei nordm 909995 prevecirc ex-pressamente que natildeo se admite a citaccedilatildeo por edital no acircmbi-to dos juizados especiais Havendo necessidade de citaccedilatildeo por edital a competecircncia seraacute da Justiccedila Comum (TJMG ndash Conflito de Competecircncia 1000019134327-6000 Relator (a) Des(a) Kildare Carvalho 4ordf CAcircMARA CIacuteVEL julgamento em 14052020 publicaccedilatildeo da suacutemula em 15052020) (grifo nosso)

Ainda acerca desta temaacutetica cumpre pontuar que parte minoritaacuteria da doutrina como Ricardo Cunha Chimenti (2012 p165) adverte que tal vedaccedilatildeo natildeo eacute absoluta uma vez que a partir do teor do art 53 sect 4ordm da referida lei10 se constata que eacute possiacutevel a feitura do ato citatoacuterio ao proces-so de execuccedilatildeo que tramitem nos juizados

Esse tambeacutem eacute a compreensatildeo que se retira do Enunciado 37 do FO-NAJE o qual afirma que

Em exegese ao art 53 sect 4ordm da Lei 909995 natildeo se aplica ao pro-cesso de execuccedilatildeo o disposto no art 18 sect 2ordm da referida lei sen-do autorizados o arresto e a citaccedilatildeo editaliacutecia quando natildeo encon-trado o devedor observados no que couber os arts 653 e 654 do Coacutedigo de Processo Civil (grifo nosso)

Aleacutem do mais ainda se nota a partir do jaacute mencionado inciso III do art18 da Lei nordm 909995 que a citaccedilatildeo por oficial de justiccedila existente no CPC eacute adaptada para a realidade dos juizados especiais de modo a dis-pensar algumas de suas formalidades11 com vistas agrave concretizaccedilatildeo espe-cialmente do princiacutepio da informalidade que se faz um dos norteadores do sistema em comento

10 Art 53 sect 4ordm da Lei nordm 909995 ldquo4ordm Natildeo encontrado o devedor ou inexistindo bens penhoraacuteveis o processo seraacute imediatamente extinto devolvendo-se os documentos ao autorrdquo

11 Flaacutevio Oliacutempio de Azevedo (2013) afirma que haacute por exemplo a dispensa da neces-sidade de mandado ou de carta precatoacuteria para a citaccedilatildeo por oficial de justiccedila nos juizados

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Por fim cabe destacar que o sect 3ordm do art 18 da Lei dos Juizados12 ado-ta regra idecircntica agrave contida no art 239 sect 1ordm do CPC13 na qual se estabelece que o comparecimento espontacircneo da pessoa do citando supre eventual falta ou nulidade da citaccedilatildeo de forma a se privilegiar desta forma o prin-ciacutepio da economia processual

4 A REALIZACcedilAtildeO DE CITACcedilAtildeO POR APLICATIVO DE MENSA-GENS INSTANTAcircNEAS UMA ANAacuteLISE DE SUA (IM)POSSIBI-LIDADE NO AcircMBITO DOS JUIZADOS ESPECIAIS CIacuteVEIS DA BAHIA

Conforme explicitado anteriormente o sistema processual brasileiro tem passado nas uacuteltimas deacutecadas pelo importante processo de informa-tizaccedilatildeo destacando-se como modificaccedilatildeo propulsora a tramitaccedilatildeo das accedilotildees judiciais por meio eletrocircnico indistintamente nas aacutereas ciacutevel penal e trabalhista nos Juizados Especiais e em qualquer grau de jurisdiccedilatildeo

Em decorrecircncia do grande avanccedilo tecnoloacutegico nos meios de comu-nicaccedilatildeo da popularizaccedilatildeo de alguns destes em especial os aplicativos de mensagens instantacircneas e da incessante busca pela celeridade proces-sual alguns operadores do Direito como magistrados e advogados tecircm defendido a possibilidade de que a comunicaccedilatildeo eletrocircnica dos atos de intimaccedilatildeo e citaccedilatildeo judiciais seja realizada atraveacutes desse meio digital al-ternativo sempre que possiacutevel Esse posicionamento eacute mais veemente no acircmbito dos Juizados Especiais tendo em vista os princiacutepios regentes da simplicidade informalidade economia processual e celeridade previstos no art 2ordm da lei 90991995

A comunicaccedilatildeo dos atos eletrocircnicos eacute regulamentada pela Lei nordm 114192006 a qual dispotildee sobre a informatizaccedilatildeo do processo judicial es-tabelecendo portanto paracircmetros que validam tanto os atos de comuni-caccedilatildeo quanto agrave transmissatildeo de peccedilas processuais e a tramitaccedilatildeo das accedilotildees judiciais O art 9ordm da lei 1141906 prevecirc que ldquono processo eletrocircnico todas as citaccedilotildees intimaccedilotildees e notificaccedilotildees inclusive da Fazenda Puacuteblica seratildeo feitas por meio eletrocircnico na forma desta Leirdquo ressaltando em seu

12 Art18 sect 3ordm da Lei nordm 909995 ldquoO comparecimento espontacircneo supriraacute a falta ou nulidade da citaccedilatildeordquo

13 Art 239 sect 1ordm do CPC15 ldquo sect 1ordm O comparecimento espontacircneo do reacuteu ou do execu-tado supre a falta ou a nulidade da citaccedilatildeo fluindo a partir desta data o prazo para apresentaccedilatildeo de contestaccedilatildeo ou de embargos agrave execuccedilatildeordquo

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sect 1ordm que ldquoas citaccedilotildees intimaccedilotildees notificaccedilotildees e remessas que viabilizem o acesso agrave iacutentegra do processo correspondente seratildeo consideradas vista pessoal do interessado para todos os efeitos legaisrdquo

Embora natildeo se tenha a previsatildeo expressa sobre a possibilidade de in-timaccedilatildeo ou citaccedilatildeo por aplicativo de mensagem instantacircnea como desta-cado acima haacute magistrados que defendem e se utilizam dessa ferramenta para realizar atos de comunicaccedilatildeo processual Nesse sentido o Conselho Nacional de Justiccedila (CNJ) no ano de 2017 julgou procedente o Procedi-mento de Controle Administrativo (PCA) 0003251-9420162000000 no qual o requerente Gabriel Consigliero Lessa14 juiz de direito da comarca de PiracanjubaGoiaacutes pleiteou a ratificaccedilatildeo integral da Portaria Conjunta nordm 012015 do Juizado Especial Ciacutevel e Criminal da Comarca de Piracan-jubaGO e da Ordem dos Advogados do Brasil apoacutes o Tribunal de Justiccedila de Goiaacutes por meio de sua Corregedoria ter proibido o uso do WhatsApp como ferramenta de comunicaccedilatildeo dos atos processuais A conselheira Dal-dice Santana relatora do referido PCA em seu voto ressaltou que tanto os princiacutepios orientadores dos Juizados quanto a sua competecircncia de con-ciliar processar e julgar causas de menor complexidade satildeo pilares que visam ldquoampliar o acesso agrave justiccedila garantindo a prestaccedilatildeo jurisdicional ade-quada efetiva e tempestiva para o tratamento do conflito apresentadordquo

Natildeo obstante o entendimento do CNJ ser direcionado para a pos-sibilidade de intimaccedilatildeo das partes por meio de aplicativo de mensagem instantacircnea e desde que haja anuecircncia preacutevia de ambas conforme os termos da Portaria Conjunta nordm 012015 acima citada a juiacuteza Deborah Ca-valcante de Oliveira Salomatildeo Guarines em 2017 agrave eacutepoca titular da 2ordf Vara da Comarca de Maranguape no Cearaacute deferiu o pleito da parte autora para proceder agrave citaccedilatildeo da parte reacute por meio de telefone ou pelo uso do aplicativo de WhatsApp

De acordo com as informaccedilotildees fornecidas no portal do Tribunal de Justiccedila do Cearaacute a magistrada defende que a citaccedilatildeo pode ser realizada por qualquer meio de comunicaccedilatildeo idocircneo atraveacutes do oficial de justiccedila o qual eacute dotado de feacute puacuteblica com fulcro na previsatildeo do art 13 sect 2ordm da Lei 90999515 Frisa-se que neste caso houve anteriormente ao menos duas

14 O magistrado Gabriel Consigliero Lessa foi homenageado na ediccedilatildeo XII do Precircmio Innovare 2015 em virtude da implementaccedilatildeo da praacutetica de intimaccedilatildeo eletrocircnica via plataforma Whatsapp

15 Art 13 sect 3ordm A praacutetica de atos processuais em outras comarcas poderaacute ser solicitada por qualquer meio idocircneo de comunicaccedilatildeo

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tentativas de citaccedilatildeo presencial por oficial de justiccedila mas todas frustradas em decorrecircncia do desconhecimento do endereccedilo atual da demandada sendo a uacutenica certeza da demandante o nuacutemero de telefone daquela

Ao discorrer sobre a citaccedilatildeo eletrocircnica Neves (2018 p 643) pondera que ldquosendo a citaccedilatildeo ato essencial para a efetivaccedilatildeo dos princiacutepios cons-titucionais da ampla defesa e contraditoacuterio o endereccedilo eletrocircnico tem de ser informado pelo demandadordquo Nesse sentido por analogia questiona--se sobre a possiacutevel falta de seguranccedila juriacutedica aos envolvidos na accedilatildeo pois pode haver casos em que natildeo eacute possiacutevel saber se o nuacutemero telefocircnico fornecido pela parte autora realmente pertence a parte demandante ou caso pertenccedila se vai haver a efetiva entrega e leitura da citaccedilatildeo tendo em vista que haacute configuraccedilotildees dos aplicativos de mensagem instantacircnea que ocultam informaccedilotildees como ldquovisto por uacuteltimordquo ldquomensagem recebidardquo e ldquomensagem lidardquo

Ademais destacam-se as hipoacuteteses de se o demandado possui ou natildeo um smartphone16 se tem acesso ou natildeo agrave internet se tem o apli-cativo de mensagem instantacircnea instalado com boa funcionalidade e alguma periodicidade de acesso e leitura de mensagens De acordo com a reportagem de Rodrigo Loureiro publicada no portal eletrocircnico Exame uma pesquisa organizada em conjunto pelo Mobile Time Opinion Box e Infopib no ano de 2019 concluiu que o aplicativo WhatsApp era utilizado por 98 dos entrevistados o que significou um aumento de 1 em rela-ccedilatildeo aos resultados registrados no ano de 2018 Enquanto que os dados co-letados pela pesquisa Panorama Mobile Time Opinion Box ndash Mensageria no Brasil de 2020 os quais foram analisados pelo jornalista Fernando Pai-va mostram que 97 dos 2046 internautas17 entrevistados afirmaram que

16 Smartphone eacute um termo em inglecircs que significa em traduccedilatildeo livre telefone inte-ligente Utiliza-se esse vocaacutebulo para referir-se a modelos de celulares com tecno-logias avanccediladas os quais possibilitam que aplicativos sejam executados em um sistema operacional semelhante aos computadores

17 Nesta ediccedilatildeo foram entrevistados 2046 brasileiros com mais de 16 anos de idade que acessam a Internet e possuem celular respeitando as proporccedilotildees de gecircnero idade renda mensal e distribuiccedilatildeo geograacutefica desse grupo As entrevistas foram feitas on-line entre 7 e 28 de julho de 2020 Esta pesquisa tem validade estatiacutestica com margem de erro de 22 pontos percentuais e grau de confianccedila de 95 (PANORAMA 2020)

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possuiacuteam smartphones e 9918 deles utilizavam o aplicativo WhatsApp enquanto que 9519 afirmaram acessaacute-lo todos os dias

Natildeo obstante o nuacutemero de internautas entrevistados neste ano este montante representa pequena parte da populaccedilatildeo brasileira passiacutevel de compor uma lide judicial Os dados coletados refletem uma realidade so-cial facilmente constatada no cotidiano de muitos municiacutepios brasileiros qual seja o crescente nuacutemero de pessoas que possuem smartphones com acesso agrave internet seja ela moacutevel ou por Wi-Fi20 e com algum aplicativo de mensagem instantacircnea instalado com ecircnfase para o WhatsApp

Nesse diapasatildeo depreende-se que a possibilidade de implementa-ccedilatildeo de novas ferramentas digitais que possibilitem aos oficiais de justiccedila a realizaccedilatildeo do ato de citaccedilatildeo de modo mais ceacutelere e simplificado com reduccedilatildeo de custos e tempo morto do processo eacute uma realidade latente e que atenderaacute aos anseios sociais atuais Para tanto eacute imprescindiacutevel a ediccedilatildeo de regulamentaccedilatildeo preacutevia que garanta seguranccedila juriacutedica a todos os envolvidos

5 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS

Diante deste contexto tecnoloacutegico diversos aspectos positivos e ne-gativos podem ser destacados a partir da informatizaccedilatildeo do processo judicial Dentre os aspectos positivos pode se destacar a maior produtivi-dade acesso agrave informaccedilatildeo celeridade transparecircncia reduccedilatildeo de gastos preservaccedilatildeo do meio ambiente dentre outros Por outro lado os aspectos negativos estariam pautados na falta de padronizaccedilatildeo da informaccedilatildeo dificuldade de localizaccedilatildeo da informaccedilatildeo e de visualizaccedilatildeo da informaccedilatildeo dependecircncia de infraestrutura interna e externa e indisponibilidade den-tre outros fatores (HINO CUNHA 2020 p 15-24)

Embora a virtualizaccedilatildeo do processo seja objeto de criacuteticas sejam elas positivas ou negativas eacute indubitaacutevel a ascensatildeo da busca por meios alter-nativos no meio judicial Neste artigo em especial tratou-se dos meios

18 Universo de 1983 internautas que possuem smartphone

19 Universo de 1969 internautas que tecircm o WhatsApp instalado em seu smartphone

20 Wi-Fi eacute um termo em inglecircs que corresponde agrave forma abreviada de Wireless Fidelity ou fidelidade sem fio (traduccedilatildeo para o portuguecircs) que eacute um tipo de tecnologia a qual permite a conexatildeo sem fio entre vaacuterios dispositivos diferentes normalmente utilizado para o compartilhamento de internet

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alternativos para proceder agrave comunicaccedilatildeo dos atos processuais agraves partes uma vez que diante do cenaacuterio de avanccedilo tecnoloacutegico e de distanciamen-to social em virtude da Pandemia COVID-19 o uso dos aplicativos de men-sagem instantacircnea pode se tornar uma realidade progressiva no acircmbito dos Juizados Especiais

Da anaacutelise do exposto eacute perceptiacutevel que a comunicaccedilatildeo por meio eletrocircnico natildeo eacute algo tatildeo recente tendo em vista a regulamentaccedilatildeo da informatizaccedilatildeo do processo desde 2006 ou seja antes mesmo da vivecircncia da pandemia supracitada No entanto eacute a busca pelo uso do WhatsApp para proceder a comunicaccedilatildeo dos atos processuais que tem se mostrado cada vez mais presente e se relacionado com as necessidades dispostas pelo momento atual Isto se justifica ante a inter-relaccedilatildeo do ato requerido com os princiacutepios norteadores dos Juizados Especiais em especial o da celeridade e da simplicidade bem como pelas regras impostas pelas Leis 9009995 e 1141906

No ordenamento juriacutedico brasileiro eacute possiacutevel observar que esta ino-vaccedilatildeo com o passar dos anos tem tido uma melhor aceitaccedilatildeo pelos tri-bunais e juristas quando diz respeito agrave intimaccedilatildeo No entanto haacute muita divergecircncia e inseguranccedila quando se refere agrave citaccedilatildeo pois este eacute um ato cujo objetivo eacute integrar o Reacuteu ao processo e se mostra essencial para es-tabelecer a relaccedilatildeo processual e dar continuidade agrave accedilatildeo

Embora haja divergecircncia acerca do uso do aplicativo pode se tornar latente a necessidade do Poder Judiciaacuterio aderir agraves novas tecnologias para acompanhar as demandas sociais aperfeiccediloar a prestaccedilatildeo jurisdicional e promover o acesso agrave justiccedila Assim ainda que natildeo haja concordacircncia para utilizar o WhatsApp seja para intimaccedilatildeo ou citaccedilatildeo caso o Tribunal de Justiccedila do Estado da Bahia resolva se utilizar deste meio no acircmbito dos Juizados Especiais eacute imprescindiacutevel a existecircncia de uma regulamentaccedilatildeo para o ato

A essencialidade de se normatizar a utilizaccedilatildeo do aplicativo eacute justifi-caacutevel para padronizar a atuaccedilatildeo do Tribunal e garantir a seguranccedila juriacutedica na atividade de prestaccedilatildeo jurisdicional do Poder Judiciaacuterio Deste modo o uso desta tecnologia agrave revelia dos operadores do direito sem o devido cuidado ou seguimento de normas norteadoras pode se tornar prejudicial tanto ao acesso agrave justiccedila quanto ao devido processo legal ante agrave impos-sibilidade da plataforma garantir por si soacute a idoneidade da comunicaccedilatildeo entre o Estado e as partes

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Direito fundamental agrave saude e ativismo judicial uma anaacutelise da jurisprudecircncia

do Supremo Tribunal Federal

1 Poacutes-Doutoranda em Direito Puacuteblico pela Universidade Federal da Bahia Doutora em Direito pela Universidade Federal da Bahia Mestra em Novos Direitos pela Universi-dade Federal da Bahia Mestra em Famiacutelia na Sociedade Contemporacircnea pela Uni-versidade Catoacutelica do Salvador Poacutes-graduada em Civil e Processo Civil da Faculdade Baiana de Direito Poacutes-graduada em Relaccedilotildees Familiares e Contextos Sociais pela UCSAL Poacutes-graduada em Direito Canocircnico pala UCSal Poacutes-graduada em Atividade Judicante pela EMABUFBA Juiacuteza Formadora Tutora e Conteudista na Escola Nacio-nal de Formaccedilatildeo e Aperfeiccediloamento de Magistrados (ENFAM) Tutora e Conteudista da Escola Nacional de Magistrados (ENM) Formadora na Unicorp Tutora do Centro de Apoio agrave Magistratura Brasileira COVID 19 da ENFAM na temaacutetica Litigiosidade recorrente e sistema multiportas Atualmente exerce funccedilatildeo judicante na 6a Turma Recursal da Fazenda Puacuteblica em Salvador

2 Especialista em Direito Constitucional e Administrativo pela Escola Paulista de Di-reito Especialista em Ciecircncias Criminais pela Universidade Cacircndido Mendes Poacutes--graduanda em Direito Processual Civil pela Universidade Cacircndido Mendes Poacutes-gra-duanda em Direito Civil pela Escola Paulista de Direito Graduada em Direito pela Universidade Federal da Bahia

Ana Conceiccedilatildeo Barbuda Sanches Guimaratildees Ferreira1

Ana Baacuterbara Barbuda Ferreira Motta2

Resumo Os direitos fundamentais satildeo aqueles direitos essenciais a todo e qualquer indiviacuteduo decorrentes da dignidade da pessoa huma-na e protegidos constitucionalmente A doutrina classifica tais direitos em dimensotildees e ainda em status de direitos fundamentais No neo-constitucionalismo os direitos fundamentais ocupam posiccedilatildeo de gran-de relevacircncia irradiando a sua forccedila para todo o ordenamento juriacutedico O direito agrave sauacutede eacute considerado um direito fundamental de segunda dimensatildeo devendo portanto ser garantido atraveacutes de uma postura ativa do Estado com prestaccedilotildees positivas Neste ponto reside o debate acerca do papel do Judiciaacuterio na efetivaccedilatildeo desse direito com enfoque para a anaacutelise acerca do ativismo judicial e da autocontenccedilatildeo Para tan-to busca-se analisar a jurisprudecircncia do Supremo Tribunal Federal e os contornos de suas decisotildees envolvendo o direito fundamental agrave sauacutede

Palavras-chave Direitos fundamentais neoconstitucionalismo direito agrave sauacutede ativismo judicial jurisprudecircncia do STF

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1 INTRODUCcedilAtildeO

O direito agrave sauacutede sob a perspectiva da teoria geral dos direitos fun-damentais eacute considerado direito de segunda dimensatildeo de modo que se exige do Estado para sua concretizaccedilatildeo natildeo apenas um comportamento de abstenccedilatildeo e respeito mas sobretudo uma postura ativa e diligente que possa proporcionar a sua efetivaccedilatildeo para todos indiviacuteduos Nesse sentido ganha destaque a atuaccedilatildeo do Judiciaacuterio na efetivaccedilatildeo desse direito visto que de um lado integra o chamado ldquomiacutenimo existencialrdquo e de outro lado a teoria da ldquoreserva do possiacutevelrdquo passa a ser sustentada por atores estatais

Todo esse debate relaciona-se com o papel do Judiciaacuterio na consoli-daccedilatildeo de direitos fundamentais aflorando a discussatildeo acerca do ativismo judicial A jurisprudecircncia sobretudo do Supremo Tribunal Federal que em muito orienta a atuaccedilatildeo dos magistrados tem estabelecido alguns paracirc-metros acerca de casos relacionados ao direito agrave sauacutede Nesse sentido nos Juizados de Fazenda Puacuteblica casos relacionados a este direito fundamen-tal passam a ocupar lugar de destaque havendo um acreacutescimo expressivo nos uacuteltimos tempos notadamente com a pandemia instalada no nosso paiacutes desde marccedilo de 2020

Para a compreensatildeo do tema eacute basilar compreender qual a posiccedilatildeo desse direito no nosso ordenamento juriacutedico como direitos fundamentais garantidos constitucionalmente bem como perceber quais os debates que cercam a atuaccedilatildeo do Poder Judiciaacuterio na concretizaccedilatildeo desses direitos agrave todas as pessoas

2 NOCcedilOtildeES GERAIS SOBRE OS DIREITOS FUNDAMENTAIS

Inicialmente considerando a natureza juriacutedica do direito agrave sauacutede como um direito fundamental eacute preciso compreender o que satildeo tais di-reitos sua posiccedilatildeo central dentro do atual modelo de constitucionalismo vivido bem como suas principais caracteriacutesticas

21 ANAacuteLISE DA ORIGEM E PRINCIPAIS CARACTERIacuteSTICAS DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS

A fim de compreender o significado do referido termo ldquodireitos fun-damentaisrdquo eacute de grande relevacircncia notar a origem da nomenclaturaoO primeiro uso da expressatildeo ldquodireitos fundamentaisrdquo surgiu na Franccedila du-rante o movimento poliacutetico e cultural que culminou na Declaraccedilatildeo Univer-sal dos Direitos do Homem e do Cidadatildeo (NOVELINO 2017)

Ana Conceiccedilatildeo Barbuda Sanches Guimaratildees Ferreira bull Ana Baacuterbara Barbuda Ferreira Motta

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Sob o ponto de vista material os termos ldquodireitos humanosrdquo e de ldquodireitos fundamentaisrdquo possuem equivalente conteuacutedo pois se referem a um conjunto de normas que objetivam proteger os bens juriacutedicos mais sensiacuteveis no plano da proteccedilatildeo da dignidade humana Contudo eacute preciso esclarecer que inexiste um entendimento uniforme acerca da diferenccedila dos termos conforme entende Marcelo Novelino (2017 p 277)

ldquoApesar da inexistecircncia de um consenso a distinccedilatildeo mais usual da doutrina brasileira eacute no sentido de que ambos com o objetivo de proteger e promover a dignidade da pessoa humana abrangem di-reitos relacionados a liberdade e a igualdade mas positivados em planos distintos Enquanto os direitos humanos se encontram consa-grados nos tratados e convenccedilotildees internacionais (plano internacio-nal) os direitos fundamentais satildeo os direitos humanos consagrados e positivados na Constituiccedilatildeo de cada paiacutes (plano interno) podendo o seu conteuacutedo e conformaccedilatildeo variar de acordo com cada paiacutesrdquo

Norberto Bobbio (2004) sobre o tema diz que eacute necessaacuterio reconhe-cer que os Direitos domHomem estatildeo na base das Constituiccedilotildees Demo-craacuteticas modernas sendo a paz um pressuposto necessaacuterio para a efetiva proteccedilatildeo dos direitos dos homens em cada Estado e no sistema inter-nacional Considerando que os direitos fundamentais satildeo os direitos ati-nentes a todas os homens de modo a garantir a dignidade da pessoa humana percebe-se que a referida classe de direitos tem caracteriacutesticas em comum Neste sentido todas as caracteriacutesticas a seguir apresentadas qualificam todos os direitos fundamentais inclusive o direito agrave sauacutede Ini-cialmente tais direito satildeo universais conforme explica Marcelo Novelino (2017 p 281)

ldquoA existecircncia de um nuacutecleo miacutenimo de proteccedilatildeo a dignidade deve estar presente em qualquer sociedade ainda que os aspectos cultu-rais devam ser respeitados Por isso a validade universal natildeo significa uniformidade Conforme observa Konrad Hesse (2001) o conteuacutedo concreto e a significaccedilatildeo dos direitos fundamentais para um Estado dependem de numerosos fatores extrajuriacutedicos especialmente de idiossincrasia da cultura e da histoacuteria dos povosrdquo

Ainda como caracteriacutestica de tais direitos tem-se a historicidade ou seja esses direitos surgem e se desenvolvem ao longo da histoacuteria haven-do portanto a possibilidade de alteraccedilatildeo do seu sentido e conteuacutedo Esta caracteriacutestica afasta a fundamentaccedilatildeo jusnaturalista a tais direitos (NOVE-LINO 2017 p 281) Tambeacutem satildeo inalienaacuteveis imprescritiacuteveis e irrenun-ciaacuteveis Deste modo o natildeo exerciacutecio natildeo significaarenuacutencia ePercebe-se

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que os direitos fundamentais possuem peculiaridades que os tornam es-senciais em nosso ordenamento juriacutedico estando relacionadossa valores atinentes a preservaccedilatildeo da dignidade da pessoa humana em todos os seus acircmbitos

22 DIMENSOtildeES E STATUS DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS

Ao se voltar ao passado vecirc-se que os direitos fundamentais satildeo con-quistados cada qual ao seu tempo por motivos variados pois estes re-velam a vida em sociedade Assim ldquoos direitos natildeo nascem todos de uma vezrdquo [] nascem quando devem ou podem nascerrdquo (BOBBIO 2004 p 6) Para Bobbio os direitos satildeo frutos da histoacuteria que caminha e por isto po-dem estes direitos ser identificados a partir da geraccedilatildeo em que foram reconhecidos Assim tambeacute discorre Dirley da Cunha Junior ao argumen-tar que estas geraccedilotildees dos direitos ldquorevelam a ordem cronoloacutegica do re-conhecimento e afirmaccedilatildeo dos direitos fundamentais que se proclamam gradualmente na proporccedilatildeo das carecircncias do ser humano nascidas em funccedilatildeo da mudanccedila das condiccedilotildees sociaisrdquo (CUNHA JR 2012 p 596)

Afirma Bobbio (2004 p 7) que ldquonum primeiro momento afirmaram--se os direitos de liberdaderdquo Estes satildeo os direitos de primeira geraccedilatildeo que nascem com o seacuteculo XVII eNesta dimensatildeo se identificam os direitos de natureza civis e poliacuteticos tendo sidooopostos contra o Estado eztrazem a defesasdas Liberdades Fatos histoacutericos estatildeo referendados na Consti-tuiccedilatildeo Americana e da Declaraccedilatildeo dos Direitos do Homem e do Cidadatildeo

Os direitos sociais culturais previdenciaacuterios econocircmicos coletivos vatildeo se constituir na segunda geraccedilatildeo dos direitos Clamam por uma igual-dade coletiva que instaure o Estado do Bem-Estar social do Seacuteculo XX Eles satildeo consequecircnciaeda derrocada do Estado Liberal e verificam que o Estado tem de oportunizar ldquodireitos poliacuteticos os quais ndash concebendo a liberdade natildeo apenas negativamente como natildeo impedimento mas positivamente como autonomiardquo (BOBBIO 2004 p 32) O cunho ideoloacute-gico nasceu com a Constituiccedilatildeo Mexicana de 1917 e a Lei Fundamental de Weimar em 191 na Alemanha Como se vecirc assume um novo papel o Estado a quem caberaacute tambeacutem assegurar a igualdade entre as pessoas no gozo dos direitos competindo-lhes especialmente a reduccedilatildeo das ldquode-sigualdades sociais e econocircmicas ateacute entatildeo existentes que debilitavam a dignidade humanardquo (CUNHA JR 2012 p 623)

Correspondem aos direitos fundamentais da terceira geraccedilatildeo os di-reitos da solidariedadeaTem sua origem na Revoluccedilatildeo Francesa e com o

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siacutembolo da fraternidade vieram para proteger os direitos decorrentes de uma sociedade organizada que se encontra envolvida em relaccedilotildees de di-versas naturezas fruto do processo de industrializaccedilatildeo e urbanizaccedilatildeo pro-jetando para as titularidades difusa e coletiva Satildeo de terceira geraccedilatildeo de direitos fundamentais o direito ao meio ambiente ecologicamente equi-librado ao desenvolvimento a comunicaccedilatildeo os direitos dos consumido-res e vaacuterios outros direitos especialmente aqueles relacionados a grupos de pessoas mais vulneraacuteveis (a crianccedila o idosoopessoa com deficiecircncia etc)aA partir da quarta geraccedilatildeo natildeo haacute um consenso doutrinaacuterio acerca dos referidos direitos A quarta geraccedilatildeo de direitos fundamentais para alguns eacute caracterizada pela pesquisa bioloacutegica e cientiacutefica pela defesa do patrimocircnio geneacutetico pelo avanccedilo tecnoloacutegico pelo direito agrave democracia agrave informaccedilatildeo e ao pluralismo (CUNHA JR 2012) Evocam tambeacutem as ques-totildees sobre a eacutetica e da moralidade E os direitos de quinta geraccedilatildeo satildeo como o direito a paz Bonavides afirma que estaacute em um ldquopatamar supe-riorrdquo haja vista que ldquoa dignidade juriacutedica da paz deriva do reconhecimento universal que se lhe deve enquanto pressuposto qualitativo da convivecircn-cia humana elemento de conservaccedilatildeo da espeacutecie reino de seguranccedila dos direitosrdquo (BONAVIDES 2017)

Percebe-se portanto que os direitos fundamentaisesatildeo um ldquofeixe de posiccedilotildees juriacutedicas abrangendo estruturas e conteuacutedos diferentesrdquo confor-me estabelece Robert Alexy (2011 p 255) Neste sentidoerelevante des-tacar a teoria dos status de Jellineeacute de grande importacircncia no estudo dos Direitos Fundamentais Segundo a teoria existem quatro status de direitos fundamentais quais sejam o status positivo negativo ativo e passivo So-bre a referida teoria Marcelo Novelino (2017 p 278) esclarece

Um status natildeo se confundo com um direito Dentre as diversas formas de descrever o que eacute um status tem importacircncia central suaocarac-terizaccedilatildeo como uma relaccedilatildeo com o Estado que qualifica ooindiviacuteduo Segundo a concepccedilatildeo de Jellinek o direito tem como conteuacutedo o ldquoterrdquo ao passo que o status tem como conteuacutedo o ldquoserrdquo

Sendo assim o status passivo relaciona-se com a esfera das obriga-ccedilotildees individuais impondo por parte do Estado um dever ou uma proibi-ccedilatildeo ao indiviacuteduo Jaacute o status ativo refere-se a capacidade que extrapolam a liberdade natural ou seja trata-se do direito de participaccedilatildeo do indiviacute-duo nas atividades poliacuteticas O status negativo por sua vez refere-se as liberdades ou seja o direito as accedilotildees negativas do estado Por fim o status positivo eacute aquele que diz respeito a capacidade de recorrer ao aparato estatal (NOVELINO 2017 p 278-279)

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23 A RELEVAcircNCIA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS NO NEO-CONSTITUCIONALISMO

A fim de compreender a importacircncia valorativa dos direitos funda-mentais eacute indispensaacutevel perceber o momento constitucional vivido nos dias hodiernos Isso porque apenas desse modo eacute possiacutevel entender o pa-pel e forccedila da Constituiccedilatildeo como centro de um ordenamento e portanto justificador e limitador das demais normas que compotildeem dado sistema normativo

A partir do seacuteculo XXI a doutrina passa a observar uma nova pers-pectiva constitucional denominada neoconstitucionalismo ou ainda constitucionalismo poacutes-moderno (TAVARES 2016) O momento histoacuterico vigente natildeo comportava mais o positivismo juriacutedico passando a repudiar os meacutetodos mecacircnicos da subsunccedilatildeo e ldquouma nova visatildeo interpretativa e das tarefas da Ciecircncia e Teoria do Direito cuja preocupaccedilatildeo reside no desenvolvimento de um trabalho criacutetico e natildeo apenas descritivordquo desabro-chou dando ensejo a uma nova fase o poacutes-positivismo conforme explica Novelino (2017)

Sendo assim a superaccedilatildeo histoacuterica do jusnaturalismo e o fracasso poliacutetico do positivismo fizeram como que uma nova corrente ganhasse destaque com evidente abandono a tradicional compreensatildeo na qual a constituiccedilatildeo era vista ldquocomo um documento essencialmente poliacutetic(rdquo (NOVELINO 2017 p 59) Nesse sentido fazia-se necessaacuterio um conjunto amplo de reflexotildees sobre o Direito considerando sua funccedilatildeo social e in-terpretaccedilatildeo

ldquoA superaccedilatildeo histoacuterica do jusnaturalismo e o fracasso poliacutetico do posi-tivismo abriram caminho para um conjunto amplo e ainda inacabado de reflexotildees acerca do Direito sua funccedilatildeo social e sua interpretaccedilatildeordquo (BARROSO 2020 p 246)

O poacutes-positivismo coloca-se como uma corrente intermediaacuteria que busca exaltar a forccedila normativa dos princiacutepios o caraacuteter central da argu-mentaccedilatildeo juriacutedica e a aproximaccedilatildeo entre a moral e o direito Ainda pode--se empregar o termo em anaacutelise em trecircs acepccedilotildees quais sejam como um meacutetodo para o estudo do direito como ideologia e como teoria juriacutedica

(NOVELINO 2017 p 63) Ideologicamente o poacutes-positivismo busca de um lado a manutenccedilatildeo da seguranccedila juriacutedica e de outro valoriza a justiccedila material afastando-se da visatildeo ceacutetica existente no positivismo puro Ao-Constituiccedilatildeo passa a assumir uma forte carga valorativa assegurando di-

Ana Conceiccedilatildeo Barbuda Sanches Guimaratildees Ferreira bull Ana Baacuterbara Barbuda Ferreira Motta

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reitos fundamentais relacionados agrave pessoa humana pelo que o inteacuterprete ao aplicar as normas do ordenamento deve buscar a concretizaccedilatildeo destes valores constitucionalizados (NOVELINO 2017)

Barroso (2020 p 250) nesse sentido afirma que a doutrina do poacutes--positivismo tem sua inspiraccedilatildeo na ldquorevalorizaccedilatildeo da razatildeo praacutetica na teo-ria da justiccedila e na legitimaccedilatildeo democraacuteticardquo Para o constitucionalista eacute a ldquodesignaccedilatildeo provisoacuteria e geneacuterica de um ideaacuterio difusordquo que incorpora ideias de justiccedila igualdade material miacutenima direitos fundamentais e da nova hermenecircutica com ldquoa redefiniccedilatildeo das relaccedilotildees entre valores princiacute-pios e regrasrdquo (BARROSO 2020 p 250)

A respeito do tema de forma clara Dirley Cunha aduz ldquoo neocons-titucionalismo representa o constitucionalismo atual contemporacircneordquo que propotildee uma mudanccedila paradigmaacutetica em razatildeo da forccedila normativa da Constituiccedilatildeo constituiacuteda ldquode normas de eficaacutecia vinculante e obrigatoacuteriardquo e portanto ldquodotada de supremacia material e intensa carga valorativardquo gestora do Estado Constitucional de Direito (CUNHA JR12012 p 20)

Sendo assim o poacutes-positivismo sustenta essa nova etapa constitu-cional a qual se passou a chamar de neoconstitucionalismo Dentre as diversas caracteriacutesticas existentes nesse novo modelo constitucional des-taca-se sem duacutevidas a hierarquia formal e axioloacutegica da Constituiccedilatildeo que passa a ser como o coraccedilatildeo eixo central do sistema e tambeacutem do ponto substancial para a sobrevivecircncia e a manutenccedilatildeo do Estado de Direito

Ainda conforme a alta carga valorativa que passa a integrar os textos constitucionais incorporando valores e opccedilotildees poliacuteticas relacionadas agrave dignidade humana e aos direitos fundamentais devendo ser aplicadas de logo em todos os poderes e ateacute mesmo aos particulares dada a sua eficaacute-cia irradiante vertical e horizontal

Desse modo percebe-se que com o neoconstitucionalismo a Consti-tuiccedilatildeo ganha nova face sendo o centro axioloacutegico do ordenamento juriacutedi-co irradiando valores para todos os demais diplomas normativos e para a realidade social Nesse sentido os direitos fundamentais passam a ter uma eficaacutecia horizontal aplicando-se a todas as relaccedilotildees juriacutedicas inclusive en-tre particulares Percebe-se portanto que com o atual momento de cons-titucionalismo vivido os direitos fundamentais devem ser implementados da forma mais ampla abrangente e eficaz possiacutevel

Direito fundamental agrave saude e ativismo judicial uma anaacutelise da jurisprudecircncia do Supremo Tribunal Federal

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3 DIREITO FUNDAMENTAL Agrave SAUacuteDE E ATIVISMO JUDICIAL

O art 6ordm caput da Constituiccedilatildeo Federal conteacutem expressamente o di-reito agrave sauacutede como um direito social e portanto um direito fundamental Ademais a Constituiccedilatildeo em seu art 23 que trata acerca das competecircncias comuns de todos os entes federados estabelece que a Uniatildeo os Estados os Municiacutepios e o Distrito Federal devem cuidar do direito agrave sauacutede Logo apoacutes o art 24 da CF enquadra o direito agrave sauacutede dentre as competecircncias legislativas concorrentes da Uniatildeo e Estados e no art 30 dentre as com-petecircncias municipais estaacute a de prestar serviccedilos de atendimento agrave sauacutede da populaccedilatildeo Evidente portanto que o constituinte considerando a rele-vacircncia do direito agrave sauacutede buscou garantir a maior amplitude possiacutevel es-tabelecendo que todos os entes satildeo responsaacuteveis pela sua concretizaccedilatildeo

Ainda analisando o texto constitucional o direito agrave sauacutede eacute nova-mente mencionado como um princiacutepio sensiacutevel (arts 34 e 35 da CF) ou seja caso um ente natildeo aplique o miacutenimo exigido da receita resultante de impostos nas accedilotildees e serviccedilos puacuteblicos de sauacutede esta omissatildeo poderaacute en-sejar uma intervenccedilatildeo federal ou estadual Ao longo do atual texto consti-tucional a sauacutede eacute mencionada em sessenta e sete dispositivos demons-trando assim a importacircncia do referido direito em nosso ordenamento

A partir do art 196 CF inicia-se uma seccedilatildeo unicamente dedicada ao referido direito com a previsatildeo acerca da sua amplitude bem como do sistema uacutenico de sauacutede responsaacutevel por de forma integral e universal garantir a sauacutede a todos os indiviacuteduos do nosso paiacutes

Sobre o referido direito Bernardo Gonccedilalves (2020 p 919) faz a se-guinte consideraccedilatildeo

ldquoEacute indiscutiacutevel que o direito agrave sauacutede se relaciona de forma direta com o direito agrave vida Todavia natildeo eacute nada faacutecil nem simples desenvolver um conceito juriacutedico do que seja sauacutede () A Lei Orgacircnica da Sauacutede (Lei nordm 808090) por outro lado apresenta uma leitura que engloba ainda no conceito de sauacutede um conjunto de accedilotildees puacuteblicas que asse-gurem uma vida digna e a autonomia dos sujeitos beneficiaacuterios Por isso mesmo fala-se em medidas de sauacutede preventiva e medidas de sauacutede curativa o primeiro conceito se revelaria como um status posi-tivus Libertatis ndash na leitura de Jellinek conectado agrave noccedilatildeo de miacutenimo existencial ndash enquanto o segundo um status positivo socialis (isto eacute um direito social propriamente dito)

Percebe-se portanto que a amplitude do direito agrave sauacutede conduz a uma dificuldade de conceituaccedilatildeo estanque do referido direito O direito agrave

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sauacutede engloba assim um feixe de outros direitos como o direito agrave preven-ccedilatildeo ao tratamento adequado ao recebimento de medicamentos dentre outros E ainda estaacute intrinsecamente relacionado aacute outros direitos funda-mentais como o direito aacute vida e aacute liberdade

A Constituiccedilatildeo cria o Sistema Uacutenico de Sauacutede (SUS) a fim de con-cretizar este direito atraveacutes de uma rede regionalizada e hierarquizada marcada pela descentralizaccedilatildeo mas com direccedilatildeo uacutenica em cada esfera de governo com atendimento integral com a fixaccedilatildeo de prioridade para atividades preventivas sem prejuiacutezo de serviccedilos assistenciais e de parti-cipaccedilatildeo da comunidade conforme art 198 da Constituiccedilatildeo Federal Tam-beacutem percebe-se que a assistecircncia agrave sauacutede tambeacutem eacute permitida agrave iniciativa privada de forma complementar segundo contratos ou convecircnios com preferencia agrave entidades filantroacutepicas sem fins lucrativos (art 199 CF)

Pela leitura da Constituiccedilatildeo percebe-se que duas caracteriacutesticas acer-ca desse direito satildeo ressaltadas a universalidade e a integralidade De um lado a universalidade garante que todo e qualquer indiviacuteduo tenha acesso ao sistema uacutenico de sauacutede independente de raccedila condiccedilatildeo social econocircmica ou qualquer outra caracteriacutestica Isso prestigia outro principio constitucional o da igualdade previsto no art 5ordm da CF Essa universalida-de natildeo impede contudo a previsatildeo do art 32 da Lei nordm 965698 que cria o denominado ldquoressarcimento ao SUSrdquo julgado constitucional pela Supremo Tribunal Federal em sede de repercussatildeo geral vejamos

Eacute constitucional o ressarcimento previsto no art 32 da Lei nordm 965698 o qual eacute aplicaacutevel aos procedimentos meacutedicos hospitalares ou ambu-latoriais custeados pelo SUS e posteriores a 461998 assegurados o contraditoacuterio e a ampla defesa no acircmbito administrativo em todos os marcos juriacutedicos O art 32 da Lei nordm 965698 prevecirc que se um cliente do plano de sauacutede utilizar-se dos serviccedilos do SUS o Poder Puacuteblico poderaacute cobrar do referido plano o ressarcimento que ele teve com essas despesasAssim o chamado ldquoressarcimento ao SUSrdquo criado pelo art 32 eacute uma obrigaccedilatildeo legal das operadoras de planos priva-dos de assistecircncia agrave sauacutede de restituir as despesas que o SUS teve ao atender uma pessoa que seja cliente e que esteja coberta por esses planos STF PlenaacuterioRE 597064RJ Rel Min Gilmar Mendes julgado em 722018 (repercussatildeo geral) (Info 890)

Por outro lado a integralidade do Sistema Uacutenico de Sauacutede prevecirc que natildeo haacute a priori um limite estabelecido a quais serviccedilos seratildeo fornecidos aos indiviacuteduos para a efetivaccedilatildeo do direito agrave sauacutede Ao contraacuterio o serviccedilo de sauacutede deve ser o mais amplo completo possiacutevel Neste ponto cumpre destacar alguns dispositivos da Lei nordm 808096 sobre o tema vejamos

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Art 6ordm Estatildeo incluiacutedas ainda no campo de atuaccedilatildeo do Sistema Uacutenico de Sauacutede (SUS)

d) de assistecircncia terapecircutica integral inclusive farmacecircutica

Art 7ordm As accedilotildees e serviccedilos puacuteblicos de sauacutede e os serviccedilos privados contratados ou conveniados que integram o Sistema Uacutenico de Sauacutede (SUS) satildeo desenvolvidos de acordo com as diretrizes previstas no art 198 da Constituiccedilatildeo Federal obedecendo ainda aos seguintes princiacutepios

II ndash integralidade de assistecircncia entendida como conjunto articulado e contiacutenuo das accedilotildees e serviccedilos preventivos e curativos individuais e coletivos exigidos para cada caso em todos os niacuteveis de complexida-de do sistema

Art 19-M A assistecircncia terapecircutica integral a que se refere a aliacutenea d do inciso I do art 6ordm consiste em

I ndash dispensaccedilatildeo de medicamentos e produtos de interesse para a sauacutede cuja prescriccedilatildeo esteja em conformidade com as diretrizes tera-pecircuticas definidas em protocolo cliacutenico para a doenccedila ou o agravo agrave sauacutede a ser tratado ou na falta do protocolo em conformidade com o disposto no art 19-P

II ndash oferta de procedimentos terapecircuticos em regime domiciliar am-bulatorial e hospitalar constantes de tabelas elaboradas pelo gestor federal do Sistema Uacutenico de Sauacutede ndash SUS realizados no territoacuterio nacional por serviccedilo proacuteprio conveniado ou contratado

Art 19-N Para os efeitos do disposto no art 19-M satildeo adotadas as seguintes definiccedilotildees

I ndash produtos de interesse para a sauacutede oacuterteses proacuteteses bolsas cole-toras e equipamentos meacutedicos

II ndash protocolo cliacutenico e diretriz terapecircutica documento que estabe-lece criteacuterios para o diagnoacutestico da doenccedila ou do agravo agrave sauacutede o tratamento preconizado com os medicamentos e demais produtos apropriados quando couber as posologias recomendadas os meca-nismos de controle cliacutenico e o acompanhamento e a verificaccedilatildeo dos resultados terapecircuticos a serem seguidos pelos gestores do SUS

Evidente portanto que a Lei do SUS atendendo ao comando consti-tucional tambeacutem estabeleceu dentre as diretrizes de atuaccedilatildeo a integrali-dade Neste ponto residem contudo os maiores debates jurisprudenciais uma vez que o Estado muitas vezes se recusa a fornecer determinados tratamentos o que acaba colidindo com a integralidade gerando lides que satildeo levadas ao crivo do Judiciaacuterio

Sobre o tema cresce o debate acerca da postura do magistrado dian-te de tais conflitos em especial com as correntes que defendem o ativis-

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mo judicial e de outro a autocontenccedilatildeo Para Luiacutes Roberto Barroso (2020) ativismo judicial corresponde ao alargamento do escopo jurisdicional para causas relacionadas a poliacuteticas puacuteblicas sobretudo em discussotildees envol-vendo o alcance e as restriccedilotildees aos direitos sociais Nesses casos quando o Judiciaacuterio toma uma postura ativa determinando medidas concretas aos agentes puacuteblicos a fim de concretizar direitos fundamentais fala-se numa atuaccedilatildeo de ativismo judicial Trata-se de um juiacutezo substancialmente poliacutetico mas juridicamente fundamentado

Por outro lado a corrente que defende a autocontenccedilatildeo do Judiciaacuterio tem por objetivo combater os efeitos nocivos de um ativismo exercido de forma excessiva uma vez o Judiciaacuterio por ausecircncia de teacutecnica e tam-beacutem de legitimidade (uma vez que natildeo foi eleito pelo povo) natildeo deveria adentrar em certos meacuteritos enaltecendo outras vias poliacuteticas de debate e deliberaccedilatildeo Esta corrente em muito se relaciona com o minimalismo de Susntein (LIMA 2013)

Por fim o presente debate envolve em muito a teoria da reserva do possiacutevel que em siacutentese entende que existe uma infinitude de direitos mas uma finitude de recursos o que ocasionaria a possibilidade de o ges-tor puacuteblico fazer escolhas traacutegicas desatendendo determinadas presta-ccedilotildees sociais antes a sua impossibilidade vejamos

Embora operante no universo dos direitos sociais em geral como no acircmbito da previdecircncia social em particular o princiacutepio da reserva do financeiramente possiacutevel tem especial incidecircncia no terreno da sauacutede e da educaccedilatildeo cujas normas constitucionais ndash nisso particularmente influenciadas pelas ideias de constituiccedilatildeo dirigente e de Estado pro-vedor ndash atribuiacuteam sobretudo ao Poder Puacuteblico o encargo de custear a satisfaccedilatildeo dessas necessidades consideradas inerentes a uma vida digna Daiacute a similitude dos arts 196 e 205 da nossa Constituiccedilatildeo a proclamarem que tanto a sauacutede quanto a educaccedilatildeo satildeo direitos de todos e deveres do Estado normas-tarefas ou meramente programaacute-ticas cuja concretizaccedilatildeo fica a depender das forccedilas do Eraacuterio como diziam os claacutessicos das financcedilas puacuteblicas De mais a mais e nisso resi-de um aspecto crucial do problema a alocaccedilatildeo de recursos puacuteblicos para a implementaccedilatildeo desses direitos pressupotildee ndash aleacutem de uma eco-nomia forte ndash a difiacutecil decisatildeo poliacutetica de ratear os poucos recursos disponiacuteveis de modo a poder dispensar um miacutenimo de atendimento aos mais necessitados situaccedilatildeo criacutetica que nos paiacuteses perifeacutericos con-figura o que muitos denominam ciacuterculo vicioso da miseacuteria pois eacute pre-cisamente aiacute onde faltam recursos para atendecirc-las que se mostram mais dramaacuteticas as carecircncias sociais (MENDES 2009 p 1420)

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Por outro lado quando os direitos que estatildeo sendo alvo de discussatildeo fazem parte do chamado ldquomiacutenimo existencialrdquo eacute certo que natildeo deve sub-sistir a tese da reserva do possiacutevel O chamado ldquomiacutenimo existencialrdquo vem portanto limitar a utilizaccedilatildeo da referida tese de forma desmedida Sendo assim defensores de uma postura mais ativa do Poder Judiciaacuterio argu-mentam que haacute direitos indispensaacuteveis para a realizaccedilatildeo da dignidade da pessoa humana e estes devem ser garantidos em todas as circunstacircncias (MENDES 2009)

O direito agrave sauacutede compotildee portanto esse miacutenimo existencial e justa-mente por isso considerando seu alto custo de implementaccedilatildeo acaba por gerar tantas controveacutersias jurisprudenciais e doutrinaacuterias

4 JURISPRUDEcircNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL NO AcircMBITO DO DIREITO Aacute SAUacuteDEA jurisprudecircncia do Supremo Tribunal Federal lida diariamente com

questotildees envolvendo o direito fundamental agrave sauacutede em sede de recursos repetitivos com repercussatildeo geral ou em controle de constitucionalidade Tais decisotildees repercutem na forma com que os demais Tribunais interpre-taratildeo as normas e decidiratildeo os casos concretos que lhe satildeo apresentados

Com relaccedilatildeo ao direito agrave sauacutede em 2014 a 1ordf Turma do Supremo Tribunal Federal entendeu pela possibilidade de o Poder Judiciaacuterio deter-minar que a Administraccedilatildeo Puacuteblica mantenha estoque miacutenimo de medica-mento a fim de evitar interrupccedilotildees no tratamento sem que isso configure violaccedilatildeo agrave separaccedilatildeo de poderes justamente considerando que o direito agrave sauacutede compotildee o miacutenimo existencial vejamos

RECURSO EXTRAORDINAacuteRIO FORNECIMENTO DE MEDICAMENTO E MANUTENCcedilAtildeO EM ESTOQUE DOENCcedilA DE GAUCHER QUESTAtildeO DI-VERSA DE TEMA COM REPERCUSSAtildeO GERAL RECONHECIDA SOBRES-TAMENTO RECONSIDERACcedilAtildeO PREQUESTIONAMENTO OCORREcircNCIA AUSEcircNCIA DE OFENSA AO PRINCIacutePIO DA SEPARACcedilAtildeO DOS PODERES CONSTITUCIONAL DIREITO Agrave SAUacuteDE DEVER PODER PUacuteBLICO RE-CURSO EXTRAORDINAacuteRIO A QUE SE NEGA PROVIMENTO I ndash A ques-tatildeo discutida no presente feito eacute diversa daquela que seraacute apreciada no caso submetido agrave sistemaacutetica da repercussatildeo geral no RE 566471-RGRN Rel Min Marco Aureacutelio II ndash No presente caso o Estado do Rio de Janeiro recorrente natildeo se opotildee a fornecer o medicamento de alto custo a portadores da doenccedila de Gaucher buscando apenas eximir--se da obrigaccedilatildeo imposta por forccedila de decisatildeo judicial de manter o remeacutedio em estoque pelo prazo de dois meses III ndash A jurisprudecircncia e a doutrina satildeo paciacuteficas em afirmar que natildeo eacute necessaacuterio para o prequestionamento que o acoacuterdatildeo recorrido mencione expressa-

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mente a norma violada Basta para tanto que o tema constitucional tenha sido objeto de debate na decisatildeo recorrida IV ndash O exame pelo Poder Judiciaacuterio de ato administrativo tido por ilegal ou abusivo natildeo viola o princiacutepio da separaccedilatildeo dos poderes Precedentes V ndash O Poder Puacuteblico natildeo pode se mostrar indiferente ao problema da sauacutede da populaccedilatildeo sob pena de incidir ainda que por censuraacutevel omissatildeo em grave comportamento inconstitucional Precedentes VI ndash Recurso extraordinaacuterio a que se nega provimento STF 1ordf Turma RE 429903RJ Rel Min Ricardo Lewandowski julgado em 2562014 (Info 752)

No caso entendeu-se que o Judiciaacuterio natildeo afrontaria a separaccedilatildeo de poderes uma vez que natildeo estaria interferindo em metas e prioridades nem em verbas puacuteblicas mas apenas controlando atos abusivos e ilegais da Administraccedilatildeo Puacuteblica

Outro caso envolvendo medicamentos recentemente pacificado em 2019 eacute com relaccedilatildeo aqueles medicamentos ainda natildeo incorporados na lista do SUS Para tanto o STF entendeu que haveraacute o dever de fornecer o medicamente se preenchidos os seguintes criteacuterios

i) Comprovaccedilatildeo por meio de laudo meacutedico fundamentado e cir-cunstanciado expedido por meacutedico que assiste o paciente da im-prescindibilidade ou necessidade do medicamento assim como da ineficaacutecia para o tratamento da moleacutestia dos faacutermacos fornecidos pelo SUS ii) incapacidade financeira de arcar com o custo do me-dicamento prescrito iii) existecircncia de registro do medicamento na ANVISA observados os usos autorizados pela agecircncia STJ 1ordf Seccedilatildeo EDcl no REsp 1657156-RJ Rel Min Benedito Gonccedilalves julgado em 12092018 (recurso repetitivo) (Info 633)

Por outro lado caso o medicamento ainda natildeo esteja registrado na ANVISA em regra natildeo haveraacute a obrigaccedilatildeo do Estado em fornececirc-los A concessatildeo ocorreraacute excepcionalmente desde que novos criteacuterios sejam observados vejamos

A ausecircncia de registro na Agecircncia Nacional de Vigilacircncia Sanitaacuteria (Anvisa) impede como regra geral o fornecimento de medicamento por decisatildeo judicial Eacute possiacutevel excepcionalmente a concessatildeo judi-cial de medicamento sem registro sanitaacuterio em caso de mora irrazoaacute-vel da Anvisa em apreciar o pedido (prazo superior ao previsto na Lei 134112016) quando preenchidos trecircs requisitos

a) a existecircncia de pedido de registro do medicamento no Brasil (salvo no caso de medicamentos oacuterfatildeos para doenccedilas raras e ultrarraras)

b) a existecircncia de registro do medicamento em renomadas agecircncias de regulaccedilatildeo no exterior e

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c) a inexistecircncia de substituto terapecircutico com registro no Brasil

STF Plenaacuterio RE 657718MG rel orig Min Marco Aureacutelio red p o ac Min Roberto Barroso julgado em 2252019 (repercussatildeo geral) (Info 941)

Ademais algumas accedilotildees de controle de constitucionalidade envol-vendo o direito agrave sauacutede jaacute foram objeto de anaacutelise pelo STF Atento a ne-cessidade de concretizaccedilatildeo da universalidade do direito agrave sauacutede de modo que o SUS consiga alcanccedilar todas as localidades do paiacutes o STF julgou constitucional o ldquoPrograma Mais Meacutedicosrdquo conforme ADI 5035DF e ADI 5037DF

Por outro lado considerando a igualdade que deve pautar os servi-ccedilos de sauacutede em controle de constitucionalidade julgou inconstitucional a diferenccedilas de classes no acircmbito do SUS conforme observa-se a seguir

O programa ldquoMais Meacutedicosrdquo instituiacutedo pela MP 6912013 pos-teriormente convertida na Lei nordm 128712013 eacute constitucional STF PlenaacuterioADI 5035DF e ADI 5037DF rel orig Min Marco Aureacutelio red p o ac Min Alexandre de Moraes julgados em 30112017 (Info 886)

Eacute inconstitucional a possibilidade de um paciente do Sistema Uacutenico de Sauacutede (SUS) pagar para ter acomodaccedilotildees superiores ou ser atendido por meacutedico de sua preferecircncia a chamada ldquodi-ferenccedila de classesrdquo STF Plenaacuterio RE 581488RS Rel Min Dias Toffoli julgado em 3122015 (repercussatildeo geral) (Info 810)

Por fim decisatildeo recente no contexto de pandemia foi o conhecimen-to da Accedilatildeo Direta de Inconstitucionalidade por Omissatildeo a fim de promo-ver a instituiccedilatildeo do auxiacutelio emergencial Ou seja o STF entendeu que em tese a ADO poderia discutir sobre o referido tema Neste caso poreacutem a accedilatildeo teve seu julgamento impedido por perda de objeto jaacute que foi pu-blicada a Lei nordm 139822020 que instituiu o referido auxiacutelio (STF Plenaacuterio ADO 56DF Rel Min Marco Aureacutelio red p o ac Min Roberto Barroso julgado em 3042020)

5 CONCLUSAtildeO

Percebe-se que o direito fundamental agrave sauacutede ocupa papel de desta-que em nosso ordenamento juriacutedico Nesse sentido a Constituiccedilatildeo Federal deixa claro o papel central desse direito para a concretizaccedilatildeo da dignidade da pessoa humana A teoria geral dos direitos fundamentais atraveacutes dos

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estudos de sua origem caracteriacutesticas e contornos fornece o substrato importante para a compreensatildeo do alcance do direito agrave sauacutede e sobretu-do qual o papel dos agentes puacuteblicos na busca por sua efetivaccedilatildeo

Neste ponto inclusive reside o grande debate sobre o tema qual o papel do Poder Judiciaacuterio na concretizaccedilatildeo do referido direito que con-forme restou demonstrado atraveacutes da jurisprudecircncia do Supremo Tribunal Federal tem prevalecido uma atuaccedilatildeo de maior ativismo considerando que o referido direito integra o chamado ldquomiacutenimo existencialrdquo

Os debates contudo natildeo satildeo estanques de modo que eacute necessaacuterio cada vez mais se aprofundar e investigar o caso concreto a fim de com-patibilizar a atuaccedilatildeo dos trecircs poderes de modo a proporcionar a maior eficaacutecia social para a norma constitucional

6 REFEREcircNCIASALEXY Robert Teoria dos Direitos Fundamentais Traduccedilatildeo de Virgiacutelio Afonso da Silva

2ed Satildeo Paulo Malheiros 2011

ARAUacuteJO Luiz Alberto David NUNES JUNIOR Vida Serrano Curso de Direito Constitucio-nal 6ed Satildeo Paulo Editora Saraiva 2002

AVENA Norberto Processo penal esquematizado 6ed Rio de Janeiro Forense Satildeo Pau-lo Meacutetodo 2014

AacuteVILA Humberto Teoria dos Princiacutepios da definiccedilatildeo agrave aplicaccedilatildeo dos princiacutepios juriacutedi-cos Satildeo Paulo Malheiros 2009

BASTOS Celso Ribeiro Curso de direito constitucional 20 ed Satildeo Paulo Editora Saraiva 1999

BARROSO Luis Roberto Curso de Direito Constitucional Contemporacircneo 9ed Satildeo Paulo Editora Saraiva 2020

BOBBIO Noberto Igualdade e Liberdade 3ed Rio de Janeiro Ediouro 1997

______________ A era dos direitos 7 ed Rio de Janeiro Elsevier 2004

CANOTILHO Joseacute Joaquim Gomes Direito Constitucional 6ed Coimbra Livraria Almedi-na 1993

COMPARATO Faacutebio Konder A Afirmaccedilatildeo Histoacuterica dos Direitos Humanos 4ed Satildeo Pau-lo Editora Saraiva 2005

CUNHA JUNIOR Dirley da Curso de direito constitucional 5ed Salvador Editora JusPO-DIVM 2012

FERNANDES Bernardo Gonccedilalves Curso de Direito Constitucional 12ed Salvador Editora JusPODIVM 2020

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Poder Judiciaacuterio do Estado da Bahia ISBN 978-65-89459-01-9

MENDES Gilmar Ferreira Curso de direito constitucional Gilmar Ferreira Mendes Paulo Gustavo Gonet Branco 12 ed rev SatildeoPaulo Saraiva 2009

MORAES Alexandre de Direito constitucional 27ed Satildeo Paulo Atlas 2011

________ Direitos Humanos Fundamentais 8ed Satildeo Paulo Atlas 2007

NOVELINO Marcelo Curso de Direito Constitucional 12ordf ed Salvador Juspodivm 2017

LIMA Flaacutevia Daniele Santiago Ativismo e autocontenccedilatildeo no Supremo Tribunal Federal uma proposta de delimitaccedilatildeo do debate 2013 Tese (Doutorado em Direito) Uni-versidade Federal de Pernambuco Recife-PE 2013

REALE Miguel O Estado democraacutetico de direito e os conflitos de ideologia Satildeo Paulo Editora Saraiva 1998

SARLET Ingo Wolfgang A eficaacutecia dos direitos fundamentais uma teoria geral dos direitos fundamentais na perspectiva constitucional 11ed Porto Alegre Livraria do Advogado Editora 2012

SILVA Joseacute Afonso da Curso de direito constitucional positivo 32ed Satildeo Paulo Editora Malheiros 2009

TAVARES Andreacute Ramos Curso de Direito Constitucional 8ordf ed Satildeo Paulo Saraiva 2010

Ana Conceiccedilatildeo Barbuda Sanches Guimaratildees Ferreira bull Ana Baacuterbara Barbuda Ferreira Motta

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Poder Judiciaacuterio do Estado da Bahia ISBN 978-65-89459-01-9

A fixaccedilatildeo da competecircncia nas accedilotildees de responsabilidade civil meacutedica em planos de

sauacutede de autogestatildeo

1 Advogada Bacharel em Direito pela Universidade do Estado da Bahia ndash UNEB Poacutes--graduanda em Direito Constitucional Aplicado pela Faculdade Legale

2 Advogada Bacharel em Direito pela Universidade Salvador ndash UNIFACS

3 Advogado Bacharel em Direito pela Universidade do Estado da Bahia ndash UNEB

Amanda Leite Souza Alves1

Ana Paula Cruz de Santana2

Rodolfo Oliveira Dourado3

Resumo Diante de um contexto de judicializaccedilatildeo em massa da rela-ccedilatildeo meacutedico-paciente hospitais e operadoras de sauacutede eacute imprescin-diacutevel refletir acerca dos desdobramentos juriacutedicos apoacutes a ediccedilatildeo da suacutemula 608 do STJ em 2018 O objetivo eacute problematizar o criteacuterio de fixaccedilatildeo de competecircncia aos casos dos meacutedicos credenciados a estes planos pois o entendimento firmado antes da suacutemula era no sentido de considerar o Juiacutezo Consumerista como competente ante a con-diccedilatildeo de consumidor do paciente em face do meacutedico e do hospital Adotou-se o meacutetodo de pesquisa qualitativa e exploratoacuteria com le-vantamento e revisatildeo bibliograacutefica da doutrina e anaacutelise criacutetica da ju-risprudecircncia para induzir a reflexatildeo do tema em comento E embora a suacutemula tenha de fato alterado a competecircncia processual ainda eacute possiacutevel utilizar-se de certos institutos juriacutedicos para garantir a defesa do paciente hipossuficiente e vulneraacutevel

Palavras-chave Suacutemula 608 STJ responsabilidade meacutedica paciente hospitais judicializaccedilatildeo

1 CONSIDERACcedilOtildeES INICIAIS

Eacute de notoacuterio conhecimento que no cenaacuterio brasileiro de judicializa-ccedilatildeo da medicina e da sauacutede eacute comum o ajuizamento de processos pelos

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pacientes ou seus familiares com o intuito de sanar eventuais situaccedilotildees danosas Nestas demandas por diversas vezes figuram no polo passivo em forma de litisconsorte a operadora dos planos de sauacutede os hospitais e os meacutedicos

No entanto a responsabilidade civil em face destes sujeitos se com-porta de forma diversificada Por anos a aplicaccedilatildeo da legislaccedilatildeo consume-rista em face dos trecircs sujeitos foi pauta de debates doutrinaacuterios e jurispru-denciais E por consequecircncia a temaacutetica acerca do Juiacutezo competente para processar e julgar as accedilotildees tambeacutem foi problematizada

Da anaacutelise do ordenamento juriacutedico especialmente apoacutes a dicccedilatildeo da Suacutemula 608 do Superior Tribunal de Justiccedila em 2018 houve a alteraccedilatildeo do entendimento firmado ao considerar a inaplicabilidade do Coacutedigo de Defesa do Consumidor aos contratos de plano de sauacutede administrados por entidades de autogestatildeo Eacute nesta perspectiva que haacute o questiona-mento acerca de qual seria o Juiacutezo competente para processar e julgar a temaacutetica da responsabilidade meacutedica dos profissionais credenciados ou que prestam serviccedilos em hospitais credenciados aos planos de sauacutede de autogestatildeo

Neste sentido o objetivo da pesquisa eacute propor uma reflexatildeo acerca da competecircncia a ser fixada para processar e julgar os feitos apoacutes a ediccedilatildeo da suacutemula pela Corte Superior haja vista entendimento anterior aplicado agrave relaccedilatildeo meacutedico-paciente ser no vieacutes consumerista Isto porque tal dilema tambeacutem influencia em outras questotildees processuais a exemplo da inver-satildeo do ocircnus da prova admitida pelo Coacutedigo de Defesa do Consumidor em contraposto agrave dinacircmica estaacutetica do CPC

Por fim a metodologia adotada para produccedilatildeo do presente artigo eacute de cunho qualitativo e exploratoacuterio ante a anaacutelise subjetiva do tema abor-dado com averiguaccedilatildeo do problema por meio de levantamento bibliograacute-fico Os materiais e os dados utilizados para pesquisa foram deduzidos a partir da leitura de artigos livros e perioacutedicos anteriormente publicados bem como pela anaacutelise criacutetica da jurisprudecircncia paacutetria

2 OS CRITEacuteRIOS DE FIXACcedilAtildeO DE COMPETEcircNCIA NO ORDE-NAMENTO JURIacuteDICO BRASILEIRO

A competecircncia eacute um instituto processual definida como sendo a ca-pacidade do juiacutezo em aplicar o poder fornecido pela jurisdiccedilatildeo ( MARINONI

Amanda Leite Souza Alves bull Ana Paula Cruz de Santana bull Rodolfo Oliveira Dourado

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et al 2020) considerando que todos os juiacutezes satildeo dotados de funccedilatildeo ju-risdicional em nome do Estado (GRECO 2015) Ou seja cada um a exerce em determinadas situaccedilotildees que satildeo previamente estabelecidas na ordem juriacutedica

Especificamente no acircmbito processual ciacutevel a determinaccedilatildeo de qual juiacutezo eacute competente estaacute disciplinada nos arts 42 a 66 do Coacutedigo de Pro-cesso Civil Em se tratando dos Juizados Especiais Ciacuteveis que eacute regido pela Lei nordm 9099 de 1995 estaacute ordenada nos art 3ordm e 4ordm e em acircmbito estadual verifica-se em artigos espaccedilados da Lei 7033 de 1997

Eacute possiacutevel em alguns casos que o juiacutezo ao se deparar com litiacutegios em que natildeo haja previsatildeo na supracitada norma tendo que recorrer em outras regras para a melhor soluccedilatildeo do feito Nesse momento aponta-se como alternativa a aplicaccedilatildeo do CPC desde que sejam respeitados os princiacutepios que regem os Juizados Especiais referidos em seu art 2ordm que satildeo oralidade simplicidade informalidade economia processual e celeri-dade (XAVIER 2016 v 20 p 16)

Ademais a competecircncia em sua aplicaccedilatildeo eacute dividida em dois regi-mes podendo ser de caracteriacutestica absoluta ou relativa A absoluta seraacute re-gida por regras cogentes devido ao interesse puacuteblico sendo de tal modo relevante para o interesse da administraccedilatildeo da Justiccedila (MARINONI et al 2020) podendo ser alegada em qualquer tempo e em qualquer jurisdiccedilatildeo Jaacute a relativa eacute disciplinada por regras disponiacuteveis agraves partes pois eacute fixada com base no interesse exclusivo dos litigantes e natildeo pode ser declarada de ofiacutecio devendo ser arguida em momento oportuno pela parte reacute e outros interessados na causa sob pena de gerar a automaacutetica preclusatildeo (CAMBI et al 2019)

Entre os regimes de competecircncia existem os criteacuterios de fixaccedilatildeo sen-do categorizados em trecircs territorial funcional e objetivo esse que se divi-de em razatildeo da mateacuteria da pessoa ou valor da causa Em regra consoante o CPC dentro do regime de competecircncia absoluta estatildeo o criteacuterio objeti-vo e funcional ao passo que o territoacuterio se encontra em regime relativo (GRECO 2015 p140)

Apoacutes apresentada a competecircncia no ordenamento juriacutedico a fim de ser relacionado com o caso em temaacutetica que eacute a responsabilidade civil do meacutedico credenciado em plano de autogestatildeo em litisconsoacutercio passivo necessaacuterio questiona-se qual juiacutezo eacute competente para julgar o feito

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3 A RESPONSABILIDADE CIVIL MEacuteDICA Agrave LUZ DO COacuteDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR (CDC)Diante do exposto anteriormente eacute sugestivo suscitar o interesse

pelo estudo da responsabilidade civil do meacutedico Por seacuteculos a funccedilatildeo do profissional da Medicina esteve vinculada a um caraacuteter religioso e maacutegico e resumia a relaccedilatildeo entre uma confianccedila ndash a do cliente ndash e uma consciecircn-cia ndash a do meacutedico No entanto com a mudanccedila de paradigma a relaccedilatildeo foi distanciada em virtude da massificaccedilatildeo das relaccedilotildees sociais Segundo Aguiar Juacutenior (2000 p 134) a denominaccedilatildeo dos sujeitos da relaccedilatildeo fora al-terada para ldquousuaacuteriordquo e ldquoprestador de serviccedilosrdquo sob a oacutetica de uma socieda-de de consumo na qual a consciecircncia de direito reais e fictiacutecios ascendeu a exigecircncia pelos resultados

Por sua vez a instituiccedilatildeo da Lei nordm 80781990 estabeleceu Coacutedigo de Defesa do Consumidor (CDC) e ocasionou diversas inovaccedilotildees do or-denamento juriacutedico brasileiro A legislaccedilatildeo apresentou noccedilotildees acerca do conceito de consumidor no art 2ordm bem como quais sujeitos seriam equi-parados a esta condiccedilatildeo Segundo Cavalieri Filho (2008 p 81) o Coacutedigo representou a lei mais revolucionaacuteria do seacuteculo XX tanto pelo avanccedilar da teacutecnica legislativa adotada ndash baseada em princiacutepios e claacuteusulas gerais ndash quanto pela sua influecircncia em todo o sistema juriacutedico brasileiro ndash doutrina e jurisprudecircncia embora seja um minissistema4

Dentre as problemaacuteticas estaacute por exemplo a utilizaccedilatildeo do termo ldquodestinataacuterio finalrdquo para designar qual sujeito seria considerado consumi-dor Filomeno (2018) entende que o consumidor seria qualquer pessoa fiacutesica tendo o Coacutedigo acrescentado tambeacutem a pessoa juriacutedica que con-trata para consumo final em benefiacutecio proacuteprio ou de outrem a aquisiccedilatildeo ou locaccedilatildeo de bens ou mesmo a prestaccedilatildeo de serviccedilos E neste sentido seria possiacutevel indicar um pacientecliente do profissional meacutedico como um consumidor

Por outro lado em relaccedilatildeo ao ldquofornecedorrdquo Filomeno (2018) entende que o meacutedico que trata de um clientepaciente deve ser equiparado ao fornecedor de serviccedilos pois comercializa seus serviccedilos de forma habi-

4 Nesta perspectiva a legislaccedilatildeo consumerista teria atribuiacutedo uma repersonalizaccedilatildeo do consumidor e seria dever do Estado garantir os direitos baacutesicos deste sujeito de direito considerando a disposiccedilatildeo do art 6ordm do CDC (CAVALIERI FILHO 2004 p 83) E o fato do Coacutedigo natildeo ter conceituado de forma taxativa a pessoa do consumidor tendo apenas apresentado uma noccedilatildeo geneacuterica abriu margem aos problemas de interpretaccedilatildeo os quais se encontram em diversos debates doutrinaacuterios e jurisprudenciais

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tual e profissional e em consequecircncia disto os eventuais danos devem ser cobertos Eacute deste modo que o paciente deve ser considerado como consumidor pois almeja interesses proacuteprios como destinataacuterio final5 Ao buscar a prestaccedilatildeo de serviccedilo o paciente pretende efetivar um tratamento seja por meio da atividade de meio ou da atividade de fim por parte do profissional da medicina

Da anaacutelise das divergecircncias opinativas acerca dos fornecedores agraveque-les que satildeo profissionais liberais deve-se observar em verdade o tipo de responsabilidade a ser aplicada posto que o uacuteltimo em regra responde pela ilicitude dos seus atos com a afericcedilatildeo de culpa com as modalidades de negligecircncia imprudecircncia ou imperiacutecia (art 14 sect 4ordm do CDC) Ao contraacute-rio do fornecedor que responde de forma objetiva independentemente da culpa pelos danos causados aos consumidores caso promova uma prestaccedilatildeo defeituosa de seu serviccedilo A principal oposiccedilatildeo se daacute pela na-tureza intuitu personae dos serviccedilos prestados pelos profissionais liberais (BORGES et al 2017 p 22)

Segundo Filomeno (2018) e Miragem (2016) as relaccedilotildees consume-ristas devem ser pautadas no princiacutepio da boa-feacute objetiva ndash perpetrada tambeacutem no art 422 do Coacutedigo Civil de 2002 e sua funccedilatildeo ativa na qual satildeo deveres anexos a lealdade a cooperaccedilatildeo a informaccedilatildeo e a seguran-ccedila O dever de seguranccedila tem mais ecircnfase pois os meacutedicos prestadores de serviccedilos tecircm situaccedilatildeo privilegiada dos saberes teacutecnicos e profissio-nais e devem informar e aconselhar o consumidor E mais o dever de informar dos meacutedicos em relaccedilatildeo aos seus pacientes eacute primordial posto que o profissional se encontra em uma autecircntica situaccedilatildeo de poder na qual o pacientedoenteafetado com o risco da doenccedila assim como seus familiares estaacute em situaccedilatildeo de vulnerabilidade agravada (MIRAGEM 2016 p 296)

5 Eacute interessante ressaltar o recente entendimento da Corte Superior no julgamento do RESP 1771169 A Terceira Turma cuja Ministra Relatora eacute Nancy Andrighi fixou tese no sentido de afastar a incidecircncia do CDC nos casos de problemas relacionados a atendimento meacutedico custeado pelo Sistema Uacutenico de Sauacutede (SUS) em hospitais privados Isto porque a participaccedilatildeo complementar da iniciativa privada na execuccedilatildeo de accedilotildees e os serviccedilos de sauacutede formalizados por contrato ou convecircnio com a admi-nistraccedilatildeo puacuteblica satildeo remunerados com base na tabela de procedimentos do SUS editada pelo Ministeacuterio da Sauacutede Assim configuram os serviccedilos prestados de forma uti universi e os prestadoresfornecedores desempenham funccedilatildeo puacuteblica

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Deste modo eacute importante salientar que a responsabilidade civil dos meacutedicos era interpretada agrave luz da legislaccedilatildeo consumerista e tanto a opera-dora de sauacutede quanto o hospital na condiccedilatildeo de fornecedores do serviccedilo podem responder perante o consumidor E em especial agrave operadora de sauacutede sua responsabilidade seria intriacutenseca ao fornecimento de serviccedilo por meio de hospital proacuteprio e meacutedicos contratados ou por meio de meacutedi-cos e hospitais credenciados nos termos do arts 2ordm 3ordm 14ordm e 34ordm do CDC bem como pelo disposto no Coacutedigo Civil de 2002 A responsabilidade da operadora e do hospital por sua vez seria objetiva e solidaacuteria em relaccedilatildeo ao consumidor mas internamente responderiam o hospital o meacutedico e a operadora do plano de sauacutede nos limites de sua culpa (BRASIL 2012)

Nesta perspectiva haacute um ponto a ser suscitado sobre a distribuiccedilatildeo do ocircnus da prova em face das accedilotildees de responsabilidade civil meacutedica Segundo o modelo adotado pelo CPC com o acolhimento da teoria de Giuseppe Chiovenda eacute o autor da accedilatildeo que deveria provar os fatos que constituem o direito por ele afirmado Logo na relaccedilatildeo meacutedico-pacien-te seria de incumbecircncia do paciente lesado o dever de provar todos os pressupostos faacuteticos aptos a configurar o dever de indenizar ndash o fato a ilicitude a culpabilidade e o nexo de causalidade Tal encargo poderia ser penoso e por vezes conduziria agrave improcedecircncia do pedido

Com a disciplina do Coacutedigo de Defesa do Consumidor a regra geral da distribuiccedilatildeo do ocircnus da prova eacute excepcionada e invertida conforme disposiccedilatildeo do art 6ordm inciso VIII Nestes casos natildeo recai sobre a parte tra-dicionalmente lesada a responsabilidade de demonstrar a verdade mas sim a contraparte teraacute a incumbecircncia de provar o fato contraacuterio E consi-derando que haacute sedimentado tanto na jurisprudecircncia quanto na doutrina a aplicabilidade do Coacutedigo de Defesa do Consumidor na relaccedilatildeo juriacutedica mantida entre meacutedico e paciente e hospitais a inversatildeo do ocircnus da prova deveria ser aplicada uma vez que eacute imprescindiacutevel a interpretaccedilatildeo sis-temaacutetica da legislaccedilatildeo em especial o Coacutedigo Civil de 2002 o Coacutedigo de Defesa do Consumidor e a Constituiccedilatildeo Federal (BRASIL 2017 2019 2020)

Inclusive eacute de se esclarecer que quando se promove a inversatildeo do ocircnus natildeo haacute impedimento ou incompatibilidade com a responsabilidade subjetiva Portanto ainda que fornecedor responda de forma subjetiva deveraacute provar a ausecircncia de culpa na sua atuaccedilatildeo profissional Assim ao consumidor caberia provar a existecircncia do serviccedilo ou seja a relaccedilatildeo entre este e o profissional e a existecircncia do defeito de execuccedilatildeo jaacute ao meacutedico caberia provar a ausecircncia de culpa na conduta aleacutem das demais hipoacuteteses

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comuns de responsabilidade dos demais fornecedores de serviccedilos (MIRA-GEM 2016 p 631)

Por fim eacute interessante observar a solidariedade dos fornecedores de serviccedilos em face da responsabilidade meacutedica Eacute sabido que a responsa-bilidade objetiva fixada no art 14 caput do Coacutedigo de Defesa do Consu-midor abrange natildeo apenas o fornecedor direto como o organizador da cadeia de fornecimento ainda que natildeo se configurem como prestadores diretos do serviccedilo defeituoso Eacute o caso por exemplo do meacutedico hospital e administradora de plano de sauacutede responsabilizados solidariamente pelo erro meacutedico dos profissionais por ela indicados ressalvada a accedilatildeo de regresso No entanto tambeacutem eacute de se observar as particularidades da res-ponsabilidade subjetiva do meacutedico e da objetiva dos demais fornecedo-res a exemplo do hospital e plano de sauacutede haacute portanto de se atentar ao entendimento do STJ no tocante a individualizaccedilatildeo da responsabilidade (MIRAGEM 2016 p 622 ndash 630)

Diante do exposto eacute de se ressaltar que ao considerar a aplicaccedilatildeo da legislaccedilatildeo consumerista ante a natureza juriacutedica da relaccedilatildeo entre meacutedico--paciente bem como a necessidade de inversatildeo do ocircnus ante a hipossufi-ciecircncia e vulnerabilidade do paciente a competecircncia para processar e jul-gar o feito em face dos profissionais meacutedicos ainda que em litisconsoacutercio poderia ser no Juiacutezo Consumerista

Assim eacute perceptiacutevel a necessidade de problematizar a aplicaccedilatildeo do entendimento firmado e sumulado pela Corte Superior no tocante a fixa-ccedilatildeo de competecircncia no Juiacutezo Ciacutevel em face dos planos de sauacutede de auto-gestatildeo bem como a inaplicabilidade do Coacutedigo de Defesa do Consumidor nos casos em que haacute litisconsorte passivo com os profissionais meacutedicos

4 A EDICcedilAtildeO DA SUacuteMULA 608 DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTICcedilA

A Suacutemula 608 do Superior Tribunal de Justiccedila que tem como texto a aplicaccedilatildeo do Coacutedigo de Defesa do Consumidor aos contratos de plano de sauacutede desde que natildeo administrados por entidades de autogestatildeo surgiu do julgado do REsp 1285483-PB de relatoria do Min Luis Felipe Salomatildeo Cancelou-se entatildeo a Suacutemula nordm 469 a qual determinava a aplicaccedilatildeo do Coacutedigo de Defesa do Consumidor aos contratos de plano de sauacutede sem distinccedilatildeo

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Enquanto perdurou o entendimento da Suacutemula nordm 469 do STJ era firmado pela Corte que independentemente da natureza juriacutedica adotada pelo plano de sauacutede uma vez que a qualificaccedilatildeo da pessoa juriacutedica aten-dia somente aos criteacuterios objetivos a relaccedilatildeo entre beneficiaacuterio e o plano era caracterizado como relaccedilatildeo de consumo consoante o voto proferido pela Ministra Nancy Andrighi no Resp nordm 519310SP (BRASIL 2004)

Em oposiccedilatildeo formou-se posteriormente a criaccedilatildeo da Suacutemula 608 segundo a qual deveria se levar em conta o fato do plano de sauacutede ser coordenado em modelo de autogestatildeo e ser constituiacutedo por mutualismo dos contribuintes que satildeo em regra oacutergatildeos internos das empresas en-tidades sindicais ou entidades privadas sem fins lucrativos De tal modo natildeo seria possiacutevel definir tais relaccedilotildees entre beneficiaacuterios e o plano de sauacutede como de consumo haja vista a essencialidade de ser aberto e ser possiacutevel a todos os consumidores e com finalidade lucrativa para a carac-terizaccedilatildeo

Eacute mister expor o que eacute e quais satildeo os efeitos de uma suacutemula para poder entender sua aplicaccedilatildeo ao caso proposto Em poucas palavras Ro-naldo Cramer (2018 p 315) entende que a suacutemula significa ldquoo coletivo dos enunciados representativos da jurisprudecircncia de um tribunalrdquo eacute a identi-ficaccedilatildeo de como o Tribunal julgou determinada mateacuteria e recomenda que assim se julgue No entanto as suacutemulas podem ter efeitos vinculativos ou persuasivos e no caso dos vinculativos disciplinados pelo art 103-A da Constituiccedilatildeo Federal de 1988 somente o Supremo Tribunal Federal pode-ria emitir Jaacute as persuasivas satildeo para os julgados de tribunais inferiores e da proacutepria Corte acompanharem o enunciado da jurisprudecircncia emitida (MORAIS 2016)

Em se tratando da aplicaccedilatildeo processual das suacutemulas o CPC no art 926 dispotildee que os Tribunais deveratildeo uniformizar sua jurisprudecircncia por meio da produccedilatildeo de enunciados de suacutemula passando-se a ser o enten-dimento dominante do Tribunal acerca de determinado problema juriacutedico (THEODORO JUNIOR 2018 p 1035) O Coacutedigo tambeacutem dispotildee no art 927 que os Tribunais deveratildeo observar as Suacutemulas Vinculantes (inciso II) e as Suacutemulas em mateacuteria infraconstitucional do STJ e Suacutemulas em mateacuteria Constitucional do STF (inciso IV) Ronaldo Cramer (2018) denominou tal artigo de ldquoprecedentes vinculantesrdquo e Humberto Theodoro Juacutenior (2018 p 1037) conceituou de Jurisprudecircncia de plano vertical ndash vincula todos os juiacutezes ou tribunais inferiores agraves decisotildees do STF quando em controle concentrado de constitucionalidade e suacutemulas vinculantes e aos julga-

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mentos do STF e STJ em Recurso Extraordinaacuterio e Especial Repetitivos aos enunciados de suacutemulas do STF e STJ

Nesta senda relacionando ao caso de responsabilidade civil por erro meacutedico em litisconsoacutercio passivo necessaacuterio com plano de sauacutede de au-togestatildeo eacute perceptiacutevel a necessidade de aplicaccedilatildeo da Suacutemula 608 do STJ uma vez que consoante o inciso IV do art 927 do CPC impera pela apli-caccedilatildeo do ratio decidendi do enunciado da suacutemula produzida por Tribunal Superior

5 O ENTENDIMENTO JURISPRUDENCIAL ACERCA DA COM-PETEcircNCIA

Diante do arcabouccedilo demonstrado alhures seja para o reconheci-mento da responsabilidade meacutedica pelo vieacutes consumerista ante a relaccedilatildeo material entre as partes ou pelo reconhecimento da competecircncia Civil pelo vieacutes firmado pela Corte Superior ante a dicccedilatildeo processual do CPC fa-z-se necessaacuterio apresentar a aplicaccedilatildeo dos Tribunais em torno da questatildeo

Nesta perspectiva a jurisprudecircncia a qual eacute o entendimento resul-tante de decisotildees reiteradas dos tribunais sobre um determinado assunto jaacute se posicionou em diversas ocasiotildees acerca da divergecircncia no que tange a fixaccedilatildeo de competecircncia neste caso apresentado Em alguns momentos com juiacutezos consideravelmente divergentes Isto porque conforme seraacute demonstrado adiante natildeo haacute consenso acerca de qual posicionamento deveraacute ser adotado Em alguns casos o Tribunal correspondente aplica o entendimento da Suacutemula 608 caminhando para o lado processual Jaacute em outras situaccedilotildees aplica-se o entendimento da existecircncia de relaccedilatildeo de consumo viabilizando o lado material

O Tribunal de Justiccedila do Rio de Janeiro por exemplo possuiacutea o cos-tume de adotar uma linha direcionada agrave relaccedilatildeo existente entre as partes Em um conflito de competecircncia julgado6 em 2017 entendeu-se que a

6 Competecircncia recursal Conflito negativo Atendimento de emergecircncia em hospital credenciado pelo plano de sauacutede Erro meacutedico Relaccedilatildeo de consumo Aplicaccedilatildeo do Coacutedigo de Defesa do Consumidor Precedentes do STJ e deste Oacutergatildeo Especial Aplicaccedilatildeo por analogia do Enunciado nordm 29 do Aviso 152015 Modalidade de au-togestatildeo do plano de sauacutede que in casu natildeo afasta a competecircncia das Cacircmaras Ciacuteveis Especializadas em razatildeo da relaccedilatildeo de consumo existente entre a autora e o hospital-reacuteu Competecircncia do Oacutergatildeo Julgador especializado (26ordf CC) Incidecircncia do art 6ordm-A sect 3ordm do RITJRJ Conflito julgado procedente pelo relator

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modalidade de autogestatildeo do plano de sauacutede no caso em concreto natildeo afastaria a competecircncia das Cacircmaras Especializadas em razatildeo da relaccedilatildeo de consumo existente entre a autora e o hospital-reacuteu Neste acoacuterdatildeo os julgadores ainda mencionam entendimento doutrinaacuterio neste mesmo sentido como eacute o caso de Felipe Peixoto Braga Netto (2015 p 236) que afirma

A relaccedilatildeo meacutedico-paciente eacute inegavelmente relaccedilatildeo de consumo Seja o serviccedilo prestado pelo meacutedico individual seja o serviccedilo presta-do por empresa meacutedica ou entidade hospitalar Temos em ambos os casos relaccedilatildeo de consumo cuja diferenccedila seraacute apenas da modalidade da responsabilidade subjetiva no primeiro caso objetiva no segundo

Neste caso ainda tal posicionamento possui respaldo tambeacutem no Aviso 152015 do TJ-RJ que em seu enunciado nordm 29 reafirma a compe-tecircncia das Varas Especializadas Eacute importante mencionar que tal enuncia-do foi originado a partir do julgamento de outro conflito de competecircncia no qual fora decidido por unanimidade que o mesmo deveria ser julgado improcedente visto que fora suscitado pela Vara Especial em razatildeo da relaccedilatildeo de consumo existente mesmo na presenccedila do plano de sauacutede por autogestatildeo

Entretanto com a chegada da Suacutemula 608 do Superior Tribunal de Justiccedila os tribunais do paiacutes passaram a considerar e aplicar de forma majoritaacuteria tal entendimento No Agravo Interno do Agravo em Recurso Especial nordm 1679521 de relatoria do Ministro Moura Ribeiro entendeu-se que

[] eacute de competir agrave Justiccedila Comum estadual julgar a accedilatildeo de obriga-ccedilatildeo de fazer relativa aos contratos de cobertura meacutedico-hospitalar por se tratar o feito de natureza eminentemente civil [] Aos planos de sauacutede regidos sob a modalidade de autogestatildeo satildeo inaplicaacuteveis as normas contidas no Coacutedigo de Defesa do Consumidor tendo em vista que natildeo se pode dar o mesmo tratamento destinado agraves empre-sas privadas que exploram essa atividade com finalidade lucrativa agraves entidades sob a modalidade de autogestatildeo ao fundamento de que estas natildeo visam ao lucro sendo totalmente dissociadas das demais operadoras de sauacutede que natildeo adotam tal modalidade em sua cons-tituiccedilatildeo

De igual modo o Tribunal de Justiccedila do Distrito Federal entendeu nos Embargos de Declaraccedilatildeo do processo de nordm 0709352-5520178070007 pela aplicabilidade do Coacutedigo de Defesa do Consumidor em processos

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envolvendo entidade de autogestatildeo em razatildeo da superveniecircncia do en-tendimento sumulado do STJ Ou seja o relator Desembargador Joatildeo Egmont afirmou que agrave eacutepoca do julgamento do acoacuterdatildeo objeto deste embargo de declaraccedilatildeo no ano de 2018 ainda natildeo existia a mencionada suacutemula e que por este motivo entendeu-se por aplicar os institutos do Coacutedigo de Defesa do Consumidor no julgamento

Pondera-se deste modo que com a chegada deste atual entendi-mento a tendecircncia seria de que os Tribunais do Brasil passem tambeacutem a adotar tal posicionamento Aqueles que jaacute tiveram a oportunidade de se manifestar optaram por seguir a linha adotada pela instacircncia Supe-rior

Nesta senda vislumbra-se que o conflito gerado por esta duacutevida acerca da atribuiccedilatildeo de competecircncias nos casos de responsabilidade civil meacutedica em contratos de planos de sauacutede de autogestatildeo seguiu seu curso normal ao ser dirimido pelo ramo do Estado responsaacutevel pela soluccedilatildeo de discordacircncias da sociedade Considerando que o Superior Tribunal de Justiccedila dentre as suas diversas atribuiccedilotildees eacute considerado responsaacutevel por uniformizar a interpretaccedilatildeo da lei por todo o paiacutes haacute de se esperar que as demais instacircncias sigam o posicionamento adotado por ele ainda mais se tratando de um entendimento sumulado

Recentemente surgiu uma posiccedilatildeo jaacute deveras adotada no que se refere agrave inversatildeo do ocircnus da prova ao considerar a hipossuficiecircncia do paciente Os julgadores passaram a aplicar o quanto disposto no artigo 373 sect 1ordm do CPC o qual confere ao juiz a possibilidade distribuir atraveacutes de decisatildeo fundamentada o ocircnus probante O Tribunal de Justiccedila do Rio de Janeiro no Agravo de Instrumento de nordm 0042435-2320198190000 de relatoria do desembargador Ricardo Alberto Pereira que antes possuiacutea en-tendimento da competecircncia do Juiacutezo consumerista nesses casos passou a entender que apoacutes enunciado nordm 608 da Suacutemula do STJ a competecircncia seria do Juiacutezo Ciacutevel e neste sentido o juiz da causa teria a incumbecircncia de proceder com a distribuiccedilatildeo do ocircnus probatoacuterio e a anaacutelise das provas necessaacuterias ao deslinde do feito

Na mesma linha de pensamento decidiu o TJ-DF no acoacuterdatildeo nordm 0711268-4320208070000 de relatoria da desembargadora Simone Lu-cindo que poderaacute o julgador nos casos previstos em lei ou diante das pe-culiaridades da causa atribuir o ocircnus da prova agrave parte que tenha melhores condiccedilotildees de produzi-lo

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6 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS

Eacute inteligiacutevel entatildeo a partir do quanto esposado a problematizaccedilatildeo a partir do entendimento a ser adotado pelos operadores do direito ao se depararem com a competecircncia em se tratar de responsabilidade meacutedica em casos de plano de sauacutede com autogestatildeo

Anterior ao ano de 2018 o entendimento majoritaacuterio era no sentido de aplicar a legislaccedilatildeo consumerista em razatildeo da natureza juriacutedica da re-laccedilatildeo meacutedico-paciente bem como da indispensabilidade da inversatildeo do ocircnus da prova em virtude da situaccedilatildeo de hipossuficiecircncia que permeia a parte paciente Entretanto com a chegada da suacutemula 608 do STJ os entendimentos jurisprudenciais passaram a caminhar para o sentido da inaplicabilidade do Coacutedigo de Defesa do Consumidor e viabilidade do Juiacutezo Ciacutevel em razatildeo da incidecircncia dos contratos de plano de sauacutede de autogestatildeo

Em razatildeo desta dubiedade eacute deveras comum que haja uma certa confusatildeo entre os causiacutedicos acostumados a lidarem com causas desta natureza acerca do direcionamento de suas accedilotildees Surge ainda o receio no que tange agrave proteccedilatildeo daquela parte dependente que contrata o plano de sauacutede em ser notadamente vulneraacutevel em estar em desvantagem na demanda em razatildeo da inviabilidade da utilizaccedilatildeo da inversatildeo do ocircnus da prova no juiacutezo ciacutevel

Os julgadores entatildeo passaram a assegurar a aplicabilidade do Coacute-digo de Processo Civil Ele em seu artigo 3737 versa acerca do ocircnus da prova e disciplina no sect 1ordm sobre situaccedilotildees previstas em lei ou diante de peculiaridades da causa relacionadas agrave impossibilidade ou agrave excessiva di-ficuldade de provar o quanto alegado Assim confere ao julgador atribuir o ocircnus da prova de modo diverso desde que por decisatildeo devidamente fundamentada

Destarte diante desta via adotada observa-se que a proteccedilatildeo con-ferida pelo Coacutedigo de Defesa do Consumidor aos vulneraacuteveis que natildeo

7 Art 373 sect 1ordm do Coacutedigo de Processo Civil ndash Nos casos previstos em lei ou diante de peculiaridades da causa relacionadas agrave impossibilidade ou agrave excessiva dificuldade de cumprir o encargo nos termos do caput ou agrave maior facilidade de obtenccedilatildeo da prova do fato contraacuterio poderaacute o juiz atribuir o ocircnus da prova de modo diverso desde que o faccedila por decisatildeo fundamentada caso em que deveraacute dar agrave parte a oportunidade de se desincumbir do ocircnus que lhe foi atribuiacutedo

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poderia ser aplicada nas Varas Ciacuteveis em razatildeo da ediccedilatildeo da suacutemula do STJ pode ser tambeacutem aplicada atraveacutes do CPC O resultado portanto acabaria por ser semelhante uma vez que o juiz confere agrave parte hipossuficiente a defesa do seu direito e a facilitaccedilatildeo de defesa em razatildeo de sua condiccedilatildeo quanto agrave questatildeo da possiacutevel responsabilidade meacutedica a ser discutida

Como fora possiacutevel de se observar no toacutepico anterior os tribunais de justiccedila dos Estados jaacute comeccedilaram a adotar este entendimento como por exemplo o TJ-RJ e o TJ-DF em julgados recentes do ano de 2019 e 2020 Ou seja a conjugaccedilatildeo do princiacutepio do livre convencimento do juiz junto com o diploma processual permite ao oacutergatildeo competente a anaacutelise das provas necessaacuterias ao deslinde do feito sem que haja qualquer prejuiacutezo agraves partes principalmente aquela que seria prejudicada em razatildeo de sua demanda natildeo versar sobre a proteccedilatildeo conferida pelo juiacutezo de consumo

Por fim eacute de conhecimento dos profissionais do mundo juriacutedico que o CPC de 2015 inovou ao estabelecer que o sistema de precedentes deve ser observado pelo juiz no momento de tomada de sua decisatildeo (FERNAN-DES 2016) O artigo 489 deste diploma processual inclusive menciona que aquela decisatildeo que contraria suacutemula jurisprudecircncia ou precedente invocado pela parte sem demonstrar a existecircncia de distinccedilatildeo no caso em julgamento natildeo eacute considerada fundamentada

Ou seja haacute um direcionamento presente no ordenamento juriacutedico em guiar o Judiciaacuterio a se vincular natildeo somente agrave lei mas tambeacutem aos precedentes judiciais Estes por sua vez conforme afirma o Min Luis Fux precisam ser estaacuteveis para que haja uma forccedila determinante Satildeo aqueles posicionamentos considerados paciacuteficos sumulados ou que foram de-cididos em um caso com repercussatildeo geral ou oriundo do incidente de resoluccedilatildeo de demandas repetitivas ou de recursos repetitivos Isto eacute natildeo satildeo entendimentos aplicados por membros isolados atraveacutes de decisotildees monocraacuteticas (RODAS 2015) Poreacutem importante mencionar que haacute diver-gecircncia na doutrina e jurisprudecircncia acerca da constitucionalidade deste artigo bem como da aparente obrigatoriedade do juiz em se vincular aos precedentes superiores Alguns estudiosos por exemplo entendem que o magistrado deveria observar levar em conta e analisar e natildeo necessaria-mente se ver compelido a seguir

De qualquer modo no que pertine agrave discussatildeo trazida neste presente trabalho vislumbrou-se que jaacute haacute uma tendecircncia dos tribunais em se-guir a linha processual e adotar o posicionamento da Suacutemula 608 do STJ Sendo assim as accedilotildees que possuam em debate questotildees relacionadas ao

A fixaccedilatildeo da competecircncia nas accedilotildees de responsabilidade civil meacutedica em planos de sauacutede de autogestatildeo

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contrato de plano de sauacutede de autogestatildeo poderatildeo seguir nas varas ciacuteveis em decorrecircncia do entendimento jurisprudencial (DAVID 2015)

Importante mencionar ainda que a parte considerada hipossuficien-te contratante do plano de sauacutede natildeo seraacute prejudicada com relaccedilatildeo agrave inversatildeo do ocircnus da prova Isto porque conforme acima mencionado o causiacutedico poderaacute se valer do artigo 373 sect 1ordm do CPC e requerer ao juiz a atribuiccedilatildeo de modo diverso sob alegaccedilotildees diversas de dificuldade para cumprimento de tal encargo

Em linhas gerais essa distribuiccedilatildeo dinacircmica do ocircnus probatoacuterio con-fere agraves partes a possibilidade de obterem o resultado desejado sem que haja qualquer divergecircncia da decisatildeo proferida pelo Tribunal Superior Assim a tutela perseguida por um dos demandantes seraacute devidamente analisada pelo juiacutezo considerado competente caminhando mais distante da trilha de reformulaccedilotildees e reconsideraccedilotildees posteriores que possam vir a tumultuar o andamento processual

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______ Superior Tribunal de Justiccedila REsp 866371RS Rel Min Raul Arauacutejo Quarta Tur-ma julgado em 27032012 DJe de 20082012 Citado como BRASIL 2012

______ Superior Tribunal de Justiccedila REsp 1285483PB Rel Min Luis Felipe Salomatildeo SEGUNDA TURMA julgado em 22062016 DJe 16082016

______ Superior Tribunal de Justiccedila REsp 1667776SP Rel Min Herman Benjamin SE-GUNDA TURMA julgado em 13062017 DJe 01082017 Citado como BRASIL 2017

______ Superior Tribunal de Justiccedila REsp 1806813SP Rel Ministro Herman Benjamin SEGUNDA TURMA julgado em 15082019 DJe 10092019

______ Superior Tribunal de Justiccedila AgInt no AREsp 1666161 SP 20200038631-9SP Rel Ministra Nancy Andrigui TERCEIRA TURMA julgado em 24082020 DJe 21082020

______ Superior Tribunal de Justiccedila AgInt no AREsp 1649072RJ Rel Ministro Luis Felipe Salomatildeo QUARTA TURMA julgado em 10082020 DJe 13082020 Citado como BRASIL 2020

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Nuances da uniformizaccedilatildeo de jurisprudecircncia e advento do IRDR no CPC2015 para suas aplicabilidades

nos Juizados Especiais

1 Especialista em Direito Previdenciaacuterio e Bacharel em Direito pela UNESA Especialista em Liacutengua Portuguesa pela REALIZA Poacutes-GraduaccedilatildeoBA Licenciado em Letras Vernaacute-culas pela UESB Advogado

Iuri Santos Ferreira da Silva1

Resumo Este estudo visa a traccedilar anaacutelises a respeito da importacircncia do advento dos Juizados Especiais para a apreciaccedilatildeo de demandas de menor complexidade e com propostas de tornarem ceacuteleres as resolu-ccedilotildees de conflitos bem como a facilitaccedilatildeo do acesso agrave justiccedila por uma grande parcela da populaccedilatildeo Ainda o trabalho presta-se a avaliar institutos que surgem no direito brasileiro em momento preacute e poacutes Constituiccedilatildeo de 1988 quais sejam a Uniformizaccedilatildeo de Jurisprudecircn-cia criada jaacute no CPC de 1973 sob o advento das suacutemulas existentes na deacutecada de 1960 na Corte Suprema e o IRDR ndash Incidente de Reso-luccedilatildeo de Demandas Repetitivas proveniente do CPC2015 Por fim aponta os contextos sobre os instrumentos de acesso agrave justiccedila e as divergecircncias existente quanto a competecircncias sob o alvitre de sobre-cargas de demandas cujos fatos trazem prejuiacutezos aos jurisdicionados haja vista a essencialidade dos Juizados Especiais

Palavras-chave Juizados Especiais Uniformizaccedilatildeo de jurisprudecircncia IRDR

1 BREVE ANAacuteLISE SOBRE AS URGEcircNCIAS DAS EVOLUCcedilOtildeES SOCIAIS E NECESSIDADES ECONOcircMICAS REFLETIDAS NO DIREITO CONTEMPORAcircNEO O ADVENTO DOS JUIZADOS

A existecircncia das intervenccedilotildees do homem com o ambiente que o cer-ca bem como as suas relaccedilotildees interpessoais satildeo o cerne da existecircncia do Direito ciecircncia tida como um ramo de estudo e ao mesmo tempo um instrumento de adequaccedilatildeo agraves demandas sociais sobre as quais a histoacuteria

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demonstra que satildeo totalmente mutaacuteveis e voluacuteveis Neste sentido cabiacutevel afirmar que se fez necessaacuterio o surgimento um instrumento de pacifica-ccedilatildeo em sociedade cuja aplicabilidade se prestava agrave resoluccedilatildeo de conflitos oriundos dos anseios e expectativas nestas relaccedilotildees

Com o passar do tempo a humanidade evoluiu e concomitantemen-te irrompeu natildeo sendo mais possiacutevel a partir de entatildeo um equiliacutebrio al-mejado somente pela existecircncia de bons costumes respeito e civilidade a ponto de que as demandas trazidas para o campo do Direito urgissem deste respostas mais efetivas sob pena de perecimento de bens disponiacute-veis e indisponiacuteveis tais como a vida a integridade a sauacutede a proprieda-de a acessibilidade entre outros

Nesta perspectiva foram necessaacuterios (e permanecem sendo) os ad-ventos e suas efetivas aplicaccedilotildees de institutos juriacutedicos que acompanhas-sem o ritmo destas demandas com o escopo de assegurar maior acesso agrave justiccedila evitar a (jaacute existente) sobrecarga do aparato judiciaacuterio em todo o mundo pela lentidatildeo do tracircmite de processos como tambeacutem de repelir as desconformidades nas decisotildees que versassem sobre temas comuns afins fazendo valer o princiacutepio da seguranccedila juriacutedica

Importante ressaltar que na contemporaneidade especificamente em momento de preluacutedio agrave promulgaccedilatildeo da Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica Federativa do Brasil de 1988 (a saber em 1982 e em 1984) e logo apoacutes a mesma sob esta eacutegide surgem as Casas Judicantes especializadas em atender a demandas de menor complexidade o que pressupotildee a sua de-finiccedilatildeo em menor tempo em cotejo com demandas de maior apuraccedilatildeo faacutetica e probatoacuteria Neste compasso cite-se a experiecircncia pioneira dos Conselhos de Conciliaccedilatildeo e Arbitragem engendrados no Rio Grande do Sul em 1982 em seguida a ediccedilatildeo da Lei nordm 724484 a qual deu azo ao Juizado de Pequenas Causas a menccedilatildeo ao Juizado de Pequenas Causas jaacute no proacuteprio art 24 X da CRFB88 com a determinaccedilatildeo de criaccedilatildeo de Juizados Especiais no art 98 I (redaccedilatildeo dada pela EC nordm 452004) deste arcabouccedilo a aprovaccedilatildeo da Lei Federal nordm 909995 que criou os Juizados Especiais Ciacuteveis e Criminais e que por consequecircncia revogou em seu art 97 a Lei nordm 724484 a partir de entatildeo passando a ser uma Justiccedila Especial

Ora o propoacutesito da criaccedilatildeo destas foi o de trazer a otimizaccedilatildeo das resoluccedilotildees de conflitos no que cerne agrave economicidade processual ins-trumentalidade de formas oralidade (com incentivo agrave conciliaccedilatildeo) cele-ridade e simplicidade ao passo que no Brasil jaacute na deacutecada de 1960 os

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tribunais faziam uso das suacutemulas (na data de 1963 tendo como mentor e propagador do instrumento o Min Victor Nunes Leal do Supremo Tri-bunal Federal) como uma ferramenta a diminuir os volumes de demanda sobretudo pela menor estrutura do sistema judiciaacuterio neste periacuteodo

2 INTRODUCcedilAtildeO AOS INSTITUTOS JURIacuteDICOS DA UNIFORMI-ZACcedilAtildeO DE JURISPRUDEcircNCIA E IRDR NO DIREITO BRASI-LEIRO

Ora no mundo juriacutedico eacute sabido que para todas as accedilotildees levadas agrave apreciaccedilatildeo judicial eacute necessaacuteria uma adequaccedilatildeo agrave formalidade de proce-dimento a qual estabelece as condiccedilotildees para que esta demanda possa de fato ser apreciada

Todavia estas (in) adequaccedilotildees ou (in) viabilidades nem sempre satildeo identificadas no iniacutecio do ato processual ao passo que nestas ocasiotildees o legislador trouxe o instituto da uniformizaccedilatildeo de jurisprudecircncia que se propotildee agrave dirimiccedilatildeo e eliminaccedilatildeo de controveacutersia acerca de determinada mateacuteria assim como a avocaccedilatildeo da seguranccedila juriacutedica que jaacute existia na Lei nordm 586973 em seus artigos 476 a 479

Importante frisar que apesar de o instituto natildeo possuir toacutepico es-peciacutefico no novel arcabouccedilo o mesmo reitera os paracircmetros acerca do instituto de maneira esparsa a exemplo da observaccedilatildeo dos precedentes do art 927 o qual assim versa

Os juiacutezes e os tribunais observaratildeo

I ndash as decisotildees do Supremo Tribunal Federal em controle concentrado de constitucionalidade

II ndash os enunciados de suacutemula vinculante

III ndash os acoacuterdatildeos em incidente de assunccedilatildeo de competecircncia ou de resoluccedilatildeo de demandas repetitivas e em julgamento de recursos ex-traordinaacuterio e especial repetitivos

IV ndash os enunciados das suacutemulas do Supremo Tribunal Federal em mateacuteria constitucional e do Superior Tribunal de Justiccedila em mateacuteria infraconstitucional

V ndash a orientaccedilatildeo do plenaacuterio ou do oacutergatildeo especial aos quais estiverem vinculados

sect 1ordm Os juiacutezes e os tribunais observaratildeo o disposto no art 10 e no art 489 sect 1ordm quando decidirem com fundamento neste artigo

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sect 2ordm A alteraccedilatildeo de tese juriacutedica adotada em enunciado de suacutemula ou em julgamento de casos repetitivos poderaacute ser precedida de audiecircn-cias puacuteblicas e da participaccedilatildeo de pessoas oacutergatildeos ou entidades que possam contribuir para a rediscussatildeo da tese

sect 3ordm Na hipoacutetese de alteraccedilatildeo de jurisprudecircncia dominante do Supre-mo Tribunal Federal e dos tribunais superiores ou daquela oriunda de julgamento de casos repetitivos pode haver modulaccedilatildeo dos efeitos da alteraccedilatildeo no interesse social e no da seguranccedila juriacutedica

sect 4ordm A modificaccedilatildeo de enunciado de suacutemula de jurisprudecircncia pa-cificada ou de tese adotada em julgamento de casos repetitivos observaraacute a necessidade de fundamentaccedilatildeo adequada e especiacutefica considerando os princiacutepios da seguranccedila juriacutedica da proteccedilatildeo da confianccedila e da isonomia

sect 5ordm Os tribunais daratildeo publicidade a seus precedentes organizando--os por questatildeo juriacutedica decidida e divulgando-os preferencialmente na rede mundial de computadores

De outra sorte emergem as inovaccedilotildees no CPC de 2015 a exemplo do denominado IRDR ndash Incidente de Resoluccedilatildeo de Demandas Repetitivas cuja justificativa para seu advento eacute a ocorrecircncia simultacircnea de efetiva repeticcedilatildeo de processos que contenham controveacutersia sobre a mesma ques-tatildeo unicamente de direito e o risco de ofensa agrave isonomia e agrave seguranccedila ju-riacutedica consoante aduz o art 976 Caput e incisos I e II da Lei nordm 1310515

Nesta toada nota-se que ambos os institutos possuem sua relevacircncia para que seja obstado o grande volume de accedilotildees apresentadas nas ins-tacircncias superiores das Casas Judiciaacuterias assim como natildeo se legitime lesatildeo a direito sobre temas que jaacute foram apreciados ou que estatildeo na iminecircncia de apreciaccedilatildeo

Destarte em que pese a regulamentaccedilatildeo do IRDR no CPC15 o CNJ jaacute vem emitindo enunciados com fins de uniformizaccedilatildeo de jurisprudecircncia sobre os quais aqui seratildeo levantadas pontuais ponderaccedilotildees

3 O INCIDENTE DE RESOLUCcedilAtildeO DE DEMANDAS REPETITIVAS E SUAS EFETIVIDADES TRAZIDAS NA LEI 1310515

Conforme anais do STJ o instituto do IRDR tem equivalecircncia com o recurso repetitivo apreciado pelo Superior Tribunal poreacutem no acircmbito dos Tribunais de Justiccedila e Tribunais Regionais Federais Sendo assim constata-da a existecircncia de diversas demandas nas quais se discute a mesma ques-tatildeo de direito os tribunais de segundo grauinstacircncia podem selecionar

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um processo para a fixaccedilatildeo de tese a qual seraacute aplicada a todos os casos congruentes

Ainda assim aduz o Superior Tribunal (consoante gestatildeo atribuiacuteda ao Min Paulo de Tarso Sanseverino)

Admitido o incidente o tribunal suspenderaacute o tracircmite de todos os processos individuais ou coletivos em sua jurisdiccedilatildeo Com a admissatildeo o CPC2015 estabelece que legitimados como as partes o Ministeacuterio Puacuteblico ou a Defensoria Puacuteblica poderatildeo requerer ao Supremo Tribu-nal Federal (STF) ou ao STJ a depender da mateacuteria a ampliaccedilatildeo da eficaacutecia de suspensatildeo em todo o territoacuterio nacional

O pedido de suspensatildeo nacional dirigido ao STJ explica-se pela hi-poacutetese de que contra o acoacuterdatildeo de segundo grau proferido no julga-mento do IRDR caberaacute a interposiccedilatildeo de recurso especial quando a questatildeo discutida versar sobre interpretaccedilatildeo de lei federal

O instituto por trazer inovaccedilotildees no mundo juriacutedico possui a sua com-plexidade e uma delas repousa no fato de que sob a visatildeo do estudioso Marcos Vinicius Gonccedilalves a doutrina majoritaacuteria tem considerado mais um requisito para a instauraccedilatildeo do mesmo que dos muacuteltiplos processos em que a questatildeo juriacutedica esteja sendo discutida ao menos um jaacute esteja no tribunal por forccedila de recurso remessa necessaacuteria ou competecircncia ori-ginaacuteria (GONCcedilALVES 2020 p1356)

Sinalize-se que diante de divergecircncias doutrinaacuterias sobre a sua ope-racionalidade nos processos existentes tem prevalecido nos pretoacuterios bra-sileiros o reconhecimento do IRDR com a preexistecircncia de uma ldquocausa-pa-radigmardquo ao passo que o instrumento soacute pode ser implementado havendo uma causa concreta pendente que esteja no tribunal ao qual pertence o oacutergatildeo competente para julgaacute-lo Deste modo o instituto eacute processado como incidente nesse processo e a questatildeo juriacutedica eacute examinada no caso concreto no qual o incidente foi instaurado

Ainda GONCALVES (2020) assevera que no mesmo instante da apre-ciaccedilatildeo pelo oacutergatildeo de um caso concreto o qual decide a questatildeo juriacutedica com forccedila de precedente vinculante o que foi decidido deve ser aplicado nos demais processos pendentes que versem sobre a mesma questatildeo e que estejam no tribunal ou nas Instacircncias inferiores

Saliente-se que em qualquer dos processos em tracircmite no qual a questatildeo juriacutedica seja discutida esteja o IRDR jaacute no tribunal ou instacircncia inferior sendo o mesmo admitido no entanto ele seraacute implementado no

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processo que estiver pendente na Colenda Casa o que exige como requi-sito do IRDR que haja ao menos um deles em curso no tribunal para que nele possa ser implementado o incidente que natildeo seraacute possiacutevel se todos os muacuteltiplos processos versando sobre a mesma questatildeo juriacutedica estive-rem no primeiro grau (a exemplo do IRDR nordm 1591478-0 TJ-PR o qual foi inadmitido por natildeo atendimento dos requisitos acima destacados)

A propoacutesito de ilustraccedilatildeo apontem-se alguns enunciados oriundos do ENFAM (Escola Nacional de Formaccedilatildeo e Aperfeiccediloamento de Ma-gistrados) quanto agrave proposiccedilatildeo dos IRDRs em sede de Juizados Especiais

Enunciado nordm 21 ndash O incidente pode ser suscitado com base em deman-das repetitivas em curso nos juizados especiais

Enunciado nordm 22 ndash A instauraccedilatildeo do IRDR natildeo pressupotildee a existecircncia de processo pendente no respectivo tribunal

Enunciado nordm 44 ndash Admite-se o IRDR nos juizados especiais que deveraacute ser julgado por oacutergatildeo colegiado de uniformizaccedilatildeo do proacuteprio sistema

Sinalize-se que apesar dos ditames dos enunciados emanados das associaccedilotildees de magistrados sobre a plausibilidade de apreciaccedilatildeo pelos Juizados Especiais haacute um grande embate entre os TRFs e TJs com o STJ em razatildeo de alegada sobrecarga de demandas nas primeiras acerca desta adequaccedilatildeo em virtude de alegada inconstitucionalidade na atribuiccedilatildeo dos Juizados em apreciar o IRDR em virtude da proacutepria Resoluccedilatildeo nordm 032016 do STJ evento sobre o qual haveraacute consideraccedilotildees a seguir

4 POSICIONAMENTOS DO STF E RESOLUCcedilAtildeO Nordm 0346 DO CNJ CRIacuteTICAS AO MANEJO DAS UNIFORMIZACcedilOtildeES DE JU-RISPRUDEcircNCIA NOS JUIZADOS E INTERPOSICcedilAtildeO DE DE-MAIS RECURSOS AgraveS CORTES MAacuteXIMAS

Com destaques ao advento dos Juizados Especiais da Lei nordm 909995 neste estudo eacute deveras relevante abordar sobre o microssistema dos jui-zados existente no Brasil para que se possa entender a dialeticidade da utilizaccedilatildeo das uniformizaccedilotildees de jurisprudecircncia como ferramenta de am-paro em cada Casa Judicante

Portanto este sistema dos Juizados Especiais eacute composto origina-riamente pelos Juizados Especiais Estaduais Comuns (Lei nordm 909995) em seguida pelos Juizados Especiais Federais (Lei nordm 102592001) e pe-los Juizados Especiais da Fazenda Puacuteblica Estadual e Municipal (Lei nordm

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121532009) Dito isto saliente-se que entendeu o legislador por limitar a quantidade de ferramentas recursais e procedimentais em nome de uma efetividade dos princiacutepios alhures mencionados no instante em que res-tringe o cabimento dos recursos quais sejam os Embargos de Declaraccedilatildeo (dirigido em face de sentenccedila de piso decisatildeo monocraacutetica e acoacuterdatildeo da Turma Recursal constante nos arts 994 IV 1022 a 1026 do CPC e arts 48 a 50 83 da Lei 909995) Recurso Inominado (direcionado agrave Turma Recur-sal consoante art 41 a 43 da Lei nordm 909995) e o Recurso Extraordinaacuterio (Enunciado de Suacutemula nordm 640 STF) para as Cortes Superiores em situaccedilotildees excepcionais

Ademais aponte-se uma observaccedilatildeo quanto agrave limitaccedilatildeo dos Juizados Especiais Ciacuteveis a existecircncia de um importante instrumento juriacutedico plei-teado quando o jurisdicionado tem direito lesado ou sob ameaccedila por de-cisatildeo jaacute tratada em temaacuteticas interpretativas de lei federal qual seja o PE-DILEF ndash Pedido de Uniformizaccedilatildeo de Interpretaccedilatildeo de Lei Federal ao passo que sua viabilidade restringe-se aos JEFs (art14 sect 4ordm da Lei 102592001) e dos Juizados Especiais da Fazenda Puacuteblica (art18 sect 3ordm e 19 caput da Lei 121532009) haja vista que a Lei nordm 909995 natildeo inovou quanto a este instrumento Nesta senda o instrumento seraacute apontado nas hipoacuteteses de

a) Interpretaccedilatildeo de lei federal destoante entre Turmas Recursais de diferentes Estados

b) Decisatildeo de Turma de Uniformizaccedilatildeo que contrariar suacutemula do STJ

Outrossim cite-se a ediccedilatildeo da Resoluccedilatildeo nordm 032016 do STJ a qual restringiu o cabimento da Reclamaccedilatildeo dirigida a esta Corte na hipoacutetese de decisatildeo de Turma Recursal Estadual que contrariar jurisprudecircncia do STJ consolidada em a) incidente de assunccedilatildeo de competecircncia b) inciden-te de resoluccedilatildeo de demandas repetitivas (IRDR) c) julgamento de recurso especial repetitivo d) enunciados das Suacutemulas do STJ e) precedentes do STJ Desta forma a hipoacutetese de divergecircncia de entendimento jurispru-dencial entre Turmas Recursais de Juizados especiais criminais comuns de diferentes Estados natildeo desafia o manejo de Pedido de Uniformizaccedilatildeo de Lei Federal perante o STJ Ou seja estas limitaccedilotildees e vedaccedilotildees reforccedilam a ideia de que o instrumento possui grande limitaccedilatildeo pois seu rol se de-monstra taxativo

Sobre estes entraves apreciem-se os exemplos tais como o julga-mento (procedente) de do Incidente de Inconstitucionalidade nordm 0000948-2120188150000 da Segunda Seccedilatildeo Especializada Ciacutevel do TJ-PB cuja

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relatora a Des Maria das Graccedilas M Guedes asseverou que o STJ natildeo de-teacutem competecircncia legislativa para ampliar as atribuiccedilotildees jurisdicionais do TJPB por ser tema da competecircncia a ser regulado pelo proacuteprio Estado Federado no exerciacutecio da autonomia poliacutetico-administrativa assegurada na CRFB88 e materializada no artigo 1ordm da sua Constituiccedilatildeo Estadual Ainda elucida que aleacutem da autonomia aludida o STF no julgamento do RE nordm 571572-BA declarou ser competente o STJ para dirimir divergecircncia entre decisotildees proferidas pelas turmas recursais estaduais e sua proacutepria jurisprudecircncia ateacute a criaccedilatildeo da turma de uniformizaccedilatildeo dos juizados espe-ciais estaduais No mesmo toar a relatora pontua que a referida Resoluccedilatildeo tambeacutem estaacute dissonante com o art 125 sect 1ordm da CRFB

Ainda aponte-se o julgado do TJMG sobre a mencionada arguiccedilatildeo

Ementa arguiccedilatildeo de inconstitucionalidade Reclamaccedilatildeo Resoluccedilatildeo nordm 3 de 2016 do STJ Fixaccedilatildeo de competecircncia Divergecircncia entre acoacuterdatildeo prolatado por turma recursal estadual e jurisprudecircncia do Superior Tribunal de Justiccedila Julgamento da Reclamaccedilatildeo pelos tribu-nais estaduais Inconstitucionalidade Incidente acolhido (Processo nordm 1000016039708-9001 Rel Caetano Levi Lopes DJe 15062018)

Destes cenaacuterios eacute possiacutevel afirmar que restam latentes os conflitos entre as Casas Judicantes brasileiras no que cerne implicitamente ao afas-tamento de novas atribuiccedilotildees de um lado e manutenccedilatildeo das agregaccedilotildees de anaacutelises pelas Cortes Maacuteximas de outro sob a alegaccedilatildeo de sobrecarga de demandas nos pretoacuterios situaccedilatildeo que no final acaba por tolhir os di-reitos e garantias estabelecidas na CRFB88

De outra banda com sua efetividade somente em 2017 delineou-se a efetividade da suspensatildeo nacional de determinada demanda por admis-satildeo do IRDR pelo STJ sob a gestatildeo do Min Paulo de Tarso Sanseverino oriundo do Tribunal Regional Federal da 4ordf Regiatildeo sob a Resoluccedilatildeo nordm 543 do Contran que trata da inclusatildeo de aulas em simulador de direccedilatildeo veicular para a obtenccedilatildeo da carteira nacional de habilitaccedilatildeo Pautado no art 982 paraacutegrafo 3ordm do Coacutedigo de Processo Civil (CPC) de 2015 o STJ por meio da Emenda Regimental 222016 introduziu em seu Regimento Interno o artigo 271-A estabelecendo que o presidente do tribunal pode-raacute suspender as accedilotildees que versem sobre o objeto do incidente por motivo de seguranccedila juriacutedica ou por excepcional interesse social

Neste contexto eacute criacutevel que as discussotildees acerca do tema ainda pre-cisam de ampla atenccedilatildeo dos aplicadores do direito bem como de apro-fundamentos dos estudos por parte dos doutrinadores uma vez que a

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aplicabilidade destes institutos prima pela seguranccedila juriacutedica pleno aces-so agrave justiccedila diminuiccedilatildeo das demandas convencionais como tambeacutem pelo caraacuteter satisfativo dos conflitos existentes na sociedade

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DIDIER JR Fredie Curso de Direito Processual Civil o processo civil nos tribunais recursos accedilotildees de competecircncia originaacuteria de tribunal e querela nullitatis incidentes de competecircn-cia originaacuteria de tribunal 13ordf ed Salvador Juspodium 2016

GONCcedilALVES Marcus V Rios Direito Processual Civil Esquematizado 11ordf ed SP Saraiva Edu-caccedilatildeo 2020

LENZA Pedro Direito Constitucional Esquematizado 24ordf ed SP Saraiva 2020

MORAES Alexandre de Direito Constitucional 35ordf ediccedilatildeo Atlas 2019

PINTO Oriana P de Azevedo Magalhatildees Abordagem Histoacuterica e Juriacutedica dos Juizados de Pequenas Causas aos atuais Juizados Especiais Ciacuteveis e Criminais Brasileiros ndash Parte II Disponiacutevel em lthttpswwwtjdftjusbrinstitucionalimprensacampanhas-e-pro-dutos artigos-discursos-e-entrevistasartigos2008abordagem-historica-e-juridica--dos-juizados-de-pequenas-causas-aos-atuais-juizados-especiais-civeis-e-criminais--brasileiros-parte-ii-juiza-oriana-piske-de-azevedo-magalhaes-pintogt Acesso em 16 nov 2020

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A melhoria da prestaccedilatildeo jurisdicional a partir do

fortalecimento das accedilotildees articuladas com oacutergatildeos de defesa

do consumidor em vista da desjudicializaccedilatildeo das demandas

1 Advogado Especialista em Direito do consumidor Mestrando em Direito Superin-tendente do ProconBA e Presidente da Associaccedilatildeo Brasileira de Procons ndash PRO-CONSBRASIL

Filipe de Arauacutejo Vieira1

Resumo O presente estudo surge motivado pela comemoraccedilatildeo dos 25 anos do COJE que nos leva a refletir sobre os avanccedilos experimen-tados ao longo deste tempo para projetar as nossas perspectivas futuras Com efeito sendo o direito uno e o Estado uma uacutenica forccedila manifestada pelo Executivo e pelo Judiciaacuterio as accedilotildees articuladas permitiram o enfrentamento ao volume e demandas o trabalho pre-ventivo e educativo para evitar o litiacutegio a busca pela conciliaccedilatildeo dos interessados inclusive por meacutetodos alternativos de soluccedilatildeo de con-flitos dentre outras iniciativas Balizar-se nos limites da prestaccedilatildeo do serviccedilo jurisdicional de qualidade e da garantia do acesso agrave justiccedila em contraponto com a desjudicializaccedilatildeo das demandas Nesta linha discutimos iniciativas e projeccedilotildees otimistas de evoluccedilatildeo social prin-cipalmente por considerar as iniciativas e parcerias realizadas com os oacutergatildeos de proteccedilatildeo e defesa do consumidor como o PROCONBA na consecuccedilatildeo dos fins comuns defesa do cidadatildeo na linha do quanto recomenda o Plano Nacional de Consumo e Cidadania

Palavras-chave Prestaccedilatildeo Jurisdicional Accedilotildees Articuladas Defesa do Consumidor Juizado Procon Conciliaccedilatildeo Desjudicializaccedilatildeo

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1 APRESENTACcedilAtildeO

A lei natildeo excluiraacute da apreciaccedilatildeo do Poder Judiciaacuterio lesatildeo ou ameaccedila a direito Assim institui o art 5ordm XXXV da Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica Federativa do Brasil de 1988 ao determinar a todo e qualquer indiviacuteduo o Direito de Acesso agrave Justiccedila Tem-se aqui uma claacuteusula peacutetrea e por isso qualificada em niacuteveis ainda mais relevantes no nosso ordenamento juriacutedico

O Poder Judiciaacuterio no alto das suas complexidades e do seu poder de atuaccedilatildeo na soluccedilatildeo de litiacutegios e contendas atraveacutes dos seus oacutergatildeos jurisdicionais acertou por bem em dividir-se de modo a qualificar a sua entrega agrave populaccedilatildeo Com isso para as causas mais ceacuteleres e de menor complexidade criaram-se os Juizados Especiais como uma das maiores transformaccedilotildees de real acessibilidade agrave Justiccedila

Tambeacutem chamada de Constituiccedilatildeo Cidadatilde a nossa lei maior vigente tambeacutem direcionou a Uniatildeo Distrito Federal e Territoacuterios bem como aos Estados a criaccedilatildeo de Juizados Especiais providos por juiacutezes togados ou togados e leigos Atribuiu competecircncia para a conciliaccedilatildeo o julgamento e a execuccedilatildeo de causas ciacuteveis de menor complexidade e infraccedilotildees penais de menor potencial ofensivo Com vistas agrave celeridade processual determi-nou-se ainda adoccedilatildeo de procedimentos oral e sumariacutessimo permitidos nas hipoacuteteses previstas em lei a transaccedilatildeo e o julgamento de recursos por turmas de juiacutezes de primeiro grau

Quando surgiram os Juizados Especiais foram tatildeo aderentes ao re-dimensionamento do Poder Judiciaacuterio brasileiro que as demandas co-meccedilaram a aumentar naturalmente como fruto de litigiosidade contida (WATANABE 2019) ganhando em relevacircncia e volume de processos Outro fenocircmeno natural decorrente foi a separaccedilatildeo didaacutetica da natureza das accedilotildees que migraram e se fizeram acontecer por meio dos juizados de modo a que fosse criadas as varas especializadas ciacuteveis de causa comum especializadas do consumidor especializadas de tracircnsito especializadas ateacute mesmo da fazendo puacuteblica A estas somem-se aquelas que funcio-nam junto ao juizado especial penal ou que foram criadas por algumas estruturas estaduais para tratar dos casos de violecircncia domeacutestica como resposta a um forte apelo da populaccedilatildeo pela atenccedilatildeo ao social

Boa parte dos estudos do Conselho Nacional de Justiccedila (CNJ) no lido das suas demandas debruccedilam-se hoje sobre o volume de proces-sos que tramitam nos Juizados Especiais em todo o paiacutes Isto porque

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embora sejam causas de menor complexidade e de menor valor envol-vido em termos de volumetria processual os juizados guardam consigo imenso potencial de concentrar demandas repetitivas E pelos criteacuterios atraveacutes quais se definem as competecircncias de um Juizado a quantidade de relaccedilotildees cotidianas ndash que podem gerar discussotildees litigiosas e com isso questionamentos levados ao conhecimento do judiciaacuterio ndash eacute igual-mente grandiosa

Diante deste cenaacuterio o presente estudo move-se por algumas inquie-taccedilotildees Uma delas versa sobre a dualidade daquilo que seria antagocircnico e aparentemente incongruente vez que ao tempo que o mandamento constitucional fala garantir o acesso a justiccedila muitos falam em Desjudicia-lizaccedilatildeo e diminuiccedilatildeo das demandas no judiciaacuterio Haveria entatildeo e de fato uma incongruecircncia nestas colocaccedilotildees

Outro raciociacutenio que nos ocorre em questatildeo seria quanto a loacutegica de soluccedilatildeo efetiva do problema Ao tempo que a justiccedila comum estava envolta em altiacutessimo volume de processos os Juizados Especiais surgiram como forma de ldquodesafogarrdquo a justiccedila comum Neste caso que agora satildeo os Juizados Especiais que estatildeo lidando com o excessivo volume de proces-sos em tracircmite qual seria a soluccedilatildeo para eles A Desjudicializaccedilatildeo deve ser defendida a todo argumento e a qualquer custo

Certamente sejam questionamentos sem uma resposta soacutelida con-creta e acabada para qual jaacute ressaltamos que o presente estudo natildeo se arvora do condatildeo de finalizar a discussatildeo nem de encerrar a mateacuteria

Guardamos a certeza poreacutem de que a expertise formada ao longo de 25 Anos dos Juizados Especiais do Tribunal de Justiccedila da Bahia em suas accedilotildees e realizaccedilotildees no lido com os problemas do cotidiano podem servir como fonte de informaccedilatildeo e inspiraccedilatildeo agravequeles que queriam re-solver os problemas da populaccedilatildeo e realizar a justiccedila de qualidade para o cidadatildeo

No presente estudo entatildeo delineamos o trabalho dos Juizados Espe-ciais ndash ao longo do seu surgimento e existecircncia arriscando-nos a projetar algumas perspectivas futuras ndash tomando por base as suas varas especia-lizadas de direito do consumidor considerando a articulaccedilatildeo com outros oacutergatildeos puacuteblicos e da administraccedilatildeo direta em especial a Superintendecircn-cia de Proteccedilatildeo e Defesa do Consumidor ndash PROCONBA

A melhoria da prestaccedilatildeo jurisdicional a partir do fortalecimento das accedilotildees articuladas com oacutergatildeos de defesa do consumidor em vista da desjudicializaccedilatildeo das demandas

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2 PREMISSAS E PROBLEMATIZACcedilAtildeO

21 VOLUME DE DEMANDAS E DADOS DO CONSELHO NACIO-NAL DE JUSTICcedilA (CNJ)

O Conselho Nacional de Justiccedila ndash oacutergatildeo integrante do Poder Judiciaacute-rio na forma do quanto disposto no art 92 I-A da Constituiccedilatildeo Federal incluiacutedo pela Emenda Constitucional nordm 452004 ndash atua de forma a aper-feiccediloar o trabalho do sistema judiciaacuterio paacutetrio de modo a ter suas accedilotildees sempre voltadas a assegurar os princiacutepios da eficiecircncia e da transparecircncia por parte dos demais oacutergatildeos judicantes de modo a promover o planeja-mento estrateacutegico e a governanccedila da Justiccedila brasileira

No exerciacutecio destas e de outras atribuiccedilotildees o CNJ promove a publi-caccedilatildeo do perioacutedico Justiccedila em Nuacutemeros publicado anualmente em sua versatildeo completa e mais objetivamente considerado atraveacutes de sumaacuterio executivo que apesentam os resultados e as percepccedilotildees acerca das de-mandas e litiacutegios em tracircmite no judiciaacuterio em todo o paiacutes

No caso do Justiccedila em Nuacutemeros 2020 ndash Sumaacuterio Executivo (CNJ 2020) anotam-se a existecircncia de 771 milhotildees de processos em tramitaccedilatildeo ao final de dezembro ressaltando como positivo o fato de ser o segundo ano consecutivo de reduccedilatildeo do nuacutemero de casos pendentes de modo que 2019 ndash ano analisado e divulgado agora em 2020 portanto fora de contexto de pandemia do coronaviacuterus e sem seus impactos ndash apresen-tou nuacutemeros proacuteximos daqueles observados em 2015 Ainda segundo a publicaccedilatildeo em comparaccedilatildeo com 2018 o nuacutemero de casos solucionados aumentos 116 Denota-se aqui o maior poder de soluccedilatildeo dos conflitos levados ao judiciaacuterio

Quando trata do Iacutendice de Produtividade do Magistrado (IPM) o es-tudo diz o seguinte

O relatoacuterio aponta o maior Iacutendice de Produtividade dos Magistrados (IPM) desde 2009 13 com meacutedia de 2107 processos baixados por magistrado (apesar da vacacircncia de 77 cargos de juiacutezes no ano de 2019)

O iacutendice de produtividade dos servidores da aacuterea judiciaacuteria tambeacutem cresceu (14) verificando meacutedia de 22 casos a mais baixados por servidor em relaccedilatildeo a 2018 (CNJ 2020)

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Ainda na publicaccedilatildeo o CNJ ao tratar da estrutura do Poder Judiciaacuterio anotou que O 1ordm grau do Poder Judiciaacuterio possui 14792 unidades judiciaacuterias nuacutemero semelhante ao apresentado no ano anterior

Natildeo obstante ainda na anaacutelise do sumaacuterio executivo destes nuacutemeros da justiccedila em 2019 aponta-se que 67 das comarcas brasileiras providas com uma vara satildeo juiacutezos uacutenicos da Justiccedila Estadual Essas unidades tecircm com-petecircncia para processar todos os tipos de feitos (CNJ 2020)

A soma destes dados datildeo ensejo ao entendimento de que natildeo houve aumento de comarcas ou novas unidades judiciaacuterias instaladas no paiacutes que ao contraacuterio chegou-se a minguar a quantidade de julgadores No Tribunal de Justiccedila do Estado da Bahia por exemplo o CNJ aponta a vacacircncia de 175 (cento e setenta e cinco) vagas para magistrados e de 6619 (seis mil seiscentos e dezenove) servidores ao tempo ainda em que alguns juiacutezos operam com a assistecircncia jurisdicional para todos os tipos de feitos

Quando fazemos o recorte das accedilotildees que tocam ao direito do con-sumidor nos juizados especiais o relatoacuterio Justiccedila em Nuacutemeros 2020 (CNJ 2020) em sua versatildeo completa eacute possiacutevel perceber que nesta aacuterea o as-sunto mais demandado eacute o exatamente o de responsabilidade do forne-cedor considerando ainda os pedidos de indenizaccedilatildeo e reparaccedilatildeo por dano moral que correspondem a 1554088 (hum milhatildeo quinhentos e cinquenta e quatro mil e oitenta e oito) de processos

Considerando o duplo grau de jurisdiccedilatildeo dos juizados assegurados pelas turmas recursais para aqueles que ficaram insatisfeitos com a tutela recebida a quantidade de processos eacute ainda mais significativa vez que 16 do total de processos que sobre versam sobre a reponsabilidade do fornecedor por dano moral e ouros 461 discutem por dano material

Preocupa-nos exatamente esta realidade de enfretamento diaacuterio dos magistrados que responsaacuteveis por juiacutezos uacutenicos tem que atender em to-das as aacutereas do direito em processos que podem ter origem e destinaccedilatildeo das mais diversas ordens possiacuteveis

Recobra-se pois a reflexatildeo sobre a qualidade desta prestaccedilatildeo jurisdi-cional vez que tramita-se e decide-se muito em quantidades crescentes mas que natildeo satildeo acompanhadas pelo igual ritmo de aparelhamento e estruturaccedilatildeo mesmo de quadro funcional

Uma reflexatildeo ainda cabiacutevel neste toacutepico versa sobre as alegaccedilotildees de quem entende haver a cultura da litigiosidade Natildeo nos aprece a mais ade-quada pois antes do litigio haacute o desrespeito ao direito e a desinformaccedilatildeo

A melhoria da prestaccedilatildeo jurisdicional a partir do fortalecimento das accedilotildees articuladas com oacutergatildeos de defesa do consumidor em vista da desjudicializaccedilatildeo das demandas

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Daqui decorreria a sensaccedilatildeo de falta e a inerente necessidade de buscar do amparo legal para recobrar algo que se entende ter sido desrespeitado

Assim nos ocorre nova linha de questionamentos se os consumido-res fossem de fato respeitados em seus direitos ou ao menos informados adequadamente ndash em face das suas vulnerabilidades teacutecnica e juriacutedica ndash seraacute que haveriam tantos litiacutegios judicializados A melhor forma de evitar a judicializaccedilatildeo poderia ser recolocar o foco na origem para que natildeo hou-vesse razotildees espaccedilo ou nem mesmo elementos ensejadores do litiacutegio Resolver na origem natildeo seria mais eficiente e mais econocircmico que atacar o resultado lsquojudicializaccedilatildeorsquo

22 NECESSIDADE DE SOLUCIONAR SEM JUDICIALIZAR AS DE-MANDAS

Os nuacutemeros apresentados para o quantitativo de processos satildeo bas-tante significativos e ajudam a dimensionar o problema vez que os Juiza-dos surgiram para desafogar a justiccedila comum e agora eacute preciso pensar em como desafogar os juizados

Kazuo Watanabe quando perguntado sobre um dos seus grandes feitos para o ordenamento juriacutedico brasileiro ndash teve participaccedilatildeo funda-mental na criaccedilatildeo da Lei nordm 9099 de 26 de setembro de 1995 que dispotildee sobre os Juizados Especiais Ciacuteveis e Criminais ndash ensinou

Diagnosticamos que estava havendo uma litigiosidade contida por-que as partes natildeo sabiam a quem ou como recorrer Notamos que o CPC ateacute poderia funcionar para pessoas que tivessem posse e condi-ccedilotildees mas natildeo funcionava para pessoas humildes Foi formulada uma proposta que facilitasse o acesso agrave justiccedila por parte de uma camada mais humilde Fui indicado pela Associaccedilatildeo Paulista de Magistrados juntamente com o professor Cacircndido Rangel Dinamarco para partici-par da comissatildeo elaboradora do anteprojeto de lei Essa lei significou o primeiro rompimento do modelo liberal-individualista que estava no CPC em que predominava a autonomia individual Essa lei foi um sucesso tanto que a Constituiccedilatildeo de 1988 a consagrou definitivamen-te (WATANABE 2019)

A desjudicializaccedilatildeo com isso se tornou em termo bastante em voga na ordem do dia de diversos oacutergatildeos e instituiccedilotildees que interagem com o ju-diciaacuterio no lido das suas atribuiccedilotildees Contudo aos nossos olhos parece que a desjudicializaccedilatildeo natildeo deva ser um fim a ser alcanccedilado por qualquer meio Eacute preciso em verdade pensar mais no caminho que neste resultado em si

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Isto porque as premissas e razotildees da justiccedila natildeo devam ser afastados da linha que traccedila a ideia de prestaccedilatildeo jurisdicional de qualidade com transparecircncia isonomia imparcialidade resolutividade e efetiva justiccedila aos assistidos Preservadas estas bases podem ser construiacutedas ferramen-tas alternativas de soluccedilatildeo de litiacutegios como forma de incentivas a conci-liaccedilatildeo a mediaccedilatildeo a autocomposiccedilatildeo e em casos de julgamentos entre iguais a arbitragem pode ser aplicada ressalvados neste caso os limites da Lei nordm 9307 de 23 de setembro de 1996

Na seara do consumidor para aleacutem do trabalho do trabalho dos Pro-cons uma boa perspectiva de soluccedilatildeo natildeo judicial ndash mas que oferece as mesas qualidades e premissas de compromisso puacuteblico com a soluccedilatildeo de conflitos ndash surge com os Procons e com a plataforma digital wwwconsu-midorgovbr criada e mantida pela Secretaria Nacional do Consumidor (SENACON) oacutergatildeo do Min da Justiccedila e Seguranccedila Puacuteblica e que seraacute abor-dada mais adiante

Para melhor dimensionarmos esta capacidade de soluccedilatildeo os dados oficiais datildeo conta que em 2019 foram realizados 2598042 (dois milhotildees quinhentos e noventa e oito mil e quarenta e dois) atendimentos pelos Procons com meacutedia de resolutividade geral na ordem de 791 dos aten-dimento atraveacutes dos primeiros atendimento estabelecendo linha direta do oacutergatildeo para com as empresas seja por uma ligaccedilatildeo telefocircnica ou envio de uma mensagem de correio eletrocircnico direcionada Quando considera o recorte de atendimento que tocam apenas aos serviccedilos e telecomuni-caccedilotildees os iacutendices de resolutividade sobem a 844 dos casos e quanto cuidam apenas de transporte aeacutereo baixam pouco ao patamar de 708 de soluccedilatildeo preliminar Evita-se com isso a discussatildeo em acircmbito judicial de forma bastante significativa

3 METODOLOGIA

As mesmas observaccedilotildees sociais que causaram as inquietaccedilotildees que motivaram o presente estudo levou ao aprofundamento da anaacutelise que ora se faz por meio do desenvolvimento do raciociacutenio logico-dedutivo A evoluccedilatildeo do pensamento se perfez por meio de leitura da legislaccedilatildeo para aleacutem do mero teto final mas conhecendo as justificativas destas leis envolvidas na mateacuteria socorrendo-se sempre que necessaacuterio dos ensina-mentos da doutrina e da jurisprudecircncia bem como coleta e apuraccedilatildeo dos dados graacuteficos e informaccedilotildees resultantes de estudos governamentais ins-titucionais e das organizaccedilotildees sociais nacionais e estrangeiras conforme pormenorizado nas referecircncias bibliograacuteficas

A melhoria da prestaccedilatildeo jurisdicional a partir do fortalecimento das accedilotildees articuladas com oacutergatildeos de defesa do consumidor em vista da desjudicializaccedilatildeo das demandas

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4 DIMINUICcedilAtildeO DA QUANTIDADE DE PROCESSO COM FOCO NA MELHORIA DA QUALIDADE DA PRESTACcedilAtildeO JURISDI-CIONAL

41 PLANO NACIONAL DAS RELACcedilOtildeES DE CONSUMO ndash PLAN-DEC

Na linha delimitada na apresentaccedilatildeo do presente estudo ajustou-se a anaacutelise a partir da defesa do consumidor cuja ancoragem principal ba-liza-se na Lei nordm 8078 de 11 de setembro de 1990 que instituiu o Coacutedigo de Defesa do Consumidor (CDC)

Numa eventual divisatildeo entre o Direito Puacuteblico e o Direito Privado po-demos assentar o Direito do Consumidor como uma codificaccedilatildeo que cuida da relaccedilatildeo entre particulares (fornecedor e consumidor) cujas normas po-reacutem satildeo de ordem puacuteblica e interesse social

Sobre isso Claudia Lima Marques ensina

O Coacutedigo de Defesa do Consumidor eacute uma lei de funccedilatildeo social traz normas de direito privado mas de ordem puacuteblica (direito privado indisponiacutevel) e normas de direito puacuteblico Eacute uma lei de ordem puacute-blica econocircmica (ordem puacuteblica de coordenaccedilatildeo de direccedilatildeo e de proibiccedilatildeo) e lei de interesse social (a permitir a proteccedilatildeo coletiva dos interesses dos consumidores presentes no caso) como claramente especifica seu art 1ordm tendo em vista a origem constitucional desta lei (MARQUES 2016)

Desta feita a relaccedilatildeo de consumo poderia ser reconhecida pela auto-ridade puacuteblica na defesa de interesses que socialmente devem prevalecer sobre os interesses pessoais Esta constataccedilatildeo decorreria do reconheci-mento da vulnerabilidade do consumidor conforme preleciona o art 4ordm I do CDC que ainda preconiza a interpretaccedilatildeo sempre com base na boa-feacute e no equiliacutebrio nas relaccedilotildees entre consumidores e fornecedores

Logo adiante no art 5ordm IV ao tratar das iniciativas para a execuccedilatildeo e instrumentalizaccedilatildeo da Poliacutetica Nacional das Relaccedilotildees de Consumo o coacute-digo previu a criaccedilatildeo de Juizados Especiais de Pequenas Causas e Varas Especializadas para a soluccedilatildeo de litiacutegios de consumo Nesta mesma li-nha editou-se o Decreto nordm 7963 de 15 de marccedilo de 2013 que instituiu o Plano Nacional de Consumo e Cidadania (PLANDEC) com a finalidade de promover a proteccedilatildeo e defesa do consumidor em todo o territoacuterio nacional por meio da integraccedilatildeo e articulaccedilatildeo de poliacuteticas programas e accedilotildees

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Eacute exatamente o que observamos na estrutura do TJ-BA por meio da sua Coordenaccedilatildeo dos Juizados Especiais (COJE) que aos nossos olhos aparece em posiccedilatildeo de destaque no cenaacuterio nacional pelo vanguardismo e por executar a diretrizes do PLANDEC quanto a promover a educaccedilatildeo para o consumo a garantia do acesso agrave justiccedila e a eficaz prestaccedilatildeo do serviccedilo puacuteblico para comunidade baiana

42 ACORDOS DE COOPERACcedilAtildeO TEacuteCNICA FORTALECENDO AS ACcedilOtildeES ARTICULADAS DOS OacuteRGAtildeOSSocorrendo-nos ainda do PLANDEC temos o seguinte dispositivo

Art 13 Para a execuccedilatildeo do Plano Nacional de Consumo e Cidadania poderatildeo ser firmados convecircnios acordos de cooperaccedilatildeo ajustes ou instrumentos congecircneres com oacutergatildeos e entidades da administraccedilatildeo puacuteblica federal dos Estados do Distrito Federal e dos Municiacutepios com consoacutercios puacuteblicos bem como com entidades privadas na for-ma da legislaccedilatildeo pertinente

Aqui mais que apenas a base legal para formulaccedilatildeo de termos de cooperaccedilatildeo teacutecnica acordos e convecircnio temos o posicionamento do le-gislador em valorizar e fomentar a articulaccedilatildeo entre os oacutergatildeos de defesa do consumidor constituindo-se no caso do Estado da Bahia um verdadei-ro sistema estadual de defesa do consumidor

Antes mesmo da ediccedilatildeo do PLANDEC esta diretiva jaacute guiava o Tribu-nal de Justiccedila do Estado da Bahia atraveacutes da Coordenaccedilatildeo dos Juizados e a entatildeo Secretaria da Justiccedila Cidadania e Direitos Humanos2 atraveacutes do PROCONBA que em 25 de janeiro de 2013 assinaram Termo de Coopera-ccedilatildeo Teacutecnica para trabalho em conjunto

O termo fora firmado com o fim uacuteltimo de obter maior efetividade agrave atuaccedilatildeo dos oacutergatildeos envolvidos e agilizar os serviccedilos jurisdicionais bem como facilitar o acesso agrave justiccedila do Consumidor resguardada a indepen-decircncia das instacircncias facilitando a defesa de seus direitos

Para tanto o Termo previa a homologaccedilatildeo pelo Poder Judiciaacuterio dos acordos firmados entre consumidores e fornecedores em mesa de audiecircn-cia realizada no PROCONBA visando constituiacute-los em tiacutetulos executivos

2 Atualmente denominada de Secretaria de Justiccedila Direitos Humanos e Desenvolvi-mento Social do Estado da Bahia conforme Lei Estadual nordm 13204 de 11 de dezem-bro de 2014

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judiciais nos termos do Art 57 da Lei nordm 909995 concorrente com Art 475-N inciso V do antigo Coacutedigo de Processo Civil3

Previa-se ainda a avaliaccedilatildeo dos avanccedilos alcanccedilados e das realizaccedilotildees construiacutedas para ao aproximar do seu prazo de vencimento o Termo ser renovado Lamenta-se contudo que na sucessatildeo dos fatos as opccedilotildees de gestatildeo reconsideraram suas anaacutelises e natildeo fizeram perpetuar o pacto de trabalho firmado

Eis aqui ponto fundamental a ser revisto pelas atuais gestotildees das pastas com vistas a retomar esta importante ferramenta de realizaccedilatildeo da justiccedila no estado da Bahia

Este apelo fica reforccedilado quando observam-se os comportamentos de Procons e tribunais de justiccedila de outros estados que entre si inspira-ram-se para a formulaccedilatildeo de termos de cooperaccedilatildeo com igual premissa de realizar justiccedila e compromisso de resolver demandas em auxiacutelio um do outro Eacute o que se tem registro para os estados do Maranhatildeo do Pernam-buco e de Minas Gerais por exemplo

43 FORTALECIMENTO DOS PROCONS COMO FORMA DE SO-LUCcedilAtildeO ADMINISTRATIVA DE LITIacuteGIOS DE MENOR COM-PLEXIDADE

Mais uma vez valendo-se do quanto disposto no Decreto nordm 79632013 o art 4ordm cuida dos eixos de atuaccedilatildeo do Plano Nacional de Consumo e Cidadania dentre eles temos o fortalecimento do Sistema Na-cional de Defesa do Consumidor (SNDC) e dos seus corolaacuterios no acircmbito estadual E para que haja este o fortalecimento o art 7ordm III complementa que a forma de fazecirc-lo seria por meio do ldquofortalecimento da atuaccedilatildeo dos Procons na proteccedilatildeo dos direitos dos consumidoresrdquo

Neste sentido existem diversos projetos de lei tanto na Cacircmara dos Deputados quanto no Senado que se dispotildeem exatamente a dar maior autonomia e poder de atuaccedilatildeo aos Procons como eacute o caso do Projeto de Lei nordm 51962013 que jaacute apresenta um razoaacutevel estaacutegio de avanccedilo vez que

3 Dado o tempo da assinatura a indicaccedilatildeo do texto do Termo referia-se ao art 475-N V da Lei nordm 5869 de 11 de janeiro de 1973 (antigo CPC) Atualmente o dispositivo corres-ponde ao art 515 III da Lei nordm 13105 de 16 de marccedilo de 2015 (novo CPC)

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jaacute fora aprovado na Comissatildeo de Defesa do Consumidor e na Comissatildeo de Constituiccedilatildeo e Justiccedila da casa aberta do Congresso Nacional

O PL 51962013 dentre as modificaccedilotildees previstas para a Lei nordm 807890 (CDC) pretende dar condiccedilotildees de que em caso de infraccedilatildeo agraves normas de defesa do consumidor os Procons coercitivamente pudes-sem aplicar medidas corretivas com fito de determinar substituiccedilatildeo ou reparaccedilatildeo do produto ou a devoluccedilatildeo da contraprestaccedilatildeo paga pelo consumidor mediante cobranccedila indevida ou ainda o efetivo cumpri-mento da oferta pelo fornecedor sempre que esta conste por escrito e de forma expressa

Caso o projeto virasse lei os Procons teriam ainda a autorizaccedilatildeo legal para ndash no caso de descumprimento do prazo fixado para a medida corre-tiva imposta ndash imputar multa diaacuteria graduada de acordo com a gravidade da infraccedilatildeo a vantagem auferida e a condiccedilatildeo econocircmica do fornecedor Natildeo obstante as decisotildees administrativas que aplicassem medidas corre-tivas em favor do consumidor constituiriam tiacutetulo executivo extrajudicial exequiacutevel pelo proacuteprio consumidor individualizado e especiacutefico para titu-laridade de um direito

A SENACON apoacutes levantamento apontou que em 2019 foram reali-zados 2598042 (dois milhotildees quinhentos e noventa e oito mil e quarenta e dois) atendimentos pelos Procons integrados ao Sistema Nacional de Informaccedilotildees de Defesa do Consumidor (SINDEC ndash aumento de 142 em relaccedilatildeo ao ano anterior com meacutedia mensal de 216 mil consumidores aten-didos

Pelos nuacutemeros que apresentam pelos levantamentos feitos pelo SIN-DEC o fortalecimento dos Procons mediante das parcerias como aquela que jaacute existiu entre o TJ-BA e o PROCONBA seriam uma alternativa viaacutevel de conduzir a uma boa soluccedilatildeo de conflitos com qualidade na entrega de atos de justiccedila agrave populaccedilatildeo

44 A PLATAFORMA WWWCONSUMIDORGOVBR COMO CA-NAL DE CONCILIACcedilAtildeO

O Consumidorgovbr criada com fundamento legal no art 4ordm inciso V do CDC concorrendo com o art 7ordm incisos I II e III do PLANDEC partiria das seguintes premissas 1) transparecircncia e controle social satildeo impres-cindiacuteveis agrave efetividade dos direitos dos consumidores 2) as informaccedilotildees apresentadas pelos cidadatildeos consumidores satildeo estrateacutegicas para gestatildeo e

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execuccedilatildeo de poliacuteticas puacuteblicas de defesa do consumidor e 3) o acesso a informaccedilatildeo potencializa o poder de escolha dos consumidores e contribui para o aprimoramento das relaccedilotildees de consumo

Para fins de registro neste mesmo periacuteodo segundo levantamento da SENACON os nuacutemeros de atendimento da plataforma wwwconsumi-dorgovbr de 780179 (setecentas e oitenta mil cento e setenta e nove) reclamaccedilotildees finalizadas conforme dados oficias

Segundo a sua criadora a plataforma Consumidorgovbr define-se como um serviccedilo puacuteblico que permite a interlocuccedilatildeo direta entre consu-midores e empresas para soluccedilatildeo de conflitos de consumo pela internet de forma raacutepida e desburocratizada Atualmente 80 das reclamaccedilotildees re-gistradas no Consumidorgovbr satildeo solucionadas pelas empresas que res-pondem as demandas dos consumidores em um prazo meacutedio de 7 dias

Para tanto e por buscar a efetividade da realizaccedilatildeo do atendimento ceacutelere ao cidadatildeo ao tempo que este necessitaria de cadastro e login na plataforma digital agraves empresas pressupunha a assinatura de termo de compromisso de modo a assegurar o tratamento diferenciado e propen-so agrave soluccedilatildeo do conflito atraveacutes da interatividade direta entre as partes em ambiente virtual poreacutem monitorado pela SENACON com auxiacutelio dos Procons

A plataforma jaacute se destaca na difusatildeo de uso entre oacutergatildeos de defe-sa do consumidor de modo que despertou a atenccedilatildeo do CNJ que junto com o Ministeacuterio da Justiccedila e Seguranccedila Puacuteblica por meio da SENACON assinaram um Termo de Cooperaccedilatildeo Teacutecnica para prever a utilizaccedilatildeo desta plataforma como uma das ferramentas oficiais de soluccedilatildeo extrajudicial de litiacutegios incentivando-se o seu uso antes mesmo da formalizaccedilatildeo de uma reclamaccedilatildeo nos balcotildees de acesso a justiccedila dos oacutergatildeos jurisdicionais

Este Termo embora vigente natildeo chegou a ser uma unanimidade de modo que recebeu algumas criacuteticas dentre as quais destacamos o fato de que ndash ao prever a tentativa conciliatoacuteria incentivada pela plataforma virtual ndash em termos praacuteticos alguns consideram que o Termo teria criado uma verdadeira nova condiccedilatildeo da accedilatildeo judicial cuja mateacuteria fosse o direito do consumidor Isto porque muitos causiacutedicos ao patrocinarem causas consumeristas dos seus assistidos tiveram as peticcedilotildees iniciais indeferidas liminarmente alegado natildeo ter havido a realizaccedilatildeo de tentativa conciliatoacute-ria por meio da plataforma

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Aqui entendemos pertinente as anotaccedilotildees que podem ser compro-vadas pelo empirismo de quem milita na aacuterea ao tempo que defendemos haver uma diferenccedila entre incentivar o uso de meacutetodos alternativos de so-luccedilatildeo de conflitos e impedir o acesso ao oacutergatildeo jurisdicional originaacuterio por meio de condicionamento compulsoacuterio de uso preacutevio de uma plataforma de atendimento remoto

5 CONCLUSAtildeO

Clausula peacutetrea na constituiccedilatildeo assegura o acesso agrave justiccedila inclusive gratuita em casos especiacuteficos ao tempo em que processualistas e doutri-nadores repetem incansavelmente a necessidade de desjudicializaccedilatildeo das demandas Isto porque o astronocircmico volume de processos dificulta a entrega de uma justiccedila e qualidade

Neste contexto e para diminuir a demanda especiacutefica das varas da Justiccedila Comum estruturou-se a criaccedilatildeo dos Juizados Especiais com a pre-missa de transparecircncia eficiecircncia e celeridade Estas por sua vez ficaram comprometidas pelo excesso de volume de processos que hoje ocupam as mesas dos juiacutezes togados juiacutezes leigos e conciliadores

A desjudicializaccedilatildeo entatildeo pode ser vista como um fim que natildeo vale-raacute por si caso venha a afastar uma situaccedilatildeo do judiciaacuterio sem que lhe ofe-reccedila no todo uma soluccedilatildeo justa Esta soluccedilatildeo por sua vez perpassa pelo compromisso do ente julgador em agir imparcialmente de forma impes-soal com celeridade e efetividade na prestaccedilatildeo da assistecircncia ao cidadatildeo

O recorte se mostra mais significativo no recorte feito no Direito do Consumidor vez que segundo CNJ responde pelo maior nuacutemero de pro-cessos em tramite nos juizados especiais quadro replicado na justiccedila estadual de grande parte das unidades da federaccedilatildeo

A leitura dos fundamentos e argumentos elencados no presente es-tudo sugerem que o foco deveria ser aprioristicamente na valorizaccedilatildeo e respeito ao consumidor pois isso evitaria o surgimento de um problema que por tambeacutem natildeo ser resolvido quando apresentado levaria o indiviacute-duo insatisfeito a demandar dos oacutergatildeos de defesa do consumidor ou do judiciaacuterio Respeitar o cidadatildeo consumidor portanto seria a forma mais ceacutelere e mais barata de se evitar a judicializaccedilatildeo

Neste desiderato tem-se nos PROCONS a figura de um oacutergatildeo da administraccedilatildeo direta com capacidade jaacute instalada ndash gozando de prestiacutegio social dado o poder de soluccedilatildeo e eficiecircncia que representam ndash do qual

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o Poder Judiciaacuterio poderaacute se valer para promover a entrega da justiccedila ao cidadatildeo sem necessariamente contar com a abertura de novos processos judiciais

A aproximaccedilatildeo entre tribunais e juizados em face dos Procons jaacute se mostrou frutiacutefero na Bahia hoje seguem outros estados havendo posi-cionamento oficial do CNJ o sentido de que se promova a melhoria da prestaccedilatildeo jurisdicional a partir do fortalecimento das accedilotildees articuladas com oacutergatildeos de defesa do consumidor em vista da desjudicializaccedilatildeo das demandas

REFEREcircNCIASBRASIL Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica Federativa 1988

______ Lei Federal nordm 8078 de 11 de setembro de 1990 Dispotildee sobre proteccedilatildeo do consumi-dor e daacute outras providecircncias

______ Lei Federal nordm 9099 de 26 de setembro de 1995 Dispotildee sobre os Juizados Especiais Ciacuteveis e Criminais e daacute outras providecircncias

______ Lei Federal nordm 9307 de 23 de setembro de 1996 Dispotildee sobre Arbitragem

______ Decreto Federal nordm 2181 de 20 de marccedilo de 1997 Dispotildee sobre a organizaccedilatildeo do Sistema Nacional de Defesa do Consumidor ndash SNDC estabelece as normas gerais de aplicaccedilatildeo das sanccedilotildees administrativas previstas na Lei nordm 8078 de 11 de setembro de 1990 revoga o Decreto Federal nordm 861 de 9 julho de 1993 e daacute outras providecircncias

______ Lei Federal nordm 10406 de 10 de janeiro de 2002 Coacutedigo Civil

______ Lei Federal nordm 13105 de 16 de marccedilo de 2015 Coacutedigo de Processo Civil

BAHIA Lei Estadual nordm 13204 de 11 de dezembro de 2014 Modifica a estrutura organizacio-nal da Administraccedilatildeo Puacuteblica do Poder Executivo Estadual e daacute outras providecircncias

Conselho Nacional de Justiccedila ndash CNJ Justiccedila em Nuacutemeros 2020 ano-base 2019 Brasiacutelia 2020 Disponiacutevel em lt httpswwwcnjjusbrwp-contentuploads202008WEB-V3-Jus-tiC3A7a-em-NC3BAmeros-2020-atualizado-em-25-08-2020pdf gt Uacuteltimo acesso em 08 de novembro de 2020

_______ Justiccedila em Nuacutemeros 2020 ano-base 2019 ndash Sumaacuterio Executivo Brasiacutelia 2020 Dis-poniacutevel em lt httpswwwcnjjusbrwp-contentuploads202008WEB_V2_SUMA-RIO_EXECUTIVO_CNJ_JN2020pdf gt Uacuteltimo acesso em 08 de novembro de 2020

______ Justiccedila em Nuacutemeros 2020 ano-base 2019 ndash Paineacuteis Brasiacutelia 2020 Disponiacutevel em lt httpspaineiscnjjusbrQvAJAXZfcopendochtmdocument=qvw_l2FPainelCNJqvwamphost=QVS40neodimio03ampanonymous=trueampsheet=shResumoDespFT gt Uacutelti-mo Acesso em 08112020

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______ Termo de Cooperaccedilatildeo Teacutecnica nordm 0162019CNJ ndash MJSP Disponiacutevel em lt httpswwwcnjjusbrwp-contentuploads202009TCOT-016_2019pdf gt Uacuteltimo acesso em 10112020

DONIZETTI Elpiacutedio Curso Didaacutetico de Direito Processual Civil 22 ed rev ampl e atual Satildeo Paulo Atlas 2019

GARCIA Leonardo de Medeiros Coacutedigo de Defesa do Consumidor Comentado artigo por artigo 13ordf ed rev ampl e atual Salvador JusPODIVM 2016

GRINOVER Ada Pellegrini FILOMENO Joseacute Geraldo Brito ET AL Coacutedigo Brasileiro de Defesa do Consumidor comentado pelos Autores do Anteprojeto 10ordf Vol I rev atual e refor-mulada Rio de Janeiro Forense Universitaacuteria 2011

MARQUES Claudia Lima BESSA Leonardo Roscoe BENJAMIN Antonio Herman de Vascon-cellos Manual de Direito do Consumidor ndash 7ordf ed Rev atual e ampl Satildeo Paulo Revista dos Tribunais 2016

Secretaria Nacional do Consumidor Ministeacuterio da Justiccedila e Seguranccedila Puacuteblica SINDEC Bole-tim ndash 2019 Disponiacutevel em lt httpswwwdefesadoconsumidorgovbrimages2020Boletim_Sindec_2019pdfgt Uacuteltimo acesso em 10112020

Tribunal de Justiccedila do Estado da Bahia Parceria entre e Tribunal de Justiccedila da Bahia e Procon vai fortalecer defesa dos Direitos do Consumidor Disponiacutevel em lt httpwww5tjbajusbrportal1234 gt Uacuteltimo Acesso em 08112020

WADA Ricardo Morishita (Coord) Os conflitos a regulaccedilatildeo e o direito do consumidor Rio de Janeiro Escola de Direito do Rio de Janeiro da Fundaccedilatildeo Getulio Vargas 2015 Dispo-niacutevel em lt httpsbibliotecadigitalfgvbrdspacebitstreamhandle1043813975Os20conflitos2c20a20regulac3a7c3a3ordm20e20o20direito20do20consumidorpdfsequence=1ampisAllowed=y gt Uacuteltimo acesso em 12112020

WATANABE Kazuo Reforma do CPC perdeu oportunidade de melhorar sistema das accedilotildees co-letivasrdquo Disponiacutevel em lt httpswwwconjurcombr2019-jun-09entrevista-kazuo--watanabe-advogado gt Uacuteltimo acesso em 10112020

A melhoria da prestaccedilatildeo jurisdicional a partir do fortalecimento das accedilotildees articuladas com oacutergatildeos de defesa do consumidor em vista da desjudicializaccedilatildeo das demandas

  • PrefaacutecioOs Juizados Especiais e o acesso agrave justiccedila
  • Dano moral natildeo eacute soacute sofrimento a crescente superaccedilatildeo do ldquomero aborrecimentordquo
    • Marcos Dessaune
      • Os juizados especiais e sua funccedilatildeo atemporal de acesso amplo agrave justiccedila
        • Alexandre Chini
        • Marcelo Moraes Caetano
          • A tutela do superendividamento como irradiaccedilatildeo dos direitos fundamentais nas relaccedilotildees de consumo
            • Fabiana Andreacutea de Almeida Oliveira Pellegrino
              • Primeiras linhas quanto ao impacto da Lei Geral de Proteccedilatildeo de Dados na forccedila probante dos documentos eletrocircnicos em processos submetidos aos Juizados Especiais de relaccedilotildees de consumo
                • Belmiro Vivaldo Santana Fernandes
                • Michelline Soares Bittencourt Trindade Luz
                  • O sistema multiportas como propulsor do acesso agrave Justiccedila no acircmbito do juizado de Fazenda Puacuteblica
                    • Ana Conceiccedilatildeo Barbuda Sanches Guimaratildees Ferreira
                    • Ana Baacuterbara Barbuda Ferreira Motta
                      • Contribuiccedilotildees da jurimetria para a administraccedilatildeo da justiccedila
                        • Caroline Dantas Godeiro de Araujo
                        • Eacuterica Baptista Vieira de Meneses
                          • O superendividamento tutelado no acircmbito do Sistema dos Juizados Especiais do Tribunal de Justiccedila do Estado da Bahia
                            • Maria Joseacute Oliveira e Silva
                              • Audiecircncia de conciliaccedilatildeo no acircmbito dos Juizados Especiais da Fazenda Puacuteblicaa indispensaacutevel concretizaccedilatildeodo acesso agrave ordem juriacutedica justa
                                • Maria Joseacute Oliveira e Silva
                                • Nataacutelia Cavalcanti de Arauacutejo
                                • Paula Gargur Calmon Teixeira da Silva
                                  • Desafios agrave aplicaccedilatildeo dos meacutetodos autocompositivos nas demandas de sauacutede suplementar construindo novos caminhos de acesso agrave justiccedila
                                    • Gabriela Silva Sady
                                    • Henrique Costa Princhak
                                    • Lucas Macedo Silva
                                      • Inovaccedilotildees tecnoloacutegicas no direito uma anaacutelise da (im)possibilidade de citaccedilatildeo por aplicativos de mensagem instantacircnea nos Juizados Especiais Ciacuteveis da Bahia
                                        • Amanda Leite Souza Alves
                                        • Lucas Duailibe Maia
                                        • Mariely Lago Vianna Nogueira
                                          • Direito fundamental agrave saude e ativismo judicial uma anaacutelise da jurisprudecircncia do Supremo Tribunal Federal
                                            • Ana Conceiccedilatildeo Barbuda Sanches Guimaratildees Ferreira
                                            • Ana Baacuterbara Barbuda Ferreira Motta
                                              • A fixaccedilatildeo da competecircncia nas accedilotildees de responsabilidade civil meacutedica em planos de sauacutede de autogestatildeo
                                                • Amanda Leite Souza Alves
                                                • Ana Paula Cruz de Santana
                                                • Rodolfo Oliveira Dourado
                                                  • Nuances da uniformizaccedilatildeo de jurisprudecircncia e advento do IRDR no CPC2015 para suas aplicabilidades nos Juizados Especiais
                                                    • Iuri Santos Ferreira da Silva
                                                      • A melhoria da prestaccedilatildeo jurisdicional a partir do fortalecimento das accedilotildees articuladas com oacutergatildeos de defesa do consumidor em vista da desjudicializaccedilatildeo das demandas
                                                        • Filipe de Arauacutejo Vieira
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