construção de um luxímetro digital utilizando plataforma

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Revista Brasileira de Ensino de Física, vol. 43, e20200502 (2021) Produtos e Materiais Didáticos www.scielo.br/rbef cb DOI: https://doi.org/10.1590/1806-9126-RBEF-2020-0502 Licença Creative Commons Construção de um luxímetro digital utilizando plataforma Arduino para uso em laboratórios didáticos Arduino based digital luxmeter for didactical laboratory use C. B. Pereira 1 , S. L. M. Berleze 1 , W. A. Soares 1 , J. P. M. Serbena *1 1 Universidade Federal do Paraná, Departamento de Física, Centro Politécnico, Curitiba, PR, Brasil. Recebido em 04 de dezembro de 2020. Revisado em 16 de janeiro de 2021. Aceito em 25 de janeiro de 2021. Este trabalho teve como finalidade a construção de um luxímetro utilizando um fotodetector/conversor luz em frequência (LTF, do inglês “light to frequency”) e plataforma Arduino. As etapas de execução consistiram no desenvolvimento do código de programação da comunicação e controle entre fotodetector e Arduino, na confecção de uma placa de circuito impresso caseira e no acabamento do luxímetro com a inserção de botões, display e demais componentes eletrônicos numa caixa Patola®. O luxímetro construído foi utilizado em três experimentos didáticos realizados na disciplina de laboratório dos cursos de graduação em Física e Engenharias cujo tema estudado é a Óptica. As medidas realizadas demonstraram que o luxímetro atende à necessidade do laboratório ao substituir equipamentos comerciais atualmente utilizados. Palavras-chave: Óptica, difração em fenda única, luxímetro, Arduino. This work aimed the construction of a luxmeter using a photodetector/light to frequency converter (LTF) and Arduino platform. The execution steps consisted on developing the communication and control programming code between photodetector and Arduino, manufacturing a homemade printed circuit board and finishing the assembled luxmeter with the insertion of buttons, display and all other electronic components in a Patola® box. The built luxmeter was used in three didactic experiments carried out in the undergraduate laboratory discipline of Physics and Engineering courses whose studied topic is Optics. The performed measurements demonstrated that the luxmeter meets the laboratory’s needs when replacing commercial equipments that are currently in use. Keywords: Optics, single slit diffraction, luxmeter, Arduino. 1. Introdução Nos livros didáticos de Física Básica de graduação em Ensino Superior que abordam o tema Óptica, a difração é apresentada como um fenômeno associado à chamada ótica física, cujos efeitos óticos são explicados utilizando-se das propriedades da natureza ondulatória da luz [1]. Esse fenômeno é normalmente abordado tanto teoricamente quanto experimentalmente, visto que, além de sua importância para a compreensão de conceitos físicos mais avançados, é um fenômeno que pode ser facilmente observado e replicado na prática. Isto se deve à atual disponibilidade de fontes de luz laser baratas e acessíveis, sendo utilizados os mais diversos elementos do cotidiano como aberturas ou obstáculos para a difração da luz, desde CDs e tecidos a fios de cabelo. Uma boa revisão dos diferentes materiais e formas de se observar a difração é reportada por Ribeiro et al. em [2]. Vale ressaltar que neste trabalho, quando houver referência à difração da luz, será considerada a difração de Fraunhofer ou de campo longínquo, na qual as ondas incidente e difratada são aproximadamente planas sobre a região das aberturas ou obstáculos difratantes. Nesta * Endereço de correspondência: serbena@fisica.ufpr.br situação já não é mais possível reconhecer a abertura ou obstáculo, o padrão de difração cobre uma região extensa e qualquer variação entre distâncias tem como única consequência a variação do tamanho do padrão mas não da sua forma [3]. Uma atividade muito interessante, do ponto de vista experimental, é a obtenção da curva de intensidade luminosa em função do ângulo entre o eixo óptico e a linha que conecta a abertura ou obstáculo a um determinado ponto de observação do padrão de difração formado. Para as medidas experimentais, deve-se utilizar um sonda de medição relativamente pequena, da ordem de centenas de micrometros de diâmetro, para não impactar na resolução da medida da distância, o que pode ser conseguido com uma fibra óptica. Contudo, a intensidade luminosa do máximo secundário não chega a 5% da intensidade luminosa do máximo central, o que faz com que seja necessária a utilização ou de luxímetros de alta sensibilidade ou de fontes luminosas de alta potência para a coleta das medidas experimentais. A segundo op- ção proporciona um risco maior de acidentes, algo a ser seriamente considerado num laboratório didático, sendo a primeira opção normalmente escolhida. Isso implica num aumento de custos do experimento, visto que os luxímetros são mais caros quanto maior sua resolução. Copyright by Sociedade Brasileira de Física. Printed in Brazil.

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Page 1: Construção de um luxímetro digital utilizando plataforma

Revista Brasileira de Ensino de Física, vol. 43, e20200502 (2021) Produtos e Materiais Didáticoswww.scielo.br/rbef cb

DOI: https://doi.org/10.1590/1806-9126-RBEF-2020-0502 Licença Creative Commons

Construção de um luxímetro digital utilizando plataformaArduino para uso em laboratórios didáticos

Arduino based digital luxmeter for didactical laboratory use

C. B. Pereira1, S. L. M. Berleze1, W. A. Soares1, J. P. M. Serbena*1

1Universidade Federal do Paraná, Departamento de Física, Centro Politécnico, Curitiba, PR, Brasil.

Recebido em 04 de dezembro de 2020. Revisado em 16 de janeiro de 2021. Aceito em 25 de janeiro de 2021.

Este trabalho teve como finalidade a construção de um luxímetro utilizando um fotodetector/conversor luz emfrequência (LTF, do inglês “light to frequency”) e plataforma Arduino. As etapas de execução consistiram nodesenvolvimento do código de programação da comunicação e controle entre fotodetector e Arduino, na confecçãode uma placa de circuito impresso caseira e no acabamento do luxímetro com a inserção de botões, display edemais componentes eletrônicos numa caixa Patola®. O luxímetro construído foi utilizado em três experimentosdidáticos realizados na disciplina de laboratório dos cursos de graduação em Física e Engenharias cujo temaestudado é a Óptica. As medidas realizadas demonstraram que o luxímetro atende à necessidade do laboratórioao substituir equipamentos comerciais atualmente utilizados.Palavras-chave: Óptica, difração em fenda única, luxímetro, Arduino.

This work aimed the construction of a luxmeter using a photodetector/light to frequency converter (LTF) andArduino platform. The execution steps consisted on developing the communication and control programmingcode between photodetector and Arduino, manufacturing a homemade printed circuit board and finishing theassembled luxmeter with the insertion of buttons, display and all other electronic components in a Patola® box.The built luxmeter was used in three didactic experiments carried out in the undergraduate laboratory disciplineof Physics and Engineering courses whose studied topic is Optics. The performed measurements demonstratedthat the luxmeter meets the laboratory’s needs when replacing commercial equipments that are currently in use.Keywords: Optics, single slit diffraction, luxmeter, Arduino.

1. Introdução

Nos livros didáticos de Física Básica de graduaçãoem Ensino Superior que abordam o tema Óptica, adifração é apresentada como um fenômeno associado àchamada ótica física, cujos efeitos óticos são explicadosutilizando-se das propriedades da natureza ondulatóriada luz [1]. Esse fenômeno é normalmente abordado tantoteoricamente quanto experimentalmente, visto que, alémde sua importância para a compreensão de conceitosfísicos mais avançados, é um fenômeno que pode serfacilmente observado e replicado na prática. Isto se deveà atual disponibilidade de fontes de luz laser baratas eacessíveis, sendo utilizados os mais diversos elementosdo cotidiano como aberturas ou obstáculos para adifração da luz, desde CDs e tecidos a fios de cabelo.Uma boa revisão dos diferentes materiais e formas dese observar a difração é reportada por Ribeiro et al.em [2]. Vale ressaltar que neste trabalho, quando houverreferência à difração da luz, será considerada a difraçãode Fraunhofer ou de campo longínquo, na qual as ondasincidente e difratada são aproximadamente planas sobrea região das aberturas ou obstáculos difratantes. Nesta

* Endereço de correspondência: [email protected]

situação já não é mais possível reconhecer a aberturaou obstáculo, o padrão de difração cobre uma regiãoextensa e qualquer variação entre distâncias tem comoúnica consequência a variação do tamanho do padrãomas não da sua forma [3].Uma atividade muito interessante, do ponto de vista

experimental, é a obtenção da curva de intensidadeluminosa em função do ângulo entre o eixo óptico ea linha que conecta a abertura ou obstáculo a umdeterminado ponto de observação do padrão de difraçãoformado. Para as medidas experimentais, deve-se utilizarum sonda de medição relativamente pequena, da ordemde centenas de micrometros de diâmetro, para nãoimpactar na resolução da medida da distância, o quepode ser conseguido com uma fibra óptica. Contudo, aintensidade luminosa do máximo secundário não chega a5% da intensidade luminosa do máximo central, o que fazcom que seja necessária a utilização ou de luxímetros dealta sensibilidade ou de fontes luminosas de alta potênciapara a coleta das medidas experimentais. A segundo op-ção proporciona um risco maior de acidentes, algo a serseriamente considerado num laboratório didático, sendoa primeira opção normalmente escolhida. Isso implicanum aumento de custos do experimento, visto que osluxímetros são mais caros quanto maior sua resolução.

Copyright by Sociedade Brasileira de Física. Printed in Brazil.

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e20200502-2 Construção de um luxímetro digital utilizando plataforma Arduino para uso em laboratórios didáticos

2. Princípios do Projeto

Particularmente no laboratório didático de Física Ex-perimental IV do Departamento de Física da Univer-sidade Federal do Paraná, a experiência “Difração daLuz” é realizada utilizando-se um luxímetro analógicoPASCO® OS-8020 de alta sensibilidade (resolução má-xima aproximadamente 0,002 lux) [4]. Especificamenteeste luxímetro é um modelo obsoleto, não sendo maiscomercializado, o que impede uma possível substituiçãopelo mesmo modelo e encarece sua manutenção por ne-cessitar de mão-de-obra especializada. Adicionalmente,estão operando no limite de sua vida útil. Luxímetrosdigitais com esta mesma resolução podem ser encon-trados, mas a preços muitas vezes não acessíveis, comoo modelo 07137-00 da PHYWE, cujo custo gira emtorno de 650 Euros. Luxímetros mais baratos usualmentenão possuem resolução suficiente para a realização desteexperimento específico. Assim, a proposta deste trabalhoé a substituição do luxímetro PASCO® OS-8020 poruma alternativa mais barata e que possa permitir amanutenção no próprio laboratório, possibilitando otreinamento de alunos da graduação em eletrônica eprogramação.Dentre as inúmeras possibilidades, optou-se pela uti-

lização da plataforma Arduino pois é uma plataformaabundantemente difundida, simples, de baixo custo ede código livre, o que proporciona facilidade de uso, demelhoramentos e de reparos, principalmente devido aofato de se trabalhar de modo modular. Sua linguagemde programação, baseada em C/C++, é normalmenteensinada nas aulas de programação de computadores doscursos de graduação, facilitando ainda a familiarizaçãodos discentes com a instrumentação. Uma excelenterevisão sobre as contribuiçoes da plataforma Arduino noensino de Física foi reportada por Moreira et al. em [5].Contudo, o elemento central para o equipamento

funcionar como desejado é o dispositivo fotosensível es-colhido. Pedroso et al. construíram um luxímetro digitalutilizando um transistor NPN de alta potência 2N3055desencapado como elemento fotosensível [6]. Apesar dobaixo custo e facilidade de construção, dificilmente taldispositivo teria resolução suficiente para ser aplicadocom o propósito deste trabalho. Por isso, optou-se pelaabordagem publicada por Patrik [7], que faz uso de umfotodetector/conversor luz em frequência (LTF, do inglês“light to frequency”) TSL237s-LF [8]. Resumidamente,um circuito desse tipo usa uma versão CMOS do tem-porizador 555 para formar um conversor de intensidadeluminosa em frequência e um pequeno fotodiodo comodetector de luz. A corrente de fuga do fotodiodo rever-samente polarizado é proporcional à intensidade da luzincidente. Esta corrente de fuga carrega um capacitorde 0,01 µF. Quando a tensão do capacitor atinge 2/3da tensão de alimentação, a tensão de saída do circuitodiminui. Como resultado, o capacitor descarrega atravésdo fotodiodo. Quando a tensão do capacitor atinge 1/3

da tensão de alimentação, a tensão de saída aumenta,iniciando outra carga no capacitor. Esse ciclo continua,obtendo-se uma frequência na saída do circuito que éproporcional à intensidade da luz incidente no fotodiodo.Normalmente, a frequência do oscilador varia desdeaproximadamente 1 Hz na escuridão total até cerca de25 kHz na luz solar. Outros extremos de frequênciasão possíveis alterando-se o valor de capacitância docapacitor. Detalhes desse tipo de fotodetector podemser encontrados, por exemplo, em [9, 10]. O fato é quea saída digital permite uma interface direta com ummicrocontrolador ou outro circuito lógico, no caso, oArduino.Com isso em mente, pode-se construir um luxíme-

tro. Na literatura [11] são apresentadas equações paraa intensidade da luz emitida por uma fonte ou umsistema óptico, a qual pode depender da direção depropagação. Por sua vez, os luxímetros medem umagrandeza chamada iluminância. A intensidade luminosae a iluminância fazem parte do sistema fotométrico,que se aplica no espectro visível e considera a sensaçãovisual de um observador humano. É importante, então,conhecer como são definidas estas grandezas e de queforma elas estão relacionadas.Uma fonte ou sistema óptico pode emitir certa quan-

tidade de energia ao longo do tempo. A taxa de transfe-rência dessa energia é chamada de fluxo luminoso, que émedido em lúmens (lm) no SI. O fluxo luminoso pode serdiferente para cada direção de propagação da luz a partirda fonte. O fenômeno da difração da luz é um exemplo,onde tem-se a variação entre máximos e mínimos. Emseguida, é necessário considerar uma região delimitadapor uma superfície cônica imaginária com vértice nocentro da fonte e eixo ao longo de uma dada direção. Estasuperfície cônica subtende no seu interior um ângulosólido. A intensidade luminosa da fonte numa certadireção é definida como o fluxo luminoso total naqueladireção por unidade de ângulo sólido. Sua unidade no SIé o candela (cd). Outra grandeza importante é definidaa partir do fluxo luminoso que incide sobre uma unidadede área. Como a superfície do sensor é receptora de luz,esta densidade superficial de fluxo define uma grandezachamada iluminância, cuja unidade no SI é o lux (lx).A equação que relaciona a intensidade luminosa e

a iluminância contém integrais de superfície, cuja re-solução pode ser difícil dependendo da geometria dosistema. Entretanto, quando o sensor está afastado dafonte e tem uma área pequena, os raios incidentes sobreele são praticamente paralelos e a solução é bastantesimples. Estas condições são satisfeitas nos experimentosrealizados no laboratório de ensino. Considerando aindaque os raios incidam perpendicularmente à superfície dosensor, a iluminância dependerá da intensidade emitidapela fonte e da distância entre ambos seguindo a leifotométrica da distância. Se a distância entre o sensor ea fonte for mantida constante, a iluminância dependeráapenas da intensidade luminosa, numa proporção direta.

Revista Brasileira de Ensino de Física, vol. 43, e20200502, 2021 DOI: https://doi.org/10.1590/1806-9126-RBEF-2020-0502

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Pereira et al. e20200502-3

Esta relação permite o estudo de diferentes fenômenos apartir das medidas com o luxímetro.

3. Construção do Luxímetro

A parte central do equipamento proposto reside nofotodetector TSL237s-LF. Para que ele possa operarcorretamente, o fabricante recomenda que as linhas dealimentação do sensor sejam desacopladas do fotodetec-tor por um capacitor cuja capacitância esteja entre 0,01µF e 0,1 µF, com os terminais do capacitor conectadoso mais próximo possível do TSL237s-LF [8]. Assim, o lu-xímetro construído consiste nos seguintes componentes:Arduino Nano, fotodetector TSL237s-LF, capacitor de0,1 µF, botão liga-desliga, dois botões para medida (umpara armazenamento da leitura residual e outro paraleitura) e display LCD 16 × 2 para leitura da medidapelo experimentador, além de dois LEDs indicadores de“leitura em processo” e “pronto para leitura”. Para asaplicações desejadas neste trabalho, não há necessidadede obter valores calibrados da iluminância incidente,uma vez que estas serão normalizadas, conforme ex-plicado na próxima sessão. Ainda assim, foi necessárioinserir um botão adicional para medida da iluminânciaresidual. Essa medida é armazenada na memória internado Arduino e todas as leituras subsequentes têm estevalor subtraído. Isso permite eliminar contribuições daluz ambiente, permitindo que os experimentos sejamrealizados na penumbra.Toda a montagem foi feita, inicialmente, utilizando-

se um protoboard, como apresentado na Figura 1a,cujo esquema do circuito eletrônico é apresentado naFigura 1b. Nesta etapa, foi implementado o códigode comunicação entre os diferentes componentes, emespecial entre o TSL237s-LF e o Arduino. Para que possaser apresentado um valor razoável (mas não calibrado)de iluminância, foi necessário inserir no código a seguintelinha de comando [8]:

E = f0 − fD

R(1)

onde E é iluminância, f0 e fD são as frequências deleitura e residual, respectivamente, e R é uma constanterelacionada à responsividade do TSL237s-LF [8]. A me-nos que o luxímetro seja calibrado, o valor de R é arbitrá-rio. Por simplicidade, foi utilizado o valor 2,3 kHz/µlux,sugerido por Patrik [7]. A rigor, numa equação similarà 1 relacionam-se as grandezas irradiância, frequência eresponsividade.1 Contudo, uma vez que serão utilizados

1 Irradiância é uma grandeza radiométrica, enquanto iluminânciaé sua equivalente fotométrica. As grandezas fotométricas sãoobtidas levando-se em conta uma função de eficiência luminosaespectral fotópica V (λ), definida pela Commission Internationalde l’Éclairage (CIE), com o intuito de quantificar o efeito visualproduzido pela radiação ótica como é percebida pelo olho humano.Ou seja, essencialmente considera somente a região visível doespectro eletromagnético.

Figura 1: a) Montagem do luxímetro utilizando o protoboard;b) esquema do circuito eletrônico construído.

valores relativos nos experimentos, que a responsividadeespectral do fotodetector TSL237s-LF [8] não diferemuito daquela do fotodetector no luxímetro PASCO®OS-8020 [4] e que os valores absolutos medidos pelosluxímetros comerciais só têm validade nos experimentosquando é utilizada a mesma fonte de sua calibração(normalmente esta é citada no manual e está presentenos kits comercializados), pode-se considerar a validadeda equação 1 da maneira acima colocada.

Na sequência foi projetada uma placa de circuitoimpresso, em substituição ao protoboard, utilizando-seo software gratuito PCB Artist, conforme a Figura 2a.Para sua confecção foi utilizada uma placa virgemde circuito impresso, de fenolite e com face simples,dimensões 10,2 cm × 9,0 cm. Inicialmente, a superfíciede cobre da placa foi limpa com uma esponja de lã deaço fina. O desenho do circuito, com suas trilhas e ilhasfoi impresso em papel glossy numa impressora a lasercomum. Em seguida, este desenho foi transferido para aplaca usando o método térmico. Para isso colocou-se aface impressa do papel em contato com o cobre da placa ecobriu-se com um pedaço de papel sulfite. Passou-se com

DOI: https://doi.org/10.1590/1806-9126-RBEF-2020-0502 Revista Brasileira de Ensino de Física, vol. 43, e20200502, 2021

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Figura 2: a) Projeto da placa de circuito impresso feita noprograma PCB Artist. b) Foto da placa de circuito impressofinalizada, com os componentes soldados a ela.

o ferro de passar roupa aquecido, fazendo leve pressão,de modo que o tonner do desenho ficasse aderido àplaca. Esperou-se esfriar completamente, então o papelfoi umedecido e depois retirado lentamente, deixando otonner que compõe o desenho aderido à placa.

Feito isso, mergulhou-se a placa de fenolite com ocircuito transferido numa solução de percloreto de ferropara ocorrer a corrosão das partes não cobertas docobre. Terminada a corrosão, lavou-se a placa em águacorrente. Mantendo-a molhada e usando uma esponjamacia e sabão, o tonner foi removido deixando visível astrilhas de cobre. Após a placa estar seca, foram feitosos furos com uma mini-furadeira de mão. As trilhas decobre foram limpas com uma esponja de aço fina atéo metal ficar completamente exposto e, em seguida, foiaplicada uma demão de verniz caseiro preparado combreu e álcool isopropílico. Para finalizar foram soldadosos componentes e pinos conectores conforme a Figura 2b.

Furos também foram feitos na caixa Patola® usadapara abrigar os componentes eletrônicos, botões, LEDs,display LCD e sensor TSL237s-LF. Optou-se por acoplara entrada de luz do TSL237s-LF a uma conexão de fibraótica usada na comunicação de áudio em DVDs. Issopermite uma certa mobilidade e flexibilidade na sondade medição sem perda significativa de sensibilidade.Dessa forma, o TSL237s-LF foi adaptado a um conectorBNC fêmea de painel e fixado à caixa Patola® comcola instantânea Vonder e bicarbonato de sódio, comomostrado nas Figuras 3a e 3b. Para esta montagem foinecessário extrair a conexão elétrica e a parte isolantecentral do conector original. Uma das extremidades dafibra ótica foi fixada a um conector BNC macho, doqual também foram retirados o pino e o isolante central,como ilustrado na Figura 3c. Com isso a fibra ótica podeser facilmente conectada ao sensor TSL237s-LF. A suaoutra extremidade, livre de conexões, se torna a sondade medição. A Figura 3d mostra a caixa Patola® fechadacom todo o circuito dentro e o luxímetro finalizado podeser observado na Figura 3e.

4. Aplicação em Alguns Experimentos

Como dito anteriormente, a motivação para a cons-trução deste luxímetro é o levantamento experimental

Figura 3: a) Fixação do TSL237s-LF junto a um conectorBNC fêmea na caixa Patola®; b) visão exterior da conexão doTSL237s-LF; c) fibra óptica com o conector BNC macho parafácil acoplamento da sonda de medição; d) circuito e conexõesinternas do luxímetro finalizado; e) exterior do luxímetro finali-zado.

da intensidade da luz monocromática difratada poruma fenda única em função da posição com relação aomáximo central da difração. Usualmente o experimentoda difração da luz visível em fenda única é conteúdo dasdisciplinas de laboratório dos cursos de graduação emFísica e das Engenharias. Para facilitar a visualização eas medidas, é frequente o uso de lasers que produzem luzmonocromática com intensidades razoáveis. Contudo,mesmo assim, é necessário um luxímetro suficientementesensível para possibilitar a medida da intensidade lu-minosa, especialmente dos máximos secundários, cujasintensidades não chegam a 5% da intensidade do máximocentral.No caso mais simples, da difração da luz monocro-

mática por um fenda única de geometria retangular, naqual uma das dimensões da abertura é muito maior que aoutra, esta curva de intensidade é normalmente deduzidae apresentada nos livros didáticos de física básica, tendouma forma matematicamente simples cuja expressão édada por:

I

I0=

(sin(α)α

)2(2)

onde I é a intensidade luminosa, I0 é a intensidadeluminosa do máximo central e α é dado por:

α = π · a · sin(θ)λ

(3)

onde a é a largura da fenda, λ é o comprimento de ondada luz difratada e θ é o ângulo formado entre o eixoóptico e a linha que conecta a abertura ou obstáculo aoponto de observação. A verificação experimental destaexpressão matemática pode ser facilmente realizada aoconcentrar a análise em pontos próximos ao máximocentral da figura de difração. Considerando ainda umadistância entre fenda e fibra ótica L muito maior que adistância entre o máximo central da figura de difraçãoe a posição de observação y, L >> y, pode-se fazer aaproximação sin(θ) ≈ tan(θ) ≈ y/L, o que leva à se-guinte expressão para α, agora dependente diretamente

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Pereira et al. e20200502-5

de y:

α = π · aL · λ

· y (4)

o que faz com que a equação 2 tome a seguinte forma:

I

I0=

(sin((π · a)/(L · λ) · y)

(π · a)/(L · λ) · y

)2(5)

Assim, tem-se uma expressão que relaciona direta-mente a intensidade luminosa em função da posição paraa figura de difração obtida.Como forma de verificar se o luxímetro construído

pode substituir o PASCO® OS-8020 nas aulas, foimontado o experimento “Difração da Luz em FendaÚnica”. Neste experimento, apresentado na Figura 4ae realizado numa sala escura, luz com comprimento deonda 633 nm proveniente de um laser de He-Ne JDSUmodelo 1508-1 e potência <1 mW [12] incide numafenda de largura nominal igual a 0,04 mm PASCO® OS-8850 [13], cuja figura de difração é projetada sobre umsuporte da sonda de fibra óptica a 0,5 m de distância.Todo o experimento é montado num trilho óptico.Inicialmente, acopla-se a fibra óptica ao luxímetro ea um transladador horizontal em sua posição central.O transladador é capaz de medir a posição da fibraóptica num intervalo de aproximadamente 50 mm, comprecisão de 1 mm. Dessa maneira, é possível medir aintensidade luminosa em função da posição da fibraótica. Em seguida, a fonte laser é posicionada no trilhoóptico a uma distância de 70 cm da fibra óptica. O laseré ligado e ajustado para incidir diretamente sobre a fibraóptica. Com isso, o máximo central da difração coincidecom esta posição, medida no transladador. Assim, épossível obter tanto uma curva simétrica com relação aomáximo central quanto a iluminância dos dois primeirosmáximos secundários. Entre o laser e a fibra óptica éinserida a fenda única, a uma distância de 50 cm destaúltima, ajustando-a de tal forma a se obter uma figurade difração orientada horizontalmente. Isto permite quea fibra óptica possa percorrê-la. Na sequência, com olaser desligado, é feita a medida residual para descontarcontribuições da luz ambiente. Liga-se novamente o lasere, a partir deste momento, medidas da iluminância daluz difratada são feitas transladando-se a fibra ópticade 2 mm em 2 mm, até que percorra todo seu trajetodisponível conforme a Figura 4b.Uma vez coletados todos os dados, dividem-se os valo-

res da iluminância pelo valor máximo medido, obtendo-se assim uma medida relativa em função da posição.Os resultados obtidos são apresentados na Figura 5,onde o valor de posição zero foi arbitrariamente escolhidocomo o ponto de máxima iluminância.A linha tracejada na Figura 5 é o ajuste da curva

teórica representada pela equação 5, de onde é possívelextrair o valor da largura da fenda. Para realizar esteajuste, foi considerada a seguinte equação no processo

Figura 4: a) Foto da montagem experimental utilizada; b)detalhe da figura de difração incidindo sobre o suporte com afibra óptica, a qual pode se movimentar horizontalmente.

Figura 5: Curva de intensidade relativa em função da posição.Os pontos sólidos circulares são as medidas experimentais e alinha tracejada é o ajuste teórico.

de regressão por mínimos quadrados:

I/I0 = A + B ·[

sin(C · (y + D))C · (y + D)

]2(6)

onde A, B, C e D são constantes a determinar.A constante A ajusta o valor mínimo de intensidade

de luz no ambiente e é esperado que seja o mais próximode zero. O botão para leitura de intensidade residualpermite a obtenção de valores bem baixos para A.A constante B ajusta o valor máximo da intensidadeque, neste caso de intensidade relativa, é esperado queseja próximo a um. O valor da constante D ajustaa posição em que ocorre o máximo de intensidaderelativa, esperado próximo a zero. Como a intensidadeé normalizada utilizando os pontos experimentais, épossível que B tenha uma leve diferença da unidade eD uma leve diferença do zero, implicando que o valormáximo da intensidade relativa ajustada não se encontrana posição zero e, consequentemente, é maior que aunidade. Finalmente, a constante C depende do sistema

DOI: https://doi.org/10.1590/1806-9126-RBEF-2020-0502 Revista Brasileira de Ensino de Física, vol. 43, e20200502, 2021

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e é a partir de seu valor que se pode calcular a largura dafenda, uma vez que ela representa a seguinte expressão:

C = π · aL · λ

(7)

Os valores obtidos são:

A = (−1 ± 4) × 10−3 (8)B = 1,03 ± 0,01 (9)C = (413 ± 4) m−1 (10)D = (47 ± 3) × 10−4 m (11)

A largura da fenda obtida dessa forma é igual a0,04158 mm, uma variação percentual de apenas 3,9%se comparado com o valor nominal.

Para verificar sua viabilidade nas demais atividadesdo laboratório didático, o luxímetro construído foi uti-lizado também nos experimentos que tratam sobre apolarização da luz e a lei fotométrica da distância. Noprimeiro, é verificada experimentalmente a Lei de Malus,que descreve como a intensidade I da luz transmitidaatravés de dois polarizadores depende do ângulo θ entreseus eixos de polarização. Matematicamente, a Lei deMalus é expressa como:

I = I0 · cos2(θ) (12)

onde I0 será considerada como a intensidade máxima daluz emergente no segundo polarizador. A figura 6 mostrao gráfico obtido a partir da coleta de dados realizadautilizando-se o luxímetro construído, utilizando-se comofonte de luz uma lâmpada LED branca.O ajuste aos dados experimentais foi feito através da

seguinte equação:

I/I0 = A′ + B′ · cos2(θ + C′) (13)

Figura 6: Curva de intensidade relativa em função do ânguloentre os eixos de polarização dos dois polarizadores. Os pontossólidos circulares são as medidas experimentais e a linhatracejada é o ajuste teórico para a Lei de Malus.

onde A’, B’ e C’ são constantes e suas interpretações sãomuito similares ao discutido no experimento anterior.A constante A′ também ajusta o valor mínimo deintensidade e é esperado que seja o mais próximo possívelde zero. A constante B′ também ajusta o valor máximoda intensidade que, neste caso de intensidade relativa, éesperado que seja próximo a um. A constante C′ ajusta aposição angular em que ocorre o máximo de intensidaderelativa, esperada próxima a zero. Os valores obtidos são:

A′ = −0,020 ± 0,008 (14)B′ = 1,01 ± 0,02 (15)C′ = (−2,2 ± 0,4)◦ (16)

Finalmente, no experimento para verificar a lei foto-métrica da distância, a iluminância é medida em funçãoda distância entre a fonte e fotodetector, sendo que adependência entre elas é dada por:

E = I

r2 (17)

onde E é a iluminância, I é a intensidade luminosada lâmpada e r é a distância entre fonte e detector.A Figura 7 apresenta os resultados obtidos das medidasutilizando-se uma lâmpada incandescente como fonte,assim como a linearização e o ajuste de reta obtidos apartir dos dados experimentais.É possível observar que os dados obtidos são consis-

tentes. O ajuste dos dados experimentais linearizados foifeito através da seguinte equação:

E = A′′ + B′′ · r−2 (18)

onde A′′ e B′′ são constantes, cujos valores obtidos são:

A′′ = (0,174 ± 0,009) lux (19)B′′ = (0,1235 ± 0,0004) lm (20)

Figura 7: Curva linearizada de iluminância em função da posi-ção. Os pontos sólidos circulares são as medidas experimentaise a linha tracejada é o ajuste linear.

Revista Brasileira de Ensino de Física, vol. 43, e20200502, 2021 DOI: https://doi.org/10.1590/1806-9126-RBEF-2020-0502

Page 7: Construção de um luxímetro digital utilizando plataforma

Pereira et al. e20200502-7

Do coeficiente angular, pode-se calcular o valor daintensidade luminosa da lâmpada, lembrando que estevalor não deve ser o real devido ao luxímetro não estarcalibrado.Finalmente, conclui-se que o luxímetro construído

atende as necessidades do laboratório didático de físicaexperimental voltado a experimentos de Óptica. Alémdisso, o equipamento tem custo relativamente baixo, suamanutenção não necessita mão-de-obra especializada epode ser excelente exercício de instrumentação científicapara a graduação em Física.

5. Conclusões

Ao se trabalhar com a experiência “Difração da Luz”no laboratório didático de física experimental, há anecessidade de utilização de instrumentos sensíveis paraa medição e análise quantitativa da luz difratada, par-ticularmente luxímetros. Tendo como objetivo a cons-trução de um luxímetro baseado em plataforma abertaArduino, verificou-se que o mesmo atende aos requi-sitos necessários para sua aplicação neste experimentotrabalhado em sala de aula, possibilitando a substi-tuição de luxímetros comerciais em final de vida útil.Dessa forma, além de custos mais baixos de aquisiçãoe manutenção, sua construção torna-se um excelenteexercício de instrumentação a alunos de graduação tantoem Física quanto em Engenharias. Adicionalmente, oequipamento construído foi utilizado em outros experi-mentos que envolvem luxímetro: “Lei de Malus” e “LeiFotométrica da Distância”. Conclui-se, deste trabalho,que o luxímetro construído utilizando o fotodetectorTSL237s-LF e plataforma Arduino atende às necessida-des do laboratório didático direcionado a experimentosde Óptica em nível dos cursos de graduação em Físicae Engenharias. O equipamento é suficientemente pre-ciso para medir intensidades luminosas até o segundomáximo secundário da curva de difração de luz laserem fenda única, assim como permite a verificação daLei de Malus em polarizadores e a Lei Fotométricada Distância utilizando fontes de luz convencionais.Assim, o luxímetro construído pode ser utilizado em salade aula, em substituição a luxímetros comerciais maiscustosos tanto na aquisição quanto na manutenção.

Agradecimentos

Os autores gostariam de agradecer ao Conselho Nacionalde Desenvolvimento Científico e Tecnológico – CNPq,através do Programa Institucional de Bolsas de IniciaçãoTecnológica – PIBITI.

Material suplementar

O seguinte material suplementar está disponível online.Códigos Arduino

REFERÊNCIAS

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[2] J.L.P. Ribeiro e M.F.S. Verdeaux, Rev. Bras. Ens. Fis.34, 1 (2012).

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DOI: https://doi.org/10.1590/1806-9126-RBEF-2020-0502 Revista Brasileira de Ensino de Física, vol. 43, e20200502, 2021