contratos de direitos de propriedade … · 2 poderá afirmar-se que, se a intensidade do conflito...

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1 CONTRATOS DE DIREITOS DE PROPRIEDADE INTELECTUAL E DIREITO DA CONCORRÊNCIA Cláudia Trabuco Isabel Fortuna de Oliveira 1. A tensão entre os direitos de propriedade intelectual e as regras da livre circulação e da livre concorrência na União Europeia O relacionamento entre os direitos de propriedade intelectual e o direito da concorrência pode ser classificado como conflituoso 1 . No contexto da União Europeia, face aos objectivos de integração regional, este conflito foi particularmente agudizado: as características inerentes aos direitos de propriedade intelectual - nomeadamente a exclusividade e a territorialidade - revelaram serem de difícil compatibilização com o objectivo específico da criação de um mercado interno. Com efeito, a consagração da exclusividade de aproveitamento económico sobre o objecto do direito de propriedade intelectual, aliada ao carácter territorial típico destes direitos, revelou uma particular capacidade para a compartimentação dos territórios nacionais, provocando obstáculos à concretização deste grande objectivo comunitário 2 . A harmonização da legislação nacional em matéria de direitos de propriedade intelectual no âmbito da União não conseguiu anular o conflito 3 , apenas o tendo atenuado; de resto, 1 A relação problemática entre os direitos de propriedade intelectual em geral e o direito da concorrência pode ser exprimida através da seguinte interrogação: «concurrence et protection des propriétés intellectuelles: antagonisme ou convergence des objectifs?»(Berthold Goldman, Antoine Lyon-Caen, Louis Vogel, “Droit Commercial européen”, 5 édition, Dalloz, p. 503), ou, ainda através de uma fórmula particularmente elucidativa por “extraña pareja” (Carlos Prat, “Marcas y derecho de la competencia; una perspectiva quizás práctica”, Anuario de la Competencia, 2001, Direcção de Lluis Cases, Fundación ICO, Marcial Pons, 2002, p. 387). 2 Neste sentido,Inge Govaere, «The use and abuse of intellectual property rights in EC law”, Londres, Sweet and Maxwell, 1996, p. 13. No mesmo sentido, centrando a análise na natureza dos direitos, nas conclusões apresentadas a 14 de Março de 1978 relativas ao acórdão Hofflann-La Roche, o Advogado- Geral Capatorti constatou que: «Il entre dans la nature même des droits de propriété industrielle et commerciale reconnus par les ordres juridiques des divers États membres de faire obstacle, par leur caractère d’exclusivité et de territorialité , à la libre circulation des marchandises dans le cadre communautaire ainsi qu’au jeu correct des règles de concurrence». 3 Se atendermos, por exemplo, ao direito de marca, se bem que actualmente as legislações nacionais dos Estados-Membros neste domínio se encontram harmonizadas através da Directiva 89/104/CEE, de 21 de

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1

CONTRATOS DE DIREITOS DE PROPRIEDADE INTELECTUAL

E

DIREITO DA CONCORRÊNCIA

Cláudia Trabuco

Isabel Fortuna de Oliveira

1. A tensão entre os direitos de propriedade intelectual e as regras da livre

circulação e da livre concorrência na União Europeia

O relacionamento entre os direitos de propriedade intelectual e o direito da concorrência

pode ser classificado como conflituoso1. No contexto da União Europeia, face aos

objectivos de integração regional, este conflito foi particularmente agudizado: as

características inerentes aos direitos de propriedade intelectual - nomeadamente a

exclusividade e a territorialidade - revelaram serem de difícil compatibilização com o

objectivo específico da criação de um mercado interno. Com efeito, a consagração da

exclusividade de aproveitamento económico sobre o objecto do direito de propriedade

intelectual, aliada ao carácter territorial típico destes direitos, revelou uma particular

capacidade para a compartimentação dos territórios nacionais, provocando obstáculos à

concretização deste grande objectivo comunitário2.

A harmonização da legislação nacional em matéria de direitos de propriedade intelectual

no âmbito da União não conseguiu anular o conflito3, apenas o tendo atenuado; de resto,

1 A relação problemática entre os direitos de propriedade intelectual em geral e o direito da concorrência

pode ser exprimida através da seguinte interrogação: «concurrence et protection des propriétés

intellectuelles: antagonisme ou convergence des objectifs?»(Berthold Goldman, Antoine Lyon-Caen, Louis

Vogel, “Droit Commercial européen”, 5 édition, Dalloz, p. 503), ou, ainda através de uma fórmula

particularmente elucidativa por “extraña pareja” (Carlos Prat, “Marcas y derecho de la competencia; una

perspectiva quizás práctica”, Anuario de la Competencia, 2001, Direcção de Lluis Cases, Fundación ICO,

Marcial Pons, 2002, p. 387). 2 Neste sentido,Inge Govaere, «The use and abuse of intellectual property rights in EC law”, Londres,

Sweet and Maxwell, 1996, p. 13. No mesmo sentido, centrando a análise na natureza dos direitos, nas

conclusões apresentadas a 14 de Março de 1978 relativas ao acórdão Hofflann-La Roche, o Advogado-

Geral Capatorti constatou que: «Il entre dans la nature même des droits de propriété industrielle et

commerciale reconnus par les ordres juridiques des divers États membres de faire obstacle, par leur

caractère d’exclusivité et de territorialité , à la libre circulation des marchandises dans le cadre

communautaire ainsi qu’au jeu correct des règles de concurrence». 3 Se atendermos, por exemplo, ao direito de marca, se bem que actualmente as legislações nacionais dos

Estados-Membros neste domínio se encontram harmonizadas através da Directiva 89/104/CEE, de 21 de

2

poderá afirmar-se que, se a intensidade do conflito diminui, tal constitui o resultado da

alteração não dos direitos de propriedade intelectual, ou das suas características

essenciais, mas antes da consagração de linhas de intersecção entre estes direitos, por um

lado, e as regras de liberdade de circulação de mercadorias e as regras da política de

concorrência comunitária, por outro.

Foi necessário encontrar uma solução para a tensão existente nas áreas de intersecção

entre os princípios essenciais do mercado comum e o carácter exclusivo dos direitos

intelectuais. Após um período em que várias alternativas foram discutidas, a chamada

“tese da conciliação” entre os interesses subjacentes a estes direitos e as exigências

comunitárias foi adoptada pela maioria da doutrina e mereceu o assentimento das

instâncias judiciais comunitárias4.

Coube ao Tribunal de Justiça da Comunidade Europeia (TJCE) operar aquela conciliação

através de dois tipos de análises complementares: a distinção entre a existência e o

exercício dos direitos de propriedade intelectual, por um lado, e a teoria do objecto

específico, por outro.

O estabelecimento da distinção entre a existência e o exercício dos direitos de

propriedade intelectual remonta ao acórdão Consten and Grundig proferido em 1966, no

qual, a respeito da aplicação do artigo 295.º do TCE (hoje artigo 345.º do TFUE),

declarou que a proibição do uso dos direitos conferidos pela legislação nacional (no caso,

direitos de marca) de forma a criar obstáculo a importações paralelas não afectava a

concessão de tais direitos mas apenas limitava o seu exercício na extensão necessária a

garantir o efeito da proibição contida no artigo 81.º (hoje 101.º) do Tratado5. A dicotomia

existência/exercício nasceu, assim, num caso em que estavam em causa as regras de

Dezembro de 1988, as questões suscitadas pelos tribunais nacionais ao Tribunal de Justiça da UE relativas

à interpretação das suas disposições, nomeadamente do seu art. 7.º, são reveladoras da actualidade do

permanente conflito entre os direitos de marca e o princípio de livre circulação de mercadorias. A marca

comunitária, adoptada pelo Regulamento n.º 40/94, torna menos visível este conflito a menos que as

diversas licenças territoriais da marca comunitária permitam fazer renascer o carácter territorial/nacional

da sua exploração. Em todo o caso, a implantação da marca comunitária permite a subsistência das marcas

nacionais, mantendo assim o potencial de conflito, já mencionado. 4 Das várias teorias em presença, referindo-se muito embora apenas aos direitos de Propriedade Industrial,

dá conta Pedro Sousa e Silva, Direito Comunitário e Propriedade Industrial - O princípio do esgotamento

dos direitos, STVDIA IVRIDICA 17, Coimbra Editora, 1996, maxime p. 122 e ss. 5 Ac. TJCE 13/7/1966, Processos conjuntos n.

os 56 e 58/64 (Établissements Consten S.à.R.L. e outros

contra Comissão da Comunidade Económica Europeia), Col. Jur. ed. especial portuguesa, p. 423.

3

concorrência comunitárias, embora se lhe tenham seguido várias decisões em que a

distinção foi empregue no contexto da aplicação das regras relativas à livre circulação de

mercadorias6.

O carácter vago da distinção, que muito contribuiu para as críticas que lhe foram

dirigidas e que se sintetizam na ideia de que a mesma não tem um sentido claro quando

aplicado a um direito sobre um direito intangível, como é o caso dos direitos de

propriedade intelectual, tornou necessário o desenvolvimento de critérios suplementares

no que respeita ao apuramento das situações em que o exercício destes direitos é

considerado contrário aos princípios propulsores do mercado interno.

Um desses critérios é o chamado conceito de “objecto específico” dos direitos, que inclui

tanto a natureza do direito, que se traduz na possibilidade de restringir a sua utilização

por terceiros e de controlar a sua exploração, como a razão pela qual a lei o concede, a

qual se refere à função de incentivo dos direitos de propriedade intelectual.

Esta última teoria foi enunciada mas não devidamente esclarecida no acórdão Deutsche

Grammophon, tendo sido posterior a identificação dos objectos específicos dos vários

direitos de propriedade intelectual. Assim, num mesmo ano, o objecto específico dos

direitos de patente e de marca foram identificados como, respectivamente, garantia de

que o titular da patente, como forma de recompensar o esforço criativo do inventor, tem o

direito exclusivo de usar a invenção, quer directamente quer através da celebração de

contratos de licença, bem como de se opor às infracções de terceiros7, e, relativamente às

marcas, o direito exclusivo de uso pelo seu titular do sinal distintivo na colocação dos

produtos protegidos pela primeira vez no mercado, com a intenção de o proteger contra

concorrentes que pudessem querer retirar vantagens da reputação da marca vendendo

ilicitamente produtos identificados por esse sinal8. No âmbito do direito de autor, salienta

o TJCE, na decisão Magill que esse objecto específico se traduz na “protecção moral da

obra e na remuneração do esforço criador”, tomando como base a dupla dimensão, moral

6 Desde logo, após uns escassos anos, no Ac. TJCE 8/6/1971, Proc. 78/70 (Deutsche Grammophon contra

Métro), Col. Jur. 1971, p. 437. 7 Ac. TJCE 31/10/1974, Proc. 15/74 (Centrafarm BV et Adriaan de Peijper v Sterling Drug Inc.), ECR

1974, p. 1147, par. 8. 8 Ac. TJCE 31/10/1974, Proc. 16/74 (Centrafarm BV et Adriaan de Peijper v Winthrop BV. ), ECR 1974, p.

1183, par. 8.

4

e patrimonial, característica deste direito9. Este último acórdão do Tribunal é, aliás,

relevante como marco do desenvolvimento de uma identificação menos descritiva e mais

propositiva do conceito de objecto específico na medida em que recorre à necessidade de

ter em conta a função essencial do direito de propriedade intelectual, a sua raison

d’être10

.

2. O princípio do esgotamento dos direitos de propriedade intelectual

A teoria do esgotamento dos direitos de propriedade intelectual significa que, logo que o

titular do direito, directamente ou indirectamente através de terceiros a quem dá o seu

consentimento, exerce a faculdade de obter a remuneração que o jogo do mercado lhe

concede, comercializando um ou vários exemplares da sua obra, esgota-se o direito de

controlar a revenda desses mesmos exemplares.

Naturalmente, não se extingue o exclusivo atribuído ao titular do direito, continuando o

titular a dispor deste direito relativamente aos exemplares e produtos que, de futuro,

venha a produzir e comercializar. Assim, o esgotamento aplica-se apenas aos produtos

específicos que foram colocados no mercado pelo titular do direito ou por alguém com o

consentimento deste11

.

Para além da compatibilização entre o exercício dos direitos de propriedade intelectual e

o direito de propriedade sobre os produtos em que é incorporada a criação intelectual, o

princípio do esgotamento tem como propósito evitar conferir aos titulares de direitos de

propriedade intelectual a possibilidade de usarem os seus direitos exclusivos para

procederem a uma repartição dos mercados.

Ora, assim sendo, torna-se especialmente importante definir quais os limites do mercado

geográfico a proteger, sendo certo que, quando nos referimos ao mercado interno

9Ac. TJCE 6/4/1995, Processos conjuntos n.

os C-241/91 e 242/91 (Rafio Telefis Eireann c. Commission –

“Magill”), Col. Jur. 1995, p. I-743. 10

Para uma análise mais pormenorizada das questões relativas à identificação do «objecto específico», e

identificação das principais críticas às dificuldades criadas pela utilização deste critério, cfr., entre outros,

David T. Keeling, Free Movement and Competition Law, Vol. I, Oxford EC Law Library, 2003, pp. 61-74;

Stefan Enchelmaier, Intellectual property, the internal market and competition law, in Josef Drexl (ed.),

“Research Handbook on Intellectual Property and Competition Law”, Edward Elgar, 2008, pp. 410-413. 11

Cfr., entre outros, o Ac. TJCE 1/7/99, Proc. C-173/98 (Sebago Inc. e Ancienne Maison Dubois & Fils SA

contra G-B Unic SA.), Col. Jur. 1999, p. 4103, par. 19.

5

europeu, podemos legitimamente afirmar que o princípio maioritariamente aceite é o da

exaustão ou esgotamento comunitário12

. Deste modo, esgotado o direito de propriedade

intelectual, o seu titular fica impedido de o invocar para procurar criar entraves a

importações paralelas de outros Estados-membros da UE. O princípio do esgotamento

tem, porém, limites de carácter geral que importa referir. Com efeito, não apenas, no

entender da jurisprudência europeia, o esgotamento apenas se aplica ao comércio dentro

do espaço geográfico do Espaço Económico Europeu (EEE), deixando de fora as

importações realizadas a partir de países situados no exterior deste território, como, de

acordo com o estabelecido em regulamentos e directivas da UE, não se permite que os

Estados-membros prevejam nas suas respectivas legislações o esgotamento dos direitos

no caso de a colocação do produto no mercado ocorrer fora do território do EEE13

.

No que diz respeito ao requisito do consentimento quanto à colocação dos produtos no

mercado, o mesmo engloba indiscutivelmente, entre outros casos, a concessão de licenças

de exploração dos direitos de propriedade intelectual. Com efeito, ao autorizar o

licenciado a colocar bens no mercado, o licenciante explora, ainda que indirectamente, o

seu direito, que assim se esgota e o impede de obstaculizar a revenda de tais bens no

mercado interno. Do mesmo modo, ainda que tendo a possibilidade de apresentar defesa

contra terceiros que ameacem, perturbem ou violem a sua posição jurídica, o licenciado

não pode alegar uma infracção ao direito de propriedade intelectual nos casos em que os

bens colocados no mercado por um titular de uma outra licença exclusiva para território

distinto (isto é, também ela autorizada pelo titular do direito) são exportados para o

território onde o primeiro exerce a sua actividade14

.

Pelo contrário, nas situações de licenças compulsórias, o TJCE considerou não existir

esgotamento do direito por entender que a aplicação do princípio do esgotamento

12

Para um resumo do modo como esta matéria tem sido tratada pela jurisprudência e na legislação da

União Europeia, David T. Keeling, Free Movement…, pp. 78-82. 13

No que respeita às marcas, leiam-se as seguintes decisões do TJCE: Ac. de 16/7/98, Proc. C-355/96

(Silhouette International Schmied GmbH & Co. KG contra Hartlauer Handelsgesellschaft mbH.), Col. Jur.

1998, p. 4799, par. 26, Ac. de 1/7/99, Proc. C-173/98 (Sebago Inc. e Ancienne Maison Dubois & Fils SA

contra G-B Unic SA.), Col. Jur. 1999, p. 4103, par. 22, ou Ac. de 20/11/2001, Processos apensos C-414/99

a C-416/99 (Zino Davidoff SA contra A & G Imports Ltd e Levi Strauss & Co. e outros contra Tesco Stores

Ltd e outros), Col. Jur. 2001, p. 8691, par. 32. No domínio do direito de autor, pode ler-se o Ac. de

12/9/2006, C-479/04 (Laserdisken ApS contra Kulturministeriet), Col. Jur. 2006, p. 8089, par. 22. 14

Assim, David T. Keeling, Free Movement…, p. 84.

6

pressupõe que o produto em causa tenha sido colocado no mercado de modo livre e

voluntário pelo titular do direito de propriedade intelectual, directamente ou por

intermédio de um terceiro a quem este tenha consentido tal utilização15

.

Contrariamente ao que sucede com as licenças compulsórias, que têm principalmente por

finalidade garantir interesses públicos, a licença voluntariamente concedida consiste num

meio de exploração que vai de encontro ao núcleo do objecto específico dos direitos de

propriedade intelectual16

. De acordo com o Tribunal, no caso Pharmon contra Hoechst, o

objecto específico do direito de patente (identificado como «a substância» do direito de

patente) seria posto em causa se o titular do direito de propriedade intelectual não

pudesse opor-se à importação de produtos manufacturados ao abrigo de uma licença de

carácter obrigatório17

.

Uma questão que tem sido tratada mais recentemente é a de saber de que modo deve ser

compreendida a relação entre, por um lado, o princípio do esgotamento aplicado no

domínio da livre circulação de bens no mercado interno, e, por outro, a intersecção dos

direitos de propriedade intelectual e a política de concorrência, dividindo-se a doutrina

quanto a esta questão.

Em concreto, existe uma primeira posição que, no que respeita à compreensão dos

institutos em causa dentro de uma lógica de construção e protecção do mercado interno,

considera que as relações que se estabelecem no quadro da UE entre os direitos de

propriedade intelectual e a livre circulação de bens têm uma natureza distinta da relação

bilateral dos primeiros com o direito da concorrência.

Existem vários elementos que assinalam a diferença entre o princípio do esgotamento e

as regras da concorrência: entre outros factores, os seus objectivos imediatos são distintos

(ainda que se possa afirmar que os mesmos confluem para o mesmo fim de construção do

15

Ac. TJCE 9/7/1985, Proc. 19/84 (Pharmon BV v Hoechst AG.), ECR 1985, p. 2281. O caso em questão

respeita à pretensão de oposição pelo titular de um direito de patente (Hoechst), quer no Reino Unido quer

na Holanda, a importações paralelas para o mercado holandês a partir do mercado do Reino Unido,

realizadas pelo beneficiário de uma licença compulsória (Pharmon) para fabrico de medicamentos

protegidos pelo referido direito de patente, licença essa atribuída pelo organismo estatal competente no

Reino Unido. 16

Catherine Barnard, The substantive law of the EU – The four freedoms, Oxford, Oxford University Press,

2.ª ed., 2007, p. 182. 17

Cfr. par. 26 da decisão.

7

mercado interno), são diferentes os seus respectivos modus operandi (conquanto do

mesmo se retire uma proibição dirigida aos titulares de direitos, o princípio do

esgotamento comunitário limita a determinação pelas legislações dos Estados-membros

do âmbito das faculdades de exploração dos direitos de propriedade intelectual; o direito

da concorrência tem por função regular directamente o comportamento das empresas no

mercado) e são também diferentes os seus efeitos (a existência de esgotamento significa

que o direito de propriedade intelectual não pode ser exercido pelo seu titular e isso tem

efeitos directamente sobre terceiros, designadamente sobre os importadores paralelos,

enquanto que uma decisão, por uma autoridade da concorrência ou por um tribunal, de

que houve violação das regras da concorrência tem efeitos directos apenas sobre as

empresas infractoras)18

.

Os seus distintos âmbitos de aplicação explicam, por exemplo, que uma conduta

justificada nos termos do artigo 30.º do TFUE possa, ainda assim, ser considerada ilegal

nos termos dos artigos 101.º e 102.º do TFUE19

. Por exemplo, o titular de um direito de

propriedade intelectual pode sempre alegar a titularidade do mesmo para evitar a

importação para o mercado interno de produtos colocados no mercado pela primeira vez

em países terceiros; contudo, as regras da concorrência podem ser usadas para forçar

aquele titular a autorizar a dita importação em situações em que, nomeadamente, este

tenha imposto aos seus licenciados ou distribuidores restrições de venda nos mercados

dos países que compõem a UE. Com efeito, de acordo com esta linha de raciocínio, a

decisão relativamente à imposição de limites à exploração de direitos de propriedade

intelectual por razões de preservação da concorrência no mercado pertence sempre ao

direito da concorrência, tenha ou não ocorrido o esgotamento dos direitos20

.Em contraste,

uma segunda posição, de sinal contrário, sustenta que se poderia conseguir resultados

mais consistentes caso se relacionasse devidamente o princípio do esgotamento dos

direitos de propriedade intelectual com o artigo 101.º do TFUE.

18

Para compreensão de outros elementos distintivos e desenvolvimento dos que destacámos, leia-se Ole-

Andreas Rognstad, The exhaustion/competition interface in EC law – is there room for a holistic

approach?, in Josef Drexl (ed.), “Research Handbook on Intellectual Property and Competition Law”,

Edward Elgar, 2008, pp. 430-431. 19

Cfr. Stefan Enchelmaier, Intellectual property…, p. 419. 20

Idem, p. 421.

8

Parte-se aqui da premissa de que, no contexto da União Europeia, a propriedade

intelectual, para além da função de incentivo já referida, deve ser compreendida também

como um instrumento ao serviço das políticas de combate às restrições territoriais, isto é,

prosseguindo objectivos de promoção de eficiência económica no mercado21

. Daqui

decorre a possibilidade de os titulares dos direitos de propriedade intelectual invocarem o

seu exclusivo para obstarem a importações desde que as restrições territoriais contratadas

com os seus licenciados ou distribuidores possam ser consideradas conformes às regras

da concorrência (designadamente, por serem consideradas cobertas por uma das fontes

das chamadas «isenções por categoria», como as que asseguram a aplicação do nº 3 do

artigo 101º do Tratado a categorias de acordos de transferência de tecnologia).

Ora, esses direitos podem, nos termos de uma aplicação isolada da teoria do esgotamento,

ser considerados esgotados, o que impediria o titular de assim proceder. No entanto, caso

se opte por uma aplicação conjugada do princípio do esgotamento e das regras de

concorrência, poderia entender-se que, reunidos os seus pressupostos, o esgotamento só

tem efectivamente lugar nas situações em que as restrições contratualmente impostas

devam ser consideradas contrárias aos artigos 101.º ou 102.º do TFUE. Para chegar a esta

conclusão, ficciona-se que apenas pode ter sido produzido o consentimento para a

colocação no mercado imprescindível ao esgotamento do direito nos casos em que o seu

titular o concedeu legalmente, isto é, de um modo que seja considerado conforme às

regras que disciplinam a concorrência.22

Apenas desde modo, se poderia considerar

existir uma aplicação coerente tanto do princípio do esgotamento dos direitos de

propriedade intelectual, em obediência à sua razão última de ser, como das normas de

concorrência, que passariam, assim, apesar das suas diferentes fontes e naturezas, a ser

lidos de modo dialogante e consistente, por isso, com as políticas de construção europeia.

21

Ole-Andreas Rognstad, The exhaustion/competition interface…, p. 439. 22

Idem, pp. 440-441. Este autor procede ainda (a pp. 443-447) a uma adaptação do raciocínio explanado

para os casos em que a primeira comercialização dos produtos ocorre num país fora do território do espaço

económico europeu e, por isso, de acordo com a jurisprudência do TJUE, estivesse fora do campo de

aplicação do princípio do esgotamento. Para tanto, critica a premissa do próprio princípio do esgotamento

comunitário, que considera não ser favorável aos objectivos de protecção do mercado interno na medida em

que favorece as restrições verticais, com base na utilização de direitos da propriedade intelectual por

empresas, nomeadamente multinacionais, que tenham colocado os seus produtos pela primeira vez em

mercados terceiros, em detrimento daquelas que os comercializem num Estado-membro da UE. Nestes

casos, ainda que possa naturalmente estar em causa uma violação das regras de concorrência, o princípio do

esgotamento não serviria um propósito consistente com o combate às repartições territoriais do mercado.

9

a. Especialidades do esgotamento dos direitos de autor

Não existindo, como é sabido, qualquer disposição no Tratado de Roma que directamente

se referisse ao direito de autor, foi entendido que a redacção do artigo 30.º (actual artigo

36.º do TFUE), ao mencionar a “protecção da propriedade industrial e comercial”, o

incluía igualmente entre as justificações que poderiam ser invocadas para obstar ao

normal funcionamento dos artigos onde se proíbem as restrições quantitativas à

importação e exportação, bem como todas as medidas de efeito equivalente23

.

Em todo o caso, e mesmo sendo estas questões há muito exploradas pela doutrina que se

debruça sobre as matérias da determinação da natureza jurídica dos direitos sobre obras

literárias e artísticas, da jurisprudência do Tribunal de Justiça não se retira senão uma

análise perfunctória quer do «objecto específico» quer da «função essencial» do direito

de autor, sem deixar claro que diferença considera existir entre os dois conceitos que

utiliza, aparentemente sem critério, nas suas diferentes decisões.

Assim, aquando da primeira aplicação do art. 36.º do TFUE a este tipo de direitos

intelectuais, no caso Deutsche Grammophon, conquanto tenha feito referência à

necessidade de se ter em conta o «objecto específico» do direito de autor, o Tribunal não

fez qualquer tentativa de determinação deste objecto específico24

, tendo esta tendência

sido mantida nos casos que se lhe seguiram25

.

23

Apesar de o artigo 30.º (que, antes do Tratado de Amsterdão de 1997, correspondia ao artigo 36.º e hoje

corresponde ao artigo 36.º do TFUE) ser uma excepção a um princípio fundamental consagrado no artigo

36.º (actual artigo 30.º), foi afirmado em diversas ocasiões pelo Tribunal de Justiça que aquela disposição

englobaria também o direito de autor. Cfr. Ac. Deutsche Grammophon, já citado, e os Acórdãos TJCE de

8/3/1980, Proc. 62/79 (Coditel c. Ciné Vog Films – Coditel I), ECR 1980, p. 8811, de 20/1/1982, Proc.

conjuntos 55/80 e 57/80 (Musik-Vertrieb Membran c. Gema), e de 6/10/1982, Proc. 262/81 (Coditel c. Ciné

Vog Filmes – Coditel II). Note-se que, nos termos expostos no artigo 30.º, nem todas as restrições fundadas

nos direitos intelectuais são consideradas lícitas. Com efeito, não basta que estas medidas de efeito

equivalente – isto é, segundo o Ac. TJCE de 1/7/1974, Proc. 8/74 (Procureur du Roi c. Benoît et Gustave

Dassonville), regulamentações comerciais dos Estados-membros susceptíveis de “entravar, directa ou

indirectamente, actual ou potencialmente o comércio intracomunitário” – prossigam objectivos incluídos na

redacção daquela disposição. Necessário se torna também que preencham a condição dupla de não

constituírem nem um meio de discriminação arbitrária nem qualquer restrição dissimulada ao comércio

entre os Estados-membros. 24

Ac. Deutsche Grammophon contra Métro,, par. 11. 25

Vejam-se, por exemplo, os casos referidos na nota 23.

10

Entretanto, o Tribunal foi fazendo recurso à ideia de «função essencial» do direito de

autor, quer na decisão que ficou conhecida como Coditel I, considerando que «o direito

do titular de direitos de autor e dos seus licenciados de cobrar uma quantia em

contrapartida da exibição de um filme é parte da função essencial do direito de autor

sobre este tipo de obras literárias e artísticas»26

, quer, mais tarde, na decisão Magill, na

qual, mais claramente, o Tribunal considerou como função social do direito de autor a de

«assegurar a protecção moral da obra e a remuneração do esforço criativo [do autor]»27

.

O Tribunal foi um pouco mais além na decisão do caso Phil Collins (1993), no qual,

citando e desenvolvendo jurisprudência anterior, afirmou que «[o] objecto específico

desses direitos, tais como são regulados pelas legislações nacionais, consiste em garantir

a protecção dos direitos jurídicos e económicos dos seus titulares. A protecção dos

direitos jurídicos permite aos autores e aos artistas, designadamente, oporem-se a

qualquer deformação, amputação ou outra alteração da obra prejudicial à sua honra ou

reputação. Os direitos de autor e direitos conexos apresentam também natureza

económica, uma vez que prevêem a faculdade de explorar comercialmente a colocação

no mercado da obra protegida, em especial, na forma de licenças concedidas com

pagamento de direitos»28

.

Um dos traços particulares a destacar a respeito do esgotamento no domínio do direito de

autor diz respeito ao facto de a maioria dos «direitos» ou faculdades patrimoniais que

compõem a esfera patrimonial do direito de autor não se esgotarem. Pelo contrário,

apenas o direito de distribuição está sujeito a esgotamento, o mesmo não sucedendo, por

exemplo, com o direito de reprodução ou com o direito de comunicação ao público.

26

Ac. Coditel I, par. 14 . 27

Ac. TJCE 6/4/1995, Processos conjuntos n.os

C-241/91 e 242/91 (Rafio Telefis Eireann c. Commission –

“Magill”), Col. Jur. 1995, p. I-743, par. 28. Em relação a esta última referência, considera alguma doutrina

ser de realçar o facto de a única referência à necessidade de compensar o esforço criativo do autor ser feita

pelo Tribunal num caso em que justamente era questionável a existência de um verdadeiro esforço criativo

no objecto (as listagens de programas televisivos) que se considerou protegido por direito de autor. Assim,

David T. Keeling, Free Movement…, p. 269. 28

Ac. TJCE de 20/10/1993, Processos apensos C-92/92 e C-326/92 (Phil Collins contra Imtrat

Handelsgesellschaft mbH e Patricia Im- und Export Verwaltungsgesellschaft mbH e Leif Emanuel Kraul

contra EMI Electrola GmbH), Col. Jur. 1993, p. I-05145, par. 20 (sublinhado nosso), sendo citado o Ac.

TJCE 20/1/1981, Processos conjuntos 55/80 et 57/80 (Musik-Vertrieb membran GmbH et K-tel

International contre GEMA - Gesellschaft für musikalische Aufführungs- und mechanische

Vervielfältigungsrechte), Rec. Jur. 1981, p. 147, par. 12.

11

Por outro lado, tem sido entendido que o esgotamento apenas se aplica à distribuição de

bens e não de serviços, pelo que o direito exclusivo não se esgota na transmissão em

linha de obras intelectuais.

A Directiva sobre o direito de autor na sociedade da informação29

desenvolve neste ponto

jurisprudência anterior do Tribunal de Justiça, aplicando-a ao novo ambiente em linha e

defendendo que “a questão do esgotamento não é pertinente no caso dos serviços, em

especial dos serviços em linha. Tal vale igualmente para as cópias físicas de uma obra ou

de outro material efectuadas por um utilizador de tal serviço com o consentimento do

titular do direito”30

. Por esse motivo, a Directiva em causa estabelece que os actos de

disposição lícitos, mediante a primeira venda ou por outro meio de transferência de

propriedade, esgotam o direito de distribuição do original ou de cópias, enquanto

exemplares tangíveis, de uma obra na UE31

. Em suma, torna explícita a regra segundo a

qual o princípio do esgotamento não é aplicável às transmissões interactivas a pedido de

obras intelectuais32

.

b. O esgotamento do direito de marca

O princípio do esgotamento do direito de marca, definido no §1 do art. 7.º da Directiva

2008/95/CE33

constitui uma importante limitação ao exercício do direito de marca, sendo

29

Directiva n.º 2001/29/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 22 de Maio de 2001, relativa à

harmonização de certos aspectos do direito de autor e dos direitos conexos na sociedade da informação,

JOCE L167, de 22/6/2001, pp. 10-19. 30

Considerando 29. Na jurisprudência comunitária, cfr., especialmente, os seguintes acórdãos do TJCE:

Coditel I, Coditel II, já citados, e o Ac. TJCE de 17/5/1988, Proc. 158/86 (Warner Brothers Inc. e

Metronome Video ApS v. Erik Viuff Christiansen), ECR 1988, p. 2605. No mesmo sentido, Ac. TJCE de

28/4/1998, Proc. 200/96 (Metronome Musik GmbH c. Music Point Hokamp GmbH), Col. Jur. 1998, p. I-

01953 Ac. TJCE 28/4/1998, Proc. 200/96 (Metronome Musik GmbH c. Music Point Hokamp GmbH), par.

18. 31

Cfr. o n.º 3 do artigo 3.º da Directiva e a respectiva transposição para o Direito português, pela Lei n.º

50/2004, de 24 de Agosto, que deu origem ao n.º 5 do artigo 68.º do Código do Direito de Autor e dos

Direitos Conexos. 32

Para uma análise crítica relativa a esta regra, remetemos para Cláudia Trabuco, O direito de reprodução

de obras literárias e artísticas no ambiente digital, Coimbra Editora, 2006, pp. 575-584 e bibliografia aí

citada. 33

Directiva 2008/95/CE do Parlamento Europeu e do Conselho de 22 de Outubro de 2008 que aproxima as

legislações dos Estados-Membros em matéria de marcas, procedendo a uma codificação da Directiva

89/109/CEE de 21 de Dezembro de 1988. O princípio do esgotamento do direito de marca encontra-se

igualmente previsto no §1 do art. 13 do Regulamento (CE) nº 40/94 do Conselho, de 20 de Dezembro de

12

alvo de forte contestação por parte dos titulares de marcas e licenciados, sobretudo

exclusivos.

Conforme já foi referido, o esgotamento do direito pressupõe a verificação cumulativa de

três pressupostos: os produtos devem ser comercializados pela primeira vez, pelo próprio

titular ou com o seu consentimento, no território do EEE34

.

Em matéria de direito de marca, os conceitos de comercialização e de consentimento

deram origem a diversas decisões do TJUE, cujos factos poderão revelar-se

esclarecedores.

No acórdão Zino Davidoff (2001)35

a vontade do titular não era expressa de forma muito

clara. O titular das marcas “Cool Water” e “Davidoff Cool Water” celebrou um contrato

de distribuição exclusivo com um operador em Singapura contendo interdições de

revenda para fora daquele território as quais seriam aplicáveis a todos os sub-

distribuidores, sub-agentes ou retalhistas. Porém, esta interdição não se encontrava

visível nem nos produtos nem nas respectivas embalagens. Uma outra empresa (A&G

Imports Lda) adquiriu em Singapura os produtos e importou-os para o território

Britânico, tendo sido alvo de uma acção judicial por parte da titular da marca. Ora, se

bem que no caso em apreço os produtos tenham sido colocados pela primeira vez no

mercado fora do território da UE, as perguntas formuladas pelo tribunal nacional

incidiam sobre a noção de consentimento prevista no art. 7.º, n.º 1 da mencionada

Directiva.

O TJUE reforçou a importância atribuída à noção de «consentimento», reiterando que tal

equivaleria a uma «renúncia do titular ao seu direito exclusivo» devendo ser expressa de

forma inequívoca. Para o Tribunal, a expressão da vontade do titular pode ser implícita36

37.

1993, sobre a marca comunitária, e na legislação nacional no §1 do art. 259.º do Código da Propriedade

Industrial. 34

Coincidindo com os requisitos objectivo, subjectivo e territorial, Alberto Casado Cervino, « La nueva

doctrina del TJCE sobre el agotamiento del derecho de marca ; alcance, requisitos y limites »,

Comunicaciones en Propiedad Industrial y Derecho de Competencia. Nº 46, Abril-Junio, 2007,p. 28. 35

Ac. TJUE de 20 de Novembro de 2001, Zino Davidoff Sa, Processos juntos C- 414/99 a 416/99, Col. Jur.

2001 p. I-08691. 36

O TJUE reiterou a noção de consentimento implícito (o qual pode ser concedido pelo titular, por um seu

licenciado, ou por um sujeito sem nenhuma ligação económica ao titular da marca) no acórdão Makro (de

13

No acórdão Coty Prestige (2010)38

, a empresa fabricante e distribuidora de marcas de

variados perfumes (nomeadamente, Davidoff Cool Water Man), praticava um sistema de

distribuição selectivo e, no quadro contratual que mantinha com os seus distribuidores,

forneceu frascos portadores da marca contendo a menção «demonstração» bem como a

indicação de «venda proibida» para serem testados pelos potenciais consumidores da

marca. Constatando a comercialização dos produtos na Alemanha, Coty Prestige intentou

uma acção judicial nos tribunais alemães contra a empresa em causa;.Em resposta à

questão prejudicial suscitada39

, o TJUE sublinhou a diferença entre o acto de colocação

do produto no mercado EEE e o acto de comercialização40

: o fornecimento da Coty

Prestige aos seus distribuidores de frascos de perfumes com as características referidas

não constituía uma comercialização. De resto, a posterior venda do produto não teria sido

realizada pelo titular com o seu consentimento: a menção pública de interdição da

comercialização, aposta visivelmente nos produtos, traduziria de forma inequívoca e clara

a vontade do titular.

O esgotamento do direito pode ser provocado quando o produto é colocado no mercado

por um sujeito economicamente ligado ao titular da marca, como é o caso do licenciado

ou distribuidor. Se este comercializar o produto em circunstâncias contratualmente

interditas, poderá ser questionada a existência do consentimento do titular da marca para

esta comercialização. Ora, o §2 do art. 8.º da Directiva prevê que o titular de uma marca

15 de Outubro de 2009, Proc. 324/08, Col. Jur. 2009 p. I-10019). As circunstâncias que rodeavam a

comercialização do produto da marca Diesel não eram particularmente claras. Seguindo o “rasto” da

comercialização dos produtos, a empresa Makro pôs à venda sapatos que ostentavam a marca Diesel,

adquiridos por duas empresas espanholas que os tinham comprado à empresa Cosmos; esta empresa, por

sua vez, tinha celebrado um contrato com a Flexi Casual, autorizando-a a fabricar e vender produtos

(sapatos) da marca Diesel. Porém, este contrato não contou com a autorização da Diesel. 37

Quanto à repartição do ónus da prova, o TJUE determinou que caberia ao importador provar o

consentimento e não ao titular provar a sua ausência. Porém, poderão existir circunstâncias que invertam

este princípio(ver, nomeadamente Ac. TJUE de 8 de Abril de 2003,Van Doren + Q. GmbH, , Proc. C-

244/00, Col. Jur. 2003 p. I-03051)

38 Ac. TJUE de 3 de Junho de 2010, Proc. C-127/09, ainda não publicado

39 Sublinhe-se que o tribunal de recurso alemão considerava que não existiria esgotamento do direito pois,

em seu entendimento, o fornecimento do produto aos distribuidores era enquadrado por um direito de

utilização limitado, o qual permitia o seu consumo mas não a venda. Assim, a comercialização do produto

teria sido realizada manifestamente contra a vontade do titular e este não teria obtido retorno económico,

conceito que se encontra ligado à noção de comercialização. 40

O TJUE tinha já determinado no acórdão Peak Holding (de 30 de Novembro de 2004, Proc. C-16/03,

Col. Jur. 2004, p. I-11313) que a comercialização do produto verifica-se no momento da venda do produto

e não num momento anterior (ou seja, quando o produto é disponibilizado ao consumidor) constituindo este

o momento determinante para se aferir do esgotamento do direito de marca.

14

pode invocar os direitos conferidos contra um licenciado que infrinja cláusulas do

contrato de licença respeitantes ao seu prazo de validade, à forma abrangida pelo registo

sob que a marca pode ser usada, à natureza dos produtos ou serviços para os quais foi

concedida a licença, ao território no qual a marca pode ser aposta ou à qualidade dos

produtos fabricados ou dos serviços fornecidos pelo licenciado41

42

.

A questão prende-se, assim, com a repercussão que a infracção a qualquer uma das

cláusulas previstas no §2 do art. 8.º pode provocar na noção de consentimento, para

efeitos de esgotamento do direito de marca.

Relembrando o texto do §1 do art. 8.º da Directiva, o esgotamento verifica-se quando o

produto é colocado no mercado pelo titular ou com o seu consentimento. No caso Peak

Holding AB (2004) o TJUE interpretou a norma de forma literal, considerando que o

consentimento não seria necessário quando a colocação do produto é feita pelo próprio

titular, pelo que as restrições opostas por este à comercialização posterior do produto não

teriam qualquer relevância para efeitos do esgotamento do direito43

. Este entendimento

do TJUE deve ser completado com uma decisão posterior, no caso Copad v. Dior (2009).

Neste caso, o TJUE considerou que a comercialização realizada pelo licenciado, em

desrespeito de uma cláusula do contrato de licença que proibia a venda dos produtos a

negociantes de saldos de produtos deveria ser considerada feita sem o consentimento do

titular da marca, obstando ao esgotamento do direito44

.

41

Verifica-se uma discrepância linguística na versão em língua portuguesa relativamente a outras versões,

nomeadamente inglesa, espanhola e francesa. Assim, na versão portuguesa é incluído no texto legal a

menção “em especial”, sugerindo que o titular pode invocar os direitos de marca contra um licenciado que

infrinja uma clausula do contrato nomeadamente as constantes no § 2. Porém, as outras versões linguísticas

mencionadas não contêm semelhante menção, pelo que somente a infracção das cláusulas mencionadas

poderá justificar a invocação dos direitos de marca pelo seu titular. Importa sublinhar que constitui

jurisprudência constante do TJUE que a lista referida no §2 do art. 8 da Directiva tem carácter exaustivo -

cfr,, entre muitos, Ac. TJUE Copad v. Dior (23 de Abril de 2009, Proc. C-59/08,Col. Jur. 2009 p. I-03421),

parágrafo 20. Refira-se que esta estranha versão portuguesa do art. 8.º já constava na Directiva anterior. 42

No caso de infracção a outras cláusulas previstas no contrato de licença mas não incluídas na listagem

prevista no §2 do art. 8, o titular da marca poderá – apenas - invocar violação contratual e não do direito de

marca. 43

O TJUE determinou que: «o artigo 7/ 1, da directiva não faz depender, além disso, o esgotamento do

direito conferido pela marca do consentimento do titular na comercialização ulterior dos produtos no EEE”,

concluindo que: “a estipulação, num contrato de venda concluído entre o titular da marca e um operador

estabelecido no EEE, de uma proibição de revenda no mesmo (…) não constitui, assim, um obstáculo ao

esgotamento do direito exclusivo do titular em caso de revenda no EEE em violação da proibição». 44

O TJUE determinou que a celebração do contrato de licença “não é equivalente a um consentimento

absoluto e incondicional do titular da marca para a comercialização pelo licenciado dos produtos que

15

O esgotamento do direito de marca poderá repercutir-se na possibilidade de o terceiro

realizar publicidade utilizando a marca (bem como os direitos de autor), visando a

comercialização do respectivo produto. Neste sentido se pronunciou o TJUE no acórdão

Parfums Christian Dior45

, bem como mais recentemente no acórdão Portakabin (2010)46

,

no qual declarou que quando produtos de marca são comercializados no mercado no EEE

pelo titular dessa marca ou com o seu consentimento, o revendedor terá o direito de

revender esses produtos, bem como usar a marca para anunciar ao público a sua

comercialização»

O esgotamento do direito de marca manifestou-se, ainda, num outro tipo de situações que

implicaram não só a comercialização do produto mas alterações realizadas na respectiva

embalagem. A questão do reacondicionamento do produto que ostenta a marca tem sido

sobretudo visível no mercado paralelo dos medicamentos. Os problemas levantados pela

reembalagem dos produtos portadores de marca têm vindo a ser analisados e discutidos

pelo TJUE desde 197847

. As questões suscitadas exigiam uma identificação mais clara do

limite ao princípio do esgotamento – previsto no §2 do art. 7.º da Directiva –, o qual

permite que o titular da marca, invocando o seu direito, se oponha à comercialização dos

produtos quando exista um motivo legitimo que o justifique, nomeadamente sempre que

o estado desses produtos seja modificado ou alterado após a sua colocação no mercado.

O limite ao princípio do esgotamento tem vindo a ser circunscrito na identificação da

«função essencial da marca» (ou no seu «objecto específico»). A jurisprudência

ostentam a marca”. E assim, a comercialização realizada pelo licenciado em desrespeito a uma das

cláusulas previstas no § 2 do art. 8 da Directiva, «é considerada sem o consentimento do titular da marca»,

obstando ao esgotamento do direito de marca. 45

Ac. TJUE de 4 de Novembro de 1997, Proc. C-337/95, Col. Jur 1997, p. I-6013 46

Ac. TJUE de 8 de Julho de 2010, Proc. C-558/08, ainda não publicado. O TJUE declarou ainda que o

titular do direito de marca poderá opor-se à utilização da marca quando, nomeadamente, crie a impressão

no consumidor da existência de uma relação económica entre o revendedor e o titular da marca, por

exemplo que a empresa do revendedor pertence à rede de distribuição do titular dessa marca ou que existe

uma relação especial entre as duas empresas. A utilização da marca terá de circunscrever-se ao objectivo de

comercialização do produto. 47

Ac. do TJUE de 23 de Maio de 1978- Hoffmann-La Roche & Co. AG contre Centrafarm

Vertriebsgesellschaft Pharmazeutischer Erzeugnisse mbH- Proc. 102/77, Col. Jur. 1978 edição especial

portuguesa p. 00391; Ac. TJUE de 10.10.1978- Centrafarm BV contra American Home Products, Proc.

3/78, Col. Jur. 1978 edição especial portuguesa, p. 00621.

16

comunitária48

, influenciada pela necessidade de conciliação do princípio da livre

circulação de mercadorias e de serviços com o direito das marcas, elegeu como função

primordial da marca a de garantir que os produtos portadores deste sinal distintivo são

provenientes da mesma fonte primária de controlo49

50

. A orientação adoptada pela

jurisprudência encontra suporte no considerando 11 da Directiva 2008/95/CE,

sublinhando que a «protecção conferida pela marca registada, cujo objectivo consiste

nomeadamente em garantir a função de origem da marca», o que assegura ao consumidor

ou ao utilizador final a identidade de origem do produto marcado, permitindo-lhe

distinguir, sem confusão possível, este produto de outros que têm uma distinta

proveniência. Esta garantia de proveniência implica que o consumidor ou o utilizador

final pode ter a certeza de que o produto marcado que lhe é oferecido não foi objecto,

num estado anterior de comercialização, de uma intervenção operada por um terceiro sem

a autorização do titular da marca, o que assegura o produto no seu estado originário.

Poder-se-ia considerar que qualquer alteração à embalagem do produto marcado realizada

por um terceiro sem autorização do titular da marca seria considerada como um atentado

à função de garantia da proveniência. Porém, e como é sabido, constitui jurisprudência

constante do TJUE considerar que poderão ser abrangidas pelo princípio do esgotamento

do direito alterações à embalagem do produto marcado desde que estas não afectem o

estado original do produto, que o processo de reembalagem seja necessário51

à

comercialização do produto no mercado e que sejam respeitadas algumas formalidades52

.

Sublinhe-se que a necessidade da operação de reembalagem não equivale à obtenção de

48 Confirmando jurisprudência reiterada neste domínio iniciada no acórdão Hoffmann-La Roche-

Centrafarm (« …esta Sentencia inaugura una reiterada línea jurisprudencial que se extiende hasta

nuestros días »), cfr. Carlos Fernández-Novoa, Tratado sobre derecho de marcas, Marcial Pons, p.608. 49

Para uma análise mais detalhada, Luís M. Couto Gonçalves, Função distintiva da marca , Almedina,

1999. 50

No Ac. Portakabin (Ac. de 8 de Julho de 2010, Proc. C-558/08), o TJUE relembrou que a função

essencial da marca consiste na garantia de proveniência do produto ou do serviço. Nos Ac. de 18 de Junho

de 2009, L’Oréal, Proc.C-487/07, Col. Jur. 2009 p. I-05185 e no Ac. de 23 de Março de 2010, Google

France e Google (C-236/08 a C-238/08), este último ainda não publicado, são expressamente atribuídas

outro tipo de funções à marca, nomeadamente a de garantir a qualidade do produto ou do serviço, ou as

funções de comunicação, de investimento ou de publicidade. 51

Neste sentido ver, nomeadamente, os acórdãos do TJUE de 11 de Julho de 1996, Bristol-Myers Squibb,

Proc. C-427/93, Col. Jur. 1996 p. I-03457 , de 12 de Outubro de 1999, Upjohn, Proc. C-379/97, Col. Jur.

1999, p-6927 e de 23 de Abril de 2002, Boehringer, Proc. C-143/00, Col. Jur. 2002, p. 03759. 52

Nomeadamente, os Acórdãos do TJUE de 26 de Abril de 2007, Boehringer, Proc. C-348/04, Col. Jur.

2007, p. I-03391 e de 22 de Dezembro de 2008, Wellcome Foundation, Proc. C-276/05, Col. Jur. 2008, p. I-

10479.

17

uma mera vantagem comercial por parte do importador paralelo: se este pode

comercializar o produto com a embalagem original, não será legítima a operação de

reembalagem53

. De igual forma, e segundo o princípio de que a intervenção na marca

deve ser a mínima possível, se o medicamento puder ser comercializado somente com a

adição de novos rótulos na embalagem original (nova rotulagem), não será considerado

necessário um reacondicionamento suplementar.

A nova embalagem (ou rotulagem) não poderá ser susceptível de prejudicar a reputação

da marca e a do seu titular, não devendo ser defeituosa, de má qualidade ou pouco

cuidada. No acórdão Boehringer (2007) o TJUE estendeu esta exigência a outras

situações tais como às alterações à embalagem que possam prejudicar «a imagem de

seriedade e de qualidade inerente a tal produto e a confiança que ele é susceptível de

inspirar no público em causa».

c. O esgotamento do direito de patente

No domínio do direito das patentes o princípio do esgotamento foi determinado em

torno da identificação do objecto específico deste direito, tendo igualmente por

objectivo impedir a fragmentação territorial do mercado interno mediante a utilização

da patente. No caso Centrafarm (1974)54

foi determinado que o objecto do direito de

patente consiste em garantir ao titular, em contrapartida pelo seu esforço criativo, o

direito exclusivo de utilizar a invenção na fabricação dos produtos bem como de

colocá-los em circulação pela primeira vez no mercado.

O princípio do esgotamento será igualmente aplicável se no país de exportação a

invenção não for patenteável e, não obstante, o titular da patente tenha aí colocado o

produto em circulação, voluntariamente. No caso Merck v. Stephar (1981)55

o titular

vendeu ou consentiu na venda do produto em Itália, onde não era ainda possível obter

uma patente para medicamento. Um importador paralelo importou o medicamento de

Itália para a Holanda, onde o produto se encontrava protegido através do sistema de

53

Neste sentido, o Ac. do TJUE de 23 de Abril de 2002, Paranova, Proc. 443/99, Col. Jur.2002, p. I-03703,

parágrafos 27 e 28 e o Ac. Boehringer, já mencionado, parágrafo 37. 54

Ac. do TJUE de 13 de Outubro 1974, Proc. 15/74, Col. Jur. Edição especial portuguesa, p. 00475. 55

Ac. TJUE de 5 de Dezembro de 1996, Merck v. Stephar, Proc. 267/95, Col, Jur. 1996, p. I-06285

18

patente, procurando assim, obter vantagem na diferença interessante de preços

verificada nos diferentes mercados. Mesmo que no caso presente o direito de patente

ainda não tivesse proporcionado o retorno económico ao investimento realizado - uma

vez que em Itália não era possível obter uma patente para o medicamento - o Tribunal

determinou que a Merck não poderia apoiar-se na sua patente holandesa para impedir a

importação do produto, comercializado em Itália com o seu consentimento. Reforçando

a relevância do consentimento do titular do direito na comercialização do produto, o

TJUE determinou que o titular do direito de patente tem o direito de optar por escoar o

produto num Estado-Membro onde não existe possibilidade de protecção jurídica

através do sistema de patentes - mas, uma vez feita a sua opção, e concedendo o seu

consentimento na colocação do produto nesse Estado, deverá aceitar as consequências

no que respeita à livre circulação do produto na UE.

Os princípios definidos no Ac. Merck v. Stephar provocaram alguns danos na

compatibilização das políticas da inovação na UE com o objectivo de realização do

mercado interno. Assim, as diferentes perspectivas de protecção do consumidor e

políticas públicas de saúde existentes nos diferentes Estados da UE, conduzem a uma

diferença de preços dos medicamentos não negligenciável. Neste contexto, quando os

Estados impõem controlo de preços dos medicamentos (ou nas respectivas margens de

comercialização), tendo por objectivo baixar o preço no respectivo mercado, acabam

por promover e fomentar o interesse nas importações paralelas para outros Estados da

UE, onde os preços praticados são mais elevados. No sentido contrário, os Estados que

adoptam medidas visando conferir uma eficaz protecção jurídica das patentes,

promovendo e premiando o investimento na inovação, podem ver-se confrontados, na

prática, com uma importação em massa de medicamentos realizados através das

importações paralelas, favorecendo a comercialização, mas não o investimento, na

inovação56

.

56

Ver, neste sentido, Valentine Korah, “Intellectual property rights and the EC competition rules,” Hart

Publishing, 2006, pp. 9 e 19, que conclui: «Problems remains where protection is greater in the country of

import that in that of export, and right holders will have to consider carefully before themselves marketing

the goods in Member Sates where protection is weak, for instance because of maximum price controls».

19

3. Os contratos de licença e os direitos de propriedade intelectual

a. Casos iniciais: a problemática em torno da cláusula de exclusividade, da

protecção territorial absoluta e da cláusula de não concorrência

Conforme foi referido, o relacionamento entre os direitos de propriedade intelectual e o

direito da concorrência da UE não é pacífico. Tal constitui o resultado não só da

divergência natural entre os objectivos próprios do direito da concorrência e os dos

mencionados direitos mas, sobretudo da especificidade própria do direito da concorrência

europeu. Com efeito, as características de territorialidade e de exclusividade torna-os

particularmente aptos a compartimentar os territórios nacionais, provocando obstáculos

ao objectivo da criação do grande mercado interno.

É ponto assente que este grande objectivo comunitário determinou de forma decisiva a

política de antitrust europeia, a qual foi objecto de fortes críticas, interrogando

essencialmente se o direito da concorrência constituía um objectivo autónomo de

apreciação ou se, pelo contrário, seria um elemento instrumental relativamente ao

(grande) objectivo da integração económica. E assim, foi comprovada a enorme diferença

entre os direitos de antitrust europeu e o estadunidense, no qual o critério de defesa da

concorrência constitui o objectivo a defender.

A intransigência do direito da concorrência europeu relativamente às importações

paralelas poderia servir de exemplo ilustrativo desta diferença. Com efeito, a acérrima

protecção prosseguida pelas instâncias europeias legitimava (e ainda legitima) a

interrogação acerca do papel atribuído às importações paralelas, indagando se estas

constituem um objectivo autónomo de protecção relativamente ao direito da

concorrência57

.

Para além do objectivo de realização do mercado interno, a política de concorrência

europeia é ainda temperada pela contemplação de outros valores sociais e económicos.

Tal traduz, também, uma outra diferença relativamente às regras antitrust em vigor nos

57

Considerando que o objectivo de integração económica conduziu a diferenças assinaláveis e

complexidade crescente, Barry E. HAWK, “La révolution antitrust américaine, une leçon pour la

communauté économique européenne » Revue Trimestrielle de Droit Européen, 1989, p. 11.

20

Estados Unidos, «qui met l’accent sur l’économie... et sur la protection de la

concurrence et non pas des concurrents»58

.

Relembrando a noção de cláusula de exclusividade, esta confere a um único agente o

direito de vender, utilizar ou de fabricar produtos/serviços, utilizando o seu direito de

propriedade intelectual em causa para interditar o titular de conceder mais licenças ou

direitos idênticos aos concedidos, dentro dos parâmetros contratualmente estabelecidos59

.

A cláusula de exclusividade atribui, assim, um direito para o licenciado ou para o

distribuidor, constituindo uma obrigação de conteúdo negativo60

para o titular da marca.

A dita cláusula pode comportar um reforço adicional da posição jurídica concorrencial do

licenciado ou do distribuidor quando tal exclusividade abrange o próprio

titular/licenciante da marca, impedindo-o de explorar os actos abrangidos pela

exclusividade conferida.

Os primeiros casos apresentados obtiveram uma resposta severa, sobretudo por parte da

Comissão Europeia61

, que considerou, de forma quase constante, que a cláusula de

exclusividade era restritiva da concorrência, Com efeito, a cláusula de exclusividade, não

fazendo parte da essência ou do conteúdo do direito exclusivo, tinha por objecto ou por

efeito impedir a exploração do mesmo objecto contratual por outros operadores,

restringindo, de forma automática, a concorrência potencial que poderia no caso contrário

existir.

Esta apreciação – severa – por parte da Comissão foi temperada pelo TJUE na decisão

Nungesser (1982)62

: aplicando uma interpretação própria do direito antitrust americano, a

chamada rule of reason, o TJUE determinou que: «Tendo em conta a especificidade dos

58

Idem, p. 10. 59

No considerando 51 das Orientações relativas às restrições verticais (2010/C 130/01, de 19.5.2010, JO C

130/01), é expressamente admitido que a exclusividade possa ser conferida para um determinado território

ou grupo de clientes, podendo ser de aplicação cumulativa. 60

Neste sentido, Pilar Martín Aresti, em Comentarios a la Ley de marcas, Alberto Bercovitz Rodríguez-

Cano (Director), Aranzadi, 2003, p. 771. 61

. Ver, em matéria de patentes e de know-how, nomeadamente, a decisão da Comissão (75/494/CEE) de

18.7.1975, Kabelmetal-Luchaire, J.O. L 222 de 22.8.1975, p. 34, a decisão da Comissão 75/570/CEE de

25.7.1975, Bronbemaling contra Heidemaatschappij J.O. L 249 de 25.9.1975, p.27, bem como a decisão da

Comissão (76/29/CEE) de 2.12.1975, AOIP/Beyrard J.O. L 006 de 13.01.1976., p.8. Em matéria de direito

das marcas, leia-se a decisão da Comissão (78/253/CEE) de 23.12.1977, Campari, J.O. L 70 de 13.3.1978,

p.79. 62

Ac. TJUE de 8 de Junho de 1982, L.C.Nungesser KG e Kurt Eisele c. Comissão das Comunidades

Europeias, Proc. 258/78, Col. Jur. 1982, p. 2015.

21

produtos em causa (…) num caso como este a concessão de uma licença exclusiva aberta,

ou seja uma licença que não visa a situação de terceiros tais como os importadores

paralelos e os licenciados de outros territórios não é, em si mesma incompatível com o

art. 85§1 do Tratado». Assim, a cláusula de exclusividade foi submetida a uma

apreciação baseada nos efeitos restritivos provocados no mercado, rejeitando a

interpretação restritiva per se (ou pelo próprio objecto), defendida pela Comissão.

Seguindo a esteira determinada por este importante acórdão, quatro meses depois, o

TJUE determinou no Ac. Coditel II (1982)63

em matéria de direitos de autor, que uma

licença de representação exclusiva não seria, por si só, uma restrição à concorrência

interdita pelo Tratado; os traços que caracterizam a indústria e o mercado

cinematográfico na Europa – nomeadamente o sistema de financiamento da sua produção

– demonstrariam que uma licença de representação exclusiva não tem, por si só, uma

natureza capaz de impedir ou restringir a concorrência64

.

A protecção concorrencial a nível territorial pode ser analisada por três círculos

crescentes de protecção:

a) O primeiro círculo diz respeito ao grau de concorrência que poderia ser

estabelecido entre o licenciado/distribuidor e o titular da marca, que pode ser atenuada

pela imposição da cláusula de exclusividade, já mencionada.

b) O segundo círculo diz respeito à concorrência no interior da rede, ou seja,

relativamente aos licenciados ou aos distribuidores normalmente da mesma marca ou

do mesmo direito, que pode ser atenuada através da imposição de restrições à venda

nos territórios atribuídos. Assim, neste patamar de restrição concorrencial, o

licenciado/distribuidor estará não somente protegido da concorrência relativamente ao

titular da marca como também perante os outros licenciados ou distribuidores.

63

Ac. do TJUE de 6 de Outubro de 1982, Coditel II, já citado. Numa breve exposição dos factos, a

sociedade Ciné Vog Fims tinha celebrado um contrato com o produtor de um filme (Le Boucher), no qual

tinha sido concedido o direito de representar publicamente na Bélgica relativamente a qualquer forma de

comunicação ao público, incluindo nas salas de cinema e através da televisão. O contrato foi celebrado em

1969 e tinha a duração de 7 anos. Paralelamente, o produtor celebrou um outro contrato no qual cedeu o

direito de emitir o filme por televisão a uma sociedade alemã. As sociedades Coditel captaram directamente

por antena, na Bélgica, o filme e distribuíram-no por cabo aos seus clientes. 64

Neste acórdão, o TJUE referiu que uma duração excessiva da exclusividade ou um sistema de

remunerações desproporcional ao investimento realizado pelo titular do direito poderiam constituir

violações ao art. 101.º.

22

c) O terceiro círculo diz respeito à protecção concorrencial relativamente a

terceiros que adquiram o produto e o pretendam vender no território atribuído em

exclusivo a um determinado licenciado ou distribuidor. Neste último patamar, as

restrições visam impedir a concretização desta venda, normalmente protagonizada por

importadores paralelos.

Este último patamar de restrição, denominado habitualmente como “protecção territorial

absoluta”, expressa, assim, a atribuição de um monopólio de venda ao respectivo

licenciado ou distribuidor relativo a um determinado território e aos produtos portadores

da marca em questão.

A política antitrust comunitária relativamente à protecção territorial (absoluta) foi (e

acrescentamos ainda é), profundamente marcada por dois acórdãos: Grundig c. Consten e

Nungesser. Em ambos os casos, o TJUE declarou que um contrato que vise conferir uma

protecção territorial é, pelo seu próprio objecto, restritivo da concorrência, não lhe

podendo ser aplicada a norma prevista no n.º 3 do art. 101.º 65

.

Relativamente ao segundo grau de protecção, a política de concorrência desde cedo se

caracterizou por uma distinção entre concorrência passiva e activa. O conceito de política

activa de vendas diz respeito a uma série de actos que partem da vontade, da iniciativa e

da responsabilidade do licenciado/distribuidor, visando captar os clientes que se situam

no território afecto a outro membro da rede. Os actos visados podem constituir,

nomeadamente, na abertura de uma sucursal no território de outro licenciado, na criação

de um depósito para a distribuição dos produtos fora do território atribuído, ou na

captação de clientes através da realização de publicidade fora do território atribuído. O

conceito de política passiva de vendas implica que a venda efectuada não foi precedida e

65

As decisões da Comissão a respeito deste tema são numerosas. Ver, nomeadamente, Kabelmetal-

Luchaire, Bronbemaling contra Heidemaatschappij, AOIP/Beyrard, Campari, já mencionadas e ainda a

decisão da Comissão de 9 de Junho de 1972, Davidson Ruber Co, JO L de 23.07.1972; Decisão da

Comissão (75/76/CEE) de 20.12.1974, Rank-Sopelen, JOCE série L 29 de 3.02.1975, p.20; Decisão da

Comissão (88/635/CEE) de 2 de Dezembro de 1988, Transocean Marine Paint Association JO L 351/40 de

21.12.1988; em matéria de dualidade na fixação de preços como forma de dificultar as importações Decisão

da Comissão (78/163/CEE) de 20.12.1977, The Distillers Company Limited, JO L 50 de 22.2.1978,

p.0016, Decisão da Comissão 82/203/CEE- Moet et Chandon- JO L 94 de 8.4.1982, p.11; Decisão da

Comissão (91/335/CEE) de 15 de Maio de 1991, Gosme/Martell-DMP JO L 185/23 de 11.7.91; Decisão da

Comissão (92/261/CEE) de 18 de Março de 1992, Newitt c/ Dunlop, JO L 131 de 16.5.1992 p.32 e o

Acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 17 de Julho de 1994, Proc. T-43/92, Dunlop Slanzenger

International contra Comissão, Col. Jur. 1994 p. II-441.

23

provocada por actos promocionais, especificamente dirigidos aos clientes (utilizadores

finais ou revendedores) estabelecidos nos outros territórios66

67

.

O Regulamento n.º 310/201068

da Comissão aplicável aos acordos verticais admite,

dentro do condicionalismo geral de aplicação69

, que o fornecedor possa impor ao

distribuidor exclusivo restrições às vendas activas para um outro território exclusivo ou

um grupo exclusivo de clientes atribuído ao fornecedor ou a outro distribuidor,

interditando, porém que possam ser impostas restrições às vendas passivas, as quais terão

sempre de ser permitidas70

.

No domínio dos acordos de transferência de tecnologia, o Regulamento n.º 772/200471

prevê a possibilidade de isentar da aplicação do artigo 101.º do TFUE as proibições de

vendas quer activas quer passivas72

, desde que estejam presentes as condições gerais de

aplicação pelo Regulamento.73

66

Ver as noções expostas no considerando 52 das Orientações referentes às restrições verticais (2010/C

130/01) de 19.5.2010, JO C 130/01. 67

A utilização da Internet para publicidade ou vendas é considerada pela Comissão como uma forma de

concorrência passiva (ver considerando 52 das mencionadas Orientações). Sobre a questão da utilização da

internet relativamente aos acordos de distribuição selectiva e os problemas provocados pela utilização da

Internet sobretudo em França, ver Isabel Fortuna de Oliveira, “Distribuição selectiva e a Internet: alguns

comentários”, in Actas de Derecho Industrial y derecho de autor (ADI), Vol. 28 (2007/2008), p. 191, e

bibliografia citada.

68 Regulamento (UE) nº 330/2010 da Comissão, JO L 102/1 de 23.04.2010 e respectivas Orientações

relativas às restrições verticais. 69

A condição geral de aplicação automática do Regulamento prende-se com o limiar da quota de mercado

do fornecedor e do comprador não ultrapassar, cada uma, 30% do mercado relevante. (art. 3.º do

Regulamento) 70

A não aplicação automática do Regulamento não impede que o acordo possa ser considerado admitido

pelo art. 101.º, mesmo na presença de restrições graves. Assim, no considerando 61 das Orientações

encontra-se previsto que “quando são necessários investimentos substanciais por parte do distribuidor para

lançar e/ou desenvolver o novo mercado, as restrições impostas às vendas passivas de outros distribuidores

nesse território ou a esse grupo de clientes, necessárias para que o distribuidor recupere tais investimentos,

não são na generalidade abarcadas pelo âmbito de aplicação do artigo 101 n.º 1, durante os primeiros dois

anos em que esse distribuidor vende os produtos ou serviços contratuais nesse território ou a esse grupo de

clientes, embora se presuma que este tipo de restrições graves é em geral abrangido por esta disposição”. 71

Regulamento nº 772/2004 da Comissão, de 27 de Abril de 2004 relativo à aplicação do n.º 3 do artigo 81

do Tratado a categorias de acordos de transferência de tecnologia (JO L 123 de 27.04.2004) e respectivas

Orientações (JO C 101 de 27.04.2004). 72

As regras referentes às restrições passivas para os acordos de transferência de tecnologia distinguem os

acordos celebrados entre concorrentes e não concorrentes. Relativamente aos primeiros, as restrições são

permitidas para os acordos não recíprocos; para os acordos celebrados entre não concorrentes são

permitidas restrições das vendas passivas para o território reservado ao licenciante bem para os territórios

de licenciados exclusivos por um período inicial de dois anos. Ver art. 4.º do Regulamento n.º 772/2004. 73

A condição geral de aplicação automática do Regulamento prende-se com a quota de mercado detida

pelas partes no acordo. Em relação aos acordos entre concorrentes, a quota de mercado agregada das partes

24

A cláusula de não concorrência inserida nos contratos de licença constitui uma obrigação

a cargo do licenciado, interditando-o de vender ou de fabricar outros produtos/serviços

que sejam concorrentes com os produtos/serviços que constituem objecto do respectivo

contrato. A cláusula de não concorrência constitui, na sua essência, uma obrigação de não

fazer a cargo do licenciado ou do distribuidor, caracterizando-se pelo seu conteúdo

marcadamente defensivo, destinado a proteger os interesses do titular do direito. Numa

versão mais abrangente, a cláusula de não concorrência pode conter a obrigação de o

distribuidor/licenciado adquirir ao titular da marca determinado nível de produtos.

Na perspectiva do direito da concorrência, a cláusula de não concorrência provoca,

naturalmente, uma exclusão relativamente a produtos concorrentes74

, proporcionando no

domínio dos acordos verticais, uma restrição inter-marcas. A Comissão desde sempre

considerou que a cláusula de não concorrência era restritiva da concorrência. A

possibilidade de concessão de uma isenção iria depender do objecto do contrato em

causa. Assim, nos casos iniciais decididos pelo direito da concorrência europeu, a mesma

cláusula obteve um tratamento jurídico diferenciado consoante os factos:

a) Quando inserida num contrato de exploração do direito de marca ou de franquia de

distribuição, mereceu um tratamento benevolente por parte das instâncias comunitárias75

;

b) Quando inserida num contrato de Know-how, a cláusula de não concorrência foi

considerada uma aliada da preservação do carácter confidencial, tendo obtido igualmente

um tratamento favorável76

;

no mercado relevante é de 20%, e para os acordos celebrados entre não concorrentes a quota de mercado

individual de cada uma das partes é de 30%. 74

Ac. do TJUE de 11 de Julho de 1985, Proc. 42/84, Remia BV contra Comissão das Comunidades

Europeias, Col. Jur. 1985, p.2545 e Ac.do TPI de 2 de Julho de 1992, Proc. 61/89, Dansk

Pelsdyravlerforening contra Comissão, Col. Jur. 1992, p. II- 0193. 75

Ver, em matéria de contratos de licença de marca, a decisão Campari, já citada, na qual foi considerado

que “[a]interdição de concorrência permitiu melhorar a distribuição evitando a dispersão dos pontos de

venda”, reforçando a visualização da marca no respectivo mercado; e a decisão da Comissão, de 23 de

Março de 1990 (90/186/CEE), Moosehead /Whitbread, JO n.º L 100 de 20/04/1990, pp. 32 - 37. 77

Ver, nomeadamente a decisão da Comissão de 13.10.1988, Delta-Chimie (JO L 309/34 de 15.11.885),

onde foi considerado que tal clausula não é sequer contrária ao nº1 do art. 85 nº1, dado que “permite ao

licenciante verificar se o licenciado não utiliza o saber-fazer concedido para o fabrico de outros produtos

diferentes dos referidos no contrato”. 76

Ver, nomeadamente a decisão da Comissão de 13.10.1988, Delta-Chimie (JO L 309/34 de 15.11.885),

onde foi considerado que tal clausula não é sequer contrária ao nº1 do art. 85 nº1, dado que “permite ao

licenciante verificar se o licenciado não utiliza o saber-fazer concedido para o fabrico de outros produtos

diferentes dos referidos no contrato”.

25

c) Quando inserida num contrato de exploração de patente, a cláusula de não

concorrência deparou com uma notória hostilidade77

;

d) Não tendo sido igualmente admitida nos contratos de distribuição selectiva78

.

A apreciação da cláusula de não concorrência pelas instâncias comunitárias sofreu,

porém, desde então uma alteração significativa. Nas actuais regras aplicáveis aos acordos

verticais previstas no Regulamento n.º 330/2010, é concedida isenção automática aos

acordos que contenham uma cláusula de não concorrência, desde que não ultrapasse 5

anos,79

. A possibilidade de aplicação da cláusula de não concorrência após o termo do

contrato para a protecção do know-how encontra-se prevista na alínea c) do §3 do art. 5.º.

A violação destas regras implica a nulidade da cláusula80

. Pelo contrário, a cláusula de

exclusividade não encontra nenhuma objecção específica, encontrando-se assim inserida

na lógica geral de aplicação da isenção automática prevista no Regulamento. Assim, a

cláusula de não concorrência é encarada de uma forma mais severa do que a de

exclusividade, constituindo uma aplicação actual do princípio geral segundo o qual a

restrição à concorrência inter-marcas é geralmente mais prejudicial do que a restrição à

concorrência intra-marcas

No actual Regulamento n.º 772/2004 aplicável aos acordos de transferência de tecnologia

a cláusula de não concorrência não constitui uma restrição grave81

. É, porém, considerada

uma restrição grave, e como tal prevista no §1 do art. 4.º, a “restrição da capacidade do

licenciado para explorar a sua própria tecnologia ou a restrição da capacidade de qualquer

77

Assim, na decisão da Comissão 76/29/CEE de 2.12.1975, AOIP/Beyrard (JO L 249 de 25.9.1975)

relativa a um contrato de licença de patente, na qual foi determinado que esta cláusula constituía um

entrave ao progresso técnico e económico. No mesmo sentido, na decisão Nungesser (1978), a Comissão

considerou que a cláusula é contrária ao progresso técnico, dado que impedia o licenciado de desenvolver

outros produtos eventualmente melhores ou de aceitar licenças neste sentido. 78

Referindo apenas alguns casos, ver, nomeadamente, Ac. do TJUE de 25 de Outubro de 1977, Metro SB-

c. Comissão, Proc. 26/76, CJ 1977 p. 01875; Decisão da Comissão (85/404/CEE) de 10.7.1985, Grundig

JO L 233/1, de 30.8.1985; Decisão da Comissão (85/616/CEE) de 16.12.1985, Villeroy & Boch, JO L

nº376 de 31.12.1985, p. 15; Decisão (92/428/CEE) de 24 de Julho de 1992, Gyvenchy, JO L 236/11 de

19.07.1992. 79

O limite temporal da aplicação da cláusula de não concorrência poderá não ser aplicado nos acordos de

franquia. No considerando 45 das Orientações, a Comissão considera-se que a cláusula que interdite o

franqueado de desenvolver, directa ou indirectamente quaisquer actividades semelhantes às previstas no

acordo, é necessária para proteger os respectivos direitos de propriedade intelectual. 80

Segundo a aplicação da regra da divisibilidade, prevista no considerando 71 das Orientações. 81

Desde que o acordo esteja inserido nas condições gerais de aplicação do Regulamento, ou seja, nos

limiares das quotas de mercado já mencionadas. Ver considerando 197 das respectivas Orientações.

26

das partes no acordo para realizar actividades de investigação e desenvolvimento, excepto

se esta última restrição for indispensável para impedir a divulgação de terceiros do saber-

-fazer licenciado”.

b. Os acordos de licença de marca.

Os acordos de licença de marca não foram objecto da mesma atenção que outros acordos

de licença, nomeadamente de licença de patente, por parte do direito da concorrência

europeu. Com efeito, somente as decisões Campairi e Moosehead, já referidas,

mereceram algum destaque.

Este tipo de acordos não tem um enquadramento legal específico, não lhes sendo

directamente aplicável qualquer dos Regulamentos de isenção mencionados.

Com efeito, o Regulamento n.º 310/2010 é aplicável aos acordos que versem sobre

direitos de propriedade industrial, quando estes não constituam o respectivo objecto

principal, e desde que tais direitos estejam relacionados com a utilização, venda ou

revenda dos produtos ou serviços visados no acordo. Sendo tais critérios de aplicação

cumulativa, terão forçosamente de ser excluídos do respectivo âmbito de aplicação os

acordos de licença de marca que visem exclusivamente a fabricação82

. Por outro lado, no

caso de a licença de marca constituir um elemento acessório do acordo vertical, o acordo

será abrangido pelo mencionado Regulamento, como acontece no caso típico dos acordos

de franquia. Refira-se que um acordo de licença de marca visando a fabricação e a

distribuição de produtos que contenha disposições complementares referentes a outros

direitos de propriedade intelectual, tais como direitos de patente, ou de know-how, pode

ainda suscitar a questão de saber se o Regulamento n.º 772/2004, lhe será directamente

aplicável, ou não.

82

Segundo Michel Waelbroeck, a distinção entre um contrato de distribuição que verse sobre produtos

portadores de marca e contrato de licença de marca consiste na obrigação do licenciado de apor a marca

nos produtos que posteriormente irá comercializar, enquanto o distribuidor vende o produto para revenda

no estado em que lhe foi entregue pelo titular ou com o seu consentimento (Michel Waelbroeck e Aldo

Frignani, “Derecho europeo de la competencia”, Vol. 4 do Comentario Megret, versão espanhola por

Ignacio Sáenz-Cortabarria Fdez e Marta Morales Isasi, Tomo I, 1998, p. 1027).

27

Cremos, assim, que no caso de um contrato cujo objecto principal vise a atribuição de um

direito de exploração sobre a marca ou, no caso de um acordo misto, que inclua a

concessão de outros direitos de propriedade intelectual, assumindo a marca uma

importância decisiva, tal acordo não encontrará, pelo menos no contexto actual, um

regulamento de isenção que lhe seja directamente aplicado.

A dúvida que poderá persistir reside na identificação de quais serão os princípios que,

estando presentes num dos Regulamentos de isenção por categoria, poderão influenciar a

decisão final sobre o acordo de licença em causa. Esta tarefa não será, porém, fácil.

Assim, no caso de determinado acordo de licença de marca conter disposições relativas à

distribuição, bem como disposições complementares relativas à comunicação e utilização

do know-how, qual será o Regulamento de isenção que as empresas deverão contemplar

preferencialmente? Poderia ser o Regulamento n.º 310/2010, uma vez que o acordo prevê

a distribuição dos produtos, mas poderia ser igualmente o Regulamento relativo aos

acordos de transferência de tecnologia, dado que o acordo contém a comunicação de

know-how visando a correcta fabricação dos produtos em causa. A determinação do

Regulamento de referência terá de ser encontrada tendo em conta a identificação do

objectivo central do acordo, tarefa complexa dado que por vezes não será fácil identificar

se o acordo tem por objectivo central a venda intensiva dos produtos ou o licenciamento

da tecnologia.

c. Os acordos de transferência de tecnologia: remissão

Os chamados acordos de transferência de tecnologia aparecem hoje regulados no

contexto da UE pelo Regulamento n.º 772/2004 da Comissão de 27 de Abril de 2004, que

integra uma das “isenções” por categoria relativas à aplicação do n.º 3 do artigo 101.º do

TFUE.

Estes contratos, na sua maioria contratos de licença de direitos de propriedade intelectual,

embora não exclusivamente, são considerados prima facie pró-competitivos, declarando a

Comissão Europeia que dos mesmos será possível retirar, em princípio, eficiência

económica. Ainda assim, tudo ficará dependente de uma análise de cada “acordo”, o que

28

significa que pode o mesmo dever ser em concreto considerado proibido ou suscitar

preocupações jus-concorrenciais que devam ser contrariadas.

A regulação desta matéria assinala um dos casos importantes de intersecção entre os

contratos de propriedade intelectual e o direito da concorrência, cujo tratamento, por

merecer um capítulo autónomo na presente obra, se deixa aqui apenas brevemente

enunciado.

d. As recusas em licenciar direitos de propriedade intelectual e o direito da

concorrência (art. 102.º)

Aos titulares de direitos de propriedade intelectual é garantido um exclusivo

relativamente ao aproveitamento económico do potencial destes direitos, o que autoriza

os seus titulares a excluírem a concorrência baseada na imitação e os compele a

desenvolverem e produzirem produtos inovadores, que possam substituir aqueles no

mercado83

. De acordo com os princípios que regem os direitos de propriedade intelectual,

faz parte da essência de tal exclusivo a regra segundo a qual o titular destes direitos não é

obrigado, salvo algumas excepções, a licenciá-los a terceiros. As excepções dizem

respeito a intervenções do Estado, como sucede com as chamadas licenças compulsórias

no âmbito dos direitos de patente, destinadas, em regra, a salvaguardar interesses

públicos84

.

Seria expectável que a matéria das licenças compulsórias ou obrigatórias fosse resolvida

dentro dos muros da Propriedade Intelectual85

. Pode perguntar-se, por isso, que razões

justificam que o titular de um direito de propriedade intelectual possa ser obrigado a, no

quadro da aplicação do artigo 102.º do TFUE (ou do seu correspectivo artigo 6.º da Lei

83

De acordo com Beatriz Conde Gallego, Unilateral refusal…, p. 235, o sistema de propriedade intelectual

favorece, assim, a concorrência efectiva no mercado. 84

Para um estudo relativo a estes mecanismos, no âmbito do Direito português, leia-se João Paulo Remédio

Marques, Licenças (voluntárias e obrigatórias) de direitos de propriedade industrial, Almedina, 2008, pp.

191-260. No campo do Direito de Autor, alguns autores assinalam a inutilidade da utilização destes

instrumentos, considerando que o processo administrativo de concessão destas licenças tem custos que não

são compensados pelo valor a retirar das licenças compulsórias, sendo certo que a concessão destas

licenças retira sempre da esfera do titular do direito uma das suas faculdades mais relevantes, isto é, a de

negociar livremente, de acordo com as condições do mercado, a compensação justa pela comercialização

do objecto do direito. Assim, Lionel Bently, Brad Sherman, Intellectual Property Law, Oxford University

Press, 2001, p. 262. 85

Richard Whish, Competition Law, 6.ª ed., Oxford University Press, 209, p. 786.

29

da Concorrência), conceder uma licença de exploração desse direito a um terceiro. A

resposta parece, mais uma vez, estar na distinção, já traçada, entre a existência e o

exercício do direito: o que se pretende restringir não é a titularidade do direito de

propriedade intelectual, mas o exercício impróprio, porque abusivo, do mesmo86

.

Nos termos clarificados pela decisão Volvo v Erik Veng, na medida em que a recusa de

concessão de uma licença a um terceiro não deve, em si mesma, ser considerada um

abuso de posição dominante87

, o que é o mesmo que dizer que o artigo 102.º do Tratado

não é em si mesmo um instrumento para impor licenças compulsórias a empresas com

posição dominante no mercado88

. Assim, apenas existirá abuso quando o direito seja

exercido em certas – e excepcionais – condições que, naturalmente, tornem tal exercício

“susceptível de afectar o comércio entre os Estados-Membros”. A questão a que a

jurisprudência europeia tem tentado responder é, pois, que condições excepcionais são

essas.

Do caso Volvo, assim como de uma outra decisão relativa a peças sobresselentes (a

decisão Renault89

), não é possível retirar senão alguns exemplos de situações

consideradas abusivas, não tendo o TJCE numa primeira fase curado de identificar as

ditas circunstâncias excepcionais90

. O acórdão Magill é, pois, o primeiro em que o

Tribunal claramente se debruça sobre esta questão e procura uma resposta para a mesma.

Estando em causa a recusa por diferentes canais de televisão de concessão de licenças

relativas à publicação de informações relativas às suas grelhas de programação à empresa

Magill TV Guide Ltd, o Tribunal recusou-se a aceitar que a mera titularidade de direitos

de autor sobre aquelas grelhas fosse suficiente para a verificação de uma situação de

posição dominante no mercado. Essa posição dominante derivaria, isso sim, da existência

86

Como explica Dina Kallay, The Law and Economics of Antitrust and Intellectual Property, Edward

Elgar, 2004, p. 124, se fosse de outro modo, a recusa de licença nem tão pouco poderia ser uma conduta

imposta no âmbito do Direito da Concorrência, na medida em que colidiria com a própria existência do

direito de propriedade intelectual. 87

Ac. TJCE 5/10/1988, Proc. 238/87, AB Volvo v Erik Veng (UK) Ltd., ECR 1988, p. 6211, par. 8. 88

David T. Keeling, Free Movement…, p. 381. 89

Ac. TJCE 5/10/1988, Proc. 53/87 (Consorzio italiano della componentistica di ricambio per autoveicoli

and Maxicar v Régie nationale des usines Renault), ECR 1988, p. 6039. 90

Para uma análise compreensiva da jurisprudência do TJCE, incluindo estas decisões iniciais, ver, por

todos, Estelle Derclaye, "Abuses of dominant position and intellectual property rights: a suggestion to

reconcile the Community courts case law", in World Competition 26.4, 2003, pp. 685-705, também

disponível em http://works.bepress.com/estelle_derclaye/17.

30

de um monopólio de facto sobre as informações contidas naquelas grelhas de

programação. Consequentemente, o abuso, a existir, não derivaria da recusa de concessão

da licença de utilização em si mesma considerada, mas poderia ser originado pelos

contornos e características do exercício em concreto do direito de autor pelos seus

titulares. No caso em apreço, foram precisamente estas circunstâncias – designadamente

o facto de aquela recusa, despida de qualquer razão justificativa, impossibilitar o

aparecimento de um novo produto no mercado, para o qual existiria um público potencial

– que estiveram na base do reconhecimento de um comportamento abusivo.

O Tribunal fixou, neste caso, as circunstâncias das quais depende a existência de abuso, a

saber: a recusa de fornecimento da informação necessária com fundamento na protecção

do direito de autor sobre a mesma pelos organismos de radiodifusão criava um obstáculo

ao aparecimento de um novo produto no mercado (a concentração da informação num

único guia de programação); existia procura potencial para esse novo produto; não existia

justificação objectiva para uma tal recusa; e, finalmente, o resultado da recusa era

reservar para os organismos de radiodifusão a exploração do mercado secundário dos

guias de programação televisiva91

. Algumas destas condições foram depois clarificadas, e

91

O caso Magill tem sido amplamente discutido no contexto da aplicação no campo da Propriedade

Intelectual da doutrina das infra-estruturas essenciais (tradução algo insuficiente da “essential facilities

doctrine”, cuja origem na UE é muitas vezes feita coincidir com o Acórdão TJCE 6/3/1974, Processos 6/73

e 7/73, Istituto Chemioterapico Italiano e Commercial Solvents contra Comissão, Col. Jur., ed. especial

portuguesa, p. 119). Contudo, a verdade é que, como bem opina, entre nós, Luís Pinto Monteiro, A recusa

em licenciar direitos de propriedade intelectual no direito da concorrência, Almedina, 2010, p. 112, ficou

em aberto se o Tribunal procedeu realmente a essa aplicação neste caso específico. Pelo contrário, no caso

Bronner (Acórdão TJCE 26/11/1998, Proc. C-7/97, Oscar Bronner GmbH & Co. KG contra Mediaprint

Zeitungs, Col. Jur. 1998, p. 7791), a questão é intensamente analisada pelo Advogado-Geral Jacobs, na

opinião proferida em 28/5/1998, ainda que o Tribunal só muito de relance e na exposição dos argumentos

proferidos pelas partes, faça referência a esta matéria.

Esclarecendo a concepção económica por detrás da aplicação da doutrina das infra-estruturas essenciais aos

direitos de propriedade intelectual, cfr. John Temple Lang (Compulsory licensing of intellectual property in

european community antitrust law, 2002, in URL: http://www.ftc.gov/opp/intellect/020522langdoc.pdf:, p.

19. O texto referido tem também o interesse de sumariar os riscos que a utilização da doutrina das

“essential facilities” comporta neste contexto. De acordo com Lang (pp. 20-21), “If the essential facilities

doctrine prohibited the refusal to licence valuable intellectual property rights in the market to which they

directly relate, an abuse of a dominant position would be found in a large number of cases of refusals to

licence intellectual property. If a competitor could claim that an intellectual property right is an essential

facility merely because it involves a clear competitive advantage, no owner of intellectual property rights

could be sure of enforcing valuable rights, since any intellectual property might have that effect. Moreover,

the essential facilities doctrine, if applied in a single market situation, would weaken intellectual property

rights precisely when this result is least defensible: the more an invention was unique, valuable, and

difficult to duplicate, the greater would be the obligation to share it”.

31

de algum modo restringidas, jurisprudencialmente nos casos Ladbroke92

e Oscar

Bronner93

, que são, por isso, também relevantes neste contexto.

Em 2004, o caso IMS Health94

volta, porém, a colocar a questão de saber quais são as

circunstâncias excepcionais atendíveis no que respeita à aplicação do artigo 102.º nas

situações em que esteja presente um direito de propriedade intelectual e demonstra à

saciedade a divergência de interpretações que é possível retirar da leitura da prática

decisória anterior na UE. O Tribunal contraria aqui a posição defendida pela Comissão e

traça um elenco cumulativo de circunstâncias excepcionais, que são as seguintes: (1) na

linha do acórdão Bronner, a recusa deve estar relacionada com produto/serviço

indispensável ao exercício de actividade num mercado derivado95

; (2) a recusa é

susceptível de excluir toda a concorrência no mercado derivado; (3) obsta ao

aparecimento de novo produto para que existe uma procura potencial por parte dos

consumidores; (4) a recusa não é justificada por razões objectivas96

.

Esta fórmula é repetida, mais recentemente, no caso Microsoft97

, em que se dá particular

ênfase à necessidade de demonstrar que a excepcionalidade requerida para a

obrigatoriedade da licença se verifica nos casos em que o potencial licenciado pretenderia

produzir um novo produto para o qual existia procura potencial por parte dos

consumidores. Contudo, a doutrina tem considerado que o TPI fez uma interpretação

muito tolerante do requisito relativo à novidade do produto, considerando que tal

circunstância, tal como é interpretada nas decisões Magill e IMS Health, não pode ser o

92

Acórdão TPI de 12/6/1997, Proc. T-504/93, Tiercé Ladbroke SA contra Comissão das Comunidades

Europeias, Col. Jur. 1997, p. II-923. Um dos aspectos relevantes desta decisão consistiu na caracterização

da procura potencial por parte dos consumidores para que possa ser aferida a essencialidade do produto,

isto é, uma “procura potencial específica constante e regular” (par. 131). 93

Acórdão TJCE 26/11/1998, Proc. C-7/97, Oscar Bronner GmbH & Co. KG contra Mediaprint Zeitungs,

Col. Jur. 1998, p. 7791, no qual o Tribunal combinou as condições já anteriormente estabelecidas nas

decisões Magill e Ladbroke, igualmente esclarecendo que a justificação da recusa de licença tem

necessariamente que ser objectiva (par. 41). 94

Acordão TJCE 29/4/2004, Proc. C-418/01, IMS Health GmbH & Co. OHG contra NDC Health GmbH &

Co. KG., Col. Jur. 2004, p. 5039. 95

Referindo-se às críticas a este requisito, que pode ser considerado duvidoso por colocar um limite à

imposição de uma licença nos casos em que uma empresa dominante utilize o seu poder num mercado para

controlar mercados derivados, Beatriz Conde Gallego, Unilateral refusal to license indispensable

intellectual property rights – US and EU approaches, in Josef Drexl (ed.), “Research Handbook on

Intellectual Property and Competition Law”, Edward Elgar, 2008, p. 223. 96

Par. 52. 97

Ac. TPI 17/9/2007, Proc. T-201/04, Microsoft Corp. contra Comissão das Comunidades Europeias, Col.

Jur. 2007, p. II-3601.

32

único parâmetro a tomar em conta para determinar se uma recusa de licença pode causar

prejuízo aos consumidores, pois que “esse prejuízo pode decorrer de uma limitação não

só da produção ou da distribuição, como também do desenvolvimento técnico”98

. Basta,

por isso, que exista uma restrição do desenvolvimento tecnológico para se considerar

verificada esta condição.

Outro contributo relevante do caso Microsoft foi ter deixado claro que em caso algum

pode a titularidade de um direito de propriedade intelectual (neste caso sobre informações

relativas a especificações de protocolos que permitiam à assegurar interoperabilidade

com as características das redes de grupos de trabalho comercializados pelos

concorrentes da Microsoft) ser invocada, por si só, como justificação objectiva da recusa

de licença. De acordo como o Tribunal, “essa tese da Microsoft é incompatível com a

razão de ser da excepção que essa jurisprudência reconhece na matéria a favor da livre

concorrência, no sentido de que, se a mera detenção de direitos de propriedade intelectual

pudesse constituir, por si só, uma justificação objectiva para a recusa de conceder uma

licença, a excepção estabelecida pela jurisprudência nunca seria aplicável”99

.

Uma última nota prende-se com o facto de a Comissão Europeia, embora tendo também

seguido nas suas orientações, a fórmula da decisão IMS, parecer apresentar para tanto

justificações de cariz mais económico que as que são utilizadas pelos tribunais nos casos

de recusas de licença, relacionando a ratio decidendi destes casos com a necessidade de

ter em conta quer os efeitos imediatos de uma situação concorrencial no mercado quer os

efeitos a longo prazo dos investimentos na inovação, tendo tais factores que ser

adequadamente balanceados muito embora a Comissão se incline para a possibilidade de

se excluir a concorrência efectiva durante o tempo necessário a assegurar que os titulares

dos direitos de propriedade intelectual obtêm um retorno adequados pelos seus

investimentos100

.

4. Referências conclusivas

98

Par. 647. Referindo-se a uma interpretação algo “benigna” desta condição, Richard Whish, Competition

Law, p. 71. 99

Par. 690. 100

Cfr. Beatriz Conde Gallego, Unilateral refusal…, p. 233.

33

Apesar de prosseguirem distintos objectivos imediatos, o direito da concorrência e os

direitos da propriedade intelectual tendem para um fim último comum: promovem e

premeiam a inovação e a eficiência de recursos em benefício do consumidor e do bem-

estar social101

. Este entendimento sublinha a complementaridade que actualmente é

reconhecida aos dois institutos, atenuando o grau de conflitualidade com que eram

inicialmente analisados.

O direito da concorrência actual já não é encarado como um limite ao exercício dos

direitos de propriedade intelectual, reconhecendo-se explicitamente que os efeitos

derivados da natureza privatística deste tipo de direitos constituem uma contribuição

importante para a existência e a intensidade da concorrência.

É dentro deste contexto que a nova política de concorrência europeia em matéria de

licenças de direitos de propriedade intelectual adoptou o princípio de base segundo a qual

a exploração destes direitos é, em princípio, pró-competitiva, e não restritiva. Tal não

significa conferir uma total imunidade ao exercício dos direitos de propriedade

intelectual, mas esclarece que o centro da análise do actual direito da concorrência se

situa no mercado e nas condições específicas destes e não tanto nos modelos contratuais

de exploração dos direitos de propriedade intelectual correspondentes, afinal, ao exercício

regular e habitual destes últimos.

101

No mesmo sentido, segundo a interpretação que delas fazemos, as palavras de Valérie Laure Benabou,

European competition law and copyright: where do we stand? Where do we go?, in Estelle Derclaye (ed.),

“Research handbook on the future of EU Copyright”, Edward Elgar, 2009, p. 551.