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T e x t o p u b l i c a d o s e x t a , d i a 7 d e s e t e m b r o d e 2 0 1 2 " É d i f í c i l p r o s p e r a r s e m r e c o m p e n s a r a i n o v a ç ã o " E n t r e v i s t a c o n c e d i d a p e l o e c o n o m i s t a D a r o n A c e m o g l u , a o j o r n a l i s t a J o r g e P o n t u a l , p a r a o p r o g r a m a M i l ê n i o , d a G l o b o N e w s . O M i l ê n i o é u m p r o g r a m a d e e n t r e v i s t a s , q u e v a i a o a r p e l o c a n a l d e t e l e v i s ã o p o r a s s i n a t u r a G l o b o N e w s à s 2 3 h 3 0 d e s e g u n d a - f e i r a , c o m r e p e t i ç õ e s à s 3 h 3 0 , 1 1 h 3 0 e 1 7 h 3 0 . P o r q u e e x i s t e m p a í s e s r i c o s e p a í s e s p o b r e s ? P o r q u e , e n t r e e s t e s , a l g u n s p r o s p e r a m , o u t r o s n ã o ? M a i s e s p e c i f i c a m e n t e , p o r q u e a r e v o l u ç ã o i n d u s t r i a l c o m e ç o u n a I n g l a t e r r a e d e p o i s l e v o u o u t r o s p a í s e s d e t r a d i ç ã o i n g l e s a e m u i t a s d a s n a ç õ e s e u r o p e i a s a d o m i n a r o r e s t o d o m u n d o ? E n t e n d e r a s d e s i g u a l d a d e s e n t r e p a í s e s e r e g i õ e s d o p l a n e t a é u m a q u e s t ã o q u e d e s a f i a o s e c o n o m i s t a s e c i e n t i s t a s s o c i a i s h á s é c u l o s , g e r a n d o u m a l i s t a e n o r m e d e t e o r i a s , d e s d e a i n f l u ê n c i a d a é t i c a p r o t e s t a n t e a t é o p a p e l d o c o l o n i a l i s m o e d o i m p e r i a l i s m o p a s s a n d o p e l o s t e ó r i c o s q u e u s a m a g e o g r a f i a p a r a e x p l i c a r a s d i f e r e n ç a s e n t r e a s s o c i e d a d e s . O s e c o n o m i s t a s D a r o n A c e m o g l u , d o M a s s a c h u s e t t s I n s t i t u t e o f T e c h n o l o g y , e J a m e s R o b i n s o n , d e H a r v a r d , l a n ç a r a m u m a n o v a t e o r i a n o l i v r o P o r q u e a s n a ç õ e s f r a c a s s a m . S e g u n d o e l e s , a c a u s a p r i n c i p a l n ã o é e c o n ô m i c a , m a s p o l í t i c a . P a í s e s q u e t ê m i n s t i t u i ç õ e s q u e f a v o r e c e m a i n i c i a t i v a p r i v a d a e a l i b e r d a d e i n d i v i d u a l d i a n t e d o E s t a d o s ã o o s q u e m a i s p r o s p e r a m . O M i l ê n i o c o n v e r s o u c o m D a r o n A c e m o g l u n o e s c r i t ó r i o d e l e n o M I T e m C a m b r i d g e , E s t a d o s U n i d o s . J o r g e P o n t u a l O q u e l h e d e u a i d e i a d e e s c r e v e r u m a n o v a e x p l i c a ç ã o p a r a o f r a c a s s o d o s p a í s e s , d e p o r q u e a l g u n s p a í s e s s ã o p o b r e s , o u t r o s s ã o r i c o s ? V o c ê n ã o e s t a v a s a t i s f e i t o c o m a s e x p l i c a ç õ e s c o r r e n t e s ? D a r o n A c e m o g l u E x a t o . A m a n e i r a c o m o J a m e s e e u c o m e ç a m o s a t r a b a l h a r n i s s o . . . N ó s d o i s n o s i n t e r e s s á v a m o s p e l o c r e s c i m e n t o e c o n ô m i c o j á q u a n d o e s t u d a n t e s e , d e p o i s , c o m o p r o f e s s o r e s . N ó s e s t á v a m o s t r a b a l h a n d o e t e n t a n d o p e n s a r n a s e x p l i c a ç õ e s c o m u n s e m q u e o s e c o n o m i s t a s s e c o n c e n t r a m , e e s t á v a m o s i n s a t i s f e i t o s c o m e l a s , p o r q u e , q u a n t o m a i s l e m o s s o b r e H i s t ó r i a e v e m o s o s d e t a l h e s , p a r e c e q u e o c r u c i a l e r a e n t e n d e r p o r q u e o s p a í s e s d i f e r e m n a s p o l í t i c a s e i n s t i t u i ç õ e s q u e e l e s a d o t a m . I s s o é d e t e r m i n a n t e p a r a a t r a j e t ó r i a d e c r e s c i m e n t o , e h á m u i t o p o u c o a r e s p e i t o n a e c o n o m i a . F o i i s s o q u e n o s l e v o u a d a r e s s a e x p l i c a ç ã o p o l í t i c a e i n s t i t u c i o n a l p a r a o c r e s c i m e n t o e c o n ô m i c o . E , q u a n d o v o c ê o l h a o m u n d o d e s s a p e r s p e c t i v a , t o r n a - s e b e m c l a r o p e l o m e n o s p a r a n ó s f o i a s s i m q u e a s a b o r d a g e n s e x i s t e n t e s b a s e a d a s n a g e o g r a f i a , n a c u l t u r a e n a q u a l i f i c a ç ã o o u i g n o r â n c i a d o s l í d e r e s n ã o f o r a m m u i t o ú t e i s p o r q u e d e i x a r a m d e f o r a a p a r t e m a i s i m p o r t a n t e : a d e q u e o s p a í s e s n ã o c r e s c e m p o r s e r e s s e o i n t e r e s s e d e a l g u n s l í d e r e s p o l í t i c o s d e s s e s p a í s e s . J o r g e P o n t u a l B a s i c a m e n t e , s u a t e o r i a f a l a d e i n s t i t u i ç õ e s i n c l u s i v a s c o n t r a i n s t i t u i ç õ e s e x t r a t i v a s . E x p l i q u e - n o s o q u e é i s s o . D a r o n A c e m o g l u A s i n s t i t u i ç õ e s i n c l u s i v a s s ã o a q u e l a s q u e c r i a m i n c e n t i v o s p a r a o i n v e s t i m e n t o e a i n o v a ç ã o n a e s f e r a e c o n ô m i c a . E , t a l v e z o m a i s i m p o r t a n t e , e l a s t a m b é m c r i a m o p o r t u n i d a d e s i g u a i s p a r a q u e o s c i d a d ã o s d a q u e l e p a í s p o s s a m E N T R E V I S T A S

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Page 1: Conjur - Ideias do Milênio_ Daron Acemoglu, autor de Por que as nações fracassam.pdf

Texto publicado sexta, dia 7 de setembro de 2012

"É difícil prosperar sem recompensar a inovação"

Entrevista concedida pelo economista Daron Acemoglu, ao jornalistaJorge Pontual, para o programa Milênio, da Globo News. O Milênio éum programa de entrevistas, que vai ao ar pelo canal de televisão porassinatura Globo News às 23h30 de segunda-feira, com repetições às3h30, 11h30 e 17h30.

Por que existem países ricos e paísespobres? Por que, entre estes, algunsprosperam, outros não? Maisespecificamente, por que a revoluçãoindustrial começou na Inglaterra e depoislevou outros países de tradição inglesa emuitas das nações europeias a dominar oresto do mundo? Entender asdesigualdades entre países e regiões doplaneta é uma questão que desafia oseconomistas e cientistas sociais háséculos, gerando uma lista enorme deteorias, desde a influência da éticaprotestante até o papel do colonialismo e

do imperialismo passando pelos teóricos que usam a geografia para explicar asdiferenças entre as sociedades. Os economistas Daron Acemoglu, do MassachusettsInstitute of Technology, e James Robinson, de Harvard, lançaram uma nova teoria nolivro Por que as nações fracassam. Segundo eles, a causa principal não é econômica,mas política. Países que têm instituições que favorecem a iniciativa privada e aliberdade individual diante do Estado são os que mais prosperam. O Milênio conversoucom Daron Acemoglu no escritório dele no MIT em Cambridge, Estados Unidos.

Jorge Pontual — O que lhe deu a ideia de escrever uma nova explicação para ofracasso dos países, de por que alguns países são pobres, outros são ricos?Você não estava satisfeito com as explicações correntes?Daron Acemoglu — Exato. A maneira como James e eu começamos a trabalharnisso... Nós dois nos interessávamos pelo crescimento econômico já quandoestudantes e, depois, como professores. Nós estávamos trabalhando e tentandopensar nas explicações comuns em que os economistas se concentram, e estávamosinsatisfeitos com elas, porque, quanto mais lemos sobre História e vemos os detalhes,parece que o crucial era entender por que os países diferem nas políticas einstituições que eles adotam. Isso é determinante para a trajetória de crescimento, ehá muito pouco a respeito na economia. Foi isso que nos levou a dar essa explicaçãopolítica e institucional para o crescimento econômico. E, quando você olha o mundodessa perspectiva, torna-se bem claro — pelo menos para nós foi assim — que asabordagens existentes baseadas na geografia, na cultura e na qualificação ouignorância dos líderes não foram muito úteis porque deixaram de fora a parte maisimportante: a de que os países não crescem por ser esse o interesse de alguns líderespolíticos desses países.

Jorge Pontual — Basicamente, sua teoria fala de instituições inclusivas contrainstituições extrativas. Explique-nos o que é isso.Daron Acemoglu — As instituições inclusivas são aquelas que criam incentivos parao investimento e a inovação na esfera econômica. E, talvez o mais importante, elastambém criam oportunidades iguais para que os cidadãos daquele país possam

ENTREVISTAS

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realmente aplicar seu talento para enriquecer a si mesmos e ao país. Emcontrapartida, as instituições econômicas extrativas não fazem nada disso, não criamfontes de incentivo e criam um terreno muito restritivo. E o adjetivo “extrativa” foialgo que usamos para enfatizar que essas instituições não são apenas ruins, elassurgiram por um erro. Elas estão ali com um propósito, foram pensadas para extrairrecursos de um segmento da sociedade, frequentemente da maioria da população, porparte dos que detêm o poder político de criar essas instituições.

Jorge Pontual — Explique a palavra “extrativa”, o significado do conceito.Daron Acemoglu — A melhor maneira de explicá-la é olhando para a América Latina,o Brasil, o México, o Peru ou a Bolívia. Se analisar as instituições desses países desdeo início até o fim do colonialismo europeu, toda a América Latina tinha uma sociedadecomplexa, mas muitas instituições atuais se remetem às criadas durante ocolonialismo europeu. Foram instituições criadas para os colonos espanhóis eportugueses conseguirem extrair recursos, especialmente ouro e prata, mas também— mais importante — bens agrícolas, usando a população nativa indígena. E asinstituições como a escravidão ou a encomienda criaram um campo muito restrito,que beneficiava quem detinha o poder político, em detrimento do resto da sociedade.Empobrecia o resto da sociedade para enriquecer um pequeno grupo de elite formadopelos europeus, mas também por seus aliados, que monitoravam no dia a dia ostrabalhadores.

Jorge Pontual — Isso não aconteceu na América do Norte. Por quê?Daron Acemoglu — Os anos de formação da colônia norte-americana ocorreram, emlugares como a Virgínia, Carolina do Sul, Carolina do Norte e Maryland, quandoempresas que maximizavam o lucro enviaram colonos para explorar a terra, como aempresa da Virgínia que se estabeleceu na colônia de Jamestown em 1607. O que énotável sobre isso é que a estratégia deles era muito parecida com a dos espanhóis.Eles trouxeram soldados e ourives e, como os espanhóis, eles tentaram escravizar osindígenas para extraírem ouro e prata e para produzirem alimentos para eles. E,quando não tinham alimentos, eles passavam fome, como aconteceu aos espanhóis naArgentina e no Uruguai, onde não havia um grande número de indígenas. E, quandoisso não deu certo, eles tentaram trazer seus próprios trabalhadores, os escravos, quepassaram a produzir os alimentos para a elite. E, quando nada disso funcionava, osgovernantes e a elite dessa companhia da Virgínia disseram: “Tudo bem, vamostentar outra coisa. Vamos ceder o direito de propriedade das terras e dar incentivospara as pessoas produzirem.” O que esse tipo de trajetória ilustra é que o que foidiferente no Norte não foram os valores, as intenções, o tipo de governo exercidopelos europeus. Não foram os britânicos, ou melhor, ingleses, ou os espanhóis, não foia religião católica ou protestante. Foi o fato de eles terem encontrado ambientesmuito diferentes. No Sul, eles encontraram uma população mais densa e fundaramseu império em torno disso. No Norte, eles não fizeram isso e tiveram que usar apopulação que trouxeram da Europa em um local muito pouco habitado, onde aspessoas não obedeceram às ordens, fugiram e viveram por contra própria,desbravando as fronteiras. Foi por isso que eles tiveram que chegar a um acordo ecomeçar a conceder incentivos e direitos de propriedade da terra, em detrimentopróprio.

Jorge Pontual — Você falou de direito de propriedade. Uma das coisasprincipais que li no seu livro foi o fato de que a Inglaterra conseguiu decolarporque tinha uma colônia que garantia os direitos de propriedade. Qual é aimportância disso?Daron Acemoglu — É preciso que haja ações recompensadoras. As pessoas nãoagem como se deseja a princípio. Se você não recompensar a inovação, oinvestimento, é muito difícil conseguir prosperar, e a melhor maneira de fazer isso épermitir que as pessoas se beneficiem de seus investimentos, e, para isso, elasprecisam da garantia do direito de propriedade. E o que é complicado com relação aosdireitos de propriedade é que é um conceito econômico, mas também um conceitopolítico, porque eles significam que a elite não poderá se apropriar da sua terra. NaInglaterra, por exemplo, eles não foram uma escolha da elite. Os reis da Inglaterranão disseram: “Queremos dar direito de propriedade porque será bom para o país.”Na verdade, foi o resultado de um conflito entre a dinastia Stuart, do século 17, e osmercadores, comerciantes, industriais e nobreza rural ingleses, que queriam direitosde propriedade como uma segurança, e os reis queriam manipular a economia emproveito próprio.

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Jorge Pontual — É interessante que os direitos de propriedade sejam vistoscomo uma instituição inclusiva. Por que são inclusivos?Daron Acemoglu — Na verdade, os mercados, desde que baseados nasoportunidades iguais, das quais eu já falei, são a melhor maneira de motivar osindivíduos, a melhor maneira de dar energia à economia, e os direitos de propriedadesão cruciais para isso, porque, sem eles, os mercados não podem florescer. É muitoimportante que se diga que isso não significa um Estado de laissez-faire, semintervenção alguma do governo, porque eu já enfatizei a importância dasoportunidades iguais e elas devem ser garantidas pelo governo. Os mercados às vezes— nem sempre — criam oportunidades para o surgimento de monopólios, e essesmonopólios criam ineficiência econômica, mas também contaminam negativamente apolítica. Eles ganham dinheiro, se tornam muito ricos e usam esse dinheiro paraconseguir mais poder político, cirando um círculo vicioso. Então, mais uma vez, umaação antitruste, por exemplo, é uma atuação muito importante do governo. Mas essetipo de ação governamental beneficia o mercado. A educação faz as pessoasparticiparem do mercado, a regulação faz o mercado funcionar direito, semmonopólios tomando conta de tudo. Mas ainda é importante que seja no mercado queas principais ações econômicas aconteçam.

Jorge Pontual — Você também mostra que o governo é importante porque hásociedades com instituições inclusivas que não cresceram por não terem umgoverno centralizado.Daron Acemoglu — Exato. Eu diria que a nossa definição de instituição políticainclusiva, na verdade, requer um Estado centralizado. Mas você tem toda razão. Nósfalamos do caso da Somália. O que nós dizemos é que a Somália tem umadistribuição de poder político bastante equilibrada. Não existe uma elite bem definida,há vários clãs, que se equivalem em poder, e os clãs não são dominados por umindivíduo ou família. Então o país tem igualdade política e pluralismo, mas a Somálianão tem instituições inclusivas, não tem instituições econômicas inclusivas, porquefalta ali um Estado centralizado. Na Somália, isso levou a uma ruptura da lei e daordem. Embora haja igualdade política, há luta entre os iguais, porque cada clã tentaimpor sua própria lei, suas próprias regras, ninguém consegue comercializar fora doseu clã, porque não existe um conjunto de normas. Quando um clã acha que algumalei foi violada pelo membro de outro clã, ocorre uma luta sangrenta. Esse não é o tipode ambiente que leva ao progresso econômico. E o que falta lá, como você bem disse,é um Estado capaz de impor a ordem no território.

Jorge Pontual — Outra coisa interessante é que, na fase pós-colonial, nessespaíses que se tornaram independentes, com os novos movimentosnacionalistas, as instituições extrativas foram substituídas por outrasinstituições extrativas. Como foi isso?Daron Acemoglu — Há algum elemento extrator que continua existindo. É o quechamamos de “processo de dependência do passado”. Quando um país teminstituições políticas extrativas, quem tem o poder é capaz de fazer coisas que oslíderes das instituições políticas não podem. Assim, o governo colonial sai, o governoindependente entra, mas aqueles que chegam ao poder, o que quer que tenhamprometido... Na América Latina, eles nem prometem muita coisa, porque aindependência foi feita pelas elites que controlavam o país. Mas, no caso da África, porexemplo, os soldados da liberdade que lutavam contra o poder colonial prometeramvárias coisas. Mas, assim que chegaram ao poder, eles viram: “Nossa, temos essepoder todo! Podemos usá-lo em nosso benefício ou em benefício do nosso grupoétnico, podemos distorcer as coisas para continuar no poder e podemos usar isso paraficar ricos”, o que muitos fizeram, como Mobutu ou Siaka Stevens, de Serra Leoa. Esseé um dos aspectos dessa dependência do passado. As instituições extrativas serecriam com outra roupagem.

Jorge Pontual — Vamos falar da China. Ela tem um crescimento rápido. Nãotão rápido, mas mais rápido que o de qualquer outro país. Mas não hádemocracia, não há direitos políticos... Isso não contradiz sua teoria?Daron Acemoglu — Não. O que argumentamos é que instituições inclusivas sãoaquelas que necessariamente apoiam o crescimento sustentável, mas o crescimentoextrativo acontece com muita frequência, por uma razão muito simples: se você fazparte da elite que controla a sociedade, você vai querer que essa sociedade seja ricaou pobre? Bem, se tudo ficar igual, você quer que ela seja rica, porque você podelucrar com isso. O motivo pelo qual as instituições extrativas não levam aocrescimento econômico nem sempre é verdadeiro, porque você não pode enriquecer a

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sociedade sem perder poder político. A riqueza virá de novas tecnologias e novaspessoas, e só então a elite irá querer bloqueá-las, pois tem medo de perder o poder.Mas, de vez em quando, especialmente quando o crescimento é de recuperação, asinstituições extrativas apoiam o crescimento. Vimos isso com a Rússia, e a Alemanha,no século 19, com a Rússia soviética no século 20. Foi um exemplo muito claro deinstituição extrativa, que cresceu muito rápido. E estamos vendo isso hoje com aChina, que está mudando suas instituições econômicas para torná-las inclusivas, masque tem uma instituição política extrativa de maneira geral, e uma economia commuitos elementos extrativos, com o controle estatal e recursos alocadospoliticamente. A paridade do poder de compra per capita da China ainda é menos de15% da americana. O que vai acontecer quando ela for 30%? Um sistema que aindatem um partido único que decide onde alocar os recursos na sociedade pode competirna esfera internacional? Nossa teoria se baseia na noção de que a resposta é “não”.Portanto, em algum momento, a China se encontrará numa bifurcação: ou ela torna asinstituições políticas mais inclusivas, de modo a tornar a economia mais inclusiva, oua coisa ficará apertada, e sua política extrativa começara a frear a China e deixá-lacada vez mais para trás.

Jorge Pontual — No final do livro, você mostra como o Brasil é um ótimoexemplo da sua teoria. Fale sobre isso.Daron Acemoglu — O Brasil é outro exemplo de sociedade que embarcou em umprocesso de mudança política. Após anos de controle por parte da elite e de ditaduramilitar, o Brasil, nos últimos dois governos, em um processo que, obviamente,começou mais cedo, agora tem um sistema político que responde melhor aos anseiosda população em geral, e as pessoas podem, sem tantas fraudes — embora aindaocorram fraudes em algumas eleições locais — votar em suas ideias. E o importante,que é onde isso encontra nossa teoria, é que não se trata de uma mudança impostapelo alto, não é que os militares tenham dito: “Nós queremos democracia.” Não foramos EUA que disseram: “Queremos impor a democracia ao Brasil.” Foi um processo defortalecimento, um processo que começou nos sindicatos, passou para outrasorganizações da sociedade civil, que se organizaram para ter voz, e esse processolevou a governos que concorreram às eleições para mudar a situação política e mudara economia. As coisas são um mar de rosas no Brasil? Não, ainda há muitosproblemas econômicos, em muitos aspectos, mas eu acho que o motivo pelo qualmencionamos o Brasil foi porque esse processo de mudança política já começou.

Jorge Pontual — E no Brasil também há agora, e isso foi definido o principalobjetivo do desenvolvimento, um processo de inclusão política e social. Foi otermo utilizado. Mas o que pode levar a uma maior inclusão e como essainclusão pode realmente levar a um crescimento rápido?Daron Acemoglu — A inclusão leva a um crescimento rápido de várias maneiras,mas, muitas vezes, para alcançar essa inclusão, você pode ir longe demais. Eu achoque os dois aspectos mais importantes da inclusão são a educação e o sentimentogeneralizado, por parte da população, de que todos estão no mesmo barco. Quanto àeducação, é algo muito simples. Quanto se tem desigualdade educacional,principalmente uma grande desigualdade no acesso a ela, como ocorre em todos ospaíses em desenvolvimento, como o Brasil, o terreno se torna muito restrito, e umagrande parte da população se torna enfraquecida, porque não pode participar domercado de trabalho igualmente, tem salários mais baixos, não pode se beneficiar dasnovas tecnologias e da demanda de mão de obra advinda da economia, do comércioexterior e essas coisas todas. Por isso, a educação é um fator crucial, e eu acho que oBrasil está avançando nesse aspecto. O segundo aspecto que eu considero importanteé a compreensão generalizada, por parte da população, de que todos têm direitos. Aspessoas chamam isso de “Estado de Direito”, a igualdade perante a lei. Mas, naverdade, é importante para a economia essa noção de que nada é impossível paravocê. Há muitas sociedades com um histórico de desigualdades, em que grande parteda população pensa: “Nós nunca vamos se empreendedores, porque não respeitamnossos direitos, porque não temos acesso ao crédito.” Mas, se a mentalidade muda,você pode fazer, pois o Estado não está mais nas mãos de um pequeno grupo, nãoestá contra você, mas é uma instituição que torna as coisas possíveis. E isso é muitoimportante. Mas, por outro lado, a sociedade pode tentar ser mais inclusiva, masrecusar. Isso acontece se você embarca numa campanha muito ampla de distribuiçãode renda que onere demais o empresariado. É claro que há sempre algum conflito.Você quer aumentar os salários e, se deixar por conta dos empresários, eles muitasvezes não pagam o que deveriam. Mas, se você faz o que a Argentina fez, porexemplo, começando por Perón e continuando em vários outros governos, subindo

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repentinamente os salários e cortando os incentivos e o lucro das empresas, o paísrecua, pois não serão abertos novos negócios. E, na verdade, no caso da Argentina émuito claro que Perón e os demais governantes não fizeram isso pelo povo, eles ofizeram por motivos políticos, pois queriam atingir seu objetivo político, que erainstituir uma ditadura. Então acho que é muito importante que faça parte do discursopúblico que a inclusão não pode ser feita dessa maneira. Não se pode ter inclusãoassumindo uma postura antiempresariado, dizendo: “Vamos pegar o lucro e distribuí-lo para o povo.” É preciso construir inclusão com instituições educacionais, garantindoque os órgãos de Estado e a burocracia não favoreçam apenas um grupo pequeno,mas que existam para servir a população, para que as pessoas tenham poder comoparte da sociedade que marcha na direção do progresso.

Jorge Pontual — Uma coisa que me preocupa no Brasil — e não só no Brasil,mas em outros países também — é a “autoparabenização prematura”. Isso éum perigo?Daron Acemoglu — É um grande perigo, porque eu acho que o Brasil está apenas noinício do caminho. A economia brasileira cresceu muito, e em parte porque houvecrescimento tecnológico e novas empresas, mas grande parte se deve aos preços dascommodities. Então é preciso garantir dinamismo tecnológico à economia e começar acrescer criando um nicho próprio para seus produtos e uma vantagem comparativa, eo Brasil está apenas no início desse processo. Ele ainda não pode se parabenizar. Elepode ter esperanças por ter iniciado o processo, mas ainda está bem no início dele.

Jorge Pontual — Muito obrigado.Daron Acemoglu — Foi um prazer.

Jorge Pontual — Foi ótimo.