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SIM, A HISTóRIA é IMPORTANTE! O O trabalho de fontes na perspetiva da Educação Histórica Cláudia Amaral Eliseu Alves Elisabete Jesus Maria Helena Pinto O oR Contamos consigo. Conte connosco. EDUCAÇÃO 2012

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Page 1: Contamos consigo. Conte connosco. sim, a história é ... · Professor de História e de História e Geografia de Portugal desde 1990, autor de manuais de História e de História

sim, a história é importante!O o trabalho de fontes

na perspetiva da educação histórica

Cláudia amaral

eliseu alves

elisabete Jesus

maria helena pinto

OoR

Contamos consigo. Conte connosco.

EDUCAÇÃO 2012

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Quem somos?

Cláudia amaralProfessora de História do Ensino Básico e Secundário desde 1997,

autora de manuais de História com a Porto Editora desde 2000. Inves-

tigadora em Educação Histórica no CIEd, Universidade do Minho.

eliseu alvesProfessor de História e de História e Geografia de Portugal desde 1990,

autor de manuais de História e de História e Geografia de Portugal com

a Porto Editora desde 2001.

elisabete JesusProfessora de História do Ensino Básico e Secundário e colaboradora

da Porto Editora desde 2001. Investigadora em História Moderna na

Faculdade de Letras da Universidade do Porto.

maria helena pintoProfessora de História do Ensino Básico e Secundário desde 1991. For-

madora na área do património. Investigadora em Educação Histórica no

CIEd, Universidade do Minho.

Fale [email protected]

O

sim, a história é importante! – história 7.° ano

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sim, a história é importante! – história 7.° ano 3

OContamos consigo. Conte connosco.

EDUCAÇÃO 2012

sim, a história é importante!

o trabalho de Fontes na perspetiva da eduCação históriCa

Ao longo desta ação propomos trazer para debate alguns conceitos e ideias-chave

ligados à Educação Histórica, bem como um conjunto de metodologias desenvol-

vidas a partir das conclusões de vários trabalhos de investigação realizados “no

terreno”, em sala de aula, com alunos e professores portugueses.

Preparámos este “guião” organizando-o missão a missão e acompanhado de um

conjunto de referências bibliográficas, com o objetivo de facilitar o acesso a um

conhecimento mais aprofundado dos temas que iremos trazer a discussão.

missão 1AS POtEnCIALIDADES DA HIStórIA

A melhor forma para motivar um aluno a gostar de História é mostrar -lhe o quanto

esta é importante e o valor que a sua aprendizagem tem. Mas, por vezes, é difícil

passar esta mensagem!

Vivemos no presente e fazemos planos para o futuro, então para que serve conhecer

o passado?

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sim, a história é importante! – história 7.° ano4

OContamos consigo. Conte connosco.

EDUCAÇÃO 2012

Se pensarmos na História como uma disciplina que tem como objetivo a simples

apreensão de factos e conceitos, fazendo referência aos acontecimentos da

Humanidade ao longo dos séculos, nesse caso a História terá uma importância

muito limitada na vida – e nos projetos de vida – dos nossos jovens. É necessário

dar a conhecer aos alunos uma outra ideia, a da História como a ciência que

explica, contextualiza e orienta. Demonstrar que muito do que somos hoje se

explica através do que os nossos antepassados nos foram deixando. Demonstrar

que as sociedades humanas são o resultado do que aconteceu ao longo dos tem-

pos e que esse conhecimento é uma orientação em termos de presente, porque

preenche a necessidade humana de explicação, mas também em termos de

futuro, porque facilita outra necessidade humana, a de orientação. A História dá

sentido ao presente…

no contexto do currículo, se tivermos de elencar potencialidades da História para

a formação dos jovens conseguimos reunir várias:

– capacidade de interpretar, selecionar e organizar informação;

A História, como ciência, é uma modalidade

específica de conhecimento que emerge

das carências que os seres humanos

sentem em “orientar ‑se em função das

mudanças que experimentam no seu

mundo e em si mesmos”. (rüsen, 2001)

vale a pena estudar história?

Vale! Porque muito do que qualquer sociedade é num

certo momento está determinado pelo trajeto que seguiu

até chegar a esse ponto. Quer dizer: o passado explica.

(rui ramos, entrevista à revista Visão, agosto de 2011)

A História ajuda -nos a compreender a mudança e o processo através do qual a nossa sociedade se transformou no que é hoje.

(Stearns, 2008)

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sim, a história é importante! – história 7.° ano 5

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– desenvolvimento de abordagens reflexivas face ao conhecimento, não ficando

limitado a explicações únicas, procurando razões, intenções e lançando hipóte-

ses de explicação fundamentadas;

– capacidade de reconhecer e valorizar argumentos bem fundamentados, dis-

tinguindo assim versões mais e menos válidas;

– necessidade de contextualização dos factos, tentando discernir intencionalida-

des e/ou constrangimentos;

– compreensão do que muda e do que permanece, de situações de crise e de

progresso, evitando atitudes de desistência face a adversidades;

– desenvolvimento de atitudes críticas face ao conhecimento, admitindo a sua

revisibilidade e provisoriedade (características próprias do conhecimento his-

tórico);

– capacidade de orientação no tempo e de projeção de factos e situações no

tempo, acrescida da sua localização em diferentes espaços e sua contextua-

lização – é um exercício complexo, mas desafiador!

numa sociedade que exige cada vez mais uma aprendizagem ao longo da vida,

os conhecimentos e as capacidades desenvolvidos na aula de História são funda-

mentais porque nos ajudam a lidar com informação de uma forma crítica, a pes-

quisar e a avançar hipóteses de explicação, novas pistas… competências atual-

mente valorizadas nas mais diversas atividades profissionais.

Mas, para desenvolver estas capacidades, é necessário refletir sobre outra ques-

tão: que história ensinar? A resposta não reside no tipo de conteúdos a explorar

mas na abordagem: a Educação Histórica…

A História potencia o desenvolvimento de competências que são consideradas importantes no mundo atual, tais como a capacidade de refletir sobre o conhe-cimento, analisando a informação e respeitando as evidências, a capacidade de reconhecer e valorizar argumentos bem fundamentados, o desprezo pela mera polémica e a procura de contextualização, tentando compreender a inten-ção de cada discurso ou ato.

(Howson, 2009)

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sim, a história é importante! – história 7.° ano6

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missão 2O QUE É A EDUCAÇÃO HIStórICA?

Algumas abordagens educacionais e modelos historiográficos têm sido criticados

por não desenvolverem nos alunos um sentido de análise crítica, que lhes permita

responder à necessidade quotidiana de fundamentar escolhas, lançar hipóte‑

ses e tomar decisões. A crescente preocupação de que a escola seja um espaço

de preparação dos jovens para a vida em sociedade tem apontado diferentes

caminhos que se trilham em função de valores que, em cada uma dessas socie-

dades, convergem ou divergem de princípios partilhados pelos defensores de um

ou outro modelo historiográfico, como valores comuns e ideais a partilhar. Em

Portugal, o ensino da História tem integrado o resultado das pesquisas realizadas

numa área de investigação que alarga o âmbito da disciplina de História: a edu‑

cação histórica.

Esta abordagem teve o seu início em Inglaterra, em finais dos anos 70, e afirmou-

-se progressivamente nas décadas seguintes, alargando -se a diversos países e

chegando a Portugal em 2000, com os estudo pioneiros de Isabel Barca1. Em opo-

sição a um modelo conceptual proposto por Piaget, possível de ser aplicado

a todas as áreas do saber, os investigadores deste movimento procuram com‑

preender as formas como crianças e jovens constroem o conhecimento histórico

(Barca, 2000). no âmbito da orientação de inspiração construtivista, a linha de

investigação em Educação Histórica coloca o enfoque na análise das ideias e

dos processos de aprendizagem dos alunos. Os resultados de diversos estu-

dos apontam para a ideia de que os alunos constroem as suas ideias sobre o

passado partindo de uma variedade de fontes como os media, o seu ambiente

1 Esta investigadora lidera uma linha de investigação em Educação Histórica sediada na Universidade do Minho mas com ramificações em todo o país, no Brasil, em Angola, Moçambique e Cabo Verde. É revisora científica e pedagógica dos manuais Descobrir a História e do manual de 7.° ano da nossa equipa (Cláudia Amaral, Eliseu Alves, Elisabete Jesus e Maria Helena Pinto), a apresentar em breve.

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sim, a história é importante! – história 7.° ano 7

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familiar ou os seus pares. Algumas destas ideias diferem ou mesmo contradi-

zem aquelas que são trabalhadas na escola; assim sendo, torna -se importante

que os alunos desenvolvam competências que lhes permitam construir explica-

ções históricas com base em dados convergentes, divergentes ou mesmo contra-

ditórios mas sempre com a preocupação de aprender a validar as melhores res-

postas históricas.

na sequência desta proposta, a preocupação com o uso de múltiplas versões

em história tem sido enfatizada por vários investigadores nas últimas décadas,

defendendo a ideia de que a multiplicidade de versões não retira “cientificidade” à

História. Lee (2002) afirma que existem diferentes tipos de passado baseados

em diferentes modos de leitura do presente. nesta linha de pensamento,

assume -se que os estudantes, tal como os historiadores, podem trabalhar com

diferentes explicações analisando a sua validade através do cruzamento de infor-

mações fornecidas pelas fontes. Esta ideia parece fundamental para evitar situa-

ções de relativismo exagerado e não fundamentado, que levam os alunos a acei-

tarem todas as opiniões e pontos de vista como igualmente válidos.

A investigação tem contribuído para revelar que os nossos jovens pensam histori-

camente e que quando o fazem mobilizam várias dimensões do pensamento que

passam pela compreensão, interpretação, análise crítica, contextualização e

comunicação. A investigação na linha da Educação Histórica tem contribuído para

tornar visíveis essas potencialidades da História, mas também para a valorização

da mesma no currículo, pois os conhecimentos, capacidades e aptidões desenvol-

vidas pela História contribuem claramente para o que se pretende em termos de

metas curriculares do ensino básico.

A educação histórica preocupa -se em desenvolver metodologias que per-mitam ao aluno desenvolver a capacidade de formar pontos de vista fun-damentados, partindo de uma perspetiva crítica (que atende ao espaço, ao tempo e ao contexto, à intencionalidade, à inferência, à interpretação, à multicausalidade, etc.). responde não apenas a Quem?, Quando?, o Quê?, mas também ao Como? e aos porquês?.

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sim, a história é importante! – história 7.° ano8

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missão 3EDUCAÇÃO HIStórICA: DA tEOrIA à SALA DE AULA

Uma das particularidades da linha de investigação que trabalha sobre a Educação

Histórica é que ela se compõe maioritariamente de professores. As questões de

investigação surgem da vivência em sala de aula, a amostra são alunos e/ou pro-

fessores, a recolha de dados é feita em sala de aula ou em contexto de ensino-

-aprendizagem e as conclusões são transformadas em propostas para metodolo-

gias a aplicar em sala de aula.

Para que os jovens desenvolvam uma literacia histórica há vários aspetos a ter em

conta quando se trabalha na aula de História…

Literacia Histórica

Orientaçãotemporal

Interpretação de fontes

Comunicação em História

Compreensão contextualizada

Orientaçãoespacial

Reguladores de ação:

Programa

Conhecimentos ecapacidades essenciais

Perspetiva construtivista da aprendizagemVetores

fundamentaisda disciplinade História

Ideias de segunda ordem(desenvolvimento, mudança,

causa, interpretação…)Ideias prévias

Ideias substantivas(conteúdos)

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sim, a história é importante! – história 7.° ano 9

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Os alunos compreendem História a partir de três tipos de ideias:

– ideias prévias

São ideias do quotidiano das crianças e jovens sobre acontecimentos, perso-

nagens ou situações históricas. O conhecimento não é construído a partir do

nada (o aluno não é uma “tábua rasa”), mas a partir de experiências anteriores

e conhecimentos prévios que poderão ser mobilizados para resolver novas

situações. O levantamento destas ideias prévias dos alunos sobre o tema a

desenvolver apresenta -se, assim, como o primeiro passo na exploração de um

conteúdo em História. É fundamental fazer este levantamento para compreen-

der quais são as ideias que são historicamente válidas e devem ser reforçadas

e quais são as incorretas que devem ser mais desenvolvidas de modo a serem

clarificadas (por exemplo, quando falamos em reforma, nem todos os alunos

idealizam o mesmo…). Conhecer inicialmente as ideias dos alunos, não para

as catalogar como certas ou erradas, completas/incompletas, mas para saber

como orientar a exploração do tema. podemos fazê ‑lo de modo simples

perguntando o que já sabem sobre o tema, apresentando uma imagem,

um mapa, uma cronologia da época ou lançando um grupo de conceitos

para definirem…

– ideias substantivas

São as ideias relacionadas com os conteúdos da História (Paleolítico, noma-

dismo, cidade -estado, escravatura, democracia, reino…). A sua compreensão

e aplicação em contexto é fundamental para a literacia histórica.

– ideias de segunda ordem

São ideias que estruturam o pensamento histórico, organizam o conheci-

mento na disciplina de História, tais como explicação, mudança, perma‑

nência, tempo, significância, empatia… permitem a compreensão da

lógica interna da História e dos conceitos substantivos da disciplina (por

exemplo, a compreensão do conceito de revolução só é possível quando

ancorada na ideia de mudança).

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sim, a história é importante! – história 7.° ano10

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O desenvolvimento do pensamento em História requer um trabalho amplo que

se desenvolve em cinco dimensões:

1. Orientação temporal: noções -chave de cronologia e abordagem dos conceitos

de mudança e permanência.

2. Orientação espacial: uso de representações cartográficas para a compreensão

histórica da utilização dos espaços e desenvolvimento de uma compreensão

da mudança do espaço ao longo do tempo.

3. Interpretação de fontes: inferência histórica com base em fontes diversifica-

das quanto a mensagem, estatuto e linguagem.

4. Compreensão contextualizada: construção de quadros mentais do passado,

historicamente válidos e coerentes, com a aplicação dos conceitos essenciais

do programa; reconhecimento da diversidade e interação cultural; consciên-

cia da utilidade genuína da História para a compreensão abrangente do

mundo.

5. Comunicação em História: uso de formas variadas de escrita, oralidade, tIC e

expressões artísticas para comunicar e partilhar os conhecimentos históricos.

A exploração dos temas em História a partir destes pressupostos leva a que os

papéis dos alunos e do professor sejam repensados, bem como a metodologia de

aula…

missão 4O ALUnO E O PrOFESSOr: nOVOS PAPÉIS

De acordo com a perspetiva da Educação Histórica, os alunos passaram a ser

compreendidos como agentes da sua própria formação, não no sentido da peda-

gogia da descoberta da década de 70, mas sim numa visão construtivista em que

o aluno vai ancorando os conhecimentos novos em ideias prévias (que reforça ou

modifica) e vai construindo novas conceções, novos conhecimentos.

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sim, a história é importante! – história 7.° ano 11

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EDUCAÇÃO 2012

O professor passa a ter um papel de investigador, porque se questiona e tenta

compreender o modo como os alunos aprendem, fazendo opções metodológicas

e de conteúdo em função disso. O professor é um investigador porque trabalha

com os documentos e gera novos conhecimentos na sua sala de aula. Para atingir

as metas propostas o professor deverá orientar as suas metodologias para:

a. A exploração das ideias prévias dos alunos acerca do conteúdo substan‑

tivo e da natureza do saber histórico; parte ‑se do mundo conceptual dos

alunos para ajudá ‑los a reformularem ou a aprofundarem as suas ideias em

História.

b. A formulação de questões desafiadoras, de forma que a História seja um

meio de orientar os jovens sobre os problemas da vida humana e não um

conjunto de análises estereotipadas sobre um passado morto, sem sentido

para os jovens.

c. A proposta de tarefas de interpretação cruzada de fontes históricas com

pontos de vista diferenciados, para que os alunos aprendam vários níveis

de leitura do que é ou não é dito, uma competência essencial não só para a

História como para a literacia em todas as dimensões.

d. A implementação de tarefas de aula variadas, em que se contemplem

momentos de trabalho intelectual individual e de pequeno grupo (em pares,

por exemplo), planeados quanto a questões a resolver e fontes a utilizar.

e. A análise da evolução conceptual ocorrida nas aulas através de fichas

breves e simples, em momentos pré e pós ‑unidade didática – um ‘termóme‑

tro para medir’ o pensamento histórico dos alunos.

f. O envolvimento dos alunos na reflexão sobre as suas próprias aprendiza‑

gens, através de exercícios de metacognição, que imprimem autocon‑

fiança e sentido de autonomia responsável.

(Barca, 2007)

Estes novos papéis dão origem a uma nova forma de desenvolvimento de aula – a

aula‑oficina.

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sim, a história é importante! – história 7.° ano12

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EDUCAÇÃO 2012

missão 5A AULA -OFICInA

A designação aula -oficina provém do facto de a aula se tornar num espaço de

construção de conhecimento, ultrapassando o modelo de “aula -conferência”.

O professor, seguindo os pressupostos atrás elencados, transforma -se no investi-

gador que conhece a sua amostra (alunos), ausculta as suas ideias, disponibiliza

conhecimento e organiza atividades de problematização de conhecimento. A aula-

-oficina desenvolve -se em diferentes modelos que enquadram os papéis do aluno

e do professor atrás referidos.

Projetar uma aula em História (segundo Barca, 2004):

visão geral do tema da aula

principais conceitos a trabalhar e questões orien‑tadoras

experiências de aprendizagem

• levantamento de ideias dos alunos

• exposição oral pelo professor

• desenvolvimento (tarefas)

• síntese

Gestão do tempo avaliação

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missão 6A ExPLOrAÇÃO DE FOntES nA PErSPEtIVA

DA EDUCAÇÃO HIStórICA

A condição fundamental para o desenvolvimento do conhecimento histórico dos

alunos é a exploração de fontes. São elas que nos permitem o acesso ao pas-

sado. A natureza da História é interpretativa e essa interpretação baseia -se em

fontes: são elas que nos permitem responder às questões problematizadoras em

História.

A História faz -se através da leitura, interpretação, análise e comparação de fontes.

É fundamental que os alunos aprendam a trabalhar com as fontes históricas de

modo a terem uma noção mais aproximada do que é a História e de como esta se

constrói.

O conhecimento histórico deve ser visto como algo provisório, ou seja, em diferen-

tes períodos podem existir formas diversas de relatar um mesmo acontecimento,

contudo, este conhecimento é fundamentado, porque se baseia em fontes. Em

diferentes épocas a História interpretou os factos de forma diferente, ou seja, o

historiador é sempre influenciado pela forma de pensar da sua época. Assim, a

forma como se escreve a História é influenciada pelo presente, contudo, não pode-

mos correr o risco de passar aos alunos a ideia de que todas as ideias sobre o

passado têm a mesma validade. Os alunos deverão desenvolver capacidades no

sentido de distinguir quais as fontes que apresentam maior credibilidade.

As fontes históricas são todo o material,

instrumento ou ferramenta, símbolo ou dis-

curso intelectual, que tem origem humana,

através do qual se pode inferir algo acerca

de uma determinada situação social no

tempo.(Aróstegui, 2006)

Um vestígio só se transforma em fonte

histórica quando um historiador lhe faz

perguntas.

(Marc Bloch, 1997)

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EDUCAÇÃO 2012

A exploração de fontes, de diversos tipos, e sempre que possível multiperspeti-

vada, é importante porque:

– permite compreender que existem diferentes formas de apresentar informações

de acordo com diferentes perspetivas; se um jovem for capaz de compreender

este princípio será, provavelmente, mais tolerante face a ideias diferentes das

suas;

– contribui para o desenvolvimento de espírito crítico lidando com a informa-

ção que recebe de um modo crítico, mas fundamentado, distinguindo o que

são dados informativos e o que são opiniões;

– desenvolve a capacidade de colocar questões às fontes e à informação rece-

bida, de um modo geral, desenvolvendo posturas críticas face à informação;

– desenvolve a capacidade de observação, o sentido de “olhar historicamente”

para um acontecimento ou para uma fonte;

– desenvolve o gosto e a capacidade de pesquisa de fontes e de informação em

geral.

A multiplicidade de versões para a explicação de um facto ou situação faz parte da

natureza do conhecimento histórico e isto confere às explicações históricas um

carácter provisório pois elas descobrem parcelas da realidade humana e social.

As explicações históricas são diversas e parcelares, o que se explica porque são

sempre construídas a partir de um ponto de vista particular e cada perspetiva

contém sempre juízos de valor. Estes juízos de valor são inerentes ao conheci-

mento histórico, não devem ser vistos como uma fraqueza, mas como uma carac-

terística enriquecedora, também suscetível de ser analisada. Procurar a intencio-

nalidade de uma fonte é um exercício bastante útil se transposto para a atualidade…

A multiplicidade de perspetivas não retira cientificidade à História. Os historiado-

res validam as suas explicações através das evidências fornecidas pelas fontes,

pelo confronto de várias fontes. Assim, uma explicação poderá ser avaliada com

maior rigor, como sendo mais ou menos adequada e abrangente. É a argumenta-

ção em torno das evidências dadas pelas fontes que permitem atribuir maior, ou

menor, credibilidade a essas fontes.

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Adaptando a proposta de planificação de uma aula -oficina a um caso concreto:

tema C – a formação da cristandade ocidental e a expansão islâmica C.3 – a península ibérica: dois mundos em presença sumário:

dimensões a trabalhar

Interpretação de fontes

Compreensão histórica contextualizada

Conhecimentos a adquirir:

As diferentes formas da relação entre cristãos e muçulmanos durante a re-conquista

visão geralNo início do século VIII exércitos muçulmanos con‑quistaram a Península Ibérica. Alguns anos depois exércitos cristãos iniciaram um movimento de recon‑quista do território que se prolongou por 800 anos. Esse movimento integrou ‑se num plano mais alargado de ação da Igreja Católica Romana – as Cruzadas.

Conceitos/Vocabulário

reconquista e cruzada, vitória e derrota

Questão ‑problema: Como eram as relações entre cristãos e muçulmanos durante os séculos em que “partilharam” a Península Ibérica?

experiências de aprendizagem recursos

1.º momento/introdução

Levantamento de ideias prévias sobre as formas de relação entre cristãos e muçul-manos e sobre os conceitos de cruzadas e reconquista. Construção da questão pro blematizadora.

2.º momento/desenvolvimento

Análise das fontes do Manual, através das questões de exploração, em traba-lho conjunto professor -turma; em traba-lho individual e pares, sob orientação do professor.

✓ Situar, no tempo e no espaço, os prin-cipais acontecimentos relacionados com a ocupação muçulmana/recon-quista cristã.

✓ Caracterizar a convivência entre cris-tãos e muçulmanos no espaço ibérico partindo da análise cruzada de fontes com diferentes perspetivas.

✓ Construir a definição do conceito “re-conquista”.

Conjunto de imagens para o aluno identificar como sendo cristão ou muçulmano (explicando as razões que o levaram a identificar desse modo).

Cronologia, mapas e conjunto de fontes com dife-rentes perspetivas.

3.º momento/Conclusãoresposta à questão -problema aplicando o conceito de reconquista (metacognição).

Síntese das ideias desenvolvidas pelos alunos feita em conjunto com o professor.

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sim, a história é importante! – história 7.° ano16

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EDUCAÇÃO 2012

Apresentando um exemplo para trabalho de fontes com diferentes perspetivas:

1. Qual é o tema comum às três fontes?

2. Em que aspetos discordam os autores das fontes A e B? Porquê?

3. A visão das Cruzadas apresentada na fonte C enquadra ‑se mais na visão

do autor da fonte A ou da fonte B? Justifica a tua opção.

1. Lutas entre cristãos e muçulmanos

sugestão de um percurso para o trabalho de fontes em história

sugestão de um percurso para o trabalho de múltiplas

explicações em história

1. Identificação da fonte

– Autor – Data – título – tipo de fonte

2. Análise da fonte

– Ideia principal– relação com outras fontes (em que aspetos o conteúdo

se relaciona com o das outras fontes, em que concordam e/ou discordam; que factos valorizam…)

– Hipóteses que podem explicar a visão do autor– Público ao qual se dirige o autor– Questões que poderiam ser colocadas ao autor

3. Contextualização histórica da fonte (pessoas importantes, acontecimentos e ideias que marcaram a época, nos con-textos regional, nacional e/ou internacional).

[baseado em Drake, F. & Drake, S. (2006), A Systematic Approach to Improve Students Historical Thinking]

• Quem produziu a fonte?

• Quando foi produzida?

• Por que razão foi produzida, que interesses servia?

• Existem outros factos ou aconteci-mentos que suportem/concordem com esta fonte?

• Existem outros factos ou acon-tecimentos que contestem esta fonte?

• Consideras esta fonte credível? Justifica.

Questões que os alunos podem colocar às fontes (robert B. Bain)

a. no longo processo de interação e fusão en-tre Ocidente e Oriente no qual se desenvolveu a nossa civilização, as Cruzadas foram um episódio trágico e destrutivo… Houve tanto de coragem e tão pouco de honra, tanto de devoção e tão pouco de tolerância.

Steven runciman, A History of Crusades, vol. 3, 1954

b. não há dúvida que [as Cruzadas] foram uma manifestação surpreendente do espírito e do en-tusiasmo religiosos presentes no Ocidente e tam-bém da unidade da Igreja, capaz de mobilizar reis e povos.

Juan M. Laboa, Cristianismo, 2000 anos de História, 1999

C.

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sim, a história é importante! – história 7.° ano 17

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EDUCAÇÃO 2012

missão 7LEVAr EStAS PrOPOStAS à SUA SALA DE AULA…

A HIStórIA nO SÉCULO xxI

A grande mudança foi o facto de que hoje, pela primeira vez na História, temos a

sensação física, concreta, ora estimulante, ora estarrecedora, de que estamos

envolvidos no mundo e de que, em todos os nossos atos, envolvemos o mundo

inteiro. Não podemos mais considerar – e isto é um progresso – nada nem nin‑

guém, nenhum país e nenhum povo, como algo distante que não tem nada a ver

connosco. Tudo isto comporta mudanças enormes; enormes esperanças e enor‑

mes perigos.

Cláudio Magris, autor de Às Cegas (2005)

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sim, a história é importante! – história 7.° ano18

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EDUCAÇÃO 2012

investiGar em eduCação históriCa: da epistemoloGia às impliCações para as prátiCas de ensino

Isabel Barca – Universidade do Minho

no campo do Ensino da História existem sempre pressupostos teóricos que importa

serem explicitados. tais pressupostos, que emergem de forma coerente ou incoerente

nos discursos e práticas de legisladores, formadores e alunos, advêm de opções do

domínio epistemológico, assentes tácita ou explicitamente em determinado(s)

paradigma(s), seja a nível da natureza do conhecimento histórico, seja a nível da lógica e

resultados esperados no plano educacional. As dificuldades que se observam na reali-

dade escolar, em que há professores a queixarem -se de que os alunos “não sabem nada”

e há alunos a desabafar que “a História é uma seca”, resultam em parte da falta de con-

sistência entre as teorias e as práticas, como se o fosso entre estas duas componentes

do conhecimento estivesse condenado a perpetuar -se.

Para que a Educação Histórica formal se processe satisfatoriamente será prioritário

problematizar -se – em ordem a alguma clarificação – um conjunto de questões relaciona-

das com o saber histórico e a ‘didática’ da História hoje, como, por exemplo:

1. Que modelo de saber histórico veicular às crianças e jovens de um país europeu

em inícios do século XXI?

2. Que relações podem existir entre a investigação existente no domínio da Educa‑

ção Histórica e os modelos de saber histórico e educacional?

3. Que tipo(s) de ensino de História praticar, em coerência com paradigmas atualiza‑

dos de saber histórico e de propostas educacionais?

O debate epistemológico e a Educação Histórica

O primeiro núcleo de questões: “Que modelo de saber histórico veicular às crianças e jovens

de um país europeu em inícios do século XXI?” prende -se com a necessidade de dar sentido

à disciplina de História no atual currículo português. A Educação forma para uma determi-

nada sociedade, com características e exigências próprias. Para tal, procurará promover o

conhecimento nas formas de produção que ela própria valoriza. Em relação ao conhecimento

histórico, qual o estado da arte, pelo menos no âmbito da cultura ocidental?

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Costuma ser amplamente referido que a História pode ser encarada como uma narrativa do passado. Ora, esta afirmação tout court, como provém de variados quadrantes teóricos, implica uma polivalência de conceitos, alguns deles antagónicos entre si.

[…]

Por conseguinte, se apenas se propuser, por exemplo, o ‘uso da narrativa na aula de His-tória”, sem que isto seja discutido nas suas implicações epistemológicas e educacionais, corre -se o risco de contribuir mais para uma confusão conceptual do que para a quali-dade da aprendizagem histórica.

Mas do ponto de vista quer do debate atual em torno da História quer da investigação em Educação Histórica tal proposta – de usar a narrativa histórica na aula – parece efetiva-mente ser desejável. Portanto, importa explicitar que sentidos atribuem historiadores, filó-sofos da História e educadores históricos à narrativa em História. Em termos epistemoló-gicos, será ela (entre outros aspetos):

• Uma simples descrição ou uma descrição/explicação do passado?

• Uma narrativa de sentido único (‘a grande narrativa’) ou que admite pontos de vista concorrentes?

• Uma narrativa de tipo literário, em que a interpretação do passado em História é encarada com estatuto semelhante ao da ficção (‘a História como ficção’) ou uma narrativa numa lógica de ‘objetividade perspetivada’?

A ideia de que a História deverá fornecer uma cópia do passado, isto é, deverá pura e simplesmente tentar descrever o ‘que realmente se passou’, é uma tendência legada do positivismo de tipo rankeano e que hoje talvez apenas se manifeste ao nível do senso comum. Esta tendência inscreve -se num modelo de objetividade científica considerado hoje já ultrapassado, e que busca atingir a verdade através de um método que respeite a neutralidade “absoluta”.

Oposta a esta escola que concebia a narrativa histórica como relato, sem assumir as (intrínsecas) teias de causalidade, desenvolveu -se uma outra linha positivista, influen-ciada por Comte e Marx, que buscava explicações científicas abrangentes da realidade social de forma que pudesse estabelecer -se a previsibilidade no devir social. Estas duas posições deram origem a variadas abordagens e a polémicas acesas que marcaram todo o século xx não só no campo historiográfico como no político e, consequentemente, no educativo. Uma das linhas divisórias entre estas duas posições situa -se talvez na questão da natureza da explicação em História: para o primeiro grupo a História tende a ser vista como o conhecimento de situações particulares e, por conseguinte, recusa qualquer tipo de generalizações em História, levando alguns dos seus autores, idealistas, a afirmarem

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que a História não é ciência, é um saber paralelo à ciência e porventura mais complexo do que esta; para o segundo grupo, a História é uma ciência pelo menos no plano meto-dológico, e recorre a algumas generalizações embora não procure a previsibilidade.

A escola estrutural, que marcou fortemente a historiografia do século xx, opôs -se ao pri-meiro grupo, de influência rankeana, que se centrava em estudar o acontecimento, o factual imediato, “a espuma do tempo”. Os estruturalistas entendem a História como uma ciência social que procura explicar o fenómeno na sua totalidade, colocando o acontecimento na sombra para buscar, numa dimensão interdisciplinar, a compreensão da longa duração (uma abstração generalizante?). neste sentido das explicações globalizantes sintoniza com a posição marxista, mas demarca -se dela ao privilegiar as persistências, tendendo a igno-rar a importância dos movimentos humanos transformadores da sociedade.

Para os historiadores estruturalistas, a História é uma ciência social, explicativa, assente numa visão realista da ciência. E para estes, tal como na escola rankeana e na escola marxista, a História é considerada como uma produção objetiva (embora assente em pressupostos diferenciados). tenderá a ser concebida como um conhecimento do pas-sado de sentido único – aquilo a que os seus críticos chamam “a grande narrativa”.

As correntes pós -estruturalistas deram lugar a uma fragmentação de tendências historio-gráficas, vista por uns como a crise das Ciências Sociais e, por outros, como um sinal de vitalidade e feliz diversidade do saber. Volta -se ao conceito de narrativa mas sob novas perspetivas: num sentido amplo, e por influência do linguistic turn, ela significa qualquer discurso, qualquer produção historiográfica. nesta aceção, até mesmo as histórias mar-xistas e estruturalistas são consideradas narrativas do passado, no pressuposto de que qualquer delas se arroga do estatuto de verdade única – “a grande narrativa”. E, com base na constatação de que existem várias narrativas do passado, concorrentes, tem surgido um saudável debate acerca dos novos contornos da objetividade histórica. Este debate reflete uma mudança de paradigma do conhecimento, em que o ideal positivista de neu-tralidade “absoluta” é desacreditado, ganhando relevo a assunção de que a interpretação do sujeito é incontornável em qualquer área do conhecimento e, por isso, a subjetividade em História é algo genuíno, desde que distanciada de interesses propagandísticos, sejam de carácter político, religioso, económico ou outro. O movimento de aproximação da História aos ideais de neutralidade das “ciências exatas” dá -se agora em sentido inverso: são as Ciências da natureza que rejeitam a designação de “exatas” e que reconhecem a subjetivi-dade inerente a qualquer processo de produção do saber. Estas novas tendências têm tido eco no seio da historiografia portuguesa, conforme torgal, Amado Mendes e Catroga repor-taram (1996).

nos debates recentes acerca da objetividade histórica, os autores assumem tendências diversas. Há teóricos como Hayden White (1998) que, cultivando uma postura relativista

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acerca da possibilidade de se conhecer o passado, afirmam que as ‘estórias’ não se

vivem, essas teias são uma construção do historiador a partir da evidência fragmentada.

neste sentido, a narrativa histórica é uma representação, é encarada como uma ficção.

Para outros teóricos preocupados em defender a objetividade em História, narrativa his-

tórica significa um relato explicativo do passado que dá visibilidade ao tempo breve, que

não atende apenas à análise do quadro conjuntural e estrutural. A esta tendência historio-

gráfica, numa postura de realismo crítico e sem rejeitar o modelo estrutural, Lloyd (1993)

chama ‘estruturista’:

Tanto as explicações sociais como comportamentais devem ser abordadas segundo

a dupla perspetiva de ação e estrutura. O estruturismo metodológico aborda a expli‑

cação desenvolvendo conceitos de uma existência real e independente, e ainda de

uma interdependência mútua dos indivíduos e das estruturas institucionais. (p. 46)

nesta ideia de narrativa encontra -se uma mudança filosófica implícita quanto ao devir

humano: os quadros estruturais condicionam, mas não determinam, as ações humanas,

sendo o ser humano, como indivíduo, um agente do seu próprio tempo. Por isso, a História-

-ciência deve atribuir -lhe a relevância correspondente.

Em paralelo (ou convergência?) com esta tendência ‘estruturista’, que parte da reflexão

sobre novas posturas resultantes da escola dos Annales, tem -se desenvolvido uma

reflexão epistemológica no espaço anglo -saxónico, numa linha que defende a natureza

narrativa descritivo -explicativa da produção histórica. nesta corrente, discute -se a pro-

dução historiográfica como sendo um conjunto de diversas narrativas do passado, fruto

de pressupostos diferenciados, mas legítimos (Walsh, 1967; Atkinson, 1978). Martin

(1998) e McCullagh (1998), entre outros, realçam que a validade relativa das versões

históricas costuma ser avaliada pelos próprios historiadores segundo certos critérios

partilhados, ‘pesando -se’ o seu poder explicativo, plausibilidade e consistência com a

evidência disponível. Esta postura reconhece o papel do ponto de vista culturalmente

contextualizado como um elemento inerente ao conhecimento histórico e que, portanto,

não constitui um entrave à objetividade, antes pelo contrário, faz parte dela. A síntese a

partir do cruzamento de vários pontos de vista, não necessariamente convergentes,

constitui -se como uma tarefa do historiador que, ao estudar um dado passado, se

defronta com fontes de mensagem diversificadas. O resultado material deste labor é a

narrativa histórica. O seu poder explicativo pode ser ‘pesado’ relativamente a outras

com as quais compete, à luz de critérios de consistência empírica e lógica. nisto con-

siste o princípio de uma ‘objetividade perspetivada’, tal como tem sido discutido na filo-

sofia analítica da História.

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Epistemologia e investigação em Educação HistóricaUm segundo núcleo de questões centra -se na problemática:

Que relações podem existir entre a investigação existente no domínio da Educação

Histórica e os modelos de saber histórico e educacional?

Com base no quadro teórico apresentado, defende -se aqui, para o ensino da História, uma perspetiva epistemológica que, embora tendo em conta várias visões, procure ‘tra-balhar’ o pensamento histórico dos jovens no sentido da construção de uma narrativa do passado descritivo -explicativa, que problematize a objetividade assente em critérios de fundamentação lógica e empírica. tal perspetiva justifica -se não só pela necessidade de criar pontes entre o saber académico e aplicado, como também pelos sinais decorrentes da investigação em cognição histórica, que apontam para a possibilidade de alguns jovens e até crianças estarem mentalmente disponíveis para raciocinarem em graus relativamente sofisticados, enquanto outros tendem a operar dentro de quadros mais simplistas ou ingénuos – num e noutro caso, a finalidade da aula de História será esti-mular o raciocínio histórico.

Com efeito, uma já vasta produção de estudos em cognição histórica, em vários países, incluindo Portugal, tem proporcionado alguma luz acerca de conceções diversificadas sobre o saber histórico demonstradas por crianças, jovens e adultos historicamente letra-dos. Estas conceções devem ser conhecidas por quem ensina História, pois só se pode modificar conscientemente aquilo que se conhece. Peter Lee (2003), um dos autores mais influentes neste campo de pesquisa, cartografou as ideias de crianças e jovens em ter-mos de compreensão histórica, categorizando -as em níveis de elaboração:

1. tarefa não alcançada

2. Confusão

3. Passado deficitário

4. Estereótipos genéricos

5. Ideias do passado por analogia com o quotidiano

6. Compreensão histórica restrita

7. Compreensão histórica contextualizada

também em Portugal se tem desenvolvido esta linha de pesquisa em torno das ideias de alunos sobre a História. num primeiro estudo sobre ideias dos alunos acerca da provisorie-dade da explicação histórica (Barca, 2000), os adolescentes portugueses apresentaram

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padrões conceptuais diversos quanto a questões de objetividade. As ideias apresentadas

pelos alunos que constituíram a amostra do estudo (119 alunos dos 7.°, 9.° e 10.° anos, que

tinham estudado a Expansão Portuguesa no ano curricular anterior) foram categorizadas

segundo o modelo de progressão conceptual:

1. A ‘estória’

2. Explicação restrita

3. ‘Quantos mais fatores melhor’

4. Uma explicação consensual?

5. Perspetiva

Muitos alunos mostraram -se pouco atentos a noções de distanciamento metodológico

revelando desde um pensamento não explicativo (‘a estória’, nível 1), com respostas frag-

mentadas ou descritivas – sobretudo os alunos mais novos – ou uma ‘explicação restrita’

(nível 2), assente num ou dois fatores ou – a maioria – de mera valorização de uma expli-

cação multifatorial (nível 3). nos padrões de pensamento descritivo os alunos ou não

distinguiam diferenças entre várias versões, ou não mostravam disposição para pensar

sobre a História, ou consideravam que ‘quem viveu naquele tempo podia contar melhor o

que se passou’. nos padrões de pensamento explicativo restrito, as versões tendiam a ser

consideradas mais ou menos corretas e, para alguns destes alunos, numa postura de

ceticismo ingénuo próxima do que Atkinson designa paradigma de observação direta,

consideravam que ‘uma testemunha da época explicaria melhor porque viu’ ou, então, um

ou outro recusava -se a avaliar a validade das versões porque ‘não estava lá’ (Barca,

2005). nos padrões de pensamento que valorizaram a agregação de fatores, diversas

versões históricas eram aceites como sendo fruto de diversos factos e/ou opiniões, sem

problematização, considerando que ‘a soma de fatores é melhor’.

Alguns alunos, contudo, mostraram ideias já ligadas a uma preocupação com o questio-

namento da objetividade. Em posturas baseadas no critério de neutralidade absoluta para

testar as diferentes explicações (‘uma explicação consensual?’, nível 4), uns defendiam a

necessidade intransigente de obter consenso entre os historiadores, num padrão positi-

vista:

Penso que devia fazer ‑se um estudo que juntasse pessoas autorizadas para analisa‑

rem os factos existentes e assim terem a possibilidade de conseguir uma opinião

completa, uma coisa imparcial, algo que pudesse ser neutral, e depois de analisarem

os factos eles iriam alcançar realmente uma conclusão: são estas as razões! (rui,

9.° ano, 17 anos)

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Outros alunos, assumindo que o ideal de neutralidade ‘absoluta’ era inatingível, tendiam para uma atitude de ceticismo quanto à História:

Cada historiador só mostra o lado dos factos que lhe interessa, uns a querer mostrar

que os portugueses não eram tão bons como pareciam, outros a dizer o contrário, etc.

Não [existe uma explicação melhor], porque cada uma delas só fala do que [o autor]

acha mais importante e não em todos os factos. (Mário, 7.° ano, 13 anos)

A um nível de pensamento mais sofisticado, ultrapassando o critério de neutralidade absoluta, um número restrito de alunos do 11.° ano reconheceu como legítima a existên-cia de diferentes explicações históricas sobre o mesmo assunto, apresentando argumen-tos para defender as suas posições. Alguns rejeitavam a possibilidade de uma versão ser mais válida do que as outras, desconstruindo a sua autoria em função do contexto de produção; e outros, reconhecendo diferenças de contextos de produção, aceitavam a possibilidade de testar a validade das versões com base em critérios tais como a plausi-bilidade das situações ou a confirmação/refutação da evidência, como afirmou a Lurdes (11.° ano, 17 anos):

[Uma explicação pode ser melhor] se for mais explícita e justificada, de forma a ‘que‑

brar’ os argumentos das outras. Não há verdades definitivas e nada me garante que

essa explicação não possa ser posta em questão.

Da Investigação às Práticas de Educação HistóricaOs dados existentes sobre Educação Histórica, quer no plano da investigação que assenta em debates epistemológicos atualizados, quer no plano da implementação curricular efe-tiva em escolas de alguns países (nomeadamente no reino Unido), fornecem -nos motivos para acreditar numa inter -relação positiva de práticas de aula e dados de investigação. Como responder então a este terceiro núcleo de questões:

Que tipo de ensino de História praticar, em coerência com paradigmas atualizados

de saber histórico e de propostas educacionais?

A ponte entre a investigação e a ação pode ser feita com sucesso na aula de História em Portugal – e está a ser feita, no âmbito de experiências realizadas em sala de aula quer por mestrandos, apoiadas e supervisionadas na disciplina de Metodologia do Ensino de História, quer por estagiários e outros professores em formação contínua, em Portugal e no Brasil (ver, entre outros, Schmidt & Garcia, 2007). Como exemplo desta abordagem, apresentam -se elementos de um caso concreto de iniciação à investigação em Educação Histórica, de exploração de ideias substantivas dos alunos acerca de

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conceitos relacionados com a reforma religiosa na Europa quinhentista. Esta experiên-cia, realizada por uma equipa constituída por Adriano Fernandes, Marília Gago, Maria dos Anjos Morais e Olga Sardoeira (2000), foi implementada em aulas dos 8.° e 11.° anos, no decurso da unidade didática em que tais conteúdos se integram: Unidade sobre Reforma protestante, Contrarreforma e Reforma católica.

descrição da experiência:

• Em fase anterior às respetivas aulas, foi apresentada aos alunos uma ficha para levantamento das suas ideias prévias acerca de conceitos como ‘cristão’, ‘católico’, reforma.

• As ideias prévias apresentadas pelos alunos – de uma diversidade surpreendente – foram analisadas no seu sentido substantivo mais evidente e categorizadas quali-tativamente segundo um conjunto de níveis simples, desde as menos às mais váli-das historicamente. Esta análise de ideias em progressão foi tipificada assim: nível 1, sem resposta ou resposta incoerente, quando não era possível descortinar um sentido naquilo que foi expresso; nível 2, ideia alternativa, quando o sentido apre-sentado se afastava do contexto histórico em causa (ex.: “a reforma é aquilo que os mais velhos recebem quando deixam de trabalhar”); nível 3, ideia aproximada, quando o sentido atribuído se integrava apenas parcialmente no conceito que se indagava (ex., “cristão é aquele que vai à igreja” e “ católico é o mesmo que cristão”); nível 4, histórico, quando o sentido parecia ser fiel, em traços gerais, ao contexto histórico que iria explorar -se (ex., “cristão é aquele que acredita em Jesus Cristo” e “católico é um cristão que respeita os ensinamentos do Papa”).

• Pela análise das ideias recolhidas, concluiu -se que as ideias tácitas dos alunos sobre um conceito tão familiar como o de “cristão” exigem atenção particular dos professo-res de História. A par de os alunos revelarem uma experiência quotidiana inserida em contextos sociais muito homogéneos no plano das práticas religiosas (na região do Minho), este quadro conceptual indiciou também uma problematização insuficiente na aula de História destas (e outras) questões cruciais para entender o Outro, no pas-sado (sobre ideias de alunos acerca de religião, a experiência desenvolvida em sala de aula por Gaiteiro, Marques e Sousa, a publicar brevemente, acrescenta dados interessantes).

• As aulas foram preparadas seguindo o conceito de uma ‘aula -oficina’ assente nos princípios decorrentes da investigação em Educação Histórica, contemplando momen-tos de exposição, trabalho de pares e debate. Procurou -se desenhar um conjunto de tarefas de forma a integrar questões problematizadoras sobre fontes históricas veicu-lando pontos de vista diversificados. Foi também tido em conta que essas tarefas

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fossem coerentes com a necessidade de clarificação e aprofundamento das ideias prévias diagnosticadas.

• no início das aulas sobre reforma religiosa, exemplos dos diversos sentidos atribuí-dos pelos alunos aos conceitos que iriam ser tratados foram exibidos em acetato, com a indicação de que tais ideias prévias iriam ser discutidas pelos alunos no final das aulas destinadas ao tema.

• Fez -se uma breve contextualização expositiva, com auxílio de uma fonte iconográfica, seguindo -se a localização espaciotemporal da problemática em diálogo extensivo à turma e com recurso ao manual.

• Desenvolveu -se a seguir o trabalho de pares em torno da competência de interpreta-ção cruzada de fontes, utilizando -se, entre várias outras, os bem conhecidos excertos de textos de Lutero e do Concílio de trento, bem como duas fontes iconográficas, uma do século xVI e outra sobre conflitos religiosos atuais. na figura 1 apresenta -se um exemplo de questionamento dessas fontes, que procura promover a literacia histórica a um nível que ultrapasse a mera reprodução da mensagem veiculada.

Figura 1. Desenvolvimento da competência de interpretação de fontes em História

1. Responde, com o(a) teu(tua) parceiro(a), às seguintes questões:

1.1. Os autores dos documentos 1 e 2 concordam ou discordam em rela‑

ção a quem tem o direito de interpretar as Escrituras? Justifica a tua

resposta.

1.2. Consideras que os autores dos documentos 1 e 2 têm alguma seme‑

lhança no que diz respeito às suas crenças religiosas? Justifica a tua

resposta.

1.3. Consideras que o autor do documento 2 tem a mesma visão que o

autor do documento 1 do modo como o Homem deve ser bom? Justi‑

fica a tua resposta.

1.4. Segundo o teu ponto de vista, as imagens 1 e 2 têm alguma relação

entre elas no que diz respeito à intolerância e repressão religiosas?

Justifica a tua resposta.

2. Do confronto de ideias com o(a) teu(tua) parceiro(a), expõe, oralmente,

ao grupo/turma as conclusões a que chegaram.

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• Após as tarefas que foram desenvolvidas pelos alunos com apoio dos professores, procedeu -se à síntese das aprendizagens, com a apresentação dos trabalhos de grupo e debate de ideias e reflexão em torno da ‘historicidade’ de valores como diver-sidade e liberdade de expressão de pensamento, coerência e tolerância religiosas. neste debate, procurou -se que jovens argumentassem e contra -argumentassem, sem esquecer os dados das fontes que interpretaram. E não houve, assumidamente, a preocupação de encontrar a conclusão certa, igual para todos.

• Como finalização da unidade, os alunos foram confrontados com a ficha inicial em que tinham apresentado as sua ideias prévias, sendo então convidados a refazer as suas respostas às mesmas perguntas, com base no que tinham aprendido. Esta tarefa, de metacognição, provocou algum entusiasmo entre os jovens, pois experienciaram um momento de autonomia no que respeita ao controlo das suas próprias aprendizagens.

• As respostas dos alunos a esta segunda ficha de levantamento de ideias foram anali-sadas segundo a mesma metodologia da ficha inicial. Os resultados – em termos de qualidade conceptual das respostas e consequente distribuição de frequência pelos níveis propostos – foram objeto de comparação e de reflexão quanto à eficácia das aulas implementadas. à luz destes e de outros resultados, a avaliação da experiência pela equipa de mestrandos foi francamente positiva e forneceu pistas para um traba-lho que se processa no âmbito do mestrado e em outras situações de formação.

a concluir: o papel do professor que não se limite a simples expositor e gestor de diá-logo, mas assuma uma postura de professor -investigador social, poderá ganhar a maioria dos seus alunos não só para o gosto pela História mas também para competências mais avançadas, segundo princípios já experimentados com sucesso nas práticas de aula:

a. Exploração das ideias tácitas dos alunos acerca do conteúdo substantivo e da natu-reza do saber histórico; parte -se do mundo conceptual dos alunos para ajudá -los a reformular ou a aprofundar as suas ideias em História.

b. Formulação de questões desafiadoras, de forma que a História seja um meio de orientar os jovens sobre os problemas da vida humana e não um conjunto de análi-ses estereotipadas sobre um passado morto, sem sentido para os jovens.

c. Proposta de tarefas de interpretação cruzada de fontes históricas com pontos de vista diferenciados, para que os alunos aprendam vários níveis de leitura do que é ou não é dito, uma competência essencial não só para a História como para a litera-cia em todas as dimensões.

d. Implementação de tarefas de aula variadas, em que se contemplem momentos de trabalho intelectual individual e de pequeno grupo (em pares, por exemplo), cuidado-samente planeados quanto a questões a resolver e fontes a utilizar.

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e. Análise da evolução conceptual ocorrida nas aulas através de fichas breves e sim-ples, em momentos pré e pós -unidade didática – um ‘termómetro para medir’ o pensamento histórico dos alunos.

f. Envolvimento dos alunos na reflexão sobre as suas próprias aprendizagens – exer-cícios de metacognição, que imprimem autoconfiança e sentido de autonomia res-ponsável.

A montante e nos bastidores deste trabalho de aula, que tem como finalidade contribuir para uma maior literacia e consciência histórica dos jovens portugueses, cabe -nos a nós, formado-res de professores de História, equipá -los melhor com apetências de reflexão em torno do que é a História e, sobretudo, com competências de utilização de fontes com mensagens diversi-ficadas (ver Barca, 2001; Magalhães, 2003). Investigadores da História e da Educação Histó-rica têm uma tarefa convergente: consciencializar os professores da natureza e potencialida-des da História dentro de um quadro teórico atualizado, e fornecer -lhes argumentos válidos para justificar o papel desta disciplina no currículo. A nós, formadores no âmbito da ‘Didática’ ou da ‘Educação Histórica’, cabe -nos ainda, especificamente, o desafio de tentar aplicar com os professores propostas de tarefas inovadoras, algumas delas sustentadas na investigação (Donovan & Bransford, 2005; Barca & Gago, 2006). O desenvolvimento de competências históricas, designadamente de análise de fontes com mensagens diversificadas, de sínteses construídas a partir delas, de compreensão dos sentidos da vida no passado com base na evidência, é de importância fundamental para que os profissionais do ensino de História pos-sam contagiar os jovens alunos na aventura de descobrir gentes de outros tempos, porven-tura tão estranhas mas tão iguais na sua busca racional de uma vida melhor, por vezes encarada em função de interesses particulares, exclusivistas e mesquinhos, outras vezes entendida como sentido humano ou, mesmo até, planetário.

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OContamos consigo. Conte connosco.

EDUCAÇÃO 2012

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