conversações sobre consumo responsável
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Conversações Sobre Consumo Responsável, Consciente, Verde, Ético No Facebook
“Uma palavra de ordem na política de civilização é: menos, porém melhor. Essa palavra de ordem segue na contracorrente da fantástica máquina de consumo produzida e animada pelo lucro. Os
consumidores, no entanto, estão empenhados em se autoeducar, se autorregular, se auto organizar, e a política de civilização propõe seguir nesse sentido.”
Edgar Morin.
João Salvador Furtado - Professor, Pesquisador e Livre docente. Biólogo. Educador para
sustentabilidade organizacional e desenvolvimento sustentável.
Vivian Ap. Blaso S. S. César - Blogueira, Professora, especialista em comunicação e
sustentabilidade. Doutorado e Mestrado em Ciências Sociais PUCSP.
Início em 15 de agosto de 2014.
João Salvador Furtado - Consumo responsável, consciente, "verde", ético, ou mesmo
sustentável tornam-se termos vagos, a menos que referenciados, comparados e medidos
em relação a padrões, metas métricas ou elementos intangíveis objetivamente definidos.
Proteger o planeta; defender o ambiente; promover mudanças sociais apenas discursivos
não bastam. O consumidor "consciente" pode saber que está sendo perdulário, mas, o
faz por que acha que pode pagar e lá se vão os parâmetros ambientais como capacidade
de carga, limite de serviço ecossistêmico; esgotamento de recurso; pegada ecológica, do
carbono, hídrica, etc. - que deveriam ser as fontes de métricas para o consumo. Equidade
social - só no discurso - nada diz do ponto de vista de métricas da Pegada Social1, por
exemplo.
É é tempo de definir e referenciar os termos objetivamente. Consumo responsável deve
embutir "responder pelo ato" e o ato precisa ser qualificado e quantificado em relação à
fonte dos recursos consumidos ou do propósito do consumo.
Vivian Blaso - Mas afinal o que seria consumo consciente?
João Salvador Furtado - Expressão abstrata, oca, sem significado objetivo. O consumidor
precisa ter compromisso político (policy) e decidir que tipo de cidadão quer ser.
1 Pegada Ecológica Social expressão cunhada por Martin Rees e Mathis Wackernagel em 1977 para definir a quantidade mínima de hectares de terra produtiva seriam necessários a cada habitante para viver bem.
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Vivian Blaso - Hoje temos alguns traços de consumo e compromisso político ou consumo
e cidadania? Onde estão? O que consomem? Qual a parcela de consumidores com este
perfil encontramos hoje no Brasil?
João Salvador Furtado - Na tentativa de dar sugestões ao desafio colocado por Vivian,
aqui está um cardápio para o consumo (qualquer que seja o adjetivo usado).
Se o consumidor/cidadão quiser pensar na
continuidade/perenidade/sustentabilidade/florescimento dos humanos terá que
defender o equilíbrio do consumo com os recursos naturais para o futuro. Terá que pagar
para coisas e serviços úteis (não supérfluos; na medida e volume certos); de vida mais
longa que similares e reparáveis; que usam recursos renováveis; com o mínimo de
embalagem (retornável para ser reutilizada/reciclada); cujas sobras sejam
reaproveitadas/reusadas/recicladas (pela ordem). Produtos cujo uso seja feito com baixo
consumo de energia (renovável) e água. Produtos manufaturados localmente ou
transportados a distancias curtas (abaixo quinquilharias da China e de outros países,
transportados de navios e aeronaves), com baixo conteúdo de produtos químicos
sintéticos (preservativos, corantes, edulcorantes, etc.). Adquiridos de empresas que
coloquem informações no rótulo a respeito do uso/consumo, segurança/riscos dos
componentes e do produto final; cujo marketing evite o branding maquiagem verde ou
para sustentabilidade de relações públicas; que divulguem relatórios de desempenho e
compromissos comprovados, de natureza econômica, ambiental e social; que não
tenham sido processadas por infrações econômicas, ambientais e sociais, ou, se foram,
que apresentam publicamente suas justificativas e medidas corretivas e reparadoras dos
danos causados.
Vivian Blaso - O consumo tornou-se cultural, não estamos aqui definindo uma dicotomia
mas uma dialogia entre consumo e meio ambiente. Não se trata de definirmos para cada
serviço ou produto o grau de utilidade até porque isso depende de cada cultura, cada
ambiente onde será consumido e principalmente de cada consumidor.
João Salvador Furtado - Depende do modelo de ética. A ética que valoriza a economia
neoclássica e o ramo dessa – a economia ambiental – alimenta o consumo de escolhas
em todos os níveis: do suficiente ao desejo e ao luxo. Hoje o mercado de luxo é de US$3
trilhões, para pessoas com renda anual entre US$55,000-150,000 e já se fala em
Sustainable luxury. Aqui estão os consumidores conscientes também.
A ética humano-natural, biofilia e Gaia faz com que a cultura humana considere, sim, a
linha de base ancorada na utilidade e acima de tudo, no equilíbrio da economia humana
(preço de tudo) com a economia biogeoquímica, profunda no tempo e no espaço (valor
de tudo).
Ou, no mínimo, com afinidade à economia “verde” promovida na Rio + 20, que tem mais
a “cara” econômico-ambiental (bens naturais com preço de mercado) do que da
capacidade de carga: biorreposição de estoques e manutenção de serviços
ecossistêmicos, integrados com bioconversão de despejos.
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Vivian Blaso - O grande nó dessa questão é a forma como apreendemos e gostamos de
consumir que acabou esgotando os recursos e hoje não temos mais condições de repor.
O colapso da sociedade contemporânea, apenas se materializa nas práticas de consumo
que ocorre ou pela reafirmação de valores, ou por acesso a grupos de interesses, ou por
mero prazer. Todos nós individualmente temos as nossas razões para consumirmos
produtos e serviços. Talvez simplesmente na tentativa de nos sentirmos bem e
preenchermos as nossas faltas.
João Salvador Furtado – Do ponto de vista do equilíbrio de fluxos de energia e recursos,
e do desempenho dos ecossistemas, dos quais os humanos são integrantes, as “razões
para consumir” são o principal motivo para mudança mental para o qual se chama a
atenção por que diz respeito diretamente à sustentabilidade. Sentir-se bem pode ir do
essencial ao exagero, pela ótica humana. Porém, do ponto de vista dos limites da
capacidade de carga há um preço a pagar pela humanidade (filhos, netos, filhos de netos,
etc. – coisas que para muitos para nos netos!). “Preencher faltas” é conceito abstrato e
está no mesmo raciocínio. Vale à pena rever o conceito de resiliência.
Vivian Blaso - O grande nó a qual me refiro está no afastamento do homem da sua
subjetividade que hoje alimentada por impulsos e desejos nos levaram a consumir em
excesso. Quantos de nós não fomos em algum momento tomados por estes impulsos e
acabamos consumindo algo por um prazer momentâneo? Neste aspecto tenho que
concordar que informações a respeito dos impactos causados no meio ambiente por
meio de métricas, da Pegada Ecológica Social possam interferir completamente no ato
de consumir. Também gostaria de alertar que a querida Estamira2 já alertava: não temos
mais inocentes, temos espertos ao contrário. As explicações de Estamira ao longo do
documentário revelam que não somos inocentes, nós infelizmente perdemos a noção da
nossa conexão com o universo e o verdadeiro sentido da nossa existência.
Para provocar ainda mais, este dialogo, gostaria de saber se é possível acreditarmos em
consumo consciente, uma vez que temos informações, mesmo que parciais a respeito
das fragilidades do sistema.
João Salvador Furtado – O perdulário que sabe que é perdulário é consciente do que faz.
O que consome pelo prazer de consumir e sabe o que faz também é consumidor
consciente. Por isso, a expressão é relativa: depende da conduta (para uns “cultura”) do
consumidor. Alguns números derivados de pesquisa de consumo domiciliar na Finlândia,
baseados no Fardo Ecológico (Ecological Rucksack) ou Intensidade Material por Unidade
de Serviço.
(i) Os bens e serviços produzidos para consumo demandam a extração de recursos
abióticos e bióticos (além de água e energia) em volumes enormes em relação ao total
de bens finais. (ii) Famílias com diferentes rendas, área, tipos de habitação e tipo de
transporte consomem, em média 40,3 toneladas de recursos naturais per capita (por
2 Estamira: Documentário dirigido por Marcos Prado, lançado em 2006, narra a história de Estamira Gomes de Souza que morou e trabalhou por duas décadas no aterro sanitário em Jardim Gramacho no Rio de Janeiro apesar de sofrer distúrbios mentais Estamira aponta com lucidez as questões ecológicas.
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pessoa/por ano). (iii) Os menores consumos foram de 7,2 ton/ano e os maiores – prestem
atenção – 142,7 ton/ano per capita. (iv) O consumo médio (40,3 ton) poderá ser reduzido
em 27%, passando para 40 ton/ano per capita. (v) Mesmo assim, ainda é muito,
comparado à capacidade de carga ou limite ecológico. Tendo-se em vista a população
atual, a extração per capita deveria ser da ordem de 10 ton/ano, sendo 6 ton de recursos
abióticos e 4 de bióticos (biodiversidade), mais o controle de erosão no movimento de
solos que representa 3 ton/ano. (vi) A renovação dos estoques naturais para atender à
Pegada ecológica em um ano precisa de 15-16 meses. Ou seja, o estoque gerado pelo
“Banco de Capital Natural Renovável” acaba no mês de setembro e daí para frente
consome-se o Capital!
Pergunta-se: dá para consumir apenas para se sentir bem?
Que tipo de “consciência” deve ter o consumidor – individual/domiciliar e
institucional/empresarial/organização social? “Prazer momentâneo”? “Impulsivo”?
“Subjetivo”.
Países com superávit ecológico (Pegada ecológica menos biocapacidade) como o Brasil e
economias que se gabam de exportar alimentos in natura, minérios, madeiras como
comódities, com superávites cambiais graças a preços de mercado ... e mandam embora
recursos ecossistêmicos (precisamos aprender a separar “ambiente” nos devidos
componentes!!) estão dando um tiro no pé.
Cidadania sustentável é complicada e dá trabalho.
Definição de Consumo consciente, para não deixar de responder do ponto de vista
técnico e político: aquisição e uso de bens e serviços, sabendo quais serão as
consequências das escolhas, com base em padrões e parâmetros métricos e o significado
dos efeitos, positivos e negativos, do ponto de vista econômico (custos monetários),
ambiental (capacidade de carga, bens e serviços naturais) e social (equidade
socioeconômica e justiça), principalmente na base da pirâmide.
Vivian Blaso – Edgar Morin, em A Via para o Futuro da Humanidade alerta que a obsessão
permanente do lucro torna-se uma intoxicação na qual o dinheiro se transforma de meio
em fim.
Estamos obcecados por métricas e resultados que inflamam e refletem nos problemas
de saúde que nosso corpo já não é mais capaz de suportar. Somos acometidos por várias
intoxicações, por exemplo: de serviços que prometem nos ajudar a cumprir os prazos e
as metas impostas por nosso trabalho e vida cotidiana, mas na verdade aumentam o
nosso estresse, nossas ansiedades e nossos consumos. Por isso, usamos o automóvel ao
invés de suportarmos o transporte coletivo de massa, em especial nas cidades como São
Paulo que muitas vezes, é preciso usarmos 03 ou 04 meios de transporte para
percorrermos distancias 10 KM, pois o tempo do percurso pode chegar até 64 minutos.
(Isso eu sei muito bem, porque uso aplicativos para decidir qual o transporte irei usar
naquele momento em função do transito na cidade.) Existe a necessidade de libertarmos
do hiperconsumismo. Morin propõe vias reformadoras e eu irei citar algumas que
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apareceram neste diálogo: reduzir as intoxicações consumidoras que nos impulsionam à
compra, encorajar a conscientização que a busca apaixonada por satisfações materiais
decorre de profundas insatisfações psíquicas e morais, fixar e impor normas de qualidade
para os produtos de consumo verificando a origem e sua rastreabilidade, educação dos
consumidores orientada para qualidade da escolha, reutilização e reciclagem de
produtos, consumo local e uso de produtos biológicos e orgânicos. Essas reformas
poderão promover políticas de consumo e a partir dessa força política dos consumidores
resultará em boicotes.
João S. Furtado - A propósito de conceitos e paradigmas manifestados, interessantes, a
respeito do ato de consumir
Somos – os humanos – indivíduos ou pessoas (espécimes) com variações
comportamentais e de aparências, as quais, como população, caracteriza ou define a
espécie biológica Homo sapiens sapiens, com 150.000 a 200.000 anos de idade.
Substituímos outras espécies hominídeas, extintas a milhões, e convivemos com a última
do gênero Homo (os neandertais) com cruzamentos e produção de descendentes, há 20-
30 ou 40 mil anos atrás (os genes deles ainda estão por aí!).
Durante 50.000 anos vivemos em cavernas. Depois, criamos assentamentos e
inventamos o paradigma da “civilização” há cerca de 6-8 mil anos. A tecnologia empírica
surgiu há milênios e acelerou nos últimos 100-200 anos e, de forma estonteante, nos
últimos 30. Os 10 anos passados e, em particular, os últimos 5 foram exponenciais, com
a chegada das tecnologias de informação e comunicação. Agora, são esperadas as
tecnologias disruptivas de nanotecnologia, genética sintética (produção artificial de
genes e “espécies”), inteligência artificial, inteligência coletiva e sabe-se lá o que mais.
Porém, como espécie biológica, repetimos comportamentos de populações de outras
espécies animais e funções pristinas de bactérias, fungos, protozoários, algas e vegetais:
precisamos de alimento e energia para o metabolismo, crescimento e reprodução. Para
isso, consumimos coisas, água, energia e utilizamos serviços. O que nos diferencia dos
demais seres vivos é a maneira como lidamos com a informação.
Do ponto de vista das necessidades pristinas, a espécie Homo sapiens sapiens requer,
essencialmente, nutrição, abrigo, proteção, mobilidade, relacionamento e reprodução.
Para outras “necessidades e desejos”, pode-se dar o nome que melhor servir, do ponto
de vista da engenharia, das ciências sociais e outras disciplinas ou ramos do
conhecimento.
Todavia, para todas elas, há uma realidade inexorável: como humanos, precisamos dos
recursos do Planeta, principalmente do “carbono” e o carbono que existe na Terra é todo
o carbono do qual todos seres vivos (exceto raros microrganismos) precisam e disputam.
A terra é sistema fechado e as únicas coisas que vêm do espaço são energia solar e poeira
cósmica. Carbono? “Necas”, como diz o vocábulo popular!
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Poderemos evocar questões filosóficas, sociológicas, psicológicas, econômico-
financeiras, corporativas, éticas, políticas (tanto de politics quando de policy), etc. Mas,
o “basicão” é pensar consumo em relação a métricas, padrões e elementos sinalizadores
para estender por tempo indeterminado (isto é sustentabilidade) as relações dos
humanos com a capacidade de suporte (carrying capacity) das áreas bioprodutivas da
Terra para sustentar as sociedades humanas, hoje e no futuro.
Nesse sentido, precisamos ter a sabedoria para produzir e consumir nos limites
ecológicos ou iremos transferir a conta – no tempo profundo – para os espécimes
(chamemos de gerações!) futuros. Esta é a regra (de acordo com o atual estágio de
conhecimento) da qual são corolários os paradigmas como - menos, porém melhor;
substituição do quantitativo pelo qualitativo e participativo; modificação da máquina de
consumo e lucro (exagerado, quero crer); intoxicações consumidoras que nos
impulsionam; normas de qualidade – todas invenções humanas.
A propósito: A Pegada ecológica (apesar das restrições quanto à objetividade) mostra
quanto em hectares de área bioprodutiva é necessário para suprimento de recursos para
alimentação, habitação, transporte e outros bens, por habitante de determinada
população. Usando-se o calendário de 12 meses, os humanos exauriram, no dia 19 de
agosto de 2014, o orçamento (poupança) da natureza para 2014. Os 4 meses seguintes
irão consumir o capital e provocar déficit de “capital”. Quem paga a conta? Os países
(pessoas) de países exportadores de recursos naturais e serviços ecossistêmicos
embutidos em produtos e serviços comercializados, principalmente comódites.