contributos ao anteprojeto de reforma da fiscalidade verde - ancn... · com territórios integrados...

17
Contributos ao Anteprojeto de Reforma da Fiscalidade Verde Tendo a Comissão para a Reforma da Fiscalidade Verde a responsabilidade de formular propostas que contribuam para uma revisão global da fiscalidade ambiental e energética, e no seguimento da apresentação do Anteprojeto por esta Comissão, vem a Quercus, no âmbito do período de consulta e discussão pública que está a decorrer, elencar alguns pontos e áreas que lhe parecem importantes ser realçados nesta fase, esperando desta forma poder contribuir para uma melhoria do documento. 1. Enquadramento geral Considera a Quercus que é muito positivo que se promova uma fiscalidade verde que estimule uma melhoria do desempenho ambiental dos cidadãos e das organizações, e que deve ter como objetivo principal alterar comportamentos em prol do Ambiente, a nível global, num sentido positivo e com um bom nível de aceitação por parte da sociedade. Será por isso muito importante nesta reforma transmitir de um modo claro e pedagógico aos cidadãos os objetivos principais da mesma, assim como as suas medidas práticas em particular, pois no contexto social presente, de dificuldades económicas e de grandes sobretaxas em aplicação, caso a mensagem não passe de um modo correto aos cidadãos e à sociedade, a Reforma arrisca-se a ser vista como mais um conjunto de sobretaxas a aplicar à população. Por outro lado, e apesar de ser a intenção do Governo nortear esta Reforma pela lógica de uma “neutralidade fiscal”, numa perspetival global do sistema fiscal, parece-nos que é igualmente fundamental que também ao nível dos cidadãos exista esta noção de “neutralidade fiscal”, e estes se apercebam que para além da compensação direta que existe com benefícios para o Ambiente e para todos, mas que muitas vezes não é facilmente

Upload: votruc

Post on 14-Dec-2018

215 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

Contributos ao Anteprojeto de Reforma da Fiscalidade Verde

Tendo a Comissão para a Reforma da Fiscalidade Verde a responsabilidade de formular

propostas que contribuam para uma revisão global da fiscalidade ambiental e energética, e no

seguimento da apresentação do Anteprojeto por esta Comissão, vem a Quercus, no âmbito do

período de consulta e discussão pública que está a decorrer, elencar alguns pontos e áreas que

lhe parecem importantes ser realçados nesta fase, esperando desta forma poder contribuir

para uma melhoria do documento.

1. Enquadramento geral

Considera a Quercus que é muito positivo que se promova uma fiscalidade verde que estimule

uma melhoria do desempenho ambiental dos cidadãos e das organizações, e que deve ter

como objetivo principal alterar comportamentos em prol do Ambiente, a nível global, num

sentido positivo e com um bom nível de aceitação por parte da sociedade.

Será por isso muito importante nesta reforma transmitir de um modo claro e pedagógico aos

cidadãos os objetivos principais da mesma, assim como as suas medidas práticas em particular,

pois no contexto social presente, de dificuldades económicas e de grandes sobretaxas em

aplicação, caso a mensagem não passe de um modo correto aos cidadãos e à sociedade, a

Reforma arrisca-se a ser vista como mais um conjunto de sobretaxas a aplicar à população.

Por outro lado, e apesar de ser a intenção do Governo nortear esta Reforma pela lógica de

uma “neutralidade fiscal”, numa perspetival global do sistema fiscal, parece-nos que é

igualmente fundamental que também ao nível dos cidadãos exista esta noção de

“neutralidade fiscal”, e estes se apercebam que para além da compensação direta que existe

com benefícios para o Ambiente e para todos, mas que muitas vezes não é facilmente

percepcionada nem imediata, existe também uma compensação financeira imediata que é

atribuída às ações positivas, à semelhança do carácter imediato da aplicação da taxa. Para isso,

torna-se muito importante que de uma forma geral se aplique um formato de benefício ou

taxa reduzida para um comportamento/acção que incida sobre o mesmo item em análise, para

que a noção de “neutralidade fiscal” seja também entendida ao nível dos gestos e atitudes dos

cidadãos e não apenas como algo que tem a ver com o sistema fiscal no seu todo.

Oportunidade da Reforma e participação da Quercus

Relativamente à oportunidade, sem dúvida que este momento é adequado e oportuno para a

implementação duma reforma desta natureza, anda que com um atraso de vários anos. Esta

reforma poderá alterar o paradigma de estrutura do sistema fiscal, que necessitava de ser

alterado e adequado a este novo século. Esta é uma mudança que já outros países na Europa e

no Mundo fizeram, mas que Portugal teve de adiar pelas circunstâncias económicas vividas

pelo país e que tornariam ainda mais difícil a discussão do tema. Este é um momento de

mudança onde o futuro do país não se pode basear num crescimento meramente económico e

financeiro, mas tem de incorporar outros critérios vitais para a sustentabilidade do próprio

sistema. Portugal ainda está a pagar decisões políticas e investimentos inadequados com

enormes prejuízos económicos e ambientais, com os quais devemos aprender.

Assim, tem sido objetivo da Quercus participar nesta importante discussão sobre a Reforma da

Fiscalidade Verde, a qual, por todos os motivos já elencados, é de extrema importância para o

futuro da nossa sociedade. Para além dos contributos agora enviados, no seguimento do

convite da Comissão aquando do início dos seus trabalhos, foi possível nessa fase remeter à

Comissão alguns pontos e áreas que nos pareceram importantes ser realçados, de forma a

poder contribuir para uma reflexão e um debate sobre a temática. Da mesma forma, a

Quercus participou numa reunião presencial com a Comissão para a Reforma da Fiscalidade

Verde tendo em vista apresentar e debater as suas propostas, num Colóquio promovido pelo

Conselho Nacional de Ambiente e Desenvolvimento Sustentável e na Apresentação Pública do

Anteprojeto de Reforma da Fiscalidade Verde, para além de outros momentos de discussão.

Propostas apresentadas no Anteprojeto de Reforma da Fiscalidade Verde

O conjunto de 40 propostas apresentadas no Anteprojeto de Reforma da Fiscalidade Verde

parece-nos na sua maioria, adequado e reflete de forma equilibrada o trabalho técnico e

empenhado desenvolvido pela Comissão. O princípio base de incorporar o custo de um

conjunto de externalidades (custos ambientais) no sistema fiscal é uma mudança fundamental

e necessária para uma sociedade moderna, onde faz sentido aproximar os custos ambientais

de quem os causa.

Das várias sugestões anteriormente apresentadas pela Quercus, é de destacar que a Comissão

tomou em consideração algumas delas nas suas propostas e recomendações, nomeadamente

as que têm a ver com a criação de um incentivo à utilização de transportes públicos, ao uso da

bicicleta e de veículos movidos a combustíveis alternativos, e a oneração dos produtos que são

mais impactantes no ambiente e não contribuem para a descarbonização da nossa economia.

Também algumas propostas da Quercus tais como a discriminação positiva dos municípios

com territórios integrados em áreas classificadas e a possibilidade de consignação do IRS a

ONGA foram contempladas neste documento, à semelhança de certamente muitos outros

contributos de várias outras organizações, o que mostra a importância da participação pública

alargada neste tipo de processos.

Contudo, em algumas áreas temáticas, a Quercus considera que a Comissão poderia ter ido um

pouco mais além e ser mais ambiciosa nas propostas que faz (ou que não chega sequer a

fazer), uma vez que será de extrema importância que os decisores políticos sejam

confrontados com propostas mais abrangentes e de diferentes áreas, dado que todas estas se

interligam e têm impactes no Ambiente, seja a curto, médio ou longo prazo. Ainda que se

entendam as limitações fiscais que existem no nosso país, algumas das quais emanadas a nível

da Comunidade Europeia, a Quercus considera que deveriam figurar entre as propostas da

Comissão algumas tão fundamentais como a discriminação fiscal positiva sobre quem exerça a

atividade agrícola de uma forma respeitadora do Ambiente, a diferenciação do imposto que

incide sobre os produtos alimentares provenientes de modos de produção sustentável (como a

Agricultura Biológica) e os produtos provenientes de agricultura intensiva, a discriminação

fiscal positiva para as florestas de espécies autóctones com maior valor para a conservação do

solo, da biodiversidade, dos recursos hídricos, da fixação das populações e da

multifuncionalidade dos serviços que prestam como ecossistemas, assim como os incentivos

fiscais para as práticas agrícolas, florestais e turísticas sustentáveis desenvolvidas dentro das

áreas protegidas.

2. Comentários específicos às propostas constantes no Anteprojeto de Reforma da

Fiscalidade Verde

4.1 Emissões e Energia

1) Tributação do carbono

A introdução de uma taxa de carbono é talvez uma das medidas mais simbólicas e

abrangentes, que não é inovadora no contexto europeu e até mundial, e que num quadro

onde a política mundial, europeia e nacional de alterações climáticas deverá apostar acima de

tudo na mitigação (redução das emissões de gases com efeito de estufa), tal é um elemento

essencial. O destino correto desta taxa, em particular a forma de reciclagem das receitas

geradas, é um aspeto essencial que precisa de ser melhor explicado, para além das contas

gerais de modelação que o documento apresenta.

A Quercus considera muito pertinente proceder-se à tributação do carbono, taxando os

combustíveis em função do seu teor de carbono nos sectores não-CELE, incluindo as

instalações de uso intensivo de energia do ARCE abrangidas. A paridade de preço com o CELE,

apesar de um preço de carbono por agora muito abaixo das expetativas para ter o impacte

económico desejado, parece-nos também ser adequada. A seleção de uma aplicação com

neutralidade fiscal parece-nos a mais adequada, sendo que há conjunto de itens que não são

suficientemente bem esclarecidos e/ou simulados na proposta e que merecem um melhor

esclarecimento, caso a medida seja implementada – o impacte da medida na redução das

emissões de carbono parece-nos demasiado otimista, não se percebe se o impacte conseguido

através da taxação no sector rodoviário terá algum impacte na mudança de comportamentos e

em termos estruturais na seleção de alternativas de mobilidade menos penalizadoras para o

ambiente (para além de simplesmente gerar receita). A Quercus não se opõe a que a

tributação do carbono seja adicional aos impostos existentes no caso de combustíveis como o

gasóleo ou a gasolina rodoviários, desde que haja uma clarificação dos destinos da receita e

que os mesmos sejam apropriados.

De acordo com o documento, a taxa de carbono é “reciclada” através de várias estratégias

possíveis de reciclagem. No entanto, a Quercus gostaria de ver uma reciclagem de receitas que

não fosse apenas via crédito fiscal ao investimento, TSU ou IRS, mas com uma alocação mais

explícita, tal como o investimento em eficiência energética ou energias renováveis, ou uma

reciclagem via incentivos fiscais no IRS ou IRC associados a gastos pelas pessoas (singulares ou

coletivas) em benefício do ambiente.

2) Alterações das regras relativas à aceitação para efeitos fiscais de determinado tipo de

despesas com relevância ambiental, nomeadamente a criação ou extensão de regimes (mais

favoráveis do que o geral) de deduções em IRC de gastos com impacto ambiental positivo e

extinção ou restrição de regimes (mais favoráveis do que o geral) de deduções em IRC de

gastos com impacto ambiental negativo

4.2. Transportes

A proposta da Comissão introduz um conjunto de propostas e recomendações no setor dos

transportes que ficam bastante aquém do que seria possível e desejável para melhorar a

sustentabilidade dos transportes em Portugal. Tendo em conta os impactes ambientais

(emissões poluentes, ruído) e na saúde pública do setor, sobretudo nas áreas urbanas, a

Quercus entende que se devia ter ido mais longe ao nível da ambição de algumas medidas

propostas.

Antes de debater as propostas apresentadas e sugerir novas áreas de atuação importa notar

algumas especificidades do setor dos transportes que são importantes para a implementação

de uma RFV. Desde logo o facto da procura de transportes ser, do ponto de vista económico,

uma procura derivada, isto é, na maior parte dos casos não visa garantir um fim em si mesmo

mas sim responder a uma outra necessidade. Por exemplo, a procura de transporte de

mercadorias é função da procura dessas mercadorias, sendo que o transporte não é um fim

em si mesmo, sendo mais próximo de se tratar de um fator de produção. Este fato reforça a

importância do preço dos transportes refletir os custos sociais e ambientais dos serviços de

transporte, para que sejam dados sinais corretos à economia. Quando esta situação não

acontece, a economia exige mais do sector dos transportes do que seria desejável, levando as

empresas e/ou as famílias a preferir comprar produtos de geografias mais distantes, cujo

preço será anormalmente baixo por ter sido subsidiada a atividade de transporte. Outro

aspeto importante é o facto de os transportes estarem, em larga medida, geograficamente

limitados, e por esta razão os ganhos competitivos de aumentos de taxas e impostos sobre o

setor são sempre relativamente reduzidos.

Um terceiro aspeto muito importante, e que foi claramente identificado pela Comissão, é o

facto de os transportes serem hoje uma das maiores fontes de receita fiscal em Portugal, em

particular os transportes rodoviários. Esta contribuição é essencial como forma de retribuir ao

Estado o enorme investimento na construção, manutenção e operação da rede rodoviária, mas

também para compensar pelos custos sociais e ambientais da atividade de transportes. No

entanto, o que o relatório não refere é a tendência de queda das receitas fiscais associadas aos

transportes (fruto do decréscimo do consumo de combustíveis), que podem ameaçar o atual

modelo de gestão das infraestruturas rodoviárias em Portugal. Este facto vem reforçar a

urgência de reforma da fiscalidade no setor, tornando-a sustentável do ponto de vista

ambiental mas também na perspetiva da gestão das contas públicas.

2) Introdução de um imposto sobre o transporte aéreo de passageiros, com vista a compensar

a sociedade pelo impacto poluente que lhe é imputável

A Quercus considera esta proposta muito positiva. Tendo em conta as projeções de

crescimento do transporte aéreo no que diz respeito aos movimentos dos aeroportos

nacionais, e os impactes ambientais associados (sobretudo ao nível do ruído e emissões

poluentes), o caráter internacional deste sector tem levantado sérias dificuldades à

implementação de medidas que visem reduzir estes impactes. O recuo da União Europeia na

inclusão (em pleno) da aviação civil internacional no Comércio Europeu de Licenças de Emissão

é um exemplo recente desta dificuldade. Adicionalmente, a aviação civil é um setor

amplamente subsidiado e que usufrui de várias isenções fiscais, tal como descrito no relatório

da Comissão. Assim, a Quercus entende que a introdução de um imposto sobre o transporte

aéreo de passageiros é uma medida fundamental, quer em termos ambientais, quer em

termos de justiça social. A isenção de IVA para o transporte aéreo é claramente discriminatória

em relação a outros modos de transporte: um cidadão que decida ir de férias dentro de

Portugal em transporte privado paga ISP, IVA sobre o combustível e portagens, enquanto se

decidir ir de avião fica isento de todos estes impostos, sendo este o modo de transporte com o

pior desempenho ambiental. Porém, a Quercus considera que é necessário justificar o valor

associado ao imposto bem como o destino a dar, que não deve ser difuso, devendo em parte

ser diretamente alocado à compensação de impactes nomeadamente na mitigação do ruído

aeroportuário.

4, 5, 6, 7 e 8) Propostas de incentivo aos veículos movidos a combustíveis alternativos

A Quercus considera que as propostas de incentivo aos veículos movidos a combustíveis

alternativos acima referidos (para veículos elétricos, híbridos plug-in, GPL e GNV), em sede de

tributação de IRC e IRC são importantes para apoiar o desenvolvimento tecnológico, reforçar o

aumento do número destes veículos que utilizam combustíveis alternativos, mais eficientes e

de baixas emissões na frota automóvel nacional.

9, 9.1 e 9.2) Propostas de Propostas de incentivo ao uso de transportes coletivos

A Quercus mostra-se muito satisfeita com as medidas acima indicadas e desde há muito

esperadas. A promoção da utilização dos transportes públicos coletivos tem vindo a ser

esquecida pelos sucessivos governos e autoridades locais, sendo esta medida importante para

cumprir a legislação em vigor sobre ruído e qualidade do ar. A medida é um contributo para a

transferência modal do transporte privado para o transporte público coletivo pela dedução

dos custos com os passes sociais em sede de IRS (no caso do encargo ser suportado pelo

trabalhador) e IRC (quando o encargo é suportado pela entidade patronal).

11) Agravamento das taxas de ISV em função das emissões de CO2

A Quercus considera esta medida positiva, uma vez que a redução das emissões médias de CO2

tem sido gradual mas constante nos últimos anos, fruto da inovação tecnológica na indústria

automóvel, pelo que a tributação das taxas de ISV (na componente que diz respeito às

emissões) deverá ser revista.

Portugal é, aliás, um dos países europeus com a frota de automóveis mais eficiente: as

emissões médias de CO2 da frota de novos veículos ligeiros de passageiros eram de 112

gCO2/km, abaixo da média europeia (127 gCO2/km). Já em relação aos comerciais ligeiros,

Portugal mantém a mesma tendência positiva: as emissões médias de CO2 dos novos

comerciais ligeiros eram de 112gCO2/km, abaixo da média europeia (127 gCO2/km). Ambos os

dados constam dos últimos relatórios da Agência Europeia de Ambiente (dados de 2013).

16) Reintrodução do incentivo fiscal ao abate de veículos em fim de vida

A Quercus entende que a medida apresentada cria um incentivo efetivo à aquisição de

veículos automóveis mais eficientes e que no passado contribuiu para a renovação do parque

automóvel. No entanto, do ponto de vista ambiental, este incentivo a ser reintroduzido poderá

maximizar as vantagens ambientais se for conciliada com os seguintes critérios:

- Apenas permitir a aquisição de veículos com emissões abaixo de 95 gCO2/km ou movidos a

combustíveis alternativos;

- Não implicar a aquisição de um novo veículo de forma direta, mas criar um “cheque fiscal”

associado ao abate do veículo que pode ser utilizado para deduzir o pagamento de outros

impostos, em particular IRS ou IRC, ou o IVA sobre produtos na área da mobilidade sustentável

(e.g. bicicletas);

17) Proposta de incentivo à aquisição de bicicletas

A proposta apresentada vem dar resposta à grande necessidade de introduzir em Portugal

uma política de incentivos à utilização da bicicleta enquanto meio de transporte para

deslocações casa-trabalho. Vários países europeus, incluindo Holanda, Dinamarca, Alemanha,

Bélgica e Reino Unido, têm esquemas de uso da bicicleta para as deslocações casa-trabalho,

com diferentes tipos de incentivo, como redução de impostos, pagamentos por quilómetro e

apoio financeiro na compra.

Em França, e mais recentemente, iniciou-se um período experimental de 6 meses de

concessão de um incentivo para pessoas que se desloquem de bicicleta para o trabalho, com a

adesão de cerca de 20 empresas e instituições e um total de 10 mil funcionários. Cada

funcionário que opte pela bicicleta nas suas deslocações poderá receber 0,25€ por quilómetro

percorrido.

Na Europa, 30% dos trajetos efetuados em meio urbano com recurso ao automóvel cobrem

distâncias inferiores a 3 km e 50% são inferiores a 5 km. Ao contrário de outros países

europeus, Portugal tem evoluído a um ritmo muito lento, com pouca ou nenhuma promoção

da utilização da bicicleta nas cidades, na vertente de meio de transporte para acesso a locais

de trabalho e escolas, comércio e serviços. A média europeia de utilização da bicicleta para

deslocações pendulares é de 7%, enquanto em Portugal, esse valor é de apenas 0,5%.

No entanto, julgamos relevante a sugestão da Comissão na distinção do fim para o qual a

bicicleta é adquirida (lazer ou deslocação casa-trabalho) e em controlar a utilização que lhe é

dada, para efeitos de atribuição de benefícios fiscais.

A Quercus concorda com a dedução de custos às empresas, em sede de IRC, para aquelas que

recorram a sistemas de bike-sharing para suprir as suas necessidades de mobilidade ou para

promover a opção por soluções de mobilidade suave entre o seu pessoal nas deslocações

casa/trabalho (desde que enquadrados no âmbito dos Planos de Mobilidade Empresarial), bem

como a aquisição de frotas de bicicletas pela empresa para utilização pelo seu pessoal (cuja

dedução será na medida do que é proposto para os passes sociais para os trabalhadores da

empresa).

21) Introduzir um mecanismo de incentivo à redução de perdas de água nos sistemas de

adução e distribuição de água através da forma de repercussão da TRH ao utilizador final

Esta proposta pretende repercutir parte da despesa das perdas de água do sistema ao

utilizador final, através da TRH. Prevê-se que seja repercutido um máximo de 25%: 20% na

baixa e 5% na alta.

A Quercus considera que este valor máximo é muito elevado, havendo já casos em que uma

boa gestão da rede consegue perdas inferiores a 10%, incluindo já um caso de sucesso

nacional, em que a EPAL na sua gestão em baixa consegue ter perdas de apenas 8%.

Por outro lado, se 25% das perdas são imputadas ao consumidor final, os sistemas de gestão

não terão incentivo para reduzir estas perdas, reduzindo apenas na componente que o

utilizador final não paga, ficando ainda um potencial de redução de perdas significativo por

concretizar.

22) Introduzir um incentivo à reutilização de águas residuais tratadas através da componente

E da TRH

A Quercus concorda com a introdução da medida.

29) Diferenciação das componentes A, E e U de acordo com a eficiência na utilização

A Quercus concorda com a introdução da medida, que irá contribuir para a adoção de mais

medidas neste setor, pois as empresas irão preocupar- se mais com a componente da água e

será mais um incentivo à implementação destas certificações.

4.4 Resíduos

O documento dá muita relevância à importância da co-incineração e da incineração e muito

menos à reciclagem, esquecendo que o grande desafio que Portugal tem de enfrentar são as

metas de reciclagem de 50% de RU em 2020, a nova meta de reciclagem de 70% proposta pela

Comissão Europeia para data ainda a definir e ainda o aumento previsivel das metas de

reciclagem de embalagens.

O outro objetivo ambiental na área dos resíduos urbanos, a redução da colocação de RUB em

aterro, está fácil de atingir com a capacidade de incineração existente e com a nova

capacidade a instalar de TMB. O que vai ser difícil é atingir as metas de reciclagem.

Assim, a Quercus defende que a TGR deve penalizar o envio de resíduos urbanos

indiferenciados para aterro e para incineração uma vez que possuem uma grande

percentagem de recicláveis. Também deveria penalizar o envio de CDR para co-incineração

desde que tenha um elevado teor de recicláveis o que acontece com os CDR produzidos em

alguns TMB.

O envio de matéria orgânica para incineração e co-incineração (para além do aterro) deve ser

penalizado fortemente pela TGR. Veja-se o caso do sistema da Resitejo que instalou um "TMB"

em que toda a matéria orgânica é separada, mas depois desaproveitada e enviada para co-

incineração, não contribuindo para as metas de reciclagem. Quando á volta desta unidade há

milhares de hectares com solos pobres ocupados com eucaliptais que poderiam perfeitamente

utilizar um composto do TMB.

4.5. Urbanismo e Planeamento do Território

32) Eficiência energética e aproveitamento de águas residuais tratadas e de águas pluviais

em prédios urbanos

A Quercus considera que é fundamental promover a eficiência energética nos edifícios de

habitação e serviços. A proposta apresentada tem a concordância da Quercus, mas precisa de

ser clarificada e simplificada.

O DL 118/2013 estabelece a classificação B- como classificação mínima para as necessidades de

energia primária. A Quercus considera que os benefícios em IMI deveria abranger todos os

edifícios de habitação novos que conseguissem melhor que a classificação mínima exigida

(classificação A e superior).

Esta proposta deve ser revista cada vez que for revisto a legislação referente à eficiência

energética dos edifícios.

Na componente de aproveitamento de águas residuais tratadas e de águas pluviais considera-

se fundamental que se crie a certificação para os sistemas de aproveitamento de águas

residuais tratadas e de águas pluviais, para que estes sistemas sejam implementados com

qualidade e rigor técnico. A ANQIP – Associação Nacional para a Qualidade nas Instalações

Prediais - tem desenvolvido trabalho neste âmbito em duas comissões técnicas, devendo-se

aproveitar o trabalho já aqui realizado.

33) Benefícios a atribuir a prédios afetos à produção de energia a partir de fontes renováveis

Concordamos

35) Benefícios a atribuir a prédios objeto de reabilitação urbana

A Quercus concorda com esta proposta, em reabilitação urbana realizada à luz do DL

118/2013, em que se verifique e comprove uma melhoria efetiva na eficiência energética do

edificado. Estes benefícios não deverão ser atribuídos se a reabilitação se realizar ao abrigo da

exceção prevista no n.º 5, do Artigo 28º do DL 118/2013 e não existir efetiva de uma melhoria

da eficiência energética. Igualmente consideramos que não deve ser atribuído benefício em

sede de IMI ao abrigo do recentemente aprovado Regime Excecional da Reabilitação Urbana

(RERU), DL 53/2014.

Algumas autarquias estão a dar incentivos financeiros para a reabilitação, como é o caso da

CM de Lisboa. Devia haver uma harmonização nestes incentivos fiscais ao nível nacional e a

sua atribuição também deveria ter em conta a classificação que a fração irá obter depois de

reabilitada.

3. Comentários específicos às recomendações constantes no Anteprojeto de

Reforma da Fiscalidade Verde

Emissões e Energia

1) Criação de certificados de eficiência energética (white certificates)

No documento colocado em consulta pública é referido que “Em Portugal, o elevado consumo

energético realizado em climatização no parque habitacional e a aposta na reabilitação, em

vez de construção de raiz, deixa antever potenciais ganhos resultantes da implementação de

um regime do tipo descrito.” É importante fazer a ressalva que Portugal tem uma intensidade

energética 31% menor do que a média da UE-27 em termos de intensidade energética em

energia final no setor residencial, pelo que nos parece que esta afirmação é incorreta. Por

outro lado, a aposta numa reabilitação exigente do ponto da eficiência energética irá diminuir

o consumo de energia no setor residencial, diminuindo, igualmente, o potencial de eficiência

energética.

Em Portugal, considerando a necessidade de redução da intensidade energética do PIB

(tornando‐o mais competitivo), e o potencial de eficiência energética ainda por atingir nos

diversos sectores de atividade, um esquema de Certificados Brancos deverá passar por

obrigações de eficiência energética a impor a determinados agentes. Para além dos agentes

com obrigações parece oportuno permitir a inclusão de agentes voluntários sob determinadas

condições. Deste modo garante‐se que os objetivos de redução do consumo de energia são

atingidos devido à obrigação, e que os agentes optem pela forma mais custo eficaz para os

atingir.

Os objetivos de redução deviam ser definidos pelo Governo e não pela entidade reguladora,

não sendo muito ambiciosos ao início mas que apresentassem um aumento gradual, depois de

ultrapassada uma fase inicial de aprendizagem, como sucedeu por exemplo com o CELE –

Comércio Europeu de Licenças de Emissão.

2) Despesas com a reconstituição de jazidas

A Quercus não concorda com o atual regime que impõe que parte do rendimento líquido do

exercício de sujeitos passivos que exerçam a indústria extrativa de petróleo não seja

considerado para efeitos de determinação do lucro tributável se o valor em causa for

reinvestido na prospeção ou pesquisa de petróleo em território português dentro dos três

períodos de tributação seguintes.

Para além de não contabilizar a totalidade dos lucros tributáveis da indústria extrativa de

petróleo e gás natural obtidos em atividades de exploração, considerámos que o atual regime

favorece o reinvestimento de parte destes lucros que poderiam ser tributáveis na prospeção

ou pesquisa de novas jazidas de energias fósseis, o que acreditámos ser um desvio

relativamente à política energética e climática que Portugal tem vindo a concretizar nos

últimos anos que favorece os interesses da indústria petrolífera.

Apesar de considerarmos que, a manifestar-se a viabilidade económica das jazidas fósseis, se

trata de uma despesa fiscal para o Estado e uma poupança fiscal para as empresas envolvidas,

considerámos que deverá ser ponderada uma revisão deste esquema. Assim sugerimos à

Comissão que, a manter o regime, avalie a possibilidade do reinvestimento ser realizado em

energias renováveis em vez de mais atividades de prospeção ou pesquisa de petróleo em

território português, tendo em conta o impacto poluente da indústria petrolífera e dos riscos

ambientais e para a saúde pública que estas atividades acarretam.

A Quercus considera que Portugal não deve ter como prioridade o investimento no estudo e

exploração de combustíveis fósseis, sobretudo do tipo não convencional, como o gás de xisto,

e por duas razões fundamentais: em primeiro lugar, a aposta no gás de xisto representa uma

opção energética errada e contraproducente, tendo em conta o grande investimento em

energias renováveis realizado nos últimos anos e a necessidade de investir em áreas

prioritárias que têm sido esquecidas (como a eficiência energética) para reduzir a fatura

energética do país e as emissões de gases com efeito de estufa; e em segundo lugar, a

evidência dos impactes ambientais quer na saúde pública (como contaminação de solos e

águas, emissões poluentes), bem como económicos (ao nível das pescas e do turismo) em

países onde o gás de xisto é largamente explorado, não podem ser negligenciados, tendo em

conta o princípio da precaução.

A Quercus concorda, ainda, com a sugestão da Comissão quanto à reformulação do regime de

tributação no que diz respeito à indústria extrativa de energias fósseis.

3) Oneração por via fiscal do preço de bens ambientalmente nocivos (e.g.

equipamentos elétricos de baixa eficiência)

A Quercus considera é preferível taxar os produtos menos eficientes, e mais baratos, pois o

aumento do seu preço pode induzir as famílias a avaliarem mais cuidadosamente o

investimento e adquirirem um equipamento mais eficiente, mesmo sendo mais caro. Se bem

aplicada a taxa, a comparação entre o retorno dos investimentos acabará por beneficiar os

equipamentos mais eficientes. Por outro lado vai também "empurrar" as marcas menos

eficientes a inovar e melhorar os seus equipamentos, marcas essas que se têm mantido à

margem por apostarem em preços baixos e produtos com pouca qualidade e eficiência.

Transportes

4) Criação de uma taxa de congestionamento nas grandes cidades

A Quercus considera que esta medida não é prioritária face aos custos de implementação e

funcionamento, para além dos seus custos-benefícios por comparação com outras medidas

avaliadas para as zonas com problemas de qualidade do ar através dos Planos de Melhoria da

Qualidade do Ar. Há também algumas incorreções na justificação dos diplomas que a

suportam (que não o Decreto-Lei nº 78/2004). As políticas de estacionamento, a

implementação nem sucedida de uma Zona de Emissões reduzidas em Lisboa, são caminhos

menos intrusivos e mais fáceis para conseguir resultados. Porém, a Quercus considera

indispensáveis as medidas preconizadas no âmbito desta recomendação relativas à retribuição

em espécie para efeitos fiscais da disponibilização pela entidade patronal ao trabalhador, a

título gratuito ou a valor simbólico, de lugares de garagem (em viatura particular ou da

empresa) e a relativa à disponibilização de lugares de estacionamento gratuitos pelo

município. A primeira destas duas medidas permitiria reduzir as deslocações pendulares de

dezenas de milhares de viaturas para o interior das duas grandes cidades do país (lisboa e

Porto), onde os parques de estacionamento de diversas grandes empresas acabam por

fomentar o uso do transporte individual em detrimento do transporte público (que aliás esta

reforma pretende fomentar pelo incentivo do uso do passe social).

4. Propostas adicionais da Quercus

Transportes

Atualização anual automática das taxas de ISP e CSR em função da taxa de inflação

Esta medida visa minimizar a perda de receita fiscal e garantir que estes impostos ambientais

não perdem relevância ao longo dos anos. Tome-se como exemplo o ISP para os combustíveis

rodoviários. Em 2011 a Quercus emitiu um comunicado que destaca a perda fiscal na UE (e

com dados para Portugal) por não ter sido atualizado o ISP sobre a gasolina e o gasóleo, de

acordo com a inflação ao longo de quase mais de uma década:

http://www.quercus.pt/comunicados/2011/abril/401-portugal-pode-aumentar-receita-fiscal-

e-reduzir-emissoes-de-co2-se-corrigir-taxas-de-isp-sobre-combustiveis-rodoviarios

Tendo em conta um estudo da Federação Europeia para os Transportes e Ambiente da qual a

Quercus faz parte, os impostos sobre os combustíveis rodoviários na UE caíram, em média,

cerca de 10 cêntimos por litro desde 1999. No caso de Portugal, observou-se uma quebra real

do valor de Imposto sobre os Produtos Petrolíferos e Energéticos (ISP) cobrado de cerca de

30% (em 2011) face aos valores registados no início da década de 90.

O estudo T&E:

http://www.transportenvironment.org/sites/te/files/media/2011%2004%2013%20fuel%20tax

%20report%20final%20merged.pdf

Em toda a União Europeia, se os impostos sobre a gasolina e o gasóleo tivessem vindo a ser

corrigidos de acordo com a inflação (e portanto, os Estados-Membros não perdessem essa

receita fiscal) os impostos sobre o trabalho poderiam ter sido reduzidos, salvando 350 mil

postos de trabalho, reduzindo as importações de petróleo em mais de 11 mil milhões de Euros

e as emissões de CO2 em 6%.

O valor da Contribuição do Serviço Rodoviário (CSR) - criada em 2007 sobre a gasolina, gasóleo

e gás de petróleo liquefeito (GPL) e que constitui a principal fonte de receita da Estradas de

Portugal (EP) – desceu entre 2009 e 2013 mais de 12% e que se deveu sobretudo à queda do

consumo de combustíveis. A Quercus sugere que a CSR seja atualizada numa base anual, em

função da taxa de inflação.

Rever os impostos dos veículos de empresa

O Orçamento de Estado para 2014 contemplava, entre várias medidas, a revisão dos impostos

sobre os veículos de empresa. No entanto, e de acordo com alguns estudos realizados, o

aumento de impostos previsto apenas seria aplicável a 20% dos veículos de empresa, ou seja,

aqueles que têm um valor mais alto. Em causa estaria uma alteração que levava a que a taxa

média de tributação autónoma passasse de 13% para 19%.

No entanto, as alterações impostas pelo OE2014 deixam de fora a maior parte dos carros

empresariais ligeiros de passageiros que se encontram em escalões mais baixos de tributação.

Em média, 73% dos veículos encontravam-se em 2013 no escalão dos 10%, sobre os encargos

suportados com veículos ligeiros de passageiros ou mistos com valor de aquisição inferior a

25.000€.

Com as alterações operadas pelo OE2014, 80% desses veículos manteve-se no escalão dos

10%, mas há um universo de 17% que subiu para a taxa de 27,5% e ainda uma parcela de 3%

que passaram a estar sujeitos a uma tributação autónoma de 35%. Recorde-se que a taxa de

27,5% se aplica a todos os carros de valor entre 25 mil e 35 mil euros, enquanto o escalão de

35% abrange os de valor acima dos 35 mil euros. Outra das alterações introduzidas pelo

OE2014 é que estas novas taxas se aplicam às frotas já existentes e não apenas aos novos

veículos adquiridos. Parte do agravamento destes custos poderia ser transferida para o

trabalhador, que passa a ser tributado em sede de IRS pelo facto de usufruir de um destes

veículos de empresa.

A solução apontada para diminuir a pressão fiscal poderá ser a opção das empresas pela

aquisição de veículos mais baratos na hora de renovar a sua frota.

É importante garantir que um regime de taxação dos veículos de empresa atribuídos a

funcionários (e que podem ser usados para uso pessoal) não resulte em qualquer benefício de

“remuneração” face ao salário normal (i.e. seja tributada a sua utilização em sede de IRS e

contribuições para a segurança social aplicáveis). Estes benefícios devem ser contabilizados na

determinação do escalão e taxa de IRS aplicável.

Incentivar sistemas de car sharing que integrem mobilidade elétrica

Em França, foi introduzido um incentivo para um esquema de car sharing com recurso a

veículos elétricos (o Autolib em Paris). Prevê-se que, em 2015, possa entrar em funcionamento

um esquema semelhante em Londres.

A Quercus considera que esta medida, a ser introduzida em Portugal, poderia ser mais uma

medida de promoção da mobilidade elétrica, e que poderia materializar-se pela criação de um

incentivo fiscal para aquisição de veículos elétricos a serem utilizados em sistemas de

carsharing destinados ao público em geral (abrangendo não só veículos ligeiros de passageiros,

mas também alargado a motociclos e bicicletas elétricas).

Lisboa, 15 de Agosto de 2014

A Direcção Nacional da Quercus – Associação Nacional de Conservação da Natureza