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 UNIVERSIDADE CATÓLICA PORTUGUESA Apoio à Família Conferência Familiar Andreia Monteiro 09-05-2011 Mestrado em Cuidados Paliativos 2010/2011

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UNIVERSIDADE CATÓLICA PORTUGUESA

Apoio à FamíliaConferência Familiar

Andreia Monteiro

09-05-2011

Mestrado em Cuidados Paliativos 2010/2011

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Conferência Familiar

Este trabalho está integrado na avaliação da Unidade Curricular 5 e tem como

objectivo a reflexão acerca de um dos temas apresentado em sala de aula, numa

vertente teórica ou prática. O tema escolhido foi a Conferência Familiar.

Como enfermeira, que trabalho numa Casa de Repouso, lido diariamente com

utentes com doença grave e/ou incurável, avançada e progressiva. Considerando a

visão holística do cuidar, é necessário integrar o utente na unidade familiar, social,

cultural, psicológica e biológica. Cuidar de um utente implica então, cuidar da família,

sendo que esta também passa pelas mesmas fases adaptativas dos utentes após a

transmissão das más notícias (nem sempre pela mesma ordem ou ritmo que o utente).

A unidade familiar sofre então alterações, que se manifestam através de sentimentos

de depressão, ansiedade, frustração e exaustão dos seus membros (NETO, 2010;

CÁRCER, VALSERA). A variedade de patologias e a diversidade das fases em que osutentes/família se encontram aquando do internamento na instituição, levam-me a

considerar que a conferência familiar é de extrema importância para a melhor

prestação de cuidados ao utente/família no seu todo, e para melhor ultrapassar as

várias dificuldades/conflitos que surgem com o avançar da patologia do utente e do

impacto que esta realidade tem na família. Como não é algo institucionalizado no meu

local de trabalho, considero que esta reflexão me vai dar o suporte teórico para que,

em conversação com a direcção da instituição, se possa tornar uma realidade na minha

prática.

As doenças de curso prolongado e irreversível, incuráveis estão associadas aperdas inevitáveis nos utentes, nos familiares e nos profissionais de saúde, conduzindo

a sofrimento e a processos de luto algumas vezes complicados, em que os principais

sinais devem ser diagnosticados precocemente (avaliando objectivamente as

dimensões mais importantes da perda), para que uma intervenção de ajuda possa ser

desenvolvida de forma a colmatar as várias necessidades sentidas pelo utente/família,

proporcionando assim o diminuir do sofrimento de todas as pessoas implicadas

(BARBOSA, 2010; COBOS et al, 2002). A perda é uma mudança que inclui um estado de

privação de alguém, de alguma coisa tangível ou intangível, que põe em marcha

reacções afectivas, cognitivas, comportamentais e, em termos gerais, o processo de

luto, conduzindo a várias alterações na esfera familiar (BARBOSA, 2010). Existem váriossintomas que se manifestam a nível familiar como consequência destas perdas, são

eles sintomas por alteração do funcionamento familiar (padrões rígidos de

funcionamento, alterações do ciclo vital familiar, superprotecção do utente, sí ndrome

do cuidador); sintomas dependentes da comunicação (conspiração do silêncio);

sintomas emocionais na família (negação, cólera, medos, ambivalências efectivas);

sintomas familiares da esfera social (isolamento social, claudicação familiar, duelo

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patológico - que muitas vezes conduzem ao internamento em instituições como a que

trabalho) (COBOS et al, 2002).

Durante a última fase da vida do utente, a família tem a oportunidade de se

preparar para a morte que se aproxima e fazer o seu próprio processo de luto. A 

possibilidade de falar com o utente e com a família sobre a morte, a discussão sobre oque pode acontecer durante a fase de agonia e os meios para aliviar o sofrimento,

podem ter um efeito benéfico pela diminuição da ansiedade que o desconhecido pode

gerar (GUARDA et al, 2010; CÁRCER, VALSERA). As principais necessidades das famílias

com utentes em fase terminal são a informação honesta, realista e apropriada (acerca

da doença, tratamentos e meios de apoio); o respeito pelas suas crenças e valores

espirituais e culturais; o apoio logístico e emocional por parte da equipa; a

oportunidade para participar no cuidar; a oportunidade para expressar sentimentos e

reparar relações; e o assegurar que o melhor cuidado esta a ser prestado ao seu

familiar (NETO, TRINDADE 2007). Para colmatar estas necessidades e de forma a evitar

ou resolver os sintomas que se manifestam na esfera familiar, referidosanteriormente, a conferência familiar tem um papel primordial.

Resumidamente a conferência familiar é uma forma estruturada, com um plano

previamente discutido e estabelecido pelos profissionais de saúde, de intervenção

familiar, que implica o estabelecer de um horário e de um local (privado com uma

mesa redonda, de forma a facilitar a intervenção de todos os presentes) conveniente

para todos os intervenientes (um utente que tem capacidade para decidir pode ser

questionado acerca de quem é que ele quer que participe), para discutir diferentes

maneiras de resolver os problemas, guiados pelos desejos do utente, sem tomar

partidos ou fazer juízos de valor acerca das intervenções dos participantes presentes(trabalhar com as famílias implica muitas vezes expor as nossas próprias fraquezas,

enquanto mantemos uma distância terapêutica de forma a evitar o burnout, para tal é

necessário antecipar as questões/reacções da família e reflectir como equipa acerca

das nossas próprias emoções) (RABOW et al, 2004; NETO, TRINDADE 2007; WEISSMAN

et al, 2010). A conferência deve ser liderada por um gestor de caso, previamente

definido, que vai apresentar os membros da equipa presentes e facilitar a interacção

com o utente/família (pode ser definido um representante familiar de forma a tornar

mais fácil a comunicação actual e futura com a equipa, o utente deve ser envolvido

sempre que possível) (WEISSMAN et al, 2010; MARQUES et al, 2006; HUDSON et al,

2008)

Existem um con junto de capacidades necessárias para desenvolver uma

conferência familiar são elas a capacidade de perceber qual a informação que o

utente/família já possui; de interpretar novos sintomas e informação clí nica; de

explorar opções de tratamento; de proporcionar apoio na tomada de decisões difíceis

(nutrição, hidratação, hospitalização e ressuscitação); de explorar esperanças e

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expectativas; de detectar necessidades insatisfeitas (do utente e da família); de discutir

assuntos de interesse para a família; de explorar dificuldades na comunicação; de

validar e prever o variado espectro de emoções; de validar o trabalho e esforço da

família; de convidar o utente/família a expressar medos, preocupações e sentimentos

ambivalentes; de ajudar a resolver os problemas por fases, mobilizando os recursos

das famílias; de ser capaz de identificar as disfunções familiares, e saber quandoreferenciar para profissionais de saúde qualificados para lidar com o problema; de

permitir a participação dos familiares no cuidado; de aceitar que o plano de cuidados

pode ser rejeitado pelo utente/família e que pode ser necessário desenvolver um novo

plano (os vários profissionais de saúde devem ser consensuais na apresentação do

plano e quando isto não acontece devem devolver um plano que apresente as

diferentes perspectivas de forma a que o utente/família tomem uma decisão

consciente e informada); de permitir iniciativas originais; e de encorajar a unidade

familiar a tomar a liderança (RABOW et al, 2004; NETO, TRINDADE 2007; HUDSON et

al, 2008; WEISSMAN et al, 2010).

As situações específicas que requerem a realização da conferência familiar são

a deterioração do estado do utente; a mudança significativa no tipo de tratamento

adoptado ou que vai ser adoptado (como por exemplo remoção da SNG ou sedação

paliativa os cuidados que dizem respeito ao cuidar no final da vida podem não só

exacerbar a crise familiar como influenciar as decisões de tratamento, um estudo

realizado por Winter e Parks conclui, que quanto mais discórdia existir maior será a

probabilidade das famílias optarem por cuidados que prolongam a vida em detrimento

dos cuidados paliativos); a proximidade da morte; a discussão de directivas avançadas

(Clarke e Seymour referem que apesar de alguns dos participantes no seu estudo

considerarem que preferem tomar as decisões agora acerca do seu futuro, de forma a

evitar colocar esse fardo nas famílias, alguns preferem deixar as decisões às suas

famílias); a existência de famílias extremamente exigentes e/ou agressivas; a existência

de famílias ou utentes com necessidades especiais (famílias com crianças, utentes

 jovens, utentes que pedem eutanásia ou suicídio assistido); a existência de conflitos

familiares (existência de muitos familiares envolvidos que nem sempre partilham da

mesma opinião no que diz respeito às decisões que têm que ser tomadas); a existência

de conflitos entre a família e a equipa (RABOW et al, 2004; NETO, TRINDADE 2007;

WINTER, PARKS 2008; CLARKE, SEYMOUR 2010; HUDSON et al, 2008).

No final da conferência familiar é importante registar no processo do utente o

que aconteceu durante a reunião, sendo que os diferentes membros da equipa

também devem ser informados do plano de cuidados estabelecido em con junto com o

utente/família (caso o utente não tenha estado presente na conferência e esteja

colaborante também deve ser informado acerca do resultado final da mesma) (RABOW

et al, 2004; NETO, TRINDADE 2007; MARQUES et al, 2006).

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Hudson et al, referem que as conferências familiares proporcionam uma

avenida para a informação, a deliberação, a clarificação e o estabelecer de

objectivos/metas para o cuidado futuro, baseado em decisões consensuais entre

profissionais de saúde e o utente/família (HUDSON et al, 2008).

Muitos dos utentes/família de quem cuido no meu dia-a-dia fazem parte dassituações específicas, referidas por vários autores, para a realização da conferência

familiar.

Um dos exemplos com o qual fui confrontada na prática para a realização da

conferência familiar está relacionado com um utente com diagnóstico de Alzheimer,

que foi internado por claudicação familiar/exaustão familiar. O utente tem 83 anos, é

casado, e é de Torres Novas. A esposa já não se sentia com capacidade para cuidar do

seu esposo (devido à crescente dependência na satisfação das necessidades humanas

básicas do seu esposo, desorientação e períodos de agitação), e a única filha que

trabalha em Lisboa não tinha disponibilidade para poder fazer um acompanhamentomais apertado do cuidar, pelo que decidiram internar o utente numa casa de repouso.

Quando deu entrada na instituição o utente deambulava, expressava-se verbalmente

mas estava desorientado no tempo e no espaço. Necessitava de ajuda parcial para a

alimentação, higiene e eliminação. Com o evoluir da patologia foi-se tornando cada vez

mais dependente, começou a anquilosar, a apresentar disfagia para líquidos que foi

evoluindo para a não deglutição total, apresentando anorexia, caquexia, e

posteriormente afasia e dependência total para mobilizações/transferências, higiene e

eliminação. Foi colocada PEG. A filha após a colocação de PEG começou a insistir em

dietas instituídas por nutricionistas, que conduziram a diarreias, vómitos e estase

gástrica, porque ela queria que o pai engordasse. Tentou-se explicar de uma formainformal e não planeada todo o estado geral do utente e da evolução normal da

doença, que não tem surtido efeito no quebrar medos, ansiedades e mitos pois a filha

continua a insistir em suplementos e reforços.

Há um claro agravamento do quadro clí nico, a colocação de PEG criou

expectativas na filha que foram goradas, e esta situação é o resultado da falta de

informação acerca da evolução da patologia. Se desde o inicio se tivessem realizado

conferências familiares que clarificassem de forma estruturada a evolução da

patologia, em que fosse desenvolvido um clima de comunicação capaz de oferecer

segurança, confiança e orientação para que a família pudesse expressar as suaspreocupações, emoções e acordar num plano futuro comum aceitável, agora

provavelmente não se manifestariam estes mitos, falsas expectativas e ambivalências

emocionais (a filha tem a noção da deterioração do estado geral do pai mas quer que

ele engorde).

As conferências familiares iriam ajudar na abordagem às necessidades e

sintomas expressos ao nível da esfera familiar (esposa, filha e neta), que são

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manifestamente mais do que o que foi aqui explorado, e desde já preparar o processo

de luto pelas perdas actuais e futuras, e de evitar o luto patológico.

A realização de conferências familiares exige competências específicas, e

implica o envolvimento de vários recursos, mas habitualmente (se realizada de acordo

com as guidelines) é vantajosa a médio/longo prazo, na satisfação das necessidades doutente/família, sendo por isso essencial na prestação de cuidados de qualidade ao

utente/família (NETO, TRINDADE 2007). Para desenvolver as competências necessárias

é de extrema importância praticar/realizar, para que em con junto a equipa possa

desenvolver estas mesmas capacidades/competências. É um desafio que pode evitar

conflitos e ajudar na resolução dos mesmos, melhorando a relação/comunicação do

utente/família com a equipa e que resultará na prestação de melhores cuidados. Pois

permite uma acção con junta na elaboração e hierarquização de problemas, na

discussão das diferentes opções de resolução de situações e no estabelecer de

consensos decisões e planos, permitindo o ajuste pessoal de cada um à situação,

aumentando a capacidade de cuidar e o possibilitar de uma adaptação normal à perda(luto) (GUARDA et al, 2010). Sendo a escuta activa e uma relação baseada na verdade e

na confiança duas formas de prevenção do luto patológico (GUARDA et al, 2010).

Como referi no início a conferência familiar não é uma prática corrente na

instituição onde trabalho, mas perante esta pequena reflexão e as evidências

bibliográficas encontradas considero de extrema urgência passar à prática e aceitar o

desafio que pode melhorar em muito a prestação de cuidados ao utente/família.

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Bibliografia

y  BARBOSA  A. Processo de luto. Manual de Cuidados Paliativos. 2ª Edição.

Lisboa: Secção Editorial da Associação de Estudantes da FMUL; 2010. 

y CLARKE A., SEYMOUR J. At the foot of a very long ladder: Discussing the endof Life with Older People and Informal Caregivers. Journal of pain and Symptom

Management. VOL 40. Nº 6. 2010, p. 857-869.

y  COBOS F., et al. Atención a la família. Cuidados Paliativos. VOL 30. Nº 9. 2002,

p. 576-680.

y  GUARDA H., et al. Apoio à família. Manual de Cuidados Paliativos. 2ª Edição.

Lisboa: Secção Editorial da Associação de Estudantes da FMUL; 2010. 

y  MARQUES  L., et al. Conferência Familiar. Procedimentos do Serviço de

Enfermagem do Hospital da Luz, Manual do Hospital Residencial. 2009.

y  NETO I. Cuidados Paliativos. Lisboa: Alêtheia Editores; 2010.

y  NETO I., TRINDADE N. Family meetings as a means of support for patients.European Journal of Palliative Care. VOL 14. Nº 3. 2007, p. 105-108.

y  RABOW M., e tal. Supporting Family Caregivers at the End of Life. JAMA. VOL 

291. Nº 4. 2004, p. 483-491.

y  WEISSMAN D., et al. Preparing for the family meeting. Journal of Palliative

Medicine. VOL 13. Nº 2. 2010, p. 203-205 e 462-463.

y  WINTER L., PARKS  S. Family Discord and Proxy Decision Makers End-of-life

Treatment Decisions. Journal of Palliative Care. VOL 11. Nº 8. 2008, p. 1109-

1114.

y www.secpal.com. CÁRCER A., VALSERA M. La Familia de la Persona Enferma.