contos populares portuguezes_a bella-menina
TRANSCRIPT
-
8/19/2019 Contos Populares Portuguezes_A Bella-menina
1/3
Contos Populares Portuguezes/ABella-menina
XXIX
A BELLA-MENINA
Era um homem; vivia n’uma cidade e trazia navegações
no mar, e depois foi elle e deu em decadencia por se lhe
perderem as navegações. Elle teve o seu pesar e não podia
viver com aquella decencia com que vivia no povoado e
tinha umas terrinhas na aldeia e disse-lhes para a mulher
e para as filhas: «Não temos remedio senão irmos para
as nossas terrinhas; se vivemos com menos decencia que
até aqui somos pregoados dos nossos inimigos.»
A mulher e uma filha acceitaram, mas as outras duas fi-
lhas começaram a chorar muito. E depois foram. A que
tinha ido de sua vontade era a mais nova e chamava-se
Bella-menina; cantava muito e era a que cozinhava e ia
buscar herva para o gado, de pés descalços; as outras
mettiam-se no quarto e não faziam senão chorar. Quando
o pae ia para alguma parte, as mais velhas sempre lhe pe-
diam que lhe trouxesse alguma cousa e a mais nova não
lhe pedia nada. Vai n’isto veiu-lhe uma carta d’um amigo
dizendo que as navegações que vinham ahi, que tiveram
noticia e que fosse vel-as.
O homem caminhou mais um creado saber das taes nave-
gações; quando saiu, disseram as suas filhas mais velhas
que se as navegações fossem as d’elle lhes levasse algu-
mas cousas que lhe declararam. E elle disse á mais nova.
«Ora todas me pedem que lhe traga alguma cousa, só tu
não me pedes nada?» «Vou pedir-lhe tambem uma cousa;
onde o meu pae vir o mais bello jardim, traga me a mais
bella flôr que lá houver.» O pae foi e chegou a uma ci-
dade e reconheceu que as navegações não eram d’elle e
foi-se embora com a bolsa vasia. Chegou a um monte
e anouteceu-lhe; elle viu uma luz e dirigiu-se para ella a
ver se encontrava quem o acolhesse. Chegou lá e viu uma
casa grande e estropeou á porta; não lhe fallaram; tornou
a estropear; não lhe fallaram. E disse ao moço: «Vae ahi
por o portal de baixo ver se vês alguem.» O moço foi e
voltou: «Vejo lá muitas luzes dentro e cavallos a comer e
penso para lhe botar; mas não vejo ninguem.»
Então o homem mandou metter o cavallo na cavalhariça e
entraram para a cozinha. Acharam lá que comer e como
a fome não era pequena, foram comendo muito. E n’isto
ahi vem por essa casa adeante uma cousa fazendo um
grande arruido, assim como umas cadeias que vinham
a rastos pela casa adeante e depois chegou ao pé d’elles
um bicho de rastos e disse-lhes: «Boas noites.» E elles
puzeram-se a pé com medo, e disseram-lhe: «Nós vie-
mos aqui por não acharmos abrigo nem que comer n’outra
parte; mas não vimos fazer mal a ninguem.» «Deixai-vos
estar e comei.» Demorou-se um pouco o bicho e disse-
lhes: «Ora ide-vos deitar que eu tambem cá vou para o
meu curral.» E começou-se a arrastar pela cozinha e foi.
Ao outro dia o homem foi ao jardim que era o mais bello
que tinha visto e disse: «Já que não posso levar nada paraas minhas filhas mais velhas, quero ao menos levar a flor
para a Bella-menina…» Estava a cortar a flor e n’isto o
bicho salta-lhe: «Ah ladrão! Depois de t’eu acolher em
minha casa, tu vens-me colher o meu sustento, que eu
não me sustento senão em rosas.» E elle disse: «Eu fiz
mal, fiz; mas eu tenho lá uma filha que me pediu que lhe
levasse a mais bella flor que eu visse na viagem, e não po-
dendo levar nada ás outras filhas, queria ao menos levar
a flor; mas se a quereis ella ahi fica.» «Não, levae-a e se
me trouxerdes cá essa filha, ficaes ricos.» O homem ca-
minhou e chegou a casa muito apaixonado por não trazer
nada ás outras filhas e não achar as navegações e pegou
na flor e deu-a á Bella-menina.
A filha assim que viu a flor disse: «Oh que bella flor!
aonde a achou meu pae?» O pae contou-lhe o que vira e
a filha disse: «Oh meu pae eu quero ir ver.» «Olha que
o bicho falla e disse tambem que te queria ver.» «Pois
vamos.» E foram. A filha assim que viu o tal bicho disse:
«Oh pae eu quero cá ficar com este bicho, que elle é muito
bonito.» O pae teve a sua penna, mas deixou-a. Passado
algum tempo, ella disse: «Oh meu bichinho! tu não me
deixas ir ver os meus paes?» E elle disse-lhe. «Não; tu
não vaes lá por ora; teu pae vem cá.» O pae veiu e disse
ao bicho: «Eu queria levar a rapariga.» «Não me leves
d’aqui a rapariga, senão eumorro e tu vae ali áquella portae abre-a e leva d’alli a riqueza que tu quizeres e casa as
tuas filhas.» O homem que mais quis?
Um dia o bicho disse á Bella-menina: «A tua irmã mais
velha lá vem de se receber; tu queres vel-a?» «Quero.»
«Vae ali e abre aquella porta.» Ella foi e viu vir a irmã
com o noivo e os paes. «Agora deixa-me ir ver o meu
cunhado.» «Eu deixava, deixava; mas tu não tornas.»
«Torno; dá-me só tres dias que eu em dia e meio chego
lá e torno cá n’outro dia e meio.» «Se não vieres n’estes
tres dias, quando voltares achas-me morto.» Ella foi; no
fim dos tres dias ella veiu, mas tardou mais um pouquito
que os tres dias; ella foi ao jardim e viu-o deitado comomorto. Chegou ao pé d’elle: «Ai meu bichinho!» e co-
1
-
8/19/2019 Contos Populares Portuguezes_A Bella-menina
2/3
2
meçou a chorar. Elle caiu e ella disse: «Coitadinho está
morto; vou dar-lhe um beijinho.» e deu-lhe um beijo, mas
o bicho fez-se n’um bello rapaz. Era um principe encan-
tado que ali estava e que casou com ela.
(Ourilhe.)
-
8/19/2019 Contos Populares Portuguezes_A Bella-menina
3/3
3
1 Fontes, contribuidores e licenças de texto e imagem
1.1 Texto
• Contos Populares Portuguezes/A Bella-menina Fonte: https://pt.wikisource.org/wiki/Contos_Populares_Portuguezes/A_
Bella-menina?oldid=324975 Contribuidores: 555 e Liuscomaes
1.2 Imagens
• Ficheiro:75%.svg Fonte: https://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/4/49/75%25.svg Licença: Public domain Contribuidores: Ba-
sed on the XML code of Image:25%.svg Artista original: Siebrand
• Ficheiro:HSArchive.svg Fonte: https://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/c/c3/HSArchive.svg Licença: CC BY-SA 3.0 Contri-
buidores: Obra do próprio Artista original: Mjbmr
• Ficheiro:PD-icon.svg Fonte: https://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/6/62/PD-icon.svg Licença: Public domain Contribuido-
res: Created by uploader. Based on similar symbols. Artista original: Various. See log. (Original SVG was based on File:PD-icon.png by
Duesentrieb, which was based on Image:Red copyright.png by Rfl.)
1.3 Licença
• Creative Commons Attribution-Share Alike 3.0
https://creativecommons.org/licenses/by-sa/3.0/http://localhost/var/www/apps/conversion/tmp/scratch_7//commons.wikimedia.org/wiki/User:Rflhttp://localhost/var/www/apps/conversion/tmp/scratch_7//commons.wikimedia.org/wiki/File:Red_copyright.pnghttp://localhost/var/www/apps/conversion/tmp/scratch_7//commons.wikimedia.org/wiki/User:Duesentriebhttp://localhost/var/www/apps/conversion/tmp/scratch_7//commons.wikimedia.org/wiki/File:PD-icon.pnghttps://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/6/62/PD-icon.svghttp://localhost/var/www/apps/conversion/tmp/scratch_7//commons.wikimedia.org/w/index.php?title=User:Mjbmr&action=edit&redlink=1https://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/c/c3/HSArchive.svghttp://localhost/var/www/apps/conversion/tmp/scratch_7//commons.wikimedia.org/wiki/User:Siebrandhttp://localhost/var/www/apps/conversion/tmp/scratch_7//commons.wikimedia.org/wiki/File:25%2525.svghttps://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/4/49/75%2525.svghttps://pt.wikisource.org/wiki/Contos_Populares_Portuguezes/A_Bella-menina?oldid=324975https://pt.wikisource.org/wiki/Contos_Populares_Portuguezes/A_Bella-menina?oldid=324975