condiÇÕes da aÇÃo na reconvenÇÃo

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www.professordanielneves.com.br CONDIÇÕES DA AÇÃO NA RECONVENÇÃO 1 - Introdução O objetivo principal do presente texto é contribuir de alguma forma com as questões suscitadas no campo prático e doutrinário a respeito das condições da ação em sua análise específica no tocante à reconvenção. Sendo uníssono o entendimento doutrinário pela natureza jurídica de ação, essa espécie de reação do réu ganha contornos mais problemáticos do que as outras espécies de resposta, tanto às previstas pelo art. 297 do CPC (contestação e exceções rituais), como às omitidas por tal dispositivo legal (nomeação á autoria, denunciação à lide, chamamento ao processo, impugnação ao valor da causa, impugnação a concessão dos benefícios da assistência judiciária, ação declaratória incidental, reconhecimento jurídico do pedido, etc). Para que o objetivo possa ser alcançado, torna-se imprescindível fazer uma primeira análise do próprio conceito e natureza jurídica da reconvenção, substrato necessário para o desenvolvimento do tema de suas condições da ação. Essa necessidade força a uma primeira digressão introdutória, para somente num segundo momento dar-se o ingresso no tema central de nossas preocupações e considerações. Por fim, cabe ressaltar, nesse momento introdutório, que ao falar em condições de ação na reconvenção evidentemente serão utilizados os ensinamentos de Enrico Tulio Liebman, em especial aquele que culminou na criação da teoria eclética do direito de ação, teoria essa consagrada pela doutrina nacional majoritária e pelo próprio Código de Processo Civil. Reconhece-se o crescimento de corrente doutrinária que entende inviável a existência de tais condições, considerando o direito de ação um direito absolutamente abstrato, sem qualquer requisito analisado à luz do direito material a ser

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CONDIÇÕES DA AÇÃO NA RECONVENÇÃO

1 - Introdução

O objetivo principal do presente texto é contribuir de alguma forma com as questões

suscitadas no campo prático e doutrinário a respeito das condições da ação em sua

análise específica no tocante à reconvenção. Sendo uníssono o entendimento

doutrinário pela natureza jurídica de ação, essa espécie de reação do réu ganha

contornos mais problemáticos do que as outras espécies de resposta, tanto às

previstas pelo art. 297 do CPC (contestação e exceções rituais), como às omitidas por

tal dispositivo legal (nomeação á autoria, denunciação à lide, chamamento ao

processo, impugnação ao valor da causa, impugnação a concessão dos benefícios da

assistência judiciária, ação declaratória incidental, reconhecimento jurídico do pedido,

etc).

Para que o objetivo possa ser alcançado, torna-se imprescindível fazer uma primeira

análise do próprio conceito e natureza jurídica da reconvenção, substrato necessário

para o desenvolvimento do tema de suas condições da ação. Essa necessidade força a

uma primeira digressão introdutória, para somente num segundo momento dar-se o

ingresso no tema central de nossas preocupações e considerações.

Por fim, cabe ressaltar, nesse momento introdutório, que ao falar em condições de

ação na reconvenção evidentemente serão utilizados os ensinamentos de Enrico Tulio

Liebman, em especial aquele que culminou na criação da teoria eclética do direito de

ação, teoria essa consagrada pela doutrina nacional majoritária e pelo próprio Código

de Processo Civil. Reconhece-se o crescimento de corrente doutrinária que entende

inviável a existência de tais condições, considerando o direito de ação um direito

absolutamente abstrato, sem qualquer requisito analisado à luz do direito material a ser

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preenchido para que possa ser exercido. Ainda assim, acredita-se que mesmo para

essa parcela da doutrina as considerações terão interesse, considerando-se que, ainda

que se entendam os fenômenos estudados como matéria de mérito ou pressupostos

processuais, as peculiaridades da reconvenção continuarão a existir.

2- Conceito

A reconvenção vem prevista no art. 297 do CPC como uma das formas de resposta do

réu, ao lado da contestação e das exceções rituais (incompetência relativa,

impedimento e suspeição). Apesar de se tratar de dispositivo legal incompleto –

existem outras espécies de respostas além das indicadas, como, por exemplo, a

nomeação à autoria, chamamento ao processo, denunciação à lide, reconhecimento

jurídico do pedido, ação declaratória incidental, etc. – servirá de base para uma rápida

comparação entre as três espécies de respostas indicadas, que não podem ser

confundidas entre si.

Em apertada síntese, a contestação é a resposta pela qual o réu se defende da

pretensão do autor, quer seja mediante a apresentação de uma defesa processual ou

de mérito. Essas matérias defensivas apresentadas pelo réu na contestação não têm o

condão de ampliar o objeto da demanda, servindo como instrumento de resistência à

pretensão do autor. No tocante às exceções rituais, a de incompetência relativa se

refere à impugnação do juízo escolhido pelo autor, enquanto as de suspeição e

impedimento dizem respeito à pessoa física do juiz que se encontra na condução do

processo. Nessas, portanto, não há nem mesmo propriamente uma defesa à pretensão

do autor, posto que se dirigem não contra tal pretensão, mas ora contra o juízo, ora

contra o juiz.

A reconvenção não se confunde com nenhuma dessas outras duas espécies de

resposta, sendo entendida como o exercício do direito de ação do réu dentro do

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processo em que primitivamente o autor originário tenha exercido o seu direito de ação.

Afirma-se em doutrina que na reconvenção o réu se afasta daquela posição passiva

própria da contestação para assumir uma posição ativa, pleiteando um bem da vida

material em pedido dirigido contra o autor da ação originária. Em razão dessa natureza

de ação, é comum afirmar-se que a reconvenção é um “contra-ataque” do réu, pelo

qual haverá uma inversão dos pólos da demanda: o réu se tornará autor (autor-

reconvinte) e o autor se tornará réu (réu-reconvindo).

Com a reconvenção haverá uma ampliação objetiva ulterior do processo, que passará

a contar com duas ações: a originária e a reconvencional. Não se trata de pluralidade

de processos, considerando-se que o processo continua sendo um só, mas com o

pedido feito pelo réu, passa a tal processo a contar com mais uma ação, de natureza

reconvencional, o que leva à sua ampliação objetiva.1 Tal constatação será de suma

importância na solução dos problemas referentes à extinção de uma dessas ações de

forma prematura no tocante aos recursos cabíveis.

Nesse momento de conceituação do instituto processual ora analisado, em que se

afirma que a reconvenção tem natureza de ação do réu, em que o mesmo fará um

pedido contra o autor da ação originária, nos parece ser importante fazer um breve

comentário a respeito da posição assumida pelo réu por meio da apresentação de

reconvenção. O que a reconvenção permitirá ao réu é um pedido completo, ou seja, o

pedido de obtenção de um bem da vida (pedido mediato), considerando-se que na

contestação, ao apresentar suas exceções, o réu requer a improcedência do pedido do

autor, o que será obtido por meio de uma sentença declaratória negativa, não sendo 1 Nesse sentido JOSÉ CARLOS BARBOSA MOREIRA, O novo processo civil brasileiro, 22ª ed., Rio de Janeiro, Forense, 2004, p. 44; LUIZ GUILHERME MARINONI e SÉRGIO CRUZ ARENHART, Manual do processo de conhecimento, 2ª ed., São Paulo, RT, 2003, p. 167; ALEXANDRE FREITAS CÂMARA, Lições de direito processual civil, vol. I, 9ª ed., Rio de Janeiro, Lumen Juris, 2003, p. 336. LUIZ FUX, Curso de direito processual civil, 2ª ed., Rio de Janeiro, Forense, 2004, p. 633, fala em cumulação de pedidos, enquanto HUMBERTO THEODORO JR., Curso de direito processual civil, vol. 1, 41ª ed., Rio de Janeiro, Forense, 2004, p. 361 fala em “cúmulo de lides, representado pelo acréscimo do pedido do réu ao que inicialmente havia sido formulado pelo autor.”

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incorreto se afirmar que o réu, já na contestação, faz um pedido exclusivamente

processual (ou imediato). O que a reconvenção permitirá ao réu é o pedido também

mediato – bem da vida – o que esse não obterá, como regra, com a simples

apresentação de suas exceções em sua contestação.2

Essa resposta do réu, que tem verdadeiramente natureza jurídica de ação, constitui

uma mera faculdade processual, podendo o réu que deixar de reconvir ingressar de

forma autônoma com a mesma ação que teria sob a forma de reconvenção. Não é

possível se vislumbrar qualquer situação de desvantagem processual ao réu que deixa

de reconvir, situação diametralmente oposta àquele que deixa de contestar, que será

considerado revel. Nesse sentido afirmar-se que a contestação constitui um ônus do

réu, enquanto a reconvenção constitui tão somente uma faculdade. A própria natureza

de ação dessa espécie de resposta fundamenta sua natureza de mera faculdade

processual, não se podendo admitir que o réu perca o seu direito de ação por uma

simples omissão processual. O prazo para a reconvenção, portanto, é meramente

preclusivo, significando que o réu não mais poderá reconvir após o seu transcurso, mas

a via autônoma sempre estará liberada para o exercício de seu direito de ação.

Cumpre registrar, entretanto, que em situações excepcionais, a ausência de

reconvenção, somada ao resultado do processo (acolhimento do pedido do autor),

poderá gerar uma falta de interesse na propositura de ação autônoma que poderia ter

sido proposta sob a forma reconvencional. Basta imaginar a hipótese em que um dos

cônjuges ingressa com ação de separação judicial alegando adultério, sendo que o

outro cônjuge também pretende obter a separação pleiteada mas por abandono do lar.

Poderia reconvir nesse sentido (conexão pelo pedido), mas se deixar de faze-lo, e o

pedido da ação for totalmente acolhido, não mais terá interesse de agir para a ação

2 Há tivemos oportunidade de nos manifestar dessa forma: DANIEL AMORIM ASSUMPÇÃO NEVES, “Contra-ataque do réu: indevida confusão entre as diferentes espécies (Reconvenção, pedido contraposto e ação dúplice)”, in Revista Dialética de Direito Processual, nº 9, dez/03, p. 24.

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autônoma, considerando-se que a separação já foi obtida no processo originário.

Nessa hipótese, seria um equívoco se defender a tese de que a reconvenção seria

uma faculdade do réu, sendo possível até mesmo se falar em obrigatoriedade da

reconvenção.3

O ingresso de ação autônoma que poderia ter sido manejada sob a forma de

reconvenção, inclusive, pode gerar idêntico ou similar resultado prático ao da

propositura dessa espécie de resposta. Havendo entre essas duas ações autônomas

conexão, conforme previsão do art. 103, CPC, as mesmas serão reunidas perante o

juízo prevento que ficará responsável pelo julgamento conjunto de ambas demandas.

Como se pode perceber, ainda que exercido o direito de ação de forma autônoma, no

caso de conexão, a reunião das duas ações gerará no campo prático uma

consequência idêntica àquela que seria criada com a existência da reconvenção:

procedimento conjunto e mesma decisão para ambas.4

É evidente que a permissibilidade de ampliação objetiva ulterior de um processo passa

por uma série de requisitos, não sendo lícito se imaginar que qualquer espécie de

pretensão que tenha o réu em faze do autor possa ser materializada por meio de uma

reconvenção. Há de existir no caso concreto um liame entre a ação promovida

originariamente pelo autor e a ação reconvencional desejada pelo réu. Esse liame,

previsto no art. 315, caput, CPC, deverá sempre existir. Apesar de não se exatamente

o tema do presente texto, nos serviremos de um simples exemplo extraído de nossa

prática forense para demonstrar a total inadequação de reconvenção sem a existência

3 O exemplo é dado por ALBERTO DOS REIS, Comentário ao Código de Processo Civil, vol. 3, Coimbra, Coimbra Editora, 1946, p. 97 e lembrada por CLITO FORNACIARI JR., Da reconvenção no direito processual civil brasileiro, op. cit., p. 89. 4 Assim ARRUDA ALVIM, Manual de direito processual civil, vol. 2, 9ª ed., São Paulo, RT, 2005, p. 277: “O processamento e o julgamento, nessa hipótese de não-uso da reconvenção, que teria cabimento, e de propositura de ação conexa, porém, deverão ser conjuntos, sempre que possível, com fundamento no art. 105 do CPC”. Ainda CLITO FORNACIARI JR., Da reconvenção no direito processual civil brasileiro, 2ª ed., São Paulo, Saraiva, 1983, p. 151 e ERNANE FIDELIS DOS SANTOS, Manual de direito processual civil, vol. 1, 10ª ed., São Paulo, Saraiva, 2003, p. 416.

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de tal liame. Uma advogada fez publicar em jornal de grande circulação que sabia de

um esquema para fraudar clientes, existente dentro de uma grande empresa, dando

seu telefone e endereço para que todos possíveis prejudicados a contatassem. A

empresa ingressou com ação cominatória, objetivando a condenação da advogada a

publicar uma notícia no mesmo jornal desmentindo tal informação e ao mesmo tempo

oficiou a OAB em razão da evidente captação indevida de clientela. Citada, a advogada

apresentou reconvenção afirmando que a representação feita contra ele junto à Ordem

dos Advogados do Brasil havia sido arquivada, pleiteando a condenação da empresa

em pagamento de danos morais. O juiz, acertadamente, rejeitou de plano a

reconvenção.

3 – Justificativas para a adoção da reconvenção e as críticas

superáveis

A doutrina é uníssona em afirmar que a principal característica do instituto da

reconvenção se refere à economia processual, com a possibilidade de que num mesmo

processo se decidam duas ações que tenha alguma espécie de ligação entre eles.

Esse julgamento conjunto demandaria também tão somente uma instrução probatória,

com a prática de atos processuais por uma só vez, o que inegavelmente contribui com

o princípio da economia processual.5 Apesar de parecer ser a economia processual a

maior justificativa para a existência da reconvenção, a existência de uma relação de

conexão entre a ação originária e a ação reconvencional nos mostra também uma

outra justificativa, não tão freqüentemente lembrada pela doutrina. A existência de um

instituto que proporciona a um mesmo juiz a solução de duas demandas que tenham

uma com a outra alguma espécie de vínculo, pode vir a preservar a harmonização dos

5 No direito brasileiro esse pensamento parece ser uníssono. Por todos: LUIZ FUX, Curso de direito processual civil, op. cit., p. 34. No direito espanhol: VICENTE GIMENO SENDRA, Derecho procesal civil, vol. 1, Madri, Colex, 2004, p. 331.

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julgados, impedindo a existência de decisões contraditórias, sempre causa de

desprestígio ao Poder Judiciário.6

As justificativas para a adoção da reconvenção em nosso ordenamento processual são,

portanto, basicamente duas: economia processual e harmonização de julgados,

podendo-se afirmar que a primeira delas estará presente em toda e qualquer

reconvenção, enquanto a segunda dependerá da possibilidade de decisões

contraditórias a serem proferidas na ação originária e na ação reconvencional. Mas há

também, embora todas superadas, críticas a adoção desse instituto. Moacyr Amaral

dos Santos, processualista de escol, e monografista do tema, comenta as três

principais críticas feitas ao instituto, rebatendo-as com acerto e precisão. Nos valermos

das lições do processualista para indicar nosso posicionamento sobre o tema.

O primeiro inconveniente gerado pelo processo é que o aumento das questões trazidas

com a reconvenção tornaria mais complexa a prova, desdobrando os atos processuais

e exigindo do juiz mais trabalho, o que acarretaria uma lentidão maior ao procedimento.

Essa “complicação procedimental” gerada pela reconvenção é algo incontestável, já

que a consequência natural de uma ampliação objetiva do processo é justamente o

acréscimo de questões a serem debatidas pelas partes e resolvidas pelo juiz, o que,

entretanto, não pode ser entendido como motivo apto a impedir a existência da

reconvenção. Nas corretas palavras de Moacyr Amaral Santos, “parte a crítica de

pressuposto falso, porque considera o aumento de carga num processo, esquecendo-

se que com isso se evita mais um processo, em que os mesmos atos processuais, ou

6 Lembrando também dessa justificativa, CÂNDIDO RANGEL DINAMARCO, Instituições de direito processual civil, vol. III, São Paulo, Malheiros, 2001, p. 495, falando em “modo mais econômico, rápido e seguro” e VICENTE GRECO FILHO, Manual de direito processual civil, vol. 2, 14ª ed., São Paulo, Saraiva, 2001, p. 129. No direito argentino: LINO ENRIQUE PALACIO, Manual de derecho procesal civil, 17ª ed., Buenos Aires, Abeledo-Perrot, 2003, p. 386. Em sentido contrário, CLITO FORNACIARI JR., Da reconvenção no direito processual civil brasileiro, op. cit., p. 60, afirmando que a “eventual contrariedade , quando exista, é bastante longínqua, uma vez que ação e reconvenção versam, quase sempre, sobre bens da vida autônomos e, ainda quando idênticos (conexão pelo pedido), fundados em causas de pedir diversas”.

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quase todos eles, teriam de se realizar, onde muito comumente se repetiria a produção

das mesmas provas, exigindo maior dispêndio de energias e de tempo do órgão

judicante, quantas vezes representado por mais de um juiz ou tribunal. A carga que a

reconvenção traz ao processo originário não está na proporção das vantagens

provenientes da unificação das ações.”7

Outra crítica que deve ser afastada é aquela que indica que a reconvenção poderia se

prestar a instrumento de chicana processual pelo réu, servindo como meio de veículo

de pretensões infundas e imaginárias, que só serviriam para complicar o procedimento

processual, gerando uma indesejada demora na prestação da jurisdicional. Não se

nega que a reconvenção possa se fato ser veículo de um abuso do direito de

demandar, mas daí a concluir que essa possibilidade seria apta a afastar o instituto do

ordenamento vai uma diferença muito grande. Em primeiro lugar, porque se trata de

anomalia; em segundo, porque existem mecanismos de punição ao litigante que atua

em afronta aos princípios da boa-fé e lealdade processual (p. ex., condenação em

litigância de má-fé, arts. 17/18, CPC); e em terceiro lugar, porque a pretensão

absolutamente infundada expressa em reconvenção, gerará o indeferimento liminar

dessa ação do réu contra o autor, em decisão recorrível por meio de agravo – como

veremos mais detidamente a seguir – o que não impedirá a regular continuação do

processo como originariamente formado, ou seja, somente com a ação originária.

Por fim, o terceiro e mais fraco dos argumentos, é o de que com a reconvenção um

juízo incompetente se tornaria competente para o julgamento de tal ação. Tal crítica é

absolutamente insustentável, porque a competência que poderá ser prorrogada em

razão da reconvenção é aquela fixada territorialmente ou pelo valor da causa -

espécies de competência relativa - que são prorrogáveis. A incompatibilidade de

competências absolutas entre a ação originária e a ação reconvencional impede essa

7 Cfr. Da reconvenção no direito brasileiro, 4ª ed., São Paulo, Max Limonad, 1973, p. 137.

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segunda de existir, justamente em razão da improrrogabilidade dessa espécie de

competência.

As críticas, como se percebe, nem de longe chegam a incomodar as vantagens obtidas

por meio da reconvenção, no que não puderam historicamente prosperar, sendo hoje

uníssono o entendimento doutrinário que permite e entende benéfica a existência da

reconvenção em nosso ordenamento processual.

4. Condições da ação

Sendo indiscutível a natureza de ação da reconvenção, é preciso registrar que como

qualquer outra, deve respeitar as condições que a teoria eclética (Liebman) consagrou

como necessárias para o legítimo exercício de ação: legitimidade de parte, interesse de

agir e possibilidade jurídica do pedido. É evidente que a própria natureza da

reconvenção traz consigo a exigência das três tradicionais condições da ação, mas

também inegável que, em razão de sua situação específica de além de demanda, ser

também uma resposta do réu, essas condições da ação tem interessantes

peculiaridade que merecem uma análise particularizada.8

4.1. Legitimidade de parte

No tocante a legitimidade de parte – entendida como a relação de pertinência entre o

conflito levado a juízo e os sujeitos que demandarão – há interessantes pontos

derivados da redação do art. 315, CPC. O caput de tal dispositivo legal indica que

somente o réu da ação originária poderá ser autor da ação reconvencional, enquanto

nessa somente poderá ser réu o sujeito que figurar como autor da ação originária. Ao

8 Nesse tocante não concordamos com CÂNDIDO RANGEL DINAMARCO, Instituições de direito processual civil, vol. III, op. cit., p. 498: “As condições da ação reconvencional medem-se segundo os metros ordinários e sempre em relação à nova causa proposta por essa via, sem qualquer influência da mera circunstância de essa demanda ser trazida como resposta.”

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tomar o dispositivo legal em sua literalidade, poder-se-á concluir, a nosso ver

erroneamente, que sempre deverá existir uma identidade plena, embora invertida, dos

sujeitos da ação originária e da ação reconvencional. A conclusão de tal interpretação

literal seria pela impossibilidade de qualquer ampliação ou restrição subjetiva na

reconvenção.

Quanto à restrição subjetiva na reconvenção, parece a doutrina rumar em sentido único

para admiti-la. Assim, existindo litisconsórcio na ação originária, o mesmo litisconsórcio

não será necessário também na reconvenção, sendo possível que somente um dos

autores da ação originária figure como réu na reconvenção ou ainda que somente um

dos réus reconvenha, solitariamente, contra o autor ou atores. Vale a lembrança que tal

liberdade, embora a priori permitida, estará condicionada à espécie de litisconsórcio

verificado na ação originária e de seus reflexos na ação reconvencional. Havendo um

litisconsórcio necessário na ação originária que deva se repetir também na

reconvenção, será impossível a reconvenção não envolver todos os litisconsortes.9 O

problema aqui, entretanto, não será de legitimidade, mas de ineficácia do processo em

virtude da ausência de litisconsórcio necessário.

A justificativa para a reconvenção subjetivamente menos ampla é extremamente bem

desenvolvida por Cândido Rangel Dinamarco, afirmando que a mesma se encontra

“autorizada, acima de tudo, pela garantia constitucional da liberdade, em decorrência

da qual nemo ad agere cogi potest. Não seria legítimo pôr o réu numa situação em que

devesse escolher entre reconvir em relação a todos os autores e não reconvir; nem

obrigar todos os réus a reconvir, sob pena de um deles não poder faze-lo

9 JOSÉ CARLOS BARBOSA MOREIRA, O novo processo civil brasileiro, op. cit., p. 44: “Se, em relação à causa reconvencional, o litisconsórcio for necessário, de um lado ou de outro, na reconvenção terão de demandar todos os primitivos réus, ou de ser demandados todos os primitivos autores”. Também JOSÉ JOAQUIM CALMON DE PASSOS, Comentários ao Código de Processo Civil, vol. III, 8ª ed., Rio de Janeiro, Forense, 2000, p. 313 e CLITO FORNACIARI JR., Da reconvenção no direito processual civil brasileiro, op. cit., p. 95.

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isoladamente, quando em relação á demanda reconvencional o litisconsórcio não seja

necessário”.10

Se a restrição subjetiva na reconvenção parece não encontrar maiores obstáculos, o

mesmo não parece ocorrer com a ampliação, tema dos mais controvertidos tanto em

sede doutrinária quanto jurisprudencial. Há muita controvérsia a respeito da

admissibilidade da formação de um litisconsórcio na reconvenção – ativo ou passivo –

com sujeito que não participava do processo até então, ou seja, sujeito que não

figurava como parte na ação reconvencional. É evidente que se manteria a estrutura

básica réu x autor, mas ao lado de um deles – ou mesmo de ambos – seria formado

litisconsórcio com terceiro estranho à demanda até então. Interessante notar que as

correntes que se formão a respeito do tema partem das mesmas constatações, mas

chegam a conclusões diametralmente opostas.

Há corrente doutrinária que entende inviável a ampliação subjetiva do processo em

razão do ingresso de terceiro na reconvenção em razão da maior justificativa para a

adoção do instituto; a economia processual. Afirma-se que eventual ingresso de novo

sujeito ao processo geraria invariavelmente uma complicação procedimental

incompatível com o princípio da economia processual, considerando-se que tal

complicação demandaria uma realização de atos que não seriam praticados se tal

ampliação fosse simplesmente vedada. A impossibilidade, portanto, se derivaria da

manutenção da maior justificativa para a existência do instituto.11 Apesar do gabarito

dos processualistas que perfilham essa corrente, nos parece que ela muito lembra a

10 Cfr. Instituições de direito processual civil, vol. III, op. cit., pp. 506/507. 11 Assim LUIZ GUILHERME MARINONI e SÉRGIO CRUZ ARENHART, Manual do processo de conhecimento, op. cit., p. 168; HUMBERTO THEODORO JR., Curso de direito processual civil, vol. 1, op. cit., p. 362; CLITO FORNACIARI JR., Da reconvenção no direito processual civil brasileiro, op. cit., p. 94; JOEL DIAS FIGUEIRA JR., Comentários ao Código de Processo Civil, vol. 4, tomo II, São Paulo, RT, 2001, p. 327. Parece também ter tal entendimento JOSÉ CARLOS BARBOSA MOREIRA, O novo processo civil brasileiro, op. cit., p. 44. No direito argentino, embora sem fundamentação, LINO ENRIQUE PALACIO, Manual de derecho procesal civil, op. cit., p. 388.

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primeira crítica que a antiga doutrina fazia ao instituto da reconvenção, tal

elegantemente rebatida por Moacyr Amaral dos Santos (ver item 3).

A restrição defendida, apesar de partir de uma premissa verdadeira, atinge conclusão

absolutamente equivocada. O princípio da economia processual não pode ser

analisado de forma isolada, sob a ótica microscópica de um processo isolado dentro de

todo o universo processual. Em nosso entender tal visão apequena o princípio da

economia processual. É evidente que a inclusão de um terceiro ao processo em razão

da formação de litisconsórcio na reconvenção, tornará o processo mais complexo, o

que fatalmente gerará alguma complicação procedimental que não haveria se a

inclusão fosse vetada. Mas também nos parece evidente que a inclusão desse terceiro

ao processo fará com que o seu resultado atinja um número maior de pessoas, o que

poderá, inclusive, evitar futuras demandas judiciais. E é justamente essa ampliação de

questões e de sujeitos atingidos pela decisão do processo que gerará, para o sistema

processual como um todo, uma economia processual.

O que propomos é uma visão mais macroscópica do princípio, imaginando-o não à luz

de um processo isoladamente, mas do conjunto de processos – reais e possíveis - que

formam a realidade forense. Ao invés de dois processos, cada qual com uma ação,

durando cada um deles cinco anos, num total de dez, será preferível a reunião dessas

suas ações em um só processo, ainda que ele passe a demorar oito anos. Num

cômputo geral, numa preocupação sistêmica e não particularizada, é evidentemente

mais benéfico um processo de oito anos do que dois de cinco anos (que somariam dez

anos de duração). Utilizando-se de um temo popular, seria perder algo hoje para colher

amanhã. É visão não muito compreendida pelo povo brasileiro em geral, e pelo jurídico

em particular, como bem demonstrou a pouca receptividade da audiência preliminar

entre nossos juízes, mas indubitavelmente se trata de postura benéfica ao sistema.12

12 Com esse entendimento: CÂNDIDO RANGEL DINAMARCO, Instituições de direito processual civil, vol. III, op. cit., pp. 506/507; JOSÉ JOAQUIM CALMON DE PASSOS, Comentários ao Código de Processo

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A situação se torna ainda mais drástica, mostrando-se com maior vigor ser injustificada

a vedação à ampliação subjetiva do processo nas hipóteses de litisconsórcio

necessário. Nessas hipóteses o acolhimento da corrente que não admite a ampliação

significará a impossibilidade de reconvir, já que nesse caso a formação do litisconsórcio

não será uma mera faculdade da parte, mas uma obrigatoriedade em razão de

exigência legal ou da natureza da relação jurídica que une os litisconsortes. A situação

seria de uma incongruência lógica tão significativa que parcela da doutrina passa a

entender que nesse caso seria permitida a ampliação subjetiva, com o que não

concordamos plenamente13. Em nosso sentir, a necessidade de formação do

litisconsórcio somente torna a situação mais dramática, mas não deve ser essencial

para a formação do litisconsórcio.

Vale nesse tocante uma breve lembrança do direito estrangeiro, que parece apontar

para a possibilidade – ainda que em algumas hipóteses limitada – ao ingresso de

terceiros na reconvenção propiciando a ampliação subjetiva do processo. O conflito

acima apresentado a respeito do melhor entendimento a respeito da economia

processual, é de forma bastante interessante abordada pelo Código de Processo Civil

português, no art. 274º: “4. Se o pedido reconvencional envolver outros sujeitos que, de

acordo com os critérios gerais aplicáveis à pluralidade de partes, possam associar-se

ao reconvinte ou ao reconvindo, pode o réu suscitar a respectiva intervenção principal

provocada, nos termos do disposto no artigo 326º; 5. No caso previsto no número

anterior e não se tratando de litisconsórcio necessário, se o tribunal entender que, não

obstante a verificação dos requisitos da reconvenção, há inconveniente grave na

instrução, discussão e julgamento conjuntos, determinará, em despacho

fundamentado, a absolvição da instância quanto ao pedido reconvencional de quem

não seja parte primitiva na causa, aplicando-se o disposto no nº 5 do artigo 31º”.

Civil, op. cit., p. 327; NELSON NERY JR. e MARIA ROSA DE ANDRADE NERY, Código de Processo Civil comentado, 7ª ed., São Paulo, RT, 2003, p. 702. 13 LUIZ FUX, Curso de direito processual civil, op. cit., p. 636; ERNANE FIDÉLIS DOS SANTOS, Manual de direito processual civil, vol. 1, op. cit., p. 416.

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O artigo legal referido é bastante interessante, mas demonstra a dificuldade no estudo

de direito e legislação comparada. A simples leitura do texto transcrito poderá

transparecer que no caso de litisconsórcio facultativo o juiz poderá impedir sua

formação na reconvenção em razão de dificuldades que isso criaria ao andamento

processual. Na verdade, essa não é característica privativa da reconvenção no direito

português, mas do litisconsórcio facultativo em si (art. 31º, n. 5, CPC). Significa dizer

que a vedação à formação do litisconsórcio ocorre independentemente da ação em que

o mesmo for formado (autônoma ou reconvencional), sempre que o juiz entender que

há “inconveniente grave na instrução, discussão e julgamento conjuntos”. A limitação

do art. 326º, n. 5., CPC português, portanto, não deve ser entendida como restrição

exclusiva da reconvenção, mas regra genérica daquele ordenamento.14

Apesar do silêncio absoluto da legislação pátria a esse respeito, nos parece totalmente

aplicável à reconvenção regra também genérica de limitação de litisconsórcio passivo

sempre que o número elevado de sujeitos puder comprometer a rápida solução do

litígio ou dificultar a defesa. Trata-se do litisconsórcio multitudinário, previsto pelo art.

46, par. único, CPC. Registre-se, entretanto, que a exemplo do direito português, tal

restrição não é especifica da formação do litisconsórcio facultativo na reconvenção,

sendo regra genérica a ser aplicada em qualquer ação em que tal espécie de

litisconsórcio seja formada. Tendo a reconvenção a natureza jurídica de ação,

evidentemente que também a ela se aplicarão às restrições derivadas do litisconsórcio

multitudinário.

Outro ordenamento jurídico que trata expressamente do tema é o espanhol, no art.

407.1 da Ley de Enjuiciamiento Civil: “la reconvención podrá dirigirse también contra

sujetos no demandantes, siempre que puedan considerarse litisconsortes voluntarios o

14 Nesse sentido os comentários de JOSÉ LEBRE DE FREITAS, Código de Processo Civil anotado, vol 1º, Coimbra Editora, Coimbra, 1999, p. 490 e JORGE AUGUSTO PAIS DE AMARAL, Direito processual civil, 3ª ed., Coimbra, Almedina, 2002, p. 191.

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necesarios del actor reconvenido por su relación con el objeto de la demanda

reconvencional”. Nos parece que a única exceção traçada pelo legislador espanhol

para que o litisconsórcio seja admitido – relação dos terceiros com o objeto da

demanda reconvencional – estará sempre presente em razão da conexidade

necessária, também naquele ordenamento, entre a ação originária e a ação

reconvencional.15

Outra questão interessante que toca ao tema da legitimidade de parte na reconvenção

diz respeito ao art. 315, par. único, CPC: “Não pode o réu, em seu próprio nome,

reconvir ao autor, quando este demandar em nome de outrem”. De sua redação já foi

dito de tudo que se possa imaginar de forma pejorativa: atécnica, truncada, confusa,

inadequada, incorreta. A leitura apressada do dispositivo legal poderia levar o leitor

mais desavisado a concluir se tratar de norma referente a representação processual,

pois quem atua em nome de outrem é representante processual. Essa interpretação,

entretanto, tornaria o dispositivo legal absolutamente inútil, considerando-se que o

representante não é parte, o que significa dizer que já não tem legitimidade pelo

disposto no art. 315, caput, CPC. A doutrina de forma uníssona empresta utilidade ao

artigo legal ao entender tratar-se de hipóteses de substituição processual na ação

originária, que deverá obrigatoriamente se repetir na ação reconvencional. A regra

acaba tornando-se simples: exige-se que os sujeitos tenham na reconvenção a mesma

qualidade jurídica com que figuram na ação originária. Se naquela estavam como

substitutos processuais (seja no pólo ativo ou passivo), da mesma forma deverão

figurar na reconvenção. Nas palavras de José Calmon de Passos, trata-se do princípio

15 Com tal entendimento, IGNÁCIO DÍEZ-PICAZO GIMENEZ, Derecho procesal civil – el proceso de declaración, 2ª ed., Madri, Ramón Areces, 2003, p. 270. Com entendimento mais restritivo quanto ao litisconsórcio facultativo, admitindo-o somente no caso de obrigados solidários, as lições de VALENTÍN CORTÉS DOMINGUEZ, Derecho procesal civil – parte general, 5ª ed., Madri, Colex, 2003, p. 202. Para VICENTE GIMENO SENDRA, Derecho procesal civil, op. cit., p. 334, o litisconsórcio facultativo somente não será admitido quando os terceiros já poderiam ter sido litisconsortes do autor na ação originária.

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da identidade bilateral, que não é identidade da pessoa física, mas identidade subjetiva

de direito.16

O último tema que gostaríamos de enfrentar, ainda que pouco versado pela doutrina, é

da legitimidade do curador do réu para ingressar com reconvenção. Imprescindível

para se concluir de forma positiva ou negativa a exata noção da qualidade jurídica do

curador especial, previsto pelo art. 9º, CPC. A doutrina parece uníssona no sentido de

entender que o curador assume no processo uma posição de representante dos

sujeitos descritos pelo artigo legal supra mencionado.17 Essa simples constatação já

nos demonstra de forma inequívoca a ilegitimidade do curador em ingressar com ação

reconvencional, posto que não é considerado como parte no processo e sua eventual

legitimidade para reconvir conflitaria com o disposto no art. 315, caput, CPC.18 Sua

tarefa será, portanto, tão somente a reação à pretensão do autor, jamais ação contra

ele.

4.1. Interesse de agir

Costuma-se afirmar que o interesse de agir é a somatória de dois fatores: a

necessidade e a adequação. Em rápidos traços, significa dizer para se provar o

16 Cfr. Comentários ao Código de Processo Civil, op. cit., p. 313. Como dito, a doutrina nacional é uníssona nesse sentido. Por todos, JOSÉ CARLOS BARBOSA MOREIRA, O novo processo civil brasileiro, op. cit., pp. 44/45. 17 Assim OVÍDIO A. BAPTISTA DA SILVA, Comentários ao Código de Processo Civil, vol. 1, São Paulo, RT, 2000, p. 85 e JOSÉ ROBERTO DOS SANTOS BEDAQUE, Código de Processo Civil interpretado, coord. Antonio Carlos Marcato, São Paulo, Atlas, 2004, pp. 64/65, com importante contribuição para a presente discussão: “Trata-se de função tipicamente processual, ou seja, o curador terá o dever específico de defender os interesses da parte em determinado processo, nada mais. Sua atuação não se estende ao plano do direito material nem a outros processos.” 18 Nesse sentido: VICENTE GRECO FILHO, Direito processual civil brasileiro, vol. 2, op. cit., p. 133 e NELSON NERY JR. e ROSA MARIA DE ANDRADE NERY, Código de Processo Civil Comentado, op. cit., p. 702. Em sentido contrário, pela legitimidade do curador, JOEL DIAS FIGUEIRA JR., Comentários ao Código de Processo Civil, op. cit., p. 328: “Aliás, limitar os tipos de resposta ao réu representado judicialmente por curador especial significa aplicar distinção onde a lei não distingue ou restringe, sem contar com o manifesto cerceamento do direito constitucional à ampla defesa” e CLITO FORNACIARI JR., Da reconvenção no direito processual civil brasileiro, op. cit., p. 95.

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interesse de agir do autor o mesmo deverá convencer o juiz de que não outra forma

mais rápida, barata e simples de obter a tutela que busca junto ao Poder Judiciário e

que o pedido que faz, abstratamente, é apto a solucionar o conflito de interesses que

narrou em sua pretensão. Tanto num caso como noutro, o interesse de agir é explicado

pela exigência de que o resultado do processo tenha alguma serventia prática. No

tocante à reconvenção, os elementos são mantidos, mas aqui também existem

interessantes particularidades a serem debatidas.

Mais uma vez a doutrina parece concordar que a reconvenção só terá alguma serventia

prática se o autor puder obter com ela tutela que não obteria com o simples

acolhimento de suas alegações defensivas lançadas em contestação. A primeira e

mais evidente inutilidade da reconvenção se dá na hipótese em que ela é utilizada para

a argüição de matérias que são na verdade defensivas, próprias da contestação

(reação) e não da reconvenção (ação). Nessa hipótese, ao menos como regra,

acreditamos que a reconvenção deva ser extinta prematuramente por carência de ação

do réu-reconvinte. Ernane Fidélis dos Santos, dá como exemplos a alegação do réu em

reconvenção do pagamento da dívida cobrada ou ainda a alegação de contrato locativo

para justificar sua posse do imóvel que lhe é reivindicado.19 A questão ganha contornos

mais interessantes na hipótese do réu apenas reconvir alegando tais matérias,

deixando de contestar. Esse tema será desenvolvido em capítulo próprio.

Outra hipótese de manifesta inutilidade na utilização da reconvenção se verifica

naqueles casos em que a própria improcedência já será apta a entregar ao réu o bem o

da vida em disputa, que seria exatamente aquilo que estaria perseguindo em sede

reconvencional. Se já tem condições de obter o bem da vida pelo simples acolhimento

de sua defesa, de que serventia poderá ter sua reconvenção? Essa situação se verifica

com clareza nas ações dúplices, em que a relação de direito material gera essa

peculiar situação em que a contestação já basta para entregar ao réu o bem da vida 19 Cfr. Manual de direito processual civil, vol. 1, op. cit., p. 414.

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debatido. Exemplo clássico que pode ser lembrado é da ação meramente declaratória.

Imagine-se um autor que pretenda em juízo obter a certeza jurídica a respeito da

existência de uma relação jurídica de doação. Contestando o réu a demanda, alegará

que nunca houve qualquer declaração, e o acolhimento de tal defesa gerará certeza

jurídica de que nunca houve a relação de direito material alegada pelo autor, o que

significa dizer que a certeza jurídica – bem da vida em disputa nas ações meramente

declaratórias – será concedida favoravelmente ao réu. De fato nenhuma utilidade teria

uma reconvenção do réu pleiteando a declaração de que a relação jurídica de doação

não existiu.

Por fim, também faltará interesse de reconvir ao réu se o próprio ordenamento

processual o oferecer uma forma mais rápida, barata e simples de obter o bem da vida

pretendido. Nesse caso, será totalmente justificável entender-se que o ingresso de

reconvenção não será necessário, residindo nessa circunstância a ausência do

interesse de agir do réu. Tal fenômeno se dá no procedimento sumário (art. 278, § 1º,

CPC) e no procedimento sumaríssimo (art. 31, da Lei 9.099/95), em que caberá ao réu

a elaboração de pedido contraposto como tópico da própria contestação. É evidente

que o pedido contraposto é mais restrito que a reconvenção (exige os “mesmos fatos

narrados na inicial”), mas a simples possibilidade de se realizar o pedido de bem da

vida por tal meio já é o suficiente para se defender a falta de interesse de agir na

reconvenção, ao menos daquelas que seria fundadas nos mesmos fatos narrados pelo

autor na petição inicial.20O problema, entretanto, persiste para as hipóteses de

reconvenção que extrapolariam os limites objetivos do pedido contra-posto. Para essas

situações, também faltaria ao réu-reconvinte interesse de agir?

Nos parece que a resposta a tal questão deva ser dada em sentido negativo. Se o réu

em processo que segue o rito sumário ou sumaríssimo não pode realizar um pedido

20 Com tal entendimento, LUIZ GUILHERME MARINONI e SÉRGIO CRUZ ARENHART, Manual do processo de conhecimento, op. cit., p. 169.

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contraposto fundado nas amplas causas de “conexão” do art. 315, caput, CPC, não se

poderá afirmar que faltará ao réu interesse em reconvir, quando essa conexão

extrapolar os fatos narrados pelo autor em sua inicial. A doutrina não ficou alheia a tal

problema, afirmando que mesmo nesses casos a reconvenção não deveria ser

admitida, pois a vedação de reconvenção no procedimento sumário “está escorada na

incompatibilidade entre a adoção deste expediente e os princípios que informam o

procedimento sumário, basicamente o da celeridade”.21 Apesar de discutível a

justificativa, não cabe nos limites estreitos do presente trabalho comentários mais

aprofundados, convindo somente afirmar ser essa a posição amplamente majoritária

em nossos Tribunais.

Como se pode perceber do até aqui exposto, a reconvenção quando fundada nos

mesmos fatos narrados na petição inicial não será aceita no procedimento sumário por

ausência de interesse de agir. É evidente que, apesar da inadmissibilidade de tal

espécie de resposta, será possível em respeito ao princípio da instrumentalidade das

formas recebe-la como pedido contraposto, sendo assim tratado desse momento em

diante.22 De qualquer forma, uma visão mais rigorosa levaria a extinção prematura da

reconvenção por carência da ação, fundamentando-se a decisão – interlocutória – no

art. 267, VI, CPC, por falta de interesse de agir. Esse fundamento, entretanto, não

poderia ser repetido nas hipóteses de propositura de reconvenção que extrapole os

limites objetivos do pedido contraposto. Seria, a nosso ver, hipótese exclusiva de

extinção da reconvenção por impossibilidade jurídica do pedido, conforme veremos no

item a seguir. 21 Cfr. GILSON DELGADO MIRANDA, Procedimento sumário, São Paulo, RT, 2000, p. 175. Com o mesmo pensamento, J. E. CARREIRA ALVIM, Procedimento sumário, 2ª ed., Rio de Janeiro, Forense, 2003, p. 91. em sentido contrário, admitindo a reconvenção nessas hipóteses: CLITO FORNACIARI JR., A reforma processual civil (artigo por artigo), São Paulo, Saraiva, 1996, pp. 52/53 e ARAKEN DE ASSIS, Procedimento sumário, São Paulo, Malheiros, 1996, p. 95. 22 CÂNDIDO RANGEL DINAMARCO, Instituições de direito processual civil, vol. III, op. cit., p. 504: “Mas a reconvenção não deve ser pura e simplesmente indeferida, quando for o caso de formular pedido contraposto. Seu formalismo é muito maior que o deste e dessa mera irregularidade formal não decorre prejuízo para o adversário (arts. 244, 294, § 1º e 250); nessas hipóteses, cumpre ao juiz conhecer do pedido formulado em reconvenção como mero pedido contraposto, sem negar-lhe julgamento”.

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4.3 – Possibilidade jurídica do pedido

A doutrina que já se debruçou sobre o tema da possibilidade jurídica do pedido tende a

crer que não há qualquer especialidade digna de relevo que possa ser particularizada

nessa espécie de demanda.23 Uma voz dissonante é do ministro do Superior Tribunal

de Justiça, Luiz Fux, em lição que merece transcrição, justamente após concordar com

a doutrina majoritária e afirmar que essa condição da ação não se distingue muito na

ação e reconvenção: “Entretanto, há certos procedimentos que, em razão da

compreensão do rito, inadmitem a reconvenção, haja vista que o manejo desse

instrumento alarga o campo probatório e o próprio thema decidendum, ampliando o

debate e postergando a resposta judicial. Nesses casos em que a lei veda a

reconvenção por aspectos formais, também se verifica uma “impossibilidade jurídica do

pedido reconvencional”. É o que ocorre, v. g., no procedimento sumário e no

sumaríssimo dos juizados especiais.”24

Não poderíamos concordar mais com o processualista carioca, apenas ressaltando que

a hipótese de impossibilidade jurídica do pedido estará limitada àquelas hipóteses em

que haverá por meio da reconvenção uma ampliação dos limites objetivos exigidos

para o pedido contraposto (“mesmos fatos narrados na inicial”). Nessa hipótese a

reconvenção será extinta prematuramente por carência de ação, fundamentando-se a

decisão – interlocutória – no art. 267, VI, CPC, por impossibilidade jurídica do pedido.

Haverá, inclusive, uma pequena diferença entre essa extinção da reconvenção no

procedimento sumário e no procedimento sumaríssimo. Enquanto no sumário não

existe mais uma vedação expressa à reconvenção nos moldes do art. 315 e ss., CPC,

23 Assim, LUIZ GUILHERME MARINONI e SÉRGIO CRUZ ARENHART, Manual do processo de conhecimento, op. cit., p. 167; CLITO FORNACIARI JR., Da reconvenção no direito processual civil brasileiro, op. cit., p. 87; JOEL DIAS FIGUEIRA JR., Comentários ao Código de Processo Civil, op. cit., p. 329. 24 Cfr. Curso de direito processual civil, op. cit., p. 637.

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a previsão do art. 31 da Lei 9.099/95 traz expressamente tal vedação. Significa dizer

que no primeiro caso – sumário – a impossibilidade jurídica do pedido será buscada em

caráter principiológico, e não meramente legal, enquanto no segundo – sumaríssimo –

a busca restará facilitada em virtude da expressa previsão legal. Seja como for, até

mesmo pela forte tendência a se considerar o princípio como norma, não nos parece

haver substancial diferença entre as duas hipóteses, sendo que em ambas

perceberemos o impedimento do ordenamento para aquele pedido, ora por dedução

aos princípios que regem o procedimento sumário, ora por expressa previsão da Lei

dos Juizados Especiais.