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www.ResumosConcursos.comResumo: Contratos Administrativos – por Mariana Meyer

Resumo de Direito Administrativo

Assunto:

CONTRATOS ADMINISTRATIVOS

Autor:

MARIANA MEYER

1. CONTRATOS ADMINISTRATIVOS

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1.1 Noção de contrato

Feitas tais considerações, acerca da evolução histórica da responsabilidade do Estado em face dos danos causados por seus agentes a terceiros (com ou sem a participação destes) urge, agora, promover-se um corte metodológico, voltado à apresentação daquelas situações nas quais o estado é parte e que não se confunde com as quaisquer outras formas de manifestação de seu atuar.

Melhor dizendo: para que se possa tratar da responsabilidade do estado brasileiro decorrente de contratos administrativos inválidos, primeiro se faz necessário (re)conhecer o que seja contrato e, depois, como esse se qualifica como administrativo.

O vocábulo “contrato” deriva do termo latino contractus, que significa convenção, pacto, acordo de vontades. Tradicionalmente, entende-se por contrato a relação jurídica formada por acordo de vontades, em que as partes obrigam-se reciprocamente a prestações concebidas como contrapostas, de modo que nenhum dos contratantes possa extinguir ou alterar unilateralmente o que nele está disposto.

Para Savigny1, “contrato é o concurso de pessoas em concorde declaração de vontades pela qual ficam determinadas suas relações jurídicas”.

Costuma-se dizer que “o contrato é lei entre as partes”, pois está baseado na consensualidade (acordo de vontades) e na imposição dos termos nele contidos.

A instituição do contrato é típico do direito privado, baseada na autonomia da vontade e na igualdade jurídica entre as partes. A “teoria geral do contrato” é a mesma para todo gênero contratual; devem ser observadas tanto pelos contratos regidos pelo regime de direito público, quanto para os regidos pelo regime de direito privado.

No direito privado, a liberdade de contratar é ampla e informal (salvo restrições da lei e exigências especiais de forma para certos ajustes); no direito público há limitações de conteúdos e requisitos formais para realização e execução de seus contratos; em contrapartida, dispõe de privilégios administrativos, como abordaremos a seguir.

Isto posto, cabe a partir daqui tratar-se tão-só do contrato administrativo; e não meramente de contratos em geral.

1.2. O contrato administrativo e sua evolução

1 Citado por Roberto Ribeiro Bazilli. Contratos Administrativos. São Paulo: Malheiros, 1996, p. 17.

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Celso Antônio Bandeira de Mello2 leciona que este contrato “marca-se sobretudo (embora não só) pela possibilidade da Administração instabilizar o vínculo, seja: a) alterando unilateralmente o que fora pactuado a respeito das obrigações do contratante; b) extinguindo unilateralmente o vínculo”.

Historicamente, a doutrina francesa foi quem lhe deu os traços, desenvolvendo a “teoria do contrato administrativo”3, a qual originou-se em dois problemas com que se deparou o Conselho de Estado da França: quais os poderes ou sujeições inerentes ao “contrato administrativo”, ou seja, qual seu regime; e quando se deve reputar administrativo um contrato, e, portanto, submisso a este regime.

Quanto ao tema, Celso Antônio Bandeira de Mello assim se manifesta:

“Com relação ao primeiro aspecto, não é difícil verificar que os traços peculiares ao regime do ‘contrato administrativo’ giram em torno da supremacia de uma das partes, que, a seu turno, procede da prevalência do interesse público sobre os interesses particulares. Esta supremacia vai expressar-se tanto na possibilidade de instabilizar a relação (...) quanto na autoridade do contratante público. Esta autoridade se manifesta na presunção de legitimidade de seus atos, pelo amplo controle e fiscalização da execução do contrato, pela possibilidade de impor sanções ao contratante privado. Além disto, a supremacia do interesse público incompatibiliza-se, muitas vezes, com a possibilidade de o contratante privado invocar a exceptio non adimplenti contractus (exceção do contrato não cumprido)4.(...)

Com relação ao segundo aspecto – o de saber quando tal ou qual contrato é administrativo – firmou-se o entendimento de que teria este caráter o contrato firmado pela administração que atendesse a um desses três requisitos: a) receber tal qualificação por lei; b) ter por objeto a própria execução de um serviço público; c) conter cláusulas exorbitantes”.

Salienta, porém, o mesmo autor, que a rotulação “contrato administrativo” tem sido utilizada de maneira “imprópria e muito infeliz”, causando equívocos, pois não distingue situações jurídicas diferentes: contratos em que os poderes reconhecíveis ao Poder Público advém diretamente das disposições legais (mesmo que cláusulas contratuais não o estabeleçam, não podem lhes negar) e “contratos” em que os poderes de instabilização da relação jurídica existiriam independentemente de qualquer previsão contratual ou norma explícita (exemplo: os contratos de concessão).

Assim também o faz Lucia Valle Figueiredo, ao questionar a “existência” dos contratos administrativos; afirmando a autora que “existem – isto, sim – contratos da Administração

2 MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Ob. cit. p. 552.3 Celso Antônio Bandeira de Mello cita que o principal teórico nesta matéria foi Gaston Jeze.4 Tópico a ser analisado oportunamente.

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Pública ora sob maior influxo de regras de direito privado”5, pois de um lado estão os contratos mais rigidamente alocados dentro do Direito Público, os chamados contratos administrativos; e de outro, os contratos da Administração Pública, regidos basicamente pelo Direito Privado, mas ainda sob forte interferência do Direito Público.

De qualquer sorte, podemos extrair e adotar o seguinte conceito para contrato administrativo:

“É um tipo de avença travada entre a Administração e terceiros na qual, por força de lei, de cláusulas pactuadas ou do tipo de objeto, a permanência do vínculo e as condições preestabelecidas assujeitam-se a cambiáveis imposições de interesse público, ressalvados os interesses patrimoniais do contratante privado.”6

Já Hely Lopes Meirelles7 tem uma definição mais abrangente: “é o ajuste que a Administração Pública, agindo nessa qualidade, firma com o particular ou com outra entidade administrativa, para a consecução de objetivos de interesse público, nas condições desejadas pela própria Administração”.

Por sua vez, José Cretella Júnior8 entende contrato administrativo como “todo acordo oposto de vontades de que participa a Administração e que, tendo por objetivo direto a satisfação de interesses públicos, está submetido a regime jurídico de Direito Público, exorbitante e derrogatório do direito comum”.

1.2.1. Disciplina legal dos contratos administrativos

Apenas como registro, a Constituição Federal Brasileira determina a competência privativa9

da União para legislar sobre licitação e contratos administrativos, editando normas gerais, cogentes a Estados membros e Municípios, estendendo-a também, a entidades da Administração indireta (autarquias, sociedades de economia mista, empresas públicas e fundações).

Hoje, estas normas estão consubstanciadas na Lei Federal nº 8.666, de 21 de junho de 1993, e posteriores alterações, conferindo competência suplementar a Estados e Municípios, podendo formular regras que desdobrem os princípios e normas gerais fixadas pela União (art. 24, §§2º e 3º da Constituição Federal).

A licitação, como instituto de direito administrativo, envolve um procedimento administrativo que tem por objeto a escolha do co-contratante. Assim é que a licitação é um procedimento

5 FIGUEIREDO, Lúcia Valle. Curso de direito Administrativo. 2. ed. São Paulo: Malheiros, 1998. p. 467.6 MELLO, Celso Antônio Bandeira de Mello. Ob. cit. p., 558.7 MEIRELLES, Hely Lopes. Licitações e contratos administrativos. 11 ed. São Paulo: Malheiros, p. 156.8 CRETELLA JUNIOR, José. Das licitações públicas. 10 ed. São Paulo : Forense, 1997, p. 115.9 Não se trata de competência “exclusiva”, nos dizeres de Roberto Ribeiro Bazilli, mas “privativa”, pois a União

pode delegar a expedição dessas normas, nos termos do art. 22 da Constituição Federal (In Contratos Administrativos. São Paulo : Malheiros, 1996, p.16.)

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administrativo de provocação exclusiva da Administração, obrigatório10 e preparatório ou preliminar, via de regra, dos contratos de que participa a Administração Pública.Contudo, este um tema que por si só demandaria novel ensaio11, razão pela qual é de se retornar ao foco central: o contrato administrativo e suas características essenciais (capazes de o distinguir dos demais contratos).

1.3. Características do contrato administrativo

As características do contrato administrativo derivam da supremacia do interesse público sobre o particular, se retratando nos deveres-poderes que tem a Administração de modificar unilateralmente a avença, extinguí-la, impor sanções ao particular e exigir o cumprimento das prestações alheias.

Em termos práticos, o interesse público (primário)12, tutelado pela Administração, prepondera sobre o interesse privado, titularizado pelo terceiro contratante.

Isso não significa, porém, uma concepção autoritária do contrato administrativo, nem mesmo o fato da superioridade do interesse público se retrate numa concepção autoritária do Estado. Nos termos de Gordillo, citado por Marçal Justen Filho13, há “um regime de direito público que busca satisfazer o interesse público concreto a que o contrato deve servir, sem sacrificar os princípios superiores de justiça e equidade a que todo Estado deve propender”.

Como ensina Lucia Valle Figueiredo14, “aos chamados contratos administrativos se atribuem traços especiais (...) desde logo, o desnivelamento das partes”, salientando que esta se dá por força da “relação de administração”, e não por mero privilégio da Administração Pública.

Equivale dizer que o particular não adquire o direito de imutabilidade do contrato, como consignado no Direito Privado; nem suas vantagens in specie (lex inter partes e pacta sunt servanda, em seu sentido literal), porque isto equivaleria a subordinar o interesse público. Prevalece nesta relação o jus variandi, que é o direito do Poder Público de “instabilizar” o

10 Como regra geral, a contratação por parte da Administração deve ser precedida por regular processo licitatório. Em não havendo, nos casos de dispensa e inexigibilidade, deve haver procedimento anterior com o intuito de legalizar a contratação. A ausência de licitação não significa inexistência de um procedimento licitatório.

11 Por evidente que a pormenorizada análise da Lei Geral de Licitações e Contratações Públicas seria oportuna. Contudo, isso demandaria um estudo assaz robusto e, pois, extrapolaria os limites deste ensaio monográfico. Assim sendo, registre-se que os artigos 54 a 80 da lei versam exatamente sobre os contratos administrativos e, pois, são aqueles em face dos quais deve-se analisar as eventuais falhas, irregularidades e, até mesmo, patentes ilegalidades dos contratos firmados pelo poder público.

Essa uma tarefa que, pela maior delimitação do objeto mentado, permitimo-nos passar ao largo.12 Não se confunda interesse público primário com secundário. O primeiro se reporta ao interesse da

coletividade; o segundo ao interesse da própria Administração Pública, enquanto sujeito de direitos e obrigações.13 JUSTEN FILHO, Marçal. Comentários à lei de licitações e contratos Administrativos. 5. ed. São Paulo:

Dialética, 1998, p.468.14 FIGUEIREDO, Lúcia Valle. Ob. cit. p. 467.

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vínculo contratual descendente do interesse público, ou seja, não se trata de uma opção administrativa, mas um dever administrativo de sobrepor este interesse.

E não pode a Administração simplesmente dispor desse poder, nem renunciar previamente à condição de exercê-lo; pois constitui preceito de ordem pública, tal qual clama o regime jurídico de direito público.

Não quer dizer, porém, que não se aplicam as regras inerentes ao Direito Privado. São aplicáveis, mas supletivamente. Assim deve ser a sua interpretação: sempre observando que os contratos administrativos são regidos pelo regime de direito público, consoante dispõe o art. 54, da referida Lei Federal nº 8.666/93 - consolidada.

1.3.1. Cláusulas exorbitantes

"Cláusula exorbitante", por si só, é um vocábulo bastante claro: é a cláusula que “sai da órbita”, que se afasta da concepção contratual do direito privado, que “exorbita” do Direito Civil para adentrar na “órbita administrativa”. É a cláusula de preposição mandamental, formulada pela Administração e aceita pelo particular; e tem o condão de tipificá-lo “contrato administrativo”.

O interesse público (primário), resguardado pela Administração, que pode usufruir de todos os poderes indispensáveis à proteção dos administrados, é que requer estas prerrogativas; estes privilégios concedidos a ela nos contratos públicos. Não quer dizer, porém, que a Administração está simplesmente “acima” nesta relação jurídica, impondo-se aleatoriamente, menosprezando o interesse do particular contratante. Alias, se se procedesse dessa maneira, é perfeitamente evidente que a Administração não encontraria contratantes”.15

Aliás, o art. 58 da Lei de Licitações e Contratos é que estabeleceu as prerrogativas da Administração, nestes termos:

Art. 58. O regime jurídico dos contratos administrativos instituídos por esta Lei confere à Administração, em relação a eles, a prerrogativa de:

I – modificá-los, unilateralmente, para melhor adequação às finalidades de interesse público, respeitados os direitos do contratado;II – rescindi-los, unilateralmente, nos casos especificados no inciso I do art. 79 desta Lei;III – fiscalizar-lhes a execuçãoIV – aplicar sanções motivadas pela inexecução total ou parcial do ajuste;V – nos casos de serviços essenciais, ocupar provisoriamente móveis, imóveis, pessoal e serviços vinculados ao objeto do contrato, na hipótese da necessidade de acautelar apuração administrativa de faltas contratuais pelo contratado, bem como na hipótese de rescisão de contrato administrativo.

15 MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Ob. cit. p. 559.

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§1º. As cláusulas econômico-financeiras e monetárias dos contratos administrativos não poderão ser alteradas sem prévia concordância do contratado.§2º. Na hipótese do inciso I deste artigo, as cláusulas econômico-financeiras do contrato deverão ser revistas para que se mantenha o equilíbrio contratual.”

Em outras palavras, os melhores exemplos de cláusulas exorbitantes são as relativas à possibilidade de alteração e rescisão unilateral do contrato e sua anulação; restrição de oponibilidade da exceção do contrato não cumprido; aplicação de penalidades pela Administração; prerrogativa de fiscalização da realização do objeto contratado, retomada do objeto; exigência de garantia; manutenção do equilíbrio econômico- financeiro do contrato e sua mutabilidade decorrente da aplicação das Teorias da Imprevisão e do Fato do Príncipe; entre outras; oportunamente abordadas.

1.3.1.1 Alteração e rescisão unilateral do contrato

O ponto mais característico dos contratos administrativos é a possibilidade da Administração Pública alterar unilateralmente seu conteúdo. Ou, nos dizeres de Hely Lopes Meirelles, “a Administração afirma sua supremacia estatal fixando as condições do contrato, embora permita discussão com o particular interessado na contratação, para a redução de algumas cláusulas definitivas do negócio administrativo”16.

Unânime é a doutrina ao afirmar que, independentemente de constar explicitamente no contrato, cabe à Administração o poder de alteração e rescisão unilateral do contrato, pois explícitas estão no art. 58, incisos I e II, do referido diploma legal.

Pode, porém, somente afetar as cláusulas regulamentares ou de serviço17, ou seja, somente aquelas cláusulas que dispõem sobre o objeto e seu modo de execução; não podendo, de forma alguma, “desnaturar” o contrato.

Não se pode alterar unilateralmente aquelas ditas econômicas (essas ditas “imunes”), porque fixam a remuneração e os direitos do contratado perante a Administração e estabelecem a equação financeira do contrato, que deve ser mantida durante sua execução, como analisaremos oportunamente.

Nas palavras de Laubadere, citado por Hely Lopes Meirelles18:

“O poder que se reconhece à Administração para alterar unilateralmente as cláusulas reguladoras do serviço, ou de pôr termo prematuramente ao contrato, quando se tornar inútil

16 MEIRELLES, Hely Lopes. Ob. cit. p. 178.17 Os contratos administrativos apresentam duas categorias de cláusulas: as chamadas regulamentares ou de

serviço, que versam sobre o desempenho das atividades de prossecução do interesse público e as cláusulas econômicas, que asseguram a remuneração do particular. Neste passo, o interesse dele (do contratado) eqüivale ao próprio interesse (secundário, dito patrimonial) da Administração Pública, razão pela qual inexiste preponderância de um sobre o outro.

18 MEIRELLES, Hely Lopes. Ob. cit. p. 163.

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ou inconveniente ao interesse público, funda-se na competência exclusiva das autoridades para organizar e administrar obras e serviços como verdadeiros donos desses serviços e dessas obras”.

Não se admite que através dessa "faculdade" (dever-poder, melhor dizendo) a Administração libere-se dos deveres assumidos ou se locuplete às custas do patrimônio do contratado. Isto é, não se destina essa prerrogativa à obtenção de lucros ou benefícios econômicos para a administração pública, mas, ao revés, à direta e imediata realização do interesse público.

Assim sendo, a rescisão unilateral pode ocorrer por inadimplência do contratado (má execução do serviço) ou por falta de interesse na continuidade da execução (variação do interesse público); desde que configurada a justa e fundamentada causa para tanto; pois não se trata de mero ato discricionário, mas sim, vinculado aos motivos que a norma consigna como pertinentes desse distrato.

Na letra da lei (8.666/93), “quando houver modificação do projeto ou das especificações para melhor adequação técnica aos seus objetivos” ou quando “necessárias à modificação do valor contratual em decorrência de acréscimo ou diminuição quantitativa do objeto19” (art. 65, I).

Nada impede porém, a alteração bilateral do contrato, por acordo das partes, conforme aduz a Lei 8.666/93, em seu artigo 65, II. E a extinção também poderá ocorrer por mútuo acordo ou pelas vias judiciais, a requerimento de qualquer das partes (art. 79, II e III, Lei 8.666/93).

1.3.1.2. Exceptio non adimplenti contractus (exceção do contrato não cumprido)

No âmbito do Direito Civil, caso uma das partes contratantes não cumpra o que pactuou, a parte prejudicada tem o direito de opor-lhe a denominada exceptio non adimplenti contractus, a fim de repelir a pretensão daquele que, sendo inadimplente quer reclamar o implemento por parte do outro contratante. Consubstancia-se no princípio da reciprocidade das prestações, regulador dos contratos privados.

E nos contratos administrativos? Divergem os doutrinadores. Para Hely Lopes Meirelles, em princípio, não ha sua aplicação; pois deve se sobrepor o princípio da continuidade do serviço público face à paralisação do serviço.

Diz-se “em princípio”, porque pode-se aceitar a exceção do contrato não cumprido nos casos em que a falta da Administração criar um encargo extraordinário e insuportável ao particular; quando, por exemplo, essa atrasar por longo tempo seus pagamentos, obrigando o contratado a um grande financiamento das obras e serviços não previsto nos ajustes.20

19 Não cabe aqui explanar acerca dos limites e extensão dos acréscimos e supressões do contrato administrativo, por ser matéria complexa e não exatamente pertinente a este estudo.

20 Faça-se aqui uma ressalva: não obstante a lei "faculte" ao contratado suspender o serviço após corridos mais de noventa dias sem pagamento pela Administração, é de se reconhecer nisso um direito do contratado, ainda que se entenda como necessária intervenção judicial (como pretendem alguns autores).

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O autor alega que o art. 78, XV da Lei de Licitações e Contratos Administrativos contempla apenas os casos extremos, e não deve ser encarado como regra.

Vejamos este artigo:

“ Art. 78. Constituem motivo para a rescisão do contrato:(...)XV – o atraso superior a 90 (noventa) dias dos pagamentos devidos pela Administração decorrentes de obras, serviços ou fornecimentos, ou parcelas destes, já recebidos ou executados, salvo nos casos de calamidade pública, grave perturbação de ordem interna ou guerra, assegurado ao contratado o direito de optar pela suspensão do cumprimento de suas obrigações assumidas até que seja normalizado a situação.”

Do mesmo modo ensina Marçal Justen Filho:

“A proibição da aplicação da exceção do contrato não cumprido faz-se em homenagem ao interesse público. Seria até desnecessário lembrar que essa regra não pode ser objeto de manobra maliciosa por qualquer das partes. A Administração não dispõe de faculdade de exigir o cumprimento das obrigações pelo particular quando, simultaneamente, está decidida a não cumprir o contrato”21.

Celso Antônio Bandeira de Mello não segue o mesmo raciocínio. Afirma que é invocável a exceção do contrato não cumprido, pois o artigo supracitado estabelece expressamente essa possibilidade; e do mesmo modo o faz o inciso anterior (autorizando a suspensão de sua execução por ordem escrita da Administração por prazo superior a 120 dias, ou por repetidas suspensões que totalizem o mesmo tempo; facultando-lhe suspender o cumprimento de suas obrigações ou obter a rescisão do contrato).

1.3.1.3. Fiscalização e imposição de sanções

Um dos poderes inerentes ao Poder Público é o de fiscalizar, supervisionar, acompanhar e intervir na execução do contrato, a fim de assegurar a perfeita realização do objeto e fiel observância de suas cláusulas (aspectos técnicos da obra ou serviço, cronograma dos trabalhos, qualidade dos materiais), ainda que o contrato não o faça expressamente. Como vimos, assim diz o art. 58, inciso III, da Lei nº 8.666/93.

Aliás, a Administração tem o dever de acompanhar a execução do contrato, pois o interesse público não se contenta sua atuação passiva. Daí é que se extrai a possibilidade de alteração unilateral do contrato, para sua melhor adequação ao interesse público; podendo intervir, sem, entretanto, retirar a autonomia de execução do contratado dentro das cláusulas pactuadas.

21 JUSTEN FILHO, Marçal. Ob. cit. p. 563.

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A finalidade da fiscalização é assegurar a perfeita execução do contrato; a exata correspondência dos trabalhos com o projeto, tanto nos seus aspectos técnicos quanto nos prazos de realização.

Daí poder ocorrer uma intervenção na execução do contrato, uma providência extrema que se faz necessária quando o contratado se revela incapaz de dar fiel desempenho ao avençado. É uma medida administrativa auto-executável pela Administração, independente de ordem judicial, visa prover situações de emergência.

Prerrogativa correlata a este inciso (do controle administrativo), é a imposição de sanções diretas por parte da Administração, pois inútil seria a verificação da execução do contrato se nada pudesse fazer para punir o contratado caso a execução do objeto não estivesse dentro dos parâmetros avençados.

Essa imposição de sanções previstas no contrato é um dever-poder da Administração; não se trata de ato discricionário mas sim de uma conduta estritamente vinculada ao contrato inadimplido, necessitando, por evidente, de fundamentação para sua válida aplicação.

Essas sanções são valoradas pela própria Administração (compreendem advertências, multas e rescisão unilateral do contrato, além a suspensão provisória e declaração de inidoneidade – conforme art. 58, IV), independente de prévia intervenção do Poder Judiciário, salvo se o contratado a ele recorrer. Resguardando sempre o direito à prévia defesa do contratado (até mesmo por preceito constitucional, art. 5º, LV), sempre que o particular se sentir prejudicado.

1.3.1.4 Questão de ordem: equilíbrio econômico-financeiro

A faculdade conferida à Administração Pública de alterar e rescindir unilateralmente as avenças não consagra seu arbítrio nem significa ausência de força vinculante do contrato relativamente à Administração.

Equilíbrio financeiro é a relação que as partes estabelecem inicialmente no ajuste entre encargos do contratado e a retribuição da Administração; é a correlação entre o objeto do contrato e sua remuneração originariamente prevista e fixada pelas partes em número absoluto.

Essa correlação deve ser observada durante toda a execução do contrato, mesmo que alteradas as cláusulas regulamentares. É direito do contratado.

Se de um lado a Administração tem o poder de modificar o projeto e as condições de execução do contrato, para adequá-los às exigências supervenientes do interesse público, por outro lado o contratado tem o direito de ver mantida a equação financeira originariamente estabelecida no ajuste.

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Para tanto, operam-se os reajustes econômicos (explícitos no contrato, em virtude de inflação e elevação de mercado) que se tornem necessários à restauração do equilíbrio financeiro do contrato rompido por ato unilateral da Administração.

Nesse mesmo escopo, é que a Lei 8.666/93 admite o aditamento do contrato para essa manutenção (art. 65, II, d e §6º). Aliás, a própria Constituição Federal diz nesse sentido, em seu art. 37, XXI, aduzindo que, de acordo com seus termos, obras, serviços, compras e alienações serão contratados com “cláusulas que estabeleçam obrigações de pagamento, mantidas as condições efetivas da proposta”.

Celso Antônio Bandeira de Mello22 ainda salienta que este equilíbrio está inserto em outro dispositivo constitucional, qual seja o art. 5º, XXXVI, pois “a lei não prejudicará o direito adquirido, a ato jurídico perfeito e a coisa julgada”. Ora, a equação econômica-financeira do contrato é um direito adquirido do contratado, de forma que normas a ele referentes não podem prejudicá-lo.

Trata-se de um princípio que resguarda o valor avençado no contrato no intuito de manter uma linha de equilíbrio que deve nortear a atividade contratada em face do encargo financeiro correspondente. “O tempo não possui o condão de alterar ou apagar a referida relação de adequação, podendo, entretanto, ocorrer variações. Variações estas, porém, que jamais poderão romper o equilíbrio da equação econômico-financeira do contrato”23.

1.3.1.5 Cláusula Rebus sic stantibus e Teoria da imprevisão

A teoria da imprevisão, pode-se dizer, é uma “evolução” da cláusula rebus sic stantibus, que determinava que as obrigações contratuais deviam ser entendidas em correlação com o estado de coisas ao tempo em que se contratou; em uma tradução interpretada se tudo continuar para o futuro do mesmo modo que agora24.

Significa dizer que a ocorrência de fatos imprevisíveis, anormais, alheios ao comportamento dos contratantes, acarreta grande ônus para uma das partes, sendo impossível esta parte suportá-lo sozinha.

Atualmente, no âmbito dos contratos administrativos, a teoria da imprevisão é vista como instrumento apto a restabelecer o equilíbrio-financeiro anteriormente firmado, porém, em caráter excepcional25. Vejamos trecho do acórdão citado por Celso Antônio Bandeira de Mello26, que bem explica o assunto:

22 MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Ob. cit. p. 563.23GOMES DE MATOS, Mauro Roberto. O Contrato administrativo. 2 ed. Rio de Janeiro : Ed. América Jurídica,

2002. p. 55.24CRETELLA JUNIOR, José. Ob. cit. p. 67.25 Não cabe aqui tecer maiores considerações acerca da aplicação desta teoria e os requisitos para tanto,

uma vez que a doutrina não é unânime ao tratar do assunto.26 MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Ob. cit. p. 587.

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“... o risco que os contraentes assumem no contrato não pode ser concebido como excedendo o risco normal, isto é, o que se compreende nos limites da previsão humana. Levar mais longe o dogma da intangibilidade do contrato seria, sob o pretexto de garantir a liberdade contratual, destruir o fundamento do contrato, a sua base econômica e a moral, como instrumento de comércio e de cooperação entre os homens, o elemento de boa-fé e de justiça sem o qual a liberdade dos contratos seria apenas uma aparência destinada a legitimar o locupletamento injusto de uma parte à custa do patrimônio da outra, sobre esta recaindo de modo exclusivo os riscos estranhos à natureza do contrato e que, se previsíveis na ocasião de atar-se o vínculo, teriam impedido sua formação. (...) o poder, dissimulado em direito, de aproveitar-se das circunstâncias imprevistas e anormais para transformar um instrumento de equilíbrio econômico, como é o contrato, em instrumento de extorsão ou de enriquecimento injusto. Daí o haver da teoria da imprevisão nos contratos.”

Assim, esta teoria converteu-se em fórmula eficaz para garantir integralmente o equilíbrio econômico-financeiro avençado ao tempo da constituição do vínculo. Nos dizeres de Celso Antônio Bandeira de Mello27: “no fundo, nada mais representa senão prestigiar o significado real do consensus expressado no contrato, pela restauração dos termos de equivalência inicial, ou seja, de sua normalidade substancial.”

Enfim, esta teoria consiste no reconhecimento de que a ocorrência de eventos novos, imprevistos e imprevisíveis (ou se previsíveis, incalculáveis) pelas partes, autoriza a revisão do contrato, para seu ajustamento às circunstâncias supervenientes.

Esta teoria, entre nós, como aduz Helly Lopes Meirelles28, “está consagrada desde o Decreto-lei 2.300/86 (Estatuto Jurídico das Licitações e Contratos Administrativos) e vem repetida na lei atual (art. 65, II, d), que autoriza a alteração consensual do ajuste para restabelecer a relação que as partes pactuaram inicialmente entre os encargos do contratado e a retribuição da Administração, para a justa remuneração do seu objeto, com o escopo de manter a equação econômico-financeira inicial. Ate então, sua aplicação assentada na equidade, era aceita pela jurisprudência pátria, que, seguindo os rumos do Conselho de Estado da França e estimulada pela doutrina, vinha admitindo a revisão de ajustes públicos em razão de fatos supervenientes e altamente onerosos para o particular contratado”.

Observa-se, pois, que há necessidade de significativo desequilíbrio entre as partes; e não mera elevação de preços por conta do mercado.

Neste mesmo tópico, oportuno lembrar, ainda que a título de ilustração, existem outras figuras correlatas à teoria da imprevisão: força maior, caso fortuito, fato do príncipe e fato da administração.29

27 Idem. Ibidem. p. 588.28 MEIRELLES, Hely Lopes. Ob. cit. p. 205.29 Força maior é o evento humano que, por sua imprevisibilidade e inevitabilidade, cria para o contratante

óbice intransponível na execução do contrato. A qualificação de força maior se faz pelo caráter impeditivo absoluto

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Deste modo, observamos que as situações aqui descritas podem ser causas de inexecução do contrato administrativo, significando que substituiu-se a rigidez do pacta sunt servanda, tanto no âmbito das relações privadas, como no campo do direito público.

1.3.1.6. Autonomia da vontade

Entende-se também que se frisa como um dos traços marcantes do contrato administrativo a autonomia de vontade do particular, relacionada à formação do vínculo. Ora, a Administração Pública tem o dever de somente celebrar contratos cujo fim imediato seja o interesse público; que é indisponível; logo, não pode pactuar com autonomia da vontade.

Assim, as características do contrato administrativo derivam, sempre, da própria supremacia do interesse público sobre o particular, que se exteriorizam (implícita ou explicitamente) através das cláusulas exorbitantes.

Nos contratos de direito privado, as vontades das partes se equivalem, na maioria das vezes; o que caracteriza o contrato administrativo é precisamente a preponderância da vontade do Estado, que tira a essa espécie de contrato a paridade inerente à natureza dos atos jurídicos bilaterais privados.

1.4. A teoria dos quase-contratos

A expressão “quase-contrato” pode ser designada como um vínculo de obrigações recíprocas entre as partes, originário do Direito Romano, sem caráter de estipulação formal através de acordo de vontades, que não tem os atributos do contrato, mas que obriga como se assim fosse. O que nos interessa, aqui, não é simplesmente conceituar, (mesmo porque difícil seria faze-lo, pelas grandes controvérsias), mas analisar as conseqüências advindas daquelas hipóteses em que se apresenta a figura do “quase-contrato”. São, pois, assim como os contratos inválidos, como veremos oportunamente, fatos jurídicos, que sofrem incidência de normas que estipulam conseqüências em virtude de tal aparição no mundo jurídico.

O fundamento jurídico para que se analise efetivamente a figura dos “quase-contratos”, tendo em vista que vislumbram sempre aspectos patrimoniais, é o princípio da eqüidade das

do fato superveniente para o cumprimento das obrigações assumidas (ex. greve geral).Caso fortuito é o evento da natureza que, por sua imprevisibilidade e inevitabilidade, gera para o contratado

obstáculo irremovível na execução do contrato. É caracterizada pela impossibilidade total pelo fato da natureza (ex. um inundação que cubra o local da obra).

Fato do príncipe é toda determinação estatal, geral, imprevista e imprevisível, positiva ou negativa, que onera substancialmente a execução do contrato administrativo. É caracterizada pela generalidade e coercitividade da medida prejudicial.

Fato da administração é toda ação ou omissão do Poder Público que, incidindo direta e especificamente sobre o contrato, retarda, agrava ou impede sua execução.

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partes, que visa manter o equilíbrio destas relações; e também, a proibição do enriquecimento sem causa, que será objeto de futura análise.

No Brasil é raro encontrar qualquer doutrina ou jurisprudência que faça menção aos “quase-contratos”, mesmo porque a legislação brasileira não o adota como fontes de obrigação, conforme os moldes do direito francês. E a jurisprudência já se manifestou várias vezes sobre o tema, sem, entretanto, citar a expressão.30

Contudo, não há muita utilidade para referida teoria, na exata medida em que os "quase-contratos" nada mais são do que fatos jurídicos, ou seja, circunstâncias fáticas importantes para o direito porquanto delas decorram efeitos jurídicos, notadamente de ordem patrimonial.É o que bem ensina Jacintho de Arruda Câmara:

"Um contrato inválido também não cria normas. Melhor dizendo: o contrato, por ser inválido, deixa de prescrever obrigações. O contrato, depois de anulado, inexiste como ato jurídico, ganhando uma nova coloração do Direito; passa a ser fato jurídico, causa de uma nova série de efeitos em virtude da incidência de normas jurídicas (tal como a que prescreve a obrigação do ressarcimento do contratado pelos benefícios que já tiverem sido proporcionados pelo Poder Público).

30 É o que anota Jacintho de Arruda Câmara, in Obrigações do Estado derivadas de contratos inválidos. São Paulo: Malheiros. 1999, p. 79.

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