contribuiÇÃo de paulo freire para a educaÇÃo na

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CONTRIBUIÇÃO DE PAULO FREIRE PARA A EDUCAÇÃO NA ENFERMAGEM ATRAVÉS DO MÉTODO DA PROBLEMATIZAÇÃO Lorena de Godoi Montes Uninove Amanda A. Camargo De Oliveira Uninove Resumo: Paulo Freire foi um filósofo e educador, que questionava o modelo de ensino- aprendizagem apresentando pelas escolas tradicionais. Em suas obras se apoia em seis pressupostos, que ele designa como ideia-chave, como liberdade, humanização, conscientização, diálogo, cultura, reflexão crítica e problematização. A partir dessas ideias- chaves, Paulo Freire desenvolveu um modelo pedagógico – Método da Problematização; o qual contrapõe ao ensino tradicional e propõe um ensino diferenciado, pois problematiza a realidade e busca de soluções, possibilitando o desenvolvimento do raciocínio crítico contribuindo para uma melhor formação de profissionais ligados à área da Enfermagem. Por isso, esse artigo tem o objetivo de definir o Método da Problematização, seus princípios e suas finalidades; e como esse modelo pedagógico pode contribuir para a melhor formação dos profissionais da área da Enfermagem. Trata-se de uma pesquisa teórica, realizada através da busca de banco de dados, em livros periódicos, artigos, dissertações de mestrado, teses de doutorado e publicações da Internet. Palavras-chave: Educação; Método da Problematização; Enfermagem. Introdução Paulo Freire é um pernambucano, nascido na capital em 19 de setembro de 1921. Com os pais, Joaquim Temístocles Freire e Edeltrudes Neves Freire, aprendeu a importância do diálogo entre as pessoas. Licenciou-se em Direito, porém não exerceu a profissão por opção pessoal, dedicando-se ao ideal de educação e alfabetização. Na década de 1950, Freire pensava a educação para adultos, não como mera reposição de conteúdos, mas sugeria uma pedagogia singular, com a associação de teoria, o vivido, o trabalho, a pedagogia e a política (Gadotti, 1996).

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CONTRIBUIÇÃO DE PAULO FREIRE PARA A EDUCAÇÃO NA ENFERMAGEM

ATRAVÉS DO MÉTODO DA PROBLEMATIZAÇÃO

Lorena de Godoi Montes

Uninove

Amanda A. Camargo De Oliveira

Uninove

Resumo: Paulo Freire foi um filósofo e educador, que questionava o modelo de ensino-aprendizagem apresentando pelas escolas tradicionais. Em suas obras se apoia em seis pressupostos, que ele designa como ideia-chave, como liberdade, humanização, conscientização, diálogo, cultura, reflexão crítica e problematização. A partir dessas ideias-chaves, Paulo Freire desenvolveu um modelo pedagógico – Método da Problematização; o qual contrapõe ao ensino tradicional e propõe um ensino diferenciado, pois problematiza a realidade e busca de soluções, possibilitando o desenvolvimento do raciocínio crítico contribuindo para uma melhor formação de profissionais ligados à área da Enfermagem. Por isso, esse artigo tem o objetivo de definir o Método da Problematização, seus princípios e suas finalidades; e como esse modelo pedagógico pode contribuir para a melhor formação dos profissionais da área da Enfermagem. Trata-se de uma pesquisa teórica, realizada através da busca de banco de dados, em livros periódicos, artigos, dissertações de mestrado, teses de doutorado e publicações da Internet.

Palavras-chave: Educação; Método da Problematização; Enfermagem.

Introdução

Paulo Freire é um pernambucano, nascido na capital em 19 de setembro de 1921. Com

os pais, Joaquim Temístocles Freire e Edeltrudes Neves Freire, aprendeu a importância do

diálogo entre as pessoas. Licenciou-se em Direito, porém não exerceu a profissão por opção

pessoal, dedicando-se ao ideal de educação e alfabetização. Na década de 1950, Freire

pensava a educação para adultos, não como mera reposição de conteúdos, mas sugeria uma

pedagogia singular, com a associação de teoria, o vivido, o trabalho, a pedagogia e a política

(Gadotti, 1996).

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Durante a ditadura militar, Freire foi perseguido pelo regime e exilou-se no Chile,

entre os anos de 1964 a 1969, participando ativamente das reformas educacionais naquele

país. Lecionou em Harvard, nos Estados Unidos, seguindo para Genebra, Suíça, completando

16 anos de exílio. Na década de 1970, segundo Feitosa (1999), foi assessor em vários países

da África, países que sofriam com a recente libertação de suas colônias, colaborando com a

implantação de sistemas de educação, em contato direto com a cultura africana.

Neste período, em 1968, que o educador escreveu uma das suas maiores obras, o livro

“Pedagogia do Oprimido”, onde defendeu uma nova relação entre professor, estudante e a

sociedade para a época. Através de uma análise marxista, Freire afirma que o educador deve

ter uma postura revolucionária, conscientizando os estudantes sobre a ideologia opressora

para que estes possam se libertar e modificar a realidade na qual estão inseridos (Rovai,

2013).

Em 1980 retornou ao Brasil, como ele mesmo falava, "com desejo de reaprendê-lo".

Deu sentido a um novo pensamento em contato com o povo brasileiro por intermédio da

classe trabalhadora, com uma concepção de educação popular, consolidou um dos paradigmas

mais ricos da pedagogia contemporânea rompendo radicalmente com a educação elitista e

comprometendo-se verdadeiramente com homens e mulheres. Num contexto de massificação,

de exclusão, de desarticulação da escola com a sociedade, Paulo Freire contribui para a

formação de uma sociedade democrática ao construir um projeto educacional radicalmente

democrático e libertador (Feitosa, 1999).

Através de suas obras, insere em seus questionamentos uma educação multicultural,

ética, libertadora e transformadora. Segundo Miranda e Barroso (2004), o pensamento de

Freire ainda é contemporâneo e inspira a teoria e a prática da educação. Em suas reflexões,

evidencia cuidados com a educação, propondo a humanização das relações e a libertação dos

homens. Ele também falava da educação para uma sociedade que pensa, ouve, sente, se veste

de forma diferente. Mostrava a educação solidária, dialogada, sem arrogância e supremacia do

educador, defendendo a articulação do saber, conhecimento, vivência, comunidade, escola,

meio ambiente, traduzindo-se um trabalho coletivo. Propõe a possibilidade de uma pedagogia

fundamentada na práxis, inserida numa política de esperança, de luta revolucionária, de amor

e de fé no ser humano.

Paulo Freire parte do pressuposto de que o ser humano é histórico, logo está submerso

em condições espaço-temporais, isto é, o homem, estando nessa situação, quanto mais refletir

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de maneira crítica sobre a sua existência, mais poderá influenciar-se e será mais livre. Essa

filosofia se apoia em seis pressupostos que ele designa como ideia-força (Freire, 2000, p. 52-

61).

Das ideias-forças, fundamentadas por Freire, segundo Spínola e Pereira (1976, p. 29)

emergiram alguns conceitos formulados pelo autor, que foram utilizados na educação e

também na área da saúde, dentre elas a Enfermagem, tais como: liberdade, humanização,

conscientização, diálogo, cultura, reflexão crítica e problematização.

A partir dessas ideias-chaves, Paulo Freire desenvolveu um modelo pedagógico -

Método da Problematização.

O modelo pedagógico do Método da Problematização contrapõe ao ensino tradicional

e propõe um ensino diferenciado, pois problematiza a realidade e busca de soluções,

possibilitando o desenvolvimento do raciocínio crítico, contribuindo para uma melhor

formação de profissionais ligados à área da Enfermagem (Franco, 2010).

Apoiado nesse pensamento considera-se ser necessário um modelo de educação em

saúde que propicie a oportunidade de fazer com que os indivíduos busquem, dentro de sua

realidade, alternativas favoráveis às mudanças necessárias. Uma prática que inclua os

indivíduos, aprecie suas capacidades, estimule a procura das causas e analise as suas

implicações com o intuito de ajuda-los a enfrentar os problemas. Um modelo simples, prático,

que valorize a realidade dos indivíduos, suas vivências e experiências, seus saberes e

conhecimentos objetivando o desenvolvimento cognitivo, crítico e autónomo, a fim de

proporcionar uma educação para a saúde assentada e fundamentada em uma política de

confiança e respeito mútuo (Schaurich, 2007).

Nesse contexto, a enfermagem precisa adequar suas práticas de acordo com as rápidas

transformações sociais, trilhar caminhos em busca de processos de educativos

contextualizados, isto é, baseados em uma prática integrada à dinâmica do dia-a-dia das

pessoas, na tentativa de alargar horizontes, promover o intercâmbio de saberes e facultar

mecanismos eficazes de crescimento não só para os indivíduos, como também para os

enfermeiros (Franco, 2010).

Por isso, esse artigo tem como objetivo apresentar qual é o modelo pedagógico do

Método da Problematização descrita por Paulo Freire. Definir o Método da Problematização,

seus princípios e suas possibilidades enquanto caminho para atingir os ideais Freireanos de

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educação. E como esse modelo pedagógico pode contribuir para a melhor formação dos

profissionais da área da Enfermagem.

Trata-se de uma pesquisa teórica, com abordagem quantitativa, utilizando método

dedutivo, de natureza bibliográfica; realizada através da busca de banco de dados GOOGLE,

SCIELO, LILACS, BIREME, MEDILNE, em livros periódicos, artigos, dissertações de

mestrado, teses de doutorado e publicações da Internet.

Método da problematização

A educação é um processo omnilateral, ou seja, a formação da pessoa humana se dá no

todo, em todas as dimensões e no conjunto das relações. Isso faz com que a prática

pedagógica necessite ser vista, através de uma perspectiva que possibilite pensar o homem em

sua totalidade e em sua singularidade. Significa conceber o homem e suas práticas, e dentre

elas a educativa, sem dicotomizá-lo (Kramer, 1993).

Como a educação é um processo dinâmico, contínuo e global, gradativo e cumulativo,

existem condições que facilitam sua realização de forma consistente, que são: maturidade para

aprender, motivação, condições psicossociais e pedagógicas (Campos, 1986).

Atualmente, observar-se os educadores discordando da forma como vem sendo

desenvolvido o processo educativo em nosso país, pois as estratégias utilizadas, através do

ensino tradicional, têm se mostrado ineficientes, comprometendo o resultado final que é a

aprendizagem eficaz (Santos et al., 2006).

O ensino tradicional é centrado no educador e os educandos são “coadjuvantes” do

processo de ensino-aprendizagem. É denominado de educação bancária, uma vez que nesse

tipo de pedagogia, o ensino é o ato de depositar, transferir e transmitir valores e

conhecimentos. O educador é o sujeito do processo e o educando é encarado como mero

objeto depositário, que deve repetir, memorizar mecanicamente, receber, guardar e arquivar as

informações. A educação é vista como doação dos sábios aos que nada sabem. O educador é o

opressor e o educando o oprimido (Santos et al., 2006).

O método tradicional, segundo Freire (1997) compromete a aprendizagem, pois não

permite ao aluno a experiência do debate, a análise dos problemas e o desenvolvimento do

pensamento crítico, impedindo totalmente a participação do educando no processo de ensino.

O aluno é visto como uma página em branco.

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Assim sendo, fica evidenciada a falha pela falta de uma postura reflexiva diante de

possíveis problemas que venham surgir. Apesar disso, de acordo com Santos et al (2006)

ainda é um dos métodos mais difundidos e utilizados.

O método da problematização contrapõe o ensino tradicional e propõe um ensino

diferenciado, pois problematiza a realidade e busca de soluções, possibilitando o

desenvolvimento do raciocínio crítico. Este método encontra muitos dos pressupostos de sua

prática nas correntes filosóficas fenomenológicas e existencialistas. Logo apresenta uma

natureza transformadora, na medida em que problematiza o conhecimento adquirido,

confrontando-o com a realidade, de modo a verificar como esses conhecimentos podem

contribuir para explicar, interpretar ou modificar o mundo que nos cerca, encontrando novas

aplicações em todos os sectores da vida social (Guedes, 2007, p.300).

A problematização tem nos estudos de Freire (1997), a sua origem, enfatizando que os

problemas a serem estudados precisam valer-se de um cenário real. Os problemas obtidos pela

observação da realidade manifestam-se para alunos e professores com todas as suas

contradições, daí o caráter fortemente político do trabalho pedagógico na problematização,

marcado por uma postura crítica de educação.

Supõe que a ação transformadora é inseparável do ato cognoscente e, como ele,

inseparável das situações concretas, mesmo que ocorra sobre os conteúdos já elaborados.

Nesse caso, eles serão referidos ao contexto, pois a problematização parte de situações vividas

e implica um retorno crítico a essas. Por intermédio da problematização, o educador chama os

educandos a refletir sobre a realidade de forma crítica, produzindo conhecimento e cultura em

um mundo e com o mundo (Miranda & Barroso, 2004, p. 634).

Tem sido usado o esquema intitulado Método do Arco, descrito por Berbel, para

ajudar a explicar o Método da Problematização como um processo que privilegia a troca de

conhecimentos, de saberes e de experiências entre os educandos e o educador, considerando

que ambos apresentam uma história individual – coletiva – e um contexto social

compartilhado (Franco, 2010).

O Método da Problematização apresenta cinco etapas. Começa com a observação da

realidade que se caracteriza por uma observação cuidadosa dos problemas colocados pelo

indivíduo, procurando identificar fatores relacionados que possam estar subjacentes. Nesta

fase é feita uma reflexão crítica junto com o sujeito acerca dos problemas levantados para

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posterior problematização. Schaurich (2007) acrescenta e diz “neste momento que se torna

oportuno aos educandos e ao educador lançar um olhar atento e crítico ao vivido”.

A segunda etapa denomina-se ponto-chave, momento de síntese e de definição dos

problemas fundamentais que serão aprofundados junto do indivíduo. É importante questionar

quais as possíveis causas; os determinantes contextuais; os componentes e seus

desdobramentos. Para Santos et al (2006) esse momento é importante para selecionar pontos

essenciais que deverão ser estudados.

Posteriormente, a teorização ocorre após os problemas serem identificados, nesta fase

analisa-os de vários ângulos, à fim de fundamentar as futuras propostas para a resolução dos

problemas. Schaurich (2007) refere que esta fase possibilita um ampliar de horizontes

teóricos, um aprofundar de conhecimentos acerca do problema.

A formulação de hipóteses de solução é a quarta fase, segundo Santos et al (2006), o

momento de encontrar alternativas e elaborar propostas para a resolução dos problemas.

Incentiva-se a participação, visto que na maioria das vezes, é o indivíduo que será responsável

pela implementação das ações futuras. Esta fase tem como premissa a criatividade inerente ao

indivíduo como ser inacabado. Este olhar/agir criativo e reflexivo, propicia aos educandos e

educador uma percepção do problema, de sua génese, de seu entorno e repercussões

individuais e coletivas.

A última etapa do Método da Problematização é a aplicação na realidade prática, esta

etapa se resume na ação que deve ser executada ou encaminhada na prática. Berbel (1998)

refere que as hipóteses são construídas como resultado do estudo e da compreensão

pormenorizada dos problemas.

Portanto, para Berbel (1998), a problematização “constitui uma verdadeira

metodologia, entendida como um conjunto de métodos, técnicas, procedimentos ou atividade

intencionalmente selecionada e organizada em cada etapa, de acordo com natureza do

problema em estudo e as condições gerais dos participantes”. Na educação problematizadora,

busca-se interpretar a realidade voltando-se à criação de espaços contra hegemônicos e

contestatórios que possibilitem crítica, algumas vezes radical, à realidade estudada.

Constatando e conhecendo os problemas, tornamo-nos capazes de intervir na realidade.

Educação na enfermagem através do método da problematização

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Durante muito tempo a saúde foi abordada e fundamentada em um modelo biológico,

centrado na queixa/doença, onde ações curativas predominavam e acabavam por se

transformar em indicadores de medida. O indivíduo era dividido em partes e só era observado

a parte afetada ou a sintomatologia que se associava a uma determinada doença. A educação

para saúde seguia a mesma linha, pois se prendia na transmissão de informações ou

recomendações baseadas no poder técnico, não respeitando a individualidade, a dimensão

social, nem tão pouco os determinantes culturais. O indivíduo não era totalmente envolvido

no processo educativo, sendo obrigado a assumir o papel de objeto, apesar de se tratar de sua

própria vida (Franco, 2010).

No ensino da Enfermagem, considerar como única função educativa a socialização,

apenas dos saberes técnicos relacionados com a política profissional admitida para os

profissionais de saúde deste nível é, provavelmente, correr o risco de sonegar elementos

básicos de compreensão profunda daquelas práticas. Além disso, está desprezando a

totalidade e a complexidade da educação e do próprio exercício profissional, que tem como

critério, menos a hierarquização dentro de um campo profissional e, mais o entendimento da

realidade (princípios, processos e procedimentos) para o desenvolvimento das competências

humanas (Santos et al, 2006).

O ensino baseado na problematização da realidade acredita na educação que conduza o

homem à busca incessante da realidade, ouvindo, perguntando, analisando, investigando,

problematizando, criticando o ensino, na tentativa constante de mudança de atitude.

A relação de dialogicidade é permanentemente defendida, como essência do processo

em que o educador e o educando são sujeitos interlocutores do processo educativo em busca

da “significação e dos significados”. Não é transferência de saber. O educador educa e é

educado no diálogo com o educando (Freire, 1995).

Segundo Santos et al (2006) os oprimidos são estimulados a desvelarem a opressão

através da problematização, comprometendo-se com a transformação da realidade pela ação e

reflexão, fazendo surgir a pedagogia dos homens em processo de libertação permanente e

autêntica. O desrespeito à leitura de mundo do educando revela o gosto elitista, portanto

antidemocrático, do educador que, desta forma, não escutando o educador, com ele não fala.

Nele deposita seus comunicados.

A Teoria da Problematização parte da base, que em um mundo de mudanças rápidas, o

importante não são os conhecimentos ou ideias, nem os comportamentos corretos e fáceis que

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se espera, mas sim o aumento da capacidade do aluno-participante e agente da transformação

social para detectar os problemas reais e buscar para eles soluções originais e criativas. Por

esta razão a capacidade que se deseja desenvolver é a de fazer perguntas, relevantes em

qualquer situação para entendê-las e ser capaz de resolvê-las adequadamente (Franco, 2010).

Em um primeiro momento, o aluno é levado a selecionar um determinado aspecto da

realidade. Quando isto não é possível, os meios audiovisuais, modelos, permitem trazer a

realidade até aos alunos, mas naturalmente, com perdas de informação inerentes a uma

representação do real (Cyrino &Pereira, 2004). Ao observar a realidade, os alunos expressam

suas percepções pessoais, efetuando assim uma primeira leitura sincrética ou ingênua da

realidade.

Em segundo momento ou fase, os alunos separam no que foi observado, o que é

verdadeiramente importante do que é puramente superficial ou contingente. Melhor dizendo,

identificam os pontos chaves do problema ou assunto em questão, as variáveis mais

determinantes da situação. Esta etapa da problematização constitui uma das razões mais

importantes da superioridade desta pedagogia sobre as de transmissão e condicionamento

(Santos et al, 2006).

Em um terceiro momento, os alunos passam à teorização do problema ao se

perguntarem o porquê das coisas observadas. Ainda que o papel do professor seja sempre

importante como estímulo para que os alunos participem ativamente, nesta fase de teorização

sua contribuição é fundamental, pois tarefa de teorizar é sempre difícil e ainda mais quando

não se possui o hábito de fazê-lo em geral, a caso de adultos em treinamento. Trata-se então

do caso de apelar para conhecimentos científicos contidos no dia-a-dia e outras maneiras

simplificadas e de fácil compreensão (Berbel, 1998).

Se a teorização é bem sucedida o aluno chega a “estudar” o problema tão somente em

suas manifestações empíricas ou situacionais, assim como também, os princípios teóricos que

o explicam. Essa etapa de teorização que compreende operações analíticas da inteligência é

altamente enriquecedora e permite o crescimento mental dos alunos (Santos et al, 2006).

Eles passam pelo próprio espaço do domínio das “operações concretas” e isto lhes

confere um poder de generalização e extrapolação considerável. Eis, então, outra razão da

superioridade da pedagogia da problematização sobre a pedagogia tradicional (Freire, 1995).

Confrontada a realidade com sua teorização, o aluno se vê naturalmente movido a uma

quarta fase: a formulação de hipóteses de solução para o problema em estudo. É aqui onde

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deve ser cultivada a originalidade inventiva para que os alunos deixem sua imaginação livre e

se acostumem a pensar de maneira inovadora. Esta etapa deve conduzir o aprendiz a levar a

termo provas de viabilidade e facilidade, confrontando suas hipóteses de solução com os

condicionamentos e limitações da própria realidade. A situação de grupo ajuda a esta

confrontação do ideal e do real. Além disso, o aluno usa a realidade para aprender com ela, ao

mesmo tempo em que se prepara para transformá-la (Santos et al, 2006).

Na última fase o aluno pratica e fixa as soluções que o grupo encontrou como sendo as

mais viáveis e aplicáveis. Aprende a generalizar o aprendido para utilização em situações

diferentes. Através do exercício, aperfeiçoa sua destreza e adquire domínio e competência no

manejo das técnicas associadas â soluções do problema (Santos et al, 2006).

A utilização do método da problematização faz com que o docente em enfermagem

considere a educação para saúde algo indissociável das atividades desenvolvidas no dia-a-dia

profissional; que promova uma educação em saúde voltada para capacitação dos indivíduos,

humanização dos cuidados e valorização da cidadania; que esteja atento e observe se suas

ações estão adequadas a realidade social, económica e cultural dos indivíduos; que tenham

consciência do notório esgotamento das dinâmicas essencialmente curativas que, na maioria

das vezes, tornam-se pouco resolutivas; que realizem um trabalho verdadeiramente de

parceria; e finalmente, que na formação desses técnicos de saúde seja incutido o compromisso

com posturas acolhedoras e de construção da autonomia das pessoas e comunidades (Cyrino

& Pereira, 2004).

Além disto, traz aos alunos mudanças de postura nos níveis individual e social.

Segundo Berbel (1998), quanto ao nível individual destaca-se, que o aluno torna-se

ativo, observador, formulando perguntas, expressando percepções e opiniões, além de ser

motivado por problemas reais. Ocorre, ainda, desenvolvimento das habilidades intelectuais de

observação, análise, compreensão e extrapolação; intercâmbio e cooperação com os demais

membros do grupo; superação de conflitos como ingrediente natural da aprendizagem grupal

e status do professor não diferente do status do aluno.

No que se refere ao nível social, observa-se a formação de indivíduos conhecedores de sua

própria realidade; cooperação na busca de soluções a problemas comuns; elevação do nível

médio de desenvolvimento intelectual dos indivíduos, graças à maior estimulação e desafio

criação ou adaptação de tecnologia viável e culturalmente compatível e, resistência à

dominação por classes e países (Berbel, 1998).

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Considerações Finais

Cyrino e Pereira (2004), discutindo o processo educacional no mundo contemporâneo,

resgata a necessidade de romper com a postura de transmissão de informações, na qual os

alunos assumem o papel de indivíduos passivos, preocupados apenas em recuperar tais

informações quando solicitados. Apropriando-se de conceitos desenvolvidos por Paulo Freire,

ressalta a necessidade de conceber a educação como prática de liberdade, em oposição a uma

educação como prática de dominação.

Ao propor a educação de adultos como prática de liberdade, Paulo Freire (1995)

defende que a educação não pode ser uma prática de depósito de conteúdos apoiada numa

concepção de homens como seres vazios, mas de problematização dos homens em suas

relações com o mundo. Por isso, a educação através do Método da Problematização,

fundamenta-se na relação dialógica entre educador e educando, que possibilita a ambos

aprenderem juntos, por meio de um processo emancipatório.

O Método da Problematização trabalha com a construção de conhecimentos a partir da

vivência de experiências significativas. Apoiada nos processos de aprendizagem por

descoberta, em oposição aos de recepção (em que os conteúdos são oferecidos ao aluno em

sua forma final), os conteúdos de ensino não são oferecidos aos alunos em sua forma acabada,

mas na forma de problemas, cujas relações devem ser descobertas e construídas pelo aluno,

que precisa reorganizar o material, adaptando-o à sua estrutura cognitiva prévia, para

descobrir relações, eis ou conceitos que precisará assimilar (Santos et al, 2006).

Fazendo uma análise comparativa entre a Pedagogia Tradicional a da

Problematização, parece evidente uma nítida superioridade da segunda opção. Sem dúvida,

isto não quer dizer que haja que se rechaçar totalmente a outra opção restante, sobretudo de

algumas de suas aplicações metodológicas. O que não se pode é perder de vista, o objetivo

fundamental da ação educativa, que é desenvolver a personalidade integral do aluno, sua

capacidade de pensar e raciocinar, assim como seus valores e hábitos de responsabilidade e

cooperação (Cyrino & Pereira, 2004).

Isso é o que se almeja para o ensino da Enfermagem, pois na prática é comum

encontrar no cotidiano dos serviços, profissionais executando tarefas e rotinas dicotomizadas

da realidade, sem avaliação ou planejamento do trabalho, desenvolvendo, sempre, as tarefas

ditadas pelos chefes, ou seja, conforme dito anteriormente, a formação em Enfermagem, ainda

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está centrada na reiteração de gestos, sequências e rotinas rigidamente normatizadas. Daí a

predominância de profissionais submissos, alienados, incapazes de se sobressaírem dentro de

sua própria realidade.

Essa é a razão da necessidade premente de mudança da postura do educador, com a

adoção de alternativas pedagógicas, como a problematização da realidade permite a formação

de alunos e, por conseguinte, profissionais participativos, conscientes e transformadores de

sua realidade. Entendendo-se, assim, que o ato educativo é uma produção humana, e a

realidade deste mundo não está dada, predestinada, pronta ou acabada.

Ao contrário, é um processo em permanente continuação, o que requer de todas as

pessoas e, no caso, do enfermeiro-docente a capacidade, disponibilidade e disposição para

construir e reconstruir permanentemente essa realidade.

Referências

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