convivendo com a mediunidade em sala de aula

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II Jornada de Saúde e Espiritualidade de São Carlos 01 a 04 de outubro de 2009 Convivendo com a mediunidade em sala de aula: Saúde mental, espiritualidade e educação especial Prof. Dr. Adilson Marques Primavera de 2009 São Carlos/SP

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paper apresentado na II jornada de saúde e espiritualidade de São Carlos, abordando o tema saúde mental, espiritualidade e educação especial.

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Page 1: Convivendo com a mediunidade em sala de aula

II Jornada de Saúde e Espiritualidade de São Carlos 01 a 04 de outubro de 2009

Convivendo com a mediunidade em sala de aula: Saúde mental, espiritualidade e educação especial

Prof. Dr. Adilson Marques

Primavera de 2009 São Carlos/SP

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Introdução

Encontramos registros de fenômenos mediúnicos desde a Antiguidade, em todas as culturas. Em alguns contextos sócio-culturais a mediunidade é aceita com naturalidade e, em outros, como algo a ser combatido, como aparece, por exemplo, no Antigo Testamento.

Apesar do DSM-4 (Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais – 4ª edição, da Associação Psiquiátrica Americana) ter incluído a categoria Problemas Espirituais e Religiosos, predomina no discurso acadêmico a interpretação de que mediunidade é fraude, charlatanismo, psicopatologia, delírio, alucinação, entre outros diagnósticos, o que dificulta uma melhor compreensão do fenômeno quando ele se manifesta em alunos em idade escolar.

Outro fato que dificulta a efetiva resolução do problema é a associação realizada por grupos religiosos que associam a mediunidade ao satanismo ou como “instrumento do demônio” etc.

A mediunidade só se torna um problema quando é descontrolada, quando o médium desconsidera alguns princípios básicos. Caso contrário, a mediunidade em nada atrapalhará a vida cotidiana do médium.

Neste trabalho abordarei quatro casos de mediunidade eclodida durante a infância e que, por falta de conhecimento e orientação dos pais, professores e profissionais da saúde prejudicaram o rendimento escolar destas crianças.

A mediunidade e sua tipologia No hoje clássico “O livro dos médiuns”, escrito por Allan Kardec, pseudônimo do pedagogo francês Hippólyte Leon D. Rivail, encontramos um completo quadro sistêmico sobre a mediunidade. O autor estudou e classificou todas as formas de mediunidade que conheceu no século XIX. Apesar de inúmeras possibilidades de manifestação, as formas básicas mais comuns de intercambio mediúnico são: a “incorporação”, a psicografia, a clariaudiência e a clarividência. No primeiro caso, o médium entra em contato mental com o ser incorpóreo e este se manifesta usando os instrumentos sensoriais do médium que pode ser completamente inconsciente, não registrando nada do que o espírito faz ou fala durante o transe, semiconsciente ou totalmente consciente, quando a informação é captada de forma intuitiva pelo médium, sem que o mesmo saia de seu estado de vigília. No caso da psicografia, o médium escreve aquilo que o ser incorpóreo deseja transmitir. E, como no caso anterior, o médium pode ser totalmente inconsciente, semiconsciente ou plenamente consciente. No último caso, o médium mantém a essência do pensamento do ser incorpóreo adornando-o com suas próprias palavras e idiossincrasias. A clarividência consiste no intercâmbio visual com outras dimensões existenciais que interagem com a terceira dimensão, na qual nos encontramos. Assim, o médium que possui esse potencial psíquico é capaz de ver os espíritos e paisagens que os nossos sentidos e o nosso cérebro não é capaz de transformar em realidade para nós e também acessar com riqueza de detalhes o passado e também o futuro. O mesmo acontece com a clariaudiência. Nesse caso, o médium ouve sons e vozes que não estamos preparados para ouvir enquanto encarnados, devido às limitações do nosso cérebro, uma vez que ele não é capaz de trabalhar com todas as ondas sonoras que estão percorrendo o universo.

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Nos quatro casos que vou apresentar, é a clarividência e a clariaudiência que mais ocorrem. Porém, é a falta de estudo e compreensão do fenômeno mediúnico que pode acarretar em problemas e sofrimentos para a criança em idade escolar e não a mediunidade em si, lembrando que Chico Xavier, por exemplo, também teve a eclosão de seu potencial mediúnico ainda criança. A obsessão em crianças

Obsessão, segundo Allan Kardec, é o nome para o assédio extra-físico que uma pessoa pode vir a sofrer. Para Kardec, estamos sempre rodeados e sendo intuídos por espíritos. Estes, de forma geral, podem ser classificados como “bons”, “maus” ou “neutros”. O termo obsessão é utilizado apenas para a influência do segundo caso, ou seja, dos “maus” espíritos, ou seja, daqueles que agem com a intenção de prejudicar alguém. E por que uma criança sofreria ataques obsessivos?

Essa questão só se esclarece quando aceitamos a hipótese reencarnacionista. Ou seja, apesar de momentaneamente estarem na forma de crianças, em tese, seriam espíritos eternos que podem, de fato, terem inimigos que os perseguem por alguma razão. E esse assédio dependerá do tipo de mediunidade que a criança possuir. A obsessão é diferente, por exemplo, dos “amigos imaginários”, que, provavelmente, são espíritos amigos que acompanham a encarnação daquele outro e o protege, o intuindo com pensamentos positivos e o ajudando diuturnamente. Porém, se o ensinamento de Paulo de Tarso estiver correto, cada um colhe o que semeia. Nesse caso, mesmo o espírito protetor precisa permitir a aproximação do obsessor que cobra algum débito do passado.

Estudos de caso O primeiro exemplo que trago para a discussão é de uma criança de oito anos de

idade (em 2008) com idéias suicidas. O menino afirma não gostar de ficar em casa e nem de ir à escola. Ele gosta apenas de ficar na casa da avó. Foi ela que me procurou, desesperada, em busca de uma orientação animagógica. Conversando com o menino, ele afirma que vê espíritos deformados em sua casa e que, em uma certa ocasião, estava em seu quarto quando viu um espírito sair do cemitério e voar até a porta de seu quarto. De frente para o menino, aquele começou a dizer que o mataria.

Depois dessa experiência, não quis ir mais a escola. Os pais não seguem nenhuma religião, segundo a avó, que se diz católica, mas acredita na existência e manifestação dos espíritos. Para ela, os “bons” são “anjos” e os “maus” são “demônios”. O menino afirma que só não vê os seus obsessores na casa da avó, que sempre está orando e dá atenção para aquilo que ele descreve.

A avó e o neto passaram por atendimentos bioenergéticos (reiki) comigo e os orientei a buscar auxilio em um centro espiritualista da cidade. Segundo eu fui informado, a clarividência da criança foi provisoriamente “fechada”. Ou seja, ela vai voltar a se manifestar mais tarde quando a criança tiver condições de compreender o fenômeno e ter maior domínio sobre sua mediunidade.

Uma outra criança, cuja mãe me procurou angustiada, está com 10 anos de idade (em 2009) e tem premonições que freqüentemente se concretizam. Segundo a mãe, seus professores classificam a criança como distraída e sem interesse pelos estudos.

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Conversando com o menino, ele afirmou que vê vultos e sente se as pessoas são sinceras ou não naquilo que estão dizendo. Além disso, narrou alguns acidentes que previu com familiares, vizinhos e amigos.

Apesar de ser um aluno desmotivado, costuma ir bem nas provas. Um fato curioso narrado pela mãe foi em relação a uma prova de matemática. Ela diz que a professora afirmou que a melhor prova foi a dele, mas que deu uma nota baixa (5) por causa do comportamento do aluno. Perguntei ao menino se ele ouvia as respostas das questões, mas ele disse que não. Ele simplesmente sabe, sem precisar prestar atenção na aula ou estudar para as provas. O desinteresse da criança pelos estudos é motivo de preocupação da mãe que, aos dezesseis anos de idade tentou suicídio após ouvir vozes que diziam para ela se matar. Ela teme que o mesmo aconteça com o filho.

Essa criança parece ter realmente uma mediunidade ostensiva, mas o desinteresse pelos estudos parece muito mais relacionado com a forma como se processa a educação pública brasileira, na qual ainda predomina a memorização de dados e datas e não a resolução de problemas e o raciocínio. Não me parece que a mediunidade seja o motivo do desinteresse pela escola. A criança não parece demonstrar medo dos vultos que costuma ver ou das premonições.

A mesma sorte não teve o médium Carlos Roberto (nome fictício) que, na infância, sofreu por causa da mediunidade ostensiva e da obsessão que sofria, sendo diagnosticado como esquizofrênico e tendo perdido alguns anos de estudo. Hoje ele está com mais de 40 anos de idade e tem domínio sobre a sua mediunidade de clarividência. Ele afirma que hoje não tem medo de nenhum tipo de espírito e que os vê e os ouve perfeitamente. Porém, na infância, por ignorância da família, dos professores e dos profissionais da saúde que o atenderam, sofreu muito.

O período mais grave que vivenciou foi quando estava na sexta série. Quase que diariamente sofria fortes dores de cabeça. Sua família exigia que fosse para a escola. Lá não conseguia prestar atenção às aulas. Encaminhado para fazer exames, nada físico foi constatado. Para alguns professores e profissionais da saúde era tudo fingimento. Desesperado, procurou ajuda psiquiátrica quando começou a ver os espíritos, sendo rotulado como esquizofrênico. Porém, desistiu de tomar os medicamentos e foi procurar ajuda nas religiões. Freqüentou igrejas evangélicas, terreiros de umbanda, centros espíritas etc.

Com o tempo aprendeu a ter domínio sobre a sua mediunidade. Ele nos narra que ainda hoje vê os espíritos, mas isso não mais o incomoda. Por exemplo, enquanto conversava com ele, segundo sua afirmação, atrás de mim estavam três espíritos: um com aparência de chinês, um preto-velho e um exu.

Algumas conclusões

Desde 1998, a Organização Mundial da Saúde (OMS) define a saúde como um

completo bem-estar biológico, psicológico e espiritual. Além disso, o CID 10 – código internacional de doenças - define que há o estado normal de transe ou de possessão, que é aquele que acontece durante uma manifestação mediúnica, e o patológico, causado por alguma doença. Enfim, hoje a mediunidade não é mais considerada uma enfermidade, apesar de, na prática, pelo menos no Brasil, continuar sendo tratada nos consultórios e nos hospitais psiquiátricos como uma psicopatologia.

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A obsessão espiritual, que pode acontecer inclusive com crianças em idade escolar, como salientamos acima, corre o risco de ser considerada “alucinação” ou “loucura”, impedindo que o aluno que manifeste este problema tenha um atendimento que realmente possa auxiliá-lo. Infelizmente, nem os profissionais da saúde e muito menos os professores estão preparados para entender o fenômeno, pois desconhecem ou tentam ignorar, por medo ou por preconceito religioso, fenômenos cada vez mais rotineiros como a EQM (experiência de quase morte), a regressão espontânea a vidas passadas, os desdobramentos (experiências fora do corpo) etc., assim como as diferentes técnicas espiritualistas que não possuem relação com religião ou dogmatismos, como é o caso da Apometria, a TVP e tantas outras.

Em 2006, ministrei na Fundação Educacional São Carlos um curso denominado “espiritualidade sem fronteiras”, abordando, a partir de um enfoque cientifico, vários temas espiritualistas. Cerca de 30 pessoas, boa parte formada por professores aposentados, participou. Foi possível, na época, notar que o tema desperta muito interesse, mas ainda predomina a idéia de que estes assuntos só devem ser pesquisados fora do ambiente escolar por serem temas tabus ou após a aposentadoria, para autoconhecimento.

Infelizmente, este tipo de pensamento faz com que as Faculdades de Educação e, sobretudo, as Secretarias de Educação ignorem os problemas religiosos e espirituais que acontecem dentro da escola. Os quatro casos que apresentei acima mostram que o problema existe e deveria ser compreendido pelos profissionais da saúde e da educação que convivem diretamente com a realidade escolar. Enfim, podemos dizer que está na hora de pensar a mediunidade como uma questão de direitos humanos e de qualidade de vida para que o médium, criança ou não, possa receber a orientação e o acompanhamento adequados e não virar apenas mais um número nas estatísticas dos hospitais psiquiátricos e dos sanatórios públicos ou particulares. A chamada Educação Especial, campo de pesquisa que se preocupa em combater a exclusão dentro da escola, deveria atentar também para os problemas espirituais e religiosos, para que as crianças que manifestam uma mediunidade ostensiva possam ser amparadas e auxiliadas para que os exemplos apresentados acima não mais se repitam no ambiente escolar.