contra-discurso sobre o colonialismo a descolonização conceptual em...

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REFLEXÕES 17 Domingo 23 de Agosto de 2020 Luís Kandjimbo |* O ante-título pretende chamar a atenção do leitor para a negligen- ciada perspectiva temporal de uma tematização que tem mere- cido reconhecimento institucional académico nas antigas potências coloniais com a consagração de várias disciplinas, tais como “Es- tudos Pós-coloniais”, “Teoria Pós-colonial” ou “Literaturas Pós-coloniais”. Por outro lado, aponta para a necessidade de um discurso historiográfico acerca das propostas teóricas latino-ameri- canas que chegam a Angola através dos mais diversos mecanismos de difusão de obras, sem reciprocidade no plano cognitivo. A este respeito, exige-se uma vigilância epistémica para que o efectivo diálogo entre os pensadores do “Sul Global” seja despojado de tentações hegemónicas que, numa lógica competitiva simétrica, pa- recem inspirar a atribuição de um certo pioneirismo à escola “deco- lonial” latino-americana (Arturo Escobar, Aníbal Quijano, Agustín Lao-Montes, Nelson Maldonado- Torres, Ramón Grosfoguel, Santiago Castro-Gómez) em matéria de ima- ginação epistemológica. Na verdade, a tarefa consiste em imprimir rigor ao exame crítico dos contra-dis- cursos sobre o colonialismo (an- ti-colonial, descolonizador, decolonial e pós-colonial) e sua avaliação no contexto das diferentes filosofias da descolonização em todo o Hemisfério Sul. Por exemplo, Walter Mignolo, ao esboçar o en- quadramento histórico do que de- signa por “giro decolonial” e resumir a tese generalista correspondente, defende que o pensamento “de- colonial” surgiu nas Américas, sen- do a modernidade/colonialidade o seu contrário. Ele considera que isso aconteceu no pensamento in- dígena e no pensamento afro-ca- ribenho. Continuou na Ásia e em África, sem qualquer vínculo com o pensamento “decolonial” das Américas, mas contra a colonia- lidade do império britânico e do colonialismo francês. Debate transnacional Foi no espaço afro-asiático que, durante a segunda metade do século XX, o problema da descolonização conceptual das línguas europeias com estatuto oficial atraiu atenções para um debate transnacional cuja plataforma ecuménica, a partir da Conferência de Bandung, realizada em 1955 na Indonésia, passou a ser a Organização de Solidariedade dos Povos Afro-Asiáticos e, espe- cialmente, a Associação dos Es- critores Afro-Asiáticos. Portanto, ao longo de três décadas, os es- critores e intelectuais afro-asiáticos reflectiram sobre os problemas da descolonização cultural, apesar do diferendo ideológico que opunha a China à União Soviética, naquilo a que se convencionou designar por conflito sino-soviético. Apesar da exacerbação dessa crise em 1966, a plataforma passou a ser tricontinental com a criação da Or- ganização de Solidariedade dos Povos da Ásia, África e América Latina. A Associação dos Escritores Afro- Asiáticos contou com a participação activa de escritores e intelectuais africanos, entre os quais angolanos, guineenses, cabo-verdianos e mo- çambicanos. No que diz respeito a essa problemática, os intelectuais africanos e afro-descendentes, a partir da Segunda Guerra Mundial, tiveram no período inicial a editora e a revista “Présence Africaine”, si- tuadas em Paris, como dois dos seus mais importantes meios de divul- gação na Europa. A organização dos Congressos de Escritores e Artistas Negros, em 1956 e 1959,constituíam na época a expressão do nível em que se situavam os debates. Conferência de Makerere A década de 60 foi crucial, por ter sido o período das independências e das lutas anti-coloniais de liber- tação nacional. Em 1962, a cidade capital do Uganda, Kampala, aco- lheu a “Conferência de Escritores Africanos de Expressão Inglesa”. O problema das línguas europeias usadas pelos escritores africanos e a sua natureza detrimental para as línguas africanas foi aí intensa- mente debatido. No colégio universitário de Ma- kerere estiveram os mais proemi- nentes representantes de várias gerações de escritores. Da África Ocidental: Chinua Achebe, Wole Soyinka, John Pepper Clark, Obi Wali, Gabriel Okara, Christopher Okigbo, Bernard Fonlon, Frances Ademola, Cameron Duodu, Kofi Awoonor. Da África Oriental: Ngũgĩ wa Thiong'o, Robert Serumaga, Rajat Neogy, Okot p'Bitek, Pio Zi- rimu, Grace Ogot, Rebecca Njau, David Rubadiri, Jonathan Kariara. Da África Austral: Ezekiel Mphahlele, Bloke Modisane, Lewis Nkosi, Dennis Brutus, Arthur Maimane. Das diás- poras africanas: Langston Hughes. Durante as décadas de 70 e 80, o problema das línguas europeias, a crítica literária, o ensino das li- teraturas africanas e o cânone li- terário dominaram os debates. Para poupar tempo ao leitor e melhor compreensão desses debates, faço uma sugestão: a leitura do livro do autor destas linhas, “Alumbu. O Cânone endógeno no campo lite- rário angolano.Para uma herme- nêutica cultural”.Pode ser útil. Descolonização e Filosofia da Literatura Ora, enquanto os escritores, crí- ticos literários e investigadores das literaturas africanas andavam ocu- pados com essas problemáticas, nesse período os filósofos africanos andavam confinados no seu espaço labiríntico, discutindo a definição do que se podia entender por fi- losofia africana. Tendencialmente, é no domínio dos estudos literários que o debate sobre o problema das línguas europeias evoluiu. A ideia de ruptura a que as literaturas afri- canas davam origem permitiu que, no princípio da década de 80, a coabitação de gerações de escritores e críticos literários revelasse a pos- sibilidade de uma nova tematização. Introduz-se um tópico novo, a problemática da descolonização téorica e cultural. Essa mudança de focagem tem a sua manifestação em 1975, na Nigéria, quando três professores universitários nigeria- nos, Chinweizu, Onwuchekwa Je- mie e Ihechukwu Madubuike publicam um artigo na revista “Transition” com o título “Toward the Decolonization of African Li- terature.African Fiction and Poetry and Their Critics” (Para a Desco- lonização da Literatura Africana. Ficção, Poesia e seus Críticos). Cinco anos depois, esse artigo deu origem a um livro de 320 páginas com o mesmo título a que outro filósofo ganense, Kwame Anthony Appiah, considerou ser um “ma- nifesto clássico africano de nacio- nalismo cultural”. Nessa altura, ocorriam seme- lhantes sintomas no campo da filo- sofia. Por isso, regista-se uma convergência relativamente à pro- blematização do processo de des- colonização das línguas, literaturas e conceitos. Estamos em presença da génese da Filosofia da Literatura. Filósofos, escritores e críticos literários publicam livros sobre o tema. O filósofo ganense Kwasi Wiredu narra uma anedota relevante que assinala a formulação inicial do seu “pensamento descolonizado”.O uso do enunciado “descolonização conceptual” ocorreu pela primeira vez em Junho de 1980, na confe- rência da UNESCO sobre o ensino e investigação da filosofia em África, realizado em Nairobi. No regresso ao Ghana e em trânsito pelo aero- porto de Lagos, Wiredu adquiriu o livro dos autores nigerianos, já referido. Seis anos depois, Ngugi wa Thiong’o publica o seu “Deco- lonizing the Mind. The Politics of Language in African Literature” (Descolonizando o Espírito. A Po- lítica da Língua nas Literaturas Africanas). Por isso, Kwasi Wiredu com elevada humildade intelectual não hesita em reconhecer que “a necessidade de descolonização mobilizou mais rapidamente os escritores africanos e os investi- gadores das literaturas africanas do que da filosofia africana”. Os Cinco e o anti-colonial Debater o alcance e o sentido de conceitos como anti-colonial, des- colonização, decolonial e pós-co- lonial implica conhecer o universo discursivo em que estas unidades lexemáticas ocorrem do ponto de vista histórico. Para o caso dos Cinco Países Africanos de Língua Portuguesa, revela-se necessário compreender a razão que justificou a criação da Liga dos Escritores dos Cinco, em 1987.Os seus funda- mentos históricos residem exac- tamente no sentido comunitário que os escritores e intelectuais destes países atribuem à acção an- ti-colonial e descolonizadora. Neste capítulo, as colectâneas de textos anti-coloniais dos “Cinco”(Afri- can Liberation Reader: Docu- ments of the National Liberation Movements), organizadas pelo moçambicano Aquino de Bra- gança e o norte-americano Im- manuel Wallerstein constituem uma fonte preciosa. Por essa ra- zão, a consagração académica dos chamados “Estudos Pós- coloniais” no século XX, espe- cialmente nas universidades europeias, americanas e aus- tralianas, representa a expressão de respostas que as elites das antigas potências coloniais e imperiais encontram perante as crises das suas “metanarra- tivas” legitimadoras. V.Y.Mudimbe e a arqueologia da gnose africana Em 1988, o escritor e filósofo de- mocrata-congolês V.Y. Mudimbe publicou um livro igualmente seminal para a compreensão do processo de desconstrução da narrativa colonial, –“The Inven- tion of Africa. Gnosis, Philosophy, and the Order of Knowledge”, (A Invenção de África. Gnose, Filosofia e a Ordem do Conhe- cimento) – com o qual elabora aquilo a que denomina “arqueo- logia da gnose africana”, isto é, o estudo do sistema de conhe- cimento em que se inscrevem as grandes questões filosóficas afri- canas, nomeadamente, o estilo de “africanização”do conheci- mento e o estatuto dos sistemas tradicionais de pensamento.Cabe aí a definição dos limites semân- ticos às unidades lexemáticas que suscitam interesse, tais como “colonial”, “colonialismo” e “co- lonização”. Elas conformam o objecto dos contra-discursos, isto é, o sistema de organização de tipo europeu a que estão as- sociados os seus agentes, os co- lonos, os que colonizam uma região, e os colonialistas, que ex- ploram um território pelo domínio de uma maioria local. Kwasi Wiredu e o debate O mérito de Kwasi Wiredu re- side no facto de o seu projecto de descolonização conceptual suscitar debate ainda hoje, após quatro décadas desde a sua apresentação. O projecto integra uma agenda de pesquisa que se articula a uma outra linha que consiste em for- mular o pensamento moderno em línguas africanas. Um dos debates recentes tem os seus opo- nentes em Ndubuisi Osuagwu e Jonathan O. Chimakonam, dois membros da Escola Filosófica de Calabar, da Nigéria. Põem em causa as teses do recurso a téc- nicas de base linguística, em vir- tude de serem equivalentes à “manipulação conceptual”, que não contribui para o progresso no pensamento africano. Entre os defensores do projecto estão dois professores de filosofia da Universidade de Witwatersrand da África do Sul, o nigeriano Ed- win Etieyibo, editor do livro “De- colonisation, Africanisation and the Philosophy Curriculum” (Descolonização, Africanização e Currículo de Filosofia), 2018, e a sul-africana Mary Carman, que considera injustas as objec- ções às teses de Kwasi Wiredu, na medida em que aos seus au- tores escapa o conhecimento do suporte teórico do trabalho no seu conjunto, cujo núcleo central explora um caminho útil e viável para enfrentar os desafios da fi- losofia de descolonização. * Ensaísta e professor universitário CONTRA-DISCURSO SOBRE O COLONIALISMO A descolonização conceptual em África DR

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REFLEXÕES 17Domingo23 de Agosto de 2020

Luís Kandjimbo |*

O ante-título pretende chamar aatenção do leitor para a negligen-ciada perspectiva temporal deuma tematização que tem mere-cido reconhecimento institucionalacadémico nas antigas potênciascoloniais com a consagração devárias disciplinas, tais como “Es-tudos Pós-coloniais”, “TeoriaPós-colonial” ou “LiteraturasPós-coloniais”. Por outro lado,aponta para a necessidade de umdiscurso historiográfico acerca daspropostas teóricas latino-ameri-canas que chegam a Angola atravésdos mais diversos mecanismos dedifusão de obras, sem reciprocidadeno plano cognitivo.

A este respeito, exige-se umavigilância epistémica para que oefectivo diálogo entre os pensadoresdo “Sul Global” seja despojado detentações hegemónicas que, numalógica competitiva simétrica, pa-recem inspirar a atribuição de umcerto pioneirismo à escola “deco-lonial” latino-americana (ArturoEscobar, Aníbal Quijano, AgustínLao-Montes, Nelson Maldonado-Torres, Ramón Grosfoguel, SantiagoCastro-Gómez) em matéria de ima-ginação epistemológica. Na verdade,a tarefa consiste em imprimir rigorao exame crítico dos contra-dis-cursos sobre o colonialismo (an-ti-colonial , descolonizador,decolonial e pós-colonial) e suaavaliação no contexto das diferentesfilosofias da descolonização emtodo o Hemisfério Sul. Por exemplo,Walter Mignolo, ao esboçar o en-quadramento histórico do que de-signa por “giro decolonial” e resumira tese generalista correspondente,defende que o pensamento “de-colonial” surgiu nas Américas, sen-do a modernidade/colonialidadeo seu contrário. Ele considera queisso aconteceu no pensamento in-dígena e no pensamento afro-ca-ribenho. Continuou na Ásia e emÁfrica, sem qualquer vínculo como pensamento “decolonial” dasAméricas, mas contra a colonia-lidade do império britânico e docolonialismo francês.

Debate transnacionalFoi no espaço afro-asiático que,

durante a segunda metade do séculoXX, o problema da descolonizaçãoconceptual das línguas europeiascom estatuto oficial atraiu atençõespara um debate transnacional cujaplataforma ecuménica, a partir daConferência de Bandung, realizadaem 1955 na Indonésia, passou aser a Organização de Solidariedadedos Povos Afro-Asiáticos e, espe-cialmente, a Associação dos Es-critores Afro-Asiáticos. Portanto,ao longo de três décadas, os es-critores e intelectuais afro-asiáticosreflectiram sobre os problemas dadescolonização cultural, apesardo diferendo ideológico que opunhaa China à União Soviética, naquiloa que se convencionou designarpor conflito sino-soviético.

Apesar da exacerbação dessa criseem 1966, a plataforma passou a sertricontinental com a criação da Or-ganização de Solidariedade dos Povosda Ásia, África e América Latina.

A Associação dos Escritores Afro-Asiáticos contou com a participaçãoactiva de escritores e intelectuaisafricanos, entre os quais angolanos,guineenses, cabo-verdianos e mo-çambicanos. No que diz respeito aessa problemática, os intelectuaisafricanos e afro-descendentes, apartir da Segunda Guerra Mundial,tiveram no período inicial a editorae a revista “Présence Africaine”, si-tuadas em Paris, como dois dos seusmais importantes meios de divul-gação na Europa. A organização dosCongressos de Escritores e ArtistasNegros, em 1956 e 1959,constituíamna época a expressão do nível emque se situavam os debates.

Conferência de MakerereA década de 60 foi crucial, por tersido o período das independênciase das lutas anti-coloniais de liber-tação nacional. Em 1962, a cidadecapital do Uganda, Kampala, aco-lheu a “Conferência de EscritoresAfricanos de Expressão Inglesa”.O problema das línguas europeiasusadas pelos escritores africanose a sua natureza detrimental paraas línguas africanas foi aí intensa-mente debatido.

No colégio universitário de Ma-kerere estiveram os mais proemi-nentes representantes de váriasgerações de escritores. Da ÁfricaOcidental: Chinua Achebe, Wole

Soyinka, John Pepper Clark, ObiWali, Gabriel Okara, ChristopherOkigbo, Bernard Fonlon, FrancesAdemola, Cameron Duodu, KofiAwoonor. Da África Oriental: Ngũgĩwa Thiong'o, Robert Serumaga,Rajat Neogy, Okot p'Bitek, Pio Zi-rimu, Grace Ogot, Rebecca Njau,David Rubadiri, Jonathan Kariara.Da África Austral: Ezekiel Mphahlele,Bloke Modisane, Lewis Nkosi, DennisBrutus, Arthur Maimane. Das diás-poras africanas: Langston Hughes.

Durante as décadas de 70 e 80,o problema das línguas europeias,a crítica literária, o ensino das li-teraturas africanas e o cânone li-terário dominaram os debates. Parapoupar tempo ao leitor e melhorcompreensão desses debates, façouma sugestão: a leitura do livro doautor destas linhas, “Alumbu. OCânone endógeno no campo lite-rário angolano.Para uma herme-nêutica cultural”.Pode ser útil.

Descolonização e Filosofia da Literatura

Ora, enquanto os escritores, crí-ticos literários e investigadores dasliteraturas africanas andavam ocu-pados com essas problemáticas,nesse período os filósofos africanosandavam confinados no seu espaçolabiríntico, discutindo a definiçãodo que se podia entender por fi-losofia africana. Tendencialmente,é no domínio dos estudos literáriosque o debate sobre o problema daslínguas europeias evoluiu. A ideiade ruptura a que as literaturas afri-canas davam origem permitiu que,no princípio da década de 80, acoabitação de gerações de escritorese críticos literários revelasse a pos-sibilidade de uma nova tematização.

Introduz-se um tópico novo, aproblemática da descolonizaçãotéorica e cultural. Essa mudançade focagem tem a sua manifestaçãoem 1975, na Nigéria, quando trêsprofessores universitários nigeria-nos, Chinweizu, Onwuchekwa Je-mie e Ihechukwu Madubuikepublicam um artigo na revista“Transition” com o título “Towardthe Decolonization of African Li-terature.African Fiction and Poetryand Their Critics” (Para a Desco-lonização da Literatura Africana.Ficção, Poesia e seus Críticos).Cinco anos depois, esse artigo deu

origem a um livro de 320 páginascom o mesmo título a que outrofilósofo ganense, Kwame AnthonyAppiah, considerou ser um “ma-nifesto clássico africano de nacio-nalismo cultural”.

Nessa altura, ocorriam seme-lhantes sintomas no campo da filo-sofia. Por isso, regista-se umaconvergência relativamente à pro-blematização do processo de des-colonização das línguas, literaturase conceitos. Estamos em presençada génese da Filosofia da Literatura.Filósofos, escritores e críticos literáriospublicam livros sobre o tema.

O filósofo ganense Kwasi Wiredunarra uma anedota relevante queassinala a formulação inicial doseu “pensamento descolonizado”.Ouso do enunciado “descolonizaçãoconceptual” ocorreu pela primeiravez em Junho de 1980, na confe-rência da UNESCO sobre o ensinoe investigação da filosofia em África,realizado em Nairobi. No regressoao Ghana e em trânsito pelo aero-porto de Lagos, Wiredu adquiriuo livro dos autores nigerianos, járeferido. Seis anos depois, Ngugiwa Thiong’o publica o seu “Deco-lonizing the Mind. The Politics ofLanguage in African Literature”(Descolonizando o Espírito. A Po-lítica da Língua nas LiteraturasAfricanas). Por isso, Kwasi Wireducom elevada humildade intelectualnão hesita em reconhecer que “anecessidade de descolonizaçãomobilizou mais rapidamente osescritores africanos e os investi-gadores das literaturas africanasdo que da filosofia africana”.

Os Cinco e o anti-colonialDebater o alcance e o sentido deconceitos como anti-colonial, des-colonização, decolonial e pós-co-lonial implica conhecer o universodiscursivo em que estas unidadeslexemáticas ocorrem do ponto devista histórico. Para o caso dosCinco Países Africanos de LínguaPortuguesa, revela-se necessáriocompreender a razão que justificoua criação da Liga dos Escritores dosCinco, em 1987.Os seus funda-mentos históricos residem exac-tamente no sentido comunitárioque os escritores e intelectuaisdestes países atribuem à acção an-ti-colonial e descolonizadora. Neste

capítulo, as colectâneas de textosanti-coloniais dos “Cinco”(Afri-can Liberation Reader: Docu-ments of the National LiberationMovements), organizadas pelomoçambicano Aquino de Bra-gança e o norte-americano Im-manuel Wallerstein constituemuma fonte preciosa. Por essa ra-zão, a consagração académicados chamados “Estudos Pós-coloniais” no século XX, espe-cialmente nas universidadeseuropeias, americanas e aus-tralianas, representa a expressãode respostas que as elites dasantigas potências coloniais eimperiais encontram peranteas crises das suas “metanarra-tivas” legitimadoras.

V.Y.Mudimbe e a arqueologiada gnose africanaEm 1988, o escritor e filósofo de-mocrata-congolês V.Y. Mudimbepublicou um livro igualmenteseminal para a compreensão doprocesso de desconstrução danarrativa colonial, –“The Inven-tion of Africa. Gnosis, Philosophy,and the Order of Knowledge”,(A Invenção de África. Gnose,Filosofia e a Ordem do Conhe-cimento) – com o qual elaboraaquilo a que denomina “arqueo-logia da gnose africana”, isto é,o estudo do sistema de conhe-cimento em que se inscrevem asgrandes questões filosóficas afri-canas, nomeadamente, o estilode “africanização”do conheci-mento e o estatuto dos sistemastradicionais de pensamento.Cabeaí a definição dos limites semân-ticos às unidades lexemáticasque suscitam interesse, tais como“colonial”, “colonialismo” e “co-lonização”. Elas conformam oobjecto dos contra-discursos,isto é, o sistema de organizaçãode tipo europeu a que estão as-sociados os seus agentes, os co-lonos, os que colonizam umaregião, e os colonialistas, que ex-ploram um território pelo domíniode uma maioria local.

Kwasi Wiredu e o debateO mérito de Kwasi Wiredu re-side no facto de o seu projectode descolonização conceptualsuscitar debate ainda hoje,após quatro décadas desde asua apresentação.

O projecto integra uma agendade pesquisa que se articula a umaoutra linha que consiste em for-mular o pensamento modernoem línguas africanas. Um dosdebates recentes tem os seus opo-nentes em Ndubuisi Osuagwu eJonathan O. Chimakonam, doismembros da Escola Filosófica deCalabar, da Nigéria. Põem emcausa as teses do recurso a téc-nicas de base linguística, em vir-tude de serem equivalentes à“manipulação conceptual”, quenão contribui para o progressono pensamento africano.

Entre os defensores do projectoestão dois professores de filosofiada Universidade de Witwatersrandda África do Sul, o nigeriano Ed-win Etieyibo, editor do livro “De-colonisation, Africanisation andthe Philosophy Curriculum”(Descolonização, Africanizaçãoe Currículo de Filosofia), 2018,e a sul-africana Mary Carman,que considera injustas as objec-ções às teses de Kwasi Wiredu,na medida em que aos seus au-tores escapa o conhecimento dosuporte teórico do trabalho noseu conjunto, cujo núcleo centralexplora um caminho útil e viávelpara enfrentar os desafios da fi-losofia de descolonização.

* Ensaísta e professor universitário

CONTRA-DISCURSO SOBRE O COLONIALISMO

A descolonizaçãoconceptual em África

DR

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TURISMO18 Domingo23 de Agosto de 2020

ESTANISLAU COSTA | EDIÇÕES NOVEMBRO

Situado a sensivelmente dez quilómetros a Norte da cidade do Lubango,o mercado do Mutundo movimenta, diariamente, milhões de kwanzas,

a julgar pela quantidade, qualidade e diversidade dos produtostransaccionados e dos serviços prestados

Estanislau Costa | Lubango

O movimento no mercadoé quase imparável de ter-ça-feira a sábado. Domingoe segunda-feira são diasreservados para a limpeza.Há quem diga, paradoxal-mente, que o mercado doMutundo, “além de nãodormir, acorda cedo”.

No local são comerciali-zados produtos para todosos bolsos e gostos, com realcepara a diversidade de ani-mais, vestuário, bebidas,hortaliças, frutas, mobiliário,electrodomésticos, acessó-rios de viaturas, material deconstrução civil e escolar,madeira, medicamentos tra-dicionais e convencionais,enfim, tudo o que pode atrairo olhar dos clientes.

Mutundo foi desenhadoe erguido por uma empresachinesa. Em 2011 o recintofoi inaugurado, com as in-fra-estruturas de apoio aocuparem uma área de 84hectares e uma disponibi-lidade para mais de seismil vendedores.

Compõem o mercado doMutundo 20 lojas, sete ar-mazéns, dois espaços enor-mes onde estão instaladosbancos comerciais, servi-ços de telefonia móvel, ad-ministração, segurança,balneários e sistemas de

conservação de produtosfrescos. Estão implantadasáreas de abate de animais,atendimento e recreação dascrianças, posto médico, re-feitório, padaria e parque deestacionamento.

Para corresponder à de-manda, novas barracas co-bertas com chapas de zincoforam erguidas.

Oriundos do TchiocoImporta realçar que um nú-mero considerável dos ven-dedores do Mutundo éoriundo do ex-mercado doTchioco, um local, na altura,desprovido de condições mí-nimas para o exercício daactividade mercantil.

Anastácia Jambela, 45 anos,é um dos exemplos. Apesarda resistência em sair do antigomercado, considera o Mu-tundo um “bem incomen-surável” - principalmentepara a população desempre-gada - que “abre as portas aoempreendedorismo, comrealce para as pessoas combaixa escolaridade”.

Transcorridos seis anosdesde que está no Mutundo,Anastácia Jambela contouque os resultados são satis-fatórios. “Tenho uma casa,toda ela mobilada. Sustentotrês filhos com idades com-preendidas entre os sete e os12 anos de idade”, disse, su-

blinhando que o novo mer-cado tem sido a sua “tábuade salvação”.

“A minha vida seria umaamargura se não fosse o mer-cado do Mutundo, onde co-mercializo tomate adquiridono Namibe e batata rena cul-tivada na Matala. Quandoesses produtos desaparecemcompro um atado de fardo erevendo as peças noutrospontos da cidade”.

A jovem Cecília Kassindapresta serviços a uma outrasenhora que possui um con-tentor com cereais (milho,massango e massambala)adquiridos em Chicomba,Cacula e Lubango. “Receboa crédito os cereais para moere comercializar a fuba a re-talho. Os lucros são razoáveis,dá para manter o fogareirosempre aceso”.

Contou que já está a fazerpoupanças para passar a co-mercializar apenas feijão.“Tenho os contactos feitosna estação do CFM, onde umprodutor do município doCuvango vai passar a mandarcem quilos-mês para vendaa um preço que me vai per-mitir ter lucro”.

Trabalho infantilPaulo Caveke, 13 anos, usao cangulo azul nº2 para otransporte de mercadoria di-versa. Factura diariamente

600 kwanzas. O meio per-tence a um indivíduo queapostou no transporte de pe-quenas mercadorias empre-gando adolescentes, que, nofinal da labuta diária, auferemo mínimo de 200 kwanzas.São visíveis dezenas de can-gulos espalhados no mercadodo Mutundo, alguns nume-rados outros apenas com onúmero de telefone. Despertaa atenção a dinâmica dos ga-rotos a tentar convencer qual-quer cliente, num lamentávelexercício de trabalho infantil.Após um cliente desembarcardo táxi, lá está Paulo Caveke:“Mana, posso te seguir paralevar as compras? É só 300e tem conversa”.

A pequena Mariana ostentauma bandeja com salsichasfritas. “Todos os dias, a tiafrita cinco latas, tempera comcebola e me manda zungarna praça”, contou, informan-do que há mais clientes nasparagens dos táxis ou dos au-tocarros e “nos sítios ondevendem pão”.

Durante o dia, explicou,chega a facturar cinco milkwanzas. A tia usa o dinheiropara comprar mais latas desalsicha e Mariana continuao negócio noite a dentro. Esteano lectivo a menina, quedevia fazer a 5ª classe, estáfora do sistema de ensino“por falta de vagas”.

LUBANGO

O incontornável mercado do Mutundo A importânciado mercado

do Mutundo no processo deescoamento dos produtosdo campo, e não só, motivouo governador provincial daHuíla, Luís Nunes, a constatar“in situ” as condições à dis-posição dos comerciantes.

A companhado p e l oadministrador municipal doLubango, Armando Vieira, ogovernador percorreu as de-pendências do mercado eouviu as preocupações dosvendedores. A falta de águae energia eléctrica foi a prin-cipal queixa.

Os comerciantes lamen-taram os “excessos” dos fis-cais e a insistência de algunscolegas venderem os seus

produtos à beira da estrada,pondo em perigo a integri-dade física dos clientes e dospróprios.

O governador garantiumelhorar as condições devenda no mercado, com real-ce para o abastecimento deágua potável e o fornecimen-to de electricidade. “Todosos utentes do mercado de-vem colaborar para que hajamelhor organização do co-mércio e preservação dosimóveis”, disse.

O administrador munici-pal do Lubango enalteceu avisita do governador, já queo mercado do Mutundo “al-berga uma franja populacio-nal considerável”.

Sem água e energiaConstatação

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TURISMO 19Domingo23 de Agosto de 2020

Feita cicerone, e sempre acompanhada por um cão a que chama de “Ndjipuenu tu Pé Dhiwa” – que na língua dosmucubais significa “Estou na lagoa” –Mariana encaminha os curiosos turistas até à fonte das águas termais e fala

da importância que a lagoa, alimentada pelo rio Curoca, tem para os mais de 800 habitantes da povoação

Vladimir Prata | Pediva

Mariana, uma mulherdo grupoétnico-linguístico kuvale, nãoesconde a satisfação ao ver ogrupo de turistas que acabarade montar as suas tendas bemà margem da lagoa de águastermais da Pediva. Era final detarde de um sábado quente,apesar de ser ainda cacimbo,na região Sudeste do Namibe.Ela aproxima-se do grupo ecumprimenta arriscando um“bô talde” num português comsotaque característico da zona.

Os dez jovens turistas, todosangolanos a residir nas cidadesdo Lubango e Moçâmedes, de-monstram simpatia para coma mulher mucubal, e logo seestabelece uma relação de ami-zade e solidariedade. Mãe desete filhos e em estado de ges-tação, Mariana conta que vivenum sambo ali perto e queajuda o marido a cuidar doscabritos, além de praticar agri-cultura familiar. Do grupo deturistas surge a curiosidadeem saber de onde vem aquelaágua que aquece a lagoa. Feitacicerone, e sempre acompa-nhada por um cão a que chama“Ndjipuenu tu Pé Dhiwa” –que na língua dos mucubaissignifica “Estou na lagoa” –Mariana encaminha os curiososaté a um lugar onde diz ser afonte das águas termais, e falada importância que a lagoa,alimentada pelo rio Curoca,tem para os mais de 800 ha-bitantes da povoação.

Segundo dados apuradospela reportagem do Jornal deAngola, o local pertence, ad-ministrativamente, ao muni-cípio do Virei, mas tem sido“governado” pela administra-ção municipal do Tômbwa.Para se chegar à povoação, po-

de-se fazer o percurso a partirda sede do Virei, mas algunspreferem ir pela estrada doTômbwa, passando pela po-voação do Curoca, num trajectoque leva cerca de três horas apartir da capital Moçâmedes.Na língua local, Pediva, ou “Pédhiwa”, significa Lagoa. Nolocal existem duas piscinasnaturais, uma de águas caldas,outra à temperatura ambiente,normalmente fria, que sãousadas como estâncias bal-neares por turistas aventureirose pelos habitantes, que tambémdão de beber ao gado. Apesarde estar no meio do deserto,numa zona que chega a ficaranos sem chover, a água daPediva nunca seca, mesmoquando o intermitente rio Cu-roca fica deserto.

“Kambas do deserto”O governador provincial doNamibe, Archer Mangueira,chegou a visitar a povoação daPediva recentemente, e falouà imprensa que o local tem po-tencial para desenvolver o tu-rismo, devido à sua belezapaisagística. Movidos pela cu-riosidade e pelo espírito deaventura, um grupo de dez jo-vens, que se auto-intitulou“Kambas do deserto”, orga-nizou-se para conhecer a lagoaque é catalogada como pontode atracção turística mas quemuita gente ignora. No meiodo grupo dos jovens, apenasuma pessoa domina o trajectoaté ao local.

Mário Sousa é guia turísticohá mais de uma década, e co-nhece o deserto do Namibequase como a palma da própriamão. Ele sugere o percurso peloVirei, com partida marcadapara as 22 horas de uma sex-ta-feira. O objectivo é passara primeira noite rodeados de

plantas Welwitschia Mirabilis,acampando entre as colinasda Facaia. A lua, a caminho doquarto minguante, fez-se fielcompanhia da caravana de trêsviaturas todo-o-terreno aolongo do trajecto de quatro ho-ras, desde a cidade de Moçâ-medes, entre asfalto, viasterraplanadas e picadas, até àzona proposta pelo guia. A pri-meira paragem deu-se numposto de controlo e rastreio daCovid-19, à entrada do territóriodo Virei, perto do famoso montePico do Azevedo.

Feita a recolha de dados edepois de medida a tempera-tura dos turistas, o grupo con-tinuou por mais duas horasaté a zona da Facaia, ondemontou-se o primeiro acam-pamento. O brilho do luar per-mitia vislumbrar as silhuetasdas montanhas de pedra quecompõem as colinas. Mas onascer do dia foi naturalmenteesplêndido para os aventureiros“Kambas do deserto”.

Cenário cinematográficoA viagem seguiu, já a meio damanhã, em direcção à estaçãoarqueológica de Tchitundo-Hulo. A partir da sede muni-cipal do Virei, foram mais 27quilómetros de picada paraver as pinturas e gravuras ru-pestres mais famosas de An-gola. Um sonho que não setornou realidade para este gru-po de turistas, por ter sido im-pedido de aceder à estaçãopelas autoridades locais, quealegaram receio de contágiopor Covid-19.

Ficou assim gorada todauma expectativa, por conta dapandemia que mudou o mun-do. Restava aos aventureirosfazer outros 105 quilómetros,em quatro horas de picadas,até chegar às portas de mais

um oásis no meio do desertodo Namibe. Logo à primeiravista, a natureza que circundaa região fez esquecer a frus-tração de não terem visto aspinturas e gravuras feitas peloshomens do antigamente. A be-leza indescritível que carac-teriza as formações rochosasno curso do rio Curoca, parti-cularmente na Pediva, faz pen-sar que foram esculpidas pelamão divina.

A aridez das montanhas nãoimpede que alguns arbustosgerminem teimosamente. Apalidez e a frescura que carac-terizam a região deixam umasensação de alívio e de cura aocorpo e à alma dos visitantes.Nesta época em que as chuvaspararam, é possível caminharpor entre as pedras do rio e ba-nhar-se em pequenas poçasde água fresca.

Entretanto, dormir e acordarà margem da lagoa de águastermais, em pleno cacimbo é,garantidamente, uma expe-riência que se quer repetir. Anévoa, às primeiras horas damanhã, faz pensar num ce-nário cinematográfico.

Júlio César, funcionário ban-cário que integrava a caravana,era um homem visivelmentefeliz depois de explorar a região.Ele é de opinião que se devefazer investimentos no localpara melhorar o acesso às pis-cinas naturais, a fim de atrairmais turistas que poderiampagar uma taxa de acesso aolocal, gerando rendimento paraos habitantes da Pediva.

“Não é necessário construiraqui um hotel ou resort; bastacriar condições para aquelesque gostem de fazer campismo,de forma a encontrarmos sa-tisfação e lazer sem provocargrandes impactos sobre o meioambiente”, sugere.

AVENTURA NO DESERTO DO NAMIBE

“Ndjipuenu tu Pé Dhiwa”

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ENTREVISTA20 Domingo23 de Agosto de 2020

Pela primeira vez, as Festas de Nossa Senhora do Monte,por causa da Covid-19, decorreram (1 a 31 de Agosto) comum figurino completamente diferente, sem os habituaisbanhos de multidão com manifestações fervorosas dedevoção e fé. A procissão e a missa ficaram reduzidas à

participação de um número limitadíssimo de pessoas. Ementrevista a este Caderno, o padre Francisco Artur,assistente arquidiocesano para o Santuário de NossaSenhora do Monte, em jeito de balanço, lamentou a

situação, mas manifestou compreensão. Segundo disse,foi “uma edição atípica. Nos entristecemos mas não

perdemos a esperança”

Arão Martins

Que balanço faz das Festasde Nossa Senhora do Montedeste ano, sabendo que aIgreja Católica é a líder dasactividades religiosas?As Festas de Nossa Senhorado Monte, na cidade do Lu-bango, têm a matriz religiosacatólica. Os fundadores destacidade, passados poucosanos, minados pela saudadeda sua terra, quiseram cons-truir uma capelinha comoréplica do Santuário de NossaSenhora do Monte da Ma-deira, Portugal. É assim quecomeçam as Festas de NossaSenhora do Monte no Lu-bango. Em Outubro de 1901,os madeirenses fundadoresdessa cidade foram ter como então responsável da igreja,actualmente catedral, o padreFernando Pessoa da Luz, di-zendo-lhe: “Nós gostaríamosde construir uma capela aojeito da nossa terra, dedicadaà Nossa Senhora do Monte”.O padre acedeu à ideia. Com-praram um terreno, aí paraquem sobe para a actual ca-pela de Nossa Senhora doMonte, do lado direito. Massó em 1902 é que, oficial-mente, se inaugura a pri-meira capela dedicada àNossa Senhora do Monte.Mais tarde, em 1919, é queos lubanguenses de entãocomeçaram a dizer que acapelinha parecia não coin-cidir com o nome de NossaSenhora do Monte. Foi assimque se animaram a compraro novo terreno e construira nova capela, onde se en-contra actualmente.

Afinal, quando é quecomeçou a construção dacapela?A construção começa em1919 e é inaugurada em 1921.Daí em diante as Festas deNossa Senhora do Montetransformaram-se num íco-ne da identidade da própriacidade do Lubango e con-gregavam uma avalanche

de pessoas de Angola e doestrangeiro, proporcionandobenefícios financeiros paraos cofres do Estado.

Tal realidade ainda acontecenos nossos dias?O surgimento da pandemiafez com que a edição desteano, a 118.ª, ocorresse numfigurino completamente di-ferente do habitual. Inicial-mente, a Arquidiocese doLubango, em concordânciacom as autoridades sanitá-rias, fez um programa adap-tado à realidade que se vive.Tivemos uma reunião deconcertação com as legíti-mas autoridades sanitárias,na pessoa da directora pro-vincial Judith Rocheta, dis-cutimos e elaboramos oprograma, ficando acordadoque realizaríamos as Festasmais adaptadas à realidadeactual. Estava no programaa procissão de velas.

Porquê a alteração?A procissão de velas no Lu-bango é tradição. Toda a gentenesse dia, católicos ou não,de perto e de longe, vêm eparticipam. A procissão temuma simbologia muito gran-de na vida das pessoas.Dada a realidade e, sobre-tudo, tendo em atenção oDecreto Presidencial, todostemos a responsabilidadede não permitir focos decontágio. Por isso, tínhamosconcordado que haveria pro-cissão de velas, mas num fi-gurino diferente. A estratégiaque se estabeleceu com asautoridades sanitárias eraque teríamos a missa deabertura no dia 1 de Agosto,mas com um número nãosuperior a 80 pessoas. Issofizemos. Mas o povo nãogostou, pensando que emlugares como praças, res-taurantes e outros, há con-centração de mais gente.Mas, enquanto responsáveiscatólicos, temos responsa-bilidades acrescidas. Também tínhamos a novena,

que são nove dias em que aspessoas acorrem à capelinhapara orações intensivas antesda missa campal, celebradano dia 15 de Agosto.

Cumpriu-se o estatuído noDecreto Presidencial?Realizámos a missa de aber-tura no dia 1 de Agosto e fi-zemos a novena via RádioEcclésia. Estava previsto quena procissão de velas par-ticipariam apenas três car-rinhas. Uma com a imagemde Nossa Senhora do Monte,uma a frente e outra atrás,para evitar muita aglome-ração de pessoas. Esse é oacordo a que chegámos comas autoridades sanitárias.Todos os anos, nós fazemosum documento dirigido àadministração municipal doLubango, na pessoa do se-nhor administrador, parapedir a autorização para aprocissão de velas e a pro-cissão de automóveis do dia15, pela manhã. Dado o novodesenvolvimento da pande-mia, a resposta à nossa so-licitação foi que se autorizavaa missa do dia 15, mas nãocom o número de fiéis quea gente tinha proposto, queera de 300 pessoas, conformea opinião autorizada das au-toridades sanitárias. Quandomuito, segundo a adminis-tração, deveriam participarapenas150 pessoas.

E essa orientação foicumprida?Em cumprimento da res-ponsabilidade que todos te-mos de não fomentar ocontágio, e em conformidadecom as orientações das au-toridades administrativas,e sobretudo em observânciaao Decreto Presidencial,cumprimos com todas asmedidas. Concentramosna esplanada do santuáriode Nossa Senhora do Mon-te, para a homilia, apenas150 pessoas, contra as mi-lhares que participavamem anos anteriores.

PADRE FRANCISCO ARTUR

Festas “atípicas”de Nossa Senhora

do Monte

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EDIÇÕES NOVEMBRO

ENTREVISTA 21Domingo23 de Agosto de 2020

“As pedras da cordilheira do Lubangogritariam feio o pecado da ingratidão”

Em que pé está o projecto deconstrução da basílica?Importa referir que os fundadoresdesta cidade sempre tiveram osonho de construir a basílica deNossa Senhora do Monte. Este sonhonunca foi concretizado por situaçõesde vária ordem. Supomos que hoje estamos em con-dições de reavivar esse sonho. Oslubanguenses sonham com umagrande igreja a que chamariam Ba-sílica de Nossa Senhora do Monte,onde Maria poderia acolher todosos seus filhos, para a celebraremdignamente. A Arquidiocese do Lu-bango está no momento de con-quistar vontades para ressuscitaresse projecto. Tenhamos presenteque as vantagens de construir essabasílica não seriam só religiosas.Conforme acontece com outros san-tuários, além da vertente religiosahá vantagens económicas e finan-ceiras para o Estado.

Os ganhos podem ser extensivosaos empresários?Se um dia os empresários, as au-toridades governamentais, as au-toridades administrativas, os fiéiscatólicos, e não só, nos agarrássemose nos uníssemos para construir a

Basílica de Nossa Senhora do Monte,as vantagens seriam, primeiramente,mantermos essa identidade do Lu-bango como cidade da Senhora doMonte. Se um dia perder as Festasde Nossa Senhora do Monte, Lu-bango não terá identidade no con-certo das cidades de Angola e doMundo. Por outra, com a avalanchede pessoas que vão ter de se hos-pedar e levar alguma lembrança,a cidade sai a ganhar na perspectivado turismo. Por isso, precisamoslevantar a cabeça e pensar não sóna perspectiva religiosa.

Por que a prática de exercíciosfísicos está proibida nas escadasda Capela de Nossa Senhora doMonte?Está proibida em acordo com as au-toridades. É uma questão educativa,porque aquele lugar é, antes detudo, religioso, sagrado e santo. Éainda um lugar de recolhimento.Mesmo para aquele que não se revejano aspecto religioso, aquele lugarpode servir para reencontrar-se,para perspectivar e balancear a suavida. A prática de exercícios físicosfaz perder a identidade do lugar.Aquele que vai reencontrar-se consigomesmo deve estar a sós. A presença

dos irmãos a fazer exercícios físicosatrapalha a concentração de quemvai ali com outro propósito. Para o bem de todos nós, a igrejaestá a fazer o resguardo desse lugar.A capelinha e o santuário da NossaSenhora do Monte não são proprie-dade da Igreja Católica, são patri-mónio comum dos lubanguenses.Os católicos do Lubango só fazemo resguardo. Deveríamos ter feitoo mesmo com o Cristo-Rei.Esses lugares de turismo religiosorepresentam o cartão-de-visita doLubango. A sua conservação dependede todos nós, a Arquidiocese do Lu-bango é simplesmente a guardiã.Se um dia deturparmos esses lugares,as gerações vindouras nos criticarão.E aqueles que nos precederam olha-rão para nós como os que não foramdignos da passagem do testemunhoque recebemos deles. As própriaspedras da cordilheira do Lubangogritariam feio o pecado da ingratidão.Oxalá que este pecado não pesesobre os presentes, que somos nóshoje. As novas gerações e as de ama-nhã esperam que a gente lhes guardee lhes transmita, com fidelidade,este ícone da identidade do Lubangoque são as Festas de Nossa Senhorado Monte.

“Ficamos com um aperto no coração”Em função desta realidade,qual é o balanço que seimpõe fazer?É positivo. Mas, em relaçãoao que estávamos habituados,ficamos com um aperto nocoração. As Festas de NossaSenhora do Monte são cen-tenárias. São a bandeira e oícone da cidade do Lubango.Recebemos telefonemas demuitas pessoas a reclama-rem. O sentimento que in-terpretamos, daquilo que aspessoas estão habituadas doprograma religioso das Festasde Nossa Senhora do Monte,é de tristeza, embora nós,enquanto Igreja Católica,compreendamos que a rea-lidade que estamos a viverexige, de todos nós, respon-sabilidade. Compreendemostambém as grandes cautelasdas nossas autoridades ad-ministrativas.

Afinal qual é o grandeobjectivo da missa campal?Como sabemos, a cidade doLubango nasce cristã e ma-riana. O acto que marcou ainauguração da cidade foi amissa nos barracões. Por is-so, dizemos que a cidade doLubango nasce cristã. Não co-nheço uma outra cidade deAngola que tenha nascidocom a missa como acto inicial.Os madeirenses para chega-rem cá, em 1885, passarampor perigos no mar. Da actualcidade de Moçamedes, tiveramde vir de carroça, escalandomontanhas. O sentimentodeles era que chegaram vivosde maneira milagrosa, com aprotecção de Deus e, sobre-tudo, por intermédio da Vir-gem Nossa Senhora do Monte.

O que é que se busca com a

procissão?Subir para a Nossa Senhorado Monte é, em primeiro lu-gar, se dirigir a Deus, por in-termédio da Mãe de Jesus,buscando a protecção deDeus, por intermédio tam-bém da Mãe de Jesus, aquino Lubango evocada sob otítulo de Nossa Senhora doMonte. Esse é o sentimento.Em segundo lugar, é umaacção de graças. Agradecerpor todos os benefícios queDeus nos concede ou con-cedeu ao longo do ano. Secalhar, por uma situaçãopessoal ou familiar, a pessoareflecte: “Se cheguei a maisum ano é porque Deus meprotegeu por intermédio deMaria, Mãe de Jesus”. Nós,os católicos, não vemos Mariacomo uma deusa, mas simcomo uma pessoa humanaque mereceu o favor especialde Deus, pelo facto de, atravésdela, ter vindo o nosso Sal-vador. Para quem vai à es-planada de Nossa Senhorado Monte, isso está expressonaquilo que chamamos Arco.O Arco tem uma simbologiamuito grande.

E qual é essa simbologia?O Arco da esplanada de NossaSenhora do Monte representaum útero. Representa a Ma-ternidade da Mãe de Deus quese baixa até aos homens. E oshomens que se apoiarem naMaternidade de Maria podemchegar ao Céu. Por isso, aolado direito tem a imagem deNossa Senhora. Significa que,pela Maternidade de NossaSenhora, pode-se caminhar.Como vemos, a simbologiado útero não é direita. Temaltos e baixos. O seu signifi-cado simbólico é que o ca-

minho do ser humano nuncaé recto. Tem sempre altos ebaixos. Mas, se te apoias naMãe de Jesus, podes chegara Deus. Maria está no Céu,segundo a teologia católica,não por sua própria capaci-dade como deusa. Por isso,a sua imagem está sobre umtriplex. Ela está no Céu porcausa do Pai, do Filho e doEspírito Santo. É uma sim-bologia grande que expressaa teologia e também a ma-riologia na vida dos luban-guenses e de todos os católicos.

Podemos considerar aedição de 2020 das Festasde Nossa Senhora do Montecomo algo completamenteinédito, face à Covid-19?Celebrámos a edição 118.Consideramo-la uma edição

atípica, nos dizeres dos nos-sos dias. Não esperávamosque fosse assim. De todasas maneiras, pensamos quecada período da história temo seu desafio. Admiramos enos entristecemos, mas nãoperdemos a esperança.Já existiram várias pande-mias, mas que tivesse atingidotodo o mundo, a Covid-19deve ser a única. É uma liçãoque fica para o Homem, porcausa dos abusos técnicose científicos. A ciência e atécnica, quando colocadasna mão de um ser humanoque não tenha ética e prin-cípios religiosos, são pioresque o demónio. Oxalá essapandemia não tenha sidofruto da não ética e da nãomoral do ser humano. Nãoé que Deus nos tenha aban-

donado, mas que foi umaedição atípica, isso foi.

Como é que os fiéiscatólicos em Luanda enoutras partes do Mundo semanifestaram, por nãoterem podido estar noLubango?Não realizamos as Festas deNossa Senhora do Monte co-mo gostaríamos, face à rea-lidade que estamos a viver.E isso é compreensivo. Ti-vemos que obedecer àsorientações das nossas au-toridades sanitárias. Estamosa pedir que não percamos afé. E que continuemos, talcomo aqueles que nos an-tecederam nessa cidade. Con-tinuemos a rezar para queesta pandemia passe quantoantes e voltemos, querendo

Deus, a celebrar as Festas deNossa Senhora do Monte comtoda a pompa e circunstância.Todos manifestaram tristezapor não estarem presentes.Deus nos ajudará. Vamos sairdessa situação.

“Se um dia perderas Festas de NossaSenhora do Monte,Lubango não terá

identidade noconcerto das

cidades de Angola edo Mundo”

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REPORTAGEM22 Domingo23 de Agosto de 2020

André da Costa

A ideia, implementadapelocomandante municipal deViana da Polícia Nacional,subcomissário Gabriel Ca-pusso, consiste em motivaros jovens a largar o crime,enveredando por uma ac-tividade socialmente útil.Para tal, receberam equi-pamento para fazer bolo epão, máquinas de timbra-gem de camisolas e cha-péus e kit para engraxarsapatos. A partir de agora,os jovens estão preparadospara iniciar o próprio ne-gócio, a título individualou em cooperativa. A iniciativa da Polícia Na-

cional em Viana é apoiadapor empresários locais e jáatraiu centenas de jovensque realizavam assaltos àmão armada na via públicanos bairros Kapalanca, BoaFé, Miru e Zango.Miguel António, 19 anos,

frequentou, durante 15 dias,a formação em empreen-dedorismo num centro deformação profissional emViana. “Aprendi que o em-preendedorismo é um pro-cesso que consiste em fazer

negócio sendo um visionário,proactivo, inovador e semmedo de arriscar”, disse àreportagem do Jornal de An-gola. Acrescentou que, como apoio da Polícia Nacionale dos empresários, vai “lutarpara colocar em prática osensinamentos aprendidosdurante a formação”. Bruno João, ex-integrante

da gangue “PDP”, que faziaassaltos e protagonizavarixas com outros grupos noKapalanca, recebeu o cer-tificado de formação pro-fissional e aguarda, ansioso,pelo primeiro emprego.“Prometo que serei um outroBruno. Vou trabalhar paraajudar a minha família nosustento de casa e jamaisvoltar ao mundo do crime,que só me trazia problemas”,garantiu, salientando quetem incentivado outros ami-gos a deixarem o crime e aabraçarem a vida profissio-nal decente.

Adesão ao profissionalismo Jovens ex-integrantes dosgrupos denominados “UP”e “O Resto do Mundo”, numtotal de 56 elementos, quedesenvolviam acções ma-

léficas no bairro Miru, com-pareceram no Comando Mu-nicipal de Viana decididosa largar o mundo do crimee abraçar a formação pro-fissional. José Chitato,21 anos,era o líder do grupo “O Restodo Mundo”. O mesmo afir-mou à nossa reportagem quetomou a decisão de aban-donar o crime e abraçar ainiciativa da Polícia Nacionala conselho dos “mais velhosdo bairro”.Amadeu Manue l , 2 3

anos, realizava assaltos navia pública, segundo disse,“para sobreviver”. Contouque a ocupação profissionalproporcionada pela forma-ção o vai motivar a “largaro crime e a ser mais útil nasociedade”. Salvador António, 18 anos,

também pertenceu aos“PDP”. Segundo revelou,aderiu a este grupo há cincoanos “por influência de ou-tros amigos do bairro Ka-palanca”. “Divertiam-se” abrigar com grupos rivais comcatanas, facas e cacos degarrafa. Há duas semanas,contou a esta reportagem,encontrou a namorada, de13 anos, em “relacionamento

íntimo” com um integrantedo grupo “Os Cravera”. In-conformado, mobilizou maisde quinze elementos dos“PDP” e meteram-se a lutarna via pública com o gruporival, composto por maisde 20 elementos. Da luta re-sultou o ferimento de inte-grantes de ambos os grupos,além do facto de a populaçãoter entrado em pânico. A mãe de Salvador Antó-

nio, Josefa Moisés, disse queantes já tinha aconselhadoo filho a deixar a “vida degrupo”, mas sem sucesso. Asua esperança agora é a for-mação profissional propor-cionada pela Polícia Nacional.Filipe João, mais conhe-

cido por “Papa da Madru-gada”, 18 anos, é o criadordo grupo “PDP”. Inicial-mente o seu objectivo, peloque disse ao Jornal de An-gola, era “somente” orga-nizar festas de rua. Com opassar do tempo, “algunsintegrantes do grupo come-çaram a fumar liamba e aconsumir álcool, a roubar ea fazer confusão no bairro”.Ele garante que parou de en-trar em brigas e de roubar.Só que não é a primeira vez.

“No ano passado parei deroubar, devido aos conselhosdos meus pais e tios, mas,com a coragem dos amigos,voltei a roubar. Mas estoudeterminado a parar”, disse. Alberto Delgado, ex-de-

linquente, afirmou que a lutaentre grupos acabou “porquesó sai mortes e sangue e quempaga são pessoas inocentes”.Frisou que foi o conselho docomandante de Viana “quenos alertou que um dia po-deremos perder a vida deforma prematura, se insis-tirmos na conduta desviante”.

Comissões de moradoresPara Domingos Viola, 57anos, coordenador da co-missão de moradores dobairro Kapalanca 3, a cri-minalidade é preocupante,pois os marginais actuam aqualquer hora. “Quando aPolícia intervém, os margi-nais fogem”. O responsável disse estar

preocupado pelo facto dealguns delinquentes estaremidentificados e viverem nobairro. “Os progenitores co-nhecem a vida que os filhoslevam e pouco fazem paraos denunciar”, lamentou.

Os assaltos constantes nobairro levou, o mês passado,os moradores a organiza-rem-se e a dar caça aos mar-ginais. Passaram a patrulharo bairro durante a madru-gada, munidos de apitos pa-ra alertar os vizinhos emcaso de necessidade. “Foiuma situação experimentalque permitiu devolver osossego às ruas do bairroKapalanca”, explicou Do-mingos Viola. Firmino Vidal, coorde-

nador do bairro Kapalanca1, queixou-se de arromba-mentos às cantinas, assaltosà mão armada, ferimentose até morte de cidadãosque resistem aos roubos.Afirmou que o desempregoatira os jovens para a de-linquência naquela zonade Luanda, “sendo que al-gumas meninas tambémandam em caminhos me-nos aconselháveis, devidoao custo de vida”.Eduardo António, 57 anos,

coordenador do bairro Ka-palanca 2, está satisfeito porver marginais afastarem-seda criminalidade. “Só comunião é que se vai combatera criminalidade”, defendeu.

MUNICÍPIO DE VIANA

Ex-delinquentes têm segunda oportunidadeManhã de sábado, quintal do Comando Municipal da Polícia Nacional, em Viana. Vinte e cinco jovens ex-

delinquentes, com idades entre os 16 e os 25 anos, terminaram uma formação em empreendedorismo e estãoperfilados para receber os respectivos certificados. Satisfeitos pela iniciativa da Polícia Nacional, os jovens

também são contemplados com material para começar o próprio negócio EDIÇÕES NOVEMBRO

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REPORTAGEM 23Domingo23 de Agosto de 2020

O advogado Hélder Chiuto contou aos jovensex-delinquentes a sua experiência de vida,marcada por muitas dificuldades. “Tinhacondições para me meter na criminalidade,mas não o fiz, preferindo dar sequência àminha formação académica”, sublinhou. O causídico disse que a luta entre grupos sócausa prejuízos para os jovens e suas famílias.Afirmou que os jovens devem mudar de men-talidade para “evitarem ter problemas coma Polícia”. Para isso “devem fazer um examede consciência, uma vez que o que se plantahoje é amanhã que se vai colher”.Hélder Chiuto felicitou o Comando Municipalde Viana pela iniciativa de tentar reabilitaros ex-delinquentes, qualificando-a de “gestonobre que deve servir de exemplo para outrosmunicípios”.

Juventude de VianaAcácio Cucei, secretário executivo do Conselhoda Juventude de Viana, deu a conhecer queesta organização vai oferecer bolsas paraformação técnico-profissional aos jovensdo município. Afirmou que “dentro de dias”começa a funcionar uma cooperativa que

vai dispor de 200 motorizadas para o serviçode moto-táxi. Os principais beneficiáriosserão ex-delinquentes. “Os jovens serãoacompanhados mediante uma formaçãoprévia”, disse. O empresário Ernesto Chongolola, mais co-nhecido por “Ti Show”, explicou que a atri-buição de 200 motorizadas para o serviçode táxi vai permitir tirar muitos jovens dacriminalidade.

Músico Pai DieselO músico e empresário Timóteo António,que nas lides artísticas é mais conhecido por“Pai Diesel”, abraçou a causa da Polícia Na-cional, pois, segundo garantiu, “pretendever reduzido o número de jovens envolvidosno mundo da criminalidade”. Não basta só tirar os jovens da criminalidade,defendeu. “Também é preciso procurar opor-tunidade para eles deixarem de ganhar opão no mundo da criminalidade. Muitos so-brevivem do crime e quando são retiradosdessa vida é importante dar-lhes dar formaçãoe oportunidade, para com o trabalho crescereme vencerem na vida”.

Gesto que deve servir de exemplo

DR

DR

“Pequenos actos, grandes pessoas”“É um sentimento inigualável ver jovensem conflito com a lei formados e prontospara dar outro rumo às suas vidas, deixandoo mundo do crime. Só Deus sabe a alegriaque sinto na alma, porque não é um trabalhofácil, uma vez que temos a responsabilidadeacrescida de garantir a ordem e a tranquilidadepública em Viana”, afirmou Gabriel Capusso,comandante municipal da Polícia Nacional.

O responsável disse que a Polícia“teve que encontrar uma estratégia dealiar-se aos jovens ex-delinquentespara que as zonas onde habitam se man-tenham tranquilas”.

Gabriel Capusso acrescentou: “Os pe-quenos actos fazem grandes pessoas”.

“Vamos continuar a trabalhar para queesse projecto siga em frente e as pessoasacreditem no trabalho que realizamos comos jovens.Com a ajuda dos empresários,sociólogos, psicólogos, músicos e outrasvalências, é possível tirar esses jovens domundo do crime e eles próprios se auto-sustentarem. A prisão não é a solução doproblema dos jovens que andam no de-semprego, drogas e bebedeiras e procuramformas de sobrevivência infringindo a lei”,realçou o comandante.

“Conseguimos baixar os roubos de via-turas, as agressões físicas e os homicídios,fundamentalmente os ocorridos em ambientefamiliar, bem como o roubo no interior deresidências”, destacou.

O comandante Gabriel Capusso disseque a ajuda do empresariado vai permitirencontrar as melhores soluções para afastaros jovens do crime e sublinhou que asigrejas, e particularmente os pastores, “de-vem também ajudar os jovens a sair domundo do crime”.

O balanço feito pela Polícia Nacional nosúltimos tempos permitiu concluir que ocrime baixou consideravelmente na zonado Kapalanca, onde integrantes de váriosgrupos que tiravam o sossego às populaçõesestão a beneficiar de formação profissional.Os jovens estão empenhados em manter aacalmia no bairro e não permitem o come-timento de acções criminosas. “Não estoua dizer que o crime vai acabar, mas aquelaturbulência que tinha a zona do Kapalancajá é diferente em relação a outras áreas ondeexistem jovens em conflito com a lei”, ga-rantiu o comandante municipal de Vianada Polícia Nacional.

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VIDA24 Domingo23 de Agosto de 2020

O repórter fotográfico Santos Pedro, da Edições Novembro, proprietária do Jornal de Angola, sagrou-se, dia 15 deAgosto, vencedor da categoria de Fotografia do Prémio SADC de Jornalismo, edição de 2020. Santos Pedroconcorreu com fotografias que põem em evidência a unidade regional, durante a comemoração do Dia da

Libertação da África Austral (23 de Março), devendo receber como prémio mil dólares

Rodrigues Cambala

O repórter fotográficoSantosPedro, da Edições Novembro,proprietária do Jornal de An-gola, sagrou-se, recente-mente, vencedor da categoriade Fotografia do Prémio SADCde Jornalismo, edição de2020. Santos Pedro concorreucom fotografias que põemem evidência a unidade re-gional, durante a comemo-ração do Dia da Libertaçãoda África Austral (23 de Mar-ço), devendo receber comoprémio mil dólares.

O repórter fotógrafo SantosPedro, 52 anos, começou afotografar em 1987, em Luan-da, num estúdio do seu tio.“O meu tio tinha os equipa-mentos todos, mas não haviaquem os manejasse. Aceitei,na altura, o desafio de poderexplorar o material”, recor-dou, para lembrar que contoucom as aulas de um outrotio, de nome Santos Garcia,

que era, na época, fotógrafoda então Assembleia do Povo,actual Assembleia Nacional.

“Todos os dias, quandoele voltasse a casa à hora doalmoço, dava-me aulas defotografia”, lembrou.

Anos depois, o negóciocresceu e, com os ganhos,abriu um segundo estúdiode fotografia na zona da Sam-ba, em Luanda.

Santos Pedro diz que sóem 1995 iniciou a verdadeiracarreira profissional, quandoentrou para os quadros daEmpresa Nacional de Foto-grafia (ENFOTO). Três anosdepois, filiou-se à UJA (Uniãodos Jornalistas Angolanos).Trabalha para o Jornal deAngola, desde 2007, na Edi-toria de Fotografia.

“Dedico o prémio, pri-meiro, à família que é sempresacrificada com a minha au-sência, devido ao trabalho,algumas vezes no interior eoutras no exterior do país.Em segundo, aos colegas do

Jornal de Angola, desde mo-toristas, fotógrafos, redactorese editores”.

Ao afirmar que ganhougosto pela fotografia ao lon-go do tempo, Santos Pedroadmitiu que na infânciaqueria ser mecânico indus-trial ou militar.

Escrevo com a máquina fotográfica“O grande incentivo vem doscolegas, sobretudo quandoficam impressionados comuma fotografia”, disse, paraacrescentar que “enquanto

os meus colegas jornalistasescrevem com uma caneta,eu escrevo os acontecimentoscom a máquina fotográfica”.

Entre outras formações noramo, Santos Pedro recebeuaulas de Carlos Guimarães,um antigo fotógrafo que tra-balhou nos anos 70 na Pre-sidência da República, e deBernardo Sousa que, também,foi fotógrafo da Presidênciana década de 90. Por via doJornal de Angola, fez formaçãocom especialistas do JornalEl Mundo e na Argentina.

Com a distinção de SantosPedro, passa a ser a segundavez consecutiva que um fo-tógrafo do Jornal de Angolaé mencionado no PrémioSADC de Jornalismo, na ca-tegoria de Fotografia.

O primeiro foi João Go-mes, outorgado no ano pas-sado, cujo trabalho retratouJoão Lourenço, na altura mi-nistro da Defesa Nacional,em 2017, numa reunião dosresponsáveis da Defesa e Se-

gurança da SADC, realizadano Centro de Convenções deTalatona, em Luanda.

Já na categoria de Rádio,o vencedor foi o jornalistaangolano Aristides Kito, daRádio Nacional de Angola.O profissional concorreucom uma reportagem sobrea Estátua Cuito Cuanavale,enquanto património mun-dial em Angola. Com essadistinção, o jornalista vai re-ceber um prémio no valorde 2.500 dólares.

Entretanto, ainda na classedo prémio principal, cate-goria de Televisão, o prémiocoube ao jornalista do MalawiAnaniya Ponje, enquanto ode Imprensa escrita ficoucom o zimbabwiano ProsperNdlovo e o de Fotografia,com Godfrey Mpuse, do Bots-wana), todos terão direito a2.500 USD.

No segundo prémio, a cate-goria de Televisão foi ganha pelajornalista zambiana PennipherVida Sikainda-Nyirenda.

O concurso de Jornalismoda SADC foi instituído em1996, em reconhecimento aostrabalhos dos profissionais dacomunicação social da região.

Ministro felicitajornalistas galardoadosO ministro das Telecomu-nicações, Tecnologias de In-formação e ComunicaçãoSocial, Manuel Homem, fe-licitou o jornalista angolanoAristides Kito e o repórterfotográfico Santos Pedro, pe-las distinções no PrémioSADC de Jornalismo 2020.

Em nota de felicitações,o governante realçou que,fruto do empenho e dedi-cação de ambos, o sucessodeve servir de exemplo ins-pirador para outros mem-bros da classe.

Manuel Homem subli-nhou que “foi com grandesatisfação e júbilo que tomouconhecimento dos feitos al-cançados pelo jornalista epelo repórter fotográfico”.

“O grandeincentivo

vem dos colegas,sobretudo

quando ficamimpressionados

com uma fotografia”

SANTOS PEDRO - PRÉMIO SADC DE JORNALISMO

“Escrevo os acontecimentoscom a máquina fotográfica”

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