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CONSELHO DE JUSTIÇA 1 Conselho de Justiça da FPF Recurso nº 41/ época 2007/08 e apensos ACÓRDÃO do Conselho de Justiça da Federação Portuguesa de Futebol (FPF), proferido na sua reunião de 4 de Julho de 2008, nos autos de recurso da deliberação tomada pelo COMISSÃO DISCIPLINAR (CD) DA LIGA PORTUGESA DE FUTEBOL PROFISSIONAL (LPFP) no âmbito do Processo Disciplinar nº 41- 07/08, em que são recorrentes JORGE NUNO DE LIMA PINTO DA COSTA, JACINTO SANTOS SILVA PAIXÃO, MANUEL ANTÓNIO CANDEIAS QUADRADO e JOSÉ CARLOS GLADIM CHILRITO. Vieram os recorrentes, JORGE NUNO DE LIMA PINTO DA COSTA, JACINTO SANTOS SILVA PAIXÃO, JOSÉ CARLOS GLADIM CHILRITO e MANUEL ANTÓNIO CANDEIAS QUADRADO, interpor recurso do acórdão da CD da LPFP que os condenou, respectivamente: - Jorge Nuno de Lima Pinto da Costa, presidente do conselho de administração da «Futebol Clube do Porto – Futebol, SAD» por estar provada a prática da infracção disciplinar muito grave «corrupção», p. e p. pelo artigo 100º, n. os 1 e 3, do RD 2003/04 do RD, na forma de tentativa, com as penas de 14 meses de suspensão para o exercício das funções de dirigente no âmbito das competições desportivas e multa de € 4.000 (quatro mil euros);

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CONSELHO DE JUSTIÇA

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Conselho de Justiça da FPF

Recurso nº 41/ época 2007/08 e apensos

ACÓRDÃO do Conselho de Justiça da Federação Portuguesa de

Futebol (FPF), proferido na sua reunião de 4 de Julho de 2008, nos

autos de recurso da deliberação tomada pelo COMISSÃO

DISCIPLINAR (CD) DA LIGA PORTUGESA DE FUTEBOL

PROFISSIONAL (LPFP) no âmbito do Processo Disciplinar nº 41-

07/08, em que são recorrentes JORGE NUNO DE LIMA PINTO DA

COSTA, JACINTO SANTOS SILVA PAIXÃO, MANUEL ANTÓNIO

CANDEIAS QUADRADO e JOSÉ CARLOS GLADIM CHILRITO.

Vieram os recorrentes, JORGE NUNO DE LIMA PINTO DA COSTA, JACINTO

SANTOS SILVA PAIXÃO, JOSÉ CARLOS GLADIM CHILRITO e MANUEL

ANTÓNIO CANDEIAS QUADRADO, interpor recurso do acórdão da CD da LPFP

que os condenou, respectivamente:

- Jorge Nuno de Lima Pinto da Costa, presidente do conselho de administração da

«Futebol Clube do Porto – Futebol, SAD» por estar provada a prática da infracção

disciplinar muito grave «corrupção», p. e p. pelo artigo 100º, n.os 1 e 3, do RD

2003/04 do RD, na forma de tentativa, com as penas de 14 meses de suspensão

para o exercício das funções de dirigente no âmbito das competições desportivas e

multa de € 4.000 (quatro mil euros);

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- Jacinto dos Santos Silva Paixão, árbitro, à data dos factos na 1ª categoria nacional,

e actualmente sem quaisquer funções de natureza desportiva, por estar provada a

prática da infracção disciplinar muito grave «corrupção da equipa de arbitragem», p.

e p. pelo artigo 151º-A do RD 2003/04, na forma consumada, com a pena de

suspensão de 4 (quatro) anos de suspensão para o exercício das funções de agente

de arbitragem;

- José Carlos Gladim Chilrito, árbitro, à data dos factos na 1ª categoria nacional e

actualmente na 2ª categoria nacional, por estar provada a prática da infracção

disciplinar muito grave «corrupção da equipa de arbitragem», p. e p. pelo artigo

151º-A do RD 2003/04, na forma consumada, com a pena de 2 (dois) anos e 6 (seis)

meses de suspensão para o exercício das funções de agente de arbitragem;

- Manuel António Candeias Quadrado, árbitro assistente, à data dos factos e

actualmente, na 1ª categoria nacional, por estar provada a prática da infracção

disciplinar muito grave «corrupção da equipa de arbitragem», p. e p. pelo artigo

151º-A do RD 2003/04, na forma consumada, com a pena de 2 (dois) anos e 6 (seis)

meses de suspensão para o exercício das funções de agente de arbitragem.

Alegaram, para tanto, em conclusões e sempre respectivamente:

- O ARGUIDO PINTO DA COSTA:

a) Ainda que o juízo de suporte de um processo disciplinar não exige a certeza jurídica, não assenta no livre arbítrio, já que toda a decisão, como o nome indica, é resultado de contraposição de argumentos. b) Bastando à decisão disciplinar a fundamentação indiciária, esta assenta em “regras de experiência, em certas teorias ou estereótipos e na sua eficácia selectiva, em especial da sua expressividade, isto é, da sua capacidade para produzir impressões”, sendo que,

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segundo ensinam os Mestres que nos guiaram, o “indício que pode servir de prova válida deve ser monovalente, o que só acontece quando o facto é verdadeiramente concludente” . c) Não é concludente um indício quando, como se apontou, sobre o mesmo ponto se dão versões diferentes, sendo que a maior precisão ocorreu à medida que a versão se distancia temporalmente do momento a que se reporta, assim se violando todas as regras do “esforço” ou da “regressão”. d) É, aliás, igualmente, violador das regras de um processo equitativo e da salvaguarda de direitos fundamentais, usar em processo disciplinar prova obtida de forma ilegal através de escutas, e) sendo que interpretar o R.D como permitindo o recurso a esse meio de prova, ofende o regime dos artigos 20, nº 4 e 34, nº 4 da C.Rep. f) Não há indícios de nexo de causalidade adequada nem sequer na “teoria da condictio sine qua non”, se não se infere – antes pelo contrário – que a vontade de obter serviços sexuais gratuitos tenha sido favorecida por acção de terceiros, demais quando não se prova que o agenciador – intermediário algo tenha a ver com o recorrente ou com a estrutura do clube de que se honra ser dirigente. g) Porque em sede disciplinar prevalece o princípio da legalidade, em sede de convicção não podemos deixar de acudir as regras de experiência, como no cantar popular de António Aleixo: “ Tu que queres ser alguém Pelo que julgas valer, Não perdoas que ninguém Seja o que queres ser. Nem sempre temos razão; Nos defeitos que apontamos, Nem todas as coisas são Como nós as encaramos”. h) Tendo em conta que nos louvamos em factos cuja relevância apontamos na defesa e pedimos vénia para dar como reproduzidos, e os analisamos segundo regras de experiência comum, que nos fazem distinguir a “realidade” do “desejo” e, sobremaneira, da “malquerença”,

Subsequentemente, pediu a revogação da decisão, com a consequente absolvição

do ilícito que lhe vinha imputado.

- O ARGUIDO JACINTO PAIXÃO:

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I. A utilização das transcrições do teor das escutas telefónicas realizadas em sede criminal no âmbito disciplinar da LIGA é nula

II. O Arguido nunca pôs em causa a autonomia do “ordenamento desportivo”, autonomia essa que nunca poderá violar os princípios fundamentais da Constituição da Republica Portuguesa

III. A CRP é a Lei Fundamental que rege todo e qualquer ordenamento (desportivo ou não) não podendo ser a sua aplicação afastada, salvo nas situações nela mesma previstas – o que não é o caso

IV. Se a Lei Fundamental permite as escutas telefónicas, fá-lo apenas em determinadas circunstâncias bem delimitadas de forma a não ser livremente violado o direito fundamental à reserva da intimidade da vida privada.

V. As escutas telefónicas apenas são admissíveis em determinado tipo de crimes (os crimes de catálogo) e mesmo assim se houver razões para crer que a diligência é indispensável para a descoberta da verdade ou que a prova seria, de outra forma, impossível ou muito difícil de obter.

VI. E a valoração probatória que se possa fazer dessas escutas telefónicas fora do processo criminal também se deverá entender como proibida.

VII. Vedada é também a utilização dos indícios recolhidos no âmbito de escutas telefónicas válidas para a instrução de investigações criminais de crimes não previstos no regime próprio da admissibilidade das escutas telefónicas.

VIII. Muito menos se poderão utilizar tais escutas no âmbito de procedimentos disciplinares, que não têm a mesma dignidade social e de protecção da ordem geral.

IX. “Quem não pode o mais não pode o menos”.

X. O Direito Português não permite a utilização das certidões das transcrições das escutas telefónicas para fins condenatórios (disciplinares ou outros) que não seja no âmbito dos crimes de crimes de catálogo.

XI. É violadora dos princípios básicos de um Estado de Direito Democrático a conclusão de que pelo simples facto de um Juiz ter autorizado a obtenção de certidão de determinados elementos constantes de um processo-crime, que até é público, tal é suficiente para afastar todas e quaisquer regras limitadoras dos recurso ás escutas telefónicas e informações delas apreendidas.

XII. A prova resultante das escutas telefónicas junta aos autos, ou se se quiser, das certidões das transcrições dessas escutas, é nula por constituir uma verdadeira intromissão na vida privada e telecomunicações

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XIII. Os factos directa ou indirectamente resultantes das escutas telefónicas (ou certidões

da suas transcrições) e que são dados como provados no Acórdão condenatório deverão ser dados por não escritos,

XIV. Qualquer testemunho decorrente da confrontação com os factos resultantes das escutas telefónicas não deverá ser atendido – o que acontece com o testemunho da Sra. D. Carolina Salgado.

XV. Esta testemunha, para além dos processos litigiosos que mantém com um dos Arguidos, não assistiu à conversa telefónica entre o Arguido Jorge Nuno Pinto da Costa (que se encontrava em estágio com a equipa) e António Araújo

XVI. Nem se dignou comparecer em sede de inquérito para prestar declarações.

XVII. A prova obtida com as declarações da Testemunha Carolina Salgado em sede criminal encontra-se ferida de parcialidade não devendo por isso ser atendida.

XVIII. Deverão ser declarados não provados os factos que imputem qualquer responsabilidade disciplinar ao Arguido.

XIX. O Arguido solicitou ao seu amigo Luís Lameira para que providenciasse o serviço de “meninas” para a sua deslocação à cidade do Porto no dia 24.01.2004, já que o mesmo teria conhecimentos que permitissem consegui-lo.

XX. O Arguido desconhecia quem o Luís Lameira iria contactar.

XXI. Em momento algum foi o Arguido informado quem era o António Araújo, qual a sua profissão ou outras actividades e qual a sua ligação ao FCP SAD ou ao Arguido Jorge Nuno Pinto da Costa – nem tal resulta dos autos – o que só veio a descobrir aquando da sua detenção em sede criminal.

XXII. Em momento algum, o Arguido solicitou que serviços sexuais a serem prestados pelas prostitutas fossem gratuitos.

XXIII. Por essa razão António Araújo esclareceu que foi contactado por um amigo (Luis Lameira) e “querendo fazer a vontade ao seu amigo” arranjou as meninas

XXIV. Além de lhes ter pedido que não mais falassem com os árbitros sobre dinheiro.

XXV. Até ao momento em que manteve relações sexuais com a prostituta em causa, o Arguido sempre pensou que teria de pagar por tais serviços.

XXVI. Não lhe tendo sido solicitado qualquer montante, o Arguido ficou convencido que tal teria sido um favor de um amigo (o Luís Lameira).

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XXVII. É pura ficção e especulação afirmar que o Arguido recorrente saberia antes do jogo que tinha alcançado da «FC Porto SAD» o “favor” da prestação gratuita dos serviços sexuais das prostitutas … sabia da gratuitidade que António Araújo asseguraria, uma vez que era esse o seu propósito inicial.

XXVIII. Da prova que fundamentou a condenação do Arguido não consta qualquer facto que directa ou indirectamente justifique o conhecimento que lhe é imputado.

XXIX. É totalmente despropositada e tendenciosa a mera referência no Acórdão condenatório aos factos relacionados com o jantar ocorrido depois do jogo, até porque o Arguido solicitou a conta por mais que uma vez.

XXX. Não tendo o Arguido solicitado ou aceite qualquer oferta de qualquer dirigente ou seu intermediário, e desconhecendo que “as ofertas” provinham de qualquer dirigente ou intermediário, não poderá ao Arguido ser imputada a infracção disciplinar p. e p. pelo art. 151º A do RD da Comissão Disciplina da LPFP.

XXXI. Não obstante a inocência do Arguido quanto à infracção disciplinar de que foi condenado, não pode o mesmo concordar com a medida da pena que lhe foi aplicada.

XXXII. Ao Arguido foi aplicada a pena de 4 anos – no fundo, praticamente metade do admissível – e tão só por ter tido a infelicidade de levar o telemóvel na viagem para o Porto.

XXXIII. A verdade é que, como resulta das declarações do Arguido Manuel Quadrado, este foi o primeiro a contactar o Luís Lameira para que lhes arranjasse as “meninas”.

XXXIV. Só porque o Luís Lameira não providenciou no imediato por tal “arranjinho” é que o Arguido aqui recorrente insistiu com o mesmo enquanto se deslocavam para o Porto.

XXXV. Por essa razão, passou a ser o “porta-voz” nos telefonemas necessários para a combinação dos serviços sexuais que a todos beneficiava e beneficiou, sendo tais conversações telefónicas acompanhadas por todos.

XXXVI. Não se justifica, por isso, a agravação da pena que lhe foi aplicada tendo em conta as penas aplicáveis à demais equipa de arbitragem.

Subsequentemente, pediu a revogação da decisão, com a consequente absolvição

do ilícito que lhe vinha imputado e, subsidiariamente, a redução da pena aplicada ao

mínimo regulamentar ou, pelo menos, à dos restantes membros da equipa de

arbitragem.

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- OS ARGUIDOS JOSÉ CARLOS GLADIM CHILRITO e MANUEL ANTÓNIO

CANDEIAS QUADRADO:

1.- O prazo encurtado de 3 dias - o qual na prática é de 2 dias e 17 horas, pois essa é a hora a que o presente recurso é apresentado no dia 12 de Maio de 2008 - , no presente processo disciplinar, para apresentação do recurso é manifestamente não razoável e não permite que os recorrentes tenham TEMPO NECESSÁRIO para analisar a douta decisão recorrida e elaborar o recurso, de uma forma serena, cuidada e o melhor fundamentada possível, violando dessa forma os artigos 20º, nº 4 e 32º, nº 10 da Constituição da República Portuguesa e ainda o artigo 6º, nº 3, alínea b) da Convenção Europeia dos Direitos do Homem; 2.- os recorrentes no dia 11 de Maio de 2008 requereram ao Senhor Presidente da Comissão Disciplinar da Liga e ao Senhor Presidente do Conselho de Justiça da Federação Portuguesa de Futebol a prorrogação para o prazo normal de 7 dias, porém, à cautela, em virtude de tal requerimento anda não ter sido apreciado, opta-se por apresentar o recurso, o qual seria melhor elaborado com um prazo mais alargado; 3.- aquela violação implicará a possibilidade de os recorrentes apresentarem novo recurso; 4.- caso aquele prazo não seja prorrogado - o que não se admite, nem aceita, levantando-se a questão por necessidades processuais do presente recurso -, sempre a matéria de facto dada como provada nos presentes autos e para decisão do presente recurso é a seguinte - com ressalva do facto 111 o qual padece de um erro material de escrita e deverá ser rectificado -: 97.- Jacinto Paixão, José Chilrito e Manuel Quadrado não pagaram qualquer valor pelos serviços das prostitutas. 98.- Jorge Nuno Pinto da Costa anuiu que António Araújo, em nome daquela sociedade desportiva, disponibilizasse e pagasse os serviços sexuais das prostitutas aos árbitros Jacinto Paixão, José Chilrito e Manuel Quadrado como forma de solicitação e obtenção de actuação parcial por parte daqueles árbitros no jogo com o CF Estela da Amadora ou em jogos futuros a disputar pela FC Porto SAD. 99.- Jorge Nuno Pinto da Costa actuou na qualidade de presidente do conselho de administração da FC Porto SAD e no interesse da sociedade desportiva. 100.- António Araújo agiu com o conhecimento e de acordo com a autorização para o pagamento dos serviços que solicitou e recebeu antecipadamente do presidente da FC Porto SAD. 101.- os árbitros Jacinto Paixão, José Chilrito e Manuel Quadrado sabiam que a solicitação e aceitação de favores sexuais disponibilizados e pagos por um clube ou sociedade desportiva, directamente ou através de interposta pessoa, nomeadamente os acima

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descritos, constituíam prática contrária ao exercício das funções de arbitragem e que põe em causa essas funções. 104.- nesta época 2007/2008, Manuel Quadrado é arbitro assistente da primeira categoria nacional. 105.- José Chilrito está integrado, enquanto árbitro assistente, na segunda categoria nacional. 106.- os arguidos agiram de forma livre, consciente e voluntária, bem sabendo que as suas condutas eram disciplinarmente censuráveis e punidas por regulamento disciplinar anterior à data da prática dos factos e que a violação das normas regulamentares era consequência necessária dessas suas condutas. 107.- desde a data da prática dos factos, e à excepção do período de sete meses de suspensão decretada judicialmente, Manuel Quadrado e José Chilrito tem exercido normalmente a sua actividade de árbitros. 108.- José Chilrito exerce as funções de árbitro desde 1990. 109.- Manuel Quadrado iniciou a carreira na arbitragem em 1992. 110.- José Chilrito arbitro, até à data, 360 jogos nas competições profissionais. 111.- Manuel Quadrado arbitrou, até à data, 8 jogos nas competições profissionais.” 5.- estes factos dados como provados - mesmo em conjugação com os restantes - não permitem, no que aos recorrentes diz respeito, que neles se assente ou funde uma decisão condenatória; 6.- resulta dos documentos de fls 328 e ss que o recorrente Manuel Quadrado realizou pelo menos 30 jogos e não 8 como por lapso de escrita consta do fato 111 o qual deve sr rectificado, corrigindo-o; 7.- na matéria de facto dada como provada, não foi dado como provado, nem poderia ter sido dado como provado, pois tal não corresponde à verdade e à realidade e por isso não o foi, um facto, ESSENCIAL e FUNDAMENTAL, seguinte teor ou de teor similar, que só ele poderia ser capaz de suportar uma decisão condenatória: facto inexistente, por exemplo 100-A: “os árbitros José Chilrito e Manuel Quadrado, aceitaram, posteriormente, os favores sexuais disponibilizados e pagos, o que conheciam, por um clube ou sociedade desportiva, através de interposta pessoa, nomeadamente os acima descritos, o que conheciam e o que constituía prática contrária ao exercício das funções de arbitragem e que põe em causa essas funções.”;

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8.- à míngua de um facto de semelhante calibre, apenas as convicções podem fundar uma condenação como a levada a cabo, o que se mostra a todos os títulos abusivo e ilegítimo e a decisão só poderia ser uma: a de absolvição; 9.- contrariamente ao afirmado na decisão recorrida, na nossa sociedade, complexa, plural e multifacetada, existem almoços grátis, no âmbito dos usos e costumes, como aliás o confirma o teor das decisões juntas aos autos com a contestação, proferidas pelo Tribunal da Relação do Porto, no âmbito do processo criminal, instaurado contra os recorrentes e cuja instrução se encontra a correr termos no tribunal de Instrução Criminal do Porto; 10.- o jantar não pago pelo recorrentes a que se alude nos autos, insere-se nos ditos usos e costumes e daí não poder ser dada ao mesmo qualquer importância, nomeadamente para ligar ou conexionar com o encontro nocturno que os recorrentes tiveram; 11.- os recorrentes não se opuseram ao encontro nocturno, em virtude de terem acreditado que o não pagamento nada tinha a ver com o “FC Porto SAD” ou alguém a ela ligado, não lhes sendo exigível outra postura; 12.- tal encontro insere-se no âmbito da sua vida privada e nada tem a ver com a sua actividade como árbitros; 13.- o mesmo não é susceptível de pôr em causa a sua credibilidade como árbitros, pois conforme resulta do facto dado como provado sob o nº 107, desde Dezembro de 2004 até Abril de 2008, por força das sucessivas violações do segredo de justiça, foram-se conhecendo os factos imputados, MAS NÃO VERDADEIROS, aos recorrentes; 14.- os recorrentes, à excepção dos primeiros 7 meses em que estiveram suspensos por decisão judicial, sempre arbitraram, de uma forma isenta e imparcial, aplicando em termos estritos e rigorosos as leis do jogo, desenvolvendo a sua actividade como árbitros assistentes em termos normais como se o processo criminal não existisse; 15.- a sanção disciplinar - caso fosse merecida, mas não é, levantando-se a questão por necessidades processuais do presente recurso - aplicada de 2 anos e meio, é de uma dureza desproporcionada, não razoável e injusta, tal como foi reconhecido - mas que não obstante essa declaração, a pena aplicada não foi fixada no mínimo - pelo Senhor Presidente da Comissão Disciplinar da Liga Portuguesa de Futebol Profissional, no momento da divulgação pública da decisão recorrida, independentemente do seu confronto com a pena aplicada aos clubes e dirigentes, por factos conexionados; 16.- tal moldura sancionatória, de 2 a 10 ano de suspensão, viola, pelo menos, a Constituição da República Portuguesa e ainda as normas similares emanadas dos regulamentos e das leis da FIFA e por isso caso fossem de aplicar no caso concreto – o que na se admite, nem aceita, levantando-se a questão por necessidades processuais do presente recurso – deveria ser reduzida para um período de tempo que se afigure razoável, proporcionado e justo;

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17.- mesmo uma vez absolvidos nos presentes autos, como fundada e seriamente, se espera, os recorrentes já sofreram imenso com as suas condutas estritamente do âmbito da vida familiar:

a) suspensão judicial durante cerca de 7 meses,

b) vexame e estigma decorrente da sujeição a um julgamento na praça pública,

c) vexame e estigma decorrente da sujeição a um processo criminal, mesmo que culmine, como se espera, no arquivamento da douta acusação pública;

18.- o douto acórdão proferido decidindo no sentido em que o fez, violou, pelo menos, o artigo 151º-A do Regulamento Disciplinar de 2003/2004, os regulamentos e leis da FIFA no respeitante às sanções disciplinares e respectiva medida aplicadas a árbitros ou árbitros assistentes quando os factos se encontrarem numa situação de conexão com factos praticados por clubes ou clubes e seus dirigentes, e ainda a Constituição da República Portuguesa, pelo que deverá ser revogado e substituído por outro que absolva, com todas as consequências legais, os recorrentes da prática do ilícito disciplinar pelo qual foram condenados.

Subsequentemente, pediram que o CJ reconheça que o prazo de 3 dias para

interpor recurso viola a Constituição e a Convenção Europeia dos Direitos do

Homem e que lhe seja fixado novo prazo de 7 dias para apresentação da sua defesa

e, subsidiariamente, a revogação da decisão, com a consequente absolvição do

ilícito que lhes vinha imputado.

Recebidos na FPF os recursos então autuados sob os números 33 a 46, remetidos

pela LPFP, sem virem acompanhados dos respectivos processos disciplinares onde

foram proferidas as decisões objecto desses recursos, em violação do disposto no nº

2 do art. 37º do Regimento do CJ da FPF, o Plenário do CJ, por Acórdão de 21 de

Maio de 2008, deliberou que os recursos em causa deviam ser apensados de forma

a permitir uma apreciação única da matéria de facto e de direito relativa a cada um

dos processos disciplinares a que os recursos respeitam, sendo, neste caso,

apensos os processos de recurso que tomaram os números 41 a 43.

Regularmente citada, a CD da LPFP CONTESTOU:

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- Relativamente ao arguido PINTO DA COSTA, oferecendo o merecimento dos autos

e considerando ainda que:

2. No ponto 32º do respectivo Recurso, faz-se uma transcrição errada e retira-se juízo incorrecto de contradição sobre passagem do Ac. recorrido; este, a págs. 486, afirma: “Acrescente-se ainda que as prostitutas foram disponibilizadas na sequência de um jantar em que estiveram [os arguidos árbitros, enquanto sujeitos verbais encontrados nas frases anteriores] com dirigente da «FC Porto SAD”; pelo que se contesta tal juízo.

3. No que concerne aos pontos 39º e ss, contesta-se a falta de prova e motivação quanto à convicção aí exposta, remetendo-se, para esse efeito, para o ponto «3. Fundamentação de Facto», em esp. a págs. 459-461 (depoimentos de Luís Lameira e António Araújo), 483, 486-487.

- Relativamente ao arguido JACINTO PAIXÃO, oferecendo o merecimento dos autos

e considerando ainda que:

No que concerne aos pontos 68º e ss do Recurso, contesta-se as alegadas falta de prova e motivação quanto à convicção aí exposta, remetendo-se para tal efeito para o ponto «3. Fundamentação de Facto», em esp. a págs. 459-461 (depoimentos de Luís Lameira e António Araújo), 483, 486-487.

- Relativamente aos arguidos JOSÉ CHILRITO e MANUEL QUADRADO, oferecendo

o merecimento dos autos.

Regularmente citada para os termos do recurso, a arguida não recorrente FCP, SAD

contestou, nada dizendo de interesse ou admissível para os presentes autos, uma

vez que, não tendo impugnado a decisão no tempo próprio, perdeu o direito a

contestar o acórdão que a sustenta e os respectivos fundamentos.

(NOTA – Apresentou a FCP, SAD razões de oportunidade dos efeitos da pena para não ter recorrido

da decisão agora sindicada, as quais não colhem, porquanto, tendo o presente recurso efeito

meramente devolutivo, os efeitos disciplinares e desportivos da penalização aplicada reflectir-se-iam

sempre na época 2007/02008, mesmo que a arguida tivesse exercido o seu direito de recorrer.

O facto de a arguida FCP, SAD ter prescindido da interposição do recurso na parte que lhe diz

respeito implica que a decisão transitou em julgado em relação à sua pessoa, ainda que sob uma

espécie de "condição resolutiva", já que o recurso de PINTO DA COSTA lhe aproveita (art. 402º nº 2

a)- do CPP, aplicável atenta a responsabilidade objectiva do clube).

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CONSELHO DE JUSTIÇA

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É que a limitação do recurso a uma parte da decisão não prejudica o dever de retirar, da sua eventual

procedência, todas as consequências legalmente impostas relativamente a TODA a decisão

recorrida. Não se pode enjeitar em absoluto a possibilidade do recurso interposto por PINTO DA

COSTA implicar a modificação ou, até, a anulação da decisão TAMBÉM em relação à parte que

respeita à FCP, SAD, atenta a interligação dos comportamentos objecto de censura. O contrário seria

admitir a condenação do clube e a absolvição do seu dirigente, quando a responsabilidade (objectiva)

do clube resulta exactamente da actuação do dirigente.

Mas daí não pode retirar-se que a decisão não haja transitado em julgado relativamente à arguida

não recorrente.

A citação da FCP, SAD para o recurso foi ordenada para obviar à prolação de decisões surpresa ou à

verificação de qualquer irregularidade, pelo simples facto de àquela não lhe ser dado conhecimento

da tramitação dos autos, sendo que, se a mesma não tivesse tido lugar, seria igualmente uma

decisão interlocutória válida.

Mesmo citada, não tendo recorrido, estava vedado à FCP, SAD vir depois, como veio, pronunciar-se

contra a decisão em apreço.

Não foi ordenada a citação de quaisquer contra-interessados, porquanto, à face do ORDENAMENTO

DESPORTIVO PORTUGÊS, sobre o qual se exerce o poder jurisdicional do CJ, não existem pessoas

que sejam prejudicadas com a procedência do recurso)

As partes apresentaram ainda e subsequentemente diversos pareceres e contra-

pareceres, os quais foram mandados juntar aos autos e notificar a todos os

intervenientes processuais.

Como, entre outros, entendeu o STJ, in SJ200611070034601, de 07.11.2006, “um

parecer junto aos autos tem apenas um valor técnico-opinativo não mais sendo do

que um elemento para fundar a, sempre livre, convicção do julgador.”

Pois, “a função dos pareceres deve ser entendida apenas como uma contribuição

«para esclarecer o espírito do julgador», sendo a sua força probatória, enquanto tal,

nula” (Ac. STJ de 04.10.1995, in Col. Jur. / STJ, 1995, 3º - 48).

É assim que serão aqui também considerados os doutos pareceres juntos pelo

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recorrente Jorge Nuno de Lima Pinto da Costa e pela recorrida CD da LPFP.

Conclusos os autos para decisão, o relator, nos termos do art. 50º do Regimento do

CJ da FPF, mandou inscrever o processo em tabela para julgamento, mediante

comunicação de 25 de Junho de 2008.

Subsequentemente, os arguidos PINTO DA COSTA, JOSÉ CHILRITO e MANUEL

QUADRADO requereram a junção, que foi admitida, de cópia não certificada de um

despacho proferido num processo em curso no Tribunal de Instrução Criminal do

Porto.

O valor e peso de tal decisão, cujo trânsito em julgado não vem certificado, serão,

em matéria de facto, ignorados, atento o disposto no art. 45º nº 1 do Regimento do

CJ da FPF e, em matéria de juízos de valor, considerados nos exactos termos em

que adiante se estabelece a autonomia do ordenamento disciplinar desportivo, em

relação às decisões judiciais.

O recurso é tempestivo, o meio e as partes são os próprios e este Conselho é

competente para o apreciar, pelo que nada obsta ao conhecimento do seu objecto.

A decisão recorrida considerou como provados os factos seguintes:

1. Na época desportiva 2003/2004, Jorge Nuno de Lima Pinto da Costa desempenhava o

cargo de presidente do conselho de administração da «Futebol Clube do Porto – Futebol,

SAD».

2. Reinaldo da Costa Teles Pinheiro exercia o cargo de administrador da «FC Porto SAD».

3. Jacinto dos Santos da Silva Paixão era, à data, árbitro de futebol da primeira categoria

nacional.

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4. Manuel António Candeias Quadrado era, à data, árbitro assistente de futebol.

5. José Carlos Gladim Chilrito desempenhava também as funções de árbitro assistente.

6. Ambos os árbitros assistentes integravam, na época 2003/2004, a primeira categoria

nacional.

7. António Fernando Peixoto Araújo exercia, à data, a actividade de empresário de jogadores

de futebol.

8. António Araújo é associado do «Futebol Clube do Porto» há muitos anos.

9. No final dos anos 90, Araújo começou a acompanhar com regularidade a equipa do

«Futebol Clube do Porto».

10. António Araújo relaciona-se com o presidente Jorge Nuno Pinto da Costa há vários anos.

11. António Araújo foi também presidente do «Ermesinde» até à época 2002/2003.

12. António Araújo é ainda sócio de Reinaldo Teles na sociedade do ramo imobiliário

designada «Teles, Araújo, Tiago, Lda.».

13. Na época desportiva 2003/2004, Jacinto Paixão, José Chilrito, Manuel Quadrado e José

Godinho treinavam em conjunto com outros árbitros de Évora.

14. Na terça ou quarta-feira em que tomaram conhecimento da nomeação para o jogo «Futebol

Clube do Porto – Futebol, SAD» vs «Clube de Futebol Estrela da Amadora», a realizar no

dia 24 de Janeiro de 2004, no Porto, Jacinto Paixão, Manuel Quadrado e José Chilrito

comentaram entre si a possibilidade de passarem a noite com umas “meninas” no Porto.

15. Os árbitros Paixão, Quadrado e Chilrito não conheciam a cidade do Porto.

16. Jacinto Paixão conhecia bem o árbitro Luís Lameira, de Beja, com quem falava

regularmente.

17. Paixão, Quadrado e Chilrito lembraram-se assim de contactar o referido Luís Lameira, por

saberem que este árbitro conhecia e era frequentador de muitas casas de “meninas”, no

Porto, em Lisboa e noutras cidades.

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18. Jacinto Paixão e Manuel Quadrado contactaram então o Luís Lameira para que este os

informasse sobre casas de “meninas” no Porto.

19. Luís Lameira disse-lhes que depois lhes daria essa informação.

20. Luís Lameira conhecia António Araújo por ter arbitrado alguns jogos do «Ermesinde» e

por com ele conviver durante as férias, em Monte Gordo.

21. Na sequência do que lhe foi pedido, Luís Lameira contactou Araújo a pedir-lhe que

arranjasse umas “amigas” para Jacinto Paixão e para os respectivos árbitros assistentes.

22. Jacinto Paixão, José Chilrito e Manuel Quadrado efectuaram a deslocação para o Porto no

carro do primeiro, no Sábado, dia do jogo.

23. Durante a viagem, Luís Lameira ligou a Jacinto Paixão.

24. Nessa altura, Luís Lameira transmitiu a Jacinto Paixão que já tinha falado com o tal amigo,

António Araújo, que encarregar-se-ia de levá-los a uma casa de “meninas” no Porto ou, em

alternativa, a arranjar-lhes as ditas “meninas” para a noite.

25. Durante a viagem, pelas 12h58, Jacinto Paixão recebeu um telefonema de António Araújo.

26. Nessa altura, Araújo questionou Jacinto Paixão sobre as preferências que este tinha acerca

das prostitutas.

27. De seguida, pelas 13h00, António Araújo contactou o presidente Jorge Nuno Pinto da

Costa a dar-lhe conta que lhe tinham solicitado “fruta para logo à noite”, referindo-se às

prostitutas.

28. António Araújo perguntou depois a Jorge Nuno Pinto da Costa se podia “levar a fruta à

vontade”.

29. Jorge Nuno Pinto da Costa questionou a Araújo sobre a identidade de quem tinha pedido a

“fruta”.

30. António Araújo, falando em código, esclareceu que a “fruta”, o “rebuçado” era para o “homem

que vai ter consigo de tarde”, o “JP”, isto é, Jacinto Paixão.

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31. Jorge Nuno Pinto da Costa anuiu no pedido feito por António Araújo: “Sim, sim! Diga que

sim senhor”.

32. Araújo comentou com o presidente Jorge Nuno Pinto da Costa que Jacinto Paixão já tinha

revelado as preferências acerca da tez das prostitutas e que tinha dito que mais tarde diria

quais eram os números dos quartos de hotel dos árbitros.

33. Jorge Nuno Pinto da Costa e António Araújo combinaram ainda encontrarem-se às 17h00

desse dia.

34. António Araújo contactou depois Cláudia Gomes, cidadã brasileira, que trabalhava no bar

«Goldy Club», sito na Avenida Fernão Magalhães, no Porto, para assegurar as “meninas”

para a noite.

35. Pelas 13h57, António Araújo transmitiu a Jacinto Paixão que os árbitros iriam ter as

“meninas” que tinham pedido.

36. Pelas 16h00, António Araújo ligou ao presidente Pinto da Costa a transmitir-lhe que já

estava a chegar às Antas.

37. António Araújo reuniu-se então com Jorge Nuno Pinto da Costa.

38. Nessa data, à partida para a 19ª jornada, a «FC Porto SAD» estava no primeiro lugar da

tabela classificativa com 48 (quarenta e oito) pontos.

39. O segundo lugar era ocupado pela «Sporting Clube de Portugal – Sociedade Desportiva de

Futebol, SAD» com 43 (quarenta e três) pontos.

40. Nesse dia 24 de Janeiro de 2004, pelas 19h15, no Estádio das Antas, no Porto, foi realizado

o jogo de futebol entre as equipas da «FC Porto SAD» e do «Clube de Futebol Estrela da

Amadora», a contar para a 19ª jornada da então denominada «Superliga Galp Energia».

41. A equipa de arbitragem designada para o jogo foi constituída por Jacinto Paixão, árbitro

principal, José Chilrito e Manuel Quadrado, árbitros assistentes, e Jorge Joaquim Martins de

Barros Tavares, quarto árbitro.

42. As funções de observador foram desempenhadas por João Dias da Silva.

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43. Reinaldo da Costa Teles Pinheiro exerceu as funções de delegado ao jogo, em

representação da «FC Porto SAD».

44. O jogo terminou com um resultado de 2-0 (dois a zero) a favor da «FC Porto SAD».

45. O observador avaliou o jogo com um grau de dificuldade «normal», isto é, «1».

46. O observador atribuiu uma nota de 8,0 pontos a Jacinto Paixão, correspondente a «muito

bom».

47. O árbitro assistente José Chilrito obteve uma pontuação de 8,1, correspondente também a

«muito bom».

48. O desempenho de Manuel Quadrado foi avaliado com 8,0.

49. A equipa de arbitragem cometeu seis erros.

50. Dois erros foram cometidos em desfavor do «CF Estrela da Amadora».

51. Os restantes quatro erros foram cometidos em prejuízo da «FC Porto SAD».

52. Na primeira parte, o jogador n.º 8 da «FC Porto SAD» efectuou uma entrada em tackle

frontal sobre o jogador n.º 4 do «CF Estrela da Amadora».

53. O árbitro não assinalou o correspondente livre directo contra a «FC Porto SAD».

54. O árbitro não advertiu (com cartão amarelo) o jogador n.º 8 da «FC Porto SAD».

55. Na primeira parte, ainda, após bola lançada em profundidade, em ataque prometedor, o

jogador Paulo Ferreira, da «FC Porto SAD», tocou com a perna esquerda no jogador n.º 18

do «CF Estrela da Amadora», que corria na direcção da baliza da «FC Porto SAD».

56. O árbitro não assinalou o correspondente livre directo contra a «FC Porto SAD».

57. O árbitro não advertiu (com cartão amarelo) o jogador Paulo Ferreira da «FC Porto SAD».

58. Na primeira parte também, o árbitro assinalou correctamente uma falta cometida pelo

jogador do jogador Jordão, do «CF Estrela da Amadora».

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59. O árbitro não exibiu, porém, o cartão amarelo ao jogador Jordão por ter agarrado

ostensivamente a camisola do adversário cortando um ataque prometedor.

60. Na marcação do pontapé livre directo, um jogador do «Estrela da Amadora» adiantou-se

antes de a bola ter sido posta em jogo pela equipa adversária, interceptando-a.

61. O árbitro não ordenou a repetição do pontapé livre, em cumprimento da Lei 13.

62. O árbitro não advertiu disciplinarmente (com cartão amarelo) o jogador infractor do «CF

Estrela da Amadora».

63. Na segunda parte, o jogador n.º 26 do «CF Estrela da Amadora» agarrou ostensivamente

um adversário pelo pescoço.

64. O árbitro assinalou, bem, pontapé livre directo contra o «CF Estrela da Amadora».

65. O árbitro não advertiu (com cartão amarelo) o jogador n.º 26 do «CF Estrela da Amadora»

por «comportamento antidesportivo».

66. Na segunda parte também, o jogador n.º 77 da «FC Porto SAD» está em linha com um

adversário no momento em que a bola lhe é endossada.

67. O árbitro assistente José Chilrito assinalou fora-de-jogo ao jogador n.º 77 da «FC Porto

SAD», em violação da Lei 11.

68. Durante o jogo, Jorge Nuno Pinto da Costa comentou com Carolina Salgado que António

Araújo estava a tratar de arranjar umas meninas para a equipa de arbitragem.

69. Carolina Salgado era, à data, companheira de Jorge Nuno Pinto da Costa e acompanhou-o

nesse jogo.

70. No final do jogo, o administrador da «FC Porto SAD», Reinaldo Teles, sugeriu à equipa de

arbitragem que fossem jantar a um restaurante onde já estavam também a jantar António

Garrido, então Assessor da FPF, e uma outra equipa de arbitragem.

71. Mais se disponibilizou a indicar-lhes o caminho.

72. Os árbitros Jacinto Paixão, José Chilrito e Manuel Quadrado aceitaram o convite.

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73. Reinaldo Teles deslocou-se até ao restaurante em viatura própria.

74. Os árbitros Jacinto Paixão, José Chilrito e Manuel Quadrado seguiram aquele dirigente,

deslocando-se na viatura de Jacinto Paixão.

75. Reinaldo Teles levou Jacinto Paixão, José Chilrito e Manuel Quadrado até ao restaurante

«A Marisqueira de Matosinhos», em Matosinhos.

76. Nesse restaurante e em mesa separada estavam a jantar António Garrido e esposa, com os

árbitros Paulo Alexandre do Rosário Pereira da Silva, Filipe Manuel Pedro Pereira e Vítor

Manuel Palma Andrade.

77. Os árbitros Paulo Silva, Filipe Pereira e Vítor Andrade integravam, à data, a segunda

categoria nacional.

78. Esses três árbitros estavam nomeados para, no dia seguinte, arbitrarem o jogo «Taipas» vs

«FC Porto B», respeitante à II Divisão B.

79. Paixão, Chilrito e Quadrado foram convidados para se juntarem à mesa de António

Garrido, Paulo Silva, Filipe Pereira e Vítor Andrade.

80. Nessa mesa também se sentou Reinaldo Teles.

81. No referido restaurante jantou também, em mesa distinta, o presidente Jorge Nuno Pinto

da Costa, com a sua companheira Carolina Sofia Ribeiro Salgado.

82. Jorge Nuno Pinto da Costa apenas cumprimentou os presentes, nomeadamente as duas

equipas de arbitragem que ali se encontravam.

83. No final do jantar, quando pediu a conta em nome da sua equipa de arbitragem, o árbitro

Jacinto Paixão foi informado ao balcão de que o jantar já estava pago.

84. Paixão, Chilrito e Quadrado não perguntaram ao empregado do restaurante quem é que

lhes tinha pago a conta, nem o fizeram a qualquer um dos demais presentes.

85. Após o jantar, Reinaldo Teles propôs-se indicar à equipa de arbitragem o caminho desde o

restaurante até ao hotel «Meridien».

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86. Assim, Reinaldo Teles, seguindo à frente na sua viatura, indicou aos árbitros, que seguiam

na viatura de Jacinto Paixão, o caminho até à rotunda da Boavista.

87. No trajecto para o hotel, Jacinto Paixão transmitiu a José Chilrito e a Manuel Quadrado

que António Araújo lhe tinha ligado a dizer que as “meninas” estavam no hotel à espera

deles.

88. Com efeito, pelas 22h00, António Araújo foi buscar as “meninas” ao bar «Goldy Club»,

sito na Avenida Fernão Magalhães, no Porto, acompanhado de um indivíduo de identidade

não apurada.

89. Nesse local, solicitou os serviços sexuais das prostitutas Celina, Hannah e Emanuele, todas

de nacionalidade brasileira.

90. Por volta das 24h00, Araújo conduziu as três meninas até a quarto de Jacinto Paixão, no

hotel «Meridien».

91. Nessa altura, com prévio acordo da «FC Porto SAD», pagou € 150 (cento e cinquenta

euros) a cada uma delas, pedindo-lhes que não mais falassem com os árbitros sobre

dinheiro.

92. Já no hotel, Jacinto Paixão ficou num quarto e Chilrito e Quadrado seguiram para um

outro quarto duplo, onde iriam pernoitar.

93. Jacinto Paixão ficou no seu quarto com a Celina.

94. Emanuele e Hannah foram depois ter ao quarto de Quadrado e Chilrito.

95. Jacinto Paixão manteve relações sexuais com Celina no seu quarto.

96. José Chilrito e Manuel Quadrado mantiveram relações sexuais com Emanuele e Hannah,

respectivamente, no quarto que lhes estava reservado.

97. Jacinto Paixão, José Chilrito e Manuel Quadrado não pagaram qualquer valor pelos

serviços das prostitutas.

98. Jorge Nuno Pinto da Costa anuiu que António Araújo, em nome daquela sociedade

desportiva, disponibilizasse e pagasse os serviços sexuais das prostitutas aos árbitros Jacinto

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Paixão, José Chilrito e Manuel Quadrado como forma de solicitação e obtenção de

actuação parcial por parte daqueles árbitros no jogo com o «CF Estrela da Amadora» ou

em jogos futuros a disputar pela «FC Porto SAD».

99. Jorge Nuno Pinto da Costa actuou na qualidade de presidente do conselho de

administração da «FC Porto SAD» e no interesse da sociedade desportiva.

100. António Araújo agiu com o conhecimento e de acordo com a autorização para o

pagamento dos serviços que solicitou e recebeu antecipadamente do presidente da «FC

Porto SAD».

101. Os árbitros Jacinto Paixão, José Chilrito e Manuel Quadrado sabiam que a solicitação e

aceitação de favores sexuais disponibilizados e pagos por um clube ou sociedade

desportiva, directamente ou através de interposta pessoa, nomeadamente os acima

descritos, constituíam prática contrária ao exercício das funções de arbitragem e que põe

em causa essas funções.

102. Na actual época desportiva, Jorge Nuno Pinto da Costa exerce as funções de presidente do

conselho de administração da «FC Porto SAD».

103. Jacinto Paixão não exerce, presentemente, a actividade de árbitro nem quaisquer outras

funções desportivas.

104. Nesta época 2007/2008, Manuel Quadrado é árbitro assistente da primeira categoria

nacional.

105. José Chilrito está integrado, enquanto árbitro assistente, na segunda categoria nacional.

106. Os arguidos agiram de forma livre, consciente e voluntária, bem sabendo que as suas

condutas eram disciplinarmente censuráveis e punidas por regulamento disciplinar anterior

à data da prática dos factos e que a violação das normas regulamentares era consequência

necessária dessas suas condutas.

107. Desde a data da prática dos factos, e à excepção do período de sete meses de suspensão

decretada judicialmente, Manuel Quadrado e José Chilrito têm exercido normalmente a sua

actividade de árbitros.

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108. José Chilrito exerce as funções de árbitro desde 1990.

109. Manuel Quadrado iniciou a carreira na arbitragem em 1992.

110. José Chilrito arbitrou, até à data, 360 jogos nas competições profissionais.

111. Manuel Quadrado arbitrou, até à data, 8 jogos nas competições profissionais.

A CD da LPFP sustentou exaustivamente a sua decisão em matéria de facto pela

forma que segue:

Na época desportiva 2003/2004, a «FC Porto SAD» disputava a «Superliga Galp Energia», conforme se apura, entre outros documentos, a partir dos relatórios de jogo e dos observadores e das tabelas classificativas juntos aos autos [Facto 1].

Já no que respeita às funções desportivas exercidas por Jorge Nuno Pinto da Costa, Jacinto Paixão, José Chilrito e Manuel Quadrado e Reinaldo Teles apoiámo-nos nos depoimentos prestados judicialmente e no âmbito do inquérito disciplinares, que permitem considerar provados os Factos 2. a 6. e 102. a 105..

Interrogado, António Fernando Peixoto Araújo (fls. 1818 e ss) declarou que “já há vários anos que se relaciona com o arguido Pinto da Costa, sendo uma relação que se iniciou logo pelo facto de ser sócio do Porto há muitos anos, sendo que no final dos anos 90 começou com regularidade a acompanhar a equipa do Porto nas deslocações ao estrangeiro em jogos, pagando do seu bolso as respectivas viagens. Além disso, tem uma paixão pelo futebol, tendo sido mesmo dirigente do Ermesinde, do qual esteve de facto à frente até à época 2002/2003. Entretanto, foi-se também envolvendo no negócio do futebol, tendo constituído uma empresa de nome «On Soccer, Lda.», julga que em meados de Maio de 2003, da qual os únicos sócios [são] o declarante e a mulher. Tem ainda uma sociedade do ramo imobiliário designada «Teles, Araújo, Tiago, Lda.», referindo-se o Teles a Reinaldo Teles, administrador da SAD portista. (…) [E]stá sempre disponível para o presidente do Futebol Clube do Porto, de quem [é] amigo, designadamente quando precisa de alguma coisa para a sua vida pessoal (…) e (…) também está disponível para presidentes de alguns clubes que o contactam, designadamente, o presidente do Gil Vicente, do Marítimo, do Nacional” [Factos 7. a 12.].

Dito isto, para melhor sistematizar a factualidade que julgamos provada do ponto de vista temporal, vejamos o antes, o durante e o após jogo.

a) Antes do jogo

Inquirido no âmbito deste inquérito disciplinar (fls. 2450 e ss), Manuel António Candeias Quadrado explicou que, “[n]a época desportiva 2003/2004, treinava habitualmente com os árbitros Jacinto Paixão, José Chilrito, José Godinho, entre outros árbitros de Évora. Na terça ou quarta-feira em que tomaram conhecimento da nomeação para o jogo acima referido, comentaram a possibilidade de passarem a noite com umas «meninas», no Porto. Por nada conhecerem do Porto, lembraram-se de contactar o Luís Lameira, árbitro de Beja, dado que sabiam que o Luís Lameira frequentava habitualmente e conhecia muitas casas de

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«meninas», no Porto, em Lisboa e noutras cidades. O depoente contactou então o Luís Lameira para que os informasse sobre casas de «meninas» no Porto. O Luís Lameira disse que depois daria a informação. Luís Lameira não voltou a falar no assunto, a não ser no Sábado, dia do jogo, quando o depoente estava em deslocação para o Porto com Jacinto Paixão e com José Chilrito. Nessa altura, Luís Lameira ligou ao Jacinto Paixão, que depois lhes transmitiu que um amigo do Lameira, que não identificou quem, em princípio, levá-los-ia a uma casa de «meninas» ou então arranjaria as ditas «meninas»”.

Em sentido idêntico, José Carlos Gladim Chilrito, inquirido disciplinarmente (fls. 2455 e ss), disse que, “[n]a época desportiva 2003/2004, treinava habitualmente com os árbitros Jacinto Paixão, Manuel Quadrado, entre outros árbitros de Évora. Na terça ou quarta-feira em que tomaram conhecimento da nomeação para o jogo supra referido, falaram, em jeito de «brincadeira», sobre a possibilidade de irem sair à noite a uma casa de «meninas», no Porto. Como não conheciam o Porto e o Jacinto Paixão conhecia muito bem o Luís Lameira, árbitro de Beja, contactou-o, pois embora o depoente conhecesse mal Luís Lameira, comentava-se que o Luís Lameira conhecia muitas casas de «meninas», no Porto. Jacinto Paixão contactou então o Luís Lameira para que os informasse sobre casas de «meninas» no Porto, não sabendo, contudo, se Manuel Quadrado também o fez.

Já no Sábado, dia do jogo, quando o depoente estava em deslocação para o Porto com Jacinto Paixão e com Manuel Quadrado, Luís Lameira falou com o Jacinto Paixão algumas vezes ao telemóvel, tendo o Jacinto Paixão transmitido depois que um amigo do Lameira, que não identificou, levá-los-ia a uma casa de «meninas» ou então arranjaria as ditas «meninas»”.

Inquirido também em sede disciplinar (fls. 2484 e ss), Jacinto dos Santos Silva Paixão disse que “efectivamente lembrou-se de contactar Luís Lameira que conhecia da arbitragem e com quem contactava regularmente”. Acrescentou que “em momento algum Luís Lameira lhe disse quem era o amigo que arranjaria ao depoente e aos seus colegas, Chilrito e Quadrado, as «meninas», nem tão-pouco que esse tal amigo estava ligado ao futebol ou ao FC Porto. Na altura, Luís Lameira não referiu sequer o nome do tal amigo”.

Salientou ainda que “nunca antes tinha ouvido falar de que o FC Porto pudesse oferecer prostitutas a árbitros. Por entender que Luís Lameira o deveria ter informado sobre a identidade daquele amigo e sobre o que fazia no futebol, desde então nunca mais falou com Luís Lameira. Apenas ficou a saber que o tal amigo se chamava Araújo e era empresário de futebol e que, por força disso, estava ligado ao FC Porto quando foi detido no âmbito do processo judicial”.

Interrogado no âmbito do processo judicial (fls. 1808 e ss), Jacinto dos Santos da Silva Paixão declarou que “em jeito de brincadeira pediu a um amigo seu, Luís Lameira, de Beja, também ele árbitro, umas garotas para a noite em que estariam no Porto, por ocasião do jogo que iria arbitrar. Ele [Luís Lameira] disse que conhecia um indivíduo de nome Araújo e a quem formularia esse pedido. (…) [N]unca antes tinha ouvido falar deste tal Araújo. Quando vinha no caminho com os seus colegas, liga-lhe esse indivíduo, apresentando-se como Sr. Araújo, dizendo-lhe que lhe arranjava as garotas. Perguntou-lhe se tinha qualquer preferência, ao que respondeu que não”. Suscitado a responder sobre se perguntou quanto custaria o serviço, disse “não saber, nem querer saber, não tendo feito qualquer pergunta a esse propósito. Em seu entender, tratava-se de uma oferta de um amigo do seu amigo. Desconhece, porém, totalmente o que faz e quem é no meio futebolístico o referido Araújo”. Esclareceu também que “ainda durante a sua viagem do Alentejo para o Porto, o Araújo lhe confirmou que teriam as meninas nessa noite, o que transmitiu aos seus colegas Quadrado e Chilrito”.

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Interrogado judicialmente (fls. 1801 e ss. 1932 e ss), Manuel António Candeias Quadrado, no que toca à questão das prostitutas, declarou que “foi quem teve a iniciativa, numa «conversa de homens», que entende ser normal, perguntar a Luís Lameira, árbitro de Beja, actualmente da terceira categoria mas, em tempos, da primeira, se conhecia uma casa de meninas no Porto”. Esclareceu, a esse propósito, que “[t]eve conhecimento [de] que iria arbitrar tal jogo [«FC Porto SAD» vs «CF Estrela da Amadora»], segundo pensa, na 3ª feira anterior ao mesmo, sendo que o árbitro principal nomeado foi Jacinto Paixão, pessoa que conhecia bem por ser, à data, frequentador do [N]úcleo de [Á]rbitros de Évora. (…) Na 4ª feira, quando efectuava um treino conjunto com a equipa de arbitragem nomeada e, ainda, outros árbitros, manteve conversa com o Jacinto Paixão e o José Chilrito, no sentido de arranjarem diversão para a noite do jogo, uma vez que teriam de pernoitar na cidade do Porto. (…) [N]essa conversa abordaram a ideia de ir[e]m a algum bar ou «boîte», tendo igualmente abordado a possibilidade de arranjarem prostitutas para essa noite. Foi neste âmbito que se lembrou de ligar ao Luís Lameira, por saber que este conhecia diversas casas do tipo que pretendiam e, mais, segundo julga saber, conhecia também pessoas que podiam, no Porto, indicar as mesmas, nomeadamente o Sr. António Araújo. Assim, ficou o Luís Lameira de, mais tarde, dar informações sobre o pretendido, ou seja, o local onde poderiam arranjar «meninas», na noite em que pernoitariam no Porto. Não mais falou com este Lameira até ao próprio dia do jogo. Nesse dia tinha combinado com o árbitro principal Jacinto Paixão e ainda com o outro árbitro assistente, José Carlos Chilrito, fazerem a viagem desde Évora até ao Porto no automóvel daquele Paixão, que o conduziu”.

Mais referiu que “[d]urante a viagem, o Jacinto Paixão efectuou um telefonema ao Luís Lameira, tendo-se apercebido [de] que falavam sobre o assunto das «meninas» e que alguém iria, de seguida, contactar aquele Paixão. O Paixão, depois deste telefonema, informou ambos os assistentes [de] que «possivelmente iriam ter meninas, nessa noite». Alguns minutos depois, o Jacinto Paixão recebeu um telefonema de uma outra pessoa a quem não tratava por «tu» e que pensa ter sido efectuada pelo referido Araújo. Recorda que terá havido mais [do] que um telefonema entre o Jacinto Paixão e o Araújo e que numa dessas conversas, a pedido do interlocutor do Paixão, o mesmo Araújo pretendia saber das preferências, em termos de cor da pele, das prostitutas que iria arranjar para essa noite para os três, não tendo o ora interrogado declarado nenhuma preferência em especial. No entanto, recorda que o Jacinto Paixão terá manifestado interesse em que a «sua menina» fosse ou mulata ou de cor negra, recordando que na conversa que aquele manteve ao telemóvel usou a expressão «café com leite» ao qual se referia depois em termos de «muito escuro ou claro»”.

Interrogado judicialmente (fls. 1793 e ss. e 1938 e ss), José Carlos Gladim Chilrito disse que “apenas tomou conhecimento de que havia possibilidade de nessa noite estarem com prostitutas durante a viagem a partir do Alentejo para a cidade do Porto, a qual foi feita em conjunto por si, pelo arguido Quadrado e pelo arguido Paixão, dono e condutor do veículo em que se fizeram transportar. Segundo lhe foi transmitido por Jacinto Paixão, ele tinha um amigo, que o declarante desconhece, que iria providenciar por arranjar as tais prostitutas”.

Esclareceu depois que “[t]eve conhecimento [de] que iria arbitrar tal jogo, segundo pensa, na 3ª feira anterior do mesmo, sendo que o árbitro principal nomeado foi Jacinto Paixão, pessoa que conhecia bem por pertencer à arbitragem e ainda o árbitro assistente Manuel Quadrado, igualmente conhecido da arbitragem e ambos desde sensivelmente a mesma altura em que se tornou árbitro.

Já no dia do jogo, tinha combinado com o árbitro principal, Jacinto Paixão, e ainda com o outro árbitro assistente, Manuel Quadrado, fazerem a viagem desde Évora até ao Porto no automóvel daquele Paixão, que o conduziu. Durante a viagem, surgiu a conversa sobre a possibilidade de saírem, já depois do jogo, e ir[e]m a algum

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local de diversão nocturna no Porto e, inclusive, onde pudessem arranjar «gajas». De seguida, o Jacinto Paixão efectuou um telefonema ao Luís Lameira, um outro colega da arbitragem também conhecido do ora interrogado e árbitro da Associação [de Futebol] de Beja, tendo-lhe perguntado se aquele conhecia algum sítio no Porto. O Lameira disse ao Paixão que tinha um amigo, ou conhecido, no Porto que poderia arranjar «as meninas» para essa noite. Depois houve alguns telefonemas entre o Jacinto Paixão e o tal amigo, que, na altura, não sabia quem era, mas que seria da zona do Porto, no sentido de combinarem como é que iriam arranjar «prostitutas» para essa noite. Recorda que o Jacinto Paixão, quando falava com o tal amigo do Lameira, do Porto, não o tratava por «tu». Logo desde a primeira conversa entre o Jacinto Paixão e o Luís Lameira, ficou com a ideia de que, nessa noite, depois do jogo, iriam a algum local de diversão ou iriam ter um encontro com algumas raparigas, não ficando com a ideia clara de como tal iria acontecer”.

Interrogado judicialmente (fls. 1868 e ss), Luís Miguel das Neves Lameira afirmou que “conhece bem o árbitro Jacinto Paixão, inscrito na Associação de Futebol de Évora, por ser residente em local perto da sua residência e por ter estado quatro épocas no mesmo escalão que ele. (…) Desse relacionamento nasceu uma amizade entre ambos. (…) [T]ambém conhece um indivíduo de nome Araújo, que é empresário de jogadores de futebol. Conheceu este indivíduo por ter arbitrado jogos do clube de futebol da localidade – Ermesinde –, dois no estádio do adversário e outro no próprio, sendo o último na época desportiva de 2003/2004, em que ele era o presidente daquele clube. Além disso, encontrou-se vários anos com ele, em Monte Gordo, nos cafés e restaurantes, localidade onde o interrogado e o Araújo passavam as férias de Verão. Daí nasceu um maior relacionamento entre o interrogado e ele, tendo trocado os números de telemóvel. Das conversas que tinha com Araújo, este ofereceu-se para que quando o interrogado fosse ao Porto, ele lhe arranjaria mulheres, deduzindo de imediato que se tratava de prostitutas e de encontros de natureza sexual. (…) Informou o seu amigo Jacinto Paixão que conhecia um indivíduo no Porto que tinha muitos conhecimentos nos meios da prostituição da cidade do Porto, conversa esta que surgiu naturalmente, no meio de tantos outros assuntos que abordava com Jacinto Paixão. Num dado dia, mais ou menos a meio da época 2003/2004, Jacinto Paixão ligou para o seu telemóvel, dizendo que ia a caminho do Porto, para arbitrar o jogo FC Porto – Estrela da Amadora, a contar para a Superliga, acompanhado dos árbitros assistentes Chilrito e Manuel Quadrado e pedindo-lhe se conseguia contactar o Araújo para providenciar umas prostitutas para os três, para a noite, para depois do jogo, dando a entender que não queriam pagar por esses serviços. Não se recorda agora se telefonou ao Araújo e a efectuar este pedido ou se se limitou a fornecer ao Jacinto Paixão o número de telefone daquele empresário. No dia seguinte, um deles três telefonou-lhe a dizer que tinha corrido tudo bem, que tinham tido o encontro com as prostitutas, telefonema este efectuado na viagem de regresso, interpretando este contacto como uma forma de agradecimento pelo acto que o interrogado praticou, servir de intermediário entre os três árbitros e o Araújo, que fez por amizade e sem pretender mais nada em troca ”.

Luís Lameira esclareceu depois (fls. 1929) que “Jacinto Paixão disse que pretendia obter o contacto do António Araújo, antigo dirigente de clube desportivo e empresário ligado ao mundo do futebol. Igualmente sabe que tanto o António Araújo como o Jacinto Paixão eram adeptos do FCP e que o Araújo costumava acompanhar a equipa de futebol do Porto nas deslocações em jogos. (…) Este pedido ficou a dever-se ao facto de aquele Jacinto Paixão ter conhecimento através de conversas com o depoente que o António Araújo, indivíduo do Norte, tinha conhecimentos sobre as actividades nocturnas na cidade do Porto, onde Jacinto Paixão e a sua equipa de arbitragem iriam ficar hospedados nessa noite, um sábado. (…) Foram estes factos que (…) fizeram supor ao Jacinto Paixão que, se quisesse frequentar algumas casas de diversão nocturna ou mesmo arranjar «meninas», querendo com isto referir serviços de prostituição, deveria falar com o António Araújo”.

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Interrogado, António Fernando Peixoto Araújo (fls. 1818 e ss) disse que “não conhecia pessoalmente o Jacinto Paixão e quem lhe ligou a pedir umas amigas para este e a equipa de arbitragem dele, três, foi Luís Lameira, árbitro que conhece de ter arbitrado jogos do Ermesinde e do convívio das férias em Monte Gordo. (…) Nessa sequência e querendo fazer a vontade ao seu amigo, telefonou a «Claudinha», de [Maceió], com vista a que arranjasse as três meninas para o efeito. Depois contactou directamente o Jacinto Paixão que, nessa sequência, lhe deu os seus números de telefone; assegurou-lhe então que as meninas seriam arranjadas conforme pedido. Nunca lhe foi perguntado o custo que as mesmas importariam”.

Efectuada a análise conjugada destes depoimentos, consideramos provados os Factos 13. a 26., 34. e 35.

Para além destes depoimentos prestados em sede judicial e/ou disciplinar, da certidão judicial extraída do processo n.º 1801/06.1TDPRT, que corre os seus termos no 2º Juízo do Tribunal de Instrução Criminal do Porto (fls. 1892 e ss), resulta que, a 24 de Janeiro de 2004, pelas 13h00, António Araújo contactou telefonicamente o presidente do conselho de administração da «FC Porto SAD», Jorge Nuno Pinto da Costa, a transmitir que lhe tinham ligado a pedir “fruta para logo à noite” e a perguntar se podia “levar a fruta à vontade”. O presidente Jorge Nuno Pinto da Costa respondeu que “já foi mandada”, julgando estar o primeiro a referir-se a dinheiro [Factos 27., 28. e 29.].

António Araújo precisou então que não era essa a “fruta”, “é para dormir”, esclarecendo depois que era para “[o] homem que vai ter consigo, de tarde”. O presidente Pinto da Costa associou de imediato esse “homem” a “JP”, o que foi confirmado por António Araújo “[s]im (…) [e]le ligou para mim, a pedir-me… a pedir-me rebuçado , para logo à noite!” [Facto 30.].

Jorge Nuno Pinto da Costa deu o seu aval: “[S]im, sim! Diga que sim senhor”. António Araújo comentou ainda que já teria perguntado se o tal “JP” preferia “café com leite, muito escuro ou claro” e “qual seria o número da habitação social” [Facto 31. e 32.].

António Araújo assegurou ainda que tratava de tudo – “eu trato de tudo” –, salientando que estava apenas “a dar conhecimento ao presidente”, “é que eu estou sempre a dispor, a dispor, também não há necessidade”.

Na sequência disto, Pinto Costa sugeriu que falassem pessoalmente pelas 17h00 desse dia [Facto 33.].

Pelas 16h00, o presidente Pinto da Costa contactou António Araújo, comunicando-lhe que já estava nas Antas, no Estádio, e que quando António Araújo chegasse poderia ir ter “lá cima” [Factos 36. e 37.].

Confrontado com o teor da conversa telefónica registada sob a sessão 4662 (…), a qual lhe foi lida, António Araújo disse “não se recordar da mesma, não conseguir dizer o que queria referir com a palavra fruta ou com a expressão «rebuçado», ou ainda com as iniciais JP” (fls. 1818 e ss).

Por seu turno, Jorge Nuno de Lima Pinto da Costa, interrogado judicialmente (fls. 1834 e ss), afirmou que “António Araújo é detentor de 50% do Corinthia[n]s [Alagoano] e nessa medida tem negócios com o Futebol Clube do Porto relacionado com transferências de jogadores, sendo que, na altura, o Futebol Clube do Porto devia ao arguido António Araújo cerca de cento e trinta mil dólares. António Araújo tinha por hábito insistir pelo pagamento deste seu crédito, o que fazia habitualmente junto de Fernando Gomes, da

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SAD portista, mas também junto de si próprio, como foi o caso correspondente à [sessão] 4662 (…). (…) [A]raújo tem um vocabulário abrasileirado uma vez que praticamente passa tanto tempo no Brasil como em Portugal, utilizando o termo «fruta» para significar dinheiro. (…) [Q]uando respondeu que «já foi mandada» estava a referir-se ao pagamento de parte, cerca de metade, da dívida acima referida, pagamento esse que ocorreu por transferência bancária, segundo julga, não sabendo se o dinheiro foi para o Araújo ou para o Corinthia[n]s.

Quando lhe é referida a sigla JP, pensou que se tratava de Joaquim Pinheiro, um amigo de Araújo, que efectivamente ia ter consigo ao estádio para o jogo, como, de facto, aconteceu e as companhias seriam para este mesmo Joaquim Pinheiro. Quando disse que sim senhor estava pois a interpretar a conversa de Araújo neste sentido”. Instado a responder por que razão utilizaram a sigla “JP”, sendo que o primeiro a utilizá-la foi o próprio declarante, Jorge Nuno Pinto da Costa referiu que “Joaquim Pinheiro é casado e tem filhos, sendo que achava que estava sob escuta. (…) [N]a altura estava com a equipa no estágio, não estava a prestar grande atenção à conversa”.

Em relação ao facto de António Araújo ter dito “estou sempre ao dispor”, referiu que “terá a [ver] com o facto de este ter adiantado ao Corinthia[n]s Alagoano o dinheiro correspondente à dívida do Futebol Clube do Porto, ficando pois este clube em dívida para com António Araújo, a qual foi sendo paga em conta corrente. (…) António Araújo, além disso, fazia adiantamentos de dinheiro aos próprios jogadores por dificuldades de tesouraria do clube”.

Por fim, salientou que “o Futebol Clube do Porto nunca subsidiou prostitutas para árbitros, sendo certo que para si era até impensável que Jacinto Paixão solicitasse «meninas» pois corria no mundo futebolístico que ele seria homossexual. (…) [A]dmite que quem não conhecesse a situação que acabou de descrever poderia ter, de facto, uma interpretação diferente, como a do Ministério Público, relativamente à conversa em questão” .

Inquirido no âmbito do inquérito disciplinar, Jorge Nuno Pinto da Costa afirmou não pretender prestar quaisquer declarações (fls. 2421 e ss).

Inquirida no processo judicial (fls. 1908 e ss), Carolina Sofia Salgado Ribeiro, disse que “por diversas vezes se apercebeu do conteúdo das conversas, designadamente, entre o Jorge Nuno, o António Araújo e árbitros de futebol, tais como o Augusto Duarte, o Martins dos Santos e outros que desconhece a identidade. (…) [E]ra António Araújo quem tratava de contactar directamente com os árbitros, mas sempre a mando do Jorge Nuno. Estes contactos serviam para combinar prendas em dinheiro mas também em objectos ou de favores sexuais. (…) [P]ara assegurarem a d[i]scrição nos contactos estabelecidos, usavam termos como «fruta», «fruta de dormir» e «café com leite». Estes termos corresponderiam, além de entregas de dinheiro, a serviços de acompanhamento sexual praticados por raparigas contratadas pelo António Araújo. Também o Reinaldo Teles e o Joaquim Pinheiro intermediaram este tipo de serviço, indo buscar as «meninas» a bares da cidade do Porto”. A pergunta feita, disse ainda que “estes serviços de prostituição tinham como objectivo pagar as arbitragens favoráveis ao FCP” e que “os favores das arbitragens favoráveis eram pagos em dinheiro, sendo as meninas um complemento”. Questionada, referiu também que “o termo «café com leite» tinha a ver com raparigas morenas ou mesmo «mulatas», habitualmente de origem brasileira”.

Mais declarou que “o António Araújo se desloca com muita frequência ao Brasil” e que “uma das situações que envolveu raparigas teve a ver com um jogo entre o FCP e o Estrela da Amadora, arbitrado por Jacinto Paixão” e que “no apartamento da Rua do Clube dos Caçadores havia uma cómoda que tinha uma gaveta onde o Jorge Nuno tinha sempre grandes quantias em dinheiro. Era daí que ele retirava as quantias para

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pagamento aos árbitros. As importâncias eram colocadas dentro de envelopes que, posteriormente, eram entregues ao António Araújo, que, por sua vez, os fazia chegar aos árbitros”.

Inquirida novamente (fls. 1949 e ss), Carolina Salgado acrescentou que “se recorda perfeitamente que, no dia do jogo entre o FC Porto e o Estrela da Amadora, da época 2003/2004, o Pinto da Costa lhe ter contado que o António Araújo já tinha falado com o Jacinto Paixão para lhe arranjarem meninas para a noite, tendo ideia que chegou a assistir a uma ou duas conversas mantidas entre os dois sobre este assunto”.

Mais afirmou que “Pinto da Costa lhe referiu que as meninas que estava a tratar com o António Araújo eram para a equipa de arbitragem do Jacinto Paixão. (…) Igualmente recorda que, já no estádio, assistiu a uma conversa entre o Pinto da Costa e o António Araújo sobre as meninas para a equipa de arbitragem, tendo inclusive sido tecidas considerações sobre as preferências sexuais da equipa de arbitragem, com comentários irónicos sobre as mesmas, sendo que se apercebeu que já estava tudo tratado. Aliás, sobre estes comentários irónicos recorda-se perfeitamente porque o Pinto da Costa dizia para o António Araújo que deviam era ter arranjado também um menino porque, segundo aquele, o Jacinto Paixão era «paneleiro»” [Factos 68. e 69.].

Interrogada judicialmente (fls. 1765 e ss), Cláudia Cristiane de Oliveira Gomes afirmou que “há cerca de 2 anos atrás, em Maceió, Brasil, conheceu um português de nome António Araújo, indivíduo este que é empresário de futebol”. Mais referiu que “se recorda de num dado dia, que pensa ter sido há cerca de quatro meses atrás, o Araújo telefonou à inquirida e perguntou-lhe onde é que se encontrava. Respondeu--lhe que estava no «Golden», tendo ele dito que iria passar por lá” [Facto 34.]

Mais resulta da referida certidão judicial, em concreto da informação de fls. 1781 e ss e bem assim do descritivo de fls. 1890 e ss que no dia 24 de Janeiro 2004 foi realizada a seguinte cronologia de chamadas telefónicas:

- às 12h58, António Araújo efectuou uma chamada telefónica para o árbitro Jacinto Paixão;

- às 13h00, António Araújo ligou para o presidente Jorge Nuno Pinto da Costa; - às 13h34, António Araújo ligou para Cláudia Cristiane de Oliveira Gomes; - às 13h57, António Araújo contactou novamente, por telefone, Jacinto Paixão; - às 14h33, António Araújo telefonou mais uma vez para a Cláudia; - às 16h06, o presidente Pinto da Costa ligou para António Araújo; - às 17h02, António Araújo voltou a ligar para a Cláudia; - às 17h36, Pinto da Costa ligou para António Araújo; - às 17h51, António Araújo ligou para Jacinto Paixão; - às 18h12, António Araújo ligou novamente para a Cláudia.

Esta informação permite concretizar temporalmente os Factos 25., 27., 35. e 36.

Apoiando-nos na tabela classificativa de fls. 2498, podemos verificar que, à partida para a 19ª jornada da «Superliga», a «FC Porto SAD» encontrava-se no primeiro lugar da tabela classificativa com 48 (quarenta e oito) pontos, sendo o segundo lugar ocupado pela «Sporting Clube de Portugal – Sociedade Desportiva de Futebol, SAD» com 43 (quarenta e três) pontos [Factos 38. e 39.].

Considerando assim os depoimentos prestados e os contactos telefónicos reproduzidos, que são precisos, claros e categóricos, julgamos provados os factos, passo a passo, evidenciados.

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b) Durante o jogo

De acordo com o relatório do jogo (fls. 1376 e ss), no dia 24 de Janeiro de 2004, pelas 19h15, no Estádio das Antas, no Porto, foi realizado o jogo de futebol entre as equipas da «Futebol Clube do Porto – Futebol, SAD» e do «Clube de Futebol Estrela da Amadora», a contar para a 19ª jornada da então denominada «Superliga Galp Energia». A equipa de arbitragem foi constituída por Jacinto Paixão, árbitro principal, José Chilrito e Manuel Quadrado, árbitros assistentes, e Jorge Joaquim Martins de Barros Tavares, quarto árbitro. O jogo terminou com um resultado de 2-0 (dois a zero) a favor da «FC Porto SAD» [Factos 40., 41. e 44.].

Segundo o relatório do observador (fls. 1414 e ss), João Dias da Silva, o jogo foi classificado com um grau de dificuldade «normal», isto é, de «1» [Facto 45.].

Na avaliação feita ao desempenho da equipa de arbitragem, foram atribuídas as seguintes notas:

- Jacinto Paixão, 8,0 pontos – «muito bom» [Facto 46.]; - José Chilrito, 8,1, pontos – «muito bom» [Facto 47.]; - Manuel Quadrado, 8,0 pontos – «muito bom» [Facto 48.].

No comentário efectuado no relatório, a propósito da actuação do árbitro Jacinto Paixão, o observador notou que, em matéria de interpretação e aplicação das leis do jogo, “[m]anteve uma correcta e consistente punição das faltas, dentro de um critério bastante alargado, deixando talvez uma ou outra falta por assinalar, mas com uma boa distinção de entradas à bola ou ao adversário. Foi notória a preocupação de proteger os jogadores vítimas de entradas mais ríspidas por parte dos opositores. (…) A distância das barreiras foi, de um modo geral, respeitada, no entanto aos 34 minutos do 1º tempo pareceu-me não o ser num livre à entrada da área do Estrela [porque] antes de a bola ter sido pontapeada, a barreira adiantou-se bastante tendo encurtado a distância regulamentar”. Em matéria disciplinar, o observador consignou que o árbitro “[u]sou um critério bastante alargado, ou diria mesmo, muito alargado na aplicação das sanções disciplinares, embora controlando e preservando sempre o espírito do jogo, mas foi por de mais evidente uma falha por si cometida aos 32 minutos do 1º tempo ao não advertir o n.º 30 do Estrela da Amadora, que puxou nitidamente pela camisola o n.º 10 do Porto, evitando um ataque prometedor numa zona frontal à sua baliza e à entrada da área de grande penalidade, evitando que este rematasse a bola”.

No que respeita ao desempenho dos árbitros assistentes José Chilrito e Manuel Quadrado, o observador não registou qualquer erro, nomeadamente no domínio dos foras-de-jogo, lançamentos laterais, pontapés de baliza, pontapés de canto e faltas.

No relatório pericial elaborado por Adelino Freitas Antunes, Jorge Emanuel Monteiro Coroado e Vítor Manuel Melo Pereira, foram apontados seis erros à equipa de arbitragem – dois, em desfavor do «CF Estrela da Amadora» e os outros quatro, em desfavor da «FC Porto SAD», a saber (fls. 1864):

Na primeira parte,

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- “[o] jogador n.º 8 da «FC Porto SAD entra em tackle frontal sobre o seu adversário n.º 4. O jogador deveria ter sido punido com advertência [cartão amarelo] por «entrada perigosa pondo em risco a integridade física de um adversário» e a sua equipa punida com um pontapé livre directo”;

- “[b]ola lançada em profundidade para o jogador n.º 18 do Amadora, que corre na direcção da baliza do Porto, em ataque que se afigura prometedor. Ao passar por um jogador do Porto, cai, ficando a dúvida se foi ou não tocado pelo adversário. Na repetição do lance (…), as dúvidas foram dissipadas, pois apercebe-se que o jogador do Porto utiliza a perna esquerda para tocar no adversário. Falta enquadrada na Lei 12, sendo punida com um pontapé livre directo e a consequente advertência, por «comportamento antidesportivo», ao ter cortado em falta «um ataque prometedor da equipa»”;

- “[d]ecisão correcta ao considerar que a falta praticada por um jogador do Amadora foi fora da sua área de grande penalidade. Faltou a exibição do cartão amarelo a Jordão por ter agarrado ostensivamente a camisola do adversário «cortando um ataque prometedor»”;

- “[n]a marcação do pontapé livre directo, o jogador do Amadora adianta-se antes da bola ter sido posta em jogo e intercepta-a. O árbitro deveria ter interrompido o jogo, ter advertido o jogador de acordo com a Lei 12, sanções disciplinares, faltas passíveis de advertência: 5 – [n]ão respeitar a distância exigida aquando da execução de um pontapé de canto ou de um pontapé livre. De acordo com a Lei 13: «[q]uando um jogador da equipa adversária não se encontra à distância obrigatória quando da execução de um pontapé livre, este deve ser repetido». Por isso, o árbitro no mesmo lance cometeu dois erros, um de índole técnica e outro disciplinar”;

Na segunda parte,

- “[o] jogador n.º 26 do Amadora agarrou ostensivamente um adversário pelo pescoço. O árbitro (e bem!) puniu a equipa do infractor com pontapé livre directo. Faltou advertir (com cartão amarelo) o n.º 26 d[o] Amadora por «comportamento antidesportivo»”;

- “[o] [á]rbitro assistente n.º 1 [José Chilrito] assinala erradamente fora-de-jogo ao jogador n.º 77 do Porto. Na repetição (…) verifica-se que o jogador está em linha com o penúltimo adversário. Assim, o assistente violou as disposições da Lei 11”.

Inquiridos com vista a prestar esclarecimentos complementares, os peritos foram confrontados ainda com as seguintes questões:

1) “se aos 29 minutos da primeira parte, quando o FCP marca o primeiro golo do jogo, esse golo é, ou não, obtido na sequência de um pontapé de canto que teve origem numa jogada onde o jogador do FCP, Sérgio Conceição, estaria em fora-de-jogo”; e

2) “se aos 45+3 (quarenta e cinco mais três) minutos da primeira parte o jogador do FCP, McCarthy, quando marca o segundo golo do FCP, beneficia, ou não, de uma posição de fora-de-jogo”.

Inquirido, Adelino Freitas Antunes (fls. 1882 e ss), pronunciando-se sobre o lance referido em 1), esclareceu que “Sérgio Conceição” parte de “posição legal” e, quanto ao lance relatado em 2), referiu que “o jogador [McCarthy] não se encontrava em fora-de-jogo”.

Jorge Emanuel Monteiro Coroado (fls. 1885 e ss), questionado sobre o lance enunciado em 1), afirmou que “a jogada (…) deve ser considerada legal” e, em relação ao lance mencionado em 2), realçou que “no momento em que o passe é executado para o marcador do golo

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[McCarthy], este encontrava-se manifestamente atrás da linha da bola, uma das condições previstas na Lei 11 para a não marcação de fora-de-jogo”.

Por seu turno, Vítor Manuel de Melo Pereira (fls. 1887 e ss) considerou que, no lance referido em 1), “[n]a repetição das imagens dá a sensação que o jogador Sérgio Conceição está com o seu corpo adiantado em relação ao penúltimo defensor”, afirmando, contudo, que “[é] um lance de difícil julgamento”. Relativamente ao lance descrito em 2), referiu que “[q]uando a bola é passada a Benni McCarthy, este encontra-se atrás da linha da bola, logo, em posição legal”.

Feita a análise conjugada do relatório pericial com as declarações dos peritos julgamos provados os Factos 49. a 67.

Sobre a partida de futebol propriamente dita, interrogado, Jacinto Paixão referiu “ter-se tratado de um jogo normal (...). [D]epois de televisionar o jogo apercebeu-se de que realmente o observador tinha razão nos erros que apontou e que assume que «errar é humano»” (fls. 1808 e ss).

Por seu lado, Manuel Quadrado disse, “quanto ao jogo propriamente dito e aos casos de erros de arbitragem, (...), que a situação de eventual fora-de-jogo, de Sérgio Conceição, jogador do FCP e que antecede o primeiro golo desta equipa, não se verificou, como pôde mais tarde, através do visionamento televisivo, constatar, tendo a mesma ocorrido do seu lado do campo, como árbitro assistente”. Sobre as críticas que lhe foram dirigidas, nomeadamente no jornal «O Jogo», esclareceu que “não está de acordo com as críticas em geral, recordando efectivamente uma falta existente sobre o jogador Semedo, na 1.ª parte, no ataque do Estrela da Amadora que deveria ter sido assinalada. No entanto, tal falta não ocorreu no meio campo sob a sua responsabilidade no momento” (fls. 1932 e ss).

Já José Chilrito afirmou que “já teve oportunidade de fazer o visionamento televisivo dos lances considerados principais e em que foi indiciado como tendo cometido erros” (fls. 1938 e ss).

Sobre o lance em que, aos 14 minutos de jogo, o jogador da «FC Porto SAD» Paulo Ferreira rasteira o jogador do «Estrela da Amadora» Semedo e se essa entrada seria passível de punição técnica e disciplinar, esclareceu que “tal lance ocorreu no lado contrário àquele em que se encontrava, na zona de ataque do Estrela e que muito perto do mesmo se encontrava o árbitro principal Jacinto Paixão. (...) [C]onclui que efectivamente lhe parece ter havido falta mas dado o seu posicionamento e a proximidade do árbitro principal, não achou, na altura, que estivesse em melhores condições de analisar o lance do que o árbitro principal, razão pela qual não achou que devesse intervir no sentido de contrariar qualquer decisão daquele”.

Acerca do fora-de-jogo que poderá ter sido mal assinalado, aos 17 minutos de jogo, num ataque efectuado pela equipa do «Estrela da Amadora», disse que “mesmo depois de ter visionado o jogo, pensa que é possível que o jogador do Estrela não estivesse em fora-de-jogo, mas tal não é, por um lado, totalmente claro e, por outro, mantém as suas dúvidas quanto ao seu correcto posicionamento no campo nesse momento, o que o poderá ter induzido em erro”.

Em relação aos lances passados na segunda parte do jogo, em que ajuizava os ataques da «FC Porto SAD», nomeadamente os ocorridos aos 55 e aos 84 minutos, disse que “não tem grande ideia sobre os mesmos, não se recordando em concreto de tais lances, mas, a tal ter acontecido, poder-se-á ter ficado a dever a um ligeiro atraso ou adiantamento da sua posição, [a]quando da análise e momento em que tais lances ocorreram”.

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Mais assegurou que “apesar dos erros que eventualmente possa ter cometido, não o fez deliberadamente, nem pretendeu prejudicar ou beneficiar qualquer das equipas”.

Examinada esta prova e considerando, nomeadamente, o reduzido número de erros cometidos pela equipa de arbitragem ao longo da partida (seis) e que os erros ocorreram em prejuízo, ou a favor, consoante a perspectiva assumida, de ambas as equipas – quatro considerados desfavoráveis à «FC Porto SAD» e dois julgados em desfavor do «Estrela da Amadora» –, acompanhamos a análise feita pelo Sr. Instrutor no Relatório Final. Não há dados que permitam concluir que o jogo decorreu em condições anormais devido a eventual acção directa e dolosa da equipa de arbitragem destinada a beneficiar a «FC Porto SAD». Dito de outra forma, e apoiando-nos no relatório pericial, entendemos que os dois erros que beneficiaram a «FC Porto SAD» não podem ser considerados intencionais.

c) Após o jogo

Interrogado em sede disciplinar (fls. 2450 e ss), Manuel Quadrado relatou que, “[n]o final do jogo, o Sr. Reinaldo Teles, dirigente da «FC Porto SAD, falou com Jacinto Paixão, por serem conhecidos há muitos anos, e convidou a equipa de arbitragem para jantar. A equipa de arbitragem, à excepção do 4.º árbitro, que foi logo para Aveiro, seguiu então o Sr. Reinaldo Teles, em carros distintos, até um restaurante/marisqueira, em Matosinhos.

Nesse jantar participou o depoente, Jacinto Paixão, José Chilrito, Reinaldo Teles, o árbitro Paulo Silva e respectiva equipa de arbitragem, o ex-árbitro António Garrido e respectiva esposa. Paulo Silva e a respectiva equipa de arbitragem estavam a jantar noutra mesa, mas depois juntaram-se à mesa do depoente. Durante o jantar nunca foi abordado o assunto das «meninas». Durante o jantar, Jacinto Paixão atendeu várias vezes o telemóvel, mas não sabe sobre que falou, nem com quem falou. No final do jantar, o Sr. Jorge Nuno Pinto da Costa, dirigente da «FC Porto SAD», passou pela mesa, cumprimentou os presentes e saiu, não se tendo sentado à mesa nem permanecido à conversa.

Depois do jantar, porque a equipa de arbitragem não conhecia a cidade do Porto, o Sr. Reinaldo Teles indicou-lhes o caminho para o hotel, seguindo aquele e estes em carros distintos. No trajecto para o hotel, Jacinto Paixão transmitiu ao depoente e a José Chilrito que o amigo do Lameira lhe tinha ligado a dizer que as «meninas» estavam no hotel à espera deles.

Já no hotel, Jacinto Paixão ficou num quarto e o depoente e José Chilrito seguiram para outro quarto, num piso superior.

Algum tempo depois, o Jacinto Paixão bateu-lhes à porta do quarto e apresentou-lhes umas meninas brasileiras. O depoente e José Chilrito mantiveram relações sexuais com as «meninas».

No final, o depoente [Manuel Quadrado] e José Chilrito perguntaram-lhes quanto é que tinham a pagar, tendo aquelas dito que o Sr. António, ou Sr. Araújo – não se recorda agora, bem, do nome na altura mencionado – já tinha pago. Foi esta a primeira vez que ouviu falar no nome desse tal amigo. Nessa altura, achou um pouco estranho que alguém que não conheciam – o dito amigo do Lameira – tivesse pago às «meninas».

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Na viagem de regresso, comentaram a prestação das «meninas», mas não associaram as «meninas», nem o amigo do Lameira ao «FC Porto». Durante a viagem, o Jacinto Paixão falou com o Lameira e este disse ao Jacinto Paixão que este (Jacinto Paixão) estava a «dever-lhe uma e que depois lhe pagava».

O depoente confessou que alguns dias depois, reflectindo sobre tudo o que se tinha passado, nomeadamente o jantar e o facto de as «meninas» estarem pagas, começou a associar os factos e achou que as «meninas» poderiam ter sido oferta do «FC Porto». Só nessa altura é que «caiu em si» e pensou que provavelmente tinha sido ingénuo e imprevidente, porque tendo pensado em estar com umas «meninas» por iniciativa sua, acabou por se ver envolvido, de forma totalmente impensada e inesperada, numa situação que poderia estar ligada ao «FC Porto».

O jogo referido nos autos foi o primeiro (e único) em que arbitrou o «FC Porto».

Olhando agora para trás, fica com a ideia que Jacinto Paixão, que já tinha arbitrado vários jogos do «FC Porto», saberia de antemão que as «meninas» poderiam ser oferta do «FC Porto», lamentando-se o depoente pelo facto de ter sido ingénuo e apenas se ter apercebido de toda a situação apenas alguns dias depois do jogo. Não sabe, porém, se o Jacinto Paixão conhecia o António Araújo”.

Em sede judicial (fls. 1932 e ss), Manuel Quadrado, interrogado, disse que “ (...) ficou convencido que tal jantar tivesse sido pago por alguém relacionado com o FCP, ou seja, o Reinaldo Teles, o Pinto da Costa, ou qualquer outra pessoa”.

Sobre as prostitutas, disse, no primeiro interrogatório, que “[n]ão pagou qualquer quantia pelo referido serviço” e admitiu “ter estranhado mas não ter falado sobre isso com os seus colegas”. Pensou que “pudessem ser amigas do tal Luís Lameira; recorda que tinham sotaque brasileiro”. Mais afirmou que “não lhe passou pela cabeça que se tratasse de uma oferta do Futebol Clube do Porto, caso em que nunca teria aceite”.

Mais disse, no segundo interrogatório judicial, que “não pagou qualquer quantia, tal não lhe foi pedido, nem perguntou se teria que o fazer. (...) [P]ensa que o pagamento às prostitutas tenha sido feita por alguém ligado ao FCP e, provavelmente, o referido António Araújo, com quem o Jacinto Paixão havia combinado todos os pormenores”. Reafirmou, contudo, que “não chegou a conhecer o António Araújo senão na data em que foi detido”.

Interrogado neste inquérito (fls. 2455 e ss), José Chilrito declarou que, “[n]o final do jogo, o Sr. Reinaldo Teles, dirigente da «FC Porto SAD, ouviu a equipa de arbitragem questionar-se sobre o local onde poderiam jantar, especialmente àquela hora, por já ser tarde, e disse à equipa de arbitragem que, se quisessem, levava-os a jantar a um restaurante onde estaria também a jantar o Sr. Garrido e uma outra equipa de arbitragem.

A equipa de arbitragem, à excepção do 4.º árbitro, que morava perto e por isso não foi, seguiu então o Sr. Reinaldo Teles, em carros distintos, até um restaurante/marisqueira, em Matosinhos.

Nesse jantar participou o depoente, Jacinto Paixão, Manuel Quadrado, Reinaldo Teles, o árbitro Paulo Silva e respectiva equipa de arbitragem, o ex-árbitro António Garrido e respectiva esposa. Não se recorda se Reinaldo Teles jantou com a equipa de arbitragem ou se esteve apenas na mesa. Paulo Silva e a respectiva equipa de arbitragem estavam a jantar noutra mesa, mas depois juntaram-se à mesa do depoente. Durante o jantar nunca foi abordado o assunto das «meninas». Não sabe se durante o jantar o Jacinto Paixão falou ou não ao telemóvel.

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Normalmente, era o Jacinto Paixão que pagava o jantar e pedia a factura e depois o depoente e Manuel Quadrado pagavam ao Jacinto Paixão. Neste caso, à saída do restaurante o Jacinto Paixão disse que a conta já tinha sido paga por alguém, não dizendo quem.

O Sr. Jorge Nuno Pinto da Costa, dirigente da «FC Porto SAD», já estava a jantar no restaurante quando o depoente entrou, numa mesa à entrada, tendo saído dez minutos depois, sensivelmente. O presidente do «FC Porto» passou pela mesa, cumprimentou os presentes e saiu, não se tendo sentado à mesa nem permanecido à conversa.

Depois do jantar, porque a equipa de arbitragem não conhecia a cidade do Porto, o Sr. Reinaldo Teles indicou-lhes o caminho para o hotel, seguindo aquele e estes em carros distintos. No trajecto para o hotel, Jacinto Paixão transmitiu ao depoente e a Manuel Quadrado que o amigo do Lameira lhe tinha ligado a dizer que as «meninas» estavam no hotel à espera deles.

Já no hotel, Jacinto Paixão ficou num quarto e o depoente e Manuel Quadrado seguiram para outro quarto, num piso superior. Algum tempo depois, o Jacinto Paixão bateu-lhes à porta do quarto e apresentou-lhes umas meninas brasileiras. O depoente e Manuel Quadrado mantiveram relações sexuais com as “meninas”.

No final, o depoente [José Chilrito] e Manuel Quadrado quiseram saber quanto é que tinham a pagar, tendo aquelas dito que não precisavam de pagar nada porque já estava pago.

Nessa altura, o depoente e Quadrado acharam um pouco estranho que alguém que não conheciam tivesse pago às «meninas», mas pensou que pudesse ser devido aos conhecimentos do Lameira.

No regresso, o Jacinto Paixão falou com o Lameira, mas não se lembra sobre o quê. Apenas quando foi detido para declarações pela Polícia Judiciária e informado dos factos e das escutas telefónicas, é que começou a associar os factos e começou a achar que as «meninas» poderiam ter sido oferta do «FC Porto»”.

Em sede judicial (fls. 1793 e ss), José Chilrito disse que “(....) ficou convencido que o jantar tivesse sido pago por alguém relacionado com o FCP, sendo certo que pessoalmente não despendeu qualquer quantia”.

Quanto às prostitutas, no primeiro interrogatório judicial, disse “nada ter pago”, respondendo “afirmativamente” depois de questionado se tinha achado estranha a oferta. Mais disse “nada ter perguntado sobre o assunto a Jacinto Paixão, nem este o ter esclarecido de qualquer pormenor relativo à mesma”.

No segundo interrogatório (fls. 1938 e ss), reiterou que “não pagou qualquer quantia [pelo serviço das prostitutas] e tal não lhe foi pedido, apesar de ter perguntado àquela com quem esteve se devia qualquer quantia, ao que aquela informou que já estava tudo pago. (...) [P]ensa que o pagamento às prostitutas tenha sido feito nos mesmos moldes do pagamento do jantar, ou seja, por alguém ligado ao FCP e provavelmente foram arranjadas pelo referido amigo do Lameira, com quem o Jacinto Paixão havia combinado todos os pormenores”.

Fez questão de reafirmar que “não chegou a conhecer o António Araújo senão na data em que foi detido”.

No âmbito deste inquérito (fls. 2484 e ss), Jacinto Paixão referiu, sobre o jantar, que “o convite do Sr. Reinaldo Teles para indicar um restaurante e o respectivo caminho até lá surgiu porque o jogo terminou a hora tardia. Esta sugestão foi feita publicamente e perante os delegados da LPFP”. Assegurou que

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“o Sr. Reinaldo Teles, bem como o Sr. António Garrido e o árbitro Paulo Silva e os seus assistentes não jantaram com o depoente, nem com os assistentes Chilrito e Quadrado, não se recordando, porém, se Reinaldo Teles chegou ou não a sentar-se na mesa em que estava o depoente. Quando o depoente, José Chilrito e Manuel Quadrado chegaram ao restaurante foram convidados para se sentarem na mesa de António Garrido, Paulo Silva e respectivos árbitros assistentes. Não se recorda se o presidente do FC Porto, Jorge Nuno Pinto da Costa, estava ou não nesse restaurante.

No final do jantar, o depoente pediu a conta, pois era habitual fazê-lo em nome da equipa de arbitragem. Foi então informado por um dos empregados do restaurante de que o jantar já estava pago. Apesar de insistir algumas vezes, foi-lhe sempre reiterada esta informação pelo que não pôde pagá-lo. Na altura não perguntou quem tinha pago o jantar e, até hoje, não sabe quem pagou a dita refeição”.

Relativamente ao facto de nem o depoente, nem os seus colegas Quadrado e Chilrito terem pago os serviços das prostitutas, disse que “acreditou que se tratava da oferta de um amigo de um amigo e que apenas quando foi detido é que soube quem é que era o amigo de Luís Lameira, o respectivo nome e a relação que poderia existir entre este agente e o FC Porto”.

Interrogado judicialmente e inquirido em sede disciplinar, Reinaldo Teles afirmou não pretender prestar declarações (fls. 1880 e ss, 1947 e ss., 2432 e ss).

António José da Silva Garrido, inquirido (fls. 1862 e ss e 1943 e ss), referiu que “[e]m data que não recorda mas que sabe ser na época 2003/2004 e num fim-de-semana em que foi disputado o jogo entre as equipas principais do Futebol Clube do Porto e do Estrela da Amadora, encontrava-se na cidade do Porto, tendo assistido ao encontro.

No final do jogo encontrou-se com a equipa de arbitragem composta pelo árbitro Paulo Silva e outros dois assistentes, cujos nomes não recorda, tendo sugerido que fossem jantar juntos, igualmente o acompanhava a sua companheira. Esta equipa de arbitragem era uma das que observava nas suas funções de Observador da FPF. Foram os cinco jantar ao restaurante «Marisqueira de Matosinhos», em Matosinhos.

Durante o jantar, no mesmo restaurante, encontrou uma outra equipa de arbitragem, cujo árbitro principal era o senhor Jacinto Paixão, que se encontrava acompanhado de dois árbitros assistentes, cujos nomes também não consegue agora recordar (...). Não pode ter a certeza mas tem ideia que, na mesa de Jacinto Paixão, se encontrava ainda o quarto árbitro e bem assim, segundo pensa, mais tarde, recorda-se de lá ter visto também o senhor Reinaldo Teles, dirigente do FCP, não podendo precisar se este jantou com a equipa de Jacinto Paixão. Já no fim da refeição, recorda igualmente ter visto o senhor presidente do FCP, Pinto da Costa, não sabendo se aquele ali terá jantado. Tem ideia de ter trocado algumas palavras de cumprimento com a equipa de arbitragem de Jacinto Paixão e o senhor Reinaldo Teles, não se recordando, no entanto, se chegou a cumprimentar o presidente Pinto da Costa”.

Mais esclareceu que, “segundo julga recordar-se, o seu jantar, o da sua companheira e da equipa de arbitragem de Paulo Silva, com quem esteve, terá sido pago por si, não fazendo ideia de quem tenha pago o jantar da equipa de arbitragem de Jacinto Paixão”.

Inquirido (fls. 1954 e ss), Miguel Teixeira de Faria afirmou ser “sócio-gerente (...) [d]o restaurante «A Marisqueira de Matosinhos»”. Esclareceu que “no dia 24 de Janeiro de 2004, jantou no seu restaurante o presidente do FCP, Pinto da Costa (...), que estava acompanhado, segundo julga recordar-se pela sua companheira da altura, não tendo contudo a certeza deste facto. A própria factura permite verificar que se tratou

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de uma despesa de uma refeição para duas pessoas, composta por entradas, dois pratos principais, sobremesas e bebidas”.

“[N]ão recorda quem mais, nesse dia, esteve a jantar no seu restaurante, nomeadamente, outros dirigentes do FCP, jogadores, árbitros ou outros elementos ligados ao futebol”.

Inquirida judicialmente (fls. 1908 e ss e 1949 e ss), Carolina Salgado disse que “de seguida [ao jogo] foi jantar com Pinto da Costa a uma marisqueira em Matosinhos que conhece pelo nome do seu dono, que se chama Miguel (...). [R]ecorda que, em mesa diferente da sua, viu que jantavam o Reinaldo Teles e o árbitro que tinha acabado de arbitrar o jogo do FCP, Jacinto Paixão. Julga ainda que, neste mesmo dia, no restaurante, também se encontrava um antigo árbitro, de nome António Garrido e a sua companheira, da qual não se recorda o nome”. Perguntada se estava mais alguém que reconhecesse, nomeadamente da equipa de arbitragem do Jacinto Paixão, ou qualquer outra, esclareceu que “pensa que também lá se encontrava um dos árbitros da equipa de Jacinto Paixão, de nome Chilrito, não tendo a certeza quanto a outros árbitros que lá pudessem estar”. Sobre as cinco pessoas que viu no restaurante, “tem ideia de os ter visto, de longe e da mesa onde jantava, e ficou com a percepção de que estariam juntos”.

Mais referiu que “foi o Pinto da Costa que pagou a refeição de ambos com um cartão de crédito” e que não viu “Pinto da Costa ou Reinaldo Teles, ou qualquer outro elemento ligado à direcção do FCP proceder ao pagamento de quaisquer outras refeições nesse dia”.

Paulo Alexandre do Rosário Pereira da Silva, inquirido (fls. 1871 e ss. e 1921 e ss), afirmou que “assistiu com a sua equipa de arbitragem ao jogo da 1ª Liga disputado entre as equipas principais do Futebol Clube do Porto (FCP) e Estrela da Amadora, que decorreu no Estádio das Antas. No final deste jogo, encontraram o ex-árbitro e, na data, assessor da sua própria equipa de arbitragem, senhor António Garrido tendo decidido irem jantar juntos, encontrando-se também presente a esposa daquele. (...) [Q]uando estavam praticamente a terminar o jantar, entraram na sala do restaurante onde se encontrava os senhores Jacinto Paixão (...), Manuel Quadrado e Chilrito e ainda o 4º árbitro Jorge Tavares. A acompanhar esta equipa de arbitragem, tendo entrado no mesmo momento, vinha o senhor Reinaldo Teles, que conhecia por estar ligado ao FCP. Quando entraram, os cinco dirigiram cumprimentos para a mesa onde o depoente se encontrava a jantar, tendo tomado lugar para jantar numa mesa perto.

No final do jantar, e encontrando-se já de pé, bem como as restantes quatro pessoas com quem tinha acabado de jantar e todos a conversar com os elementos da arbitragem que jantavam com o senhor Reinaldo Teles e que já referiu, apercebeu-se da aproximação do presidente do FCP, senhor Pinto da Costa, que a todos cumprimentou, dizendo «considerem-se todos cumprimentados» e perguntando se estava tudo bem. (...) Não recorda como foi efectuado o pagamento do jantar a que se vem referindo”.

Inquirido (fls. 1873 e ss. e 1924 e ss), Vítor Manuel Palma Andrade disse que “na noite de 24 de Janeiro de 2004 foi jantar a uma marisqueira sita em Matosinhos, acompanhado do Paulo Silva, do Filipe Santos, do António Garrido e da esposa deste. A saída para esse jantar foi do Estádio do Dragão, onde o depoente e os elementos da sua equipa de arbitragem haviam estado a ver o jogo da Superliga «Porto – Estrela da Amadora» e onde encontraram o António Garrido e a sua esposa”. Em relação a Reinaldo Teles, referiu que “este entrou nesse restaurante depois do depoente e dos seus acompanhantes” e que “Reinaldo Teles se deslocou à sua mesa apenas para cumprimentar as pessoas que aí se encontravam, não se chegando a sentar à sua mesa. (...) Após esses cumprimentos, Reinaldo Teles dirigiu-se a uma outra mesa, onde se sentou a jantar com elementos de uma equipa de arbitragem, liderada pelo árbitro Jacinto Paixão”.

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Perguntado quem foi que pagou o seu jantar e o dos seus acompanhantes, alegou que “não se recorda”.

Respondeu também que “quando terminou de jantar, ele e as pessoas que estavam consigo à mesa se dirigiram à mesa onde estavam Reinaldo Teles, Jacinto Paixão e os seus árbitros assistentes com o intuito de os cumprimentarem. Quando estavam a cumprimentar essas pessoas surgiu junto deles o presidente do Futebol Clube do Porto, Jorge Nuno Pinto da Costa”. Disse “não se recordar se Pinto da Costa já estaria dentro do restaurante ou se viria do exterior”, mas, garante, “não se encontrava sentado à mesa com Reinaldo Teles e Jacinto Paixão”.

Mais esclareceu que “durante o jantar não houve qualquer troca de palavras entre o grupo da mesa do depoente e o grupo que se encontrava na mesa do trio de arbitragem do Jacinto Paixão e do Reinaldo Teles.

Inquirido (fls. 1877 e ss. e 1927 e ss), Filipe Manuel Pedro Pereira declarou que “[n]a noite de sábado jogou o Futebol Clube do Porto, no seu estádio, com o Estrela da Amadora, e resolveram ir assistir a esse jogo. (...) [N]o final do jogo, encontraram António Garrido, que se dirigiu ao Paulo Silva, que já o conhecia (...) e, [a] convite de Garrido, acompanharam-no a uma marisqueira de Matosinhos”.

“Quando estavam quase a sair, numa altura em que já tinham tomado café, entraram no restaurante, juntos, Reinaldo Teles, Pinto da Costa, Jacinto Paixão, Manuel Quadrado e outros indivíduos, um deles que julga ser o Manuel Chilrito, que se sentaram todos a uma mesa relativamente próxima da sua mesa. Todos aqueles os foram cumprimentar à mesa, recordando-se que Garrido os apresentou a Pinto da Costa (...).

Saíram da marisqueira pouco tempo depois daqueles entrarem, sabendo que o inquirido não pagou o jantar, não se recordando se foi Garrido que o pagou, se este tinha algum acordo com o restaurante para pôr em conta ou se foi outra pessoa a pagá-lo”.

No segundo acto de inquirição, precisou que “tem, afinal, ideia de que o presidente do FCP, Pinto da Costa, não acompanhou o Reinaldo Teles e a equipa de arbitragem de Jacinto Paixão durante o jantar”.

Sobre o sucedido depois do jantar, António Araújo, interrogado (fls. 1818 e ss), declarou que “esteve no hotel Meridien à espera de Jacinto Paixão e da equipa de arbitragem (...)”.

Perguntado quem pagou este serviço prestado pelas meninas, disse “desconhecer se os árbitros lhe deram algum pagamento e quanto a si jantou com duas delas uns dias depois e tendo uma delas feito queixa da sua situação «fez-lhe um agrado», isto é, deu-lhe algum dinheiro, não pode precisar quanto, dizendo-lhe que era para dividir pelas três, isto é, pelas amigas que arranjou aos árbitros”. Perguntado por que razão teve este acto, oferecendo a árbitros que apitaram o jogo da «FC Porto SAD» este tipo de companhia feminina, disse que “o fez por um amigo seu, o já referido Lameira”.

Confirmou que “estava sozinho no quarto com as três meninas quando lá chegou Jacinto Paixão” e negou “ter dito a frase «meninas, estão em boas mãos, tratem bem dos meus amigos»”. Apenas disse “estão aqui as meninas e saiu do quarto. Não chegou sequer a ver o Chilrito nem o Quadrado, nem sabe o que aconteceu nessa noite entre estes árbitros e as meninas em referência”.

Cláudia Gomes, inquirida, disse que “por volta das 22h, ele [António Araújo] passou nessa boite [Golden] acompanhado de outro indivíduo, que nunca antes tinha visto nem mais voltou a ver. Desconhece o seu nome, pensando que ele terá cerca de 35 anos, alto e estatura média. Este homem não se interessou pela inquirida, tendo acabado os dois por sair com três suas amigas de nacionalidade brasileira, que também estavam no «Golden», de nomes Celina, conhecida pela alcunha de Patrícia, Manuela, conhecida pela alcunha de «Gabi» ou

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Gabriela e Danielle, de alcunha «Dane». Não sabe para onde elas foram nem o que foram fazer” (fls. 1765 e ss. e 1774 e ss).

Inquirida (fls. 1762 e ss. e 1771 e ss), Hannah Danielle Matias do Nascimento declarou que “no passado mês de Janeiro [de 2004], numa noite que pensa ter sido um sábado, António Araújo entrou na boate «Goldy Pub» e começou a conversar com as amigas da depoente, as já referidas Cláudia Cristiane e «Gabi». Pouco depois, a Cláudia chamou a depoente e uma outra alternadeira, de nome Patrícia, para que se juntassem à conversa com António Araújo e «Gabi». (...) Araújo mandou vir uma garrafa de champanhe e disse à depoente, à Patrícia e à «Gabi»: «vou levá-las a uma festa com uns amigos». E Araújo garantiu às três raparigas que cada uma seria paga em 130 euros.

(...) Cerca das 0 horas e 30 minutos, entraram no hotel «Meridien», sito na Avenida da Boavista. (...) Araújo aproveitou ainda aquele espaço de tempo para pagar à depoente e às outras duas raparigas. Recorda-se que cada uma recebeu 130 euros. Depois, Araújo pediu ainda que as raparigas tratassem bem os seus amigos e que não falassem mais em dinheiro, uma vez que já tinham sido pagas pelo próprio Araújo.

Por volta da 1 hora ou 1 hora e trinta minutos, um dos amigos entrou finalmente no quarto. Era o ocupante daquele quarto. Os outros dois tinham ficado num quarto duplo (...). O amigo do Araújo ficou naquele quarto com a Patrícia e a depoente e a «Gabi» foram apanhar o elevador e desceram para o 5º piso. Previamente, o Araújo já lhes tinha dito o número do quarto. Tendo batido à porta daquele quarto, a porta foi aberta pelos outros dois amigos de Araújo, que as aguardavam. Logo de seguida, um dos homens foi para uma das camas com a «Gabi» e a depoente ficou com o outro homem (...). A seguir, teve relações sexuais com esse homem” que, através da exibição de fotografias, reconheceu como sendo “Manuel Quadrado”.

Celina Santos Fonseca, inquirida (fls. 1767 e ss. e 1773 e ss ), disse que “[a]pesar de se chamar Celina, [é] (...) conhecida por Patrícia. (...) [A]lguns dias antes de 27 de Janeiro de 2004, dia em que viajou para Brasil, quando se encontrava no bar «Goldy», sito na Avenida Fernão de Magalhães, na cidade do Porto, a sua amiga Cláudia informou-a de que o Araújo iria passar no referido bar, cerca das 24h00, para levar três raparigas para um «trabalho». Por essa hora, ele compareceu neste bar, dando então boleia à depoente, à «Gabi» e à Danielle. (...)

O Araújo levou-as então para o hotel Meridien, subindo as três mais o Araújo para um quarto, embora não saiba qual o número. Esperaram cerca de uma hora, efectuando nesta altura o Araújo o pagamento de 150 euros a cada uma delas.

Finalmente chegou um dos clientes. Então, o Araújo disse «Meninas, estão entregues em boas mãos, tratem bem dos meus amigos». Então perguntou ao cliente qual das três raparigas ele iria querer, tendo o cliente referido que preferia a depoente. A Gabi e a Danielle saíram então com o Araújo para se dirigirem ao quarto dos outros dois clientes. O cliente apresentou-se, dizendo o primeiro nome, do qual não se lembra, mas que o podia tratar por «Paixão».

Mais referiu que com ele manteve “relações sexuais”.

Confrontada com diversas fotografias, identificou “Jacinto Paixão, sem qualquer dúvida, como sendo este o indivíduo com o qual esteve no quarto”.

Inquirida (fls. 1769 e ss. e 1775 e ss), Emanuele Almeida de Lima disse que “[t]ambém é conhecida pelos nomes artísticos de Gabriela ou Gabi. (...) Em data ao certo que não se recorda, quando se encontrava no bar «Goldy Club», sito na Av. Fernão de Magalhães, Porto, na companhia da Cláudia, da

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«Dane» e da «Patrícia», foram abordadas pelo Araújo, acompanhado por um indivíduo de que não conhece a identidade, que pretendia o serviço «relações sexuais» para três amigos. De imediato, escolheu a aqui depoente, a «Dane» e a «Patrícia». De seguida, as três amigas, o Araújo e o outro indivíduo, no carro do Araújo, dirigiram-se para o hotel «Meridien» onde chegaram cerca da 1 hora da manhã. À porta do hotel, o outro indivíduo abandonou o local. Os quatro subiram então para um andar que não pode precisar, tendo entrado num quarto que estava vazio. Desconhece também o número do quarto. Aguardaram cerca de hora e meia/duas horas pela chegada dos clientes. Durante esta espera, o Araújo entregou a cada uma a quantia de 150 euros (...). Cerca das duas e meia da madrugada, chegaram três indivíduos (...), tendo reconhecido o indivíduo com a fotografia n.º 6/Jacinto Paixão, como aquele que teve relações sexuais com a Patrícia, não tendo conseguido reconhecer os outros que estiveram com a depoente e com a «Dane»”.

Mais acrescentou que “aquando do pagamento do serviço, o Araújo pediu às três que não falassem em dinheiro na presença daqueles clientes, uma vez que o serviço ficou nessa altura pago pelo Araújo”.

De acordo com estes testemunhos e depoimentos conjugadamente apreciados, consideramos provados os Factos 70. a 97..

(…), são pacíficos e admitidos por todos ou por parte dos arguidos os factos ou acontecimentos que a seguir discriminamos.

Jacinto Paixão, Manuel Quadrado e José Chilrito admitem que:

- alguns dias antes do jogo, combinaram entre si solicitarem a Luís Lameira que usasse dos seus conhecimentos e lhes providenciasse os serviços de prostitutas para a noite do jogo «FC Porto SAD» vs. «Estrela da Amadora»;

- Jacinto Paixão conhecia bastante bem Luís Lameira, de quem era amigo;

- Luís Lameira falou com um amigo – António Araújo – que arranjou as prostitutas para os árbitros;

- Paixão falou com o “tal” amigo (Araújo) no sentido de assegurar as prostitutas para a noite;

- Paixão não tratava Araújo por “tu”;

- após o jogo, a equipa de arbitragem jantou com o administrador da «FC Porto SAD» Reinaldo Teles;

- Paixão, Chilrito e Quadrado efectivamente estiveram com as prostitutas;

- nenhum dos três árbitros pagou qualquer quantia pelos serviços das prostitutas;

- Chilrito e Quadrado perguntaram quanto deveriam pagar pelos serviços;

- as prostitutas disseram que os serviços já estavam pagos.

Por seu turno, Jorge Nuno Pinto da Costa admite que manteve com António Araújo uma conversa telefónica com o teor da transcrita na certidão judicial junta aos autos.

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Não contestando esta factualidade, o que efectivamente os arguidos Jorge Nuno Pinto da Costa, Jacinto Paixão, José Chilrito e Manuel Quadrado alegam em sua defesa é que, em momento algum, tiveram conhecimento de que os acontecimentos em que participaram ligavam os agentes entre si. No fundo, que não existiu qualquer combinação ou acordo de vontades, assumindo a “cronologia dos factos” – são palavras do Sr. Instrutor que reproduzimos – mera coincidência ou mal-entendido.

Em concreto, Jorge Nuno Pinto da Costa alega que:

- nunca se apercebeu que António Araújo se estaria a referir a Jacinto Paixão, pensando sim que “JP” era Joaquim Pinheiro, que, por ser casado e ter filhos, motivou que ele e Araújo falassem em código;

- nunca solicitou qualquer actuação parcial por parte dos árbitros;

- nunca chegou ao conhecimento dos árbitros uma qualquer solicitação de actuação parcial.

Por seu turno, Jacinto Paixão, José Chilrito e Manuel Quadrado invocam que:

- não conheciam António Araújo nem a ligação deste empresário à «FC Porto SAD»;

- pensaram que os serviços sexuais prestados pelas prostitutas eram uma “oferta de um amigo de um amigo”.

Antes de explicarmos por que entendemos que Jorge Nuno Pinto da Costa sabia que as prostitutas a que se referia António Araújo tinham sido solicitadas por Jacinto Paixão e de expormos por que estamos firmemente convictos que Jacinto Paixão, Manuel Quadrado e José Chilrito sabiam ou souberam da ligação das prostitutas à «FC Porto SAD», cumpre relembrar e pôr em evidencia que:

- Jacinto Paixão era amigo de Luís Lameira, com quem falava frequentemente;

- Luís Lameira conhecia bem António Araújo, quer do futebol, quer das férias em Monte Gordo;

- Luís Lameira ficou, desde o primeiro telefonema, com a impressão(-ideia) que Jacinto Paixão não pretendia pagar qualquer quantia pelas prostitutas;

- após o jogo, a equipa de arbitragem nada pagou pelo jantar para que foi convidada e em que também participou um dirigente da «FC Porto SAD», Reinaldo Teles;

- para além da conversa telefónica e no seguimento do que então agendaram, antes do jogo Pinto da Costa reuniu pessoalmente com António Araújo;

- Chilrito e Quadrado assumem que as prostitutas lhes disseram que o serviço já estava pago;

- Chilrito e Quadrado reconhecem que estranharam que o serviço já estivesse pago;

- Chilrito e Quadrado assumem ainda que alguns dias mais tarde ligaram a situação à «FC Porto SAD».

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Importa agora expressar as razões da nossa convicção que afastam o aduzido pelos arguidos, utilizando a prerrogativa de apreciar a prova obtida segundo as máximas da experiência e as regras da lógica e do pensamento racional, de forma articulada e conjugada, a fim de alcançar um juízo de certeza e assim formar uma convicção sobre a verdade dos factos.

No que respeita ao conhecimento que Pinto da Costa nega ter tido de que as prostitutas tinham sido solicitadas por Jacinto Paixão cumpre salientar que essa posição não colhe do contacto telefónico reproduzido nos autos conjugado com a demais prova produzida. Com efeito, e mesmo que num primeiro momento pudesse porventura o presidente Pinto da Costa ter ficado convencido de que o “JP” seria o tal Joaquim Pinheiro, importa recuperar que no final da conversa o dirigente da «FC Porto SAD» combinou encontrar-se com António Araújo pessoalmente, o que efectivamente sucedeu nesse dia à tarde antes do jogo. Assim, se dúvidas pudessem ter subsistido durante o telefonema sobre as pessoas a que se referiam e a que actos respeitavam – que não é essa a nossa convicção –, teriam certamente ficado afastadas nesse encontro marcado e tido algumas horas depois, justamente antes do jogo.

Por outro lado, Carolina Salgado confirma também que o presidente da «FC Porto SAD» sabia que as prostitutas eram para Jacinto Paixão, ciência que sustenta no facto de ter sido o próprio Jorge Nuno Pinto da Costa a comentar com ela tal assunto, referindo ainda ter estado a assistir ao jogo «FC Porto SAD» vs «Estrela da Amadora» com aquele dirigente, de quem era companheira.

Finalmente, não pode ignorar-se que Jorge Nuno Pinto da Costa (e a sua companheira Carolina Salgado) esteve a jantar nesse mesmo dia, após o jogo, no mesmo restaurante em que estiveram os árbitros (e Reinaldo Teles) – e onde também estavam a jantar os árbitros que nesse fim-de-semana iriam apitar uma partida do «FC Porto B»…! À saída, cumprimentou os árbitros aqui arguidos. O restaurante foi sugerido aos árbitros por Reinaldo Teles, administrador da «FC Porto SAD» e pessoa muito próxima de Jorge Nuno Pinto da Costa. Não haveria mais nenhum restaurante na cidade do Porto e arredores que não fosse justamente aquele que jantava o presidente Pinto da Costa? Este é um quadro factual que mais reforça a nossa convicção sobre a prática dos factos tal como constam da Acusação.

De todo o modo, dir-se-á – como o dizem os arguidos Pinto da Costa, «FC Porto SAD» e Jacinto Paixão – que Carolina Salgado é inidónea para prestar testemunho porque parcial. E, para sustentar essa falta de idoneidade e credibilidade, citam a decisão instrutória proferida pela Meritíssima Juiz de Direito do Tribunal de Instrução Criminal do Porto: “é público e notório (…) a publicação do livro desta testemunha, junto aos presentes autos, pode naturalmente ser interpretada como uma verdadeira «vendetta» contra o seu ex-companheiro… mesmo colocando essa hipótese verosímil, o certo é que esses sentimentos menos nobres, ou mesmo altamente censuráveis, que poderão estar a nortear a sua conduta, não significa automaticamente que a testemunha esteja a prestar falsas declarações sobre tão graves acontecimentos”.

Não podemos estar mais de acordo com o que aí é dito pela Meritíssima Juiz. É evidente que o testemunho de Carolina Salgado não pode ser tido como verdade absoluta ou insofismável: não pode o julgador ignorar as circunstâncias que envolveram a ruptura da sua relação com o

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arguido Pinto da Costa, nem que a publicação do livro, de alguma forma, poderá indiciar que sentimentos vingativos estarão porventura a nortear a sua conduta. Se tais indícios fossem ignorados, estar-nos-íamos a alhear das regras do pensamento racional e dos dados da experiência comum. Coisa bem diferente é dizer que, por isso, e só por isso, a testemunha não goza de qualquer credibilidade e o seu depoimento deve ser totalmente desconsiderado. É que se o fizéssemos, sem mais, estaríamos a reconhecer implicitamente que a testemunha vem praticando crimes atrás de crimes através da prestação de falsas declarações/testemunhos perante os tribunais – o que, até ver, não está provado.

Nesta matéria, não podemos esquecer que a testemunha viveu em união de facto com o arguido Pinto da Costa durante vários anos – teve, por isso, conhecimento presencial, directo e imediato das circunstâncias e dos pormenores da sua vida privada e desportiva: como ignorar a força dos seus depoimentos?

Por outro lado, não podemos também deixar de salientar que Carolina Salgado estava presente no estádio com Pinto da Costa durante o jogo arbitrado pelos árbitros arguidos, como também esteve presente com Pinto da Costa no restaurante onde tais árbitros jantaram. É, portanto, fortíssima a razão de ciência que assiste a esta testemunha nos factos sobre os quais prestou depoimento. Reitere-se: não pretendemos com isto dizer que a versão apresentada por Carolina Salgado é, sem necessidade de qualquer juízo crítico e racional, reveladora de uma verdade inquestionável. Como qualquer testemunho ou, em geral, qualquer prova tem de passar pelo crivo das regras da experiência, da lógica e da razão. Entendemos é que, no caso, isso sucede, nomeadamente se visto o seu testemunho como complementar (e confirmativo) da demais prova produzida.

Por outro lado, julgamos também que, à luz da prova obtida, não procede a versão que os arguidos árbitros pretendem sustentar: não sabiam que as prostitutas lhes tinham sido patrocinadas pela «FC Porto SAD».

Essa convicção assenta, de uma banda, no grau de conhecimento que Jacinto Paixão tinha de Luís Lameira e no facto de, desde o início, ter demonstrado vontade de não pagar pelos serviços e, de outra banda, em todos os contactos ulteriores entre este árbitro e Araújo, mantidos durante a viagem e o jantar. Ademais, em momento algum, manifestou Paixão qualquer interesse em pagar os serviços de tais prostitutas ou tão-pouco averiguar quem teria pago o jantar ou as prostitutas.

Acrescente-se ainda que as prostitutas foram disponibilizadas na sequência de um jantar em que estiveram com dirigente da «FC Porto SAD».

Por fim – no seguimento do que é dito com razão pelo Sr. Instrutor no Relatório Final –, e com o devido respeito, numa sociedade em que – concorde-se ou não – constitui máxima popular que “não há almoços grátis”, é manifestamente inverosímil que os três árbitros acreditassem inocentemente que, depois de um jantar grátis, em que estiveram com administrador de sociedade desportiva interveniente no jogo que acabavam de apitar, ainda tivessem direito a “prostitutas grátis”, como alegam terem acreditado, “oferecidas por um amigo de um amigo”.

Não acreditaram. E isso é perceptível pelas declarações consensuais de Chilrito e Quadrado, que “estranharam” que as prostitutas já estivessem pagas.

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Assim, segundo uma análise global da prova e as regras da experiência comum, por todo o alegado, estamos também convencidos que os arguidos actuaram no quadro subjectivo plasmado nos Factos 98. a 101. e 106.

Por requerimento dos arguidos José Chilrito e Manuel Quadrado, foram inquiridas as testemunhas José João Mendes Prata, José Pedro Esturrado Godinho e Luís Martins Catita da Silva, que revelaram não ter conhecimento directo dos factos, tendo prestado o seu depoimento, em geral, sobre o carácter dos arguidos Chilrito e Quadrado ou sobre os respectivos percurso na arbitragem.

Inquirido (fls. 319 e ss), José João Mendes Prata afirmou que “(…) [e]m concreto sobre o jogo FC Porto // Estrela da Amadora da época desportiva 2003/2004, disse não estar recordado da totalidade do jogo. Porém, ficou com a imagem de que a arbitragem foi globalmente positiva e que não teve qualquer influência no resultado. Se existiram erros, não podem ser considerados grosseiros, muito menos intencionais, até porque, pelo que conhece dos arguidos, estes não seriam capazes de praticar tais actos (…)”. Mais referiu que “[d]esde que a situação em causa nos autos foi tornada pública, em 2004, e à excepção do período em que estiveram suspensos por decisão judicial (sete meses), ambos os arguidos têm desempenhado as suas funções de forma normal e isenta, tendo Manuel Quadrado voltado inclusivamente a ascender à 1ª categoria nacional e José Chilrito permanecido na 2ª categoria nacional (…)”.

Inquirido (fls. 322 e ss), José Pedro Esturrado Godinho declarou que “(…) [d]urante este período, o assistente José Chilrito tem vindo a ser nomeado frequentemente e desempenhado a sua actividade de maneira absolutamente normal e isenta” e que “(...) [n]ão presenciou o jogo FC Porto // Estrela da Amadora, nem tem conhecimento directo dos factos que são imputados aos arguidos, mas pelo conhecimento que tem destes dois árbitros não julga possível que, em circunstância alguma, possam ter solicitado ou aceite quaisquer favores por parte de clubes como forma de contrapartida para a prática de actos contrários às leis do jogo (…)”.

Inquirido (fls. 325 e ss), Luís Martins Catita da Silva disse que “(…) [d]urante os últimos anos, os assistentes José Chilrito e Manuel Quadrado têm vindo a ser nomeados frequentemente e desempenhado a respectiva actividade de árbitros de maneira absolutamente normal e isenta (…)”. Mais disse que “(…) [n]ão presenciou o jogo FC Porto // Estrela da Amadora, nem tem conhecimento directo dos factos que são imputados aos arguidos, mas pelo conhecimento que tem destes dois árbitros não julga possível que, em circunstância alguma, possam ter solicitado ou aceite quaisquer favores por parte de clubes como forma de contrapartida para a prática de actos contrários às leis do jogo (….)”.

Estes depoimentos permitem provar o Facto 107..

Já as informações de fls. 328 e ss prestadas pela LPFP, FPF e Associação de Futebol de Évora permitem considerar provados os Factos 108. a 111.

Posto que o recurso está delimitado, de acordo com as normas subsidiariamente

aplicáveis, pelas alegações dos recorrentes, cumpre decidir:

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São basicamente as seguintes as questões sobre as quais se deve este CJ

pronunciar, atentas as alegações dos recorrentes:

SE

(PINTO DA COSTA):

a) – É lícito usar em processo disciplinar prova obtida de forma ilegal através de

escutas, sendo que o RD ofende os arts. 20º nº 4 e 34º nº 4 da CRP;

b) - Não há indícios de nexo causal entre os favores sexuais obtidos pelos

árbitros, a SAD e o seu dirigente arguido.

(JACINTO PAIXÃO):

a) – A utilização de transcrições de escutas no âmbito disciplinar é nula;

b) – A valoração da prova obtida por escuta telefónica é proibida fora do

processo penal;

c) – O direito português não permite a utilização de certidões de transcrições de

escutas fora dos crimes de catálogo, sendo irrelevante o carácter público do

processo;

d) – O uso da prova em questão é intromissão na vida privada e

telecomunicações;

e) – Pelo que devem ser considerados não escritos todos os dados assim

obtidos;

f) – Qualquer testemunho usado em confronto com as escutas não pode ser

atendido;

g) – O depoimento de Carolina Salgado está ferido de parcialidade;

h) – Mesmo com a prova produzida não se pode dar como assente a verificação

do tipo do ilícito em que o arguido foi condenado;

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i) – Face à moldura disciplinar, não pode o arguido ser condenado em pena

superior em quase o dobro da dos restantes membros da equipa de

arbitragem.

- (JOSÉ CHILRITO e MANUEL QUADRADO):

a) – É irregular, inconstitucional e viola a Convenção Europeia dos Direitos do

Homem, a fixação do prazo de 3 dias para apresentar recurso de decisão

disciplinar da CD da LPFP;

b) – O facto provado 111 está ferido de erro de escrita porque, de acordo com

os documentos de fls. 328 e seguintes, o arguido Manuel Quadrado interveio

em “pelo menos 30 jogos”;

c) – Os arguidos aceitaram os favores sexuais no âmbito da sua vida privada,

sem nada ter a ver com a sua actividade de árbitros de futebol;

d) – A moldura sancionatória do RD aplicável aos arguidos é inconstitucional e

viola as regras da FIFA.

Vejamos, pois:

I – ALEGADA INCONSTITUCIONALIDADE DO PRAZO ENCURTADO DE 3 DIAS

E DA MOLDURA SANCIONATÓRIA DO REGULAMENTO DISCIPLINAR (RD) DA

LPFP

Vieram os arguidos José Chilrito e Manuel Quadrado arguir a inconstitucionalidade

(e a violação da CEDH) do prazo encurtado de 3 dias fixado, para a interposição dos

recursos para este CJ, pelo Comunicado Oficial (CO) da FPF nº 332 da FPF, de 03

de Abril de 2008, pretextando que, no caso concreto, o mesmo, na prática, havia

ficado reduzido a poucas horas de dia de trabalho útil, atendendo ao facto de

haverem sido notificados da decisão em 9/5/2008, uma Sexta-Feira e, no seu

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entender, terem que apresentar o recurso até ao fecho do expediente da LPFP no

dia 12/5/2008, uma Segunda Feira.

Assim consideram que, por isso, ficou seriamente prejudicado o seu direito de

defesa, dado o pouco tempo disponível para elaborar e expender os seus

argumentos.

Pedem a fixação de um novo prazo de 7 dias para apresentar a sua defesa.

Começamos em primeiro lugar por constatar que, a despeito do pouco tempo

invocado, os arguidos elaboraram um peça de recurso, douta e circunstanciada, na

qual consideramos estar claramente exposta a sua posição nos autos, não vendo

que, objectivamente, o seu direito de defesa haja sido denegado ou seriamente

restringido, mau grado o esforço redobrado, subjacente à argumentação, que terá

impendido sobre o seu ilustre mandatário.

Mas a alegação que apresentam sobre a matéria enferma de um erro manifesto,

porquanto aos arguidos era facultada a possibilidade de interporem o seu recurso

até ao dia 14 de Maio de 2008, Quarta-Feira, e até ao fecho do expediente da LPFP.

Com efeito, é jurisprudência unânime deste CJ que aos prazos fixados no

Regimento do CJ da FPF é aplicável o disposto no art. 14º nº 1 do Regulamento

Disciplinar da FPF, na parte em que estatui que “… os prazos impostos pelas

notificações se iniciam no primeiro dia útil seguinte àquele em que se presumem

recebidas”.

Por conseguinte, e muito embora seja do conhecimento público que os serviços da

LPFP estiveram abertos e à disposição dos recorrentes para consulta do processo

durante o fim de semana de 10 e 11 de Maio de 2008, o certo é que o prazo aqui em

questão só terminou efectivamente a 14 de Maio seguinte.

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Posto isto, cabe, então, avaliar a alegada inconstitucionalidade do dito prazo.

É há muito e também posição pacífica e uniforme deste CJ, não ter o mesmo

poderes para declarar a inconstitucionalidade de qualquer preceito legal ou

regulamentar, porque tal poder/dever pertence em exclusivo aos Tribunais e, ainda,

em primeira linha do movimento associativo, acrescentamos nós, ao Tribunal Arbitral

constituído para os efeitos do art. 61º e nos termos do art. 74º dos Estatutos da FPF.

Assim sendo, não vamos, naturalmente, no presente acórdão, pronunciar-nos sobre

quaisquer eventuais inconstitucionalidades dos regulamentos e da legislação aqui

aplicável.

O CJ da FPF, como órgão social de natureza jurisdicional, não pode colocar-se à

margem do movimento associativo nacional e internacional onde está inserido,

cabendo-lhe, pelo seu papel de instância de último recurso, defender o sistema

regulamentador do futebol português, mediante a sua estrita aplicação. O contrário

poderia significar, até, a denegação da sua própria função, que é a de fazer

prevalecer a aplicação das normas e regulamentos da FPF, da UEFA e da FIFA, no

âmbito do ordenamento desportivo português.

Alegações como a presente, fruto, aliás, da chegada ao mundo do futebol, o que se

elogia, de muitos e doutos juristas que com ele passam a lidar, revestem a natureza

de claro “abuso de direito”, no sentido que lhe dá a expressão “venire contra factum

proprium”.

Como podem os clubes, SADs, sócios, órgão sociais, dirigentes e agentes

desportivos em geral aprovar as normas reguladoras do futebol e, porque

determinada norma ou regulamento contunde com os seus interesses concretos, vir

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suscitar “in casu”, que a mesma não é aplicável, por razões exteriores ao âmbito da

sua própria auto-regulação?!

Acresce que, por outro lado, o art. 7º nº 2 do RD da LPFP estabelece que “no

procedimento disciplinar devem ser subsidiariamente observados os princípios

informadores do Estatuto Disciplinar dos Funcionários e Agentes da Administração

Central, Regional e Local” (EDFAACRL).

Ora, compulsados quer o RD da LPFP quer o EDFAACRL, no caso o Decreto-Lei nº

24/84, de 16 de Janeiro, verifica-se que aí não constam quaisquer normas

sancionatórias para o não cumprimento dos prazos previstos nos arts. 184º e 185º

do RD da LPFP.

E, não tinham que o fazer, uma vez que são actos meramente ordenadores ou

tabelares, pelo que o seu incumprimento não desencadeia qualquer efeito

preclusivo, nem gera qualquer invalidade, não determinando, consequentemente, a

caducidade do procedimento ou a extinção do direito de punir (cfr, Ac. STA de

10.03.2003, in Rec. 02017).

Não se verifica, por isso e assim, qualquer invalidade.

O encurtamento de prazos processuais no final de cada época desportiva é

atribuição do Presidente do CJ, nos termos do art. 9º alínea e) do Regimento do CJ,

o qual vem sendo exercido, sem oposição, em todas as épocas desportivas,

atendendo exactamente ao fundamento que a norma estabelece: o da celeridade

processual, que manda concluir os procedimentos dentro da época desportiva em

curso, de forma a nada restar por decidir no início da época desportiva seguinte.

Reconhecendo embora que o presente caso se reveste de uma complexidade

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excepcional em relação aos que normalmente são presentes a este CJ, seria, isso

sim, potencialmente violador do princípio da igualdade, fixar um prazo excepcional

de exercício de direitos, em função das especificidades de um processo em

particular.

Termos em que, recusando apreciar, porque não lhe compete, a constitucionalidade

do art. 9º alínea e) do Regimento do CJ, se considera não merecer qualquer tipo de

censura a decisão do Presidente do CJ publicada no C.O. nº 332 da FPF.

Quanto à eventual inconstitucionalidade da moldura sancionatória do ilícito

disciplinar de que os arguidos vêm acusados, impõe-se ainda outra referência:

Os limites, mínimo e máximo, da pena respectiva estão circunscritos aos limites

estabelecidos pelo disposto no art. 5º da Lei nº 112/99 de 3 de Agosto (Regime

Disciplinar das Federações Desportivas), pelo que também a este CJ a norma lhe

não merece qualquer censura.

II – ALEGADO ERRO DE ESCRITA NO FACTO PROVADO 111

Alegam os arguidos José Chilrito e Manuel Quadrado que a resposta ao facto 111.

da matéria provada está ferido de erro de escrita.

Da fundamentação da prova resulta que estes têm razão, pelo que se considera

redigido o facto 111. da matéria de facto nos exactos termos que vêm alegados.

III - ADMISSIBILIDADE DOS MEIOS DE PROVA

Para fundamentar a imputação feita aos arguidos, a Comissão Disciplinar da LPFP

realizou as diligências probatórias que constam do relatório de fls. 2524 e seguintes

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do processo de inquérito nº 13-06/07, o qual foi convolado, também, no Proc.

Disciplinar nº 41-07/08 e que, mediante a referência de fls. 43, entre outras,

constituem a prova da acusação que vem deduzida, igualmente ente outras, a fls.

26.

Constam essas provas de:

a) - Transcrições de conversações obtidas mediante escutas telefónicas no âmbito

de inquérito judicial penal;

b) - Transcrições de declarações prestadas em inquérito judicial penal;

c)-- Declarações produzidas em inquérito disciplinar desportivo, subsequentemente

convolado em processo disciplinar desportivo;

d) - Documentos produzidos no âmbito da FPF – LPFP.

Porque a legitimidade de apreciação e o valor em processo disciplinar desportivo

das provas referidas em a) e b) é posto em causa pelos recorrentes, é questão

prévia avaliar da sua admissibilidade e, subsequentemente, dos factos que podem

ser dados como provados e sobre os quais haverá que produzir a decisão de mérito.

A - DA ADMISSIBILIDADE EM PROCESSO DISCIPLINAR DESPORTIVO DA

PROVA RECOLHIDA EM PROCESSO PENAL, MEDIANTE INTERCEPÇÃO

TELEFÓNICA

(NOTA – São referências bibliográficas deste capítulo:

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- COSTA ANDRADE (Sobre Os Meios Proibidos de Prova em Processo Penal, Coimbra Editora e

Sobre o Regime Processual Penal das Escutas Telefónicas, Revista Portuguesa de Ciências

Criminais, Ano I, fasc. 3, Julho - Setembro de 1991);

- MAIA GONÇALVES (Código do Processo Penal Anotado, Almedina)

- GERMANO MARQUES DA SILVA (Curso de Processo Penal, Verbo);

GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA (Constituição da República Portuguesa Anotada, Coimbra

Editora)

A questão é manifestamente relevante para os autos e suscita, pela sua novidade,

diversas posições da doutrina, bem expressas nos pareceres que o arguido Pinto da

Costa e a recorrida CD da LPFP juntaram ao processo, sendo certo que não existe

jurisprudência ou doutrina que, até hoje, se haja pronunciado sobre o

aproveitamento extraprocessual penal da prova obtida mediante intercepção

telefónica.

A posição dos recorrentes sobre o assunto converge no ponto em que considera

que, não podendo as escutas ser usadas, mesmo em processo criminal, quando não

estejam em causa crimes de catálogo, por maioria de razão elas não poderão ser

usadas em sede de ilícito disciplinar, que tem dignidade inferior à do crime não

catalogado.

Corresponde esta posição a uma interpretação maximalista da expressão “salvo os

casos previstos em matéria de processo criminal” contida no art. 34º nº 4 da

Constituição da República Portuguesa, entendida aqui como, não só uma proibição

da produção dessa prova mas, igualmente, uma proibição da valoração dessa prova

fora do processo criminal.

Perante tão douto e abundante material posto à disposição deste CJ, julgamos

fundamental que a questão fique definitivamente dirimida, o que se fará, não só no

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respeito humilde por tão doutas opiniões, mas também na consciência da autonomia

intelectual, relevância e independência dos juízos de valor que sejam produzidos.

1) – APRECIAÇÃO DA INCONSTITUCIONALIDADE DOS ACTOS PELO CJ DA

FPF

Já foi acima estabelecido que não compete ao CJ apreciar a constitucionalidade das

normas, “maxime” das normas regulamentares em vigor no ordenamento desportivo

da FPF, o que está reservado aos tribunais, pelo que se dão aqui, como

reproduzidas, essas considerações.

Mas já cabe ao CJ, no âmbito dos seus poderes de cognição estabelecidos no art.

11º nº 2 do Regimento do CJ da FPF, avaliar da legalidade da aplicação dessas

normas, face ao “todo” normativo que tutela a prática dos actos processuais dos

órgãos jurisdicionais recorridos, nomeadamente em processo disciplinar.

Termos em que se reconhece e aceita que as questões suscitadas pelos arguidos

quanto à admissibilidade da prova se encontram no âmbito desse poder/dever de

julgamento e se passam a apreciar.

2) – INTERPRETAÇÃO DO ART. 172º Nº 1 “IN FINE” DO RD DA LPFP

A decisão recorrida, confrontada com a arguição da inadmissibilidade da prova

referenciada em a) e b), expende doutas considerações sobre o tema com as quais

se não concorda na totalidade, nomeadamente quando, aparentemente, afirmando a

autonomia do direito desportivo e fazendo um raciocínio de desvalor paralelo ao

processo criminal, equipara a gravidade dos crimes de catálogo à das infracções

disciplinares consideradas muito graves.

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SE É CERTO QUE

- São admissíveis, no processo disciplinar desportivo, todos os meios de prova

previstos em direito (art. 172º nº 1 RD da LFPF);

- Devem no mesmo ser observados os princípios informadores do Estatuto

Disciplinar dos Funcionários e Agentes da Administração Central, Regional e Local

(EDFAACRL) – art. 7º nº 2 do RD da LPFP e

- Pode o instrutor ordenar oficiosamente as diligências necessárias à descoberta da

verdade material, de acordo com os princípios gerais de direito processual penal

(art. 178º nº 3 do RD da LPFP);

CONTUDO,

Não pode a autonomia do direito desportivo sobrelevar sobre a Constituição da

República Portuguesa (CRP).

Por outras palavras, no exercício da sua actividade instrutora, a entidade disciplinar

desportiva está directamente subordinada aos ditames da Constituição, na medida

em que esta representa o núcleo orientador de normas que se sobrepõe a todo o

conjunto de ordenamentos jurídicos “autónomos” que constituem o complexo

normativo nacional.

Assim sendo, apesar de tal não surgir expresso no RD da LPFP, está o instrutor

igualmente condicionado pelos limites constitucionais estabelecidos, na sua

actividade de obtenção e valoração das provas em processo disciplinar desportivo,

porque lhe é directamente aplicável – e não, obviamente, por remissão do Código do

Processo Penal (CPP) ou outro – o que sobre o assunto vem disposto na CRP.

3) – LIMITES CONSTITUCIONAIS DA OBTENÇÃO E VALORAÇÃO DE PROVA

OBTIDA MEDIANTE INTERCEPÇÃO TELEFÓNICA

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Na sua essência, a escuta telefónica ofende o exercício de direitos fundamentais

como a reserva da intimidade, a palavra, a inviolabilidade das comunicações, os

quais se encontram consagrados constitucionalmente. (arts. 26º e 34º da CRP), de

sorte que o art. 187º do Código do Processo Penal (CPP), logo na sua primeira

versão, foi sujeito a fiscalização preventiva da constitucionalidade, tendo o douto

Acórdão do Tribunal Constitucional nº 7/87 de 9 de Janeiro (ver BMJ nº 363, pg.

109) concluído que o comando em apreço não violava o art. 26º, nem infringia os

limites constitucionais da necessidade e proporcionalidade do nº 2 do art. 18º,

ambos da CRP.

A Lei Fundamental remete para o processo criminal a regulação dos termos

concretos em que as escutas podem ser realizadas e esses termos concretos têm,

por isso, cobertura constitucional, sendo, pelo contrário, nulas e proibidas as provas

obtidas mediante intromissão ABUSIVA na vida privada e nas telecomunicações (art.

32º nº 8 da CRP), competindo a definição desse abuso igualmente ao processo

criminal.

Assim sendo, no exercício da sua actividade instrutora e quanto à valoração das

provas obtidas por intercepção telefónica no âmbito de processo de inquérito judicial,

cuja transcrição é, por certidão, remetida a processo disciplinar da jurisdição da CD,

esta está vinculada, não apenas aos princípios gerais de direito processual penal

(art. 178º nº 3 do RD da LPFP), mas igualmente às normas expressas previstas no

Código do Processo Penal (CPP), “ex vi” do art. 34º nº 4 da CRP.

4) – LIMITES EXPRESSOS NO CPP REFERENTES ÀS ESCUTAS TELEFÓNICAS

São limites expressos do CPP, no que tange às escutas telefónicas e que se dão por

explicitados, os seguintes:

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- art. 125º: provas admitidas (as não proibidas);

- art. 126º: regime dos métodos proibidos de prova;

- arts. 118º e seguintes, conjugados com o art. 189º: regime das nulidades.

Limites expressos são obviamente e também os que constam do próprio art. 187º do

CPP, que à matéria se refere concretamente.

5) – REDACÇÃO DO ART. 187º DO CPP. APLICAÇÃO DA LEI PROCESSUAL

PENAL NO TEMPO

Os pareceres apresentados pronunciam-se sobre a questão, uns explícita, outros

implicitamente, à luz do CPP de 2007.

Dispõe o art. 5º nº 1 do CPP que “A lei processual penal é de aplicação imediata,

sem prejuízo da validade dos actos realizados na vigência da lei anterior”.

Na lei processual penal não vigora igualmente o regime da norma mais favorável ao

arguido, com a ressalva do art. 5º nº 2 alínea a) do CPP, que ao caso não vem.

Ora, a versão actual do art. 187º do CPP, que estabelece o regime de

admissibilidade das escutas, entrou em vigor em 15 de Setembro de 2007.

É certo que a acusação no processo disciplinar foi produzida em Março de 2008.

Mas o processo de inquérito que lhe deu origem e no qual aquele se convolou, foi

instaurado em 2006.

Sobre a matéria, ou seja, em que data se considera iniciado o procedimento, já se

pronunciou o órgão social recorrido no contexto da própria decisão, não tendo os

arguidos questionado a deliberação em sede deste recurso.

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Com efeito, a arguida não recorrente FCP, SAD, invocou a prescrição do

procedimento disciplinar reportado à data de 2008, tendo a CD concluído que,

mediante a convolação do processo de inquérito, o procedimento se considera

iniciado em 2006, decisão que, como se disse, ninguém contraditou.

Vale isto por dizer que, iniciado o procedimento em 2006 e estando o mesmo em

curso para além de 15 de Setembro de 2007, se tem que aceitar, abstractamente,

que as normas restritivas das escutas previstas no CPP de 2004 se aplicam

aos actos praticados até 15 de Setembro de 2007 e que as normas do CPP de

2007 se aplicam aos actos praticados depois de 15 de Setembro de 2007, não

prejudicando a validade dos actos anteriores.

Tendo em conta que os actos das intercepções telefónicas, da transcrição das

conversas gravadas e dos pedidos de emissão e passagem das certidões judiciais

juntas aos autos ocorreram antes de 15 de Setembro de 2007, as normas expressas

de admissibilidade das escutas aplicadas a estes autos são as da redacção do art.

187º do CPP de 2004 e que se passam a transcrever:

Artigo 187.º Admissibilidade

1 - A intercepção e a gravação de conversações ou comunicações telefónicas só podem ser ordenadas ou autorizadas, por despacho do juiz, quanto a crimes:

a) Puníveis com pena de prisão superior, no seu máximo, a três anos;

b) Relativos ao tráfico de estupefacientes;

c) Relativos a armas, engenhos, matérias explosivas e análogas;

d) De contrabando; ou

e) De injúria, de ameaça, de coacção, de devassa da vida privada e perturbação da paz e do sossego, quando cometidos através de telefone;

se houver razões para crer que a diligência se revelará de grande interesse para a descoberta da verdade ou para a prova.

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2 - A ordem ou autorização a que alude o n.º 1 do presente artigo pode ser solicitada ao juiz dos lugares onde eventualmente se puder efectivar a conversação ou comunicação telefónica ou da sede da entidade competente para a investigação criminal, tratando-se dos seguintes crimes:

a) Terrorismo, criminalidade violenta ou altamente organizada;

b) Associações criminosas previstas no artigo 299.º do Código Penal;

c) Contra a paz e a humanidade previstos no título III do livro II do Código Penal;

d) Contra a segurança do Estado previstos no capítulo I do título V do livro II do Código Penal;

e) Produção e tráfico de estupefacientes;

f) Falsificação de moeda ou títulos equiparados a moeda prevista nos artigos 262.º, 264.º, na parte em que remete para o artigo 262.º , e 267.º , na parte em que remete para os artigos 262.º e 264.º , do Código Penal;

g) Abrangidos por convenção sobre segurança da navegação aérea ou marítima.

3 - É proibida a intercepção e a gravação de conversações ou comunicações entre o arguido e o seu defensor, salvo se o juiz tiver fundadas razões para crer que elas constituem objecto ou elemento de crime.

Assim sendo, são irrelevantes para os autos as considerações que se sustentem no

texto da versão actual do preceito, muito embora não se deixem tais argumentos

sem reflexão, em nome da estabilidade futura do sistema disciplinar desportivo.

Em resumo, a admissibilidade da prova obtida por escutas telefónicas depende

genericamente da não ofensa:

- Dos direitos fundamentais do homem, nomeadamente à reserva da vida privada, à

palavra e à inviolabilidade das comunicações, tal como dispõe a CRP;

- Dos requisitos e condições impostos pelos arts. 125º e 126º e 187º e seguintes do

CPP.

6) – EXAME DA PROVA DOS AUTOS À LUZ DOS LIMITES CONSTITUCIONAIS

a) – Reserva da intimidade da vida privada e familiar

Entende-se por “intimidade pessoal” a zona espiritual restrita e exclusiva de uma

pessoa ou de um grupo de pessoas, nomeadamente a família legal.

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A reserva da intimidade é irrenunciável e tem força “erga omnes” e dela derivam

também os direitos a impedir que estranhos acedam às informações reservadas e a

que elas não sejam objecto de divulgação.

Posto que, constitucionalmente, são admitidas as escutas, haverá que encontrar a

fronteira exacta entre os pontos de colisão de cada um dos direitos em conflito (da

reserva e da descoberta da verdade), de sorte a que eles se possam prevalecer de

forma ordenada e em respeito pelos princípios.

É GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA quem avançam a solução viável de

delimitação dessa fronteira, ao estabelecer duas esferas de protecção do direito de

reserva:

- Esfera pessoal íntima: à qual se defere protecção absoluta no CPP em ambas as

versões (2004 e 2007), consistentes em limites positivos, como o caso do arguido e

do defensor, que se podem e devem estender ao médico, ao mentor religioso e à

mulher e aos filhos (muito embora COSTA ANDRADE e GERMANO MARQUES DA

SILVA a não aceitem neste caso); e ainda, no caso de 2007, limites negativos, ou

seja, quanto aos que não sejam arguidos, vítimas ou intermediários.

- Esfera privada simples: à qual é deferida protecção relativa, porquanto, em caso de

conflito, a sua protecção pode ceder em benefício de outro interesse ou bem público.

Analisadas as transcrições das escutas realizadas em processo crime e juntas aos

autos, constata-se que as conversas transcritas entre o arguido Pinto da Costa e

António Araújo se não integram na esfera pessoal íntima daqueles, sendo certo que,

autorizada a intercepção para efeitos de apurar a prática do crime de corrupção

desportiva, o alvo Pinto da Costa estava a ser escutado, não na sua qualidade

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pessoal, mas sim na qualidade e actuando enquanto presidente do clube e da FCP,

SAD.

Poder-se-á assim, inclusive, questionar se essas conversas, que acabaram

transcritas no processo, estarão sequer dentro da esfera privada simples da pessoa

ou se, ao invés, não estão apenas no domínio da “vida interna das empresas” da

F.C. Porto, SAD.

Vale isto por dizer que as escutas transcritas não violam a reserva da intimidade do

recorrente Pinto da Costa e, por conseguinte, são admissíveis à luz da CRP.

Questão diversa se poderá colocar relativamente às conversas telefónicas

transcritas, nomeadamente do arguido Jacinto Paixão, porquanto, regra geral, os

factos em causa – recurso a favores sexuais profissionais – são tidos como

integrantes da intimidade das pessoas.

Neste caso, muito embora o facto abstractamente considerado se inscreva na esfera

pessoal íntima do arguido ou do alvo, ele fica automaticamente transferido para a

esfera privada simples da pessoa, na medida em que esse acto íntimo e privado

constitua ilícito criminal “perseguível” que justifique a intercepção, ou que constitua

elemento essencial para a prova da verificação desse ilícito.

Pelo que também as transcrições das escutas telefónicas em causa são admissíveis

à luz da CRP.

b) – Inviolabilidade das telecomunicações

Aqui devem ser considerados, não só os interesses e direitos que acima se reputam

protegidos, mas igualmente os que possam resultar da inviolabilidade do sigilo e

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conteúdo das conversações e comunicações e do “tráfego” das mesmas,

considerado como tal (data, hora, duração).

Acresce que, muito embora estas restrições sejam estabelecidas

constitucionalmente para as entidades públicas, elas valem para as entidades

privadas, “maxime” quando estejam investidas, por força de lei, de um poder público

delegado, pelo que, mais uma vez, a CD está vinculada aos dispositivos

constitucionais sobre a matéria.

Nada foi suscitado quanto a esta questão nos autos, até porque aqui se acede ao

conteúdo das comunicações pela via das certidões judiciais e não, como exigiria o

caso, pela intromissão no “tráfego” das comunicações.

c) – Direito à palavra

O direito à palavra abarca dois direitos:

- O direito “à voz”, que é um atributo de personalidade e

- O direito “às palavras ditas”, como garante da autenticidade e o rigor da

reprodução dos termos, expressões e figuras de estilo escritas ou ditas por uma

pessoa num determinado momento.

Como ensina COSTA ANDRADE, caso não houvesse tutela jurídico-penal dos

termos exactos do que se diz, deturpar-se-ia a autenticidade, espontaneidade, livre

formação e livre expressão da palavra dita.

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Esta restrição constitucional tem especial relevância no que respeita à

contextualização da matéria processualmente valorada e, nomeadamente, quanto à

integração das palavras transcritas da escuta realizada.

Nenhum dos arguidos alegou que as palavras transcritas hajam ficado

descontextualizadas.

Por conseguinte, declara-se que nada na CRP, segundo a óptica da eventual ofensa

dos direitos de personalidade dos arguidos, se contrapõe à valoração processual

dos conhecimentos obtidos nestas escutas telefónicas.

7) – EXAME DA PROVA DOS AUTOS, RESULTANTE DE ESCUTAS

TELEFÓNICAS, À LUZ DA LEI PROCESSUAL PENAL APLICÁVEL

a) – Considerações gerais

No âmbito da formulação legal aplicável aos autos, foram expendidas pela doutrina

três tipos de valoração sobre a nulidade da prova recolhida por meio de escutas

prevista no art. 189º do CPP:

- Como JOSÉ DA COSTA PIMENTA, todas as invalidades seriam “dependentes de

arguição”;

- Como MAIA GONÇALVES, seriam todas dependentes de arguição, menos as que

fossem referentes à falta de autorização ou ordem judicial;

- Como COSTA ANDRADE e GERMANO MARQUES DA SILVA, todas elas seriam

englobáveis na previsão do art. 126º nº 3 do CPP, como proibições de prova.

b) – Proibição de produção e proibição de valoração

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Conforme resulta da leitura do art. 187º do CPP em vigor até 15 de Setembro de

2004 e directamente aplicável à prova dos autos, a lei era omissa quanto à distinção

dos conceitos que COSTA ANDRADE suscitou ao tempo sobre os dois “momentos”

nos quais a prova obtida por meio de escutas telefónicas deve ser valorada, ou seja,

seguindo o estabelecido no BGH alemão, considerando “o princípio da

descontinuidade normativa entre o juízo de licitude/ ilicitude da produção da prova e

o da admissibilidade da respectiva utilização probatória”.

Tal descontinuidade não estava prevista no texto das normas em vigor no

ordenamento jurídico português à data da prática dos factos e das intercepções

telefónicas em apreço.

Nesse período, a doutrina portuguesa organizava-se em duas posições teóricas

antagónicas:

- Os que, como SCHÜNEMANN, recusavam tal descontinuidade valoradora e diziam

que os problemas jurídico-processuais das escutas telefónicas se reduziam às

questões de produção de prova;

- E os que, como RUDOLPHI, se escudavam no disposto no § 100 a) do StPO, para

dizer que a conversação telefónica só seria admissível como prova quando a sua

gravação, estando prevista, fosse adequada para efeitos de perseguição penal.

c) – Proibição de produção

Os arguidos e os seus consultados não contestam a validade formal dos actos que

autorizaram e validaram a produção da prova (muito embora tal conste das conclusões do

arguido Pinto da Costa, não divisamos argumentos que, no contexto, ponham em causa os

despachos judiciais de autorização das escutas e de validação das suas transcrições), à luz das

respectivas normas processuais penais, na sede restrita dos processos penais dos

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quais foram extraídas as certidões dos autos. A CD não ordenou nem realizou as

ditas intercepções telefónicas.

Suscita-se aqui, antes, a eventual inconstitucionalidade do aproveitamento exterior

da matéria recolhida em sede do processo penal, face ao respeito dos direitos

constitucionais dos arguidos que foram já acima explicitados.

d) – “Conhecimentos fortuitos”

A doutrina dos chamados “conhecimentos fortuitos” foi elaborada nos estritos limites

do direito criminal, pelo que, numa primeira análise, haverá que considerar a

relevância das escutas telefónicas no âmbito desses limites, para, posteriormente,

avaliar a sua relevância no âmbito de outros ordenamentos jurídicos “autónomos”.

Não raras vezes, na intercepção e gravação dos telefonemas, os operadores

judiciários são confrontados com o conhecimento de factos, recolhidos

“fortuitamente”, que não se reportam ao crime cuja investigação legitimou a

autorização ou ordem da escuta telefónica.

Perante estes conhecimentos “fortuitos”, o problema mais complexo prende-se com

as circunstâncias da infracção detectada quando:

- Não se reporte ao sujeito sobre quem recaem as suspeitas da prática do crime de

catálogo que legitimou as escutas;

- Mesmo que se reportando ao mesmo sujeito, os elementos probatórios recolhidos

indiciem, ao invés do previsto, a prática de um crime que não faça parte do catálogo.

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A imputação a sujeito diferente daquele que fora o “alvo” inicial da escuta de

qualquer dos crimes de catálogo encontra-se perfeitamente legitimada à luz da

doutrina.

Mais complexa é a avaliação quando, tratando-se do mesmo sujeito, se constata,

indiciariamente, em resultado das escutas realizadas, a prática de um crime não

catalogado.

Esta problemática é analisada à luz do que se considera “objecto do processo”,

entendendo-se, como tal, a recolha de provas que se referem ao crime que legitimou

a escuta telefónica.

Mais uma vez nos socorremos de COSTA ANDRADE, na esteira, aliás, de

WOLTER, para diferenciar o que se pode considerar como “conhecimento de

investigação”, em contraste com “conhecimento fortuito”:

São “conhecimento de investigação” e, portanto, integrantes do objecto do processo,

os:

- Factos que se reportam ao crime de catálogo que justificou a autorização ou ordem

da escuta telefónica;

- Factos que se reportam a outros crimes de catálogo que não hajam justificado a

autorização prévia de escuta;

- Factos que estejam em “concurso ideal e aparente” com o crime de catálogo

previamente investigado ou subsequentemente constatado;

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- Factos que se reportem a “delitos alternativos” que comprovam, de modo

alternativo, os factos do crime do catálogo.

Par confronto cita-se diversa jurisprudência quase toda posterior à alteração

legislativa de 15 de Setembro de 2007, consultada em www.dgsi.pt:

1 - Os conhecimentos da investigação, que se prosseguiu e se aprofundou com

outra prova, não estão sujeitos à mesma disciplina dos conhecimentos fortuitos. A

questão do valor destes conhecimentos fortuitos apenas se coloca quando eles

constituem meio de prova de um outro crime diverso do que se investiga

(TRL ac. 11/9/2007 – PROC. 3554/2007-5)

1 - Tendo os factos, apesar de autonomizados num processo, sido desencadeados

por força de diligências encetadas noutro e tendo uma íntima conexão com os

deste último, dado tratar-se do mesmo tipo de crime e até dos mesmos agentes,

ao menos em parte, o uso das escutas telefónicas, por transcrição certificada,

levadas a cabo no processo primeiramente existente, está legitimado no segundo.

2 - O facto de os processos não terem sido apensados não significa que a conexão

não exista, como, além disso, a apensação não é forçosa, como resulta, desde

logo, do artº. 30º do CPP.

3 - Neste contexto, os conhecimentos adquiridos por via das escutas são

conhecimentos da investigação e não conhecimentos fortuitos, pois se reportam

ao crime cuja investigação legitimou a sua autorização.

4 - Sendo conhecimentos da investigação, os resultados obtidos estendem-se ao

último processo (incluindo os comparticipantes nos crimes), desde que ocorram

todos os pressupostos legais da validade das intercepções e gravações telefónicas,

de acordo com as exigências dos artigos 187º e 188º do CPP, nomeadamente: as

mesmas terem sido autorizadas pelo respectivo juiz de instrução em despacho

fundamentado; os crimes em investigação serem de catálogo; terem sido

devidamente enunciadas as razões tendentes a demonstrar que as escutas se

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impunham como meio necessário, idóneo e até insubstituível para a descoberta

da verdade (portanto, obedecendo ao princípio da subsidiariedade), e terem sido

fundadas na existência de suspeita qualificada.

(Ac. STJ 16/10/2003)

Se num processo foi autorizada a intercepção e gravação das conversações de e

para o telemóvel de arguido a quem se imputa a prática de um crime de lenocínio

e se essa operação permitiu conhecer o envolvimento de outrem numa situação

de favorecimento pessoal daquele, a prova obtida por esse meio é válida em

relação ao autor do favorecimento, por se estar perante uma situação de

“conhecimento de investigação”.

(Ac. TRP 12/12/2007 proc. 0744715)

1. Dando por assente a distinção conceptual entre os denominados conhecimentos da investigação – factos obtidos através de uma escuta telefónica legalmente efectuada que se reportam ou ao crime cuja investigação legitimou as escutas ou a um outro delito que esteja baseado "na mesma situação histórica de vida" – e os conhecimentos fortuitos, em que só estes últimos aqui interessam, dir-se-á que «a orientação generalizada da doutrina e da jurisprudência alemãs é no sentido de admitir apenas a utilização dos conhecimentos fortuitos que se reportem a um dos crimes relativamente aos quais a escuta é legalmente

admissível» posição para que propende fortemente a doutrina e jurisprudência portuguesas. 2. As escutas telefónicas representam sempre uma intromissão na reserva da intimidade da vida privada, que só pode ocorrer nos casos e termos previstos na lei (art.26, nº4, da C.R.P.) e como forma de salvaguarda de outros interesses, em particular, o interesse público de administração da justiça penal (art.34, nº4, da C.R.P.).

(Ac. TRL 11/10/2007 proc. 3577079)

II - As escutas telefónicas realizadas, com respeito pelo formalismo imposto na lei,

em determinado processo que corria termos contra vários arguidos, continuam a

ter plena validade no processo autónomo que resultou de certidão extraída

daquele primeiro processo, em consequência da separação de culpas (por razões

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de celeridade e para não prolongar demasiado a prisão preventiva de outros co-

arguidos) quanto a alguns dos arguidos que aí já se encontravam referenciados

como tomando parte na actividade ilícita de tráfico de estupefacientes, em

investigação nesse processo.

III - Não obstante tratar-se de um novo processo autonomizado do inquérito

original, o certo é que não pode deixar de entender-se, para o efeito, que as

provas em causa – decorrentes das escutas telefónicas – foram obtidas no mesmo

processo em que agora estão a ser valoradas.

IV - Tal situação nada tem a ver com a utilização dos chamados “conhecimentos

fortuitos”, em que no âmbito de um determinado processo se obtêm elementos

probatórios com base nos quais se abre novo processo, este destinado a apurar

diferentes factos e a responsabilidade de outras pessoas.

(Ac. TRL 20/6/2007 proc. 2749/2007-3)

(...)

V - Existe uma diferença qualitativa entre a intercepção telefónica efectuada à

revelia de qualquer autorização legal e a que, autorizada nos termos legais, não

obedeceu aos requisitos a que alude o art. 187.º do CPP. Nesta hipótese o meio de

prova foi autorizado e está concretamente delimitado em termos de alvo, prazo e

forma de concretização, e se os pressupostos de autorização judicial forem

violados estamos em face de uma patologia relativa a uma regra de produção de

prova.

VI - As proibições de prova são «barreiras colocadas à determinação dos factos

que constituem objecto do processo». Mais do que a modalidade do seu

enunciado, o que define proibição de prova é a prescrição de um limite à

descoberta da verdade. Normalmente formulada como proibição, a proibição de

prova pode igualmente ser ditada através de uma imposição, e mesmo de uma

permissão. É que toda a regra relativa à averiguação dos factos proíbe ao mesmo

tempo as vias não permitidas de averiguação.

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VII - A proibição de prova em sentido próprio no sistema processual penal

português é somente aquela norma probatória proibitiva cuja violação possa

redundar na afectação de um dos direitos pertencentes ao núcleo eleito no art.

32.º, n.º 8, da Lei Fundamental, e que o art. 126.º do CPP manteve, sem alargar.

VIII - Diferentemente, as regras de produção da prova – cf., v.g., o art. 341.° do CPP

– visam apenas disciplinar o procedimento exterior da realização da prova na

diversidade dos seus meios e métodos, não determinando a sua violação a

reafirmação contrafáctica através da proibição de valoração. As regras de

produção da prova configuram «meras prescrições ordenativas de produção da

prova, cuja violação não poderia acarretar a proibição de valorar como prova (...)

mas unicamente a eventual responsabilidade (disciplinar, interna) do seu autor».

Umas vezes pré-ordenadas à maximização da verdade material (como forma de

assegurar a solvabilidade técnico-científica do meio de prova em causa), as regras

de produção da prova podem igualmente ser ditadas para obviar ao sacrifício

desnecessário e desproporcionado de determinados bens jurídicos.

(…)

XII - O art. 8.º da CEDH permite a ingerência de uma autoridade pública, com

finalidade preventiva ou repressiva, na área dos direitos fundamentais, desde que

devidamente respeitadas duas condições essenciais: a legalidade, e a sua

necessidade face a interesses particularmente protegidos. Assim, se forem

observadas as regras de produção de prova legalmente consignadas nada

impede que as intercepções telefónicas constituam o único meio de prova a

fundamentar a convicção do tribunal.

XIII - Conforme referem Gomes Canotilho e Vital Moreira (in CRP Anotada), para

além dos pressupostos de previsão constitucional expressa e salvaguarda de direito

ou interesse constitucionalmente protegido, o terceiro pressuposto material para a

restrição legítima de direitos, liberdades e garantias consiste naquilo que se designa

por princípio da proporcionalidade, que se desdobra em três subprincípios: o da

adequação, o da necessidade ou indispensabilidade e o da proporcionalidade. O

denominador comum aos três é exactamente o de equacionar a restrição que

constituem em termos de direitos fundamentais com os interesses que se pretende

prosseguir. Porém, tal adequação de perfil superior em termos de admissibilidade e

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ponderação constitucional nada tem a ver com um inusitado pressuposto

processual penal de que um determinado meio de prova, desacompanhado de

outro, não tem relevância para fundamentar a convicção do Tribunal.

(Ac. STJ de 2/4/2008 proc. 08P578)

Conclui-se, portanto, que a doutrina e jurisprudência actual estão de acordo quanto

às provas obtidas por escuta telefónica que podem ser valoradas em processo

penal :

- As que se incluam no objecto da investigação ;

- As que sejam reportadas a outro crime do catálogo ou a outros factos que estejam

em concurso ideal ou aparente com o crime que jutificou a autorização da escuta ou

outro crime do catálogo, e ainda os que estejam em concurso «ideal e aparente»

com os mesmos, ou compreendam «delitos alternativos» que comprovam, de modo

igualmente alternativo, os factos de um crime do catálogo.

Estas considerações porém, quando cotejadas à luz do CPP de 2004, não têm

correspondência ou referência expressa no texto da lei, porquanto a doutrina, e

mesmo a jurisprudência não vinculativa, não constituem interpretação autêntica da

lei.

Pela citação exaustiva que foi feita do art. 187º, na versão aplicável às provas dos

autos a que acima se procedeu, constata-se que o legislador se concentrou em

regular especial e rigorosamente o momento da produção da prova, mas nada disse

quanto ao momento «descontínuo» subsequente da sua valoração, para usar a

nomeclatura de COSTA ANDRADE.

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Por outras palavras, no momento em que foram produzidas e carreadas a este

processo disciplinar desportivo as provas obtidas por escuta telefónica, a lei

processual penal vigente permitia a valoração da prova obtida por essa via, MESMO

QUE REPORTADA A CONHECIMENTOS FORTUITOS E SEM QUALQUER RESTRIÇÃO

DO ORDENAMENTO JURÍDICO SANCIONATÓRIO.

A inclusão da limitação do aproveitamento de conhecimentos fortuitos feita no nº 7

do art. 187º do CPP de 2007 demonstra que, antes, aquela utilização era permitida,

porque nem a norma nova reveste intuito interpretativo, nem a sua inclusão seria

necessária, se o legislador não pretendesse consignar essa nova restrição, na

esteira das considerações doutrinais e jurisprudenciais vigentes.

COSTA ANDRADE e GERMANO MARQUES DA SILVA, perante o silêncio, ao

tempo, do direito positivo português e a discussão doutrinária dos «conhecimentos

fortuitos», propunham uma formulação mais «recuada» propugnando que, na

utilização dos conhecimentos fortuitos deveria e tão só:

- Haver uma exigência mínima de conexão com um crime de catálogo;

- E fazerem-se intervir exigências complementares de estado de necessidade

investigatório.

Tudo considerações pesadas em sede «de jure condendo», mas que não relevavam

ao tempo da produção da prova destes autos, em sede «de jure condito».

e) – proibição de valoração

Restará, por conseguinte e nesta óptica, avaliar se a utilização das provas obtidas

mediante escutas telefónicas em processo disciplinar desportivo ofende o princípio

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da porporcionalidade, também constitucionalmente consagrado e, ao qual, estão,

como se afirmou, as entidades desportivas igualmente vinculadas.

Os recorrentes concordam todos na tese de que, perante o processo criminal,

constituem bagatelas sancionatórias, não só os ilícitos disciplinares em geral, como

igualmente os ilícitos desportivos em particular.

Não é por aí que deve a questão ser analisada, à luz da autonomia do direito

desportivo.

O art. 18º nº 2 da CRP define o princípio da proporcionalidade no sentido em que as

restrições aos direitos individuais se devem limitar ao necessário para «salvaguardar

outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos.».

A CRP fixa, portanto, como limite estrito à compressão dos direitos individuais, não o

desvalor que possa produzir-se entre o processo criminal e outros ordenamentos

sancionatórios, não o desvalor que possa haver entre os direitos individuais e outros

direitos, mas A SALVAGUARDA DE OUTROS (SEM MAIS) DIREITOS E INTERESSES

CONSTITUCIONALMENTE PROTEGIDOS.

Ora, o direito ao desporto tem consagração constitucional no art. 79º da CRP.

As Federações Desportivas, no âmbito da sua autonomia e no respeito pela lei,

providenciam pelo exercício efectivo do direito ao desporto, constitucionalmente

consagrado.

Dão-se, neste aspecto, de tão exaustivas, por reproduzidas, as considerações da

decisão recorrida sobre a afirmação do « jus imperii » do ordenamento desportivo da

FPF.

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Ora, a Lei nº 112/99 de 3 de Agosto (Regime Disciplinar das Federações

Desportivas) estabelece que as federações despotivas titulares do estatuto de

utilidade pública desportiva devem dispor de regulamentação com vista a sancionar

a violação «das regras relativas à ética desportiva», esclarecendo, no seu nº 2, que

«são consideradas normas de defesa da ética desportiva as que visam sancionar a

violência, a dopagem ou a corrupção».

Não é de bagatelas de que aqui se fala : fala-se, antes e também, de um fenómeno

de relevância nacional e internacional que é o desporto de alta competição, que

move multidões, que induz juízos de valor a todos os cidadãos e que corre a

sociedade de forma transversal, sobrepondo-se, até, ao exercício normal da justiça

criminal.

Basta cotejar a relevância que a questão em juízo nestes autos provocou já, em

termos nacionais e internacionais, o alarme social que a manifestação das diversas

posições sobre o assunto induziram, com o que é a relevância da prática do dia a

dia da justiça comum.

O julgador em processo disciplinar desportivo tem que valorar, não só as regras

formais que protegem os direitos dos arguidos, como igualmente as consequências

que a solução encontrada tem para a estabilidade e moral social, para, nesse

confronto, avaliar da admissibilidade da compressão de eventuais direitos individuais

dos arguidos.

As instâncias disciplinares desportivas exercem, em sede de ética desportiva, por

delegação de poderes, o juízo sancionatório que cabe à sociedade em geral.

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Nestes autos está em causa não só a corrupção dentro do fenómeno desportivo,

mas a corrupção em geral, como cancro da sociedade que urge extirpar, em todas

as suas concretas manifestações e não só as que relevam para o fenómeno

desportivo.

Neste momento, não é só o mundo do futebol, mas toda a sociedade portuguesa,

independentemente da sua maior ou menor ligação ao fenómeno desportivo, que

quer e exige saber se os comportamentos ajuízados são admissíveis à luz do direito

e da ética desportivas e, por conseguinte, à luz do «todo» que é o ordenamento

jurídico português.

E essa exigência moral e funcional não é uma bagatela: ela não é preterida pelo

disposto no art. 18º nº 2 da CRP.

Termos em que, por haverem sido respeitados os limites constitucionais e de

processo penal ao tempo em vigor, na recolha dos elementos probatórios obtidos

por intercepção telefónica reportados aos arguidos, e porque não são igualmente

violados os limites constitucionais de proporcionalidade para efeitos da valoração

dos elementos recolhidos, quando em confronto com os direitos individuais dos

arguidos, se consideram os mesmos admissíveis e, como tal, valoráveis para efeitos

deste processo disciplinar.

8) – CONSIDERAÇÕES COMPLEMENTARES À LUZ DA LEI PROCESSUAL

PENAL EM VIGOR

Ainda que resolvida a «vexata questio» destes autos, há que, por razões de

estabilização do regime disciplinar desportivo acima enunciadas, tecer as

considerações que julgamos pertinentes à luz da redacção actual do art. 187º do

CPP.

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No seu trabalho «O Regime Legal das Escutas Telefónicas – Algumas Breves

Reflexões», DAMIÃO DA CUNHA refere sinteticamente o que mudou no regime que

passou a vigorar a partir de 15 de Setembro de 2007.

E, se bem que minimamente escalpelizado o texto legal, constatamos que, para

além da fixação subjectiva dos alvos das escutas (ficam restritas as intercepções às

pessoas do arguido, da vítima e do intermediário) e da delimitação máxima do seu

prazo de realização (3 meses), se menciona como novidade do regime em vigor a

restrição da utilização de conhecimentos fortuitos aos que sejam relativos a crimes

de catálogo que não tenham sido objecto da autorização ou ordem de intercepção.

Portanto, o regime processual penal actualmente em vigor para as escutas

telefónicas, que se aplica ao direito disciplinar desportivo por força do art. 34º nº 4 da

CRP, passou a conter também, expressamente, não só limitações de produção da

prova antes estabelecidas, como igualmente as limitações de valoração da prova,

previstas no amplamente citado nº 7 do art. 187º do CPP.

Para delimitar os contornos da questão à luz desta nova restrição, é relevante o

exemplo que COSTA ANDRADE apresenta, na parte final da sua «apostilla», em

resposta ao parecer de VITAL MOREIRA :

« A., funcionário, é suspeito de ter cometido um crime de « corrupção passiva

por acto ilícito » (crime do catálogo, art. 372º do Código Penal) e um crime de

« violação de segredo por funcionário » (não pertencente ao catálogo, art. 382º

do Código Penal), acompanhados do correspondente ilícito disciplinar. Em nome e

a coberto da perseguição da corrupção, são feitas escutas. Se o processo de

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corrupção for arquivado, o processo pelo crime de violação de sigilo não pode

utilizar as escutas ; mas o processo disciplinar pode.

É o resultado a que levaria o entendimento do parecer em exame. É o resultado

que nós temos por insultentável no quadro do direito positivo português

(constitucional e ordinário) vigente. »

Este exemplo revela-se significante para enquadrar os parceres que as partes

apresentaram: todos demonstram um conhecimento e erudição profundos sobre o

sistema processual penal português, mas não se reportam ou ignoram as regras

gerais e particulares do direito desportivo.

a) – Relação entre o direito processual penal e outros ordenamentos jurídicos

Não estamos com VITAL MOREIRA quando se escuda na questão do pedido cível

deduzido em processo penal, para legitimar o aproveitamento das escutas em

processo disciplinar desportivo, quando o que está em causa é a interacção do

regime processual penal com outros direitos sancionatórios.

Pensamos ser mais curial o recurso ao exemplo do direito contra-ordenacional

apresentado em outros pareceres.

Dispõe o Regime Geral das Contraordenações (RGC) que :

- art. 42º nº 1 : Não é permitida a prisão preventiva, a intromissão na

correspondência ou nos meios de telecomunicação (...)

Muito embora se tenha usado nos autos esta norma para sustentar a tese da

inadmissibilidade da prova recolhida por escutas em processo disciplinar desportivo,

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ela reporta-se tão só ao momento da produção da prova. É inquestionável que a CD

não pode ordenar a realização de escutas telefónicas.

Acresce que, no ordenamento contra-ordenacional, é lícita a valoração de provas

obtidas por escutas telefónicas:

- Nos termos do art. 38º nº 1 do RGC : «Quando se verifique concurso de crime

e contra-ordenação (...), o processamento da contra-ordenação cabe às

autoridades competentes para o processo criminal» e

- Nos termos do art. 39º do RGC : «No caso referido no número 1 do artigo

anterior, a aplicação da coima e das sanções acessórias cabe ao juíz

competente para o julgamento do crime.»

Constituindo um crime de catálogo simultaneamente contra-ordenação, o juíz a

quem compete julgar os dois ilícitos avalia-os com base nas escutas telefónicas

ordenadas por força do crime, valorando igualmente as escutas no âmbito da contra-

ordenação.

Idêntico procedimento terá o juíz quando, sendo o crime de catálogo, aplique a pena

desportiva de inibição do exercício de funções desportivas por um período de 2 a 10

anos, como dispõe o já citado art. 5º da Lei nº 112/99, de 3 de Agosto.

Subsiste ainda outra questão no núcleo do exemplo apresentado, como argumento

negativo, na «apostilla» de COSTA ANDRADE, :

(...) Se o processo de corrupção for arquivado, o processo pelo crime de

violação de sigilo não pode utilizar as escutas ; mas o processo disciplinar pode.

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No ordenamento contra-ordenacional não existe a autonomia consagrada para o

regime disciplinar desportivo: confronte-se o disposto no art. 38º nº 4 do RGC : «A

decisão do Ministério Público sobre se um facto deve ou não ser processado como

crime, vincula as autoridades administrativas.»

A autoridade administrativa, por estar vinculada ao juízo de valor do Ministério

Público, não só está impedida de suscitar um conflito negativo de competências,

como está proibida de utilizar meios de prova que só seriam admissíveis, caso o

facto em análise fosse considerado crime do catálogo, sendo certo que o Ministério

Público já considerou que, no caso, não ocorreu qualquer crime.

Mas será isso que sucede no procedimento disciplinar em geral e no procedimento

disciplinar desportivo em particular ?

Confronte-se o douto acórdão cujo sumário se transcreve, recolhido em www.dgsi.pt

:

I - São diferenciados o ilícito disciplinar (que visa preservar a capacidade funcional

do serviço) e o ilícito criminal (que se destina à defesa dos bens jurídicos essenciais à

vida em sociedade) e autónomos os respectivos processos, sendo que o facto de o

arguido ser absolvido em processo crime, não obsta, em princípio à sua punição em

processo disciplinar instaurado com base nos mesmos factos.

II - Sem unidade de ilicitude o desvalor jurídico de natureza penal releva, no âmbito

disciplinar como índice de qualificação da infracção, pelo alarme social que

provoca e pela danosidade associada que, em regra, terá para a eficiência do

serviço, a prática de uma falta que seja, ao mesmo tempo, qualificada como crime.

(Ac. STA de 21-9-2004 P. 047146)

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Entende-se, por isso, que, no processo disciplinar em geral, a absolvição em

processo crime não é susceptível de inibir o juízo sancionatório disciplinar, do que se

infere, igualmente, que menos o será o despacho de arquivamento ou não pronúncia

em processo de inquérito penal.

No âmbito do direito sancionatório desportivo, há que, em primeiro lugar, evidenciar

o disposto na Lei nº 112/ 99 de 3 de Agosto que, no seu art. 4º, estabelece que « O

regime de responsabilidade disciplinar (desportiva) é independente da

responsabilidade civil ou penal »

Essa independência é explicitada no art. 6º do RD da LPFP quando, para além da

afirmação deste valor, estabelece as normas precisas de relacionamento entre o

regime sancionatório desportivo e o regime processual penal :

Art. 6º nº 4 : « A Comissão Disciplinar (...) deverá comunicar ao Ministério Público e

demais entidades competentes as infracções que possam revestir natureza criminal

ou contra-ordenacional, sem prejuízo da tramitação do processo disciplinar

desportivo que, por esse facto, não deverá ser suspenso. »

Nº 5 : « A aplicação das penas criminais ou sanções administrativas não constitui

impedimento, atento o seu distinto fundamento, à investigação e punição das

infracções disciplinares de natureza desportiva. » e

Nº 6 : « O conhecimento pela LPFP de decisão judicial condenatória, transitada em

julgado, pela prática de infracção que revista também natureza disciplinar, obriga à

instauração de procedimento disciplinar, excepto se o mesmo já estiver prescrito. »

Do exposto resulta que a sentença absolutória e o despacho de arquivamento ou

não pronúncia em processo penal não relevam para o direito disciplinar desportivo e

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a condenação em processo penal apenas obriga à instauração oficiosa do

procedimento.

Por outras palavras: o direito disciplinar desportivo não está vinculado (ao invés do

que sucede com o direito contra-ordenacional) aos juízos de valor do Ministério

Público, pelo que pode suceder que um arguido veja arquivado um processo crime

e, PELOS MESMOS FACTOS (aqui se voltará), ser condenado pela prática de um ilícito

desportivo e vice versa.

Pode ainda o arguido ser absolvido de um crime em julgamento penal e condenado

pela pratica dos mesmos factos por um ilícito desportivo, sendo que, como se disse,

a condenação em processo penal apenas obriga à instauração oficiosa do

procedimento disciplinar, que não à prolação de uma decisão condenatória

simétrica.

b)- Factos valoráveis em sede de direito disciplinar desportivo, sobre os quais não

recai a limitação prevista na actual redacção do art. 187º nº 7 do CPP

Não deixando de renovar que estas considerações se não reportam ao caso dos

autos, em atenção à redacção aplicável do art. 187º, por força do art. 5º, ambos do

CPP, há que estabelecer, numa perspectiva de futuro, quais são os factos obtidos

mediante intercepção telefónica que, no ordenamento actualmente em vigor, podem

ser objecto de valoração no processo disciplinar desportivo.

Dão-se por reproduzidas as consideração acima feitas sobre «conhecimento de

investigação» e «conhecimento fortuito» e sobre o respeito pelo princípio da

proporcionalidade.

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Os factos valorados neste processo disciplinar desportivo ou noutro semelhante não

são mais do que aqueles que fundamentaram a autorização e valoração das

escutas no processos penais a que as certidões se reportam.

Eles são o objecto do processo penal: existe perfeita unidade de resolução quanto

aos actos praticados, os quais resultam de uma única deliberação dos arguidos, sem

outras e novas motivações.

Não se está na presença de concursos reais, aparentes ou ideais de infracções: são

os mesmos factos que, simultaneamente, constituem crime e infracção disciplinar e

sobre os quais se vão formular dois juízos de desvalor distintos e independentes.

Suscitar que, ao transferir-se o juízo de valor sancionatório para um ordenamento

autónomo do processo penal (o «aliud» a que VITAL MOREIRA se refere) os factos

em questão se «transformam» automaticamente em «conhecimentos fortuitos»

constitui desonestidade intelectual e não pode ter acolhimento à luz das normas

aplicáveis.

Recorrendo novamente ao exemplo da «apostilla» de COSTA ANDRADE :

- Não está em causa a utilização das escutas telefónicas para prova de uma

infracção disciplinar que constitui, simultaneamente, um crime não

catalogado,

-

- Mas sim e antes a utilização das ditas escutas para prova de um ilícito

disciplinar que é, também simultaneamente, o crime do catálogo que

justificou, primitivamente, a autorização ou ordem das escutas, ou outro da

mesma natureza que tenha sido subsequentemente constatado.

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Concretizando mais, reportado, sempre, ao exemplo da «apostilla» :

- O processo penal organizado pelo crime de violação de sigilo não pode

utilizar as escutas, tal como o processo disciplinar pela violação de sigilo o

não pode;

- Mas, ainda que o processo organizado pelo crime de corrupção seja

arquivado, é lícito ao ordenamento sancionatório desportivo utilizar as escutas

para apurar se ocorreu a prática do ilícito disciplinar correspondente ao

«conhecimento da investigação», seja qual for o resultado do processo crime.

Assim, após 15 de Setembro de 2007, continua a ser lícito usar em processo

disciplinar desportivo a prova obtida mediante intercepção telefónica validamente

autorizada em processo penal, conquanto o processo disciplinar se reporte a ilícito

que se compreenda dentro dos factos que são objecto do processo crime ou

relativos a «conhecimentos fortuitos» cuja admissão caiba na previsão do disposto

no art. 187º nº 7 do CPP, redacção em vigor.

B) – DA ADMISSIBILIDADE EM PROCESSO DISCIPLINAR DESPORTIVO DA

TRANSCRIÇÃO DE DECLARAÇÕES PRESTADAS EM INQUÉRITO JUDICIAL

PENAL

A decisão recorrida valorou também as declarações prestadas pelos arguidos e,

ainda entre outros, por António Araújo, Luis Lameira e Carolina Salgado, no âmbito

do inquérito judicial, constantes das diversas certidões que foram requeridas pela

CD e passadas, para efeitos de processo disciplinar desportivo, pelas entidades

destinatárias do pedido e, nomeadamente, pelo Ministério Público, cuja

admissibilidade também resulta posta em causa.

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A questão tem que ser dirimida à luz do valor extraprocessual das provas, cujo

regime se passa a sintetizar.

Por força do disposto no art. 178º nº 3 do RD da LPFP, as diligências probatórias em

inquérito disciplinar desportivo devem ser ordenadas em conformidade com os

princípios gerais do direito processual penal.

O direito processual penal é parco no estabelecimento de regras gerais de valoração

extraprocessual das provas :

No art. 164º nº 1 do CPP dispõe-se que é admissível a prova por documento,

entendendo-se, como tal, «a declaração, sinal ou notação configurada em escrito ou

qualquer outro meio técnico, nos termos da lei penal»

O art. 165º nº 2 do CPP limita-se a determinar que, na avaliação da prova

documental, tem que ser assegurado o contraditório do arguido.

Excepção feita à desconsideração original do depoimento de Carolina Salgado

alegada pelos recorrentes, a que adiante nos referiremos, nenhum dos arguidos

contesta a veracidade das transcrições constantes das certidões, pelo que é à luz

das regras civis que se podem determinar os termos em que todas aquelas

declarações podem ser valoradas.

Dispõe o art. 522º nº 1 do Código do Processo Civil (CPC) que «os depoimentos e

arbitramentos produzidos num processo com audiência contraditória da parte podem

ser invocados noutro processo contra a mesma parte», sem prejuízo do disposto no

numero 3 do art. 355º do Código Civil (CC).

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Mais dispõe o mesmo preceito que, sendo inferiores as garantias de contraditório do

primeiro processo em relação ao segundo, «os depoimentos produzidos no primeiro

só valem no segundo como princípio de prova».

Igualmente dispõe o art. 355º nº 3 do CC que, a confissão feita num processo só

vale como judicial nesse processo, sendo considerada, pelo nº 4 do mesmo

normativo, como confissão extrajudicial, a que é feita por algum modo diferente da

confissão judicial.

Nos termos do art. 358º nº 2 do CC, a confissão extrajudicial, feita em documento

autêntico ou particular, considera-se provada nos termos aplicáveis a esses

documentos.

Consideram-se documentos autênticos os que emanam de autoridade ou oficial

público competente, em razão da matéria e do lugar, que não esteja legalmente

impedido de o lavrar (art. 369º nº 1 do CC)

A força probatória dos documentos autênticos restringe-se aos actos praticados pela

autoridade ou oficial público emitente e aos factos que neles são atestados com

base nas percepções da entidade documentadora (não podendo ser considerados

quaisquer juízos de valor), sendo a validade dos mesmos impugnável apenas com

base na respectiva falsidade. (arts. 371º nº 1 e 372º nº 1 do CC).

A aplicação destas normas ao caso exige, por conseguinte, que se faça distinção

entre as declarações prestadas pelos arguidos e as que foram prestadas por

testemunhas em sede do processo penal, e que constam das certidões judiciais

juntas aos autos.

Antes porém, há que esclarecer duas outras questões prévias:

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a) Tem a certidão judicial de processo de inquérito penal apenas o valor de «auto de

notícia» para o processo disciplinar desportivo?

Esta tese, defendida no parecer de GERMANO MARQUES DA SILVA é

surpreendente, mas rejeitamo-la liminarmente.

É que, se a mesma tivesse fundamento, determinaria, por exemplo, a invalidade de

todas as acusações da prática do crime de desobediência produzidas em processo

penal e instauradas com base em certidões exteriores aos autos, bem como todas

as decisões judiciais que se fundamentaram apenas nas referidas certidões.

Não vemos que, no caso do processo disciplinar desportivo, possam ocorrer razões

de ordem diversas.

b) São relevantes em processo disciplinar desportivo apenas as provas produzidas

em audiência de discussão e julgamento em processo penal ?

No seu conjunto, o processo penal e o processo disciplinar desportivo concedem

oportunidades de contraditório semelhantes aos arguidos, só que produzidas em

momentos processuais diversos :

- No processo penal, a prova efectiva é guardada para a audiência de discussão e

julgamento (sem prejuízo da utilização da prova documental antes apresentada,

esclareça-se), dispondo a acusação e a defesa de igualdade de oportunidades de

produção, sempre reservadas a esse momento processual.

- No processo disciplinar e, no processo disciplinar desportivo em concreto, a

produção da prova não é simultanea, mas sucessiva. Por outras palavras :

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A prova da acusação tem que ser produzida até à emissão da «nota de culpa» e à

defesa cabe apresentar, sequencialmente, a sua prova contraditória, não podendo

ser aditados à acusação factos novos.

Conjugadas estas considerações e relevado o disposto no art. 6º do RD da LPFP,

nomeadamente no seu número 6, não pode o instrutor valorar de modo diverso ou

mais forte a prova que conste de certidão de sentença penal condenatória transitada

em julgado, daquela que conste de certidão de diligência probatória realizada em

sede de inquérito judicial :

- O julgador, em sede disciplinar, não está vinculado aos juízos de valor de facto e

direito do juíz do precesso criminal;

- Os factos considerados como provados em sentença condenatória em processo

penal não valem como caso julgado contra o mesmo arguido em processo disciplinar

porque, sobre eles, ele goza – novamente, concede-se – do direito ao exercício do

contraditório;

- As provas obtidas em sede de inquérito judicial não devem ser, por isso,

desvalorizadas, porquanto, sobre elas, irá o arguido exercer, no momento próprio do

processo disciplinar, exactamente o contraditório de que dispõe em sede de

processo penal, se bem que de forma sequencial no tempo, como se referiu, ao

invés da simultaneidade que ocorre no julgamento em processo penal.

c) Declarações dos arguidos em sede de inquérito processual penal

Todos os arguidos confessaram, em sede de inquérito penal, acompanhados que

foram pelo seu defensor, que as transcrições das conversações interceptadas

correspondem à verdade e não estão descontextualizadas.

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No caso do arguido Pinto da Costa, o mesmo atribui-lhes, tão só, um sentido

criptográfico diverso, sendo que, pelo facto de admitir que elas encerram esse

sentido, sobreleva a conclusão liminar que ele sabia estar a ser escutado e, mesmo

assim, continuou o diálogo, conformando-se com esse facto.

Tais confissões só podem encerrar um princípio de prova e, como tal, devem ser

valoradas no processo disciplinar desportivo, o que aconteceu.

Questão diversa será a de se apurar se, sendo essas confissões resultantes do

confronto com transcrições de escutas telefónicas, estão as mesmas inquinadas de

eventual invalidade, por força de uma eventual invalidade das escutas que as

justificaram : é o chamado « efeito à distância da validade das provas »

Sobre essa matéria entendemos tão só dever louvar-nos no douto Ac. do STJ

consultado em www.dgsi.pt que passamos a transcrever parcialmente, com a devida

vénia :

I - «Pode acontecer que a obtenção de determinada prova, com abusiva

intromissão [...] nas telecomunicações, torne possível a realização de novas

diligências probatórias contra o arguido ou contra terceiro, casos em que se põe a

questão de saber qual a influência do vício que afecta a prova inicial ou directa na

prova secundária ou indirecta, designadamente se este vício provoca uma reacção

em cadeia, impedindo a utilização das provas consequenciais».

(…)

VII - «Repensar os numerosos e difíceis problemas que se situam em zonas conflituais»

era tarefa que – ao tempo (1983) - haveria de cometer «ao reformador da legislação

processual penal». E este, no CPP de 1987, distinguiu as «provas obtidas mediante

tortura, coacção ou, em geral, ofensa da integridade física ou moral das pessoas»

(art. 126.1 do CPP) das «provas obtidas mediante intromissão na vida privada, no

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domicílio, na correspondência ou na telecomunicações» (n.º 2): aquelas – em que os

meios de obtenção da prova ofendiam «interesses individuais que contendem

directamente com a garantia da dignidade humana» - considerou-as

absolutamente nulas; mas já «admitiu» (art. 125.º) as demais – por não contenderem

directamente com a garantia da dignidade da pessoa – quando obtidas «com o

consentimento do titular» ou, mesmo sem este, nos «casos previstos na lei» (art. 126.2).

VIII - «É certo que estas «são igualmente nulas» (também, por isso, «não podendo ser

utilizadas») quando, «ressalvados os casos previstos na lei», forem «obtidas sem o

consentimento do respectivo titular». Mas se assim é quanto às provas directamente

obtidas por «métodos proibidos» (que «são nulas, não podendo ser utilizadas»), já -

«perante interesses individuais que não contendam directamente com a garantia da

dignidade da pessoa» - «poderá eventualmente vir a reconhecer-se a

admissibilidade de provas consequenciais à violação da proibição de métodos de

prova».

IX - «E, em tal hipótese, a circunscrita invalidação (ou inutilização) da prova

(directamente) obtida poderá satisfazer os interesses (de protecção constitucional

da privacidade das conversações ou comunicações telefónicas, sem afectação do

conteúdo essencial do correspondente preceito constitucional) decorrentes da

proibição do art. 126.3 do CPP.

X - «Pois que a optimização dos interesses em conflito (aqueles, por um lado, e os de

«um eficaz funcionamento do sistema de justiça penal», por outro) poderá

demandar – ante a (estrita) «necessidade» de protecção «proporcionada» dos

últimos (também eles «juridicamente protegidos por essenciais à vida comunitária») -

a conjugação (ou «concordância prática») de ambos em termos de «criação e

conservação de uma ordem na qual uns e outros ganhem realidade e consistência».

XI - «Ora, será justamente no âmbito dos efeitos à distância dos «métodos proibidos

de prova» que se poderá dar consistência prática a essa distinção entre os métodos

previstos no n.º 1 do art. 126.º e os previstos no n.º 3, pois que, enquanto os meios

radicalmente proibidos de obtenção de provas inutilizará – expansivamente – as

provas por eles directa e indirectamente obtidas, já deverá ser mais limitado - em

função dos interesses conflituantes – o efeito à distância da «inutilização» das provas

imediatamente obtidas através dos demais meios proibidos de obtenção de provas

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(ofensivos não do «valor absoluto da dignidade do homem», mas de «interesses

individuais não directamente contendentes com a garantia da dignidade da

pessoa», como a «intromissão sem consentimento do respectivo titular» na «vida

privada», «no domicílio», na «correspondência» ou nas «telecomunicações»).

(Ac. STJ de 31/1/2008 proc. 06P4805)

Pelo que, não tendo a prova primitiva sido obtida mediante tortura, coação ou em

ofensa à integridade física ou moral das pessoas, o efeito da sua invalidade não se

estende, como não poderia estender, à restante prova subsequentemente

produzida, carreada aos autos e na qual a decisão recorrida, ampla e

principalmente, se fundamentou.

d) Declarações das testemunhas em sede de inquérito penal

Posto que, quanto às declarações de terceiros, se não impõem as razões de ordem

das declarações dos arguidos, é de relevar aqui tão somente que a sua produção

em sede de inquérito penal e em sede de processo disciplinar desportivo encerra a

mesma metodologia de registo e as mesmas garantias de contraditório para o

arguido.

Constantes, que são, da certidão judicial e sendo esta um documento autêntico, é

assegurado que tais declarações tiveram lugar nas condições que a certidão atesta.

Ao arguido compete-lhe contraditá-las, querendo, tal como o poderá fazer

relativamente às declarações recolhidas por escrito e em auto, na sede do processo

disciplinar desportivo.

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CONSELHO DE JUSTIÇA

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Questão conexa é a de se considerar que, atenta exactamente a independência de

ambas as instâncias, caberá ao instrutor repetir essas provas a fim de as validar em

sede de processo disciplinar.

Entendemos que não assiste razão a esse entendimento, tanto que a tal se opõem

os princípios de celeridade e economia processual, sem prejuízo, obviamente, da

boa prática da instrução de processos: nem o Ministério Público despreza a matéria

que consta das participações que lhe cheguem por força do art. 6º nº 4 do RD da

LPFP, nem a CD se limitará a acolher de forma acrítica os factos que constam da

certidão da sentença que determine a instauração oficiosa do procedimento

disciplinar, nos termos do nº 6 do mesmo preceito.

A ordem natural das coisas é diversa : tudo é valorável dentro dos princípios

estabelecidos e nada dispensa, dentro dos limites, o recurso a diligências

complementares.

Foi o que ocorreu neste processo.

Entendemos, em qualquer caso, louvar-nos ainda nos seguintes doutos acórdãos do

STJ e STA, coligidos em www.dgsi.pt

I - A força ou eficácia probatória dos documentos autênticos está expressamente

circunscrita no n. 1º do art. 371 C.Civ. aos factos neles referidos como praticados

pela autoridade ou oficial público respectivo ou neles atestados com base nas

percepções da entidade documentadora, designadamente não garantindo a

veracidade das declarações prestadas perante esta.

(Ac. STJ de 3/2/2005 Proc. 04B4468)

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II - É ilegal a restrição dos meios de prova feita através de um Regulamento, sem

uma lei (em sentido formal) que especialmente a determine, uma vez que,

segundo a lei geral, aplicável ao procedimento administrativo são possíveis todos

os meios de prova admitidos em direito (art. 87º, 1 do CPA).

(Ac STA de 2/3/2006 proc. 0528/05)

1. O princípio da eficácia extraprocessual das provas, consagrado no art. 522º, nº 1,

do Código de Processo Civil, significa que a prova produzida (depoimentos e

arbitramentos) num processo pode ser utilizada contra a mesma pessoa num outro

processo, para fundamentar uma nova pretensão, seja da pessoa que requereu a

prova, seja de pessoa diferente, mas apoiada no mesmo facto.

2. Não pode é confundir-se o valor extraprocessual das provas produzidas (que

podem ser sempre objecto de apreciação noutro processo) com os factos que no

primeiro foram tidos como assentes, já que estes fundamentos de facto não

adquirem valor de caso julgado quando são autonomizados da respectiva

decisão judicial.

3. Transpor os factos provados numa acção para a outra constituiria, pura e

simplesmente, conferir à decisão acerca da matéria de facto um valor de caso

julgado que não tem, ou conceder ao princípio da eficácia extraprocessual das

provas uma amplitude que manifestamente não possui.

(Ac. STJ de 5/5/2005 proc. 05B691)

Pelo que se declara também admissível, em sede de processo disciplinar desportivo,

a matéria constante das declarações produzidas por testemunhas e vertidas nas

certidões judiciais extraídas de inquérito penal, dentro dos estritos limites da

valoração extraprocessual das provas e do direito ao contraditório dos arguidos.

IV – ALEGADA PARCIALIDADE DO DEPOIMENTO DE CAROLINA SALGADO

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É do conhecimento público o conflito pessoal havido entre o arguido PINTO DA

COSTA e a testemunha em questão, vindo na sequência de um período de vivência

em comum, no qual o dito arguido partilhou com a testemunha a sua vida pessoal e

de dirigente desportivo.

Postas as coisas nestes termos, não pode esse subliminar propósito de “vendetta”

pessoal ser esquecido no momento de valorar esse depoimento.

Mas, se tal é verdade, não menos verdade é que a testemunha, por força da sua

vivência anterior com o arguido, tem uma razão de ciência igualmente forte, que não

se pode, do mesmo modo, ignorar.

Na fundamentação das respostas à matéria de facto da decisão recorrida que se

transcreveu, não sobreleva qualquer particular valoração ou desvaloração desse

depoimento, o qual surge enquadrado num conjunto de provas testemunhais, com

as quais aparece em consonância (destituído de contextos temporais para ajudar a

“descodificar” palavras como “fruta” e “café com leite”; no Estádio das Antas, com o

depoimento do próprio arguido PINTO DA COSTA - fls. 1834 e seguintes – e na

“Marisqueira de Matosinhos” com todos os restantes depoimentos).

Dá-se até o caso de o depoimento da testemunha confirmar que o arguido PINTO

DA COSTA não pagou o jantar aos árbitros na “Marisqueira de Matosinhos”, o que,

na perspectiva de um depoimento parcial e imbuído de espírito vingança, seria esta

tentada a asseverar, no intuito de criar dificuldades processuais ao arguido, o que

não fez.

Razão pela qual, e neste particular, relevando o carácter meramente adjuvante do

mesmo, se decide que o depoimento concreto de Carolina Salgado, produzido no

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âmbito do inquérito penal, na parte em que foi utilizado para fundamentar os factos

provados (fls. 1908 e seg. e 1949 e seg. Vol. VIII Inq. 13) (explicação para

decifração do “código” das conversas telefónicas, factos ocorridos no Estádio das

Antas e na marisqueira), não contém elementos que imponham a conclusão de que

está ferido de parcialidade.

V – CIRCUNSTÂNCIAS EM QUE OS ARGUIDOS ÁRBITROS ACEITARAM OS

FAVORES SEXUAIS QUE LHE FORAM FACULTADOS

Alegam os arguidos recorrentes, segundo a sua óptica dos factos, admitindo que os

favores sexuais das prostitutas depoentes tiveram lugar, que:

a) - Não existe nexo causal entre os árbitros e o dirigente e a SAD arguidos;

b) - Os arguidos árbitros aceitaram os favores sexuais no âmbito da sua vida privada

e não em virtude do exercício das suas funções desportivas.

Citando a fundamentação da decisão sobre a matéria provada do acórdão recorrido,

na qual nos louvamos, sucede que “em geral, os arguidos não colocam em causa os

factos de natureza objectiva, nem os acontecimentos descritos na acusação; o que os

arguidos negam são (…) o conhecimento que tinham dos factos objectivos.”

“ (…) o que efectivamente os arguidos (…) alegam em sua defesa é que em momento

algum tiveram conhecimento de que os acontecimentos em que participaram ligavam os

agentes entre si. No fundo, que não existiu qualquer combinação ou acordo de vontades,

assumindo a “cronologia dos factos” (…) mera coincidência ou mal-entendido.”

Se dúvidas tivesse o arguido PINTO DA COSTA no telefonema escutado e cuja

transcrição confirmou em inquérito penal ser verdadeira, quanto às pessoas e

natureza da “fruta” e a quem ela se “destinava”, elas tinham sido desfeitas, pouco

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depois, no Estádio das Antas, no encontro pessoal que manteve com António

Araújo, que ninguém nega ter tido lugar;

Ora António Araújo, após esse encontro pessoal com PINTO DA COSTA, persistiu

no seu propósito (de “ajudar” PINTO DA COSTA) de facultar os favores sexuais aos

árbitros do encontro, tendo, para tal, realizado todas as diligências

circunstanciadamente referidas no processo, indo buscar as prostitutas ao bar de

alterne, indo levá-las ao hotel onde os árbitros iriam ficar instalados, esperando pela

chegada deles um rol de tempo, pagando antecipadamente os ditos favores sexuais

e instruído as prostitutas no sentido de mais nada pedirem pelo serviço.

Ora os arguidos eram pessoas que António Araújo não conhecia e que, pelas

declarações daqueles nos autos, não passou a conhecer depois e de que saberia,

quanto muito, da existência, exclusivamente em virtude do exercício da sua

actividade de árbitros de futebol e, mais ainda, por serem os árbitros que iriam dirigir

e que efectivamente dirigiram o encontro dessa noite no Estádio das Antas.

Por outro lado, não existem nos autos elementos de facto que justifiquem tal “favor”,

fora do âmbito da competição desportiva, nem sequer um pedido expresso nesse

sentido do “amigo” Lameira.

“E, (…) numa sociedade em que – concorde-se ou não – constitui máxima popular que “não

há almoços grátis”, é manifestamente inverosímil que os três árbitros acreditassem

inocentemente que, depois de um jantar grátis, em que estiveram com administrador da

sociedade desportiva interveniente no jogo que acabavam de apitar, ainda tivessem direito a

“prostitutas grátis”, como alegam ter acreditado, “oferecidas por um amigo de um amigo”.

“Amigo” esse, Luís Lameira, cujas declarações, em inquérito judicial e nos autos,

vão exactamente em sentido contrário, ou seja, no sentido de que os árbitros haviam

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feito o pedido, no pressuposto de nada pagarem pelos serviços, bem sabendo que

não seria o Lameira a providenciá-los.

Convenhamos que, nem Lameira tinha conhecimento da vida nocturna do Porto para

providenciar tais favores, nem capacidades ou disponibilidades financeiras diversas

dos arguidos árbitros, para fazer oferta de tal jaez, a pretexto de coisa nenhuma.

“ (…) Não acreditaram – continua a decisão recorrida – e isso é perceptível nas

declarações consensuais de Chilrito e Quadrado, que “estranharam” que as prostitutas já

estivessem pagas.”

Por outro lado, a sequência dos telefonemas havidos e o teor das conversas

sucessivamente mantidas entre António Araújo e Jacinto Paixão, primeiro, António

Araújo e Pinto da Costa, depois, (para pedir “autorização” para providenciar a “fruta”) e das

chamadas subsequentes de António Araújo para a gerente do bar de alterne, no

intuito de garantir o “fornecimento” das “meninas”, intervaladas com novas

chamadas para Pinto da Costa e, de novo, para Jacinto Paixão a dizer-lhe que os

serviços estavam assegurados, impõe a conclusão, assente nas regras de vida e na

experiência comum, que, se o arguido PINTO DA COSTA nada tivesse a ver com a

situação, nunca o António Araújo lhe telefonaria no decurso dessas diligências,

reservando para momento posterior qualquer conversa sobre “fruta” diversa da que,

na ocasião, o estava a “ocupar”.

Razão pela qual se julgam improcedentes as conclusões dos recorrentes que aqui

se referem, confirmando o juízo em matéria de facto da decisão recorrida.

VI – CONSIDERAÇÕES DO RECORRENTE JACINTO PAIXÃO SOBRE A MEDIDA

DA SUA PENA E CONSIDERAÇÕES SOBRE A MEDIDA DAS PENAS

RESTANTES

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Nenhum dos recorrentes suscita qualquer irregularidade da decisão recorrida quanto

à qualificação jurídica dos comportamentos imputados e, nomeadamente, sobre

quais os elementos típicos das infracções, tal como estão previstos no RD aplicável.

(NOTA – No RD da LPFP aplicável é considerado consumado o ilícito disciplinar do árbitro pelo facto

de o acto do agente corruptor, com o qual aquele se conforma, ser susceptível de induzir um

comportamento que afecte o decurso normal da competição, enquanto que, do lado corruptor, só é

considerado consumado o ilícito quando o comportamento efectivamente induz esse efeito

desconforme.

Daí a situação patente nos autos em que os arguidos árbitros, mau grado não hajam tido

comportamento censurável no decurso do jogo avaliado, são passíveis de condenação na forma

consumada, enquanto o dirigente e a SAD arguidos são passíveis de condenação na forma tentada.

Este enquadramento da moldura disciplinar induz o estabelecimento de penas relativamente

desproporcionadas entre os arguidos envolvidos no mesmo acto corruptor, que deverá merecer

reflexão futura.)

Por outro lado, mesmo que não falecessem os argumentos dos recorrentes sobre a

inadmissibilidade de parte das provas, resulta inquestionável que foram os arguidos

os autores dos comportamentos que lhe foram imputados na acusação, tendo agido

com dolo e culpa grave.

(NOTA – No caso dos autos, as transcrições das escutas telefónicas acabaram, afinal, por ser

meramente adjuvantes na prova dos factos imputados, na medida em que todos os arguidos

admitiram, noutra sede, que as conversas em questão tiveram lugar, se bem que, num caso, lhe

tenham dado sentido diverso.)

Assim sendo, declara-se que os arguidos praticaram as infracções de que foram

acusados.

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O arguido JACINTO PAIXÃO alega que há uma injustificada gravosidade da pena

que a si foi aplicada, quando em confronto com os restantes arguidos árbitros.

Devem igualmente ser sindicadas por dever de pronúncia, nos termos do art. 11º nº

2 do Regimento do CJ da FPF, as penas aplicadas em primeira instância pela CD da

LPFP a todos os arguidos, com excepção da pena aplicada à arguida FCP, SAD, por

esta não haver recorrido.

Nos termos do RD da LPFP:

Art. 45º

1– A determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos no presente Regulamento,

far-se-á em função da culpa do agente, tendo ainda em conta as exigências de prevenção de

futuras infracções disciplinares.

2- Na determinação da pena atender-se-á a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do

tipo da infracção, que militem a favor do agente ou contra ele, considerando-se,

nomeadamente:

a) O grau de ilicitude do facto, o modo de execução deste e a gravidade das suas

consequências, bem como o grau de violação dos deveres impostos ao agente;

b) A intensidade do dolo ou da negligência;

c) Os fins ou motivos que determinaram a prática da infracção;

d) A concorrência no agente de singulares responsabilidades na estrutura desportiva;

f) Situação económica do infractor;

(…)

Art. 47º

1. – São especiais circunstâncias atenuantes das faltas disciplinares:

a) O bom comportamento anterior;

b) A confissão espontânea da infracção;

c) A prestação de serviços relevantes ao futebol;

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d) A provocação

(…)

Aplicando, nos termos do art. 7º nº 1 do RD da LPFP, os princípios vertidos no

Código Penal, haverá ainda que ter em conta que:

Para a aferição da medida concreta da pena considera-se, conjugadamente, a

delimitação rigorosa da moldura disciplinar abstractamente aplicável ao caso

concreto, a fixação do grau de culpa do agente, que figurará como limite máximo da

moldura sancionatória, acima do qual a imposição de qualquer pena viola o princípio

da culpa e, simultaneamente, a dignidade humana constitucionalmente protegida

(vd. art. 1° da C.R.P.) e, por último, a equação das exigências de prevenção social e

especial que auxiliarão o julgador no âmbito da qualificação (penal) – cfr. Figueiredo

Dias – in Direito Penal II, Coimbra 1988.

No domínio do Código Penal vigente rege um princípio basilar que se consubstancia

na compreensão de que toda a pena repousa no suporte axiológico – normativo de

culpa concreta (vd. art. 13 do C. Penal). Daí que, e sem esforço, se admita ainda a

ausência de pena ante a inexistência de culpa e, muito especialmente, que a medida

desta condiciona o limite máximo daquela – vd. Ac. do STJ de 15/04/99, Proc.243/99 – 3a

Secção.

O art. 71° do C. Penal manda que o julgador, no encontro da pena, actue em função

da culpa do agente, das exigências de prevenção e na ponderação das demais

circunstâncias aí enumeradas e o art. 40°, ainda daquele Código, dispõe que a pena

não pode ultrapassar a medida da culpa e que aquela visa a protecção de bens

jurídicos e a reintegração do agente na sociedade.

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98

Assim, o percurso conducente à fixação da pena concreta não se move, no domínio

de princípios mais ou menos vagos, marcados pela insegurança e ambiguidade

mas, ao invés, escorado em regras e comandos normativos precisos.

No plano da graduação da pena é conhecida a variação evolutiva seguida pela

jurisprudência e doutrina em sede de direito penal.

Hoje, e com suporte no CP em vigor, a jurisprudência orienta-se no sentido da não

partida do chamado ponto médio de arranque para punir os agentes da infracção,

sob pena de não haver margem no limite superior da moldura abstracta em casos de

particular gravidade e de, afinal, converter as penas variáveis em fixas – vd. Ac. do

STJ, BMJ, 351/211 – Dito de outro modo, na graduação da pena deverá partir-se do

limite mínimo, agravando-se a mesma à medida que a culpa se eleva, ajustando-se

esta em razão das exigências de prevenção geral e especial verificáveis.

A medida da pena determina-se em função da culpa do agente e das exigências de

prevenção geral e especial e à luz dos critérios estabelecidos no RD da LPFP e, por

força do seu art., 7º nº 1, no art. 71 ° do CP.

Fixado o tipo de pena a aplicar ao arguido, em função da norma aplicável, deverá

determinar-se a medida concreta da pena, ponderando para tal o seguinte:

- As exigências de prevenção geral, que constituirão o limite mínimo da pena,

abaixo do qual já não será possível ir, sob pena de se pôr em risco a função tutelar

do direito e as expectativas comunitárias na validade da norma violada;

- As exigências da culpa do agente, limite máximo, inultrapassável de todas e

quaisquer considerações preventivas (art. 40º, nº 2, do Código Penal), por respeito

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99

do princípio básico da necessidade da pena (art. 18º, nº 2, da CRP) e do princípio

constitucional da dignidade da pessoa humana (consagrada no art. 1º da CRP);

- E, por fim, as exigências de prevenção especial de socialização, sendo elas que

irão determinar, dentro dos limites da moldura sancionatória, obtida de acordo com

os critérios referidos, a medida concreta da pena.

A decisão recorrida diz, quanto a esta matéria que:

A este propósito, não podemos deixar aqui de relevar perplexidade pelo facto de árbitros ou ex-

árbitros considerarem que aceitar favores sexuais de clubes constitui acto lícito. Vide, por exemplo:

- as declarações da testemunha José João Mendes Prata (observador e ex-árbitro) que, questionado,

declarou que “sobre a disponibilização de serviços sexuais por parte de clubes a árbitros, em

abstracto, considera não se tratar de oferta susceptível de colocar em causa a credibilidade ou o

prestígio das funções de um árbitro”; e

- as declarações da testemunha Luís Martins Catita da Silva (árbitro) que, a pergunta feita, respondeu

que “considera (…) que disponibilização de favores sexuais por parte de um clube a um árbitro não é

susceptível de colocar em causa a credibilidade ou o prestígio das funções de arbitragem, mesmo

nos casos em que o árbitro solicita ou aceita tais ofertas sabendo que se trata de algo patrocinado

por um clube”.

Por outro lado, existe também uma forte necessidade de prevenção especial, que transmita aos

agentes envolvidos uma mensagem clara quanto ao desvalor dos actos praticados e à ilicitude que

encerram tais condutas no âmbito do desporto e, em particular, das competições profissionais.

Não devemos ainda deixar de ter em conta o carácter intensamente doloso das condutas, que deverá

constituir igualmente factor de agravação das penas (art. 45º, n.º 2, al. b), do RD 2003/04).

Estas são circunstâncias agravantes comuns aos cinco arguidos e que devem ser consideradas na

determinação da medida da pena.

No nosso entendimento, a combinação com outrem não deve constituir circunstância agravante pois

já constitui pressuposto consagrado ao nível da concepção do concreto ilícito típico, não devendo, por

conseguinte, ser valorado duas vezes.

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CONSELHO DE JUSTIÇA

100

(…)

Em face da prova produzida, cremos que fica demonstrada a actuação primordial e central de Jacinto

Paixão em todo o processo de solicitação e aceitação da vantagem sexual, antes e depois do jogo.

Como antes explicámos, cremos, em comparação com os comportamentos de Manuel Quadrado e

José Chilrito (corrupção subsequente e aceitação do serviço, pelo menos indirecta através da acção

de Jacinto Paixão), que o «grau de ilicitude do facto», o «modo de execução deste», o «grau de

violação dos deveres impostos ao agente» e a «intensidade do dolo» (art. 45º, n.º 2, als. a) e b), do

RD), devem ser ponderados com maior carácter de agravação no que respeita ao árbitro Jacinto

Paixão.

Os arguidos Jorge Nuno Pinto da Costa, Jacinto Paixão, José Chilrito e Manuel Quadrado têm a seu

favor, como circunstâncias atenuantes, o facto de serem primários.

Mais concorrem como circunstâncias atenuantes a considerar na medida da pena do dirigente (…) os

relevantes serviços prestados ao futebol português (…) que constituem facto notório a merecer

ponderação (art. 47º, n.º 1, al. c), do RD).

Considerando todos os elementos assim carreados aos autos, julga-se que, no caso

particular do arguido JACINTO PAIXÃO, sem prejudicar o especial desvalor que a

decisão recorrida imputa à sua conduta e que se subscreve, são de atender

parcialmente os seus argumentos sobre a respectiva desvaloração relativa, quando

em confronto com os restantes elementos da equipa de arbitragem, pelo que:

- Se confirmam as penas aplicadas pela CD da LPFP relativamente aos arguidos

PINTO DA COSTA, JOSÉ CHILRITO e MANUEL QUADRADO e,

- Se reduz a pena aplicada ao arguido JACINTO PAIXÃO para 3 anos e 4 meses de

suspensão para o exercício das funções de agente de arbitragem.

Termos em que se nega provimento ao recurso dos arguidos PINTO

DA COSTA, JOSÉ CHILRITO e MANUEL QUADRADO, concedendo

provimento parcial ao recurso do arguido JACINTO PAIXÃO,

Page 101: Conselho de Justiça da FPF ACÓRDÃO do Conselho de Justiça ...apdd.pt/admin/manage/files/files/jurisprudencia/eng/CJ FPF - Ac. 41... · f) Não há indícios de nexo de causalidade

CONSELHO DE JUSTIÇA

101

revogando-se nessa parte a decisão recorrida, por se ter provado a

prática da infracção disciplinar muito grave de “corrupção da equipa de

arbitragem”, p. e p. no art. 151º A do RD da LPFP em vigor na época

desportiva 2003/ 2004, na forma consumada, condenando-se o mesmo

na pena de 3 anos e 4 meses de suspensão para o exercício das

funções de agente de arbitragem.

Custas pelos recorrentes, sendo as de Jacinto Paixão, na proporção do vencimento,

reduzidas a 3/4.

Registe e notifique.

Lisboa, 4 de Julho de 2008