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1 COOPERATIVISMO E EDUCAÇÃO: UM ESTUDO DE CASO DA COOPER CRIS Daniel Basso Polezi 1 Marcos Francisco Martins 2 Resumo Partindo da historicidade que nos leva à compreensão das mudanças no modo de organização da sociedade, nossa pesquisa tem o intuito de auxiliar na compreensão do cooperativismo como estrutura alternativa para a realização da educação para a vida e formação para o trabalho no ambiente capitalista contemporâneo. Mesmo com as limitações impostas por esse contexto político-social, a hipótese é a de que as cooperativas têm potencial de ser um instrumento promotor da emancipação humana. No mundo da hegemonia liberal, os trabalhadores, para viver, são submetidos a explorações de muitas espécies, com destaque para exploração econômica e para a alienação. Enquanto isso, as classes dominantes economicamente conseguem manter a direção da coletividade social. Nesse jogo entre dominantes e dominados, a alternativa que sobra aos trabalhadores é conjuntamente lutar por uma sociedade mais igualitária. E é neste cenário que se apresenta o cooperativismo: por um lado servindo como instrumento a serviço do capital e, por outro, com potencial para ser uma opção de sobrevivência mais digna dos trabalhadores na realidade dominada pela burguesia. A metodologia do trabalho articula a pesquisa bibliográfica e de campo. Inicialmente nos preocupamos em conhecer a história do cooperativismo e a questão sócio–política respectiva ao seu desenvolvimento. Autores como Marx, Hobsbawm e Huberman nos indicam o macro caminho, enquanto outros como Pinho e Noronha nos colocam em proximidade com o eixo central de nossa temática. Buscando a proximidade com uma cooperativa de confecção, oferecemos voluntariamente um curso de modelagem básica do vestuário aos cooperados da COOPER-CRIS, localizada na cidade de Hortolândia-SP. A experiência possibilitou-nos desenvolver, através de entrevistas, uma análise da rotina do dia-a-dia de trabalhadores dos cooperados, 1 Graduado em Administração, é aluno do Programa de Mestrado em Educação Sócio-Comunitária do Unisal – Centro Universitário Salesiano de São Paulo. 2 Graduado em Filosofia e com Mestrado e Doutorado em História e Filosofia da Educação pela Faculdade de Educação da Unicamp, é Coordenador do Programa de Mestrado em Educação da Unisal.

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COOPERATIVISMO E EDUCAÇÃO: UM ESTUDO DE CASO

DA COOPER CRIS

Daniel Basso Polezi1

Marcos Francisco Martins2

Resumo

Partindo da historicidade que nos leva à compreensão das mudanças no modo de

organização da sociedade, nossa pesquisa tem o intuito de auxiliar na compreensão do

cooperativismo como estrutura alternativa para a realização da educação para a vida e

formação para o trabalho no ambiente capitalista contemporâneo. Mesmo com as

limitações impostas por esse contexto político-social, a hipótese é a de que as

cooperativas têm potencial de ser um instrumento promotor da emancipação humana.

No mundo da hegemonia liberal, os trabalhadores, para viver, são submetidos a

explorações de muitas espécies, com destaque para exploração econômica e para a

alienação. Enquanto isso, as classes dominantes economicamente conseguem manter a

direção da coletividade social. Nesse jogo entre dominantes e dominados, a alternativa

que sobra aos trabalhadores é conjuntamente lutar por uma sociedade mais igualitária. E

é neste cenário que se apresenta o cooperativismo: por um lado servindo como

instrumento a serviço do capital e, por outro, com potencial para ser uma opção de

sobrevivência mais digna dos trabalhadores na realidade dominada pela burguesia.

A metodologia do trabalho articula a pesquisa bibliográfica e de campo.

Inicialmente nos preocupamos em conhecer a história do cooperativismo e a questão

sócio–política respectiva ao seu desenvolvimento. Autores como Marx, Hobsbawm e

Huberman nos indicam o macro caminho, enquanto outros como Pinho e Noronha nos

colocam em proximidade com o eixo central de nossa temática. Buscando a

proximidade com uma cooperativa de confecção, oferecemos voluntariamente um curso

de modelagem básica do vestuário aos cooperados da COOPER-CRIS, localizada na

cidade de Hortolândia-SP. A experiência possibilitou-nos desenvolver, através de

entrevistas, uma análise da rotina do dia-a-dia de trabalhadores dos cooperados,

1 Graduado em Administração, é aluno do Programa de Mestrado em Educação Sócio-Comunitária do Unisal – Centro Universitário Salesiano de São Paulo. 2 Graduado em Filosofia e com Mestrado e Doutorado em História e Filosofia da Educação pela Faculdade de Educação da Unicamp, é Coordenador do Programa de Mestrado em Educação da Unisal.

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sobretudo focando seu aprendizado dentro do grupo, suas necessidades e suas

potencialidades.

Essa vivência como voluntário possibilitou-nos perceber dentro de cada mente

uma história e em sua interioridade o infinito abarcamento de sonhos, pulsões e desejos,

possivelmente frustrados pelos impedimentos impostos pela desfavorecida condição

social. A premente vontade dos cooperados pela modificação de sua condição de vida

vem nos mostrar a necessidade da revisão do modelo societário neoliberal destes

tempos, bem como a força social transformadora que há por ser despertada.

1 – Introdução Histórica

Voltam Adão e Eva os olhos para trás e vêem tôda a parte do Paraíso que fica ao oriente,

até há tão pouco sua venturosa habitação. (John Milton)

Fundada na historicidade que nos possibilita compreender o devir da sociedade e

de seus modos de organização, somos levados a refletir sobre as formações primitivas e

o seu desenvolvimento ao longo dos séculos.

Em seu início, a sociedade primitiva reflete a vivência de indivíduos livres, dentro

dos princípios de iguais direitos e fraternidade coletiva destas antigas gens. Este modo

de vida é também identificável nos modos de vivência da sociedade, inclusive na

arquitetura de suas habitações. Por milhares de anos estas comunidades trabalharam

com autonomia completa na caça e colheita, buscando o suficiente para sua

sobrevivência, com independência e sem acumulações de longo prazo. Também não

havia a divisão de classes, Estado e formas humanas de exploração do homem. O uso

dos recursos naturais e sociais era comum e a propriedade de qualquer coisa somente

existia para artigos pessoais. Quando havia líderes, estes eram somente representantes

“eleitos” num processo de decisão essencialmente coletivo. Estes povos não tinham

habitação fixa, ou seja, eram nômades e mudavam à medida que os recursos naturais se

esvaeciam. Conheciam a natureza pela proximidade que com ela tinham; viviam em

harmonia uns com os outros, tirando proveito dos recursos naturais sem esgotá-los, da

mesma forma que o grupo exercia sua defesa contra outras tribos de forma conjunta. Em

alguns momentos, havia divisões de especialidades, como por exemplo, os homens

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caçavam e as mulheres educavam as crianças, mas isso ocorria de maneira natural e

nunca tão limitada e sistematizada como no período da sociedade capitalista.

Além de tudo isso, não devemos deixar de lembrar também que no período pré-

histórico houve o início das evoluções no desenvolvimento técnico de ferramentas e

trabalho, mas que em seu princípio não representava os interesses de ganho de alguns

poucos e nem, muito menos a diferenciação social.

No período chamado de Paleolítico, os homens dividiam cavernas para se proteger

do frio. Para facilitar o trabalho e a vida do grupo, criaram-se instrumentos de osso e

madeira para suas defesas como também para cortar e esmagar alimentos.

Posteriormente, utilizou o marfim e a pedra, produzindo machados e objetos cortantes

que facilitavam sua caça. Descobriu o fogo, que era usado principalmente para seu

aquecimento, proteção e cozimento dos alimentos. Descobriu formas de construir

armadilhas para caçar animais de grande porte, que eram divididos entre os membros da

comunidade. No final do período Paleolítico existia certa organização familiar e os

rituais de magia eram realizados.

No período Neolítico a história mostra sinais de mudança de curso. Descobrindo a

agricultura, o homem torna-se sedentário, fixando-se em torno de rios como o Nilo,

Tigre e Eufrates. Nestas aldeias, ele cria animais que agora são domesticados, como o

boi, a cabra e o cachorro. Trabalha seus instrumentos com maiores minúcias e melhor

lapidação, desenvolvendo trabalhos em cerâmica, que passam a ser sua significação e

representação, codificando peças que agora podem ser decorativas. Desenvolve roupas

de algodão, lã e linho, que substituem as peles de outrora. Sua comunicação ocorre

principalmente através destes objetos, nas imagens impressas em cavernas e

provavelmente em outros locais onde não foram conservadas. São obras que precedem o

início da escrita. Na medida em que exerce tais funções, distingue valor para utensílios e

como sistema de mensuração para trocas, passa a utilizar variados tipos de sementes.

Assim se dá o início da propriedade privada, da escravidão e a primeira divisão

social do trabalho, tendo como conseqüência a distinção social, exercida com bases no

sexo e na idade. Os homens agora caçavam e as mulheres cuidavam da produção

agrícola e atividades domésticas. Outras divisões e subdivisões começavam a ocorrer,

principalmente relacionadas ao fato da população estar crescendo. A divisão social se

deu quando as tarefas mais importantes para a manutenção da sociedade começaram a

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realizadas por aqueles que eram os mais fortes em suas áreas específicas, que passavam

a ter maior autoridade sobre seus contemporâneos.

Também ocorre o início da "produção de mercadorias", onde peças não são mais

produzidas para o uso de seu construtor, e sim para sua troca, não tendo para ele o valor

de uso e sim o valor de mercado – “valor de troca”. Este modo inicia-se no Neolítico,

postergando-se e evoluindo até os dias contemporâneos. Futuramente, a produção

capitalista e seus meios de produção viriam, então, a ser ditadas pelos senhores que

coordenam o assalariamento de homens que trabalham vendendo a única coisa que

possuem - sua força de trabalho.

O capitalista dominador deste modo de produção comercializa o produto do

trabalhador e apropria-se do valor que produziu aquele que se dedicou à elaboração do

objeto tornado mercadoria. Surge, assim, a dualidade que coloca a igualdade no passado

e a pobreza, exploração e a competitividade no presente, tomando o lugar da

fraternidade solidária, que uma vez serviu de base aos processos de ajuda mútua.

Antes da Idade Média, tivemos o surgimento do Estado, delimitado em

fronteiras nacionais de administração de diversas cidades. Ocorreu também o

surgimento da Igreja, que viria influenciar com grande força o modo de vida dos feudos.

A escravidão existia como situação bem aceita e era considerada essencial para a

economia de muitas civilizações antigas. Com a desintegração da escravatura romana

surge o modo de produção feudal. As terras eram doadas pelos reis aos senhores, que

cediam espaços aos camponeses explorados e pagadores de impostos. Estes eram

protegidos pelos próprios senhores e seus soldados, mercadoria valiosa no período. A

injustiça social parte do Estado e das classes dominantes que o dominavam. O homem

que trabalha realiza o serviço necessário para sua sobrevivência e para o luxo das

classes “superiores”.

Paralelamente à vida camponesa, existiam certas cidades que eram livres de

relações servis e domínio da nobreza. Estas cidades eram denominadas burgos, que

eram conjunto de habitações protegidas por fortalezas. Os habitantes destes locais eram,

por sua vez, chamados de burgueses, que por motivos políticos recebiam apoio da

realeza. Estes homens passaram a dedicar-se ao comércio e os tais burgos tornaram-se

uma espécie de bancos. Assim inicia a acumulação de capitais no longo prazo, que em

período posterior seria a base do capitalismo.

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Com o desenvolvimento das cidades, estes comerciantes e os artesãos criam

corporações chamadas de guildas, que vinham ser associações de profissionais de uma

mesma área. Elas visavam a garantia dos interesses da classe e também auxílio

financeiro. Posteriormente também classificavam os profissionais segundo suas classes.

Os mestres eram os sábios proprietários das oficinas. Os oficiais jornaleiros eram os

profissionais especializados. O aprendiz, futuramente se tornaria mestre ou jornaleiro

nas produções artesanais. As associações eram respeitadas pela sociedade. Um outro

tipo de associação que se desenvolveu no período foram as hansas, que cuidavam do

monopólio comercial em regiões circunscritas.

A partir da Idade Média existem três períodos distintos da produção industrial.

São eles a indústria artesanal, que citamos anteriormente, a manufatura e a indústria

moderna. A indústria artesanal é a organização na qual os mestres artesãos trabalham

com os oficiais jornaleiros e aprendizes, em processo que elaboravam o

desenvolvimento de peças completas. Esta foi a forma de produção que é característica

da baixa Idade Média. Era desenvolvida em família e o artesão era proprietário de sua

oficina e de suas ferramentas. Em geral, trabalhavam em suas próprias casas. Quando

necessitavam de ajuda, tinham de não-assalariados, que eram pagos com a possibilidade

de realizarem a utilização das ferramentas do artesão proprietário.

Após este período de organização, ocorre o surgimento da manufatura. Do ponto

de vista da produção, em seu início, a “manufatura quase não se distingue do ponto de

vista do modo produtivo, do artesanato das corporações, a não ser através do número

maior de trabalhadores simultaneamente ocupados pelo mesmo capital”. (MARX, 2003,

p. 375). A técnica é a mesma do período pré-capitalista. A diferença inicial se deu pela

quantidade e pelo crescimento da oficina do artesão e também no ponto em que ocorre a

divisão do trabalho, sendo que cada trabalhador assim realiza a operação fracionada da

confecção do produto.

Socialmente, acontece uma grande divisão. Na medida em que os mestres de

ofícios das corporações medievais se convertiam em burgueses modernos, os oficiais

jornaleiros e os aprendizes viraram proletários. Estes proletários realizam o trabalho em

um mesmo local de trabalho, regrados por certo controle na quantidade de material

utilizada assim como no horário do seu trabalho. É a partir destas circunstancias que

podemos facilmente compreender “os pólos da tensão que determinará o movimento do

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desenvolvimento das forças produtivas: a persistente inadequação entre a forma social e

a base técnica para os objetivos da acumulação capitalista” (ROSELINO, 2003, p. 211).

Na lógica de desenvolvimento da manufatura e divisão do trabalho se dá o crescimento

do que se é produzido por cada trabalhador sem alterações do montante de trabalho

necessário. Posteriormente se reduz o tempo de trabalho social necessário para produzir

a mesma quantidade de mercadoria. Neste aspecto, é importante trazer que este

desenvolvimento trouxe o dinamismo, a metodologia e o constante incremento de

inovações tecnológicas ao capitalismo. Mesmo assim, na manufatura temos a produção

ainda não ajustada às bases técnicas necessárias ao desenvolvimento monstruoso da

acumulação capitalista e da expansão do capital.

Com o processo de otimização da produção realizado através da indústria

moderna e o surgimento da maquinaria, o capitalismo encontra seu frutífero campo para

a insaciável expansão. Neste momento, o produto passa a ser fabricado pela máquina

movida pela força motriz e o trabalho do operário é limitado a vigiar e corrigir as

operações do sistema. Assim, o conhecimento se torna domínio do capital, que vem

ditar as regras, expandindo seus limites através da associação direta com a ciência e a

tecnologia possível. A principal mudança, neste instante, é relativa aos instrumentos de

trabalho, que é ligado à energia proveniente da natureza que transfere ao instrumento a

força para a transformação, que em alguns casos exigiria muitas almas humanas para

realizar. A partir deste momento o trabalho tem suas alterações impressas em alto

relevo. Estas transformações são socialmente irrestritas e inqualificáveis à primeira

visão, vindo acompanhadas de alterações nas ferramentas, introdução das máquinas,

materiais de trabalho, sua força e seus produtos.

Os instrumentos inovadores da produção, transportes e comunicações, não foram

alterados somente em sua potência, velocidade e qualidade de execução, mas operam de

maneira totalmente diferentes dos empregados no modo de produção da manufatura. Os

próprios produtos agora podiam ser criados de acordo com os desejos dos consumidores

do mercado. A durabilidade dá lugar à efemeridade e os produtos da produção moderna

passam a ser reavaliados em todos seus aspectos, desde a velocidade de produção até a

qualidade do produto fabricado frente aos gostos do mercado consumidor.

O processo de desenvolvimento da maquinofatura se deu primeiramente na

Inglaterra em razão de fatores ligados à facilidade existente naquele país para o

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desenvolvimento capitalista. Dentre elas, podemos citar a existência de uma grande

poupança acumulada pela burguesia e a conseqüente existência de juros baixos que

possibilitavam alavancagens financeiras para investimentos e compra de matérias

primas. A política liberal favoreceu a exploração do trabalhador e não havia controle

nem limitações para os excessos do trabalho. Acordos comerciais internacionais forma

realizados para que fosse facilitada a inserção dos produtos ingleses. Não devemos nos

esquecer também de citar a exploração das riquezas do solo, como o ferro e o carvão

mineral, que existiam em abundância na Inglaterra e eram as bases de desenvolvimento

da Revolução Industrial, uma vez que o primeiro era a matéria das máquinas e o

segundo o seu combustível.

Se a Inglaterra contribuiu para o capitalismo com a Revolução Industrial, a

França o fez com a Revolução Francesa, consumando a voracidade do sistema pela sua

própria expansão. A primeira constrói as bases da economia do século XIX e a segunda

traz ao novo regime a política e a ideologia que também abarca o nacionalismo.

No século XVIII a França possuía três classes, sendo elas o clero, que era o

Primeiro Estado, a nobreza, chamada de Segundo Estado e a burguesia, camponeses e

os sans-culottes, que eram artesãos e trabalhadores, denominados Terceiro Estado. O

clero e a nobreza eram em torno de 2% da população, que oprimia o grupo menos

favorecidos desprovidos de propriedades. Devido a problemas climáticos, deu-se uma

onda de falta de alimentos na França, sendo que grande parte da população, que era

agrícola, migrou para a cidade, tornando-se miserável e sem condições básicas de

sobrevivência. A riqueza era mal distribuída e a burguesia não estava satisfeita. A

França havia apoiado a Independência dos Estados Unidos em uma guerra que

consumiu grandes somas dos cofres públicos. Sua monarquia, que tinha na frente Luís

XVI, realizava altos gastos com o luxo desnecessário, representado pela estética

suntuosa do Palácio de Versailles. Com este direcionamento, o Rei deixou o povo em

absoluto regime de fome e abandono. O Iluminismo trazia à burguesia pensamentos

sobre a necessidade de reformas. De fato, a principal conquista da Revolução Francesa

foi a queda da monarquia.

Após o pleno desenvolvimento da maquinaria e a constituição dos novos valores

na França, é também dado o processo de agrupamento de produção entre máquinas. Este

pode agora ser dividido pelo agrupamento entre as máquinas ou o sistema de máquinas.

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Em primeiro caso, todo o produto é beneficiado por uma única máquina. O sistema de

máquinas ocorre quando o objeto de trabalho passa por vários processos parciais em um

conjunto de máquinas diferentes, que são unidas para completar o desenvolvimento do

produto final. Posteriormente o sistema de máquinas é automatizado. Estas são

agrupadas e as etapas de sua produção são interligadas, ocupando galpões inteiros das

fábricas. A produção passa a ter capacidade monstruosa e o trabalhador ganha como

adversário os gigantes demoníacos que causarão as freqüentes substituições das mãos

do humano proletário.

Curiosamente, com o advento da tecnologia não se viu, em primeiro instante,

reduções satisfatórias na carga horária de trabalho. As futuras reduções, em sua grande

maioria, foram conquistadas pelos trabalhadores em incessantes protestos que visavam a

minimizar o grande sofrimento do trabalho alienatório e excessivo. O desenvolvimento

da mecânica foi proporcionado pela mesma tecnologia que veio também permitir o

emprego de mulheres e crianças, uma vez que a força muscular em muitos casos tornou-

se desnecessária no novo modo de produção. O tempo de trabalho ultrapassava as 14

horas diárias e o salário era sofrível. Com a contribuição das atrativas inovações

tecnológicas, ocorreu a fuga rural e a superlotação das cidades. Ao observar o exemplo

de Londres, vemos que a cidade teve sua população praticamente quintuplicada em

menos de 100 anos, sendo que em 1880 possuía em torno de 5 milhões de pessoas.

A sustentação teórica para o desenvolvimento liberal havia sido dada, entre

outros, por Adam Smith, que dizia que o egoísmo é algo útil para a sociedade, de forma

que quando o ser humano busca o bem para si, mais benefícios a coletividade passa a

ter. Pregava que o trabalhador realiza seu trabalho pensando somente nos resultados aos

seus benefícios próprios. O Estado, por sua vez, atrapalhava a sociedade e deveria

deixar que o mercado flutuasse livremente, sem intervenções. Desta maneira,

menosprezava a questão social e humana, valorizando as classes superiores através da

não regulamentação e total despreocupação com as classes oprimidas.

É importante lembrar que nesta triste época, (não dizendo que hoje possa ser um

momento mais feliz ao trabalhador) a exploração acontece em graus extremos. O

trabalho proposto pelo burguês invadia as casas portando sua bandeira liberal e

arrancava crianças que vinham trabalhar das seis da manhã até o mesmo horário do

período vespertino. Os adultos faziam jornadas que ultrapassavam às 14 horas diárias.

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Os direitos trabalhistas eram voltados ao jargão da “liberdade do trabalho”, onde não

havia segurança no emprego e até a associação profissional era proibida, sendo que

haviam sérias penas previstas em lei aos que ousassem a contestação.

As primeiras organizações de associações operárias surgem, então, de modo

clandestino. Segundo Rios, na Inglaterra o direito de associação vem ser reconhecido

em 1826, mas o direito de greve só o será em 1875. Na França, isso só ocorre em 1884.

As associações operárias surgiram como sociedades de ajuda mútua. Com o

fortalecimento dos burgueses e a opressão aos trabalhadores, houve diversos atos de

revoltas contra o sistema explorador. Surgiram dúvidas e enfrentamentos à maquinaria e

as conseqüências de sua utilização. Na metade do século XIX, Marx descreve sobre a

necessidade da luta, união e a busca de valores de artesãos da Idade Média, pois para

ele, logo que o trabalhador

nasce começa sua luta contra a burguesia. Em princípio, empenham-se na luta operários isolados, mais tarde, operários de uma mesma fábrica, finalmente operários do mesmo ramo de indústria, de uma mesma localidade, contra o burguês que os explora diretamente. Não se limitam a atacar as relações burguesas de produção, atacam os instrumentos de produção: destroem as mercadorias estrangeiras que lhes fazem concorrência, quebram as máquinas, queimam as fábricas e esforçam-se para reconquistar a posição perdida do artesão da Idade Média. (MARX; ENGELS, 2005, p.60)

Em face de sua revelação, aumenta-se a conscientização do povo europeu.

Movimentos artísticos vêm expressar a problemática que envolve o ser humano e seu

interior no momento que é abarcado pela indústria moderna. O movimento “Arts &

Crafts” – Artes e Ofícios em português – surge na Inglaterra na segunda metade do

século XIX e vem defender e incentivar a produção do artesanato em sua forma

alternativa à produção massificada. Confrontando a indústria, visava trazer aos móveis e

objetos a aura do artesão que daria a introdução ao que seria hoje o “designer”. Como

líder, tinha William Morris, que em seus traços precedeu os movimentos orgânicos da

“Art Nouveau”.

2 – O surgimento do Cooperativismo

Sob um céu sem estrêlas, ouviam-se ali queixas, suspiros e soluços. (Dante Alighieri)

A burguesia produz, sobretudo, seus próprios coveiros. (Marx & Engels)

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O cooperativismo contemporâneo surgiu no ambiente capitalista como um dos

modos de busca de sobrevivência neste sistema, articulando meios de abrandar os

nocivos efeitos do regime vigente sobre o proletariado, grande vítima deste modo

social. A princípio, pode ser entendido como um ponto de enfrentamento, força reativa e

estabelecimento de barreiras às espertas práticas individualistas da doutrina liberal

burguesa, mas de forma geral vem expressar a necessidade de sobrevivência dentro do

sistema do capital competitivo, levando em seu espectro a possibilidade de um

direcionamento que é capaz de trazer novas possibilidades ao sistema econômico a que

pertence, participa e que, ao mesmo tempo, questiona.

Com caráter associativo, o movimento se firma sob a estrutura modelada nos

meios de partidos políticos operários e sindicatos. O relacionamento entre os proletários

dá base ao surgimento das cooperativas, que nascem de estatutos, protocolos e

documentos previamente estabelecidos, formando grupos sociais que visam fins

especificamente econômicos.

Sistematizadas formalmente, as cooperativas podem ser entendidas como

“sociedades de pessoas, organizadas em bases democráticas, que visam não só a suprir

seus membros de bens e serviços como também realizar determinados programas

educativos e sociais” (PINHO, 1961, p. 18). Este modo de sociedade nasceu em

decorrência da insatisfação perante o regime capitalista e assim surgiram pensamentos

utópicos voltados à construção de uma sociedade cooperativista, em um caminho

através do qual se buscava atingir tal república:

a. na primeira etapa seriam organizadas cooperativas de consumo nas quais o

lucro seria abolido, isto é, eliminar-se-ia qualquer aumento sobre o custo de produção a fim de se obter o “justo preço”;

b. na segunda etapa seriam criadas cooperativas de produção industrial, com os fundos necessários acumulados pelas cooperativas de consumo;

c. na terceira etapa seriam organizadas cooperativas de produção agrícola. Tanto nestas cooperativas como nas de produção industrial, abolir-se-ia o assalariado (PINHO, 1961, p. 21, sem grifo no original).

Na medida em que se desenvolveram as cooperativas e o cooperativismo,

ocorreu também a evolução em dois caminhos distintos ligados ao ambiente em que o

permeia. Em uma vertente, a continuidade do cooperativismo capitalista, que passou a

ter necessidade de se alinhar cada vez mais aos ideais desenvolvimentistas. Em outro

ponto o desenvolvimento do cooperativismo do ambiente socialista, inserido em um

sistema onde o fator humano é considerado importante, tanto nos limites da cooperativa

quanto fora dela.

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2.1 – Cooperativas históricas

Os grupos de cooperativas podem ser divididos, segundo PINHO, em

cooperativas de produção, de empreendedores ou de trabalhadores, cooperativas de

consumo de venda ou compra, cooperativas de crédito ou cooperativas mistas.

As Cooperativas de Produção tem em seu objetivo a fabricação de produtos e/ou

aquisição de matérias primas usadas no desenvolvimento de seu trabalho. Ela pode ser

constituída por empreendedores que se unem buscando melhor competitividade na

negociação de compras ou por trabalhadores que juntos buscam forças para vencer as

dificuldades impostas pelo cotidiano. Estas cooperativas podem ser industriais ou

agrícolas.

As Cooperativas de Consumo são formadas pela reunião de pessoas que em

conjunto buscam uma situação de melhor posicionamento estratégico em relação à

negociação de compras. Estas cooperativas podem comprar, vender ou realizar ambas as

atividades.

As cooperativas de crédito buscam fomentar o financiamento de negócios ou

consumo a um baixo custo operacional, ou ao custo real.

As cooperativas mistas integram as confluências de atividades das citadas

anteriormente. Desta forma, uma cooperativa de crédito pode também exercer as

funções de cooperativa de consumo.

No período contemporâneo o cooperativismo pode ser encontrado nos mais

diversos tipos de negócios, desde os tradicionalmente conhecidos como cooperativas de

produção, agricultura, pesca, cooperativas de consumo, crédito, assim como nos setores

de serviços, como em planos médicos, odontológicos, assistência social, funeral,

música, escolas, turismo, transportes e esportes.

A primeira iniciativa secular sistematizada e precursora ao cooperativismo

contemporâneo foi a Nova Harmonia, que teve como patrono Robert Owen. Nascido em

1771, era filho de um humilde seleiro. Antes dos dez anos de idade abandonou os

estudos e em menos de uma década, se tornou gerente de uma indústria algodoeira em

Manchester. A fábrica em questão foi a primeira da Inglaterra a se dedicar à produção

de fibras longas de algodão de alta qualidade, e buscava também o conforto de seus

trabalhadores. Com o sucesso de sua gestão, Owen convenceu seus agora sócios a

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ampliar os negócios, comprando uma outra fábrica e tornando-se a maior empresa

cotonifícia da Inglaterra.

As preocupações de Owen eram muitas vezes voltadas à redução de jornada de

trabalho e estabelecimento de limite de idade dos trabalhadores, que muitas vezes eram

crianças de 5 a 6 anos de idade. Posteriormente muda-se para os Estados Unidos para

empregar seus ideais voltados à transformação do homem através de seu meio social de

produção. Seus importantes entusiasmos, como a eliminação do lucro influenciou os

Pioneiros de Rochdale na construção de seus princípios doutrinários. As Colônias

Icarianas foram uma tentativa semelhante a de Owen, de introduzir nos Estados Unidos

uma sociedade cooperativista utópica. Este modelo foi idealizado por Étienne Cabet,

francês radicado no Missouri que foi secretário geral do ministério da justiça,

procurador geral da Córsega e deputado, que não pode continuar sua carreira de homem

público em razão de suas idéias revolucionárias confrontarem o sistema de poder da

época.

O Falanstério foi uma iniciativa para organizar uma sociedade comunitária

aonde as pessoas viriam trabalhar especificamente no que desejam sem, no entanto,

deixar de colaborar com os colegas que ali viviam. Organizado nos formatos de uma

espécie de hotel comunitário, as refeições eram divididas, os trabalhos eram realizados

por todos os participantes, e as experiências culturais eram compartilhadas através de

freqüentes reuniões. Este ambiente de vivência comunitária foi idealizado por François

Marie Charles Fourier, que nasceu em 1772. Sua motivação provavelmente partiu dos

acontecimentos decorrentes da Revolução Francesa, onde sua família perdeu seus bens,

sendo ele acometido pelos fatos decorrentes das injustiças sociais resultantes da

concentração de riquezas. Seus ideais eram voltados para a produção agrícola e

desenvolvimentos produtivos nas falanges, que deveriam possuir de 1500 a 1800

pessoas.

A primeira cooperativa de consumo inglesa foi fundada em 1827, em Brighton.

Esta cooperativa foi organizada por William King. Em 1932, havia cerca de 300

cooperativas como esta naquele país, que foram influenciadas justamente pela

divulgação sobre a cooperação, realizada principalmente por King.

Com o objetivo de “encontrar um meio para melhorar sua precária situação

econômica” (PINHO, 1961, p. 35), 28 tecelões se reúnem e discutem sobre diversas

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propostas, como a emigração, abstinência de álcool, e a montagem de uma cooperativa

de consumo. Escolhida a última alternativa, partem para a reunião de economias,

somadas em 28 libras esterlinas. Com este pequeno montante, adquirem bens de

consumo para serem revendidos em seu armazém. Os Pioneiros possuíam planos

maiores, ligados à construção de residências, aquisição de terras para agricultura,

constituição de colônia auto-suficiente, etc. Formalizaram um estatuto, que décadas

depois passaram a constituir os fundamentos da doutrina escrita por Charles Gide3. A

experiência positiva dos Pioneiros levou-os a serem exemplo que viria a ser seguido em

associações cooperativistas futuras.

Quanto às cooperativas de crédito, inicialmente a maioria era destinada para a

agricultura. Schulze-Delitzsch surge em 1849 com caráter econômico destinado ao

auxílio à classe média urbana e não admitia auxílio do estado. Com o objetivo de

socorrer agricultores através de cooperativas fechadas, Raiffeisen organiza a partir de

1847, cooperativas de crédito que ficaram conhecidas como raiffeiseanas e se

preocupavam com o caráter ético e cristão dos cooperados. Diferentemente da anterior,

admitia o auxílio filantrópico e do estado. Estes dois modelos serviram de base para o

desenvolvimento das cooperativas de crédito posteriores, que chegam a criar sistemas

de bancos populares como os de Luzzatti na Itália, que concediam empréstimos

baseados na palavra de honra do contratante. Wilhelm Haas buscava através do

cooperativismo o aumento de crédito, busca de melhor qualidade, preços e aquisição de

máquinas em conjunto, procurando a emancipação dos agricultores.

O Movimento Católico-democrata, iniciado na França e liderado pelo Abade

Lamennais trazia, através da Igreja, a formação de associações cooperativas de

trabalhadores. Em sua evolução, buscou-se a constituição de cooperativas de produção

industrial, com livre associação do trabalho e talento, repressão ao surgimento da

concorrência desordenada e pedido de ajuda do governo, liderados neste momento por

Buchez, de 1832 a 1873. Neste período foi organizado alguns princípios fundamentais

relacionados as cooperativas de produção, precedendo pontos da constituição elaborada

pelos Pioneiros de Rochdale em 1844. Dentre outros pensamentos de Buchez estão

aqueles relacionados à necessidade dos associados serem os próprios empresários com

representantes eleitos no grupo, sendo que se forem trabalhadores, tornariam sócios 3 Charles Gide foi importante economista que trazia a preocupação da questão da solidariedade à teoria econômica. Inúmeros cursos de direito e economia trazem seu pensamento com clássico necessário.

14

após um ano e meio de trabalho. A remuneração do grupo deveria ser de acordo com os

critérios da profissão e deveria haver uma reserva a qual 80% seria distribuída no final

do ano aos trabalhadores e 20% continuaria no fundo.

A Bélgica foi provavelmente o primeiro país a organizar cooperativas de

consumo baseado nos serviços públicos. As chamadas “régies cooperativas” eram

formadas pelo poder público e objetivavam o auxílio em sua organização, mas gozavam

de total autonomia no seu dia-a-dia de trabalho.

Se os desenvolvimentos cooperativistas foram humildes nos séculos anteriores

ao XX, após esta data tornam-se mais numerosos e possivelmente mais fortificados

diante da necessidade de sobrevivência frente à concorrência crescente frente aos

grandes grupos que se desenvolvem no meio capitalista, principalmente após a primeira

guerra mundial.

Com atuação semelhante ao Movimento Católico-democrata, porém com a

liberdade de intervencionismo estatal, o Movimento Católico-social situa-se em uma

política centralista, resultando em grande expansão na França, Áustria, Alemanha,

Itália, etc. Partindo da Universidade de Louvain na Bélgica é originada a Liga dos

Camponeses, que passou a ser o organismo de evolução de obras sociais, religiosas,

econômicas, morais formadas pelos agricultores europeus. Na década de 50 do século

XX este organismo abarcava cerca de 3800 organizações filiadas e suas realizações

eram voltadas a reunir pessoas economicamente desfavorecidas intuindo suas

transformações nos limites dos valores do movimento. Charles Gide reúne as

associações protestantes na década de 20, constituindo uma federação e divulgando seu

pensamento de condenação do assalariamento e a superação da necessidade do lucro

através das cooperativas.

O ambiente confessional se mostra suscetível ao desenvolvimento do

cooperativismo e também no judaísmo ocorreram inúmeras iniciativas de caráter

transformador. A sociedade “Amantes do Sião” foi formada para a reconstrução de

Israel e os kibbutzim vem a ser as cooperativas destinadas à produção agrícola.

As cooperativas de produção industrial reúnem trabalhadores que buscam obter

vantagens da cooperação de trabalhadores e sua concentração. Seu desenvolvimento no

século XX é lento e o motivo está relacionado com as mesmas dificuldades do século

passado, que eram as dificuldades de obtenção de capital e de crédito, necessidades

15

grandes em ambiente industrial que é carente de tecnologia para sua evolução.

Capitalistas, em geral não vêem grandes oportunidades de investimentos em

cooperativas de produção uma vez que estas crescem mais lentamente e também não

irão lhes render o mesmo tanto proporcionado pelas empresas onde os trabalhadores são

assalariados. Este fato se deve pelos juros serem baixos nas cooperativas e o direito é de

apenas um voto, limitando assim a decisão que lhe é importante para sua exploração ao

capital e aos trabalhadores. Neste ponto, é importante a participação e o incentivo do

Estado, dos municípios, das organizações e possivelmente das associações de

coletividades públicas como Câmaras de Comércio, indústrias interessadas como fator

de apoio ao cooperativismo.

As organizações mais recentes de produção industrial encontram-se na França e

Itália. Ambas representam uma retomada ao fourierismo de propriedade comum da

produção, gestão comunitária com representantes do grupo, modos de vida que não

interferem na família tradicional e a possibilidade de algum mutualismo, como os

planos de vida, bibliotecas, creches, colônias de férias etc. Com o apoio idealista do

sindicato cristão da região de Bordeaux cidades cooperativistas foram construídas na

França, partindo da organização de uma cooperativa de trabalho para a construção das

casas. A partir de 1948 foram construídas a Cidade Castor e Bâticoop, dentre outras.

Ambas funcionam como cooperativas de produção e são abastecidas pelo

cooperativismo de consumo. Na Itália, os Centros Comunitários de Canavese vem

representar, próximo de Turim, as experiências das cooperativas de produção industrial

e agrícola. Com o intuito de resolver problemas sociais, Adriano Olivetti, em 1948,

visava diminuir o desemprego, descentralizar a concentração industrial e preparar a

autogestão através do controle liberado aos operários, recorrendo para isso ao

cooperativismo para reunir forças de camponeses e artesãos.

2.2 – Aliança Cooperativa

Na última década do século XIX houve o surgimento da “International Co-

operative Alliance (ICA)” ou Aliança Cooperativa Internacional (AIC), que é uma

16

organização não governamental dedicada a unir e representar as cooperativas das

diversas nações, sendo hoje a maior organização não governamental existente4.

Os participantes desta rede são compostos por variados tipos de cooperativas,

possuindo 220 filiais em 85 países, representando mais de 800 milhões de indivíduos.

As atividades da Aliança Cooperativa Internacional (AIC) possui foco voltado a

promover e defender a identidade Cooperativista, entendida neste momento como um

negócio com possibilidades competitivas no mercado capitalista.

Preocupada com a sustentabilidade e crescimento das cooperativas no ambiente

capitalista, esta associação iniciou, em 1937 uma revisão dos princípios cooperativistas

propostos pelos pioneiros de Rochdale, sendo que estes dados foram também alterados

em 1966, conforme vemos abaixo:

PRINCÍPIOS DO COOPERATIVISMO5

Textos de Rochdale Estatuto de

1844 Modificação em 1854 Congresso da ACI 1937 Congresso da ACI 1966

1 - Adesão livre 1 - Adesão livre

1 - Adesão livre (neutralidade social,

política, religiosa e racial)

2 - Gestão democrática 2 - Gestão democrática 2 - Gestão democrática

3 - Retorno "pro rata" das

operações

3 - Retorno "pro rata" das

operações

3 - Distribuição de sobras: a) ao

desenvolvimento da cooperativa b) aos serviços

comuns c) aos associados "pro rata" das

operações

4 - Juros limitados ao capital

4 - Juros limitados ao

capital 4 - Taxa limitada de juros ao capital

5 - Vendas a dinheiro 5 - Vendas a dinheiro

5 - Constituição de um fundo para

educação dos cooperados e do público em geral

6 - Educação dos membros

6 - Desenvolvimento da

educação em todos os níveis

6 - Ativa cooperação entre as

cooperativas, em plano local, nacional e

internacional

7 - Cooperativização global

7 - Neutralidade política

religiosa e racial

7 - Neutralidade política religiosa e

racial

A última revisão dos princípios Cooperativistas deu-se em 1995 e estão assim

ilustrados6:

4 Vide site http://www.ica.coop/ica/index.html para maiores informações. 5 Maiores informações sobre o quadro disponível em PAGOTTO, Claudete.

17

1 - Adesão voluntária e livre - As cooperativas são organizações voluntárias, abertas a todas as pessoas aptas a utilizar os seus serviços e assumir as responsabilidades como membros, sem discriminações de sexo, sociais, raciais, políticas e religiosas.

Observamos neste primeiro item, a problemática que circunda o universo das

pessoas com menores poderes econômicos, onde os que eventualmente possuam divisas

podem aqui ser favorecido, se objetivarmos um universo mais amplo.

2 - Gestão democrática - As cooperativas são organizações democráticas, controladas pelos seus membros, que participam ativamente na formulação das suas políticas e na tomada de decisões. Os homens e as mulheres, eleitos como representantes dos demais membros, são responsáveis perante estes. Nas cooperativas de primeiro grau os membros têm igual direito de voto (um membro, um voto); as cooperativas de grau superior são também organizadas de maneira democrática.

A democracia proposta pode vir carregada de poderes de influência e até

opressão por parte de alguns membros da associação.

3 - Participação econômica dos membros - Os membros contribuem eqüitativamente para o capital das suas cooperativas e controlam-no democraticamente. Parte desse capital é, normalmente, propriedade comum da cooperativa. Os membros recebem, habitualmente, se houver, uma remuneração limitada ao capital integralizado, como condição de sua adesão. Os membros destinam os excedentes a uma ou mais das seguintes finalidades:

• Desenvolvimento das suas cooperativas, eventualmente através da criação de reservas, parte das quais, pelo menos será, indivisível.

• Beneficios aos membros na proporção das suas transações com a cooperativa.

• Apoio a outras atividades aprovadas pelos membros. Lembramos que o capitalismo é inaugurado por uma série de processos, muitos

dos quais geraram a acumulação de capital. Há aqui a necessidade da manutenção de

mesmos padrões por parte dos membros, que integram o capital da cooperativa.

4 - Autonomia e independência - As cooperativas são organizações autônomas, de ajuda mútua, controladas pelos seus membros. Se firmarem acordos com outras organizações, incluindo instituições públicas, ou recorrerem a capital externo, devem fazê-lo em condições que assegurem o controle democrático pelos seus membros e mantenham a autonomia da cooperativa.

6 Ver http://www.brasilcooperativo.com.br/Cooperativismo/Princ%C3%ADpiosCooperativistas/tabid/335/Default.aspx

18

O voto e a decisão em conjunto são aspectos positivos no sentido organizacional,

social e humano, mas a ajuda de capital externo vem carregada de riscos para o controle

da associação.

5 - Educação, formação e informação - As cooperativas promovem a educação e a formação dos seus membros, dos representantes eleitos e dos trabalhadores, de forma que estes possam contribuir, eficazmente, para o desenvolvimento das suas cooperativas. Informam o público em geral, particularmente os jovens e os líderes de opinião, sobre a natureza e as vantagens da cooperação.

Sugerimos que as formas de educação devem estar voltadas para a formação do

cidadão e não somente ao universo do trabalho dentro da cooperativa.

6 - Intercooperação - As cooperativas servem de forma mais eficaz os seus membros e dão mais -força ao movimento cooperativo, trabalhando em conjunto, através das estruturas locais, regionais, nacionais e internacionais.

Este item é intrinsecamente ligado à proposta de desenvolvimento da Aliança

Cooperativa Internacional (AIC).

7 - Interesse pela comunidade - As cooperativas trabalham para o desenvolvimento sustentado das suas comunidades através de políticas aprovadas pelos membros.

Este item, sendo seguido, pode representar sensíveis alterações no cenário social

e educacional da sociedade onde atua, de modo que a interatividade e comunicação com

a sociedade pode promover a “formação para o trabalho e educação para a vida” da

população e o crescimento exponencial do crescimento cooperativista.

A ACI promete fornecer assistência técnica aos associados, suporte financeiro e

uma proposta para a redução da pobreza através de programas de micro financiamentos

ao redor do mundo. Constantemente financia a publicação de textos e livros sobre o

universo do Cooperativismo. Dentro da hierarquia da Aliança Cooperativa Internacional

(AIC), existem subdivisões especializadas em tipos específicos de cooperativas, como

por exemplo:

International Co-operative Agricultural Organisation (ICAO) – Destinada a

organizar a união das cooperativas do setor da agricultura

Banking and Credit: International Co-operative Banking Association (ICBA) –

Preocupada com as cooperativas de crédito.

Consumer: Consumer Co-operatives Worldwide (CCW) – Voltada às

cooperativas de consumo.

19

Fisheries: International Co-operative Fishery Organisation (ICFO) – Dedicada às

cooperativas de pesca.

Health: International Health Co-operative Organisations (IHCO) – Comprometida

com o desenvolvimento das cooperativas ligadas à área da saúde.

Housing: International Co-operative Housing Organisation (ICA Housing) –

Organiza as cooperativas de construção.

Industry and services: International Organisation of Industrial, Artisanal and

Service Producers' Co-operatives (CICOPA) – Destinada a auxiliar as cooperativas de

produção.

Insurance: International Co-operative and Mutual Insurance Federation (ICMIF) –

Auxilia ao cooperativismo de seguros.

Travel: International Association of Tourism (TICA) – Promove o

desenvolvimento das cooperativas de turismo.

3 – O cooperativismo no Brasil

As idéias sobre cooperativismo foram trazida ao Brasil por um pequeno grupo

de intelectuais. Em 1889 Santana Nery representou o Brasil no Congresso

Cooperativista que foi realizado na França. A exemplo da Europa e Estados Unidos, no

Brasil surgiram algumas sociedades baseadas no fourierismo, como no Rio de Janeiro o

Falanstério do Saí, em 1842, e no Paraná, a Colônia Cecília, em 1891. Também nos fins

do século XIX, mais especificamente em 1891, foi fundada a Associação Cooperativa

dos Empregados da Companhia Telefônica em Limeira – SP, em 1894, a Cooperativa

de Consumo de Camaragibe no Distrito Federal e em 1897, a Cooperativa dos

Empregados da Companhia Paulista em Campinas – SP.

Alguma cultura cooperativista era trazida através da imigração e alguns estímulos

federais e estaduais foram realizados. Em 1932, no cenário de crise decorrente da

quebra da bolsa de 1929, do arrasto de problemas decorrentes da primeira guerra

mundial e os problemas relacionados também com a crise do café, o Estado recorreu à

possibilidade de buscar no cooperativismo a saída para os problemas sociais e

econômicos da população. Buscou-se estimular o cooperativismo criando instituições

encarregadas de divulgar a doutrina e promover a assistência aos interessados na

20

questão. A regulamentação das cooperativas também surgiu em 1932 com o decreto

22.239.

Tais ações não foram o bastante para difundir o plano cooperativista no Brasil e

isto possivelmente se deve às características próprias da formação econômica de nosso

país. Diferentemente da Europa, que minimizou através do cooperativismo os

problemas decorrentes do liberalismo, o Brasil não conseguiu fazê-lo, pois a indústria

brasileira não havia sofrido o mesmo impacto da Revolução Industrial, e aqui, na

maioria dos casos, nós não tínhamos uma população consciente dos problemas de classe

e em condições para resolver sua própria situação. Em uma estrutura latifundiária, a

propriedade privada de pequeno porte não existia suficientemente, sendo que a

população vivia em torno de um senhor em um espaço de baixa concentração

populacional, onde no passado a escravidão se encarregou de impedir formas de

associação e educação. A comunicação entre áreas e as dificuldades de transporte eram

demasiadamente sofríveis e tais aspectos perduram até as últimas décadas e em algumas

regiões, até os dias de hoje. Estes diversos fatores elucidam a necessidade da evolução

de um movimento que parte de cima para baixo, com forças provenientes especialmente

dos setores públicos, diferentemente do caso europeu, que nasceu dos anseios do povo

baseado na sua consciência de necessidade de libertação.

4 – Pólo Têxtil da região de Americana

Com o objetivo de reunir as empresas, profissionais e cooperativas da região das

cidades de Sumaré, Santa Bárbara D´Oeste, Nova Odessa, Hortolândia e Americana foi

fundado no ano de 2002, o Pólo Tectex (Pólo Tecnológico da Industria Têxtil e da

Confecção), que visa representar economicamente, politicamente e institucionalmente, o

setor têxtil da região em limites nacionais e internacionais. As alianças são realizadas

em toda a cadeia de desenvolvimento, como as empresas de materiais crus, fiação,

tecelagem, beneficiadoras, tinturarias, confecções e comércio de produtos da área. Com

o intuito de promover o enriquecimento do setor, a direção do Pólo e seus

representantes de cada área buscam aproximações com entidades como o Sebrae

(Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas), Fiesp (Federação das

Industrias do Estado de São Paulo), Sesi (Serviço Social da Indústria), CNI

21

(Confederação Nacional da Indústria), Prefeituras, Sindicatos, Associações, Bancos,

Universidades, etc.

Buscando os benefícios necessários à sobrevivência no ambiente capitalista,

foram formados os comitês de negócios, competitividade, comunicação e

responsabilidade social, propondo o desenvolvimento e crescimento sustentável. Em

reuniões e entrevistas com os associados, entidades públicas e privadas, foi identificada

a necessidade do desenvolvimento de cooperativas de trabalho, visando contribuir para

o desenvolvimento das empresas locais. Na avaliação dos 5 municípios, foi identificado

o processo de formação de cooperativas de trabalho na cidade de Hortolândia, sendo

constituído um comitê para o desenvolvimento de cooperativas de trabalho na região,

com representantes destas, empresários da área têxtil e enviados de sindicatos de

trabalhadores.

No presente momento, está sendo criado uma estrutura de apoio técnico para o

desenvolvimento da ação, buscando especialistas no desenvolvimento de cooperativas

de trabalho dentro das áreas jurídicas, técnicas, comerciais e administrativas, onde é

objetivado o fornecimento de suporte técnico e a busca de preparação dos cooperados

para se tornarem empreendedores. Estão sendo discutidos com o setor público e privado

a necessidade de financiamento, qualificação e crédito para as associações, buscando o

fornecimento da mão de obra e a terceirização produtiva das empresas da região7.

5 – Estudo do caso da COOPER-CRIS

5.1 – Considerações acerca da metodologia da pesquisa utilizada

A pesquisa bibliográfica em desenvolvimento percorre a história do

cooperativismo e a questão sócio–política respectiva ao seu crescimento. Autores

marxistas nos trazem a reflexão sobre a problemática que envolve o indivíduo no

mercado de trabalho desde o surgimento do capitalismo.

Com o intuito de buscar proximidade com uma cooperativa de confecção,

oferecemos voluntariamente um curso de modelagem básica do vestuário aos

cooperados da Cooper Cris, localizada na cidade de Hortolândia-SP. Inicialmente, a

7 Maiores informações podem ser consultadas em http://www.polotectex.com.br

22

observação empírica das pessoas, seus trabalhos e do local através da vivência nos

momentos das aulas assolaram o caminho que percorremos neste momento.

Estão em desenvolvimento, entrevistas com as participantes da Cooper Cris e com

àquelas que desistiram da sociedade desde o momento em que esta foi fundada. A

análise dos dados dar-se-á com três diferentes preocupações. Buscamos compreender

inicialmente os fatores que levaram cada uma delas a ingressar na cooperativa. Em

segundo momento visamos o entendimento dos processos educativos e a transformação

de cada uma das participantes no ambiente da Cooper Cris, nos limites da formação

para a vida e educação para o trabalho neste local considerado alternativo por nós.

Como decorrência, em terceiro instante, nos propomos a pesquisar sobre a hipótese de a

Cooper Cris ser um instrumento com potencial promotor da emancipação humana.

5.2 – História e memória da Cooper Cris

Fundada em 22/07/2005, a Cooper Cris nasceu da proposta de campanha política

do então vereador Gervásio Batista Pozza. Foi sua esposa Marlene Félix Antunes que

tomou a frente das reuniões iniciais, abertura da empresa, mobilização de pessoal e das

pesquisas introdutórias para o desenvolvimento da sociedade que ela preside desde sua

fundação. No período de campanha, procurou realizar diversas reuniões com a

comunidade, em chás da tarde promovidos com o patrocínio do candidato. Nestas

reuniões, falava sobre a proposta de fundar cooperativas em vários bairros e a

necessidade de apoio público à população de baixa renda, visando buscar as

possibilidades de transformação social naquela região. Com a eleição de Gervásio à

câmara municipal daquela cidade, Marlene reuniu as interessadas em participar da

cooperativa que se propunha a fundar. As integrantes decidiram o nome, que seria

formado pelas siglas iniciais do cooperativismo, “cooper”, em união com o sufixo

“cris”, proveniente do nome do bairro “Carmem Cristina”, onde se localizaria a primeira

sede da cooperativa. Como incentivo, o vereador cedeu um salão de sua propriedade a

título de empréstimo às cooperadas, que ganharam também por um ano os direitos de

utilização de água, luz e telefone do local, além de auxílio e ajuda de custo em papelaria

e xérox necessários ao negócio.

23

As dificuldades iniciais foram marcadas pela falta de capital e conhecimento

necessários à constituição da cooperativa. Na comemoração de 2 anos da fundação da

associação, realizada em 23/07/2007 na Câmara Municipal de Hortolândia, sua

presidenta discursou sobre as dificuldades do grupo e a incansável busca de auxílio por

parte delas. Naquela época, procuraram a sede do desenvolvimento econômico daquela

prefeitura, onde foram auxiliadas por pessoas que tinham conhecimento relacionado à

economia solidária e desenvolvimento cooperativista. Dimas Correa de Pádua, então

secretário da área, foi quem liderou os primeiros encontros das mulheres com o

departamento, assim como auxiliou no que era necessário para a realização do grupo.

As primeiras máquinas da cooperativa eram de propriedade das próprias cooperadas,

que se encarregaram de levá-las da própria casa. O desejo pelo trabalho e a busca pela

transformação social trouxe ao grupo a expectativa da possibilidade de um grande

crescimento através das próprias mãos.

Os custos relativos aos honorários do contador que cuidaria da abertura da

empresa foram financiados a título de doação pela MJ Contabilidade, e as taxas pagas à

JUCESP (Junta Comercial do Estado de São Paulo) e outras despesas foram custeadas

por 2 festas de arrecadação promovida pelas cooperadas sob a liderança de dona

Marlene. A iniciativa trouxe o dinheiro proveniente da venda de cartelas de bingo,

pastel e refrigerantes que foram suficientes para os pagamentos das taxas iniciais. Para a

aquisição dos primeiros cortes de tecido, destinados aos testes iniciais, foi realizado

uma arrecadação livre entre o grupo, em valores que variavam de R$ 5,00 a R$ 10,00.

Em uma das reuniões das fundadoras, obteve-se a informação de que seria

realizada uma licitação para a confecção de 69.813 uniformes escolares para a prefeitura

de Hortolândia. A regulamentação da cooperativa e a proposta de menor preço trouxe à

Cooper Cris o seu primeiro trabalho de confecção para as cooperadas. As negociações

facilitadas pelo envolvimento político de Gervásio e Marlene facilitaram a aquisição de

15 toneladas de malha diretamente da Advance Têxtil, que seriam pagas com o futuro

recebimento do pagamento que seria realizado pela prefeitura. Com a mesma estratégia,

foram compradas as máquinas que eram necessárias para o trabalho, em crédito

concedido pela Camp-Máquinas.

As dificuldades de produção devido ao grande volume, levou a Cooper Cris a

propor a terceirização do trabalho a outras 2 cooperativas de Hortolândia. A Cooperfem

24

e a Lance se disponibilizaram a trabalhar em conjunto, suprindo a carência das mãos

necessárias ao cumprimento do prazo estabelecido.

Com a falta de conhecimento sobre a questão técnico-administrativa, ocorreram

algumas deficiências relativas ao custeio e as taxas de impostos que foram pagas

levaram os ganhos iniciais da Cooper Cris, gerando descontentamento por parte do

grupo, que lucrou somente com as máquinas que foram compradas para o trabalho e a

sobra de 500 kilos da malha utilizada na confecção.

5.3 – As ações desenvolvidas

Com o surgimento da Cooper Cris e a aproximação do Pólo à prefeitura de

Hortolândia, a presidenta Marlene foi convidada para representar as cooperativas da

cidade nos limites do Pólo. Através deste ajuntamento, foram realizados contatos da

presidenta com confecções que seriam clientes em potencial da cooperativa.

As reuniões realizadas na sede do Pólo na cidade de Americana visam identificar

as necessidades para o melhor aproveitamento das cooperativas e o crescimento

econômico das empresas da região. A parceria do Pólo com o Senai e Sebrae favoreceu

o fornecimento do curso “Aprendendo a Empreender” às cooperadas e um curso de

corte e costura realizado no Senai de Americana, onde foi destinada uma Kombi para

transportar 2 representantes de cada cooperativa de Hortolândia semanalmente. Outros

cursos foram propostos como o de “Marketing” e também de “Comércio Exterior”, mas

não houve interesse por parte das mulheres, que disseram se interessarem mais pelo

desenvolvimento técnico relacionado à costura, uma vez que estes são elementos

essenciais à associação.

5.4 – A formação para o trabalho e a educação para a vida dos cooperados

da Cooper Cris

As reuniões oficiais realizadas mensalmente na cooperativa expõem os desejos e

anseios das participantes da cooperativa que levam em suas palavras os problemas

vivenciados no dia-a-dia de trabalho, dificuldades e expectativas. Os iguais direitos e

valores dentro da cooperativa trazem a possibilidade da exposição da importância de

25

cada uma em igual nivelamento hierárquico, o que vem favorecendo o aprendizado no

novo local de trabalho.

Para a cooperada Cleide8, o ambiente favorece o crescimento e aprendizado

contínuos, citando: “aprendi muito nesse tempo, acho que nunca aprendi tanto”. A

necessidade de convívio em sociedade traz aos cooperados a reflexão sobre a tolerância

à multiplicidade e o entendimento e consideração ao pensamento do próximo. Como

conta dona Marlene, na cooperativa “aprendemos a conviver com os outros e ajudar

quando precisar. Quando uma briga com outra, sabe que vai ter que voltar a trás e

conversar para se acertar”.

A educação informal em uma sociedade cooperativa é favorecida pelos mesmos

interesses do grupo. A busca da sustentabilidade econômica tão desejada faz com que a

solidariedade seja desenvolvida diariamente, pois no momento em que o grupo produz

mais e com melhor qualidade todos serão beneficiados economicamente. Como nos

ensina Gadotti, a educação sócio-comunitária não vem existir sem a associação do

desenvolvimento econômico e no momento em que se consegue maior conhecimento

sobre o negócio e o cooperativismo, maiores resultados financeiros são alcançados e,

conseqüentemente, maiores investimentos são feitos na educação do grupo pelo grupo.

Os fatores citados nos indicam que, provavelmente, o ambiente da Coopercris está

circunscrito nos ideais voltados à emancipação do indivíduo e o desenvolvimento de

uma sociedade igualitária e solidária, onde a criação conjunta favorece a associação

como um todo. Se a questão da problemática econômica ainda não foi totalmente

resolvida na Cooper Cris, a liberdade dos indivíduos nos limites da fraternidade e

reciprocidade ilustra um caminho onde o desenvolvimento humano é o grande

vencedor. As conversas das cooperadas, suas confissões e trocas de experiências,

favorecem o desenvolvimento de uma educação informal em uma temática próxima a

existente no ambiente familiar, com a diferença que na cooperativa, as pessoas estão

próximas através de um laço profissional que as une. O interesse pela costura, tecidos e

roupas dão às associadas um eixo norteador e um caminho para seguirem de braços

dados. A maleabilidade oferecida pelos direitos iguais do cooperativismo traz um

exemplo de que há modos diferentes e muitas vezes melhores de se viver no ambiente

8 A associada faz parte da cooperativa desde seu início e é considerada líder no desenvolvimento de costura na Cooper Cris.

26

capitalista, trabalhando, desta maneira, com a possibilidade utópica da superação deste

modo social.

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