contratransferência análise de crianças

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Contratransferência em psicoterapia psicanalítica de criança: a emergência da infância do analista (1) Christopher Bonovitz, PsyD (2) P rovavelmente a maioria dos terapeutas (3) que tratam de crian- ças já se deparou com reminiscências, recordações e memórias de suas próprias infâncias. Às vezes, estas reflexões são bre- ves, passando vagamente por nossa mente, muitas vezes despercebi- das. Contudo, em outras ocasiões, uma imagem, um cheiro, uma experiência cinética ou somática transporta o terapeuta de volta a uma memória específica de sua infância. Estas excursões podem nos pegar de surpresa, fazendo nos entrar em contato com memórias que nós podemos não ter dado muita atenção por um bom tempo. Em alguns casos, estas recordações da infância trazem com elas uma experiência de nós mesmos como crianças, permitindo-nos revisar um estado de self que possa ter ficado dormente até então e agora ser experimentado novamente dentro de um contexto relacional de um determinado pa- ciente criança. Mas o que vem à tona ao passarmos por essas reminiscências da infância? O que fazer com nossas associações da própria infância? Que utilidade elas tem, se é que existe alguma? Como usá-las, ou não usá-las com relação ao paciente? Estas lembranças particulares tor- nam-se parte de nosso próprio diálogo íntimo, vistas tão separadas do paciente, ou nós as consideramos entrelaçadas com as configurações 1 Tradução para o português por Jose Tolentino Rosa. Uma versão anterior deste capí- tulo foi apresentada como parte da serie Coloquio sobre Criança no William Alanson White Institute, patrocinado pela Sociedade Frieda Fromm-Reichmann, Outono de 2007. 2 A correspondência referente a este capítulo deve ser endereçada a Christopher Bono- vitz, PsyD, Independent Practice, 119 Waverly Place, Ground Floor, New York, NY 10011. E-mail: [email protected] 3 As palavras terapeuta e analista serão usadas ao longo do texto como sinônimos.

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Contratransferência em psicoterapia psicanalítica

de criança: a emergência da infância do analista(1)

Christopher Bonovitz, PsyD (2)

Provavelmente a maioria dos terapeutas (3) que tratam de crian-

ças já se deparou com reminiscências, recordações e memórias

de suas próprias infâncias. Às vezes, estas reflexões são bre-

ves, passando vagamente por nossa mente, muitas vezes despercebi-

das. Contudo, em outras ocasiões, uma imagem, um cheiro, uma

experiência cinética ou somática transporta o terapeuta de volta a uma

memória específica de sua infância. Estas excursões podem nos pegar

de surpresa, fazendo nos entrar em contato com memórias que nós

podemos não ter dado muita atenção por um bom tempo. Em alguns

casos, estas recordações da infância trazem com elas uma experiência

de nós mesmos como crianças, permitindo-nos revisar um estado de

self que possa ter ficado dormente até então e agora ser experimentado

novamente dentro de um contexto relacional de um determinado pa-

ciente criança.

Mas o que vem à tona ao passarmos por essas reminiscências da

infância? O que fazer com nossas associações da própria infância?

Que utilidade elas tem, se é que existe alguma? Como usá-las, ou não

usá-las com relação ao paciente? Estas lembranças particulares tor-

nam-se parte de nosso próprio diálogo íntimo, vistas tão separadas do

paciente, ou nós as consideramos entrelaçadas com as configurações

1 Tradução para o português por Jose Tolentino Rosa. Uma versão anterior deste capí-tulo foi apresentada como parte da serie Coloquio sobre Criança no William AlansonWhite Institute, patrocinado pela Sociedade Frieda Fromm-Reichmann, Outono de2007.

2 A correspondência referente a este capítulo deve ser endereçada a Christopher Bono-vitz, PsyD, Independent Practice, 119 Waverly Place, Ground Floor, New York, NY10011. E-mail: [email protected]

3 As palavras terapeuta e analista serão usadas ao longo do texto como sinônimos.

relacionadas do paciente e o campo da transferência/contratransferên-

cia? Neste capítulo, eu examinarei aqueles momentos ou situações em

que o analista faz o contato com memórias e experiências da infância.

Da mesma forma que Freud (1912-1958) descreveu em sua descoberta

da transferência que a atuação do analista revive lembranças e senti-

mentos esquecidos ou dissociados em relação às figuras parentais, eu

também acredito que as crianças estimulam memórias das experiên-

cias da infância do próprio analista. A lembrança das recordações da

infância do analista não é necessariamente uma barreira ou um sinal

de patologia, como se acreditava anteriormente, mas é, em alguns

casos, uma fonte vital que pode facilitar e aprofundar potencialmente

o trabalho analítico. Aqui o foco está naquelas situações em que a

lembrança inesperada da infância do analista na sala lúdica pode ser

usada para elucidar o campo da transferência/contratransferência.

Embora as fantasias do analista, as associações de cenas, aconte-

cimentos e os sentimentos relacionados à infância sejam às vezes uma

distração dolorosa que pode interferir no tratamento há outras ocasiões

em que estas memórias podem proporcionar ao analista a oportuni-

dade de não apenas entrar em contato com sua própria parte criança,

mas também, posteriormente, simbolizar estes estados mentais e usá-

los na exploração da mente de seu pequeno paciente. Nas lembranças

da infância do analista, ele pode usar suas próprias recordações para

acessar e entender melhor os conflitos da criança, seus relacionamen-

tos e seu mundo interno. Eu acredito que o estímulo e uso das lem-

branças da infância do analista é algumas vezes um processo

necessário, até essencial, que mantém o passado vivo no presente.

Permite uma reorganização mental em desenvolvimento dentro do

analista e potencialmente uma nova experiência para ele em relação

ao paciente (Wolstein, 1959; Loewald, 1960). Ou, em outras palavras,

134 Christopher Bonovitz

para que o paciente mude o analista deverá se enxergar de uma nova

maneira (Slavin e Kriegman, 1998).

Perspectiva no desenvolvimento da contratransferência com

crianças

Em linhas gerais, os teóricos no campo da psicoterapia e da psica-

nálise da criança debateram ao longo dos anos até que ponto a con-

tratransferência do analista tem utilidade e alguns dos riscos

associados à mesma. De uma forma geral, parece que se tem escrito

mais sobre a contratransferência com os pacientes adolescentes do

que com os pacientes infantis (Akeret e Stockhamer, 1965; Friend,

1972; Giovacchini, 1973; Levy-Warren, 1996). Marshall (1979) que

vê as reações do analista como potencialmente úteis, sugere que há

uma negligência da contratransferência no campo infantil, conside-

rando um reflexo “de problemas da contratransferência” entre os te-

rapeutas que tratam crianças. Alguns analistas viram estes problemas

da contratransferência, tão comentados no passado, apenas como bar-

reiras ou obstáculos ao tratamento, não como potencialmente úteis no

movimento entre os impasses ou nas encenações tumultuadas na trans-

ferência/contratransferência (Szurek, 1950; Slavson, 1952; Corday,

1967). Similarmente, Bornstein (1948) and Bick (1962) advertem

sobre a intensidade das reações do terapeuta quando a criança gera

uma tensão no analista. Deste ponto de vista, o terapeuta é vulnerável

a uma extrema ansiedade e culpa e ser susceptível a uma atuação com

a criança.

Entretanto, houve também, um número de analistas de crianças que

endossaram a idéia que a contratransferência pode ser útil e facilita-

dora (Ekstein, Wallerstein et al., 1959; Brandell, 1992). Psicanalistas

kleinianos contemporâneos como Alvarez (1983) e Ferro (1999) falam

da contratransferência com crianças em termos de identificação pro-

jetiva. Apoiada no tratamento de Bion, que é responsável por “iden-

Contratransferência e a emergência da infância do analista 135

tificação projetiva interpessoal” enfatiza a importância de receber e

conter projeções.

Para Anne Alvarez, conter o recebido envolve transformar a pro-

jeção e então eficazmente comunicá-la de volta ao paciente sob a

forma de uma interpretação. A falha no conter é manifestada em uma

interpretação prematura dando a projeção de volta ao paciente antes

ser suficientemente modificado. O objeto de estudo de Antonino Ferro

é a relação transferência/contratransferência, ou o “campo bipessoal”

em que a contratransferência do analista é vista primordialmente como

uma fantasia inconsciente induzida pelo paciente. Ferro indica que o

analista pode algumas vezes precisar se voltar para a comunicação do

paciente para entender melhor sua própria contratransferência. E além

dos kleinianos, em seus férteis escritos sobre contratransferência, Win-

nicott (1949) escreveu sobre a necessidade do analista de poder odiar

seu paciente, de tolerar e suportar isto. Para Winnicott, ódio era a

mesma coisa que amor e era essencialmente desenvolvido pelo bebê

ao sentir ódio da mãe para se sentir verdadeiramente amado.

Analistas interpessoais e relacionais enfatizam reações intensas

entre terapeutas infantis e a utilidade das reações contratransferenciais.

Em vários casos, estes analistas defendem a expressão direta da con-

tratransferência (Colm, 1955; Green, 1971; Shafran, 1992; Gaines,

1995). Altman, Briggs, Frankel, Gensler e Pantone (2002) falam sobre

contratransferência em termos de encenações em cada ato do analista

e paciente, ou descartar os paradigmas relacionais do paciente. Aqui,

o analista é somente um velho objeto para o paciente, mas também

visto potencialmente como um novo objeto bom.

A idéia que a história do analista não pode ser somente revivida,

mas também remodelada e transformada através da relação analítica

com a criança, tem sua analogia na díade pais-criança. O modelo pais-

criança (Fraiberg, Adelson et al., 1975; Lieberman, 1992; Stern, 1995)

136 Christopher Bonovitz

e contribuições de psicanalistas kleinianos contemporâneos (Klauber,

1991) oferece uma estrutura teórica onde os mundos representacionais

do pai e do bebê estejam interagindo dentro da mesma esfera e estejam

interpenetrando através das identificações projetivas e introjetivas

(Stern, 1995; Pantone, 2000; Altman, 2002; Bonovitz, 2006). As re-

presentações do pai são remodeladas, como objeto interno do self,

através da experiência real como pai, e os relacionamentos e eventos

infantis do pai são reexaminados com um novo olhar.

Embora ele não estivesse se referindo especificamente a pacientes

crianças, Jacobs (1991) escreveu de forma eloqüente e detalhada-

mente sobre o uso de suas experiências da infância no contexto das

encenações de transferência/contratransferência, memórias que ele

efetivamente utiliza para expandir sua consciência dos aspectos mais

sutis de suas próprias reações.

Na linguagem de Ogden (1994), durante o decorrer da análise, a

experiência do analista é intersubjetivamente gerada, transformada

pelo interjogo das respectivas subjetividades do analista e do paciente.

A intersubjetividade mencionada aqui como em outros pontos ao

longo do texto refere ao desenvolvimento da capacidade para reco-

nhecimento, o reconhecimento do outro tão simultaneamente sepa-

rado, mas já conectado, existindo fora do self com os próprios

sentimentos e pensamentos (ver Benjamin, 1990). Na tradição de Win-

nicott (1971), Benjamin (1990) descreve intersubjetividade como a

implicação da “transição do relacionamento (intrapsíquico) do uso do

objeto, continuando um relacionamento com um outro que é perce-

bido objetivamente como existente fora do self, uma entidade com

seu próprio direito” (p. 192). O que eu estou descrevendo como lem-

brança das experiências de infância do analista não é meramente a

descoberta de algo que tenha sido enterrado, mas que estas experiên-

cias ganharam novo significado no contexto intersubjetivo do trabalho

Contratransferência e a emergência da infância do analista 137

terapêutico com criança. Para Benjamin (1990), intersubjetividade en-

volve a capacidade para suportar a tensão entre a relação com o outro

como um objeto produto da vida intrapsíquica e a relação com o outro

como sujeito (outro que existe fora do self).

Variedades de contratransferência com crianças comparadas com

adultos

Contratransferência, como eu uso aqui, refere à resposta total do

analista ao paciente (todos os pensamentos e sentimentos), conscientes

e inconscientes. A totalidade das reações do analista é incutida com

os próprios conflitos pessoais e as relações de objeto internalizadas,

bem como é modelada pelo contexto particular e “pelo relacionamento

real” com o paciente (Tansey e Burke, 1989).

Reminiscências da própria infância do analista e o convívio com

os estados de self da criança com o passado é apenas um dos muitos

tipos de contratransferência com criança. Além de rever versões de si

mesmo como criança, o analista também pode acessar as próprias ex-

periências como irmão, pai, avô, ou amigo com o jovem paciente. Por

exemplo, reconhecendo minha própria contratransferência em alguns

casos trouxe-me de volta alguns relacionamentos que envolviam pre-

dominantemente jogos. Para Sullivan (1953), estas amizades, que ele

nomeou de intimidades, são partes críticas e necessárias do desenvol-

vimento infantil. A criança ou pré-adolescente pode começar a ver a

si mesmo através dos olhos de seu amigo de uma maneira diferente

comparada ao passado e, portanto, pode se tornar mais capaz de inte-

grar aspectos previamente desaprovadores de si mesmo (Brown,

1995). Similarmente, o terapeuta, através do trabalho com a criança,

pode ser lembrado de tais intimidades e ter a chance de reintegrar estes

aspectos dissociados de sua própria infância.

Na situação analítica com o paciente criança há muitas vezes con-

tato nos setores sensorial, somático e físico da experiência. Enquanto,

138 Christopher Bonovitz

com certeza, o discurso faz parte do jogo, é acompanhado por expe-

riências elaboradas de maneira sensório-somática como: ruídos altos

e baixos, sussurros, gritos, odores de arrotos e peidos, escondendo-se

sob a mobília, usar e contorcer seu corpo para desempenhar ou ence-

nar um papel de um personagem, e assim por diante. O self físico

maior do terapeuta em relação ao self menor da criança é ajustado

numa negociação progressiva da fisicidade e seu impacto recíproco.

Durante o jogo de fantasia ou formas ou formas mais concretas de

brincar como curtos jogos de futebol americano e futebol, os respec-

tivos corpos da criança e do terapeuta estão muito próximos e até oca-

sionalmente em contato, às vezes trombando um com o outro,

colidindo um com o outro no meio do jogo, fazendo parte da celebra-

ção do gol (high-five)4 ou formas mais extremas de expressão física

por parte da criança ou de um paciente mais perturbado tal como cus-

pir, morder e bater.

O terapeuta tem a responsabilidade de zelar pela segurança física

da criança, tentando manter a balança entre o “jogar” e o rastro da co-

municação não verbal que toma lugar na esfera física. Os sentimentos

gerados no terapeuta não são apenas contextualizados pelo campo da

transferência/contratransferência até certo momento com a criança,

mas também pelos pais da criança, família, cultura psicanalítica, e

pela ampla sociedade.

Tal como ocorre com os pacientes adultos, o analista de criança

pode experimentar uma variedade de afetos na contratransferência in-

cluindo amor, ódio, tédio, afeição, desprezo, ternura, culpa, excitação,

e aborrecimento. Entretanto, como acontece entre o físico de uma pes-

soa grande (terapeuta) e o de uma pessoa pequena (criança), a inten-

sidade de variação desses sentimentos, e os pensamentos e imagens

que os acompanham, é moldada e dão sentido pelo simples fato de o

analista ser um adulto e o paciente ser uma criança. Para o analista de

Contratransferência e a emergência da infância do analista 139

criança ter sentimentos de amor ou ódio pelo paciente criança, é uma

experiência bem diferente do que sentir essas mesmas emoções com

um paciente adulto.

O sentido de responsabilidade paterna, a proteção e a preocupação

em ofender ou prejudicar, é mais forte com um paciente criança com-

parado com um adulto. A preocupação do terapeuta em explorar in-

voluntariamente uma criança, a partir de suas necessidades narcísicas

(do analista), tem o potencial de interferir na extensão em que o tera-

peuta permite a si mesmo a força total de seus sentimentos e cultivar

um espaço interno para aflorarem suas fantasias. Dependendo da na-

tureza e da intensidade da experiência emocional do terapeuta, o su-

perego do terapeuta analítico pode limitá-lo de contatar estes estados

mentais e afetivos. Se o medo e a ansiedade prevalecerem, pode im-

pedir a exploração intima e interferir com seu uso da contratransfe-

rência para esclarecer as dimensões mais sutis e variadas da interação.

Independente dos “reais” interesses e preocupações do analista,

que todo analista de criança pode simpatizar com elas, o modo como

o terapeuta usa a contratransferência com um paciente ainda criança

difere do paciente adulto. Não são apenas a linguagem e a fala os

meios primários de comunicação para um adulto, mas as capacidades

cada vez mais desenvolvidas, cognitivas, intelectuais e simbólicas e,

portanto, conduzindo a uma exploração mais direta e colaborativa.

Com a criança, ao contrário dos adultos, o analista não pode confiar

muito na linguagem nem na esfera simbólica; como o analista comu-

nica sua contratransferência com a criança é completamente diferente

se comparada com um adulto em conseqüência das habilidades cog-

nitivas pouco desenvolvidas na criança. A idade cronológica e de de-

senvolvimento da criança (entre muitos outros fatores), assim como

tudo o que ocorre em um momento clínico específico, influenciará as

palavras que usamos, nosso tom de voz, e em que proporção nós in-

140 Christopher Bonovitz

terpretamos ou oferecemos observações incluindo a metáfora do brin-

car ou fora dela.

Com um olhar para a inesperada chegada das memórias da infância

do analista, o tipo de contratransferência que é o assunto deste capí-

tulo, eu estou trabalhando fora da suposição de que estas memórias

não estão apenas revelando a história do analista, mas pode esclarecer

alguns aspectos do campo relacional que de outra maneira estaria fora

da consciência. O fato de que a memória surge com o paciente ainda

criança influencia necessariamente a experiência de sua memória tal

como a mesma memória, se isso ocorrer com um paciente adulto, seria

uma experiência diferente. A identificação do analista com a criança

e o relacionamento inconsciente da criança com a memória do analista

contextualiza a experiência do analista.

A própria memória pode não só lançar luz em algo sobre o analista

e o paciente respectivamente, mas também a interação deles e como

cada um é impactado pelo outro. O analista pode silenciosamente

“olhar” para sua memória e suas associações ajudando a gerar uma

observação, empática observação, ou interpretação. Ou, parecido a

um paciente adulto, o terapeuta pode envolver a criança a ajudá-lo

(terapeuta) a fazer sentido e entender melhor sua própria experiência

afetiva. Em linhas gerais, o uso da contratransferência do analista tem

o potencial para abrir um espaço reflexivo em que a criança pode co-

meçar a sondar a mente do outro e chegar a conhecer aspectos dele

mesmo através de outras experiências próprias – a olhar para ele

mesmo como um objeto através dos olhos do analista.

A culpa do analista em “apenas brincar”

Na ludoterapia com crianças, a criança usa o espaço do jogo e a

relação com o analista como um veículo através do qual encena suas

fantasias, desejos, e enredos relacionais tecidos dentro do mundo in-

terno e externo da criança. Brincar, como Frankel (1998) propõe, é

Contratransferência e a emergência da infância do analista 141

um “meio de aproximar uma parte problemática de nós mesmos, algo

em nós que ainda não aceitamos totalmente. E tentar encontrar um

lugar para isso em nossas vidas. Através do brincar, nós a integramos

em nossas próprias experiências e em nossos relacionamentos inter-

pessoais” (p.152). No brincar, as representações da criança de pessoas

significativas na sua vida não apenas as fazem conhecer as persona-

gens da brincadeira, mas o brincar apresenta à criança a oportunidade

de dirigir e remodelar estas representações, entretanto transformando

o alcance perceptivo da criança. O brincar é um componente essencial

da ação terapêutica (Neubauer, 1987; Cohen e Solnit, 1993; Slade,

1994; Birch, 1997; Ablon, 2001; Bonovitz, 2004).

Em relação ao próprio brincar, outro tipo de contratransferência

com crianças que acompanha freqüentemente a emergência das me-

mórias da infância do analista é a culpa que o analista experimenta

quando está envolvido na brincadeira. É bastante comum ouvir de te-

rapeutas de criança admitir sentir culpa por “não fazer nada além de

brincar com a criança”. Os terapeutas de criança sentem culpa espe-

cialmente naquelas situações onde as experiências de brincar do tera-

peuta são agradáveis. Há o sentimento de que se poderia fazer algo

mais do que podia ser considerado “verdadeiro trabalho”, fazendo ob-

servações e interpretações astuciosas. O prazer, a excitação e a alegria

que um terapeuta pode às vezes experimentar ao brincar com a criança

leva o terapeuta a discutir o que ele ou ela está “fazendo” exatamente,

questionando sua técnica e seu vínculo com a criança. Além disso, o

superego do analista pode contribuir para o sentimento que o analista

não pode estar gostando da brincadeira tanto quanto ele ou ela está

gostando. Isto é motivo para preocupação. Embora depois de uma re-

flexão o terapeuta possa certamente começar a ver que, de fato, está

acontecendo muito mais do que “apenas brincar”. O verdadeiro brin-

car da sala de análise pode rapidamente se tornar um esforço compli-

142 Christopher Bonovitz

cado.

Enquanto o tipo de culpa que eu estou descrevendo for algo que o

terapeuta de criança experimenta uma vez ou outra, o aprofundamento

de nossa compreensão no contexto da transferência/contratransferên-

cia pode envolver a relação histórica do terapeuta e progredir a relação

com o brincar. O brincar do paciente criança pode aflorar uma série

de sentimentos e conflitos arraigados no analista de tal forma que a

relação do analista com o brincar se torna uma parte crítica da troca

diádica, impregnando o ato compartilhado de brincar com uma série

complexa de significados.

Perdido “no fim do mundo”: recrutando a ajuda da criança para

entender a contratransferência do analista

Angus, um menino encorpado de nove anos, era fanático por fute-

bol. Ele geralmente vinha às suas sessões vestido com a camiseta do

seu time favorito e pronto para jogar5. Nossas partidas começavam

com a escolha do time – França, Brasil, Estados Unidos e assim por

diante – e um jogador favorito cuja identidade nós assumíamos na-

quele dia. Com o tempo, nós desenvolvemos um ritual preparando

minha sala para o jogo: movendo a mobília ao redor e preparando os

gols. Angus sentia orgulho de sua habilidade no futebol e freqüente-

mente começava o jogo com um breve relato sobre seu time atual de

futebol e seu desempenho no ultimo fim de semana. Ele era muito

sensível e frágil, contudo, contraditoriamente, determinado e teimoso.

Ele raramente desistia, mas batalhava para vencer. Ganhar era tudo

ou, por outro lado, perder era sentido como “o fim do mundo”, e fazia

a competição tomar proporções de vida ou morte. Ele tinha uma pre-

coce irmã mais velha que não cometia nenhum erro aos olhos de seus

pais e, portanto, Angus vivia à sombra dela, com o sentimento de que

tudo o que ele fazia de alguma maneira era nada.

Angus considerava a si mesmo como um “pessimista” com uma

Contratransferência e a emergência da infância do analista 143

insinuação de orgulho. Para ele um “pessimista” era alguém que pre-

feria pensar sobre coisas que não funcionavam com o intuito de au-

mentar suas esperanças. Esta atitude manifestada em nossos jogos de

futebol em que todo o tempo eu era líder, logo no início do jogo, ele

anunciava que eu provavelmente ganharia o jogo. Embora dissesse

isto num tom de voz derrotista, ele de fato não jogava a toalha, mas

em troca persistia ainda mais. Eu, do meu lado, procurava “permitir“

sem planejar fazê-lo conscientemente. Eu enrolava não jogando tão

intensamente, que tornava muito fácil para Angus pontuar. Em res-

posta à sua ansiedade sobre a minha possibilidade de vencer o jogo,

eu me tornei seu protetor e errava e me preocupava que eu pudesse

machucá-lo se eu continuasse jogando forte e ganhasse o jogo. Ás

vezes eu tinha a fantasia que ele batia sua cabeça no peitoril da janela,

ou tropeçasse e quebrasse seu dente. Apesar de ter sido uma fantasia,

o que pode ter alimentado isto é que em algumas ocasiões, ele real-

mente se machucou de verdade, apenas levemente. Nestas ocasiões,

ele parecia combinar seu machucado e eu sentia culpa, como se eu ti-

vesse arremessado com muita força. Eu era grande e ele era pequeno,

então eu tinha que olhar isso. Desnecessário dizer como esse padrão

de transferência/contratransferência tornou-se mais acentuado entre

nós, eu acabava perdendo muitos de nossos jogos.

Uma das características da família de Angus emergiu no contexto

destes jogos de futebol, assim como meu conflito com o vencer. Ini-

cialmente ele foi encaminhado para tratamento devido a seus ataques

de birra sombrios durante os quais ele podia chorar histericamente, e

então se voltava para ele mesmo sem comunicação por longos perío-

dos de tempo, às vezes por diversas horas. Quando neste estado men-

tal, ele se sentia perseguido por qualquer pessoa ao seu redor. Havia

apenas uma realidade neste tipo de situação, e era a sua versão. Nada

que seus pais dissessem o tirava disso, e eles geralmente ficavam de

144 Christopher Bonovitz

lado se sentindo sem esperança e incrivelmente frustrados. Angus sen-

tia-se chateado por ter sido injustiçado.

Embora esses ataques de birra tornaram-se menos freqüentes com

o passar do tempo, e ele conseguia se recuperar cada vez mais rapi-

damente do desapontamento ou da indiferença percebida, seus pais

permaneciam muito ajustados, para as deixas em Angus como sinais

que ele devia ser uma espiral descendente- respiração profunda, uma

expressão facial particular, ou um rápido piscar de olhos como se ele

fosse chorar. Sempre que os sentimentos de exasperação surgiam sua

mãe ou seu pai os convertiam em acomodação, procurando desespe-

radamente por meios de acalmá-lo antes que ele se abalasse. Este tipo

de reação da parte dos pais dava a Angus um tremendo sentimento de

poder, que ele manejava para sua vantagem, tornando-se exigente e

insistente. Reciprocamente, a acomodação de seus pais, particular-

mente sua mãe, podia reforçar nele um sentimento de fragilidade. A

mãe e o pai, cansados das constantes brigas devido a seus respectivos

conflitos em torno da agressão, retratavam no rosto o aparecimento

das tensões.

Voltando às minhas fantasias de Angus ficar machucado, eu come-

cei a ficar mais ciente de como minha proteção a ele e a necessidade

de dissipar o seu medo da perda poderia se relacionar ao meu repúdio,

ou dissociação, de meus próprios sentimentos agressivos encobertos.

Eu estava com medo de machucar Angus? Eu estava assustado com

meu próprio poder em relação a ele? Eu estava tentando prevenir um

desastre deixando-o ficar calmo e vencer?

Embora houvesse evidencia que nessas poucas ocasiões em que eu

venci que Angus, de fato, fosse capaz de manipular minha vitória, de

alguma forma isto não era suficiente para me tranqüilizar.

Nossos respectivos estilos de caráter interpessoal tornam-se evi-

dentes pelo modo como cada um de nós jogava. Angus era um bom

Contratransferência e a emergência da infância do analista 145

goleiro, significando que ele era vigilante e secretamente guardava

seu gol, ficando difícil para eu pontuar. Quando na liderança, ele era

habilidoso em decifrar minhas estratégias, e ajustava seu jogo ade-

quadamente. Uma jogada favorita de Angus era ficar com a bola atrás

de uma cadeira grande, usando-a como defesa contra mim, e eu tinha

que esperar enquanto ele se movesse de um lado ou de outro, ou ar-

riscar um tiro aberto em meu gol. Quando o jogo estava empatado ou

se ele tinha uma pequena vantagem, ele procurava um momento de

suspensão atrás da cadeira. Ele descrevia este lugar como o “céu”,

porque ele não era “perturbado” quando ficava ali.

Eu comecei a encontrar minhas “tão faladas” melhoras na compe-

tição com a família de Angus. Eu havia me lembrado daqueles muitos

exemplos quando, em competição com uma criança, eu procurava de-

sistir quando estava ganhando. Era como se eu decidisse permitir que

alguém vencesse no meu lugar. Era seguro por alguma razão. Refle-

xões sobre meu próprio relacionamento com competição no contexto

do futebol com Angus me conduziram a meu amigo de infância Step-

hen, uma amizade ao longo do tempo em que eu tinha a idade de

Angus. No meio de meus jogos com Angus, eu me tornei cada vez

mais ciente da semelhança entre meu escritório e o porão de estilo in-

glês da casa de meu amigo Stephen onde ocorreram muitos jogos.

Minhas memórias neste exemplo foram organizadas em torno de

nossa competição atlética (futebol, futebol americano e beisebol), tudo

neste espaço apertado, estreito. Nestes jogos, as coisas se tornaram

animadas com cada um de nós competindo ferozmente com o outro

para ganhar como se “tudo estivesse na linha”. Stephen, que era mais

corajoso do que eu naquele tempo, estava mais disposto a jogar seu

corpo para o lado por causa do avanço da bola, ou bloqueando o gol.

Uma parte inevitável desses jogos envolveu um ou outro de nós pa-

rando o jogo para discutir uma “chamada”, disputa de jogo, ou para

146 Christopher Bonovitz

renegociar os papéis. Enquanto a maior parte do tempo estes argu-

mentos era resolvidos, havia poucas ocasiões em que nossa escalada

a uma séria luta, resultou em um de nós ficando muito bravo e então

deixando o jogo. Eu recordei o sentimento mais tarde, preocupado

que Stephen e eu não pudemos mais continuar sendo amigos. O que

tinha sentido tão importante para mim durante o jogo levou a uma an-

siedade opressiva sobre a perda de meu amigo. Eu gostava de sua ami-

zade. Era o mundo para mim, e eu certamente não queria fazer nada

para comprometê-la.

Com minha mente jogando para essas memórias momentâneas,

ainda que insignificantes, de minha amizade com Stephen, eu fiquei

curioso sobre a ameaça de perda que eu experimentei em resposta às

nossas animadas disputas não resolvidas. Confuso com todo esse re-

lato, mas gradualmente convencido de sua relevância por causa de

sua recorrência em meus próprios pensamentos, até certo ponto eu de-

cidi recrutar a ajuda de Angus para entender o que estava acontecendo

entre nós dois.

Nesta sessão em particular, eu tentei trazer-lhe minhas observações

do nosso jogo, um jogo que, fiel à regra, ele ganhou depois de eu li-

derar todo o tempo, desde o início. Eu lhe falei algo sobre o efeito de

“eu percebo que algumas vezes quando tenho a vantagem eu começo

a decair, até o ponto em que você começa a jogar melhor e ganha o

momento. Eu duvido se você tem algumas idéias sobre o porquê isso

acontece”. Inicialmente, ele olhou para mim como se dissesse, “Como

eu posso saber?” Eu persisti, afirmando, “Eu penso que você tem al-

guns palpites sobre isto”. Um momento depois ele diz, “eu fico bravo

quando começo a perder, e isso deixa você assustado.” Eu pergunto

como ele pode dizer que eu estava assustado. Ele retruca, “Você estava

assustado como as outras pessoas. Eu vi em seu rosto e no modo de

jogar; você parou de jogar forte.” Havia indícios de desapontamento

Contratransferência e a emergência da infância do analista 147

em sua voz.

Eu pausei aqui e considerei o que Angus me dissera. Eu estava, de

fato, assustado com sua raiva? Era a mudança no meu jogo que ele

referira como uma versão de abandono? Ele sentiu raiva de mim por

desistir de nossa intensa competição, algo que lhe foi interrompida no

meio do caminho? Inseguro sobre tudo isso, eu perguntei-lhe por que

ele achava que eu me assustei com ele. Ele respondeu, “Talvez porque

eu gosto de ser perfeito, e você pensa que me machucará se você ga-

nhar.” Eu fiquei surpreso com o insight de Angus sobre seus próprios

conflitos narcísicos, assim como com as veementes observações de

minhas reações sobre a percepção de sua fragilidade. Eu lhe disse que

pensei que ele estava acima de algo muito importante, e que o que ele

disse eu senti que era direto para mim.

Por que eu procurei tomar cuidado comigo mesmo? Quem eu estava

protegendo de minha agressão, eu ou Angus? Para ligar as sessões se-

guintes periodicamente, as impressões de Angus me levaram de volta

à minha amizade com Stephen. Eu voltei ao sentimento que eu trope-

çara antes: meu interesse na perda do meu amigo com ele acompa-

nhando nossos argumentos, meu medo que nós não conseguíssemos

resolver nossa disputa. Curiosamente este meu “velho” sentimento

conduziu-me a pensamentos sobre lealdade e promessas que eram tão

essenciais para meus amigos naquele tempo. O que Angus tinha me

ajudado a entender através de suas impressões sobre minha decaída

em nossos jogos foi a possibilidade que ele sentiu que eu declinava em

minha “promessa” de jogar, e jogar o jogo inteiro. Embora ele pudesse

ver porque eu desistia, ele também me lembrava que eu o aceitara por

ser menos maleável do que ele realmente podia ser. Ele me deixava

saber que eu não ficaria necessariamente tão assustado com sua raiva.

Ele poderia tomá-la, ou no mínimo eu poderia dar mais uma chance.

Eu comecei a ver mais claramente a conexão entre minha renuncia,

148 Christopher Bonovitz

minha intensa competitividade e minha preocupação com a fragilidade

de Angus, uma situação não tão parecida com a ocorrida entre Angus

e sua mãe. Tornando-me mais inteirado das interações entre Angus e

sua mãe, eu pude ver como ela podia, algumas vezes, muito rapida-

mente, desembaraçar-se dele quando ela sentia que ele estava alcan-

çando o limiar de sua frustração. Contudo, era seu desembaraço, como

o meu, que deixava Angus com uma coleção de sentimentos para com

ele mesmo.

Marcando este padrão para nós no jogo, quando isso não desapa-

receu imediatamente, nós pudemos identificá-lo mais prontamente

juntos e deixar aberto para uma exploração futura. Angus não só es-

timulou e reavivou minhas memórias, mas elas também provaram ser

um caminho útil para aprofundar minha compreensão para o que

transpirou na sala com ele. Este era também um exemplo que eu re-

crutara Angus e suas impressões para ajudar a verter luz nas mudanças

em mim durante nossos jogos. Fazendo assim, ele foi me mostrando

aspectos de minha participação e seu impacto nele, que eu não tinha

aclarado inteiramente. Trabalhando através da minha contratransfe-

rência, não apenas envolvido em examinar minhas reações no con-

texto do mundo interpessoal de Angus, mas também amplamente

simbolizado minha amizade da infância e suas relações com meus

sentimentos sobre competição, agressão e perda.

Conclusões

Eu tentei mostrar com essa vinheta clínica como as cenas, memó-

rias e estados mentais emergiram espontaneamente no contexto de vá-

rias configurações de transferência/contratransferência. As memórias

da infância do analista, emergindo dentro das trocas diádicas com a

criança, são reanimadas e construídas em conjunto com a criança. Há

uma interação contínua, fluida, entre a encenação presente na trans-

ferência/contratransferência no tratamento e as excursões ao passado

Contratransferência e a emergência da infância do analista 149

do analista, cada uma dando forma e se associando a outro significado.

As memórias do terapeuta não são redescobertas, são como pacotes

esquecidos a serem encontrados como uma antiguidade enterrada, as

cenas da infância são recriadas e então transformadas durante o curso

do tratamento.

Em alguns casos, como ilustrado com Angus, revisitando periodica-

mente as experiências infantis do analista em momentos diferentes no

tratamento, desloca sua perspectiva neles, permitindo ao terapeuta entrar

em contato com sentimentos e pensamentos sobre eles que até então

não tinham entrado em contato. pensamentos sobre eles que até então

não tinham entrado em contato. Trabalhar com contratransferência en-

volve desenvolver a capacidade de primeiro reconhecer e tolerá-la, e

então usá-la ativamente, ao contrário de abandoná-la como auto-absor-

ção ou, similarmente, como não relacionado e conseqüentemente algo

a se evitado ou excluído do trabalho com a paciente criança.

Os aspectos da infância do analista emergem inevitavelmente com

o paciente criança. A contratransferência do analista com relação à

sua própria infância é crítica em manter estas experiências vivas no

analista, e no presente passado no momento. A contratransferência do

analista é essencial para sua compreensão da vida emocional e mental

da criança, assim como a do analista. Desenvolvendo maneiras de usar

a contratransferência tem-se o potencial para facilitar a análise, ela-

borando impasses e encenações seguidas.

Em uma nota final, ao escrever este capítulo, eu descobri minhas

lembranças da infância que emergiram com alguns pacientes crianças

não só tinham a ver com minhas necessidades não alcançadas, con-

flitos não resolvidos e perdas na infância, mas também foram revigo-

rados pela oportunidade apresentada de rever aspectos de minha

infância. Como a palavra “oportunidade” sugere, eu acredito que a

possibilidade de revivenciar memórias, associações e fantasias emer-

150 Christopher Bonovitz

gem fora do nosso passado e recriadas com a criança pode nos ajudar

a reconhecer a “outra criança” na sala de análise conosco.

Resumo

O autor foca em um tipo específico de contratransferência com crian-ças – as experiências e memórias da infância do terapeuta - que emer-gem na psicoterapia de criança. O relembrar destas recordações dainfância do analista não é uma barreira ou um sinal de patologia comose acreditava anteriormente, mas em alguns casos é uma fonte vitalque pode facilitar e aprofundar potencialmente o trabalho analítico.A memória do analista e as consequentes fantasias, experiências físi-cas e sensoriais, e estados afetivos no contexto da memória de infân-cia, podem fornecer ao analista a oportunidade de fazer não apenas ocontato com seu “self” como uma criança, mas também facilitar asimbolização destes estados mentais e usá-los na exploração da mentedo paciente criança. Através das trocas intersubjetivas com o paciente,as memórias da infância do analista dão um novo significado ao con-texto do trabalho terapêutico com o paciente criança. O autor ressaltaa singularidade da contratransferência com crianças em comparaçãocom adultos. Uma vinheta clínica é apresentada com detalhes, orga-nizados em torno de uma lembrança da infância do analista e comoele pode usá-la no campo da transferência/contratransferência.Descritores: psicoterapia da criança, contratransferência, encenação,brincar, memória.

Contratransferência e a emergência da infância do analista 151

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