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11 Manifestações do Risco Dendrocaustológico Consequências geográficas dos incêndios florestais nas serras de xisto do centro de Portugal. Primeira abordagem * Introdução Todos os anos, irremediavelmente, as matas portuguesas continuam a ser debeladas, com maior ou menor intensidade, pelos incêndios florestais. A destruição tem atingido tamanhas proporções que, em poucos anos, até a maior mancha de pinhal da Europa, aquela que se desenvolvia nas serras de xisto do Centro de Portugal, foi praticamente destruída. Em pé restam, ainda, alguns pequenos povoamentos de pinhal que, infelizmente e à primeira vista, parecem condenados à mesma sorte, pois nada ou muito pouco se tem efectivamente feito para mudar o rumo dos acontecimentos, de tal maneira que até parece lógico perguntar, por quanto tempo se manterão ainda verdes? As causas dos incêndios são sobejamente conhecidas, pelo que não merecem ser aqui desenvolvidas. As soluções são, também, conhecidas, desde há muito. Pena é, que os detentores das responsabilidades políticas não tenham tido, até ao momento presente, o querer e a coragem precisas para as encarar e, concomitantemente, para tomar as soluções acertadas, necessárias para reduzir, de modo significativo, as áreas queimadas anualmente, posto que a diminuição do número de incêndios parece tarefa mais difícil de obter a curto prazo. Continuamos, efectivamente, empenhados no combate e na prevenção dos incêndios florestais e lamentamos que não se dedique mais tempo e, sobretudo, mais investimento, a sério e com responsabilidade, na sua prevenção, pois todos sabemos que é nela que reside a grande solução para o problema. Alguns pequenos passos já foram dados, mas por enquanto, ainda * Actas, IV Colóquio Ibérico de Geografia, Coimbra, 1986, p. 943-957.

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Page 1: Consequências geográficas dos incêndios florestais nas ... · Castanheira de Pêra, Figueiró dos Vinhos e Pedrógão Grande, do Agrupamento de Figueiró dos Vinhos; Lousã, Miranda

11Manifestações do Risco Dendrocaustológico

Consequências geográficas dos incêndios florestaisnas serras de xisto do centro de Portugal.

Primeira abordagem*

Introdução

Todos os anos, irremediavelmente, as matas portuguesas continuam a serdebeladas, com maior ou menor intensidade, pelos incêndios florestais. Adestruição tem atingido tamanhas proporções que, em poucos anos, até amaior mancha de pinhal da Europa, aquela que se desenvolvia nas serras dexisto do Centro de Portugal, foi praticamente destruída.

Em pé restam, ainda, alguns pequenos povoamentos de pinhal que,infelizmente e à primeira vista, parecem condenados à mesma sorte, pois nadaou muito pouco se tem efectivamente feito para mudar o rumo dosacontecimentos, de tal maneira que até parece lógico perguntar, por quantotempo se manterão ainda verdes?

As causas dos incêndios são sobejamente conhecidas, pelo que nãomerecem ser aqui desenvolvidas. As soluções são, também, conhecidas, desdehá muito. Pena é, que os detentores das responsabilidades políticas não tenhamtido, até ao momento presente, o querer e a coragem precisas para as encarar e,concomitantemente, para tomar as soluções acertadas, necessárias para reduzir,de modo significativo, as áreas queimadas anualmente, posto que a diminuiçãodo número de incêndios parece tarefa mais difícil de obter a curto prazo.

Continuamos, efectivamente, empenhados no combate e na prevenção dosincêndios florestais e lamentamos que não se dedique mais tempo e,sobretudo, mais investimento, a sério e com responsabilidade, na suaprevenção, pois todos sabemos que é nela que reside a grande solução para oproblema. Alguns pequenos passos já foram dados, mas por enquanto, ainda

* Actas, IV Colóquio Ibérico de Geografia, Coimbra, 1986, p. 943-957.

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permanecem circunscritos ao papel em que foram redigidos. É imperioso eurgente passar à fase de aplicação concreta, se queremos salvar a pouca florestaque ainda resta ou que, entretanto, se começou a desenvolver nas áreas ardidas.

Mas, a análise das consequências geográficas provocadas pelodesaparecimento dessa mancha vegetal é, realmente, o grande objectivo de umestudo a desenvolver, a médio prazo, na região serrana afectada. Agora,abordar-se-ão, de modo superficial, apenas algumas das alterações introduzidasna paisagem pelos incêndios florestais.

O estudo centra-se nas serras de xisto do centro de Portugal, porconstituirem uma verdadeira área-crítica, um dos locais mais flagelados, todosos anos, pelos incêndios na floresta.

Como as informações estatísticas se organizam de acordo com as divisõesadministrativas do território (concelho, distrito, ...), o estudo não secircunscreverá, apenas, aos limites físicos da serra, mas respeitará essas divisõesadministrativas. Por outro lado, não considerará, somente os concelhosexclusivamente serranos, mas englobará também os concelhos limítrofes quecom eles apresentem algumas afinidades.

Deste modo, após a definição da área, verificou-se que inclui os 18concelhos pertencentes à sub-região abrangida pelo “Programa Integrado deDesenvolvimento Regional da Zona do Pinhal”. São eles: Arganil, Góis,Pampilhosa da Serra e Tábua, do Agrupamento de Arganil, Alvaiázere, Ansião,Castanheira de Pêra, Figueiró dos Vinhos e Pedrógão Grande, doAgrupamento de Figueiró dos Vinhos; Lousã, Miranda do Corvo, Penela eVila Nova de Poiares: do Agrupamento da Lousã; Oleiros, Proença-a-Nova,Sertã e Vila de Rei, do Agrupamento da Sertã; Penacova, do Agrupamento deCoimbra(1) e, ainda, o concelho de Oliveira do Hospital, pertencente à sub--região do Alto Mondego/Serra da Estrela e ao Agrupamento de Seia (fig. 1),cujas características topográficas, climáticas e, particularmente, vegetais,

1 Este concelho não foi incluído no trabalho “Zona do Pinhal, contribuição para um seu estudo” (3 Vol.),publicado pela Comissão de Coordenação da Região Centro, Coimbra, s/d, e elaborado pelos Gabinetesde Apoio Técnico (GATs) de Arganil, que coordenou, Figueiró dos Vinhos, Lousã e Sertã, mas já foiconsiderado na publicação “Programa de Desenvolvimento da Região Centro”, vol. III, Comissão deCoordenação da Região Centro, Coimbra, 1986, dedicado ao programa sub-regional “Pinhal”.

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mormente a Sul, são, no todo ou em grande parte, afins às da “Zona doPinhal”(2).

Outros concelhos circunvizinhos deveriam, ainda, ser considerados. Só onão foram por se situarem fora dos limites da Circunscrição Florestal deCoimbra e, por esse facto, carecerem de elementos que permitam otratamento em pé de igualdade com os seus congéneres desta CircunscriçãoFlorestal. Apenas os concelhos do Agrupamento da Sertã, dependentes daCircunscrição Florestal de Viseu, merecem ser incluidos pois, a partir de 1983,a Administração Florestal de Castelo Branco também passou a efectuar oslevantamentos de campo e a cartografar os grandes incêndios ocorridos na áreada sua jurisdição.

1. Cartografia dos incêndios florestais

Para uma avaliação precisa das áreas dizimadas, procedeu-se à implantaçãocartográfica dos incêndios florestais que destruiram áreas iguais ou superioresa dez hectares(3), de modo a permitir analisar, depois, essa sua distribuiçãotanto no tempo como no espaço.

A metodologia usada na elaboração da cartografia que ora se apresenta(fig. 2), consistiu na recolha dos levantamentos de campo, inéditos, realizadosna escala de 1/25 000, pelos Eng.º Luís Soares e Nelson Gomes, para osincêndios ocorridos depois de 1974 na área da Circunscrição Florestal de

2 A Comissão Distrital, recentemente “encarregada de propor e dinamizar medidas especiais de defesacontra fogos florestais”, criada por resolução de Conselho de Ministros, inclui este concelho, a par deArganil, Góis, Lousã e Penacova, num programa-piloto de acções de prevenção contra incêndiosflorestais. Para este projecto foram escolhidos “concelhos em que a aptidão e utilização dos solos épredominantemente florestal, de relevo acentuado e onde a incidência de fogos tem sido sempreelevada” (Diário de Coimbra, 87.03.03, p. 3).Mercê da ampliação da “Zona do pinhal” e da inclusão do concelho de Oliveira do Hospital no“programa-piloto”, parece correcta a delimitação da área inicialmente proposta para a realização desteestudo.

3 Estas áreas, sendo projectadas, são diferentes das áreas reais cujos valores duplicam sempre que atingemdeclives ž 60°.

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Fig. 1 - Área em estudo. Esboço de localização.1. Concelhos do Agrupamento de Arganil; 2. idem, da Lousã; 3. ibidem, de Figueiró dos Vinhos;4. ib., de Coimbra; 5. ib. de Seia; 6. ib., da Sertã; 7. concelhos abrangidos pelo “Programa pilotode acções de prevenção contra incêndios florestais”; 8. concelhos da “Zona do Pinhal”, inicialmentedefinida; 9. concelhos da actual “Zona do Pinhal”; 10. limite de Agrupamento; 11. limite do

concelho; 12. sede do Agrupamento; 13. sede do concelho.

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1

2

3

4

5

6

7

8

9

10

11

12

13

Miranda do Corvo

Pampilhosa da Serra

Penacova

ARGANIL

Góis

LOUSÃ

Oliveira do Hospital

Tábua

Vila Nova de Poiares

Penela

Ansião

Castanheira de Pêra

Pedrogão Grande

Alvaiázere

FIGUEIRÓ DOS VINHOS

SERTÃ

Vila de Rei

Proença-a-Nova

Oleiros

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Coimbra(4), e pelos Eng.os Baptista e Bernardino, da Administração Florestalde Castelo Branco, para os grandes incêndios florestais registados, entre 1983e 1986, nos concelhos do Agrupamento da Sertã.

Posteriormente, reduziram-se à escala de 1/50 000 e implantaram-se sobrefolhas da Carta Corográfica de Portugal do Instituto Geográfico e Cadastralcorrespondentes à área em análise, para se obter uma visualização conjunta dassuperfícies queimadas e, simultaneamente, do seu escalonamento no tempo,usando-se para isso cores diferentes (fig. 2-A). A identificação das áreas ardidasvárias vezes faz-se, fácil e rapidamente, através de simbologia adequada(fig. 2-B).

Os levantamentos cartográficos dos grandes incêndios florestais verificadosantes de 1975, nos concelhos em estudo pertencentes à Circunscrição Florestalde Coimbra, foram feitos directamente no campo. Tal tarefa só foi possívelmercê da colaboração do senhor Eng.º Amândio Torres, AdministradorFlorestal da Lousã, traduzida na cedência do guarda florestal, senhor EduardoBaeta, que sempre nos acompanhou, sobre o terreno, durante a realização doslevantamentos.

Com a ajuda da sua prodigiosa memória, que lhe permitiu não só recordarmas também reviver muitas das horas, por vezes aflitivas, passadas no combateao fogo e dos pormenores de cada luta “foi aqui que o atalhámos”, “tivemo-loquase dominado nesta crista”, “ali atravessou-nos a estrada”, “foi lá em baixoque ele começou”, “vi-me aflito para evecuar, de helicópetro, os idosos destaaldeia” e, ... tantos outros registos minuciosos que, pouco a pouco,possibilitaram demarcar, com maior ou menor rigor, às vezes só poraproximação, os limites dos grandes incêndios, nalguns casos ocorridos hámais de 20 anos.

Tal trabalho só pôde ser feito por quem se consagrou de alma e coração àfloresta, dando-lhe, com amor, toda uma vida: “são só 36 anos de [dedicaçãoà] floresta”, dizia-nos com simplicidade e como que a justificar o seu à vontadena serra, que conhece como ninguém.4 A consulta e recolha dos elementos existentes na Circunscrição Florestal de Coimbra, foi efectuada

pelos alunos da disciplina de Geografia Física I, curso de 1984/85. Um grupo de alunos do curso de1985/86 actualizou e reorganizou esses elementos.

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Fig. 2 - Áreas queimadas na floresta das serras de xisto do Centro de Portugal.

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A - Sobreposição das áreas ardidas; B - Realce das áreas queimadas mais de uma vez.

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5 Estes elementos foram recolhidos pelos alunos da disciplina de Geografia Física I, do curso de 1984/85.Um grupo de alunos da disciplina de Climatologia, do curso de 1986/87, estendeu o período emestudo até ao primeiro grande incêndio registado na região, completando-se, assim, a comunicaçãopreparada em Setembro.

A pesquisa dos anos em que se verificaram estes incêndios que, emborapermaneçam vivos na memória das pessoas, são por vezes confundidos, “jáforam tantos que a gente até se esquece dos anos”, obteve-se por consulta aosjornais, especialmente ao trissemanário mais difundido na região, a “Comarcade Arganil”(5).

Deste modo, apesar das lacunas e deficiências que eventualmente possamconter, delimitaram-se os incêndios mais importantes, alguns dos quaisconstituem verdadeiros marcos na cronologia dos incêndios na região.Referimo-nos, por exemplo, ao primeiro grande incêndio, ocorrido em 1961:“um violento sinistro reduziu a cinzas milhares e milhares de árvores doPerímetro Florestal da Serra da Aveleira e pinhais particulares de todas asencostas, montes e vales, ...”. Um outro, o primeiro em que estiveramenvolvidos os meios aéreos, verificou-se “no dia 02.08.70, cerca das 6 horas damanhã, uma faísca provocou um incêndio em matos, na serra ao cimo doCadafaz (...). Mais tarde compareceram então o helicópetro e os três aviõesvindos da Lousã, que lançaram sobre as chamas um líquido apropriado para ocombate aos incêndios ...” (Comarca de Arganil, 1970.08.04).

Retomando a análise das manchas florestais destruídas (fig. 2), verifica-se que,no período de 1975-86, dos concelhos situados entre os rios Mondego e Zêzere,são os da Pampilhosa da Serra, Castanheira de Pêra, Arganil e Góis, aqueles queapresentam percentagens mais elevadas de áreas devastadas pelos incêndiosflorestais, respectivamente de 91, 68, 60 e 60%, em relação à superfície total doconcelho, e de 183, 151, 133 e 122%, relativamente à sua área florestada.

Os concelhos menos dizimados foram aqueles que apresentam altitudesmenores, os localizados sobre a Orla Meso-Cenozóica Ocidental, ou sejam, osde Ansião e de Alvaiázere, com percentagens de 2 e 10%, quando serelacionam as superfícies reduzidas a cinzas com áreas totais do concelho, e de6 e 29%, quando se comparam aquelas com os hectares arborizados nessesmesmos concelhos.

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2. Relação com a litologia, a altitude e o clima

Uma análise mais exaustiva ao modo como se distribuem os incêndiosflorestais mostra que a área com maiores manchas de vegetação queimadacondiz com as serras de xisto, correspondentes às maiores altitudes, e diminuilogo que as abandonamos quer em direcção à “Plataforma da Beira Alta”, aNorte, quer rumo aos calcários, pouco amigos de Pinhal, a Ocidente (fig. 2).

A Norte, pode considerar-se limitada pelo rio Alva, embora a Este deCoimbra se alongue no sentido setentrional, acompanhando odesenvolvimento das serras de xisto-graváquicas do Maciço Marginal.Prolonga-se para Sul, acompanhando praticamente o contacto entre a OrlaMesocenozóica Ocidental e o Maciço Antigo Ibérico. Neste sector, os limitesbordejam as serras quartzíticas, aproximando-se do alinhamento definidopelos rios Dueça, tramo jusante da ribeira de Alge e troço final do rio Zêzere.Por isso, apenas a parte oriental do concelho de Penela tem algumarepresentatividade, do mesmo modo que só os redutos mais orientais dosconcelhos de Ansião e de Alvaiázere apresentam afinidades com a serra, peloque só aí vamos encontrar superfícies ardidas com importância maissignificativa.

As áreas situadas a Sul e a Oriente dos limites da Circunscrição Florestal deCoimbra carecem de informações detalhadas, pelo que não é possívelestabelecer uma relacionação tão nítida entre os hectares queimados dentro efora da serra. É evidente que as manchas queimadas não se circunscrevem àsrepresentadas existindo, também, para nascente e para Sul dela, pois assituações topográficas continuam a ser análogas. Se bem que para Nordeste, alitologia se modifique e a altitude aumente, para Sul e Sueste a naturezalitológica mantém-se e a altitude decresce progressivamente. Assim sendo, sónão aparecem grandes manchas queimadas porque os levantamentos nãoforam feitos.

Os aspectos que acabam de ser mencionados, litologia e altitude, apenasindirectamente interferem sobre a extensão das áreas devastadas pelosincêndios florestais, através da influência que exercem sobre as espéciesvegetais. É especialmente a nível do sub-bosque que se registam as alterações

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mais evidentes devidas à necessidade de adaptação a determinados tipos desolos ou a diferentes altitudes, mais elevadas ou mais baixas.

Mas, quando se caminha para Nascente e para Sul, são também notórias asmodificações da vegetação, não tanto em função dos factores acabados dereferir, os solos e o relevo, mas sobretudo devidas a alterações climáticas.

À medida que nos vamos afastando do oceano, a acção moderadora destesobre o clima atenua-se, levando ao aumento dos valores das temperaturas e àdiminuição das humidades relativas, o que, determinando índices de securaelevados, torna as plantas em presas fáceis das chamas.

Para uma avaliação concreta destes valores, é imprescindível e urgenteinstalar estações climatológicas na região, de molde a fornecerem os elementosnecessários para a determinação dos diferentes índices utilizados na prevençãodos incêndios florestais. Só conhecendo as situações climatológicas reais econcretas de cada sub-região se podem definir, com rigor as condições locaisem que os incêndios deflagram e progridem na floresta. Uma vez conhecidasestas situações será possível estabelecer, a breve trecho, os parâmetros que asenquadram. A partir destes, logo que tenha passado o tempo suficiente paraserem devidamente testados, poderão definir-se os diferentes índices locais deperigo de incêndio e, com base neles, difundir os convenientes alertas aosmeios de combate e às populações.

A título de exemplo, para realçar a influência do clima, apontam-se os anosde 1977 e de 1984 como casos em que as áreas devastadas pelas chamas foramreduzidas (fig. 3). Essa diminuição ficou a dever-se, essencialmente, ao factodos meses de Verão desses anos se apresentarem com temperaturas inferiores ecom humidades relativas superiores à média, tendo-se registado até algunsepisódios pluviosos(6).

Alargando o período de análise para um quarto de século, iremos colocar oseu início no ano de 1961. Desta época apenas se poderão tratar os grandesincêndios já que dos pequenos, passados tantos anos, seria extremamentedifícil e arriscado, por falta de testemunhos fidedignos, tentar elaborar umacartografia que oferecesse uma margem de segurança aceitável. Assim, não foi6 Sobre este assunto, temos em preparação um trabalho em que se relacionam directamente algumas

variáveis climáticas com o número de incêndios verficados no Centro de Portugal nos últimos anos.

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possível quantificar, com precisão, todos os hectares devorados pelas chamasneste lapso de tempo, mas, pese essa impossibilidade, não nos restam dúvidassobre qual é o concelho que passa para a cabeceira, quando se alarga o períodoem estudo. É, efectivamente, o de Arganil, pois as vertentes da serra da Aveleira,do Cabeço do Monte Redondo e da serra do Vale Grande têm sido das maisfustigados pelas chamas (1961, 1965, 1973, 1974, 1975, 1979, 1981, 1983 e 1985).

Mas, infelizmente, esse centro não é único. Logo a Ocidente dele, surgeoutra área também muito flagelada. É constituída pelo Monte Rabadão, pelaserra do Vieiro, queimados pela primeira vez em 1965, e pela serra da Gatuxa,que registou o seu primeiro incêndio em 1970.

A Sul deste conjunto de serras que foram pasto das chamas, desenvolve-seoutro mais extenso. Da serra da Lousã (Trevim, Santo António da Neve)estende-se para Oriente até à serra de Cebola, deixando pelo caminho, cobertasde cinzas, as serras das Caveiras, da Rocha e da Silva e prolonga-se paraocidente através de Malhadizes, Chão do Bardo e Cabeço do Pião.

Exteriormente à Cordilheira Central e circunscrito às serras do MaciçoMarginal de Coimbra surge outro sector significativo de floresta destruída pelofogo, cujo expoente máximo dessa destruição fica compreendido entreMiranda do Corvo e o Senhor da Serra.

A sul do rio Zêzere, e limitando a análise apenas ao período de 1984-86,constata-se que o concelho mártir foi o de Vila de Rei (fig. 2). Só neste ano de1986, foram dizimados pelo fogo 10 000 hectares de floresta, isto é, mais de50% da área concelhia e cerca de 80% da área florestada.

Se atentarmos agora na repartição das superfícies varridas pelo fogo naúltima dúzia de anos e no modo como se escalonam no tempo, verificamosque a maior parte delas pertence aos concelhos do Agrupamento de Arganil eque os anos mais devastadores foram os de 1981, 1975, 1985 e 1983 (fig 3).

Seguem-se-lhes, em ordem de importância, os concelhos do Agrupamentoda Lousã e, neste caso, os anos em que se debelaram mais hectares de florestaforam os de 1983, 1981, 1982 e 1978. Os concelhos do Agrupamento de Figueiródos Vinhos ocupam o lugar seguinte e os anos mais destruidores foram os de 1983,1985 e 1979. Curiosamente, são os concelhos de Figueiró dos Vinhos e de PedrógãoGrande os únicos que registam incêndios com alguma gravidade no ano de 1977.

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Em 1986 são os concelhos do Agrupamento da Sertã aqueles queapresentam os maiores quantitativos de floresta degolada pelo fogo, cujosvalores se referem quase exclusivamente ao grande incêndio de Vila de Reique, sozinho, suplantou em destruição todos os outros ocorridos nesse ano naárea em estudo.

Fig. 3 - Hectares de floresta queimados no período de 1975(83)-1986.(A - valores absolutos; B - valores acumulados).

1975

1976

1977

1978

1979

1980

1981

1982

1983

1984

1985

1986

1975

1976

1977

1978

1979

1980

1981

1982

1983

1984

1985

1986

25 000

20 000

15 000

10 000

5000

0

A B

40 000

20 000

60 000

80 000

100 000

0

120 000

140 000

160 000hectareshectares

Agrup. de ArganilAgrup. da LousãAgrup. de Figueiró dos VinhosOliv. do Hospital e PenacovaAgrup. da Sertã

3. As espécies queimadas

Continuando, ainda, centrados na análise à vegetação, verificamos que nosúltimos doze anos arderam, nos concelhos dos Agrupamentos situados a Nortedo rio Zêzere, 78 185 hectares de pinheiro bravo de particulares, 12 616 ha depinheiro bravo do Estado, 16 968 ha de eucaliptos privados, 226 ha deeucaliptos públicos e 22 864 ha de incultos, matos e pastagens (fig. 4).

Nos últimos anos, nota-se uma tendência significativa para aumento dasáreas ardidas ocupadas por incultos, matos e pastagens, bem como daspovoadas por eucaliptos, a par de uma certa diminuição das áreas colonizadas

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23Manifestações do Risco Dendrocaustológico

com pinheiro bravo, essencialmente porque, em regra, após o segundoincêndio, o pinheiro já não se regenera naturalmente, ao contrário do quesucede com o eucalipto. Os pinheiros, entretanto nascidos por regeneraçãoespontânea das pinhas deixadas pelos pinheiros queimados, ainda não sedesenvolveram o suficiente para, depois de consumidos pelo fogo, deixarempinhões que possam originar novos pinheiros. Assim, grande parte das áreas depinhal, depois de assoladas pelo fogo e após o segundo incêndio, ficamdevotadas ao uso exclusivo do mato.

Fig. 4 - Espécies queimadas no período de 1975 (83)-1986. Pnb - Pinheiro bravo;Ec - Eucalipto. (A - valores absolutos; B - valores acumulados).

Pnb (Privado)Pnb (Público)Ec (Privado)Ec (Público)Inculto, Mato, Pasto

B hectares

40 000

20 000

60 000

80 000

100 000

0

120 000

140 000

1983

1984

1985

1986

1975

1976

1977

1978

1979

1980

1981

1982

1983

1984

1985

1986

Agrupamentos a Norte do rio Zêzere Agrup. da Sertã

1983

1984

1985

1986

1975

1976

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1986

Agrupamentos a Norte do rio Zêzere Agrup. da Sertã

hectares

25 000

20 000

15 000

10 000

5000

0

A

Pelo contrário, o eucalipto regenera-se, naturalmente e com facilidade, porrebentamento da toiça, mesmo em caso de fogos repetidos. Além disso, não sóapresenta um crescimento muito mais rápido do que o pinheiro bravo mas, asua madeira, tem também, por parte das celuloses, uma procura muito maiordo que a daquele. Estes factores, associados às intensas campanhas dereflorestação com eucalipto, efectuadas directamente pelas empresascelulósicas, levaram a que, gradualmente, se assista à redução progressiva dasmanchas de pinheiro bravo em favor do eucalipto.

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4. Consequências

Na descrição que se tem vindo a apresentar já se relatou a mais flagrante emais relevante de todas as consequências dos incêndios florestais: a destruiçãoda própria floresta.

A aniquilição das matas é acompanhada por uma lenta e inexorávelmodificação da paisagem tradicional serrana(7), em que o pinheiro bravo vaicedendo o seu lugar ao eucalipto, originando outra importante consequênciados incêndios florestais.

A cadeia das consequências começa a desenlear-se. Alterando um dos elos,todos os outros são susceptíveis de modificação. A destruição da vegetação levaà alteração dos microclimas, particularmente dos verificados junto ao solo.São as amplitudes térmicas que aumentam consideravelmente enquanto queas humidades relativas decrescem de modo assustador, conduzindo a umaintensificação da aridez.

Consequência da falta de protecção, anteriormente oferecida pelavegetação, é a intensificação da meteorização das rochas e a destruição dos solos.Estes, que já de si são magros, quando não esqueléticos, ao ficarem desprotegidostornam-se presas fáceis da erosão sendo, por isso, mobilizados sem custo.

Além destas consequências a nível geológico e pedológico, a ausência davegetação tem, sobretudo, efeitos notórios nos domínios hidrológico egeomorfológico. As gotas de água da chuva, ao passarem a embater directamentecontra o solo, produzem um maior impacto que, por sua vez, vai acentuarsubstancialmente a acção erosiva dessas gotas, de modo especial a daquelas quepertencem às primeiras chuvadas caídas depois do deflagrar do incêndio.

A falta da vegetação faz, ainda, com que as taxas de infiltração diminuam eas velocidades do escoamento aumentem. Por sua vez, o decréscimo dos valoresda infiltração implica o aumento dos coeficientes de escoamento. Estes factos

7 Paisagem tradicional, entendida como predominante, após o intenso esforço de florestação das serras,posto que anteriormente era bem diversa. Então predominavam os matagais e giestais onde, depoisdas queimadas, se faziam as “cavadas” para nelas se cultivar o centeio. Aquém e além, geralmente naslinhas de água, permanecem alguns bosques de castanheiros, poupados pela tinta que, anteriormente,vitimou a maioria dos soitos e que, então, constituiam a floresta tradicional.

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25Manifestações do Risco Dendrocaustológico

contribuem para o avolumar dos caudais, líquido e sólido, transportados pelosrios e para tornar ainda mais, os já de si, torrenciais regimes dos cursos de água.

A maior acção erosiva das águas, não só se faz sentir nas águas ditasselvagens, mas também sobre os talvegues das linhas de água perfeitamentedefinidas. Um caso particular consiste no rápido desmantelar dosentulhamentos de tipo periglaciar, localmente designados por “solos depevide”, que atapetam (ou preenchiam) a maior parte dos fundos dos valeirosda região.

A acção erosiva é ainda facilitada pela movimentação superficial dos solos,sobretudo através de ripagens e gradagens, que é normalmente executadasempre que se procede às reflorestações. Este remeximento deixa grandesquantidades de partículas e de fragmentos de rocha disponíveis para posteriormobilização pelas águas pluviais. Nestas circunstâncias, a carga sólida dos riose riachos aumenta consideravelmente sendo, depois, abandonada nos locaisonde haja nítidas roturas de declive, traduzidas por uma acentuada diminuiçãoda inclinação do leito molhado do curso de água.

Normalmente, essas rupturas estão associadas às albufeiras criadas pelasbarragens existentes nos tramos médios e superiores dos rios serranos. Oanormal acarreio de materiais pelos rios e o seu abandono nas albufeiras, porperda de competência, vai reduzir substancialmente o volume útil e, emconsequência, a própria vida útil dessas mesmas barragens.

Continuando a “desafiar o rosário” das consequências geográficas dosincêndios florestais, podemos apontar algumas que se prendem com a fauna.Além da destruição, quase completa, dos predadores em geral que viviam nasáreas incendiadas e das suas respectivas presas e, em particular, das espéciesnormalmente utilizadas para caça, os incêndios provocam geralmente, após asua ocorrência, um aumento anormal do número de insectos nas áreasqueimadas, constituindo, muitas vezes, verdadeiras pragas, inicialmentecircunscritas aos troncos chamuscados pelo fogo, mas estendendo-se depoisaos pinhais circundantes.

Os incêndios florestais também manifestam os seus efeitos, por estranhoque à primeira vista possa parecer, sobre a fauna das águas continentais. Não sesabe ao certo até que ponto é que o aumento do caudal sólido dos rios,

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provocado pelos incêndios, vai afectar a vida dos peixes. Conhecem-se, noentanto, alguns casos relacionados com a truticultura que permitemestabelecer algumas relações com o que, eventualmente, poderá suceder forados viveiros.

Num deles, além do entulhamento completo do açude onde se fazia acaptação da água para o viveiro o que prova o aumento extraordinário doscaudais sólidos, verficou-se a morte da totalidade das trutas jovens. Constatou--se que a causa da morte destes milhares de salmonídeos foi a cinza, resultanteda combustão das espécies vegetais incendiadas, e que era transportada pelaágua, em dissolução. Acabava por ficar retida nas guelras das trutas, causando--lhes morte por asfixia. O mesmo terá sucedido, certamente, a muitos outrospeixes dos rios e albufeiras, embora, felizmente, nem todos sejam afectadoscom a mesma gravidade.

E que dizer das centenas e centenas dos cortiços e dos milhões de abelhasque, ao longo destes anos, foram imolados pelo fogo?

Por último, resta referir alguns dos efeitos económicos e das consequênciashumanas dos incêndios florestais. Podemos questionar-nos sobre qual será ofuturo das poucas comunidades que, tenazmente, ainda permanecem na serra,se lhes for retirada a floresta. Talvez sejam obrigadas a abandonardefinitivamente as aldeias onde nasceram e onde gostariam de continuar aviver, desde que lhes sejam asseguradas as condições mínimas de bem-estarexigidas pela vida moderna.

A resina constituía uma receita anual certa, obtida sem esforço e que serviade complemento aos magros proventos da maior parte dos agregadosfamiliares. Por outro lado, na sua extracção, empregava um númeroconsiderável de trabalhadores, numa região onde, fora da agricultura, os postosde trabalho são raros e os que existem estão em grande parte dependentes dafloresta: extracção e serração de madeira que, a manter-se a actual vaga deincêndios, correm o risco de, a curto prazo, ficarem sem matéria-prima para alaboração.

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Conclusão

Apontadas algumas das consequências geográficas mais flagrantes dosincêndios florestais, resta-nos não ficar intimidados com elas e procurar assoluções pertinentes.

É urgente reduzir drasticamente as áreas queimadas anualmente, para queas matas possam voltar a constituir um potencial de riqueza, não só pelamadeira que produzem mas também pela fauna que albergam e alimentam.Além disso, e porque não, deveriam passar a constituir áreas preferenciais de lazer,onde se poderia procurar o antídoto para o “stress” urbano.

A solução imediata e fundamental parece consistir na compartimentação ena limpeza das poucas matas que ainda restam. Sendo uma tarefa difícil, não éimpossível, basta quererem-no os nossos dirigentes. E, talvez por ironia dodestino, em caso de árvores de certo porte, o desbaste até paga a limpeza damata!

Outra solução, por nós preconizada há muito e que, por várias vezes,finalmente e com agrado o registamos, consta do já referido “programa-pilotode acções de prevenção contra fogos florestais” é a limpeza e posteriormanutenção das faixas laterais das principais estradas que atravessam manchasflorestais, para constituirem linhas naturais de corta-fogos. Quanto a nós, nãosó se devem manter as folhosas existentes nessas faixas, desde que devidamenteespaçadas, mas também, na medida em que os solos o permitam, se devemplantar nas clareiras então criadas, de modo a não eliminar, de Verão, a sombraaos viandantes.

Para efectuar estas limpezas e assegurar a sua manutenção, deveriam sercriadas pequenas brigadas florestais locais que, além de uma missãoessencialmente de prevenção de incêndios florestais, através da limpeza e daconservação das matas, constituiram motivo para a fixação das populações naspequenas aldeias serranas e que, depois de devidamente instruídas, poderiamintervir activamente no combate directo aos incêndios ocorridos no seu cantãoou nas suas proximidades.

Estamos certos de que a actuação destas brigadas iria reduzir substancialmenteo número de horas de vôo dos helicópteros e dos aviões usados no combate aos

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incêndios. Assim sendo, como cada hora de vôo dá para pagar o salário devários trabalhadores durante um mês, parece lógico investir na prevenção, pois,além de se reduzirem significativamente os gastos com o combate, e maisimportante do que isso, talvez voltássemos a ver, de novo, a floresta adesenvolver-se.

Simultaneamente, outras medidas já amplamente divulgadas, deveriam sertomadas. Referimo-nos, nomeadamente, à construção de pequenas barragensnas linhas de água, para reconstituição dos solos e onde se plantariam asfolhosas tradicionais da região, os castanheiros. Sob eles, poderiamdesenvolver-se pastagens, preferencialmente destinadas às cabras, os pequenosruminantes tradicionais, que assim voltariam a contribuir para a débileconomia regional, constituindo um natural complemento da agricultura demontanha.

Só garantindo meios de subsistência, que estarão dependentes da floresta,obviamente, e modernizando as culturas tradicionais, se poderão cativar asgentes serranas ainda lá residentes, de modo a continuarem a permanecer nassuas terras, contribuindo para que, de uma forma racional, a floresta volte adesabrochar nas serras e a desenvolver-se com equilíbrio, concorrendosignificativamente para a economia nacional, tão carenciada de recursos(8).

8 A execução gráfica, tanto do mapa como a distribuição dos incêndios como das figuras, coube aFERNANDO COROADO.Aos mencionados e a todos os outros que não sendo referidos também contribuiram, de algum modo,para este trabalho, o nosso bem-hajam.