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Luciana Massi
Contribuições da Iniciação Científica na apropriação da linguagem científica por alunos de graduação em Química
Dissertação apresentada ao Instituto de Química de São Carlos, da Universidade de São Paulo para obtenção do título de Mestre em Ciências (Química Analítica) Orientadora: Profa. Dra. Salete Linhares Queiroz
São Carlos
2008
DEDICATÓRIA
Aos meus pais, Luiz e Maria Helena, irmãos, Fernanda e Rafael, e namorado, Renato, pela incomensurável ajuda nos mais diversos momentos e das mais diversas formas para a realização deste trabalho. Em especial aos meus pais, que durante toda minha vida, me encaminharam, incentivaram e apoiaram.
AGRADECIMENTOS
À Profa. Dra. Salete Linhares Queiroz, pela orientação, paciência, disponibilidade e por toda ajuda sem a qual este trabalho não seria possível. À Profa. Dra. Vanice Sargentini do Departamento de Letras da Universidade Federal de São Carlos, pela oportunidade em cursar a disciplina Introdução aos Estudos do Discurso e pelas contribuições na apresentação do projeto. Ao Instituto de Química de São Carlos, pela estrutura e apoio fornecido ao longo desta etapa da minha formação. À Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP), pela bolsa de mestrado. À Pró-Reitoria de Pós-Graduação da Universidade de São Paulo, pela bolsa do Programa de Aperfeiçoamento de Ensino (PAE) concedida no segundo semestre de 2006. Aos colegas do Grupo de Pesquisa em Ensino de Química. À banca, pela leitura crítica e cautelosa. E a todos que direta ou indiretamente contribuíram para a realização deste estudo.
“A ciência não tem normatividade nem funcionalidade efetivamente como ciência numa
época dada, segundo um certo número de esquemas, modelos, valorizações e códigos, é um conjunto de
discursos e práticas discursivas muito modestas, perfeitamente enfadonhas e quotidianas. Existe um código desses discursos, existem normas para essas
práticas, aos quais devem obedecer esses discursos e essas práticas.”
Michel Foucault
RESUMO
Esta pesquisa tem sua origem no seguinte questionamento: o “fazer pesquisa”
(desenvolver estágio de Iniciação Científica) é um fator relevante para a apropriação da
linguagem científica pelo aluno de graduação em Química? Como se dá essa apropriação?
Com o intuito de elucidar esse questionamento observamos o percurso trilhado durante um
ano por dois alunos de Iniciação Científica em Química. Nesse período realizamos entrevistas
com os orientadores e os alunos, além de observações no local, as quais incluíram gravações
em áudio e coleta de materiais orais e escritos produzidos pelos alunos, relacionados ao
desenvolvimento das suas pesquisas. Procuramos subsídios para a interpretação dos dados,
nos estudos da Sociologia e Antropologia da Ciência, desenvolvidos por Latour e Woolgar, e
na Análise do Discurso de linha francesa, como vem sendo divulgada por Eni Orlandi,
especialmente quanto às noções de tipologia do discurso e autoria. A análise dos resultados
com relação à tipologia revelou nos diálogos entre orientadores e alunos, ocorridos no
laboratório, um deslocamento do discurso predominantemente autoritário para um discurso
polêmico. Quanto à autoria percebemos na produção do relatório de pesquisa o exercício da
repetição empírica e formal, além do uso da repetição histórica, que demonstra a posição de
autor ocupada pelos alunos. Observamos ainda na produção de trabalhos para congressos o
uso de diferentes tipos de enunciados científicos, classificados por Latour e Woolgar, em
diferentes situações que evidenciam a utilização adequada da linguagem científica. Essa
investigação nos levou à percepção sobre a influência da Iniciação Científica na apropriação
da linguagem científica, e indicou que esse processo se deu por meio da troca com os pares,
da imitação de modelos, e, principalmente, da vivência da pesquisa.
ABSTRACT
This research has its origin in the following questions: is “doing research” (developing
an Undergraduate Research Project) a relevant factor for the appropriation of scientific
language by undergraduate students in Chemistry? How does this appropriation occur? With
the intention of understanding these questions we observed two students in Undergraduate
Research in Chemistry, by following them closely for one year. During that period we
accomplished interviews with the supervisors and the students, and work site observations
which included audio recordings and collected spoken and written data produced by the
students related to the development of their research. We searched for assistance to
analyze the data, within the Science’s Sociology and Anthropology studies, developed by
Latour and Woolgar, and in the Discourse Analysis, in its French approach, as divulged by Eni
Orlandi, specifically according to the concepts of discourse typology and authorship. The
results of the analysis related to typology demonstrate that in the conversations between
supervisors and students carried out in the laboratory there is a transition from a
predominantly authoritarian discourse to a polemical discourse. According to the
authorship, we realized that in the production of the research report there was the exercise
of empirical and formal repetition, beside that, the use of historical repetition which
demonstrates the author’s positions occupied by the students. We also observed in the
preparation of work for congresses, that the use of different types of scientific statements
indicated the adequate use of scientific language. Therefore, this research leads us to
conscientiousness about the influence of Undergraduate Research in the appropriation of
scientific language and indicated that this process occurred through the exchange among
groups, the imitation of patterns and mainly the research experience.
LISTA DE ILUSTRAÇÕES
Figura 2.1 Número total de bolsas distribuídas pelo CNPq no país e no exterior por linhas de atuação de 1963 a 2005 (BRASIL, 2007a)
25
Figura 4.1 Esquema do Laboratório de Leveduras Industriais
85
Figura 4.2 Esquema do Laboratório de Eletroquímica
87
Figura 5.1 Esquema das diferentes etapas pelas quais um enunciado deve passar para se tornar um fato
119
Figura 5.2 Duplo movimento em direção ao fato e à ficção (LATOUR, 2000)
119
Figura 6.1 Trecho extraído do caderno de laboratório de Eduardo, que evidencia o uso da linguagem científica na condução dos experimentos
147
Figura 6.2 Trecho do caderno de Eduardo, que evidencia o uso da equação para medida da hidrofobicidade que o aluno introduziu no seu relatório
164
Figura 6.3 Trecho do caderno de Eduardo, que evidencia o uso da equação para medida da concentração celular que o aluno introduziu no seu relatório
165
Figura 6.4 Exemplo de um dos gráficos da primeira versão dos resultados e discussão do relatório de Eduardo
166
Figura 6.5 Exemplo de um dos gráficos da segunda versão dos resultados e discussão do relatório de Eduardo
167
Figura 6.6 Primeira figura do painel produzido pelo aluno Victor e apresentado no Congresso de Iniciação Científica
196
Figura 6.7 Segunda figura do painel produzido pelo aluno Victor e apresentado no Congresso de Iniciação Científica
197
Figura 6.8 Terceira figura do painel produzido pelo aluno Victor e apresentado no Congresso de Iniciação Científica
199
LISTA DE TABELAS
Tabela 2.1 Teses e dissertações sobre Iniciação Científica no Brasil
34
Tabela 2.2 Artigos sobre Iniciação Científica no Brasil
36
Tabela 2.3
Trabalhos completos sobre Iniciação Científica apresentados nos ENPECs
37
Tabela 2.4 Trabalhos completos sobre Iniciação Científica apresentados na ANPAE e ANPED
38
Tabela 4.1 Organização da tipologia do discurso elaborada com base nas propostas de Orlandi (1996a, 2003a)
102
Tabela 6.1 Disposição dos temas do relatório da bolsista anterior e do relatório de Eduardo
155
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
AD – Análise do Discurso
ANPAE – Associação Nacional de Política e Administração da Educação
ANPEd – Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação
ANPPEP – Associação Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em Psicologia
BIC Jr. – Bolsa de Iniciação Científica Júnior
CAPES – Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior
CBPF – Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas
CENPES – Centro de Pesquisas e Desenvolvimento Leopoldo Miguez de Mello
CNPq – Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico
ECC – Estudos Culturais da Ciência
ENPEC – Encontro Nacional de Pesquisa em Ensino de Ciências
FAPs – Fundações de Amparo à Pesquisa
FAPESP – Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo
FC – Formação Científica
Fiocruz – Fundação Oswaldo Cruz
IC – Iniciação Científica
IES – Instituição de Ensino Superior
IESP – Instituições de Ensino Superior Privadas
IPq – Institutos de Pesquisa
MEC – Ministério da Educação
NESUB – Núcleo de Pesquisa sobre Ensino Superior da Universidade de Brasília
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
PIBIC – Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica
PIC Jr. – Programa de Iniciação Científica Júnior
PJT – Projeto Jovens Talentos para a Ciência
Provoc – Programa de Vocação Científica
PUC – Pontifícia Universidade Católica
UCDB – Universidade Católica Dom Bosco
UEM – Universidade Estadual de Maringá
UERJ – Universidade Estadual do Rio de Janeiro
UFPb – Universidade Federal da Paraíba
UFRJ – Universidade Federal do Rio de Janeiro
UFRN – Universidade Federal do Rio Grande do Norte
UFSCar – Universidade Federal de São Carlos
UFSM – Universidade Federal de Santa Maria
UnB – Universidade de Brasília
UNEB – Universidade do Estado da Bahia
UNICAMP – Universidade Estadual de Campinas
UNISA – Universidade de Santo Amaro
USF – Universidade São Francisco
USP – Universidade de São Paulo
PET – Programa Especial de Treinamento
SUMÁRIO
RESUMO__________________________________________________________
ABSTRACT_________________________________________________________
LISTA DE ILUSTRAÇÕES_______________________________________________
LISTA DE TABELAS___________________________________________________
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS______________________________________
1. APRESENTAÇÃO_________________________________________________
2. INTRODUÇÃO___________________________________________________
2.1. Instituição e funcionamento da Iniciação Científica nas universidades
brasileiras___________________________________________________
2.2. Pesquisas sobre Iniciação Científica no Brasil_______________________
2.3. Contribuições das pesquisas sobre Iniciação Científica no Brasil________
2.3.1. Avaliação da Iniciação Científica como atividade de formação do
universitário______________________________________________
2.3.2. Avaliação do PIBIC com relação aos objetivos almejados pelo
programa_________________________________________________
2.3.3. Caracterização de algumas particularidades do desenvolvimento da
Iniciação Científica_________________________________________
2.4. Pesquisas sobre Iniciação Científica em cursos de graduação em
Química___________________________________________________
3. OBJETIVOS______________________________________________________
4. METODOLOGIA DE COLETA DE DADOS_______________________________
4.1. Coleta de Dados______________________________________________
4.2. Sujeitos da Pesquisa___________________________________________
4.3. Caracterização dos Laboratórios_________________________________
4.3.1. Laboratório de Leveduras Industriais___________________________
4.3.2. Laboratório de Eletroquímica_________________________________
5. REFERENCIAIS TEÓRICOS__________________________________________
5.1. Análise do Discurso___________________________________________
5.1.1 Tipologia do Discurso_______________________________________
5
6
7
8
9
13
18
21
32
39
40
55
64
73
77
79
81
83
84
84
87
89
89
99
5.1.2 Autoria___________________________________________________
5.2. Sociologia e Antropologia da Ciência______________________________
6. RESULTADOS E DISCUSSÃO_________________________________________
6.1. Análise do Discurso – Tipologia do Discurso________________________
6.2. Análise do Discurso – Autoria ___________________________________
6.3. Sociologia e Antropologia da Ciência – Tipos de Enunciados___________
7. CONSIDERAÇÕES FINAIS___________________________________________
8. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS______________________________________
Apêndice 1 – Publicações consultadas no Portal de Periódicos CAPES__________
Apêndice 2 – Termo de Consentimento e Informação______________________
Anexo 1 – Resumo expandido enviado para Congresso de Iniciação Cientifica___
Anexo 2 – Pôster apresentado no Congresso de Iniciação Científica___________
103
112
121
122
148
174
202
207
219
220
222
227
Apresentação 13
___________________________________________________________________________ Grupo de Pesquisa em Ensino de Química
1.1.1.1. AAAAPREPREPREPRESENTAÇÃOSENTAÇÃOSENTAÇÃOSENTAÇÃO
As novas orientações das pesquisas da área de Educação em Ciências têm mostrado a
importante contribuição das investigações que privilegiam a análise da dimensão discursiva
em situações reais de sala de aula (QUEIROZ; SÁ, 2005; JIMÉNEZ ALEXANDRE, 1998;
CRAWFORD; GREEN, 2001) e em laboratórios de pesquisa (BLEICHER, 1996, 1994).
Para Lemke (1990) aprender ciências significa se apropriar do discurso científico, isto
é, aprender como determinados termos se relacionam entre si e com o contexto em que são
utilizados para produzir significados específicos. Segundo o autor, aprender ciências também
significa aprender a usar uma linguagem conceitual especializada nas atividades de leitura,
escrita, resolução de problemas, e na orientação das ações práticas no laboratório e na vida
diária.
“’Talking science’ means observing, describing, comparing, classifying, analyzing, discussing, hypothesizing, theorizing, questioning, challenging, arguing, designing experiments, following procedures, judging, evaluating, deciding, concluding, generalizing, reporting, writing, lecturing, and teaching, in and through the language of science” (LEMKE, 1990, p. 1).
Apresentação 14
___________________________________________________________________________ Grupo de Pesquisa em Ensino de Química
As colocações apresentadas por Lemke e por outros autores (KELLY; CHEN, 1999;
MOJE, 1995) sugerem que o conhecimento científico é composto por vários elementos (leis,
teorias, conceitos, princípios científicos etc.), na forma de uma grande estrutura, e que a
ciência não requer apenas palavras com significados específicos, mas sim uma linguagem
própria capaz de tornar possível o seu aprendizado e o seu desenvolvimento.
A linguagem científica é, portanto, mais que o registro do pensamento científico. Ela
possui uma estrutura particular e características específicas indissociáveis do próprio
conhecimento científico. Lemke (1990) descreve algumas características, ou, segundo o
autor, preferências gramaticais envolvidas na linguagem científica, tais como o uso da voz
passiva e dos verbos de ligação (ser, estar, ter, representar) ao invés dos verbos de ação.
Além dessas, percebemos outras características, a partir da leitura de alguns trabalhos sobre
o discurso científico, como: a ausência de subjetividade marcada não só pela voz passiva,
mas também pelo uso da terceira pessoa (POSSENTI, 2004); a interdição à interpretação que
sugere um caminho de leitura no sentido de condução do leitor (ORLANDI, 1997); o uso de
linguagem clara e objetiva conseguida por meio dos termos técnicos e de um trabalho
histórico de desideologização do discurso da ciência (POSSENTI, 2004); a intertextualidade
explícita que dá credibilidade ao trabalho e ao autor (CORACINI, 1991); além da
normatização da apresentação textual que sugere uma estrutura rígida do texto e valoriza o
uso de gráficos, tabelas e dados estatísticos (CORACINI, 1991).
Nesse contexto, o domínio da linguagem científica é uma competência essencial
tanto para a prática da ciência, conforme afirmam Villani e Nascimento (2003), quanto para
o seu aprendizado. Considerando ser esse também o nosso entendimento sobre a relevância
que deve ser dada à questão da apropriação da linguagem científica na educação científica,
Apresentação 15
___________________________________________________________________________ Grupo de Pesquisa em Ensino de Química
nossa pesquisa de mestrado está fundamentada na investigação das contribuições da
Iniciação Científica à apropriação dessa linguagem por alunos de graduação em Química.
Cabe esclarecer que a motivação para a realização desta pesquisa é também
resultante de percepções advindas da nossa experiência como aluna do curso de
Licenciatura em Química e bolsista de Iniciação Científica da Fundação de Amparo à Pesquisa
do Estado de São Paulo (FAPESP). O convívio amiúde com alunos de Iniciação Científica nos
levou a perceber que esses se encontram expostos a situações que apontam para um
favorecimento da apropriação da linguagem científica e a questionar se, e como, essas
situações de fato influenciam nessa apropriação. Percebemos que os alunos estão
freqüentemente em contato com diferentes formas de escrita que relatam atividades
investigativas, fazem inscrições em cadernos de laboratório, consultam cadernos de outros
membros do grupo, teses, dissertações e cópias de artigos publicados em revistas científicas.
Nossa pesquisa também tem origem e inspiração em trabalhos anteriores
desenvolvidos por Queiroz e Almeida (2001, 2004) envolvendo alunos de Iniciação Científica,
em especial o trabalho “O discurso de alunos de Iniciação Científica em Química: análise de
relatórios de pesquisa” (2001), que analisou relatórios de pesquisa de três alunos de
Iniciação Científica utilizando o esquema de classificação dos tipos de enunciados de
discursos científicos proposto por Latour e Woolgar (1997), e levou as autoras à seguinte
conclusão,
“[...] por si só, o relatório de pesquisa não é um instrumento suficiente para indicar a apropriação ou não do discurso científico pelos alunos. Apenas com o acompanhamento das etapas que envolveram o processo de produção do relatório e com entrevistas aos alunos sobre suas redações, se poderia ter maiores indícios de quanto a linguagem dos relatórios indica a apropriação de uma nova forma de se expressar” (QUEIROZ e ALMEIDA, 2001, p. 9).
Apresentação 16
___________________________________________________________________________ Grupo de Pesquisa em Ensino de Química
Desta forma, utilizando novas metodologias de coleta de dados, novos referenciais
teóricos e objetos de análise, neste trabalho investigamos a relação entre a Iniciação
Científica e a apropriação da linguagem científica, partindo da seguinte questão: O “fazer
pesquisa” é um fator relevante para a apropriação da linguagem científica pelo aluno de
graduação em Química? Como se dá essa apropriação?
Temos convicção de que a Iniciação Científica do aluno de graduação em um
laboratório de pesquisa é muito mais do que o simples entrar em um novo ambiente de
trabalho, onde será instruído e aprenderá novas técnicas e conceitos. Cientes de que o
laboratório tem uma cultura própria, que o diferencia dos demais ambientes de trabalho,
vivenciar essa cultura implica em conhecer e fazer parte do processo de construção do
conhecimento, trabalhar com formas orais e escritas de instrução e difusão do
conhecimento e vislumbrar a importância dos fatos construídos provenientes desse
processo. Assim, o estudo da questão citada anteriormente nos indicou aspectos relevantes
capazes de permitir um melhor direcionamento para eventuais propostas de fortalecimento
e/ou aprimoramento da relação “fazer pesquisa (desenvolver estágio de Iniciação
Científica)/apropriar-se da linguagem científica”.
A partir dessas considerações, o trabalho apresentado nesta dissertação está
organizado através da seguinte estrutura: no primeiro capítulo apresentamos o tema e a
motivação do trabalho; na introdução, por meio de um levantamento bibliográfico sobre a
Iniciação Científica no Brasil, apresentamos as principais contribuições dessa atividade e
discutimos resultados de pesquisas que guardam relações com aquela por nós realizada; no
terceiro e quarto capítulo apresentamos os objetivos do trabalho e a metodologia de
pesquisa adotada; no quinto capítulo, apresentamos os referenciais teóricos da Análise do
Apresentação 17
___________________________________________________________________________ Grupo de Pesquisa em Ensino de Química
Discurso e da Sociologia e Antropologia da Ciência que direcionaram nosso olhar diante dos
dados coletados; apresentamos e discutimos os resultados desta pesquisa no sexto capítulo;
e fazemos nossas considerações finais no sétimo capítulo.
____________________________________________________________ Introdução 18
___________________________________________________________________________ Grupo de Pesquisa em Ensino de Química
2.2.2.2. INTRODUÇÃOINTRODUÇÃOINTRODUÇÃOINTRODUÇÃO
Definições de iniciação presentes nos dicionários Aurélio (FERREIRA, 1986) e Houaiss
(2007), apresentadas a seguir, fornecem pistas para a aplicação desse conceito no contexto
científico e nos permitem considerar a Iniciação Científica (IC) como um processo no qual é
fornecido o conjunto de conhecimentos indispensáveis para iniciar o jovem nos ritos,
técnicas e tradições da ciência.
“Iniciação: processo ou série de processos correspondentes às diversas classes de idade, com que os jovens são iniciados nos ritos, nas técnicas e tradições da tribo, e assim preparados para a admissão na comunidade dos adultos.” (FERREIRA, 1986, p. 949 – grifo nosso). “Admissão de uma pessoa no culto de uma divindade ou como membro de uma seita ou sociedade secreta. Ex.: <i. cristã> <i. maçônica>. Processo ritual por que passa o iniciando desse culto, seita ou sociedade. Ato de dar ou receber os primeiros elementos de uma prática ou os rudimentos relativos a uma área do saber. Ex.: i. científica.” (HOUAISS, 2007).
Nessa perspectiva é que o conceito de IC foi construído no interior das universidades
brasileiras, como uma atividade realizada durante a graduação, na qual o aluno é iniciado no
“jogo” da ciência e, segundo Simão e colaboradores (1996), vivencia experiências vinculadas
a um projeto de pesquisa, elaborado e desenvolvido sob a orientação de um docente. Cabe
____________________________________________________________ Introdução 19
___________________________________________________________________________ Grupo de Pesquisa em Ensino de Química
esclarecer que, além dessa perspectiva, adotada na realização do presente trabalho, a IC é
também entendida, em uma perspectiva mais ampla, como um processo que abarca “todas
as experiências vivenciadas pelo aluno, numa instituição educacional, com o objetivo de
desenvolver a chamada formação científica” (SIMÃO et al., 1996) e “todas as oportunidades
de participação ou de envolvimento do aluno com o pesquisar durante a graduação”
(CHICARELLE, 2001). Nesse caso, a idéia de IC pode ser substituída pela de Formação
Científica (FC) e está associada também a atividades como: programas de treinamento,
desenvolvimento de estudos sobre a metodologia científica (dentro de uma disciplina ou
não), visitas programadas a institutos de pesquisa e a indústrias etc.
Outro aspecto que vem sendo discutido e colocado em prática no Brasil é a realização
da IC não somente na graduação, nível de ensino ao qual o nosso trabalho se refere, mas
também no nível médio. Alguns autores (WITTER, 2000; CHICARELLI, 2001; BARIANI, 1998)
defendem que a IC deveria ter início juntamente com a escolarização. Segundo Bariani
(1998), a pesquisa antes do ingresso na universidade colabora positivamente para o
desempenho dos estudantes, oferecendo formas de aprofundamento do conhecimento de
diferentes áreas, integrando-os. Chicarelli (2001) chama a atenção para o fato de que “a
preocupação com a formação científica parece ser quase inexistente em graus anteriores à
graduação, fazendo com que o aluno chegue à graduação sem ‘atitudes científicas’ diante do
conhecimento”.
O Programa de Vocação Científica (Provoc), da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz),
criado em 1986, foi o primeiro programa brasileiro a se preocupar com a implementação da
IC no Ensino Médio. O Provoc insere o estudante de Ensino Médio no ambiente de pesquisa
de forma planejada, sistemática e com acompanhamento permanente (NEVES, 2001;
____________________________________________________________ Introdução 20
___________________________________________________________________________ Grupo de Pesquisa em Ensino de Química
FERREIRA, 2003). Esse programa merece destaque pelos bons resultados alcançados e por
ter inspirado o surgimento de outros programas: em 1995 foi criado o Programa de Iniciação
Científica Júnior (PIC Jr.), que até hoje é realizado de maneira similar ao Provoc/Fiocruz
(MARTINS, 2003). Em 1996, o modelo Provoc foi implantado em outras instituições de
ciência e tecnologia, tais como o Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas (CBPF), o Centro de
Pesquisas e Desenvolvimento Leopoldo Miguez de Mello (CENPES), da Petrobrás, e a
Pontifícia Universidade Católica (PUC) do Rio de Janeiro. O modelo foi também implantado
em unidades da Fiocruz fora do Rio de Janeiro: o Centro de Pesquisas Aggeu Magalhães, em
Pernambuco; o Centro de Pesquisas René Rachou, em Minas Gerais; e o Centro de Pesquisas
Gonçalo Moniz, na Bahia. O Provoc também serviu de base para a criação, em 1999, do
Projeto Jovens Talentos para a Ciência (PJT) (AMÂNCIO, 2004).
Em 2007, a Universidade de São Paulo (USP) instituiu o Programa Pré-Iniciação
Científica, voltado para alunos da rede pública de ensino, cursando o Ensino Médio, que
durante o período de um ano desenvolveram projetos de pesquisa supervisionados por
docentes da USP e professores-supervisores do Ensino Médio. As atividades foram
desenvolvidas no interior da universidade e exigiram do estudante uma dedicação mínima
de 8 horas semanais durante o período letivo e 16 horas semanais durante o recesso escolar.
Em 2003, o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq)
criou o programa denominado Bolsa de Iniciação Científica Júnior (BIC Júnior), resultando
em significativa proliferação da IC no Ensino Médio. Esse programa funciona por meio de
convênios com fundações estaduais de apoio à pesquisa e, recentemente, passou a incluir
também estudantes de 5ª a 8ª séries do Ensino Fundamental (BRASIL, 2006).
____________________________________________________________ Introdução 21
___________________________________________________________________________ Grupo de Pesquisa em Ensino de Química
Tendo em vista a natureza do nosso projeto de pesquisa, apresentaremos a seguir as
bases históricas da constituição das atividades de IC no interior das universidades brasileiras
e um panorama atual dessa atividade, considerando as ações de incentivo e fomento
governamentais. Também discutiremos as pesquisas brasileiras relacionadas à temática da
IC e as contribuições advindas desses trabalhos, particularmente no que diz respeito à área
de Química.
2.1. Instituição e funcionamento da Iniciação Cient ífica nas universidades
brasileiras
O desenvolvimento do Ensino Superior no Brasil foi tardio, logo, a primeira Instituição
de Ensino Superior (IES) do nosso país surgiu quase três séculos depois da fundação das
universidades nos demais países latino-americanos (OLIVE, 2002). Segundo Martins e
Martins (1999), os primeiros cursos superiores brasileiros datam do período colonial (1500-
1808). Nessa época as escolas de padres jesuítas ofereciam cursos de Teologia, Direito
Canônico, Direito Civil, Medicina e Filosofia (OLIVE, 2002). Com a expulsão dos jesuítas do
império português, na segunda metade do século XVIII, os cursos foram extintos e só
voltaram a ser implementados com a mudança da corte portuguesa para o Rio de Janeiro, no
século XIX. Nessa época surgiram as academias militares, que formavam Engenheiros,
Agrônomos, Químicos e outros. Desde a Independência do Brasil a responsabilidade pelo
ensino passou ao governo central, o que impulsionou o sistema de educação superior,
através da criação de escolas superiores de Engenharia (como desdobramento das
academias militares) que formavam também licenciados em Ciências Físicas, Naturais e
Matemática. Durante todo esse período o sistema de ensino superior brasileiro se inspirou
____________________________________________________________ Introdução 22
___________________________________________________________________________ Grupo de Pesquisa em Ensino de Química
no modelo francês, de concepção funcional (DRÈZE; DEBELLE, 1983), privilegiando a ciência
aplicada e a formação profissional dos estudantes e deixando em segundo plano a
organização da pesquisa.
No início do período republicano observamos uma grande expansão da educação
superior adotando o modelo de instituições e faculdades isoladas. Para Martins e Martins
(1999) nesse período a educação superior no país ainda era “voltada para as elites,
contemplando apenas a formação profissional, sem preocupações com a atividade de
investigação científica”. Embora, desde 1909, tenham surgido algumas iniciativas visando a
criação de universidades, só em 1929 o governo passou a “autorizar e, em certos casos,
fomentar a organização de universidades”. Seguindo um modelo distinto do atual, a criação
de universidades era entendida como uma aglutinação das escolas isoladas já existentes sob
uma administração central. Somente a partir da década de 30, no governo de Getúlio
Vargas, essa visão de universidade para o ensino profissional começou a ser repensada e
foram introduzidas alterações em todos os níveis de ensino. Essa reformulação foi
fortemente influenciada pela pressão de grupos como a Academia Brasileira de Ciências
(criada em 1916) e a Associação Brasileira de Educação (criada em 1924) (OLIVE, 2002). O
ensino superior passou a ser responsável por promover o ambiente para vocações
especulativas e desinteressadas, ou seja, para a ciência pura.
A USP, fundada em 1934, surgiu como a primeira universidade que se pautava na
formação humana do estudante, centrada no tripé ensino, pesquisa e extensão. Desde então
outras universidades públicas foram criadas com o ideal da pesquisa, além do ensino. Nelas
“a formação científica do universitário é valorizada, o aluno adquire uma postura mais ativa,
possibilitada pela valorização da pesquisa” (BRIDI, 2004).
____________________________________________________________ Introdução 23
___________________________________________________________________________ Grupo de Pesquisa em Ensino de Química
O reconhecimento da importância estratégica da ciência e a necessidade de
institucionalizar as ações de incentivo e fomento à pesquisa levaram o Brasil a criar, em
1951, o CNPq – inicialmente Conselho Nacional de Pesquisa. A sua criação coincide com o
início do financiamento da atividade de IC, por meio da concessão de bolsas anuais de
fomento à pesquisa na graduação, “embora já existisse na prática e de forma incipiente a
atividade de pesquisa com alunos ajudantes nos anos 40 e 50” (BARIANI, 1998). O
financiamento das atividades de IC encontrou respaldo na Lei da Reforma Universitária de
1968 (Art. 2º da Lei nº5540 de 28 de novembro de 1968), que determinou o princípio da
“indissociabilidade ensino-pesquisa” como “norma disciplinadora do ensino superior”
(MALDONADO, 1998). Mais tarde essa associação foi incorporada na Constituição de 1988 e,
conseqüentemente, na nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei nº9394 de
20 de dezembro de 1996). Segundo Carvalho (2002), a inserção da IC nas universidades se
apoiou na combinação de três fatores:
“[...] o surgimento do CNPq, a expansão do sistema de ensino superior e a consolidação da Pós-Graduação, criaram as condições para que a pesquisa científica crescesse no âmbito das instituições de ensino superior, possibilitando, a partir daí, o surgimento dos programas de iniciação científica no cenário nacional. Em outras palavras, a IC encontrou as condições favoráveis para seu desenvolvimento no sistema de ensino superior, pois neste havia não só a infra-estrutura necessária para seu funcionamento, mas sobretudo os docentes pesquisadores e um corpo discente propenso a se tornar aprendiz” (CARVALHO, 2002, p. 145).
Segundo Bazin (1983), “para criar o Programa de Iniciação Científica, as universidades
brasileiras foram buscar inspiração nos países que já tinham uma atividade científica
institucionalizada: os Estados Unidos e a França”. Nos Estados Unidos o programa Research
and Development envolve os alunos de Ciência e Engenharia na produção de uma tese no
último ano de graduação que, usualmente, não é um projeto original, mas está relacionado
____________________________________________________________ Introdução 24
___________________________________________________________________________ Grupo de Pesquisa em Ensino de Química
às atividades em curso no departamento. Na França a atividade consiste em um estágio no
qual o estudante passa parte do seu tempo em um laboratório universitário ou industrial e
apresenta um relatório no final das atividades, sendo, portanto, menos formal.
Atualmente o CNPq concede bolsas de IC a alunos de graduação que desejem fazer
pesquisa em qualquer área do conhecimento, mediante o envio de um projeto assinado por
um professor orientador dentro do prazo estipulado. As bolsas têm validade de 12 meses
(podendo ser concedidas renovações) e são pagas mensalmente pelo CNPq, com valor
correspondente a 1/3 da bolsa de mestrado. Os bolsistas devem apresentar relatórios
semestrais sobre seus projetos.
Dados relativos às bolsas de IC concedidas pelo CNPq, apresentados na Figura 2.1,
demonstram um aumento acentuado na quantidade de bolsas distribuídas de 1963 a 2005.
Ademais, atualmente, o número de bolsas de IC é consideravelmente superior ao número de
bolsas com outras finalidades concedidas pelo CNPq (considerando que, na Figura 2.1, as
bolsas de formação e qualificação dizem respeito às modalidades de doutorado, mestrado,
pós-doutorado, doutorado-sanduíche no país, aperfeiçoamento-pesquisa, estágio-
especialização; as de estímulo à pesquisa se relacionam às bolsas de produtividade em
pesquisa, apoio técnico, desenvolvimento científico regional, pesquisador visitante,
pesquisador aposentado, recém-doutor, fixação de doutores, fundos setoriais; e as de
desenvolvimento tecnológico empresarial incluem desenvolvimento técnico e industrial,
iniciação técnica e industrial, especialista visitante, pós-doutorado empresarial, extensão no
país, doutorado sanduíche empresarial e apoio técnico em extensão no país), o que reforça a
importância dada pelo órgão à atividade. Marcuschi (1996) considera os anos de 70 e 80
como o período de “instalação e fortalecimento da pesquisa e da pós-graduação”, e os anos
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___________________________________________________________________________ Grupo de Pesquisa em Ensino de Química
de 90, período no qual observamos um crescimento significativo no número de bolsas, como
a fase da “valorização” da IC. Martins e Martins (1999) chegam a definir essa fase como o
“Período da IC”.
Cabe destacar ainda a ausência de dados relacionados à IC no período
correspondente ao final da década de 50 e início dos anos 60. Essa pode ser justificada pelo
fato de que em 1945 (anterior à criação do CNPq) o número de matrículas em cursos
superiores era muito baixo, em torno de 27 mil estudantes. Em seguida ocorreu um pequeno
aumento nesse número, até que, em 1964, já existiam 35 universidades e o número de
matrículas se elevou para 140 mil (MARTINS; MARTINS, 1999).
Figura 2.1 – Número total de bolsas distribuídas pelo CNPq no país e no exterior por linhas de
atuação de 1963 a 2005 (BRASIL, 2007a)
Até 1988, as bolsas de IC denominadas “bolsas por demanda espontânea” ou
“balcão” só podiam ser distribuídas mediante solicitação direta do pesquisador. Os pedidos
eram julgados por Comitês Assessores e concedidos por cotas aos pesquisadores, que
escolhiam os bolsistas. Em 1988 foi criado o Programa Institucional de Bolsas de Iniciação
Científica (PIBIC). Desde então, adotou-se no CNPq um instrumento adicional de fomento,
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___________________________________________________________________________ Grupo de Pesquisa em Ensino de Química
através do qual as bolsas de IC também eram concedidas diretamente às IES e aos Institutos
de Pesquisa (IPq), que passaram a gerenciar diretamente as concessões dessas bolsas. As IES
e IPq têm sob seu controle administrativo as cotas de bolsas a serem oferecidas a seus
alunos e devem criar seus próprios dispositivos de distribuição aos seus pesquisadores e/ou
alunos, bem como promover anualmente “uma reunião, na forma de seminário ou
congresso, onde os bolsistas deverão apresentar sua produção científica sob a forma de
pôsteres, resumos e/ou apresentações orais”, sendo o desempenho dos bolsistas avaliado
pelo Comitê Institucional do PIBIC (BRASIL, 2007b).
A criação do Programa PIBIC foi justificada, principalmente, devido à baixa utilização
das bolsas de IC ofertadas pelo sistema balcão: em 1991 a disponibilidade de bolsas era de
12 mil, porém mais de 7 mil não eram utilizadas (GUIMARÃES, 1992; MARCUSCHI, 1996). A
decisão do Conselho Deliberativo do CNPq, em 1988, de criar o PIBIC, reservando 25% das
bolsas de IC para esse programa, teve impacto apenas em 1992 quando as concessões pelo
sistema balcão estacionaram e as do PIBIC quase triplicaram. Se em 1988 foram concedidas
6830 bolsas IC/Balcão e 230 PIBIC, em 1995 os dados eram os seguintes: 4252 IC/Balcão e
15237 PIBIC.
Até o momento o CNPq já realizou duas avaliações sobre o PIBIC “visando obter
informações que subsidiassem a definição de parâmetros para um planejamento mais
detalhado do programa”, como afirma Neder (2001). A primeira, intitulada “Avaliação do
Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica (PIBIC) do CNPq e Proposta de Ação”,
foi coordenada, em 1995, por Luiz Mauro Marcuschi. Ela apresenta informações de caráter
mais qualitativo, levantando questões de ordem conceitual sobre IC e PIBIC, situa o
programa frente ao fomento geral do CNPq e expõe a visão de alguns coordenadores do
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___________________________________________________________________________ Grupo de Pesquisa em Ensino de Química
Programa. A segunda, “O PIBIC e Sua Relação com a Formação de Cientistas”, foi realizada
pelo Núcleo de Pesquisa sobre Ensino Superior da Universidade de Brasília (NESUB), em
1999. Sob a coordenação de Virgilio Alvarez Aragón, a avaliação caracterizou-se por um
levantamento estatístico, a partir de bases de dados do CNPq, além de um inquérito
realizado em âmbito nacional, por amostragem, com bolsistas do Programa, entrevistas com
coordenadores do Programa e com alunos de mestrado. Esses dados permitiram a definição
de um perfil quantitativo do Programa em relação aos bolsistas e sua posterior atuação
profissional (ARAGÓN; MARTINS; VELLOSO, 1999).
Os resultados dessas pesquisas indicam que os bolsistas são predominantemente do
sexo feminino (51%); sua idade média é de 23,6 anos, os bolsistas das áreas de Ciências
Humanas são os mais velhos enquanto os das Engenharias são os mais jovens; e os bolsistas
levam em média 1,9 ano entre seu ingresso na universidade e seu ingresso no PIBIC. Os
alunos da área de Humanidades são os últimos a se tornarem bolsistas e os das Engenharias
são os primeiros.
Apesar do aumento considerável na quantidade de bolsas de IC nos últimos anos, o
CNPq reconhece que o número de concessões de bolsas “é exíguo diante da capacidade
instalada de orientação no país e do número de alunos de 3º grau que já atinge mais de 1,6
milhões ao todo” (MARCUSCHI, 1996). Segundo Marcuschi, a abrangência do Programa se
restringe a apenas 3,8% dos estudantes das instituições cobertas pelo PIBIC, situação que
não sofreu grandes alterações até os dias atuais. Considerando o número de orientadores
disponíveis nas universidades brasileiras – aproximadamente 18 mil – a oferta de bolsas de
IC poderia ser maior, já que a relação atual está em torno de 1,5 bolsista por orientador e
poderia chegar a três ou quatro bolsistas/pesquisador (GUIMARÃES, 1992; MARCUSCHI,
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1996). Segundo Neder (2001), “cada orientador teve entre 5 e 8 orientandos no período de
12 anos de existência do PIBIC. Portanto, cada orientador conduziu um aluno a cada 2 anos.
Isto chama atenção para uma provável capacidade potencial de orientação existente nas
IES”.
Outro aspecto relevante é a distribuição heterogênea de bolsas por regiões do Brasil:
47,5% distribuídas no Sudeste, 21,6% no Nordeste, 17,8% no Sul, 8,1% no Centro-Oeste e
apenas 5% no Norte (NEDER, 2001). Ao longo do tempo, de 1989 a 2000, houve um
decréscimo no número de bolsas das regiões Norte, Centro-Oeste e Sul, e um incremento
significativo para a região Sudeste. Neder (2001) defende que essa heterogeneidade só
representa a capacidade de orientação das regiões e destaca a relação entre esses dados e o
número de instituições envolvidas no programa em 2000. Segundo ele, “9 instituições se
situavam na região Norte; 23, na Nordeste; 7, na Centro-Oeste; 54, na Sudeste e 28, na Sul”.
O autor sugere que o CNPq poderia promover ações de incentivo e fomento com o objetivo
de diminuir essas disparidades. Considerando a capacidade de orientação por região,
“destaca-se que, mesmo nas regiões onde os orientadores acompanham um número maior
de alunos (Norte e Centro-Oeste), em média, cada orientador, conduziu um aluno a cada 1,7
ano”, aqui percebemos também que “a relação orientando/orientador confirma esta
provável capacidade ociosa”, referida anteriormente.
A pequena abrangência do Programa é uma crítica constante à IC, pois isso restringe
a atividade aos “melhores alunos”. Bridi (2004) constatou, por meio de entrevistas com
professores da Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP), que muitos se referiram às
limitações no número de bolsas, que faz da IC uma atividade “seletiva, que beneficia poucos
e discrimina muitos, aparentemente privilegiando os mais ‘capacitados’ e ‘promissores’”. Por
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essas razões Bazin (1983) define como “selecionada” e “elitizada” a atividade de IC. No
entanto, segundo Breglia (2002), o equilíbrio das oportunidades entre os “mais
interessados”, “os bons” ou os “potencialmente promissores” talvez sirva para alterar a
situação que aponta a desistência de um número significativo de alunos ao longo da
primeira metade do período de duração da bolsa, inclusive nas instituições onde a pesquisa
está mais desenvolvida. Segundo a autora, o CNPq não conseguiu identificar as possíveis
causas da desistência, mas a suposição é que alguns dos alunos aceitos como bolsistas não
conseguem acompanhar o ritmo dos projetos de pesquisa. Para ela “esses dados sugerem a
necessidade de uma revisão nos critérios de seleção do PIBIC”, o que contrapõe as críticas
quanto à seleção dos melhores alunos imposta à IC.
Outra crítica recorrente ao modelo de IC proposto pelo CNPq, e aplicado na maioria
das universidades, é que, além das restrições impostas aos alunos, algumas IES,
principalmente as privadas, também são excluídas do processo. Bazin (1983) defende que as
bases históricas do estabelecimento da IC nas universidades contribuíram para sua
caracterização como uma atividade “limitada, na prática, às universidades onde há
pesquisa”.
É importante destacar que o CNPq não tem uma política de distribuição de bolsas por
instituições, ou seja, não restringe a participação das universidades privadas no seu
programa de financiamento e também não limita o número de bolsistas por instituição. A
restrição se deve à quantidade e qualidade dos professores-pesquisadores, pois são eles que
determinam a distribuição das bolsas por IES e regiões do país, sendo claro que as condições
oferecidas pelas IES são, em parte, responsáveis pelo desenvolvimento de pesquisas pelos
orientadores. Segundo Carvalho (2002), a análise do conjunto das instituições contempladas
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pelo programa PIBIC revela que o quadro atualmente, “é bastante heterogêneo, incluindo-se
aí Institutos de Pesquisa, Instituições de Ensino Superior, Privadas e Públicas, Municipais,
Estaduais e Federais”.
Nas Instituições de Ensino Superior Privadas (IESP), poucos professores se dedicam à
pesquisa – pela própria característica da universidade e do regime de trabalho – e
conseqüentemente, o número de alunos envolvidos em IC é muito pequeno (GOMES;
GONÇALVES; MENIN, 2004). Banaco (1994) questiona se “é possível a iniciação científica na
universidade particular” e apresenta alguns fatos da realidade da pesquisa nas IESP:
“[...] o aluno que busca bolsa de Iniciação Científica vem procurá-la como uma alternativa de emprego – mais próxima de sua futura atuação profissional do que os outros possíveis de serem conseguidos – e não como um interesse essencial no pesquisar. Também dentro da universidade particular, excetuando-se alguns incentivos para que o professor obtenha algum título acadêmico, pouca ênfase é dada à carreira do pesquisador. O aluno, por sua vez, desconhece essa possibilidade profissional porque não a vê acontecendo” (BANACO, 1994, p. 94).
Apesar desse quadro, a atividade de IC não está totalmente excluída das IESP. Em
2006, 1880 bolsas PIBIC foram concedidas para essas Instituições, equivalente a 10,5% do
total. Merece destaque a atuação das PUCs, que receberam o maior número de bolsas
dentre todas as IESP – 34,3% do total (BRASIL, 2007c).
“A razão para essa distribuição parece bastante clara. Na verdade, os estudos que enfocam o ensino universitário brasileiro revelam que, de modo geral, as universidades públicas detêm um padrão de qualidade bem superior àquele obtido pelas instituições privadas, notadamente no que se refere à atividade de pesquisa. Tais análises também sempre ressaltam que as PUCs constituem uma honrosa exceção no segmento do ensino superior privado, pois algumas possuem ótimas condições de pesquisa e são reconhecidas pelo seu padrão de excelência” (DAMASCENO, 1999, p. 15).
O CNPq, no entanto, não é o único órgão de fomento à pesquisa na graduação. As
Fundações de Amparo à Pesquisa (FAPs), presentes em alguns estados do Brasil, também
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financiam a IC. Pautamos a nossa discussão nas ações do CNPq por ser esse, de longe, o
principal órgão de fomento responsável pela promoção e incentivo à IC, por seu programa
ter abrangência nacional e pela quantidade de dados disponíveis sobre o mesmo.
Destacamos ainda que as características e contribuições em nível nacional do Programa
Especial de Treinamento (PET), originalmente apoiado pela Coordenação de
Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) e, hoje, sob responsabilidade da
Secretaria de Educação Superior do Ministério da Educação (MEC), estruturado para
funcionar por meio de grupos tutorais de aprendizagem, não foram discutidas, uma vez que
o consideramos como programa de FC, e não de IC (de acordo com a concepção de IC,
discutida anteriormente). De fato, conforme afirma Balbachevsky (1998) “o programa PET se
diferencia das outras experiências de iniciação científica, que têm um objetivo mais
limitado”.
Diante do exposto, faz-se possível perceber a ampla disseminação das atividades de
IC nos cursos de graduação no Brasil, nos últimos anos. No entanto, não são muitos os
estudos realizados a esse respeito. Com o intuito de conhecer a abrangência e as
características das pesquisas realizadas até então, realizamos um levantamento bibliográfico
que abarcou a análise dos trabalhos publicados, no intervalo de 1983 a 2007, nas seguintes
bases de dados: Banco de Teses da Capes; Biblioteca Digital de Teses e Dissertações; Portal
Periódicos Capes. Além desses, procuramos por obras bibliográficas brasileiras sobre a IC, e
encontramos o livro “Iniciação Científica: construindo o pensamento crítico”, organizado por
Julieta Calazans que reúne contribuições de 12 autores envolvidos com a IC (CALAZANS,
1999). Algumas constatações advindas da referida análise encontram-se descritas no tópico
a seguir.
____________________________________________________________ Introdução 32
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2.2. Pesquisas sobre Iniciação Científica no Brasil
O resultado do levantamento bibliográfico realizado indica que poucas pesquisas
sobre a atividade de IC foram concluídas no país. De fato, há mais de uma década, Marcuschi
(1996) já chamava atenção para esse quadro e afirmava que “pouquíssimas foram as
instituições que já fizeram algum tipo de sondagem entre os bolsistas para saber o que eles
pensam do programa”. Desde então, o quadro permanece praticamente inalterado.
Sobre a temática em questão, foram localizadas seis teses de doutorado, onze
dissertações de mestrado e quatro artigos publicados em revistas nacionais na área de
Educação e Ensino de Ciências, que constam no Portal de Periódicos CAPES contendo textos
completos (Lista contendo as revistas consultadas encontra-se no Apêndice 1 – essa lista
inclui as publicações nacionais distribuídas pelo Scielo, periódicos nacionais avaliados em A
ou B pelo programa QUALIS da CAPES, que estão disponíveis gratuitamente com texto
completo, e outras publicações nacionais de livre acesso de interesse para o Portal). Tendo
em vista que o nosso tema de investigação privilegia a área de Química, também
consultamos todos os trabalhos apresentados nos últimos dez anos nos Encontros Nacionais
de Pesquisa em Educação em Ciências (ENPECs), o encontro mais representativo da área de
Educação em Ciências no Brasil, nele localizamos oito trabalhos sobre a temática em
questão. A leitura do conjunto de todos os documentos citados nos permitiu localizar ainda
outros seis trabalhos dispersos em outras revistas, tais como Ciência e Cultura, Biológico,
Integração ensino-pesquisa-extensão, Estudos e Debates, Educação Brasileira Brasília e
História, Ciências e Saúde; além de alguns trabalhos apresentados em eventos da Associação
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Nacional de Política e Administração da Educação (ANPAE) e Associação Nacional de Pós-
Graduação e Pesquisa em Educação (ANPEd).
A maior parte dos trabalhos que localizamos foi publicada na forma de dissertação de
mestrado ou tese de doutorado, provenientes de diferentes instituições espalhadas por
vários estados do país. A Tabela 2.1 apresenta todas as teses e dissertações acrescidas do
curso de graduação nelas investigado. Alguns trabalhos se relacionavam a mais de um curso,
ou não determinavam quais eram os cursos pesquisados, pois pretendiam obter como
resultado um perfil geral da IES. Esses foram incluídos em uma categoria que denominamos
“Geral”, discriminada na segunda coluna da Tabela 2.1. Em alguns casos o trabalho se
baseava na análise de documentos disponibilizados pelo CNPq e nenhum curso era
especificado; trabalhos dessa natureza também foram incluídos na categoria “Geral”. Em
apenas dois trabalhos (número 5 e 13 da Tabela 2.1) a instituição investigada não coincidia
com aquela onde foi defendido o trabalho de pós-graduação.
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Tabela 2.1 – Teses e dissertações sobre Iniciação Científica no Brasil (continua)
Referência
Curso de Graduação Investigado
TESES 1 OAIGEN, E. R. Atividades extra-classe e não-formais uma política para a
formação do pesquisador. 1995, 270f. Tese (Doutorado em Educação) – Faculdade de Educação, Universidade Federal de Santa Maria, Santa Maria, 1995.
Geral
2 BARIANI, I. C. D. Estilos cognitivos de universitários e iniciação científica. 1998. 145f. Tese (Doutorado em Educação) – Faculdade de Educação, Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 1998.
Biologia, Psicologia,
Arquitetura e Urbanismo
3 FARIA, A. V. Gestão do conhecimento na iniciação científica: paradigma de comunicação e educação. 2000, 450f. Tese (Doutorado em Comunicação) – Escola de Comunicação e Artes, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2000.
Comunicação Social
4 BREGLIA, V. L. A. A formação na graduação: contribuições, impactos e repercussões do PIBIC. 2002. 210f. Tese (Doutorado em Educação) – Pontifica Universidade Católica do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2002.
Psicologia, Economia e Física
5 CABERLON, V. I. Pesquisa e graduação na Furg: em busca de compreensões sob distintos horizontes. 2003, 244f. Tese (Doutorado em Educação) – Faculdade de Educação, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2003.
Geral
6 MELO, G. F. A. A formação inicial e a iniciação científica: investigar e produzir saberes docentes no ensino de álgebra elementar. 2003, 242f. Tese (Doutorado em Educação) – Faculdade de Educação, Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 2003.
Matemática
DISSERTAÇÕES 7 OAIGEN, E. R. A influência das atividades não-formais e extraclasse na
iniciação à educação científica. 1990, 255f. Dissertação (Mestrado em Educação) – Faculdade de Educação, Universidade Federal de Santa Maria, Santa Maria, 1990.
Geral
8 BETTOI, S. M. O pesquisar na graduação: a palavra do aluno de psicologia sobre as condições presentes na sua vida acadêmica. 1995. 64f. Dissertação (Mestrado em Psicologia) – Pontifica Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 1995.
Psicologia
9 AGUIAR, L. C. C. O perfil da iniciação científica no Instituto de Biofísica Carlos Chagas Filho e no Departamento de Bioquímica Médica da Universidade Federal do Rio de Janeiro. 1997, 119f. Dissertação (Mestrado em Química Biológica) – Centro de Ciências da Saúde/Instituto de Ciências Biomédicas, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 1997.
Ciências Biológicas
10 MALDONADO, L. A. Iniciação científica na graduação em nutrição: autonomia do pensar e do fazer na visão dos pesquisadores/orientadores. 1998, 127f. Dissertação (Mestrado em Educação – Faculdade de Educação, Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 1998.
Nutrição
11 CHICARELLE, R. J. Formação inicial científica no curso de pedagogia. 2001. 98f. Dissertação (Mestrado em Psicologia da Educação) – Pontifica Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2001.
Pedagogia
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Tabela 2.1 – Teses e dissertações sobre Iniciação Científica no Brasil (conclusão)
Referência
Curso de Graduação Investigado
DISSERTAÇÕES 12 NEDER, R. T. A iniciação científica como ação de fomento do CNPq: o
programa institucional de bolsas de iniciação científica – PIBIC. 2001. 90f. Dissertação (Mestrado em Desenvolvimento Sustentável) – Centro de Desenvolvimento Sustentável, Universidade de Brasília, Brasília, 2001.
Geral
13 PIRES, R. C. M. A contribuição da iniciação científica na formação do aluno de graduação numa universidade estadual. 2002. Dissertação (Mestrado em Educação) – Faculdade de Educação, Universidade Federal da Bahia, Salvador, 2002.
Geral
14 CARVALHO, A. G. O PIBIC e a difusão da carreira científica na universidade brasileira. 2002, 159f. Dissertação (Mestrado em Sociologia) – Universidade de Brasília, Brasília, 2002.
Geral
15 ALMA, J. M. Iniciação científica e interdisciplinaridade: contribuições ao conhecimento da influência da pesquisa na formação do aluno de medicina e enfermagem. 2003, 84f. Dissertação (Mestrado em Educação) – Universidade Cidade de São Paulo, São Paulo, 2003.
Medicina e Enfermagem
16 FIOR, C. A. Contribuições das atividades não obrigatórias na formação universitária. 2003. 122f. Dissertação (Mestrado em Educação) – Faculdade de Educação, Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 2003.
Geral
17 BRIDI, J. C. A. A iniciação científica na formação do universitário. 2004. 135f. Dissertação (Mestrado em Educação) – Faculdade de Educação, Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 2004.
Geral
As teses e dissertações encontradas foram produzidas entre 1990 e 2004, sendo a
maioria posterior ao ano de 2000. A análise da Tabela 2.1 revela que grande parte dos
trabalhos sobre IC foram desenvolvidos na UNICAMP (quatro), na Universidade de Brasília
(UnB) (dois) e na Universidade Federal de Santa Maria (UFSM) (dois). De uma maneira geral,
os cursos de graduação investigados se localizam na região Sudeste (58,8%) e Sul (23,5%), no
Centro-Oeste (11,8%), e apenas um na região Nordeste (5,9%). Dentre eles a maioria
pertence a instituições públicas (estaduais ou federais) e apenas quatro são particulares
(23,5%). Apesar da quantidade de trabalhos sobre essas últimas ser menor, acreditamos que
o número é digno de nota, visto que a atividade de IC é muito mais freqüente nas IES
públicas do que nas privadas. Grande parte dos trabalhos envolveu alunos de diversos
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cursos das áreas de Ciências Humanas, Exatas e Biológicas, os cursos de Humanas foram os
mais investigados (35,3%), seguido dos cursos da área de Ciências Biológicas (17,6%) e de
Exatas (11,8%). O curso de Psicologia foi foco de três investigações distintas, sendo,
portanto, o mais investigado.
Os artigos completos publicados sobre a IC em periódicos nacionais mencionados
anteriormente estão listados em ordem cronológica na Tabela 2.2. Os artigos 6 e 8 se
referem à IC no Ensino Médio, que não é o foco da nossa pesquisa.
Tabela 2.2 – Artigos sobre Iniciação Científica no Brasil
Autor e Título Publicação e Ano
1 BAZIN, M. J. O que é a iniciação científica. Revista de Ensino de Física, v.5, n.1, p.81-88, 1983.
2 ZAKON, A. Qualidades desejáveis na iniciação científica. Ciência e Cultura, v.41, n. 9, p.868-877, 1989.
3 CAMPOS, L. F. L.; MARTINEZ, A.; ESCUDEIRO, R. M. P. Perspectivas de alunos sobre sua iniciação científica.
Integração ensino-pesquisa-extensão, n.14, p.179-182,
1998. 4 SILVA, R. C.; CABRERO, R. C. Iniciação científica: rumo à
pós-graduação. Educação Brasileira Brasília, v.20, n.40, p.189-199, 1998.
5 MARTINS, R. C. R.; MARTINS, C. B. Programas de melhoria e inovação no ensino de graduação.
Estudos e Debates, n.20, 1999.
6 NEVES, R. M. C. Lições da iniciação científica ou a pedagogia do laboratorio.
História, ciencias e saúde, v.8, n.1, p.71, 2001.
7 BERNARDI, M. M. A importância da iniciação científica e perspectivas de atuação profissional.
Biológico, v.65, n. 1/2, p.101, 2003.
8 FERREIRA, C. A. Concepções da iniciação científica no ensino médio: uma proposta de pesquisa.
Trabalho, educação e saúde, v.1, n.1, p.115-130, 2003.
9 QUEIROZ, S. L.; ALMEIDA, M. J. P. M. Do fazer ao compreender ciências: reflexões sobre o aprendizado de alunos de iniciação científica em química.
Ciência e Educação, v.10, n.1, p.41-53, 2004.
10 BECCENERI, J. C.; KIENBAUM, G. S. A iniciação científica e o programa espacial brasileiro
Integração ensino-pesquisa-extensão, n.47, p. 377-385,
2006.
Outros trabalhos relacionados à IC, especificamente na área das Ciências Biológicas e
Exatas foram encontrados nos Anais dos ENPECs. A Tabela 2.3 ilustra o título e os autores
dos trabalhos apresentados nas cinco edições do evento. No entanto, a maioria deles
(trabalhos de 2 ao 4 e 6 ao 8) se refere à experiências de IC no Ensino Médio e não no Ensino
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___________________________________________________________________________ Grupo de Pesquisa em Ensino de Química
Superior, que, particularmente, nos interessam. Os demais tratam da experiência de IC
conduzida no interior de uma disciplina de Ensino de Física (trabalho 1), trazem
contribuições sobre a percepção de professores universitários a respeito da IC (trabalho 9) e
analisam relatórios de pesquisa produzidos por alunos de IC (trabalho 5).
Tabela 2.3 – Trabalhos completos sobre Iniciação Científica apresentados nos ENPECs
I ENPEC – Águas de Lindóia, 1997.
1 Iniciação à pesquisa em ensino de Física: uma experiência no ensino de graduação
Regina Calderipe Costa, Cláudia Maria Henrique da Fonseca
II ENPEC – Valinhos, 1999.
2 Educação Científica para jovens de Ensino Médio em uma Instituição de Pesquisa – estudo exploratório das concepções prévias dos alunos
Maria Cecília Pinto Diniz, Virgínia T. Schall
3
A iniciação científica no ensino médio: uma análise sócio-institucional do processo de ampliação do Programa de Vocação Científica (PROVOC) da Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio / Fundação Oswaldo Cruz
Cristina Araripe Ferreira
4 A Iniciação Científica no nível médio de ensino no contexto da Fiocruz: uma análise sobre a sua contribuição para a escolha profissional dos alunos
Telma de Mello Frutuoso, Valber da Silva Frutuoso
III ENPEC – Atibaia, 2001.
5 O discurso de alunos de Iniciação Científica em Química: análise de relatórios de pesquisa
Salete Linhares Queiroz, Maria José P.M. de Almeida
6 Os pesquisadores-orientadores do PROVOC/FIOCRUZ: visões e concepções da iniciação científica no Ensino Médio
Cristina Araripe Ferreira
7 Programa de Vocação Científica (PROVOC) na UFMG - avaliação de um modelo educacional para o ensino médio
Gisele Brandão Machado de Oliveira
IV ENPEC – Bauru, 2003.
8 PROVOC - FIOCRUZ: ensaio sobre as potencialidades e limites de um modelo
Ana Filipecki, Telma de Mello Frutuoso, Cristiane Nogueira Braga, Valber da Silva Frutuoso
V ENPEC – Bauru, 2005.
9 Percepções de professores universitários sobre a iniciação científica: uma análise a partir de Pierre Bourdieu e Thomas Kuhn
Maria Aparecida de Souza Perrelli, Dulcinéia Ester Pagani Gianotto
Procuramos, ainda, por trabalhos sobre IC em eventos voltados para o Ensino
Superior, como os da ANPAE e ANPED. Essa busca nos levou a dois trabalhos, apresentados
na Tabela 2.4, que trazem contribuições sobre a realidade da IC vivenciada na Universidade
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Federal de São Carlos (UFSCar) e na Universidade de Santo Amaro (UNISA), ambas do Estado
de São Paulo.
Tabela 2.4 – Trabalhos completos sobre Iniciação Científica apresentados na ANPAE e ANPED
X Seminário Estadual ANPAE – São Bernardo do Campo, 2006
1 Estudantes de ensino superior vivenciando ciência: efeitos na pós-graduação
Rodrigo de Castro Cabrero, Maria da Piedade R. da Costa, Maria Cristina P.I. Hayashi
27ª Reunião Anual ANPED – Caxambu, 2004.
2 A necessidade da iniciação científica para alunos de instituições de ensino superior particulares: a possibilidade de acesso critico ao conhecimento como pretensão à excelência
Maria Aparecida de Jesus Gomes, Maria de Fátima Major Gonçalves, Pedro Hercks Menin
Também merece destaque nessa revisão a realização de eventos especificamente
voltados para discussão e avaliação da atividade de IC, como os Encontros de Iniciação
Científica promovidos pela Universidade São Francisco (USF), localizada no Estado de São
Paulo. Citamos, em especial, a primeira edição do evento, em 1995, que reuniu diversos
trabalhos relevantes sobre a atividade de IC e o Seminário de Pesquisa na Graduação “Você
Pesquisa? Então mostre!”, realizado em 1991, na UnB. Destacam-se ainda eventos de áreas
específicas como a Psicologia que promove, a cada dois anos, o Simpósio de Pesquisa e
Intercâmbio Científico organizado pela Associação Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em
Psicologia (ANPPEP). Nos V e VI Simpósios, realizados em 1994 e 1996, respectivamente, o
Grupo de Trabalho “O papel da iniciação científica para a formação em pesquisa na pós-
graduação”, coordenado por Lívia Mathias Simão, do Instituto de Psicologia da USP, abordou
importantes aspectos da IC. Resultam desses eventos diversos trabalhos, com interessantes
contribuições para a avaliação e discussão das ações de promoção da IC.
No que diz respeito aos trabalhos de pesquisa encontrados, além dos seus objetivos e
contribuições para a IC, é também importante mencionar a metodologia de coleta de dados
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empregada: a maioria buscou subsídios para suas discussões em questionários e entrevistas
realizados com alunos bolsistas de IC, alunos de graduação não-bolsistas, alunos formados
ex-bolsistas e professores orientadores. Os questionários foram distribuídos aos alunos por
meio de correio eletrônico ou postal, quando as pesquisas envolviam grande número de
entrevistados (cerca de 400), ou entregues pessoalmente, no caso de pesquisas com poucas
pessoas. Outro instrumento semelhante ao questionário e também bastante empregado foi
a entrevista, semi-estruturada ou aberta, geralmente realizada com sujeitos pré-
selecionados na etapa dos questionários.
2.3. Contribuições das pesquisas sobre Iniciação Ci entífica no Brasil
A análise das pesquisas sobre IC encontradas por meio do levantamento bibliográfico
citado, nos permitiu classificar os trabalhos com relação às suas contribuições sobre a IC em
três segmentos distintos:
Avaliação da Iniciação Científica como atividade de formação do universitário;
Avaliação do PIBIC com relação aos objetivos almejados pelo Programa;
Caracterização de algumas particularidades do desenvolvimento da Iniciação
Científica.
Nos trabalhos que tratam da “Avaliação da atividade de Iniciação Científica na
formação do universitário”, os autores destacam os seguintes aspectos a ela associados:
desempenho na graduação, desenvolvimento pessoal e socialização profissional. Nos
trabalhos em que é feita a “Avaliação do PIBIC com relação aos objetivos do Programa” (ou
seja, encaminhamento para a pós-graduação e fortalecimento da pesquisa nas
universidades) os autores apontam para o seu sucesso. Nos trabalhos em que existe a
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___________________________________________________________________________ Grupo de Pesquisa em Ensino de Química
preocupação com a “Caracterização de algumas particularidades do desenvolvimento da
Iniciação Científica” no interior das universidades, os autores se preocupam em conhecer
aspectos como: a natureza das atividades desenvolvidas pelos graduandos e a sua motivação
para a pesquisa; os critérios adotados para seleção de orientadores e de bolsistas; as
expectativas, decepções e dificuldades vivenciadas pelos bolsistas durante a IC.
A seguir discutimos as contribuições advindas dos trabalhos, de acordo com os
segmentos anteriormente mencionados.
2.3.1 Avaliação da Iniciação Científica como atividade de formação do universitário
O rompimento da dicotomia, historicamente existente no ensino superior brasileiro,
entre teoria e prática, ensino e pesquisa e graduação e pós-graduação, vem sendo discutido
há bastante tempo e por diversos pesquisadores (DEMO, 1997; PEIXOTO, 1992). A
dificuldade em relacionar ensino e pesquisa na graduação remonta ao fato de que existem
professores que estabelecem uma diferença entre o espaço da sala de aula e o espaço da
pesquisa, ou seja, a graduação continua ocupando um espaço de reprodução e não de
produção de conhecimentos, enquanto o espaço da pesquisa é muito mais valorizado e
altera o comportamento dos professores na elaboração das rotinas, na relação com os
alunos e no investimento que é feito. Como resultado de sua investigação junto a
professores-pesquisadores, Breglia (2002) destaca que “ficou claro que a sala de aula não é
vista como um espaço de trabalhar o conhecimento com o objetivo de criar nos alunos um
espírito de investigação”, o que indica a permanência de “uma visão tão antiga quanto
distorcida”.
“O argumento que alguns professores usaram para justificar a dificuldade da integração entre o ensino e a pesquisa foi a de que a ‘sala de aula é uma massa’ (em que caberia um ensino de massa) e estéril no sentido do contato professor/aluno; em síntese, um ensino para treinamento, cuja regra de comportamento seria tirar boa nota na prova. Essas observações
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sinalizam que a integração do ensino e pesquisa ainda está pendente; valorizada no plano do discurso (depoimento dos docentes), nas práticas docentes ainda há dificuldade a superar” (BREGLIA, 2002, p. 90).
Nessa perspectiva a criação da IC nas universidades surgiu como possibilidade de
aproximar e fortalecer as relações entre ensino e pesquisa, teoria e prática e graduação e
pós-graduação (BERNARDI, 2003; CABERLON, 2003; DAMASCENO, 1999; CALAZANS, 1999;
ALMA, 2003). Melo (2003) em pesquisa sobre a influência da IC em Ensino de Matemática
para a formação do licenciado defende que
“[...] a pesquisa pode ser uma via interessante e promissora para a tentativa de articular teoria e prática e neste domínio específico, uma possibilidade de introduzir o professor no domínio da pesquisa ao nível de Iniciação Científica. Em tal modalidade, o futuro professor de matemática pode desenvolver investigações ligadas aos conteúdos desenvolvidos em sua prática profissional. Por outras palavras, por intermédio da pesquisa, os profissionais terão ampliadas as suas possibilidades para o exercício das funções docentes, e no caso do ensino – atividade principal – desenvolver um trabalho melhor, pois ampliará a sua visão a cerca da prática desenvolvida situando o conteúdo específico com o qual manifesta tensões e conflitos no processo complexo de ensinar para estudantes do Ensino Fundamental e Médio. Trata-se ainda de integrar no domínio da formação com continuidade na prática a relação pesquisa-ensino o que contribuirá para a formação e relação com os saberes nestes níveis de ensino” (MELO, 2003, p. 60,61).
Considerando uma perspectiva mais geral, a integração entre ensino e pesquisa
promovida pela IC é efetiva, pois permite a “construção de uma via de mão dupla entre
ensino e pesquisa, vai além de estabelecer entre eles uma relação de interdependência:
também aporta um novo significado ao ensino de graduação, ao visualizar a sala de aula
como mais um espaço de construção do conhecimento” (BREGLIA, 2002). Dessa forma a IC
representa “um excelente instrumento educativo que caminha entre a pesquisa e o ensino”
(BRIDI, 2004). Essa associação pode ser visualizada “através de informações que os alunos
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trazem de outras disciplinas para a pesquisa, através de informações e levantamentos
produzidos pelos bolsistas que são utilizados na disciplina” (MALDONADO, 1998).
Desempenho na graduação
Muitos autores defendem que os bolsistas de IC apresentam melhores coeficientes
de rendimento nos seus cursos de graduação (LEITÃO FILHO, 1996; CABERLON, 2003;
AGUIAR; 1997; BRIDI, 2004; BREGLIA, 2002; PIRES, 2002). Isso ocorre porque os alunos de IC
desenvolvem novas estratégias de aprendizagem, como conseqüência da vivência da
pesquisa os alunos “aprendem a aprender” (AGUIAR, 1997). “Parece claro que a pesquisa
científica pode ser um excelente instrumento educativo na medida em que leva os alunos a
lidarem com o processo de conhecer e não apenas com o produto desse processo”
(ALMEIDA, 1996). A partir desse aprendizado os alunos se sentem motivados a “cumprir a
sua principal função, que é estudar. A pesquisa dá o sentido de aprender ao estudo. Isto é
fato reconhecido por orientadores, professores, bolsistas e alunos” (PIRES, 2002). Aguiar
(1997) sugeriu quais fatores da IC que favorecem o desempenho no curso de graduação.
Segundo ela a IC
“[...] garante maior embasamento teórico; garante mais prática em laboratório; maior contextualização do conteúdo, ensina a organizar e desenvolver projetos; permite formação de hábitos de estudo; desenvolve a iniciativa de buscar o que não se sabe em diversas fontes; permite o aumento da responsabilidade e o crescimento pessoal; aumenta a possibilidade de diálogo com as pessoas mais experientes”. (AGUIAR, 1997, p. 84)
Dessa forma a IC promove um “melhor aproveitamento no curso de graduação, que
passa a ser mais valorizado” ou “melhor aproveitamento das disciplinas de graduação,
ampliando o âmbito das análises e conteúdos de ensino” (CABERLON, 2003). Além disso, a IC
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proporciona a “formação abrangente”, “pela possibilidade de aquisição de conhecimentos
científicos e específicos” (BRIDI, 2004).
Breglia (2002), por meio de entrevistas com professores-orientadores, percebeu que
eles enxergam a IC como “uma atividade que pode motivar o aluno na sala de aula, e lhe
proporcionar uma visão mais ampla do curso, maior base de conhecimentos prévios, bem
como desmistificar conceitos e teorias”, além de gerar um ambiente de maior interesse
dentro da sala de aula, de tal forma que os alunos passam a ter uma postura melhor. Fior
(2003) defende que as atividades não-obrigatórias do curso de graduação, entre as quais a
IC, contribuem para desenvolver no aluno o compromisso com o curso, “sendo esta uma
variável importante para a permanência do estudante no ensino superior”. Com base no
resultado de outras pesquisas ela revela que “os estudantes que participam de quaisquer
tipos de atividades extracurriculares têm menor probabilidade de se evadir e têm maior
probabilidade de estarem satisfeitos com suas experiências na universidade”.
Essas constatações confirmam os dados analisados por Aguiar (1997), segundo ela
“para muitos alunos, a IC veio de alguma forma diminuir o descontentamento com a
estrutura curricular de seu curso de graduação”. Suas queixas estão centradas
principalmente na estrutura curricular – no excesso e pelo pouco significado do conteúdo
apresentado e a predominância de aulas expositivas. Exemplos claros desse
descontentamento são as disciplinas práticas dos cursos de Ciências Exatas e Biológicas.
Nesses cursos a IC vem, de certa forma, preenchendo as lacunas deixadas pelas aulas
práticas, que muitas vezes limitam-se ao tradicional esquema da “receita de bolo”, no qual,
na melhor das hipóteses, os alunos têm oportunidade de manipular alguns instrumentos e
equipamentos, e de ouvir falar dos aspectos teóricos correlatos (AGUIAR, 1997).
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Podemos concluir que a estrutura dos cursos universitários parece não atender às
demandas dos alunos. Aguiar (1997) defende que se a IC, de certa forma, minimiza essa
decepção, então a estrutura e a dinâmica experimentadas pelo aluno nessa atividade
deveriam ser reproduzidas ou adaptadas às aulas da graduação. Ou então, deveriam
incentivar iniciativas que possibilitem o ingresso de um maior número de alunos nas
atividades de IC.
Apesar dessas considerações alguns autores se posicionam contra a IC por
acreditarem que ela direciona a formação do aluno muito antes de ele ter recebido uma
formação geral na sua área, tendendo à especialização precoce do estudante, ainda na
graduação. Segundo Kitajima (1992) “alguns alunos se entusiasmam demais com seu
trabalho de pesquisa, negligenciando outros aspectos de sua formação, correndo o risco de
perderem uma visão global de sua área profissional”, para ela “tal nível de especialização
seria recomendável apenas a nível de pós-graduação”. Aguiar (1997) apontou alguns fatores
da IC que podem prejudicar o desempenho no curso de graduação: o tempo dedicado às
atividade da IC; o envolvimento nas atividades de IC tornam o curso de graduação
desinteressante; períodos de ausência nas aulas por causa de encontros, congressos e
jornadas. Breglia (2002) cita ainda que para alguns professores o entusiasmo criado pela
pesquisa é uma “faca de dois gumes”. O impasse, que às vezes se cria na divisão da carga
horária entre a pesquisa e as disciplinas, resulta em reprovação do aluno, com a
conseqüente perda da bolsa. Segundo os professores o trabalho precisa ser muito bem
dosado pelo orientador, porque existe a “tendência de um envolvimento mais intenso que
pode atrapalhar o desempenho acadêmico e pode ser que ‘o cara deixe de ir à aula, deixe de
estudar [...] ele esquece da vida e fica só trabalhando no projeto’” (BREGLIA, 2002).
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Desenvolvimento pessoal
Com relação ao desenvolvimento pessoal as pesquisas destacam algumas
“qualidades/habilidades” “despertadas” pela prática da pesquisa e “interiorizadas” para a
futura vida profissional, “quer na prestação de serviços ou na academia, principalmente”
(MALDONADO, 1998). Em maior número encontramos o raciocínio/pensamento crítico
(CABERLON, 2003; MALDONADO, 1998; CALAZANS, 1999; BREGLIA, 2002), a autonomia
(CABERLON, 2003; BREGLIA, 2002; BAZIN, 1983), a criatividade (MALDONADO, 1998;
BREGLIA, 2002; ALMA, 2003), a maturidade (AGUIAR, 1997; MALDONADO, 1998) e a
responsabilidade (AGUIAR, 1997; CABERLON, 2003). Os autores destacam ainda que a IC
favorece a “evolução intelectual do aluno”, o “fomento das capacidades interpretativas,
analíticas, críticas e contributivas do aluno” (CABERLON, 2003), “induz o bolsista a formar o
seu próprio juízo, a tornar-se dono de seu trabalho e construir uma opinião própria” (PIRES,
2002), e aprimora as “habilidades de liderança, facilidade nos relacionamentos
interpessoais, desenvolvimento de valores altruísticos” (FIOR, 2003). Aguiar (1997) discutiu
em maiores detalhes os benefícios da IC na promoção do amadurecimento/crescimento do
aluno.
“O processo de amadurecimento na faixa etária dos alunos de IC, se caracteriza pela crescente adoção de responsabilidades e atividades de produção. Na IC o estudante percebe que a sua atuação não é meramente figurativa, sente-se parte do andamento dos projetos. Ele quer sentir-se um pesquisador, um cientista, quer deixar de ser um espectador para ser um ator. Dos 29 alunos entrevistados, 65,2% deram depoimentos que evidenciam sinais de amadurecimento e um forte engajamento/ compromisso com o que fazem”. [...] “Os estudantes acham importante assumir responsabilidades crescentes, na medida em que estas se traduzam em forças de auto-realização” (AGUIAR, 1997, p. 94,95).
O trabalho de Bazin (1983) dá atenção especial ao desenvolvimento da autonomia
proporcionado pela IC. O autor acredita que no Ensino Médio a posição do estudante é
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“extremamente dependente, obediente”, que esse recebe o conhecimento dos outros
passivamente e que “essa maneira de transmitir um saber deixa as pessoas que vêm depois
numa situação dependente das pessoas que as precederam”. Enquanto no Ensino Superior
ocorre uma “ruptura” que consiste em “libertar os estudantes da atitude de perguntar ao
professor ‘é isso que o senhor quer?’” para chamá-lo na sala e contar “olha o que eu
encontrei, o que eu descobri”, mesmo assim o autor indica que nessa situação o que é
oferecido ainda está num “cardápio, pré-estabelecido”. Enquanto na IC, que seria a “etapa
seguinte do desenvolvimento intelectual”, o estudante aproveita sua curiosidade, seu
interesse pessoal e passa a dizer “é isso que eu quero conhecer”, além de ser o estudante
quem escolhe seu orientador e, conseqüentemente, a área da sua pesquisa.
Pires (2002) percebeu na cultura universitária que os “programas de IC acabam por
se tornar um símbolo de status que vai atrair um número cada vez maior de
alunos/candidatos”, esse ‘status’ se revela nas entrevistas realizadas pela pesquisadora por
meio de expressões como “ser considerado ‘bom naquilo que faz’” e “fazer as pessoas ‘te
verem de forma diferente’” o que sugere que essa atividade promove a auto-valorização e
auto-estima do bolsista, “reconhecida por ele, no olhar do outro, projetada no outro”.
Breglia (2002) também destaca esse aspecto quando diz que “alguns professores
ponderaram que o bolsista de IC se diferencia dos outros alunos em termos de ‘visibilidade
social’”, e justifica essa visibilidade pelo acesso e maior liberdade que o bolsista tem em
utilizar os recursos do laboratório, armários, internet, etc., o que lhe confere vantagens
frente aos alunos não-bolsistas. Uma das professoras entrevistadas por Breglia (2002) disse
perceber “o prestígio do seu bolsista em meio aos colegas, a admiração destes e dos
professores, o que evidencia que o bolsista conseguiu se destacar, principalmente através de
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jornadas, premiações, seminários, ocasiões propícias ao crescimento e visibilidade” desses
alunos.
Nova visão da ciência
Alguns autores indicam que a IC possibilita a compreensão do “fazer ciência”, através
da quebra do mito do ato de pesquisar (PIRES, 2002), da compreensão do papel do cientista,
da participação na construção do conhecimento científico (QUEIROZ; ALMEIDA, 2004;
CALAZANS, 1999), da apreciação pelo pesquisar – satisfação na produção do trabalho de
pesquisa e construção de sentidos quanto ao que é a pesquisa (CABERLON, 2003).
“O que queremos demarcar é que a possibilidade de vivenciar a pesquisa e conviver com um pesquisador põe o aluno em contato com a realidade da produção do conhecimento. De certa forma, o aluno passa a ter contato com uma questão maior e até epistemológica sobre o conhecimento, porque começa a perceber as contradições teóricas sobre determinados temas. Ele começa a perceber que o conhecimento que está nos livros pode ser temporário, que está sendo desconstruído e reconstruído a todo momento. O aluno percebe que não há verdades absolutas, como a graduação pode estar fazendo crer em certos momentos” (MALDONADO, 1998, p. 97).
Encontramos quatro trabalhos (CAMINO; CAMINO, 1996; AGUIAR, 1997; MELO,
2003; QUEIROZ; ALMEIDA, 2004) que deram maior atenção a essa contribuição da IC e
divulgaram resultados de pesquisas que confirmam essa potencialidade do trabalho
científico. Queiroz e Almeida (2004) realizaram uma pesquisa qualitativa do tipo etnográfica
com bolsistas de IC em laboratório de Química e concluíram
“[...] que a ‘imersão’ das alunas no laboratório de pesquisa, que permitiu torná-las aculturadas ‘à vida de laboratório’, trouxe grandes benefícios para a formação de cada uma delas à medida que as tirou da mesmice de concluir um curso de química sem ter a real noção de como se faz química, sem ter a chance de questionar conceitos tão arraigados na sociedade sobre o papel de cientista e de como se faz ciência. Além disso, a oportunidade de produzir o conhecimento científico, ou pelo menos ajudar de alguma forma seu processo de produção, via de regra apresenta-se ao estudante como uma oportunidade para participar de uma saga, a saga de produção científica, fortemente influenciada por suas atitudes, e que
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conduz ao erro, ao conflito, ao transtorno e também à alegria de encontrar algo tão ansiosamente procurado” (QUEIROZ; ALMEIDA, 2004, p. 53).
Camino e Camino (1996) entrevistaram trinta e seis alunos de graduação em
Psicologia da Universidade Federal da Paraíba (UFPb), dos quais vinte e dois eram alunos de
graduação, sendo dezesseis bolsistas de IC e catorze de mestrado. Quando perguntados
sobre o significado da Psicologia no seu cotidiano e quais suas expectativas em termos de
inserção na vida profissional, 65% dos alunos de graduação consideram a Psicologia uma
forma de conhecer-se a si mesmo e aos outros a fim de poder lidar melhor consigo mesmo e
com os outros. Enquanto nenhum bolsista de IC atribuiu esse significado à Psicologia e só
20% dos mestrandos consideraram a Psicologia como forma de lidar com as pessoas. Pelo
contrário “quase a totalidade dos bolsistas de IC e 2/3 dos mestrandos consideraram a
Psicologia como um campo de conhecimento científico enquanto que só 30% dos alunos de
graduação dá esse tipo de resposta”. Num segundo momento os alunos deveriam indicar a
ordem de importância na realização de suas expectativas a respeito dos diversos
conhecimentos que são adquiridos durante o curso. “Os alunos de graduação colocam o
conhecimento intuitivo no segundo lugar, muito perto do conhecimento teórico, e o
conhecimento científico em último lugar”. Já os bolsistas de IC e os mestrandos “situam o
conhecimento científico no segundo lugar e o intuitivo no terceiro, muito perto do último, o
conhecimento prático”. Esses dados sugerem que a IC favoreceu a adoção de uma nova
visão dos alunos frente ao campo de conhecimentos da Psicologia, visão essa mais próxima
daquela adotada numa perspectiva mais científica.
Melo (2003), em pesquisa sobre a influência da IC em Ensino de Matemática para a
formação do licenciado descobriu que a aluna viveu um processo de mudança ao participar
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da IC e manifestou que “ao desenvolver a Iniciação Científica em Álgebra Elementar, suas
idéias mudaram”.
“Essa mudança implicou a busca de um melhor domínio da matemática, em especial de álgebra elementar, possibilitando, sobretudo, um novo modo de vê-la. Ou seja, de uma visão de matemática fortemente formalista, isto é, exata, a-histórica e essencialmente lógica, ao nível do discurso, para uma visão de matemática histórica, construtiva e conceitual. Graças a essa mudança, vem buscando também a construção de uma metodologia de ensino compatível com essa nova concepção, a qual vem sendo tecida em função das condições de trabalho de que dispõe para sua melhoria” (MELO, 2003, p. 193).
Calazans (1999), por meio de entrevistas obteve o seguinte depoimento de um
bolsista de IC, sobre a organização dos dados na pesquisa: “compreendi que a escolha dos
dados relevantes, feita pelo investigador, pressupõe uma interpretação da realidade, que
traz embutida valores, posturas e a própria visão de mundo de quem pesquisa. Percebi,
assim, que não existe neutralidade científica, pois tudo passa pelo filtro de quem vê e tenta
especificar o que vê”.
Aguiar (1997) questionou bolsistas de IC a respeito das suas concepções sobre a
ciência e os cientistas; 65,5% disseram que desconheciam o ambiente da ciência antes do
engajamento no programa de IC, e “alguns consideraram suas concepções anteriores sobre
ciência distorcidas mas, posteriormente, modificadas com o maior contato com a ciência
através da IC” (34,5% dos entrevistados).
Socialização profissional
Aguiar (1997) percebeu que quando perguntados sobre sua produção científica, os
alunos de IC não se limitaram a declarar o número de trabalhos produzidos e apresentados,
eles demonstravam, também, satisfação de concretizar essa etapa da atividade científica.
Segundo Aguiar “o estudante tem prazer em ver seu trabalho publicado e apresentado aos
seus colegas de IC, pós-graduandos e professores”, esse “seria um caminho de socialização
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profissional, pois [o aluno] começa a ser reconhecido, considerado pelos colegas e membros
do laboratório e departamento a que pertencem”. A socialização profissional representa “a
experiência do contato direto com seu orientador, pós-graduandos e outros graduandos
com suas experiências profissionais diversas”, além do contato com a sociedade científica
externa à universidade (promovido em eventos, reuniões), essas experiências “enriquecem
sobremaneira o aluno e, de forma rápida, produzem resultados surpreendentes em sua
formação” (BERNARDI, 2003).
“A Jornada de Iniciação Científica apareceu muito citada como momento privilegiado pelos bolsistas para apresentarem seus trabalhos e demonstrarem seu crescimento na maneira como os apresentam. Mas, não há só o privilégio da Jornada: as reuniões de trabalho e os seminários também são valorizados como ‘espaços comunicativos’, o que leva a constatar que a interlocução e as trocas coletivas também estão na essência da iniciação científica” (BREGLIA, 2002, p. 144).
Ainda sobre a importância na participação em congressos, Carvalho (2002) defende
que “além de apresentar os resultados alcançados, esses congressos constituem um espaço
singular, onde são referendados os comportamentos adquiridos ao longo da realização da
pesquisa”.
“Os congressos de IC, freqüentemente, contam com a presença de um grupo bastante diverso de pessoas. Por entre os painéis expostos pelos bolsistas circulam orientadores, consultores externos, alunos, familiares e demais bolsistas. Os congressos de IC constituem assim espaço heterogêneo, no qual o bolsista permanece sob constante análise pública. Nesses eventos, cria-se uma atmosfera especial, onde as definições normativas de modos de conduta ‘esperados’ são amplamente pronunciadas. Os congressos funcionam como uma espécie de ‘rito de iniciação’ para os bolsistas, organizando a classificação das posições ocupadas pelos indivíduos naquele microcosmo social. O seu ápice ocorre quando os consultores avaliam os trabalhos expostos pelos bolsistas. [...] Os congressos de IC assumem, portanto, uma função de suma importância para a socialização dos bolsistas PIBIC. Esses encontros, além de desempenharem a função de avaliação quanto ao mérito dos trabalhos, contribuem para que os participantes assimilem a noção de responsabilidade” (CARVALHO, 2002, p.132,135).
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A aproximação da relação professor-aluno é discutida por muitos autores como
extremamente benéfica tanto para o aluno quanto para o professor, uma vez que esse
contato não se restringe apenas a discutir aspectos do projeto desenvolvido, mas o
relacionamento próximo com o orientador contribui para a troca de informações e
experiências pessoais (FIOR, 2003; TUNES, 1992; SIMÃO et al., 1996; BETTOI, 1995;
PERRELLI; GIANOTTO, 2005; PIRES, 2002; CAMINO; CAMINO, 1996; CABERLON, 2003;
AGUIAR, 1997; BREGLIA, 2002).
“O orientador de pesquisa é a pessoa que, ao interagir com o aluno, faz a mediação de um complexo processo de criação. Ele não treina o aluno apenas, posto que pesquisar não é somente dominar técnicas. Também não apenas transmite informações ao aluno, haja vista que, para pesquisar, não basta deter informações. A aprendizagem das atividades de pesquisa não é, portanto, um resultado imediato do domínio de técnicas e informações; é uma conseqüência imediata das ações do orientador. Na verdade, o orientador modela um artista e, por isso, o seu trabalho é duas vezes criativo e também duplamente complicado: criar o criador. Na sua relação com o aluno, o orientador acaba por conseguir fazer com que este chegue ao produto lógico, racional, cientificamente aceito. Mas os processos porque passam um e outro – o primeiro, na criação, produção ou construção do conhecimento, e o segundo, na sua ação mediadora – não são tão lógicos ou tão racionais quanto alguns manuais de metodologia de pesquisa querem fazer acreditar. Razões afetivas e culturais, crenças, ideologias e valores permeiam o tempo todo as atividades de produção de conhecimento, bem como as ações de mediação de instrumentos, dirigidas a outra pessoa, para aquela produção” (TUNES, 1992, p. 23).
O orientador, segundo Bettoi (1995), representa a única referência do aluno em
relação aos “critérios de aprovação de uma comunidade científica distante e, até certo
ponto abstrata”, sendo ele o único responsável pelo processo de formação do pesquisador.
Perrelli e Gianotto (2005) por meio de entrevistas com quarenta professores universitários
das áreas de Ciências Biológicas e da Saúde – sendo vinte da Universidade Católica Dom
Bosco (UCDB) no Mato Grosso do Sul e vinte da Universidade Estadual de Maringá (UEM), no
Paraná – verificaram que a maioria dos docentes procura orientar os acadêmicos “a fim de
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torná-los aptos a obedecer às regras, métodos e processos consagrados” do campo científico
estudado, se referindo à mediação entre o aluno e a comunidade científica. Segundo
Carvalho (2002) na relação com os orientadores “os bolsistas deixam-se socializar, segundo o
aprendizado e a internalização do habitus”, e isso ocorre principalmente, porque os bolsistas
“sabem, implicitamente, que estão adquirindo os instrumentos necessários à apropriação
dos bens simbólicos e os códigos que permitem decifrá-los no campo científico”.
Pires (2002) descreve a relação professor-aluno como um processo de
desmistificação, em que “desmistificar a relação significa trazê-la para o cotidiano, criar
intimidade”. E aponta uma forma de revelar essa proximidade através dos discursos entre
bolsistas e orientadores:
“[...] o deslocamento do argumento da autoridade do professor para o diálogo, para a troca de opiniões entre pessoas, que no convívio, estão buscando os objetivos de um projeto comum, buscando aprender. O professor, que também se compreende como um estudante, usa no lugar do recurso autoritário um argumento mais convincente que é o exemplo [...]” (PIRES, 2002, p. 95 – grifo do autor).
Pires (2002) também destaca o aperfeiçoamento da formação humanística como
contribuição da relação entre o aluno e o professor-orientador; e ela defende que “ouvir e
argumentar são requisitos fundamentais em qualquer profissão, particularmente na de
professor e do cientista”. E acrescenta que o “convívio em grupo, na busca de objetivos
comuns, desenvolve no bolsista o sentimento de cooperação, de onde nasce a tolerância
para ouvir e aceitar críticas”. Essa autora também relaciona a contribuição da IC na
desmistificação da relação aluno/professor com a questão das publicações e da participação
em eventos acadêmico-científicos,
“Com essa proximidade da relação, orientador e bolsista se reconhecem como parceiros, onde o orientador é o parceiro critico, mas o bolsista é co-autor de tudo que venha a ser produzido e publicado com a sua
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participação intelectual. Nessa condição, o reconhecimento público passa a ser uma postura imprescindível do orientador para com a formação do bolsista, para que este apreenda valores éticos [...]” (PIRES, 2002, p. 99 – grifo do autor).
Ainda sobre o aspecto afetivo da relação orientador-bolsista, Carvalho (2002)
defende que esse aspecto pode mitigar e esconder as relações de poder existente entre os
envolvidos, “nas entrevistas, pode-se perceber que os laços de amizade, por exemplo, foram
citados pelos bolsistas, como algo que ameniza o caráter de poder presente no
relacionamento com o orientador”. Esse autor também destaca que “os bolsistas que
melhor se relacionavam com seus orientadores eram justamente os que optaram pelo
ingresso futuro em cursos de pós-graduação”.
Outro aspecto relativo à relação professor-aluno foi apontado por Bettoi (1995).
Segundo ela, a entrevista com uma ex-bolsista de IC e ex-aluna do curso de Psicologia da
PUC de São Paulo sugere que a situação de orientação é significativamente diferente da sala
de aula, “particularmente quanto ao envolvimento no trabalho junto ao aluno”. Em sua
pesquisa ela percebeu que a orientadora foi “responsável por manter a motivação para a
pesquisa” e mostrou-se uma “figura que ultrapassa a sala de aula, vai além do circuito da
graduação e promove um tipo de relacionamento bastante diferente do que acontece entre
professor e aluno em sala de aula”. Também na área da Psicologia, Camino e Camino (1996)
entrevistaram alunos bolsistas, não-bolsistas e mestrandos e perceberam a distinção entre
as percepções dos alunos que realizavam pesquisa com relação aos outros:
“Pedia-se aos alunos para ordenar diversas qualidades possíveis dos professores em função da importância destas para a realização das expectativas dos alunos. [...] Os alunos de graduação colocam as qualidades pessoais do professor em segundo lugar. Já os bolsistas de IC colocam a capacidade produtiva do professor no segundo lugar perto das qualidades acadêmicas. Finalmente os mestrandos atribuem o primeiro lugar a capacidade produtiva e o segundo as qualidades acadêmicas. Tanto os
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bolsistas de IC como os mestrandos deixam bem distantes, no terceiro e quarto lugar as qualidades pessoais e profissionais respectivamente” (CAMINO; CAMINO, 1996, p. 51,59).
Além do orientador, a convivência com as outras pessoas do grupo também contribui
para a socialização profissional e favorece o bom desenvolvimento das atividades de IC. Em
pesquisa com estudantes de Ciências Biológicas da Universidade Federal do Rio de Janeiro
(UFRJ), Aguiar (1997) descobriu que “a orientação dos estudantes é também compartilhada
com os demais membros do laboratório, aí incluídos professores associados e pós-
graduandos”. Esse processo foi denominado pela autora “orientação em cascata”: “o chefe
do laboratório e o professor associado orientam os pós-graduandos, e estes, os estudantes
de iniciação científica”. Apesar do chefe do laboratório compartilhar a orientação dos
estudantes de IC, ele continua responsável por ela. Segundo a autora “tal arranjo permite
que a unidade de pesquisa absorva o maior número de estudantes de IC, e ao mesmo tempo
cria condições para que o estudante de pós-graduação comece desde cedo a preparar-se
para no futuro, orientar seus próprios estudantes”. Ela percebeu também que os diferentes
membros do laboratório participam em proporções distintas na orientação das diversas
etapas do trabalho.
“Os resultados indicam que usualmente o estudante e seu orientador decidem juntos o que fazer e o estudante realiza os experimentos (67,5%). Com menor freqüência o orientador também participa dos experimentos: orientação compartilhada (31,8%) [...] o planejamento dos experimentos e a discussão/análise dos resultados são atividades prevalentes compartilhadas com os demais membros do laboratório. Já o trabalho individualizado de bancada (56,2%) é uma das características mais marcantes da atividade do estudante de IC. Essa circunstância o condiciona a construir os protocolos experimentais, a dominar o uso de instrumentos e equipamentos e a organizar a coleta e registro dos dados. [...] ao menos uma vez por semana, 69,3% dos alunos se reúnem com o orientador para que sejam determinadas as estratégias a serem seguidas e também, após a realização dos experimentos, para discussão dos resultados obtidos (69,3% dos alunos). Entretanto [...] mais da metade dos alunos (51,1%) raramente ou nunca fez experimentos com o orientador” (AGUIAR, 1997, p. 72).
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2.3.2. Avaliação do PIBIC com relação aos objetivos almejados pelo programa
Assim como previsto nos objetivos iniciais do PIBIC, a adoção das cotas institucionais
trouxe grandes contribuições para a universidade no sentido de fortalecer a pesquisa e a
qualificação do corpo docente. Segundo Pires (2002), “a IC contribui para institucionalizar a
pesquisa e a avaliação na universidade”, e fomenta a formação de grupos de pesquisa “que
constituem a principal base para a implantação de programas de pós-graduação nas
universidades públicas”. A IC contribui diretamente para a qualificação do corpo docente da
universidade, através da atividade de orientação, porque a atividade orientada “desafia o
orientador a estar constantemente estudando, para indicar caminhos às indagações do
bolsista, o que acaba por estimulá-lo a continuar se qualificando como docente”; “enriquece
a dinâmica da sala de aula com exemplos de situações vivenciadas pelo orientador, no dia a
dia, na própria instituição ou no seu entorno, em parcerias com outras instituições, públicas
ou privadas, retro-alimentando a sala de aula”; e motiva “o processo de pesquisa, como
construção própria, incentivando sempre a iniciativa do aluno, acompanhando e observando
o seu desenvolvimento”. Além disso, a IC contribui para estimular a produção e publicação
acadêmico-científica de seus participantes, tendo em vista que “o estímulo do orientador
para sua produção acadêmico-científica advém da atividade de pesquisa e de orientação aos
alunos da universidade” (PIRES, 2002).
Carvalho (2002) na análise de dados fornecidos pelo CNPq verificou que “as
instituições que mais recebem bolsas PIBIC são as que possuem os melhores programas de
pós-graduação”. Além disso, o autor destaca outras características do PIBIC que também
indicaram contribuições para a graduação brasileira, entre elas, destaca as mais
significativas:
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“criação de ambiente mais propício à formação científica; maior estímulo aos pesquisadores já produtivos; comprovação da possibilidade de se realizar pesquisa no contexto da graduação, dentro dos parâmetros acadêmicos; instauração e disciplinamento de critérios de apresentação e de avaliação de projetos, com a introdução da avaliação externa, contribuindo para a disseminação dos conhecimentos alcançados; dinamização do entrosamento dos alunos de graduação com a pós-graduação e melhor qualificação dos candidatos aos cursos de mestrado e doutorado; maior grau de integração entre as instituições; criação de programas próprios de IC que se submetem a procedimentos de inscrição, seleção e acompanhamento similares aos do PIBIC” (CARVALHO, 2002, p. 147).
Yamamoto e Fernandes Jr. (1999) descrevem as alterações provocadas pela
introdução do programa PIBIC na Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN) e
destacam que “embora não o único, certamente foi um dos fatores mais importantes na
institucionalização da pesquisa em nossa universidade”. Uma análise do balanço de um
período de apenas cinco anos (1992-1996), revelou que a UFRN passou por um acréscimo da
proporção de docentes envolvidos em pesquisa e aumentou também a produção científica
(YAMAMOTO; FERNANDES Jr., 1999). Para esses autores se um Programa Institucional de
Bolsas de Iniciação Científica, “tal como proposto pelo CNPq, é importante para qualquer
instituição universitária, é imprescindível para as IES menores, periféricas e com pouca
tradição de pesquisa”.
Iniciação Científica no encaminhamento profissional
No âmbito do CNPq, enquanto agência de fomento da pesquisa no Brasil, fica
bastante claro que o objetivo da IC é “despertar a vocação científica e incentivar talentos
potenciais entre estudantes de graduação, mediante sua participação em projetos de
pesquisa, preparando-os para o ingresso na pós-graduação; contribuir de forma decisiva
para reduzir o tempo médio de titulação de mestres e doutores” (SILVA; CABRERO, 1998 –
grifo nosso). Esse objetivo está presente, entre outros espaços, nos documentos de
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avaliação produzidos pelo CNPq, como aqueles já citados, na tentativa de verificar o destino
dos ex-bolsistas, o tempo para o ingresso e conclusão da pós-graduação. Em estudo recente,
Cabrero, Costa e Hayashi (2006) comparam a “trajetória de mestrandos e doutorandos” dos
Estados Unidos, que concluem o doutorado com 28 anos e 32 anos na área de Sociologia,
com os brasileiros que, em 1995, “estavam defendendo as teses, em média, com 40 anos”, e
destacam a necessidade de alterar o quadro da pós-graduação brasileira, “um mecanismo
que muito contribuiu para alterar o quadro apresentado foi a concessão de bolsas de
Iniciação Científica”. Consta no informativo do PIBIC (1998 apud CABRERO; COSTA; HAYASHI,
2006) que
“[...] no sentido de contribuir para que este tempo de titulação de mestres e doutores seja reduzido, o CNPq vem investindo de forma maciça, desde a década de 50, em iniciação científica, despertando no jovem universitário uma nova mentalidade em relação à pesquisa, propiciando-lhe aprendizagem de novas técnicas e métodos científicos”.
Neder (2001) em extensa avaliação da IC como ação de fomento do CNPq, acredita
que “o PIBIC vem mostrando a eficácia da IC sobre a formação do futuro pesquisador” e “o
poder incentivador que exerce sobre as IES na ampliação e consolidação de núcleos de
pesquisa”. Esses dados são confirmados pela pesquisa de Aragón, Martins e Velloso (1999),
na qual foi possível revelar as chances diferenciadas que um ex-aluno bolsista do PIBIC tem
de iniciar uma pós-graduação, demonstrando que a oportunidade é cerca de seis vezes
maior para um ex-bolsista do que para um graduado não bolsista e que “3 em cada 10
bolsistas PIBIC chegam ao mestrado [...] o prazo médio de transição entre a conclusão da
graduação e o ingresso no mestrado, para um ex-bolsista PIBIC é de 1,2 ano”, enquanto para
os não-bolsistas chega a 6,8 anos em média. Em seu trabalho, Neder (2001), tinha como
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objetivo analisar alguns resultados do PIBIC como forma de incentivo à carreira científica, e
apresentou como conclusão que:
“O quadro da pós-graduação brasileira que se desenha neste momento, como foi encontrado nesse trabalho, mostra que o PIBIC participa dele positivamente e vem alcançando seus objetivos. Seus egressos são, em média, seis anos mais jovens que o conjunto dos mestrandos, e dez anos mais jovens que o conjunto dos doutorandos no país, além de reduzirem o tempo de permanência na pós-graduação ao realizarem seus cursos. Apesar desses resultados obtidos, os números da participação de seus egressos nesse universo ainda não são suficientes para causar mudanças no perfil dos titulados. Esse fato, porém, pode estar relacionado com o pouco tempo de existência do PIBIC e, com seu número anual de concessões de bolsas que, somente a partir de 1995, se tornou mais expressivo. Ainda assim, o total de concessões anuais do PIBIC atinge apenas 1,9% do número de matriculados nas IES públicas” (NEDER, 2001, p. 85).
Além dos dados do CNPq, obtidos a partir da pesquisa de Aragón, Martin e Velloso
(1999) sobre a relação entre o PIBIC e a pós-graduação encontramos também o trabalho de
Cabrero, Costa e Hayashi (2003) que em pesquisa recente realizada na UFSCar mostra que
aproximadamente 60% dos egressos do PIBIC se dirigem para o mestrado na própria
instituição, e acrescentam que “ainda em termos de pesquisas preliminares, acredita-se que
mais de 40% dos egressos do PIBIC/UFSCar, que finalizaram a bolsa entre 1994 e 1998
defenderam a dissertação de mestrado e/ou tese de doutorado”. Os autores acrescentam,
ainda, que “esses números devem ser ampliados, pois parte dos egressos do PIBIC não se
dirigem de imediato para os cursos de mestrado e doutorado. Desta forma, os números da
UFSCar são promissores”.
Macacariello, Novicki e Castro (1999) investigaram a IC na Universidade Estadual do
Rio de Janeiro (UERJ) e destacaram como um indicador do sucesso alcançado pelo PIBIC o
número de ex-bolsistas de IC que ingressaram em programas de pós-graduação. Segundo
eles um levantamento preliminar (1997/1998) verificou que cerca de 22% dos estudantes
graduados pela UERJ que ingressaram em programas de pós-graduação da instituição foram
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detentores de bolsas de IC, “essa cifra é quase 10 vezes maior que a proporção de bolsistas
entre os alunos matriculados”.
Camino e Camino (1996) também divulgaram dados animadores sobre os resultados
do PIBIC e das bolsas por demanda espontânea (balcão) na UFPb que tiveram início em
1988. Comparando os anos de 1985 e 1993 os autores observaram um decréscimo na idade
de ingresso do mestrado de 30,6 para 28,4; a porcentagem de teses defendidas aumentou
de 20 para 87,5%; e a duração do mestrado diminuiu de três para 2,5 anos. Além disso, a
média da publicação discente é de um por aluno e a de participação em Congresso é de dois
por aluno, os autores justificam esses índices pelo fato de que “boa parte dos atuais alunos
começam a divulgar o que produziram enquanto bolsista de IC”. E destacam que
“[...] se por um lado, os alunos estão ingressando no mestrado bem mais jovens e praticamente recém-graduados, por outro lado, graças à experiência obtida durante a bolsa nas atividades de pesquisa, estes jovens estão se mostrando mais produtivos e garantindo a defesa da dissertação em menor tempo” (CAMINO e CAMINO, 1996, p. 51).
É inegável que a IC encaminha para a vida acadêmica – pós-graduação – e permite,
de maneira única, ao aluno vivenciar essa possível opção de atuação profissional, antes
mesmo de ele estar formado.
“[...] o aluno de IC, via de regra e na medida do possível, faz sua opção por seguir a carreira científica antes mesmo de concluir a graduação e, assim, o faz em detrimento de buscar um emprego junto ao mercado de trabalho, referente ao campo de atuação da profissão para a qual está se graduando. Este fato força a entrada do aluno na pós-graduação, tão logo termine a graduação; em muitos casos já passa em seleção para o mestrado, antes mesmo de se formar” (COSTA, 1996, p. 19,20).
De modo geral as contribuições da IC para a formação do pesquisador se refletem no
encaminhamento do aluno para a pós-graduação e também na agregação de qualidade aos
cursos de pós-graduação, como defendido por Guimarães (1992), aqueles bolsistas “que
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seguirem para a pós-graduação vão compensar isto largamente na redução do tempo médio
de titulação, na menor taxa de evasão, na eliminação do mestrado como etapa obrigatória
para o doutorado, além de sensível melhora qualitativa do trabalho experimental”. Leitão
Filho (1996) justifica a “economia de tempo” propiciada pela IC
“[...] em função do treinamento anterior que lhes deu familiaridade com técnicas básicas de consulta bibliográfica, metodologia científica, uso de equipamentos de laboratório e informática, maior fluência em leitura em língua estrangeira. Além destas vantagens, normalmente bolsistas de IC já estão familiarizados e envolvidos no projeto de tese, o que representa um avanço nada desprezível” (LEITÃO FILHO, 1996, p. 21).
Vários pesquisadores acreditam que a IC é um poderoso instrumento de
direcionamento para a carreira acadêmica, segundo Campos (1998) 53,13% dos alunos
“enxergam a IC como uma oportunidade para iniciar a carreira de pesquisador”. Bridi (2004),
por meio de questionários distribuídos entre docentes identificou que “42,8% revela o
entendimento que a maior contribuição da IC se dá em relação ao ensino de pós-graduação,
em termos, tanto de ‘encaminhamento/ingresso’ como de ‘facilitação/agilização’ de seu
desenvolvimento”. Neder (2001), em análise dos resultados sobre IC publicados pelo CNPq
observou que entre os bolsistas entrevistados, quase 100% consideraram importante ou
muito importante participar do PIBIC, “visto como ‘instrumento’ para o exercício profissional
no meio acadêmico”, e para mais de 50% dos entrevistados “a participação no PIBIC
representou a oportunidade de introduzir-se em atividades de pesquisa”. Pesquisadores
entrevistados por Oaigen (1995) citam a participação em atividades de IC como um dos
“aspectos facilitadores para a formação como pesquisador”, e “momentos importantes em sua
vida de estudante que marcaram a sua definição pelo exercício da pesquisa como profissional”.
Segundo Breglia (2002), 76,9% dos entrevistados preferiram a resposta afirmativa quando
questionado sobre a influência da IC na opção pela atividade profissional. Pires (2001)
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acredita que a IC contribui para que a perspectiva do aluno, em dar continuidade a sua
formação, após a conclusão da graduação, seja alcançada, porque:
“[...] representa um instrumento de tomada de decisão do bolsista, ajudando-o a definir um rumo e a criar estratégias, no vasto e diversificado currículo dos cursos da graduação; possibilita ao bolsista ter o exemplo do orientador como referência para a construção de seu futuro profissional, induzindo-o ao ingresso direto no mestrado ou até mesmo no doutorado; cria no bolsista a percepção de que tem maior probabilidade que os demais em concretizar o projeto após o curso, tornando-se mais competitivo; os alunos não-bolsistas também fazem planos de ingressar numa pós, mas muitos deles não sabem, ainda, como fazer ou porque fazer um mestrado; permite ao bolsista o diálogo entre áreas diferentes, a do curso e a do projeto, abrindo-se um leque de possibilidades de formação para o exercício futuro de qualquer profissão” (PIRES, 2001, p. 131).
Camino e Camino (1996), por meio de entrevistas com alunos de graduação bolsistas
e não-bolsitas e alunos de mestrado perceberam que “o perfil do aluno de graduação,
bolsista de IC, é semelhante ao do aluno do mestrado”. Para os autores, “essa semelhança
parece indicar que as mudanças de atitude são determinadas não pelo nível da formação,
mas pela prática de pesquisa”. Como resultado de sua análise, Carvalho (2002) indica que “o
contato com as atividades de pesquisa e o relacionamento com o orientador envolvem os
bolsistas na lógica de funcionamento do campo científico, conduzindo-o aos interesse pela
continuidade na carreira acadêmica”. Os dados também sugerem, segundo o autor, que o
interesse em seguir a carreira científica tende a ser maior para os bolsistas que participam
de pesquisas que são desenvolvidas pelos orientadores, ou seja, a participação em uma
pesquisa já consolidada “parece levar a uma melhor compreensão das diversas
possibilidades do campo científico, tais como o alcance de resultados satisfatórios,
oportunidades de publicação, participação em eventos, reconhecimento social, entre
outras”, indicando que a melhor compreensão do campo científico, suas regras e seus
possíves “lucros simbólicos” favorece o interesse pela área (CARVALHO, 2002).
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Apesar do encaminhamento para a pós-graduação ser um dos principais objetivos da
IC, e conseqüentemente esse encaminhamento representar a principal contribuição dessa
atividade apontada pelas pesquisas consultadas, muitos autores (BREGLIA, 2002; ALMEIDA,
1996; BERNARDI, 2003; GUIMARÃES, 1992; DURHAN, 1992; MALDONADO, 1998; BRIDI,
2004) destacam também a contribuição da IC para a atuação profissional dos bolsistas fora
do ambiente da pesquisa.
“A IC é um momento para o bolsista desenvolver seus conhecimentos científicos e específicos, ter contato com a prática, ampliar conhecimentos numa área profissional, começar sua carreira acadêmica, estabelecer contatos com professores e pesquisadores qualificados, ter a possibilidade de trabalhar em grupo, além do crescimento pessoal. [...] Esses conhecimentos, segundo professores e alunos, são importantes tanto para universitários que pretendem seguir carreira acadêmica, como para os que têm intenção de direcionar sua vida profissional fora da instituição de ensino superior. É a identificação do papel pedagógico da IC que motiva uma formação abrangente por parte do aluno” (BRIDI, 2004, p. 79).
Ao entrevistar professores-orientadores, Breglia (2002) percebeu que para eles “a
vivência da pesquisa é um diferencial para o que chamam de ‘mercado de trabalho’” e
destaca que nessa perspectiva a IC “é vista pelos professores como uma possibilidade de
trabalho e aprendizado sem o clima competitivo e de pressão constante de um estágio”.
Bridi (2004) constatou que 87,2% dos sujeitos consultados em sua pesquisa acreditam que a
IC proporciona benefícios profissionais, 38% acreditam que a IC amplia o conhecimento de
uma área profissional, 24,4% entendem a IC como uma oportunidade de iniciação na
carreira acadêmica, encaminhando o aluno para uma pós-graduação, 24,4% consideram a IC
como uma oportunidade para valorizar o currículo profissional e 17,7% acreditam que a IC
proporciona um direcionamento na carreira profissional na medida em que o estudante
pode, através dessa atividade, vislumbrar uma área de interesse profissional.
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Maldonado (1998) questiona o fato do encaminhamento “precoce” dos profissionais,
ex-bolsistas, para os cursos de pós-graduação, surgir como a principal contribuição da
atividade de IC, para ela a principal contribuição está na sensibilização para a pesquisa com
todos os sub-produtos envolvidos, “como desenvolvimento da capacidade de argumentação,
de abstração, de criação de problemas, do raciocínio crítico, ou seja, o desenvolvimento do
habitus científico”, assim a IC contribui também para a prática profissional daqueles alunos
que não prosseguem na carreira acadêmica “por formar um indivíduo mais crítico, com
maior capacidade questionadora e mais criativo”, características essas que “são
fundamentais para conquista de maior autonomia profissional e legitimidade social num
mercado de trabalho tão adverso”.
Guimarães (1992), representante do CNPq, afirmou ter conhecimento de que poucos
bolsistas seguem a carreira científica e para ele “isto não faz mal nenhum”, pois “o período
que o estudante teve numa atividade de iniciação científica, num grupo bom, foi importante
para sua carreira profissional ou para sua formação acadêmica e aperfeiçoamento
profissional”. Com relação ao fato de que poucos bolsistas seguem carreira de pesquisador,
Durhan (1992) defende um ponto de vista coerente e interessante
“[...] a universidade e as instituições de ensino superior, de um modo geral, não podem apenas formar o pesquisador-profissional – este é uma minoria no mercado de trabalho. Se pensarmos em transformar todos os estudantes que se envolvem em pesquisa em pesquisadores profissionais, ficará difícil inserir a pesquisa na universidade. Uma parte destes estudantes não se interessa: além disso, é uma situação irreal para o país. [...] A pesquisa deve, então, ser tratada como atividade integrante da formação do estudante. [...] A idéia de treinamento em pesquisa é esta capacidade de pensar criativamente dentro de uma atuação profissional qualquer, e de ter a capacidade, dentro de uma atuação profissional qualquer, de utilizar os instrumentos de que se dispõe, dentro do contexto em que se vive, para produzir algo relevante, mesmo na área de ensino” (DURHAN, 1992, p. 118).
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Almeida (1996) também defende essa posição ao afirmar que “poucos são os alunos
que na universidade escolhem a atividade de pesquisador como especialidade profissional”.
Mesmo assim, para ela, todos os alunos devem desenvolver uma “atitude científica em suas
profissões e atuações profissionais futuras”, pois a IC irá preparar o aluno “para uma atuação
profissional mais crítica e autônoma, dando-lhe condições de enfrentar, com maiores
chances de sucesso, as novidades científicas de sua profissão”.
2.3.3. Caracterização de algumas particularidades d o desenvolvimento da Iniciação
Científica
Apesar dos programas oficiais trazerem as principais diretrizes para o
desenvolvimento dos programas nas universidades, existem algumas diferenças na maneira
como as mesmas são seguidas, pelo menos nas IES que foram alvo de investigação nos
últimos anos e que tiveram algumas características dos seus programas de IC divulgadas em
dissertações, teses e artigos científicos. Essas diferenças revelam que apesar de seguir os
procedimentos oficiais – produção de projeto de pesquisa, participação em congresso,
elaboração de relatório, etc. – o desenvolvimento do trabalho é determinado
principalmente, ou quase exclusivamente, pelo orientador. Esse fato, por si só, comporta
diferentes formas de condução da pesquisa com relação ao tipo de atividade, seleção do
bolsista, dificuldades encontradas, entre outras. São algumas dessas particularidades que
discutiremos a seguir com base no resultado das pesquisas encontradas no levantamento
bibliográfico realizado.
Atividades desenvolvidas
Nem sempre os bolsistas vivenciam todas as etapas da realização de uma pesquisa
científica, uma vez que essa costuma envolver uma ampla gama de atividades: levantamento
bibliográfico, elaboração do projeto de pesquisa, realização de experimentos visando coleta
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de dados, análise e discussão dos resultados obtidos, considerações sobre perspectivas
futuras da pesquisa, etc. Caberlon (2003) estimou a porcentagem de participação dos
bolsistas nas diferentes etapas da pesquisa científica e apontou a existência de uma
concentração dos alunos de IC em atividades como “revisão bibliográfica”, “coleta de dados”
e “tabulação de dados”. Poucos são aqueles que participam da elaboração do “referencial
teórico” e da “sistematização e avaliação de resultados”. A autora questiona “quais as razões
impeditivas para sua atuação nessa esfera significativamente favorecedora de exercícios da
autonomia de pensamento e diálogo”. Uma possível justificativa é apresentada por
Maldonado (1998):
“Ao definir as principais atividades realizadas pelos bolsistas, os professores exprimem um dilema. Referem uma preocupação em fazer com que o aluno participe de todas as etapas da pesquisa, mas reconhecem que, às vezes, a falta de experiência ou o curto tempo das bolsas dificulta, mas não impede, a participação na análise do material coletado. [...] A preocupação refere-se justamente à possibilidade de estar permitindo que o aluno estimule seu potencial de criatividade e pensamento crítico, ao invés de agir como ‘tarefeiro’, que somente cumpre as orientações de quem está pensando” (MALDONADO, 1998, p. 90).
Além dessa questão, Simão e colaboradores (1996) reconheceram dois “modelos” de
inserção do aluno na pesquisa desenvolvida pelo grupo coordenado pelo professor-
orientador: o “projeto individual” e o “projeto integrado”. No “projeto individual”, professor
e aluno iniciam o processo de discussão de um problema de pesquisa e a partir daí, o aluno
participa de todas as etapas da elaboração de um projeto de pesquisa. No “projeto
integrado”, o aluno se engaja em algum projeto já existente no grupo de pesquisa do
professor, vindo a desenvolver efetivamente partes de uma pesquisa em andamento, tendo,
entretanto, acesso ao conhecimento de todo o projeto. Os autores destacaram que “em
alguns casos, o aluno se engaja inicialmente num projeto integrado e, posteriormente, com
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base em questões oriundas, passa a desenvolver um projeto individual”. Freqüentemente a
inserção inicial num “projeto integrado” serve como forma de verificar a intenção e
persistência do aluno na realização da pesquisa, num segundo momento a solicitação da
bolsa para esse aluno se dá por meio do “projeto individual”. Carvalho (2002) também
investigou a questão e através dos dados da pesquisa conduzida pelo NESUB da UnB e
coordenada por Aragón, Martins e Velloso (1999), constatou que cerca de 51,9% dos
projetos de pesquisa da IC eram parte integrante de pesquisa maior do orientador, 35,1%
dos projetos eram projetos individuais vinculados à pesquisa do orientador e apenas 13%
dos projetos eram individuais e não estavam vinculados a uma pesquisa do orientador.
Motivação para a pesquisa
Campos (1998) por meio de entrevistas com 28 universitários de uma IESP do Estado
de São Paulo matriculados em programas de IC não-governamentais percebeu que, no geral,
os bolsistas “sentem-se muito motivados para participar da IC (68%) e apontam que a
necessidade de pesquisas e produção do conhecimento para a área de estudo dos mesmos é
muita (36%) e extrema (50%)”. Aguiar (1997) investigou alunos da UFRJ matriculados em
cursos da área de Ciências Biológicas que participavam de IC, e obteve resultados que
confirmam os altos índices de motivação encontrados por Campos (1998), segundo a autora
“70,1% dos alunos procurou a IC por iniciativa própria e um percentual menor foi convidado
por um professor (29,9%) ou membro do laboratório”. Ao investigar a motivação dos alunos
a autora obteve os seguintes resultados:
“O projeto de ser cientista, pesquisador ou a futura profissão estavam presentes de maneira bem definida nos depoimentos. [...] As motivações para o ingresso nas atividades de IC tem muitas vezes raízes que precedem o ingresso dos alunos na universidade: alguns alegam preferências pela pesquisa que remontam à sua infância [...] onde já despontavam a inclinação, gosto, jeito ou interesse pela atividade científica ou outra profissão” (AGUIAR, 1997, p. 92).
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Outros autores (CABERLON, 2003; MALDONADO, 1998; PIRES, 2002; MACCARIELLO;
NOVICKI; CASTRO, 1999) investigaram os possíveis motivos que levam os alunos a participar
de programas de IC. As principais razões são: a “complementação do ensino de graduação”,
por meio da “busca/ampliação de conhecimentos” (CABERLON, 2003); o desenvolvimento
de “habilidades na área do curso de graduação”; “investimento na sua formação de
graduação” (PIRES, 2002); e a possibilidade de “convívio com pesquisadores em ambiente
familiar” (MACCARIELLO; NOVICKI; CASTRO, 1999). Também uma “certa insatisfação com a
relação linear da sala de aula na transmissão de conhecimentos” foi mencionada
(MALDONADO, 1998). Outro fator de destaque que leva os alunos à participação em
programas de IC se refere à própria atividade da pesquisa, na qual buscam “conhecer o que
é pesquisa” (CABERLON, 2003) e “iniciar o caminho para a pós-graduação” (AGUIAR, 1997).
Com menor incidência, outros fatores apontados foram: a importância da atividade “para o
curriculum vitae” (AGUIAR, 1997); a “possibilidade de contribuição à sociedade” (CABERLON,
2003); e a “formação da postura profissional” (MALDONADO, 1998).
Pires (2002) ressaltou que somente 2% dos alunos entrevistados em sua pesquisa
buscaram a IC “apenas por ser uma fonte de renda”. Esse resultado condiz com outras
pesquisas que apontam o financiamento como não determinante para a inserção do aluno
no projeto e também como não representação de uma das principais contribuições da
participação do aluno em atividades de IC (BETTOI, 1995; BRIDI, 2004; SIMÃO et al., 1996). O
único trabalho que apresentou dados discrepantes foi o de Fior (2003), segundo ela
“Na fala dos participantes foram presentes referências às condições financeiras, como situações que tiveram um papel de propiciador ao envolvimento nas atividades não obrigatórias. Receber algum tipo de ajuda financeira, através de bolsas de iniciação científica, trabalho, entre outras, tiveram um papel ímpar na participação dos estudantes em atividades
____________________________________________________________ Introdução 68
___________________________________________________________________________ Grupo de Pesquisa em Ensino de Química
distintas ‘O suporte financeiro que tenho da FAPESP, pois do contrário teria que estar realizando um estágio de 20, 30 ou 40 horas’ (R., C. Exatas). Outras instituições, além das agências de fomento, também contribuíram financeiramente para a concretização de experiências diversificadas na formação dos universitários” (FIOR, 2003, p. 108 – grifo do autor).
Seleção do orientando/orientador
Dentre as pesquisas que se preocuparam em determinar critérios de seleção do
orientando/orientador, a quantidade de trabalhos centrados na seleção do orientador é bem
menor. Pires (2002), em levantamento realizado junto aos alunos da Universidade do Estado
da Bahia (UNEB), percebeu que os orientandos escolhem o orientador “pelo tema da
pesquisa (33,3%) ou pela linha de pesquisa (21,6%)”, apenas 33,3% disseram ter sido
“procurado/convidado pelo orientador”. A autora acredita que nesses casos “estão os
voluntários, aqueles alunos já engajados no grupo de pesquisa de determinado projeto de
um orientador que quando há necessidade de alguma substituição, recruta um desses
voluntários” (PIRES, 2002). Outro trabalho que investigou os critérios de seleção do
orientador foi o de Zakon (1989), ele questionou tanto os bolsistas quanto os professores
quanto ao “perfil desejável do orientador”; como resultado houve afinidade nos dois grupos
com relação aos seguintes atributos: ser acessível, sincero e amigo, ser motivador para a
pesquisa (fazer o aluno aprender a encontrar sozinho as respostas para suas dúvidas) e
conhecer o assunto da pesquisa. De acordo com os depoimentos, os iniciantes desejam que
os orientadores (mais do que eles próprios) sejam comunicativos e didáticos, e que
informem e treinem o aluno sobre a pesquisa. Os orientadores ainda destacam como
características que desejavam para si, ter interesse no processo de formação do estudante e
designar um trabalho/projeto para cada aluno (ZAKON, 1989).
____________________________________________________________ Introdução 69
___________________________________________________________________________ Grupo de Pesquisa em Ensino de Química
No caso dos bolsistas os critérios são exclusivos de cada professor, no Seminário de
Pesquisa na Graduação (1992), promovido pela UnB, dois professores relataram sua
experiência na seleção dos bolsistas:
“No caso de bolsistas de IC, nossa experiência mostra que o ideal é ter o futuro bolsista como estagiário voluntário, sem bolsa, para que a avaliação possa ser feita tanto por mim, quanto à potencialidade do aluno, como pelo aluno, para ver se o assunto realmente lhe interessa e estimula. Havendo interesse mútuo, oferece-se a bolsa (geralmente por cota)” (KITAJIMA, 1992, p.19). “Quanto aos critérios de seleção, temos duas classificações: os alunos bons, que têm bons currículos, e os alunos interessados. Muitas vezes, os alunos interessados realizam boas pesquisas, mesmo não tendo um bom curriculum vitae. Mas um aluno bom sem interesse não serve para a pesquisa. O aluno tem que ter motivação, tem que gostar do que está fazendo e demonstrar, também, que tem condições de realizar a pesquisa” (ALFARO, 1992, p. 26).
Outras pesquisas trazem o resultado de entrevista com vários professores e
determinam características mais gerais dos critérios de seleção. Simão e colaboradores
(1996) determinaram que a seleção de alunos para a IC é feita a partir dos cursos
ministrados pelos professores orientadores na graduação. Segundo ao autores, muitas vezes
“os docentes inclusive ministram seus cursos já com a perspectiva de sugerir possibilidades
de pesquisa aos alunos, selecionando preferencialmente aqueles alunos que demonstram
melhor desempenho”. Maldonado (1998) percebeu que, em geral, a seleção é realizada
através de entrevista com os alunos pretendentes. Nessas entrevistas alguns critérios (nem
sempre eliminatórios) foram citados pelos orientadores, tais como: o “período letivo do
aluno, alguns preferem no início do curso porque têm mais tempo, outros mais tarde porque
já cursaram a disciplina do docente orientador” (confirmando os dados de Simão et al.); o
“coeficiente de rendimento” que “costuma ser um critério importante, mas não definitivo”;
o “domínio de língua inglesa”; e “noções de informática”. Porém, segundo ela, “o critério
____________________________________________________________ Introdução 70
___________________________________________________________________________ Grupo de Pesquisa em Ensino de Química
mais valorizado é a capacidade de organização do aluno frente às suas tarefas como aluno e
como bolsista. As atividades referentes ao curso como provas, seminários, visitas não podem
ser obstáculos para o cumprimento das exigências da pesquisa”.
A pesquisa de Zakon (1989) revelou uma maior afinidade entre as qualidades
mencionadas pelos bolsistas e orientadores, relativas ao perfil desejável do estudante em IC:
destacam-se o interesse pelo trabalho desenvolvido, responsabilidade e tempo disponível.
Os alunos priorizam mais do que os orientadores, a iniciativa própria e o saber organizar
atividades, pensamentos e textos. Por sua vez, os professores, mais do que os estudantes,
indicaram desejar nos alunos vocação para a pesquisa (capacidade de observar, discernir e
propor soluções), características intelectuais (curiosidade, vontade de aprender,
criatividade, fácil aprendizado, ser inteligente), dedicação às atividades de IC, persistência na
pesquisa e capacidade de convivência (comunicar-se, dialogar e participar). O que indica que
“ser um aluno bom” não é um aspecto muito valorizado nos depoimentos de ambos os
grupos, a despeito do esperado pelos órgãos de fomento à pesquisa. É interessante perceber
que os dados obtidos por Zakon (1989), há quase vinte anos, com orientadores/orientandos
da área de Química e Engenharia Química concordam plenamente com os resultados obtidos
na pesquisa atual de Perrelli e Gianotto (2005) com quarenta professores de Ciências
Biológicas e da Saúde. Segundo eles, para a escolha dos iniciantes no campo científico, os
professores valorizam competências como a “capacidade de tomar decisões, resolver
problemas com autonomia”, mas não consideram tão importante o “domínio de conteúdos
específicos de sua área de pesquisa”. “Pode-se inferir a partir dessas respostas que o aluno
já deve chegar de certa forma ‘pronto’ à universidade, pois esses requisitos não dependem
exclusivamente da formação acadêmica” (PERRELLI E GIANOTTO, 2005); como apontado por
____________________________________________________________ Introdução 71
___________________________________________________________________________ Grupo de Pesquisa em Ensino de Química
Zakon (1989), as qualidades desejadas não podem ser adquiridas ao longo da graduação,
revelando certa preferência pelos alunos que teriam uma “vocação natural para a pesquisa”.
Expectativas, decepções e dificuldades vivenciadas na Iniciação Científica
Bridi (2004), em entrevista com 400 alunos, reconheceu que suas expectativas
quanto à participação na pesquisa durante a graduação se deram em relação à “uma boa
formação (42,2%)”, “direcionamento profissional (12,1%)”, “uma boa orientação (6,8%)”, e
“reconhecimento do trabalho (5,4%)”. Com relação aos orientadores, a grande maioria dos
estudantes (67,1%) mencionou a “busca por uma orientação pessoal direta, que os auxiliasse
na construção e desenvolvimento do projeto de pesquisa”. Essas expectativas com relação
ao orientador foram totalmente atendidas para 61,5% dos alunos respondentes;
parcialmente atendidas para 34,6% dos estudantes e não-atendidas apenas para 3,8% da
população investigada. Para os alunos, essas expectativas foram atendidas porque os
orientadores passaram o conhecimento que tinham (mencionado por 29,5%), foram
dedicados (16,7%), rigorosos (6,4%), se disponibilizaram para o trabalho (3,8%). Foram
apontados também, porém com menor freqüência, o companheirismo do orientador (2,3%)
e o respeito dele em relação às opiniões dos alunos (2,3%). Ao responderem quanto à
frustração em relação aos seus orientadores, embora a porcentagem de alunos não seja alta,
ela está mais ligada à falta de tempo e ao excesso de atividades do professor orientador
(27,8%). No entanto alguns alunos sentiram que seus orientadores se mantiveram distantes
das suas atividades de orientação (6,3%), ou que tinham pouco interesse no tema (3,8%).
De modo geral 53,8% dos entrevistados na pesquisa de Bridi (2004) afirmaram que
experimentaram algum nível de decepção durante o período de desenvolvimento do
programa. A decepção com o orientador foi a categoria mais freqüente: 17,7% dos alunos
____________________________________________________________ Introdução 72
___________________________________________________________________________ Grupo de Pesquisa em Ensino de Química
acreditam que a falta de um maior contato com o orientador é um forte fator de decepção
durante a IC. Também foram apontadas decepções com o próprio andamento do trabalho
(10,1%), Alguns alunos se decepcionaram com a falta de aplicação dos resultados obtidos,
com a pouca valorização e utilidade do material produzido (8,9%), mencionando a falta de
extensão de suas atividades de pesquisa descrita como uma das finalidades das
universidades (ensino, pesquisa e extensão). Em menor porcentagem, foram mencionados
aspectos que se referem à decepção com o sistema burocrático (7,6%), decepção com o
valor da bolsa (6,3%), decepção com a falta de estrutura de laboratórios e materiais
necessários à pesquisa (6,3%) e decepções individuais (2,5%).
Concordando com os resultados referentes às decepções vivenciadas na IC, os
autores Campos (1998) e Bridi (2004) identificaram junto aos alunos que as principais
dificuldades da IC são a “falta de tempo para a IC e excesso de atividades”, “falta de
conhecimento necessário para a IC” e “falta de orientação/contato com o orientador”. Outra
dificuldade bastante freqüente, mencionada por 32,9% dos bolsistas entrevistados por Bridi
(2004), se refere ao andamento do projeto, “os alunos queixaram-se da dificuldade na
redação dos relatórios, na escolha da bibliografia, na escolha do método de pesquisa, nos
erros ocorridos nos experimentos e na complexidade das análises de dados” (BRIDI, 2004).
Em instituições privadas ou com pouca tradição em pesquisa os alunos enfrentam ainda
outros tipos de problemas. Alma (2003) descreve alguns pontos negativos da pesquisa de IC
conduzida numa IESP, identificados por meio de entrevistas com os alunos: “custo dos
experimentos”, “falta de apoio financeiro para a pesquisa” e “pessoal técnico e de apoio
pouco treinado para orientá-los”.
“O principal limite, apontado pelos entrevistados para a realização dos projetos de iniciação científica, é a dificuldade em conseguir fomento, que
____________________________________________________________ Introdução 73
___________________________________________________________________________ Grupo de Pesquisa em Ensino de Química
vai desde o fomento da bolsa até o fomento para o desenvolvimento dos projetos, passando por equipamentos, viagens a congressos. A carência de professores titulados também é apontada como dificuldade para o desenvolvimento das atividades de pesquisa no curso, reflexo da falta de estímulo dos docentes para a titulação até algum tempo atrás. [...] Para o professor, o horário para estudos em casa é uma forma de compensar quantitativamente a carga horária exigida pelas agências financiadoras dos projetos, mas não equivale em termos de qualidade” (MALDONADO, 1998, p. 112).
2.4. Pesquisas sobre Iniciação Científica em cursos de graduação em Química
Entre os trabalhos encontrados envolvendo a avaliação das atividades de IC apenas 4
foram realizados com alunos do curso de Química. Pires (2002) em sua pesquisa de
mestrado investigou a contribuição da IC na formação dos alunos de graduação da UNEB;
para tanto consultou alunos e professores das áreas de Ciências Humanas, Exatas e
Biológicas, sendo o curso de Licenciatura em Química um dos representantes da área de
Ciências Exatas – além da licenciatura em Matemática e bacharelado em Desenho Industrial.
Embora tenha consultado alunos de diferentes cursos e áreas, os resultados obtidos na
pesquisa não demarcam o grupo ao qual as respostas pertencem, uma vez que o objetivo
era obter uma visão geral da universidade. Para investigar as qualidades desejáveis na IC,
Zakon (1989) colheu depoimentos de dez estudantes vinculados à IC em Química e
Engenharia Química e de dez docentes do Instituto de Química, da Escola de Química e do
Instituto de Macromoléculas da UFRJ. Os resultados obtidos com a pesquisa foram
discutidos anteriormente e acreditamos que embora ela tenha sido conduzida com alunos
da área de Química, os dados são gerais e não demonstram nenhuma particularidade da IC
nessa área específica.
____________________________________________________________ Introdução 74
___________________________________________________________________________ Grupo de Pesquisa em Ensino de Química
Enquanto nesses trabalhos a consulta aos alunos de Química não fornecia resultados
particulares da área, nos trabalhos de Queiroz e Almeida (2001, 2004) os alunos de Química
representam o principal alvo da investigação realizada.
O artigo de Queiroz e Almeida (2004) toma por base investigações realizadas sobre as
atividades desenvolvidas por alunas de graduação, enquanto estudantes de IC, em
laboratório de pesquisa na área de Química. O principal objetivo do estudo foi investigar o
entendimento das alunas no que diz respeito à natureza da ciência, quando submetidas a
esse tipo de instrução acadêmica. Esse trabalho adotou os estudos de Sociologia e
Antropologia da Ciência como referencial teórico para a análise dos dados obtidos. As
autoras acreditam que a “imersão” das alunas no laboratório de pesquisa trouxe grandes
benefícios para a formação de cada uma delas, pois “a permanência constante e
participativa das duas no local onde se produz a ciência criou condições invejáveis que
provavelmente proporcionaram a ambas, ainda que, em alguns aspectos, de forma implícita,
a compreensão de como se faz ciência e a iniciação à arte de fazer ciência”. Além dessas,
com relação às vantagens que a aculturação das alunas “à vida de laboratório” acarretou
para suas formações, as autoras destacam o grande progresso no entendimento e no uso da
linguagem científica. Segundo as autoras, sendo o laboratório de pesquisa “um local de
inscrição literária, onde textos são constantemente produzidos e onde é diária a convivência
com cópias de artigos publicados em revistas e com preprints, tal constatação não é
surpreendente” (QUEIROZ e ALMEIDA, 2004).
Bridi (2004) também acrescentou algumas contribuições sobre a relação entre a
linguagem científica e a IC, ela destacou que uma das dificuldades na realização do trabalho
de pesquisa, citada tanto por docentes como por alunos, se refere à dificuldade de redação.
____________________________________________________________ Introdução 75
___________________________________________________________________________ Grupo de Pesquisa em Ensino de Química
Apesar destas considerações sobre linguagem citadas nos trabalhos de Queiroz e Almeida
(2004) e Bridi (2004), esse não era o foco principal da investigação.
Em outro trabalho, apresentado no III ENPEC, Queiroz e Almeida (2001) se
preocuparam principalmente com o uso adequado da linguagem científica na redação dos
relatórios de IC produzido pelos bolsistas. Segundo as autoras, sendo o laboratório um local
onde textos são constantemente produzidos, é pouco provável que o aluno de IC conclua o
seu estágio sem que dele solicite-se também a produção de um texto versando sobre o
trabalho que desenvolveu enquanto membro daquele laboratório: “Esse trabalho costuma
ser pedido pelo orientador sob a forma de um relatório, que é discutido no grupo de
pesquisa e enviado à fonte de financiamento, no caso de bolsistas”. Desta forma, as autoras
analisaram os relatórios como um primeiro passo para a “compreensão das características e
dificuldades do aluno de iniciação ao redigir um texto nos moldes aceitos pela comunidade
científica”. Os estudantes, investigados nessa pesquisa, realizaram os seus estágios de IC em
um mesmo laboratório de Química de uma universidade federal, localizada no Estado de São
Paulo. Os relatórios analisados foram produzidos pelos bolsistas após um semestre de
imersão no laboratório. Para as suas confecções, os alunos seguiram a indicação dos
orientadores e sugestões de outros membros do grupo sobre "como fazer um relatório de
pesquisa". Os discursos foram analisados segundo um esquema de classificação de tipos de
enunciados proposto por Latour e Woolgar (1997). As autoras perceberam que “quando
imbuídos da tarefa de produzir os seus relatórios de pesquisa eles o fazem utilizando
diferentes tipos de discursos [...] reconhecidos por pesquisadores de Química, como uns
mais e outros menos científicos”. No entanto a investigação revelou que
“A análise criteriosa dos três relatórios de pesquisa dos alunos Marina, Nei e João nos levou também a concluir que, por si só, o relatório de pesquisa
____________________________________________________________ Introdução 76
___________________________________________________________________________ Grupo de Pesquisa em Ensino de Química
não é um instrumento suficiente para indicar a apropriação ou não do discurso científico pelos alunos. Apenas com o acompanhamento das etapas que envolveram o processo de produção do relatório e com entrevistas aos alunos sobre suas redações, se poderia ter maiores indícios de quanto a linguagem dos relatórios indica a apropriação de uma nova forma de se expressar. Talvez possamos comparar o relatório de pesquisa dos alunos de iniciação científica a uma "caixa-preta" que precisa ser aberta para que sejamos capazes de avaliar os fatores que contribuíram para a sua confecção. Perguntas como: qual a efetiva participação do aluno no laboratório durante o seu estágio? Ele foi ajudado por outro colega no período de obtenção e tratamento dos seus dados? A discussão dos seus dados envolveu a orientação de outro membro do grupo, além do próprio supervisor? Até que ponto ele conseguiu compreender o sistema que estudava? O seu relatório foi corrigido e aperfeiçoado pelo orientador até a redação final? Sendo assim, como saber em que parte acaba o discurso do orientador e começa o seu? precisam ser respondidas para que se possa saber de fato o que a versão final do relatório representa na vida acadêmica do aluno”(QUEIROZ; ALMEIDA, 2001 – grifo do autor).
Como já comentamos esse trabalho serviu de motivação para nossa pesquisa. Bem
como o fato de que, a partir do levantamento bibliográfico realizado, percebemos que a
relação entre a apropriação do discurso científico e as atividades de IC praticamente não foi
estudada por aqueles que se preocuparam em avaliar as contribuições da IC.
__ __ Objetivos 77
___________________________________________________________________________ Grupo de Pesquisa em Ensino de Química
3.3.3.3. OBJETIVOSOBJETIVOSOBJETIVOSOBJETIVOS
Tendo em vista o levantamento bibliográfico sobre a temática da IC no Brasil,
apresentado na introdução desta dissertação, constatamos que os estudos realizados por
pesquisadores de diversas áreas, com o intuito de esclarecer questões relacionadas à
importância da IC e às suas contribuições para a formação dos graduandos, demonstraram
que ela favorece o desenvolvimento pessoal do bolsista, a sua formação enquanto
universitário e seu encaminhamento para a pós-graduação (BAZIN, 1983; BETTOI, 1995;
SILVA; CABRERO, 1998; AGUIAR, 1997; BARIANI, 1998; NEDER, 2001; BREGLIA, 2002).
Surpreendentemente, poucos pesquisadores (BRIDI, 2004; QUEIROZ E ALMEIDA, 2001, 2004)
se preocuparam em investigar o que nós consideramos uma das principais contribuições
advindas da realização da IC: o contato amiúde dos bolsistas com diversas formas de
veiculação dos conteúdos científicos. Partimos da hipótese de que esse contato favorece a
apropriação da linguagem científica por parte dos estudantes e, conseqüentemente,
favorece o desenvolvimento das suas habilidades de comunicação oral e escrita no campo
científico.
__ __ Objetivos 78
___________________________________________________________________________ Grupo de Pesquisa em Ensino de Química
Destacamos, ainda, que poucos trabalhos investigaram a IC no contexto de cursos de
graduação em Química (PIRES, 2002; ZAKON, 1989; QUEIROZ; ALMEIDA, 2001, 2004) e,
dentre esses, apenas um trabalho (QUEIROZ; ALMEIDA, 2001) relacionou a atividade de IC
com a apropriação da linguagem científica.
Nessa perspectiva, nosso estudo teve como objetivo investigar se as atividades
desenvolvidas na IC são relevantes para a apropriação da linguagem científica pelos alunos e
como se dá essa apropriação. Para tanto acompanhamos, no intervalo de um ano, dois
graduandos que realizaram IC em laboratórios de pesquisa da área de Química e coletamos
dados referentes às suas produções científicas escritas e orais. As análises dos dados obtidos
foram realizadas tomando como base o referencial teórico da Análise do Discurso de linha
francesa, como divulgada por Orlandi (1986, 1996a, 1996b, 2000, 2003a), quanto à tipologia
dos discursos e à noção de autoria; e da Sociologia e Antropologia da Ciência,
especificamente os Estudos Etnográficos de Laboratório, como aqueles desenvolvidos por
Latour e Woolgar (1997).
As análises realizadas foram valiosas na busca de respostas para o nosso problema de
pesquisa e, futuramente, poderão servir de subsídios para outras iniciativas envolvendo as
atividades de IC e a linguagem científica.
Metodologia de Pesquisa 79
___________________________________________________________________________ Grupo de Pesquisa em Ensino de Química
4.4.4.4. METODOLOGIA DE PESQUISAMETODOLOGIA DE PESQUISAMETODOLOGIA DE PESQUISAMETODOLOGIA DE PESQUISA
A metodologia de pesquisa adotada é de perfil qualitativo do tipo etnográfico. A
abordagem qualitativa surgiu como um contraponto às pesquisas quantitativas que se
preocupavam em dividir a realidade em unidades passíveis de mensuração, estudando-as
isoladamente (ANDRÉ, 1995). Na perspectiva qualitativa procura-se alcançar uma “visão
holística” dos fenômenos, no qual a preocupação com o processo é muito maior do que com
o produto, o ambiente natural é a fonte direta dos dados e o pesquisador é o principal
instrumento de coleta (LUDKE; ANDRÉ, 1986).
As pesquisas do tipo etnográfico representam uma das formas de metodologia de
pesquisa qualitativa – o estudo de caso e a pesquisa-ação são outros exemplos. Esse
esquema de pesquisa foi originalmente desenvolvido pelos antropólogos “para estudar a
cultura e a sociedade” (ANDRÉ, 1995). Para que um trabalho seja caracterizado como do tipo
etnográfico, ele deve estar fundamentado nas seguintes técnicas: a observação participante,
a entrevista intensiva e a análise de documentos.
Metodologia de Pesquisa 80
___________________________________________________________________________ Grupo de Pesquisa em Ensino de Química
“A observação é chamada de participante porque parte do principio de que o pesquisador tem sempre um grau de interação com a situação estudada, afetando-a e por ela sendo afetado. As entrevistas têm a finalidade de aprofundar as questões e esclarecer os problemas observados. Os documentos são usados no sentido de contextualizar o fenômeno, explicitar suas vinculações mais profundas e completar as informações” (ANDRÉ, 1995, p. 28).
A interação constante entre o pesquisador e o objeto pesquisado é uma forte marca
desse tipo de pesquisa na qual “os dados são mediados pelo instrumento humano, o
pesquisador” (ANDRÉ, 1995). No entanto, são possíveis vários graus de participação do
pesquisador na situação de pesquisa. Junker (1971) define um leque de possibilidades em
que a escolha vai desde uma imersão total na realidade até um completo distanciamento.
Na participação total o pesquisador se integra ao grupo sem revelar seus propósitos ou sua
identidade. Quando o pesquisador participa como observador ele revela apenas parte do
que pretende para não alterar o comportamento do grupo observado. Na modalidade
observador como participante o pesquisador tem sua identidade e seus objetivos revelados,
o que permite acesso a várias informações. E na observação total o pesquisador observa,
sem ser visto, como nas câmeras de vigilância, por exemplo. Preocupados com a clareza no
trabalho de coleta dos dados e a necessidade de análise dos documentos, em nossa pesquisa
optamos pelo grau de participação correspondente à classificação observador como
participante.
A pesquisa etnográfica pressupõe também um período de observação relativamente
longo, que pode variar muito “indo desde algumas semanas até vários meses ou anos”
(ANDRÉ, 1995). Em nossa pesquisa, dois graduandos em Química iniciando seus estágios de
IC em laboratórios de pesquisa, foram por nós acompanhados durante o período de um ano.
Além de atender os preceitos da metodologia de pesquisa, a conveniência em fazer o
Metodologia de Pesquisa 81
___________________________________________________________________________ Grupo de Pesquisa em Ensino de Química
acompanhamento dos estudantes em um intervalo de tempo razoavelmente longo residiu
no fato de que grande número de eventos foi por nós presenciado no laboratório de
pesquisa, o que facilitou nosso entendimento sobre a apropriação da linguagem científica
pelos alunos. Ademais, com base na nossa experiência como aluna de IC, sabíamos que em
um ano de acompanhamento teríamos a oportunidade de observar os alunos na produção
de trabalhos científicos de natureza diversificada; o que não seria possível em um tempo
mais restrito, quando dificilmente o aluno já estaria maduro para colaborar na produção de
trabalhos e painéis enviados a congressos, por exemplo, ou para apresentar ao grupo de
pesquisa um seminário sobre os resultados adquiridos no desenvolvimento do seu projeto.
Nossa escolha por essa metodologia de pesquisa partiu do fato de que o contato
direto do pesquisador com a situação estudada – característica fundamental das pesquisas
do tipo etnográfica – “permite reconstruir os processos e as relações que configuram” a
realidade estudada (ANDRÉ, 1995). A observação participante e as entrevistas intensivas
tornam possível, segundo André, “documentar o não-documentado” que foi justamente o
foco de nossa investigação: desvendar o processo de apropriação da linguagem científica
que não vem mostrado nos textos produzidos pelos participantes do processo.
4.1. Coleta de dados
Dois graduandos em Química, iniciando seus estágios de IC em laboratórios de
pesquisa de uma universidade pública paulista, foram acompanhados, seguindo os preceitos
da pesquisa qualitativa do tipo etnográfica, durante o período de um ano. O material
coletado para análise incluiu a gravação e transcrição dos diálogos, travados entre os
bolsistas e seus orientadores, e de entrevistas abertas, por nós conduzidas ao longo do
Metodologia de Pesquisa 82
___________________________________________________________________________ Grupo de Pesquisa em Ensino de Química
processo. As entrevistas foram realizadas com os bolsistas e orientadores durante o
acompanhamento daqueles no laboratório; a maioria tinha como objetivo a explicitação de
termos e procedimentos próprios do laboratório. Durante o período de acompanhamento
também tivemos acesso aos cadernos de laboratório, ao material bibliográfico consultado,
aos resumos e pôsteres apresentados pelos alunos em Congressos de IC, além da gravação
em vídeo da apresentação do pôster pelos alunos.
Todos os envolvidos autorizaram as gravações, a coleta de materiais e a nossa
permanência no interior dos laboratórios, por meio de um Termo de Consentimento e
Informação (Apêndice 2), no qual foram esclarecidos a cada participante os objetivos do
estudo e as normas éticas que regiam a pesquisa. Além disso, os envolvidos tiveram suas
identidades preservadas neste trabalho, portanto, todos os nomes citados em nossos relatos
são fictícios.
Nesse sentido podemos afirmar que a pesquisa foi realizada dentro de um contexto
específico, buscando o conhecimento e a história de vida dos envolvidos no cotidiano do
laboratório de pesquisas através do contato estrito e prolongado que tivemos com o grupo
no qual os alunos de IC se encontravam alocados e com os alunos em particular. Esse
contato permitiu a análise e a descrição do ambiente da pesquisa científica na área de
Química, ou seja, do ambiente do laboratório com as suas práticas e as representações dos
participantes. A convivência direta e a interação constante com os alunos e os membros do
laboratório contribuíram para a obtenção de um número considerável de depoimentos e
para a observação de fatos, comportamentos e linguagens inerentes ao ambiente do
laboratório. Enfim, um acervo que acabou por compor o contexto em estudo. Para compor
esse acervo foi importante a nossa experiência anterior em laboratórios de pesquisa da área
Metodologia de Pesquisa 83
___________________________________________________________________________ Grupo de Pesquisa em Ensino de Química
de Química. Sem dúvida o nosso conhecimento da linguagem científica e de conceitos e
técnicas usadas no cotidiano dos alunos facilitou, e muito, nossa interação com os mesmos,
enriquecendo o referido acervo.
4.2. Sujeitos da pesquisa
O primeiro aluno, Eduardo, atuou no Laboratório de Flotação de Microorganismos,
localizado no Departamento de Bioquímica e Tecnologia Química, tendo como co-orientador
um estudante de pós-doutorado, Pedro, e como orientador o docente Hugo, responsável
pelo projeto. Eduardo desenvolveu nesse laboratório o projeto de IC intitulado “Medidas de
hidrofobicidade da parede celular de leveduras por adesão a hidrocarbonetos: diferentes
leveduras, hidrocarbonetos e meios de suspensão das células”. O aluno teve conhecimento
da possibilidade de desenvolver pesquisa no Laboratório de Flotação de Microorganismos
pela indicação de amigos, que sabiam da disponibilidade de uma bolsa de IC pelo sistema
balcão, oferecida pelo professor Hugo. Tivemos conhecimento da entrada de Eduardo no
laboratório, pois, antes do desenvolvimento desta pesquisa atuamos como bolsista de IC
nesse mesmo laboratório.
O segundo aluno, Victor, que desenvolveu seu projeto no Laboratório de
Eletroquímica, do Departamento de Química Analítica, tinha como orientadora a docente
Márcia do Departamento de Química Analítica, e dois co-orientadores: o docente André do
Departamento de Físico-Química e o estudante de pós-doutorado Mauro. Victor foi indicado
por amigos para substituir a antiga bolsista PIBIC, que desenvolvia pesquisa nesse
laboratório e que havia se formado deixando algumas etapas do projeto inacabadas.
Portanto, ele deu continuidade ao projeto intitulado “Imobilização da proteína
Metodologia de Pesquisa 84
___________________________________________________________________________ Grupo de Pesquisa em Ensino de Química
estreptavidina em matrizes híbridas orgânicas-inorgânicas preparadas por processo sol-gel”.
Fomos informadas dessa substituição pela Seção Técnica Acadêmica da universidade, que
tinha conhecimento da nossa procura por alunos que estivessem iniciando a IC.
4.3. Caracterização dos laboratórios
4.3.1. Laboratório de Leveduras Industriais
Embora a temática das pesquisas de Flotação de Microorganismos seja
interdisciplinar – estudos de interações físico-químicas de biocolóides (células de leveduras)
– o grupo de pesquisa utiliza o espaço físico do Departamento de Bioquímica,
especificamente o Laboratório de Leveduras Industriais. Por isso os equipamentos mais
usuais do laboratório são mesas agitadoras, centrífugas, medidores de pH,
espectrofotômetros, estufas, geladeiras, e capelas de fluxo laminar. O laboratório é dividido
em quatro salas destinadas a atividades distintas, conforme ilustra a Figura 4.1.
Metodologia de Pesquisa 85
___________________________________________________________________________ Grupo de Pesquisa em Ensino de Química
Figura 4.1: Esquema do Laboratório de Leveduras Industriais
Na “salinha”, reduto dos pós-graduandos, encontramos três computadores e alguns
armários onde os alunos guardam a maioria dos seus artigos; eventualmente, os alunos de IC
utilizam os computadores dos pós-graduandos, principalmente nas etapas de redação de
relatórios. Apesar da “salinha” ser pequena, além dos computadores e armários, ela
também abriga grandes equipamentos do laboratório, cuja utilização não é muito freqüente.
A “Sala da Fleschman” – cujo nome se refere a um projeto anteriormente
desenvolvido pelo grupo envolvendo leveduras de panificação – abriga alguns equipamentos
de uso mais comum entre os integrantes do grupo de pesquisa: uma estufa, uma centrífuga,
uma geladeira e uma capela de fluxo laminar. No entanto, o que se destaca nesse ambiente
é a presença de uma mesa e uma pia utilizadas pelos integrantes do grupo para o preparo e
Metodologia de Pesquisa 86
___________________________________________________________________________ Grupo de Pesquisa em Ensino de Química
o consumo de café, eventualmente acompanhado de pão, bolo ou bolacha levado para o
laboratório por algum membro do grupo. Sendo assim, esse local é utilizado pelo menos
uma vez por dia pelos membros do laboratório como uma forma de integração social.
A “Sala escura”, originalmente destinada à utilização dos fermentadores, também
abriga um dos equipamentos mais caros e “físico-químicos” do laboratório: o medidor de
ângulo de contato. Ligado ao aparelho e destinado à transcrição dos dados nele gerados,
está um computador que, por ficar afastado da “salinha”, é de uso comum dos alunos de IC.
Próximo da porta da “Sala escura”, no corredor do Departamento de Bioquímica, estão
dispostos alguns equipamentos que também são utilizados pelo grupo: uma grande mesa
rotatória, outra geladeira, uma máquina de “picar” gelo, um destilador e um purificador de
água.
O “Laboratório” se diferencia dos demais por ser o “laboratório propriamente dito”.
Além de ser o maior dos ambientes e abrigar vários equipamentos – uma estufa, uma capela
de fluxo laminar, um espectrofotômetro, um medidor de pH, entre outros – é nele que se
realizam os experimentos, pois lá se encontra a maioria dos reagentes e das vidrarias, além
de ponteiras de pipetas automáticas, bicos de bunsen e tubos de centrifuga, indispensáveis
para a condução de experimentos e para a limpeza dos materiais utilizados na prática. Além
disso, o “Laboratório” ainda abriga várias gavetas e armários individuais dos membros do
grupo, onde são guardados papers, pastas e cadernos de dados coletados no laboratório.
Além das salas anteriormente descritas que formam o conjunto de ambientes do
grupo de pesquisa, encontramos, no fim do corredor, as “autoclaves” (utilizadas para
esterilização), seguidas de uma grande sala refrigerada, chamada “Câmara fria”, localizada
ao lado da “Sala da professora” responsável pelo laboratório.
Metodologia de Pesquisa 87
___________________________________________________________________________ Grupo de Pesquisa em Ensino de Química
4.3.2. Laboratório de Eletroquímica
O Laboratório de Eletroquímica, conforme ilustra a Figura 4.2, é espaçoso, planejado
e bem ordenado. Esse laboratório se encontra no prédio do Departamento de Química
Analítica, que foi construído de uma forma mais bem planejada do que o Laboratório de
Flotação de Microorganismos, localizado no primeiro prédio construído na universidade (há
quase meio século). Além disso, é bem mais amplo do que esse último, pois pertence
simultaneamente a dois docentes do Departamento e, conseqüentemente, reúne um grupo
de pesquisa bastante grande.
Figura 4.2: Esquema do Laboratório de Eletroquímica
Metodologia de Pesquisa 88
___________________________________________________________________________ Grupo de Pesquisa em Ensino de Química
O Laboratório de Eletroquímica congrega cinco diferentes “espaços”: dois
laboratórios; uma sala de equipamentos; uma sala de computadores; e uma sala de estudos
(que também tem um computador).
Nos “Laboratórios 1 e 2” são conduzidos experimentos em extensas bancadas,
rodeadas de armários, geladeiras e capelas, que guardam reagentes, vidrarias e
equipamentos dos laboratórios. Em função dos amplos mobiliários, uma visita corriqueira
aos “Laboratórios” não permite a identificação de equipamentos utilizados pelo grupo, pois
os agitadores magnéticos, máquinas de ultra-som, aquecedores e medidores de pH estão
guardados no interior dos grandes armários das salas e as bancadas geralmente estão
desocupadas e limpas.
Na “Sala dos computadores” encontramos vários equipamentos utilizados pelos
alunos de graduação e pós-graduação para escrever relatórios, analisar dados e receber e-
mails. Nesse ambiente, a organização do espaço composto por vários móveis planejados
também não permite a visualização de qualquer material dos alunos sobre os móveis do
laboratório. Ainda encontramos, em um canto da sala de computadores, duas balanças
analíticas, próximas de cartazes com recomendações sobre seu uso.
Logo em frente aos Laboratórios 1 e 2 estão as salas dos professores (também
denominados 1 e 2 na Figura 4.2) responsáveis pelo laboratório. Em frente à sala de
computadores encontramos ainda uma sala de equipamentos, com cerca de cinco
potenciostatos (antigos e modernos) ligados a computadores, que são freqüentemente
utilizados por todos os integrantes do grupo.
__ Referenciais Teóricos 89
___________________________________________________________________________ Grupo de Pesquisa em Ensino de Química
5.5.5.5. REFERENCIAIS TEÓRICOSREFERENCIAIS TEÓRICOSREFERENCIAIS TEÓRICOSREFERENCIAIS TEÓRICOS
Como já comentamos, as análises dos dados basearam-se em dois referenciais
teóricos distintos: a Análise do Discurso de linha francesa, como divulgada por Orlandi (1986,
1996a, 1996b, 2000, 2003a), em especial as noções de tipologia dos discursos e autoria; e os
estudos da Sociologia e Antropologia da Ciência, especificamente aqueles desenvolvidos por
Latour e Woolgar (1997), quanto ao esquema de classificação dos tipos de enunciados
científicos. Desta forma, apresentamos a seguir uma breve contextualização e introdução ao
corpo teórico envolvido nos referidos referenciais adotados neste trabalho.
5.1. Análise do Discurso
A Análise do Discurso (AD) tem origem na França, em 1969, através de uma dupla
fundação com a publicação dos textos de Jean Dubois – revista Langages, n. 13 – e Michel
Pêcheux – Análise Automática do Discurso. Courtine (2005), no entanto, defende que o texto
de Dubois trazia pouca contribuição para a delimitação do campo da AD, “o discurso era
essencialmente a seqüência do enunciado, pensada sob o modo do distribucionismo
__ Referenciais Teóricos 90
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harrissiano e das condições de produção”. Michel Pêcheux nasceu em 1938 e se formou em
filosofia em 1963 pela Escola Normal Superior. Acredita-se que a fundação teórica da AD,
hoje conhecida como aquela de “linha francesa”, se deve ao conjunto de textos publicados
por ele entre 1969 e 1975, que explicitaram a base de seu pensamento, mas cujos temas,
conceitos e análise sofreram constante reformulação pelo próprio autor e pelos trabalhos
posteriores da área.
A definição desse campo como uma ferramenta de análise, disciplina interdisciplinar,
é complicada, pois segundo Paul Henry (1997) que trabalhou com Pêcheux no gesto
inaugural da AD, o objetivo do autor foi criar um “instrumento científico” que não deveria
ser considerado independente da teoria ou como uma aplicação dessa, mas sim um campo
de constante “re-invenção” do instrumento ou “apropriação” do instrumento pela teoria.
Esse aspecto, segundo Maldidier (2003), é o que caracteriza a “originalidade da aventura
teórica do discurso”: o “fato que ela se desenvolve no duplo plano do pensamento teórico e
do dispositivo de análise do discurso, que é seu instrumento”, no sentido de que “só há
instrumento em relação a uma teoria”. Eni Orlandi (2003a) destaca que na AD “a análise
precede, em sua constituição, a própria teoria”, ou seja, “é porque o analista tem um objeto
a ser analisado que a teoria vai se impondo”, dessa forma “não há uma teoria já pronta que
sirva de instrumento para a análise”.
O termo “interdisciplinar” se apóia na articulação de diferentes campos de estudo no
interior dessa teoria. Segundo Pêcheux e Fuchs (1997) a AD se apóia no materialismo
histórico, como uma teoria das formações sociais e de suas transformações, representada
pela leitura que Althusser faz das teses marxistas; na lingüística, como teoria dos
mecanismos sintáticos e processos de enunciação, representada pela leitura do próprio
__ Referenciais Teóricos 91
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Pêcheux da teoria saussuriana; e na teoria do discurso, como uma teoria da determinação
histórica dos processos semânticos; sendo essas três regiões atravessadas e articuladas por
uma teoria da subjetividade (de natureza psicanalítica), representada pela leitura de Lacan
dos trabalhos de Freud. Apesar dessa articulação sugerir a “interdisciplinaridade”, essa
definição compromete a especificidade desse campo que, embora apoiado em diferentes
regiões teóricas, tem seu próprio corpo de conhecimentos.
“A interdisciplinaridade dá uma idéia de instrumentalização de uma disciplina pela outra (ainda que na bidirecionalidade). [...] Falar em interdisciplinaridade, nesse caso, seria negar a existência de uma forma de conhecimento específico com um objeto que não seria simplesmente o resultado da relação de um objeto, de uma disciplina com outro, de outra disciplina.” (ORLANDI, 1996b, p.24,25)
Para compreender a AD devemos considerar que a linguagem pode ser analisada de
diferentes formas. Inicialmente, os estudos lingüísticos modernos apresentaram-se como
estudos lingüísticos do sistema, preocupados apenas em descrever sincronicamente as
unidades pertencentes aos diversos níveis de língua, sua posição no sistema e suas regras
combinatórias, ou seja, uma análise da língua fora de qualquer contexto de uso
(RODRIGUES, 2001).
A partir do final da década de 60, tem sido cada vez mais reconhecido que o uso da
linguagem sofre restrições nos níveis situacionais, institucionais e societais. A AD representa
um dos campos de estudo, surgidos nesse período, que parte do pressuposto de que as
questões de linguagem se estendem muito além das questões mais peculiares da gramática,
dos recursos expressivos e da língua enquanto sistema de signos. Dessa forma, a AD trabalha
com a linguagem incorporando as dimensões discursivas que incluem os interlocutores, as
relações que se estabelecem entre eles, os conhecimentos que partilham ou não, as
__ Referenciais Teóricos 92
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intenções e os propósitos específicos dos textos, e as circunstâncias sociais em que se
manifestam (RODRIGUES, 2001).
A AD parte de um entendimento da linguagem em relação com sua exterioridade e
recusa a concepção de linguagem como expressão do pensamento ou instrumento de
comunicação (BARONAS, 2000). Como seu próprio nome sugere, ela tem como objeto o
discurso, que “etimologicamente, tem em si a idéia de curso, de percurso, de correr por, de
movimento”, ou seja, o “discurso é assim palavra em movimento, prática de linguagem”
(ORLANDI, 2003a). Dessa forma, “servindo como ponte de ligação entre a língua e a sua
exterioridade constitutiva, a AD afirma a associação da linguagem à sociedade” (GREGOLIN,
2000).
Outro aspecto que merece destaque na teoria é o papel da história na determinação
do discurso, indicando que “o sentido não está fixado como essência das palavras”
(GREGOLIN, 2000). Essa relação da AD com a história coloca em análise o sentido, ao invés
do significado, e a análise do modo de funcionamento dos discursos, ao invés da
interpretação. Essa é a diferença entre a AD e a Análise de Conteúdo que considera a
linguagem como sendo transparente e se preocupa em entender o que o texto quer dizer
(ORLANDI, 2003a). Enquanto na AD o trabalho com os textos pressupõe uma busca aos
diversos sentidos possíveis, visto que a linguagem é opaca, segundo Gregolin:
”Como alçapões, os textos capturam e transformam a infinitude dos sentidos em uma momentânea completude. Só por instantes, até que o leitor, perseguindo as pegadas inscritas na materialidade textual, na prática da interpretação, devolve-lhes sua natural incompletude e eles alçam vôo, novamente devolvidos à agilidade das asas que os suspendem” (GREGOLIN, 2001, p. 10)
A AD considera que o trabalho com o discurso implica na construção de sentidos com
base nas condições de produção do mesmo. Segundo Michel Pêcheux (1997), as condições
__ Referenciais Teóricos 93
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de produção representam o estudo da ligação entre as “circunstâncias” do discurso, pois “é
impossível analisar um discurso como um texto, é necessário referi-lo ao conjunto de
discursos possíveis, a partir de um estado definido de condições de produção”;
“O discurso é sempre pronunciado a partir de condições de produção dadas: por exemplo, o deputado pertencente a um partido político que participa do governo ou a um partido de oposição; é porta-voz de tal ou tal grupo que representa tal ou tal interesse, ou então está “isolado” etc [...] O que diz, o que anuncia, promete ou denuncia não tem o mesmo estatuto conforme o lugar que ocupa; a mesma declaração pode ser uma arma temível ou uma comédia ridícula segundo a posição do orador e do que ele representa, em relação ao que diz” (Pêcheux, 1997, p. 77 – grifo do autor)
Segundo Eni Orlandi (2003a) tais condições de produção podem ser entendidas no
sentido mais estrito como sendo o contexto imediato da enunciação e, considerando um
sentido mais amplo, essas podem incluir o contexto sócio-histórico – ideológico. É
justamente nesse segundo contexto que podem ser apreendidos os efeitos de sentidos.
A noção de condições de produção indica a base marxista da AD, revelada também
pelo funcionamento da noção de ideologia. Segundo Orlandi (2003a) “todo dizer é
ideologicamente marcado”, ou seja, a ideologia materializa-se no discurso e esse, por sua
vez, materializa-se sob a forma de texto. Essa ideologia, que caracteriza um discurso
diferenciando-o de outros, pode ser observada em um texto através dos sentidos produzidos
em decorrência da escolha das palavras empregadas, da disposição das mesmas nos
enunciados, da (re)significação a que são submetidas (FERNANDES; FERREIRA, 2001). A
análise das marcas da ideologia presentes nos discursos leva à determinação da formação
ideológica e, conseqüentemente, da formação discursiva dos discursos. Pêcheux (1995)
definiu essas noções da seguinte maneira:
“É a ideologia que fornece as evidências pelas quais ‘todo mundo sabe’ o que é um soldado, um operário, um patrão, uma fábrica, uma greve, etc” [...] “as palavras, expressões, proposições, etc., mudam de sentido segundo as posições sustentadas por aqueles que as empregam, o que quer dizer
__ Referenciais Teóricos 94
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que elas adquirem sentido em referência a essas posições, isto é, em referência às formações ideológicas nas quais essas posições se inscrevem. Chamaremos, então, formação discursiva aquilo que, numa formação ideológica dada, isto é, a partir de uma posição dada numa conjuntura dada, determinada pelo estado da luta de classes determina o que pode e deve ser dito (articulado sob a forma de uma arenga, de um sermão, de um panfleto, de uma exposição, de um programa, etc.)” [...] “Os indivíduos são interpelados em sujeitos falantes pelas formações discursivas que representam ‘na linguagem’ as formações ideológicas que lhes são correspondentes” (Pêcheux, 1995, p.160 – grifo do autor)
A partir dessas concepções as palavras mudam de sentido segundo as posições
daqueles que a empregam. Elas “tiram” seu sentido dessas posições, isto é, em relação às
formações nas quais essas posições se inscrevem. A formação discursiva caracteriza-se
então, como uma “matriz” do sentido: ela “dita as regras” para que o que o sujeito pode e
deve dizer no âmbito de suas práticas sociais e até mesmo para aquilo que não pode e não
deve ser dito (ORLANDI, 2003a). Essa concepção inicial de Pêcheux (1995) foi reformulada a
partir das considerações de Foucault (1986) sobre a noção de formação discursiva, que a
considera como sendo um conjunto de enunciados que mantêm uma regularidade:
“Isto é, conjunto de performances verbais que não estão ligadas entre si, ao nível das frases, por laços gramaticais (sintáticos ou semânticos); que não estão ligados entre si, ao nível das proposições, por laços lógicos (de coerência formal ou encadeamentos conceituais); que tampouco estão ligados, ao nível das formulações, por laços psicológicos (que sejam a identidade das formas de consciência, a constância das mentalidades, ou a repetição de um projeto); mas que estão ligados ao nível dos enunciados.” (FOUCAULT, 1986, p. 144)
Além das noções de formação ideológica e discursiva, Pêcheux (1997) trabalha com a
noção de formação imaginária, entendida como uma antecipação do que o outro vai pensar,
na qual cada enunciado vem carregado da imagem que fazemos de nós mesmos e do outro.
A formação imaginária funciona como se cada vez que um indivíduo se dirige a outro para
produzir um enunciado ele se pergunta “Quem sou eu para lhe falar assim?” e “Quem é ele
__ Referenciais Teóricos 95
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para que eu lhe fale assim?”, simultaneamente ao receber o enunciado o segundo indivíduo
se pergunta “Quem sou eu para que ele me fale assim?” e “Quem é ele para que me fale
assim?”. Esses questionamentos permeiam e direcionam todo o processo discursivo, embora
atuem de forma implícita e não sejam conscientes para os enunciadores.
Segundo essa noção, os sentidos resultam dessas relações: um discurso aponta para
outros que o sustentam, assim como para dizeres futuros (ORLANDI, 2003a). Por
antecipação, o sujeito projeta uma representação imaginária do seu interlocutor e, a partir
dela, estabelece suas estratégias discursivas. Pela relação de forças, Orlandi ressalta que o
lugar a partir do qual fala o sujeito é constitutivo do que ele diz. Assim, “se o sujeito fala a
partir do lugar do professor, suas palavras significariam de modo diferente do que se ele
falasse no lugar do aluno” (ORLANDI, 2003a).
Os conceitos de inter e intradiscurso foram formulados por Pêcheux no livro
“Semântica e Discurso: uma crítica à afirmação do óbvio” (1995), sendo o interdiscurso,
entendido como algo que “fala sempre antes, em outro lugar e independentemente, isto é,
sob a dominação do complexo das formações ideológicas”, delimitando o espaço discursivo
e ideológico no qual se desdobram as formações discursivas em função de relações de
dominação, subordinação e contradição. Enquanto o intradiscurso se encontra no nível da
formulação e representa o fio do discurso, o funcionamento do discurso em relação a ele
mesmo. O conceito de interdiscurso foi reformulado na perspectiva atual da AD e poderia
ser entendido como um eixo do dizer que provém do cruzamento dos discursos produzidos e
esquecidos e dos discursos formulados, atualizados (COURTINE, 19811, apud SARGENTINI,
2001). Essa noção inclui a idéia de que se os sentidos são aqueles produzidos na interação, é
1 COURTINE, J.J. Quelques problèmes theoriques et methodologiques em analyse du discours, à propôs du
discours communiste adresse aux chrétiens. Langages, v. 62, 1981.
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preciso aceitar que na linguagem não há o sentido original, tudo já foi dito anteriormente e
faz parte de nossos conhecimentos adquiridos-pré-construídos (PÊCHEUX, 1995) que com o
tempo são esquecidos. Isso nos permite considerar que a origem do discurso está em cada
um de nós (SARGENTINI, 2001).
No entanto, esse esquecimento da origem dos discursos não exclui o fato de que
possuímos uma memória de acontecimentos anteriores, cristalizado em formas textuais
(verbais ou visuais): essa é a memória coletiva, que por meio da história faz a passagem para
a memória social (SARGENTINI, 2001). Considerando esse papel da memória poderíamos
dizer que do ponto de vista da AD o discurso se constitui sobre o primado do interdiscurso;
todo discurso produz sentidos a partir de outros sentidos já cristalizados na sociedade
(BARONAS, 2000). Desse modo, então, podemos conceber a memória discursiva como sendo
esses sentidos cristalizados, legitimados na sociedade e que são reavivados no intradiscurso.
Ela é, assim, uma reatualização, uma revigoração dos sentidos institucionalizados.
É importante destacar na teoria a noção de sujeito que norteia todas as concepções
da AD, essa noção também foi formalizada por Pêcheux no livro “Semântica e Discurso: uma
crítica à afirmação do óbvio” (1995), quando ele introduz a noção de Efeito Münchhausen,
se referindo ao “imortal barão que se elevava nos ares puxando-se pelos próprios cabelos”.
Nessa noção Pêcheux explicita sua idéia de ilusão de subjetividade provocada pelo
assujeitamento ideológico do sujeito, segundo a qual “o não-sujeito” é interpelado-
constituído em sujeito pela Ideologia. Paul Henry (1997) aborda a noção de sujeito
empregada por Pêcheux por meio de exemplos:
“[...] os agentes deste sistema reconhecem eles próprios seu lugar sem terem recebido formalmente uma ordem, ou mesmo sem ‘saber’ que têm um lugar definido no sistema de produção. Quando alguém se vê obrigado a ocupar um lugar dentro de um sistema de trabalho, este processo já se
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deu anteriormente; tal pessoa sabe, por exemplo, que é um trabalhador e sabe o que tudo isso implica. O mesmo acontece quando alguém é nomeado juiz. O processo pelo qual os agentes são colocados em seu lugar é apagado; não vemos senão as aparências externas e as conseqüências” (Henry, 1997, p. 26)
Em trabalhos posteriores, publicados no Brasil como um anexo do mesmo livro de
Pêcheux, “Semântica e Discurso: uma crítica à afirmação do óbvio” (1995), o autor reformula
a noção de sujeito assujeitado, interpelado pela ideologia, principalmente a partir de
questionamentos sobre a existência das resistências. No texto “Só há causa daquilo que
falha ou o inverno político francês: início de uma retificação” (Pêcheux, 1995) – citando uma
frase de Lacan “só há causa daquilo que falha” e se referindo à ruptura do Programa Comum
da Esquerda, ocorrida no inverno daquele ano – Pêcheux explicita que “levar
demasiadamente a sério a ilusão de um ego-sujeito-pleno em que nada falha, eis
precisamente algo que falha em Les Vérites de La Palice” (título original do livro Semântica e
Discurso em francês). Além de trazer nas notas de rodapé indícios da sua nova noção de
sujeito, mais influenciado pela psicologia, citando um texto de Paul Henry, ele também
exemplifica as resistências e suas marcas por meio da citação de um trecho de uma narrativa
autobiográfica produzida por um militante empregado durante um ano em uma das
indústrias da Citröen:
“[...] o sujeito não pode ser pensado com base no modelo da unidade de uma interioridade, como uno. Ele é dividido, como aquele que sonha, entre a posição de ‘autor’ de seu sonho e a de testemunha desse sonho. [...] Ele é dividido como aquele que cometeu um lapso: não foi ele quem o cometeu, ele disse uma palavra por outra, etc... Mas é preciso que haja o sonho, o lapso, o singular de uma conduta, a neurose ou a psicose para que isso apareça” (Pêcheux, 1995, p. 306) “E se a gente se dissesse que nada tem muita importância, que basta se habituar a fazer os mesmos gestos de uma forma sempre idêntica, aspirando somente à perfeição plácida da máquina? Tentação da morte. mas a vida se revolta e resiste. O organismo resiste. Algo, no corpo e na cabeça, se fortalece contra a repetição e o nada. A vida: um gesto mais
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rápido, um braço que pende inoportunamente, um passo mais lento, um sopro de irregularidade, um falso movimento [...]” (Pêcheux, 1995, p. 307 – grifo nosso)
Para as formulações atuais da AD, o sujeito é atravessado tanto pela ideologia quanto
pelo inconsciente, o que produz não mais um sujeito uno, mas um sujeito cindido, clivado,
descentrado. Um sujeito que não se constitui na fonte e origem dos processos discursivos
que enuncia, uma vez que esses são determinados pela formação discursiva na qual o sujeito
está inscrito (BARONAS, 2000). Também é importante considerar essa atualização na noção
de formação imaginária.
No entanto, apesar de ser clivado, o sujeito tem a ilusão de ser a fonte, origem do
seu discurso (“ilusão esquecimento nº1”) e de ser o mestre absoluto do seu dizer (“ilusão
esquecimento nº 2”) (BARONAS, 2000).
O “esquecimento nº1” está no nível do interdiscurso e do “sistema inconsciente”, e
determina que “o sujeito falante não pode, por definição, se encontrar no exterior da
formação discursiva que o domina” (PÊCHEUX, 1995). Ele também é conhecido como
esquecimento ideológico, por meio dele temos a ilusão de ser a origem daquilo que dizemos
quando, na verdade retomamos sentidos já existentes (ORLANDI, 2003a).
Enquanto o “esquecimento nº2” está no nível do intradiscurso e do “sistema pré-
consciente-consciente”, e determina que “todo sujeito-falante ‘seleciona’ no interior da
formação discursiva que o domina, isto é, no sistema de enunciados, formas e seqüências
que nela se encontram em relação de paráfrase” (PÊCHEUX, 1995). Nessa seleção convém ao
sujeito a escolha de determinadas formas lingüísticas e o esquecimento de outras com o
intuito de produzir a ilusão de que o seu discurso é objetivo e consciente (ORLANDI, 2003a).
“Esses dois esquecimentos, propostos por Pêcheux, apontam para o fato de que, na constituição do sujeito do discurso, intervêm dois aspectos:
__ Referenciais Teóricos 99
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primeiro, o sujeito é social, interpelado pela ideologia, mas se acredita livre, individual e, segundo, o sujeito é dotado de inconsciente, contudo acredita estar o tempo todo consciente. Afetado por esses dois esquecimentos e assim constituído, o sujeito (re)produz o seu discurso”. (BARONAS, 2000, p. 70)
Considerando toda a fundamentação da AD, Maldidier (2003) resume de forma
brilhante o percurso de Michel Pêcheux, que segundo ela “deslocou alguma coisa”:
“De um ponto a outro, o que ele teorizou sob o nome de ‘discurso’ é o apelo de algumas idéias tão simples quanto insuportáveis: o sujeito não é a fonte do sentido; o sentido se forma na história por meio do trabalho da memória, a incessante retomada do já-dito; o sentido pode ser perseguido, mas ele escapa sempre”. (MALDIDIER, 2003, p. 96)
Destacamos que essas noções trazidas da AD são primordiais para o entendimento
de alguns processos ilustrados em nosso trabalho, uma vez que, além de nos ter permitido
compreender os procedimentos de produção de sentidos e sua relação com a ideologia,
também nos ofereceu subsídios para estabelecer as devidas regularidades no
funcionamento dos discursos apresentados pelos alunos que desenvolveram pesquisas de IC
em laboratórios de Química. De particular interesse para o desenvolvimento do trabalho
aqui apresentado foi o conhecimento, na abordagem da AD, da tipologia de discursos
elaborada por Orlandi (1996a), e da noção de autoria na perspectiva também divulgada por
Orlandi (1996b).
5.1.1. Tipologia do Discurso
Da observação da linguagem em seu contexto, e em termos bastante gerais, Orlandi
(2000) propõe que a produção do discurso se faz na articulação de dois grandes processos,
que seriam o fundamento da linguagem: o processo parafrástico e o processo polissêmico.
Sendo o processo parafrástico o que permite a produção do mesmo sentido sob várias de
suas formas (matriz da linguagem) e o processo polissêmico o responsável pelo fato de que
__ Referenciais Teóricos 100
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são sempre possíveis sentidos diferentes, múltiplos (fonte de linguagem). Isto é, de um lado
há um retorno constante a um mesmo dizer sedimentado – a paráfrase – e, de outro, há no
texto uma tensão que aponta para o rompimento. Essa é uma manifestação da relação entre
o homem e o mundo (a natureza, a sociedade, o outro), manifestações da prática e do
referente na linguagem. Há um conflito entre o que é garantido e o que tem de se garantir. A
polissemia é essa força na linguagem que desloca o mesmo, o garantido, a tensão entre o
texto e o contexto histórico-social; o conflito entre o “mesmo” e o “diferente” (ORLANDI,
2000).
A polissemia e a interação configuram os critérios que Orlandi (1996a) estabeleceu
para elaborar uma tipologia de discursos, que ela nomeou discurso autoritário, polêmico e
lúdico, levando em conta a necessidade de relacionar funcionamento e tipo.
“Dessa forma, essa tipologia, ao meu ver, devia dar conta da relação linguagem/contexto, compreendendo-se contexto em seu sentido estrito (situação de interlocução, circunstância de comunicação, instanciação de linguagem) e no sentido lato (determinações histórico-sociais, ideológicas, etc.). Em suma, essa tipologia devia incorporar a relação da linguagem com suas condições de produção. Por outro lado, ou justamente por isso, essa tipologia deveria também acolher o outro lado da variação: o das formas e sentidos diferentes. Daí ter como características a interação e a polissemia.” (ORLANDI, 1996a, p. 152,153)
Segundo a autora a noção de tipo é “necessária como princípio de classificação para
o estudo do uso da linguagem ou seja, do discurso” (ORLANDI, 1996a). Essa necessidade
metodológica se apóia no fato de que a análise trata da variação no domínio do discurso, e,
além disso, tem a ver com os “objetivos específicos” da análise e com “a adequação ao
exemplar de linguagem que é objeto da análise” (ORLANDI, 1996a), fato que toca
diretamente nosso trabalho. É interessante destacar que no prefácio do livro de Denise
Maldidier “A inquietação do discurso: (re)ler Michel Pêcheux hoje” (2003), escrito por Eni
__ Referenciais Teóricos 101
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Orlandi, ela descreve como conheceu Michel Pêcheux e conta sobre uma conversa que teve
com ele, na qual introduziu a idéia da tipologia:
“[...] para ele, eu devia continuar a explorar a tipologia em que eu estava trabalhando na época (discurso polêmico, lúdico e autoritário) e que eu, ao apresentar-lhe, ao mesmo tempo criticava pois sabia que a análise do discurso não se faz através de tipologias. No entanto, dizia ele, as tipologias podem ser um bom instrumento exploratório. Era relevante insistir.” (ORLANDI, 2003b, p. 9)
Segundo a tipologia do discurso, o discurso autoritário é o que tende para a paráfrase
(o mesmo) e em que se procura conter a reversibilidade (há um agente único: a
reversibilidade tende a zero), em que a polissemia é contida (procura-se impor um só
sentido) e em que o objeto do discurso (seu referente) fica dominado pelo próprio dizer (o
objeto praticamente desaparece). O discurso polêmico é o que apresenta um equilíbrio
tenso entre polissemia e paráfrase, em que a reversibilidade se dá sob condições, é
disputada pelos interlocutores, havendo assim a possibilidade de mais de um sentido: a
polissemia é controlada. O discurso lúdico é aquele que tende para a total polissemia, em
que a reversibilidade é total e em que o objeto do discurso se mantém como tal no discurso,
a polissemia é aberta. O exagero do discurso autoritário é a ordem no sentido militar, o do
polêmico é a injúria e o exagero do lúdico é o non sense (ORLANDI, 1996a). Em nossa
sociedade atual, o discurso autoritário é o dominante, o polêmico é possível e o lúdico é
ruptura. Um panorama mais geral das características de cada tipo de discurso é apresentado
na Tabela 4.1.
__ Referenciais Teóricos 102
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Tabela 4.1 – Organização da tipologia do discurso elaborada com base nas propostas de Orlandi (1996a, 2003a)
CARACTERIZAÇÃO DOS TIPOS DE DISCURSO
DISCURSO AUTORITÁRIO DISCURSO POLÊMICO DISCURSO LÚDICO
POLISSEMIA/ PARÁFRASE
Polissemia contida/controlada. O pólo
é da paráfrase, da permanência do sentido
único ainda que nas diferentes formas
Jogo entre paráfrase e polissemia, entre o
mesmo e o diferente
Polissemia aberta. É o pólo da
polissemia, da multiplicidade de
sentidos
INTERAÇÃO ENTRE INTERLOCUTORES (ou
como eles se consideram)
O locutor não leva em consideração seu
interlocutor
O locutor leva em consideração seu
interlocutor de acordo com certa perspectiva
A relação entre interlocutores é
qualquer
SIMETRIA DO DISCURSO
Assimétrico de cima para baixo
Procura a simetria
Não coloca o problema da simetria ou assimetria
REVERSIBILIDADE Procura estancar a
reversibilidade A reversibilidade se dá
sob condições Vive da
reversibilidade
RELAÇÃO DOS INTERLOCUTORES
COM O OBJETO DO DISCURSO
O objeto está encoberto pelo dizer e o falante o
domina
O objeto se constitui na disputa entre os
interlocutores que o procuram dominar
O objeto é mantido como tal e os
interlocutores se expõem a ele
RELAÇÃO COM A REFERÊNCIA
É exclusivamente determinada pelo locutor:
a verdade é imposta
A relação é respeitada: a verdade é disputada pelos interlocutores
Não é a relação com a referência
que importa
O EXAGERO SERIA...
A ordem no sentido militar, isto é, o
assujeitamento ao comando
Injúria Non-sense
NÃO DEVE SER REDUZIDO À...
Ordenar Perguntar Dizer
Segundo Orlandi (1996a), um fator importante no funcionamento discursivo dos
tipos é a metacognição, o fato de que eles apontam para si enquanto tal: o dizer lúdico diz
isto é um jogo, o polêmico se diz disputa e o autoritário se diz autoritário. Para a autora essa
“função metacognitiva se deve ao fato dos tipos serem configurações que se constituem na
interlocução”.
__ Referenciais Teóricos 103
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Orlandi (1996a) defende que a noção de tipo é necessária como princípio de
classificação, mas deve-se tomar o cuidado de não restringir a análise à tipologia, sem
considerar os tipos como um “porto-seguro”, uma noção endurecida e estagnada
metodologicamente.
“Dada a tensão, o jogo, entre o processo parafrástico e o polissêmico que estabelece uma referência para a constituição da tipologia, cada tipo não se define em sua essência mas como tendência, isto é, o lúdico tende para a polissemia, o autoritário tende para a paráfrase, o polêmico tende para o equilíbrio entre polissemia e paráfrase” (ORLANDI, 1996a, p. 155).
A autora também acrescenta que não há nunca um discurso puramente lúdico,
polêmico ou autoritário. E que no mesmo discurso podem estar presentes os três tipos de
discurso alternados. Ela também ressalta o cuidado que se deve ter ao interpretar as
denominações lúdico, polêmico ou autoritário: “não se deve pensar que se está julgando os
sujeitos desses discursos” (ORLANDI, 2003a).
“Por outro lado, tenho procurado, ao longo do meu trabalho, não atribuir um valor específico a qualquer dos tipos, ou melhor, não penso que haja um valor que afeta o tipo intrinsecamente: este é melhor que aquele, etc. O valor dependerá das condições em que o discurso se produz. Dessa forma, os tipos em si, na minha perspectiva, não são só propostas: são tentativas de descrição. São propostas quando os aplico a formas de discurso institucionais como o discurso pedagógico, ou da mulher, ou da história, da religião, etc” (ORLANDI, 2000, p. 25).
Orlandi (1996a) estabelece que existem vários sentidos possíveis e que a dominância
deles se dá historicamente. Nesse sentido a tipologia tem papel fundamental, pois “é ela que
determina o jogo de dominância”, isto é, é ela que determina qual dos significados
permanecerá sobre os outros.
5.1.2. Autoria
__ Referenciais Teóricos 104
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Antes de apresentarmos a noção de autoria, segundo a perspectiva da AD, trazemos
uma breve análise histórico-social da constituição da personagem autoral em nossa
sociedade.
Na cultura oral, a memória tinha um papel fundamental no armazenamento e na
transmissão dos conhecimentos. Os chamados homens-memória (LE GOFF, 19962, apud
MOURA, 2005) eram responsáveis por essas etapas, sem que a transmissão constituísse um
exercício mnemônico, uma vez que o autor precisava “a cada passo, adaptar seu discurso ao
seu público e submetê-lo a determinadas fórmulas e expressões fixadas para uma melhor
compreensão dos interlocutores que, por sua vez, não são passivos diante das narrativas”
(MOURA, 2005). Tendo a responsabilidade pelo que está sendo enunciado (leis, regras e
valores), esses homens-memória retomavam discursos ouvidos ou narrados em outra
circunstância num exercício de interligação desses discursos.
“Por não desconhecer a relação de forças advinda do outro, o autor interage com
elas criando para si um ponto de fuga”, no qual mesmo adaptando seu enunciado o autor
não deixa de ter um discurso próprio e a transmissão do saber não deixa de ser subjetiva,
singular e de se configurar sempre um acontecimento, o que indica que os dispositivos
presentes na constituição de autoria, desse período, não criavam estabilidades (MOURA,
2005).
A passagem da cultura oral para a manuscrita se deu no período compreendido entre
o século IV e o final do século V a.C.. No entanto, essa passagem não foi brusca e encontrou
muitas resistências visto que, segundo Moura (2005), “a palavra oral ainda valia mais que os
registros escritos”. Platão era um dos filósofos que viam a escrita com certa desconfiança e
2 LE GOFF, J. História e memória. 4 ed. Campinas: Unicamp, 1996.
__ Referenciais Teóricos 105
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descrédito: para ele a escrita viria a enfraquecer a memória e as idéias fluem melhor no
diálogo do que na escrita. Essa posição o levou a criar um novo gênero de escrita: o diálogo.
Já no século I, na era do cristianismo, a escrita se transformou num poderoso
instrumento para convencer os pagãos de uma nova verdade, a verdade divina, sobre a qual
não era necessário um autor. Segundo Foucault (2004) “as verdades são dadas pelo Texto
que fala por si mesmo e manifestadas na Revelação divina que consistiam em projeto de
salvação”.
No entanto, o aumento da quantidade de autores observado nesse período
preocupou a Igreja e a autenticidade dos textos passou a ficar subordinada ao princípio de
autoridade, só concedido aos divulgadores da palavra divina. Mesmo com esse esforço não
foi possível impedir a entrada de outros textos, especialmente os científicos, que exigiam a
assinatura de seu autor. Segundo Foucault (2000) o nome do autor serve apenas para
“avalizar sua criação individual, reconhecimento e intenção em uma época que caracterizava
os textos como sagrados ou profano, lícitos ou ilícitos e, ainda, como religiosos ou
blasfemos”, ou seja, o autor surge no texto como uma marca de pertencimento.
“A escrita começa a dar liberdade ao autor, pois ele não se vê atrelado a uma normatividade, mas a um conjunto de regras bem elaboradas que passam a dar-lhe oportunidade de escolher, de transformar o dizer, de assumir a responsabilidade perante ‘[...] um conjunto de obrigações concernentes à fé, aos livros e ao dogma’(FOUCAULT, 19883)” (MOURA, 2005, p. 45-46)
Com a inserção da prensa e a passagem para a cultura impressa “novos personagens
entram em cena e engendram novas posições tanto para o autor quanto para o leitor assim
como, novos procedimentos sobre a produção do autor” (MOURA, 2005). Se a Igreja já se
3 FOUCAULT, M. Technologies of the Self. In: MARTIN, L.H.; GUTMAN, H.; HUTTON, P.H. (Eds) Technologies of
the Self. A seminar with Michel Foucault. Londres: Tavistock, 1988. Não paginado. Disponível em: <HTTP://www.thefoucaultian.co.uk/tself.htm>. Acesso em: 03 jan 2005.
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sentiu ameaçada com o surgimento da escrita, nesse período tanto a Igreja quanto o
governo temem perder sua hegemonia e se posicionam contra a propagação de obras
impressas. Tentando evitar uma interpretação errada da Bíblia a Igreja estimula a
alfabetização dos cristãos, que conseqüentemente passam a ler outros livros além dos
sagrados e também jornais impressos que permitiram às pessoas comuns discussões sobre
as medidas tomadas pela administração governamental. Diante desse quadro, essas
instituições definiram o lugar do autor como um mecanismo de controle: nesse período o
autor podia, até, ir para a fogueira em função da sua obra. Como conseqüência desse
controle o autor passa a singularizar sua obra. Se na antiguidade os livros apresentavam na
capa apenas a inscrição incipit líber (inicia o livro), no século XVI os livros trazem uma folha
de rosto com título, nome do autor, ano da edição e dados do editor.
No século XVII a quantidade e circulação das obras continuavam crescentes e o autor
passa a ter como referência um público leitor (ao invés de um único leitor) ao mesmo tempo
distante e desconhecido. Nesse mesmo período, os mecanismos de controle evoluem para a
inserção da distinção entre o escritor e o autor – aquele que efetivamente edita/publica a
obra. Essa distinção carrega consigo a relação entre lucro e autoria e obra e mercadoria.
Segundo Moura (2005) essas discussões culminam em controvérsias em relação à
propriedade da obra pelo autor.
Já no século XVIII o autor se prende a bases jurídicas e estéticas, ele “passa a ser
proprietário de suas obras e pode vendê-las a quem desejar e essas são ancoradas na
originalidade, na singularidade, na diferença e no estilo” (MOURA, 2005).
“Assim que se instaurou um regime de propriedade para os textos, assim que se promulgaram regras estritas sobre os direitos do autor, sobre as relações autores-editores, sobre os direitos de reprodução, etc – isto é no final do século XVIII e no início do século XIX –, foi nesse momento que a
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possibilidade de transgressão própria do acto de escrever adquiriu progressivamente a aura de um imperativo típico da literatura. Como se o autor, a partir do momento em que foi integrado no sistema de propriedade que caracteriza a nossa sociedade, compensasse o estatuto de que passou a auferir com o retomar do velho campo bipolar do discurso, praticando sistematicamente a transgressão, restaurando o risco de uma escrita à qual, no entanto, fossem garantidos os benefícios da propriedade” (FOUCAULT, 2000, p. 47,48)
No século XX, alguns autores, entre eles Barthes (1968), proclamam o
desaparecimento/morte do autor, partindo de raízes estruturalistas. Segundo Barthes (1968,
p.40,41) não é o escritor que dá as respostas, mas é “cada um de nós, que lhe traz a sua
história, sua linguagem, sua liberdade”, visto que a obra indica “um sentido duvidoso, não
um sentido fechado”. Segundo Foucault (2000)
“[...] não chega, evidentemente, repetir a afirmação oca de que o autor desapareceu. [...] Trata-se sim, de localizar o espaço deixado vazio pelo desaparecimento do autor, seguir de perto a repartição das lacunas e das fissuras e perscrutar os espaços, as funções livres que esse desaparecimento deixa a descoberto” (FOUCAULT, 2000, p.41)
No contexto da AD, compreender a autoria supõe compreender os procedimentos
que os autores lançam mão ao compor seus discursos. Por isso é que o autor pode ser
entendido como princípio que confere unidade ao discurso (FOUCAULT, 2004).
O autor não é entendido como o indivíduo falante que pronunciou ou escreveu um
texto, mas enquanto uma função. No texto “O que é um autor?”, Foucault (2000) realiza
uma análise da “função no interior da qual qualquer coisa como um autor podia existir”, ou
seja, da função autor, e compara essa à análise que ele faz do sujeito: “é provável que [eu]
tivesse analisado da mesma forma a função sujeito, isto é, tivesse feito a análise das
condições que possibilitam a um indivíduo cumprir a função de sujeito” (FOUCAULT, 2000).
A partir da noção de função autor é possível conceber um texto sem autor, “uma carta
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privada pode bem ter um signatário, mas não tem um autor; um contrato pode bem ter um
fiador, mas não tem um autor” (FOUCAULT, 2000).
Segundo Foucault “a função autor é assim característica do modo de existência, de
circulação e de funcionamento de alguns discursos no interior de uma sociedade”. Esse
autor distingue quatro características da função autor (FOUCAULT, 2000):
a) “A função autor está ligada ao sistema jurídico e institucional que encerra,
determina, articula o universo dos discursos”. Ou seja, o autor é “passível de ser
punido” quando os discursos que o texto veicula são transgressores.
b) A função autor “não se exerce uniformemente e da mesma maneira sobre todos os
discursos, em todas as épocas e em todas as formas de civilização”, considerando
que nem sempre os textos pediram uma atribuição. Foucault (2000) descreve a
relação entre os textos literários e científicos, que em alguns momentos exigiam o
nome do autor e em outros não.
c) A função autor “não se define pela atribuição espontânea de um discurso ao seu
produtor, mas através de uma série de operações específicas e complexas” que
constroem “um certo ser racional a que chamamos autor”. Segundo Foucault, o que
no indivíduo é designado como autor (ou o que faz do indivíduo um autor) é apenas a
projeção, em termos mais ou menos psicologizantes, do tratamento a que
submetemos os textos, as aproximações que operamos, os traços que estabelecemos
como pertinentes, as continuidades que admitimos ou as exclusões que efetuamos,
daí a necessidade das operações específicas e complexas.
d) A função autor não “reenvia pura e simplesmente para um indivíduo real, podendo
dar lugar a vários ‘eus’ em, simultâneo, a várias posições-sujeito que classes
__ Referenciais Teóricos 109
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diferentes de indivíduos podem ocupar”. Foucault (2000) exemplifica a pluralidade
de “eus” com um exemplo de um tratado de matemática, no qual o “eu” que fala no
prefácio é diferente, tanto na sua posição como no seu funcionamento, daquele que
fala numa demonstração e que surge sob a forma de um “eu concluo” ou “eu
suponho”, nesse exemplo teríamos ainda um terceiro “eu”: aquele que fala do
significado do trabalho, dos obstáculos encontrados, dos resultados obtidos, dos
problemas que ainda se põem.
A partir dessa caracterização da função autor, percebemos que, em oposição à noção
de autor construída socialmente pelos procedimentos descritos anteriormente, a função
autor é “característica do modo de existência, de circulação e de funcionamento de alguns
discursos no interior de uma sociedade”. E representa um lugar, que em vez de ser definido
de uma vez por todas e de se manter uniforme ao longo do texto, de um livro ou de uma
obra, “varia – ou melhor, é variável o bastante para poder continuar idêntico em si mesmo,
através de várias frases, bem como para se modificar a cada uma”, daí a noção de função
(FOUCAULT, 1986).
Foucault também trabalha a noção de autoria no livro “A ordem do discurso” (2004),
acrescentando às considerações sobre a função autor o fato de que “para que o sujeito se
constitua enquanto autor é necessário que ele inscreva o seu discurso na ordem do
enunciável”. Sobre a noção de autoria na perspectiva foucaultiana, Gregolin (1998) define
que antes de considerar o autor como uma subjetividade, é preciso entendê-lo como “uma
voz inserida em instituições no interior das quais o discurso é produzido”, sendo a sociedade
constituída por instâncias produtoras de discursos e cada uma dessas instâncias inseridas em
__ Referenciais Teóricos 110
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campos distintos de poder “que, por sua vez, possuem estratégias próprias e condições
histórico-sociais de funcionamento”.
No texto de Foucault (2004) o autor surge como um dos procedimentos internos de
controle do discurso, junto com o comentário. No entanto o comentário representa o novo
que “não está no que é dito, mas no acontecimento de sua volta” (FOUCAULT, 2004). O
comentário não tem outro papel senão o de dizer o que estava articulado silenciosamente
no texto primeiro – ele desloca sempre, mas não escapa nunca, instaurando paradoxos de
repetição e esquecimento. Em oposição, o autor é entendido como um “princípio de
agrupamento do discurso, como unidade e origem de suas significações, como foco de sua
coerência”. Ou seja, o que opera um processo de “costura” entre diferentes malhas
discursivas, mas que necessariamente produz “a partir do já-dado um discurso diferente dos
outros”. Segundo Foucault (2004) será autor aquele que “recortará, em tudo o que poderia
ser dito, em tudo que se diz todos os dias, a todo momento, o perfil ainda trêmulo de sua
obra”. Assim, a noção de função autor para Foucault pressupõe a “originalidade” no sentido
de deslocamento dos sentidos cristalizados na sociedade. Segundo Baronas (2001), o autor é
o sujeito-produtor, que a “partir de discursos já cristalizados na sociedade, os reorganiza e
encontra frestas para deixar marcas do seu trabalho, com isso direcionar o interlocutor para
uma certa interpretação”.
A noção de autoria para Eni Orlandi (2000; 1996b) parte das considerações de
Foucault, no sentido da concepção do sujeito enquanto aquele que “ocupa diferentes
posições no interior do mesmo texto, mas está de alguma forma inscrito neste texto, por
diferentes modos de representações que indicam suas funções”. A autora distingue três
funções do sujeito, a função-locutor, que representa o eu no discurso, a função enunciador,
__ Referenciais Teóricos 111
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que representa as perspectivas que o eu constrói no texto (se coloca enquanto patrão ou
empregado, por exemplo) e a função autor. Orlandi (2000) apresenta as funções nessa
ordem, pois, segundo ela, as funções do sujeito caminham nesse sentido (locutor,
enunciador e autor) em direção ao social, sendo, portanto a função autor aquela mais
afetada e submetida às regras e procedimentos disciplinares. Conseqüentemente, é na
função autor que observamos o maior “apagamento” do sujeito e, ao mesmo tempo, uma
maior ilusão de que ele é a fonte do sentido.
Para Eni Orlandi (1996b) “a função autor se realiza toda vez que o produtor da
linguagem se representa na origem, produzindo um texto com unidade, coerência,
progressão, não-contradição e fim”. Diferentemente de Foucault, a autora não pressupõe a
“originalidade” como condição para a autoria, pois considera que embora o autor se
constitua pela repetição, “esta é parte da história e não mero exercício mnemônico”. Sendo,
portanto, a função autor tocada de modo particular pela história, visto que o autor consegue
formular, no interior do formulável e se constituir, com seu enunciado, numa história de
formulações. A relação com a história se justifica pois “o sujeito só se faz autor se o que ele
produz for interpretável”, se ele “inscreve sua formulação no interdiscurso, ele historiciza
seu dizer”.
“Em meu trabalho desloquei essa noção [autoria] de modo a considerar, à diferença de Foucault, que a própria unidade do texto é efeito discursivo que deriva do princípio de autoria. Dessa maneira, atribuímos um alcance maior e que especifica o princípio da autoria como necessário para qualquer discurso, colocando-o na origem da textualidade. Em outras palavras: um texto pode até não ter um autor específico mas, pela função-autor, sempre se imputa uma autoria a ele.” (ORLANDI, 2003a, p.75)
Desta forma, a autora distingue a repetição empírica, repetição formal e a repetição
histórica. A repetição empírica refere-se ao exercício mnemônico, em que o indivíduo repete
exatamente da forma como leu ou ouviu. A repetição formal trata do exercício gramatical,
__ Referenciais Teóricos 112
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em que o indivíduo repete o que leu ou ouviu de maneira um pouco diferenciada, muda as
frases, isto é, diz a mesma coisa com palavras diferentes. E na repetição histórica ocorre a
interpretação, pois o repetível aqui faz parte da memória constitutiva do sujeito, ele
consegue formular e constituir seu enunciado no interior das repetições. Ou seja, o autor
traz outros textos, traz o interdiscurso pelo exercício da memória, costurando o texto
original com os outros enunciados trazidos pelo enunciador. Apenas na repetição histórica o
indivíduo se constitui enquanto autor do texto, pois historiciza seu dizer, trabalha com um
lugar de interpretação definido pela relação com o “Outro” (interdiscurso) e o “outro”
(interlocutor).
A idéia de autoria auxiliou nossa análise uma vez que, utilizando os textos produzidos
pelos alunos, buscamos indícios da repetição empírica, repetição formal e repetição histórica
neles presentes. A análise dos textos, realizada tanto a partir da perspectiva da apropriação
da linguagem científica pelos alunos, quanto da perspectiva do papel de autor assumido
pelos alunos nas suas produções de texto durante a IC, serviu de subsídio para que
conclusões mais amplas sobre as contribuições da IC para a aquisição da linguagem científica
fossem alcançadas.
5.2. Sociologia e Antropologia da Ciência
A Sociologia e Antropologia da Ciência pertencem ao campo dos Estudos Culturais da
Ciência (ECC). Segundo Rouse (19934 apud WORTMANN; VEIGA-NETO, 2001) os ECC se
constituíram “nos embates entre as formulações interdisciplinares positivistas em História e
Filosofia da Ciência e as perspectivas sociológicas assumidas a partir do Programa Forte em
4 ROUSE, J. What are cultural studies of scientific knowledge? John Hopkins University Press, 1993.
__ Referenciais Teóricos 113
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Sociologia do Conhecimento” (grifo do autor). De acordo com essa linha, para descrever,
discutir, e problematizar a prática e o conhecimento é preciso adotar uma ótica e
ferramentas analíticas distintas daquelas das próprias ciências e daquilo que se pode
denominar saberes intuitivos, triviais ou vulgares. Dito de outra forma, os ECC colocam
lentes mais poderosas sobre as condições concretas em que se dão tanto as práticas dos
cientistas quanto a elaboração dos conhecimentos científicos (WORTMANN; VEIGA-NETO,
2001).
Os Estudos Etnográficos de Laboratório são uma das vertentes dos ECC. Bruno Latour
e Steve Woolgar (1997) com seu trabalho, publicado na forma de livro, intitulado a “A Vida
de Laboratório: A Produção dos Fatos Científicos”, são expoentes dessa vertente. Esse
trabalho serviu como instrumento de análise das interações observadas em nossa pesquisa.
Latour e Woolgar (1997) relatam observações, colhidas durante dois anos por Bruno
Latour, sobre o cotidiano de profissionais envolvidos no dia-a-dia do laboratório do
professor Roger Guillemim, Prêmio Nobel de Medicina em 1978, no Instituto Salk de San
Diego, Califórnia, Estados Unidos da América (EUA). Busca-se desta forma apresentar ao
leitor o modo como os cientistas trabalham, ou seja, os degraus por eles galgados até a
apresentação dos fatos científicos gerados nesse meio. Em um trabalho criterioso, que
apresenta diálogos entre os membros do laboratório e contatos desses com integrantes de
outros laboratórios, seja através da troca de cartas, leitura de artigos e projetos de pesquisa
desenvolvidos por pares, ou o simples pronunciamento sobre o aceite ou a recusa de
convites para conferências, Latour e Woolgar (1997) atingem o seu objetivo de uma forma
sem precedentes.
__ Referenciais Teóricos 114
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O relato dos autores deixa evidente que uma descoberta científica não é fruto do
trabalho de uma só criatura de mente brilhante, e sim do trabalho de todos, desde o técnico
que desempenha seu papel rotineiro com exatidão, até o pesquisador que elabora um
projeto de pesquisa, acompanha o seu desenvolvimento através da análise de resultados
obtidos por estudantes de graduação e pós-graduação, divulga esses resultados para a
comunidade científica e ainda angaria verbas necessárias para o andamento da pesquisa
junto a agências de fomento.
A dinâmica do laboratório, no que diz respeito às batalhas intelectuais que tomam
lugar nesse local (por batalhas intelectuais entenda-se o trabalho necessário para convencer
um parceiro de que a sua interpretação de um fato é equivocada), é apresentada, e os
afetos, desafetos e credibilidade decorrentes são também mostrados. Observando a "vida
de laboratório" e considerando todos os aspectos acima mencionados os autores
conseguem nos colocar diante de dois processos: a ciência já feita e a ciência sendo feita.
De particular interesse para o desenvolvimento do nosso trabalho são as colocações
de Latour e Woolgar (1997) sobre a função do laboratório como um local de inscrição
literária, onde a produção de um artigo constitui-se no ápice de um longo processo que
envolve todos os membros da hierarquia do laboratório. Tal constatação intriga e
surpreende os autores que expressam esses sentimentos em textos ricos em pontos de
interrogação:
"O fato de que os cientistas leiam os artigos publicados não surpreende nosso observador. Ele espanta-se mais, em contrapartida, ao constatar que uma grande quantidade de literatura emana do laboratório. Através de que mediação chega-se - a partir desses aparelhos caros, desses animais, desses produtos químicos e das atividades que se desenvolvem no laboratório – a produzir um documento escrito? E por que esses documentos têm tanto valor aos olhos da equipe?" (LATOUR; WOOLGAR, 1997, p. 40).
__ Referenciais Teóricos 115
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"Várias incursões na parte das bancadas convencem nosso observador de que aqueles que aí trabalham escrevem de forma compulsiva e sobretudo maníaca [...] Quando passa do laboratório para o espaço do escritório, o observador se vê mergulhado em um universo no qual a escrita é ainda mais impregnante. Os escritórios estão cobertos de fotocópias de artigos. Algumas palavras estão sublinhadas, as margens estão cheias de pontos de exclamação. Os rascunhos de artigos misturam-se aos esquemas rabiscados apressadamente em pedaços de papel já usado: a carta de um colega, as listagens provenientes da seção ao lado. Páginas cortadas de um artigo são coladas em outros, excertos de artigos em preparação passam de mão em mão, as versões mais acabadas circulam de mesa em mesa. Os textos são constantemente modificados, novamente datilografados, corrigidos mais uma vez e, segundo o caso, adaptados ao formato desta ou daquela revista." (LATOUR; WOOLGAR, 1997, p. 41, 42). "Desse modo, nosso observador antropólogo vê-se confrontado com uma estranha tribo que passa a maior parte do tempo codificando, marcando, lendo e escrevendo. Qual é pois o significado das atividades aparentemente não relacionadas com a marcação, a escrita, a codificação e a revisão?" (LATOUR; WOOLGAR, 1997, p. 2).
Respostas às questões acima colocadas foram meticulosamente buscadas pelos
autores que acabam, por várias vias, chegando ao consenso de que a produção de artigos é a
finalidade essencial da atividade dos cientistas. Desta forma, urge que a forma como os
pesquisadores alcançam o objetivo de produzir um discurso científico seja cuidadosamente
analisada.
"[...] a produção de artigos é a finalidade essencial da sua (do cientista) atividade. A realização desse objetivo necessita de uma cadeia de operações de escrita [...] Os inúmeros estágios intermediários (conferências com projeções, difusão dos rascunhos, etc) têm relação de uma forma ou de outra, com a produção literária. É portanto necessário estudar com cuidado os diferentes processos que resultam na produção de um artigo. Para isso, começaremos por tratar os artigos como objetos, à maneira de produtos manufaturados. Em um segundo momento, iremos nos interessar pelo conteúdo dos artigos" (LATOUR; WOOLGAR, 1997, p. 70)
Segundo os autores, a produção de um artigo depende de diversos procedimentos de
escrita e leitura que podem ser denominados pelo termo inscrição literária, cuja função é
“conseguir persuadir os leitores”, no entanto essa persuasão só será alcançada quando
todas as fontes de persuasão tiverem desaparecido, quando restarem apenas os “fatos”
__ Referenciais Teóricos 116
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puros. Desse modo, “um texto ou um enunciado podem ser lidos como ‘contendo’ um fato,
ou ‘estando submetidos’ a um fato, quando os leitores têm a convicção de que não há
debate a esse respeito e de que os processos de inscrição literária foram esquecidos”
(LATOUR; WOOLGAR, 1997).
Nessa perspectiva diante de um “fato”, os leitores estão de tal modo persuadidos
que não fazem referência à ele, o “fato” se torna imperceptível, ele é simplesmente tomado
como adquirido e utilizado no decorrer de um argumento que visa, de início, a demonstrar
explicitamente um outro fato. No entanto para alcançar essa posição os autores acreditam
que “havia decorrido um período intermediário durante o qual um desenvolvimento
progressivo tinha se produzido, transformando um debate animado em um fato instituído”
(LATOUR; WOOLGAR, 1997).
A partir dessas constatações, advindas de uma criteriosa averiguação e observação
de falas dos cientistas no cotidiano da vida de laboratório, Latour e Woolgar (1997)
elaboram um esquema de classificação dos tipos de enunciados de discursos científicos.
Sendo que os diferentes enunciados podem ser dispostos ao longo de um continuum, em
que os enunciados do Tipo 5 representariam as afirmações que mais se aproximavam de
fatos, e os de Tipo 1, as assertivas mais especulativas, de tal forma que a mudança de tipo de
enunciado corresponde à uma mudança de facticidade. Faremos a análise das produções
orais e escritas dos alunos de IC tomando por base, principalmente, esse esquema, que
sugere 6 tipos de enunciados e se encontra descrito a seguir.
Os enunciados do Tipo 6 se referem à “fatos de tal modo tornados tácitos, de tal
modo incorporados na prática, que nem chegam a constituir objeto de uma formulação
explicita, mesmo quando são ignorados”, segundo Latour e Woolgar (1997).
__ Referenciais Teóricos 117
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Os enunciados do Tipo 5 são caracterizados como fatos tidos como adquiridos. Por
isso mesmo esses enunciados raramente surgem nas discussões entre membros do
laboratório, a não ser que algum novato solicite uma explicação. Nesses casos, quanto maior
a ignorância do novato, mais o informante detalha esse conhecimento implícito e já
sedimentado. Para esclarecer o enunciado do Tipo 5 os autores apresentam uma conversa
entre cientistas do Instituto Salk e explicam porque o diálogo abriga esse tipo de enunciado:
"Durante uma discussão, por exemplo, Bloom não cessa de afirmar que, "no teste de imobilização, os ratos não reagem como se tivessem sob o efeito de neurolépticos". Para Bloom, a força do argumento é clara. Mas Guillemin, um pesquisador que trabalha em outro domínio, tem questões preliminares a colocar: "O que você quer dizer com teste de imobilização?" Um tanto desconcertado, Bloom pára, olha para Guillemin e adota o tom de um professor que lê um manual : "O teste clássico de catalepsia é um teste de tela vertical. Há uma rede elétrica. Põe-se o animal nesta rede; um animal que tomou uma injeção de um animal não tratado simplesmente vai descer (IX, 83). Para Bloom, que conhece o teste, este é um enunciado do tipo 5, que não exige qualquer explicação complementar. Depois dessa interrupção, ele retoma o tom excitado do começo e volta ao argumento inicial" (LATOUR; WOOLGAR, 1997, p. 78)
Os enunciados do Tipo 4 são discursos que já fazem parte de um saber aceito, são
correntes em manuais científicos, destinados aos alunos. Como em “A tem determinada
relação com B”, ou em “as proteínas ribossômicas ligam-se aos pré-ARN desde o começo das
transcrições”. Embora a relação apresentada no enunciado não esteja sob questão, ela é
claramente expressa, ao contrário dos enunciados do Tipo 5. Essa classe de enunciados
raramente é encontrada nos trabalhos dos pesquisadores do laboratório. Os enunciados do
Tipo 4 já fazem parte de um saber aceito e são mais correntes nos textos destinados a
estudantes (LATOUR; WOOLGAR, 1997).
Os enunciados do Tipo 3 estão presentes nos textos que contêm enunciados sobre
outros enunciados, o que Latour e Woolgar (1997) caracterizam como modalidades. Esses
enunciados são freqüentes em artigos científicos e se referem à presença da citação de uma
__ Referenciais Teóricos 118
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referência, como em “Ainda não se sabe bem por que mecanismo o hipotálamo retém
estímulos enviados para as gônadas (ref)”, ou “Em geral, considera-se que a oxitocina é
produzida pelas células neurosecretoras dos núcleos paraventriculares (ref)”. Alguns
enunciados contêm modalidades que exprimem o mérito do autor ou a prioridade daquele
que postulou pela primeira vez a relação em pauta: "Esse método foi primeiramente descrito
por Pieta e Marshall. Vários pesquisadores claramente estabeleceram (referência)", "Uma
prova mais convincente foi fornecida por (referência)" (LATOUR; WOOLGAR, 1997).
Os enunciados do Tipo 2 aproximam-se mais de afirmações do que de fatos aceitos,
eles contêm modalidades nas quais se insiste sobre a generalidade dos dados de que se
dispõe (ou não) e as hipóteses possíveis que devem ser testadas por pesquisas posteriores.
“Parece que o azoto 1 e o azoto 3 do grupo imidazol da histidina desempenham papel
diferente no TRF e no LRF”, essa afirmação ilustra um enunciado do Tipo 2. As relações de
base são em seguida embutidas em apelos ao "que é geralmente conhecido", ou "ao que se
pode razoavelmente pensar que acontece" (LATOUR; WOOLGAR, 1997).
Os enunciados do Tipo 1 dizem respeito a conjecturas ou especulações (sobre uma
relação), portanto, esse discurso figura geralmente no fim dos artigos ou em conversas
privadas. Podemos perceber esse tipo de discurso em frases como: “Peter sugeriu que o
hipotálamo de um peixe vermelho tem um efeito inibitório sobre a secreção de TSH” ou
"Talvez isso signifique que tudo o que se vê, diz e deduz sobre os opiáceos pode não ser
necessariamente aplicado às endorfinas” extraídas do livro.
Assim, a presença das modalidades e inclusão de referências corresponde à mudança
de facticidade dos enunciados. O esquema da Figura 5.1, retirado do livro “A Vida de
Laboratório: A Produção do Fatos Científicos” dá uma visão geral da transição entre os
__ Referenciais Teóricos 119
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enunciados. Latour e Woolgar (1997) defendem que “a atividade de laboratório transforma
enunciados de um tipo em outro”. Segundo esse esquema observamos as diferentes etapas
pelas quais um enunciado (A.B) deve passar para se tornar um fato, ou seja, um enunciado
sem modalidade (M) e sem autor (X).
(1) A.B
(2) M – (A.B)
(3) M + (A.B)
(4) X (A.B)
(5) A.B
(6) ―
Figura 5.1: Esquema das diferentes etapas pelas quais um enunciado deve passar para se tornar um fato
Em outro livro, “Ciência em ação: como seguir cientistas e engenheiros sociedade
afora”, Latour (2000) apresenta outra forma de representação desse esquema, apresentada
na Figura 5.2 extraída desse livro, ao acompanhar o caminho percorrido por algumas
descobertas científicas quando essas ainda não eram aceitas pela comunidade científica.
Figura 5.2: Duplo movimento em direção ao fato e à ficção (LATOUR, 2000)
__ Referenciais Teóricos 120
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Segundo Latour (2000), conforme os artigos “empurrem determinada afirmação a
jusante ou a montante, ela será incorporada no conhecimento tácito, sem marcas de ter sido
produzida por alguém, ou então será aberta, com o acréscimo de muitas condições
específicas de produção”. O esquema apresentado na Figura 5.2 representa o caminho da
suposição ao fato e demonstra que, dependendo do estágio no qual esteja a declaração que
escolhermos como ponto de partida e da direção para a qual outros cientistas a estejam
empurrando, é sempre possível um duplo movimento e uma orientação em qualquer
controvérsia. Essa figura permite a correlação direta com o esquema de classificação dos
tipos de enunciados.
_ _ _Resultados e Discussão 121
___________________________________________________________________________ Grupo de Pesquisa em Ensino de Química
6.6.6.6. RESULTADOS E DISCUSSÃORESULTADOS E DISCUSSÃORESULTADOS E DISCUSSÃORESULTADOS E DISCUSSÃO
Como já comentamos, nosso trabalho teve origem e inspiração na pesquisa de
Queiroz e Almeida (2001), no entanto, partindo de considerações das autoras, introduzimos
alterações quanto à metodologia de pesquisa e ao referencial teórico. Essas alterações
nortearam a escolha dos dados analisados, visando contribuir para a elucidação da nossa
questão de pesquisa que também havia sido foco desse trabalho anterior. Acreditamos que
essas mudanças trouxeram resultados interessantes, descritos nesta seção.
A partir dos dados resultantes do processo de acompanhamento dos dois alunos de
IC, analisamos os diálogos registrados nos laboratórios, sob a perspectiva da AD, com relação
à tipologia do discurso. A análise nos permitiu observar as mudanças ocorridas, ao longo do
período, com base na caracterização dos mesmos em discursos predominantemente
autoritários, polêmicos e lúdicos.
A noção de autoria, também na perspectiva da AD, foi empregada na análise do
relatório final produzido pelo aluno Eduardo. Esse relatório foi escolhido para análise tendo
em vista o acesso que tivemos a todas etapas e versões que culminaram na sua produção,
_ _ _Resultados e Discussão 122
___________________________________________________________________________ Grupo de Pesquisa em Ensino de Química
assim como a todos os textos que a subsidiaram. Ademais, o acompanhamento, por meio de
gravações em áudio, das discussões entre os envolvidos no processo sobre os ajustes e as
correções das versões do relatório, foi mais constante durante a produção do relatório do
aluno Eduardo.
Os dados resultantes da produção de um trabalho do aluno Victor, apresentado em
congresso, foi analisado segundo o referencial teórico do esquema de classificação de tipos
de enunciados presentes em documentos científicos, proposto por Latour e Woolgar (1997).
Quanto a esse documento tivemos acesso aos resumos enviados para o congresso, ao
pôster, e também solicitamos ao aluno a apresentação oral do trabalho (que não foi
realizada no congresso) e gravamos em vídeo essa apresentação.
6.1. Análise do Discurso – Tipologia do Discurso
Analisamos os diálogos travados ao longo do estágio de IC dos alunos de graduação
Eduardo e Vítor sob a perspectiva discursiva da AD. A análise dos diálogos foi realizada
considerando a dicotomia dos processos parafrásticos/polissêmicos e a conseqüente
tipologia do discurso. Nesta etapa investigamos como se dá a relação entre os referidos
processos discursivos no interior de um laboratório de pesquisa em Química e analisamos o
discurso dos envolvidos no desenvolvimento de uma pesquisa de IC, reconhecendo suas
características de acordo com os critérios estabelecidos pela tipologia do discurso – que foi
apresentada anteriormente quando os discursos foram definidos como autoritário, polêmico
e lúdico.
Esses três tipos de discurso se dispõem num continuum entre os processos
parafrástico, centrado no interlocutor, e polissêmico, discurso interativo. Desta forma, o
_ _ _Resultados e Discussão 123
___________________________________________________________________________ Grupo de Pesquisa em Ensino de Química
discurso autoritário representa o pólo da paráfrase (o mesmo) e aquele no qual se procura
conter a reversibilidade (há um agente único, a reversibilidade tende a zero), enquanto o
discurso lúdico seria o pólo da polissemia e aquele no qual a reversibilidade é total. Entre os
dois extremos encontramos o discurso polêmico como aquele que apresenta um equilíbrio
tenso entre polissemia e paráfrase. Sendo a polissemia controlada, no discurso polêmico, a
reversibilidade se dá sob as seguintes condições: ela é disputada pelos interlocutores e o
objeto do discurso é direcionado pela disputa (perspectivas particularizantes) entre os
interlocutores, havendo assim a possibilidade de mais de um sentido.
Observamos, nos diálogos iniciais ocorridos no laboratório, a predominância do
discurso autoritário. Tal predominância se justifica principalmente pelo aspecto da relação
com a referência – exclusivamente determinada pelo locutor, a verdade é imposta – e com o
objeto do discurso – encoberto pelo dizer e dominado pelo falante –, uma vez que é o co-
orientador que detém “a verdade” no princípio do estágio de IC. O esclarecimento de tal
afirmação é auxiliado pela análise dos Trechos de 1 a 6, apresentados a seguir, que ilustram
diálogos entre os alunos e seus co-orientadores.
Trecho 1
Eduardo Eu fiz no próprio meio e com hexano.
Pedro Então agora você tem que fazer com célula lavada e suspensa no... Tem ainda nitrato?
Eduardo Nitrato de potássio?
Pedro É.
Eduardo Acho que tem.
Pedro Então faz com célula lavada e no mesmo pH, suspensa em nitrato.
Eduardo 1,5 a 7,5?
Pedro É. Lava a célula... e suspende em nitrato.
Eduardo Lava com água?
Pedro É lava com água e suspende no nitrato.
Eduardo Uhn... Eu lavo... aí vai ficar no fundo aí vai suspender com nitrato.
Pedro A última lavada você suspende com nitrato.
Eduardo Só a última?
Pedro É. Porque daí homogeniza melhor, daí você suspende tudo em nitrato e ajusta o pH, tudo o mesmo pH.
_ _ _Resultados e Discussão 124
___________________________________________________________________________ Grupo de Pesquisa em Ensino de Química
Caracterizamos o discurso apresentado no Trecho 1 como autoritário, uma vez que
está permeado por um processo constante de paráfrase, de repetição. O interlocutor (aluno
de IC) não muda a direção do discurso do emissor (co-orientador); ele às vezes pergunta,
pede mais explicações, mas o assunto é de domínio do emissor, que conduz o diálogo. A
maior parte do discurso consiste em instruções apresentadas pelo co-orientador, não na
forma de uma ordem no “sentido em que se diz ‘isso é uma ordem’, em que o sujeito passa
a instrumento de comando” – o que seria, segundo Orlandi (1996a), o exagero do discurso
autoritário – e sim na forma de pedidos diretos, de tal maneira que o co-orientador conduz
as ações do aluno e indica suas instruções até mesmo pelo uso do modo imperativo no nível
do intradiscurso (destaques em itálico no Trecho 1): “você tem que fazer”, “faz”, “lava”,
“suspende” e “ajusta”. O Trecho 1 também revela a relação de hierarquia no sentido do co-
orientador conduzir o trabalho do aluno, e no sentido do discurso ser assimétrico, de cima
para baixo.
Nos Trechos 2 e 3, que se seguem, observamos (destaques em itálico) que os co-
orientadores também se esforçam no sentido de estabelecer a agenda que consideram mais
conveniente para a realização dos experimentos, por parte dos alunos.
Trecho 2
Mauro [sobre a disponibilidade do Vítor em permanecer no laboratório no horário de almoço] Pode ser ou você tem o horário de almoço marcado com alguém?
Vítor Não, eu tinha mas... dá pra ficar.
Mauro Reunião, alguma coisa?
Vítor Não, reunião não.
Trecho 3
Eduardo Então não tem problema? Então eu posso continuar fazendo assim? É inoculando à tarde pra fazer no outro dia de manhã?
Pedro Por que não dá pra você inocular de manhã?
Eduardo Dá... porque eu saio mais tarde né? Porque eu faço as medições de manhã, vou, almoço e... porque as medições não pode parar, né? Pra fazer, depois que começa não pode parar... mas se quiser que eu faço de manhã eu faço tranqüilo...
Pedro Essa que ficou com 19 horas você marca.
_ _ _Resultados e Discussão 125
___________________________________________________________________________ Grupo de Pesquisa em Ensino de Química
Eduardo Deixa eu ir lá, então eu vou marcar e vou terminar esse daí... aí amanhã, que nem hoje, eu vou ter que inocular de novo eu posso fazer à tarde também?
Pedro Pra amanhã? Agora não dá?
Eduardo Dá só que a Thais tá usando a...?
Pedro Refluxo?
Eduardo É.
Pedro Não dá pra você inocular agora?
Eduardo Só se eu inocular nesse daqui [outro refluxo]. Então eu vou terminar de medir os pHs, colocar no agitador e vou lá...
Também constatamos a predominância do discurso autoritário quando nos detemos
na análise da reversibilidade dos discursos estabelecidos entre alunos e co-orientadores. No
discurso autoritário a reversibilidade é contida, como se observa, por exemplo, no Trecho 4,
a seguir, no qual existe apenas um agente, o co-orientador. Nesses discursos “as definições
são rígidas, há cortes polissêmicos, encadeamentos automatizados levam a conclusões
exclusivas” (ORLANDI, 1996a). Nessas condições o aluno restringe a interação com
expressões de concordância, como “tá”, que correspondem ao que ele imagina que o co-
orientador espera, revelando as formações imaginárias que permeiam esses diálogos:
Trecho 4
Mauro Muito bem. Vamos por o peróxido. Iodeto. Como você vai chamar os dois? Então você chamou de tampão 2 peroxi2, não é melhor chamar iod1, porque depois você coloca o peróxido. Depois coloca iodeto, peroxi1 e você pode acrescentar alguma coisa.
Vítor Tá.
Mauro Olha os cálculos, eu fiz no almoço, essas são as especificações que estão no frasco, 1 litro tem 1,1kg, isso aqui é massa molar, g/mol, aqui o volume e a densidade. Qual é o título? 30% O que é o título? É a concentração/densidade e molaridade é concentração/massa molar. Vamos primeiro substituir. Então dá uma molaridade de 9,7. Nessa concentração você faz 33,33 microlitros. Então essa é a concentração eu tenha que saber essa concentração pra que eu possa calcular o volume de x em outra concentração. Outro (experimento que vai gerar um gráfico no potenciostato)... vamos lá.
Vítor É linear, né? [ajustando a configuração do aparelho para voltametria linear]
Mauro Sim. Veja que todos têm um pico aqui ó. Esse é da solução tampão. Aqui é linear tampão? Pode ser.
Vítor Não vai ter mais nenhum assim né?
_ _ _Resultados e Discussão 126
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Mauro Não. Vamos adicionar o peróxido e iodeto de potássio. Aqui é o iodeto, o mediador. Porque olha quando é só tampão não tem nada. Só um pequeno pico, mas com o peróxido e com o iodeto... porque a gente fez isso, porque aquela hora era só tampão então ficou a dúvida. Então nós fizemos a mistura dos dois e... agora eu queria fazer durante 1 minuto com o mesmo potencial. Aí é positivo, esc, técnica, vamos conferir, ok. Procedimento... sim, ok. Tá. Dá um esc e agora vamos plotar [conferindo e indicando os ajustes de configuração do aparelho para a produção do gráfico].
Ademais, segundo Orlandi (1996a), o discurso autoritário é um “discurso
individualizado em seu aspecto estilístico e de perguntas diretas e sócio-cêntricas: ‘Não é
verdade?’, ‘Percebem?’, ‘Certo?’, etc”. Perguntas dessa natureza foram encontradas com
freqüência nos diálogos registrados entre alunos e co-orientadores (destaques em itálico),
conforme ilustram os Trechos 5 e 6, a seguir.
Trecho 5
Pedro Pega os erlenmeyers e centrífuga, acrescente o sobrenadante à proveta. Se não chegar a 100(mL) você não completa, porque você vai medir a concentração inicial. Certo? Depois você me chama pra explicar o resto.
Trecho 6
Mauro O B (gráfico) agora é esse daqui. Entendeu?
Vítor Ahan.
Os Trechos de 1 a 6 foram extraídos de diálogos estabelecidos no início dos estágios
de IC, quando os indivíduos ainda tinham pouco conhecimento entre si. Nessa fase, as
relações de hierarquia eram extremamente respeitadas e os alunos de IC possuíam escasso
entendimento sobre o objeto do discurso. Provavelmente esse conjunto de fatores, que
configuram as condições de produção desses discursos, contribuiu para a predominância do
discurso autoritário, que tende a privilegiar a informação, a paráfrase. Orlandi (1996a)
destaca que sob a égide do discurso autoritário se desarticula o característico da
interlocução que é a articulação locutor-ouvinte, sendo que apenas um dos pólos se coloca
como fundamental, desta forma, “o parcial se absolutiza”.
_ _ _Resultados e Discussão 127
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Ao longo do tempo observamos uma transição gradual do discurso
predominantemente autoritário para discursos com tendência ao tipo polêmico e lúdico nos
laboratórios de pesquisa. Essa transição pode ser caracterizada pela predominância de
algumas características do discurso autoritário com inserção de situações mais próximas dos
outros discursos, como no Trecho 7, a seguir. O co-orientador procura mostrar para o aluno
que existe uma diferença entre as medidas realizadas com o eletrodo de ouro e com o
eletrodo de grafite, desta forma ele procura estabelecer uma reversibilidade no discurso,
mas, devido à inexperiência do bolsista, não é bem sucedido na empreitada. Destacamos em
itálico todo o caminho que o co-orientador percorreu para mostrar a diferença entre os
gráficos obtidos com o eletrodo de ouro e com o eletrodo de grafite, tentando fazer com
que o aluno percebesse a diferença.
Trecho 7
Mauro É vamos ter que pôr colorido... Põe laranja esse... Assim está bom. Veja esse experimento é o mesmo desse só que aqui foi aplicado um potencial de 750 durante 1 minuto. Esta curva começa aqui embaixo. Agora aqui põe a legenda, só que você tem que diminuir um pouco a letra é melhor assim está muito grande. Agora nós só vamos discutir alguns dados. Só vai conversar com o professor [orientador do aluno] quando você tiver todos os dados tratados para discussão. Salva aqui. Bom, o eletrodo de ouro nessa região de -400 milivolts e -750 aqui que talvez dê aqueles picos lá do eletrodo de ouro, mas a pergunta é a seguinte aqui olha nesses gráficos é um eletrodo de ouro modificado. Vejamos o gráfico da solução tampão.
Vítor Solução tampão?
Mauro Com solução de iodeto. Eletrodo limpo, einh! Você vê um pico na região de 400 e um aqui no 700 e um pouquinho. Só que quando você for trabalhar com eletrodo de grafite você não vai ter pico nessa região porque o comportamento do grafite é diferente do ouro.
Vítor Pode ver aqui?
Mauro Você pode fazer o monitoramento nessa região. Que outra diferença você vê aí?
Vítor Entre o...
Mauro Não olhando nesse gráfico, aqui não, aqui é potencial em volts, aqui microampér, olhando esse gráfico e olhando o seu gráfico.
Vítor Só com iodeto. Esses picos?
Mauro Não, no todo tem alguma coisa que é muito diferente.
Vítor O seu tem pico aqui e aqui.
Mauro Tem algo mais importante. Olhou teu gráfico?
Vítor Olhei.
_ _ _Resultados e Discussão 128
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Mauro Vou te mostrar... é importante você reparar nisso daqui pra frente nestas experiências. Você não achou bonito o screen printed?
Vítor Ahan.
Mauro Você não achou ele bonitinho, ele é pequeneninho... O que você observa naquele screen que ele é diferente e reflete no resultado desse gráfico? Olhou bem?
Vítor Vem crescendo e chega uma hora que ela fica igual né?
Mauro Você não olha pro gráfico porque você já sabe dos picos. Olha o seu gráfico, o diâmetro do seu eletrodo de trabalho é muito maior, a área do seu eletrodo é muito grande. Qual que é a solução tampão? Olha a escala, a unidade é menor porque o eletrodo é menor. Você tem que observar esses detalhes. Por isso foi colocado em microampér.
O co-orientador instiga o aluno a participar do discurso, a trazer o “diferente”, o
“outro”, o interdiscurso, mas ele ainda não tem condições de “disputar a verdade”, de trazer
a polissemia para o objeto do discurso. Assim, a caracterização do discurso como autoritário
não é coerente, pois existe a busca da reversibilidade e o “diferente”, que caracteriza o
discurso polêmico. No entanto, a pouca participação do aluno no diálogo mantém a
predominância do discurso autoritário.
Observamos também algumas situações nas quais o aluno acredita ter condições de
disputar a verdade, mas o co-orientador não reconhece que o aluno esteja preparado.
Nessas situações o aluno introduz perguntas sobre o conteúdo científico, questionando
resultados ou técnicas, mas é “censurado” pelo co-orientador, em função de questões
metodológicas do desenvolvimento dos experimentos. Percebemos nesse jogo as diferenças
entre as formações imaginárias do aluno e do co-orientador, especificamente na imagem
que o aluno tem de si mesmo, e na imagem que o co-orientador tem do aluno. Essa situação
está ilustrada no Trecho 8 transcrito a seguir, no qual o aluno questiona os resultados
obtidos nos experimentos, sugerindo algum tipo de erro, e a resposta imediata é que o erro
deve ter sido no procedimento experimental conduzido pelo aluno. Quando o co-orientador
_ _ _Resultados e Discussão 129
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estanca qualquer outro sentido que o aluno poderia ter pensado, instaura um discurso
parafrástico, apesar da tentativa de inserção da polissemia por parte do aluno.
Trecho 8 Eduardo Eu medi a absorbância três vezes e as três vezes deu valor diferente, eu agitei bem 3
três vezes.
Pedro Quanto deu?
Eduardo Uma deu 184, a outra deu 130 e poucos e a outra deu 120... não lembro de cabeça.
Pedro Você agitou o meio.
Eduardo Normal... o inóculo. Eu agitei e medi, mas não bateu, o que dá mais próximo são os dois últimos...
Pedro Faz de novo, faz mais dois e dá uma olhada.
Eduardo Vou fazer mais dois então...
Pedro Você usou a micropipeta?
Eduardo É. Faz de novo, lá?
Pedro É faz mais devagarinho.
Os Trechos 9 a 11 apresentados a seguir também apresentam extratos de discursos
predominantemente polêmicos e lúdicos. Acreditamos que a ocorrência de discursos dessa
natureza indique o fato dos alunos passarem a ter algum domínio sobre o objeto do
discurso, levando a “disputas” pelo objeto, pela verdade, e abrindo espaço para a
polissemia, uma vez que já não são apenas os co-orientadores que dominam o discurso.
Além do domínio do conteúdo, também acreditamos que a constante relação entre os
interlocutores favoreça o surgimento de um ambiente mais descontraído e propenso a
brincadeiras e ironias que deslocam o sentido estabelecido do discurso e abrem espaço para
a polissemia. No Trecho 9 observamos a passagem entre a predominância de um dos três
tipos de discurso para outro tipo, nos diálogos entre aluno e co-orientador.
Trecho 9
Mauro Vamos polir o eletrodo.
Vítor Fazendo carinho no eletrodo [a lixa está muito gasta].
Mauro Vou buscar outra lixa. Vai deixa eu conectar.
Vítor Aí, não confia em mim nem pra conectar! A diferença tá perto de dez vezes agora, olha, deu 0,44 agora. Tá feio o negócio hoje!
Mauro A vida vai te ensinando.
Vítor Você agitou fez alguma coisa? Não, né? [Mauro está agitando um pouco] Trocar a solução? Pode tirar né? [solução de iodo]
_ _ _Resultados e Discussão 130
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Mauro A coloração não está diferente?
Vítor Ou é impressão?
Mauro Melhor preparar uma outra. Lava a solução. Troca a solução, 10 mililitros mais 60.
Observamos no Trecho 9 a tendência ao discurso lúdico entrecortando o discurso
predominantemente autoritário. Quando o co-orientador diz que vai conectar o cabo ao
aparelho, o aluno brinca dizendo que ele “não confia em mim nem pra conectar” (destaque
em itálico). Nessa brincadeira abre-se espaço para o “outro”, para um interdiscurso que joga
com as noções de responsabilidade na condução da pesquisa. No discurso
autoritário/parafrástico o interlocutor não teria espaço para deslocar o sentido que o locutor
deu quando disse que iria conectar o cabo no aparelho. Do Amaral (2001) afirma que “o
humor fornece estratégias que conseguem dizer por nós aquilo que gostaríamos de ter dito,
mas não tivemos coragem suficiente para dizer”. O que parece ser o caso; pois a brincadeira
introduzida pelo aluno rompe a relação de hierarquia, a assimetria do discurso de cima para
baixo. Ainda no Trecho 9 o discurso polêmico toma lugar quando o co-orientador questiona:
“A coloração não está diferente?” (destaque em itálico). O co-orientador não se coloca mais
como dono do objeto do discurso, a pergunta não é feita esperando uma resposta
conhecida, como em ocasiões anteriores. No questionamento mencionado, o co-orientador
realmente quer saber a opinião do interlocutor e, para isso, abre espaço para a
reversibilidade, com base em uma nova formação imaginária do aluno. A resposta do aluno
ao questionamento - “Ou é impressão?” (destaque em itálico) – surge como o “outro”, a
polissemia, pois desloca o sentido do discurso e o objeto do discurso, tornando possível a
entrada do interdiscurso. A verdade, a simetria no discurso passa a ser buscada pelos
interlocutores. No entanto, mesmo com a abertura de espaços nos quais surgem o discurso
polêmico e o lúdico não se verifica a ruptura total com a relação de hierarquia. Logo após a
_ _ _Resultados e Discussão 131
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instauração do discurso polêmico, verifica-se o retorno ao discurso autoritário, ao uso do
imperativo, ao pedido e à sugestão, por parte do co-orientador: “melhor preparar uma
outra”, “lava”, “troca” (destaques em itálico).
A mudança nas características dos diálogos ocorridos entre o aluno de IC, Victor, e o
co-orientador, Mauro, também se deu entre Eduardo e Pedro, conforme ilustram os Trechos
10 e 11, a seguir. O discurso autoritário continua predominando, porém aparece
entrecortado por discursos que tendem ao polêmico – caracterizados pelo rompimento com
o “mesmo” – e por discursos que tendem ao lúdico – caracterizados por brincadeiras e
ironias.
Trecho 10
Pedro Porque aí você vai fazer uma semana suspensa no meio e a outra você faz com célula lavada que dá mais trabalho porque você tem que lavar a célula, é mais demorado.
Eduardo A centrífuga continua boa daquele jeito? [ironia]
Pedro Ta do mesmo jeito.
Eduardo Deixa eu ir lá então.
Pedro Semana que vem troca o... solvente, lá.
Eduardo Vai trocar o solvente semana que vem? Ah, uma coisa que eu ia falar, o tubinho do espectrofotômetro, ontem tava dentro do espectrofotômetro, tava cheio de bolor.
Pedro Nossa senhora.
Eduardo Eu procurei na gaveta, não achei e tava lá mesmo...
Pedro Mas tava com que? Com meio?
Eduardo Eu acho que era meio. Eu acho que era levedura porque tava em 570.
Pedro Mas não tava ligado?
Eduardo Não.
Pedro Vou descobrir quem foi. Deve fazer muito tempo que tava lá então, pra estar fungado.
Quando o aluno pergunta “a centrífuga continua boa daquele jeito?” (destaque em
itálico) faz uso da ironia, pois o aparelho está bastante velho e barulhento. Novamente
observamos um deslocamento da paráfrase, do sentido único, o sentido da pergunta é
deslocado para outro significado, para a polissemia. Assim, algumas passagens presentes no
Trecho 10 tendem para o discurso polêmico. O que nos levou a essa observação foi
_ _ _Resultados e Discussão 132
___________________________________________________________________________ Grupo de Pesquisa em Ensino de Química
principalmente a reversibilidade, pois observamos que o discurso sai da assimetria e passa a
buscar a simetria, e o co-orientador leva em consideração as opiniões do aluno. Além disso,
o interlocutor muda o objeto do discurso, desloca esse objeto, saindo da paráfrase e
tendendo para a polissemia, “Eu acho que era meio. Eu acho que era levedura porque tava
em 570”.
Trecho 11 Pedro [entrega uma proveta de 500] Aqui você mede o volume.
Vinicius 400 o volume?
Pedro Não, pega... pega uns 500.
Eduardo Então mas depois... não tem que lavar. Ah, vai dar a mesma coisa.
Pedro Você vai jogar 400 [no béquer] e o resto você usa pra lavar.
Eduardo Ai tava sujo [proveta]! Aqui, tá vendo esse pontinho de sujeira?
Pedro Não tem problema.
Eduardo Não?
Pedro É celulose [risos].
Observamos no Trecho 11 o aluno questionando o co-orientador em dois momentos
distintos: quando ele acredita que o volume de 400 ou 500mL é indiferente e apresenta uma
justificativa para essa crença; e quando o aluno reage de forma enfática à ação do co-
orientador de transferir o líquido para a proveta que segundo o aluno estava suja, “Aqui, tá
vendo esse pontinho de sujeira?”. Nos dois casos observamos um deslocamento dos sentidos
que estavam sendo impostos pelo co-orientador, num movimento polissêmico o aluno
questiona e introduz outras questões que alteram o objeto do discurso.
Ao longo do tempo, a intimidade desenvolvida pelos alunos com o objeto do
discurso, permitiu a introdução da polissemia também no interior das questões sobre o
“conteúdo” do discurso, que antes era de domínio exclusivo dos co-orientadores. Essa
inserção e disputa ficam patentes nos diálogos apresentados nos Trecho 12, 13 e 14, a
seguir, referentes a alunos de IC distintos (destaque em itálico).
Trecho 12
_ _ _Resultados e Discussão 133
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Mauro Vai ter que usar o tarugo.
Vitor O tarugo... mas será que a célula não é melhor?
Mauro Eu acho que não, é melhor o tarugo.
Vitor E aquele que ele deu preparado funcionaria?
Mauro Qual?
Vitor Tem três tipos, aquele tarugo sem nada, só o tarugo né? E aquele que já tava preparado só com a região exposta?
No Trecho 12 o aluno e o co-orientador discutem sobre os três tipos de eletrodos que
eles podem usar para realizar a medida: o tarugo, a célula e o tarugo com a região exposta.
Embora em Eletroquímica o termo célula geralmente se refira a uma célula eletroquímica,
ou seja, um dispositivo no qual corrente elétrica é produzida por uma reação química, nessa
situação específica do laboratório, o aluno e o co-orientador utilizam esse termo para se
referir a um “cadinho” (um potinho) inteiro de grafite que seria o recipiente onde a solução
seria colocada e que também atuaria como eletrodo. O termo tarugo foi empregado pelos
membros do laboratório para se referir a uma barra circular de grafite que tem uma grande
região de grafite exposta. Ao passo que o tarugo só com a região exposta é um eletrodo de
vidro com uma ponta larga de grafite.
Observamos além de situações de “disputa” da verdade, diálogos nos quais o co-
orientador e o aluno constroem o conhecimento sobre os fatos observados no laboratório
de forma conjunta, como era característico da relação entre Mauro e Vitor.
Trecho 13 Mauro Quando nós aplicamos o potencial o que é que reduziu? Todo o iodo da solução?
Victor Não, só o da superfície do eletrodo, não é?
Mauro Então parece que alguma coisa...
Victor Alguma coisa tá adsorvendo na superfície.
Mauro Alguma coisa acontece na superfície. Então nós vamos toda vez agora ter que polir o eletrodo não é? [risos] Então pode erguer, nós vamos polir e fazer a medida novamente à 0,45, porque nós fizemos...
Victor E se não bater... ah, a gente já fez uma delas né?
Mauro Claro! E o negócio tá aumentando porque se não tivesse nada na superfície tinha dado mais ou menos igual pelo menos, alguma coisa tá, tá aderindo à superfície.
Victor E o... não pode levar o primeiro como base porque você já tinha feito várias medidas antes né?
_ _ _Resultados e Discussão 134
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Nessas situações também observamos a polissemia por meio do deslocamento dos
sentidos, como quando o co-orientador fala que reduziu todo o iodo da superfície e Victor
diz que não, que só reduziu o da superfície do eletrodo. Ou ainda quando Victor conclui, a
partir da discussão, que o primeiro experimento não pode ser considerado.
Trecho 14
Eduardo Não, a minha pergunta é a seguinte... quando tem um valor baixo da porcentagem de hidrofobicidade esperada, que não segue essa linha, né? Ele deu muito abaixo... a gente inclui ele ou exclui?
Pedro Bem baixo, né?
Eduardo Não, mas eu acho que isso aí é erro, deu erro de leitura, porque tem algumas que teve também e algumas que não teve, porque esse aqui é do... [folheando o caderno de laboratório] peraí deixa eu ver... é do tolueno no próprio meio. Esse aqui foi o primeiro gráfico. Esse aqui eu fiz ontem... tolueno no próprio meio.
Pedro E esse daqui também é tolueno, não?
Eduardo É tolueno no próprio meio.
Pedro O meio é o definido não?
Eduardo É, definido.
Pedro Esse ponto tá errado.
Eduardo Porque ele tá tendo a mesma taxa quase.
Pedro Cadê os... os valores?
Eduardo Da hidrofobicidade? Aqui ó...
Pedro Esse é desse e esse?
Eduardo Tá atrás.
Pedro Quase o mesmo valor...
Eduardo É tão todos próximos. Só esse aqui... tem um outro gráfico aí também que eu acho que a medida no espectrofotômetro deu errado, na hora de puxar, pode ter vindo algum resquício de solvente.
No Trecho 14 o aluno e o co-orientador discutem sobre alguns dados obtidos a partir
das medidas de hidrofobicidade5 realizadas no solvente tolueno. Os resultados obtidos
apresentaram valores muito distantes dos valores esperados, o aluno acredita que o
problema está relacionado a algum erro de medida que ele deve ter cometido, introduzindo
o interdiscurso relacionado aos erros de manipulação do pesquisador.
5 A hidrofobicidade é uma propriedade físico-química que reflete a aversão da superfície sólida à água. Sendo a
água uma molécula polar, observa-se a tendência de repulsão das regiões apolares ou não-polarizáveis da superfície de partícula quando em contato com uma solução aquosa (Mozes, N.; Leonard, A.J.; Rouxhet, P. G.; Biochim. Biophys. Acta. 1988, 945, 324).
_ _ _Resultados e Discussão 135
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Cabe destacar que observamos os mesmos movimentos no jogo discursivo dos
alunos, com uma pequena diferença nos períodos de observação, os Trechos 12 e 13
correspondem ao décimo mês de trabalho de Victor e o Trecho 14 corresponde ao sétimo
mês da IC de Eduardo.
Ao final do período de observação de um ano, verificamos que, em algumas ocasiões,
as mudanças no jogo discursivo e a intimidade do bolsista com o objeto do estudo
permitem, inclusive, a reversão do papel que os interlocutores ocupavam no início da
atividade, conforme ilustra o Trecho 15, a seguir. Podemos prever nessa reversão uma
grande alteração nas formações imaginárias dos interlocutores.
No final do trabalho de IC, seguindo as instruções dos seus orientadores, Vitor tenta
identificar as espécies que estão presentes em cada pico dos voltamogramas obtidos no
início do trabalho a partir das medidas realizadas no potenciostato e, para isso, ele tem que
realizar alguns testes analíticos para identificar as espécies químicas (analitos) que ele
imagina que cada pico corresponde. Nos diálogos apresentados no Trecho 15, o aluno repete
alguns testes de identificação de analitos que ele havia realizado anteriormente na ausência
do co-orientador e, nessa seqüência, é ele quem conduz o co-orientador na realização dos
experimentos e introduz informações que este não possuía (destaques em itálico).
Trecho 15
Mauro Então você fez todos os testes em amido?
Vitor Ahan.
Mauro Todos?
Vitor Todos, menos o do iodeto.
Mauro E a prata você vai usar pra que?
Vitor A prata, nessa solução de iodo aqui eu tirava um pouco do iodeto com ela, ia precipitando para depois separar no meio com o clorofórmio.
Mauro Então você vai me ensinar depois que eu vi química analítica né?
Vitor Então, repetindo, eu peguei o cloreto de prata tinha a prata direto, então falta tirar o excesso com o cloreto.
Mauro Agora qual que usa? O cloreto de bário?
Vitor Iodato.
_ _ _Resultados e Discussão 136
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Mauro Como fica?
Vitor Iodato foi o único que eu não fiz, né? Eu ia fazer porque eu peguei com bário e eu ia testar com iodato e iodeto.
Mauro Não é melhor repetir aqueles experimentos primeiro?
Vitor Não, porque esse aqui eu fiz lá, eu repeti...
Mauro E o iodato?
Vitor Não, então lá não tinha iodato, eu fiz só iodeto com bário que forma o precipitado, aí eu ia fazer agora do iodato com bário para ver o precipitado seria interessante depois, então eu tenho que pegar o iodato.
Nessa mesma ocasião a orientadora Márcia “visitou” o laboratório e observou as
atividades que Mauro e Victor estavam desenvolvendo. Na presença da orientadora,
observamos nos diálogos do Trecho 16 um retorno ao discurso autoritário marcado pela
formação imaginária que o aluno e o co-orientador têm da orientadora; percebemos que,
para eles, Márcia representa, em termos de discurso científico e de relação com a verdade,
uma espécie de referência, sendo, portanto, constantemente consultada ao longo do
diálogo. Embora Victor e Mauro desloquem o sentido para introduzir novos
questionamentos, alternando o discurso autoritário com trechos que tendem ao discurso
polêmico:
Trecho 16 Márcia O que vocês estão fazendo de bom aqui? De bonito?
Victor Vai saber professora...
Mauro Professora aqui tem iodo, amido e etanol.
Márcia Uhun. Ah, tá, se você tem etanol não forma complexo?
Mauro Aqui... é isso Victor.
Victor Metanol? É esse daí.
Mauro A diferença [entre os dois frascos que ele está segurando] é o etanol e o metanol.
Márcia Uhun. Não forma complexo... porque o que dá aquele azul intenso é quando você tem água. Então deve...
Victor É que fica azul marinho. Então quando você tem esse álcool aqui acontece alguma coisa e não forma complexo, é precipita...
Mauro Uhun.
Márcia Porque a amilopectina ela é... helicoidal, o amido é... porque o principal componente desse amido aí é amilopectina... né? E amilase, né? E daí o iodo entra nessa cadeia helicoidal e daí forma um complexo azul marinho. Aí o que tá acontecendo é que deve separar né? Deve separar... você destrói a cadeia.
Victor Professora, é o iodo?
Márcia O iodo, I2, né?
_ _ _Resultados e Discussão 137
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Mauro Porque aqui é com clorofórmio. O que tem na parte de cima? Iodo?
Márcia Ainda tem iodo, porque a quantidade de clorofórmio não foi suficiente pra você extrair tudo...
Mauro Mas aqui eu tenho o que?
Márcia Iodo e clorofórmio... clorofórmio tem mais. Então ele extrai né, a solubilidade do iodo no clorofórmio é muito grande então o iodo, ele parte da fase aquosa para a fase orgânica e fica essa cor aí... porque o clorofórmio ele é incolor...
Victor E o debaixo?
Márcia O debaixo é o iodo dissolvido no clorofórmio... então você faz uma extração, porque a solubilidade é maior...
Mauro E aqui o clorofórmio com o metanol?
Márcia Metanol? É porque num solvente orgânico ele fica assim, porque a solubilidade é maior...
Victor Porque o professor Fábio, disse que a solução só fica azul devido ao triiodeto...
Márcia Mas o iodo também, porque o iodo, o I2, ele entra na... nessa cadeia helicoidal, ou então o triiodeto também o I3, porque o I3 é o iodo mais o iodeto, então fica o I3
-... esse daí ele entra também...
Victor Mas a quantidade maior é do iodo?
Márcia Não sei... ele forma complexo com os dois.
Esse retorno ao discurso autoritário guiado pela relação com as formações
imaginárias é observado nos diálogos formais entre os alunos e os orientadores com os quais
eles tinham menos contato. Victor trabalhava freqüentemente com Mauro (co-orientador e
pós-doutorando) e Márcia (docente orientadora responsável pelo projeto), mas tinha menos
contato com André (co-orientador e docente de outro departamento); enquanto Eduardo
trabalhava constantemente com Pedro (co-orientador e pós-doutorando), mas tinha menos
contato com Hugo (docente orientador responsável pelo projeto).
No caso dos diálogos observados entre Victor e André e entre Eduardo e Hugo,
percebemos uma forte tendência à paráfrase, indicando um discurso autoritário. Apesar de
esses diálogos terem ocorrido quase no final do período de observação, quando as
conversas com os outros orientadores e co-orientadores, com os quais os alunos tinham
maior contato, eram marcadas por vários traços polissêmicos. Podemos perceber esse
retorno ao processo parafrástico nos Trechos 17 e 18, nos quais os orientadores e co-
_ _ _Resultados e Discussão 138
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orientadores mais distantes passam uma série de instruções quase na forma de monólogos,
e os alunos apenas esboçam expressões de concordância.
Trecho 17 André Quando o processo é mais de adsorção dá esse laçinho mais fininho por isso que
também eu suspeito que aqui possa ser iodo zero e não o I2, porque é como se fosse um processo que tá se adsorvendo, então esse é muito difícil de estar distinguindo com base nisso aí. Vamos lá, tem uma outra... tá vendo as implicações desse negócio? Você pega uma solução, isso aqui é 10 milivolts, 10 milivolts, desoxigenada, desoxigenada, desoxigenada em várias concentrações, esse aqui deve ser 5 10 à -3, deixa eu ver se são todas elas. Ah não, não desoxigenada e desoxigenada, aqui devem ser duas concentrações, ah tá 10 à -2, e 5 10 à -3. Então ó 5 10 à -3, você tá vendo ó? Tá vendo como aqui dá bem pra ver que tem dois piquinhos, e aqui tem dois...
Victor Uhun.
André É aquele, aquela coisa lá do começo, quando que você aumenta muito... ó, então nós temos esse, esse, esse, esse, e esse pico aqui, olha como nós vamos tratar ó... Deixa eu só ver a legenda... 10 à -2 é a 1 e 5 10 à -3 é a 2, então aqui tá vendo você tem esse pico, tem isso aqui, e esse pico aqui ele dá a impressão que não é esse daqui. Olha aqui, esse aqui tá em... 0,85 por aí, agora vamos pegar aqui esse aqui ó, não esse tá em 085, tá? Esse outro aqui tá em 1 esse aqui, aqui em cima ó, ele tá em 1,1 praticamente e aqui tem um outro no 1,5 mais ou menos, mais ou menos, 1,5, 1,4 ,1, 5. Entendeu?
Trecho 18 Hugo Que às vezes você vê aquele mesmo conteúdo numa disciplina, mas quando você vai
fazer no laboratório você vê que não é a mesma coisa se... não é aquele idealismo que as vezes você vê descrito no livro então aí você tem que... você tem que... ver as suas habilidades que as vezes é uma questão de habilidade sua manual ou intelectual, conhecimento, não deu certo porque não estava ajustada a concentração, não estava ajustada a temperatura, não tava ajustado algum parâmetro por isso que não estava certo né? É aquela coisa assim que a química ela é muito... a ciência, o método cientifico é muito de observação...
Eduardo Uhun.
Hugo Então você tem que observar, refletir sobre todas atividades que você faz. Isso é importante, isso é o diferencial pra você mesmo saber se você está crescendo naquele estudo, naquele tema, naquele conteúdo ou se você está passando, cumprindo o horário, você chega entrega os resultados pro Pedro, ele vem entrega pra mim, “olha que legal, tal, não sei o que...” mas a interpretação daqueles resultados e a relação que a gente faz com todo o... o trabalho, com os resultados da Thais [outra bolsista], do próprio Pedro, com os resultados anteriores, quando você vai escrever no relatório você vê... que na discussão você compara os seus resultados com outros resultados do grupo com outros resultados da literatura.
Eduardo Uhun.
_ _ _Resultados e Discussão 139
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Outro momento distinto das pesquisas de IC conduzidas pelos alunos se refere ao
processo de redação dos relatórios de pesquisa, destinados às agências de fomento. Nessas
situações, conduzidas pelos pós-doutorandos, também verificamos o estabelecimento
freqüente do discurso predominantemente polêmico. Tal constatação não é surpreendente,
uma vez que nessa etapa, após quase um ano de trabalho realizado no laboratório, os alunos
já tinham bastante familiaridade com o tópico investigado. Nesse sentido, o Trecho 19, a
seguir, ilustra uma discussão entre o aluno e o co-orientador sobre as possíveis formas de
apresentação do texto, que remetem às formações discursivas dos envolvidos. Encontram-se
destacadas em itálico algumas passagens que sugerem a ocorrência do discurso polêmico.
Trecho 19
Eduardo Aqui a hidrofobicidade dá 29%, 28, 29% e... você colocou média aqui, não seria baixa, invés de média?
Pedro Pode por média mesmo... você sabe que a fermentação ela ocorre de 6 pra baixo, normalmente é 4, 3 mais para cá...
Eduardo Então mais ou menos você descarta o 7?
Pedro Não, se você for olhar né? A maioria tá... em cima.
Eduardo E aqui ó tá baixa... e o último, esse cai de 77 para 56...
Pedro É... esse passou sem olhar...
Eduardo Põe média e alta? Alta né?
Pedro Pode pôr alta. Tava vendo e não reparei...
No Trecho 19 a inserção da polissemia é marcada de forma clara quando o aluno diz
“você colocou média aqui, não seria baixa, invés de média?”, questionando a posição do co-
orientador e inserindo o “novo” no discurso.
A mistura de afetividade nas relações entre os alunos e os pós-doutorandos no
processo de realização da IC aliada ao maior conhecimento dos alunos com relação a
princípios, técnicas e procedimentos usados no laboratório tornaram propício o
aparecimento dos discursos lúdico e polêmico. Essa transição é discutida por Orlandi (2000)
nos seguintes termos:
_ _ _Resultados e Discussão 140
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“Do ponto de vista do autor uma maneira de se colocar de forma polêmica é construir seu texto, seu discurso, de maneira a expor-se a efeitos de sentidos possíveis, é deixar um espaço para a existência do ouvinte como ‘sujeito’. Isto é, é deixar um vago espaço para o outro (o ouvinte) dentro do discurso e construir a própria possibilidade de ele mesmo (locutor) se colocar como ouvinte. É saber ouvinte do próprio texto e do outro. Da parte do aluno, uma maneira de instaurar o polêmico é exercer sua capacidade de discordância, isto é, não aceitar aquilo que o texto propõe e o garante em seu valor social: é a capacidade do aluno se constituir como ouvinte e se construir como autor na dinâmica da interlocução, recusando tanto a fixidez do dito como a fixação de seu lugar como ouvinte. Ou seja, é próprio do discurso autoritário fixar o ouvinte na posição de ouvinte e o locutor na posição de locutor. Negar isso é negar a possibilidade de ser ouvinte, é não aceitar a estagnação desse papel, nessa posição.” (ORLANDI, 2000, p. 32)
A transição verificada nos tipos de discursos travados nos laboratórios de pesquisa
sugere a relevância da contribuição da atividade de IC, no sentido de fazer com que os
alunos tenham uma melhor compreensão do objeto do discurso e uma conseqüente
apropriação do conhecimento científico em questão. Assim, ficam aptos a disputar a
verdade com o co-orientador e a buscar outros sentidos que não o dominante.
“[...] todos os sentidos são de direito possíveis. Em certas condições de produção, há, de fato, dominância de um sentido sem por isso se perder a relação com os outros sentidos possíveis. A sedimentação de processos de significação, em termos de sua dominância, se dá historicamente: o sentido que se sedimenta é aquele que dadas certas condições, ganha estatuto dominante. A institucionalização de um sentido dominante sedimentado lhe atribui o prestígio de legitimidade e este se fixa, então, como centro: o sentido oficial (literal). [...] como a sedimentação de processos se faz em termos de dominância em relação a determinadas condições de produção a tipologia tem papel fundamental: é ela que determina o jogo de dominância, isto é, é ela que determina a forma que terá a relação de um dos sentidos com os outros possíveis” (ORLANDI, 1996a, p. 162,163).
Frente à colocação anterior de Orlandi (1996a), podemos inferir que a atividade de IC
contribuiu para o rompimento com o “já estabelecido” e para o surgimento do
“interdiscurso”, o que pode indicar que a contribuição da atividade para o desenvolvimento
da autonomia do estudante frente ao objeto de estudo, como sugere Bazin (1983). O autor
_ _ _Resultados e Discussão 141
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chamou a atenção para o fato de o estudante concluir o nível médio apresentando
características de passividade e obediência com relação ao que lhe é ensinado, com
possibilidades reais praticamente nulas de criticar ou, de fato, analisar o que recebe. Bazin
acredita que a IC é um passo importante a ser dado quando se objetiva a independência
intelectual do aluno. Nossos estudos contribuem para a confirmação da análise de Bazin,
pois, ao introduzir o discurso polêmico, o aluno está produzindo um deslocamento do
mesmo, está indicando o caminho para a polissemia. E esse caminho foi um
desenvolvimento autônomo do aluno, o que caracteriza a passagem da relação de
passividade frente ao objeto de estudo.
De forma geral, observamos que ao desenvolver uma pesquisa de IC os discursos
presentes no início do processo são marcados pela predominância da paráfrase, que ao
longo do tempo cede lugar à polissemia, marcando a passagem de um discurso
predominantemente autoritário para um discurso que tende ao polêmico e ao lúdico. No
entanto, mesmo com a abertura de espaços nos quais surge a polissemia, não há ruptura
total com a relação de hierarquia. Freqüentemente, logo após o discurso polêmico, verifica-
se um retorno ao autoritário: apesar disso, percebemos nos diálogos registrados no final do
processo a predominância da polissemia, da reversibilidade. No entanto a verdade ainda é
disputada, o que é uma característica do discurso científico (ALVES, 1981). O discurso lúdico
surge nos diálogos como uma brincadeira, uma ironia que torna o trabalho mais ameno e
agradável, sinalizando a atividade de IC como uma atividade prazerosa. Orlandi (1996a)
justifica a pouca utilização do discurso lúdico na sociedade em que vivemos e poderíamos
considerar essa mesma justificativa para a nossa análise:
“O uso da linguagem pelo prazer (o lúdico), em relação às práticas sociais em geral, no tipo de sociedade em que vivemos, contrasta fortemente com
_ _ _Resultados e Discussão 142
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o uso eficiente da linguagem voltado para fins imediatos, práticos, etc., como acontece nos discursos autoritário e polêmico. Nesse sentido, eu diria que não há lugar para o lúdico em nossa formação social. O lúdico é o que ‘vaza’, é ruptura.” (ORLANDI, 1996a, p. 154,155)
Como a própria Orlandi (1996a) enfatiza, não existe um processo melhor do que o
outro, portanto a predominância inicial da paráfrase não é um aspecto negativo da pesquisa
de IC. O fato de os discursos iniciais estarem próximos do pólo da paráfrase indica que, nesse
momento, os alunos ainda não têm condição de interagir com o objeto do discurso, o que é
característico de um contato inicial. Por não dominar o objeto, os alunos se “assujeitam” ao
co-orientador: não ocorre reversibilidade. Acreditamos que a relação de hierarquia existente
nos laboratórios de pesquisa também contribui para que o quadro observado seja esse. No
entanto, os discursos, inicialmente parafrásticos, mudam ao longo do tempo. Ao adquirirem
maiores conhecimentos sobre o assunto e ao estabelecerem uma relação mais próxima com
os co-orientadores, os alunos se sentem à vontade para interagir com o objeto do discurso,
introduzindo a polissemia, deslocando os sentidos estagnados impostos pelos co-
orientadores.
A mudança na polaridade do discurso – de parafrástico para polissêmico – e na
tipologia – do autoritário para o polêmico – é extremamente positiva, pois indica o fomento
de qualidades importantes como a independência intelectual e o senso crítico dos alunos,
além da sua importância no que diz respeito ao aprendizado da Química. A IC se apresenta,
então, como uma das formas que a universidade possui de criar condições para a produção
do discurso polêmico no curso de graduação e que merece ser fomentada.
Além dos movimentos discursivos observados e analisados, por meio da tipologia do
discurso, tínhamos a preocupação em enxergar de forma mais direta os processos de
apropriação do discurso científico. O acompanhamento dos alunos e a gravação dos diálogos
_ _ _Resultados e Discussão 143
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se mostraram frutíferos para indicar aspectos relevantes nesse processo. Além, é claro, das
contribuições advindas da análise quanto à tipologia do discurso, que deixa claro o processo
gradual e contínuo de familiaridade dos alunos com os conteúdos científicos e a constituição
dessa formação discursiva, revelada por meio do uso adequado da linguagem científica. Não
podemos considerar um processo polissêmico, e um discurso polêmico ou lúdico, sem que o
aluno se utilize dos termos e da linguagem corretos; caso contrário, o co-orientador
simplesmente estancaria o deslocamento de sentido promovido pelo aluno, ignorando ou
refutando suas colocações com base nas “verdades científicas”. O que observamos nessa
análise, com base na tipologia, em especial nas etapas finais da IC, foi um diálogo de disputa
da verdade e do objeto do discurso, sendo essa disputa realizada quase em pé de igualdade
pelos interlocutores. Sendo assim, a observação do processo polissêmico já é indicativa da
apropriação do discurso científico. No entanto, observamos nos diálogos situações
específicas, que serão discutidas a seguir, favoráveis a essa apropriação e indicativas de
como se deu esse processo.
Observamos nos diálogos a transmissão de instruções que favorecem a apropriação
dos termos típicos da área de pesquisa. Em algumas situações é flagrante o processo de
familiarização do aluno com novas palavras, expressões e sentidos típicos do laboratório de
pesquisa. Nessas ocasiões o discurso se revela como tendendo ao autoritário, como era de
se esperar, visto que o aluno parte de uma situação de desconhecimento. Podemos observar
no Trecho 20 o aluno repetindo termos científicos e fazendo anotações dos mesmos,
enquanto percebe as diferenças nas formas orais e escritas. Acreditamos que essa passagem
indique uma das primeiras e mais fundamentais formas de apropriação do discurso
científico, que se refere ao domínio do “jargão” da área. Nessa situação, o discurso
_ _ _Resultados e Discussão 144
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autoritário cumpre um papel fundamental no processo de apropriação e consolidação da
formação discursiva.
Trecho 20 Pedro Tem que ter peptona, dextrose ou glicose.
Eduardo Peptona.
Pedro Glicose.
Eduardo Glicose.
Pedro Agar, e extrato de levedura. Agar é de alga. Esse tá novinho [mostrando a data de validade vencida]
Eduardo [risos]
Pedro Ó, o YPD é 2% de agar.
Eduardo Peraí, deixa eu anotar.
Pedro O sólido né? YPD sólido [olhando a anotação dele]
Eduardo Ah, tá.
Pedro Com o agar é sólido. É YPD sólido. É 2% de Agar, 2 de glicose e 2 de peptona e 1 de extrato de levedo. Quando faz o líquido, que a Ana [outra bolsista] fez, o líquido, é sem o agar.
Eduardo É 2% do que aqui? Da massa?
Pedro É massa. Massa volume.
Eduardo 2%... então é gramas... gramas/litro? Gramas/mL?
Pedro É gramas por 100mL.
Eduardo Gramas por 100mL [anotando].
Pedro É porcento, porcentagem. Dá 2g por 100, você vai fazer 500. 10 gramas.
Eduardo É 500 mL que eu vou fazer?
Pedro É. Você vai estrear o... a pipeta pra ver se funciona bem. Aí quando você fizer, você pesar tudo, aí você vai colocar num béquer de vidro de... 500 ou 1000? E colocar naquele agitador alí e esperar ele dissolver, porque o agar ele dissolve à quente. Aí depois que dissolveu daí você vai...
Eduardo Um por um.
Pedro Vai colocando 2,5... 2,4.
Eduardo Aí depois você colocar 2,5.
Pedro 2,4 tanto faz.
Eduardo O vial é vial [falando como se escreve] que escreve?
Pedro Vial [falando como se escreve]. O Luis [técnico do laboratório] coloca 2,4.
Nessa situação podemos supor que a apropriação se dá pela repetição e
principalmente, pela familiarização, se considerarmos todas as outras situações de
apropriação dos termos científicos que foram registradas.
Observamos, também, uma situação vivenciada por esse mesmo aluno na qual ele foi
instigado a “descrever/relatar” sua pesquisa ao orientador. Nesse caso podemos imaginar a
_ _ _Resultados e Discussão 145
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preocupação do aluno em seguir um rigor científico, levando em consideração a imagem que
ele tinha do orientador.
Trecho 21 Hugo Tá, além da cultura microorganística que mais você fez?
Eduardo Medidas de adesão celular a compostos...
Hugo Como é que é essa medida? De adesão celular?
Eduardo Você tem a célula em solução, ou é no próprio meio, que é solução de cultivo mesmo, na cultura, meio definido.
Hugo Você fez em melaço também?
Eduardo Ainda não. E em suspensão de nitrato de potássio.
Hugo Nitrato de potássio?
Eduardo Sim. A 10-4 molar. E depois você tem uma concentração de 0,5mg por mL.
Hugo Uhun.
Eduardo Depois da solução... da suspensão feita à 0,5mg por mL. Você pega 3mL dessa solução e é adicionado 1mL de solvente, aí é agitado por 25... 20 segundos cada um é deixado em repouso até que haja uma separação dos meios depois eu pego e meço a absorbância da solução é... que fica embaixo que é a mais pesada, que contém a quantidade de células...
Hugo De células... que informação você tira dessa medida?
Eduardo A quantidade de células que aderiu ao solvente
Hugo Então você tá fazendo uma... você tá fazendo aí uma transferência de fase ou não? Que solvente que é?
Eduardo Tem o... usamos octanol, tolueno, para-xileno e hexano.
Hugo Qual que é melhor?
Eduardo Hexano e para-xileno.
Hugo E o octanol?
Eduardo Octanol a gente teve uns desvios. Octanol ele mistura muito com a água.
Hugo É.
Eduardo Então parece que ele forma micropartículas na água e dá erro nas medidas.
Hugo E qual a diferença fundamental desses solventes, octanol e hexano?
Eduardo Octanol acho que ele é mais... ele é menos apolar, né? Se mistura um pouco mais com a água.
Hugo E os hidrocarbonetos, hexano até octanol é... além de você ter a nítida separação de fases, o hexano principalmente, o octano também, você tem assim uma transferência de células pra essa fase. Porque as células transferem pro hexano?
Eduardo Porque as células são hidrofóbicas, né? Elas tem...
Hugo Quantas, quantos tipos de células você usou?
Eduardo Dois.
Hugo Que linhagens você usou?
Eduardo Eu usei a FLT-01 e a LTU.
Hugo Tá. Qual que... qual que tem maior adesão à...
Eduardo Ao hidrocarboneto.
Hugo Ao hidrocarboneto?
Eduardo FLT-01.
_ _ _Resultados e Discussão 146
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Hugo FLT-01?
Eduardo É. É muito hidrofóbica.
Hugo Mais hidrofóbica que a LTU né?
Eduardo Uhun. Muito mais.
Hugo E as duas são... é...
Eduardo Saccharomyces cerevisiae.
Nesse Trecho o orientador Hugo, introduz uma série de questões para Eduardo sobre
sua pesquisa, ao longo do diálogo ele pergunta ao aluno: “o que é a medida de adesão
celular”; “que informações ele tira dessa medida”; “qual é o melhor solvente”; “qual é a
diferença fundamental entre os solventes”; “quais tipos de células ele usou”; “qual tem
maior adesão”. Eduardo responde a todos os questionamentos e em alguns casos ele até
fornece detalhes sobre a metodologia da sua pesquisa, como quando descreve a suspensão
em nitrato de potássio “A 10-4 molar. E depois você tem uma concentração de 0,5mg por
mL”. Em outras situações ele descreve os resultados incluindo sua interpretação dos
fenômenos observados, como quando questionado sobre o uso do solvente octanol:
“Octanol, a gente teve uns desvios. Octanol, ele mistura muito com a água”; “Então parece
que ele forma micropartículas na água e dá erro nas medidas”; “Octanol, acho que ele é
mais... ele é menos apolar, né? Se mistura um pouco mais com a água”. Destacamos ainda
que o aluno não havia estudado para essa conversa mas sabia responder a todas perguntas
utilizando a linguagem científica por meio dos jargões da sua área. Percebemos nesse Trecho
o uso de vários termos próprios do laboratório, como “solução de cultivo”, “adesão celular a
compostos”, “células hidrofóbicas”, “FLT-01”, “Saccharomyces cerevisiae”, entre outros.
Também podemos observar, através dos diálogos do Trecho 21, o sucesso do aluno
ao descrever sua pesquisa utilizando outra forma de linguagem científica, segundo a
formação discursiva da sua área de pesquisa. No início do diálogo, observamos uma
_ _ _Resultados e Discussão 147
___________________________________________________________________________ Grupo de Pesquisa em Ensino de Química
descrição metodológica dos procedimentos que o aluno emprega no laboratório, quando
Eduardo conta que “Depois da solução... da suspensão feita a 0,5mg por mL. Você pega 3mL
dessa solução e é adicionado 1mL de solvente, aí é agitado por 25... 20 segundos cada um é
deixado em repouso até que haja uma separação dos meios”. Observamos nessa colocação,
no nível do intradiscurso, uma preocupação didática do aluno, ao explicar o procedimento
por meio de expressões como “você pega”, e o uso da linguagem científica no formato de
linguagem, quando o aluno diz que “é adicionado 1mL de solvente, aí é agitado por 25... 20
segundos cada um é deixado em repouso”, usando a voz passiva, dando a impressão de
ausência de subjetividade, e colocando o objeto do discurso em evidência.
Podemos supor o importante papel da IC e vivência da pesquisa, quando observamos
o caderno de laboratório de Eduardo, apresentado na figura 6.1.
Figura 6.1: Trecho extraído do caderno de laboratório de Eduardo, que evidencia o uso da linguagem científica na descrição dos experimentos realizados
Extraímos um trecho do caderno no qual percebemos o uso da linguagem científica
na descrição de todos os experimentos conduzidos pelo aluno, que fornece indícios para a
observação dessa forma de linguagem no diálogo de Eduardo com Hugo. Acreditamos que
essa é outra marca do processo de apropriação do discurso científico, propiciada
essencialmente pela IC.
_ _ _Resultados e Discussão 148
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6.2. Análise do Discurso - Autoria
Analisamos o relatório científico intitulado “Medidas de hidrofobicidade da parede
celular de leveduras por adesão a hidrocarbonetos: diferentes leveduras, hidrocarbonetos e
meios de suspensão de células”, produzido pelo aluno Eduardo, sob orientação do co-
orientador Pedro, com relação à noção de Autoria, advinda das pesquisas de Eni Orlandi
(1996b). Nesta etapa investigamos como se dá a relação entre os chamados “textos
primeiros” (Foucault, 2004), que serviram de referência para a elaboração do relatório, e os
deslocamentos e inserções de sentidos, empregados pelo aluno no processo de redação do
documento científico destinado à agência de fomento. Mais especificamente, reconhecemos
os processos de autoria de acordo com a distinção proposta por Orlandi (1996b) entre as
repetições empíricas, formais e históricas.
A noção de autoria e os três tipos de repetição foram apresentados anteriormente.
Recordando brevemente essas definições, destacamos que para a Orlandi (1996b) o sujeito
só exerce a função-autor quando historiciza seu dizer, num jogo com a memória discursiva
diretamente ligado à interpretação. Nessa situação, embora “o autor se constitua pela
repetição, esta é parte da história e não mero exercício mnemônico”, o que configura a
chamada repetição histórica. A autora distingue ainda outros dois processos de repetição
que não inscrevem suas formulações no interdiscurso, não historicizam o dizer e, portanto,
não promovem a autoria. Essas seriam as repetições empíricas e formais, sendo a primeira
aquela na qual o indivíduo repete exatamente a forma como leu ou ouviu, e a segunda um
exercício gramatical, em que o indivíduo repete o que leu ou ouviu de maneira um pouco
_ _ _Resultados e Discussão 149
___________________________________________________________________________ Grupo de Pesquisa em Ensino de Química
diferenciada, mudando as frases, mas continuando a dizer a mesma coisa apesar de usar
palavras diferentes.
O relatório do aluno Eduardo, redigido no intervalo de aproximadamente um mês,
trata dos dados por ele coletados no decorrer do ano no qual realizamos o
acompanhamento no laboratório. O documento foi produzido em várias etapas e versões,
que conduziram à produção do relatório final. Acompanhamos todas as etapas e tivemos
acesso a todas as versões, o que nos permitiu uma boa visão sobre processo de produção do
relatório e viabilizou o nosso trabalho de análise.
Para obter a primeira versão do relatório, Eduardo dividiu sua tarefa em dois grandes
segmentos: a produção e análise dos gráficos obtidos, que viria a se tornar a seção de
resultados e discussão; e a produção do texto para a seção de introdução e de materiais e
métodos.
A produção e análise dos gráficos obtidos se deu em várias etapas, nas quais o aluno
acrescentava informações ou produzia alterações a partir das sugestões de Pedro. Seguindo
as orientações de Pedro, a primeira etapa desse processo consistiu na inserção dos gráficos
no editor de textos Word; além dos gráficos, Eduardo apenas esboçou uma legenda
simples para cada gráfico. Na segunda e terceira etapa do processo, Eduardo introduziu
alterações no texto inicial produzido na etapa anterior; as alterações advinham de algumas
sugestões de Pedro sobre o texto, tais como, a inserção da tabela com os dados numéricos
sobre o gráfico e uma descrição dos pontos obtidos. As etapas seguintes consistem de novas
alterações nessa última versão, produzidas a partir das considerações de Pedro.
A produção do texto para a seção de introdução e materiais e métodos também se
deu em algumas etapas, em cada uma delas Eduardo produziu seu texto a partir dos
_ _ _Resultados e Discussão 150
___________________________________________________________________________ Grupo de Pesquisa em Ensino de Química
relatórios de duas bolsistas que desenvolveram pesquisa no laboratório, como Pedro havia
sugerido.
Após concluir a produção e análise dos gráficos e a produção do texto para a seção de
introdução e de materiais e métodos, a primeira versão do relatório estava pronta. Pedro
uniu os arquivos em um só e formatou o texto, devolvendo-o a Eduardo com algumas
indicações de correções, sendo que a partir das novas alterações Eduardo e Pedro chegaram
à versão “final” do relatório, que foi enviada à agência de fomento.
Como mencionado anteriormente, Eduardo deu continuidade a um projeto iniciado
por outra aluna de IC, sendo que o relatório dessa aluna serviu de base para o seu texto.
Assim, verificamos as relações entre esse “texto primeiro” e as respectivas etapas e versões
do relatório de Eduardo, na tentativa de reconhecermos a ocorrência das repetições
empírica, formal e histórica. A seguir, discutimos tais ocorrências nas versões do relatório
em questão.
Repetição Empírica
Na repetição empírica temos o exercício mnemônico de repetição palavra por
palavra, observada no nível do intradiscurso. Foram observadas poucas ocorrências desse
tipo de repetição em trechos da introdução, nos quais o aluno reproduziu parágrafos do
relatório da aluna de IC na íntegra. No trecho abaixo apresentamos o texto original e o texto
do relatório de Eduardo:
Parágrafo do texto original Existem vários métodos usados para investigar as propriedades hidrofóbicas de moléculas ou partículas. Não existe consenso sobre as medidas de hidrofobicidade, devido ao fato de que ela não pode ser medida diretamente, mas apenas através de fenômenos que refletem com maior ou menor clareza a natureza das interações intermoleculares (Mozes & Rouxhet, 1987). Usualmente, a hidrofobicidade é determinada por partição em um sistema de duas fases, constituída por fase aquosa/fase orgânica (Rosemberg, 1991), fornecendo como resultado o grau de adesão de células a hidrocarbonetos. No entanto, o mecanismo das interações
_ _ _Resultados e Discussão 151
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hidrofóbicas ainda é pouco compreendido pela maioria dos pesquisadores e sua determinação quantitativa é bastante imprecisa. Parágrafo do relatório final de Eduardo Existem vários métodos usados para investigar as propriedades hidrofóbicas de moléculas ou partículas. Não existe consenso sobre as medidas de hidrofobicidade, devido ao fato de que ela não pode ser medida diretamente, mas apenas através de fenômenos que refletem com maior ou menor clareza a natureza da interação intermolecular (Mozes & Rouxhet, 1987). Usualmente, a hidrofobicidade é determinada por partição em um sistema de duas fases, constituída por fase aquosa/fase orgânica (Rosemberg, 1991), fornecendo como resultado o grau de adesão de células a hidrocarbonetos. No entanto, o mecanismo das interações hidrofóbicas ainda é pouco compreendido pela maioria dos pesquisadores e sua determinação quantitativa é bastante imprecisa.
Além da introdução observamos a repetição empírica na seção de materiais e
métodos. Nessa seção não se espera que alterações consideráveis existam nos trabalhos dos
membros de um mesmo grupo de pesquisa. No entanto, um dos parágrafos do texto original
foi copiado palavra por palavra por Eduardo, incluindo informações como o modelo e marca
do equipamento e o uso do símbolo º utilizado incorretamente para indicar graus Celsius
(°C). Esse erro foi corrigido por Pedro na versão final do relatório. Outro erro, copiado do
relatório da bolsista, que não foi percebido por Eduardo ou Pedro e que permaneceu na
versão definitiva, foi a ausência de espaço e letra maiúscula no início da última frase
(destacada no trecho abaixo).
Parágrafo do texto original As leveduras foram propagadas em meio definido (modificado por DeSousa & Laluce, 2000) contendo os macro-nutrientes g/L: 20 de glicose, 3,12 de NH4SO4, 1,99 de KH2PO4, 0,54 de MgSO4.7H2O, 0,09 de CaCl2 e 0,11 de NaCl; vitaminas: 30,0 de myo-inositol, 4,8 de piroxidina, 1,68 de tiamina, 4,8 de pantetonato de cálcio, 0,36 de biotina e micro-nutrientes mg/L: 72,8 de ZnSO4.7H2O, 10,4 de CuSO4.5H2O, 10,4 de H3BO3, 52,0 de FeCl3.6H2O, 10,4 de KI.o meio foi esterelizado por 20 minutos em autoclave (fabricada pela Fabbe-Primar Industrial LTDA, modelo 103) pelo vapor produzido a 120 ºC e atmosfera de pressão. Parágrafo do relatório final de Eduardo As leveduras foram propagadas em meio definido (modificado por DeSousa & Laluce, 2000) contendo os macro-nutrientes g.L-1: 20 de glicose, 3,12 de NH4SO4, 1,99 de KH2PO4, 0,54 de MgSO4.7H2O, 0,09 de CaCl2 e 0,11 de NaCl; vitaminas: 30,0 de myo-inositol, 4,8 de piroxidina, 1,68 de tiamina, 4,8 de pantetonato de cálcio, 0,36 de
_ _ _Resultados e Discussão 152
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biotina e micro-nutrientes mg/L: 72,8 de ZnSO4.7H2O, 10,4 de CuSO4.5H2O, 10,4 de H3BO3, 52,0 de FeCl3.6H2O, 10,4 de KI.o meio foi esterilizado por 20 minutos em autoclave (fabricada pela Fabbe-Primar Industrial LTDA, modelo 103) pelo vapor produzido a 120 °C e atmosfera de pressão.
Podemos especular que a repetição empírica, em alguns trechos da seção de
materiais e métodos, se deva à concordância do aluno, no que diz respeito a informações
contidas no relatório original, associada ao fato desse procedimento de escrita ser habitual
em muitos laboratórios. Em contrapartida, tal repetição na seção de introdução não é
esperada, sugerindo a dificuldade do aluno em se expressar na linguagem cientifica
adequada para essa seção. De fato, além das repetições empíricas, o aluno introduziu
alterações, nem que fossem apenas de ordem gramatical, em alguns trechos dessa seção,
realizando uma repetição formal, conforme discutiremos a seguir. Mais adiante traremos
exemplos de repetição histórica que também foram observadas na introdução.
Repetição Formal
A maior parte da introdução e alguns trechos da seção materiais e métodos foram
marcadas pela repetição formal, no entanto observamos três situações distintas envolvendo
esse tipo de repetição. Em alguns casos a repetição formal cumpria uma função explicativa,
quando, por exemplo, o aluno trocava palavras de forma a ligar as frases de um mesmo
parágrafo, de certa forma introduzindo um novo sentido; em outras situações, a substituição
de palavras e a inversão da ordem das mesmas na frase produzia novos sentidos que não
concordavam com o sentido original, e que poderiam se configurar em erro quanto ao rigor
científico; no terceiro caso, o aluno removia partes do texto ou realizava pequenas trocas
para adaptar o texto original aos dados específicos do seu projeto de pesquisa.
_ _ _Resultados e Discussão 153
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Observamos uma função explicativa da repetição formal, quando o aluno substituiu
algumas palavras do texto original e inseriu novos termos, destacados no trecho abaixo,
produzindo um efeito de ligação entre as frases do seguinte parágrafo:
Parágrafo do texto original Sendo a água uma molécula polar, observa-se a tendência de repulsão das regiões apolares ou não-polarizáveis na superfície em contato com uma solução aquosa (Mozes et. al., 1988). Essa tendência à repulsão entre superfícies, na maioria das vezes, é determinada em relação à tendência de atração individual e da diversidade de grupos hidrofóbicos, como se a força de atração pela água fosse menor do que as demais forças envolvidas (tendência à adesão). A adesão dos grupos hidrofóbicos às demais superfícies existentes no sistema aquoso prevalece sobre a tendência de repulsão à água, daí a correlação existente entre o fenômeno da hidrofobicidade e da adesão. Na estabilização de sistemas aquosos as interações hidrofóbicas desempenham um papel predominante sobre adesão de grupos não polares (Stumm, 1992). Parágrafo do relatório final de Eduardo Sendo a água uma molécula polar, observa-se a tendência de repulsão das regiões apolares ou não-polarizáveis na superfície em contato com uma solução aquosa (Mozes et. al., 1988). Essa tendência à repulsão, na maioria das vezes, é determinada em comparação com a tendência de atração individual e da diversidade de grupos hidrofóbicos, como se a força de atração pela água fosse menor do que as demais forças envolvidas (tendência à adesão). Ou seja, a adesão dos grupos hidrofóbicos às demais superfícies existentes no sistema aquoso prevalece sobre a tendência de repulsão à água, daí a correlação existente entre o fenômeno da hidrofobicidade e da adesão. Como na estabilização de sistemas aquosos onde as interações hidrofóbicas desempenham um papel predominante na adesão de grupos não polares (Stumm, 1992).
Apesar da maior parte do trecho se constituir no exercício mnemônico, acreditamos
que as palavras introduzidas no texto deslocaram o sentido original no nível do intradiscurso
por meio da troca entre as palavras “relação” e “comparação”, e pela ligação entre as frases
agora iniciadas pelas expressões “ou seja” e “como”.
Observamos nessa situação uma preocupação do bolsista em tornar o texto mais
claro e para tanto imaginamos que o aluno compreendeu o sentido para poder introduzir as
alterações sem que essas se configurem em erros. No trecho abaixo percebemos outros
exemplos de como essas pequenas alterações no intradiscurso facilitam a leitura – por
_ _ _Resultados e Discussão 154
___________________________________________________________________________ Grupo de Pesquisa em Ensino de Química
melhorar o português, evitando a repetição do verbo depender – e a compreensão do texto,
pela introdução de termos explicativos, como “individual”, e pela alteração da expressão “do
microorganismo”:
Parágrafo do texto original Sabe-se que a hidrofobicidade da parede celular microbiana depende de suas propriedades físico-químicas que dependem da composição da mesma. Esta composição varia em função da espécie do microrganismo e das condições de cultivo – meio de cultura, fase do crescimento e temperatura (Van Haecht et al., 1982). Parágrafo do relatório final de Eduardo Sabe-se que a hidrofobicidade da parede celular microbiana depende de suas propriedades físico-químicas influenciadas pela composição da mesma. Esta composição varia em função da espécie individual e das condições de cultivo do microrganismo – meio de cultura, fase do crescimento, temperatura (Van Haecht et al., 1982).
Outro caso de repetição formal que observamos no relatório se refere à ordem global
dos títulos e subtítulos do texto de Eduardo e no trabalho original que dava um enfoque
maior à correlação entre as medidas de hidrofobicidade e a flotação. Apresentamos na
Tabela 6.1 a comparação entre a organização dos dois relatórios. Podemos perceber que o
aluno manteve os mesmos títulos, excluiu vários subitens e também abordou os temas
“meio de cultivo e composição da parede celular” e “métodos de medida de
hidrofobicidade” como títulos separados ao invés de colocar como subtítulos para o tema
hidrofobicidade como no relatório original. Essas alterações também podem ser
consideradas como exemplos de repetição formal, pela alteração da ordem e exclusão de
itens.
_ _ _Resultados e Discussão 155
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Tabela 6.1 – Disposição dos temas do relatório da bolsista anterior e do relatório do Eduardo
Disposição dos temas no texto original Disposição dos temas no relatório do Eduardo
1.1 Fatores que influenciam no processo de flotação 1.1.1 Formação e estabilidade da espuma 1.1.2 A superfície das células de levedura
1.2 As forças de interações nas interfaces 1.2.1 Força eletrostática 1.2.2 Hidrofobicidade
1.2.2.1 Adesão microbiana 1.2.2.2 Meio de cultivo e composição da parede celular. 1.2.2.3 Métodos de medida da hidrofobicidade
1.3 Técnicas convencionais de flotação, equipamentos e processos 1.3.1 Coluna de flotação
1.1. Hidrofobicidade 1.2. Flotação 1.3. A superfície das células de levedura
1.3.1. Adesão microbiana 1.4. Meio de cultivo e composição da parede celular 1.5. Métodos de medida de hidrofobicidade
O segundo tipo de repetição formal introduz alterações no nível gramatical, que
deslocam o sentido de forma mais significativa. Esses deslocamentos eventualmente podem
se configurar em erros ou, ainda, se constituir numa perda de precisão. Observamos no
trecho seguinte, a construção do texto do relatório a partir da seleção de algumas passagens
do texto original. No entanto, as alterações produzidas (destacadas no texto) excluem
informações relevantes sobre o tipo de informação necessária para o “uso”, substituída pela
“aplicação”, da flotação.
Parágrafo do texto original O uso da flotação como processo de separação de células em sistemas biológicos depende da identificação e esclarecimentos sobre a ação de agentes de ativação da flotação, sua repressão e a toxicidade destes agentes sobre os microorganismos. Parágrafo do relatório final de Eduardo A aplicação da flotação como processo de separação de células em sistemas biológicos depende da identificação e esclarecimentos sobre a ação de agentes de ativação e repressão do processo.
Outro exemplo de exclusão de um trecho do texto original pode ser observado na
comparação abaixo. Percebemos que o aluno altera o sentido inicial de que a flotação se
baseia na propriedade de adesão das partículas em interfaces para, por meio da exclusão da
passagem “da adesão das mesmas em”, introduzir o sentido de que a flotação se baseia na
propriedade da interface. Apesar de o aluno não produzir aqui um erro ele exclui o sentido
_ _ _Resultados e Discussão 156
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original que marca o papel da adesão das partículas na promoção da remoção das partículas
que estavam suspensas em meio líquido.
Parágrafo do texto original A flotação é um processo de separação de partículas suspensas em meio líquido baseado na propriedade da adesão das mesmas em interfaces sólido-líquido. Parágrafo do relatório final de Eduardo A flotação é um processo de separação de partículas hidrofóbicas suspensas em meio líquido baseado na propriedade da interface sólido-líquido.
Observamos o mesmo tipo de deslocamento no trecho seguinte, mas, nesse caso,
além das alterações na posição da palavra “controvérsias” e das alterações gramaticais,
como a troca de “afirma” por “defende”, e a exclusão dos parênteses, o aluno omite a
passagem “hidrofobicidade é medido pela”, que indicava no texto original o sentido de que
o grau de hidrofobicidade era medido pela adesão de células “hidrocarbonetos” enquanto a
partir da alteração de Eduardo, o sentido muda e remete à idéia de que a técnica de partição
fornece como resultado o grau de adesão e não mais o grau de hidrofobicidade. Observamos
outra alteração de sentido quando o aluno substitui o termo “mas”, que dá a idéia de
contraposição, pela expressão “o que é claro” que traz outro sentido à frase. Destacamos
também a inversão na posição da referência ao trabalho de Rosemberg, esse tipo de
alteração será discutido no parágrafo seguinte.
Parágrafo do texto original Apesar das controvérsias descritas na literatura, quanto à escolha do melhor método (Ahimou et al., 2001), a hidrofobicidade é usualmente determinada por partição em um sistema de duas fases (fase aquosa/fase orgânica), no qual o grau de hidrofobicidade é medido pela adesão das células a hidrocarbonetos (Rosemberg, 1991). Van der Mei et al. (1995) afirma que esta técnica é extremamente útil, como um simples ensaio para estudar a adesão de microrganismos a uma superfície hidrofóbica, mas é essencialmente diferente de um ensaio típico de hidrofobicidade. Parágrafo do relatório final de Eduardo Apesar de estarem descritas na literatura controvérsias quanto à escolha do melhor método (Ahimou et al., 2001), a hidrofobicidade é usualmente determinada por partição em um sistema de duas fases, constituída por fase aquosa/fase orgânica
_ _ _Resultados e Discussão 157
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(Rosemberg, 1991), fornecendo como resultado o grau de adesão de células a hidrocarbonetos. Van der Mei et al. (1995) defende que esta técnica é extremamente útil como um simples ensaio para estudar a adesão de microrganismos a uma superfície hidrofóbica o que é claro, essencialmente diferente de ser um ensaio sobre hidrofobicidade.
No trecho seguinte a aluno trabalhou com a repetição formal com maior liberdade,
dessa forma correndo mais riscos de incorrer em erros. O aluno deslocou a posição da
referência, alterando a sintaxe da sentença, e introduzindo um novo sentido sobre o tipo de
informação que constava no trabalho da referência, no caso, o trabalho de Sharma. No texto
original temos a impressão de que esse trata da aplicação das propriedades físico-químicas
da adesão e hidrofobicidade em indústrias, especificamente nas indústrias de bebidas e
engenharia, enquanto no parágrafo alterado temos a impressão de que o trabalho de
Sharma descreve os fenômenos governados pelas propriedades físico-químicas, que são
empregados industrialmente. A partir do acompanhamento do processo de produção do
relatório, acreditamos que o aluno não consultou o trabalho original do autor, até porque no
mesmo período em que foi feita a alteração, Eduardo questionou Pedro sobre “o que
significavam aquelas palavras e números grifados em negrito no relatório da bolsista
anterior”, indicando que o aluno não sabia identificar uma citação bibliográfica e, portanto,
não imaginava que a disposição dela no texto produzisse tal deslocamento de sentido, por
nós descrito.
Parágrafo do texto original As propriedades físico-químicas de adesão e hidrofobicidade manifestadas na superfície das células governam uma série de fenômenos amplamente empregados em indústrias de bebidas e na área de engenharia (Sharma, 2001) Parágrafo do relatório final de Eduardo As propriedades físico-químicas de adesão e hidrofobicidade manifestadas na superfície das células governam uma série de fenômenos amplamente empregados industrialmente (Sharma, 2001)
_ _ _Resultados e Discussão 158
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Outra situação na qual observamos esses movimentos no texto foi quando o aluno
trocou o termo “aglutinabilidade celular” pelo termo “agregação celular” em uma frase,
sendo que essa continha uma citação bibliográfica. Novamente sabemos que o aluno não
consultou o trabalho citado, sendo esse tipo de substituição problemática, especialmente
em disciplinas nas quais termos relativamente similares podem ter significados diferentes.
Pensando apenas na questão semântica, percebemos que o termo “aglutinabilidade” se
refere a uma capacidade de aglutinação, que difere do sentido de “agregação”, que remete
a um fato concluído. Além disso, “aglutinar” traz a noção de unir e grudar, enquanto
“agregar” traz a idéia de ajuntar. Não podemos dizer qual foi a motivação do sujeito, nem
cabe à análise entrar nesse tipo de questão, mas talvez, novamente, essa troca revele uma
preocupação didática, visto que o termo agregação é mais conhecido, ou ainda revele uma
preocupação gramatical, tendo em vista que o texto foi produzido no editor de textos
Word e o corretor ortográfico desse software não reconhece o termo “aglutinabilidade”,
indicando o erro para o produtor do texto.
O terceiro e último tipo de repetição formal que observamos no relatório de Eduardo
pode ser visualizado pelo trecho abaixo. Na seção de materiais e métodos percebemos que o
aluno seguiu toda a organização do relatório original, incluindo o uso de tabelas e o texto da
legenda, tendo apenas retirado as informações que não eram condizentes com sua pesquisa,
destacadas nos trecho referente ao parágrafo original.
Parágrafo do texto original As linhagens de leveduras testadas foram as seguintes: linhagem FLT-1 de Saccharomyces cerevisiae que apresenta parede celular altamente hidrofóbica e alta capacidade de flotação (Palmieri et al., 1996); linhagens FLT-2 e FLT-3 de Saccharomyces cerevisiae isoladas no final do processo de fermentação alcoólica; linhagem CBS4732 de Hansenula polymorpha apresentando alta capacidade de flotar e foi descrito por Gehle et al. (1991) e Palmieri et al. (1996); linhagem LTU isolado obtido de fermento comercial de procedência Fleischmann e Royal Ltda. Tabela 1 – Caracterização das linhagens ensaiadas nos estudos de flotação e hidrofobicidade.
_ _ _Resultados e Discussão 159
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MICROORGANISMO LINHAGEM CARACTERÍSTICAS REFERÊNCIAS E COLEÇÕES
DE CULTURA
H. polymorpha CBS4732 Flotante Gehle et al, 1991
S. cerevisiae LTU Isolado hidrofílico de levedura de panificação
Coleção de culturas da universidade (omitida)
S. cerevisiae FLT-1 Levedura flotante Coleção de culturas da universidade (omitida)
S. cerevisiae FLT-2 Levedura flotante Coleção de culturas da universidade (omitida)
S. cerevisiae FLT-3 Levedura flotante Coleção de culturas da universidade (omitida)
Parágrafo do relatório final de Eduardo As linhagens de leveduras utilizadas foram as seguintes: linhagem FLT-1 de Saccharomyces cerevisiae que apresenta parede celular altamente hidrofóbica e alta capacidade de flotação (Palmieri et al., 1996) e a linhagem LTU isolado obtido de fermento comercial de procedência Fleischmann e Royal Ltda. Tabela 1 – Caracterização das linhagens ensaiadas nos estudos de flotação e hidrofobicidade.
MICROORGANISMO LINHAGEM CARACTERÍSTICAS REFERÊNCIAS E COLEÇÕES
DE CULTURA
S. cerevisiae LTU Isolado hidrofílico de levedura de panificação
Coleção de culturas da universidade (omitida)
S. cerevisiae FLT-1 Levedura flotante Coleção de culturas da universidade (omitida)
Repetição Histórica
A repetição histórica se refere ao jogo com a memória discursiva que introduz novas
informações e, portanto, o interdiscurso no texto. Observamos na análise a ocorrência de
dois tipos de repetição histórica.
O primeiro tipo de repetição histórica foi observado nas alterações do relatório da
bolsista anterior que o aluno implementou para adequar as passagens às particularidades do
seu projeto de pesquisa. Lembramos que nesse tipo de alteração o aluno fez uso tanto da
repetição formal, que já foi discutida, como da repetição histórica, que aqui será abordada.
O segundo tipo de repetição histórica foi observado nas partes do relatório que
foram produzidas pelo aluno, sem que ele estivesse preso ao texto original, consideramos
que nesse caso o aluno produziu o texto de forma “livre”, pelo fato de que esses textos não
_ _ _Resultados e Discussão 160
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estavam baseados no relatório da bolsista anterior. Situações como essa foram observadas
em alguns subitens da seção de materiais e métodos e na seção dos resultados, visto que na
introdução observamos a predominância das repetições formal e empírica. Como era de se
esperar observamos nesses textos “livres” algumas correções de Pedro, que na maioria dos
casos consistia em substituição de palavras visando uma melhor adequação à linguagem
científica, essas correções também serão discutidas neste subitem.
Nesta parte da análise os dois tipos de repetição histórica, que nós observamos e
descrevemos acima, não serão apresentados segmentados (como fizemos na apresentação
dos tipos de repetição formal), considerando que a observação desses tipos de repetição
também não se deu de forma diferenciada. Assim, trazemos nessa seção os tipos alternados
e, em alguns casos, até mesmo misturados na mesma passagem analisada, como produzido
pelo aluno.
Inicialmente trazemos um exemplo de repetição histórica encontrada na introdução
do relatório. Destacamos nesse exemplo a alteração da definição da hidrofobicidade, sem a
inserção de uma referência.
Parágrafo do texto original A hidrofobicidade é uma propriedade físico-química que se refere a uma aversão da superfície pela água. Parágrafo do relatório final de Eduardo A hidrofobicidade é uma propriedade físico-química que se refere à capacidade que uma substância, em meio aquoso, de aderir a um solvente majoritariamente apolar.
Acreditamos que essa substituição favoreça uma adequação do termo ao projeto de
pesquisa do aluno, que envolve diretamente o uso de diferentes solventes apolares, dessa
forma, se referir à hidrofobicidade como uma capacidade da substância aderir a um solvente
majoritariamente apolar, estaria mais próxima da situação que o aluno observou na prática
_ _ _Resultados e Discussão 161
___________________________________________________________________________ Grupo de Pesquisa em Ensino de Química
do que a definição da hidrofobicidade como uma aversão pela água. Pela precisão dos
termos pressupomos que o aluno deve ter baseado sua definição nos textos básicos de
físico-química, os quais ele costumava procurar na biblioteca para compreender melhor o
seu trabalho, segundo nos relatou. Esse tipo de substituição é um exemplo claro de
repetição histórica, pois o aluno introduz o interdiscurso, pelo jogo com a memória
discursiva, no eixo do intradiscurso (ORLANDI, 1996b).
Ainda na introdução do relatório encontramos um exemplo de repetição histórica
que indica a busca de informações nas referências citadas no texto, o que poderíamos
considerar um interdiscurso mostrado ou revelado. Tivemos acesso aos artigos que o aluno
consultou para a elaboração do relatório e percebemos, na frase transcrita abaixo, que ele
complementou as informações do texto original, introduzindo termos que davam maior
precisão científica.
Parágrafo do texto original Espécies individuais de leveduras apresentam diferenças quanto a componentes simples ligados como o fosfato, amônia e potássio (Mozes et al., 1988). Parágrafo do relatório final de Eduardo Espécies individuais de leveduras apresentam diferenças quanto à constituição da parede celular em relação ao componente fosfato, amônia e potássio (Mozes, N., Leonard, A.J., Rouxhet, P. G., 1988).
Nesse caso, observamos a introdução do trecho sobre a localização dos componentes
químicos fosfato, amônia e potássio, na parede celular e não simplesmente “ligados” (não se
sabe a que), como presente no texto original. Além dessa alteração que se baseou na
consulta do artigo, o aluno também alterou a forma de apresentação da citação,
substituindo o termo “et al.” pela descrição de todos os autores do artigo. O que também
indica a apropriação do sistema de citações adotado em trabalhos científicos.
_ _ _Resultados e Discussão 162
___________________________________________________________________________ Grupo de Pesquisa em Ensino de Química
Outro trecho no qual Eduardo introduziu alterações para adequar o conteúdo do
texto aos dados específicos do seu projeto pode ser visualizado no exemplo a seguir.
Parágrafo do texto original Medidas de hidrofobicidade foram realizadas colocando 3 ml da suspensão de células em um tubo de ensaio e 1 ml de hexano, agitou-se por 25 segundos (agitador de tubos) e deixou-se repousar por 20 minutos. Após a separação das fases, a fase inferior foi retirada para medida de concentração celular. As porcentagens das células retiradas do meio por adesão a hexano foram consideradas hidrofóbicas (Rosemberg, 1990). As células de leveduras foram suspensas em solução de nitrato de potássio (KNO3) 10-4M, variando o pH e tampão Acetato 0,05M, no pH 4,5. Parágrafo do relatório de Eduardo – Primeira versão: A hidrofobicidade foi obtida colocando 3 mL da suspensão de células em um tubo de ensaio e 1 ml de hidrocarboneto, agita-se por 25 segundos (agitador de tubos) e deixa repousar por 10 minutos. Após a separação das fases, a fase inferior foi retirada para medida de concentração celular. As porcentagens das células retiradas do meio por adesão a hexano foram consideradas hidrofóbicas (Rosemberg, 1990). As células de leveduras foram suspensas em solução de nitrato de potássio (KNO3) 10-4M e no próprio meio definido, foi variado o pH de 1,5 a 7,5 e foram utilizados os os hidrocarbonetos Hexano 95%, Tolueno, p-Xileno e Octanol.
Nesse caso, além da alteração numérica de 20 para 10 minutos, que introduz um
novo sentido, observamos a inserção do trecho “foram utilizados os hidrocarbonetos
Hexano 95%, Tolueno, p-Xileno e Octanol”, que era característico do trabalho de Eduardo.
Destacamos ainda que, a partir da revisão de Pedro, essa informação foi separada da
anterior em um novo sub-item da seção materiais e métodos.
Sobre esse mesmo trecho apresentamos ainda a segunda versão que Eduardo
escreveu, com as partes novas destacadas, sendo que essa versão foi aceita como a versão
definitiva, sem nenhuma correção de Pedro:
Parágrafo do relatório final de Eduardo – Segunda versão: A hidrofobicidade foi obtida colocando 3 mL da suspensão de células em um tubo de ensaio e 1 ml de hidrocarboneto, agita-se por 25 segundos (agitador de tubos) e deixa repousar por 10 minutos. Após a separação das fases foi medida a absorbância da fase inferior (solução aquosa contendo o restante das células), e determinado a concentração de células, em porcentagem, que aderiu ao solvente, utilizando-se da fórmula: Hid = [(Ci – Cr). (Cr) -1] x 100
_ _ _Resultados e Discussão 163
___________________________________________________________________________ Grupo de Pesquisa em Ensino de Química
Onde, Ci é a concentração inicial da solução e Cr concentração residual, que é a concentração da suspensão após a mistura com o solvente.
Destacamos aqui outra forma de repetição histórica, na qual o aluno introduz a
equação para determinação da hidrofobicidade, indicando o que cada termo significava na
equação. Percebemos, pelo texto, que essa informação não se baseia em nenhuma
referência. Quando questionamos Eduardo sobre a fonte da informação, a memória
discursiva, ele apontou para seu cérebro, como poderíamos supor, visto que a memória
discursiva se refere a sentidos já cristalizados. Percebemos, pela análise do caderno de
laboratório, que o aluno usava a fórmula constantemente, como apresentamos na Figura
6.2, talvez por isso a assimilação tenha sido tão forte que ele nem se dava conta da fonte.
Esse caso se configura em um exemplo de repetição histórica e exercício da função autor.
Destacamos ainda que a opção do aluno por apresentar uma equação que não constava em
nenhuma parte do relatório anterior pode revelar a forma de compreensão sobre o tema,
própria desse aluno, ou sua visão de que um texto científico deve se apoiar na
fundamentação matemática, que se materializa discursivamente pelo uso de equações,
tabelas e gráficos. De qualquer forma, acreditamos que essa inserção seja uma evidência da
apropriação da linguagem científica, apoiada na prática e na vivência do aluno na condução
da sua pesquisa.
_ _ _Resultados e Discussão 164
___________________________________________________________________________ Grupo de Pesquisa em Ensino de Química
Figura 6.2: Trecho do caderno de Eduardo, que evidencia o uso da equação para medida da hidrofobicidade que o aluno introduziu no seu relatório
Observamos a inserção de outra equação no detalhamento do método de medida
empregado pelo aluno, quando ele descreve o cálculo utilizado para a obtenção da
concentração celular. Destacamos que, no trecho apresentado abaixo, toda a explicação
procedimental apresentada antes da fórmula também foi redigida pelo aluno de forma livre
e que Pedro não introduziu nenhuma alteração no texto, o que indica a precisão científica
das informações trazidas. Merece destaque também, a preocupação do produtor do texto
em indicar a marca e o modelo do equipamento utilizado. Uma vez que, desde o início das
atividades de IC, independente de qualquer orientação de Pedro, o aluno tinha o costume de
anotar esse tipo de informação no seu caderno de laboratório. Isso demonstra a
_ _ _Resultados e Discussão 165
___________________________________________________________________________ Grupo de Pesquisa em Ensino de Química
contribuição do curso de graduação e das disciplinas práticas na sua preparação para as
atividades de pesquisa.
Para a medida da concentração das suspensões, foram pegas alíquotas de 500 µL de cada suspensão com os diferentes pHs, e diluídos com cinco partes de água destilada cada, em tubos de ensaio. Estas foram agitadas em agitador de tubos, e as absorbâncias foram medidas em um espectrofotômetro da marca FEMTO 432 C. As concentrações foram calculadas pela fórmula: C = D x Abs x f Onde D é a diluição, Abs a Absorbância e f um fator (medida de massa seca) equivalente a 1,05.
Na Figura 6.3 também apresentamos o trecho do caderno de laboratório, no qual
destacamos a preocupação do aluno em usar a fórmula e especificar o significado de cada
item da fórmula.
Figura 6.3: Trecho do caderno de Eduardo, que evidencia o uso da equação para medida da concentração celular que o aluno introduziu no seu relatório
A seção de resultados também foi construída de forma livre, indicando a primazia da
repetição histórica, e se deu em várias etapas. O acompanhamento das alterações
produzidas pelo aluno e por Pedro nos permite a visualização da apropriação e uso da
linguagem científica pelo aluno de IC. Em função disso analisamos essa seção em detalhes,
tendo como base as alterações em cada etapa da produção e análise dos gráficos.
Como já havíamos comentado, a primeira etapa continha apenas os gráficos, com um
título e uma legenda, como mostra a Figura 6.4.
_ _ _Resultados e Discussão 166
___________________________________________________________________________ Grupo de Pesquisa em Ensino de Química
0 1 2 3 4 5 6 7 80
20
40
60
80
100
Hid
rofo
bici
dade
(%
)
pH
TIF-13 - Hexano 95% - PM
Solução de TIF-13, no próprio meio com adição do hidrocarboneto hexano 95%.
Figura 6.4: Exemplo de um dos gráficos da primeira etapa de produção dos resultados e discussão do relatório de Eduardo
Destacamos a opção do aluno por escrever em todas as legendas dos gráficos a
palavra hidrocarboneto antes da apresentação do solvente, que reforça a importância dessa
informação para o produtor do texto. Outro aspecto comum aos gráficos foi o termo PM nos
títulos, indicando “próprio meio”, essa construção da sigla não segue nenhum padrão do
grupo de pesquisa e, portanto, representa uma construção pessoal do bolsista. Percebemos,
ainda, que nessa primeira versão o aluno não teve a preocupação com a formatação da
legenda. Um aspecto que merece destaque em especial é o termo TIF-13, que aparece na
Figura 6.4 em dois momentos diferentes: na legenda e no título do gráfico. Esse termo foi
alterado na segunda etapa, visto que essa é a forma como o grupo de pesquisa conhece a
levedura que foi registrada sob o nome FLT-01, que vem da palavra flotante. É interessante
notar que Eduardo estava sempre envolvido com atividades práticas e registro de dados
_ _ _Resultados e Discussão 167
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envolvendo o termo TIF-13, mas como ainda não tinha produzido nenhum texto, não
conhecia a denominação mais adequada para a levedura. Essa substituição foi indicada por
Pedro e Eduardo alterou o termo no texto que vinha abaixo do gráfico, mas manteve TIF-13
no título dos gráficos e na tabela com os dados dos gráficos que Eduardo solicitou, como
podemos perceber na Figura 6.5 que traz a segunda etapa de produção do texto.
0 1 2 3 4 5 6 7 80
20
40
60
80
100
Hid
rofo
bici
dade
(%
)
pH
TIF-13 - Tolueno - PM
Levedura TIF-13,no próprio meio com
adição de Tolueno. pH Hidrofobicidade(%) Desvio 1,4 96,4 0,8 3,0 95,9 2,1 4,5 96,3 0,3 6,0 96,4 1,4 7,4 97,5 0,3
A levedura FLOT-1 propagou-se em meio definido, por um período de vinte e quatro horas. Após a propagação foi elaborada uma suspensão de 0,5 mg/mL no próprio meio de cultivo. A hidrofobicidade foi medida por adesão a tolueno, variando o pH. Os resultados do pH 1,4 a 7,4 foram altos, acima de 90%.
Figura 6.5: Exemplo de um dos gráficos da segunda etapa de produção dos resultados e discussão do relatório de Eduardo
_ _ _Resultados e Discussão 168
___________________________________________________________________________ Grupo de Pesquisa em Ensino de Química
Percebemos nessa nova etapa o resultado das considerações de Pedro, sobre a
inserção da tabela, e a descrição dos parâmetros das medidas. Destacamos novamente o
termo TIF-13 e FLOT-01; nessa etapa, o aluno substituiu o termo da forma correta, por FLT-
01, apenas no primeiro gráfico, mas nos demais ele passou a escrever FLOT-01, visto que
essa é a forma como os membros do laboratório pronunciam a sigla FLT, não como letras
isoladas, mas como “flot”, que seria uma abreviação da palavra flotante. Acreditamos que
essa é mais uma marca da importância da prática na construção de sentidos no interior de
uma formação discursiva determinada, no caso específico, a do grupo de pesquisa.
Passando para a análise do texto apresentado na Figura 6.5, destacamos a presença
da informação sobre o período de propagação da levedura, na passagem “por um período
de vinte e quatro horas”. Esse período havia sido alvo de confusões na condução dos
experimentos, o que, provavelmente, marcou o aluno a ponto de ter elegido essa
informação para dar ênfase no texto, no nível intradiscursivo; essa ênfase se revelou pelo
destaque dessa como a primeira informação do trecho e pelo fato de o aluno escrever o
número por extenso, enquanto todos os outros números do mesmo trecho estavam
apresentados na forma de algarismos. Além da ênfase dada pelo aluno, nossa impressão de
que ele deu destaque a essa informação foi confirmada pela correção de Pedro, que será
apresentada a seguir na discussão da terceira etapa de produção e análise dos gráficos.
Nesse mesmo trecho do texto apresentado na Figura 6.5, percebemos outra marca
do papel da prática na construção de sentidos, por meio da análise da segunda sentença
“após a propagação foi elaborada uma suspensão de 0,5 mg/mL no próprio meio de cultivo”,
na qual observamos uma descrição metodológica, inclusive na forma de passos, sendo um,
apresentado na primeira sentença, “após” o outro, da sentença em questão. Ainda sobre
_ _ _Resultados e Discussão 169
___________________________________________________________________________ Grupo de Pesquisa em Ensino de Química
essa sentença destacamos a preocupação na quantificação da concentração de células que
já havia sido apresentada na seção materiais e métodos.
Na terceira etapa da produção e análise dos gráficos da seção resultados e discussão,
Pedro sugeriu novas alterações no texto como podemos perceber pela transcrição dessa
nova etapa apresentada a seguir.
A levedura FLOT-1 foi propagada em meio definido, por vinte e quatro horas. Após a propagação as células de leveduras foram lavadas e suspensas em solução de nitrato de potássio 10-4mol/L, na concentração de 0,5 mg de células.mL-1. A hidrofobicidade, medida por adesão a hexano 95%, foi máxima no pH 1,5 (97,9%), decaindo gradualmente até o pH 4,8 (86,2%) com pequeno aumento no pH 6,5 (89,5%) e com uma diminuição brusca no pH 6,9 (65,0%). A hidrofobicidade da FLT-01 medida por adesão ao hexano foi alta do pH 1,5 ao 6,5.
Destacamos que o co-orientador sugeriu a retirada da informação “um período de”
quando o aluno informa sobre o tempo de propagação, o que reforça nossa impressão do
destaque que o aluno deu ao período de tempo. Outra substituição que remete à linguagem
científica foi a troca de “propagou-se”, que dava a visão errada de que a levedura se
propagou sozinha, por “foi propagada” no sentido de que o pesquisador a propagou.
Observamos, ainda nesse trecho, a inserção de novas informações sobre a variação dos
pontos no gráfico, advindas da análise desse e favorecidas pela presença da tabela.
Observamos, no arquivo referente a essa etapa, que apenas o primeiro gráfico foi
“revisado” por Pedro, sendo que os demais traziam as novas diretrizes sobre a descrição do
gráfico, mas mantinham alguns erros como a grafia “FLOT” e a expressão “propagou-se”.
Destacamos na descrição da variação dos outros gráficos – como as apresentadas abaixo –
feita por Eduardo o uso de termos próprios, que não são muito comuns na descrição de
gráficos, como “ascendendo”, “decaindo” e “linearidade”.
“Sendo assim a hidrofobicidade mínima foi de 36,3% no pH 3,0, ascendendo ao seu máximo em 70,1% no pH 6,0 e decaindo até 56,6% no pH 7,1”.
_ _ _Resultados e Discussão 170
___________________________________________________________________________ Grupo de Pesquisa em Ensino de Química
“As hidrofobicidades iniciais demonstram certa linearidade, 81,9% no pH 1,4, 82,7% no pH 3,0, 82,6% no pH 4,4, decaindo até 56,0% no pH 7,1, passando por 77,5% no pH 7,1”.
Alguns dados referentes ao uso do solvente octanol exigiam maiores explicações por
parte do aluno referentes às observações experimentais. Nas etapas de produção do texto já
comentadas o aluno introduziu essas informações por meio do seguinte trecho:
“Após a mistura da suspensão com o hidrocarboneto, parte do solvente se mostrou na forma de micro partículas na solução, isto pode ter alterado o resultado da medida de absorbância. Isto explica a medida de hidrofobicidade baixa observada no gráfico.”
Esse trecho foi alterado na quarta etapa quando o aluno incluiu informações que
poderiam justificar as observações experimentais, destacadas no trecho abaixo, novamente
inserindo o interdiscurso, o novo, no trecho que já era novo, já era fruto de uma repetição
histórica, pois ele mesmo havia-o produzido. Além dessa inserção, observamos a repetição
formal no início desse trecho, visando melhor compreensão das informações veiculadas.
Apresentamos a seguir o trecho reformulado na quarta etapa e mantido como tal até a
versão definitiva.
Na mistura da solução com octanol, parte do solvente se mostrou na forma de micro partículas na solução, devido a pequena polaridade da molécula, pois contém um grupo com densidade de carga negativa (HO-). Isto pode ter alterado o resultado da medida de absorbância explicando a medida de hidrofobicidade baixa, observada no gráfico.
Acreditamos que a inserção da justificativa apresentada pelo aluno tenha surgido a
partir de discussões com Pedro, já que ele não cita nenhuma referência. A inserção dessas
informações também revela adequação ao discurso científico, que pretende apresentar
justificativas para fenômenos observados com base no corpo teórico da ciência.
_ _ _Resultados e Discussão 171
___________________________________________________________________________ Grupo de Pesquisa em Ensino de Química
No nosso ponto de vista, essa foi a alteração mais significativa nessa quarta etapa.
Outra mudança sugerida pelo co-orientador foi a inversão das informações apresentadas
nos “resultados e discussão”, ao contrário do modo como o aluno havia organizado: Pedro
pediu que ele colocasse os dados referentes à solução de nitrato de potássio antes dos
dados referentes ao próprio meio. Na penúltima etapa, o aluno retirou algumas informações
que se repetiam no início de um conjunto de gráficos e, por meio de subtítulos, apresentou
um parágrafo que fosse comum aos gráficos do conjunto logo no início, deixando embaixo
das tabelas apenas a descrição das variações nos valores obtidos. Ainda nessa etapa,
observamos a repetição histórica a partir da análise dos gráficos por meio da inserção de
dois trechos no texto. O primeiro tipo de inserção surgiu ao final de cada descrição, nas
quais seguindo as orientações de Pedro, o aluno tentou “resumir” os resultados observados,
por meio de frases como: “A hidrofobicidade da FLT-01 medida por adesão ao hexano foi
alta do pH 1,5 ao 6,5”; ou “A hidrofobicidade da FLOT-1 por adesão a octanol foi baixa em
todos os pontos do gráfico”. O segundo tipo foi observado no término de cada subseção, nos
quais o aluno analisou os gráficos no conjunto, produzindo trechos como os seguintes:
“Podemos observar que os três primeiros gráficos apresentam medidas altas de hidrofobicidade cada um com sua particularidade. Os gráficos nos quais foram utilizados os solventes hexano e tolueno apresentaram certa familiaridade, porque ambos no início, tem altas medidas e tem os finais num declínio brusco”. “Com exceção do último gráfico, todos os outros apresentam certa semelhança, dentre eles destaca-se a semelhança entre os gráficos com hexano e p-xileno pelas curvas de hidrofobicidade muito parecidas que os dois apresentam”.
A última etapa segue as correções de Pedro. Na maioria dos casos ele substitui
palavras e expressões visando melhorar a clareza das informações e a precisão científica,
mas, além disso, ele escreveu as legendas dos gráficos e das figuras e produziu alguns
trechos que foram introduzidos no relatório da mesma forma como ele mesmo havia escrito.
_ _ _Resultados e Discussão 172
___________________________________________________________________________ Grupo de Pesquisa em Ensino de Química
Podemos citar como exemplos de correção: os termos “FLOT-01” e “TIF-13” trocados por
“FLT-01”, como já havíamos comentado; “variando o pH” por “em função do pH”;
“demonstram certa linearidade” por “”foram lineares”; “moderada” por “média”; entre
outras.
Citamos apenas um exemplo de um trecho alterado por Pedro no qual ele
acrescentou informações relacionadas à flotação (destacadas na transcrição apresentada
abaixo), que Eduardo não pesquisou e que, portanto, não poderia correlacionar; destacamos
também que Pedro introduz uma citação do seu grupo de pesquisa (apresentada como “ref”
para proteger a identidade dos sujeitos da pesquisa). Essas alterações representam
exemplos de uma visão global do tema de pesquisa que dificilmente o aluno teria
trabalhando apenas no seu projeto de pesquisa.
Parágrafo do relatório de Eduardo Podemos observar que os três primeiros gráficos apresentam medidas altas de hidrofobicidade cada um com sua particularidade. Os gráficos nos quais foram utilizados os solventes hexano e tolueno apresentaram certa familiaridade, porque ambos no início tem altas medidas e tem os finais num declínio brusco. Parágrafo do relatório de Eduardo corrigido por Pedro Podemos observar que os três primeiros gráficos apresentam medidas altas de hidrofobicidade acima de 75%. Esta linhagem, apresenta alta flotação, sendo a hidrofobicidade, um princípio básico da flotação, os dados de hidrofobicidade da Saccharomyces cerevisiae correspondem a flotação apresentada por esta linhagem, no próprio meio e também quando lavada e suspensa em solução salina (ref)
O objetivo bem como as discussões e considerações finais foram produzidos por
Eduardo e Pedro em conjunto. Nas discussões e considerações, observamos a retomada dos
principais resultados obtidos, sem a inserção de novas informações que justificassem os
resultados. Pudemos acompanhar o processo de elaboração dos objetivos, pela gravação
dos diálogos no laboratório e percebemos que os dois construíram o texto juntos, mas Pedro
_ _ _Resultados e Discussão 173
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já tinha um modelo pré-estabelecido para essa seção. Apresentamos a seguir os referidos
diálogos seguidos da redação final dos objetivos.
Pedro “O objetivo do trabalho é avaliar a hidrofobicidade das células de levedura por adesão a diferentes hidrocarbonetos”.
Eduardo E os meios não falam nada? E se a gente colocar aqui, diferentes hidrocarbonetos em diferentes meios?
Pedro É. No final dá, em diferentes meios... é, “o objetivo do trabalho é avaliar a hidrofobicidade das células de levedura por adesão a diferentes hidrocarbonetos em diferentes meios” ponto final.
Eduardo É só isso? [espantado]
Pedro Fala outro objetivo.
Eduardo Não sei!
Pedro [risos]
Eduardo Objetivo pode ser tão pequenininho assim?
Pedro É.
Eduardo Mas lá na conclusão a gente comparou também a hidrofobicidade entre elas né? Nos meios? Até que a LTU...
Pedro Então, tá, mas avaliar a hidrofobicidade... o “o objetivo do trabalho é avaliar a hidrofobicidade das células de levedura por adesão a diferentes hidrocarbonetos em diferentes”... nossa! Muito diferente! “o objetivo do trabalho é avaliar a hidrofobicidade das células de levedura por adesão a hidrocarbonetos”... vamos por “o objetivo do trabalho é avaliar a hidrofobicidade das células de levedura por adesão a hidrocarbonetos variando as leveduras, os hidrocarbonetos e os meios” pode ser?
Eduardo Hidrocarbonetos e variando...
Pedro Variando, variando leveduras ou linhagem de leveduras?
Eduardo Linhagem de leveduras.
Pedro De hidrocarbonetos... linhagem de leveduras, hidrocarbonetos, e meios de suspensão... das células... meios das células... não.
Eduardo Que comparação que a gente fez? Avaliar a hidrofobicidade da células... mas no final a gente não só avaliou né Pedro a gente comparou...
Pedro Então mas você vai comparar para você avaliar a hidrofobicidade de uma linhagem frente a outra. Quando você tá avaliando a hidrofobicidade das células, você vai avaliar a levedura, vai avaliar o hidrocarboneto e vai avaliar o meio.
Eduardo É. Só isso então?
Pedro É. Foi isso que você fez, só faltou umas linhagens, meios...
“O objetivo deste trabalho é avaliar a hidrofobicidade das células de leveduras por adesão a hidrocarbonetos variando linhagens de leveduras, hidrocarbonetos e meios”.
De maneira geral acreditamos que mesmo tendo copiado algumas partes do relatório
da bolsista anterior, pelo funcionamento da repetição formal, o aluno compreendeu a maior
_ _ _Resultados e Discussão 174
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parte do texto e operou com a gramática de forma a aprimorar a redação do relatório. Nos
trechos em que observamos a repetição histórica, percebemos o desenvolvimento da
compreensão do tema de pesquisa e da autonomia do aluno, ao escrever os trechos de
forma livre, mas trazendo pela via da memória discursiva, informações corretas e específicas
para sua pesquisa. A partir das correções que o co-orientador fez no texto percebemos o
sucesso do aluno nas operações descritas. Na nossa análise, destacamos, ainda, a distinção
entre deslocamentos de sentidos que não apontavam para o sentido original do texto. Nossa
preocupação se apóia na própria constituição do discurso científico que não permite uma
grande abertura para a inserção de novos sentidos. Desta forma, consideramos que apesar
do trabalho do aluno nem sempre deslocar o “já-dito” (ORLANDI, 1996b), ele se manteve
atrelado às regras do discurso científico. Essa percepção nos sugere a apropriação da
linguagem científica pelo aluno, dada, essencialmente, pela experiência da prática da
pesquisa vivenciada diariamente no laboratório. Encontramos ao longo da análise marcas
que sugerem e confirmam nossa conclusão.
6.3 Sociologia e Antropologia da Ciência – Tipos de Enunciados
Conforme mencionamos anteriormente, o trabalho enviado para Congresso pelo
aluno Victor, foi também analisado tomando como referencial teórico o esquema de
classificação de tipos de enunciados presentes em documentos científicos, proposto por
Latour e Woolgar (1997).
Victor desenvolveu o projeto de pesquisa intitulado “Imobilização da proteína
estreptavidina em matrizes híbridas orgânicas-inorgânicas preparadas por processo sol-gel”,
no Laboratório de Eletroquímica, sob orientação da docente Márcia, e co-orientação do
_ _ _Resultados e Discussão 175
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docente André e do pós-doutorando Mauro. Durante o período de um ano de
acompanhamento do aluno, coletamos dados relacionados aos diálogos por ele
estabelecidos com outros membros do laboratório; às suas anotações no caderno de
laboratório; ao seu relatório de pesquisa apresentado ao CNPq; e ao trabalho escrito por ele
e apresentado em formato de painel no Congresso de Iniciação Científica, promovido pela
universidade na qual atuou como bolsista.
Realizamos a análise dos dados tomando como objeto de estudo o documento,
produzido pelo aluno, que mais se assemelha aos artigos científicos, investigados por Latour
e Woolgar (1997) e que serviram de base para a elaboração do esquema de classificação de
tipos de enunciados, tomado como referencial teórico neste trabalho. Ou seja, o trabalho
escrito apresentado no Congresso de Iniciação Cientifica e produzido no final da atividade de
IC. Esse trabalho, intitulado “Estudos voltamétricos do sistema iodeto/iodo em eletrodo de
grafite para monitoramento da reação enzimática HRP”, encontra-se no Anexo 1 desta
dissertação.
Em nossa análise, procuramos identificar em que extensão se deu a apropriação da
linguagem cientifica por parte do aluno, por meio da observação do uso, adequado ou não,
dos diferentes tipos de enunciados em partes distintas do texto do trabalho científico por ele
produzido. Cabe ainda recordar algumas considerações feitas anteriormente sobre os tipos
de enunciados presentes em documentos científicos, além de transpor essa classificação
para situações mais próximas dos dados coletados. Acreditamos que, dessa forma,
ofereceremos ao leitor um melhor entendimento de como as ponderações sobre a
apropriação da linguagem científica foram feitas ao longo do texto.
_ _ _Resultados e Discussão 176
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Consideramos como enunciados do Tipo 6 aqueles “fatos de tal modo tornados
tácitos, de tal modo incorporados na prática, que nem chegam a constituir objeto de uma
formulação explícita”, como proposto por Latour e Woolgar (1997). No caso da produção de
documentos do Laboratório de Eletroquímica, classificamos como enunciados desse tipo
aqueles que trazem noções mais gerais da área de Química, ou seja, noções comuns a
qualquer profissional da área, desde que as mesmas não estejam sendo questionadas, e que
apenas tomem lugar no texto como palavras ou expressões que não carecem de maiores
explicações. Dessa forma, seguimos a classificação de Latour e Woolgar (1997), pela qual
esses enunciados “nem chegam a constituir objeto de uma formulação explícita”. No
contexto do trabalho produzido pelo aluno de IC, citamos como exemplo a utilização de
palavras e expressões como “reação”, “pH”, “tampão”, “intervalo de potencial”, entre
outras, que podem estar presentes em documentos produzidos na área de Eletroquímica e
em muitas outras áreas de Química, e que não são alvo de qualquer explicação por parte dos
redatores dos documentos científicos. Assim, concluímos que os enunciados do Tipo 6 foram
empregados de forma adequada por parte do aluno sempre que ele o fez e não apresentou
uma posterior definição a seu respeito.
Os enunciados do Tipo 5 são caracterizados, segundo Latour e Woolgar (1997) por
“fatos tidos como adquiridos”. Por isso mesmo, esses enunciados “nunca surgiam nas
discussões entre membros do laboratório, exceto quando os novatos pediam que se
explicasse de onde eles tinham saído”. Para os membros do laboratório, o enunciado do Tipo
5 “não exige qualquer explicação complementar”. Dessa forma, marcamos a distinção entre
esses enunciados e os do Tipo 6, que também não chegam a ser objeto de formulação
explícita, pelo fato de os enunciados do Tipo 5 se referirem aos conhecimentos próprios de
_ _ _Resultados e Discussão 177
___________________________________________________________________________ Grupo de Pesquisa em Ensino de Química
uma determinada área ou de um determinado laboratório. Poderíamos citar como exemplo
as expressões “biossensores”, “picos anódicos e catódicos”, “voltamograma cíclico”, entre
outras que são correntes no Laboratório de Eletroquímica, mas não são triviais para um
Químico com formação geral, sem especialização em Eletroquímica. Essas palavras e
expressões, assim como as do Tipo 6, não exigem “explicação complementar”, ou seja, não
aparecem nos documentos do laboratório acompanhadas de uma definição, pois supõe-se
que todos os pesquisadores que trabalham nesse “domínio” detenham esses
conhecimentos. Assim, podemos identificar a apropriação da linguagem científica por parte
do aluno de IC por meio da utilização adequada dos enunciados do Tipo 5 no documento
produzido, quando esses aparecem sem uma “formulação explícita”. Podemos, ainda,
especular sobre a utilização adequada dos enunciados através da observação dos “locais” do
texto no qual eles costumam ser inseridos. Nesse caso, não existem restrições e tanto os
enunciados do Tipo 5 quanto os do Tipo 6, podem estar presentes em todo o documento
científico, nas suas diferentes seções.
Assim como os enunciados do Tipo 5 e 6, os enunciados do Tipo 4 “já fazem parte de
um saber aceito”. No entanto, ao contrário dos enunciados do Tipo 5, “a relação
apresentado no enunciado [...] é claramente expressa”. Por isso, essa classe de enunciados
“abunda nos manuais científicos”, “mas raras vezes ela é encontrada nos trabalhos dos
pesquisadores do laboratório” (LATOUR; WOOLGAR, 1997). Ao observar o trabalho
produzido por Victor acreditamos que a utilização adequada desse tipo de enunciado, como
afirmam Latour e Woolgar (1997), implica em que estejam em pequena quantidade nos
documentos científicos produzidos pelo laboratório e que, tendo em vista o seu caráter
informativo, estejam presentes apenas nas seções introdutórias do texto. Fazemos tal
_ _ _Resultados e Discussão 178
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consideração tendo em vista trabalhos publicados que apontam para algumas características
inerentes às diversas seções dos documentos científicos que reportam a resultados originais
de pesquisa e nos dizem que a introdução “é a seção do texto na qual são apresentados o
tema principal do trabalho e as necessárias justificativas para sua realização, geralmente
apoiadas em dados da literatura relacionados à pesquisa em questão” (OLIVEIRA; QUEIROZ,
2007 – grifo nosso).
A principal marca dos enunciados do Tipo 3, que denotam a transição dos fatos
aceitos para aqueles que necessitam de maiores confirmações – seguindo o continuum de
facticidade dos tipos de enunciados descrito na Figura 5.1 – se refere à presença das
modalidades. Segundo Latour e Woolgar (1997), a modalidade, no sentido tradicional, é
“uma proposição que modifica ou qualifica um predicado” e num sentido mais moderno,
“designa todo enunciado sobre um outro enunciado”. No caso dos enunciados do Tipo 3, as
modalidades fazem referência a dois tipos de formas enunciadas, uma delas “caracteriza-se
pela presença – além das relações de base – de uma referência e uma data” e a outra forma
“contém modalidade que exprimem o mérito do autor ou a prioridade daqueles que
postulou pela primeira vez a relação em pauta”. Em qualquer um dos casos, os enunciados
do Tipo 3 se referem à citação de outros autores. Segundo Latour e Woolgar (1997) “quando
os outros reconhecem um enunciado similar, isso desempenha papel importante na
aceitação de um enunciado”. Trazendo essa classificação para o nosso contexto de análise e
visando a verificação da utilização adequada dos enunciados do Tipo 3, consideramos
importante a utilização desses enunciados por parte do aluno de IC, nas diferentes seções do
documento científico, pois “a inclusão de uma referência pode conferir peso a um enunciado
que, de outro modo, apareceria como uma pura assertiva, sem provas”. Destacamos a seção
_ _ _Resultados e Discussão 179
___________________________________________________________________________ Grupo de Pesquisa em Ensino de Química
introdução como um dos principais locais de inclusão de referências, na qual elas costumam
aparecer em quantidade razoável, pois essa seção geralmente abarca a revisão da literatura,
na qual se expressa de maneira “bem mais extensa e aprofundada, sobre o que se conhece a
respeito do tema estudado” (OLIVEIRA; QUEIROZ, 2007). As referências também são usuais
na seção procedimentos experimentais, na qual é indicada, por exemplo, a utilização de
procedimentos padronizados e anteriormente testados por outros pesquisadores. Na seção
resultados e discussão a utilização da referência também é comum, indicando que “a
combinação de dois ou mais enunciados aparentemente similares concretiza a existência de
um objeto exterior de uma condição objetiva da qual estes enunciados são considerados
como indicadores”, eliminando assim as “fontes de subjetividade” e confirmando os
resultados obtidos na pesquisa (LATOUR; WOOLGAR, 1997).
As modalidades presentes nos enunciados do Tipo 2 também podem configurar dois
tipos de formas enunciadas. Na primeira forma, os enunciados podem conter modalidades
“nas quais se insiste sobre a generalidade dos dados de que se dispõe (ou não)”; nesse caso,
as relações de base são “embutidas em apelos ao ‘que é geralmente conhecido’, ou ao ‘que
se pode razoavelmente prever’” (LATOUR; WOOLGAR, 1997). Uma outra forma de utilização
das modalidades nos enunciados do Tipo 2 se refere à modalidades que “por vezes tomam a
forma de hipóteses possíveis que devem ser sistematicamente testadas por pesquisas
posteriores, de modo a elucidar o valor da relação estudada”. As expressões “parece que”,
“é improvável que”, “não sabemos ainda”, são alguns exemplos de modalidades presentes
nos enunciados do Tipo 2 (LATOUR; WOOLGAR, 1997). Essas modalidades “parecem atrair a
atenção para circunstâncias que afetam a relação de base”; dessa forma, os enunciados
“aproximam-se mais de afirmações do que de fatos aceitos”. No documento produzido pelo
_ _ _Resultados e Discussão 180
___________________________________________________________________________ Grupo de Pesquisa em Ensino de Química
aluno de IC esperávamos encontrar enunciados do Tipo 2 seguidos da apresentação dos
dados coletados no laboratório, ou seja, nas seções resultados e discussão e na conclusão
pode ser possível a formulação de hipóteses, a partir dos dados, que posteriormente podem
ser confirmadas e citadas por outros pesquisadores, se transformando em enunciados do
Tipo 3, até que a referência ao autor seja suprimida e esse enunciado do Tipo 4 seja,
portanto, um fato aceito. Latour e Woolgar (1997) analisaram um dos artigos produzidos
pelo laboratório que foi objeto de sessenta e duas citações explícitas em outros cinqüenta e
três artigos, “dentre estes, 31 simplesmente só levavam em conta a conclusão como um
fato, e dela se utilizavam na introdução”. O que ressalta a importância dos enunciados do
Tipo 2, presentes nas seções finais de artigos, e nos indica que o aluno de IC terá se
apropriado da linguagem cientifica caso utilize esses enunciados de maneira adequada
nessas seções. Os enunciados discutidos até o momento, Tipo 6 a 3, são encontrados em
várias seções dos artigos, no entanto, os enunciados do Tipo 2 apresentam certas restrições
quanto à sua utilização nas seções introdução e procedimentos experimentais.
Os enunciados do Tipo 1 estariam no extremo dos dados que não tem comprovação
científica, são apenas “conjecturas ou especulações” e podem surgir ao “final dos artigos ou
em conversas privadas” (LATOUR; WOOLGAR, 1997). Freqüentemente observamos esse tipo
de enunciado quando o autor comenta sobre a possibilidade de realização de outras
pesquisas ou sugere os pontos do seu estudo que deveriam ser aprofundados. Geralmente,
esse tipo de enunciado sugere uma “operação deôntica”, segundo Latour e Woolgar (1997),
ou seja, “designa o tipo de modalidade que corresponde ao que deve ser feito”. A não ser
que a “operação deôntica” faça referência direta aos resultados obtidos na pesquisa, o que
nesse caso seria classificado como enunciado do Tipo 2, essa relação com os dados é que
_ _ _Resultados e Discussão 181
___________________________________________________________________________ Grupo de Pesquisa em Ensino de Química
marca a distinção entre os enunciados do Tipo 1 e 2. Consideramos que os enunciados do
Tipo 1 são restritos às seções resultados e discussão e, principalmente, à seção conclusões.
Portanto, caso o aluno de IC utilize esse tipo de enunciado na seção introdutória, por
exemplo, podemos especular sobre a inadequação do uso dos enunciados na construção do
seu texto.
Tendo em vista as considerações expressas anteriormente, realizamos a análise do
trabalho apresentado pelo aluno Victor no Congresso de Iniciação Cientifica. Esse tipo de
trabalho foi denominado pela Comissão Organizadora do Evento “resumo expandido” e,
com base nas informações nele contidas, o aluno produziu também um resumo simples
(meia página) e um painel.
Iniciamos a análise pelo título do trabalho, “Estudos voltamétricos do sistema
iodeto/iodo em eletrodo de grafite para monitoramento da reação enzimática HRP”.
Podemos afirmar que esse não apresenta enunciados típicos de manuais científicos que
tragam as relações de base claramente expressas (Tipo 4); enunciados que exprimam a
relação com a referência (Tipo 3); enunciados que indiquem suposições ou hipóteses
baseadas ou não nos dados coletados (Tipos 1 e 2). Em contrapartida, apresenta enunciados
do Tipo 5 e 6, na forma de expressões e palavras, “sem formulação explícita”, que permitem
a demarcação do campo de estudo, no caso dos enunciados do Tipo 6, a Química, e no caso
dos enunciados do Tipo 5, a Eletroquímica. Embora Latour e Woolgar (1997) não
especifiquem que os enunciados do Tipo 5 e 6 devam estar presentes no título dos
documentos científicos, podemos inferir essa conclusão a partir das definições desses
enunciados trabalhadas no início desta seção e na seção dos referencias teóricos desta
dissertação. Assim, observamos no título do trabalho de Victor, expressões gerais da área de
_ _ _Resultados e Discussão 182
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Química, representantes do Tipo 6, tais como “sistema iodeto/iodo” e “monitoramento da
reação”. Além desses enunciados do Tipo 6, encontramos também palavras e expressões
próprias da Eletroquímica, que poderiam ser formuladas quando os “novatos” ou um
pesquisador “de outro domínio” se deparasse com elas. No título, encontramos como
representantes dos enunciados do Tipo 5, as expressões “estudos voltamétricos”, “eletrodo
de grafite” e “reação enzimática HRP”.
Para a elaboração do trabalho o aluno levou em conta a seguinte orientação
fornecida pela Comissão Organizadora do Congresso:
“O resumo deve ser escrito em língua portuguesa e conter introdução, metodologia, resultado(s) e conclusão(ões) quando se tratar de trabalhos experimentais ou similares. Tais palavras, entretanto, não devem constar do texto, mas essa seqüência é recomendada” (grifo nosso).
Assim, as seções (introdução, metodologia, resultado(s) e conclusão(ões)) não
estavam definidas no texto produzido pelo aluno, como usualmente encontramos em artigos
científicos (OLIVEIRA; QUEIROZ, 2007). Mesmo assim, não foi difícil identificar as
características inerentes a cada uma delas no texto e, a partir daí, realizar a análise.
Apresentaremos a análise dos trechos representativos dos tipos de enunciados,
relacionando as informações com as seções do resumo para verificar a utilização adequada
dos enunciados.
O aluno inicia o resumo com a sentença “Os processos de eletrodo envolvendo o íon
iodeto (I-) têm sido estudados sobre diferentes superfícies de eletrodos, e.g., Au [1], Pt [2] e
grafite [3]”. Nesse trecho, o autor “faz remissão a documentos que lidam com o problema
em questão” (LATOUR; WOOLGAR, 1997), ou seja, apresenta os estudos sobre o íon iodeto
que foram realizados por outros laboratórios com diferentes eletrodos. Essa remissão a
outros documentos, materializada na forma de uma citação, marca os enunciados do Tipo 3,
_ _ _Resultados e Discussão 183
___________________________________________________________________________ Grupo de Pesquisa em Ensino de Química
por meio da inclusão da modalidade que “caracteriza-se pela presença – além das relações
de base – de uma referência e uma data”, representadas pelos “códigos numéricos” [1], [2],
[3]. Segundo Latour e Woolgar (1997), o uso das referências é importante, visto que “o
recurso a antigos artigos pode ser considerado como um apoio à empreitada atual”. Assim,
consideramos adequada a utilização de enunciados do Tipo 3 pelo aluno e destacamos a
quantidade de referências por ele introduzidas no texto, outro fator que sugere o domínio
dos recursos de linguagem esperados para a seção introdutória, considerando que no
resumo todo foram citadas quatro referências, estando a grande maioria delas (três)
localizadas na introdução6.
Depois da sentença inicial, o aluno continua a introdução com a colocação “Eletrodos
de grafite são de fácil preparação e além de ser o material mais acessível entre os que são
utilizados como eletrodo em estudos eletroquímicos e transdutor em sensores”.
Observamos, nesse trecho, a inserção de uma informação sobre os eletrodos de grafite que
poderia estar presente em manuais científicos, o que nos leva a classificar esse enunciado
como sendo do Tipo 4. Nesse trecho a relação entre os eletrodos e sua utilização, ou seja, “a
relação apresentada no enunciado [...] é claramente expressa” (LATOUR; WOOLGAR, 1997).
A utilização de enunciados do Tipo 4 não é muito comum em documentos científicos, no
entanto, segundo Latour e Woolgar ele podem aparecer “raras vezes [...] nos trabalhos dos
pesquisadores do laboratório”. Como essa foi a única sentença desse tipo que encontramos
na introdução, não acreditamos que sua utilização prejudique a nossa avaliação quanto à
utilização adequada dos tipos de enunciados pelo aluno de IC. Observamos também, na
referida sentença, enunciados do Tipo 5: as expressões “eletrodos de grafite” e
6 Provavelmente devido a um erro de digitação não encontramos no documento enviado para o Congresso, a
citação no texto da quarta referência, embora ela constasse da lista de referências.
_ _ _Resultados e Discussão 184
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“transdutores em sensores”, são características da Eletroquímica e, portanto, são
enunciados do Tipo 5.
O aluno continua a introdução do resumo com o seguinte trecho:
“Em nosso grupo de pesquisa, têm-se empregado diferentes tipos de eletrodos na preparação de biossensores amperométricos catalíticos empregando a enzima peroxidase (HRP- “horseradish peroxidase”) como marcador e peróxido de hidrogênio (substrato) e o iodeto (mediador). No presente trabalho, investigações voltamétricas do sistema I-/I2 foram realizadas empregando eletrodo de grafite para melhor entendimento das reações que ocorrem em picos anódicos e catódicos”.
Destacamos, nesse trecho, a presença de vários enunciados do Tipo 6, por meio de
expressões como “peróxido de hidrogênio”, “sistema I-/I2”, “reações”, “iodeto”, lembramos
que essas expressões são gerais na área de Química e se referem a um “saber aceito”.
Observamos, também, enunciados do Tipo 5 nas expressões mais específicas do trabalho
desenvolvido na área de Eletroquímica, como “biossensores amperométricos catalíticos”,
“enzima peroxidase (HRP-‘horseradish peroxidase’”, “marcador”, “mediador”, “eletrodo de
grafite”, “picos anódicos e catódicos”. Segundo Latour e Woolgar (1997), a utilização desses
enunciados apela para conhecimentos difundidos entre o público de leitores. Como esse
trecho apenas descreve o tipo de pesquisa desenvolvida pelo grupo de pesquisa e o tipo de
estudo desenvolvido pelo aluno, não observamos nenhum outro tipo de enunciado.
O segundo parágrafo se refere à metodologia ou os procedimentos experimentais
empregados pelo aluno na realização do experimento. Como podemos observar pela
transcrição desse parágrafo:
Os voltamogramas cíclicos (VOCÊ) foram obtidos com velocidade de
varredura (ν) de 2, 5, 10, 20, 30, 40 e 50 m Vs-1 e temperatura de 250C utilizando solução KI 3 x 10-3 mol L-1, preparada em solução tampão fosfato 0,1 mol L-1 pH 7,0. Empregou-se água ultra pura Millipore
(ρ = 18,2 MΩ cm). Os estudos voltamétricos foram realizados com o auxílio
_ _ _Resultados e Discussão 185
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de um potenciostato/galvanostato PGSTAT 302 (modelo 283), acoplado a um microcomputador. Utilizou-se 10 mL de solução tampão fosfato 0,1 mol L-1 pH 7,0, como eletrólito de suporte e uma célula eletroquímica contendo um eletrodo de trabalho (ET) de grafite (Ageom = 0,28 cm2), eletrodo de referência - Ag|AgCl|KCl(sat) e eletrodos auxiliares - fio de platina e grafite (Ageom = 3,48 cm2). Nas diferentes etapas dos experimentos o eletrodo de grafite foi polido com lixa (marca 3M, n. 2000).
Segundo Latour e Woolgar (1997), essa seção “descreve a maneira pela qual os
inscritores foram configurados de modo a obter os dados”. A noção de inscritores foi
introduzida pelos autores para designar os aparelhos que produzem resultados sob a forma
escrita, ou seja, que transformam matéria em escrita. Verificamos, nesse trecho, a
identificação de marcas e modelos dos inscritores, além de suas configurações e dados sobre
os eletrodos e reagentes utilizados. Essa seção poderia conter enunciados do Tipo 3, caso
estivesse indicando a utilização de um procedimento padronizado e anteriormente testado
por outros pesquisadores, no entanto, segundo Latour e Woolgar (1997) essa supressão da
referência é permitida pois “apela-se para conhecimentos tão difundidos entre o público de
leitores que não é necessário fazer qualquer citação”. Restando apenas enunciados do Tipo
5 e 6, como no parágrafo anterior, destacamos como expressões gerais de Química,
enunciados do Tipo 6, os termos “solução KI 3 x 10-3 mol L-1” e “solução tampão fosfato 0,1
mol L-1 pH 7,0” e as seguintes expressões próprias da Eletroquímica e do estudo realizado,
ou seja, enunciados do Tipo 5: “estudos voltamétricos”, “potenciostato/galvanostato”,
“eletrólito de suporte”, “célula eletroquímica”, “eletrodo de trabalho (ET) de grafite”,
“eletrodo de referência - Ag|AgCl|KCl(sat)” e “eletrodos auxiliares”.
Os cinco parágrafos seguintes se referem aos resultados obtidos na pesquisa e em
todos eles destacamos a relação com as figuras que constam no resumo, pois esse fato é
comum e esperado nessa seção. Para Latour e Woolgar (1997), em cada um dos enunciados
_ _ _Resultados e Discussão 186
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“retirados da seção do artigo intitulada ‘resultados’, faz-se referência a uma figura” e “cada
figura age como uma representação ordenada de documentos [...] utilizada no texto como
apoio de um ponto particular”. Segundo os autores não se trata simplesmente de “os
resultados mostraram”, pois “os resultados têm uma referência externa e uma existência
independente, apoiada na presença da ‘figura 2’”. O fato de incluir a expressão “o que
mostra a figura 2” pode, portanto, “realçar a validade dos resultados, que, de outro modo,
não estaria fundamentada em nada”. A seção dos resultados “fundamenta-se, ela própria,
em figuras que dependem dos inscritores anteriormente descritos”. E “dessa acumulação de
referências destaca-se um efeito de objetividade”, no qual o fato pode ser considerado, pelo
leitor, como independente da subjetividade do autor e, portanto, digno de crédito (LATOUR;
WOOLGAR, 1997).
Seguindo as considerações de Latour e Woolgar (1997) sobre os enunciados
presentes na seção dos resultados, identificamos no trabalho trechos que fazem relação
direta com as figuras e que formulam hipóteses a partir dos dados coletados. Como no
parágrafo referente à Figura 1:
Na Figura 1a são apresentados os VC no intervalo de –1,6 a +1,0 V partindo de +0,1 V empregando eletrodo auxiliar de platina nas velocidades 20, 30, 40 e 50 mVs-1, onde são observados a formação de dois pares de picos. O pico 1, refere-se a formação de tri-iodeto a partir de iodeto. O pico 2 refere-se a uma possível formação de iodo a partir de tri-iodeto e iodeto enquanto que os picos 3 e 4 correspondem as reações inversas (Figura 1a). Na Figura 1b estão representados os voltamogramas cíclicos obtidos no intervalo de –1,6 a +1,0 V partindo de +0,1 V com o eletrodo auxiliar de grafite e mantendo as condições experimentais já estabelecidas. Observa-se a formação de dois pares de picos, com menor intensidade de corrente em relação aos picos anódicos e catódicos da Figura 1a. (grifo do autor)
Observamos nesse trecho a indicação das informações presentes nas figuras,
entrecortadas por vários enunciados do Tipo 5 e 6, como era esperado, com relação às
expressões gerais da Química – “reações inversas”, “condições experimentais”, “tri-iodeto”,
_ _ _Resultados e Discussão 187
___________________________________________________________________________ Grupo de Pesquisa em Ensino de Química
“iodeto” – , além daquelas expressões próprias da Eletroquímica que, no geral, se repetem
nesse parágrafo e no trabalho como um todo – “eletrodo auxiliar de platina”, “picos”,
“voltamogramas cíclicos”, “eletrodo auxiliar de grafite”, “intensidade de corrente”, “picos
anódicos e catódicos”.
Apesar da recomendação da Comissão Organizadora, quanto ao desenvolvimento
dos resultados e da conclusão a seguir, observamos que o aluno optou por apresentar os
resultados e a discussão dos resultados na mesma seção. Dessa forma, observamos a
presença de enunciados do Tipo 2, que remetem a hipóteses formuladas a partir de dados
coletados na pesquisa, embora essas hipóteses não estejam sempre marcadas por
modalidades que indicam alta imprecisão, como aquelas citadas por Latour e Woolgar
(1997). Destacamos nos trechos característicos de enunciados do Tipo 2 a presença das
modalidades: “O pico 1, refere-se a formação de tri-iodeto a partir de iodeto”, “O pico 2
refere-se a uma possível formação de iodo a partir de tri-iodeto e iodeto enquanto que os
picos 3 e 4 correspondem as reações inversas (Figura 1a)”, “Observa-se a formação de dois
pares de picos”. A classificação desses enunciados como sendo do Tipo 2 se baseia no fato
de que esses dados foram obtidos nessa pesquisa, mas ainda não foram extensivamente
testados e comprovados, a ponto de constituírem enunciados do Tipo 4, 5 ou 6, que não
apresentam modalidades e, que também, ainda não foram alvo de citação por outros
pesquisadores (Tipo 3). É importante destacar que, segundo Latour e Woolgar (1997), as
modalidades gramaticais – as quais ele cita como exemplo “talvez”, “definitivamente
estabelecidos”, “improvável”, “não confirmado” – “agem muitas vezes como se estivessem
conferindo um preço aos enunciados, ou para utilizar uma antiga analogia mecânica, agem
como a expressão do peso de um enunciado" (grifo do autor) e daí advêm sua importância
_ _ _Resultados e Discussão 188
___________________________________________________________________________ Grupo de Pesquisa em Ensino de Química
nos enunciados. Os autores complementam sua percepção sobre as modalidades, afirmando
que eles têm “boas razões para supor que a inclusão de uma modalidade em um artigo é um
dispositivo de apresentação concebido para melhorar a aceitação de um enunciado”, como
observamos claramente no caso da inserção de referências bibliográficas (LATOUR;
WOOLGAR, 1997).
Observamos nos demais parágrafos referentes aos resultados e discussão a mesma
ocorrência de enunciados do Tipo 6 (expressões mais gerais), Tipo 5 (expressões típicas da
área) e Tipo 2 (hipóteses formuladas a partir dos dados coletados). Citando exemplos de
cada tipo de enunciado, destacamos como enunciados do Tipo 6 as expressões “situações
experimentais”, “I3-”, “I2”, “I-”, “iodeto”, “iodo”, “solução tampão fosfato”, “solução
tampão”. Os enunciados do Tipo 5 apareceram em quantidade muito maior do que os de
Tipo 6, justamente porque essa seção traz dados específicos do trabalho de pesquisa, e deles
destacamos as seguintes expressões: “voltamograma cíclico”, “eletrodo auxiliar de grafite”,
“eletrodo auxiliar de platina”, “corrente de descarga de água”, “intervalo de potencial”,
“potenciais positivos”, “velocidade de varredura”, “picos de oxidação”, “comportamento
voltamétrico, “pico anódico”, “voltamograma linear”, “intensidade máxima de corrente”,
“eletrólito de suporte”, “catálise enzimática”, “pico de corrente”. Observamos que mesmo
com a inserção de expressões que não haviam surgido anteriormente no texto como
“eletrólito de suporte” ou “catálise enzimática”, o aluno não teve a preocupação de fornecer
“explicações complementares” sobre o significado dos termos, ou seja, o aluno empregou os
enunciados do Tipo 5 de forma adequada, sem que eles tenham sido objeto de “uma
formulação explícita” (LATOUR; WOOLGAR, 1997). Quanto aos enunciados do Tipo 2, as
_ _ _Resultados e Discussão 189
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especulações a partir dos dados coletados, observamos as seguintes ocorrências, nas quais
destacamos as modalidades:
“Nesta situação, o VC apresenta um comportamento similar à Figura 2a. Em ambos os casos, é observado um desdobramento no terceiro pico na velocidade de 5 mVs-1 (curva b, Figura 2a e curva d, Figura 2b)”;
“Com esta comparação chega-se à conclusão de que ambos os eletrodos podem ser utilizados neste estudo, pois os comportamentos voltamétricos são semelhantes”; “Notamos uma baixa resolução dos picos e não é observado o desdobramento no terceiro pico anódico. Esta velocidade de varredura não é interessante para o estudo”; “Observa-se um aumento de intensidade de corrente na presença da HRP devido à maior oxidação do iodeto pela catálise enzimática. O decréscimo na intensidade de corrente da solução tampão + HRP pode estar relacionado à própria diluição da enzima no eletrólito de suporte ou presença de espécies na superfície do eletrodo de grafite”.
Destacamos em um dos parágrafos referentes aos resultados e discussão, a presença
do que Latour e Woolgar (1997) denominam “operação deôntica”, na qual se exprime o
“que deve ser feito”, que poderia ser um enunciado do Tipo 1 (conjectura), desde que não
estivesse apoiado nos dados coletados, configurando não mais uma especulação livre, mas
uma hipótese. No trecho “A maior intensidade de corrente dos picos foi com a velocidade de
varredura de 10 mVs-1 (curva a) o que torna esta velocidade interessante para a
continuidade dos estudos, por ser relativamente baixa e com boa resolução dos picos de
oxidação”, destacamos em itálico a expressão deôntica, seguida da apresentação dos
resultados obtidos na pesquisa.
Além dos parágrafos referentes aos resultados e discussão encontramos um
parágrafo que, embora estivesse localizado nessa seção, difere dos demais e por isso merece
análise diferenciada. O parágrafo se refere à necessidade de testes para identificar, por
meios analíticos, cada uma das espécies que o autor acredita estarem presentes em cada um
_ _ _Resultados e Discussão 190
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dos picos, ou seja, o iodo, o tri-iodeto e o iodato. Sobre esse assunto o aluno faz a seguinte
consideração:
Os testes qualitativos para melhor definir as reações favoráveis na determinação dos produtos obtidos no sistema iodeto/iodo foram analisados em tubos de ensaio tentando obter as que fossem específicas, porém esse sistema pode apresentar algumas complicações na identificação dos íons. Na próxima etapa do trabalho, amostras serão recolhidas na superfície do eletrodo de grafite e feitos os testes analíticos qualitativos desses produtos em cada pico.
Destacamos nesse trecho os enunciados do Tipo 6, gerais da área de Química, nas
expressões: “testes qualitativos”, “tubos de ensaio”, “sistema iodeto/iodo”, “íons”,
“amostras” e “testes analíticos qualitativos”. Pelo fato de os testes que o aluno pretende
realizar para identificar os íons presentes na solução serem testes típicos de Química
Analítica e pertencerem a um campo menos específico, os enunciados do Tipo 6 aparecem
com maior freqüência do que os enunciados do Tipo 5. Podemos citar como exemplos de
enunciados do Tipo 5, específicos de Eletroquímica, as expressões “superfície do eletrodo de
grafite” e “pico”. Ainda nesse trecho o aluno formula uma hipótese a partir dos dados
coletados ao escrever a seguinte sentença “foram analisados em tubos de ensaio tentando
obter as que fossem específicas, porém esse sistema pode apresentar algumas complicações
na identificação dos íons”, que classificamos como sendo um enunciado do Tipo 2. Também
observamos, nessa passagem, uma “operação deôntica”, quando no final do parágrafo o
aluno comenta que “na próxima etapa do trabalho, amostras serão recolhidas na superfície
do eletrodo de grafite e feitos os testes analíticos qualitativos desses produtos em cada
pico”.
O aluno apresenta dois parágrafos como conclusão do seu estudo:
Estudos voltamétricos do iodeto sobre grafite apresentam três picos anódicos que podem ser atribuídos à formação de espécies tais como iodo
_ _ _Resultados e Discussão 191
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(I2), tri-iodeto (I3-) e iodato (IO3
-). A concentração de iodeto e a velocidade de varredura de potencial têm efeito na formação dos correspondentes picos anódicos decorrentes das várias reações do sistema I-/I2. Os resultados indicaram que os materiais estudados são favoráveis no desenvolvimento de biossensores eletroquímicos.
Observamos, na conclusão, os mesmos tipos de enunciados dos resultados e
discussão. Termos gerais da Química, ou seja, enunciados do Tipo 6 aparecem em menor
freqüência, por meio dos termos “concentração”, “iodo (I2)”, “tri-iodeto (I3-)”, “iodato (IO3
-)”
e “sistema I-/I2”. Enunciados do Tipo 5, específicos do trabalho de pesquisa, surgem com
maior freqüência na conclusão, por meio de expressões como “estudos voltamétricos”,
“picos anódicos”, “velocidade de varredura de potencial” e biossensores eletroquímicos”,
sendo que muitos desses termos já se repetiram nas seções anteriores, alguns desde o
título. Observamos, também, enunciados do Tipo 2, que se referem às hipóteses formuladas
a partir do conjunto dos resultados obtidos no trabalho e destacamos os trechos e as
modalidades observadas: “Estudos voltamétricos do iodeto sobre grafite apresentam três
picos anódicos que podem ser atribuídos à formação de espécies tais como iodo (I2), tri-
iodeto (I3-) e iodato (IO3
-)”; “Os resultados indicaram que os materiais estudados são
favoráveis no desenvolvimento de biossensores eletroquímicos”. Consideramos, portanto,
que o aluno atendeu as expectativas referentes à utilização de enunciados adequados para
essa seção.
Com relação ao painel, observamos na seção introdução o mesmo parágrafo do
resumo expandido, que já foi analisado anteriormente e, portanto não será alvo de
discussão. Nos procedimentos experimentais o aluno adotou o sistema de tópicos, ao invés
do texto corrido, o que não altera substancialmente o conteúdo nem insere ou retira algum
tipo de enunciado, como aqueles propostos por Latour e Woolgar (1997). Quanto aos
_ _ _Resultados e Discussão 192
___________________________________________________________________________ Grupo de Pesquisa em Ensino de Química
resultados e discussão o aluno retirou um dos gráficos e alterou a ordem dos demais, no
entanto, as passagens referentes às discussões de cada gráfico foram reproduzidas no painel
da mesma forma que foram apresentadas no resumo expandido; as conclusões também
repetem o trecho que estava presente no resumo expandido. Apresentamos no Anexo 2 o
painel apresentado pelo aluno para que seja possível observar a correlação direta com o
resumo expandido que já foi analisado.
Para a análise do resumo elaborado a partir do resumo expandido transcrevemos
abaixo o texto completo do resumo, excluindo o título que se repete:
Os processos de eletrodo envolvendo o íon iodeto (I-) sobre grafite têm sido estudados com técnicas voltamétricas. As reações de oxidação do iodeto podem levar à formação de espécies como iodo (I2), tri-iodeto (I3
-) e iodato (IO3-). Os picos anôdicos correspondentes
a essas espécies são mais bem definidos pela concentração de iodeto e da velocidade de varredura de potencial. Para solução KI 3 x 10-3 mol L-1, as velocidades de 5 e 10 mVs-1 foram suficientes para a definição dos picos de oxidação: formação de I3
- (+0,50 V), I2 a partir de I- e I3
- (+0,80 V) e IO3- a partir de I2 (+1,35 V). Assim é possível
recolher amostras na superfície do eletrodo de grafite e proceder a testes analíticos qualitativos desses produtos em cada pico. Os picos de redução correspondentes à oxidação do iodeto têm sido analisados por cronoamperometria em reações enzimáticas com HRP tendo H2O2 (substrato) e iodeto (mediador). Os resultados mostraram-se favoráveis à aplicação no desenvolvimento de biossensores.
Inicialmente observamos, nesse trecho, a repetição seguida de modificação da
primeira sentença da introdução do resumo expandido “Os processos de eletrodo
envolvendo o íon iodeto (I-) sobre grafite têm sido estudados com técnicas voltamétricas”.
Apesar de o conteúdo ser o mesmo, em função da restrição de tamanho, o aluno omite,
nesse trecho, os exemplos de técnicas voltamétricas e as referências correspondentes a cada
técnica, ou seja, diminui a quantidade de enunciados do Tipo 5, que se referem aos termos
_ _ _Resultados e Discussão 193
___________________________________________________________________________ Grupo de Pesquisa em Ensino de Química
específicos da sua área, restringindo os enunciados deste tipo às expressões “eletrodos” e
“técnicas voltamétricas”, e exclui os enunciados do Tipo 3, que expressam a relação com a
referência. Assim, restam apenas alguns enunciados do Tipo 6, que se caracterizam pela
presença de termos mais gerais da Química, tais como “íon iodeto (I-)” e “grafite”, além dos
enunciados do Tipo 5 já comentados. Logo em seguida, o aluno omite a seção dos
procedimentos experimentais e passa à apresentação dos resultados, da discussão e da
conclusão do relatório. A segunda sentença “As reações de oxidação do iodeto podem levar
à formação de espécies como iodo (I2), tri-iodeto (I3-) e iodato (IO3
-)” se refere a informações
que, no resumo expandido, só apareciam de forma clara na conclusão. Nesse trecho
observamos um enunciado do Tipo 2, marcado pela presença da modalidade (destacada em
itálico) em que o aluno “apela” para “ao ‘que é geralmente conhecido’, ou ao ‘que se pode
razoavelmente prever’” (LATOUR; WOOLGAR, 1997). Observamos, aqui, a transição de um
tipo de enunciado do Tipo 2, que configura uma hipótese elaborada a partir de um dado
coletado em laboratório, como se apresentava essa sentença no resumo expandido, para
uma outra forma característica do enunciado do Tipo 2, na qual observamos uma suposição,
aparentemente, sem embasamento nos dados coletados. Nesse trecho, observamos,
também, a presença constante dos enunciados do Tipo 5 e 6 como de costume.
Nas colocações seguintes, o aluno apresenta novos dados e discussões: “Os picos
anódicos correspondentes a essas espécies são mais bem definidos pela concentração de
iodeto e da velocidade de varredura de potencial. Para solução KI 3 x 10-3 mol L-1, as
velocidades de 5 e 10 mVs-1 foram suficientes para a definição dos picos de oxidação:
formação de I3- (+0,50 V), I2 a partir de I- e I3
- (+0,80 V) e IO3- a partir de I2 (+1,35 V)”.
Observamos, nesse trecho, enunciados do Tipo 5, representados pelas expressões da
_ _ _Resultados e Discussão 194
___________________________________________________________________________ Grupo de Pesquisa em Ensino de Química
Eletroquímica “velocidade de varredura de potencial”, “picos de oxidação” e “picos
anódicos”. E enunciados do Tipo 6, em expressões gerais da Química, como “espécies”,
“concentração de iodeto”, “solução KI 3 x 10-3 mol L-1”, “I3-”, “I2” e “I-“, também foram
notados por nós. Nesse trecho, o aluno estabelece algumas conclusões sobre o processo
estudado a partir dos dados coletados, o que podemos classificar como enunciados do Tipo
2; esses trechos foram recortados do resumo expandido e apresentados de forma
condensada. O aluno infere uma suposição a partir dos dados analisados por meio da
sentença “Assim é possível recolher amostras na superfície do eletrodo de grafite e proceder
a testes analíticos qualitativos desses produtos em cada pico”, como, nesse caso, a
suposição não tem relação direta com os dados e representa também uma “operação
deôntica”, pois descreve a possibilidade de estudos futuros, classificamos esse enunciado
como Tipo 1 (LATOUR;WOOLGAR, 1997). A próxima sentença se refere a uma descrição dos
outros estudos que estão sendo realizados pelo aluno: “Os picos de redução
correspondentes à oxidação do iodeto têm sido analisados por cronoamperometria em
reações enzimáticas com HRP tendo H2O2 (substrato) e iodeto (mediador)”. Nesse trecho,
observamos enunciados do Tipo 5 – “substrato”, “mediador”, “cronoamperometria”, etc –
que também estão presentes no resumo expandido, por serem típicos da área de estudo, e
também enunciados do Tipo 6 – “reações”, “iodeto”, etc – que pertencem à área da
Química. A última colocação “Os resultados mostraram-se favoráveis à aplicação no
desenvolvimento de biossensores” reflete uma suposição elaborada a partir dos dados
analisados e, portanto, se configura num enunciado do Tipo 2.
Apesar do resumo ser curto, foi bastante interessante a observação da presença de
tipos diversificados de enunciados, como os do Tipo 6 e 5, expressões e palavras sempre
_ _ _Resultados e Discussão 195
___________________________________________________________________________ Grupo de Pesquisa em Ensino de Química
freqüentes no documento científico como um todo, além dos enunciados do Tipo 1 e 2, que
se referem à suposições ou hipóteses formuladas sem ou com base nos dados, que às vezes
podem representar orientações para as pesquisas futuras, que caracterizam as “operações
deônticas”. Apenas os enunciados do Tipo 3 e 4, não surgiram no texto, devido à restrição de
espaço, que não comportaria a citação de uma referência (Tipo 3), pois essa deveria ser
apresentada na íntegra ao final do texto, ou um enunciado típico de um manual científico
(Tipo 4), que também ocuparia o espaço destinado ao trabalho com uma informação de
caráter mais geral.
A partir da análise da apresentação oral do painel, observamos a utilização adequada
e espontânea de diferentes tipos de enunciados pelo aluno. De modo geral, Victor seguiu a
mesma ordem de apresentação das informações que tinha feito no resumo, mas guiou sua
apresentação pelos gráficos, discutindo-os na ordem disposta no painel, além de acrescentar
outras informações que não estavam presentes no resumo. Apesar da oralidade e da
preocupação em explicar alguns termos, observamos vários enunciados do Tipo 5 e 6,
destacados em itálico, como no início da apresentação quando o aluno descreve que:
“Quando eu peguei esse estudo aqui, nós já estávamos discutindo o meio que era aonde inicia as reações, que era o meio iodo-iodeto, então a gente começou a trabalhar com o que acontecia durante o... a aplicação do potencial o que estava acontecendo com o meio, iodo/iodeto ainda sem, sem a perozidase que era a enzima que era usada”
Em seguida ele aponta para o primeiro gráfico do painel, apresentado abaixo, e
descreve as situações analisadas, ainda utilizando enunciados do Tipo 5 e 6, produzidos com
facilidade a partir da interpretação de siglas que constavam na legenda do gráfico: “aqui
ainda mostra a ação da peroxidase no meio, aqui são várias situações uma sem peroxidase, uma
sem iodo, sem o iodo/iodeto, uma com iodo/iodeto sem a peroxidase”.
_ _ _Resultados e Discussão 196
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Figura 6.6: Primeira figura do painel produzido pelo aluno Victor e apresentado no Congresso de Iniciação Científica
Em seguida, o aluno destaca que “o mais interessante aqui [nesse gráfico] é o último
que aqui mostra com o aumento do pico, mostrando que será possível mais para frente um
estudo onde a... essa sensibilidade aqui pode ser trabalhada fazendo um aumento do pico
aqui, com todo o sistema preparado iodo, iodeto, peroxido, peroxidase, no meio”. Nesse
trecho, observamos uma “operação deôntica” (LATOUR; WOOLGAR, 1997), na qual o aluno
designa o que deve ser feito em estudos posteriores, porém essa indicação está apoiada nos
dados obtidos experimentalmente, sugerindo a utilização de um enunciado do Tipo 2. Na
seqüência, Victor descreve a comparação desses dados com outros que não estavam no
painel referente à comparação dos estudos que ele conduziu com investigações em
eletrodos de ouro, que eram tema das pesquisas de Mauro, sendo tal comparação
anteriormente apresentada por Mauro em outro Congresso.
_ _ _Resultados e Discussão 197
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Figura 6.7: Segunda figura do painel produzido pelo aluno Victor e apresentado no Congresso de Iniciação Científica
Na fala de Victor, sobre o referido tema, observamos enunciados do Tipo 2, nos quais
o aluno recorre “ao que se pode razoavelmente prever” (LATOUR; WOOLGAR, 1997) para
analisar os dados obtidos e destacamos os enunciados desse tipo que surgem por meio de
expressões como “deve acontecer”, “é normal”:
“[...] com o ouro surgiu alguns picos interessantes na região negativa, então eu entrei como colaborador para ver se isso acontecia também com o eletrodo de grafite, e aí esse trabalho foi pra... pro SBQ eu entrei como colaborador entrei nesses dois gráficos de potencial [gráficos da Figura 2 do painel] e corrente e mostrou que o... no grafite não ocorre o mesmo que ocorre no eletrodo de ouro, o eletrodo de ouro com a aplicação do potencial apresenta picos bem definidos na região negativa mostrando que o... deve acontecer uma complexação n eletrodo de ouro no meio tornando alguma reação diferentemente do que acontece no grafite que a gente só vê mesmo a descarga de água, aqui a gente vê esse pico bem mesmo acentuado no fim que é normal todos assim nessa faixa de ocorrer a descarga de água”.
Depois, o aluno descreve alguns testes analíticos que começou a fazer para
determinar os componentes químicos presentes em cada pico, mas cuja investigação não foi
concluída; para tanto, ele apresenta todo o procedimento experimental, se utilizando de
_ _ _Resultados e Discussão 198
___________________________________________________________________________ Grupo de Pesquisa em Ensino de Química
enunciados do Tipo 5 e 6, destacados, mas abrindo mão de enunciados do Tipo 3, que não
costumam aparecer na linguagem oral:
“[...] agente trabalhava numa, num béquer de 10 mL o eletrodo de grafite como de trabalho, o prata/cloreto de prata como de referência e grafite também como contra-eletrodo, então a intenção é fazer essa passagem inicial e então entrar na região, quando começar o pico a ser formado a gente começa a sucção com um caninho situado dentro da superfície do eletrodo de trabalho, com um cano entrando e uma seringa para fazer a sucção, então durante essa... esse surgimento do pico, então seria a sucção do produto gerado e aí em seqüência do produto gerado aí seria feito o teste qualitativo para ver o que realmente tá acontecendo em cada pico desse, e foi aí que praticamente parou”.
Ainda descrevendo essas etapas, o aluno apresenta a mudança de contra-eletrodo
que deveria efetuar. Para isso, justifica a mudança com base em um enunciado típico de
manual científico e característico dos enunciados do Tipo 4, como podemos observar nessa
fala dele: “juntamente com a mudança do eletrodo de grafite eu teria que ter uma mudança
do contra-eletrodo porque em eletroquímica a gente sabe que a área do contra-eletrodo
tem que ser maior que a do eletrodo”. Nesse trecho, o aluno se utiliza da expressão “em
eletroquímica a gente sabe”, para se referir a um saber aceito cuja relação está claramente
expressa no enunciado, ao contrário dos enunciados do Tipo 5 e 6 que também se referem a
fatos aceitos pela comunidade científica, mas que não apresentam a relação de forma
explícita.
Já concluindo a apresentação, Victor analisa os últimos gráficos do painel,
apresentados a seguir. Nessa análise, ele usa enunciados do Tipo 5 e 6, mas também
enunciados do Tipo 2, ao produzir interpretações, destacadas em itálico, para os dados
obtidos em laboratório:
“[...] as duas situações um de platina que eu tinha que era um fio e o novo que era o tarugo de grafite também como contra-eletrodo, então são estes dois trabalhos aqui [apontando para os últimos
_ _ _Resultados e Discussão 199
___________________________________________________________________________ Grupo de Pesquisa em Ensino de Química
gráficos], estas duas diferenças assim, não mostrou tão acentuado né... aí mostrando que pode ser trabalhado tanto com o eletrodo de grafite quanto o de platina”.
Figura 6.8: Terceira figura do painel produzido pelo aluno Victor e apresentado no Congresso de Iniciação Científica
Percebemos, na apresentação oral, uma liberdade maior de expressão tanto quanto
à linguagem quanto ao conteúdo, que não se restringiu ao painel. Apesar disso, observamos
os enunciados dos Tipos 2, 4, 5 e 6 sendo utilizados de forma adequada, em uma situação de
enunciação espontânea, que reforçam nossa percepção de apropriação da linguagem
científica indicada na análise dos outros textos escritos enviados para o Congresso de
Iniciação Científica.
Analisando os documentos como um todo, destacamos, com relação aos tipos de
enunciados, a utilização freqüente dos enunciados do Tipo 5 e 6. Acreditamos que a
recorrência desse tipo de enunciado é positiva, pois indica o domínio de expressões próprias
de uma determinada área da ciência, ressaltando que, assim como esperado, segundo a
tipologia de Latour e Woolgar, esses enunciados foram utilizados de forma adequada, pois
_ _ _Resultados e Discussão 200
___________________________________________________________________________ Grupo de Pesquisa em Ensino de Química
em nenhum momento observamos no documento científico a “formulação explícita” ou a
inserção de uma “explicação complementar” sobre esses termos próprios do campo de
conhecimentos da Química e da Eletroquímica.
Os enunciados do Tipo 4, que “abundam nos manuais científicos”, apareceram uma
única vez em todo o documento escrito e uma única vez na apresentação oral. Como
descrito por Latour e Woolgar “raras vezes ela [essa classe de enunciados] é encontrada nos
trabalhos dos pesquisadores do laboratório”, indicando novamente a utilização adequada
desse tipo de enunciado pelo aluno de IC. Os enunciados do Tipo 3 se referem à citação de
uma referência, segundo Latour e Woolgar geralmente caracterizada pela presença de “uma
referência e uma data”. Observamos no documento a citação de três referências na
introdução do texto: a inserção das referências é considerada positiva pelos autores pois “o
enunciado ampliaria seu grau de facticidade pela própria presença da referência”. A
utilização dos enunciados do Tipo 3 e a localização desses enunciados na seção introdução
reforçam a tendência observada para os demais enunciados sobre a utilização adequada dos
enunciados científicos no documento produzido pelo aluno de IC. Ademais, observamos no
texto, especialmente nas seções de resultados e discussão e conclusão a presença de
enunciados do Tipo 2, que “tomavam a forma de hipóteses possíveis que devem ser testadas
por pesquisas posteriores, de modo a elucidar o valor da relação estudada”. Observamos
que os enunciados do Tipo 2 foram utilizados pelo aluno de forma adequada, devido à
localização dos mesmos nas seções finais do documento. Acreditamos que a utilização
desses enunciados revela no aluno o desenvolvimento da habilidade de fazer inferências
coerentes sobre seu projeto de pesquisa a partir dos dados coletados, mostrando o
desenvolvimento da autonomia dentro do laboratório. Os enunciados do Tipo 1, que seriam
_ _ _Resultados e Discussão 201
___________________________________________________________________________ Grupo de Pesquisa em Ensino de Química
mais genéricos do que os do Tipo 2, por representarem “conjecturas ou especulações sobre
uma relação” que não estariam diretamente apoiadas nos dados, apareceram apenas uma
vez no resumo quando o aluno se refere às etapas futuras do trabalho e realiza um
“operação deôntica”.
Acreditamos que o esquema de classificação de tipos de enunciados presentes em
documentos científicos, proposto por Latour e Woolgar (1997), se mostrou conveniente para
a realização da análise dos dados coletados, nos permitindo fazer ponderações a respeito da
apropriação da linguagem científica por alunos de IC em Química.
_ _ _ _Considerações Finais 202
___________________________________________________________________________ Grupo de Pesquisa em Ensino de Química
7.7.7.7. CONSIDERAÇÕES FINAISCONSIDERAÇÕES FINAISCONSIDERAÇÕES FINAISCONSIDERAÇÕES FINAIS
A investigação da apropriação da linguagem científica por alunos de graduação em
Química propiciada pela atividade de IC, como nosso objeto de estudo, encontra subsídio na
constatação de que poucos trabalhos haviam se preocupado com essa questão (BRIDI, 2004;
QUEIROZ E ALMEIDA, 2001, 2004), embora a IC tenha sido investigada por vários
pesquisadores que apontam para uma série de contribuições da atividade para a formação
do aluno e do pesquisador (BAZIN, 1983; BETTOI, 1995; SILVA; CABRERO, 1998; AGUIAR,
1997; BARIANI, 1998; NEDER, 2001; BREGLIA, 2002). Buscamos apoio nos referenciais
teóricos da AD e nos estudos de Sociologia e Antropologia da Ciência para analisar a relação
entre a IC e a apropriação da linguagem científica, com base nos dados coletados durante o
acompanhamento, que seguiu os preceitos da pesquisa qualitativa do tipo etnográfica, de
dois bolsistas de IC no período de um ano.
No campo da AD, a noção de tipologia do discurso, divulgada por Eni Orlandi (1996a),
permitiu a identificação dos diferentes tipos de discurso – autoritário, polêmico e lúdico –
presentes nos diálogos do laboratório e, por meio dessa análise, enxergamos as transições
_ _ _ _Considerações Finais 203
___________________________________________________________________________ Grupo de Pesquisa em Ensino de Química
vivenciadas pelos alunos ao longo do período de um ano de desenvolvimento das atividades
de IC. Se o discurso inicial era tipicamente autoritário, marcado pela paráfrase, aos poucos
ele foi se transformando em um discurso polêmico, dando lugar à polissemia e permitindo a
reversibilidade, a disputa pela verdade entre os interlocutores, no caso os bolsistas e os co-
orientadores. Observamos essa passagem de forma gradual: inicialmente, na relação co-
orientador-bolsista, que ficava mais próxima e permitia a inserção de brincadeiras que
deslocavam os sentidos originais; em seguida, na relação do aluno com o conteúdo
científico, extremamente positiva em termos de aprendizagem; num terceiro momento,
observamos em alguns casos até mesmo a inversão do papel dos envolvidos, quando o aluno
porventura instruía o co-orientador quanto a um procedimento experimental; enfim, na
etapa de elaboração do relatório, que por ser a etapa final, na qual o aluno tinha bastante
familiaridade com seu trabalho de pesquisa, permitia a disputa pela verdade entre o co-
orientador e o aluno. Essa mudança na polaridade do discurso – de parafrástico para
polissêmico – e, conseqüentemente, na tipologia – do autoritário para o polêmico – é
extremamente positiva, pois indica o fomento de qualidades importantes, como a
independência intelectual e o senso crítico dos alunos, além da sua importância no que diz
respeito ao aprendizado da Química. A IC se apresenta, então, como uma das formas que a
universidade possui de criar condições para a produção do discurso polêmico no curso de
graduação e que merece ser fomentada.
Ainda envolvendo a AD, investigamos as estratégias discursivas empregadas por um
dos alunos durante a elaboração do relatório final da pesquisa de IC, especificamente com
relação à noção de autoria, como proposta por Orlandi (1996b). Essa autora distingue três
tipos de repetição – empírica, formal e histórica –, sendo que apenas uma delas – histórica –
_ _ _ _Considerações Finais 204
___________________________________________________________________________ Grupo de Pesquisa em Ensino de Química
caracteriza o exercício da função autor no texto. Percebemos, na análise, o uso dos três
tipos de repetição, havendo predominância da repetição formal na seção de introdução, da
repetição histórica na seção de materiais e métodos e o uso exclusivo da repetição histórica
na descrição dos resultados. De maneira geral, mesmo quando fazia uso da repetição formal,
percebemos que o aluno demonstrava compreensão do tema de pesquisa e operava com o
texto de forma coerente, introduzindo novos sentidos. Percebemos, ainda, trechos que
marcam claramente o exercício da função autor e apontam de diferentes maneiras para a
apropriação da linguagem científica, especialmente com base na prática diária da condução
da pesquisa.
De maneira geral, quanto à AD, destacamos certa rigidez que o aluno sofre ao
trabalhar com o texto científico. Não é à toa que Pêcheux (2006) definiu esse tipo de
discurso como um espaço “logicamente estabilizado”, no qual os sentidos são únicos.
Portanto, para observar esses processos de autoria e o jogo discursivo da tipologia tivemos
em mente que os alunos estavam
“Inseridos num contexto sócio-histórico, atravessados, portanto, por uma ideologia, pertencendo a uma determinada formação discursiva, enfim, em certas condições de produção, os sujeitos-enunciadores buscam incessantemente produzir sentido. Dentre essas condições de produção, manifestação do jogo ideológico da ciência, destacam-se o espaço material reservado para o texto, as regras impostas pela revista, ou pela comunidade científica a que pertencem, e as chamadas condições situacionais de comunicação (em que cada enunciador idealiza o outro – um imagina os conhecimentos do outro, ideologias, opiniões, etc. –, formula o seu objetivo – intenção do ato comunicativo entendido aqui nos dois sentidos: produção e compreensão – e constrói o seu texto adaptando-o a cada um desses fatores).” (CORACINI, 1991, p.190)
Todo esse contexto permeou nossa análise e contribui para afirmação da apropriação
da linguagem científica, mesmo quando o aluno não deslocava os sentidos latentes dos
textos e dos diálogos. No jogo da ciência existem várias regras implícitas que devem ser
_ _ _ _Considerações Finais 205
___________________________________________________________________________ Grupo de Pesquisa em Ensino de Química
respeitadas pelos enunciadores e observamos no trabalho dos alunos o respeito a essas
regras.
Quanto aos tipos de enunciados proposto por Latour e Woolgar (1997), analisamos
os dados referentes ao outro aluno de IC e percebemos que a elaboração de documentos
científicos enviados para apresentação em Congresso de Iniciação Científica, comporta
diferentes tipos de enunciados que podem ser utilizados em diferentes “locais” do texto.
Essa variação se mostrou positiva, pois permitiu a avaliação da coerência na linguagem
científica utilizada para cada seção dos documentos. De modo geral, percebemos que o
aluno foi capaz de utilizar a linguagem científica da forma normalizada pela comunidade
científica, usando os enunciados adequados para cada seção do documento produzido.
Novamente, observamos algumas contribuições da IC na apropriação da linguagem
científica, especificamente a partir da utilização pelo aluno de enunciados do Tipo 2 – nos
quais o aluno fazia inferências a partir da análise dos dados coletados na pesquisa – e
enunciados do Tipo 5 – que correspondem ao domínio do jargão específico da área
pesquisada. Acreditamos que ambos marcam o desenvolvimento da autonomia do aluno
dentro do laboratório e o domínio do conteúdo científico envolvido.
Destacamos, nestas considerações, o papel crucial da metodologia de análise de
dados que nos permitiu acesso a uma série de informações que não teríamos disponíveis,
caso não tivéssemos optado pela metodologia da pesquisa qualitativa do tipo etnográfico.
Percebemos, também, que os referenciais adotados se mostraram eficientes e adequados
para a análise dos dados coletados, pois, de certa forma, se complementaram ao direcionar
nosso olhar para diferentes perspectivas sobre um mesmo assunto, uma perspectiva
lingüística-social-histórica e outra mais próxima das questões próprias da ciência. A
_ _ _ _Considerações Finais 206
___________________________________________________________________________ Grupo de Pesquisa em Ensino de Química
sistematização na análise dos dados também trouxe contribuições para uma análise mais
completa e para uma visão sob aspectos específicos sem perder de vista o âmbito global.
Acreditamos poder especular que os alunos se apropriaram do discurso científico por
meio da troca com os pares, da imitação de modelos e, principalmente, da vivência da
pesquisa. Embora diretamente relacionadas com a linguagem, as ferramentas analíticas
adotadas permitiram também a observação de outros aspectos importantes no
desenvolvimento do aluno durante a IC, como o desenvolvimento da autonomia e senso-
crítico, da compreensão e domínio do conteúdo científico particular do laboratório, além da
articulação entre esses temas e aqueles abordados na graduação.
_Referências Bibliográficas 207
___________________________________________________________________________ Grupo de Pesquisa em Ensino de Química
8.8.8.8. RRRREEEEFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICASFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICASFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICASFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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____________ _Apêndice 1 219
___________________________________________________________________________ Grupo de Pesquisa em Ensino de Química
Apêndice 1 – Publicações consultadas no Portal de Periódicos Capes ABMES Cadernos Boletim Técnico do SENAC CBE Life Sciences Education Caderno Brasileiro de Ensino de Física Caderno Catarinense de Ensino de Física Cadernos CEDES Cadernos de Pesquisa / Fundação Carlos Chagas Cadernos de Psicopedagogia Ciência e Educação Ciência e Ensino Construção Psicopedagógica Currículo sem Fronteiras Educar em Revista Educação e Pesquisa : Revista da Faculdade de Educação da USP Educação e Sociedade Educação Em Aberto Ensaio: Avaliação e Políticas Públicas em Educação Estudos : Revista da Associação Brasileira de Mantenedoras de Ensino Superior Eureka : A Revista da Olimpíada Brasileira de Matemática Gestão em Ação Interface : Comunicação, Saúde, Educação Interface : Comunicação, Saúde, Educação Investigações em Ensino de Ciências = Investigaciones en Enseñanza de las Ciencias =
Investigations in Science Education Linguagem e Ensino Morpheus : Revista Eletrônica em Ciências Humanas Nova Escola Online Perspectiva / Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Centro de Ciências da
Educação Pro-Posições Psicologia Escolar e Educacional Psicologia Escolar e Educacional Psicologia da Educação Revista Brasileira de Educação Especial Revista Brasileira de Educação Revista Brasileira de Educação Revista Brasileira de Ensino de Bioquímica e Biologia Molecular Revista Brasileira de Ensino de Física Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos : RBEP Revista Eletrônica do Mestrado em Educação Ambiental : REMEA Revista HISTEDBR Online : História, Sociedade e Educação no Brasil Revista Online da Biblioteca Prof. Joel Martins Revista da Faculdade de Educação / Universidade de São Paulo (USP) Trabalho, Educação e Saúde
__________ _Apêndice 2 220
___________________________________________________________________________ Grupo de Pesquisa em Ensino de Química
Apêndice 2 – Termo de Consentimento e Informação
Termo de Consentimento e Informação
Nome da Pesquisa: Contribuições da Iniciação Científica na apropriação da linguagem
científica por alunos de graduação em Química
Pesquisadoras responsáveis: Luciana Massi e Profa. Dra. Salete Linhares Queiroz.
Informações sobre a pesquisa: Ao atuarem como alunos de Iniciação Científica os
graduandos têm um estreito contato com diversas formas de comunicação científica oral e
escrita. Essa constatação originou o seguinte questionamento: o “fazer pesquisa”
(desenvolver estágio de iniciação científica) é um fator relevante para a apropriação da
linguagem científica pelo aluno de graduação em química? Como se dá essa apropriação?
Com o intuito de elucidar esse questionamento observaremos o percurso trilhado por alunos
de Iniciação Científica em Química que estarão iniciando seus trabalhos em laboratórios de
pesquisa numa universidade estadual paulista. Os procedimentos de pesquisa se pautarão
em entrevistas com orientadores e alunos, além de observações no local, as quais incluirão
gravações em áudio, e coleta de materiais orais e escritos produzidos pelos alunos,
relacionados ao desenvolvimento das suas pesquisas.
Assim, solicitamos autorização da Profa. Dra. Márcia (nome fictício), para
acompanharmos seu aluno de Iniciação Científica, Victor (nome fictício), no Laboratório de
Eletroquímica, do Departamento de Química Analítica. Assumimos o compromisso de
manter sigilo quanto a sua identidade, como também garantimos que o desenvolvimento da
pesquisa foi planejado de forma a não produzir riscos ou desconforto para os participantes.
Pedimos também autorização para gravar (gravação em áudio) o que for falado durante o
desenvolvimento de sua Iniciação Científica.
_____________________________________ Luciana Massi (mestranda)
____________________________________
Profa. Dra. Salete Linhares Queiroz
__________ _Apêndice 2 221
___________________________________________________________________________ Grupo de Pesquisa em Ensino de Química
Eu, ________________________________________________________________________
RG ________________________, abaixo assinado, tendo recebido as informações acima, e
ciente dos meus direitos, concordo em participar da referida pesquisa, bem como ter:
1. A garantia de receber todos esclarecimentos sobre todas as discussões antes e
durante o desenvolvimento da pesquisa.
2. A segurança plena de que não serei identificado, mantendo o caráter oficial da
informação, assim como está assegurado que a pesquisa não acarretará nenhum
prejuízo individual ou coletivo.
3. A segurança de que não terei nenhum tipo de despesa material ou financeira
durante o desenvolvimento da pesquisa, bem como esta pesquisa não causará
nenhum tipo de risco, dano físico, ou mesmo constrangimento moral e ético.
4. A garantia de que toda e qualquer responsabilidade nas diferentes fases da
pesquisa é dos pesquisadores, bem como fica assegurado que haverá ampla
divulgação dos resultados finais nos meios de comunicação e nos órgão de
divulgação científica em que a mesma seja aceita.
5. A garantia de que todo material resultante será usado exclusivamente para a
construção da pesquisa e ficará sob guarda dos pesquisadores.
Tendo ciência do exposto acima, desejo participar da pesquisa.
Araraquara, _______ de _____________________ de 2006.
_____________________________________________ Assinatura do participante
_____________ _Anexo 1 222
___________________________________________________________________________ Grupo de Pesquisa em Ensino de Química
Anexo 1 – Resumo expandido enviado para Congresso de Iniciação Cientifica ESTUDOS VOLTAMÉTRICOS DO SISTEMA IODETO/IODO EM ELETRODO DE GRAFITE PARA MONITORAMENTO DA REAÇÃO ENZIMÁTICA HRP.
Os processos de eletrodo envolvendo o íon iodeto (I-) têm sido estudados sobre diferentes superfícies de eletrodos, e.g., Au [1], Pt [2] e grafite [3]. Eletrodos de grafite são de fácil preparação e além de ser o material mais acessível entre os que são utilizados como eletrodo em estudos eletroquímicos e transdutor em sensores. Em nosso grupo de pesquisa, têm-se empregado diferentes tipos de eletrodos na preparação de biossensores amperométricos catalíticos empregando a enzima peroxidase (HRP- “horseradish peroxidase”) como marcador e peróxido de hidrogênio (substrato) e o iodeto (mediador). No presente trabalho, investigações voltamétricas do sistema I-/I2 foram realizadas empregando eletrodo de grafite para melhor entendimento das reações que ocorrem em picos anódicos e catódicos.
Os voltamogramas cíclicos (VC) foram obtidos com velocidade de varredura (ν) de 2, 5, 10, 20, 30, 40 e 50 m Vs-1 e temperatura de 250C utilizando solução KI 3 x 10-3 mol L-1, preparada em solução tampão fosfato 0,1 mol L-1 pH 7,0. Empregou-se água ultra pura
Millipore (ρ = 18,2 MΩ cm). Os estudos voltamétricos foram realizados com o auxílio de um potenciostato/galvanostato PGSTAT 302 (modelo 283), acoplado a um microcomputador. Utilizou-se 10 mL de solução tampão fosfato 0,1 mol L-1 pH 7,0, como eletrólito de suporte e uma célula eletroquímica contendo um eletrodo de trabalho (ET) de grafite (Ageom = 0,28 cm2), eletrodo de referência - Ag|AgCl|KCl(sat) e eletrodos auxiliares - fio de platina e grafite (Ageom = 3,48 cm2). Nas diferentes etapas dos experimentos o eletrodo de grafite foi polido com lixa (marca 3M, n. 2000).
Na Figura 1a são apresentados os VC no intervalo de –1,6 a +1,0 V partindo de +0,1 V empregando eletrodo auxiliar de platina nas velocidades 20, 30, 40 e 50 mVs-1, onde são observados a formação de dois pares de picos. O pico 1, refere-se a formação de tri-iodeto a partir de iodeto. O pico 2 refere-se a uma possível formação de iodo a partir de tri-iodeto e iodeto enquanto que os picos 3 e 4 correspondem as reações inversas (Figura 1a). Na Figura 1b estão representados os voltamogramas cíclicos obtidos no intervalo de –1,6 a +1,0 V partindo de +0,1 V com o eletrodo auxiliar de grafite e mantendo as condições experimentais já estabelecidas. Observa-se a formação de dois pares de picos, com menor intensidade de corrente em relação aos picos anódicos e catódicos da Figura 1a.
-1,5 -1,0 -0,5 0,0 0,5 1,0
-2400
-2000
-1600
-1200
-800
-400
0
400
800
1200
4
3
2
1 dbc
a
I/µµ µµA
E/V vs Ag|AgCl|KCl (sat)
-1,5 -1,0 -0,5 0,0 0,5 1,0
-1000
-800
-600
-400
-200
0
200
400
600
800
1000
ba
I/µµ µµA
E/V vs Ag|AgCl|KCl(sat)
_____________ _Anexo 1 223
___________________________________________________________________________ Grupo de Pesquisa em Ensino de Química
(a) (b) Figura 1. Voltamogramas cíclicos da solução tampão fosfato de sódio 0,1 mol L-1, pH 7,0 contendo KI 3x10-3 mol L-1 sobre eletrodo de grafite e com auxiliar Pt nas velocidades (a) 50, (b) 40, (c) 30 e (d) 20 mV s-1 (1a) e com auxiliar grafite (a) 50, (b) 40 mV s-1 (1b) vs. Ag|AgCl|KCl(sat), T = 25oC.
A Figura 2a mostra os VC no intervalo de –0,1 a +1,6 V partindo de +0,1 V empregando eletrodo de Pt como auxiliar. O intervalo de potencial foi estendido para potenciais positivos para que o terceiro par de picos fosse observado. O intervalo de potencial na parte negativa foi diminuído, em decorrência de ser observado apenas a corrente de descarga da água. Os picos em destaque correspondem à formação de iodato a partir do iodo. A maior intensidade de corrente dos picos foi com a velocidade de varredura de 10 mVs-1 (curva a) o que torna esta velocidade interessante para a continuidade dos estudos, por ser relativamente baixa e com boa resolução dos picos de oxidação: formação de I3
- (+0,50 V), I2 a partir de I- e I3- (+0,80 V) e IO3
- (+1,35 V)a partir de I2. Na Figura 2b estão registrados os VC no intervalo de no intervalo de –0,1 a +1,6 V partindo de +0,1 V utilizando o eletrodo auxiliar de grafite nas mesmas condições já mencionadas. Nesta situação, o VC apresenta um comportamento similar à Figura 2a. Em ambos os casos, é observado um desdobramento no terceiro pico na velocidade de 5 mVs-1 (curva b, Figura 2a e curva d, Figura 2b). Figura 2. Voltamogramas cíclicos da solução tampão fosfato de sódio 0,1 mol L-1, pH 7,0 contendo KI 3x10-3 mol L-1 sobre eletrodo de grafite e auxiliar Pt nas velocidades de (a) 10 e (b) 5 mV s-1 (Fig. 2a) e com auxiliar grafite (c) 10 e (d) 5 mV s-1 (Fig. 2b) vs. Ag|AgCl|KCl(sat), T = 25oC.
Os voltamogramas cíclicos da Figura 3 mostram duas situações experimentais no intervalo de no intervalo de –0,1 a +1,6 V partindo de +0,1 V, sendo a diferença entre elas somente o eletrodo auxiliar, em uma utilizou eletrodo auxiliar de grafite e no outro auxiliar de platina. Com esta comparação chega-se à conclusão de que ambos os eletrodos podem
0,0 0,2 0,4 0,6 0,8 1,0 1,2 1,4 1,6 1,8
-200
0
200
400
600
800
1000
b
a
I/µµ µµA
E/V vs Ag|AgCl|KCl(sat)
0,0 0,2 0,4 0,6 0,8 1,0 1,2 1,4 1,6 1,8
-200
0
200
400
600
800
1000
d
c
I/µµ µµA
E/V vs Ag|AgCl|KCl(sat)
_____________ _Anexo 1 224
___________________________________________________________________________ Grupo de Pesquisa em Ensino de Química
ser utilizados neste estudo, pois os comportamentos voltamétricos são semelhantes. Para analisar o desdobramento do terceiro foram realizados experimentos na velocidade de 2 mVs-1. Figura 3. Voltamogramas cíclicos da solução tampão fosfato de sódio 0,1 mol L-1, pH 7,0 contendo KI 3x10-3 mol L-1 sobre eletrodo de grafite na velocidade de 5 mVs-1 sendo os eletrodos auxiliares platina (curva a) e grafite (curva b) vs. Ag|AgCl|KCl(sat), T = 25oC.
Na Figura 4 temos uma comparação entre os comportamentos voltamétricos no intervalo de no intervalo de –0,1 a +1,8 V partindo de +0,1 V utilizando eletrodo auxiliar de platina e de grafite, na velocidade de varredura de 2 mVs-1. Notamos uma baixa resolução dos picos e não é observado o desdobramento no terceiro pico anódico. Esta velocidade de varredura não é interessante para o estudo. Figura 5. Voltamogramas cíclicos da solução tampão fosfato de sódio 0,1 mol L-1, pH 7,0 contendo KI 3x10-3 mol L-1 sobre eletrodo de grafite na velocidade de 2 mVs-1 sendo os eletrodos auxiliares (a) platina e (b) grafite vs. Ag|AgCl|KCl(sat), T = 25oC.
0,0 0,2 0,4 0,6 0,8 1,0 1,2 1,4 1,6 1,8
-200
0
200
400
600
800
b
aI/
µµ µµ A
E/V vs Ag|AgCl|KCl(sat)
0,0 0,5 1,0 1,5 2,0-0,4
-0,2
0,0
0,2
0,4
0,6
0,8
1,0
1,2
1,4
1,6
1,8
2,0
2,2
a
b
I/mA
E/V vs Ag|AgCl|KCl(sat)
_____________ _Anexo 1 225
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Os testes qualitativos para melhor definir as reações favoráveis na determinação dos produtos obtidos no sistema iodeto/iodo foram analisados em tubos de ensaio tentando obter as que fossem específicas, porém esse sistema pode apresentar algumas complicações na identificação dos íons. Na próxima etapa do trabalho, amostras serão recolhidas na superfície do eletrodo de grafite e feitos os testes analíticos qualitativos desses produtos em cada pico.
A Figura 6 mostra os voltamogramas lineares entre +0,6 e 0 V da solução tampão fosfato 0,1 mol L-1 pH 7,0 e soluções de iodeto e/ou peróxido de hidrogênio na presença e ausência da enzima HRP (30 U). A solução contendo iodeto apresentou um pico de intensidade máxima de corrente ao redor +0,43 V atribuído à redução de iodo e igual semelhança na presença de HRP + iodeto. Observa-se um aumento de intensidade de corrente na presença da HRP devido à maior oxidação do iodeto pela catálise enzimática. O decréscimo na intensidade de corrente da solução tampão + HRP pode estar relacionado à própria diluição da enzima no eletrólito de suporte ou presença de espécies na superfície do eletrodo de grafite. O branco da reação (solução tampão) não apresentou pico de corrente conforme esperado.
Figura 6. Voltamogramas lineares da solução tampão fosfato 0,1 mol L-1 pH 7,0 (a), solução tampão com KI (b), solução tampão com HRP (c), solução tampão com HRP + KI (d), solução
tampão com H2O2/KI + HRP (e), em eletrodo de grafite; ν = 50 mV s-1, T = 25oC. Estudos voltamétricos do iodeto sobre grafite apresentam três picos anódicos que
podem ser atribuídos à formação de espécies tais como iodo (I2), tri-iodeto (I3-) e iodato (IO3-
). A concentração de iodeto e a velocidade de varredura de potencial têm efeito na formação dos correspondentes picos anódicos decorrentes das várias reações do sistema I-
/I2. Os resultados indicaram que os materiais estudados são favoráveis no
desenvolvimento de biossensores eletroquímicos.
0,0 0,1 0,2 0,3 0,4 0,5 0,6
-15
-10
-5
0
5
10
15
20
edbc
a
+0,50 V
+0,43 V
I/µµ µµ A
E/V
_____________ _Anexo 1 226
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Referências Bibliográficas 1. P. H. Qi, J. B. HISKEY. Eletrochemical behavior of gold in iodide solutions.
Hydrometallurgy, 32 (1993) 161-179. 2. TANG, H.; KITANI, A.; SHIOTANI, M. Cyclic Voltammetry of KI at polyaniline-filmed Pt
electrodes Part I: Formation of polyaniline-iodine charge transfer complex. Journal of Applied Electrochemistry, v.26, (1996), 36-44.
3. DRYHURST, G.; ELVING, PHILIP J. Electrooxidation of Halides at Pyrolytic Graphite Electrode in Aqueous an Acetonitrile Solutions. Analytical Chemistry, v.39, (1967), 606-615.
4. VOGEL, A. I., Química Analítica Qualitativa, ed.5, (1981), 360-374. Bolsa: CNPq/PIBIC
____________ _ _Anexo 2 227
___________________________________________________________________________ Grupo de Pesquisa em Ensino de Química
Anexo 2 – Pôster apresentado no Congresso de Iniciação Científica
EESSTTUUDDOOSS VVOOLL TTAAMM ÉÉTTRRII CCOOSS DDOO SSII SSTTEEMMAA II OODDEETTOO//II OODDOO EEMM EELL EETTRROODDOO DDEE GGRRAAFFII TTEE PPAARRAA MM OONNII TTOORRAAMM EENNTTOO DDAA RREEAAÇÇÃÃOO
EENNZZII MM ÁÁTTII CCAA HHRRPP..
II NNTTRROODDUUÇÇÃÃOO
OOBBJJEETTII VVOO
MM AATTEERRII AAII SS
RREESSUULL TTAADDOOSS EE DDII SSCCUUSSSSÃÃOO
AAGGRRAADDEECCIIMMEENNTTOO::
1 P. H. Qi, J. B. HISKEY. Eletrochemical behavior of gold in iodide solutions. Hydrometallurgy, 32 (1993) 161-179. 2 TANG, H.; KITANI, A.; SHIOTANI, M. Cyclic Voltammetry of KI at polyaniline-filmed Pt electrodes Part I: Formation of
polyaniline-iodine charge transfer complex. J. Applied Electrochem., v.26, (1996), 36-44. 3 DRYHURST, G.; ELVING, PHILIP J. Electrooxidation of Halides at Pyrolytic Graphite Electrode in Aqueous an Acetonitrile
Solutions. Anal. Chem., v.39, (1967), 606-615.
RREEFFEERRÊÊNNCCII AASS
Estudos voltamétricos do iodeto sobre grafite apresentam três picos anódicos que podem ser atribuídos à formação de espécies tais como iodo (I2), tri-iodeto (I3-) e iodato (IO3-). A concentração de iodeto e a velocidade de varredura de potencial têm efeito na formação dos correspondentes picos anódicos decorrentes das várias reações do sistema I-/I2. Os resultados indicaram que os materiais estudados são favoráveis no desenvolvimento de biossensores eletroquímicos.
CCOONNCCLL UUSSÕÕEESS
Na Figura 2a são apresentados os voltamogramas cíclicos (VC) empregando eletrodo auxiliar de platina nas velocidades 20, 30, 40 e 50 mVs-1, onde são observados a formação de dois pares de picos. O pico 1, refere-se a formação de tri-iodeto a partir de iodeto. O pico 2 refere-se a uma possível formação de iodo a partir de tri-iodeto e iodeto enquanto que os picos 3 e 4 correspondem as reações inversas (Figura 2a). Na Na Figura 2b estão representados os VC obtidos com o eletrodo auxiliar de grafite e mantendo as outras condições experimentais. Observa-se a formação de dois pares de picos, com menor intensidade de corrente em relação a Figura 2a.
Figura 1: Voltamogramas lineares da solução tampão fosfato 0,1 mol L-1 pH 7,0 (), contendo KI (), HRP (), HRP/KI (), H2O2/KI + HRP (), em eletrodo de grafite; ν = 50 mV s-1, T = 25±2 oC.
A Figura 1 mostra os voltamogramas lineares da solução tampão fosfato 0,1 mol L-1 pH 7,0 e soluções de iodeto e/ou peróxido de hidrogênio na presença e ausência da enzima HRP (30 U). As soluções contendo iodeto e HRP/iodeto apresentaram um pico de intensidade máxima de corrente ao redor +0,43 V atribuído à redução de iodo. Observa-se um aumento de intensidade de corrente na presença da HRP devido à maior oxidação do iodeto pela catálise enzimática. O decréscimo na intensidade de corrente da solução tampão + HRP pode estar relacionado à própria diluição da enzima no eletrólito de suporte ou presença de espécies na superfície do eletrodo de grafite. O branco da reação (solução tampão) não apresentou pico de corrente conforme esperado.
Os processos de eletrodo envolvendo o íon iodeto (I-) têm sido estudados sobre diferentes superfícies de eletrodos, e.g., Au1, Pt2 e grafite3. Eletrodos de grafite são de fácil preparação e além de ser o material mais acessível entre os que são utilizados como eletrodo em estudos eletroquímicos e transdutor em sensores. Em nosso grupo de pesquisa, têm-se empregado diferentes tipos de eletrodos na preparação de biossensores amperométricos catalíticos empregando a enzima peroxidase (HRP) como marcador e peróxido de hidrogênio (substrato) e o iodeto (mediador).
No presente trabalho, investigações voltamétricas do sistema I-/I2 foram realizadas empregando eletrodo de grafite para melhor entendimento das reações que ocorrem em picos anódicos e catódicos. Figura 2: Voltamogramas cíclicos da solução tampão fosfato de sódio 0,1 mol L-1, pH 7,0 contendo
KI 3x10-3 mol L-1 sobre eletrodo de grafite e com auxiliar Pt nas velocidades (a) 50, (b) 40, (c) 30 e (d) 20 mV s-1 (2a) e com auxiliar grafite (a) 50, (b) 40 mV s-1 (2b) vs. Ag|AgCl|KCl(sat), T = 25oC.
Figura 3: Voltamogramas cíclicos da solução tampão fosfato de sódio 0,1 mol L-1, pH 7,0 contendo KI 3x10-3 mol L-1 sobre eletrodo de grafite e auxiliar Pt nas velocidades de (a) 10 e (b) 5 mV s-1 (Fig. 3a) e com auxiliar grafite (c) 10 e (d) 5 mV s-1 (Fig. 3b) vs. Ag|AgCl|KCl(sat), T = 25oC.
solução tampão fosfato 0,1 mol L-1 pH 7,0 e contendo KI 3 x 10-3 mol L-1 solução de enzima HRP (30U) célula convencional (10 mL): Sistema de 3 eletrodos: eletrodo de trabalho - bastão de grafite (Ageom = 0,28 cm2), eletrodo de referência - Ag|AgCl|KCl(sat) e eletrodos auxiliares - fio de platina e grafite (Ageom = 3,48 cm2) potenciostato/galvanostato AutoLab modelo PGSTAT 302
-1.5 -1.0 -0.5 0.0 0.5 1.0
-2400
-2000
-1600
-1200
-800
-400
0
400
800
1200
4
3
2
1 dbc
a
I/µµ µµA
E/V vs Ag|AgCl|KCl(sat)
-1.5 -1.0 -0.5 0.0 0.5 1.0
-1000
-800
-600
-400
-200
0
200
400
600
800
1000
ba
I/µµ µµA
E/V vs Ag|AgCl|KCl(sat)
A Figura 3a mostra os VC empregando eletrodo de Pt como auxiliar. Os picos em destaque correspondem à formação de iodato a partir do iodo. A maior intensidade de corrente dos picos foi com a velocidade de varredura de 10 mVs-1 (curva a) o que torna esta velocidade interessante para a continuidade dos estudos, por ser relativamente baixa e com boa resolução dos picos de oxidação: formação de I3- (+0,50 V), I2 a partir de I- e I3- (+0,80 V) e IO3- (+1,35 V)a partir de I2. Na Figura 3b estão registrados os VC utilizando o eletrodo auxiliar de grafite nas mesmas condições já mencionadas os quais apresenta um comportamento similar à Figura 3a. Em ambos os casos, é observado um desdobramento no terceiro pico na velocidade de 5 mVs-1 (curva b, Figura 3a e curva d, Figura 3b).
0.0 0.1 0.2 0.3 0.4 0.5 0.6
-15
-10
-5
0
5
10
15
20
+0,50 V
+0,43 V
I/µµ µµA
E/V vs Ag|AgCl|KCl(sat)
0.0 0.2 0.4 0.6 0.8 1.0 1.2 1.4 1.6 1.8
-200
0
200
400
600
800
1000
b
a
I/µµ µµA
E/V vs Ag|AgCl|KCl(sat)
0.0 0.2 0.4 0.6 0.8 1.0 1.2 1.4 1.6 1.8
-200
0
200
400
600
800
1000
d
c
I/µµ µµA
E/V vs Ag|AgCl|KCl(sat)