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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS, LETRAS E ARTES DEPARTAMENTO DE LETRAS PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ESTUDOS DA LINGUAGEM CONECTORES SEQUENCIADORES E E EM CONTOS E NARRATIVAS DE EXPERIÊNCIA PESSOAL ESCRITOS POR ALUNOS DE ENSINO FUNDAMENTAL: UMA ABORDAGEM SOCIOFUNCIONALISTA WASHINTIANE PATRÍCIA BARBOSA DA SILVA NATAL 2013

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE

CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS, LETRAS E ARTES

DEPARTAMENTO DE LETRAS

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ESTUDOS DA LINGUAGEM

CONECTORES SEQUENCIADORES E E AÍ EM CONTOS E

NARRATIVAS DE EXPERIÊNCIA PESSOAL ESCRITOS POR

ALUNOS DE ENSINO FUNDAMENTAL:

UMA ABORDAGEM SOCIOFUNCIONALISTA

WASHINTIANE PATRÍCIA BARBOSA DA SILVA

NATAL

2013

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CONECTORES SEQUENCIADORES E E AÍ EM CONTOS E

NARRATIVAS DE EXPERIÊNCIA PESSOAL ESCRITOS POR

ALUNOS DE ENSINO FUNDAMENTAL: UMA ABORDAGEM

SOCIOFUNCIONALISTA

Por

WASHINTIANE PATRÍCIA BARBOSA DA SILVA

Dissertação apresentada ao

Programa de Pós-Graduação em

Estudos da Linguagem, da

Universidade Federal do Rio Grande

do Norte, como requisito parcial para

a obtenção do título de mestre.

Área de concentração: Linguística

Aplicada

Orientadora: Prof.ª Dr.ª. Maria Alice

Tavares

NATAL

2013

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Catalogação da Publicação na Fonte. Universidade Federal do Rio Grande do Norte.

Biblioteca Setorial do Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes (CCHLA).

Silva, Washintiane Patrícia Barbosa da.

Conectores sequenciadores e e aí em contos e narrativas de experiência

pessoal escritos por alunos de ensino fundamental: uma abordagem

sociofuncionalista / Washintiane Patrícia Barbosa da Silva. – 2013.

120 f.

Dissertação (mestrado) – Universidade Federal do Rio Grande do Norte.

Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes. Departamento de Letras.

Programa de Pós Graduação em Estudos da Linguagem, 2013.

Orientadora: Prof.ª Dr.ª Maria Alice Tavares.

1. Língua portuguesa (Ensino fundamental). 2. Funcionalismo

(Linguística). 3. Sociolinguística – Natal (RN). I. Tavares, Maria Alice. II.

Universidade Federal do Rio Grande do Norte. III. Título.

RN/BSE-CCHLA CDU 811.134.3

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CONECTORES SEQUENCIADORES E E AÍ EM CONTOS E

NARRATIVAS DE EXPERIÊNCIA PESSOAL ESCRITOS POR

ALUNOS DE ENSINO FUNDAMENTAL: UMA ABORDAGEM

SOCIOFUNCIONALISTA

Dissertação de Mestrado, defendida por Washintiane Patrícia Barbosa da Silva, aluna do

Programa de Pós-Graduação em Estudos da Linguagem, na área de Linguística

Aplicada, aprovada pela banca examinadora, em 02 de agosto de 2013.

BANCA EXAMINADORA

___________________________________

Profa. Dra. Maria Alice Tavares

Universidade Federal do Rio Grande do Norte

Orientadora

___________________________________

Profa. Dra. Maria Medianeira de Souza

Universidade Federal de Pernambuco

Examinador externo

____________________________________

Prof. Dr. Marco Antonio Martins

Universidade Federal do Rio Grande do Norte

Examinador interno

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DEDICATÓRIA

Aos meus pais,

Ao meu irmão,

Ao meu noivo,

Aos professores de Língua Portuguesa,

Dedico este trabalho.

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AGRADECIMENTOS

A Deus, meu amigo que me deu coragem quando pensava em desistir e esperança para

acreditar que tudo é possível.

À Virgem Maria, que com seu olhar feminino me ensinou a não desanimar diante das

situações adversas.

À querida Alice, pela paciência, incentivo, dedicação, ajuda e por tornar possível esse

estudo sociofuncionalista.

A minha família, que me apoiou e me cercou de carinho.

Ao meu irmão, Washington, que mesmo de longe me apoiou e rezou para que esse

sonho se concretizasse.

Ao meu noivo, Hebert Lissandro, pelo companheirismo, amor e colaboração nessa

pesquisa.

A Francielly, minha amiga, pelo seu total apoio e colaboração na realização desse

estudo.

Ao professor Sinval Fagundes, que me cedeu sua turma para a realização da coleta de

dados desse estudo, mesmo sem possuirmos nenhum vínculo.

Aos meus amigos, Rhena Raize, Manuelle, Danielle, Josefa da Silva e Pe. Matias pela

ajuda e pelas palavras de encorajamento.

Ao professor Dr. Marco Martins e à professora Dra. Érica Iliotivitz, pelas ideias

brilhantes e sugestões no momento da qualificação.

À professora Dra. Maria Medianeira, por ter aceitado nosso convite para a defesa.

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RESUMO

Nesta dissertação, apoiando-me em dois referenciais teóricos, o do funcionalismo

linguístico de vertente norte-americana e o da sociolinguística variacionista, tomo como

objeto de estudo os conectores sequenciadores E e AÍ, que atuam na função gramatical

de indicação de sequenciação retroativo-propulsora de informações. Analiso o uso

variável desses conectores em textos escritos por alunos de duas escolas da rede pública

da cidade de Natal-RN, que cursavam, à época da coleta de dados (o ano de 2012), duas

séries distintas do ensino fundamental: o sexto e o nono ano. Os alunos que

contribuíram para a realização desta pesquisa escreveram, como parte de suas atividades

em sala de aula, textos de dois gêneros da esfera narrativa: narrativa de experiência

pessoal (de caráter não ficcional) e conto (de caráter ficcional). Além disso, esses alunos

e seus professores de língua portuguesa responderam a um teste de atitude linguística

em que opinaram sobre a adequação do uso dos conectores E e AÍ em contextos de fala

e de escrita marcados por diferentes graus de formalidade. Os resultados, obtidos por

meio de análise quantitativa, revelaram diferentes tendências de distribuição linguística,

social e estilística dos conectores E e AÍ nos textos narrativos escritos pelos alunos.

Relacionei tais resultados à ação de dois princípios: o princípio da persistência,

vinculado ao processo de mudança por gramaticalização, e o princípio da marcação

estilística. Além disso, levei em conta as respostas fornecidas por alunos e professores

ao teste de atitude linguística para refinar a interpretação dos resultados.

Palavras-chave: conectores sequenciadores; variação linguística; princípio da

persistência; princípio da marcação estilística.

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ABSTRACT

In this dissertation, based on two theoretical frameworks, American functionalism and

variationist sociolinguistics, I take as subject the sequence connectors E and AÍ, which

has the grammatical function of indicating retroactive-propeller sequenciation of

information. I analyze the variable use of these connectors in texts written by students

from two public schools in the city of Natal, RN, attending at the time of data collection

(the year 2012), two distinct levels of basic education: the sixth and the ninth year. The

students who contributed to this research wrote, as part of their activities in the

classroom, texts of two narrative genres: narrative of personal experience (non-fictional)

and short story (fictional). In addition, these students and their Portuguese teachers

answered a test of linguistic attitude in which they gave their opinions regarding the

appropriateness of the use of connectors E and AÍ in contexts of speech and writing

marked by distinct degrees of formality. The results obtained by means of quantitative

analysis showed different tendencies of linguistic, social and stylistic distribution of

connectors E and AÍ in the narrative texts written by the students. I related these results

to the action of two principles: the principle of persistence, linked to the process of

change by grammaticalization, and the principle of stylistic markedness. Besides, I took

into account the answers provided by students and teachers to the test of linguistic

attitude for refine the interpretation of the results.

Keywords: sequence connectors; linguistic variation; principle of persistence; principle

of stylistic markedness.

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LISTA DE QUADROS, GRÁFICOS E TABELAS

QUADROS

Quadro 1: Pressupostos da sociolinguística e do funcionalismo .................................. 48

Quadro 2: Passos metodológicos de uma pesquisa sociofuncionalista ........................ 51

Quadro 3: Algumas respostas dos alunos à questão 1 do teste de atitude ................... 77

Quadro 4: Respostas dos professores à questão 1 do teste de atitude .......................... 78

Quadro 5: Algumas respostas dos alunos à questão 2 do teste de atitude ................... 79

Quadro 6: Respostas dos professores à questão 2 do teste de atitude .......................... 80

Quadro 7: Percurso de gramaticalização do E ............................................................. 88

Quadro 8: Percurso de gramaticalização do AÍ ........................................................... 89

Quadro 9: Contextos favoráveis ao aparecimento dos sequenciadores E e AÍ............110

TABELAS

Tabela 1: Frequência de uso dos conectores sequenciadores ....................................... 81

Tabela 2: Influência da relação semântico-pragmática sobre o uso do E e do AÍ ........ 90

Tabela 3: Influência do nível de articulação sobre o uso do E e do AÍ ........................ 94

Tabela 4: Influência do gênero textual sobre o uso do E e do AÍ .............................. 103

Tabela 5: Influência da idade/escolaridade sobre o uso do E e do AÍ ........................ 105

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ........................................................................................................... 11

CAPÍTULO I – ESTADO DA ARTE ........................................................................ 22

1. Gramaticalização: o caso do E e do AÍ ...................................................................... 22

2. Os conectores interfrásticos E e AÍ na literatura infanto-juvenil .............................. 28

3. Conectores E e AÍ na fala e na escrita: foco no princípio da marcação .................... 31

CAPÍTULO II – REFERENCIAL TEÓRICO ......................................................... 35

1. Funcionalismo norte-americano ................................................................................ 35

1.1 Gramática emergente ............................................................................................... 35

1.2 Gramaticalização ..................................................................................................... 38

2. Sociolinguística variacionista .................................................................................... 41

2.1 A língua como sistema heterogêneo: variáveis e variantes ..................................... 42

2.2 Variação e mudança linguística ............................................................................... 44

3. Sociofuncionalismo ................................................................................................... 46

3.1 Gramaticalização e variação .................................................................................... 50

CAPÍTULO III – NARRATIVA DE EXPERIÊNCIA PESSOAL E CONTO ...... 53

1. Gêneros e tipos textuais: definições .......................................................................... 53

1.1 A narrativa de experiência pessoal .......................................................................... 55

1.2 O conto .................................................................................................................... 58

CAPÍTULO IV – PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS ............................... 62

1. O corpus: distribuição quanto ao gênero textual e a características sociais .............. 62

2. Procedimentos adotados para a coleta dos dados ...................................................... 64

3. Procedimentos adotados para a análise dos dados ..................................................... 72

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CAPÍTULO V – ANÁLISE DOS DADOS EM UMA PERSPECTIVA

SOCIOFUNCIONALISTA ......................................................................................... 77

1. Teste de atitude linguística ........................................................................................ 77

2. Frequência geral dos conectores E e AÍ no corpus ................................................... 81

3. Análise dos dados referentes aos grupos de fatores linguísticos ............................... 84

3.1 Relação semântico-pragmática ................................................................................ 84

3.1.1 Caracterização e hipóteses .................................................................................... 84

3.1.2 Resultados e discussão ......................................................................................... 90

3.2 Níveis de articulação textual .................................................................................... 91

3.2.1 Caracterização e hipóteses .................................................................................... 91

3.2.2 Resultados e discussão .......................................................................................... 94

4. Grupo de fatores textual-estilístico ............................................................................ 95

4.1 Gêneros textuais ...................................................................................................... 96

4.1.1 Caracterização e hipóteses ................................................................................... 96

4.1.2 Resultados e discussão ........................................................................................ 103

5. Grupos de fatores sociais ......................................................................................... 104

5.1 Idade/Escolaridade ................................................................................................. 104

5.1.1 Caracterização e hipóteses .................................................................................. 104

5.1.3 Resultados e discussão ........................................................................................ 105

CONSIDERAÇÕES FINAIS .................................................................................... 108

REFERÊNCIAS ......................................................................................................... 111

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INTRODUÇÃO

Apoiando-me em dois referenciais teóricos, o do funcionalismo linguístico de

vertente norte-americana e o da sociolinguística variacionista, tomo como objeto de

estudo os conectores sequenciadores E e AÍ, que atuam na função gramatical de

indicação de sequenciação retroativo-propulsora de informações. Analiso o uso variável

desses conectores em textos escritos produzidos por alunos de duas escolas da rede

pública da cidade de Natal-RN, que cursavam, à época da coleta de dados (o ano de

2012), duas séries distintas do ensino fundamental: o sexto e o nono ano. Os alunos que

contribuíram para a realização desta pesquisa escreveram, como parte de suas atividades

em sala de aula (cf. capítulo IV), textos de dois gêneros da esfera narrativa: narrativa de

experiência pessoal (de caráter não ficcional) e conto (de caráter ficcional).

A sequenciação retroativo-propulsora de informações é uma função ou domínio

gramatical ligada à coordenação entre partes do texto de proporções variadas. Mediante

esse tipo de sequenciação, estabelecem-se, entre duas partes de um texto, relações

coesivas tais que o que é dito ou escrito na primeira serve de base para o que é dito ou

escrito na segunda, havendo, pois, entre as partes do texto assim interligadas, relações

de continuidade e consonância. É o que o rótulo “sequenciação retroativo-propulsora”

procura apreender: “[...] os movimentos simultâneos de retroagir – guiando a atenção

para trás – e de propulsionar – guiando a atenção para a frente” (cf. TAVARES, 2003;

p. 20).

Vale salientar que utilizo a expressão “domínio gramatical” em consonância à

proposta de Givón (1984), também retomada por Hopper (1991): trata-se tanto de áreas

funcionais gerais (ou macrodomínios) como TAM (tempo/ aspecto/ modo), caso,

referência, passivização, impessoalização etc., quanto de áreas funcionais mais estritas

(microdomínios), como o tempo futuro, o modo subjuntivo, o sujeito, o tópico, a dêixis,

a anáfora etc. O conceito de domínio atinge, portanto, diferentes domínios

superordenados nas hierarquias funcionais em que se distribuem as funções gramaticais

da língua: um certo tempo é um microdomínio em relação ao domínio TAM, por

exemplo, mas podemos tratar qualquer um dos tempos por “domínio funcional”. Ou

seja, os domínios funcionais organizam-se em um escopo gradiente, podendo ser vistos

como fenômenos superordenados. Assim, temos o macrodomínio da

articulação/conjunção geral entre informações, que engloba, como microdomínios, além

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da sequenciação retroativo-propulsora de informações, a adversão, a concessão, a

causalidade, e todos os demais tipos de relações conjuntivas. No caso deste estudo,

recortei, como objeto de análise, a função de sequenciação retroativo-propulsora de

informações.

A sequenciação retroativo-propulsora de informações é realizada

linguisticamente, no português brasileiro, especialmente por três conectores

sequenciadores: E, AÍ e ENTÃO (cf. TAVARES, 2003). Nesta pesquisa, analiso apenas

os conectores E e AÍ, devido à baixa recorrência do conector ENTÃO nos textos

escritos pelos alunos participantes do estudo (cf. capítulo IV). Nesses textos, os

conectores E e AÍ interligam desde informações conectadas localmente no formato de

orações até períodos e parágrafos conectados mais globalmente, e exibem as seguintes

relações semântico-pragmáticas:1

1. Sequenciação textual: ocorre a introdução de uma informação que se sucede à outra

ao longo do tempo discursivo,2 e o conector salienta o encadeamento de um enunciado

prévio a um posterior, como se verifica nos exemplos 3 a seguir:

(1) “[...] todo mundo tinha medo de entra nessa casa por que o povo dizinha que a quela

casa era mau asonbrada e a velinha com o passar do tempo ela morreu e a casa ficol

mais asonbrada as panelas patinhão sozinha o chuveiro ligava [...]” (41F62)

(2) “[...] nos fomos comer ai as menina tava querendo tomar refrigerante ai um colega

meu tava com 5 reais [...]” (49M91)

1 Tavares (2003) observou haver ainda outras duas relações semântico-pragmáticas passíveis de serem

indicadas pelos conectores sequenciadores E e AÍ, a retomada de informações anteriormente referidas e a

finalização de tópicos ou subtópicos, as quais não se fizeram presentes em minha amostra de dados.

2 Tempo discursivo refere-se à organização interna das informações apresentadas em um texto, isto é, a

ordem pela qual as partes componentes da estrutura do texto (orações, segmentos tópicos, subtópicos e

tópicos no texto oral, e orações, períodos e parágrafos no texto escrito) são apresentadas de modo

sucessivo, sendo cada uma delas compreendida como posterior a uma outra (cf. SCHIFFRIN, 1987).

3 Nos códigos acrescentados após cada dado, o primeiro número identifica o texto; a consoante M ou F

diz respeito ao sexo do aluno que produziu o dado; os números 6 ou 9 referem-se ao nível de

escolaridade: sexto e nono ano; por fim, os números 1 ou 2 indicam o gênero textual: 1 para narrativa de

experiência pessoal e 2 para conto.

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2. Sequenciação temporal: ocorre a introdução de eventos conforme sua ordem de

ocorrência no tempo, e o conector salienta que o evento B aconteceu logo depois do

evento A, o que é ilustrado pelos exemplos a seguir:

(3) “[...] chegamos na casa de praia e ela disse vamos no supermercado já vamos ela

compro tudo para o churrasco compro um bolo de chocolate e um citrus e eu fui la para

frente de casa come o bolo e o citrus [...]” (1F61)

(4) “[...] um dia ele veu uma mulher pedido carona ai ele resolveu parar, ai a mulher

sumiu e ele ficou muito assustado [...]” (70F62)

3. Consequência: ocorre a introdução de informações que representam consequência em

relação a informações anteriormente mencionadas, o que é salientando pelo conector

sequenciador, conforme se observa nos exemplos a seguir:

(5) “Outro dia a menina foi passia com o cachorro chegou um ladrão que queria robar a

menina, mais o cachorro não deixou ele deu uma mordida na mãe do ladrão e o ladrão

fugil [...]” (5F62)

(6) “[...] botaram uma tala de gesso na minha perna e eu fiquei com ela por uma semana

mais a dor insistiu ai tive que fazer fisioterapia por duas semanas e agora estou bom

[...]” (50M91)

Nas três relações semântico-pragmáticas descritas acima, o movimento de

retroação e, ao mesmo tempo, de propulsão de informações característico da função de

sequenciação retroativo-propulsora está presente. Conforme Tavares (2003, p. 28), essas

relações semântico-pragmáticas podem ser percebidas, pelo ouvinte ou pelo leitor,

através de indícios tais como:

[...] o que foi dito antes, o que se seguiu, inferências e implicaturas em

jogo no momento da interação. Também contam as experiências

anteriores dos interlocutores, a sua familiaridade com a miríade de

tonalidades semântico-pragmáticas passíveis de estarem envolvidas

nas teias trançadas entre partes do texto pela sequenciação retroativo-

propulsora.

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É pela soma de todos esses indícios que o ouvinte ou leitor busca chegar ao tipo

de relação semântico-pragmática que parece ter sido pretendido pelo falante ou escritor

ao sequenciar informações em seu texto.

A seguir, apresento, em linhas gerais, o aporte teórico em que este estudo se

fundamenta, para, na sequência, poder delimitar meu foco de análise, bem como as

questões, objetivos e hipóteses de pesquisa.

O funcionalismo norte-americano caracteriza-se, segundo Furtado da Cunha,

Costa e Cezario (2003, p. 29), “[...] por conceber a linguagem como um instrumento de

interação social e [...] seu interesse de investigação linguística vai além da estrutura

gramatical, buscando no contexto discursivo a motivação para os fatos da língua.”

Entendendo a língua como fruto da interação comunicativa, a proposta da gramática

emergente de Hopper (1987, 1998, 2001, 2004, 2008, 2011; TAVARES, 2012a) recebe

destaque na teoria funcionalista. Segundo essa proposta, a gramática dos falantes,

observada em seu uso real, emerge do discurso e se adapta às diferentes situações de

uso. Considerar que a língua se adapta aos contextos onde seus usuários estão inseridos

e que sofre pressões de ordem linguística e social é entender que ela muda e varia de

situação para situação (cf. GIVÓN, 1995). As mudanças se dão de maneira discreta e, às

vezes, de modo despercebido por parte dos usuários.

A constituição da gramática é compreendida, pela teoria funcionalista, como

uma questão de gramaticalização. A gramaticalização é um processo de mudança

segundo o qual itens linguísticos sofrem alteração no uso e rotinizam-se em novas

funções de caráter gramatical, caso esses itens sejam provenientes do léxico, ou de

caráter ainda mais gramatical, caso esses itens sejam provenientes da própria gramática

(cf. HOPPER; TRAUGOTT, 1993). Nesse processo, uma forma linguística pode passar

a exercer uma função gramatical que já é desempenhada por uma ou mais formas,

passando a concorrer com elas na expressão dessa função. Hopper (1991) denomina

“estratificação” essa coexistência de diferentes formas em um mesmo domínio

funcional: segundo o autor, camadas mais recentes e camadas mais antigas de formas

linguísticas acabam atuando em uma mesma função gramatical em decorrência do

processo de gramaticalização.

Foi o que aconteceu com as formas linguísticas E e AÍ, que, ao sofrerem

gramaticalização, partiram de funções ligadas ao âmbito adverbial (no caso do E, esse

percurso de mudança teve início com o ET latino) para chegarem a uma função ligada

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ao âmbito da conexão entre partes do texto, a indicação de sequenciação retroativo-

propulsora de informações. No domínio funcional da sequenciação retroativo-

propulsora, E e AÍ representam, pois, camadas distintas de realização linguística, sendo

o E a mais antiga das camadas desse domínio no português brasileiro e o AÍ uma de

suas camadas mais recentes (cf. capítulo I).

A sociolinguística variacionista observa a língua do ponto de vista de sua

heterogeneidade, mostrando que o fenômeno de variação linguística é generalizado:

pode ocorrer em qualquer um dos níveis da língua (fonológico, morfossintático,

pragmático/discursivo) (cf. TAGLIAMONTE, 2012). Isso significa que os falantes ou

escritores seguidamente precisam fazer uma seleção – consciente ou inconscientemente

– entre dois ou mais sons, palavras ou construções disponíveis, em uma mesma

comunidade de fala e em um mesmo período de tempo, para a expressão de um certo

significado e/ou de uma certa função gramatical. As formas linguísticas que possuem

um mesmo significado e/ou função são denominadas “formas variantes”, caracterizadas

por manifestarem equivalência referencial e/ou funcional (cf. CHAMBERS; TRUDGIL,

1980; WOLFRAM, 1991; TAGLIAMONTE, 2006, 2012; WATT, 2007). Esse é o caso

dos conectores sequenciadores E e AÍ, que possuem a mesma função gramatical, a

indicação de sequenciação retroativo-propulsora, e que são, aqui, tomados como formas

variantes. Um conjunto de formas variantes recebe o rótulo de “variável linguística” e

constitui o objeto de estudo da sociolinguística variacionista.

A sociolinguística variacionista trouxe à tona o fato de que variação linguística é

um fenômeno regular, e, portanto, pode ser sistematizado e investigado

quantitativamente. Uma das principais tarefas da sociolinguística variacionista é

descobrir e explicar padrões quantitativos de distribuição de formas variantes. É

justamente a quantificação dos dados quanto a traços de seu contexto de uso que

possibilita ao sociolinguista a observação de possíveis influências de natureza social,

linguística e estilística sobre o emprego variável das formas que são alvo de sua

investigação (cf. LABOV, 2008[1972]).

Quando é levada a cabo uma abordagem de interface entre a sociolinguística

variacionista e o funcionalismo linguístico de vertente norte-americana – caso desta

pesquisa – analisa-se “a variação linguística sob o prisma da função discursiva das

variantes” (NEVES, 1999, p. 75). Nesse tipo de abordagem, costuma-se fazer uma

correspondência entre formas que representam ‘camadas’ estratificadas de um mesmo

‘domínio funcional’ e formas que representam ‘variantes’ de uma mesma ‘variável

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linguística’: em ambos os casos, trata-se de formas que desempenham a mesma função

(cf. TAVARES, 2003, 2013a). Essa relação existente entre os fenômenos de

estratificação e de variação também é levantada por Tagliamonte (2003), que afirma que

a gramaticalização gera variabilidade na gramática no formato de velhas e novas

camadas que desempenham uma mesma função.

O sociofuncionalismo nos permite tomar como objeto de análise “[...] diferentes

camadas ou variantes que partilham e/ou disputam determinada função, realizando o

controle de grupos de fatores linguísticos e sociais passíveis de influenciar a escolha de

cada uma delas pelos falantes” (TAVARES, 2013b, p. 4). No caso deste estudo,

investigo possíveis influências de natureza linguística, estilística e social sobre o

emprego dos conectores sequenciadores E e AÍ em textos narrativos escritos por alunos

de ensino fundamental através do controle dos seguintes grupos de fatores: (1) relações

semântico-pragmáticas; (2) níveis de articulação; (3) gêneros textuais; (4) gênero; (5)

nível de escolaridade; (6) idade.

Os fatores condicionadores linguísticos, sociais e estilísticos representam as

armas que os conectores sequenciadores E e AÍ possuem em seu combate no domínio

funcional da sequenciação retroativo-propulsora. Acredito que haja motivações de

natureza linguística, estilística e social atuando subjacentes às escolhas – conscientes ou

inconscientes – feitas pelos alunos participantes desta pesquisa no momento em que

sequenciam as diferentes partes de seus textos narrativos. Neste estudo, considero duas

motivações em especial: o princípio da persistência e o princípio da marcação estilística.

O princípio da persistência tem se revelado de grande relevância para o estudo

da variação linguística (cf. TAGLIAMONTE, 2003; TAGLIAMONTE, SMITH, 2006;

POPLACK, 2011; TAVARES, 2003, 2013b; TORRES CACOULLOS, 2012, entre

outros). Segundo esse princípio, proposto por Hopper (1991), alguns matizes dos

significados originais de uma forma linguística tendem a ser conservados por ela ao

longo de seu processo de gramaticalização. Isso faz com que detalhes de sua história

lexical e gramatical possam se manifestar no formato de condicionamentos a sua

distribuição linguística, mesmo quando a forma assume funções distantes daquelas das

quais é oriunda. Sendo assim, os conectores sequenciadores E e AÍ podem diferir em

termos de sua distribuição linguística porque se desenvolveram de diferentes fontes (cf.

capítulo I) e retiveram alguns traços dessas fontes em seu uso atual na indicação de

sequenciação retroativo-propulsora, hipótese que será testada neste estudo.

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De acordo com o princípio da marcação estilística, formas linguísticas

estilisticamente marcadas como informais em uma certa comunidade de fala tendem a

ser frequentes em contextos caracterizados por maior informalidade, e pouco frequentes

em contextos caracterizados por maior formalidade, ao passo que formas

estilisticamente marcadas como formais na mesma comunidade de fala tendem a

predominar em contextos de natureza mais formal, e serem pouco empregadas em

contextos de natureza mais informal (cf. TAVARES, 2013d; LABOV, 2003). Além

disso, formas que são tidas como informais pelos usuários da língua costumam ser mais

recorrentes entre indivíduos de menor idade e/ou de menor escolaridade, e/ou de

indivíduos de determinada classe social e/ou de determinado gênero (cf. LABOV,

2003).

Estudos anteriores apontam que o conector sequenciador AÍ é geralmente

considerado uma forma típica de contextos informais, sejam de fala (cf. TAVARES,

2003; SOUZA, 2010), sejam de escrita (cf. ABREU, 1992; SANTOS, 2003;

ANDRADE, 2011; TAVARES, 2013c). Para descobrir como os alunos participantes

desta pesquisa avaliam os conectores E e AÍ quanto ao quesito (in)formalidade,

organizei e apliquei junto a esses alunos um teste de atitude linguística em que eles

puderam expor sua opinião sobre a adequação ou não do uso de cada um desses

conectores em contextos de fala e de escrita mais e menos formais. Apresento, no

capítulo IV, a descrição completa desse teste de atitude, que também foi aplicado aos

dois professores de língua portuguesa das turmas que contribuíram para esta pesquisa.

Em síntese, o teste de atitude trouxe fortes evidências de que o AÍ é considerado,

pelos alunos, um conector que não pertence à língua culta, podendo ser empregado,

segundo eles, em situações informais, mas não em situação formais. Em contraste, o E

parece ser tido, pelos alunos, como pertencente à língua culta, e, como eles não

mencionaram questões de formalidade implicadas no uso desse conector, acredito que o

considerem como uma forma não marcada estilisticamente, isto é, uma forma que pode

aparecer em contextos mais ou menos formais sem chamar atenção especial (poderia se

dizer, talvez, que se trate de uma forma estilisticamente neutra).

É interessante notar que a avaliação do conector AÍ como não pertencente à

variedade culta da língua também aparece bem claramente em uma atividade proposta

por um livro didático de língua portuguesa destinado ao nono ano do ensino

fundamental: “Este uso do aí como encadeador de episódios na narrativa não é muito

aceito na norma urbana de prestígio. Troque o aí por outro recurso de acordo com a

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norma urbana de prestígio” (TRAVAGLIA; ROCHA; ARRUDA-FERNANDES, 2009,

p. 309). 4

Justifico a relevância desta pesquisa apontando, em primeiro lugar, a

importância da realização de estudos sobre conectores sequenciadores. A fim de

construir uma relação coesiva entre as informações sequenciadas no texto falado ou

escrito, nas mais diferentes situações de interação, uma das principais estratégias a que

pode recorrer o falante ou escritor é justamente fazer uso de um conector sequenciador.

Essas formas linguísticas, ao interligar as informações e, assim, dar continuidade e

significado ao que é dito ou escrito, contribuem sobremaneira para a coesão e a

coerência textuais.

Os conectores sequenciadores E e AÍ são analisados, nesta pesquisa, como

estratégias empregadas para o estabelecimento da coesão e da progressão de narrativas

de experiência pessoal e de contos escritos por alunos de nível fundamental. A narrativa

de experiência pessoal e o conto costumam ser bastante trabalhados nesse nível de

ensino e, portanto, é fundamental que compreendamos como os conectores E e AÍ

funcionam na indicação da sequenciação retroativo-propulsora de informações nesses

gêneros textuais. Acredito que esta pesquisa traz importantes contribuições nesse

sentido, pois identifico os contextos linguísticos, estilísticos e sociais que influenciam o

emprego do E e do AÍ como conectores sequenciadores nos textos narrativos escritos

pelos alunos participantes desta pesquisa, bem como levanto, nesses textos, problemas

relativos ao emprego desses conectores. Lembro, ainda, que, neste estudo, os gêneros

textuais não representam apenas o material do qual se extraem os dados, pois também

foram controlados como possíveis condicionadores do uso variável dos conectores

sequenciadores E e AÍ.

Também merece destaque o fato de que o corpus constituído para esta pesquisa

é muito rico e variado, podendo vir a possibilitar estudos futuros de base quantitativa

e/ou qualitativa a respeito não só de conectores (sejam coordenativos ou

subordinativos), mas de diversos fenômenos gramaticais e lexicais presentes nos textos

produzidos pelos alunos participantes desta pesquisa. Além disso, os testes de atitude

realizados com esses alunos trazem informações às quais podem recorrer pesquisadores

que tenham interesse, por exemplo, em contrastar avaliações sobre o uso dos conectores 4 Os autores do livro didático definem “variedade urbana de prestígio” da seguinte forma: “[...] a

variedade utilizada pelos grupos sociais de maior prestígio social (político, econômico e cultural)”

(TRAVAGLIA; ROCHA; ARRUDA-FERNANDES, 2009, p. 3).

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sequenciadores E e AÍ feitas por falantes e escritores do português brasileiro de

diferentes regiões.

No âmbito nacional, vários pesquisadores já envidaram esforços no sentido de

analisar o emprego dos conectores sequenciadores em diferentes contextos de uso, de

fala e de escrita, o que deixa saltar à vista que a investigação desses conectores é um

terreno de grande fertilidade para a realização de novos estudos nas regiões brasileiras

onde o tema foi pouco contemplado. Esse é o caso do Rio Grande do Norte, em que já

há trabalhos feitos a respeito de conectores sequenciadores, como o de Tavares (2007)

com textos orais e escritos de diferentes gêneros produzidos por informantes do Corpus

Discurso & Gramática (cf. FURTADO DA CUNHA, 1998), o de Andrade (2011) com

textos argumentativos escritos produzidos por vestibulandos, e Souza (2010), com

conversações cotidianas. Todavia, ainda não foram feitos trabalhos versando os

conectores em questão em textos narrativos produzidos por alunos de ensino

fundamental, o que torna esta pesquisa inédita em termos do corpus utilizado, o que

soma a seu ineditismo quanto à mobilização e combinação de dois princípios, o

princípio da persistência e o princípio da marcação estilística, na explicação dos

resultados obtidos.

A partir das considerações feitas até aqui, a seguir apresento as questões sobre as

quais me debrucei, bem como as hipóteses, os objetivos gerais e os objetivos específicos

desta pesquisa e, logo após, listo as hipóteses.

Questões:

O uso variável dos conectores sequenciadores E e AÍ em textos narrativos escritos

por alunos do ensino fundamental sofrem influências de grupos de fatores de

natureza linguística, estilística e social?

Os princípios de persistência e de marcação estilística estão subjacentes ao uso

variável dos conectores E e AÍ?

Objetivo geral

Analisar os conectores sequenciadores E e AÍ como formas variantes na indicação

de sequenciação retroativo-propulsora de informações em textos narrativos escritos

por alunos do ensino fundamental de escolas públicas do município de Natal (RN),

contribuindo, desse modo, para a descrição do português brasileiro escrito na Região

Nordeste, além de oferecer um importante material de suporte para outros

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pesquisadores que, por ventura, venham a realizar estudos sobre o mesmo

fenômeno.

Objetivos específicos

Averiguar os grupos de fatores linguísticos, estilísticos e sociais que exercem

influência sobre o uso variável dos conectores sequenciadores E e AÍ em textos

narrativos escritos por alunos do ensino fundamental;

Avaliar o papel do princípio da persistência e do princípio da marcação estilística no

uso variável dos conectores sequenciadores E e AÍ em textos narrativos escritos por

alunos do ensino fundamental;

Hipóteses

Os conectores sequenciadores E e AÍ sofrerão influências dos seguintes grupos de

fatores de natureza linguística e textual-estilística: relações semântico-pragmáticas,

níveis de articulação e gêneros textuais, e dos seguinte grupos de fatores sociais:

gênero, idade e nível de escolaridade. 5

O princípio da persistência pode explicar os condicionamentos exercidos pelos

grupos de fatores relações semântico-pragmáticas e níveis de articulação, e o

princípio da marcação estilística pode explicar os condicionamentos exercidos pelo

grupo de fator gêneros textuais, bem como pode explicar os condicionamentos

exercidos pelos grupos de fatores gênero, idade e nível de escolaridade.

A seguir, no capítulo I, sintetizo, na primeira seção, com base em Tavares

(2003), os percursos de gramaticalização possivelmente percorridos por E e por AÍ de

empregos adverbiais a seu emprego como conectores sequenciadores. Na segunda e na

terceira seções, destaco, respectivamente, dois estudos, um deles feito por Santos (2003)

e o outro por Tavares (2007), em que são averiguadas ocorrências do E e do AÍ como

conectores em textos escritos de diferentes gêneros textuais.

No capítulo II, encontra-se o referencial teórico desta pesquisa, em que lanço o

foco, inicialmente, para os conceitos do funcionalismo norte-americano e da 5 Considero o gênero textual um grupo de fatores textual-estilístico porque o nível de abrangência desse

grupo de fatores é, obviamente, o texto, sendo o estilo uma das características fundamentais da

composição de cada gênero textual (cf. BAKHTIN, 2003). Por essa razão, na análise dos dados, os

resultados referentes ao grupo de fatores em questão são relacionados ao princípio de marcação estilística.

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sociolinguística variacionista mais relevantes para a análise feita aqui. Na sequência,

delineio considerações sobre algumas implicações teórico-metodológicas derivadas da

adoção de uma perspectiva sociofuncionalista de investigação, como a que guia este

trabalho.

No capítulo III, consta a caracterização dos dois gêneros textuais em que se

enquadram os textos dos quais extraí os dados: a narrativa de experiência pessoal e o

conto. Nesse capítulo, dou ênfase às definições e às propriedades de cada um desses

gêneros que foram trabalhadas por mim junto aos alunos participantes desta pesquisa,

antes de eles escreverem seus textos.

No capítulo IV, reservado aos procedimentos metodológicos, inicialmente

descrevo o corpus do qual extraí os dados: textos de dois gêneros textuais da esfera

narrativa, produzidos por alunos de diferentes características sociais. Depois, listo os

procedimentos que segui para a obtenção dos textos junto a esses alunos. Por fim,

discorro sobre os procedimentos que utilizei para a análise dos dados.

No capítulo V, avalio as respostas ao teste de atitude linguística fornecidas pelos

alunos e seus professores de língua portuguesa, respostas essas que contribuem para a

interpretação dos resultados. A seguir, descrevo e exemplifico os grupos de fatores

controlados, e proponho explicações para os resultados que obtive para esses grupos de

fatores à luz dos princípios da persistência e da marcação estilística. Por fim, discuto a

questão da implementação do conector AÍ na escrita do português brasileiro, destacando

o possível papel da escola frente a esse processo.

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CAPÍTULO I – ESTADO DA ARTE

Neste capítulo, abordo conceitos e propostas fundamentais para o estudo dos

conectores E e AÍ, muitos dos quais são, posteriormente, relacionados aos dados obtidos

(cf. capítulo V). Lanço, inicialmente, o olhar sobre o fenômeno de gramaticalização,

processo de mudança responsável pela passagem do E e do AÍ de usos adverbiais a usos

como conectores sequenciadores. A esse respeito, na primeira seção, delineio, com base

em Tavares (2003), os percursos de gramaticalização possivelmente percorridos pelas

formas sob enfoque em sua trajetória rumo à sequenciação retroativo-propulsora de

informações.

Na segunda e na terceira seções, apresento os resultados de duas pesquisas, a de

Santos (2003) e a de Tavares (2007), as quais, em sua análise sobre o uso do E e do AÍ

como conectores, levaram em conta a questão do gênero textual. Tais pesquisas

constituem-se, portanto, em referências fundamentais para este estudo.

De antemão, já aponto que Santos (2003) abordou os conectores E e AÍ do

ponto de vista de seu papel na tessitura textual em termos das macrofunções e das

subfunções por eles assumidas no âmbito interfrástico em romances infantis e juvenis.

Por sua vez, Tavares (2007) tomou em conjunto os âmbitos intrafrástico e interfrástico,

averiguando diferentes categorias que se correlacionam ao emprego do E e do AÍ como

conectores em diferentes gêneros textuais orais e escritos, e relacionando tais categorias

ao princípio da marcação (cf. GIVÓN, 1995).

1. Gramaticalização: o caso do E e do AÍ

As formas E e AÍ tornaram-se conectores por meio do processo de

gramaticalização. Através desse processo, uma palavra ou construção recorrentemente

empregada em situações comunicativas particulares pode vir a obter, com o passar do

tempo, estatuto de forma gramatical, ou uma palavra ou construção já pertencente ao

conjunto de itens gramaticais pode vir a adquirir um novo papel gramatical (cf.

HOPPER; TRAUGOTT, 1993).

Esse processo é o tipo de mudança gramatical mais frequente nas línguas em

geral, e envolve algumas alterações que uma forma em gramaticalização tende a sofrer,

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quais sejam: a) desenvolvimento unidirecional no âmbito semântico, indo de

significados ligados a um plano mais concreto/lexical a significados ligados a um plano

mais abstrato/gramatical; (b) incorporação de características morfossintáticas comuns à

categoria gramatical para a qual a forma está se dirigindo, com a concomitante perda de

características de seu emprego fonte (cf. TABOR; TRAUGOTT, 1998; BRINTON;

TRAUGOTT, 2005; TRAUGOTT; DASHER, 2005; ROSSARI; RICCI; SPIRIDON,

2009).

Comecemos pelo processo de gramaticalização do E. Segundo Ernout e Meillet,

(1951 apud BARRETO, 1999), o conector E provêm do conector latino et, derivado do

advérbio do latim arcaico et/eti, que significava ‘também’. Por sua vez, o advérbio

et/eti era provavelmente oriundo do advérbio ~eti, ‘além de’, do protoindo-europeu.

Posteriormente, em uma possível gramaticalização sofrida a partir de seu uso com o

significado de ‘também’, et passou a ser usado na indicação de cópula, isto é, na

indicação de uma junção entre construções linguísticas, tornando-se, desse modo, um

conector.

Nesse papel, et conectava de palavras a segmentos do texto de proporções

variadas, e teve as suas possibilidades de uso cada vez mais aumentadas,

transformando-se em um conector sequenciador que podia ser utilizado para codificar

diferentes relações semântico-pragmáticas, entre as quais destacavam-se a sequenciação

textual (tradicionalmente denominada “adição”), a sequenciação temporal e a

consequência. Vejamos alguns exemplos, extraídos de Tavares (2003, p. 142):

(1) Quid uero? Nuper cum morte superioris uxoris nouis nuptiis domum uacuefecisses,

nonne etiam alio incredibili scelere hoc scelus cumulauisti? Quod ego praetermitto et

facile sileri, ne ih hac ciuitate tanti facinoris immanitas aut exstitisse aut non uindicata

esse uideatur? (Cic. Cat. I, 6, 14)

[O que na verdade? Recentemente, quando esvaziaste tua casa com a morte da última

esposa para novas núpcias, por acaso não aumentaste ainda este crime com outro crime

mais terrível? Eu não menciono aquilo e suporto que seja silenciado facilmente, para

que a imensidão de tão grande atentado não pareça ter existido nesta cidade ou que não

foi vingado.]

(2) Usque in hanc horam et esurinus, et sitimus, et nudi summus, et colaphias cædimur,

et stabiles sumus; et laboramus operantis manibus nostris. (A. P., 1 Cor. 4. 11)

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[Até esta hora padecemos até fome e sêde, e desnudez, e somos esbofeteados, e não

temos morada segura, e trabalhamos obrando por nossas próprias mãos.]

(3) Teque adeo decus hoc aeui, te consule, inibit, / Pollio, et incipient magni procedere

mensis, / te duce. Si qua manent sceleris uestigia nostri,/ inrita perpetua soluent

formidine terras. (L. Publius Vergilius Maro: Bucólica IV)

[Esta glória da era surgirá, sendo tu o cônsul, / e, sendo tu o comandante, Pólio,

começarão a correr os meses. / Se alguns vestígios de nosso crime permanecem, /

anulados livrarão as terras de um medo perpétuo.]

(4) Tu credis quoniam unus est Deus: Bene facis: et daemones credunt, et

contremiscunt. (A. P., Tiag. II. 19)6

[Tu crês que ha um só Deus: Fazes bem: mas tambem os demônios o crem e

estremecem.]

Os exemplos (1) e (2) nos trazem ocorrências de sequenciação textual, em que et

salienta o encadeamento de porções discursivas relacionadas a um mesmo tópico; em

(3), temos sequenciação temporal: a informação introduzida por et sucede-se

temporalmente em relação à informação já dada; e, em (4), temos consequência: os

demônios acreditam que existe um só deus e por essa razão estremecem.

Provindo do et latino, o E já surgiu no português como conector. Explica-nos

Tavares (2003, p. 24) que as “fontes do uso sequenciador do E parecem vincular-se ao

longo do tempo a papéis relativos à soma entre informações (além de, também, junção

de elementos)”. A autora propõe, com base em dados do latim, que, como et parece ter

estado por muito tempo vinculado a significados ligados à soma de informações, deve

ter tido como seu primeiro uso no âmbito da sequenciação retroativo-propulsora a

indicação de sequenciação textual, a qual manifesta, à semelhança dos usos adverbiais

de et, a característica de adicionar uma parte do texto à outra (seja no âmbito

intrafrástico, seja no interfrástico). A esse emprego conectivo, posteriormente somaram-

se outros, como a sequenciação temporal e a consequência.

Em contraste com a migração de et de advérbio para conector, sua expansão para

a expressão de diferentes relações semântico-pragmáticas não implica mudança de

6 Os trechos de textos latinos (1) e (3) e suas traduções são provenientes de Garcia (1997). Os trechos (2)

e (4) e suas traduções, por sua vez, são provenientes de Pereira (1923, p. 565).

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categoria gramatical, posto que não acontece a passagem de uma categoria gramatical

para outra, e sim uma ampliação funcional: uma vez que, a partir de seus usos

adverbiais, et começou a ser empregado na indicação de uma relação semântico-

pragmática – no caso, possivelmente a sequenciação textual – ele se tornou, por pressão

dos contextos de uso, apto a indicar também outras relações semântico-pragmáticas

ligadas à sequenciação retroativo-propulsora de informações, caso da sequenciação

temporal e da consequência.

Que tipo de contextos de uso poderiam ter pressionado a ocorrência desse

processo de ampliação funcional do conector et? Consoante Tavares (op. cit.), certas

nuanças semântico-pragmáticas possivelmente estavam presentes como inferências em

alguns contextos de uso do et na indicação de sequenciação textual. Graças a repetição

de ocorrências do et nesse tipo de contexto, tais padrões inferenciais devem ter se

rotinizado, tornando-se incorporados ao conjunto de relações semântico-pragmáticas

passíveis de serem expressas por esse conector, as quais foram herdadas pelo conector E

no português.

No que se refere à relação de sequenciação temporal, segundo Tavares (op. cit.),

em certos casos os falantes devem ter organizado textualmente as informações

conectadas pelo et de forma que essas informações parecessem seguir uma ordenação

cronológica. Em contextos desse tipo, o et pode ter sido relacionado à sequenciação

temporal, e, assim, teria se dado o começo de seu emprego na indicação dessa relação

semântico-pragmática.

Quanto à consequência, o conector et pode ter começado a ser empregado como

marca linguística dessa relação em contextos de uso em que, além de haver a conexão

de dois eventos de acordo com a sua ordenação temporal, provavelmente havia também

a inferência de que esses eventos estavam relacionados não apenas temporalmente, mas

também como causa e consequência. Contextos desse tipo seriam capazes de pressionar

o processo de enraização do uso de et na indicação de consequência (cf. TAVARES, op.

cit.).

Por sua vez, AÍ é oriundo do advérbio latino ibi e podia significar ‘nesse lugar’,

‘nesse momento’ ou ‘nesse assunto’.7 Explica-nos Tavares (op. cit.) que AÍ parece ter

desembocado na sequenciação retroativo-propulsora seguindo um percurso universal

7 Consultei os seguintes dicionários etimológicos para obter informações sobre as origens da forma AÍ:

Cunha (1991) e Silveira Bueno (1965).

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tipicamente envolvido na emergência de conectores: espaço > tempo > texto, conforme

proposta de Heine, Claudi e Hünnemeyer (1991). O significado espacial é mais básico e

concreto que o significado temporal, que, por sua vez, é mais básico e concreto que as

relações textuais. É comum que os itens que possuem valor de espaço externo assumam

um valor temporal, chegando, por fim, a serem empregados como organizadores de

espaço textual.

Tavares (2003), com base em dados orais e escritos do português do século XIII

ao XX, propõe o seguinte percurso que teria sido seguido por AÍ em seu processo de

gramaticalização como conector: dêixis locativa (apontamento para o mundo) > anáfora

locativa (apontamento para um lugar mencionado anteriormente, criando-se uma relação

de correferência) > anáfora temporal (apontamento para um período de tempo

mencionado anteriormente, criando-se uma relação de correferência) > sequenciação

retroativo-propulsora (apontamento para a informação prévia e para a informação

subsequente, criando-se um laço coesivo que leva o interlocutor a buscar por inter-

relações entre essas informações).

A título de ilustração, vejamos os exemplos a seguir, extraídos de Tavares (op.

cit., p. 154-155) e pertencentes ao Banco de Dados Variação Linguística na Região Sul

do Brasil (VARSUL/Florianópolis):

(5) Daí no outro dia, no aniversário, já ligaram toda a minha família: “Ah, eu vou aí dar

um abraço na- na tua irmã, tá R.? (FLP04C)

(6) Sempre faz aquelas coisas que não pode. A gente se pendu- não era pendurar,

também, né? Nós gostávamos de abrir o armário porque ele era muito grande e era

muito alto. Então a gente se pendurava aí e ficava assim. (FLP01:770)

(7) Quando eu tinha doze anos, ela apareceu de novo. Aí eu já estava adulta. (est) Aí eu

já estava bem grande, né? (FLP03)

(8) Eu disse: “Claro que não, é pra lá, garota! Vamos esperar o tio.” Aí ela disse: “Mas

o tio ainda não está vindo, ele disse que chegava primeiro que nós e não chegou.”

(FLP03C)

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Em (5), temos um AÍ dêitico locativo. Em (6), temos um AÍ anafórico locativo.

Em (7), temos um AÍ anafórico temporal. E em (8), temos um AÍ conector

sequenciador.

Como o processo de passagem do AÍ de cada função precedente para a função

subsequente pode ter ocorrido? Segundo Tavares (op. cit.), no caso do uso dêitico

locativo, o apontamento para um lugar relacionado ao contexto em que se dá a interação

comunicativa tem natureza bastante concreta devido à ligação estabelecida entre o texto

e o mundo exterior a ele. Na migração do AÍ dessa função dêitica para a função de

indicação anafórica locativa, a organização espacial do mundo concreto transfere-se

para a organização do mundo mais abstrato do texto, passando a haver a interligação de

dois elementos mencionados no texto, os quais possuem o mesmo referente (um caso de

correferência, portanto).

Já o ganho da função de indicação anafórica temporal é uma etapa ainda mais

gramatical do percurso de gramaticalização seguido pelo AÍ, em que uma noção mais

abstrata, o tempo, é compreendida em termos de uma noção mais concreta, ligada à

experiência física com o mundo, qual seja, a noção de espaço, ambas manifestadas no

plano anafórico. Finalmente, a função de indicação de sequenciação retroativo-

propulsora de informações representa, para o AÍ, a aquisição de um papel altamente

gramatical, vinculado à interligação de informações dentro de um texto. Nesse processo,

a relação espacial e/ou temporal que ligava o AÍ a um elemento antecedente cede lugar

à relação de sequencialidade temporal existente entre dois eventos. (cf. TAVARES, op.

cit.)

A sequenciação temporal manifesta-se em trechos do texto em que são

encadeados eventos no plano da cronologia temporal. Do emprego do AÍ na indicação

de sequenciação temporal, provavelmente teve origem seu emprego na indicação de

consequência, relação semântico-pragmática pela qual o falante ou o escritor apresenta,

num plano de maior complexidade e abstração, causas que levam a consequências,

envolvendo ou não sucessão temporal. Por fim, devido à pressão dos contextos de uso

de sequenciação temporal ou de consequência ou ainda de ambos, AÍ passa a ser

empregado em contextos de sequenciação textual,

“[...] uma estratégia linguística puramente coesiva, de caráter

altamente abstrato e genérico, esvaziada de quaisquer traços de

função-significação além da indicação de que uma informação

relaciona-se com a outra ou que ambas relacionam-se ao mesmo

tópico” (TAVARES, op. cit., p. 160).

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Os exemplos a seguir, extraídos de Tavares (op. cit.), ilustram a utilização do AÍ

como conector sequenciador na indicação de sequenciação temporal (em (9)), na

indicação de consequência (em (10)) e na indicação de sequenciação textual (em (11)):

(9) E debaixo daquele aço sai um tubo desses de encanamento de água, aqueles tubos

grandes, vão todos- Aí eles se metem dentro, aí estoura tudo, aí vem a máquina, vai

tirando aquelas pedras menores, né? ficam mais ou menos assim, põe dentro do britador,

aí eles vão pra outra barreira de pedra que tem. (FLP09J)

(10) A minha vódrasta, aquela tansa, antes ela ia fazer o arroz, ela pegava e mexia, aí

ficava aquela papa. (FLP11J)

(11) É, ali tinha o Rox, Cine Rox, e tinha o Cine Ritz também. Mas só o Cine Ritz

também. (inint) hoje, né? existia naquela época também. Aí o Cine Ritz só ti- tinha

cinema pra criança, mas era só durante a tarde, e à noite não podia ir, né? (FLP18)

Martelotta (1994), com base em dados sincrônicos e diacrônicos, também propôs

percursos de gramaticalização para o AÍ. Consoante o autor, o AÍ, em seu processo de

gramaticalização, passou por uma trajetória de mudança que teve como ponto de partida

o uso como dêitico espacial, do qual se seguiram os usos como anafórico espacial e

anafórico temporal. O uso como anafórico temporal, por sua vez, foi a fonte do uso

sequencial de base temporal (que corresponde ao que denomino “sequenciação

temporal”). O uso sequencial de base temporal deixou emergir o uso conclusivo (que

também pode abarcar a relação de consequência) e o uso introdutor de informações

livres (que corresponde ao que denomino “sequenciação textual”).

2. Os conectores interfrásticos E e AÍ na literatura infanto-juvenil

Santos (2003), ao analisar a articulação textual no gênero romance infantil e

juvenil, leva em conta apenas conectores de nível interfrástico. De acordo com a autora,

conectores como E e AÍ são articuladores textuais e podem ter as seguintes

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macrofunções:8 (i) Organização tópica, com as subfunções de Ruptura e Retomada; (ii)

Progressão narrativa, com as subfunções de Mudança de condução da narrativa, Adição,

Progressão temporal, Causa/efeito, Conclusão/finalização e Ênfase (polissíndeto); (iii)

Interação (entre personagens ou entre narrador e leitor), com as subfunções de

Interpelação, Ênfase e Contestação; (iv) Contrajunção, com as subfunções de Quebra de

expectativa, Retificação e Ressalva.

Santos (op. cit.) afirma que o conector E costuma ser o mais recorrente dos

conectores, independentemente do tipo de amostra utilizada, seja de fala ou de escrita.

Como trabalhos que atestam essa informação, são citados pela autora: Guimarães e

Filipouski (1988), Kato (1990), Abreu (1992), Rojo (1996) e Monnerat (1998). Para

Kato (1990 apud Santos, 2003, p. 40), o E é um “arquiconectivo” e as crianças

aprendem a utilizá-lo bastante precocemente para garantir a coesão textual. Rojo (1996

apud Santos, 2003) alerta para a marca de oralidade que pode ser percebida no uso

recorrente dos conectores – a exemplo do E e do AÍ – em textos escritos.

Ao analisar dados do E extraídos de dez romances infantis e juvenis, Santos (op.

cit.) observou que esse conector facilmente assume a macrofunção de Progressão

narrativa, macrofunção em que mais se repete. Nessa macrofunção, Santos encontrou o

E desempenhando as subfunções de Adição (314 dados), Progressão temporal (159

dados), Causa/efeito (18 dados), Conclusão/finalização (27 dados) e Ênfase (76 dados).

Na subfunção de Adição, o E auxilia na progressão narrativa, realizando uma

espécie de adição na tessitura textual, entre orações ou parágrafos, estendendo o texto e

ordenando os eventos. Na subfunção de Progressão temporal, o E carrega uma marca

temporal, possibilitando a ordenação da sequência cronológica dos fatos narrados. Na

subfunção de Causa/efeito, o E estabelece uma relação de consequência relativamente a

uma causa anteriormente dada. Na subfunção de Ênfase/polissíndeto, o E gera uma

espécie de fluidez no texto, dando movimento, ritmo, continuidade aos fatos. Na

subfunção de Conclusão, o E é recorrente em trechos tipicamente argumentativos dos

romances infantis e juvenis, em que o argumento precedente está relacionado com a

conclusão; já o efeito de finalizador de passagens do texto se dá com mais frequência

em trechos descritivos e narrativos.

8

Santos (2003) denomina “macrofunção” uma função que inclui funções mais específicas

desempenhadas pelos conectores na tessitura textual.

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Santos (op. cit.) encontrou também o emprego do conector E na macrofunção de

Organização tópica, seja em casos de Ruptura (5 dados) ou Retomada (4 dados). O E

pode interligar dois segmentos tópicos, que pertencem a um mesmo assunto (subfunção

de Adição), mas também pode introduzir um novo tópico que represente uma quebra em

relação ao eixo temático que vinha sendo desenvolvido na narrativa (subfunção de

Ruptura). Além disso, no desenrolar da narrativa, o escritor pode interromper o assunto

e começar a discorrer sobre outro tema significativo, e, logo após, retomar o assunto

interrompido previamente, marcando essa retomada através do conector E (subfunção

de Retomada).

Outra macrofunção que o conector E assume nos romances infantis e juvenis

analisados por Santos (op. cit.) é a de Contrajunção, na subfunção de Quebra de

expectativa (14 dados), similar à função do conector MAS. Por fim, o E também exerce

a macrofunção de Interação, tipicamente em diálogos ou em narrativas de primeira

pessoa, deixando emergir uma intenção fática de interação entre os personagens que

dialogam entre si ou entre o narrador e o leitor. Relativamente a essa macrofunção, o E

aparece com as seguintes subfunções: Interpelação (114 dados, a exemplo de “E você,

como é que se chama?”), Ênfase (12 dados, a exemplo de “E como!”) e Contestação (56

dados, a exemplo de “E como é que a gente vai dar uma lavagem intestinal nesse bicho

tão grande?”).9

Quanto ao AÍ, nos romances infantis e juvenis analisados por Santos (op. cit.),

foram encontradas ocorrências desse conector apenas na macrofunção de Progressão

narrativa, nas subfunções de Progressão temporal (65 dados), Causa/efeito (12 dados) e

Conclusão/Finalização (1 dado). Face a esses resultados, Santos conclui que o AÍ

exerce, em sua amostra de dados, a macrofunção de Progressão narrativa, encadeando

uma a outra diferentes partes do texto. A autora acredita que, devido a sua natureza

adverbial prévia, esse conector ainda traz em si uma marca de temporalidade,

sequenciando os eventos narrados. Por isso, é bastante recorrente na subfunção de

Progressão temporal. O estabelecimento de uma relação de causa/efeito entre segmentos

do texto também é uma subfunção desempenhada pelo AÍ na amostra de dados de

Santos, havendo, ainda, uma ocorrência do AÍ na subfunção de Finalização, em que esse

conector assume um valor de finalizador da tessitura textual.

9 Dados extraídos de Santos (2003), p. 50-51.

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3. Conectores E e AÍ na fala e na escrita: foco no princípio da marcação

Tavares (2007) analisou 846 dados de conectores sequenciadores de uma

amostra composta por 64 textos pertencente ao Corpus Discurso & Gramática – a

língua falada e escrita na cidade do Natal (cf. FURTADO DA CUNHA, 1998). Esses

textos foram produzidos por oito indivíduos natalenses, quatro de 9 a 11 anos da 4ª série

do ensino fundamental e quatro de 18 a 20 anos do 3.º ano do ensino médio. Cada um

desses indivíduos produziu quatro textos orais e quatro textos escritos correspondentes,

dos seguintes gêneros textuais: narrativa de experiência pessoal, relato de procedimento,

descrição de local e relato de opinião.

Explica Tavares (op. cit.) que, como E e AÍ conectores são utilizados em uma

mesma função, a indicação de sequenciação retroativo-propulsora de informações,

caracterizam-se como um caso de formas em sobreposição funcional. Nas palavras da

autora, “formas em sobreposição funcional estão sujeitas ao princípio da marcação,

pois, mesmo desempenhando uma mesma função, tendem a manifestar diferentes graus

de complexidade” (TAVARES, op. cit., p. 88).

Givón (1995) apresenta três critérios para a identificação de formas marcadas:

(a) complexidade estrutural: a forma marcada tende a ser mais complexa (em termos de

extensão e/ou número de morfemas) que a não marcada; (b) distribuição de frequência:

a forma marcada tende a ser menos frequente que a não marcada, o que lhe gera maior

saliência cognitiva; (c) complexidade cognitiva: a forma marcada tende a ser

cognitivamente mais complexa, o que aumenta a necessidade de atenção, o esforço

mental e o tempo de processamento.

O emprego desses critérios por Tavares (2007) para o caso dos conectores

sequenciadores E e AÍ encontrados em sua amostra de dados resultou na constatação de

que o E é o conector menos marcado e mais recorrente tanto na escrita como na fala

(havia 502 dados na totalidade da amostra, 393 na fala e 109 na escrita). Quanto ao AÍ,

esse conector é mais marcado, por ter maior extensão e menor frequência de uso (havia

223 dados na totalidade da amostra, 221 na fala e 2 na escrita).

Tavares (op. cit.) defende que uma forma será preferencialmente utilizada em

certos contextos dependendo do seu grau de marcação. Para testar essa possibilidade em

relação aos conectores E e AÍ, a autora procurou diferenciar categorias mais e menos

complexas relacionadas a diferentes elementos vinculados aos contextos de uso dos

conectores E e AÍ. A hipótese era de que o E, menos marcado, seria mais empregado em

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contextos menos complexos, em contraste com o AÍ, mais marcado, que seria

empregado em contextos mais complexos. Frente a essa hipótese, destaco os resultados

obtidos por Tavares para três categorias: (i) relações semântico-pragmáticas existentes

entre as partes do texto interligadas por E e por AÍ (sequenciação textual, sequenciação

temporal e consequência); (ii) níveis de articulação (segmento oracional, segmento

tópico); (iii) gênero textual (narrativa de experiência pessoal, relato de procedimento,

descrição de local e relato de opinião). Essas categorias foram relacionadas a graus

distintos de complexidade.

No que diz respeito às relações semântico-pragmáticas, Tavares (op. cit.)

considera a sequenciação textual a relação menos complexa, pois diz respeito apenas à

ordenação pela qual as informações interligadas ocorrem ao longo do tempo discursivo.

Já a sequenciação temporal é considerada mais complexa que a textual, pois, além da

ordenação discursiva, o leitor/escritor precisa compreender a ordenação temporal

impingida pelo falante/escritor entre as informações interligadas. Por fim, a relação de

consequência é considerada a mais complexa dentre as três relações, uma vez que exige

do leitor/escritor um processo cognitivo mais complexo, ligado a um viés

argumentativo.10

Segundo a hipótese inicialmente feita, o E, por ser o conector menos marcado,

tenderia a ser preferencialmente usado na indicação de sequenciação textual. Os

resultados da pesquisa atestaram essa hipótese, pois 67% das ocorrências desse conector

estavam ligadas à sequenciação textual, e apenas 24% à sequenciação temporal e 9% à

consequência. Em contraste, o AÍ, conector mais marcado que o E, foi mais recorrente

na indicação de sequenciação temporal (42% dos dados), seguindo-se a sequenciação

textual (34% dos dados) e a consequência (22% dos dados).

Relativamente aos níveis de articulação, foram examinados dois níveis:

segmento tópico – o conector tem a função de interligar dois segmentos tópicos, que

fazem parte de um mesmo tópico/assunto; segmento oracional – o conector tem a

função de interligar duas orações que mantêm entre si fortes elos de integração.

Avaliado quanto à complexidade, o nível dos segmentos oracionais foi caracterizado

como menos complexo, pois envolve uma maior continuidade dos subcomponentes

10

Lopes (2012) também considera a adição (aqui denominada “sequenciação textual”) como a menos

complexa dentre as relações expressas pelos conectores do português. A autora indica a consequência

como a segunda relação em ordem crescente de complexidade – a única relação mais complexa que a

consequência é a de concessão.

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implicados na coerência textual: referencialidade, localização, temporalidade,

aspectualidade, modalidade/modo e ação/evento.11

Trata-se, pois, de um tipo de

segmento menos complexo porque não ocorrem nele muitas rupturas entre as

informações conectadas. Por sua vez, o nível dos segmentos tópico exige um

processamento mais complexo, posto que há maior descontinuidade entre as

informações interligadas, considerando-se os subcomponentes da coerência textual. Os

resultados obtidos confirmaram a hipótese de que o E, por ser menos marcado, seria

mais frequente no nível dos segmentos oracionais (em que o E teve 32% de suas

ocorrências e o AÍ apenas 5%). Todavia, ambos os conectores foram mais frequentes no

nível dos segmentos tópicos (em que o E teve 68% de suas ocorrências e o AÍ, 95%).

Quanto aos gêneros textuais, os quatro gêneros analisados – narrativa de

experiência pessoal, relato de procedimento, descrição de local e relato de opinião –

foram avaliados em termos de complexidade quanto aos seguintes critérios: (i) tempo e

aspecto verbal mais frequentes; (ii) natureza do tipo de informação mais recorrente.

Quanto a esses critérios, os gêneros textuais foram assim caracterizados:

Narrativa de experiência pessoal: o gênero textual menos complexo dentre os

quatro gêneros analisados, por haver nele a sequenciação temporal de eventos

passados, temporalmente delimitados, com predomínio de verbos no pretérito

perfeito e no aspecto perfectivo, compacto e completo. Segundo Givón (1993),

esses são o tempo e o aspecto verbal menos complexos porque costumam ser os

mais frequentes na comunicação humana em geral, e, devido a suas características

de completude e de delimitação mais precisa, demandam menos trabalho cognitivo

tanto para o processamento quanto para a percepção.

Relato de opinião: apresenta as opiniões do falante ou escritor a respeito de fatos ou

ideias, com predomínio de verbos no presente, não sequenciais e ancorados na

situação de produção do texto, e no aspecto imperfectivo, de maior duração e

incompletude. De acordo com Givón (op. cit.), esse tempo e esse aspecto estão

entre os mais complexos na comunicação humana em geral. Assim, Tavares (2007,

p. 94) defende que o relato de opinião é o gênero textual mais complexo dentre os

que leva em conta em seu estudo, uma vez que esse gênero se define pela

11

Os subcomponentes da coerência textual levados em conta por Tavares (2007) foram propostos por

Givón (1995, 2001).

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“exposição de pontos de vista, o que é relativamente complexo em nível de

processamento e percepção, bem como envolve o uso de tempo e de aspecto

complexos”.

Relato de procedimentos: ênfase na sequenciação temporal das etapas de um

processo, geralmente com predomínio de verbos no presente e no aspecto

imperfectivo. Apesar de o relato de procedimentos se aproximar da narrativa de

experiência pessoal devido ao traço de sequenciação temporal, de natureza mais

concreta e, assim, mais simples em termos de processamento cognitivo, os verbos

mais recorrentes nesse gênero são de natureza complexa, o que faz com ele possa

ser tido como mais complexo que a narrativa de experiência pessoal.

Descrição de local: trata-se de um gênero textual também mais complexo que a

narrativa de experiência pessoal, já que envolve “a exposição das características de

um elemento, feita comumente no pretérito imperfeito ou no presente, tempos

verbais complexos” (TAVARES, op. cit., p. 95).

A hipótese de que o conector E, por ser o conector menos marcado, seria mais

frequente na narrativa de experiência pessoal, não foi confirmada pelos resultados, que

revelaram que ambos os conectores possuem maior taxa de uso nesse gênero textual,

com 51% das ocorrências do AÍ e 41% das ocorrências do E. Ambos os conectores

também se destacam no relato de procedimento, com 35% das ocorrências do AÍ e 23%

das ocorrências do E. Esses resultados levaram Tavares (op. cit.) a concluir que os

gêneros textuais em que o E e o AÍ são mais recorrentes são aqueles marcados pela

sequenciação temporal de eventos ou de etapas de um processo.12

Enfim, neste capítulo, após abordar os processos de gramaticalização percorridos

pelos conectores sequenciadores E e AÍ, sintetizei estudos que tomaram tais conectores

como objeto de análise, estudos esses que se constituem em importantes referência para

esta pesquisa. No próximo capítulo, terá lugar a apresentação dos preceitos teórico-

metodológicos por mim adotados.

12

Cumpre mencionar que, neste estudo, não recorremos ao princípio da marcação como fonte de

explicações porque consideramos outros dois princípios mais relevantes para a análise da distribuição dos

conectores sequenciadores E e AÍ em textos escritos: o princípio da persistência e o princípio da

marcação estilística.

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CAPÍTULO II – FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

A presente pesquisa é desenvolvida à luz de uma perspectiva teórica que se

constitui através da busca de articulação entre pressupostos teórico-metodológicos

provenientes de duas teorias: o funcionalismo norte-americano e a sociolinguística

variacionista.

Na primeira seção, apresento a teoria funcionalista, destacando sua abordagem

ao processo de gramaticalização. Na segunda seção, dou espaço à sociolinguística

variacionista, referente à qual focalizo, em especial, a questão da heterogeneidade e da

mudança linguística. Por fim, na terceira seção, caracterizo o sociofuncionalismo,

levantando pontos de contato entre o funcionalismo e a sociolinguística, e delineando os

procedimentos de análise comumente adotados por pesquisadores que trabalham nessa

perspectiva teórica.

1. Funcionalismo norte-americano

1.1 Gramática emergente

O funcionalismo norte-americano tem como objeto de estudo as línguas em

situação real de comunicação, recebendo, portanto, papel central a função do item

linguístico observado, cuja forma será descrita em relação a suas propriedades

funcionais – fonético-fonológicas, morfossintáticas, semântico-pragmáticas. Nessa

perspectiva teórica, defende-se que a estrutura é motivada pelo uso, pelas intenções e

pelas necessidades comunicativas dos usuários da língua. Sobre o funcionalismo,

explica-nos Furtado da Cunha (2009, p. 157) que o seu “[...] interesse de investigação

linguística vai além da estrutura gramatical, buscando na situação comunicativa – que

envolve os interlocutores, seus propósitos e o contexto discursivo – a motivação para os

fatos da língua”.

Similarmente, Martelotta e Areas (2003, p. 20) assim definem o funcionalismo:

[...] caracteriza-se pela concepção da língua como um instrumento de

comunicação, que, como tal, não pode ser analisada como um objeto

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autônomo, mas como uma estrutura maleável, sujeita a pressões

oriundas das diferentes situações comunicativas, que ajudam a

determinar sua estrutura gramatical.

De acordo com a teoria funcionalista, a língua é concebida como heterogênea e

susceptível às mudanças, pois o sistema linguístico sofre pressões tanto linguísticas

quanto cognitivo-comunicativas; essas pressões determinam a forma e a função,

eclodindo nas variações linguísticas, característica inerente às línguas (cf. GIVÓN,

1995). A gramática é definida como um sistema elástico, mutável, destacando-se os

sujeitos e suas intenções de fala/escrita, bem como o contexto de uso: a gramática é

entendida “[...] como um organismo maleável, que se adapta às necessidades

comunicativas e cognitivas dos falantes [...]” (FURTADO DA CUNHA, 2009, p. 164).

Na ótica funcionalista, a gramática tende a ser vista, pois, como emergente.

Günther (2011) salienta que a proposta de gramática emergente apresentada por Paul

Hopper (1987, 1998, 2001, 2004, 2008, 2011) tem exercido, com o passar do tempo,

grande influência em diferentes vertentes de pesquisa, como a linguística funcional, a

linguística interacional e a linguística cognitiva, além de receber lugar de destaque em

investigações sobre o fenômeno de gramaticalização realizadas na perspectiva

funcionalista.

A respeito de sua proposta, esclarece-nos Hopper (1998, p. 156) que a “[...]

noção de gramática emergente pretende sugerir que a estrutura, ou regularidade, vem do

discurso e é moldada pelo discurso em um processo contínuo” (HOPPER, 1998, p. 156).

Hopper (1987) adotou, em referência à gramática, o termo “emergente” empregado pelo

historiador James Clifford, para quem a cultura é temporal, emergente e disputada (cf.

CLIFFORD, 1986). Entendendo que, para Hopper, o termo “discurso” diz respeito a

todo ato interacional entre os usuários da língua, seja ele de fala ou de escrita, podemos

observar alguns aspectos relevantes para a compreensão do conceito de gramática

emergente:

1. A estrutura linguística é sempre adiada, trata-se de um processo que nunca está

acabado;

2. A gramática é um produto de estruturação contínua, dependente do contexto de

uso;

3. A língua é um fato emergente, determinada pela experiência dos falantes com o

uso das formas linguísticas em diferentes situações de comunicação;

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4. As noções de frequência, regularidade e rotinização são importantes para

entender-se como a gramática emerge do discurso.

De acordo com Hopper (1998, p. 156), a estrutura gramatical “[...] é sempre

adiada, um processo, nunca está terminada, e, portanto, é emergente”. A gramática é

uma estrutura sempre em um processo de vir a ser, que se adequa às necessidades

comunicativas dos falantes, podendo ser adaptada para diferentes situações de interação.

Em decorrência, ela é provisória e dependente dos contextos em que é utilizada. São,

pois, as situações reais de uso, onde as trocas linguísticas entre falantes com diferentes

experiências linguísticas acontecem, que proporcionam a estruturação e a reestruturação

da gramática. Nas palavras de Tavares (2012a, p. 35):

Como as experiências do falante e do ouvinte com a língua são

particulares e podem ser distintas em diversos graus, eles têm de se

esforçar para se fazer entender e para tentar entender, negociando e

adaptando funções e formas para levar sua interação linguística

adiante, o que instiga a mudança: adaptações feitas durante a

interação, como tentativa de obtenção de êxito no processo de troca

verbal, podem ocasionar o surgimento de novas estratégias para a

constituição do discurso, que, se frequentemente repetidas,

rotinizam-se, tornando-se parte da gramática da língua.

Assim sendo, como afirma Hopper (1998, p. 158), “[...] a gramática é um

produto de estruturação, em vez de um objeto delimitado a ser pensado como

estrutura”.13

Se as novas estratégias criadas on line, isto é, no momento mesmo da

constituição do discurso, forem repetidas com frequência por diferentes falantes, podem

se tornar parte da gramática da língua. Na mesma direção, pontua Tavares (2012a, p.

36): “a estrutura linguística não é imanente: as construções gramaticais têm sua origem

na repetição de agrupamentos de palavras no discurso.”

Portanto, pode-se dizer que a gramática é constituída por “[...] esquemas e

padrões rotinizados, que são generalizados das estruturas que mais frequentemente

emergem para preencher os objetivos comunicativos dos falantes” (ENGLEBRESTON,

2003, p. 89). Ou seja, a frequência de uso das formas linguísticas é um fator

fundamental para o estabelecimento e manutenção da gramática. Ademais, em

consonância com Hopper (1998, p. 162), aponto que a gramática:

[...] entendida como repetição significativa, é [...] distribuída entre os

vários participantes no ato colaborativo da comunicação. Ela é

também distribuída entre diferentes gêneros textuais e entre diferentes

13

As traduções são de minha responsabilidade.

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registros. A gramática é, em outras palavras, não uniforme, mas

relativa ao contexto.

1.2 Gramaticalização

O processo de emergência e rotinização de novas construções gramaticais14

recebe o nome de gramaticalização. A gramaticalização pode ser assim definida: trata-se

de um processo de regularização gradativa segundo o qual uma estratégia

frequentemente utilizada em determinadas situações comunicativas adquire, com o

correr do tempo, uma função gramatical, rotinizando-se como uma nova construção na

gramática da língua. Traugott (2010, 2011) lembra que esse processo envolve mudanças

em diferentes âmbitos – pragmático, semântico, morfossintático e fonológico –,

mudanças essas motivadas pelos contextos de uso das formas envolvidas.

Meillet (1965[1912]) foi pioneiro no emprego do termo “gramaticalização” em

referência à passagem de uma palavra lexical à função de elemento gramatical.

Contudo, os estudos de Meillet trouxeram a ideia de gramaticalização como um

instrumento da linguística histórica, priorizando as origens e as mudanças que

envolviam, sobretudo, morfemas gramaticais. De acordo com Gonçalves, Lima-

Hernandes e Casseb-Galvão (2007, p. 19), a “[...] gramaticalização, como proposta por

Meillet, envolve essencialmente a passagem [léxico] > [gramática], com o lado

gramatical comportando a sequência interna [sintaxe] > [morfologia]”. Posteriormente,

Kurilowcz estendeu o conceito de gramaticalização, propondo que o termo se referisse

não apenas ao processo de mudança de um item linguístico de um papel lexical para um

papel gramatical, mas também ao processo de mudança de um item linguístico de um

papel menos gramatical para um mais gramatical (cf. HEINE; CLAUDI;

HÜNNEMEYER, 1991).

Teve início com Givón (1979) uma nova fase nos estudos do fenômeno de

gramaticalização. Para o autor, “[...] a sintaxe de hoje é o discurso pragmático de

ontem” (GIVÓN, 1979, p. 208), e o processo segundo o qual o discurso gera a sintaxe é

a gramaticalização.

14

O termo construção pode ser utilizado em referência a qualquer porção de língua constituída por mais

de uma palavra, incluindo desde sintagmas a orações ou mesmo partes mais extensas. Todavia, é possível

considerar que a própria palavra seja uma construção, resultante da combinação de diferentes morfemas

(cf. HEYVAERT, 2003).

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39

Os itens linguísticos que tendem a sofrer o processo de gramaticalização são

assim caracterizados por Heine, Claudi e Hunnemeyer (1991, p. 258):

[...] os termos nesse grupo são amplamente independentes

culturalmente, o que significa que são universais à experiência

humana. Além do mais, eles representam aspectos básicos e concretos

da relação humana como o meio ambiente, com uma forte ênfase na

espacialidade do meio, incluindo partes do corpo humano.

Ou seja, para os autores, quanto mais o termo linguístico faz parte da experiência

humana básica e concreta, mais será suscetível à abstratização e à generalização

semântico-pragmática, o que facilita seu processo de gramaticalização. Esse processo de

mudança pode ocorrer com formas antigas que passam a assumir novas funções ou

funções antigas que podem ser assumidas por novas formas.

Os princípios de gramaticalização propostos por Hopper (1991) enfatizam o

caráter gradual da gramaticalização, e permitem avaliar os tens analisados como ‘mais’

ou ‘menos’ gramaticalizados. Trata-se de cinco princípios, elencados a seguir:

Estratificação: “Dentro de um domínio funcional, novas camadas estão

continuamente emergindo. Quando isso acontece, as camadas antigas não são

necessariamente descartadas, mas podem permanecer coexistindo e interagindo

com as novas camadas” (HOPPER, 1991, p. 22).

Segundo Hopper (op. cit.), a estratificação não ocasiona o desaparecimento das

formas mais antigas de um certo domínio funcional devido a sua substituição pelas

formas mais recentemente gramaticalizadas, e sim resulta no acúmulo de formas novas

e velhas, visto que estas não são necessariamente descartadas com o surgimento

daquelas, e podem continuar partilhando e disputando espaço na indicação de uma

mesma função gramatical.

Divergência: “Quando uma forma lexical sofre gramaticalização [...], a forma

lexical original pode permanecer como um elemento autônomo e sofrer as

mesmas mudanças que itens lexicais comuns” (HOPPER, 1991, p. 22).

Uma forma lexical, mesmo sendo fonte de um dado percurso de

gramaticalização que desemboca na criação de uma nova forma gramatical, não apenas

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tende a continuar a existir, mas segue caminho próprio, inclusive podendo vir a sofrer

ainda outros processos de gramaticalização dos quais surjam mais formas gramaticais.

Especialização: “Dentro de um domínio funcional complexo, uma variedade de

formas com diferentes nuanças semânticas pode ser possível num estágio;

quando ocorre a gramaticalização, essa variedade de escolhas formais estreita-

se e o menor número de formas selecionadas assume significados gramaticais

mais gerais”. (HOPPER, 1991, p. 22).

A especialização acarreta a diminuição do número de formas utilizadas na

indicação de certa função gramatical. Se, em um dado domínio funcional composto por

duas ou mais camadas (cf. o princípio de especialização), uma dessas camadas passar a

preponderar sobre as demais, ela poderá via a especializar-se, adquirindo um significado

gramatical mais geral, o que pode, inclusive, levar à eliminação das formas que com ela

competiam.15

Portanto, a especialização diminui ou extingue a competição – a variação

– entre formas linguísticos.

Persistência: “Quando uma forma sofre gramaticalização de uma função lexical

para uma gramatical, tanto quanto isso é gramaticalmente viável, alguns traços

de seus significados lexicais originais tendem a aderir a ela, e detalhes de sua

história lexical podem ser refletidos nas restrições de sua distribuição

gramatical” (HOPPER, 1991, p. 22).

O princípio da persistência traz à tona o fato de que, como os itens ou

construções gramaticais advêm de processos de evolução graduais, os sinais de sua

história podem ser conservados ao longo do tempo e se manifestar em sua forma e em

15

O princípio da especialização é ilustrado por Hopper (1991, p. 26) com o exemplo do pas negativo em

francês. Anteriormente, a negação era marcada pela partícula ne e nomes como pas (“passo”) eram

utilizados junto a verbos de movimento para ressaltar a negação, assim como nomes como mie

(“migalha”) eram utilizados junto a verbos como “dar” e “comer” com o mesmo fim. No século XVI,

somente pas e point (“ponto”) eram empregados como ressaltadores de negação e, mais tarde, apenas pas

passou a ser uma verdadeira partícula negativa, tendo seus usos ampliados para todos os tipos de verbos,

não somente os de movimento. Por conseguinte, pas acabou sendo, entre outras formas possíveis, aquela

que se especializou como partícula negativa e adquiriu, assim, um significado mais geral.

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seu significado em qualquer ponto sincrônico. Consequentemente, é esperado que uma

forma tenha traços de significado e/ou propriedades morfossintáticas que reflitam

características de seus usos passados, o que pode até mesmo influenciar o modo como

essa forma é empregada pelos usuários da língua mesmo em períodos de tempo

distantes daquele em que teve início seu processo de gramaticalização.

Decategorização: “Formas sofrendo gramaticalização tendem a perder ou

neutralizar seus marcadores morfológicos e privilégios sintáticos característicos

das categorias plenas nome e verbo, e a assumir atributos característicos de

categorias secundárias como adjetivos, particípios, preposição etc.” (HOPPER,

1991, p. 22).

O princípio da decategorização aponta para a relativização da noção de

categoria. Por conta da decategorização, a distribuição de formas em categorias não é

determinável aprioristicamente – sempre é preciso que o pesquisador analise as formas

linguísticas em diferentes contextos de uso para poder estipular a que categorias elas se

relacionam em cada contexto específico– e tampouco envolve distinções claras. O que

existe são graus de categorialidade que, além de escalares, estão sujeitos a alterações

constantes (cf. HOPPER, 2008).

2. Sociolinguística variacionista

A sociolinguística variacionista, como subárea de investigação linguística, teve

início nos Estados Unidos na década de 1960, com os objetivos de estudar e explicar

como a língua varia e muda no contexto social. Os trabalhos pioneiros, realizados por

William Labov no campo da fonologia, demonstraram que a empiria é a melhor maneira

de verificar as causas dos fenômenos de variação e mudança linguística. Entre os

trabalhos pioneiros, estão: o estudo realizado na ilha Martha’s Vineyard, no estado de

Massachusetts, sobre a pronúncia da primeira vogal dos ditongos /ay/ e /aw/; e o estudo

sobre a realização do /r/ pós-vocálico na cidade de Nova York, intitulado The social

stratification of /r/ in New York City department stores (cf. LABOV, 2008[1972]).

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A sociolinguística é comumente chamada de “sociolinguística variacionista”

pelo fato de propor que as variações linguísticas devem ser analisadas considerando-se o

papel de fatores sociais (ou extralinguísticos), pois estes podem exercer influência sobre

as escolhas linguísticas variáveis disponíveis aos falantes de qualquer língua; a língua é

um fenômeno social e não deve, portanto, ser observada longe do âmbito social.

Justamente por isso é que um dos principais objetivos dessa corrente teórica é descobrir

e explicar os fatores que levam a ou que contribuem com as variações linguísticas.

Esses fatores podem ser de ordem linguística, social, cultural e cognitiva (cf. LABOV,

2010).

De acordo com Cezario e Votre (2009, p. 147), esses fatores,

[...] são considerados essenciais para o estudo linguístico porque o

homem adquire a linguagem e dela se utiliza dentro de uma

comunidade de fala, tendo como objetivos a comunicação com os

indivíduos e a atuação sobre os interlocutores. Portanto, muito se

perde ao abstrair a língua de seu uso real.

Na mesma direção, Tagliamonte (2006, p. 5) nos esclarece que:

A sociolinguística variacionista é mais propriamente descrita como o

ramo da linguística que estuda as principais características da língua

de modo balanceado – a estrutura linguística e a estrutura social; o

significado gramatical e o significado social – essas propriedades da

língua que exigem referência a ambos os fatores, externos (social) e

internos (sistêmico) em sua explicação.

Para Tagliamonte (op. cit.), a sociolinguística depende de dois pontos

importantes, os quais serão discutidos nas próximas subseções: (1) a noção de

heterogeneidade ordenada, e (2) o fato de as línguas mudarem.

2.1 A língua como sistema heterogêneo: variáveis e variantes

Embora o gerativismo defendesse que a estrutura linguística estava representada

na mente do falante de forma homogênea, os sociolinguistas, por meio de estudos

empíricos de comunidades de fala, propuseram o rompimento com o postulado de

identificação da estruturalidade com a homogeneidade.

A sociolinguística defende que a sistematicidade e a heterogeneidade são

compatíveis, ou seja, a estrutura linguística pode variar e, dependendo dos rumos

tomados pelos fenômenos variáveis, a estrutura linguística pode sofrer mudanças. Para

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os sociolinguistas, o objeto teórico que deve ser perscrutado para a observação da

mudança linguística é a língua de uma comunidade de fala. De acordo com Weinreich,

Labov e Herzog (2006, p. 99), os estudos empíricos em comunidades de fala haviam:

[...] confirmado o modelo de um sistema ordenadamente heterogêneo

em que a escolha entre alternativas linguísticas acarreta funções

sociais e estilísticas, um sistema que muda acompanhando as

mudanças na estrutura social.

Um conceito foi introduzido no modelo heterogêneo da sociolinguística

variacionista para explicar a mudança linguística: o conceito de alternância ou variação

linguística. A proposta defendida por essa vertente teórica é que a mudança acontece

entre formas variantes que competem ou se alternam no interior de um sistema

linguístico (cf. WEINREICH; LABOV; HERZOG, op. cit.). Formas variantes são

formas diferentes que possuem o mesmo significado e/ou desempenham a mesma

função em determinados contextos (cf. TAGLIAMONTE, 2006, 2012). A um dado

conjunto de formas variantes denominamos variável linguística.

Tomemos como exemplo o objeto deste estudo: a sequenciação retroativo-

propulsora de informação é a variável linguística aqui analisada, e possui, como

variantes nos textos produzidos pelos alunos participantes da pesquisa, as formas E e

AÍ, que exercem a mesma função de interligar segmentos do texto em relação de

continuidade e consonância.

As variáveis linguísticas são também chamadas de variáveis dependentes,

conforme nos explica Mollica (2003, p. 11): “Uma variável é concebida como

dependente no sentido que o emprego das variantes não é aleatório, mas influenciado

por grupos de fatores (ou variáveis independentes) de natureza social ou estrutural”. As

variáveis independentes, também chamadas de condicionadores linguísticos e

extralinguísticos, poderão influenciar no processo de variação e mudança. Neste estudo,

as variáveis independentes consideradas são descritas no capítulo V, e possuem natureza

linguística, estilística e social.

Labov (2008[1972]) classificou as formas variantes de acordo com o nível de

consciência do falante, propondo a existência de três tipos, indicadores, marcadores e

estereótipos, assim descritos por Watt (2007, p. 6):

[...] indicadores (variáveis das quais os falantes que não sejam

linguistas não estão conscientes, e que não estão sujeitas à variação

estilística), marcadores (variáveis que estão perto do nível de

percepção consciente dos falantes, as quais podem desempenhar um

papel na estratificação de classe social, e que estão sujeitas à variação

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estilística), e estereótipos (formas das quais os falantes e a

comunidade em geral estão conscientes, mas que, como outras

expectativas estereotipadas de grupos sociais, são muitas vezes

arcaicas, reportadas de forma deturpada e percebidas

equivocadamente).

Veremos mais adiante, levando em conta as respostas obtidas no teste de atitude

linguística aplicado aos alunos e seus professores de língua portuguesa, que uma das

variantes aqui estudadas, o conector AÍ, pode ser considerada um marcador, visto que

está sujeita à variação estilística, sendo sistematicamente relacionada a situações de uso

informais.

2.2 Variação e mudança linguística

Como afirmaram Weinreich, Labov e Herzog (2006, p. 126), “Nem toda

variabilidade e heterogeneidade na estrutura linguística implica mudança; mas toda

mudança implica variabilidade e heterogeneidade”. Ou seja, um dado fenômeno

variável pode se mostrar estável, em uma situação em que não há indícios de mudança

em progresso, ou pode revelar instabilidade, no sentido de estar em curso uma mudança.

Apenas a execução de um estudo sociolinguístico permitirá ao pesquisador diferenciar

com mais precisão ambas as possibilidades.

De qualquer forma, ao identificar uma situação de variabilidade, o pesquisador

terá de enfrentar cinco problemas ligados aos fenômenos de variação e mudança

linguística, os quais também podem ser compreendidos como etapas da pesquisa

sociolinguística. Esses problemas foram descritos primeiramente pelos autores acima

mencionados, e depois retomados em estudos de Labov (cf., por exemplo, LABOV,

1982, 1994):

PROBLEMA DAS RESTRIÇÕES: Face a esse problema, o pesquisador procurará

respostas à seguinte questão: quais são os condicionamentos ou restrições linguísticas,

sociais e estilísticas à variação e à mudança? Para tanto, controlará grupos de fatores de

ordem linguística, estilística e social passíveis de condicionar favorável ou

negativamente um dado conjunto de formas variantes.

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PROBLEMA DA TRANSIÇÃO: Relativamente à transição da mudança linguística, o

pesquisador procurará respostas a questões do tipo: como ocorreu a mudança

linguística? Quais são as trajetórias e etapas dessa mudança? Como a mudança é

disseminada na comunidade de fala? Como ela passa de uma comunidade à outra?

É importante ressaltar que a transição não implica mudança simultânea das

gramáticas de um grande número de membros de uma comunidade de fala, e sim

alterações contínuas no que diz respeito à frequência de uso. Assim sendo, a mudança

abarca uma fase de variação, em que as formas variantes disputam espaço até que,

gradualmente, surja uma vencedora.

PROBLEMA DO ENCAIXAMENTO: Esse problema exige que o pesquisador busque

resposta à seguinte questão: como a variação e a mudança linguística se encaixam no

conjunto de relações linguísticas e extralinguísticas suscitadas pelo emprego das formas

variantes? Trata-se de averiguar a relação entre a variação e seus contextos internos e

externos, o que leva à necessidade de desmembrar o problema do encaixamento em

duas partes: (i) encaixamento da variável na estrutura linguística, através do controle de

grupos de fatores de ordem linguística; e (ii) encaixamento da variável na estrutura

social, através do controle de grupos de fatores de ordem social. Considera-se que as

implicações estilísticas da variação e da mudança perpassem tanto a ordem social

quanto a linguística.

PROBLEMA DA AVALIAÇÃO: Frente ao problema da avaliação, o pesquisador

inquirirá: como os membros da comunidade de fala avaliam uma dada mudança? Se

suas avaliações forem negativas, isso poderá afetar o andamento da mudança? Ela

poderá ser impedida como resultado do estigma social? O problema da avaliação traz à

tona o fato de que o grau de consciência dos membros da comunidade de fala a respeito

dos fenômenos de variação e mudança pode interferir nos rumos futuros desses

processos, o que precisa ser levado em conta pelo pesquisador.

PROBLEMA DA IMPLEMENTAÇÃO: No que tange à implementação da mudança

linguística, o pesquisador buscará respostas à seguinte questão: por que uma dada

mudança linguística ocorreu em uma época e lugar particulares? O problema da

implementação está relacionado aos demais problemas acima listados: para que

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compreendamos as causas da mudança, é fundamental descobrir: (i) em que partes da

estrutura social e da estrutura linguística surgiu a mudança (problema do

encaixamento); (ii) como essa mudança foi disseminada para diferentes grupos sociais

(problema da transmissão); e (iii) quais condicionadores linguísticos, estilísticos e

sociais evidenciaram maior ou menor resistência à mudança (problemas da restrição e

da avaliação).

3. Sociofuncionalismo

O termo sociofuncionalismo, segundo Neves (1999), surgiu no PEUL/RJ, a

partir de pesquisas que, desde o final da década de 1980, passaram a unir diretrizes

teórico-metodológicas da sociolinguística variacionista à proposta funcionalista. Essa

abordagem não representa uma nova teoria nem a junção completa de duas teorias,

trata-se de uma conversa – como destaca Tavares (2003, p. 91), “uma conversa na

diferença” – entre duas teorias de base distinta, uma funcional e a outra formal, que está

em curso desde então. Essa conversa pode ser desenvolvida por estudiosos afiliados

mais à sociolinguística ou mais ao funcionalismo.16

A esse respeito, os pesquisadores têm assumido perspectivas distintas,

distribuindo-se em diferentes graus de “sociofuncionalismo”, como descreve Tavares

(op. cit., p. 151):

O(s) sociofuncionalismo(s) está(ão) sujeito(s) a reinterpretações

constantes, constituindo-se e reconstituindo-se na trajetória de avanço

das discussões, como resultado(s) de um acúmulo de conhecimentos e

de experiências provindas da adaptação e da negociação constantes

durante a conversa na diferença que vem sendo travada no jogo de sua

constituição no âmbito da investigação linguística. Na verdade, a

emergência de mais de um sociofuncionalismo tem sua origem no fato

de estarem acontecendo não uma, mas várias conversas entre o

funcionalismo e a sociolinguística, envolvendo pesquisadores

16

Contrastem-se, por exemplo, estudos de Sali Tagliamonte, que considera a língua um sistema formal

(cf. TAGLIAMONTE, 2012), com estudos de Rena Torres Cacoullos, que considera a língua um sistema

emergente (cf. 2011), na linha de Hopper (1987, 1998, 2011). Ambas as pesquisadoras apresentam-se

como sociolinguistas, e adotam a metodologia variacionista em suas investigações, mas incorporam em

graus variados conceitos teórico-metodológicos vindos do funcionalismo (por exemplo, os princípios de

gramaticalização propostos por Hopper (1991)) para a explicação dos resultados que obtêm em seus

estudos.

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diversos, mais alinhados com um ou com outro dos quadros. Trata-se

de bate-papos que estão em progresso, isto é, o estágio em que se

encontra(m) atualmente o(s) casamento(s) sociofuncionalista(s) não é

o de teoria(s) ou linha(s) de pesquisa já construída(s), fechada(s), com

preceitos teórico-metodológicos totalmente definidos, mas sim o do

próprio processo de constituição.

No caso deste estudo, adoto uma base mais funcionalista, considerando que a

gramática é um fenômeno emergente, cuja representação cognitiva envolve

crucialmente a experiência de cada falante com as frequências de ocorrência das formas

linguísticas em diferentes situações de comunicação. Como já mencionado, os teóricos

funcionalistas acreditam que a gramática é variável e probabilística por natureza em

razão de ela emergir da experiência do falante com a língua, experiência essa que é

sempre individual e, portanto, distinta.

Bybee (2010) considera que o grande ponto de contato entre o funcionalismo e a

sociolinguística variacionista reside no fato de que ambas as teorias defendem que a

variação é um fenômeno inerente à língua. A autora também afirma que, para o

funcionalismo,

[...] os estudos quantitativos passam a ser extremamente importantes

para a compreensão da amplitude da experiência com a língua. A

tradição variacionista iniciada por Labov (1966, 1972) [...] fornece

uma metodologia apropriada para o estudo da variação e da mudança

gramatical.

Além da proposição de que o fenômeno de variação é inerente à língua,

podemos elencar outros pressupostos teórico-metodológicos comuns ou similares

levantados por pesquisadores de ambas as teorias. O quadro a seguir traz alguns desses

pressupostos, tais como apresentados por Tavares e Görski (2013):17

17

Os conceitos sintetizados no quadro acima foram delineados tanto por teóricos variacionistas, quanto

por teóricos funcionalistas. Em razão de espaço, Tavares e Görski (2013) mencionam, com referência a

cada item listado, apenas alguns autores representativos de ambos os referenciais teóricos. Um quadro

ainda mais completo, contrastando pressupostos teórico-metodológicos da sociolinguística variacionista,

do funcionalismo norte-americano e do sociofuncionalismo pode ser encontrado em Tavares (2003,

2013a).

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(a) Prioridade atribuída à língua em uso, cuja natureza heterogênea abriga a variação e a

mudança. (cf. WEINREICH; LABOV; HERZOG, 2006[1968]; GIVÓN, 1995; entre

outros)

(b) A língua não é estática. Ao contrário, está continuamente se movendo, mudando e

interagindo. (cf. GUY, 1995; GIVÓN, 1995, 2001)

(c) O fenômeno da mudança linguística recebe um lugar de destaque, e é entendido como

um processo contínuo e gradual. (cf. WEINREICH; LABOV; HERZOG, 2006[1968];

HOPPER; TRAUGOTT, 1993)

(d) Dados sincrônicos e diacrônicos são tomados complementarmente com o intuito de

obtenção de prognósticos de mudança mais refinados e confiáveis. As diferentes fatias

sincrônicas são entendidas como imbricadas, pois a mudança linguística está sempre

progredindo ao longo do tempo. (cf. LABOV, 1994; HEINE; CLAUDI;

HUNNEMEYER, 1991)

(e) Crença no princípio do uniformitarismo, segundo o qual as forças linguísticas e

sociais que agem hoje sobre a variação e a mudança são em princípio as mesmas que

atuaram em épocas passadas. A melhor fonte para a análise linguística são os dados

atuais, uma vez que permitem a observação direta e mais completa de um maior número

de ocorrências sobre as quais se pode tecer hipóteses acerca de fatias de tempo passadas.

(cf. LABOV, 2008[1972]; HOPPER; TRAUGOTT, 1993)

(f) Análise de aspectos fonológicos, morfológicos, sintáticos e lexicais/semânticos. (cf.

LABOV, 1982; BYBEE; HOPPER, 2001)

(g) A frequência das ocorrências é destacada. Na perspectiva funcionalista, a frequência

importa para o estabelecimento e a manutenção da gramática, e a difusão linguística e

social da mudança pode ser captada através do aumento da frequência de uso nos

diferentes contextos (BYBEE, 2010). Na perspectiva laboviana, o aumento de frequência

é compreendido como índice de difusão sociolinguística. Além disso, as variantes devem

ter certa recorrência para que possam ser comparadas por meio de instrumental estatístico

(cf. LABOV, 2008[1972]).

(h) Há relação entre os fenômenos linguísticos e a sociedade que usa a língua. A mudança

se espalha de forma gradual ao longo do espectro social, considerando-se fatores como

região, geração, classe social, por exemplo. É comum haver diferença entre falantes mais

velhos e mais jovens, no caso de mudança em progresso. (cf. WEINREICH; LABOV;

HERZOG, 2006 [1968]; LICHTENBERK, 1991)

(i) Fatores de natureza interacional têm papel importante na variação e na mudança

linguística. Labov (2008[1972]) entende a variação estilística como adaptação da

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linguagem do falante ao contexto imediato do ato de fala. Segundo Labov (2003[1969]),

as alternâncias de estilo são determinadas (i) pelas relações do falante com o ouvinte ou a

audiência, e particularmente pelas relações de poder e solidariedade entre eles; (ii) pelo

contexto social mais amplo, os domínios da escola, emprego, casa, vizinhança, igreja; (iii)

pelo tópico. Traugott (2002) não só defende que a mudança é motivada por práticas

discursivas e sociais, como acredita que estudos funcionalistas de gramaticalização

orientados para o falante podem contribuir para o estudo sociolinguístico da variação

intrafalante.

(j) A ideia de forças em competição é alentada. Labov (2010) chama a atenção para o fato

de que as funções da linguagem (representacional, expressiva e diretiva) se opõem ao

princípio do menor esforço, admitindo a ideia de funções em competição numa relação de

complementariedade – o impulso por mais informação levando ao maior esforço, e a

tendência para reduzir o esforço levando à redução da informação. Givón (2002)

considera que, na gramática, a transparência forma-função (iconicidade) compete com a

economia de processamento, num compromisso adaptativo dinâmico.18

Quadro 1: Pressupostos da sociolinguística e do funcionalismo

Outro conceito fundamental que vem sendo levantado nas propostas de interface

do funcionalismo com a sociolinguística é o de gramaticalização (cf. seção 1.2 acima).

Segundo pesquisadores funcionalistas, esse processo de mudança pode dar conta de

explicar inúmeros casos de variação e mudança morfossintática (BYBEE, 2010;

NEVALAINEN; PALANDER-COLLIN, 2011). O mesmo é indicado por Labov

(2010), no seio da sociolinguística. O autor crê que a gramaticalização se constitui em

um importante manancial para a explicação da mudança morfossintática. A esse

respeito, cita autores funcionalistas que se voltam à investigação de processos de

gramaticalização, como Heine e Kuteva (2005), Hopper e Traugott (2003) e Haspelmath

(2004).

18

Tavares e Görski (2013) discutem também pressupostos do funcionalismo e da sociolinguística que

consideram ser de convergência difícil ou mesmo divergentes, e apresentam sugestões para o pesquisador

sobre como lidar com pressupostos desse tipo. Por sua vez, Tavares (2003, 2013a) focaliza as seguintes

questões: (i) o locus ocupado pelo sociofuncionalismo na pesquisa linguística; (ii) diferentes vertentes de

pesquisa sociofuncionalistas existentes no Brasil, cada uma das quais resultante de graus distintos de

convergência entre pressupostos do funcionalismo e da sociolinguística. Para o aprofundamento de

questões epistemológicas e heurísticas a respeito do sociofuncionalismo, recomendo a leitura desses

textos.

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Na próxima seção, dedico espaço para a questão da relação entre a

gramaticalização e a variação, de grande importância para este estudo.

3.1 Gramaticalização e variação

Givón (1984), autor funcionalista, propõe que a gramática é composta por um

conjunto de domínios funcionais e que cada um desses domínios funcionais congregam

formas que apresentam funções gramaticais similares ou idênticas.19

A existência de

formas gramaticais com funções sobrepostas é relacionada por Hopper (1991) a um

princípio de gramaticalização denominado estratificação. Esse princípio reza que, em

consequência da gramaticalização, podem surgir, com o passar do tempo, em um

domínio funcional gramatical, novas formas – denominadas “camadas” –, as quais

passam a conviver com as formas – ou “camadas” – mais antigas do mesmo domínio.

Diversos autores relacionam o fenômeno de estratificação com o objeto de

estudo da sociolinguística variacionista, qual seja, o fenômeno de variação linguística,

isto é, a alternância de uso de duas ou mais formas na codificação linguística de um

mesmo significado e/ou função (cf. GÖRSKI, 2006; GÖRSKI et al., 2003; LIMA-

HERNANDES, 2005; NARO; BRAGA, 2000; POPLACK, 2011; POPLACK;

TAGLIAMONTE, 2000; TAGLIAMONTE, 2012; TAVARES, 1999, 2003, 2013a,

TORRES CACOULLOS, 2011, entre outros).

Um conjunto de variantes morfossintáticas é entendido, por tais autores, como

equivalente a um conjunto de camadas pertencentes a um mesmo domínio funcional,

sendo a coexistências dessas formas “[...] compreendida como estando representando

uma etapa de mudança em que convergiram os percursos de gramaticalização seguidos

por cada uma das formas” (TAVARES, 2013b). São, pois, as formas variantes de uma

variável linguística ou as camadas de um domínio funcional que constituem o objeto de

estudo de uma pesquisa sociofuncionalista.

19

Consoante Givón (1984), domínios gramaticais são áreas gramaticais gerais (ou macrodomínios) como

TAM (tempo/ aspecto/ modalidade), caso, referência, ou áreas mais específicas (microdomínios), como o

tempo futuro, o aspecto global, o caso nominativo, a dêixis etc.

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Uma vez que essas formas sejam identificadas, o percurso metodológico

envolvido em sua análise é, em geral, composto pelos seguintes passos, listados por

Tavares e Görski (2013):

(a) Identificação de situações de uso linguístico variável dentro de um domínio funcional

(a partir da observação do continuum multifuncional de certos itens em processo de

mudança, ou a partir de um recorte sincrônico);

(b) Operacionalização da noção laboviana de variável, isolando formas variantes que

cumpram uma mesma função dentro de um domínio funcional;

(c) Testagem de grupos de fatores diversos para identificar os contextos (linguísticos,

estilísticos, sociais) de uso das formas;

(d) Interpretação da frequência das formas em determinados contextos como indício: (i)

de perda de espaço de uma das variantes, ou (ii) de generalização de significado (os itens

expandem seus contextos de uso), ou (iii) de especialização de uso (os itens adquirem

significados mais específicos restritos a certos contextos dentro do domínio);

(e) Averiguação, na análise, da possibilidade de motivações em competição (em

diferentes níveis): princípio da iconicidade vs. princípio da economia; princípio da

persistência vs. princípio da marcação; princípio da marcação vs. expressividade retórica;

fatores linguísticos vs. fatores extralinguísticos; fatores estruturais vs. fatores semântico-

pragmáticos, entre outros.

Quadro 2: Passos metodológicos de uma pesquisa sociofuncionalista

Tavares (2013b) atenta para o fato de que:

Numa perspectiva sociofuncionalista, os resultados quantitativos e

qualitativos obtidos são explicados através de princípios e motivações

de natureza cognitivo-comunicativa – cuja fonte principal é o

funcionalismo norte-americano ou linguística baseada no uso –, além

de princípios e motivações de natureza sociocultural e estilística – cuja

fonte principal é a sociolinguística variacionista.

Princípios variados podem ser mobilizados para explicar o comportamento

distribucional das formas variantes em um estudo sociofuncionalista. No caso desta

pesquisa, recorro ao princípio da persistência, um dos princípios de gramaticalização

propostos por Hopper (1991), e ao princípio da marcação estilística, de base

sociolinguística (cf. TAVARES, 2013a, LABOV, 2003[1969]). Esses princípios são

apresentados em maior detalhe no capítulo V.

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52

Encerro assim, pois, a exposição dos pressupostos que compõem a base teórico-

metodológica deste trabalho, para, no próximo capítulo, descrever os dois gêneros

textuais – narrativa de experiência pessoal e conto – nos quais se enquadram os textos

produzidos pelos alunos participantes da pesquisa.

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53

CAPÍTULO III – NARRATIVA DE EXPERIÊNCA PESSOAL E CONTO

Neste capítulo, inicialmente apresento definições para os conceitos de gêneros

textuais e sequências ou tipos textuais. Após, caracterizo o gênero textual narrativa de

experiência textual e, na sequência, caracterizo o gênero textual conto. Abordo, em

especial, as definições e as propriedades relativas a esses gêneros que foram trabalhadas

por mim, em sala de aula, com os alunos participantes desta pesquisa, para que eles

estivessem bem fundamentas previamente à atividade de escrita dos textos.

1. Gêneros e tipos textuais: definições

Atualmente, o estudo dos gêneros textuais tem se disseminado por várias

correntes teóricas, que podem ser agrupadas em três tipos distintos de abordagem,

sociossemióticas, socioretóricas e sociodiscursivas (cf. MEURER; BONINI; MOTTA-

ROTH, 2005), as quais não abordarei neste capítulo, em que apenas me deterei na

caracterização dos dois gêneros textuais alvos desta pesquisa: a narrativa de experiência

pessoal e o conto.

Lembro, porém, que o aprofundamento do conhecimento sobre os gêneros

textuais advindo das pesquisas feitas sobre o tema em muito tem beneficiado os estudos

linguísticos em geral, assim como a área educacional, incluindo os processos de

formação para professores e para alunos. Além disso, sabemos que a boa utilização dos

gêneros textuais no suporte adequado para cada um deles pode contribuir para relações

sociocomunicativas mais eficientes. De acordo com Bronckart (1999 apud

MARCUSCHI, 2008, p. 154), “[...] a apropriação dos gêneros é um mecanismo

fundamental de socialização, de inserção prática nas atividades comunicativas

humanas”. Assim, para um bom desempenho comunicativo, precisa-se dominar uma

série de gêneros existentes no meio social.

Segundo Marcuschi (op. cit., p. 155):

Os gêneros textuais são os textos que encontramos em nossa vida

diária e que apresentam padrões sociocomunicativos característicos

definidos por composições funcionais, objetivos enunciativos e estilos

concretamente realizados na integração de forças históricas, sociais,

institucionais e técnicas.

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Para que um gênero se materialize linguisticamente, ele necessita se organizar

em sequências ou tipos textuais. Em um determinado discurso, ambos, gêneros e tipos

textuais, precisam estar unificados para que se alcance a comunicação. Quanto aos

tipos textuais, Marcuschi (op. cit., p. 24) os define como:

1. Construtos teóricos definidos por propriedades linguísticas

intrínsecas; 2. Constituem sequências linguísticas ou sequências

de enunciados e não são textos empíricos; 3. Sua nomeação

abrange um conjunto limitado de categorias teóricas determinadas

por aspectos lexicais, sintáticos, relações lógicas, tempo verbal; 4.

Designações teóricas dos tipos: narração, argumentação,

descrição, injunção e exposição.

Com efeito, as sequências tipológicas se organizam de forma heterogênea em

um determinado gênero, ou seja, várias sequências podem compor um único gênero.

Ainda nos esclarece Marcuschi (op. cit., p. 28) que “[...] os gêneros são uma espécie de

armadura comunicativa geral preenchida por sequências tipológicas de base que podem

ser bastante heterogêneas, mas relacionadas entre si.”

Utilizamo-nos de gêneros textuais a todo instante, dependendo do objetivo

comunicativo que desejamos alcançar. Os gêneros são caracterizados “[...] muito mais

por suas funções comunicativas, cognitivas e institucionais do que por suas

peculiaridades linguísticas e estruturais” (MARCUSCHI, op. cit., p. 20). Ao falarmos de

objetivo comunicativo desejado, naturalmente nos deparamos com a questão dos locais

de circulação dos diferentes gêneros. Por exemplo, no contexto publicitário,

encontraremos gêneros como: banners, anúncios, propagandas, folhetos etc.; no

contexto jornalístico, teremos: editorial, carta ao leitor, artigo de opinião, resenhas etc.;

já no contexto escolar, poderemos trabalhar qualquer gênero textual, pois nosso objetivo

será levar o aluno a bem desempenhar e dominar a prática comunicativa em campos de

comunicação distintos.

Nesta pesquisa, para alcançar o objetivo de estudar os conectores “aí” e “e” na

função de sequenciadores retroativo-propulsores de informações em textos escritos,

optei por trabalhar com dois gêneros textuais da esfera narrativa, a narrativa de

experiência pessoal e o conto, que, por seu caráter narrativo, representam terreno fértil

para o uso de conectores sequenciadores. Pretendo, assim, contribuir para a análise do

emprego desses conectores por alunos de ensino fundamental como estratégias textuais

atuantes na coesão e na progressão de narrativas de experiência pessoal e de contos,

gêneros textuais que são recorrentemente trabalhados nesse nível de ensino.

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1.1 A narrativa de experiência pessoal

A narrativa de experiência pessoal caracteriza-se como um gênero da esfera

narrativa por conter elementos como personagens, narrador, espaço, tempo, enredo,

ação complicadora, principais características das narrativas. Tavares (2012b, p. 245)

assim define o gênero textual em questão:

A narrativa de experiência pessoal é uma narrativa não ficcional em

que o narrador conta um ou mais eventos que se passaram em certo

tempo e lugar, envolvendo a si mesmo e, talvez, a outros indivíduos.

Nesse gênero, predominam sequências narrativas, caracterizadas pela

sequenciação cronológica de eventos passados, temporalmente

delimitados, pontuais, correlacionando-se ao pretérito perfeito,

sequencial e ancorado no evento, e ao aspecto perfectivo, compacto e

completo.

Um dos pesquisadores que mais vem se dedicando ao estudo desse tipo de

narrativa é William Labov, para quem a narrativa de experiência pessoal é “[...] uma

forma de relatar eventos passados, em que a ordem das cláusulas narrativas corresponde

à ordem dos eventos como eles ocorreram” (2008[1972], p. 359). Segundo o autor, em

uma narrativa de experiência pessoal, o narrador tende a manifestar alto envolvimento

emocional com as experiências pessoais que está contando.

Uma narrativa de experiência pessoal é organizada, de acordo com Labov e

Waletsky ([1967]2003), com base em seis elementos norteadores:

i. Resumo: normalmente apresentado no início da narrativa, é uma

pequena explicação sobre do que tratará a narrativa.

ii. Orientação: o narrador ressalta os aspectos importantes da

narrativa, como local, participantes da ação, tempo etc., fornecendo respostas para

perguntas como: “Quem? Quando? Onde? O que eles estavam fazendo?”

iii. Ação complicadora (ou clímax): trata-se do elemento mais

importante da narrativa, pois representa seu momento de maior tensão. Qualquer

um dos outros elementos norteadores pode não estar presente em uma narrativa de

experiência pessoal, mas a ação complicadora é essencial, pois sem ela não há

narrativa.

iv. Avaliação: diz respeito às observações avaliativas, ligadas a

sentimentos afetivos expressados pelo narrador no decorrer da história. Essas

observações são relevantes por exprimirem uma autoavaliação do narrador a

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respeito de suas ações e sobre as ações dos outros personagens envolvidos no

relato. Segundo Shiro (2003, p. 170),

[...] a função da linguagem avaliativa é diferenciar as narrativas

pessoais das fictícias, por causa das diferenças fundamentais na

perspectiva da construção, especialmente na representação de si no

mundo narrado.

v. Resolução: o narrador sinaliza o final das ações, revelando ao público

como foi resolvida a história.

vi. Coda: conclusão da narrativa através de um comentário final que, muitas

vezes, aponta o sucesso ou o fracasso da experiência relatada pelo narrador.

A respeito da narrativa de experiência pessoal, Norrick (2000, p. 69) tece as

seguintes considerações:

[...] compreendo a produção da narrativa como uma reconstrução ao

invés de uma simples recontagem. Tendo a ver os narradores como

estando presos a um contexto dinâmico e a suas próprias atuações,

narradores que compõem uma história básica para se ajustar às

necessidades temáticas da interação em progresso. Ao narrarmos

nossas experiências pessoais, criamos e recriamos nosso passado à luz

de nossas necessidades e interesses atuais, no lugar de somente

recapitularmos uma experiência arquivada.

Semelhantemente, Bastos (2005, p. 80) pontua que:

Quando contamos estórias, estamos, enquanto narradores, recriando o

contexto de evento narrado, ou seja, criando um mundo da narrativa,

localizando-o no tempo e no espaço, introduzindo personagens, suas

ações e falas. [...] Com frequência, podemos, assim, rever e criticar

nossas atuações passadas, veiculando atitudes e emoções em relação a

elas.

Portanto, podemos dizer que o narrador, ao contar sobre si, sobre sua história,

sobre seus erros, sobre seus acertos no contexto de fatos passados que o marcaram, vale-

se do gênero narrativa de experiência pessoal, seja oralmente ou por escrito, como um

procedimento não apenas de recontagem do passado, mas também de reorganização de

suas ideias, de autoavaliação e, inclusive, de reconciliação consigo mesmo e com outros

indivíduos (cf. BASTOS, op. cit.).

A significância pessoal dos eventos narrados é, por conseguinte, um critério

importante na distinção das narrativas de experiência pessoal face a crônicas ou a meras

descrições de eventos pretéritos (cf. DE FINA; GEORGAKOPOULOU, 2012, p. 33)

Por seu vínculo com atitudes e emoções passadas – presentificadas no momento em que

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o narrador conta sua história –, a narrativa de experiência pessoal tende a ser fortemente

marcada pela informalidade (cf. LABOV, 2004). Ao fazer, em sua narrativa, uma

espécie de flashback de eventos que foram marcantes em seu passado, por terem sido

emocionantes, assustadores ou de alguma forma interessantes, o narrador acaba

tornando-se bastante envolvido emocionalmente com o que está contando.

Segundo Tavares (2012c), tipicamente, as narrativas de experiência pessoal

abordam eventos catalizadoras e, ao contar esses eventos, o narrador tende a ser

fortemente absorvido pelos sentimentos despertados pela revivência das experiências

que está contando. Ao desenvolver uma narrativa de experiência pessoal, o narrador

“[...] tende a estar mais despreocupado com opiniões, julgamentos e expectativas do

ouvinte do que quando produz outros gêneros textuais” (TAVARES, 2012c, p. 225).

Assim sendo, é possível que sua narrativa represente um campo fértil para a adoção de

um estilo informal.

No que diz respeito ao tema da relação entre a narrativa de experiência pessoal e

os demais gêneros da esfera narrativa, Shiro (2003) analisou narrativas de experiência

pessoal e narrativas ficcionais relatando filmes, ambas produzidas por crianças

venezuelanas em idade escolar, e verificou que as narrativas de experiência pessoal

apresentam-se mais cedo na infância comparativamente ao surgimento de outras

narrativas. A autora atribuiu essa precedência das narrativas de experiência pessoal

sobre as demais narrativas ao fato de que contar sobre si é uma das primeiras

habilidades desenvolvidas pelas crianças para se comunicarem.

Shiro observou que as crianças mais novas e as crianças que possuíam um menor

desenvolvimento socioeconômico tinham mais dificuldade de construir narrativas

ficcionais, diferença não encontrada no que diz respeito às narrativas de experiência

pessoal. A autora constatou também que, com o aumento da idade, a habilidade para a

construção das narrativas ficcionais aumentava. Shiro não considera, porém, que a falta

de habilidade das crianças para construir narrativas ficcionais seja devida diretamente à

idade ou ao baixo desenvolvimento socioeconômico, mas sim especialmente à falta de

contato que as crianças menores e de classes sociais mais baixas tendem a ter com

atividades envolvendo narrativas ficcionais.

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1.2 O conto

O conto é uma narrativa ficcional caracterizada por ser concisa, de menor

extensão se comparada, por exemplo, à novela ou ao romance, tendendo a apresentar

apenas um clímax. O conto pertence ao conjunto dos gêneros narrativos e é produzido

há muito tempo, já que o ato de contar, narrar algo é intrínseco a atividade humana. No

entanto, foi apenas no século XIX que o conto se tornou uma manifestação artística com

definição, estrutura e características próprias (cf. MOISÉS, 2006). Já no início do século

XX, atingiu seu momento ápice como forma literária. Apesar das várias transformações

ocorridas com esse gênero textual ao longo dos séculos, ele se manteve fiel à sua

estrutura narrativa. Assim nos diz Moisés (op. cit., p. 36):

Entrevisto em sua longa história, o conto é, provavelmente, a mais

flexível das formas literárias. Entretanto, em que se pese às contínuas

metamorfoses, não raro espelhando mudanças de ordem cultural, ele

se manteve estruturalmente uno, essencialmente idêntico, seja como

“forma simples”, seja como “forma artística”.

Como já apontei, o conto define-se por ser uma narrativa curta, que pode ser lido

“de uma só assentada” (GOTLIB, 2006), envolvendo apenas uma ação central.

Friedman (1958 apud GOTLIB, op. cit., p. 64) assim justifica a brevidade do conto:

“[...] um conto é curto porque, mesmo tendo uma ação longa a mostrar, sua ação é

melhor mostrada numa forma contraída ou numa escala de proporção contraída”.

O conto pode ser considerado uma narrativa que está entre duas margens: a

ficção e a realidade. Se contivesse apenas uma dessas margens, perderia a mágica

própria do gênero. É a mistura do ficcional com o real que contribuirá para a construção

de um bom conto. Afirma Cortázar (1974 apud GOTLIB, op. cit., p. 10) que:

[...] se não tivermos uma ideia viva do que é o conto, teremos perdido

tempo, porque um conto, em última análise, se move nesse plano do

homem onde a vida e a expressão escrita dessa vida travam uma

batalha fraternal, se me for permitido o termo; e o resultado dessa

batalha é o próprio conto, uma síntese viva ao mesmo tempo que uma

vida sintetizada, algo assim como um tremor de água dentro de um

cristal, uma fugacidade numa permanência. Só com imagens se pode

transmitir essa alquimia secreta que explica a profunda ressonância

que um grande conto tem em nós, e que explica também por que há

tão poucos contos verdadeiramente grandes.

Notemos que o autor define o gênero conto no âmbito da expressão, onde a vida

e a ficção se entrelaçam, e dá grande importância aos efeitos que a narrativa produz no

leitor, deixando, assim, a questão do conteúdo em segundo plano. No entanto, essa

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questão não é de menor importância, como nos explica Moisés (2006, p. 40), ao afirmar

que o conto “[...] é, pois, uma narrativa unívoca, univalente: constitui uma unidade

dramática, uma célula dramática, visto gravitar ao redor de um só conflito, um só

drama, uma só ação”. De acordo com Moisés, a unidade dramática definirá o gênero,

ou seja, tudo “gravitará” ao redor dessa unidade, personagens, tempo, espaço, como

veremos a seguir; o objetivo do contista é que todos esses elementos se harmonizem em

uma única ação.

Observemos, pois, os elementos estruturais do gênero que estão interligados à

unidade dramática. Moisés (op. cit., p. 41) pontua que, para “[...] bem compreender a

unidade dramática que identifica o conto, é preciso levar em conta que os seus

ingredientes convergem para o mesmo ponto”. Entre tais “ingredientes”, encontram-se:

a ação, o espaço, o tempo e o tom.

A ação ou conflito é um dos ingredientes mais importantes do gênero conto, uma

vez que é para o conflito (o qual também pode ser denominado clímax) que os demais

elementos constituidores do conto fluirão, visando em tudo uma unidade de uma mesma

ação. Moisés (op. cit., p. 43) nos confirma que a “[...] unidade de ação condiciona as

demais características do conto”. Por sua vez, a noção de espaço possui um aspecto

restrito, pois, mesmo que as personagens circulem por vários ambientes, o importante

será o ambiente em que ocorre a ação dramática.

A noção de tempo caracteriza-se no conto pelo curto espaço de tempo em que os

acontecimentos ocorrem, não importando, geralmente, nem o passado nem o futuro.

Tudo está voltado, comumentemente, para a situação dramática. Quanto à unidade de

tom, pode-se dizer que ela corresponde à unidade de efeito ou de impressão. Trata-se do

efeito que o conto provoca no leitor, é o segredo que prende o leitor ao conto, fazendo

com que se interliguem a ficção e a vida do leitor. Consoante Poe (1842 apud GOTLIB,

op. cit., p. 34),

[...] no conto breve, o autor é capaz de realizar a plenitude de sua

intenção, seja ela qual for. Durante a hora da leitura atenta, a alma do

leitor está sob o controle do escritor. Não há nenhuma influência

externa ou extrínseca que resulte de cansaço ou interrupção.

E nas palavras de Moisés (2006, p. 49),

[...] o conto se organiza precisamente como uma célula, com o núcleo

e o tecido ao redor; o núcleo possui densidade dramática, enquanto a

massa circundante existe em função dele, para que sua energia se

expanda e sua tarefa se cumpra.

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De certa forma, o autor intensifica o caráter primordial da ação dramática,

chamando-a de núcleo, e denomina tecido os demais elementos que contribuem com

essa ação.

Há ainda outros cinco elementos organizacionais do conto que são de grande

importância: as personagens, a estrutura, a linguagem, a trama e o ponto de vista. No

que se refere às personagens, aponto que, em geral, há poucas personagens atuando no

conto e todas elas existem em decorrência da ação dramática. Além disso, ao criar as

personagens, o escritor do conto não se aprofunda no detalhamento de suas

personalidades, apenas revelando os traços de personalidade que sejam mais relevantes

para o drama narrado.

Em termos de organização, o conto possui uma estrutura breve e objetiva,

evitando-se aquilo que pode comprometer sua estrutura, como exageros dramáticos,

divagações ou digressões. Esclarece-nos Moisés (op. cit., p. 52) que:

A técnica da estruturação do conto assemelha-se à técnica fotográfica:

o fotógrafo concentra sua atenção num ponto e não na totalidade dos

pontos que pretende abranger no visor, focaliza um detalhe, o

principal, no seu entender, e capta-lhe os arredores, de modo não só

fixar o que vê, mas também o que não vê.

Ao abordar a questão da economia dos meios narrativos, Gotlib (2006, p. 35)

também afirma que:

Trata-se de conseguir, com o mínimo de meios, o máximo de efeitos.

E tudo que não estiver diretamente relacionado com o efeito, para

conquistar o interesse do leitor, deve ser suprimido.

Com efeito, a estrutura do conto pode ser comparada a um esqueleto onde todos

os outros elementos (personagens, tempo, espaço etc.) precisam convergir para um

único foco, devendo ser retirado todos os excessos que ameaçariam a narrativa.

No que tange à linguagem, o gênero conto requer, tipicamente, uma linguagem

direta e objetiva, visto que nada deve prejudicar a compreensão da narrativa. A trama,

por sua vez, é sinônimo de enredo, caracterizada pela sua linearidade. Deve ser

organizada às claras. Moisés (2006, p. 65) compara a trama com o ritmo da vida real,

corriqueira, onde tudo acontece muito rápido e os detalhes do acaso são fáceis de serem

percebidos. Por fim, o ponto de vista é um dos elementos mais importantes do gênero

conto, pois a figura do narrador (também chamado de foco narrativo) levará o leitor

pelos caminhos almejados da impressão no conto. Na narrativa, o escritor pode utilizar,

não aleatoriamente, de um dos seguintes tipos de focos narrativos: (i) a personagem

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principal conta sua história; (ii) uma personagem secundária conta a história da

personagem principal; (iii) o narrador, analítico ou onisciente, conta a história; (iv) o

narrador conta a história como observador (cf. MOISÉS, 2006, p. 66).

Acerca da importância do foco narrativo no conto, alerta-nos Moisés (op. cit., p.

67) que:

O contista não engendra o foco narrativo, como se se tratasse de um

recurso autônomo, aplicável aleatoriamente a qualquer enredo. Ao

compor-se, cada narrativa traz implícito o foco narrativo: é

inimaginável uma história sem foco narrativo, ou este sem aquela.

Findada a apresentação de características dos gêneros textuais narrativa de

experiência pessoal e conto levada a cabo neste capítulo, o próximo capítulo dará lugar

à exposição detalhada dos procedimentos metodológicos seguidos nesta pesquisa.

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CAPÍTULO IV – PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS

Neste capítulo, apresento os procedimentos metodológicos que adotei nesta

pesquisa. Primeiramente, descrevo o corpus do qual extraí os dados: textos de dois

gêneros textuais da esfera narrativa que foram produzidos por alunos do ensino

fundamental. Na sequência, listo os procedimentos que segui para a obtenção desses

textos, bem como para a obtenção das respostas ao teste de atitude linguística, realizado

pelos alunos e seus professores de língua portuguesa. Por fim, discorro sobre os

procedimentos que utilizei para a análise dos dados.

1. O corpus: distribuição quanto ao gênero textual e a características sociais

Esta pesquisa tem como objeto de estudo os conectores sequenciadores E e AÍ,

tomados aqui como formas variantes de realização da função gramatical de

sequenciação retroativo-propulsora de informações. Para a análise desse fenômeno

variável, organizei um corpus composto por textos escritos de dois gêneros da esfera

narrativa: narrativa de experiência pessoal (narrativa não ficcional) e conto (narrativa

ficcional).

Esses textos foram escritos por alunos no contexto de sala de aula. Os alunos

participantes da pesquisa estavam, à época da coleta de dados (o ano de 2012),

regularmente matriculados em duas escolas públicas da cidade de Natal-RN: Escola

Municipal Luiz Maranhão Filho – Bairro Cidade Nova, e Escola Municipal Professora

Maria Madalena – Bairro Santarém. Essas escolas foram escolhidas devido à abertura

de seus gestores no sentido de conscientizar os alunos e os professores quanto à

importância da pesquisa, bem como em razão de contarmos com a colaboração

voluntária dos dois professores das turmas selecionadas e da aquiescência dos alunos

em participar do estudo.

Optei por trabalhar com duas escolas devido ao fato de que uma única escola

poderia não contar com um contingente suficiente de alunos por ano escolar para a

produção de textos em uma quantidade satisfatória para a realização deste estudo, em

que a obtenção de um número significativo de conectores sequenciadores é fundamental

para que seja levada a cabo a análise estatística.

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Com a garantia de manutenção do anonimato de alunos e professores em todas

as etapas de investigação, obtive a autorização da direção das escolas e dos professores

de língua portuguesa das turmas envolvidas para realizar junto aos alunos a atividade de

produção textual da qual resultaram os textos que serviram de corpus para a coleta de

conectores sequenciadores.

Os alunos participantes da pesquisa, com idades entre 10 e 17 anos, cursavam,

no ano de 2012, duas séries distintas do ensino fundamental, o sexto e o nono ano. O

sexto ano é a primeira série do nível de ensino fundamental II e a análise de textos

produzidos por alunos desse nível de ensino permite a obtenção de um diagnóstico

sobre o que foi ou não adquirido pelos alunos, no decorrer do ensino fundamental,

relativamente às diversas habilidades necessárias para a produção textual, que incluem

um bom domínio no manejo de conectores sequenciadores ao longo do texto.

Por sua vez, o nono ano é a última série do nível de ensino fundamental II e a

análise de textos produzidos por alunos desse nível de ensino permite que sejam

avaliados os possíveis avanços referentes ao reforço na aprendizagem de estratégias

para a produção textual que devem ter ocorrido durante o ensino fundamental II,

incluindo-se o refinamento no manejo de conectores sequenciadores, com o incremento

da habilidade de adequá-los a situações de uso variadas.

O universo de alunos que colaborou com este estudo fornecendo seus textos foi

de um total de 95 alunos, 44 do sexto ano e 51 do nono ano. Contudo, como havia

textos sem conectores sequenciadores, além de textos ilegíveis, decidi recortar, no

universo inicial de alunos, um total de 64, sendo 32 de cada escola, distribuídos

homogeneamente entre o gênero feminino e o masculino e o nível de escolaridade, sexto

e nono ano do ensino fundamental. Essa distribuição garante a estratificação homogênea

dos alunos em termos de suas características sociais.

Os textos estão distribuídos quanto ao gênero textual por ano escolar, em ambas

as escolas selecionadas. Foram selecionados para análise 16 narrativas de experiência

pessoal e 16 contos por ano escolar, totalizando 32 textos por ano escolar e, assim, 64

textos por escola, 32 de cada gênero textual. Considerando-se em conjunto os textos

escritos pelos alunos das duas escolas, o corpus é constituído por 128 textos, 64 de cada

gênero textual.

Na seleção dos alunos participantes, com o intuito de garantir uniformidade,

também foi levado em conta o gênero dos informantes. De cada conjunto de 16 alunos

selecionados por ano escolar em cada escola, 8 foram do gênero feminino e 8 do gênero

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masculino, o que representa um total de 16 homens e 16 mulheres por escola, e 32

mulheres e 32 homens no universo total de 64 participantes.

Quanto à idade, a faixa etária dos alunos do sexto ano é de 10 a 13 anos e a faixa

etária dos alunos do nono ano é de 14 a 17 anos, ou seja, há uma correlação aproximada

entre o ano escolar e a idade dos alunos participantes, o que faz com que o controle do

ano escolar e da idade sejam sobrepostos.

2. Procedimentos adotados para a coleta dos dados

A estratégia utilizada para a obtenção dos textos necessários para a realização

deste estudo foi o estímulo à produção textual no horário regular de aula. Ministrei

quatro horas-aula em cada uma das quatro turmas selecionadas para a pesquisa (uma

turma do sexto ano e uma turma do nono ano por escola). Nessas aulas, inicialmente

apresentei a proposta de escrita, pelos alunos, de dois textos de gêneros narrativos

distintos, a narrativa de experiência pessoal e o conto, solicitando a eles a colaboração

com minha pesquisa através da produção desses textos. Os alunos concordaram em

participar da pesquisa, estimulados pelo fato de que os textos feitos por eles não

sofreriam avaliação e pelo fato de que não seriam identificados como autores dos textos,

o que os deixou mais à vontade para a atividade de produção textual.

A seguir, embora os alunos já tivessem produzido textos dos gêneros narrativa

de experiência pessoal e conto anteriormente, descrevi e exemplifiquei cada um desses

gêneros, em uma tentativa de dirimir possíveis dúvidas que surgissem no momento da

atividade de produção textual. Nas explicações, apresentei definições e propriedades de

cada um dos gêneros textuais sob enfoque (cf. capítulo III), e entreguei aos alunos dois

textos, uma narrativa de experiência pessoal e um conto, para que pudessem analisá-los

comparativamente, e, assim, observar de modo mais concreto as semelhanças e

diferenças existentes entre esses gêneros.

Selecionei textos distintos para cada ano escolar de acordo com possíveis

diferenças de interesse por parte dos alunos, que, por serem de duas faixas etárias

distintas, de 10 a 13 anos e de 14 a 17 anos, provavelmente se caracterizam por

diferentes graus de maturidade. Pontuo de antemão que os textos selecionados como

modelos para os alunos não influenciaram positivamente o uso do conector

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sequenciador AÍ, por não contarem com ocorrências do conector em questão, embora

contem com ocorrências do conector E.

Além disso, o tópico dos conectores não foi mencionado previamente à

produção dos textos, para evitar que os alunos passassem a estar atentos a essa questão.

As aulas tiveram o foco centrado unicamente nas características dos gêneros textuais

narrativa de experiência pessoal e conto, tendo sido dito aos alunos que o objetivo

dessas aulas seria prepará-los para que cada um deles produzisse textos que se

enquadrassem nos gêneros trabalhados em sala.

Para as turmas do sexto ano, entreguei os textos “A fugitiva” (narrativa de

experiência pessoal) e “Capa de Junco” (conto):

Texto 1

A fugitiva

Eu tinha uns 9 anos e estudava em uma escola perto de casa, mas meu irmão

ia me buscar de bicicleta. Ele tinha uma CALOI 10 e é claro eu vinha sentada naquele

cano bem em cima, na frente dele. Meu Deus! Não sei como ele conseguia fazer

aquelas curvas rasantes comigo. Se minha mãe soubesse acho que tinha um troço!

Bem, naquele dia, antes da saída da aula, uma coleguinha me convidou pra ir

na casa dela e eu sem pensar muito aceitei. Só que esqueci que não tinha falado nada

para minha mãe e muito menos para meu irmão.

Fui pra casa dela sem dor na consciência. Almoçamos, brincamos e estava

tudo bem até que tocou a campainha da casa. Estávamos no quintal brincando e

quando olhei para o portão quem eu vi? Minha mãe é claro. Não sei o por quê mas

senti um frio no estômago quando a vi com a cara serena, feliz e despreocupada.

Minha mãe não era nada assim ... Hummm. A mãe da minha coleguinha atendeu o

portão e ouvi minha mãe dizer:

- Oi, vim buscar a Simone!

- Claro! – ela disse e olhando pra mim fui logo me despedindo de todos.

O caminho para casa foi silencioso e também não sei explicar o medo que

estava tomando conta de mim!

Cheguei em casa e: batata! Tomei uma bela surra de cinta! Ai como doeu.

Minhas pernas ficaram com marcas de cinta, vergões vermelhos por toda parte.

Enquanto me batia ela dizia os motivos que a levaram a fazer aquilo e eu entendi

perfeitamente o que “não” deveria ter feito.

Até hoje lembro do ocorrido e imagino como minha mãe ficou desesperada

com meu sumiço. Ela contava que, quando ela chegou em casa do trabalho e

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encontrou meu irmão de olhos arregalados dizendo: a Simone sumiu! Não estava na

escola. Bateu um desespero nela. Coitada, nunca mais fiz nada parecido.

Autora: Simone G. V. Dias

Texto 2

Capa de Junco

Cordélia era uma jovem que trabalhava como ajudante de cozinha em uma rica

mansão. Por estar sempre vestida com uma capa de junco trançado, que lhe deixava

à mostra apenas os olhos, seus amigos a chamavam de Capa de Junco. O que

ninguém sabia é que ela era filha de um senhor muito rico que morava com suas três

herdeiras em um dos países vizinhos. Amava a todas, mas sua preferida era a

terceira, o que provocava o ciúme da mais velha e o da segunda.

Certo dia, Capa de Junco, foi expulsa de casa pelo próprio pai, que a julgara

desnaturada e sem coração, quando ele, querendo dividir seus bens entre as três

filhas e desejando deixar a maior parte àquela que o amasse mais que as duas outras,

fez a cada uma delas esta pergunta : “O quanto você gosta de mim, minha querida?”.

Como Cordélia lhe respondeu que o amava tanto como a carne fresca ama o sal, o

ancião sentiu-se desprezado pela caçula, amaldiçoando-a, e colocou-a dali para fora.

Triste e lamentando o modo como o pai interpretara suas palavras, a jovem

partiu trajando três dos seus vestidos mais belos, um sobre o outro, e com suas joias

mais valiosas, mas tendo o cuidado de cobrir-se com uma capa feita de junco

trançado, para não chamar a atenção e não ser reconhecida por ninguém. E assim

estranhamente vestida e disfarçada foi até um dos reinos vizinhos, onde logo arrumou

serviço como ajudante de cozinha em uma mansão de um rico senhor, pai de um

rapaz muito bonito e em idade de casar-se. Ali, ela foi aceita como empregada

encarregada de preparar as refeições e arrumar a cozinha.

Da janela da cozinha da mansão, via o jovem seu patrão, que não lhe dava a

mínima atenção. Ela era somente uma das suas criadas. Aos poucos, Capa de Junco

– sem revelar a ninguém sua verdadeira identidade – foi-se apaixonando pelo jovem

rico.

Um dia, a mãe do rapaz decidiu dar uma festa na mansão. Seriam três dias de

danças e banquetes. Todos os reis e pessoas influentes daquela localidade e dos

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países vizinhos foram convidados. O jovem, que já estava em idade de casar-se,

deveria escolher, entre as moças presentes, sua futura esposa.

Toda a mansão se movimentou para a grande festa. Capa de Junco trabalhou

muito durante os preparativos para os três dias de baile. Mas havia decidido participar

das festas. Assim, quando, na primeira noite de baile, terminou suas tarefas na

cozinha, rapidamente se dirigiu aos seus aposentos, banhou-se e escolheu um dos

vestidos que levara quando deixou a casa paterna. Com ele, com algumas de suas

joias e com um diadema nos cabelos, ninguém a reconheceria como Capa de Junco.

Logo que chegou ao baile, atraiu a atenção do jovem patrão, que dançou com

ela a noite toda. O rapaz estava encantado com a misteriosa dama que, antes da

última badalada da meia-noite, desapareceu como que por encanto. Inutilmente o

jovem procurou pela encantadora jovem com quem dançara na noite anterior. Por

melhor que a descrevesse, ninguém sabia dar-lhe notícias dela.

Nas duas noites seguintes, os fatos sucederam-se como os do primeiro baile:

Capa de Junco esperou todos se dirigirem ao salão de festas e, ficando sozinha, foi

para os seus aposentos, onde se arrumou e dirigiu-se, em seguida, para o salão.

Deslumbrante, como sempre!

Na última contradança do terceiro e último baile programado, o jovem deu-lhe

de presente um anel de brilhantes e lhe disse que “morreria se não a visse

novamente”. No dia seguinte, em vão o rapaz procurou pela misteriosa jovem, mas

nem sinal dela! Ninguém sabia quem era e nem onde morava. Amargurado, o jovem

foi se deixando abater até cair enfermo. Inutilmente, seu pai e seus amigos faziam de

tudo para erguer-lhe o ânimo. Nada conseguia devolver-lhe a vontade de viver. E o

rapaz se tornava, a cada dia, mais deprimido.

Um dia, seu pai pediu que a cozinheira preparasse um mingau para o filho que

se encontrava bastante debilitado. Capa de Junco, que estava na cozinha, ouviu o

pedido e insistiu com a cozinheira para que a deixasse fazê-lo. Preparou-o e ao

colocá-lo no prato deixou cair o anel de brilhantes que o jovem lhe dera. Quando o

rapaz foi comer o mingau engasgou-se com o anel. Logo reconheceu-o como o que

havia dado à misteriosa jovem por quem se apaixonara. Ordenou, então, que

chamassem a cozinheira, e esta, com medo de ser castigada, contou-lhe que o

mingau fora feito por Capa de Junco, a moça que a ajudava na cozinha.

Radiante, o rapaz mandou que Capa de Junco fosse à sua presença. Ela

atendeu ao chamado, mas, antes, vestiu-se como na terceira noite de baile e colocou

a capa por cima. Na presença do rapaz e da mãe dele, esclareceu-lhes quase tudo,

menos o nome de seu pai. Foi marcado, então, o dia do casamento. Todos os nobres

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e pessoas abastadas das cidades vizinhas foram convidados. Também o pai de Capa

de Junco.

Chegou o dia das bodas. Por solicitação de Capa de Junco, as carnes que

seriam servidas durante o banquete não foram temperadas com sal. A cozinheira

estranhou muito esse pedido e esse costume, mas, como, dali para a frente, Capa de

Junco seria sua patroa, calou-se e fez como ela lhe pedira.

Durante o banquete, ao serem servidas as carnes, ninguém conseguia comê-

las: estavam insípidas, sem sabor. Muito aborrecido, o rapaz e o pai dele queriam

castigar a cozinheira, mas Capa de Junco assumiu a culpa e confessou que a

empregada assim agira por ordem dela. Enquanto falava, lágrimas rolavam dos olhos

daquele que era seu pai.

Quando o rapaz perguntou ao rico senhor por que chorava tanto, ele lhe

respondeu que era de saudade e remorso pelo que fizera à sua filha caçula. Ele a

expulsara de casa porque ela lhe respondera que o amava tanto quanto a carne fresca

ama o sal. E ele, julgando-a ingrata e sem amor filial no coração, cometera o erro de

mandá-la embora. Somente agora compreendia o significado daquela comparação

feita pela filha, mas, tarde demais, porque, talvez, ela já estivesse morta.

Capa de Junco, então, penalizada com o sofrimento do pai, abraçou-o e

revelou ser a filha que ele julgava ter perdido. Perdoou-o, e todos foram felizes para

sempre.

Adaptação de um conto do folclore inglês.

Fonte: Revista na Ponta do Lápis. Olimpíada de língua portuguesa: escrevendo o futuro. A

hora e a vez do conto: em pequenas narrativas cabem grandes histórias. Ano V, n. 12, 2009. p.

27-28.

Para as turmas do nono ano, entreguei os textos “História de Luciana Scotti”

(narrativa de experiência pessoal) e “O caso do espelho” (conto):

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Texto 1

História de Luciana Scotti

Para quem não sabe da minha trajetória de vida, vou resumi-la. Acredite, é

uma história triste, mas muito enriquecedora. A dor trouxe junto a maturidade,

paciência e observação. Consegui tirar da minha experiência força e persistência, que

eu não tinha no meu caráter; ou talvez até já tivesse, mas nunca saberemos do que

somos capazes até tentar, não é?

Meu nome é Luciana Scotti. .Quando eu tinha 22 anos, era recém-formada em

Farmácia pela USP e sofri repentinamente uma trombose cerebral (AVC isquêmico).

Depois fiquei 3 meses em hospitais, fiz duas cirurgias no cérebro, fiquei 2 meses em

coma e recebi alta sem movimentos, sem fala, de fraldas e com sonda para me

alimentar.

Eu poderia dizer: minha vida acabou ali! Poderia lhes contar com detalhes

como foi difícil e doloroso superar esse choque e me readaptar a essa nova vida.

Poderia também escrever inúmeras linhas relatando penosamente todas as coisas que

deixei de fazer. Todas vocês leriam, chorariam, sentiriam pena de mim e nada

acrescentaria esse meu relato à vida de vocês, nem na minha!

Não estou aqui para contar minha tragédia pessoal... Acho que todas nós

possuímos um fato triste para contar. Meu fato é muito triste? Depende. Conheço

gente que tenta o suicídio por muito menos, gente que se droga porque não querer

encarar de frente os problemas, gente que perde a iniciativa e vive com a inércia,

esperando um milagre.

Depois da trombose cerebral e depois de ter ficado tetraplégica e muda, vivi 3

anos sobre uma cama hospitalar. Chorei, revivi todo meu passado, procurei culpas e

culpados e pensei: morri, acabou tudo!

Enquanto chorava e relembrava o passado, fui escrevendo meus

pensamentos, com o movimento de um dedo - que até hoje é que me permite

escrever!! Daí resultou meu primeiro livro: “Sem asas ao amanhecer”. Mas publicá-lo

não foi tão simples, eu não tinha movimentos, nem fala, tinha apenas a vontade e o

sonho.

E assim publiquei esse livro, que hoje está na décima primeira edição; depois

escrevi outro chamado “A doce sinfonia de seu silêncio”. Voltei a estudar, pois sou

muito ativa e odeio ficar parada; assim, fiz mestrado na USP, publiquei um livro

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científico sobre cosméticos e em 2006 terminei doutorado na USP em Modelagem

Molecular.

Atualmente sou pesquisadora da faculdade de Farmácia/USP. Pesquiso

plantas contra algumas doenças tropicais, como a doença de Chagas, usando

quimiometria e modelagem. Adoro o que faço!

Não falo, mas dou cursos, palestras e defendo teses; mal seguro a caneta, mas

faço provas; digito com um dedo, mas escrevo livros... O que é limite? O que é

impossível? Eu acredito que minha vontade não possui limites... Acredite nisso você

também e se surpreenderá consigo mesmo!

Beijos carinhosos, Luciana Scotti.

Fonte: http://sobreviventesdoavc.blogspot.com.br/2009/07/historia-de-luciana-scotti. html

Texto 2

O caso do espelho

Era um homem que não sabia quase nada. Morava longe, numa casinha de

sapé esquecida nos cafundós da mata. Um dia, precisando ir à cidade, passou em

frente a uma loja e viu um espelho pendurado do lado de fora. O homem abriu a boca.

Apertou os olhos. Depois gritou, com o espelho nas mãos:

- Mas o que é que o retrato de meu pai está fazendo aqui?

- Isso é um espelho - explicou o dono da loja.

- Não sei se é espelho ou se não é, só sei que é o retrato do meu pai.

Os olhos do homem ficaram molhados.

- O senhor... conheceu meu pai? - perguntou ele ao comerciante.

O dono da loja sorriu. Explicou de novo. Aquilo era só um espelho comum, desses de

vidro e moldura de madeira.

- É não! - respondeu o outro. - Isso é o retrato do meu pai. É ele, sim! Olha o

rosto dele. Olha a testa. E o cabelo? E o nariz? E aquele sorriso meio sem jeito?

O homem quis saber o preço. O comerciante sacudiu os ombros e vendeu o

espelho, baratinho. Naquele dia, o homem que não sabia quase nada entrou em casa

todo contente. Guardou, cuidadoso, o espelho embrulhado na gaveta da penteadeira.

A mulher ficou só olhando. No outro dia, esperou o marido sair para trabalhar e correu

para o quarto. Abrindo a gaveta da penteadeira, desembrulhou o espelho, olhou e deu

um passo atrás. Fez o sinal da cruz tapando a boca com as mãos. Em seguida,

guardou o espelho na gaveta e saiu chorando.

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- Ah, meu Deus! - gritava ela desnorteada. - É o retrato de outra mulher! Meu

marido não gosta mais de mim! A outra é linda demais! Que olhos bonitos! Que

cabeleira solta! Que pele macia! A diaba é mil vezes mais bonita e mais moça do que

eu!

- Quando o homem voltou, no fim do dia, achou a casa toda desarrumada. A

mulher, chorando sentada no chão, não tinha feito nem a comida.

- Que foi isso, mulher?

- Ah, seu traidor de uma figa! Quem é aquela jararaca lá no retrato?

- Que retrato? - perguntou o marido, surpreso.

- Aquele mesmo que você escondeu na gaveta da penteadeira!

O homem não estava entendendo nada.

- Mas aquilo é o retrato do meu pai! Indignada, a mulher colocou as mãos no

peito:

- Cachorro sem-vergonha, miserável! Pensa que eu não sei a diferença entre

um velho lazarento e uma jabiraca safada e horrorosa?

A discussão fervia feito água na chaleira.

- Velho lazarento coisa nenhuma! - gritou o homem, ofendido.

A mãe da moça morava perto, escutou a gritaria e veio ver o que estava

acontecendo. Encontrou a filha chorando feito criança que se perdeu e não consegue

mais voltar pra casa.

Que é isso, menina?

- Aquele cafajeste arranjou outra!

- Ela ficou maluca - berrou o homem, de cara amarrada.

- Ontem eu vi ele escondendo um pacote na gaveta lá do quarto, mãe! Hoje,

depois que ele saiu, fui ver o que era. Tá lá! É o retrato de outra mulher!

A boa senhora resolveu, ela mesma, verificar o tal retrato. Entrando no quarto,

abriu a gaveta, desembrulhou o pacote e espiou. Arregalou os olhos. Olhou de novo.

Soltou uma sonora gargalhada.

- Só se for o retrato da bisavó dele! A tal fulana é a coisa mais enrugada, feia,

velha, cacarenta, murcha, arruinada, desengonçada, capenga, careca, caduca, torta e

desdentada que eu já vi até hoje! E completou, feliz, abraçando a filha:

- Fica tranquila. A bruaca do retrato já está com os dois pés na cova.

Conto popular recontado por Ricardo Azevedo.

FONTE: http://revistaescola.abril.com.br/fundamental-1/caso-espelho-634284.sht

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3. Procedimentos adotados para a análise dos dados

Depois que os alunos leram e analisaram os textos “A fugitiva” e “Capa de

Junco” (alunos do sexto ano) e “A história de Luciana Scotti” e “O caso do espelho”

(alunos do nono ano), solicitei a eles que escrevessem um texto do gênero narrativa de

experiência pessoal, relatando um ou mais fatos que se passaram em certo tempo e

lugar, envolvendo a si mesmo e a outros indivíduos. Na aula seguinte, os mesmos

alunos escreveram um texto do gênero conto, isto é, uma narrativa ficcional pouco

extensa, com personagens criados pelos próprios alunos, bem como um ou mais fatos

que envolveram esses personagens.

Alguns alunos tiveram grande dificuldade em produzir um texto do gênero conto

de autoria própria, e, por essa razão, pedi a eles que fizessem um texto recontando um

conto que haviam lido no passado. Na elaboração de narrativas de experiência pessoal,

os alunos tiveram maior facilidade, e todos conseguiram fazer seu texto.

Após o recolhimento dos textos, procedi à leitura de todos eles e selecionei 64

narrativas de experiência pessoal e 64 contos escritos pelos mesmos indivíduos,

conforme distribuição já apresentada nos quadros 1 e 2, constituindo, assim, um corpus

de 128 textos. Todos os textos selecionados possuíam conectores sequenciadores e eram

relativamente legíveis, de modo que a análise dos conectores fosse possível.

Nesses textos, coletei todos os dados dos conectores E e AÍ na indicação de

sequenciação retroativo-propulsora de informações. A seguir, codifiquei esses dados de

acordo com três grupos de fatores sociais, dois grupos de fatores linguísticos e um

grupo de fatores textual-estilístico, que estão abaixo listados:

GRUPO DE FATORES

SOCIAIS:

Gênero – feminino, masculino;

Escolaridade – 6º ano do EF,20

9º ano do EF;

Idade – de 10 a 13 anos, de 14 a 17 anos.

20

EF = ensino fundamental.

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LINGUÍSTICOS:21

Relação semântico-pragmática – sequenciação textual, sequenciação temporal,

consequência;

Nível de articulação – entre orações, entre partes mais amplas do parágrafo, entre

parágrafos.

TEXTUAL-ESTILÍSTICO:

Gênero textual – narrativa de experiência pessoal (narrativa não ficcional), conto

(narrativa ficcional).

Os dados assim codificados sofreram análise estatística, sendo utilizado, para

tanto, o Pacote Estatístico GOLDVARB 2001 (ROBINSON; LAWRENCE;

TAGLIAMONTE, 2001). Esse programa estatístico fornece frequências e pesos

relativos indicadores da influência exercida sobre o uso de cada uma das variantes pelos

grupos de fatores linguísticos e sociais controlados. Além disso, o programa identifica a

ordem de significância, para o fenômeno variável estudado, de cada um dos grupos de

fatores testados. Foram realizadas rodadas binárias do programa, considerando uma

forma variante versus a outra.

Os resultados quantitativos foram analisados à luz do referencial teórico

sociofuncionalista, considerando-se, para a explicação das tendências de distribuição

social e linguística dos conectores sequenciadores E e AÍ, motivações de ordem

funcionalista, como o princípio da persistência; e motivações de ordem sociolinguística,

como o princípio da marcação estilística.

Depois da coleta dos textos, realizei, com os alunos participantes desta pesquisa,

bem como com dois professores de língua portuguesa, um de cada escola colaboradora,

um teste de atitude linguística envolvendo o uso dos conectores sequenciadores E e AÍ.

Organizei e apliquei esse teste com o intuito de verificar a opinião dos alunos e seus

21

Foi controlado também um grupo de fatores relativo às sequências textuais, que não se mostrou

significativo para o estudo. Nas sequências descritivas, houve uso categórico do conector E e, em razão

disso, os dados referentes a esse tipo de sequência foram excluídos. Os dados que integram a análise

apareceram todos em sequências narrativas.

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professores a respeito da adequação ou não do emprego dos conectores em questão em

contextos de fala e de escrita de diferentes graus de formalidade.

O teste de atitude, composto por duas questões envolvendo os conectores E, AÍ e

ENTÃO, pode ser conferido a seguir:

QUESTIONÁRIO

1. Escola: 2. Série:

3. Idade: 4. Sexo:

5. Cidade natal:

6. Quanto tempo mora em Natal:

* Observe as duas frases a seguir, ambas em três versões diferentes. Elas

exemplificam possibilidades de uso dos conectores 22 E, AÍ e ENTÃO na língua

portuguesa:

(I)

A. Os clientes pagaram muito caro por nossos serviços, E eles têm direito a um bom

atendimento.

B. Os clientes pagaram muito caro por nossos serviços, AÍ eles têm direito a um bom

atendimento.

C. Os clientes pagaram muito caro por nossos serviços, ENTÃO eles têm direito a um

bom atendimento.

(II)

A. Nós saímos do apartamento na Cidade Verde, E fomos morar em uma casa em

Parnamirim.

B. Nós saímos do apartamento na Cidade Verde, AÍ fomos morar em uma casa em

Parnamirim.

C. Nós saímos do apartamento na Cidade Verde, ENTÃO fomos morar em uma casa

em Parnamirim.

22

Utilizamos o termo “conectores” em referência a palavras que interligam orações ou partes maiores do

texto escrito ou da fala.

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1ª QUESTÃO: Em sua opinião, um ou mais dentre os conectores E, AÍ e ENTÃO

não pertence(m) à língua portuguesa culta? Em caso afirmativo, qual ou quais?

2ª QUESTÃO: Em que tipo de situações de fala ou escrita conectores não pertencentes

à língua culta deveriam ser evitados? Por quê?

Além dos conectores alvo deste estudo, E e AÍ, foi incluído no teste de atitude

linguística o conector ENTÃO porque, caso houvesse dados suficientes desse conector

nos textos escritos pelos alunos, ele também seria incluído na análise. Todavia, devido à

baixa frequência, o conector sob enfoque teve de ser excluído (cf. capítulo V).

Optei por analisar apenas as respostas dadas ao teste de atitude pelos 64 alunos

cujos textos integram o corpus utilizado neste estudo, desconsiderando as respostas

dadas pelos demais alunos contatados inicialmente. Examinei também os testes

respondidos pelos dois professores das turmas que produziram os textos.

O teste de atitude a respeito do emprego dos conectores E e AÍ feito pelos alunos

e pelos professores forneceu subsídios para a proposição de explicações melhor

fundamentadas para os resultados quantitativos obtidos para vários dos grupos de

fatores controlados. Esse teste permitiu traçar um diagnóstico sobre como membros da

comunidade natalense avaliam a utilização dos conectores E e AÍ na fala e na escrita,

em gêneros textuais mais e menos formais, o que foi de grande importância para a

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análise dos dados no que diz respeito ao princípio da marcação estilística. Os resultados

referentes ao teste de atitude linguística podem ser conferidos no capítulo V.

Tendo visto, neste capítulo, o detalhamento dos procedimentos metodológicos

adotados na pesquisa, passaremos, no próximo capítulo, à análise das respostas dadas

por alunos e professores ao teste de atitude linguística, assim como à análise dos

resultados obtidos para os diferentes grupos de fatores linguísticos, estilísticos e sociais

controlados.

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CAPÍTULO V - ANÁLISE DOS DADOS EM UMA PERSPECTIVA

SOCIOFUNCIONALISTA

Neste capítulo, avalio, inicialmente, as respostas fornecidas pelos alunos

participantes da pesquisa e por seus professores de língua portuguesa ao teste de atitude

linguística descrito no capítulo IV.

Na sequência, analiso, a partir de tratamento estatístico, o fenômeno de variação

linguística entre os conectores sequenciadores E e AÍ, que são as formas codificadoras

da função de sequenciação retroativo-propulsora de informações mais frequentes no

corpus organizado para esta pesquisa. Caracterizo e discuto os contextos de emprego

preferenciais dos conectores E e AÍ no corpus, procurando explicar os resultados

quantitativos obtidos para os grupos de fatores condicionadores de natureza linguística,

estilística e social que foram identificados pelo pacote estatístico GOLDVARB 2001

como exercendo influência sobre o emprego variável desses conectores.

1. Teste de atitude linguística

A seguir, descrevo e comento as respostas dadas pelos alunos e seus professores

de língua portuguesa às duas questões componentes do teste de atitude linguística. A

maioria dos alunos apenas indicou o AÍ como forma não pertencente à língua culta, mas

dez alunos forneceram justificativas para a sua escolha. Essas justificativas aparecem no

quadro abaixo:

1. Aí, porque a palavra é informal.23

2. Aí, porque é informal.

3. Aí, porque ele é informal.

4. Aí, porque é muito informal.

5. O que eu não utilizaria seria AÍ. Porque ai não é muito utilizado, mas também não é

formal, e eu acho que só é mais utilizado falando entre si (pessoas conversando).

23

O sublinhado foi acrescentado por mim às menções ao conector AÍ para facilitar a compreensão das

respostas dadas pelos alunos às questões 1 e 2 do teste de atitude linguística.

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6. Aí, porque é mais utilizado no dia-a-dia de cada um.

7. Aí, porque ele é uma linguagem mais popular.

8. ai não pertence já mas. Porque é tipo uma agiria.

9. Eu acho o Aí porque não combina com o texto que agente está escrevendo.

10. Aí porque não fica com muito sentido em um texto importante.

Quadro 3: Algumas respostas dos alunos à questão 1 do teste de atitude

Segundo a grande maioria dos alunos, a resposta cabível à primeira questão do

teste de atitude linguística, “Em sua opinião, um ou mais dentre os conectores E, AÍ e

ENTÃO não pertence(m) à língua portuguesa culta? Em caso afirmativo, qual ou

quais?”, é o conector AÍ. Urge atentar para o fato de que os alunos sequer mencionaram

os conectores E e ENTÃO; ou seja, os alunos apontaram apenas o AÍ como não

pertencente à língua culta. Para eles, o AÍ está apto a ser utilizado em situações informais

como “uma conversa”, como relata um aluno, mas nunca em um “texto importante”,

destaca outro, pois é “tipo uma agiria”, um vício de linguagem.

Percebemos, portanto, que o conector AÍ é relacionado, pelos alunos, a situações

informais da vida cotidiana, em que as pessoas tendem a monitorar menos a fala e a

escrita. Em razão disso, acredito que o AÍ possa ser considerado um conector marcado

estilisticamente como informal para o conjunto de alunos participantes da pesquisa, a

exemplo do que ocorre em diferentes comunidades de fala brasileira (cf. TAVARES,

2003; SOARES, 2003; FREITAG et al., 2013), em que o conector em tela costuma ser

descrito pelos falantes como típico de situações informais de uso da língua.

Quanto a E e a ENTÃO, uma vez que os alunos não os apontaram como não

pertencentes à língua culta, nem os relacionaram a contextos de maior informalidade,

creio que esses conectores possam ser considerados formas não marcadas

estilisticamente, isto é, formas que podem ser empregadas em contextos mais ou menos

formais sem chamar atenção especial.

No quadro a seguir, estão as respostas fornecidas pelos professores à questão 1

do teste de atitude linguística:

1. O “aí” é bem estigmatizado na língua culta, em especial, na modalidade escrita.

2. Aí.

Quadro 4: Respostas dos professores à questão 1 do teste de atitude

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As respostas dadas pelos professores parecem confirmar o provérbio popular,

“Filho de gato, gatinho é”. Como vimos, os alunos acreditam que o AÍ é um conector

impróprio para situações de interação de maior formalidade, crença essa que pode ter

sido originada ou, ao menos, reforçada, pela opinião de seus professores de língua

portuguesa em relação à forma sob enfoque. Para esses professores, o uso do AÍ como

conector é estigmatizado e rotulado como não pertencente à língua culta. Além disso,

para um dos professores, a modalidade escrita parece ser vinculada apenas à língua

culta, como se não houvesse contextos informais de escrita.

No que diz respeito à segunda questão do teste de atitude linguística, selecionei,

por questão de espaço, também dez respostas dadas pelos alunos, apresentadas no

quadro a seguir:

1. Aí não faz parte da língua padrão, com amigos e família na internet tudo bem, mas em

redações, entrevistas, apresentações públicas jamais por não ser adequado.

2. Aí. Não utilizaria numa redação para o vestibular.

3. Aí. Em redação de vestibular, em uma entrevista de emprego. Porque ambas as

situações são formais e exigem que o falante e/o escritor exerça o uso da norma culta.

4. O conector “aí”, deveria ser evitado em conversas com pessoas mais cultas ex: chefe,

diretor. E em textos mais elaborados como textos para vestibular, concursos, carta

para uma radio, um requerimento etc.

Porque as pessoas que vão ler ou que conversam requerem um português mais padrão

ou culto.

5. O (Aí) ao fazer uma redação não devemos colocar este conector. também em texto,

carta no emprego, ou numa entrevista de emprego.

6. O (Aí). Deve ser evitado em uma entrevista de emprego.

7. O AÍ. Redações, boletins de ocorrência, em um plenário judiciário e em alguma

conversa com algum político de alta classe.

8. Aí, porque essa palavra seria muito feia para se tratar com alguém, como seu patrão.

9. AÍ porque o texto ia fica muito AÍAÍ as pessoas não ia entender quase nada.

10. AÍ, esse conector é usado mais na linguagem informal então não ficaria bom de

ver em critério de um professor detalhista.

Quadro 5: Algumas respostas dos alunos à questão 2 do teste de atitude

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Segundo os alunos, em a resposta à segunda pergunta do teste de atitude

linguística, “Em que tipo de situações de fala ou escrita conectores não pertencentes à

língua culta deveriam ser evitados? Por quê?”, o AÍ, conector considerado por eles

como não pertencente à língua culta, deveria ser evitado em qualquer situação formal de

interação. Os estudantes relacionaram o uso do AÍ a graus mais elevados de

informalidade, por isso “[…] com amigos e família na internet tudo bem [...]”, mas esse

conector “deveria ser evitado em conversas com pessoas cultas.”. Um aluno chegou a

destacar o problema de uso do conector sob enfoque perante um “professor detalhista”.

Em geral, parece que os estudantes admitem o uso do AÍ em contextos informais, de

fala e escrita (“na internet tudo bem”), mas não em contextos formais de fala – por

exemplo, “para se tratar com alguém, como seu patrão” e “em alguma conversa com

algum político de alta classe” – e de escrita – por exemplo, “redações, boletins de

ocorrência”, “carta de emprego”. Em suma, o conector AÍ “deveria ser evitado em

conversas com pessoas mais cultas ex: chefe, diretor. E em textos mais elaborados como

textos para vestibular, concursos, carta para uma radio, um requerimento etc.” É

interessante notar que um aluno fez um alerta a respeito do uso repetido do AÍ em um

mesmo texto: “o texto ia fica muito AÍ AÍ as pessoas não ia entender quase nada.”

Confira-se a seguir as respostas dadas pelos professores à questão 2 do teste de

atitude linguística:

1. Na modalidade escrita em situações bem formais.

2. Qualquer situação que ligue orações, ideias.

Quadro 6: Respostas dos professores à questão 2 do teste de atitude

O primeiro professor acredita que se deva restringir o uso do conector AÍ “na

modalidade escrita em situações bem formais”, do que se subentende que tal conector

seria admissível na escrita mais informal. Em contraste, o segundo professor afirma que

o conector em tela deve ser evitado em qualquer situação que ligue orações, ideias, ou

seja, esse professor sequer admite o uso da forma AÍ como conector!

De acordo com pesquisas sociolinguísticas, os usos de algumas variantes

estigmatizadas estão condicionados ao papel social assumido por seus usuários (cf.

LABOV, 2008[1972]). Isso não significa que os indivíduos jamais utilizem tais

variantes, apenas que tendem a ser mais cuidadosos nas situações em que as utilizam: se

identificarem essas situações como formais, utilizarão uma taxa menor de variantes por

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eles estigmatizadas. Esse fato pode estar subjacente à avaliação que os professores

fazem sobre o AÍ: seu papel social como professores de língua portuguesa pode não

somente levá-los a apontar esse conector como impróprio para contextos de uso

formais, mas até mesmo a combater fortemente seu uso na escrita (e mesmo na fala) de

seus alunos. Disso poderá ser indício, por exemplo, a diminuição de emprego desse

conector por indivíduos com maior tempo de escolarização, e, portanto, maior contato

com professores de língua portuguesa, questão a ser explorada na seção 5 a seguir.

Na próxima seção, teço considerações a respeito da frequência geral de uso dos

conectores E e AÍ nos textos narrativos escritos pelos alunos de ensino fundamental

participantes desta pesquisa.

2. Frequência geral dos conectores E e AÍ no corpus

Coletei os dados de todos os conectores sequenciadores que encontrei nos textos

narrativos que integram o corpus. No entanto, recortei para a análise apenas os dados

referentes aos conectores E e AÍ em razão de os demais conectores sequenciadores

terem sido empregados, pelos alunos participantes da pesquisa, com baixa frequência, o

que impede a sua inclusão em análises estatísticas. Obtive, além de dados do E e do AÍ,

dados dos seguintes conectores sequenciadores: ENTÃO (25 ocorrências), E ENTÃO

(7 ocorrências), E AÍ (4 ocorrências) e E DAÍ (4 ocorrências).

Também excluí da análise 74 dados do conector E utilizados em trechos

descritivos dos textos, pois não houve utilização do AÍ no mesmo contexto, o que revela

que, no corpus, as sequências textuais descritivas representam um contexto de uso

categórico do E, não cabendo inclui-las em um estudo variacionista.

A tabela e a seguir traz a frequência de uso dos conectores sequenciadores E e

AÍ no corpus:

Conectores Ocorrências %

E 747 88

AÍ 102 12

Total 849 100

Tabela 1: Frequência de uso dos conectores sequenciadores

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Nossa amostra é, pois, composta por um total de 849 dados de conectores

sequenciadores. Desse total, o E é o conector predominante, contando com 747

ocorrências (88% dos dados), ao passo que o AÍ é responsável por apenas 102

ocorrências (12% dos dados). Esse resultado era esperado, uma vez que estudos

anteriores já haviam apontado a baixa recorrência de uso do conector AÍ em textos

escritos, em contraponto a uma tendência de alta taxa de aparecimento do conector E

nesses textos.

Por exemplo, como já dito, Santos (2003) encontrou, em romances infantis e

juvenis, 799 ocorrências do E e 78 ocorrências do AÍ. E Tavares (2007) mapeou, em

textos escritos por quatro alunos da quarta série do ensino fundamental e por quatro

alunos do terceiro ano do ensino médio (textos de diferentes gêneros: narrativa de

experiência pessoal, relato de procedimento, descrição de local e relato de opinião), 109

ocorrências do E e apenas duas ocorrências do AÍ. Em contraste, nos textos equivalentes

orais (feitos pelos mesmos indivíduos), houve 393 ocorrências do E e 221 ocorrências

do AÍ.

Similarmente, Görski e Tavares (2001) obtiveram, em textos argumentativos

orais (relatos de opinião em trechos de entrevistas sociolinguísticas), 70 dados do E e 20

dados do AÍ, e, em textos argumentativos escritos (redações de vestibular), 94 dados do

E e apenas um dado do AÍ. E Tavares (2002) identificou, em textos jornalísticos escritos

de diferentes gêneros (editorial, reportagem, carta do leitor e entrevista), 142

ocorrências do E e 12 ocorrências do AÍ.

Por sua vez, Abreu (1992), ao avaliar a utilização dos conectores E e AÍ em

textos narrativos orais e escritos produzidos por alunos do ensino fundamental, concluiu

que a recorrência ao AÍ, na escrita, sofre uma queda significativa. A autora atribui essa

grande diminuição de uso ao fato de que existe um caráter estigmatizante no que se

refere à utilização do conector AÍ: “apesar do uso deste elemento tanto por adultos

quanto por crianças ser um fato até certo ponto natural, a sociedade culta, a escola o

rejeita” (ABREU, op. cit., p. 11).

Portanto, embora o conector AÍ seja muito frequente na oralidade, seu uso ainda

é visto com preconceito pela escola (como evidenciam também as respostas ao teste de

atitude linguística dadas pelos professores de língua portuguesa – cf. seção 1), fato esse

que pode estar subjacente a sua baixa frequência no corpus desta pesquisa: os alunos do

ensino básico costumam ser alertados para evitar o emprego do conector sob enfoque

em seus textos escritos e, não raro, até mesmo na fala (cf. TAVARES, 2003).

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A esse respeito, Tavares (2007) informa-nos que, em seu corpus, os dois dados

do conector AÍ que foram encontrados na amostra escrita ocorreram justamente nos

textos produzidos por alunos da quarta série do ensino fundamental, não havendo dados

do AÍ nos textos produzidos por alunos do terceiro ano do ensino médio. A autora

acredita que isso se deva ao fato de que os alunos do terceiro ano do ensino médio

possuem muito mais tempo de contato com o ensino formal do que os alunos da quarta

série do ensino fundamental e, portanto, aqueles devem ter sofrido maior pressão para

evitar o uso do conector AÍ do que estes.

Sobre a baixa utilização do AÍ nos textos escritos, Tavares (op. cit., p. 94)

esclarece-nos ainda que:

Talvez o fato de AÍ ter aparecido apenas duas vezes nos textos escritos

se deva à estigmatização que parece estar ligada a seu uso como

conector, geralmente considerado impróprio para a escrita ou mesmo

um vício de linguagem. Portanto, uma pressão por parte da escola para

que se evite o emprego de AÍ pode estar por trás de sua presença

insignificativa nos textos escritos.

No que diz respeito à grande utilização do conector E no corpus desta pesquisa,

acredito que esse comportamento seja condizente com o fato de o E ser o conector

prototípico da indicação de sequenciação retroativo-propulsora de informações no

português, visto que é o conector mais frequente na indicação dessa função gramatical,

seja na fala ou na escrita (cf. TAVARES, 2003, 2007; SOUZA, 2010; ANDRADE,

2011). Assim, em qualquer amostra de dados, pode ser esperada certa recorrência de uso

do conector em questão.

No entanto, para Rojo (1996 apud Santos, 2003), um uso excessivamente

recorrente do E reflete a influência da oralidade sobre a escrita. Nessa direção, alguns

estudos, como o de Abreu (1992) e o de Tavares (2007), têm pontuado que a grande

frequência do conector E em textos escritos por alunos de nível básico de ensino pode

representar falta de domínio de outras estratégias existentes na língua para a

sequenciação de partes do texto. Como não conhecem essas estratégias, os alunos

utilizam, na escrita, o conector que mais dominam, o E.

Tavares (op. cit., p. 108) afirma que as:

[...] altas taxas de ocorrência de E na escrita [...], em detrimento da

miríade de conectores disponíveis da língua, podem ser tomadas como

indício de que a escola, embora pareça ter êxito em sua campanha pela

diminuição do uso de AÍ na escrita, não consegue levar os alunos ao

emprego de outros conectores, como ENTÃO, ASSIM, LOGO,

PORTANTO, POR CONSEGUINTE etc.

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A questão do ensino de conectores sequenciadores é retomada e aprofundada na

seção 5 a seguir, em que discuto os resultados obtidos para os grupos de fatores sociais.

Antes, na seção 3, analiso os dados obtidos para os grupos de fatores linguísticos e, na

seção 4, os resultados obtidos para o grupo de fatores textual-estilístico.

Cumpre mencionar que o Pacote Estatístico GOLDVARB 2001 (ROBINSON;

LAWRENCE; TAGLIAMONTE, 2001) selecionou os grupos de fatores significativos

para o fenômeno variável sob enfoque na seguinte ordem de relevância: gênero textual,

nível de articulação, relação semântico-pragmática e idade/escolaridade. O grupo de

fatores gênero não foi considerado relevante.24

3. Análise dos dados referentes aos grupos de fatores linguísticos

Nas próximas seções, analiso os contextos linguísticos preferencias para o uso

do E e do AÍ conectores no que tange às relações semântico-pragmáticas (sequenciação

textual, sequenciação temporal e consequência) e aos níveis de articulação (entre

orações, entre partes mais amplas do parágrafo, entre parágrafos).

3.1 Relação semântico-pragmática

3.1.1 Caracterização e hipóteses

Como já dito no capítulo I, os conectores sequenciadores E e AÍ são

empregados, no corpus deste estudo, na indicação de três relações semântico-

pragmáticas: a sequenciação textual, a sequenciação temporal e a consequência. Como

essas relações já foram descritas e exemplificadas no capítulo I, são rapidamente

apresentadas abaixo, seguidas de novos exemplos.

1. Sequenciação textual: assinala a ordem sequencial pela qual as informações são

apresentadas e desenvolvidas no texto, indicando a progressão dessas informações para

24

Os pesos relativos atribuídos aos gêneros foram os seguintes: (i) feminino = 0.511; masculino = 0.487

no que diz respeito ao E, e (i) feminino = 0.0489; masculino = 0.513 no que diz respeito ao AÍ.

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frente sem exigir o estabelecimento de relações semântico-pragmáticas mais específicas

entre elas. O conector sequenciador, na indicação dessa relação, apenas deixa

transparecer que a informação que introduz tem a ver com as demais, por fazerem parte

do mesmo assunto. Nas palavras de Tavares (2003, p. 27):

Despida de caráter argumentativo ou de indicação de cronologia

temporal, a sequenciação textual salienta o encadeamento de uma

porção textual anterior com uma posterior, evidenciando que essa é

mais uma informação que se relaciona com informações já dadas.

Seguem-se os exemplos:

(1) “[...] um dia estava andando pela rua de bicicleta e ela só ficava escutando uma voz

dizendo assim: “solitária, solitária você é muito solitária” e ela ficou com essa voz 2

semanas não conseguia fazer nada e não se concentrava nas aulas [...]”. (94M62)

(2) “[...] no dia do enterro dele, ela chorava muito, ai pegou a boneca que ele deu e a

agarrou bem muito [...]”. (99F92)

2. Sequenciação temporal: também assinala a ordem sequencial pela qual as

informações são apresentadas e desenvolvidas no texto, mas as informações

introduzidas representam eventos ordenados cronologicamente. O conector

sequenciador, na indicação dessa relação, marca a ordem de ocorrência dos eventos no

tempo, envolvendo a pressuposição de que o segundo evento ocorreu mais tarde em

relação ao primeiro. Seguem-se os exemplos:

(3) “[...] aperte a mão da boneca ela apertou e a boneca falou quer casar comigo e o

anel, caiu e foi aí que ela começou a chorar intensamente”. (99F92)

(4) “aí mateus botou a mão debaixo da cadeira e encontrou um biscoito pela metade ai

nos ficou discutino que comia o biscoito primeiro ai Jonathan comeu primeiro ai mateus

comeu pelo o segundo”. (52M91)

3. Consequência: introduz informações que representam consequência em relação a

informações dadas anteriormente. Seguem-se os exemplos:

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(5) “Eu tinha 9 anos, e eu gostava muito de ir para a casa de uma amiga e via a irmã

mecher então eu ficava olhando e aprendi a mecher”. (5F61)

(6) “[...] eu pedia para minha mãe, mais ela não deixava porque era em outra cidade

(Parnamirim) então eu falava que tinha outro capeonato no planalto, aí ela deixava,

quando chegava no meio do caminho eu chamava meus amigos e ia para parnamirim de

Bike.” (22M61)

Qual é a hipótese previamente tecida a respeito do grupo de fatores relação

semântico-pragmática? Como já mencionado, no âmbito do sociofuncionalismo,

propõem-se que motivações e princípios de natureza funcionalista e de natureza

sociolinguística estejam subjacentes a cada escolha linguística feita por um falante ou

escritor. A esse respeito, Tavares (2013b, p. 8) nos esclarece que:

Numa perspectiva sociofuncionalista, os resultados quantitativos e

qualitativos obtidos são explicados através de princípios e motivações

de natureza cognitivo-comunicativa – cuja fonte principal é o

funcionalismo norte-americano ou linguística baseada no uso –, além

de princípios e motivações de natureza sociocultural e estilística – cuja

fonte principal é a sociolinguística variacionista.

No caso deste estudo, acredito que a seleção de cada conector sequenciador feita

pelos alunos em seus textos narrativos sofre influências de dois princípios em especial,

o princípio da persistência e o princípio da marcação estilística. O princípio da

persistência pode ser atuante sobre o comportamento de E e de AÍ no que se refere aos

grupos de fatores linguísticos, e o princípio da marcação estilística pode influenciar o

comportamento dessas formas no que tange ao grupo de fatores textual-estilístico, assim

como no que tange aos grupos de fatores sociais. Nesta seção, recebe destaque o

princípio da persistência.

Já havíamos observado que o princípio da persistência é um dos princípios de

gramaticalização propostos por Hopper (1991). Muitos pesquisadores têm recorrido a

esse princípio para explicar os resultados obtidos no estudo de fenômenos variáveis (cf.

TAGLIAMONTE, 2003; TAGLIAMONTE, SMITH, 2006; POPLACK, 2011;

TAVARES, 2003, 2013b; TORRES CACOULLOS, 2012, entre outros). De acordo com

esse princípio, traços dos significados originais de uma forma linguística podem ser

conservados ao longo de seu processo de gramaticalização, algumas vezes restringindo

seu uso em certos contextos. Nas palavras de Hopper (1991, p. 22):

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Quando uma forma sofre gramaticalização de uma função lexical para

uma gramatical, tanto quanto isso é gramaticalmente viável, alguns

traços de seus significados lexicais originais tendem a aderir a ela, e

detalhes de sua história lexical podem ser refletidos nas restrições de

sua distribuição gramatical.

Desse modo, conforme Tavares (2013b, p. 8):

[...] detalhes da história dessa forma podem ser refletidos em

condicionamentos morfossintáticos, semântico-pragmáticos e/ou

estilísticos a seu uso variável, mesmo quando essa forma assume

significados até distantes daqueles de seu uso fonte. Em decorrência, o

exame do passado das formas variantes é fundamental para

contextualizar – e explicar – a variação sincrônica.

Portanto, os conectores sequenciadores E e AÍ podem diferir em termos de sua

distribuição linguística porque são oriundos de diferentes fontes adverbiais (cf. capítulo

I) e podem ter conservado traços de uso característicos dessas fontes em seu emprego

atual na indicação de sequenciação retroativo-propulsora, hipótese que averiguo, nesta

seção, no que diz respeito aos grupos de fatores relação semântico-pragmática.

Com base no princípio da persistência, acredito que detalhes da história anterior

de gramaticalização exerçam influência sobre os usos dados atualmente aos conectores

E e AÍ, o que se reflete em forma de tendências diferenciadas de distribuição linguística.

Assim, esses conectores podem se distinguir quanto à relação semântico-pragmática que

preferencialmente indicam em razão de terem se desenvolvido de mananciais adverbiais

distintos e de terem retido traços de seus significados fontes. Nesse sentido, minha

hipótese é de que conector E seja condicionado favoravelmente na indicação da

sequenciação textual, ao passo que o conector AÍ deve ser condicionado favoravelmente

na indicação da sequenciação temporal.

Essa hipótese encontra fundamentação nos percursos de gramaticalização

propostos por Tavares (2003) para as formas E e AÍ, pelos quais elas teriam migrado de

papéis adverbiais para papéis conectivos. A seguir, os dois quadros trazem esquemas

dos percursos delineados por Tavares (op. cit.), percursos esses que podem ser

conferidos em maior detalhe no capítulo I:

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Quadro 7: Percurso de gramaticalização do E

Em síntese, segundo Tavares (op. cit.), ainda no latim, a forma et deve ter

entrado no domínio da sequenciação retroativo-propulsora através da indicação da

relação semântico-pragmática de sequenciação textual, pois essa é a relação que mais

possui características em comum com os usos mais antigos do et como um advérbio

ligado à soma entre informações. Nesses usos, o et tinha significados como ‘além de’ e

‘também’, que evidenciavam, à semelhança da sequenciação textual, a característica de

adicionar uma parte do texto à outra. O emprego do et na indicação de sequenciação

temporal e de consequência seria, segundo essa proposta, derivado do emprego do et na

indicação de sequenciação textual, por pressão de contextos de uso que deixavam vir à

tona inferências como cronologia temporal e causa-consequência entre as informações

sequenciadas pelo et.

Já foi como marca linguística de todas essas três relações semântico-pragmáticas

que o E chegou ao português. Todavia, os usos desse conector parecem ser, desde os

primórdios da língua portuguesa, mais recorrentes na indicação de sequenciação textual

(cf. TAVARES, 2003), o que pode ser tomado como um possível reflexo de uma

especialização de uso desse conector já existente no latim, derivada, nessa língua, de

suas fontes adverbiais de significado vinculado à soma de informações, especialização

essa que, herdada do latim, parece se manter até hoje em português (cf. SOARES, 2003;

TAVARES, 2003, 2007; SOUZA, 2010; ANDRADE, 2011; FREITAG et al., 2013).

E

~eti, ‘além de’ et, ‘também’ sequenciação textual sequenciação temporal

consequência

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Quadro 8: Percurso de gramaticalização do AÍ

Consoante a proposta de Tavares (op. cit.), a forma AÍ deve ter passado a

integrar o domínio da sequenciação retroativo-propulsora de informações através da

indicação da relação semântico-pragmática de sequenciação temporal, uma vez que é

essa relação que apresenta os traços semânticos mais similares aos dos usos mais

antigos do AÍ no plano adverbial. Quanto o AÍ se tornou um conector indicador de

sequenciação temporal, a relação espacial e/ou temporal que o ligava anaforicamente a

um elemento antecedente no texto deu vez à relação de sequencialidade temporal

existente entre dois eventos.

A utilização do AÍ na indicação de consequência seria, por sua vez, proveniente

de seu emprego na indicação de sequenciação temporal, por pressão de contextos de uso

que permitiam o surgimento da inferência de que as informações sequenciadas

cronologicamente por esse conector estariam também em uma relação de causa-

consequência. Por sua vez, o uso do AÍ na indicação de sequenciação textual deve ter

vindo de seus usos na expressão da sequenciação temporal e da consequência, em

contextos em que não ficava claro se de fato havia relação de cronologia temporal e/ou

de causa/consequência entre as informações interligadas, podendo estar em jogo apenas

a indicação de que ambas as informações relacionam-se ao mesmo tópico.

Na próxima seção, vejamos se os resultados obtidos de fato apontam um maior

uso do conector E na indicação de sequenciação textual e do conector AÍ na indicação

de sequenciação temporal.

dêixis locativa anáfora locativa anáfora temporal sequenciação temporal

consequência

sequenciação textual

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3.1.2 Resultados e discussão

E AÍ

RELAÇÃO Apl./Total % PR Apl./Total % PR

Sequenciação temporal 344/415 83 0.313 71/415 17 0.687

Sequenciação textual 278/295 94 0.729 17/295 06 0.271

Consequência 125/139 96 0.563 14/139 10 0.437

TOTAL 747/849 88 ---- 102/849 12 ----

Input: 0.880 Sig: 0.000 Input: 0.120 Sig: 0.000

Tabela 2: Influência da relação semântico-pragmática sobre o uso do E e do AÍ

Antes de proceder à análise dos resultados, esclareço que o input é a

probabilidade de aparecimento de uma das variantes quando o efeito de todos os fatores

de todos os grupos é neutro e, assim, costuma ser um valor aproximado ao da

percentagem geral de cada item. O nível de significância define o risco que se corre ao

rejeitar a hipótese nula, isto é, a hipótese de que nenhum dos fatores considerados influi

sistematicamente no processo de seleção das variantes pelos usuários da língua. Níveis

de significância próximos a .000 indicam uma certeza estatística de que os valores

atribuídos pelo modelo a cada fator estão corretos. Os pesos relativos, que refletem as

várias dimensões de interferência simultânea sobre o uso de uma forma, variam de 0 a

1. Quanto mais próximo de 0 for o peso, menos influi o fator que o recebeu; quanto

mais próximo de 1, maior é a influência. Um peso de valor 0.500 tende a ser indiferente.

(cf. BRESCANCINI, 2002)

Passemos a análise dos resultados. A hipótese de que o conector E seria

condicionado favoravelmente na indicação da sequenciação textual foi atestada através

do peso relativo de 0.729. Ou seja, o conector E, nos textos narrativos produzidos pelos

alunos participantes da pesquisa, recebeu maior destaque na sequenciação textual,

relação semântico-pragmática para a qual esse conector parece ter herdado a

especialização de sua fonte, o conector ET latino. Esse conector, por sua vez, deve ter

adquirido tal especialização por ter sido a indicação de sequenciação textual a primeira

de suas funções no domínio da sequenciação retroativo-propulsora de informações – e,

não coincidentemente – a que mais se assemelha às fontes adverbiais de ET, de

significados voltados para a soma entre informações.

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Vejamos agora o que aconteceu com o conector AÍ. Como previsto na hipótese

inicial, é na indicação de sequenciação temporal que se concentra a maioria das

ocorrências do AÍ, com peso relativo de 0.687. É possível que o componente temporal

dessa relação semântico-pragmática esteja subjacente a esse favorecimento ao uso do

conector AÍ: a indicação da passagem cronológica do tempo deve estar tão vinculada à

opção pelo AÍ25

por conta de seus usos fontes no âmbito da anáfora temporal. Assim, a

tendência à preservação de resquícios do passado também parece se manifestar no caso

desse conector.

É importante notar ainda que o conector E também foi levemente favorecido na

indicação da consequência, com peso relativo de 0.563. Acredito que esse resultado

possa ser relacionado à suposição feita por Tavares (2003, p. 180) de que o E “[...]

cumpre outro dos destinos previstos para as formas gramaticalizandas: generalização

cada vez maior, que é o que o torna sujeito a essas múltiplas adaptações nas situações de

interação, prestando-se com facilidade para a execução de uma miríade de tarefas.” O

conector E parece ter se tornado uma espécie de coringa, podendo ocorrer com grande

frequência como marca de todas as relações semântico-pragmáticas ligadas ao domínio

da sequenciação textual, e, inclusive, sendo favorecido, em termos de pesos relativos,

em mais de uma dessas relações.

3.2 Níveis de articulação textual

3.2.1 Caracterização e hipóteses

Nos textos que integram nosso corpus, os conectores sequenciadores E e AÍ

foram utilizados em três níveis de articulação: entre orações, entre partes mais amplas

do parágrafo e entre parágrafos, níveis esses caracterizados e exemplificados a seguir:

25

Outros estudiosos, como Abreu (1992) e Silva e Macedo (1996), também apontam a existência de uma

forte correlação entre o conector AÍ e a sequenciação temporal de eventos.

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1. Entre orações: Uma oração é caracterizada pela presença de sintagmas ao redor de

uma ação verbal. Segundo Azeredo (2008, p. 136), a oração é “[...] a unidade gramatical

centrada em um verbo flexionado em um dado tempo e constituída, tipicamente, de duas

partes: sujeito e predicado”. No nível oracional, os sequenciadores interligam duas

orações, tendendo a haver, entre essas orações, continuidade referencial, temporal,

aspectual e de localização (cf. GIVÓN, 1995, 2001), do que resulta uma grande

integração entre as informações codificadas pelas orações. Seguem-se os exemplos:

(7) “[...] ai ele começou a bater no meu irmão e o meu irmão começou a chorar”.

(22M61)

(8) “[...] todo mundo começou a ri ai regina sitiu a catinga ai ligou o ventilado”.

(52M91)

2. Entre partes mais amplas do parágrafo: O conector interliga segmentos mais amplos

que os oracionais, mas, ainda assim, internos a um parágrafo. Nesse nível de articulação

textual, costuma haver graus menores de integração entre as informações conectadas, ou

seja, maior descontinuidade referencial, temporal, aspectual e de localização do que a

que se encontra no nível entre orações. Seguem-se os exemplos:

(9) “Mas em um tempo ela teve uma recaída forte da doença passou meses no altei, a

base de remédios, não suportava mais a pressão daquilo tudo. E Deus a chamou pra

perto dele”. (46F91)

(10) “Quando nós chegamos na escola minha irmã agente no lado de fora da escola. Aí

minha vó chamou agente para ir na casa dela”. (25M61)

3. Parágrafo: é caracterizado pela presença de vários períodos formando uma unidade

temática:

O parágrafo é uma unidade de composição, constituída por um ou

mais de um período, em que se desenvolve determinada unidade

central, ou nuclear, a que se agregam outras secundárias, intimamente

relacionadas pelo sentido e logicamente decorrentes dela. (GARCIA,

1977, p. 203).

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O parágrafo é responsável por manter a continuidade temática entre segmentos

maiores, sustentando a coesão textual; e quando a descontinuidade se estabelece é dever

do autor do texto sinalizar esse recurso por meio de estratégias linguísticas. Conforme

indicam Koch e Elias (2009, p. 184),

Pode-se sinalizar a continuidade e a descontinuidade tópicas por meio

de paragrafação: havendo continuidade entre os segmentos tópicos,

eles podem, em muitos casos, permanecer juntos no mesmo parágrafo,

ao passo que, no caso de descontinuidade entre dois segmentos, é

recomendável separá-los em parágrafos distintos.

Os conectores, no nível de articulação entre parágrafos, interligam informações

do parágrafo anterior com informações do parágrafo subsequente. É possível que, na

organização de um texto narrativo, cada uma das partes do enredo – exposição,

complicação, clímax e desfecho – seja estruturada em um parágrafo. Seguem-se os

exemplos:

(11) “E não tendo sucesso, ele voltou para casa e chegando lá pegou a arma e apontou

para sua própria cabeça e atirou ...

E ao passar dos tempos fui crescendo, e lembrando disso fico muito triste em

saber que ele tirou sua própria vida. Depois que eu ouvi isso fui refletir.” (56M91)

(12) “Ai um dia ele viu eu mecher e disse Lívia eu vou compra um computador para

você ai eu disse vai mesmo ai ele disse vou, ai eu disse quando o senhor vai compra.

Ai um dia eu tafa na casa da minha prima e eu fui pra Lagoa de Jacumã. Ai de

tarde agente voutol pra casa ai de noite a minha prima foi me deixar quando eu cheguei

em casa minha mãe não tava em casa ai eu fiquei na casa da vizinha.” (8F61)

Minha hipótese prévia a respeito da distribuição dos conectores E e AÍ nos

níveis de articulação textual também é pautada no princípio da persistência. Conforme

Tavares (2003, p. 140), o ET latino,

[...] ao tornar-se conjunção, interliga inicialmente sintagmas nominais,

passando subsequentemente a interligar sintagmas verbais; depois, é

estendido para a articulação entre orações, e, num crescente aumento

de escopo, principia a marcar a sequenciação entre segmentos e

mesmo tópicos discursivos.

A autora sintetiza esse percurso de ET do seguinte modo: palavra > sintagma >

oração > trechos de proporções maiores. O fato de ET ter iniciado seu percurso como

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conector em níveis menores de articulação pode ter feito com que essa forma se tornasse

especializada justamente para esses níveis de articulação, especialização essa que tende

a ser observada no que se refere ao conector E já nos mais antigos textos escritos em

português (cf. TAVARES, 2003), possivelmente como uma herança de seu antepassado

latino ET.

Quanto ao AÍ, ele não é utilizado como conector na interligação de níveis

menores que o oracional, e tende a predominar nos níveis mais amplos de articulação

(cf. SOARES, 2003; TAVARES, 2003, 2007; SOUZA, 2010; ANDRADE, 2011;

FREITAG et al., 2013), o que também pode ser um resquício de seus usos fontes.

Tavares (2003, p. 168) assim nos esclarece a respeito da possível trajetória de mudança

sofrida pelo AÍ em termos de níveis de articulação:

[...] como deriva de fontes anafóricas que apontam para um trecho –

palavra ou construção – imediatamente anterior, deve ter se tornado

conector em níveis de articulação mais extensos que o da palavra ou

sintagma, talvez níveis oracionais ou um pouco maiores, adaptando-se

daí para os demais níveis.

Espero, portanto, em consonância com o princípio da persistência e levando em

conta resultados obtidos em estudos anteriores, que o conector E predomine na

articulação de segmentos oracionais e que o conector AÍ receba destaque na articulação

de partes mais amplas dentro do parágrafo e mesmo na articulação entre parágrafos.

3.2.2 Resultados e discussão

E AÍ

RELAÇÃO Apl./Total % PR Apl./Total % PR

Entre orações 564/602 94 0.628 38/602 06 0.372

Períodos/parágrafos 183/247 74 0.219 64/247 26 0.781

TOTAL 747/849 88 ---- 102/849 12 ----

Input: 0.880 Sig: 0.000 Input: 0.120 Sig: 0.000

Tabela 3: Influência do nível de articulação sobre o uso do E e do AÍ

Os resultados obtidos atestam a hipótese inicialmente feita de que o conector E é

predominante no nível de articulação oracional, tendo obtido peso relativo de 0.628

relativamente a esse nível de articulação textual.

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Em razão da menor frequência de ocorrências, optei por amalgamar os dados

referentes aos níveis de articulação entre partes mais amplas do parágrafo e entre

parágrafos. Quanto a esse fator, os resultados indicam favorecimento do AÍ, tendo esse

conector recebido peso relativo de 0.781.

Santos (2003), ao analisar a articulação textual no gênero romance infantil e

juvenil, mostra que os conectores são mecanismos fundamentais para a progressão das

narrativas e defende a necessidade de que o trabalho com a sintaxe, nas escolas de nível

fundamental e médio, leve em conta âmbitos mais amplos do que os que

tradicionalmente se trabalha em sala de aula, em que o professor, em geral, restringe-se

aos níveis entre orações e entre períodos. Nas palavras da autora:

O assunto é [...] mais complexo e ultrapassa as fronteiras do período: é

comum estruturas de coordenação, por exemplo, articularem

parágrafos e mesmo porções maiores de textos. (SANTOS, op. cit., p.

13)

Como pudemos observar pelos resultados expostos na tabela 3, esse é o caso

dos conectores E e AÍ, que, mesmo tendo maior especialização para níveis de

articulação distintos (E = entre orações; AÍ = entre partes mais amplas do parágrafo e

entre parágrafos), são ambos empregados nos diferentes níveis de articulação

controlados, fato que deve ser levado em conta por estudos que os tomem como objeto

de análise e mesmo nas salas de aula do ensino básico, como nos alerta Santos (op. cit.).

4. Grupo de fatores textual-estilístico

Nas próximas seções, analiso o grupo de fatores textual-estilístico gênero

textual, considerando dois gêneros: conto e narrativas de experiência pessoal, que são,

de início, exemplificados e brevemente caracterizados em consonância com as

propriedades expostas no capítulo III. Em seguida, apresento as hipóteses e discuto os

resultados, valendo-me, para tanto, do princípio da marcação estilística.

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4.1 Gênero textual

4.1.1 Caracterização e hipóteses

Neste estudo, como solicitei que os alunos participantes escrevessem textos de

dois gêneros da esfera narrativa, a narrativa de experiência pessoal e o conto, pude

controlar o gênero textual como um grupo de fatores que poderia condicionar o uso dos

conectores sequenciadores E e AÍ.

No capítulo III, já caracterizei, no que diz respeito a definições e propriedades,

tanto a narrativa de experiência pessoal quanto o conto. Assim, faço, abaixo, somente

uma pequena síntese a respeito das propriedades essenciais de cada um desses gêneros.

A cada síntese, segue-se, como exemplo, um texto do gênero correspondente. Os dois

textos apresentados integram o corpus da pesquisa, e são avaliados quanto a sua

adequação ao gênero textual em que se enquadram.

1. Narrativa de experiência pessoal – é definida como gênero narrativo em razão de

possuir elementos narrativos típicos, como: espaço, tempo, personagens, ambiente,

enredo. Contudo, como todo gênero, possui propriedades próprias que o faz se

diferenciar dos demais gêneros da mesma esfera: é caracterizado pela tendência de

haver um alto envolvimento emocional do narrador ao relatar, em primeira pessoa,

experiências marcantes pelas quais passou, e pela narração de eventos reais, já ocorridos

com o narrador. De acordo com Labov e Waletsky ([1967]2003), a estrutura básica da

narrativa de experiência envolve seis momentos: resumo, orientação, ação

complicadora, avaliação, resolução e coda. Nem sempre estarão presentes esses seis

momentos, mas, obrigatoriamente, deve estar presente a ação complicadora, pois nela

encontra-se o clímax, o pico narrativo.

Segue um exemplo:

(13) “A facada

A um tempo átras …

Tudo estava ocorrendo muito bem, sem nenhuma confusão, briga, discurssão, gritos e

correria, até que a janta chegou, mas como lá em casa é tudo desorganizado, cada um

fazia a sua janta individualmente, eu como sempre estava dormindo quando acordei

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com fome e fui rangar (comer) comprei pão, botei café, adoçei, esperei esfriar enquanto

preparava o pão, minha prima querida chegou e com muita brutalidade se assentou-se

na mesa e começou a passar a margarina no pão, aí eu como era o capeta, resolvi tirar

sarro com a cara dela (fazer ela de besta). Chegou mais um primo e começamos a

conversar, quando eu resolvi tomar a margarina da mão dela e desliza-la sobre a messa,

então ela pegou a faca da mesa e meteu uma facada na minha cabeça, e meu pai, minha

vô e minha tia correram e me botaram de baixo de água fria, que antes nós tomava-mos

água em um jarro de barro. Então fui ao pronto socorro em um carro de mão.

Só lembro da parte em que o enfermeiro enjetou anestesia, e raspou a minha cabeça, o

resto não conseguia ver nem sentir porque as lagrimas estavam empoçando o meu

rosto.” (57M91, grifos nossos)

Nesta narrativa, pelo fato de contar uma experiência pessoal, o aluno narrador,

do nono ano do ensino fundamental, permite que o leitor adentre em seu mundo

individual, possibilitando que o visite e conheça eventos significativos em que esteve

envolvido – ele narra sobre uma situação em que chegou a correr risco de morte. Os

eventos narrados parecem ser apimentados ora de emoção ora de exagero,

transformando o acontecimento em uma avalanche de informações, repletas de emoções

afetivas, de sentimentos intensos. Tudo isso é possível em razão do envolvimento do

narrador com os fatos narrados, transportando suas ações cognitivas para algo passado,

mas que para ele são de grande relevância.

A escolha lexical torna-se aspecto importante para aproximar o leitor do que está

sendo narrado, como se o narrador desejasse transportá-lo também para esse momento:

expressões como “eu como era capeta” e “as lágrimas estavam empoçando o meu rosto”

revelam a necessidade do narrador de envolver o leitor em sua experiência.

Outro ponto relevante é a necessidade do entrevistado de explicar as ações

pontuadas para que o leitor conheça e assuma a sua mesma posição avaliativa: “sem

nenhuma confusão”, “mas lá em casa é tudo desorganizado”, “antes nós tomava-mos

água em um jarro de barro”, “minha querida prima chegou”, “tirar sarro com a cara

dela”.

2. Conto – gênero textual que se define por ser uma história fictícia, que pode ser

narrada em primeira ou terceira pessoa. Possui elementos estruturais próprios, como

apresentação, complicação, clímax e desfecho, que dão origem ao enredo narrativo. O

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conto é um texto curto (comparando-se com o romance e a novela, por exemplo), em

que todas as ações giram ao redor de um acontecimento principal. Além disso, em razão

da sua extensão, esse gênero exige poucos personagens e espaço limitado para o

desenvolvimento dos eventos.

Segue um exemplo:

(14) “A menina solitária

Era uma vez! uma menina muito solitária ela estudava brincava mas mesmo assim ela

se sentia muito solitária um dia ela estava andando pela rua de bicicleta e ela só ficava

escutando uma voz dizendo assim: “Solitária, Solitária você é muito Solitária” e ela

ficou com essa voz 2 semanas não conseguia fazer nada e não se concentrava nas aulas

um dia a sua professora perguntou: “o que está acontecendo” e ela disse a verdade:

“professora eu estou escutando uma voz” e a professora perguntou: “o que essa voz

diz?” e Solitária respondeu: “Solitária, Solitária você é muito Solitária” então a

professora mandou ela ir em bora ela foi para casa e se trancou dentro do seu quarto Seu

pai e Sua mãe mandou ela abrir a porta mas ela não quis abrir ela pegou aquela raiva

que tinha dentro dela e disse: “quem é que tá falando” então apareceu uma Barata e

disse: “Solitária, Solitária você é muito Solitária” então a Barata virou pó e sumiu

deste encontro com a Barata ela foi se animando teve várias amigas brincou bastante

resumindo sede vertiu mas essa alegria foi logo acabando e ela ficou mas uma vez

Solitária então ela perguntou: “o que está acontecendo então a barata apareceu e disse:

“minha querida menina seu destino é ser sempre uma menina SOLITÁRIA!” (94M62,

grifos nossos)

Notamos que o conto acima, escrito por um aluno do sexto ano, possui alguns

problemas como falta de pontuação, grafia errada de algumas palavras e ausência de

paragrafação. Trata-se de problemas, no entanto, comuns para alunos em início do

processo de aquisição da escrita.

Todavia, quando analisamos a narrativa no seu âmbito organizacional,

percebemos que seu autor se utilizou dos elementos característicos do gênero solicitado,

o conto:

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Apesar da ausência de parágrafos, o texto apresenta os elementos estruturais típicos

de um conto: apresentação, complicação, clímax e desfecho (observem-se os grifos

realizados);

Ao fazer uso da expressão “Era uma vez”, o narrador sinalizou tratar-se de uma

história fictícia;

O narrador utilizou-se de diálogos no interior da narrativa, recurso comum aos

contos (e às narrativas de experiência pessoal também, naturalmente);

Manteve-se fiel a um único assunto: o fato de a menina ser solitária;

Criou poucas personagens que circularam em poucos ambientes.

Aponto que, de acordo com a idade e conhecimentos adquiridos por esse aluno

na fase atual da sua trajetória escolar, o texto é obediente aos aspectos relevantes que

constituem o conto. O aluno é atencioso em criar um cenário cujo espaço limita-se à

escola e à casa da menina; o desenvolvimento da trama é constituído por elementos

essenciais ao enredo narrativo, principalmente o momento ápice que se inicia na

complicação e resulta no desfecho; o ponto de vista escolhido pelo autor é o de narrador

onisciente, que, ao contar a história da menina solitária, vai construindo a trama

paulatinamente até desvendar o seu desfecho, gerando uma surpresa para o leitor:

“minha querida menina seu destino é ser sempre uma menina SOLITÁRIA!”. Por

conseguinte, o autor de “A menina solitária” organizou sua narrativa sendo fiel aos

aspectos e elementos essenciais para a composição de um conto, levando-se aqui em

consideração a idade e o nível escolar do estudante.

Gostaria de pontuar um elemento importante: a ficção. O elemento fictício

torna o conto real na imaginação do leitor, ou seja, é a ficção que leva o leitor a

acreditar na possibilidade da trama: sem ficção não há conto. Esse aspecto fictício é

criado de uma maneira brilhante, no conto “A menina solitária” por uma criança de

onze anos, especialmente quando cria a personagem da menina solitária que pode ser

identificada com qualquer menina que estuda, brinca, convive com os pais, com a

professora, tem amigos, mas que se sente sozinha. Outro ponto relevante da história é a

presença do elemento intertextual existente entre a barata, personagem do conto, com a

fada madrinha, personagem de outros contos, como “A Cinderela”. No entanto, em “A

menina solitária”, a barata fada madrinha não tornou possível o desejo da menina:

deixar de ser solitária.

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O fenômeno da variação linguística envolve, frequentemente, formas variantes

que carregam significação estilística. Labov (2008[1972]) trabalha o estilo em

consonância com a questão da formalidade do contexto de uso. Há, segundo o autor,

uma escala de estilos, a qual tem como ponto de partida o vernáculo ou fala casual, “o

estilo em que se presta o mínimo de atenção ao monitoramento da fala” (LABOV, op.

cit., p. 244), isto é, o falante concentra mais a atenção no que fala e menos no como fala,

e como ponto de chegada estilos mais formais, em que o falante tende a monitorar com

mais atenção o modo como diz.

Uma vez que o comportamento de quaisquer formas variantes pode ser

condicionado pelo estilo adotado – consciente ou inconscientemente – pelo falante ou

escritor, é necessário que o olhar do pesquisador sociolinguista se volte para a

possibilidade de que o fenômeno variável por ele analisado represente um caso de

variação estilística.

De acordo com o princípio da marcação estilística, formas variantes

estilisticamente marcadas como informais (ou mesmo socialmente estigmatizadas)

tendem a aparecer com mais frequência em contextos de uso caracterizados pela

informalidade, sendo sua taxa de ocorrência menor ou mesmo zerada em contextos de

maior formalidade. Em contraste, formas variantes estilisticamente marcadas como

formais em geral são mais recorrentes em contextos de uso de natureza mais formal, e

costumam ser menos frequentes em contextos de natureza mais informal (cf.

TAVARES, 2013d; LABOV, 2003).

É interessante notar que pode haver uma relação entre o grau de formalidade

atribuído por membros de uma comunidade de fala às formas linguísticas e os padrões

de distribuição social dessas formas, no sentido de que formas que são consideradas

informais em uma dada comunidade geralmente são mais frequentes na fala e na escrita

de indivíduos de menor idade e/ou de menor escolaridade, e/ou de indivíduos de

determinada classe social e/ou de determinado gênero (cf. LABOV, 2003). Retomo essa

questão quando da análise dos resultados obtidos para os grupos de fatores sociais.

Levando-se em conta o princípio da marcação estilística, os conectores E e AÍ

podem ser favorecidos ou desfavorecidos em determinados contextos em razão de

serem avaliados, por seus usuários, como sendo conectores mais adequados para

situações caracterizadas por maior ou por menor grau de formalidade.

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Como já observado, uma série de estudos apontam que o conector AÍ é

geralmente considerado uma forma típica de contextos informais, sejam de fala (cf.

TAVARES, 2003; SOUZA, 2010), sejam de escrita (cf. ABREU, 1992; SANTOS,

2003; ANDRADE, 2011; TAVARES, 2013c). Para obter indícios a respeito de como os

alunos participantes desta pesquisa avaliavam o uso dos conectores E e AÍ quanto à

questão da (in)formalidade, realizei com eles um teste de atitude linguística que, como

vimos na seção 1 deste capítulo, revelou, em síntese, que o AÍ é considerado, por esses

alunos, um conector que não pertence à língua culta, podendo ser empregado, segundo

eles, em situações informais, mas não em situação formais. Em contraste, o E é tido,

pelos alunos, como pertencente à língua culta, e, como eles não mencionaram questões

de formalidade implicadas no uso desse conector, acredito que o considerem como uma

forma não marcada estilisticamente, isto é, uma forma que pode aparecer em contextos

mais ou menos formais sem chamar atenção especial.

Sendo assim, tenho por hipótese que os conectores sequenciadores E e AÍ podem

diferir em termos de seus padrões de uso não apenas pela influência do princípio da

persistência, que pode afetar a distribuição linguística desses conectores, mas também

pela influência do princípio da marcação estilística, que pode afetar sua distribuição

social e textual-estilística.

Consciente de que o grau de formalidade da situação de comunicação pode

influenciar a escolha entre duas formas variantes e de que os gêneros textuais,

elementos essenciais de qualquer situação de comunicação, podem ser diferenciados no

que diz respeito à formalidade (cf. ECKERT, 2001; MACAULAY, 2001; TAVARES,

2011), neste estudo, efetuo a análise de uma possível variação estilística envolvendo os

conectores E e AÍ através do controle do gênero textual como um dos grupos de fatores

condicionadores do uso desses conectores.

Contraponho os dois gêneros textuais produzidos pelos alunos participantes da

pesquisa em termos de formalidade, considerando que, embora ambos os gêneros sejam

da esfera narrativa, a narrativa de experiência pessoal pode ser, em geral, considerada de

natureza mais informal do que o conto. Isso porque o autor de uma narrativa de

experiência pessoal costuma mostrar: (i) maior familiaridade com o assunto tratado, por

estar reportando uma experiência – emocionante, assustadora ou ao menos interessante

– que ele mesmo vivenciou; (ii) maior envolvimento emocional com o que está

narrando, uma vez que a experiência narrada pode envolver momentos de alguma forma

catalizadores na história de vida do indivíduo.

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Em contraste, o conto é um gênero textual em que tende a haver um menor

envolvimento emocional com as situações narradas do que nas narrativas de experiência

pessoal, posto que a narração de eventos marcantes que o próprio autor vivenciou

costuma despertar sentimentos mais intensos por parte dele do que a narração de

eventos fictícios, que aconteceram a personagens criadas por ele. Essa é uma das razões

pelas quais acredito que os contos podem deixar vir à tona um estilo menos informal do

que o que tende a ser encontrado nas narrativas de experiência pessoal.

Além disso, o conto pode trazer dificuldades em termos de produção para o

aprendiz de escritor, caso dos alunos participantes desta pesquisa, por ser preciso criar

cenários, eventos e personagens diferentes daqueles da realidade vivenciada por cada

indivíduo, além de ser necessário dar atenção a uma série de regras de composição (cf.

capítulo III). Isso pode ter deixado os alunos mais atentos ao modo de escrever –

inclusive quanto à seleção das formas linguísticas (evitando mais, talvez, as

marcadamente informais) – do que nas narrativas de experiência pessoal, em que,

devido à familiaridade com os acontecimentos narrados e ao componente emocional

envolvido, o texto pode fluir mais naturalmente – inclusive quanto à seleção das formas

linguísticas (as formas marcadamente informais podem ter sido menos barradas).

A esse respeito, cabe lembrar mais uma razão pela qual as narrativas de

experiência pessoal geralmente trazem menos problemas em termos de composição para

o escritor aprendiz. De acordo com Shiro (2003), o domínio das narrativas de

experiência pessoal surge mais cedo na infância relativamente ao domínio dos demais

gêneros narrativos. Ou seja, a criança já chega na escola sabendo compor narrativas de

experiência pessoal orais. A autora atribui essa primazia das narrativas de experiência

pessoal em termos de aquisição ao fato de que contar sobre si é uma das primeiras

habilidades desenvolvidas pelas crianças para se comunicarem. Já o domínio das

narrativas ficcionais ocorre, segundo Shiro, sobretudo com o avanço da escolarização, o

que acarreta uma ampliação do contato dos alunos com textos narrativos ficcionais de

vários gêneros. Acredito, portanto, que é natural que os alunos se sintam mais à vontade

– inclusive em termos da seleção linguística – na produção de uma narrativa de

experiência pessoal do que de um conto.

Sendo assim, uma vez que o conector AÍ é tido, pelos alunos participantes desta

pesquisa, como um conector típico de contextos informais, minha hipótese é de que o

seu emprego deve ser favorecido nas narrativas de experiência pessoal em detrimento

dos contos, devido à natureza mais informal que aquelas podem ter face a estes. Por sua

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vez, como o conector E foi considerado pelos alunos como pertencente à língua culta, e,

possivelmente, como uma forma neutra em termos de marcação estilística, minha

hipótese é de que haverá uma inclinação maior ao uso desse conector nos contos.

4.1.2 Resultados e discussão

E AÍ

GÊNERO TEXTUAL Apl./Total % PR Apl./Total % PR

Narrativa de Experiência Pessoal 275/358 77 0.279 83/358 23 0.786

Conto 472/491 96 0.721 19/491 04 0.257

TOTAL 747/849 88 ---- 102/849 12 ----

Input: 0.880 Sig: 0.000 Input: 0.120 Sig: 0.000

Tabela 4: Influência do gênero textual sobre o uso do E e do AÍ

A hipótese de que o conector AÍ seria condicionado favoravelmente pela

narrativa de experiência pessoal foi atestada. Nesse gênero textual, foi atribuído ao AÍ o

peso relativo de 0.786, com frequência de 23%. Em contraste, o AÍ teve seu emprego

bastante restringido no conto, apresentando uma taxa de ocorrência de 4% e um peso

relativo de 0.257.

Por sua vez, o conector E teve seu uso desfavorecido na narrativa de experiência

pessoal, pois, embora conte com frequência de 77%, o peso relativo que recebeu foi de

0.279. Esse conector foi condicionado positivamente pelo conto, em que teve um peso

relativo de 0.721 e frequência de 96%.

Esses resultados revelam haver correlação entre:

(i) a narrativa de experiência pessoal, um gênero textual tipicamente

caracterizado por grande informalidade, e a utilização do conector AÍ,

uma variante marcadamente informal; e

(ii) o emprego do conector estilisticamente neutro E e o conto, um gênero

textual costumeiramente menos informal que a narrativa de experiência

pessoal, uma vez que tende a implicar menor envolvimento emocional

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por parte do autor do que aquele que geralmente o arrebata em uma

narrativa de experiência pessoal.

5. Grupos de fatores sociais

Lembro que, no corpus empregado neste estudo, há estreita correlação entre os

grupos de fatores idade e escolaridade, que se sobrepõem. Foram submetidos a controle

as seguintes faixas etárias e níveis de escolaridade: (i) sexto ano do ensino fundamental

– alunos de 10 a 13 anos; (ii) nono ano do ensino fundamental – alunos de 14 a 17 anos.

Para um melhor aprofundamento da análise, abordo, de início, cada um desses grupos

de fatores sociais separadamente, para, depois, relacioná-los.

5.1 Idade/Escolaridade

5.1.1 Caracterização e hipóteses

As fases da vida que são compreendidas pelas diversas faixas etárias relacionam-

se a diferentes mudanças físicas, psicológicas e até mudanças referentes à língua, o que

caracteriza os indivíduos como pertencentes a diferentes grupos de pares, que podem ter

crenças, identidades e responsabilidades sociais distintas. A esse respeito, Chambers

(1996) diferencia três etapas de vida como tendo especial relação com a utilização da

língua: infância, adolescência e idade adulta. Segundo o autor, tais etapas transcorrem

do seguinte modo: (i) a infância é o período em que as crianças adquirem a língua

vernácula através do contato com os pais e parentes próximos; (ii) a adolescência é tida

como o período focal da inovação e da mudança linguística, pois os adolescentes, em

geral, tentam se igualar a outros adolescentes como sinal de pertencimento a um grupo

de pares, e, para tanto, precisam se autoafirmar, buscando diferenciar-se dos adultos

inclusive no que tange aos usos linguísticos; (iii) na fase adulta, os indivíduos

costumam alcançar estabilidade no tocante à língua e, especialmente se sofrerem

pressões profissionais, podem passar a empregar formas linguísticas de prestígio com

maior frequência.

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Nesta pesquisa, trabalho com duas faixas etárias, a pré-adolescente

(enquadrando-se aqui os alunos de 10 a 13 anos) e a adolescente (enquadrando-se aqui

os alunos de 14 a 17 anos). Segundo Tavares (2003), tais faixas etárias podem ser

tomadas como similares no que diz respeito às escolhas linguísticas porque, nessas duas

fases de vida, os indivíduos estão envolvidos com a questão da construção da identidade

social. Para Tavares (op. cit., p. 225), “[...] nesse processo de busca de identidade,

formas já existentes na região podem ser tomadas como marcas identitárias, havendo

predileção por aquelas que fogem à língua culta”. A autora completa afirmando que:

[...] as formas tomadas como marcas identitárias pelos pré-

adolescentes e/ou adolescentes apresentam, comumente, duas

propriedades correlacionadas: são relativamente recentes e, em

decorrência, possuem baixo status no mercado linguístico [...].

Sendo assim, tanto os alunos pré-adolescentes quanto os alunos adolescentes

poderiam, por hipótese, recorrer com grande frequência ao AÍ, que, por ser uma forma

marcada estilisticamente como informal, possui, em geral, menor status no mercado

linguístico (cf. resultados obtidos para o teste de atitude linguística feito junto aos

alunos participantes da pesquisa, na seção 1 acima). Assim, o AÍ candidata-se a um uso

frequente entre os usuários mais jovens da língua. 26

5.1.3 Resultados e discussão

E AÍ

IDADE/ESCOLARIDADE Apl./Total % PR Apl./Total % PR

10 a 13 anos / 6º ano 430/487 88 0.456 57/487 12 0.564

14 a 17 anos / 9º ano 317/362 88 0.553 45/362 12 0.448

TOTAL 747/849 88 ---- 102/849 12 ----

Input: 0.880Sig: 0.000 Input: 0.120Sig: 0.000

Tabela 5: Influência da idade/escolaridade sobre o uso do E e do AÍ

A hipótese de que o AÍ seria favorecido em ambas as faixas etárias controladas

não se confirmou, uma vez que esse conector recebeu peso relativo ligeiramente mais

26

Neste estudo, não relaciono os resultados obtidos para o grupo de fatores idade com a questão da

mudança em tempo aparente (cf. LABOV, 1972, 1994, entre outros) porque controlei apenas duas faixas

etárias muito próximas entre si, o que tornaria imprecisa uma análise que considerasse as diferentes faixas

etárias como reflexos de estágios distintos de mudança geracional.

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106

alto (0.564) em uma das faixas, a dos pré-adolescentes. Por sua vez, o E teve um

pequeno favorecimento entre os adolescentes, com peso relativo de 0.553. O

comportamento do AÍ em estudos cujo corpus é de fala informal costuma ser diferente:

AÍ predomina tanto entre falantes adolescentes, quanto entre falantes pré-adolescentes

(cf. SILVA; MACEDO, 1996; TAVARES, 2003, 2007; SOUZA, 2010). Acredito que

os resultados expostos na tabela 5 possam ser melhor esclarecidos se analisados do

ponto de vista da escolaridade, tarefa a que passo a me dedicar a seguir.

A escola pode exercer papel sobre as escolhas linguísticas dos indivíduos que

passam por seus bancos, pois ela é promotora de mudanças no sentido de, por um lado,

influenciar positivamente o uso de certas variantes linguísticas, especialmente aquelas

que são consideradas de prestígio pela comunidade de fala, e, por outro lado, inibir o

uso de variantes tidas como não pertencentes à norma de prestígio. É especialmente

através da escolarização que a comunidade vai sendo alertada a respeito das diferenças

entre variantes de maior e de menor prestígio, formais e informais, estigmatizadas e não

estigmatizadas (cf. RAMOS; DUARTE, 2003; VOTRE, 2003).

Assim, quanto maior o nível de escolarização de um indivíduo, menor tenderá a

ser o seu uso de variantes de baixo prestígio no mercado linguístico de sua comunidade

de fala. Nessa ótica, minha hipótese era de que os alunos de maior escolarização, do

nono ano, fizessem menor uso do AÍ em comparação com os alunos de menor

escolarização, do sexto ano, devido ao maior tempo de contato dos primeiros com a

pressão escolar para o abandono de formas não consideradas cultas, caso do AÍ.

Lembro, a esse respeito, das palavras de Abreu (1992, p. 11): “apesar do uso deste

elemento tanto por adultos quanto por crianças ser um fato até certo ponto natural, a

sociedade culta, a escola o rejeita”.

Como se observa na tabela 5, a hipótese que fiz a respeito do nível de

escolarização foi atestada: o conector AÍ é levemente favorecido nos textos dos alunos

do sexto ano, ao passo que o conector E é levemente favorecido nos textos dos alunos

do nono ano.

Acredito que a leitura dos resultados expostos na tabela 5 é mais significativa do

ponto de vista da escolaridade do que da idade, pois analiso textos escritos, mais

sujeitos à pressão escolar rumo a adequações em termos de formalidade, do que a fala

informal, menos sujeita à normatização escolar. Defendo, assim, que não é por serem

mais velhos do que os alunos do sexto ano que os alunos do nono ano diminuem o

emprego do AÍ em seus textos, mas sim por terem tido, durante mais tempo de ensino

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107

regular, maior contato com pressões por parte da escola para abandonar esse emprego

em situações formais – como parece indicar a resposta da primeira professora no teste

de atitude linguística – ou mesmo em qualquer situação – como parece indicar a

resposta da segunda professora ao mesmo teste.

Depois da avaliação das respostas dadas pelos alunos e seus professores ao teste

de atitude linguística e da análise dos resultados referentes aos grupos de fatores

linguísticos, estilísticos e sociais controlados, passemos às considerações finais.

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108

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A título de conclusão, recupero em poucas palavras, a seguir, os principais

tópicos tratados nos capítulos desta dissertação. Dou relevo, também, aos objetivos

alcançados através desta pesquisa, e apresento um quadro onde sintetizo os resultados

obtidos em termos das distribuições linguísticas, estilísticas e sociais do uso dos

conectores E e AÍ. Destaco, na sequência, questões que acredito necessitarem de um

maior aprofundamento, sugerindo desdobramentos para trabalhos futuros.

No primeiro capítulo, sintetizei alguns estudos que tiveram – à semelhança desta

pesquisa – os conectores sequenciadores E e AÍ como objeto de investigação.

Receberam espaço os seguintes estudos: (i) Tavares (2003), sobre os percursos de

gramaticalização seguidos por E e AÍ rumo à indicação de sequenciação retroativo-

propulsora de informações; (ii) Santos (2003), sobre conectores em romances infantis e

juvenis – destacando-se os casos do E e do AÍ; e (iii) Tavares (2007), sobre o emprego

dos conectores E e AÍ em textos orais e escritos produzidos por estudantes de diferentes

níveis de escolaridade.

No segundo capítulo, apresentei o quadro teórico em que se insere esta

pesquisa, que combina pressupostos do funcionalismo norte-americano e da

sociolinguística variacionista para estudar o fenômeno de alternância de uso entre os

conectores E e AÍ em textos narrativos escritos por alunos de nível fundamental de

ensino. Primeiro, tiveram destaque conceitos vindos de cada uma dessas teorias, e,

depois, foi descrita uma perspectiva de investigação que busca estabelecer uma

conversa entre o funcionalismo e a sociolinguística, a qual vem sendo denominada

“sociofuncionalismo”. Foi essa a perspectiva que guiou este estudo.

No terceiro capítulo, descrevi os dois gêneros textuais em que se enquadram os

textos produzidos pelos alunos participantes da pesquisa: a narrativa de experiência

pessoal e o conto. A seguir, no quarto capítulo, destinado aos procedimentos

metodológicos, caracterizei o corpus do qual recolhi os dados e elenquei os

procedimentos adotados para a obtenção dos textos junto aos alunos, bem como os

procedimentos adotados para a análise dos dados.

No quinto capítulo, avaliei as respostas dadas pelos alunos e por seus professores

de língua portuguesa a um teste de atitude linguística versando o uso de conectores

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sequenciadores em contextos mais e menos formais de fala e de escrita. A seguir,

apresentei e exemplifiquei os grupos de fatores linguísticos, estilísticos e sociais

controlados. Para dar conta dos resultados obtidos, tracei explicações recorrendo ao

princípio da persistência – ligado aos estudos funcionalistas sobre gramaticalização – e

ao princípio da marcação estilística – ligado aos estudos da sociolinguística

variacionista.

Segundo os objetivos geral e específicos desta pesquisa, analisei os conectores E

e AÍ como formas variantes na indicação de sequenciação retroativo-propulsora de

informações em textos narrativos escritos por alunos do ensino fundamental,

averiguando grupos de fatores linguísticos, estilísticos e sociais que exercem influência

sobre o uso e avaliando o papel do princípio da persistência e do princípio da marcação

estilística no uso variável desses conectores. Quanto a esses objetivos, destaco que os

resultados foram bastante satisfatórios, pois os caminhos metodológicos traçados me

levaram a observações valiosas tanto no que se refere à distribuição dos conectores sob

enfoque na produção textual dos alunos como no teste de atitude realizado por esses

alunos e seus respectivos professores. Pontuo, também, que a abrangência dos

resultados alcançados fez-me compreender que os caminhos teórico-metodológicos de

uma interface sociofuncionalista são seguros e viáveis.

Os resultados nos revelam que os fenômenos de variação e de mudança

envolvendo os conectores E e AÍ atingem a escrita no contexto escolar. A escrita,

mesmo sendo tipicamente mais formal que a fala (considerando-se gêneros similares em

ambas as modalidades) e mais sujeita à normalização, não é imune à mudança. Caso

percebamos que inovações gramaticais surgidas na fala – caso do AÍ – começarem a

aparecer também em textos escritos, podemos concluir que a disseminação dessas

inovações na fala é ampla e que essas inovações estão começando a vencer eventuais

barreiras que dificultavam seu uso na escrita.

Deparamo-nos, pois, com as seguintes constatações: (i) o conector E é

reconhecido, pelos alunos e seus professores, como pertencente à língua culta; apesar

disso, considero seu uso excessivamente repetitivo na escrita dos alunos, tanto do sexto,

quanto do nono ano do ensino fundamental, o que parece indicar que esses alunos

demonstram domínio precário no uso de outros conectores que desempenham a mesma

função retroativo-propulsora de informações; (ii) por outro lado, verifiquei um uso

tímido do conector AÍ, o que parece condizer com o fato de esse conector ter sido

avaliado pelos alunos como forma não pertencente à língua culta. A despeito dessa

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avaliação, o uso de AÍ como conector é intenso em situações informais de fala. Creio

que não cabe à escola combater o uso desse item linguístico, estimulando uma visão

preconceituosa para com aqueles que o utilizam; cabe à escola apresentar situações de

uso variadas, formais e informais, de fala e de escrita, para que o aluno reconheça onde

e por que escolher algumas formas conectivas em detrimento de outras.

Por fim, o quadro abaixo destaca os contextos favoráveis ao aparecimento dos

conectores investigados:

GRUPO DE FATORES E AÍ

LINGUÍSTICO

(relação semântico-

pragmática)

Favorecido no desempenho

da sequenciação textual

Favorecido no desempenho da

sequenciação temporal

LINGUÍSTICO

(nível de articulação)

Favorecido na interligação

de orações

Favorecido na interligação de

partes mais amplas dentro do

parágrafo e entre parágrafos

TEXTUAL-ESTILÍSTICO

(gênero textual)

Favorecido no gênero textual

conto

Favorecido no gênero textual

narrativa de experiência pessoal

SOCIAIS

(idade/escolaridade)

Levemente favorecido nos

textos dos alunos do nono ano

Levemente favorecido nos

textos dos alunos do sexto ano

Quadro 9: Contextos favoráveis ao aparecimento dos conectores E e AÍ.

Quanto às sugestões de desdobramentos futuros, aponto a necessidade de

contrastar conectores sequenciadores não apenas em textos da esfera narrativa, mas de

outras esferas, como a argumentativa e a descritiva. No que se refere aos textos da

esfera narrativa, pode ser frutífera a realização de estudos que comparem o uso de

conectores sequenciadores em diferentes gêneros, além dos considerados nesta

pesquisa. É possível, ainda, cotejar o uso dos conectores em tela em textos de um

mesmo gênero produzido na fala e na escrita (por exemplo, narrativas de experiência

pessoal orais e escritas, relatos de opinião orais e escritos etc.).

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