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FUNDAÇÃO COMUNITÁRIA TRICORDIANA DE EDUCAÇÃO Decretos Estaduais n.º 9.843/66 e n.º 16.719/74 e Parecer CEE/MG n.º 99/93 UNIVERSIDADE VALE DO RIO VERDE DE TRÊS CORAÇÕES Decreto Estadual n.º 40.229, de 29/12/1998 Pró-Reitoria de Pós-Graduação, Pesquisa e Extensão CONGADO: UMA CELEBRAÇÃO DO HIBRIDISMO AFRO-BRASILEIRO Três Corações 2007

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FUNDAÇÃO COMUNITÁRIA TRICORDIANA DE EDUCAÇÃO Decretos Estaduais n.º 9.843/66 e n.º 16.719/74 e Parecer CEE/MG n.º 99/93

UNIVERSIDADE VALE DO RIO VERDE DE TRÊS CORAÇÕES Decreto Estadual n.º 40.229, de 29/12/1998

Pró-Reitoria de Pós-Graduação, Pesquisa e Extensão

CONGADO: UMA CELEBRAÇÃO DO HIBRIDISMO AFRO-BRASILEIRO

Três Corações 2007

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JULIANA DE VASCONCELOS

CONGADO: UMA CELEBRAÇÃO DO HIBRIDISMO AFRO-BRASILEIRO

Dissertação de mestrado apresentada à Universidade Vale do Rio Verde – UNINCOR como parte das exigências do Mestrado em Letras – Linguagem, Cultura e Discurso, área de concentração Textualidades Contemporâneas, para obtenção do título de mestre.

Orientadora

Prof.ª Dr.ª Geysa Silva

Três Corações 2007

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Universidade Vale do Rio Verde de Três Corações

CREDENCIAMENTO: Decreto Estadual n.º 40.229 de 29 de dezembro de 1998. Secretaria de Pós-Graduação, Pesquisa e Extensão.

ATA DA DEFESA DE DISSERTAÇÃO

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DEDICATÓRIA

A Deus.

Ao meu filho, Flávio Luiz S. Vasconcelos.

Aos meus pais, Luiz de Vasconcelos e Vicentina dos Reis Vasconcelos, pelas preocupações e orações.

À amiga Helma Lane S. Torres,

pela solicitude, disponibilidade e ajuda em vários momentos.

À colega de mestrado Lúcia França, pela acolhida, amizade e companhia nas viagens.

A Marcos Antônio Gomes, rei perpétuo de seis irmandades, pela preciosa ajuda, esclarecimentos e materiais sobre o congado.

À Profª Drª Ana Mônica H. Lopes, responsável pelo eixo da pesquisa,

pela valiosa ajuda, pelos livros e indicações bibliográficas.

A Evaldo José Ribeiro, pelo carinho, companheirismo e compreensão.

À Profª Drª Geysa Silva, pela paciência, pelos ensinamentos e pela orientação.

Aos professores Dr. Marcelino Rodrigues da Silva e Dr. Luciano Novaes Vidon, pelas sugestões e indicações bibliográficas.

Aos colegas de mestrado, pela convivência e companheirismo.

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RESUMO VASCONCELOS, Juliana de. Congado: uma celebração do hibridismo afro-brasileiro. 2007, 74 p. (Dissertação – Mestrado em Letras). Universidade Vale do Rio Verde – UNINCOR – Três Corações – MG.

O congado é uma festa popular e religiosa na qual, por meio de uma memória coletiva, o negro mantém viva a expressão de seus costumes, crenças e valores histórico-culturais. Tal como o antigo reino do Congo, os grupos de congado como guardas, reis, rainhas e outros personagens são instituições organizadas e estruturadas com hierarquias e normas que são respeitadas e observadas pelos seus componentes. A Irmandade de Nossa Senhora do Rosário, uma instituição à qual pertencem os grupos que realizam essa festa, é também política e hierarquicamente organizada. Todo o ritual dessa celebração encena aspectos de construção e constituição da identidade de um povo que tem, na memória, a sua história, sua origem; na dança e no canto, o seu lazer, costumes e crenças; na linguagem, a representação simbólica e híbrida da constituição de um povo, de uma cultura. Por meio de pesquisas bibliográficas e entrevistas não estruturadas com pessoas que participam de forma efetiva nos grupos de congado pode-se perceber e analisar a relação hierárquica desses grupos bem como os símbolos ambíguos e híbridos que os mantêm e fazem dessa festividade uma expressão de identidade e de louvor a Nossa Senhora do Rosário e São Benedito. Palavras-chaves: Congado, Identidade, Hibridismo.

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ABSTRACT VASCONCELOS, Juliana de. Congado: a celebration of the afro-brasilian cross-bred. 2007, 74 p. (Dissertation – Master in Arts). Universidade Vale do Rio Verde – UNINCOR – Três Corações – MG.

The congado is a popular and religious festival where by colletive memory, black people keeps up alive the expression of his customs, beliefs and historical-cultural values. As the ancient Congo kingdom, the congado groups: guards, kings, queens and anothers characters are organized and structured institutions with hierarchies and rules that are respect and fulfiled for the institutions components. Our Lady of Rosary brotherhood, an institution of groups that make this festival, is also political and hierarchily organized. All of this celebration’s ritual shows aspects of identity’s construction and constitution of people who has in his memory, his history and origin; in his dancing and singing, his leisure, customs and beliefs; and in his language has a symbolic and cross-bred representation of a people’s constitutions and culture. By bibliographical researches and non-structed interviews with people that socialise with strength form in the congado’s groups, we can perceive and analyse the hierarchical relation of these groups as the ambiguous, cross-bred symbols that keep them and make of this festival an expression of identity and praise to Our Lady of Rosary and Benedito Saint. Keywords: Congado, Identity, Cross-bred.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO...................................................................................................................... 10 1 FESTAS POPULARES E CARNAVALIZAÇÃO........................................................... 16 1.1 Folia-de-reis, reisado, congado e reinado....................................................................... 17 1.2 O olhar do outro............................................................................................................... 20 2 HISTÓRIA E ORIGEM DO CONGADO........................................................................ 26 2.1 O reino do Congo e suas relações com Portugal........................................................... 26 2.2 A rainha Nzinga............................................................................................................... 33 2.3 A história de Chico Rei.................................................................................................... 35 2.4 A Irmandade de Nossa Senhora do Rosário.................................................................. 37 2.4.1 A história de Nossa Senhora do Rosário......................................................................... 39 2.4.2 Capela de Nossa Senhora do Rosário............................................................................. 39 3 ORGANIZAÇÃO SOCIAL E POLÍTICA DOS GRUPOS DE CONGA DO OU REINADO............................................................................................................................... 42 3.1 Símbolos do Congado....................................................................................................... 43 3.1.1 Bandeira do aviso............................................................................................................ 43 3.1.2 Bandeiras dos padroeiros – hasteamento e descida......................................................... 43 3.1.3 Coroa............................................................................................................................... 44 3.1.4 Coroa Grande.................................................................................................................. 44 3.1.5 Coroa de promessa.......................................................................................................... 45 3.1.6 Café e almoço.................................................................................................................. 45 3.1.7 Bandeira das guardas...................................................................................................... 45 3.1.8 Cortejo............................................................................................................................. 45 3.1.9 Procissão......................................................................................................................... 46 3.1.10 Missa conga................................................................................................................... 46 3.1.11 Promesseiros................................................................................................................. 47 3.1.12 Festeiros........................................................................................................................ 47 3.1.13 Saudação ou bênção...................................................................................................... 47 3.2 Guardas, personagens e indumentárias......................................................................... 47 3.2.1 Moçambique.................................................................................................................... 48 3.2.2 Catopé............................................................................................................................. 48 3.2.3 Marinheiro...................................................................................................................... 48 3.2.4 Vilão................................................................................................................................ 49 3.2.5 Capitão............................................................................................................................ 49 3.2.6 Rei e Rainha Perpétuos................................................................................................... 49 3.2.7 Rei Congo e Rainha Conga............................................................................................. 49 3.2.8 Rei e Rainha da Coroa Grande........................................................................................ 50 3.2.9 Mordomos....................................................................................................................... 50 3.2.10 Princesa Isabel............................................................................................................... 50 3.2.11 Príncipes e princesas..................................................................................................... 50 3.3 O ritual.............................................................................................................................. 51 3.3.1 Hasteamento da bandeira do aviso.................................................................................. 51 3.3.2 Novena............................................................................................................................ 52 3.3.3 Dia do mordomo............................................................................................................. 52 3.3.4 Recolhimento das coroas pequenas................................................................................. 53 3.3.5 Translado das imagens.................................................................................................... 53

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3.3.6 Almoço............................................................................................................................ 53 3.3.7 Procissão e cortejo.......................................................................................................... 54 3.3.8 Missa conga..................................................................................................................... 55 3.3.9 Descimento das bandeiras............................................................................................... 55 3.4 Memória coletiva.............................................................................................................. 56 4 MITO E IDENTIDADE..................................................................................................... 58 CONCLUSÃO........................................................................................................................ 66 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS................................................................................. 68 ANEXOS................................................................................................................................. 71

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INTRODUÇÃO

Esta pesquisa pretende contribuir para o estudo sobre a cultura negra, analisando a

manifestação da celebração do Congado, uma festa popular carregada de significados e

identidade histórico-cultural; para mostrar os elementos constitutivos de tal identidade e a

inter-relação hierárquica dos grupos de congado.

Muitas festas populares fazem parte da história e do cotidiano das pessoas. Essas

festas são espaços de encontros entre pessoas de uma mesma comunidade ou de grupos

variados; são também um espaço no qual as diferenças sociais e históricas se ajuntam e se

adaptam formando valores e tradições culturais. Por meio dessas festas populares, na inter-

relação das diferenças pessoais, lingüísticas e sócio-ideológicas, há um processo de

construção da identidade de um grupo e de manutenção de suas crenças e de seus costumes

quer sejam religiosos quer sejam profanos.

Sabe-se que a religiosidade é um elemento marcante na constituição da identidade e da

cultura de um povo. As festas religiosas também fazem parte da convivência em um grupo; é

o momento em que as pessoas por meio de uma festividade celebram sua fé. Muitas festas

religiosas se juntaram às festas profanas, formando eventos folclóricos como a festa do

Divino, folia-de-reis, congado ou reinado, entre outras.

Algumas dessas comemorações possuem características comuns, e muitas pessoas

associam uma festividade à outra sem discernir claramente o seu conteúdo e seu significado.

Na folia-de-reis e congado há vocábulos que são parecidos e por isso muitas pessoas os

misturam ou os usam incorretamente: folia-de-reis, reisado, congado e reinado. O que são

essas celebrações? Há semelhanças ou diferenças entre elas?

Folia de reis ou reisado é um grupo festeiro que vai de casa em casa arrecadando

donativos para a festa de Reis que é celebrada em seis de janeiro. Representa a caminhada dos

reis magos a Belém onde nasceu o Menino Jesus.

As palavras “congado” e “reinado” referem-se à festa de Nossa Senhora do Rosário,

São Benedito e outros santos de devoção dos negros, na qual os devotos participam de

procissões, terços, celebração da missa conga, danças de grupos ou ternos e de um café e/ou

almoço oferecidos como agradecimento aos componentes dos ternos e aos demais

participantes da celebração. Nesta festividade há a representação da coroação de um rei congo

e uma rainha, ambos negros simbolizando um antigo reino africano: o reino do Congo, de

onde muitos escravos vieram para o Brasil. A palavra “reinado” no Dicionário Houaiss da

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Língua Portuguesa significa “o período em que um rei fica no poder, a duração ou época do

governo de alguém” (HOUAISS,2004, p. 633).

É do congado que trataremos em nossa dissertação, para demonstrar como essa festa

popular mantém as tradições ancestrais dos negros, sendo um dos elementos que contribuem

para a formação da identidade afro-brasileira. Abordaremos, sobretudo, o congado que se

realiza na cidade mineira de Divinópolis.

No primeiro capítulo, pretendemos conceituar e diferenciar as festas populares

religiosas mencionadas acima, enfatizando o congado, principal foco de estudo. Neste são

abordados os elementos de carnavalização, que é o processo pelo qual uma manifestação

social ou cultural adquire caráter carnavalesco, ou pelo qual se lhe empresta esse caráter. Este

termo “carnavalização” foi criado por Bakhtin e corresponde à forma de representação em que

diferentes elementos presentes na sociedade são subvertidos ou postos de lado em favor de

estímulos, formas e conteúdos, proporcionando o questionamento ao status quo. Os elementos

de carnavalização servem para minar posturas autoritárias e hierárquicas e, em contrapartida,

reafirmar um posicionamento e/ou uma identidade. Podem-se evidenciar, em toda festividade

congadeira, elementos de carnavalização como regras sociais quebradas em um rito de

inversão em que os valores e hierarquias são temporariamente invertidos ou apagados para

ressaltar os valores sociais permanentes: a familiaridade de um mundo com outras normas.

(...) o carnaval era o triunfo de uma espécie de libertação temporária da verdade dominante e do regime vigente, de abolição provisória de todas as relações hierárquicas, privilégios, regras e tabus. Era a autêntica festa do tempo, a do futuro, das alternâncias e renovações. (BAKHTIN, 1993, p.8).

A principal ação carnavalesca é a coroação e o futuro destronamento do rei do

Carnaval. Aí está o núcleo da cosmovisão carnavalesca: as ambivalências, as transformações

e mudanças, a morte e a renovação. E isso é percebido no rito do congado. A coroação do rei

congo ou do rei perpétuo e a presença do rei que tem seu reinado anual é um ritual

ambivalente porque na coroação está contida a idéia do futuro destronamento. As

relativizações dão ênfase à mudança-renovação de qualquer poder e posição hierárquica. No

discurso a complexidade, as contradições, os conflitos sócio-ideológicos e históricos; o

próprio ritual, os símbolos do poder do coroado e a indumentária tornam-se dessacralizados.

O valor simbólico desses elementos é biplanar, eles incorporam a idéia de

descoroação/destronamento e nova coroação.

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O rito de destronamento é como se encerrasse a coroação, da qual é inseparável (repito: trata-se de um rito biunívoco).Através dela transparece uma nova coroação. O carnaval triunfa sobre a mudança, sobre o processo propriamente dito de mudança e não precisamente sobre aquilo que muda.O carnaval (...) nada absolutiza, apenas proclama a alegre relatividade de tudo. (BAKHTIN, 1981, p. 125).

A carnavalização é uma possibilidade de leitura da celebração do congado e outras

festividades, que é feita pela maioria das pessoas, as quais assistem à essa festividade.Os

componentes dos grupos que realizam e participam dessa manifestação atribuem a ela

significado histórico e religioso, entre outros.

No segundo capítulo abordamos a história e a origem do congado para mostrá-lo como

uma expressão da cultura vivida e celebrada por uma comunidade que, por meio dessa festa,

busca construir sua identidade histórico-cultural. A representação simbólica do reino do

Congo evidencia a história desse reino, bem como de seus principais reis, suas leis, costumes

e hierarquias. E, principalmente, observam-se a relação dos soberanos e vassalos entre si e a

relação política e hierárquica com o rei de Portugal.

Duas monarquias estruturadas e organizadas entram em contato em virtude da

cristianização e “colonização” lusa; diferentes costumes algumas vezes similares foram

incorporados ao reino, às leis, costumes e tradições do povo banto. A maior parte dos negros

da Costa Oeste da África era dividida em dois grandes grupos: sudaneses e bantos.Este

correspondia às nações de Angola, Benguela, Cabinda e Congo; do qual alguns elementos

culturais foram trazidos para o Brasil, como a capoeira e o congado. A idolatria do povo

banto foi combatida veemente por alguns reis congoleses, que receberam o batismo e

ajudaram na disseminação da fé católica naquelas terras. O verdadeiro interesse português em

conquistar ou dominar o reino adversário, em se apropriar de suas riquezas e terras, gerou

muitos conflitos e batalhas. Muitos reis congoleses tentaram abolir as regras e condições

impostas pelo reino de Portugal, tentando resgatar seus costumes, religião e cultura. Mas o

reino já estava com uma cultura e costumes híbridos; Portugal dominava o comércio de

escravos, e, apesar de terem sido feitos acordos, muitos não foram mantidos.

O estabelecimento das relações políticas e econômicas vinha sempre acompanhado da catequese católica, e também nesta foram grandes as dificuldades encontradas. (...) Diante da recusa em aceitar os novos ensinamentos e da resistência militar, que foi eficiente até o final do século XVII, travaram-se muitíssimas guerras entre os centro-africanos e os portugueses, que buscavam não só o mercado de escravos e as minas de metais, como a conversão das almas. (SOUZA, 2006, p. 103).

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Reis foram destronados e trazidos como escravos para o Brasil. Temos então, a

história de Chico Rei, que é simbolicamente representado no congado através do personagem

Rei Congo. O nobre congolês tentava resgatar a religião e os costumes de seu país; foi trazido

com a família, como escravo, para as terras brasileiras. Conseguiu sua alforria e as de alguns

compatrícios. Ficou conhecido como Chico Rei.

Há também a história da rainha Nzinga, que combateu a influência portuguesa nas

terras africanas. Apesar de sua força e garra em batalhas e lutas pela preservação dos

costumes e cultura de sua nação, foi cativada pelo poder e prestígio que o Catolicismo

oferecia aos reis batizados.

Esta determinação, esta busca de libertação e liberdade que obsedava Nzinga, é interessante e importante. Após cada reencontro, vitória ou derrota, ela retornava à frente diplomática, argumentando, persuadindo, lisonjeando e ameaçando amigos, inimigos tanto os tímidos e quanto os incertos. (GLASGLOW, 1982, p. 117).

A história e origem do congado também remetem à história das irmandades de Nossa

Senhora do Rosário, pois os grupos que celebram esta festa são membros de uma irmandade

que tem como padroeira Nossa Senhora do Rosário e outros santos de aceitação dos negros,

como São Benedito e Santa Ifigênia.

Há algumas versões para o aparecimento de Nossa Senhora do Rosário e sua

incorporação aos costumes e danças dos negros. Conta a lenda que a guarda de Moçambique

carregava a imagem da santa com cantos e danças ao som de seus instrumentos, da gruta ou

do mar (local onde aparecera) para um altar. Somente o Moçambique conseguiu agradar à

santa que ficou no altar sem voltar ao lugar onde aparecera.

Podemos perceber na história e origem dessa expressão cultural a presença de uma

estruturação política e hierarquizada do reino do Congo que se faz representar no congado,

através de reis, rainhas e outros componentes, bem como a hierarquização entre os

personagens da festa que são ligados a uma irmandade.

No terceiro capítulo trataremos da organização política e hierárquica da irmandade

bem como a dos grupos de congado que celebram os rituais que compõem a festa, com seus

símbolos, ternos e ritos.

Divinópolis, cidade localizada na região centro-oeste mineira, possui dezessete

irmandades e trinta e três guardas ou ternos, que cantam e dançam ao som de instrumentos

como tambores, atabaques, caxambus, entre outros. As principais guardas são: Moçambique,

Congo, Catopé, Marinheiro e Vilão. Cada uma tem o capitão que coordena os cânticos, o

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ritmo e o desfile do grupo. Além desses grupos há o estado da coroa, ou seja, os coroados: Rei

Congo e Rainha Conga, Rei e Rainha Perpétuos, reis e rainhas de Nossa Senhora e dos

padroeiros, princesa Isabel, demais príncipes e princesas.

A irmandade possui um estatuto que rege as suas determinações e funções, bem como

a sua hierarquia. Também se observa uma hierarquia entre os nobres que compõem o estado

da coroa e entre as guardas, no ritual de tal festa. Evidenciam-se, neste trabalho, as

irmandades de Nossa Senhora do Rosário e de São Benedito dos bairros Espírito Santo e São

José e da praça do Mercado da cidade divinopolitana. Os relatos dos rituais das festas desses

bairros são apresentados e analisados como uma manifestação de uma memória coletiva que

une os negros e seus descendentes na manutenção de uma história, uma hierarquia e de uma

construção de uma identidade cultural.

Torna-se possível tomar esses diferentes pontos de referência como indicadores empíricos da memória coletiva de um determinado grupo, uma memória estruturada com suas hierarquias e classificações, uma memória também que, ao definir o que é comum a um grupo e o que o diferencia dos outros, fundamenta e reforça os sentimentos de pertencimento e as fronteiras sócio-culturais. (POLLAK, 1989, p. 3)

Alguns personagens do congado são a representação mítica de eventos, pessoas e

outros pontos de referência na manutenção da história, da identidade, da hierarquia e da

expressão da cultura de um grupo.

Por fim, no quarto capítulo, discutiremos a representação mítica de alguns

personagens que são considerados mitos fundadores e a construção e a manutenção da

identidade cultural de um povo.

O mito, para Eliade, é uma forma de explicar a origem das coisas e do mundo; ele

conta uma história sagrada e, portanto, verdadeira, tornando-se um modelo exemplar de todos

os ritos e atividades humanas significativas.

Eles são conhecidos, sobretudo, pelo que fizeram no tempo prestigioso dos “primórdios”. Os mitos revelam, portanto, sua atividade criadora e desvendam a sacralidade (ou simplesmente a “sobrenaturalidade”) de suas obras. Em suma, os mitos descrevem as diversas, e algumas vezes dramáticas, irrupções do sagrado (ou do sobrenatural) no mundo. É essa irrupção do sagrado que realmente fundamenta o mundo e o converte no que é hoje. (ELIADE, 1994, p. 11).

O mito fundador na festividade do congado “remete à história do Congo e a D. Afonso

I, à importância da conversão ao Cristianismo para alguns chefes africanos e à catequese, que

andava de mãos dadas com a escravização” (SOUZA, 2006, p. 308). D. Afonso I foi um rei

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congolês, o qual, durante o seu reinado, manteve relações diplomáticas, políticas e

hierárquicas com o rei de Portugal e, depois de receber o batismo católico, ajudou na

disseminação do Catolicismo no reino africano. É simbolicamente representado pelo rei

congo. Outro mito fundador é o personagem Chico Rei, que também, de forma ambígua e

complexa, é simbolizado pelo mesmo Rei Congo. Outro personagem ambivalente, com dupla

significação, é a rainha Nzinga, que, ao lado do Rei Congo, forma um casal que personifica

uma identidade híbrida.

A representação da identidade do sujeito, no conceito de hibridismo elaborado por

Bhabha, é carregada de duplicidade e ambigüidade. Para o autor, é no contexto das condições

sócio-históricas que ocorre a produção e a interpretação; ou seja, é no lócus da enunciação ou

“terceiro espaço” que interagem contradições e conflitos lingüísticos, históricos e culturais,

surgindo o hibridismo. A identidade é construída nos conflitos, na interação entre o interno e

o externo, no desejo, na alteridade pelo lugar do outro, na linguagem híbrida que expressa a

ambigüidade, a duplicidade dos seus usuários.

A festa de reinado ou congado é apresentada como um momento de construção de uma

identidade e uma cultura híbridas que através da memória coletiva celebra a história e o

passado; é um espaço de tradição, no qual são apresentadas a organização e a hierarquia de

um reino, seus costumes e valores culturais que, através de uma ressignificação, trazem

marcas de diversos povos, que como o brasileiro, é um povo híbrido, que luta pela

valorização das diferentes formas de constituição de sua identidade e de sua cultura.

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1. FESTAS POPULARES E CARNAVALIZAÇÃO

Nas festas oficiais, com efeito, as distinções hierárquicas destacavam-se

intencionalmente, cada personagem apresentava-se com as insígnias dos seus títulos, graus e

funções e ocupava o lugar reservado para o seu nível.Essa festa tinha por finalidade a

consagração da desigualdade, ao contrário do carnaval, em que todos eram iguais e onde

reinava uma forma especial de contato livre familiar entre indivíduos normalmente separados

na vida cotidiana pelas barreiras intransponíveis da sua condição, sua fortuna, seu emprego,

idade e situação familiar. (BAKHTIN, 1996, p.9)

Entende-se por festa popular uma manifestação coletiva que traduz a cultura popular, a

linguagem do povo, tudo o que vem dele e de sua alma. Há inúmeras definições da cultura

popular que se podem reduzir a dois grandes modelos de descrição e interpretação, segundo

Chartier (1995). Em um dos modelos, a cultura popular é vista como um coerente e autônomo

sistema simbólico que funciona alheio e irredutível à cultura letrada. Desta forma, a cultura

popular define-se como um mundo à parte da cultura letrada. No outro modelo, é percebida,

no contexto das relações sociais de dominação, como uma dependência e carência da cultura

letrada dominante. Assim, a cultura popular é “inteiramente definida pela sua distância da

legitimidade cultural da qual ela é privada” (CHARTIER, 1995, p. 180). Para o autor, esses

dois modelos são portadores de estratégias de pesquisas completamente opostas, pois a

celebração de uma cultura popular em sua majestade, ou seja, livre, viva e profusa, se inverte

em uma descrição em negativo; e o reconhecimento da igualdade de todos os universos

simbólicos traz à lembrança as implacáveis hierarquias sociais e culturais.

As festas religiosas são aquelas organizadas pelas Igrejas, nas quais o povo demonstra

sua fé, comemorando o Deus, o santo ou outra entidade. É um evento feito para o povo,

seguindo um calendário e tempo litúrgicos, como a Semana Santa. Algumas festas religiosas

possuem manifestações que são denominadas populares, folclóricas e tradicionais, formando,

assim, as chamadas festas religiosas populares, nas quais se misturam atos litúrgicos, como

missas, terços, procissões e outros, e atos profanos,como hasteamentos, reinados, coroações,

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dentre outras. Como exemplos podem ser citadas a festa de Nossa Senhora do Rosário, folia-

de-reis, festa do Divino, entre outras.

Inúmeras festas populares compõem o calendário de tradições e manifestações

culturais nas quais se podem observar elementos ou aspectos de heranças que se associaram e

se fundiram formando a identidade e a expressão cultural de um grupo ou região. Na história

da formação e colonização mineira e brasileira há influências e contribuições culturais de

várias sociedades como África e Portugal.

Festas populares como folia-de-reis e o congado são símbolos e exemplos de

expressões e identidades culturais híbridas, marcadas, segundo Bhabha (1998), por histórias

do deslocamento de espaços e origens. Este deslocamento trouxe a aproximação, a

justaposição e a ressignificação de diferenças culturais.

A hibridização não é algo que apenas existe por aí, não é algo a ser encontrado num objeto ou em alguma identidade mítica “híbrida” – trata-se de um modo de conhecimento, um processo para entender ou perceber o movimento de trânsito ou de transição ambíguo e tenso que necessariamente acompanha qualquer tipo de transformação social sem a promessa de clausura celebratória, sem a transcedência das condições complexas e conflitantes que acompanham o ato de tradução cultural. (SOUSA, 2004,113).

De acordo com Bhabha, o hibridismo é percebido no locus da enunciação, ou seja, no

contexto social, histórico e ideológico dos usuários da linguagem. A esse locus de enunciação

Bhabha chama de terceiro espaço, no qual vários elementos lingüísticos, culturais e sociais,

diferenciados, conflitantes e ambíguos se interagem em uma conexão entre significante e

significado, constituindo o hibridismo.

Lynn Mario T. de Souza (2004), ao falar da importância do hibridismo na teoria de

Bhabha, cita e concorda com Wisdown ao dizer que no hibridismo não se podem traçar dois

momentos originários dos quais surge um “terceiro espaço”. Ao contrário, é esse terceiro

espaço que possibilita o aparecimento ou surgimento de novas e outras posições; que desloca

as histórias que o constituem e estabelece novas estruturas de autoridade, de iniciativas

políticas, as quais são mal compreendidas pela sabedoria normativa.

1.1 Folia-de-reis, reisado, congado e reinado.

Percebe-se no uso dos vocábulos “folia-de-reis”, “reisado”, “congado” e “reinado”

apropriações um pouco divergentes e, às vezes, similares. Há alguma semelhança ou diferença

relativa a essas nomenclaturas? Para muitos, os quatros itens são a mesma coisa. É necessário,

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portanto, definir e conceituar cada vocábulo, cada festividade acima mencionada, para que o

uso de tais palavras possa orientar e esclarecer possíveis semelhanças e/ou diferenças entre si.

De acordo com Câmara Cascudo, no Dicionário do Folclore Brasileiro (1962), folia-

de-reis é um grupo festeiro que passa de casa em casa nas vésperas do Dia de Reis, cantando e

dançando, recolhendo dinheiro e donativos para a festa dos Reis Magos. Esta é celebrada

anualmente em 6 de janeiro e recorda a caminhada dos três Reis Magos: Belchior, Gaspar e

Baltazar, que, guiados pela estrela, levaram presentes ao Menino Jesus: ouro, incenso e mirra.

Essa festa tem sua origem tanto em Portugal como na Espanha e França. Os colonizadores

portugueses mantiveram a tradição da folia-de-reis no Brasil e, em algumas regiões de Minas

Gerais, há a celebração dessa festividade, como no Sul, Triângulo Mineiro e Zona

Metalúrgica.

No mesmo Dicionário do Folclore Brasileiro, reisado “é denominação erudita para os

grupos que cantam e dançam na véspera e dia de Reis (seis de janeiro). Em Portugal diz-se

reisada e reiseiros” (p. 669), podendo também determinar o cortejo de pedintes que cantam

versos. No Brasil, o termo pode referir-se aos ranchos, ternos, grupos que festejam o Natal e

Reis. Pode ser apenas a cantoria do grupo ou possuir enredo ou série de pequenos atos

encadeados ou não; ou ainda, auto natalino do Norte e Nordeste, realizado em 6 de janeiro.

Congado são autos populares brasileiros, de motivação africana, pois, nesse folguedo,

os figurantes representam a coroação de um rei congo (Chico Rei e a rainha Nzinga). Os

grupos de congado ou congada são membros de uma irmandade que tem como padroeira

Nossa Senhora do Rosário e outros santos de crença e aceitação dos negros, como São

Benedito e Santa Ifigênia. “A irmandade, em procissão pelas ruas, executa bailados, jogos de

agilidade, dança de bastões entre cantos ao som de caixas e tambores. Escoltam o régio casal

e todo estado de coroa (reis, rainhas, príncipes, entre outros) para ser coroado” (CASCUDO,

1962, p. 243). Esta festividade mantém viva a memória, a história e a identidade do povo

negro. Geralmente é celebrada de agosto a outubro, dependendo de seu padroeiro. Pode,

também, ser comemorada em maio, na data da abolição da escravatura.

Segundo Côrtes (2000), as festas de congado realizadas de agosto a outubro são

promovidas pelas irmandades e possuem duas partes, a saber: uma litúrgica, de conteúdo

católico, que inclui atos e ofícios religiosos católicos, como missa, terços, procissões, entre

outros; outra, folclórica, constituída pelo hasteamento do mastro, espetáculo pirotécnico,

números musicais e a presença de reinados e suas guardas. As guardas são grupos, unidades

religiosas com denominação particular e estandarte próprio. Seus aspectos rítmicos,

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indumentárias, cantos e movimentos são distinguidos entre os demais grupos: Moçambique,

Congo, Marujo, Catopés, Vilão e outros.

De acordo com o Minidicionário Houaiss da Língua Portuguesa, reinado é o período

em que um rei fica no poder, a duração ou época do governo de alguém (p. 633). Portanto,

esse vocábulo está associado ao período de comando, de reinado do Rei Congo na irmandade.

A cada ano um novo rei assume o reinado dentro da festividade do congado.

Algumas similaridades e diferenças podem ser observadas nessas manifestações de

cultura popular. Na folia-de-reis, os grupos que realizam a visitação às casas são chamados de

“ternos-de-reis”; o mesmo nome usado no congado: terno ou guarda. É um festejo de origem

portuguesa, no entanto o ritmo ganha contornos de origens africanas com fortes batidas e uma

dança na qual os membros rodam em círculo contínuo. Os ternos-de-reis, ao contrário do

reinado ou congado, representando a visita dos Reis Magos à gruta de Belém e a fuga da

Sagrada Família para o Egito, fazem apresentações à noite. O terno-de-reis possui o alferes,

responsável pela condução da bandeira. No congado, o capitão conduz os cânticos, o ritmo e a

dança. Há a presença de bandeiras nas duas festividades mencionadas.

No reisado há personagens de reis, representando os Magos, e os foliões caracterizam-

se de personagens da história, como por exemplo palhaços barbados que simbolizam os

soldados do governador romano Herodes. No congado, os reis representam a coroação do Rei

Congo e a libertação dos escravos; ou o reinado de Nossa Senhora do Rosário no qual há reis,

rainhas, entre outros. Nas duas festividades os ternos usam instrumentos como tambores,

atabaques, pandeiros e cavaquinhos.

A folia-de-reis acontece em função de pagamento de promessa, o que também se

observa no reinado de Nossa Senhora. A folia-de-reis ou reisado chegou ao Brasil entre os

séculos XVIII e XIX, e passou a ter um caráter mais religioso do que de diversão, como em

Portugal. É uma manifestação na qual os preciosos versos são preservados de geração em

geração por tradição oral, como acontece no congado ou reinado. Os versos entoados são

relativos ao nascimento do Menino Jesus, à visita dos Reis Magos e à fuga da Sagrada Família

para o Egito. Já no congado, os cânticos são relacionados a Nossa Senhora e à história da

libertação dos escravos.

Há, também, uma similaridade presente em um dos rituais do congado e da folia-de-

reis; nesta, o terno, cantando e dançando, no ritual da chegada, pede permissão ao dono da

casa para entrar e, ao sair, canta agradecendo-lhe a acolhida e oferendas como lanche,

dinheiro e outras. No congado, no ritual do almoço, o capitão de cada guarda, entre outros

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gestos do ritual, canta pedindo licença para entrar e, ao sair, agradece a acolhida e o alimento

oferecidos.

Observa-se um fato curioso na folia-de-reis: os foliões, representando a visita e

adoração dos Reis Magos ao Menino Jesus, não levam presentes, mas, sim, recebem

donativos.

1.2 O olhar do outro

Festas populares como o congado ou reinado de Nossa Senhora do Rosário atraem

admiradores, estudiosos e folcloristas. A imagem de símbolos, ornamentos, personagens,

indumentárias e rituais são focos do olhar de quem observa tal manifestação cultural. De

acordo com Bakhtin (1996), essas manifestações da praça pública podem ser vistas como

festivas e carnavalescas, nas quais fica visível a inversão simbólica de hierarquias, como na

coroação de um rei negro no congado. E, terminada a festa – comparando-se ao Carnaval –,

são reforçadas as verdadeiras posições e hierarquias sociais.

No olhar do outro, de quem não participa ou não conhece o significado de tal

expressão cultural, é um extravagante carnaval com cores, som de tambores, danças,

encenações de negros vestidos de reis e rainhas ricamente ornados e ostentando uma coroa e

um cetro.

Marina de Mello e Souza (2006), ao discutir e analisar a coroação dos Reis Congos no

Brasil ao longo do século XIX, expõe relatos de viajantes e estrangeiros, seus olhares e visões

sobre a celebração do congado com o enfoque maior na coroação de reis negros. Olhavam-na

a partir do ponto de vista do europeu, “ocupando o negro um nível inferior no conjunto das

sociedades”. A maioria dos relatos expostos e discutidos tinha como cerne o negro coroado

rei, em festas e atividades religiosas, identificadas com as superstições, semelhantes ao

Carnaval:

É costume dos negros do Brasil nomearem todos os anos um rei e sua corte. Esse rei não tem prestígio algum político nem civil sobre os seus companheiros de cor; goza apenas da dignidade vaga, tal como o rei da fava, no dia de Reis, na Europa. (2006, p. 278).

[...] fazem todos os anos este extravagante carnaval, adquirindo o eleito grande influência sobre os companheiros. A cena era muito curiosa, misturando singularmente as reminiscências da costa africana com os costumes brasileiros e cerimônias religiosas. A princípio, o rei do Congo, em companhia de sua metade, vem ocupar uma das cadeiras postas de antemão para o uso da corte. (2006, p. 284).

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Toda a simbologia congadeira – indumentária e o ritual dessa festividade – está

profundamente relacionada com o folclore carnavalesco e repleta dessa cosmovisão, pois o

Carnaval é uma festa na qual as regras sociais podem ser quebradas; é um rito de inversão em

que valores e hierarquias são temporariamente invertidos ou apagados para ressaltar os

valores sociais permanentes. Um mundo às avessas que nos é muito familiar. Mikhail Bakhtin

usa o termo “carnavalização” para mostrar a subversão das regras sociais, morais e

ideológicas em favor de formas de expressão pessoal e coletiva nas quais a realidade dá lugar

à fantasia, pobres transformam-se em reis e rainhas, roupas simples dão lugar a trajes

luxuosos.

Existem algumas versões para a origem do Carnaval, como carrus navalis (carros

navais com enormes tonéis de vinhos), nas festas romanas em adoração ao deus do vinho; as

Bacanais e Saturnais. Outra, de origem latina – carnavale (suspensão da carne) – , com

sentido religioso, compreendendo o período anterior à Quaresma, quando há abstinência de

sexo e diversões como festas.

No Brasil, o início do Carnaval deu-se com o entrudo, uma brincadeira de rua, alegre

mas violenta, pois as pessoas atiravam água umas nas outras. Além da água jogavam tudo o

que tivessem às mãos: bisnagas, limões de cera, cal, pó etc. O entrudo foi combatido e esse

jogo selvagem foi substituído por outros elementos de brincar, como confetes e serpentinas.

Através dos tempos, essa festa popular foi se inovando, modernizando-se com bailes de

máscaras, grupos de foliões, escolas de samba e trios elétricos. Nos dias atuais, o Carnaval é

liberdade, um momento no qual se deixa de viver a vida em sua ordem, com trabalho,

obrigações, pecados e deveres. O que vale é a experiência do mundo com excessos de prazer,

alegria e riso ao alcance de todos, pois ele o é para todos, colocando a todos como iguais,

independente de posições sociais na vida ordinária. O carnaval, na praça pública, permite que

se possa ser tudo o que se queria ser na vida comum. É uma inversão da rotina diária, “é a

possibilidade utópica de trocar de posição social, de inverter o mundo em direção à alegria, à

abundância, à liberdade e, sobretudo, à igualdade de todos perante a sociedade” (MATTA,

1979, p. 78). O carnaval tornou-se a celebração da alegria, da liberdade, mesmo em um curto

período, porque a vida, em sua ordem natural e social, recomeça na Quarta-Feira de Cinzas,

com a Quaresma.

Não se contempla e, em termos rigorosos, nem se representa o carnaval, mas vive-se nele, e vive-se conforme suas leis enquanto estas vigoram, ou seja, vive-se numa vida carnavalesca. Esta é uma vida desviada da sua ordem habitual, em certo sentido uma ‘’vida às avessas’’, um “mundo invertido”. (BAKHTIN, 1981, p. 122).

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Sendo o carnaval uma possibilidade utópica de inverter o mundo em direção à

liberdade, à alegria e à abundância, nota-se em um dos rituais do congado, o ritual de um

banquete, de uma refeição coletiva. Não se trata do comer e beber de todos os dias de pessoas

isoladas, mas, de um banquete que acontece em festa popular, com tendência à abundância, ao

regozijo, ao riso, às conversações, à alegria. Nos estudos de Bakhtin (1993), ele diz que “nos

sistemas das imagens da Antigüidade, o comer e o beber era inseparável do trabalho. Era o

coroamento do trabalho e da luta” (p. 246), ambos coletivos. Esse coroamento de um trabalho

coletivo é um acontecimento social, a celebração de uma vitória. Portanto, a refeição jamais

poderia ser triste, visto que a tristeza e a comida são incompatíveis. “Na absorção dos

alimentos, as fronteiras entre o corpo e o mundo são ultrapassadas num sentido favorável ao

corpo, que triunfa sobre o mundo, sobre o inimigo, que celebra a vitória, que cresce às suas

expensas” (p. 247). É o triunfo, a vitória da vida sobre a morte, a celebração da renovação, de

um novo nascimento.

Essa alegria, essa conversa à mesa são destronadas. Nelas são dispensadas as posições

sociais e hierarquias entre pessoas, coisas e valores; misturam livremente o sagrado e o

profano, o inferior e o superior, o material e o espiritual, não havendo incompatibilidade entre

elas. O triunfo do banquete celebra a antecipação de um futuro melhor, liberto dos olhos do

passado e do presente. Um futuro utópico, em que o negro é realmente livre, não havendo

barreiras e divisões sociais, raciais e hierárquicas.

[...] a ligação particular das conversas trocadas durante um banquete com o futuro e a celebração-ridicularização [...] A palavra pertence de alguma forma ao tempo, que dá a morte e a vida no mesmo ato, por isso a palavra tem duplo sentido e é ambivalente. (BAKHTIN, 1993, p. 250).

O ritual do banquete, no congado, tem, portanto, uma ambivalência perceptível nos

elementos e símbolos que o realizam. A idéia de abundância, de alegria, de triunfo, que

momentaneamente é celebrada, reforça e deixa em evidência uma história de miséria, de

sofrimentos e lutas de um povo que sonha ter a renovação desse passado e um futuro melhor

aos seus descendentes.

Essas imagens são profundamente ativas e triunfantes, pois elas completam o processo de trabalho e de luta que o homem, vivendo em sociedade, efetua com o mundo. Elas são universais, porque têm por fundamento a abundância crescente inextinguível do princípio material. Elas são universais e misturam-se organicamente às noções de vida, morte, renascimento e renovação. Misturam-se organicamente também à idéia de verdade, livre e lúcida, que não conhece nem o

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medo nem a piedade, e portanto também à palavra sábia. Enfim, penetra-as a idéia do tempo alegre, que se encaminha para um futuro melhor, que mudará e renovará tudo à sua passagem. (BAKHTIN, 1993, p. 264).

No dia da celebração do congado, há uma solene procissão, na praça pública, com as

imagens de Nossa Senhora do Rosário e São Benedito, com as guardas e todo estado da coroa

(reis, rainhas e outros membros). São tambores, caxambus, pandeiros, atabaques, dançarinos e

cantores. Entoam ladainhas, cantos de choro, rememorando a libertação dos escravos; e cantos

de louvor que envolvem a alma. São luzes, cores, tons e sons. É o folclore impregnado de

uma cosmovisão carnavalesca. É eliminada toda distância entre os homens, ou seja, todo o

sistema extracarnavalesco: as leis, proibições, hierarquias, etiquetas, ou seja, a ordem

instituída. Vigora uma categoria carnavalesca específica: o livre contato familiar. De acordo

com Bakhtin (1981), “este é um momento muito importante da cosmovisão

carnavalesca’’(p.123).

É o carnaval que cria, na praça pública, uma forma livre de comunicação das ações,

gestos, vocabulário e uma nova linguagem “liberta das normas correntes da etiqueta e da

decência, uma linguagem carnavalesca típica” (BAKHTIN, 1993, p. 9). Uma segunda vida

que permite estabelecer relações novas, um contato livre e familiar com seus semelhantes,

uma libertação temporária de todas as opressões e imposições da vida comum, ordinária e

extracarnavalesca.

Mas no carnaval as leis são mínimas. É como se tivesse sido criado um espaço especial, fora da casa e acima da rua, onde todos pudessem estar sem essas preocupações de relacionamento ou filiação com seus grupos de nascimento, casamento e ocupação. Estando, de fato, acima e fora da rua e da casa, o carnaval cria uma festa do mundo social quotidiano, sem uma sujeição às regras duras do pertencer e do ser alguém; por causa disso, todos podem mudar de grupo e todos podem se entrecortar e criar novas relações de insuspeitada solidariedade. No carnaval, assim, se o leitor me permitir um paradoxo, a lei é não ter lei. (MATTA,1979, p. 94).

De modo excêntrico o homem se liberta-se do poder de qualquer posição hierárquica

que o determinava, marginalizava e escravizava na vida extracarnavalesca. O carnaval não é

uma forma artística de espetáculo, mas uma forma da própria vida representada sem palco,

atores e espectadores. Vive-se a vida carnavalesca que é a forma ideal de renovação efetiva da

vida ordinária.

Podem-se perceber todas essas categorias de carnavalização na festividade do

congado. Esse contato familiar e a excentricidade aproximam o congadeiro do sagrado, da

liberdade, da conquista de seus ideais e valores que agora são celebrados e recordados

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historicamente. É a história do negro mesclada com o místico. No desfile do congado, há a

princesa Isabel cortejada e escoltada por negros que se vestem como escravos. O elevado e o

baixo; o nobre, o grande e o pequeno, o submisso; o poder e o possuído; a liberdade e a

escravidão. Representa-se a libertação dos escravos. Recordam-se e mantêm-se viva a

memória, a história e a identidade. E, num solene ritual (já na igreja), a princesa faz a leitura

da Lei Áurea. Acontece a transformação de um fato histórico em ritual religioso, o sagrado e

o profano misturam-se. São observados a abolição de todas as distâncias, de toda hierarquia, o

nascimento e a morte, a simbologia do contraste, imagens pares que se opõem no discurso

congadeiro, como no carnavalesco.

A profanação é outra categoria da carnavalização. “O carnaval aproxima, reúne,

combina o sagrado com o profano, o sábio com o tolo, o elevado com o baixo” (BAKHTIN,

1981, p. 123). De acordo com frei Leonardo Lucas Pereira, OFM (Ordem dos Franciscanos

Menores), que desde a década de 1970 reza missas congas na cidade de Divinópolis e na

região, é uma grande preocupação da Igreja não deixar que a festa se transforme apenas em

um ato folclórico; essa manifestação deve estar voltada para um vínculo religioso; dar um

valor sagrado ao que era apenas profano, mundano. A sociedade, que discriminava a

celebração afro, hoje participa dela, valoriza-a, reconhece-a como manifestação cultural,

como celebração de fé.

Segundo Bakhtin, a ação carnavalesca principal é a coroação e o posterior

destronamento do rei do Carnaval. Aí reside o próprio núcleo da cosmovisão carnavalesca: a

ênfase nas transformações, nas mudanças, na morte e na renovação. O autor diz que:

A coroação-destronamento é um ritual ambivalente, biunívoco que expressa a inevitabilidade e simultaneamente, a criatividade da mudança-renovação, a alegre relatividade de qualquer regime ou ordem social, de qualquer poder e posição hierárquica. Na coroação já está contida a idéia do futuro destronamento; ela é ambivalente desde o começo. (1981, p. 124).

O ponto excepcional da celebração do congado é a coroação do Rei Congo e do Rei

Perpétuo pelo capitão da guarda de Moçambique. Somente negros são coroados Reis Congos.

No cortejo, na praça pública, há os Reis Perpétuos e os Reis da Coroa Grande, que não são

perpétuos, são renovados anualmente. Têm-se o efêmero e o perpétuo, o escravo que se torna

rei, o insignificante que se torna nobre. É rei, é senhor de sua própria vida, é livre; liberto de

sua posição social enquanto durar a festa ou perdurar seu mandato, tal como no carnaval.

As inversões (escravo–rei) apontam várias instâncias de poder e diversos segmentos

sociais como uma possibilidade de se perceber as dicotomias, as relativizações e os

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deslocamentos propostos pelo ‘’mundo às avessas’’ típico do carnaval. As ambigüidades são

importantes para entender o processo de carnavalização. Nelas percebe-se a dicotomia dos

discursos e, nestes, a complexidade, as contradições, os conflitos sócio-ideológicos e

históricos.O próprio ritual, os símbolos do poder do coroado, as roupas que ele veste tornam-

se ambivalentes.

No canto do Credo, durante a missa conga, tambores dão sinais, avisam a morte de

Jesus. Não se trata de uma missa com enfeite de congado, mas, sim, de uma celebração da

memória da paixão de Cristo unida à memória da escravidão do povo negro. Celebram um

duplo passado, ambivalente. A paixão de Cristo, o rei destronado, caluniado e morto. Mas a

morte é a ressurreição, a coroação de Cristo como verdadeiro Rei. São atos simbólicos de

mudança e renovação, de nascimento e transformações. A memória da escravidão do negro

possui elementos simbólicos e ambivalentes, equivalentes e inter-relacionados à paixão de

Cristo Rei e Escravo, Escravo e Rei; duas figuras que se opõem na relativização de qualquer

reinado ou posição hierárquica.

No congado há elementos que se interpõem, há signos que compõem um fascinante

folclore carnavalesco no olhar de quem o presencia ou a ele assiste. Com um estudo e

pesquisa sobre sua origem e significados, porém, percebe-se que o congado resgata e mantém

posições sociais e relações hierárquicas por meio de uma memória coletiva de heranças

culturais híbridas na constituição de uma identidade que são celebradas e rememoradas na

festividade do congado, conforme se verá nos capítulos subseqüentes.

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2. HISTÓRIA E ORIGEM DO CONGADO

Na festividade do Congado, como se viu anteriormente, há a representação simbólica

da coroação de um rei congo e uma rainha, os quais remontam às figuras de Chico Rei e à

rainha Nzinga. Conhecer a história do reino do Congo e dos principais reis que marcaram seus

reinados e são miticamente evocados em tal celebração é conhecer a história e a origem do

congado. É, também, atribuir significado a elementos e símbolos que compõem essa

expressão festiva de identidade, hierarquia e história de um grupo que por meio da memória e

da tradição manifesta sua crença, sua cultura.

2.1 O reino do Congo e suas relações com Portugal

O antigo reino do Congo localizava-se onde é hoje a zona setentrional de Angola;

abrangia grande extensão da África Centro-Ocidental e compreendia várias províncias

formadas, entre outros, por grupos bantos. Banto é entendido como um macrogrupo cultural, o

qual habitava extensas áreas dessas regiões, com leis, costumes e usos que o definiam.

Introduziram aí a agricultura e a metalurgia. Faziam a prática de magias, rituais, feitiços

individuais e coletivos; reconheciam uma divindade superior da qual se haviam originado as

coisas boas que habitavam os céus e as coisas más que moravam nas águas. Veneravam

espíritos da natureza e a alguns objetos atribuíam poderes mágicos. O mundo era dividido em

natural e sobrenatural; havia o mundo dos vivos (negros) e o dos mortos (brancos), separados

entre si pela água. No mar, onde estavam os mortos, era o mundo do além, que é habitado

pelos ancestrais e diversos espíritos. E, por meio de rituais, prestavam-lhes homenagens e

obediência e lhes ofertavam presentes.

Na cosmologia congolesa contemporânea, o mundo está dividido em duas partes complementares: este mundo, dos eventos perceptíveis e o outro mundo, das causas invisíveis, provocadoras dos acontecimentos percebidos. O mundo visível é habitado por gente negra, que nele aparece e dele desaparece através do nascimento e da morte e que experimenta tribulações provocadas em grande parte pela ação de forças ruins, contra as quais as pessoas buscam a proteção dos poderes voltados para o bem. O mundo do além é habitado por ancestrais e espíritos diversos, que afetam a vida das pessoas deste mundo, diretamente ou por intermédio de algum líder religioso. (SOUZA, 2006, p. 63).

O reino do Congo era localizado em torno da cidade de Mbanza Congo, sua capital,

que mais tarde receberia o nome de São Salvador, após a conversão dos reis congoleses ao

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Cristianismo, em 1491. Limitado pelos rios Congo, Kuango, Zaire e o oceano. Organizado em

províncias como Mbata, Soyo, entre outras. As províncias eram governadas por pessoas

nomeadas pelo rei e cada província era composta de aldeias nas quais os chefes “atuavam

como juízes e administradores, eram teoricamente nomeados pelo governo provincial ou

diretamente pelo rei” (COSTA E SILVA, 2006, p. 525). Havia também estados independentes

que pagavam tributos ao soberano. “Vários estados e tribos ao leste e ao sul dessas fronteiras

reconheciam, vez por outra, a soberania do Congo por intermédio do pagamento ocasional de

tributos e do envio de presentes para o mani” (BOXER, 2002, p. 111). Todos os mani eram

chefes ou reis titulares, um segmento privilegiado. O manicongo governava um conjunto de

províncias ou aldeias, sendo o título mais importante do Congo; de acordo com o Dicionário

Glossográfico e Toponímico da Documentação sobre Angola, Século XV–XVII, manicongo é

o mesmo que ntotela, que significa rei do Congo. (PARREIRA, 1990, p. 87).

De acordo com Alberto da Costa e Silva (2006), o reino do Congo era rico. Possuía

uma vasta agricultura, produção de sal, ferro e cobre, artesanato e o comércio que mantinha

ao longo do rio entre o litoral, a savana e a floresta. Parte de toda riqueza transformava-se em

tributo, o qual era cobrado pelos chefes das aldeias. Esses ficavam com uma parcela do tributo

e passavam a outra para o chefe de distrito, que agia da mesma forma ao repassá-lo para o

governador. E de forma idêntica fazia o governador em relação ao rei. Pagavam-se impostos

diretamente ao rei, uma vez ao ano, “num ambiente de grande festa, quando o soberano

presenteava os governadores e os confirmava em seus cargos, ou os demitia, se os tributos que

traziam eram insuficientes” (COSTA E SILVA, 2006, p. 525). Com o que recebia, o rei

honrava a corte, mantendo sua guarda, composta de estrangeiros e escravos, pois o reino do

Congo não possuía exército permanente. Seu exército, em caso de guerra, era formado de

homens e armas que o rei requisitava aos governadores das províncias e aos chefes de distrito.

De acordo com Selma Alves Pantoja “só em 1575 criaram-se formações militares

especializadas e permanentes” (1987 p. 21).

Esse direito de arrecadar tributos e impostos, que cabia ao rei, era fundamentado na

conquista do poder, muitas vezes por meio de conflitos e batalhas, e confirmado ou efetivado

pelos antepassados das linhagens nobres governantes. Um líder espiritual, o Nganga,

introduzia o novo soberano, com rituais próprios. A diferença nas contribuições tributárias

marcava a hierarquia dos grupos sociais das províncias, distritos e aldeias que se vinculavam a

um grande reino, criando um laço de obrigações entre nobreza e súditos; visto que tudo

provinha do rei: a fertilidade, a saúde, a abundância.

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O rei era a personificação dos dois mundos: o natural e o sobrenatural; era o elo entre

os ancestrais e o povo que comandava. Era responsável pela chuva, presidia às cerimônias

agrícolas, legislava, entre outras funções. Era um ser político e sagrado. Era o símbolo da

identidade coletiva de um povo que via nele os traços e gestos do herói-fundador ao qual

estava ligado pela sucessão. “Na pessoa do rei, vivos e mortos estariam reunidos numa

comunidade que englobaria o natural e o sobrenatural” (SOUZA, 2006, p. 27). O rei era

reverenciado não somente como um elo entre os súditos e os deuses, mas, como um deus,

visto que possuía poderes divinos. Recebia as reverências e a fidelidade dos subalternos como

um rei e, ao mesmo tempo, deus.

Não havia um clã herdeiro para a sucessão do manicongo. Todos os homens

descendentes do manicongo podiam reivindicar a sucessão, embora o que se mostrasse mais

forte e tivesse uma descendência com qualquer um que reinara desde a fundação do reino,

Aluquene, fosse o escolhido. Esse conflito, muitas vezes, era resolvido na batalha pela

sucessão. Por vezes, o rei era eleito por um colegiado de nove membros dos quais o mais

importante detinha o direito de veto. Em algumas províncias como Mbata, a sucessão era

hereditária. Segundo Pantoja (1987), o direito de sucessão foi restringido, em 1504, aos

descendentes do rei Afonso I. Isso criou facções opostas na estrutura política do reino. E, a

partir de 1512, os portugueses faziam parte dos conselheiros do manicongo e, durante o

século XVII, “conseguiram, de fato, um lugar no colegiado eleitoral com direito a veto,

influindo de forma decisiva na escolha do manicongo” (PANTOJA, 1987, p. 21).

Ao contrário do Brasil, quando os portugueses se interessaram pela arte e domínio do

Congo, encontraram um reino relativamente forte, rico e estruturado, com a mais poderosa,

sólida e respeitada linhagem de reis e chefes e “um sistema escravista e um mercado de

escravos bem desenvolvidos” (SOUZA, 2006, p. 116). O registro do encontro dos portugueses

com os congoleses foi feito pelo príncipe negro D. Domingos José Franque (1940) e data de

1482 o primeiro contato do português Diogo Cão às margens do rio Zaire:

Aportava Diogo Cão em 1482, à margem esquerda da entrada de um grande rio – era a baía do Sonho, hoje também denominada de Santo António do Zaire. Este nome do rio é uma corrupção portuguesa, pois que nos dialectos da região se pronuncia N’Zari-N’Zali- N’Zadi. Fora de Portugal êsse grande curso de água é quasi exclusivamente conhecido por Congo. (1940, p. 54).

Já os estudos e pesquisas de Charles R. Boxer (2002) e de Marina de Mello e Souza

(2006) registram a chegada de Diogo Cão em 1483 à foz do rio Zaire. Portanto, deve-se

entender que o fato ocorreu entre os anos de 1482 e 1483, pois nas pesquisas em questão não

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há menção ao dia e ao mês, somente ao ano. O que se comprova nos estudos e registros de

António Luís A. Ferronha, contribuindo para o grupo de trabalho do Ministério da Educação

de Coimbra para as comemorações dos Descobrimentos Portugueses e comemoração do

quinto centenário do início da missionarização no Congo:

“Aqui chegaram os navios do esclarecido Rei Dom João o Segundo de Portugal. Diogo Cão/ Pêro Annes/ Pero da Costa/” (Inscrição nas quedas de lelada, Rio Zaire), efectuada em 1482/84 por Diogo Cão na sua 1.ª viagem à costa africana. É o primeiro registro do contacto entre portugueses e congoleses. (FERRONHA, 1992, p. 7).

Segundo Souza (2006), os portugueses foram recebidos pelos congoleses como

enviados, emissários do mundo sobrenatural, o mundo dos mortos do qual provém toda a

sabedoria; visto que eles vieram do mar. O rei de Portugal passou a ser “um deus vivo

superior ao seu próprio rei porque vivia em outro mundo, além da água, onde habitam os

mortos” (p. 54). Assim, sendo o rei de Portugal a personificação do deus Nzambi Mpungu, os

congoleses passaram a fazer analogias das influências e costumes portugueses com sua

própria cultura.

A manutenção da relação entre os dois reinos intensificou o comércio da região e

também o comércio internacional, como o de tecidos de palma, metais e escravos. O prestígio

dos comerciantes, muitos não congoleses, aumentou notoriamente. O comércio era em grande

parte exercido por grupos que habitavam a região de Luango, “estado costeiro ao norte de

Kakongo, de onde eram importados para Luanda, os panos de ráfia, escravos, a takula,

marfim, pêlos de elefante, ostras perfumadas e cobre” (PARREIRA, 1990, p. 157), “sendo

depois controlado pelos portugueses de São Tomé e de Angola” (SOUZA, 2006, p. 48).

Takula é uma espécie de sândalo vermelho usado em rituais.

Os reis lusitanos não tentaram, no primeiro momento, obter o controle político do

reino do Congo e tampouco dominá-lo ou conquistá-lo pela força das armas. “Contentaram-se

em reconhecer seus reis do Congo como irmãos de armas, tratá-los como aliados, e não como

vassalos” (BOXER, 2002, p. 112). As primeiras embaixadas e missões para converter os

congoleses, vistos como bantos selvagens e bárbaros, incluiram envio de padres, frades,

trabalhadores e mulheres para ensinarem às congolesas a economia doméstica nos moldes de

Portugal, tentando colocar o Cristianismo na cultura banta e nela integrar elementos e

símbolos da cultura européia.

Um dos mais famosos reis que o Congo já teve foi o rei D. Afonso, que sucedera seu

pai, D. João I, depois de vencer seu irmão, o qual não recebera o batismo, em uma batalha

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pela sucessão do reino. Seu pai, o rei Nzinga Kuwu, que recebera o nome português de D.

João I depois do batismo, indicara o filho Mbemba-a Nzinga, D. Afonso, aos eleitores. Seu

irmão Mpanzu-a Kitima, porém, que tinha o apoio do chefe religioso das tradições e religião

do Congo, depois da morte de D. João I, tomou posse da capital do reino. Ele fazia parte de

uma facção nobre que via na nova religião uma ameaça à soberania e às tradições religiosas

do reino. Assim, na luta pelo reino, foi travada a batalha na qual D. Afonso, com a ajuda

militar lusa, venceu o opositor e conquistou o trono, sendo aclamado rei do Congo.

O rei do Congo Mbemba-a Nzinga, D. Afonso, governou no século XVI (1507–

1542). O rei do Congo e o de Portugal comunicavam-se por inúmeras cartas e embaixadas,

tratando-se como irmãos, estreitando a relação entre os países e fortalecendo o poder e a

influência real e seus privilégios. Pelas cartas percebe-se que D. Afonso tinha uma

preocupação com a conversão e a cristianização de seu Estado. Tais cartas e documentos

dessas relações diplomáticas e políticas entre os dois reis estão nos estudos de Ferronha. Uma

delas foi escrita por D. Afonso em 1512, ao papa, por conselho do rei de Portugal, informando

de sua conversão e seu combate contra as idolatrias:

Santíssimo em Cristo Pai, Beatíssimo Senhor, senhor nosso Júlio Segundo, pela divina providência Sumo Pontífice. Vosso devotíssimo filho D. Afonso pela graça de Deus rei de Manicongo, e senhor dos Ambundos, Guiné, manda beijar vossos beatíssimos pés com muita devoção. [...] como el-Rei D. João de Portugal [...] o católico D. Manoel seu sucessor, com muita despesa, trabalhos e indústria mandaram a estas terras pessoas religiosas [...] apartando-nos dos erros gentílicos, que até então usáramos, lançando de nós todas as abusões diabólicas de Satanás, e seus enganos; de todo nosso coração e vontade recebemos milagrosamente a Fé de Nosso Senhor Jesus Cristo. (1949, p. 25).

Nesta carta, D. Afonso coloca o Ndongo (os ambundos) em seu reinado e possessões.

Ambundos, segundo Parreira (1990), correspondia ao povo habitante de Luanda, que

pertencia à etnia Mbundu. Esse grupo era considerado um grupo religioso que cultuava ídolos

e orixás; o que o rei do Congo procurava combater, propagando o Cristianismo, levado

àquelas terras pelos portugueses. Em outra carta, de 5 de outubro de 1514, ele reconhece a

ajuda militar portuguesa na batalha pelo reino:

[...] e toda gente, parentes e irmãos eram contra nós e nós não tínhamos outra ajuda senão Nosso Senhor e o padre Rodrigues Eanes e António Fernandes que muito esforço nos davam, estando ambos em oração a Nosso Senhor, que nos desse vencimento contra nossos inimigos, pelo qual prouve a ele pela sua misericórdia que nos deu tal vitória. (1949, p. 26).

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Há registros de pedidos de pedreiros, carpinteiros, padres, frades, missionários,

paramentos para igreja como também denúncias sobre o comércio de escravos, dentre outros

pedidos e agradecimentos de presentes enviados de um rei ao outro. Marina de Mello e Souza

afirma que “o rei lusitano mandava freqüentemente presentes para os líderes dos estados

africanos com o intuito de ganhar seus favores e garantir que seus comerciantes pudessem

viajar livremente pela África, sob a proteção desses chefes” (2006 p. 49). Em uma das cartas,

de 18 de janeiro de 1526, D. Afonso declara ter recebido do Rei de Portugal alguns presentes:

Nós D. Afonso por graça de Deus Rei do Congo etc. Fazemos saber, a vós Manuel Vaz, cavaleiro da casa Del-Rei nosso irmão e seu feitor na ilha de São Tomé, que recebemos de Rodrigo Alves, os três vestidos que nos enviastes por ele, que o dito Rei nos manda de Portugal – a saber: um capuz de lila preta pespontado de seda. E uma capa de contray frisado debruada de veludo preto. E outra capa de contray frisada e aberta e pesponta com seda. (FERRONHA, 1992, p. 52).

D. Afonso mantinha com Portugal, além da ajuda militar, o comércio que se expandira

notoriamente e o tráfico de escravos, o qual escapou do controle do rei congolês, pois as rotas

e normas estabelecidas não foram respeitadas. Até nobres foram capturados em lutas e

batalhas e vendidos como escravos. Em uma de suas cartas de 1516, ele fala desse comércio

de escravos:

[...] o que eu não podia crer porque naquele próprio tempo que lhe veio se fora um navio da costa de Pampelunga que esteve aí muitos dias resgatando, do que eu estou muito escandalizado não somente por mim, mas pela minha gente, que me lança em rosto que se eu sou cristão e vassalo Del-Rei nosso irmão como vêm os mesmos homens brancos à minha porta e fazer trato e resgate. (FERRONHA, 1992, p. 48).

Com a escassez de missionários em um período de disputas de terras e de poder, a

difusão da fé e a alfabetização ficaram sendo privilégios de nobres que aumentavam o seu

poderio. Se ingressar na Ordem de Cristo era uma das mais importantes fontes de prestígio e

status, “O rei, Mbanza Congo, estaria no topo da hierarquia política, personificando a

combinação de poder sagrado e autoridade secular” (2006 p. 84).

Ao longo da história do Congo, lutas e batalhas foram travadas pela conquista de

terras e domínio de reinos e povos. Holandeses, espanhóis e outros povos, também, como os

portugueses, estavam interessados nas terras africanas. E, além disso, as regras de sucessão ao

trono criavam facções opostas e instabilidade política e militar. Ndongo e Matamba,

províncias da região do Congo, compostas de ambundos e jagas, que pagavam tributos ao rei

do Congo, assumiram uma atitude de independência, criando rivalidades e conflitos entre o

Ngola, representante dessas regiões, e o Mani Congo. Em uma dessas batalhas pelo poder

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dessas províncias, a rainha Nzinga assumiu Ndongo e Matamba, depois da morte de seu

irmão, o Ngola. Seu reinado foi marcado por resistência, confronto e lutas contra a dominação

portuguesa.

As relações econômicas, políticas e catequéticas encontraram grandes dificuldades; as

embaixadas portuguesas e estrangeiras não foram bem-sucedidas. Guerras entre os centro-

africanos e os portugueses foram travadas, pois uma colônia portuguesa de São Paulo de

Luanda, no território africano, tinha o controle do mercado de escravos e das minas de metais

e essa colônia lusa pregava que a conversão só seria possível por meio da conquista armada e

da dominação. A esta colônia portuguesa o rei de Portugal deu a concessão do litoral do

Congo e seus comerciantes impediram todas as tentativas de acordo entre os dois reinos.

Os objetivos maiores de controlar os mercados abastecedores de escravos e de alcançar as minas que supostamente se localizavam a leste de Luanda, continente adentro, fizeram com que os portugueses se envolvessem em numerosos conflitos, ganhando as batalhas sempre graças a suas alianças locais e à utilização de guerreiros africanos. (SOUZA, 2006, p. 103).

As relações entre o reino do Congo e os portugueses foram abaladas e entraram em

declínio quando o pretexto da evangelização e cristianização deixou em evidência o domínio e

a expansão do comércio de escravos pelos lusitanos. No início do século XVII, o tráfico de

escravos era fundamental para o império português, e a maioria destes vinham do mercado de

Luanda, Angola. Entretanto, esse domínio foi enfraquecido pela invasão de outros países,

como a Holanda.

O rei do Congo que governou de 1641 a 1663, Garcia Afonso II, sendo coroado na

época de tal invasão, estabeleceu relações amistosas com os holandeses. “O rei e a elite

congoleses não abandonaram o Catolicismo nem expulsaram os missionários que atuavam na

região, a despeito da pressão dos holandeses” (SOUZA, 2006, p. 110), que hostilizavam o

Cristianismo pregado pelos portugueses e, muitas vezes, levavam o povo a renunciar ao

Catolicismo e voltar a idolatrar seus deuses e ídolos.

O reino do Congo ficou conhecido, além das fronteiras africanas e de suas relações

com Portugal, como um reino estruturado, influente e forte, apesar das batalhas e guerras que

enfrentou. Seu rei, D. Afonso, representante máximo da soberania do reino, foi imortalizado e

é um símbolo de organização, hierarquia, poder e Cristianismo encontrado na realização da

festa de congado.

Vê-se, então, que muitos escravos exportados para o Brasil carregaram em suas

memórias elementos e símbolos de diferentes povos e culturas; o Cristianismo foi em parte

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assimilado à sua própria fé, bem como os elementos, ritos e costumes europeus integrados ou

associados à cultura banto ou africana.

2.2 A rainha Nzinga

A rainha Nzinga nasceu em 1582, no Ndongo Oriental, e seu reinado nas regiões de

Ndongo e Matamba compreende o período de 1624 a 1663. Ela, depois de batalhas e disputas

travadas com o Ngola, seu irmão, passou a ser a líder dos povos ambundos e jagas. “’Ndongo,

uma ampla região da Angola hodierna, na África Centro-Ocidental, era a extensa área que se

estendia entre os Rios Dande e Cuanza. Este era o mundo dos bantos que estavam localizados

ao sul do reino do Congo e a leste do território de Luba” (GLASGOW, 1982, p. 15).

Como já foi visto anteriormente, ambundos ou mbundos era um grupo religioso que

cultuava ídolos e orixás. Os jagas correspondiam ao grupo multi-étnico de guerreiros que, de

acordo com Souza (2006, p. 104), praticavam exercícios de luta e em suas tradições incluía-se

o canabalismo ritual, ligado a atos de guerra. A rainha aprendera os princípios da religião de

seu povo, idolatrando a deusa Temba-Ndumba, que dera origem ao Ndongo, conforme a

tradição.

Nzinga Mbandi exerceu seu reinado com lutas de guerrilha mostrando não somente

seu poder e prestígio como também a resistência ao domínio de Portugal e à sobrevivência de

seu reino. O estado do Ndongo sofreu ataques simultâneos: de um lado, com atividades

militares e comerciais, os portugueses e, por outro, os mbangala, que eram populações

nômades, as quais viviam do saqueamento de outros povos.

A região de Ndongo, por meio de conflito e luta com o reino do Congo, que estava

enfraquecido por disputas entre facções internas pela soberania real, conseguiu sua

independência, em 1556, deixando de pagar tributos ao manicongo. Note-se que o Ndongo já

era independente do reino do Congo quando a rainha Nzinga o assumiu, em 1624.

Ao Ngola, representante do estado do Ndongo, era atribuído poder político e

espiritual, sendo, portanto, um chefe com o título mais importante. Havia também um

conjunto de senhores poderosos, com funções diferenciadas: ngolambole, por exemplo, era o

comandante de guerra em todo o Ndongo. As grandes decisões, porém, eram tomadas pelo

Ngola, a quem toda a população estava submetida.

Os comerciantes, insatisfeitos com o monopólio do Congo sobre o tráfico de escravos,

chegaram à região do Ndongo e, porque o soberano era conhecido como Ngola, os

portugueses passaram a chamar toda aquela região ao sul do rio Congo de Angola.

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O contato da rainha Nzinga com os portugueses, que buscavam, por meio do discurso

da conversão, expandir seus domínios, e, principalmente, encontrar as minas de ouro, prata e

outros metais, foi marcado pela luta e resistência.

Nzinga também teria causado impacto entre os portugueses, ao agir e falar, em português, como chefe política lúcida e articulada. Exigia que o ngola e seu reino fossem tratados pelos portugueses como iguais, não se justificando a exigência de tributos e guerras de escravização entre parceiros comerciais soberanos. Sua autoridade e habilidade fizeram com que fosse assinado um tratado, nunca cumprido, que aceitava essas exigências. (SOUZA, 2006, p. 107).

Embora a fama dessa soberana tenha sido conquistada pela resistência, defendendo seu

povo das investidas portuguesas, inúmeras vezes manteve contatos diplomáticos com os

mesmos e incorporou elementos, hábitos e costumes lusos em seu cotidiano. Trajava-se com

ricas roupas e adereços adquiridos dos portugueses. Mas “essa europeização se dava apenas

no traje, pois continuava a governar segundo as tradições ambundos-jagas e era vista por seu

povo como uma rainha poderosa, representante de forças divinas” (SOUZA, 2006, p. 108).

Muitas lutas, batalhas, guerras, embaixadas e contatos diplomáticos foram feitos entre

os portugueses e a rainha. Na maioria das vezes, porém, esses acordos de paz não foram

observados; abalando ou levando, de tempos em tempos, ao enfraquecimento dos exércitos de

Nzinga.

Nzinga nunca se defrontara antes com um inimigo tão poderoso como o Rei de Portugal, com seus exércitos, e suas armas: estes haviam infligido grandes perdas às suas forças no Ndongo, enfraquecendo seus exércitos a um tal ponto, que ela não mais podia continuar na ofensiva, apesar de seu espírito de luta não estar nem um pouco abatido. (GLASLOW, 1982, p. 118).

Nzinga fracassou em seu intuito maior de expulsar os portugueses das terras de seu

reinado, pois as alianças travadas entre esses e os chefes africanos deixavam os exércitos

nativos à mercê dos lusitanos, numerosos e fortalecidos Ela chegou a aceitar a conversão e o

batismo na “verdadeira fé” pela segunda vez, recebendo o nome português de Ana de Sousa.

O seu primeiro batismo foi antes de se tornar rainha. Em uma negociação para a libertação de

uma irmã, prisioneira dos portugueses, aceitou um acordo de paz, convertendo-se ao

Cristianismo e permitindo que em seu reino fosse introduzido o batismo e as evangelizações

dos missionários portugueses.

Marina de Mello e Souza (2006) argumenta que a rainha se interessou pela religião

cristã ao perceber que o Cristianismo tinha uma forte relação com o poder: “ela certamente

acreditou que os rituais praticados pelos brancos estrangeiros estavam relacionados à sua

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riqueza e poder, à semelhança do ocorrido no Congo, pois ambos os povos pertenciam a um

mesmo universo cultural banto” (2006, p. 107).

Morreu em 17 de dezembro de 1663, mas ficou na história como a personificação da

resistência à dominação portuguesa, sendo associada à libertação e ao nacionalismo angolano.

Também faz parte da história do congado o personagem Chico Rei que, sendo rei de

uma nação africana, veio como escravo para o Brasil. Conseguiu sua liberdade e, mais tarde, a

do filho e de outros escravos compatrícios, formando a Irmandade de Nossa Senhora do

Rosário.

2.3 A história de Chico Rei

De acordo com Vasconcelos(1996) e a Secretaria Municipal de Esportes,Lazer,Cultura

e Turismo de Oliveira (1997),o reino do Congo foi fundado pelo rei Aluquene, de quem

provinha a tradição pagã; este reino tinha seu rei Negangá, um preposto dos missionários

portugueses. Este, entrou em conflito com o rei Nizugiatambo, de Bulá, que fora aclamado rei

pelo povo insatisfeito com o prestígio dos lusitanos, sendo morto em uma batalha. Quem

comandava a guarda pessoal do rei Nizugiatambo era o jovem nobre Galanga, da família do

reino do Congo, foragido em Bulá, por perseguições ligadas ao trono de Negangá. O rei

Nizugiatambo foi assassinado numa conspiração pelos palacianos, insatisfeitos e descontentes

com seu reinado.

O rei que o sucedeu foi Galanga, por seus direitos legítimos; e, após vencer a batalha

de Maramara, foi coroado no alto cargo de rei do Congo com 27 anos, casado com Djalô (que

também fora coroada). Tinha dois filhos. Seu reinado não foi fácil, pois os reis antigos haviam

abolido os costumes do antigo Império do Congo, por influências estrangeiras. Havia

comercialização de escravos pelos portugueses, que, com suas tributações, aboliram a

soberania e a religião do país. Galanga foi um rei simples e enérgico, procurando restaurar os

costumes e crenças das nações bantas e a manutenção das leis antigas, conseguindo moderar

as influências estrangeiras. Reinava procurando o bem-estar do povo, com justiça, bondade e

muita dignidade. Foi poderoso e respeitado por todos.

Um fato, porém, abalou o país: as terras do Reino do Congo foram invadidas. Para

expulsar os invasores, foram mobilizadas as tropas regulares, mais a guarda pessoal do rei

congolês. O filho do rei Galanga, Muzinga, com 15 anos foi nomeado, aproximadamente em

1740, Capitão-de-Guerra Preta do Congo.

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O rei Galanga abriu o templo de Nzâmbi-Mpungo (ídolo e deus da imortalidade) e foi

rezar pedindo força e paz. Ainda no templo foi surpreendido por dezenas de mercadores de

escravos que invadiram o palácio real. Roubaram-lhe o colar régio de rubis, sua coroa e

insígnias reais. E o rei Galanga do reino do Congo (o grande vencedor de Maramara), a

família real, seus secretários e outros foram amarrados como feras, com argolas de ferro e

forçados a caminhar, arrastados para fora da cidade, até a orla do mar, onde seriam vendidos,

com outras pessoas, no mercado escravo.

Antes da viagem foram batizados. O rei de Portugal não queria pagãos. Às mulheres

chamaram Maria e aos homens, Francisco. Foram marcados com ferro em brasa. Viajaram no

barco negreiro 371 infelizes, rumo à América do Sul, mais precisamente ao Brasil. Durante a

viagem sofreram maus tratos; obrigados a comer e forçados a dançar de tempos em tempos

para chegarem com um aspecto melhor, contudo muitos não resistiram. Houve uma forte

tempestade (após doze dias de viagem) e, para não afundar o barco, cargas foram jogadas ao

mar e, junto, mais de 225 negras e crianças vivas, dentre as quais a rainha Djalô e sua filha

Itulu, a princesa. Chegando ao Brasil, na Bahia, ninguém quis as peças. Aportaram a 9 de

abril de 1740 no Rio de Janeiro. Eram 115 negros; pareciam múmias vivas. Cantavam e

batiam palmas; fingiam uma alegria que não tinham.

Trinta negros, dentre os quais se encontravam o rei Galanga (agora Francisco) e seu

filho Muzinga, foram comprados por um minerador de Vila Rica do Ouro Preto e do arraial

das Minas de Catas Altas do Mato Dentro. Era o ciclo do ouro nas Gerais, adquirindo mais e

mais escravos. Galanga foi escravo do major Augusto de Andrade Góis. Na viagem para

Minas Gerais, caminharam sem ferros e peias. Galanga seguia à frente e, ao subir a serra da

Mantiqueira, recordou o território africano. Chegaram com tanga de saco. Ficaram na região

de Vila Rica, Vila do Carmo e alguns, nas minas de Catas Altas.

Na senzala, Francisco (Galanga) encontrou outros congoleses. Conquistou a simpatia

de todos, pois era discreto, tratava-os com distinção, amizade e cordialidade. Sua fama de Rei

do Congo logo foi conhecida e ele passou a ser chamado de Chico Rei.

Chico Rei tinha porte de nobreza, era desejado pelas mulheres e passava o tempo

pensativo na senzala; só saía para as minas, onde trabalhava com afinco. Repartia suas coisas

com todos. Tudo isso chamava a atenção de todos, brancos e escravos. Depois de dois anos de

trabalho na mina, foi feitor na fazenda onde era escravo e, durante este período, nenhum

escravo fora castigado, pois impunha respeito e resignação. Sua figura majestosa

impressionou o padre Figueiredo, que se tornou seu amigo. O padre Figueiredo, com as

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economias juntadas por Chico ao longo dos anos, nos seus trabalhos de domingo, conseguiu

do major (o que levou muito tempo, conversa e reflexão) a alforria ou carta de ingenuidade.

Alforriado, deixou o filho Muzinga, prometendo buscá-lo mais tarde. Foi morar numa

pobre casa da mina da Encardideira (onde trabalhara antes), agora extinta; e, de aluguel,

bateava com ardor até aos domingos. Encontrando uma pepita alforriou o filho e, juntos,

passaram a batear. Bateavam na mina e inscreveram-se na Irmandade de Nossa Senhora do

Rosário dos Pretos de Antônio Dias.

Seu antigo senhor, o major Augusto, encontrando-se doente, ofereceu-lhe a extinta

mina Encardideira, para pagamento, conforme as condições de Chico. Chico Rei e seu filho

não se importaram com os insultos e dizeres de quem achava que era tolice comprar uma mina

que não carpia. Trabalharam com determinação e encontraram ouro novamente. Assim,

alforriou 35 negros em dois anos de trabalho.

Fez uma grande festa com os seus alforriados e patrícios, em 6 de janeiro de 1747, na

capela do Rosário, na qual apareceram fardados e trajados como na terra natal. Essa festa

ficou conhecida como Congado do Rosário e, nela, reis e rainhas do Rosário eram eleitos.

Hoje, na festividade do congado, os Reis Congos representam, simbólica e miticamente, a

figura de Chico Rei.

Por meio da lenda de Chico Rei percebe-se que a origem do congado está ligada à

Igreja de Nossa Senhora do Rosário. Nas festas havia grandes solenidades típicas, que

receberam o nome de “reinado de Nossa Senhora”, nas quais Chico Rei de coroa e cetro e sua

corte (rainha, príncipes e dignitários de sua realeza) apresentavam-se cobertos de mantos e

trajes de gala, bordados ricamente a ouro. Este grupo real era precedido de batedores com

caxambus, pandeiros, tambores e outros instrumentos, enquanto músicos e dançarinos

entoavam ladainhas e cantos a Nossa Senhora. Era a Irmandade de Nossa Senhora do Rosário.

2.4 A Irmandade de Nossa Senhora do Rosário

Há Irmandades de Nossa Senhora do Rosário em diversas partes do mundo, como por

exemplo, em Portugal, Alemanha, África, Brasil, e, desde o século XVII, no Congo, Angola e

Moçambique. Antes de 1552, já existia no Brasil uma irmandade para os escravos da Guiné.

Segundo Van Der Poel (1981), os portugueses introduziram a irmandade na África e “os

escravos negros congos continuaram sua devoção no Brasil” (1981 p. 187). De acordo com o

autor, as mais antigas irmandades de homens pretos são a do Rio de Janeiro (1639), a de

Belém, com data de 1682 e Salvador, Recife e Olinda, todas com datas da década de 1680.

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Em Minas Gerais, o congado e outras celebrações afro-brasileiras tiveram suas origens na

Irmandade de Nossa Senhora do Rosário da Freguesia de Senhora do Pilar de Ouro Preto, que

teve seus estatutos aprovados e confirmados pelo bispo do Rio de Janeiro, em 1715. Segundo

Hugo Pontes, estes estatutos desapareceram por rivalidades entre negros e brancos e outros

foram elaborados em 1733. Este autor diz o seguinte:

Haverá nesta irmandade um rei e uma rainha, ambos pretos de qualquer nação que sejam, os quais serão eleitos todos os anos em mesa e mais votos, e serão obrigados a assistir com seu estado as festividades de Nossa Senhora; e mais santos, acompanhado no último dia a procissão atrás do Pálio. (PONTES, 2003, p. 8).

As irmandades surgiram das confrarias, criadas, em Minas Gerais, pela igreja no Ciclo

do Ouro, nos séculos XVII e XVIII, pois a Coroa portuguesa havia proibido a entrada das

ordens religiosas. Tais irmandades foram inspiradas nas corporações de ofícios da Idade

Média. Tornaram-se, porém, um meio de estratificação, porque os mais abastados

participavam da Irmandade de São Francisco de Assis; os homens pardos, da Irmandade de

Santo Antônio de Catejeró; e da Irmandade de Nossa Senhora do Rosário dos Homens Pretos,

os negros cativos, com licença por escrito de seus senhores, e negros libertos.

As confrarias eram encarregadas de realizar a festa do Rosário, iniciada no século XIX

e, pelo calendário da Igreja, celebrada a 7 de outubro. Nossa Senhora do Rosário é conhecida

pelo rosário, objeto que leva nas mãos, usado para contar as ave-marias e os pais-nossos.

Segundo Caldas Aulete, no Dicionário Contemporâneo da Língua Portuguesa (p. 4474),

rosário é (ecles.) enfiada composta de quinze mistérios, ou seja, quinze dezenas de contas

pequenas (ave-marias) e quinze contas maiores (pais-nossos), uma para cada dezena.

A devoção a Nossa Senhora do Rosário tornou-se conhecida na Europa entre os

portugueses católicos, entretanto a divulgação no Brasil é atribuída aos padres franciscanos.

Tal devoção chegou até os escravos, que, ao finalizar os duros trabalhos diários, desfilavam o

rosário nas mãos cansadas, fazendo pedidos de alívio dos sofrimentos físicos e das amarguras,

como conta a tradição:

Foi mamãe do Rosário quem ensinou nego a esperar. Ela deu força pra nego, tudo pode agüentar. (ORALIDADE).

Buscando a cristianização dos negros africanos, a Igreja permitiu as danças na

irmandade do Rosário, unindo os cativos, suas raízes e origens e suas maneiras características

de rezar.

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2.4.1 A história de Nossa Senhora do Rosário

De acordo com Van Der Poel (1981, p. 61), no início do século XIII, na França, os

católicos foram perseguidos por um grupo dirigido por dois senhores feudais da região de

Albi, os albigenses, que, impondo suas idéias por meio das armas, profanaram templos,

arrastando os homens à dissolução social e a cometerem excessos.

O papa Inocêncio III decretou uma cruzada contra esta seita, estando à frente Simão de

Monfort, grande amigo de São Domingos. Este, com seu rosário, dedicou o tempo para rezar

aos pés de Nossa Senhora, enquanto o outro com um pequeno grupo de combatentes foi

enfrentar os albigenses. Os cristãos venceram a batalha e a vitória foi atribuída à Maria com

seu rosário. Simão de Monfort construiu uma capela dedicada a Nossa Senhora do Rosário,

em 1213. Tal devoção foi confirmada trezentos anos depois, com a vitória dos cristãos sobre

os turcos perto de Lepanto, na Grécia, ocasião em que se constituiu a liga entre Veneza,

potentados da Itália e Espanha. O papa Pio V criou, então, a festa do rosário em honra a Nossa

Senhora da Vitória, nome que foi mudado para Nossa Senhora do Rosário. O sucesso da

batalha propiciou a libertação de mais de vinte mil escravos cristãos, estabelecendo uma forte

ligação entre a libertação e a santa.

Há algumas lendas ou histórias contadas pela maioria dos congadeiros sobre a origem

das danças em louvor a Nossa Senhora do Rosário. Uns contam que a Virgem do Rosário

apareceu em uma gruta; outros dizem que apareceu no mar e o padre e as pessoas do local

tentaram levar a imagem para a igreja. Várias tentativas foram feitas, entretanto a estátua

desaparecia do altar e voltava para o lugar onde estava antes. Homens vestidos de Congos e

outros de Moçambiques fizeram uma procissão e, cantando e dançando até a igreja, levaram a

imagem, colocando-a no altar. A efígie não mais voltou para a gruta, ou para o mar. E, para

comemorar esse fato extraordinário, os Moçambiques e os Congos anualmente se reúnem para

cantar e dançar para Nossa Senhora do Rosário. Na festa do congado, o terno de Moçambique

escolta as coroas e todo o reinado de Nossa Senhora. O ciclo das festas do Rosário, em muitas

cidades do centro-oeste mineiro, como Divinópolis, vai de julho a outubro, embora em

algumas cidades elas sejam celebradas em 13 de maio.

2.4.2 Capela de Nossa Senhora do Rosário

Em Divinópolis, a capela de Nossa Senhora do Rosário foi construída entre 1850 e

1881, pelos primeiros reinadeiros, e demolida para a construção de uma área comercial, na

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praça do Mercado. Hoje há uma réplica da capela, patrimônio cultural dos grupos de congado

da cidade. Marília Ferreira Lopes conta a história dessa igreja na coluna “Cultura e Cia.”, no

Jornal Agora, de Divinópolis, de 27 de agosto de 2006. Segundo ela, o moderno projeto de

modernização urbana e comercial de Divinópolis trouxe destruições e demolições de lugares

que guardavam a história, memória e cultura da cidade. Dentre esses imóveis estava a capela

de Nossa Senhora do Rosário, construída no tempo do arraial do Divino Espírito Santo do

Itapecerica (hoje Divinópolis).

Quando o padre Guaritá passou a ser o vigário do arraial, rejeitou e proibiu as

manifestações de congado com danças e cantos na porta da matriz e sugeriu a construção de

um templo somente para os negros. Assim, a capela de Nossa Senhora do Rosário foi

construída a partir de 1850 e concluída em 1881. Na década de 1920 veio para Divinópolis

José Aristides Sales, reinadeiro nascido em Contagem, que começou a organizar e participar

das festividades de reinado, na praça do Rosário (hoje praça do Mercado).

O papa Pio XI proibiu o envolvimento e a aproximação de católicos com os ritos afros.

Em 1924, desmembrada de Mariana, foi criada a Arquidiocese de Belo Horizonte; o

arcebispo, D. Antônio dos Santos Cabral, perseguindo as festas de reinado, impunha a

excomunhão a quem ousasse desobedecer às ordens impostas. Liderados por José Aristides, o

grupo recebeu de alguns políticos – como Benedito Valadares – a garantia de que não seriam

perseguidos pela polícia. Após o falecimento de D. Cabral, as festas de congado voltaram a

ser realizadas em quase todo o estado de Minas Gerais.

Sem a liderança de José Aristides, que morreu em 1957, a Prefeitura de Divinópolis

negociou com a paróquia as áreas que pertenciam à Igreja e a área do cemitério, onde fora

construída a capela de Nossa Senhora do Rosário, para a construção do Mercado Municipal.

A capela foi demolida em nome do progresso e do desenvolvimento econômico e urbano de

Divinópolis; pois as festas de reinado não rendiam lucros e, naquela época, não tinham um

significado histórico e cultural. Com a demolição, as festas de congado ou reinado passaram a

acontecer nos bairros e comunidades rurais.

Houve uma orientação da política cultural, desenvolvida pelo governo federal nas

décadas de 1970 e 1980, com o objetivo de ampliar a noção de patrimônio e estimular a

participação social, proporcionando uma relação de colaboração entre Estado e sociedade.

Para corrigir a distorção existente nas políticas e práticas de preservação, a atual Constituição

brasileira estabeleceu a importância de diversos e significativos elementos formadores da

sociedade brasileira, admitindo a realidade histórica de que o Brasil é uma nação multirracial

e multicultural.

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Para preservar parte de sua memória, foi construída uma réplica da capela do Rosário,

em 1985, “um monumento símbolo ao Reinado de Nossa Senhora do Rosário, edificado sobre

o antigo cemitério do Largo do Rosário” (LOPES, 2006, p. 6–7). A construção da réplica foi

iniciativa do folclorista Vinícius Peçanha, com a contribuição de congadeiros da cidade, da

comunidade divinopolitana e da Prefeitura, que cedeu um pequeno terreno público no antigo

Largo do Rosário.

O Reinado do Rosário em Divinópolis representa uma de nossas tradições culturais, que apesar de várias dificuldades e oposições anteriormente enfrentadas permanece viva e fortalecida em toda cidade; ano a ano essa manifestação cultural ganha mais destaque e reconhecimento pelos que apreciam e valorizam a cultura regional mineira. (LOPES, 2006, p. 7).

Conhecer a forma de organização social e política presente nos grupos de congado,

bem como sua relação hierárquica, é perceber a possibilidade de construção de uma

identidade cultural por meio da expressão de uma tradição e memória coletiva de um grupo.

No capítulo seguinte, serão tratados a organização dos grupos de Congado, seus elementos,

símbolos e rituais que enfeitam e dão significados a essa manifestação ímpar de fé e

identidade.

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3. ORGANIZAÇÃO SOCIAL E POLÍTICA DOS GRUPOS DE CONGADO OU REINADO

Em Divinópolis, situada na região centro-oeste de Minas Gerais, a 119 km de Belo

Horizonte, acontecem diversas atividades culturais, como Festival de Corais, Concursos de

Conto e Poesia; além de várias apresentações folclóricas, entre as quais o reinado ou congado

desempenha importante papel. A festa em honra a Nossa Senhora do Rosário e aos santos

padroeiros das irmandades e de crença dos negros, tais como São Benedito e Santa Ifigênia, é

a expressão maior de tradição e fé. Divinópolis possui dezessete irmandades que promovem

as festas do congado anualmente; sua realização ocorre no período entre julho e outubro.

Sabendo-se que a origem dos grupos de congado ou reinado está associada à

Irmandade de Nossa Senhora do Rosário, é importante conhecer a estrutura de tal entidade,

sua função, regras ou normas de funcionamento e atuação; ou seja, o estatuto que a constitui.

As dezessete irmandades de Divinópolis possuem 33 guardas ou ternos. Há

irmandades em vários bairros da cidade e algumas na zona rural do município. Cada

irmandade possui uma ou mais guardas, rei e rainha perpétuos de Nossa Senhora do Rosário e

rei e rainha perpétuos para cada santo padroeiro da irmandade e um rei e uma rainha congos.

A mais antiga irmandade é a do largo do Rosário, cuja capela se iniciou em 1850, conforme

tratado no capítulo 2; esta irmandade mudou-se para o bairro Porto Velho para a construção

do Mercado Municipal.

A Irmandade de São Benedito e Nossa Senhora do Rosário, do bairro Espírito Santo,

foi fundada em primeiro de janeiro de 1972, e seu estatuto a traz como instituição civil de

direito privado, de caráter beneficente, tendo por finalidade, além de promover e fiscalizar a

Festa do Reinado e cuidar da capela de Nossa Senhora do Rosário, criar, difundir e fortalecer

o espírito de solidariedade, eqüidade e compromisso comunitário visando assistir socialmente

os mais necessitados. A administração da irmandade é composta de: Conselho

Administrativo, Diretoria Executiva e Conselho Fiscal.

Ao Conselho Administrativo, formado por 21 membros vitalícios, compete orientar e

superintender as atividades da irmandade, examinar e aprovar o relatório da Diretoria

Executiva e o balanço financeiro do Conselho Fiscal e eleger a Diretoria Executiva.

A Diretoria Executiva é composta de presidente, vice-presidente, dois secretários e

dois tesoureiros. O presidente representa a irmandade judicial e extrajudicialmente, ativa e

passivamente; zela pelo seu patrimônio e conceito. Autoriza despesas e assina recibos e

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cheques, com o tesoureiro; apresenta anualmente ao Conselho Administrativo o relatório das

atividades e o balanço financeiro.

O Conselho Fiscal é composto por três membros efetivos e dois suplentes. Examina o

relatório e as contas da Diretoria Executiva.

A receita da instituição constitui-se de auxílios e subvenções dos poderes públicos e

autárquicos, contribuições de associados, donativos e rendas diversas.

A hierarquia da irmandade é observada e respeitada.

Deve-se também conhecer a organização e hierarquia da festa do reinado, bem como

as guardas e todo o estado de coroas, ou seja, reis, rainhas, princesas e outros personagens.

3.1 Símbolos do Congado

O Congado, uma festividade afro-brasileira cuja simbologia rememora e celebra a

história do negro, traz vários personagens, símbolos, indumentárias, cânticos, danças e rituais

que compõem o discurso congadeiro. Interpretar esses símbolos permite-nos perceber a

organização e hierarquia que fundamentam e dão sentido à celebração e expressão maior de

fé, identidade e cultura de um grupo.

3.1.1 Bandeira do aviso

Hasteada quinze dias antes da festa, a bandeira de aviso anuncia a sua proximidade.

De cor branca, tendo como figura o símbolo maior do reinado de Nossa Senhora: a coroa. Em

torno da coroa vem escrito: “Reinado de Nossa Senhora do Rosário – Arraial Espírito Santo

do Itapecerica – 1.º de agosto de 1881”. Hasteada, aponta para o céu, interligando céu e terra,

criatura e Criador, sofrimento e glória.

3.1.2 Bandeiras dos padroeiros – hasteamento e descida

São hasteadas as bandeiras com seus respectivos padroeiros, a saber: Nossa Senhora

do Rosário, São Benedito (santo negro, padroeiro dos cozinheiros), Nossa Senhora Aparecida,

Santa Ifigênia, Nossa Senhora das Mercês e uma bandeira com a estampa do rosário. Ao

serem hasteadas, elevam-se súplicas, ações de graças, hinos e ladainhas. As promessas a

serem cumpridas no ano são lembradas. .”Aquele mastro fica em pé e cada pessoa que tenha

fé e que fez uma promessa vai cumprir na praça, pois não tem igreja” (PONTES, 2003, p. 15).

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O hasteamento lembra a elevação, a dignidade e a liberdade do negro. São Benedito, o

humilde, o negro que foi elevado à categoria de santo; o exemplo à resignação e obediência; a

fé em Nossa Senhora; o conforto ao sofrimento e alívio de suas dores. O céu fica colorido,

com fitas que adornam os mastros; a terra eleva-se, faz-se céu num coro uníssono. O

hasteamento e o posterior descendimento das bandeiras têm o significado da vida. O alto e o

baixo, as dores e o triunfo, os sofrimentos e alegrias; os momentos nos quais as pessoas são

rebaixadas ou elevadas, escravos ou reis.

De acordo com Costa (2006), o ato de levantar as bandeiras no átrio do templo

rememora o tempo no qual os negros não podiam entrar na igreja, e, portanto, o louvor à santa

era feito pelos congados do lado de fora da igreja em torno de uma fogueira e do mastro;

fazendo deste um símbolo de um passado de segregação que é rememorado e atualizado no

louvor e devoção das guardas e ternos. “Para muitos, mais do que anunciar a festa, o mastro

carrega a representação da santa originalmente festejada pelos escravos” (COSTA, 2006, p.

76).

3.1.3 Coroa

A coroa, o distintivo do rei, é um emblema de realeza e de poder que cria laços de

identidade de um grupo que vive sob a administração do soberano. A coroa é o símbolo dos

reis e rainhas congos e perpétuos. Somente esses são coroados; são vitalícios. É a nobreza, a

hierarquia suprema na festa de reinado.

3.1.4 Coroa Grande

As Coroas Grandes também são símbolos de realeza no reinado:

Demonstra na fronte de seus reis negros, a coroa da fé vigorosa, robusta, que resiste ao tempo, acreditando no seu valor interior, na sua dignidade ultrajada, elevando-se e enlevando-se, como ser criado e co-criador, inserido na natureza.

Viva, viva, viva a coroa sagrada Viva, viva, foi por Zambi abençoada. (OLIVEIRA, 1998,p.10).

São as coroas dos reis e rainhas (congos e grandes, que podem ser perpétuos ou

convidados); os reis e rainhas da coroa grande oferecem um almoço para os ternos, como

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pagamento de promessas. Geralmente são reis brancos; originam-se da participação de

pessoas de melhor condição financeira que apadrinhavam a festa e eram homenageadas.

3.1.5 Coroa de promessa

As coroas de promessa são coroas pequenas. Uma para cada promessa. É ornamentada

pela pessoa que fez a promessa. A consumação da graça alcançada por intermédio de Nossa

Senhora do Rosário e os santos negros. É o símbolo da fé, da confiança e da cura dos males

corporais e espirituais. A coroa de lágrimas e de sofrimento é substituída pela coroa da bênção

e da vitória.

3.1.6 Café e almoço

O café e o almoço são momentos de confraternização entre as guardas ou ternos,

oferecidos pelo rei e rainha da Coroa Grande. O banquete que une branco e negro, realeza e

súditos, numa festa a Nossa Senhora do Rosário.

3.1.7 Bandeira das guardas

Cada terno ou guarda possui uma bandeira com a imagem do padroeiro. Às vezes,

algumas guardas levam duas: uma com a imagem do padroeiro e a outra com a de Nossa

Senhora do Rosário. É carregada em cada apresentação, inclusive no ritual do almoço.

3.1.8 Cortejo

O cortejo compreende a corte real, composta por reis e rainhas da Coroa Grande, reis e

rainhas Perpétuos, reis Congos, demais reis e rainhas, a princesa Isabel e demais príncipes e

princesas, com suas respectivas guardas que os escoltam; os ternos, os carregadores do pálio

e das bandeiras. Formam um grande e solene cortejo que percorre as ruas e praças da cidade

para a realização de rituais que compõem o calendário da festa. No cortejo há uma disposição

das personagens durante o trajeto. Observando a hierarquia e a importância do personagem, as

irmandades organizam o cortejo. Há pouca variação nessa disposição entre uma irmandade e

outra. Observa-se a presença do cortejo real, com belos e ricos trajes, com capas

ornamentadas com uma imensa variedade de pedrarias, apenas no domingo, dia da grande

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festa, durante o trajeto que vai da catedral do Divino Espírito Santo para a praça do mercado,

onde se localiza a capela de Nossa Senhora do Rosário. O cortejo não se faz necessário ou

obrigatório nos outros dias da festa, ou seja, sexta e sábado.

Segundo Costa (2006), o uso das roupas apropriadas no domingo é um requisito

obrigatório para o cumprimento do dever e do louvor a Nossa Senhora do Rosário e São

Benedito. A autora informa que a roupa das guardas e ternos é também chamada de farda, a

qual marca a organização e hierarquia dos grupos, destacando-se com adereços a farda do

capitão, seu líder e comandante. A organização e hierarquia é uma metáfora militar, na qual

ficam evidentes os símbolos reconhecíveis de hierarquias, posições e poder de comando e de

subordinação.

Vale dizer que a metáfora militar acompanha os ternos de forma marcada, sobretudo no que tange ao vestuário e à dominação dos que ocupam posições de chefia no interior do grupo (como o capitão). O uso da metáfora pode ser decorrente dos militares serem emblemáticos da ordem e da hierarquia que se quer destacar no interior dos congados, fornecendo a todos e de forma amplamente compartilhada os símbolos reconhecíveis de posições e de poder (dominação e subordinação). (COSTA, 2006, p. 78).

3.1.9 Procissão

A procissão é realizada com as bandeiras e andores dos santos padroeiros. Simboliza a

caminhada do povo negro, suas lutas, conquistas e vitórias.

3.1.10 Missa conga

Abre a porta da igreja Congadeiro tá de fora Veio festejar São Benedito E também Nossa Senhora Tava dormindo Nossa Senhora mandou me chamar Acorda negro A escravidão acabou de acabar. (Apud COSTA, 2006, p. 87).

A missa conga é a aceitação e valorização da expressão de fé do povo negro. A missa

afro une-se, mistura-se na celebração tradicional da missa. Foi introduzida na liturgia romana

depois do Concílio Vaticano II. O que era proibido é aceito pela Igreja; o que era considerado

profano recebe as bênçãos sacerdotais. O que, antes excluído, é celebrado e festejado.

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3.1.11 Promesseiros

Promesseiros são as pessoas que, em decorrência de promessas, são encarregadas de

ornamentar as coroas pequenas e oferecem uma contribuição pecuniária para o custeio da

festa.

3.1.12 Festeiros

Os festeiros são os reis (brancos) que são convidados e fornecem a festa em forma de

donativos e almoço. Também são conhecidos sob a alcunha de Rei da Coroa Grande. Em

algumas irmandades são em número de doze (um casal para cada santo: seis

santos/bandeiras). Há uma relação entre os doze festeiros /reis e o número de doze estrelas da

auréola de Nossa Senhora.

3.1.13 Saudação ou bênção

É observada nos rituais da festa uma espécie de saudação e de pedido de bênção.

Geralmente é feita pelo capitão das guardas ao encontrar, nos rituais, pessoa de destaque e de

importância na hierarquia da festa (como reis, rainhas, mordomos). Cantando, faz uma

reverência, pede licença para pegar a mão da pessoa e pede a sua bênção. Dão as mãos,

elevam os braços formando um arco, fazem o sinal-da-cruz, uma genuflexão e ficam semi-

ajoelhados; fazem orações silenciosas. Depois dão um giro, sem soltar as mãos e repetem o

sinal-da-cruz.

3.2 Guardas, personagens e indumentárias

Na festividade congadeira diversas guardas e personagens com trajes luxuosos,

ricamente bordados com pedrarias e outros ornamentos, enfeitam as celebrações dando luz e

cor aos rituais. São reis e rainhas, príncipes e princesas, capitães e suas guardas. Cada grupo é

chamado de guarda ou terno e é regido por um capitão. Cada guarda busca a corte de seu

padroeiro para levá-la, em procissão, à missa e outros rituais. Reis e rainhas, congos ou

perpétuos, só podem ser conduzidos e escoltados pela guarda de Moçambique, a mais

importante, observando-se e respeitando-se a hierarquia.

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Em Divinópolis há 33 guardas. As mais comuns são: Moçambique, Congo, Catopé,

Marinheiro e Vilão.

3.2.1 Moçambique

O Moçambique é o terno mais importante, graças, talvez, à lenda de Nossa Senhora na

gruta ou no mar. É encarregado de escoltar o estado de coroas, ou seja, reis e rainhas, o

reinado de Nossa Senhora. Tem a missão de buscar a coroa grande no dia da festa. “Dizem

que era o preferido de Chico Rei” (OLIVEIRA, 1998, p.11).

A guarda de Moçambique da Irmandade de São Benedito e Nossa Senhora do Rosário,

do bairro Espírito Santo, em Divinópolis, usa traje branco com faixa e boina marrom, cor do

hábito de seu padroeiro, o franciscano São Benedito. Dançam e cantam com instrumentos

musicais como a gunga (chocalhos amarrados aos tornozelos), a patagunga (chocalho de

mão), o tambor e outros.

De acordo com Maria de Lourdes Borges Ribeiro no Caderno de Folclore n.º 32, este

terno pode, de acordo com seus elementos estruturais, ser classificado em dois tipos:

autônomo, com manejo de bastões; e sem manejo de bastões, “geralmente integrando

determinado modelo de Congada (ou Congado), quando se alia a um ou mais grupos afro-

brasileiros” (RIBEIRO, 1981, p. 3), como congos, catopés, marinheiro e outros. Somente o

capitão do Moçambique possui um pequeno bastão, ritualmente confeccionado e “bento” para

“puxar”, conduzir, proteger e escoltar os reis e rainhas nos rituais. É um objeto mágico.

3.2.2 Catopé

O terno de Catopé tem a função de alegrar a festa. Seus componentes usam caixas,

tambores, sanfonas. Indumentárias de cores alegres relacionadas com Nossa Senhora ou com

o santo padroeiro. É a influência do indígena africano nas irmandades do Rosário.

Antigamente este terno usava um manto e um cocar.

3.2.3 Marinheiro

O componentes da guarda de Marinheiro vestem-se de marinheiro, com roupas

brancas e azuis. Simbolizam a viagem marítima dos escravos africanos ao Brasil. Usam

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instrumentos de percussão. Trazem um rosário à cintura, lembrando a confiança em Nossa

Senhora do Rosário na travessia dos mares da vida.

3.2.4 Vilão

O Vilão é a mais nova das guardas; à frente, abre caminho para a passagem do cortejo,

além de enfeitá-lo, dançando com bastões ou varas enfeitadas com fitas coloridas. Usam como

instrumentos caixa, acordeão e marcam o ritmo batendo as varas.

3.2.5 Capitão

O Capitão, ao centro, comanda sua guarda, dançando e cantando nos rituais. Tem um

rosário diagonalmente colocado ao peito e sua faixa possui um crucifixo. Traz ao tornozelo a

gunga e, nas mãos, um bastão com flores; com um apito faz a marcação do ritmo e das

danças. É o personagem mais importante dentro das guardas.

3.2.6 Rei e Rainha Perpétuos

O Rei e a Rainha Perpétuos constituem o reinado perpétuo, vitalício, transmitido aos

descendentes. Os trajes reais luxuosos, capas bordadas, lembram reis, rainhas e imperadores

lusitanos dos séculos anteriores e reis dos países africanos em celebrações e rituais próprios

daqueles povos.

3.2.7 Rei Congo e Rainha Conga

O Rei Congo e a Rainha Conga compõem um casal real para cada guarda ou cada

padroeiro. Participam do reinado de Nossa Senhora. Obrigatoriamente negros, são também

chamados de Rei Preto e Rainha Preta. Não são coroados todos os dias das celebrações;

manifestam-se, apresentando-se coroados às festividades. Simbolizam o rei do Congo e a

rainha Nzinga. As indumentárias reais são deslumbrantes e ricamente ornamentadas com

pedrarias.

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3.2.8 Rei e Rainha da Coroa Grande

O Rei e a Rainha da Coroa Grande são brancos; representam, na festa, a confirmação

da alforria, vindo, às vezes, no cortejo, atrás da Princesa Isabel – o branco e o negro numa

troca simbólica de poder.

São reis de promessas ou convidados. Fornecem café e/ou almoço para as guardas.

Possuem um reinado que é renovado anualmente.

3.2.9 Mordomos

Os mordomos são os donos e responsáveis pelas bandeiras dos padroeiros.

Ornamentam-nas para o ritual de hasteamento e oferecem um lanche para as guardas depois

do ritual, na sexta-feira.

3.2.10 Princesa Isabel

Depois de Nossa Senhora e o padroeiro, A Princesa Isabel é a mais exaltada, venerada

e idolatrada. Apenas uma para todas as guardas da irmandade e para todos os dias da festa.

Escolhida, convidada e convocada uma linda jovem para representar aquela que libertou os

escravos. Durante as celebrações carrega um livro dourado, simbolizando a Lei Áurea por ela

assinada. Usa belos vestidos de festa, um para cada dia da festa.

Ó meiga, glória redentora, nossas almas cantam Glória Isabel, Glória Redentora, Glória os heróis da abolição. (TERNO DE MARINHEIRO).

3.2.11 Príncipes e princesas

Como príncipes e princesas, crianças ou jovens, por promessa ou convidados,

participam do reinado de Nossa Senhora. Nas procissões fazem parte do cortejo real,

acompanhando e escoltando reis e rainhas. Vestem-se de nobres, trajando roupas luxuosas.

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3.3 O ritual

Todas as irmandades organizam as suas festividades em honra a Nossa Senhora do

Rosário e a seu padroeiro, São Benedito, e outros santos, a saber: Nossa Senhora das Mercês,

Nossa Senhora Aparecida e Santa Ifigênia. A irmandade é convidada a participar dos festejos

de outra irmandade e, assim, participa e contribui nos rituais das comemorações de tal festa,

que acontece de julho a outubro, percorrendo todos os bairros e localidades do município,

numa demonstração de resistência, devoção e fé indescritíveis. Geralmente a festa se organiza

da seguinte forma:

– Bandeira do aviso – quinze dias antes da festa (segunda-feira).

– Novena- nove dias que antecedem o 1º dia da festa.

– 1.º dia: dia do mordomo ou dia das bandeiras (sexta-feira).

– 2.º dia: dia das coroas pequenas ou promessas (sábado).

– 3.º dia: dia da festa de Nossa Senhora do Rosário e São Benedito (domingo).

3.3.1 Hasteamento da bandeira do aviso

Os participantes da festa reúnem-se na casa do mordomo da bandeira, em volta de um

altar no qual se encontram a bandeira ornamentada, imagens de Nossa Senhora do Rosário,

São Benedito e outros padroeiros, velas e flores. É feita a reza do terço. Em seguida, as

guardas vão, uma a uma, entrando na casa e aproximando-se do altar com cânticos, danças,

respeito e fé. Louvam a santa coroa estampada na bandeira, Nossa Senhora do Rosário e os

padroeiros. Fazem reverência aos mordomos. Moçambique, a última guarda a fazer o ritual,

conduz o cortejo com a bandeira para o átrio da capela do Rosário, onde será hasteada.

Durante o trajeto, as guardas dançam e cantam ao som de atabaques e outros

instrumentos. A bandeira do aviso é carregada pelo mordomo desta e escoltada por outros

mordomos debaixo do pálio (usado em procissões e rituais de celebrações católicas).

Ao chegar ao local determinado, a bandeira é hasteada num ritual de sons, cores e

preces. Os capitães e suas guardas benzem a bandeira, fazem flexões e genuflexões, cantam,

dançam, louvam e elevam preces e súplicas a Nossa Senhora e aos padroeiros; pedem

proteção e bênçãos para as guardas e a festa que se aproxima.

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3.3.2 Novena

A novena compreende os nove dias que antecedem a festa. É feita na capela, com reza

do terço, cânticos e orações a Nossa Senhora do Rosário. Em algumas irmandades a novena é

feita nas casas, para as quais é levada a imagem, em procissão.

3.3.3 Dia do mordomo

As bandeiras para a procissão e o hasteamento ficam em um altar na casa de um dos

mordomos. No altar, sobre um forro de renda branco, imagens e bandeiras dos santos e

padroeiros mencionados anteriormente, flores e velas. Ao lado do altar, os mordomos e um rei

perpétuo, o sr. Marcos Antônio Gomes, que também é mordomo da bandeira de Nossa

Senhora das Mercês.

Uma a uma, as guardas chegam; cantando e dançando, homenageiam os padroeiros,

fazem genuflexão e flexão de joelhos diante do altar. Suas músicas fazem referência a Nossa

Senhora do Rosário, São Benedito e aos outros padroeiros. Cantando, prestam homenagem

aos mordomos. Reverenciam o Rei Perpétuo; cantando, o capitão pede licença para pegar a

mão de tão ilustre e máxima representação do rosário de Maria. Os dois dão as mãos,

ajoelham-se e, com os olhos fechados, fazem orações silenciosas. O rei, com as mãos

entrelaçadas às do capitão, se benze fazendo o sinal-da-cruz e, em seguida, repete o gesto,

abençoando o capitão. Este, ao levantar-se, agradece com cânticos a bênção recebida.

A última guarda, o Moçambique, dança, reza, faz semelhante ritual das guardas

anteriores e conduz as bandeiras, carregadas pelos mordomos debaixo do pálio, para o

hasteamento no átrio da capela de Nossa Senhora do Rosário.

À frente da procissão, as guardas vão cantando, dançando, tocando instrumentos e

louvando Maria, representada na figura de Nossa Senhora do Rosário, e os demais padroeiros.

Ao final da procissão vem a guarda de Moçambique conduzindo com cânticos os mordomos e

as bandeiras. Ao chegar à praça da capela, as bandeiras são cuidadosamente colocadas em um

altar, ao lado do andor todo ornamentado com a imagem de São Benedito. Há a celebração de

uma missa.

Após a missa, acontece o hasteamento das bandeiras, à direita da bandeira do aviso, na

seguinte ordem: Nossa Senhora do Rosário, São Benedito, Santa Ifigênia, Nossa Senhora das

Mercês e Nossa Senhora Aparecida. Os mastros são estendidos no chão e cada mordomo

coloca-se no respectivo lugar no qual sua bandeira será hasteada. As guardas cantam e

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dançam em volta de cada mastro. O hasteamento é feito começando da última para a primeira

bandeira, conforme hierarquia citada acima; acontecendo idêntico ritual narrado no

hasteamento da bandeira do aviso. O capitão de Moçambique, com seu bastão, gerencia e

autoriza o levantamento de cada bandeira. O capitão de cada guarda, com seu instrumento e a

flâmula com a estampa do padroeiro, benze o mastro. Preces e cânticos são elevados aos céus.

Os sinos repicam. Os mordomos, numa expressão de fé, ajoelham-se ao pé do mastro;

abaixam a cabeça e, numa prece, o olhar é elevado ao céu. Velas acesas são colocadas ao pé

de cada mastro.

Depois deste rito é oferecido, pelos mordomos, um lanche ou um jantar para todos.

No bairro Espírito Santo, o mastro de Nossa Senhora do Rosário e de São Benedito é

hasteado no sábado. O mastro de madeira com a imagem, também de madeira, dos respectivos

santos é hasteado a 14 m de altura. E os mordomos do mastro oferecem um “café de São

Benedito” na manhã de domingo.

3.3.4 Recolhimento das coroas pequenas

É feito pelas guardas o recolhimento das coroas pequenas, que simbolizam as

promessas feitas. As guardas vão às casas dos promesseiros para buscá-los e escoltá-los para a

capela. As coroas são enfeitadas com pedras e outros ornamentos e acomodadas em

almofadas de cetim. São colocadas no altar da capela, aos pés de Nossa Senhora do Rosário e

de São Benedito. Este ritual é também realizado na manhã de domingo, dia da grande festa.

3.3.5 Translado das imagens

É realizada uma procissão levando os andores com as imagens de Nossa Senhora do

Rosário e de São Benedito. Nesta procissão, cumpre-se o mesmo ritual do hasteamento, com

as guardas dançando e cantando até a catedral do Divino Espírito Santo. As imagens são

depositadas num altar, neste templo, onde permanecem até o dia seguinte, domingo.

3.3.6 Almoço

Ao término do recolhimento das coroas pequenas, as guardas participam de um

almoço, geralmente oferecido pelo rei ou rainha da Coroa Grande. As guardas, trazendo suas

flâmulas, vão chegando, uma a uma, dançando, cantando e tocando seus instrumentos. Cada

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guarda, num solene ritual, é recebida pelo rei ou rainha, à porta de sua casa. A rainha, com

belos e luxuosos trajes, com uma linda almofada na qual se encontra a coroa grande, recebe,

com cânticos do capitão, as homenagens e reverências. O capitão da guarda de Moçambique e

a rainha fazem o ritual da bênção (já mencionado). Todos beijam e reverenciam as flâmulas e

a Coroa Grande. Os capitães, cantando, pedem licença para entrar e participar do almoço.

Cantam e rezam antes da refeição. Ao terminar, repetem o ritual da chegada; cantando e

dançando, agradecem a acolhida e a refeição oferecidas e despedem-se da rainha ou do rei.

3.3.7 Procissão e cortejo

Todas as guardas e todo o estado de coroas (reis e rainhas congos, reis e rainhas

perpétuos, reis e rainhas dos padroeiros e príncipes, princesas) luxuosamente vestidos se

reúnem na catedral, onde estão as imagens dos padroeiros, para começarem a procissão e o

cortejo até a praça da capela de Nossa Senhora do Rosário, onde será realizada a missa conga.

Na irmandade do bairro Espírito Santo, o Moçambique escolta e busca na residência cada rei

e rainha, levando-os para a capela, de onde saem em cortejo. Em entrevista não estruturada,

Marcos Antônio Gomes disse que isto é o correto, o tradicional. Na praça do Mercado, porém,

não é feito conforme essas prescrições.

Forma-se um belo cortejo no qual as guardas com suas indumentárias coloridas vão

cantando, dançando e tocando seus instrumentos. À frente, o Vilão vai abrindo o cortejo,

enfeitando-o, dançando com varas num ritmo e coreografia simetricamente harmoniosos.

Vem trazendo a Princesa Isabel e as princesinhas. O Moçambique, como de costume, vem

escoltando o estado de coroa, ou seja, reis, rainhas, dispostos hierarquicamente: reis congos e

reis perpétuos e convidados, observando-se os santos aos quais representam. Ao final do

cortejo, os andores com as imagens dos padroeiros, ricamente ornamentados. Nota-se a

participação de guardas de outros bairros e irmandades. São luzes, cores, tons e sons

compondo o cortejo, que, louvando, cantando e dançando, celebram a fé em Nossa Senhora

do Rosário e São Benedito.

Ao chegar à praça da capela, os sinos repicam; ouve-se o estouro de fogos de artifício.

Há um altar onde o sacerdote acolhe os reis, rainhas, príncipes e princesas, que se sentam em

tronos especialmente feitos e ornamentados para eles. Os andores são colocados ao lado do

altar. As guardas posicionam-se pela praça. Muitas pessoas que acompanharam a procissão ou

esperavam na praça aguardam a celebração da missa conga.

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Observa-se, no cortejo da irmandade do bairro Espírito Santo, que a princesa Isabel é

carregada em uma liteira por negros. E também há a imagem de “Santa” Isabel em uma

carruagem carregada por negros.

3.3.8 Missa conga

A missa conga segue o missal romano, a liturgia da Igreja Católica. Os cantos são

feitos pelas guardas ao som de tambores e outros instrumentos. No bairro São José, observa-

se que, antes da bênção final, o capitão da guarda de Moçambique, com seu cântico, exalta e

venera a Princesa Isabel, que num solene ritual faz a leitura da Lei Áurea. Seus cantos são um

lamento. Rememoram a história do negro, desde o tempo do cativeiro, da escravidão.

Ajoelhado aos pés da princesa, agradece-lhe a libertação. Numa emoção incontida, grita

“viva” à liberdade, à Princesa Isabel, a Nossa Senhora do Rosário e a São Benedito. A

assembléia responde. Os tambores ecoam. As guardas cantam e dançam. Já na praça do

Mercado, essa homenagem à Princesa Isabel é feita depois da missa, simultaneamente com o

ritual do descimento das bandeiras.

Dificilmente há coroação de reis, pois somente os congos e perpétuos são coroados e

estes são vitalícios (os reis convidados não são coroados). Quando há esse ritual, o sacerdote

faz um rito para a bênção das coroas e cetros, e o capitão de Moçambique realiza a coroação,

proferindo palavras e orações ao som de cantos e instrumentos das guardas.

Ao final da missa, o sacerdote abençoa a todos que participaram dessa manifestação de

fé e devoção.

O presidente da irmandade agradece a todos pela realização da festa em honra a Nossa

Senhora do Rosário e São Benedito.

3.3.9 Descimento das bandeiras

Encerrando as festividades, é feita a retirada de todas as bandeiras que foram hasteadas

na praça. Usa-se ritual semelhante ao do hasteamento (descrito anteriormente).

Vou descer nossa bandeira Em todo nosso coração Você, nossa bandeira fais nóis chorá A alegria dêxa nóis chorá Tocando nossa viola, ai, ai, ai

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Pr’essas bandeira, pr’essas bandeira. Meus irmãos, comigo aqui, adeus. Vô embora, adeus, adeus, adeus. (Apud BARBOSA, 2005, p. 37). Essa festa não termina, ai, ai, ai, Se esta festa terminar, ai, ai, ai. (ORALIDADE).

3.4 Memória coletiva

Vou contar-lhe uma história Peço, preste atenção; É uma história muito antiga Do tempo da escravidão. (ORALIDADE).

As formas de organização social e política presentes no congado ou reinado, bem

como a hierarquia observada e respeitada na irmandade e nos grupos de congado apontam

possibilidades de constituição e manutenção de uma memória coletiva.

Michael Pollak (1989, p. 10), citando Maurice Halbwachs, em seus estudos históricos,

diz que muito mais do que um fenômeno individual, a memória é também construída coletiva

e socialmente. Tanto a memória individual como a coletiva possuem diferentes elementos

constitutivos e fenômenos de projeção e transferência nos quais o indivíduo cria uma

identificação e um pertencimento a um grupo. Acontecimentos, personagens e lugares estão

inseridos numa coletividade à qual se pertence por herança e identificação com uma memória

estruturada e em reconstrução.

Torna-se possível tomar esses diferentes pontos de referência como indicadores empíricos da memória coletiva de um determinado grupo, uma memória estruturada com suas hierarquias e classificações, uma memória também que, ao definir o que é comum a um grupo e o que o diferencia dos outros, fundamenta e reforça os sentimentos de pertencimento e as fronteiras sócio-culturais. (POLLAK, 1989, p. 3).

De fato, toda simbologia encontrada no congado celebra o passado do negro. Pela

memória, o grupo cria laços de identidade, continuidade e aceitabilidade, reforçando a

memória coletiva de um povo, de uma nação. A lembrança da mãe África, simbolicamente

representada por reis, chefes, costumes e tradições cria uma comunidade afetiva à qual todos

pertencem, constituindo um mesmo grupo, uma mesma memória. É a memória coletiva de

um povo: tradições, crenças, costumes, regras de interação, folclore, música, datas,

personagens históricos, símbolos e outros diferentes pontos de referência.

A nação, para Pollak (1989), é a forma organizadíssima de um grupo e a memória

nacional é a forma mais completa de uma memória coletiva, na qual há uma interação, “um

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processo de negociação para conciliar memória coletiva e memórias individuais” (POLLAK,

1989, p.7). E, nessa negociação, nesse conflito entre memórias, fica evidente a manifestação

de uma memória subterrânea, isto é, dos marginalizados, da minoria, que aflora no espaço

público rompendo o silêncio e criando uma forma de transformação e recriação de uma

memória coletiva. São ressentimentos e silêncios acumulados de uma memória de dominação

e sofrimento que se exprimem no discurso de alusões e metáforas que ecoa por meio de

figuras e símbolos presentes nas festividades do congado, colocando o passado e o presente, a

dança e a música, a tradição e a memória numa celebração da fé e da identidade cultural de

um grupo.

Pela vivência das tradições “há uma permanente interação entre o vivido e o

aprendido, o vivido e o transmitido” (POLLAK, 1989, p. 12), para reforçar e reafirmar os

laços de pertencimento a um grupo, a uma memória. A festa de congado ou reinado é um

momento de memória no qual se percebe que o passado é revivido simbolicamente,

contribuindo para a afirmação de uma identidade. E, nesse momento, são revividos alguns

costumes e crenças da cultura africana, mesclados com alguns fragmentos da cultura

portuguesa, herdados da relação entre os dois países. A relação monárquica e hierárquica, o

prestígio e o reconhecimento do reino do Congo, a resistência, a força e a religião de um povo

que se uniu ao Catolicismo. Pois, de acordo com Souza, “a conversão foi muitas vezes

almejada como forma de incremento do poder dos chefes, que geralmente incorporavam os

novos hábitos, sem abrir mão dos antigos, praticando várias formas de cristianismo africano”

(2006 p. 305).

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4. MITO E IDENTIDADE

Na festa de reinado há a celebração simbólica de um reino com suas tradições,

hierarquias e crenças. Nessa celebração, eventos, fatos históricos e personagens são

miticamente representados e evocados. O mito faz-se presente.

Para Mircea Eliade (1994, p. 11), conceituar e definir o mito de forma compreensível e

acessível aos eruditos e não-especialistas não é fácil. Sendo o mito uma realidade cultural

extremamente complexa, esta pode ser abordada e interpretada por meio de perspectivas

múltiplas. Para o autor, a definição mais ampla e, portanto, menos imperfeita é que o mito

conta uma história sagrada na qual, graças a forças sobrenaturais, uma realidade, um

comportamento humano ou os seres passaram a existir desde o princípio. É a narrativa de uma

criação.

Eles [os heróis míticos] são conhecidos, sobretudo, pelo que fizeram no tempo prestigioso dos “primórdios”. Os mitos revelam, portanto, sua atividade criadora e desvendam a sacralidade (ou simplesmente a “sobrenaturalidade”) de suas obras. Em suma, os mitos descrevem as diversas, e algumas vezes dramáticas, irrupções do sagrado (ou do sobrenatural) no mundo. É essa irrupção do sagrado que realmente fundamenta o mundo e o converte no que é hoje. (ELIADE,1994, p. 11).

O mito é a forma de explicar a origem das coisas e do mundo, os acontecimentos da

vida ou até mesmo a realidade por meio de histórias sagradas, deuses e heróis que são

considerados criaturas sobrenaturais das quais provêm o equilíbrio e a confiança, por meio de

ações mágicas e adorações de deuses e objetos tidos como sagrados. As ações dos heróis ou

deuses sobrenaturais são vistas como um modelo exemplar e devem ser ritualizadas, pois o

rito, como as danças, cerimônias e outras, é a forma de colocar em ação o mito na vida do

Homem.

O mito, para Eliade, é considerado uma história sagrada e, portanto, verdadeira,

tornando-se o modelo exemplar de todos os ritos e atividades humanas significativas; por

meio dele se constitui um conhecimento de ordem esotérica acompanhado de um poder

mágico-religioso que é possível reproduzir, o que se torna uma proclamação e uma

demonstração do próprio conhecimento que é vivido ritualmente. Não se trata de uma

comemoração dos eventos míticos, mas sim de sua reiteração pela memória, “já que a

memória é considerada o conhecimento por excelência. Aquele que é capaz de recordar

dispõe de uma força mágico-religiosa ainda mais precisa do que aquele que conhece a origem

das coisas” (ELIADE, 1994 p. 83).

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Pela memória, um grupo, como no congado ou reinado, por meio de danças e rituais

simbólicos, faz a resignificação ou representação de uma tradição mítica, dando sentido à

realidade e buscando construir sua identidade e sua história. Com base nas idéias de Mircea

Eliade, Marina de Mello e Souza vê a congada:

Como rito que relembra o tempo mítico do princípio, o ato primordial da transformação do caos em cosmos pela criação divina, a passagem do indiferenciado para o diferenciado. O mito, comemorado pela festa, seria o modelo exemplar que dá sentido à realidade. A sua representação periódica se ligaria à necessidade de renovação, de restauração momentânea do tempo primordial, ao qual o homem é projetado por meio da imitação ritual dos arquétipos. (2006, p. 307).

É a volta à origem, um regressus ad uterum; um novo nascimento e neste, a

possibilidade de participação na sacralidade e o enriquecimento de valores culturais; ou seja,

pelo rito do congado, celebra-se um passado mítico, dos ancestrais, dos tempos dos

primórdios na “África-mãe”, e a representação deste modelo exemplar carrega o desejo de

restauração, mesmo que momentânea, de uma realidade na qual há a possibilidade de

transformação e renovação pelo sagrado. A interação com o sagrado possibilita uma

interpretação da realidade e a representação ou imitação de um modelo mítico enriquece e

fortalece os valores culturais de um grupo.

Na festa de congado, o mito fundador ‘’remete à história do Congo e a D. Afonso I, à

importância da conversão ao cristianismo para alguns chefes africanos e à catequese, que

andava de mãos dadas com a escravização “(SOUZA, 2006, p. 308). A autora coloca que o rei

congo, no congado, simboliza D. Afonso I, ou seja, a soberania e a hierarquia de um reino:

D. Afonso I foi a mais importante personalidade histórica do reino do Congo, sendo

imortalizado pela tradição oral, (...) fez dele um mito. E foi como mito que ele reapa-

receu no Brasil, já sem nome, mas também como fundador de uma nova sociedade,

de uma comunidade negra católica. Deixando de ser D. Afonso e se tornando rei

congo . (SOUZA,2006,p.306)

Podemos acrescentar à fala da autora que o rei congo também remete à figura de Chico

Rei. Simboliza a resistência e a força, a soberania de um rei africano que tornando-se escravo,

voltou a ser rei de um povo. Simboliza, principalmente, a manutenção e o resgate da

identidade, dos costumes e crenças do reino africano.

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É um personagem complexo, ambivalente, carrega uma dupla significação. Ele é ao

mesmo tempo a personificação do sagrado e do profano. Pois, o rei congo, ao simbolizar dois

personagens (D.Afonso e Chico Rei), ele personifica o catolicismo, o sagrado. E,

simultaneamente, a idolatria, o resgate da religião africana que se encontra no personagem

Chico Rei. Ele, o rei congo, é a representação simbólica do rei e do escravo, do soberano e do

vassalo, da similaridade e da articulação da diferença, da mistura, do hibridismo, “da

recuperação da africanidade sob o manto do catolicismo” (SOUZA, 2006, p. 309).

No conceito de hibridismo elaborado por Bhabha, a construção e a representação da

identidade do sujeito, um ser de valores e verdades que se questiona, se relativiza, é carregada

de duplicidade e ambigüidade. E é essa duplicidade e ambigüidade que caracterizam o

hibridismo e o valorizam como elemento da linguagem e, portanto, da representação. Não há,

assim, um discurso ou descrição autêntica sobre o sujeito, o qual se constitui de diferenças,

contradições e ambivalências elaboradas e construídas no contexto social, histórico e

ideológico. Para o autor, é no contexto das condições sócio-históricas que ocorre a produção e

a interpretação; ou seja, é no lócus da enunciação ou “terceiro espaço” que interagem

contradições e conflitos lingüísticos e culturais, surgindo o hibridismo.

O Rei Congo, na festa do congado, representa, ainda, o sincretismo religioso, que

também pode ser chamado de hibridismo religioso e é a tentativa de conciliar crenças opostas

ou díspares. Ou seja, a combinação, a adaptação de traços e manifestações de duas culturas

que forma uma nova e rica manifestação.

Ao lado do rei congo há a Rainha Conga, que recorda a figura da rainha Nzinga. Esta

também é uma personagem com dupla significação, ambígua e complexa, tal como o rei

congo. Ela representa a resistência e autonomia, uma dupla identidade étnica (ambundos e

jagas) à qual elementos estrangeiros (lusos) foram incorporados: usos e hábitos e também o

Cristianismo. Nesse ponto, na aceitação do sagrado oferecido pelos portugueses, assemelha-se

a D. Afonso; na luta e resistência pelos costumes de seu povo, pela preservação da idolatria

aos deuses da religião africana, assemelha-se a Chico Rei. Ela também é, como o rei congo, o

encontro de duas culturas, a valorização e a aceitação dessa mistura, dessa adaptação de

crenças e costumes.

O casal congo é o mais importante na hierarquia do congado; pois nele se encontra a

celebração do hibridismo afro-brasileiro.

Outro ponto de construção da identidade, de preservação de uma tradição e uma

hierarquia é o capitão da guarda de Moçambique. Ele relembra a guarda real dos reis

congoleses, que os escoltavam e protegiam. E, muito mais que um vassalo real, ele é a

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combinação do sagrado com o sobrenatural. Ele é também uma personagem complexa, com

ambígua e dispara significação. Na figura do capitão de Moçambique está, assim como no

casal congo, a reinvenção da identidade africana, dos costumes do reino do Congo, aliados

hibridamente aos costumes e crenças aprendidas com os portugueses e vivenciadas em solo

brasileiro. No congado, seu bastão sagrado que conduz o cortejo real e autoriza o hasteamento

e descimento das bandeiras lembra um nkisi (PARREIRA, 1990,86), um objeto sagrado usado

no Congo em ritos religiosos e na comunicação com o mundo sobrenatural, em que habitam

os deuses e toda a fonte de conhecimento. O capitão representa um líder espiritual, um

ritualista responsável pelas relações do homem com a natureza e guardião das instituições

sociais; aquele que legitimava o poder do reino do Congo ao entronizar o novo chefe, o novo

rei. Esses líderes eram chamados de “nganga” (p.84) nas terras africanas e carregavam um

bastão como distintivo de seu poder. Assim, o capitão exerce as funções de um líder religioso

africano: todo o ritual é conduzido pelo instrumento que possui; sem esquecer que é ele que

realiza a coroação do novo rei (congo ou perpétuo) nas festividades do congado, exercendo aí

a função de um sacerdote, o Mani Vunda. Ritualista e sacerdote, uma personagem

ambivalente na qual o profano e o sagrado se manifestam.

Desta forma, o capitão conduz e realiza o encontro de duas manifestações religiosas,

de duas culturas que, de forma híbrida, se adaptaram. Ele conduz o rei negro e o rei branco

num festivo cortejo que celebra esse hibridismo, essa mistura em uma manifestação de louvor

e fé a Nossa Senhora do Rosário. Ele também é um elo de construção de uma identidade e de

uma memória coletiva.

A festividade do congado, além de ser um momento de uma memória coletiva, é, ao

mesmo tempo, um instante no qual a identidade se constitui e se representa pela tradição. Essa

tradição busca a preservação da manifestação da cultura e do sujeito, híbridos pela

colonização, pela escravidão e pelo processo de exclusão das populações negras.

A congada pode ser vista como uma forma particular de conceber e transmitir a história, permeada de ritos religiosos e mitos que fundamentam crenças e comportamentos, pois a história pode ser guardada e transmitida de modos diferentes, característicos de sociedades diversas, que constroem a memória à sua maneira própria. (SOUZA, 2006, p. 315).

Bhabha procura explicar os sentimentos duplos e ambíguos de superioridade e

inferioridade criados na relação de colonização, no confronto entre a representação da

identidade do colonizado e do colonizador. Para descrever o sujeito colonial e a linguagem

utilizada para representá-lo ou representar sua identidade, o autor explica que não há um

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discurso puro ou autêntico, visto que nesse complexo jogo de diferenças, a descrição e a

linguagem trazem marcas dos dois discursos: o do colonizador e o do colonizado. Lançando

mão de uma estratégia desconstrutivista, ele valoriza o hibridismo tanto na linguagem como

na representação; e, para analisar esse sujeito colonial, o teórico expõe as metodologias

usadas pelas literaturas coloniais: a análise de imagens e a análise ideológica.

Baseado no trabalho de Fanon, o autor aponta três pontos relevantes na construção da

identidade em contextos culturais, a saber: a alteridade, a cisão e a identificação. O primeiro

aborda a relação de desejo para com uma alteridade, ou seja, a construção da identidade de

um sujeito está entrelaçada em um desejo em direção ao outro, ao lugar do outro, ao desejo

que o colonizado tem de inversão, de ocupar o lugar do colonizador. E, no outro extremo, há o

medo do colonizador, a ameaça de perder seu lugar de prestígio e hierarquia. A identidade de

um é representada em relação ao lugar do outro.

É sempre em relação ao lugar do outro que o desejo colonial é articulado: o espaço fantasmático da posse, que nenhum sujeito pode ocupar sozinho ou de modo fixo e, portanto, permite o sonho da inversão dos papéis. (BHABHA, 1998, p. 76).

A cisão refere-se ao espaço dessa relação, marcado pela alteridade e pela duplicidade,

espaço do qual surge o desejo ambíguo da vingança que provoca o processo de cisão. É o

desejo do colonizado de alcançar a posição de superioridade do colonizador, sem se desligar

de sua condição, pois o desejo de vingança do colonizado é ver-se como colonizado ocupando

o lugar de seu colonizador. “O preto escravizado por sua inferioridade, o branco escravizado

por sua superioridade, ambos se comportam de acordo com uma orientação neurótica”

(BHABHA, 1998, p. 74). Essa vontade de vingança, essa perversão traz uma identidade

representada em torno da idéia de um sujeito alienado: “não o eu e o outro, mas a alteridade

do Eu inscrita no palimpsesto perverso da identidade colonial” (BHABHA, 1998, p. 75).

O processo de identificação parte do princípio de que a afirmação de uma identidade

nunca é preexistente e pressuposta. A identificação é uma produção de uma imagem de

identidade que surge da transformação do sujeito ao aceitá-la; é acompanhada pela

ambivalência, pelas contradições e tentativa agonística de transformar o sujeito. E este sujeito,

dentro desse processo de imagem de identidade, veste uma máscara para apropriar-se de uma

imagem, mas entre esta e a pele fica uma lacuna, um espaço. A imagem, então, não é

autêntica; é ambígua e conflitante. “Ela é encenada na luta agônica entre a demanda

epistemológica, visual, por um conhecimento do Outro e sua representação no ato da

articulação e da enunciação” (p. 85). Ou seja, no processo de identificação, a angústia e a

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cisão surgem na percepção do espaço intersticial e relacional entre imagem (máscara) e a pele.

A percepção desse espaço leva o sujeito a esforçar-se para apagar a distância inapagável entre

a máscara e a pele, tentando buscar uma imagem autêntica.

A questão da identificação nunca é a afirmação de uma identidade pré-dada, nunca uma profecia autocumpridora – é sempre a produção de uma imagem de identidade e a transformação do sujeito ao assumir aquela imagem. A demanda da identificação – isto é, ser para um outro – implica a representação do sujeito na ordem diferenciadora da alteridade. A identificação é sempre o retorno de uma imagem de identidade que traz a marca da fissura no lugar do Outro de onde ela vem. (BHABHA, 1998,p. 76).

Desta forma, os usuários da linguagem (colonizado e colonizador), vendo a imagem

como ponto de identificação no qual é construído a sua alteridade, fazem uso da mímica, uma

estratégia para realizar e concretizar o seu desejo de alteridade e de cisão. O hibridismo

encontrado nesse processo de mímica revela a ambigüidade da imagem, que é ao mesmo

tempo “a representação espacialmente fendida – ela torna presente algo que está ausente – e

temporariamente adiada: é a representação de um tempo que está sempre em outro lugar, uma

repetição” (BHABHA, 1998, p. 85). Essa ambigüidade, esse hibridismo na estratégia da

mímica mostra a ruptura com a realidade, é apenas uma imagem que é ‘’a um só tempo uma

substituição metafórica, uma ilusão de presença e, justamente por isso, uma metonímia, um

signo de sua ausência e perda “(BHABHA, 1998, p. 86).

Na apresentação e nas festividades do congado, as imagens ambíguas e híbridas são a

imitação, a representação de forma ritualizada de uma realidade e de um tempo ausente que

são celebrados por uma memória coletiva. Um reino reconhecido, organizado política e

hierarquicamente, remete à lembrança de uma África, de uma nação, de costumes e valores

que se renovam, se fazem presentes e, ao mesmo tempo, ausentes, pois são símbolos que

remetem a uma presença mítica, a uma renovação do tempo dos primórdios. As imagens

díspares e ambíguas representam a construção de uma identidade híbrida – do negro e do

branco, do rei e do vassalo, do dominador e do subordinado, do africano e do brasileiro. E, de

acordo com Bhabha, a identidade sob o prisma do hibridismo não é uma coisa pronta,

estanque; “nunca existe a priori, nunca é um produto acabado; sempre é apenas o processo

problemático de acesso a uma imagem de totalidade” (p. 85). Remete a uma imagem, à

criação e ao uso de uma máscara, à instauração e evocação de um mito fundador.

Sob a ótica da psicanálise, Bhabha trabalha a questão da identidade com o conceito de

fetiche. Este é visto como um objeto que camufla a percepção da ausência ou mesmo da

diferença de algo; e, uma espécie de sonho, de fantasia que busca afirmar a idéia de plenitude,

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de totalidade em relação à identidade. É um jogo híbrido e simultâneo entre a ausência ou a

falta e a afirmação de uma totalidade, de uma completude. É o conflito entre a metáfora do

objeto que representa algo e a metonímia, ou seja, a percepção de uma falta, uma lacuna,

criando o estereótipo com a intenção de negar a diversidade, a multiplicidade e propiciar uma

pureza cultural. O estereótipo é, portanto, de acordo com Bhabha, “um modelo de

representação complexo, ambivalente e contraditório” (p.110).

Seria, na festividade do congado, a imagem dos reis congos e até mesmo do capitão da

guarda Moçambique um estereótipo? Visto que são imagens ambíguas que carregam uma

dupla significação, contraditória, complexa e híbrida, os reis congos e o capitão de

Moçambique são estereótipos que representam um ritual mítico que restaura e celebra uma

identidade também híbrida. “O fetiche ou estereótipo dá acesso a uma ‘identidade’ baseada

tanto na dominação e no prazer quanto na ansiedade e na defesa, pois é uma forma de crença

múltipla e contraditória em seu reconhecimento da diferença e recusa da mesma” (BHABHA,

1998, p. 116). E a construção da identidade dá-se nas fissuras, nas fronteiras, nas negociações

conflitantes e ambivalentes entre termos híbridos de sua constituição cultural.

Bhabha evidencia um novo conceito de cultura, como um verbo, dinâmico e híbrido,

em constantes transformações. E, por conseguinte, sua construção é híbrida, pois a

representação e a identidade aí se encontram. Neste conceito de cultura é possível perceber

marcas de memórias e experiências variadas entre nações, de deslocamentos de origens;

sendo, assim, transnacional. E é tradutória, pois cria uma ressignificação dos símbolos

culturais, necessariamente, quando os deslocamentos colocam em confronto ou choque as

diferenças culturais. Essa ressignificação ou atividade de formação de símbolos e a alteridade

constitutiva da representação da identidade levam a enfatizar que a cultura é construção

híbrida. Tais construções de significados pela ressignificação ou interpretação fazem-se pelo

uso da linguagem e conseqüentemente da subjetividade que é percebida nos espaços

intersticiais ou terceiro espaço.

Desta forma, é necessário, segundo o autor, negar a falsa idéia de homogeneidade e

transparência da linguagem em função da necessidade de contextualizar e historicizar o lócus

da enunciação, ou seja, os contextos sociais, históricos e ideológicos dos usuários da

linguagem; comungando, assim, com as idéias e estudos de Bakhtin.

Bakhtin (1973) contestou a língua como sistema abstrato e homogêneo e afirmou que

o signo lingüístico é um signo social e ideológico e que o processo de significação ocorre de

forma dialógica, contextualizada e ideológica. Nessa interação social e dialógica, a alteridade

e a diferença dos interlocutores são elementos que constituem não só a linguagem, mas

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também a significação. E esta só se efetiva dentro dos contextos de produção e de recepção

dos enunciados.

Para Bhabha, o processo de significação é híbrido. Ocorre no espaço intersticial, fora

da frase, entre o enunciado e a enunciação. Nesse espaço, que o autor chamou de “terceiro

espaço”, são construídas não somente a alteridade e a identidade dos interlocutores, mas, a

linguagem ressignificada e, portanto, híbrida. A linguagem está presente nos menores atos de

nosso cotidiano e é por meio dela que se elaboram conceitos, definições, pensamentos e se

verbalizam as intenções e ações no dia-a-dia, o discurso.

A ação e o discurso têm como condição a pluralidade humana, ou seja, o fato de que ser humano não implica necessariamente sermos iguais, este fator viabiliza que os homens compreendam a si e aos seus ancestrais e que pensem em seus descendentes e num futuro. No entanto, essa igualdade existe na diferença, por isso faz-se necessário o discurso e, conseqüentemente, a ação para que os homens possam entender-se entre si. (LOPES, 2006,p.125).

Realmente, por meio da linguagem tornam-se possíveis a vida e a permanência do

homem em um grupo, em uma comunidade. Pela linguagem são estabelecidas a subjetividade

e a identidade de um grupo, como por exemplo, os grupos que compõem a festa de congado.

Cada grupo ou guarda, ou mesmo o grupo de coroas (reis e rainhas), mantém-se em virtude de

uma identidade cultural expressa por diversas e míticas formas lingüísticas e simbólicas.

O congado ou reinado pode ser visto não somente como uma festa popular com uma

celebração religiosa, ele é, antes de tudo, um momento de construção de uma identidade, de

uma hierarquia que o grupo procura, por meio da memória coletiva representar de forma

mítica e simbólica. Esta representação é composta de símbolos, personagens, eventos e

identidades ambivalentes, ambíguas, híbridas, que formam a manifestação cultural de um

grupo. O congado, essa expressão de fé e cultura, também pode ser a reivindicação de um

lugar, de um instante em que os costumes, tradições e memórias de um povo possam ser

evidenciados e celebrados, mesmo de forma simbólica ou mítica; momento no qual a história

e o passado possam se restaurar no presente e instaurar um reino organizado, estruturado e

hierarquizado. Um reino híbrido no qual diferentes povos se relacionam e, com suas

diferenças e similaridades, constroem sua identidade e sua cultura numa manifestação

sincrética de religiosidade e festa em homenagem a Nossa Senhora do Rosário e São

Benedito.

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CONCLUSÃO

A festa de congado é organizada de forma que se podem observar uma parte religiosa,

com missa, novena, terços e procissões, e outra, com hasteamento de bandeiras, danças,

cortejo, fogos de artifícios, almoço e café de São Benedito, o que demonstra a integração do

sagrado com o profano, em um momento em que se procura reviver um tempo supostamente

de glórias perdidas com o cativeiro. Em todo o ritual da festividade é indescritível a

manifestação de resistência, fé e confiança em Nossa Senhora do Rosário e demais santos de

devoção dos negros.

O passado é revivido pela representação mítica de personagens e eventos que

lembram a formação dos ancestrais. O mito fundador faz-se presente na figura complexa do

rei congo. Este é um símbolo carregado de duplo significado; por sua denominação de D.

Afonso I, remete ao sincretismo religioso, à adesão ao Catolicismo levado àquele reino pelos

portugueses. Essa adesão, porém, não foi feita com o apagamento das crenças anteriores, mas,

sim, com sua incorporação, numa atitude antropofágica, em que o colonizado internaliza o

colonizador e o digere, transformando-o em outra coisa.

Chico Rei, outro monarca do Congo, simboliza a inversão hierárquica rei-

escravo/escravo-rei e o desejo de restauração e renovação das relações sociais vividas pelo

negro. Observe-se que até hoje os negros, em grande parte, vivem uma situação econômico-

social inferior à dos brancos, uma vez que o legado da escravidão foi a pobreza e a ignorância,

que políticas públicas atuais, como o sistema de cotas nas universidades, procuram, de alguma

forma, amenizar.

Dentro do simbolismo de duplicidade, a Rainha Conga lembra a tentativa de

fusão das duas etnias, contudo salienta o prestígio de quem detém o poder econômico, ao

sucumbir ao Cristianismo. Aqui há uma variante do estereótipo da mulher que cede mais

facilmente à riqueza e às alegrias da vida. Eva negocia com a serpente; a Rainha Conga

negocia com o invasor. É a personagem desenraízada, está fora do lugar ao receber o batismo,

tal como o rei D. Afonso I. Ambos mostram a circularidade das questões étnicas, a demanda

de uma unidade que a dupla herança torna difícil encontrar.

O congado reapropria-se dos ritos originais e adapta-se à nova cena brasileira;

engendra uma celebração que revaloriza a tradição africana e cria um clima de teatro, o mais

eficaz possível, provocando a ilusão de um tempo e de um espaço perdidos, mas, agora

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retomados. Isso é possível com o uso de símbolos de uma realeza extinta, todavia sua

representação perpetua as hierarquias e a alegria de reinar.

O congado é uma manifestação de fé, na qual é apresentada uma realidade

diversa daquela vivida por seus componentes, em que o mundo material é transcendido na

devoção religiosa. É uma festa cujo estudo abre caminho para um modo de pensar que tem

por base conceitos duais, eliminando o antagonismo entre puro e o impuro, a matéria e o

espírito, para admitir a complementaridade. A representação integra a palavra ao corpo,

associando gestos e vestimentas ao conteúdo da história representada, elaborando uma

semântica de costumes étnicos que não é apenas pano de fundo da cena apresentada. Muito

pelo contrário, ela tem a intenção de reordenar o mundo observável, com vistas a revalorizá-

lo.

Ao ritualizar histórias de tempos míticos, os negros de Divinópolis tornam inteligíveis

suas existências e reiteram a crença de que o passado pode repetir-se, isto é, o “era uma vez”

pode acontecer muitas vezes. Por outro lado, a encenação é um procedimento teatral, em que

as figuras do congado imitam atitudes daqueles que estão sendo representados e substituem

suas identidades de pessoas comuns por outras que possuem autoridade político-religiosa.

Com os novos parâmetros da Teoria da Literatura, que hoje se mistura aos Estudos Culturais,

é possível ampliar o leque de abrangência desses estudos, possibilitar várias leituras das festas

populares e preservar seu componente de duplicidade cultural.

Assistir a uma festa do congado é apreciar uma história que faz vibrar a realidade e se

desliga das biografias, ao atingir a autonomia de um sistema de signos que elabora a

convivência humana. O discurso do congado esclarece sobre uma época – aquela anterior ao

cativeiro – e informa sobre mentalidades e maneiras de estar no mundo, daí sua importância

para uma sociedade híbrida como a brasileira.

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ANEXOS

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ANEXO 1

As bandeiras dos padroeiros

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A guarda de Moçambique

ANEXO 2 Rei e Rainha durante o cortejo

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Rei e Rainha Congo

ANEXO 3