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Conhecendo Bavink
Para entender o tempero característico de Bavinck, é necessária uma breve
orientação histórica. Herman Bavinck nasceu em 13 de dezembro de 1854. Seu
pai foi um influente ministro da Igreja Reformada Cristã Holandesa (Christelijke
Gereformeerde Kerk), que tinha se separado da Igreja Reformada Nacional
na Holanda vinte anos antes.5 A separação de 1834 foi, em primeiro lugar,
um protesto contra o controle da Igreja Reformada Holandesa pelo Estado. Ela
também entrou em uma longa e rica tradição de divergência eclesiástica em
questões de doutrina, liturgia e espiritualidade, tanto quanto de política. Em
particular, deve-se fazer menção, aqui, ao equivalente holandês do Puritanismo
britânico, a assim chamada Segunda Reforma (Nadere Reformatie),6 o influente
movimento do século 17 e início do século 18 de teologia e espiritualidade experimental
reformada,7 e o movimento reavivalista, evangélico, internacional
e aristocrático do início do século 19, conhecido como o Réveil.8 A igreja de
Bavinck, sua família e sua própria espiritualidade foram, assim, definitivamente
moldadas por fortes parâmetros de profunda espiritualidade reformada pietista.
Também é importante observar que, embora as fases iniciais do pietismo holandês
afirmassem a teologia reformada ortodoxa e não fossem separatistas em
sua eclesiologia, por volta da metade do século 19 o grupo divisionista tinha se
tomado significativamente separatista e sectário em sua perspectiva.9
A segunda grande influência sobre o pensamento de Bavinck vem do período
de sua formação teológica, na Universidade de Leiden. A Igreja Reformada
Holandesa tinha seu próprio seminário, o Kampen Theological School,
fundado em 1854. Bavinck, depois de estudar em Kampen por um ano (1873-
74), manifestou o desejo de estudar na faculdade teológica da Universidade de
Leiden, uma faculdade famosa por sua abordagem “científica”, agressivamente
modernista, da teologia.10 Sua comunidade eclesiástica, inclusive seus pais, ficou
chocada com essa decisão, que Bavinck explicou como sendo um desejo de
“tomar-se familiarizado com a teologia modema em primeira mão” e receber
“uma formação mais científica do que a que a Theological School é atualmente
capaz de oferecer”.11 A experiência de Leiden deu origem àquilo que Bavinck
percebeu como sendo a tensão em sua vida entre seu compromisso com a teologia
e a espiritualidade ortodoxa e seu desejo de entender e apreciar tudo o que
pudesse sobre o mundo moderno, inclusive sua visão de mundo e sua cultura.
Um impressionante e comovente registro em seu diário pessoal no início de
seu período de estudos em Leiden (23 de setembro de 1874) indica sua preocupação
em ser fiel à fé que ele havia publicamente professado na Igreja Cristã
Reformada de Zwolle, em março daquele mesmo ano: “Permanecerei firme [na
fé]? Deus permita que sim”.12 Durante a realização de seu trabalho doutoral em
Leiden, em 1880, Bavinck reconheceu francamente o esgotamento espiritual
que Leiden havia lhe custado: “Leiden me beneficiou de muitas formas: espero
sempre reconhecer isso agradecidamente. Mas ela também me empobreceu
grandemente, roubou-me não somente muito lastro (pelo que estou feliz), mas
também muito daquilo que eu recentemente, em especial quando prego, reconheço
como vital para minha própria vida espiritual”.13
Portanto, não é incorreto caracterizar Bavinck como um homem entre dois
mundos. Um de seus contemporâneos certa vez o descreveu como “um pregador
da Igreja Separada e um representante da cultura modema”, concluindo:
“Essa foi uma característica marcante. Nessa dualidade encontra-se a importância
de Bavinck. Essa dualidade é também um reflexo da tensão - às vezes
crise - na vida de Bavinck. Em muitos aspectos, é uma coisa simples ser um
pregador da Igreja Separatista e, em certo sentido, também não é difícil ser
uma pessoa moderna. Mas de nenhum modo é algo simples ser uma coisa e
outra”.14 Contudo, não é necessário confiar apenas no testemunho de outras
pessoas. Bavinck resume claramente essa tensão em seu próprio pensamento,
em um ensaio sobre o grande teólogo protestante liberal do século 19,
Albrecht Ritschl:
Portanto, enquanto a salvação em Cristo era antigamente considerada
primariamente um meio para separar o homem do pecado e do mundo,
para prepará-lo para a bem-aventurança celestial e fazer com que
ele desfrutasse sossegadamente da comunhão com Deus ali, Ritschl
postula exatamente o oposto: o propósito da salvação é precisamente
capacitar a pessoa, uma vez livre do sentimento opressivo do pecado
e vivendo na consciência de ser filha de Deus, a exercer sua vocação
terrena e cumprir seu propósito moral neste mundo. A antítese, portanto,
é absolutamente clara: de um lado, uma vida cristã que considera
que o mais nobre objetivo, aqui e na vida por vir, é a contemplação
de Deus e a comunhão com ele e, por essa razão (sendo sempre mais
ou menos hostis às riquezas de uma vida terrena), corre o perigo de
cair no monasticismo ou no ascetismo, pietismo e misticismo; mas,
do lado de Ritschl, uma vida cristã que considera que seu mais nobre
objetivo é o reino de Deus, isto é, o compromisso moral da humanidade,
e, por essa razão (sendo sempre mais ou menos contrário à solidão
e à tranqüila comunhão com Deus), corre o perigo de se degenerar em
um pelagianismo frio e em um moralismo insensível. Pessoalmente,
ainda não vejo uma maneira de combinar os dois pontos de vista, mas
sei que há muitas coisas excelentes em ambos, e que ambos contêm
verdades inegáveis.