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II CONINTER Congresso Internacional Interdisciplinar em Sociais e Humanidades Belo Horizonte, de 8 a 11 de outubro de 2013 CONTROLE SOCIAL DOS GASTOS PÚBLICOS: UM DESAFIO EMERGENTE GUIMARÃES, CATARINE ELAINE DE SOUZA AMARAL. (1) (1) Mestranda em Sociologia Programa de Pós-Graduação em Sociologia - Universidade Federal do Piauí (UFPI) [email protected] RESUMO Este artigo é parte de pesquisa em andamento no Programa de Pós-Graduação em Sociologia, na linha Estado e Sociedade. Para esta comunicação objetivou-se uma breve discussão teórica a cerca dos mecanismos de controle social que fiscalizam os gastos públicos a fim de reduzir a corrupção e o desperdício do dinheiro público. Os impactos da descentralização constituem um determinante para a participação social a partir dos movimentos sociais urbanos que lutaram por uma nova cidadania que reivindica o direito de participar efetivamente das decisões políticas, fortalecendo assim o desenvolvimento de uma sociedade civil organizada e sistemática para, junto ao Estado, dialogarem a cerca das ações políticas. Após o período de redemocratização, as relações entre Estado e Sociedade Civil se intensificaram, constituindo assim a formação de espaços públicos, fortalecendo o ideal democrático, refletida na Constituição de 1988 que incentivou participação social de forma organizada, especialmente nas esferas municipais onde crescia a ideia de que a descentralização favoreceria um maior controle dos gastos públicos. Este artigo tem a intenção de provocar uma discussão inicial a cerca da relação entre participação social e controle social, aproximando estas categorias através da eficácia da transparência como essencial para melhor controle dos gastos públicos. Palavras-chave: Controle social. Participação Social. Gastos Públicos. Transparência.

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II CONINTER – Congresso Internacional Interdisciplinar em Sociais e Humanidades

Belo Horizonte, de 8 a 11 de outubro de 2013

CONTROLE SOCIAL DOS GASTOS PÚBLICOS:

UM DESAFIO EMERGENTE

GUIMARÃES, CATARINE ELAINE DE SOUZA AMARAL. (1)

(1) Mestranda em Sociologia – Programa de Pós-Graduação em Sociologia - Universidade Federal do Piauí (UFPI)

[email protected]

RESUMO

Este artigo é parte de pesquisa em andamento no Programa de Pós-Graduação em Sociologia, na linha Estado e Sociedade. Para esta comunicação objetivou-se uma breve discussão teórica a cerca dos mecanismos de controle social que fiscalizam os gastos públicos a fim de reduzir a corrupção e o desperdício do dinheiro público. Os impactos da descentralização constituem um determinante para a participação social a partir dos movimentos sociais urbanos que lutaram por uma nova cidadania que reivindica o direito de participar efetivamente das decisões políticas, fortalecendo assim o desenvolvimento de uma sociedade civil organizada e sistemática para, junto ao Estado, dialogarem a cerca das ações políticas. Após o período de redemocratização, as relações entre Estado e Sociedade Civil se intensificaram, constituindo assim a formação de espaços públicos, fortalecendo o ideal democrático, refletida na Constituição de 1988 que incentivou participação social de forma organizada, especialmente nas esferas municipais onde crescia a ideia de que a descentralização favoreceria um maior controle dos gastos públicos. Este artigo tem a intenção de provocar uma discussão inicial a cerca da relação entre participação social e controle social, aproximando estas categorias através da eficácia da transparência como essencial para melhor controle dos gastos públicos.

Palavras-chave: Controle social. Participação Social. Gastos Públicos. Transparência.

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1 INTRODUÇÃO

Nos últimos anos, entre os pesquisadores e gestores brasileiros, tem-se notado

uma preocupação a cerca da melhor eficácia da administração pública. A forma

descentralizada de políticas públicas gerou diversas mudanças na estrutura social,

especialmente no contexto dos governos subnacionais, estaduais e municipais. O crescente

incentivo para maior participação social torna-se mais notório nas esferas municipais do que

nas esferas nacionais, nos levando a reflexão sobre os impactos do federalismo e da

descentralização na participação social. Em 1995, a Secretaria Especial de Políticas

Regionais do Ministério do Planejamento e Orçamento afirmava que a incorporação de um

planejamento regionalizado permitiria uma intervenção mais apropriada do Governo, visto

que cada região definiria suas prioridades, contribuindo assim para o desenvolvimento

regional (Arreche, 1996).

Com o processo de descentralização do poder ao longo da década de 90,

ampliaram-se as experiências de participação popular e disseminou-se a crença de que

haveria mais eficiência dos serviços públicos, reduzindo o clientelismo e aumentando o

controle social sobre o Estado. De 75 países em desenvolvimento, 63 adotaram reformas

descentralizantes (Arreche, 1996), o que contribuiu para o desenvolvimento da democracia,

o fortalecimento das instituições políticas locais e consequentemente maior participação dos

cidadãos nas decisões publicas (Rocha, 2011).

Durante o período da chamada redemocratização, novos cenários foram se

constituindo no âmbito da cidadania, incentivados pela Constituição de 1988 que aprovou

diversas medidas de fortalecimento dos governos subnacionais (Dagnino, 2002). Nesta

ocasião, há uma aproximação nas relações entre Estado e sociedade civil, constituindo

assim a formação de espaços públicos que promovessem o encontro de diálogo entre esses

atores e o Estado. Para Rocha,

Fortalecer institucional e politicamente esses espaços de participação implicaria criar condições para a superação de problemas advindos do Estado centralizador, a saber: balcanização do poder público por elites econômicas e políticas; exercício de um poder ilegítimo de burocracia pública no processo de tomada de decisões; e o clientelismo como lógica de ação do Estado. (ROCHA, 2011, p.172)

A sociedade civil brasileira foi marcada profundamente pela experiência

autoritária do regime militar e apenas a partir da década de 1970 tomou uma nova postura

onde se fundou efetivamente a sociedade civil no Brasil (Avritzer, 2002) com a vigência das

instituições democráticas. Mas a sociedade civil que se articulava não era tão homogênea

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como se imaginou na luta unificada contra o autoritarismo, e sim heterogênea, levando a

formação de diversos grupos que lutavam por seus interesses coletivos. Conforme Dagnino:

na medida em que o retorno às instituições formais básicas da democracia não produziu o encaminhamento adequado por parte do Estado dos problemas de exclusão e desigualdade social nas suas várias expressões, mas antes coincidiu com o seu agravamento, aguçaram-se percepções que enfatizaram não só a ampliação e radicalização da própria noção de democracia, mas também a necessidade de aprofundar o controle do Estado por parte da sociedade. (DAGNINO, 2002, p.10)

Nesse sentido além do processo de redemocratização que põe em pauta a

redefinição da noção de cidadania que visa uma sociedade mais igualitária, onde todos

conhecem seus direitos e podem participar da gestão da sociedade, inicia-se o processo de

lutas contra a ditadura militar expandindo os movimentos sociais urbanos e demonstrando a

população que os cidadãos poderiam ter voz, provocando mudanças estruturais nas

decisões políticas e administrativas. É através dessas mudanças que o Estado e a

Sociedade Civil têm seu relacionamento estreitado, fortalecendo o ideal democrático e

levantando a bandeira de um novo paradigma da “participação da sociedade civil” onde

ocorre uma postura de negociação entre a sociedade civil e o Estado (Dagnino, 2002).

2 SOCIEDADE CIVIL ENTRA EM CENA

Atualmente a participação social tem sido uma das características mais fortes da

democracia participativa que se desenvolveu ao longo do século XX, sendo considerada por

muitos estudiosos um dos eventos mais importantes para o desenvolvimento da

democracia. Até a Segunda Guerra Mundial a democracia era tida como o modelo de

governo mais desejável, entretanto, com o final da Guerra chegou-se ao consenso de que o

procedimento eleitoral era a melhor e maior forma de participação política, restringindo os

meios de participação. Ao longo do século XX essa concepção democrática liberal elitista ou

concepção hegemônica sofreu intensas modificações, pois ela já não abarcava as

complexidades do mundo contemporâneo e não atuava com a qualidade desejada.

Com a chamada terceira onda de democratização1, a democracia liberal passou por

uma crise tanto de representação, onde os cidadãos não se consideravam representados

por aqueles que foram eleitos, como de participação, onde os cidadãos eram limitados em

sua participação política. Isso abriu espaço para a ascensão da chamada democracia

1 Ver Samuel Huntington de seu livro A Terceira Onda: A democratização no final do século XX. Ed. Ática, 1994.

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participativa abandonando-se a visão elitista e dando maiores incentivos a mobilização

social e ação coletiva.

A democracia participativa tem se difundido bastante e sob diversos contextos,

especialmente nos países do Sul que se justifica pelos recentes processos de

redemocratização e de luta pela liberdade e descolonização (Santos, 2002). Em todo caso,

o que se pode perceber é uma mudança cultural da gramática social vigente, onde o que

está em pauta é a constituição de um Estado democrático inclusivo e regido por um ideal

participativo, diferente da então democracia liberal elitista onde havia uma limitação da

participação cidadã. A democracia participativa abriu espaços para a constituição de

espaços de discussão públicos onde era possível uma maior publicidade e negociação dos

interesses. Trata-se de um alargamento da democracia, desenvolvendo mecanismos de

incorporação da sociedade civil que se desenvolveu a partir dos anos 60, sob a influência de

alguns movimentos sociais urbanos como os dos trabalhadores e os estudantis que lutaram

para transformar práticas dominantes e inserir novos atores nas decisões políticas (Laisner,

2009). Nesta época o termo participação tornou-se parte do vocabulário político,

incorporando-se na maioria dos discursos.

No Brasil, o processo de democratização se deu envolto aos ares de movimentos de

diversos setores sociais como sindicatos, associações, advogados, jornalistas,

universidades, partidos políticos, todos em oposição ao autoritarismo. Tais movimentos

contribuíram para a maior solidificação da sociedade civil em busca de direitos e de uma

maior participação política, avançando-se na construção de uma “nova cidadania”:

A redefinição da noção de cidadania, empreendida pelos movimentos sociais e por outros setores sociais na década de 80, aponta na direção de uma sociedade mais igualitária em todos os seus níveis, baseada no reconhecimento dos seus membros como sujeitos portadores de direitos, inclusive aquele de participar efetivamente na gestão da sociedade. (DAGNINO, 2002, p.10).

Esse novo sentido de cidadania deu bases para a Constituição de 1988, que ficou

conhecida como a Constituição Cidadã, estreitando as relações entre Estado e Sociedade

Civil, dando impulso para maior organização e participação através de conselhos, fóruns,

orçamentos participativos e com isso ampliando a participação política.

Outro fator de importância para a crescente participação popular no Brasil se deu

através do processo de descentralização política que ocorreu ao longo da década de 90,

onde se disseminou a crença de que poderia haver mais eficiência dos serviços públicos e

consequente redução do clientelismo e aumentando no controle social sobre o Estado. A

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descentralização contribuiu para o desenvolvimento da democracia, o fortalecimento das

instituições políticas locais e consequentemente maior participação dos cidadãos nas

decisões publicas (Rocha, 2011).

Os espaços públicos se constituíam como espaços de diálogo e tomada de decisões.

Antes da promulgação da Constituição de 1988, a estrutura administrativa brasileira era

fortemente centralizada e quase todos os municípios eram organizados a partir de leis

orgânicas elaboradas pelo Estado, logo, a Constituição representa uma mudança na

estrutura administrativa, especialmente do ponto de vista da descentralização e do

fortalecimento dos municípios. Essa nova administração exige “novas estruturas, novas

atribuições e novos papéis, possibilitando uma nova gestão mais democrática, abrindo

espaços para o controle e a fiscalização popular” (Cardozo, 2002, p.61).

García (2003) retoma a influencia dos movimentos sociais, que buscaram, dentro do

novo contexto de redemocratização e descentralização, construir novas regras para nortear

as relações com o Estado, a fim de romper com modelos cristalizados. Após o processo de

redemocratização, houve uma mudança na estrutura social, que estava mais consciente dos

seus direitos e exigindo maior participação na gestão pública, o que levou a conquista de

direitos e possibilidades de intervir efetivamente nas ações do Estado. Os movimentos

sociais urbanos pós-redemocratização influenciaram diretamente no desejo de maior

participação da sociedade a fim de controlar a aplicação dos recursos públicos para que não

gerasse desperdício e corrupção. Esta tendência de maior participação da sociedade nos

processos de controle ainda é pequena, entretanto, temas como Transparência e Controle

Social têm tomado espaço no cenário político atual.

A reflexão sobre o Estado e suas formas de regulação social é necessária para

compreender a articulação entre o Estado e a sociedade, assim como suas mudanças ao

longo da história, evidenciando o processo de redemocratização como nexo de

transformação da ação social, assim como a descentralização do poder político, visto como

um importante dispositivo no sentido

“da criação de um novo pacto federativo, sendo o município reconhecido como ente autônomo da federação, transferindo-se para o âmbito local novas competências e recursos públicos capazes de fortalecer o controle social e a participação da sociedade civil nas decisões políticas.” (BRAVO, 2001, p.44).

O conceito de controle social por muito tempo foi compreendido apenas sob a

perspectiva do controle do Estado ou do empresariado sobre as massas. Entretanto, com a

Constituição de 1988, o controle social toma o sentido de participação da população

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efetivamente na gestão pública (Bravo, 2001). É neste sentido que a preocupação com os

gastos públicos torna-se um eixo onde seu controle é essencial para que não haja corrupção

ou desperdício dos recursos públicos. A sociedade tem tido maiores participações após o

processo de redemocratização, assim como há um maior interesse pela transparência e

gerenciamento eficaz dos recursos públicos, tanto pelo próprio Estado como pela sociedade

civil, formando arranjos políticos e institucionais que geram mecanismos de controle dos

gastos públicos.

Speck (2000) apud Bugarin (2003) comenta que o controle é um fenômeno

elementar para a análise dos processos de organização e regulação social. Já Viegas

(1996) apud Bugarin (2003) afirma que entre as funções administrativas definidas por Fayol

– planejar, organizar, comandar, coordenar e controlar – parece que a que tem recebido

menos atenção em termos de reflexão e pesquisa, “salvo raras exceções o controle é visto

na literatura apenas como controle contábil” (BUGARIN, 2003, p.25).

Para Silva (2002), o sentido da palavra controle possui diversas conotações, tendo

origem francesa (controlé) e tendo sido utilizada no Brasil primeiramente por Seabra

Fagundes em sua monografia “O Controle dos Atos Administrativos pelo Poder Judiciário”

em 1941, na Administração o controle é uma das funções administrativas que fundamenta a

Escola Clássica iniciada por Taylor e Fayol. Entretanto, apesar do termo controle social ser

bastante utilizado pela Administração, é um conceito de origem na sociologia com Richard

T. LaPiere, em seu livro A Theory of Social Control (1954). Segundo Silva (2002),

A base desse trabalho está na redescoberta dos grupos primários da sociedade como elementos-chave no estabelecimento das normas de conduta sociais. A ação desses grupos orientam indiretamente os objetivos globais da sociedade. Essa ação de grupos primários, não necessariamente planejada, que modifica a conduta social por meio de um sistema dinâmico de punições é o que se chama de controle social. (SILVA, 2002, p. 3).

Esse sentido desenvolvido por LaPierre foi absorvido pela sociologia especialmente

quando se referia a coerção social, controle do poder, das forças militares e imposição de

normas, em contextos relativos a crimes e penalidades. Entretanto, estes sentidos se

distinguem do conceito de controle social desenvolvido pela Administração Pública e até

mesmo pelos estudos democráticos, por vezes sendo utilizado como sinônimo de controle

democrático. O controle social é, portanto, no contexto deste trabalho visto como “uma

particularização da função de controle que tem sido entendida como a atuação de grupos

sociais no controle da execução das ações governamentais e da administração dos gestores

públicos” (GARCIA, 2003, p.139). Entretanto, para que os grupos sociais e cidadãos possam

efetivamente participar das decisões políticas, torna-se necessário que a sociedade tenha

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uma nova postura, pois, o controle social só é possível diante da existência de um grupo

ativo, consciente e informado. Isso porque mesmo dentro das organizações da sociedade

(associações, movimentos sociais, conselhos gestores) se reproduzem as formas

tradicionais de fazer política: clientelismo, paternalismo, corrupção (Pitanga, 2006). Torna-se

então, fundamental, para que haja eficácia no controle social, que a sociedade compreenda

a importância desse procedimento, superando alguns aspectos limitadores como a ausência

de maior luta pelos direitos por parte da população, o conhecimento precário das leis e

ciclos orçamentários assim como a compreensão do processo de gastos públicos, que se

apresenta em linguagem técnica e por fim, a permanência da cultura histórica de praticas

clientelistas difíceis de serem dissolvidas de todos os lados, tanto pelas Instituições como

pela Sociedade Civil.

O controle social é um pressuposto básico para efetiva participação dos movimentos

sociais, sendo um desafio da sociedade civil ser parte nas ações políticas, pois, “não

adiantará muito indicar obras e serviços, participar de processos de licitação, acompanhar a

obra, se não houver a devida compreensão do funcionamento da máquina, que na sua

concepção detém as condições de reprodução do sistema” (Medeiros, 2004, p.88). Há ainda

uma parcela de atores que consideram que a linguagem das informações publicas não pode

ser tão simples a ponto de perder suas minúcias e a transparência fique tendendo para o

fosco.

Durante parte da década de 1980, a descentralização foi palco para teorias otimistas

de um melhor acompanhamento das políticas sociais no país. No entanto houve uma

descentralização das obrigações, mas não houve uma mudança compatível de competência

tributária capaz de suportar as despesas inerentes, deixando os municípios incapacitados

para realização dos planejamentos por falta de uma modificação na transferência dos

tributos, o que nos remete ao mito da descentralização onde a autonomia dos municípios

nem sempre favorecia ao desenvolvimento das políticas sociais e o acompanhamento por

parte dos cidadãos das decisões políticas (Arreche, 1996; Neto, 2005).

Segundo Rolim (2006), o controle na Administração Pública do Brasil teve início com

o surgimento do DASP - Departamento Administrativo do Serviço Público, em 1936. Este

departamento “possuía as atribuições de racionalizar a administração mediante

simplificações, padronizações e aquisição racional de materiais, revisão de estruturas e

aplicações de métodos na definição de procedimentos” (ROLIM, 2006, p. 10).

Até a emergência da participação social nas decisões políticas, a própria estrutura

administrativa passou por alguns processos e mudanças que foram aos poucos abrindo

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espaço para o controle social (Linhares, 2013). Em 1967 o Decreto Lei nº 200/67 influenciou

a estrutura administrativa ao prever os princípios das atividades da Administração Federal:

Planejamento, Coordenação, Descentralização, Delegação de Competência e Controle.

Após a Constituição de 1988 surgiram outros instrumentos legais entre eles, a Lei de

Responsabilidade Fiscal (LRF) sendo considerado um marco para o controle enquanto

ferramenta para boa gestão. Foi a partir da Carta Magna que o controle passou a ter maior

importância nos debates entre os gestores. A Constituição definiu duas formas de controle,

o interno e o externo, o controle interno exercido pelo sistema de controle de cada Poder e o

controle externo exercido pelo Congresso Nacional ou casa legislativa. O Controle Social

está além do controle governamental (externo e interno) e é exercido pela sociedade, seja

individualmente ou organizada.

O “controle social” no âmbito da constituição brasileira é fomentado por meio de

órgãos públicos responsáveis ou pelo controle interno ou externo. Entretanto, verificou-se a

necessidade de aliar o controle governamental ao cidadão. Entretanto, uma das principais

dificuldades na publicação das informações refere-se à forma quem essas informações são

disseminadas, com uma linguagem nada clara e objetiva, sendo praticamente ineficiente.

Parece que existem lacunas nas pesquisas a cerca da compreensão das

informações públicas como o processo do ciclo orçamentário, as arrecadações municipais e

seu destino, conhecimento este, que seria essencial ao cidadão, reconhecer a função dos

órgãos governamentais como a Câmara Municipal, que serve de elo entre a sociedade e a

prefeitura mas que se torna basicamente um espaço de favores. É necessário que a função

administrativa do controle não se restrinja apenas à prestação de contas, visto que o

controle deve ser entendido como o processo. Isso porque é justamente no

acompanhamento dos gastos que se encontra menor presença da sociedade. Talvez pela

dificuldade de acesso as informações ou pela dificuldade financeira já que o

acompanhamento torna-se por vezes caro.

3 CONSIDERAÇÕES FINAIS

O Controle Social é a fiscalização das decisões públicas por parte da sociedade e

está diretamente relacionada com o desejo do cidadão em saber o que os órgãos públicos

arrecadam e gastam os recursos. No entanto, um desafio para a transparência das

informações vem sendo muito discutida para que elas sejam postas de maneira que o

cidadão compreendê-las e interpreta-las, sendo então possível obter o pleno conhecimento

das finanças públicas (Linhares, 2013).

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Entretanto, em meio a dificuldade de compreensão dos dados publicados para

acompanhamento e transparência das arrecadações e gastos governamentais, há um outro

fator que torna-se um empecilho de difícil resolução: a falta de interesse dos cidadãos em se

envolverem no exercício do controle social.

É preciso observar o grau de compreensão da sociedade diante do acesso as

informações sobre as contas públicas, quem são os atores interessados em buscar essas

informações. Um fato que chama a atenção é a cerca da atuação dos Conselhos Municipais,

onde o índice de participação é mínimo diante do tamanho da população dos municípios, no

entanto, são os Conselhos que detém a maior credibilidade diante da sociedade de uma

atuação eficiente para exercer o controle social (Linhares, 2013)

A questão é: se as pessoas confiam tanto na atuação dos Conselhos, porque não

participam ou utilizam seus serviços? É certo que em cada região ou município essa

configuração pode variar havendo setores e municípios com maiores índices de

participação, pois não devemos ignorar a cultura de participação do município ao longo dos

anos. A participação social segue a lógica do diálogo entre interesses individuais e coletivos,

portanto, é necessário que mesmo que houvesse essa negociação entre as partes

envolvidas, os conselhos possam ser vistos como espaços de luta e articulação, onde nem

sempre apenas os interesses individuais se sobressaem.

A partir de 1989, outra experiência de participação popular se expandiu para muitos

governos subnacionais e fora do país: o Orçamento Participativo. Teve seu início em Porto

Alegre na gestão do governo do PT, dando oportunidade dos cidadãos participarem

diretamente na construção do orçamento municipal. García (2003) afirma que “em tese, com

a implantação do OP, a população passa a fiscalizar a destinação dos recursos do município

e, consequentemente, reduz-se a possibilidade de existir corrupção ou má fé na utilização

do recurso público” (García, 2003, p.151), sugere o termo “em tese” porque ao

acompanharmos as experiências de Orçamento Popular em diversos municípios

perceberemos que a fiscalização por parte da comunidade é ínfima, não tendo acesso aos

processos de licitação até entrega dos materiais necessários para construção e

implementação das obras solicitadas, como também há planos aprovados no Orçamento

que demoram anos para serem concluídos, sendo necessário maior fiscalização por parte

da sociedade, considerando o Orçamento Participativo como uma ferramenta para o

Controle Social.

De modo geral são muitas instâncias que favorecem a aproximação entre a

Administração Pública e a sociedade, entre elas temos também órgãos governamentais que

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se prestam ao serviço de fiscalização onde os cidadãos podem recorrer. É o caso das

Ouvidorias, Controladorias e Ministério Público. Mas, diante de tantas aberturas na

sociedade a fim de torna-la mais democrática e consequentemente mais transparente, ainda

há resistências por parte da sociedade em participar ativamente desses processos de co-

participação. Para Linhares (2013), as ferramentas de controle precisam passar por uma

melhoria como maior incentivo, motivação e publicidade. Se houver esse incentivo continuo

há a possibilidade de isso de tornar um hábito, modificando assim a gramática da

participação social.

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REFERÊNCIAS

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