concurso online de escrita criativa elp interativo · só lhe apetecia deitar-se e, sem o querer...

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1 Concurso online de Escrita Criativa ELP interativo Texto inicial (Da responsabilidade do Departamento de Educação para a Saúde da Liga Portuguesa contra o Cancro - Núcleo Regional do Norte) Inês espera, um pouco ansiosa. Fica sempre assim quando se trata de assuntos de saúde. Mesmo sendo uma consulta de rotina, como é o caso, acaba sempre por deixar para o último dia a decisão de marcar... E neste caso acabou mesmo por se "esquecer" e foi preciso o Jorge lembrar-lhe... Vai folheando revistas enquanto espera, para se distrair, e pensando em tudo o que tem que preparar para apresentar no trabalho... Até que finalmente é chamada... Texto a) - Aluno 1 Inês, apesar dos seus 25 anos, entra um pouco receosa no consultório da Dra. Sara. Por sua vez, a médica, senhora de meia-idade, recebe-a com um sorriso e pede-lhe para se sentar. É a primeira vez que vai ser consultada por esta ginecologista e sente pouca confiança. Inês olhou à sua volta, olhou para a mesa ginecológica e para a parede que estava atrás desta, uma parede azul claro, com fotografias de bebés. Porque tem tantas fotografias de bebés na parede? São apenas alguns dos bebés que eu ajudei a nascer. respondeu a Dra. Sara, olhando para a parede e sorrindo. A médica fez-lhe algumas questões e registou todas as respostas, como se tirasse apontamentos. Então, está pronta? perguntou, levantando-se. Sim. respondeu a jovem, tentando não mostrar que estava apreensiva. Inês retirou a roupa, deitou-se de barriga para cima e colocou as pernas nos suportes.

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1

Concurso online de Escrita Criativa ELP interativo

Texto inicial

(Da responsabilidade do Departamento de Educação para a Saúde

da Liga Portuguesa contra o Cancro - Núcleo Regional do Norte)

Inês espera, um pouco ansiosa. Fica sempre assim quando se trata de

assuntos de saúde.

Mesmo sendo uma consulta de rotina, como é o caso, acaba sempre por

deixar para o último dia a decisão de marcar... E neste caso acabou mesmo por se

"esquecer" e foi preciso o Jorge lembrar-lhe... Vai folheando revistas enquanto

espera, para se distrair, e pensando em tudo o que tem que preparar para

apresentar no trabalho... Até que finalmente é chamada...

Texto a) - Aluno 1

Inês, apesar dos seus 25 anos, entra um pouco receosa no consultório da Dra.

Sara. Por sua vez, a médica, senhora de meia-idade, recebe-a com um sorriso e pede-lhe

para se sentar.

É a primeira vez que vai ser consultada por esta ginecologista e sente pouca

confiança. Inês olhou à sua volta, olhou para a mesa ginecológica e para a parede que

estava atrás desta, uma parede azul claro, com fotografias de bebés.

– Porque tem tantas fotografias de bebés na parede?

– São apenas alguns dos bebés que eu ajudei a nascer. – respondeu a Dra. Sara,

olhando para a parede e sorrindo.

A médica fez-lhe algumas questões e registou todas as respostas, como se tirasse

apontamentos.

– Então, está pronta? – perguntou, levantando-se.

– Sim. – respondeu a jovem, tentando não mostrar que estava apreensiva.

Inês retirou a roupa, deitou-se de barriga para cima e colocou as pernas nos

suportes.

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A médica explicou-lhe que iria fazer o exame de Papanicolau e que não iria

sentir dor alguma. O teste de Papanicolau, referiu a Dra. Sara, é um exame ginecológico

que é feito para um rastreio do cancro do colo do útero, pode diagnosticar doenças

sexualmente transmissíveis e deve ser feito com regularidade.

A Dra. Sara fez o exame e, quando o acabou, disse a Inês para se vestir.

– Foi um prazer tê-la aqui. Agora, irei enviar as amostras citológicas para o

laboratório, para mais tarde analisar os resultados. Depois, vou entrar o contacto

consigo. – disse a Dra. Sara, abrindo a porta.

– Está certo, então até daqui a uns dias. – respondeu, aliviada por sair dali.

*

Apesar de ter consciência que é importante ir regularmente a uma consulta de

ginecologia, Inês ia adiando a marcação. Estava tão feliz por ter conseguido um trabalho

que nem se apercebia que o tempo ia passando… Estava verdadeiramente empenhada

naquela empresa que lhe exigia tanto, mas que a fazia tão feliz! Quando chegava a casa,

só lhe apetecia deitar-se e, sem o querer admitir verdadeiramente, sentia-se cada vez

mais cansada. Por vezes, tinha algumas hemorragias no intervalo do período menstrual,

fator que a levou a decidir-se, finalmente, a marcar uma nova consulta.

*

A jovem saiu do consultório e dirigiu-se para o carro onde Jorge a esperava para,

de seguida, a levar de volta ao trabalho. No caminho, Jorge perguntou-lhe como tinha

corrido a consulta. Inês respondeu que, apesar de ter estado inquieta, tinha corrido bem.

A semana passou muito rapidamente e Inês estava a trabalhar quando recebeu

um telefonema. Era a Dra. Sara a pedir-lhe para se dirigir o mais rapidamente possível

ao seu consultório, pois necessitava de lhe falar dos resultados dos exames,

urgentemente…

Texto b) - Aluno 2

Inês estava inquieta e, no momento em que recebeu o telefonema, nem sabia

bem o que dizer; ligou a Jorge que foi logo ter com ela ao trabalho.

– Que se passa para estares assim tão agitada? – perguntou o namorado.

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– A minha ginecologista ligou-me a dizer que tenho de ir urgentemente falar

com ela sobre os resultados dos exames…

Dirigiram-se ao carro e foram para o Hospital. Durante o caminho, Inês apenas

pensava no pior e estava muito aflita; praticamente não conseguia falar. Jorge tentava

acalmá-la, dizia-lhe que tudo ia correr bem e que ela não precisava de ficar assim.

Inês estava muito apreensiva e a pensar em todas as doenças que poderia ter:

sentia-se mesmo estranha. Às vezes, sentira um desconforto que não era normal, porque

nunca se manifestara antes. Começou a perder peso, apesar de continuar a comer como

comia antes e a manter uma alimentação saudável.

Gostava muito de praticar desporto; aquelas competições entusiasmavam-na

desde pequenina. No seu quarto, havia vários troféus dos quais tinha orgulho. Tinha

ficado triste por não ter participado no último torneio, por causa daquela maldita gripe.

Desde essa altura, ficou com uma tosse que pensava ser normal, mas, pensando bem,

começava a ser tempo excessivo.

Inês estava a ficar desesperada, ao juntar tudo: primeiro, a chamada urgente da

Dra. Sara; depois, todos estes sintomas que se tinham manifestado ultimamente.

Inês tinha escondido estes acontecimentos ao seu namorado, por isso, enquanto

eles esperaram, ela tentara disfarçar e aparentar que estava a pensar que não seria nada

de muito grave. No entanto, ela tinha deixado cair uma lágrima mas, logo de seguida,

limpara o rosto. Nada disse a Jorge para que ele não suspeitasse da sua ansiedade, nem

descobrisse que ela estava assustada.

Jorge estacionou o carro e Inês pediu-lhe para a acompanhar; entraram no

Hospital onde esperaram pouco mais de dez minutos.

Texto c) – Aluno 3

Apesar do curto tempo de espera, ele olhou para Inês e reparou que os seus olhos

estavam brilhantes:

– Pronta? Ou queres ficar um pouco sozinha?

– Sim, estou pronta e não preciso de um momento sozinha, mas sim de um

abraço teu.

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Inês já não conseguia disfarçar o nervosismo, nem o receio das palavras da Dra.

Sara. Ouviu-se finalmente a voz da rececionista, chamando o seu nome. Ela ficara

imóvel. Jorge pegou-lhe na mão e dirigiram-se ao consultório da ginecologista.

Entraram, sentaram-se nas cadeiras que se encontravam à frente da secretária. A

médica fechou a porta, colocando-se à frente deles e, numa voz receosa e séria, disse:

– Inês, pedi-lhe para se dirigir aqui com urgência devido ao resultado dos

exames. Vai ser difícil dizer o que tenho a dizer e a Inês ouvir o que tem de ouvir

– Dra., por favor, vá diretamente ao assunto. Infelizmente, penso já adivinhar as

suas palavr…

– Então, nunca é fácil dar esta notícia a alguém… A Inês é portadora do vírus do

HPV. As células do colo do seu útero foram infetadas pelo HPV e começaram a

desenvolver-se de forma descontrolada.

Como já era de esperar, Inês desfez-se em lágrimas, chorando compulsivamente,

enquanto a médica ia falando. A reação imediata de Jorge foi a de abraçar a namorada

com todas as suas forças, mostrando-lhe que, independentemente da situação, estaria

sempre presente.

A Dra. Sara dirigia-se agora essencialmente para Jorge, visto que Inês estava

completamente fora de si. Naquele momento, foi como se o chão se abrisse debaixo

dela, não estava mesmo em condições para escutar atentamente tudo o que precisava de

fazer. Depois de a médica ter anotado no computador textos que se afiguraram, para

eles, completamente incompreensíveis, viram a sua caneta girar de uma forma firme.

Entregou-lhes, por fim, um envelope fechado: quando Inês estivesse mais calma,

deveria marcar as consultas e os exames o mais rapidamente possível.

O casal saiu do consultório, muito abalado, dirigindo-se para o carro. Esse breve

caminho que percorreram a pé pareceu a ambos o mais longo da sua vida; não houve

qualquer troca de palavras, apenas de olhares e afeto.

Entraram no carro…

Texto d) – Aluno 4

Jorge olhou para Inês com preocupação; nenhum dos dois estava

verdadeiramente à espera de receber uma notícia daquelas, pois a sua namorada sempre

tinha sido saudável; nunca lhe acontecera algo de tão grave como o que estava acontecer

agora.

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Inês não sabia o que fazer, sentia-se perdida, tinha medo, medo da morte, pois a

sua mãe tivera uma doença que se revelou fatal. Apesar de, na altura, ser ainda uma

criança, Inês tinha presenciado tanta dor… Ela tinha tido tanta esperança que a sua mãe

ficasse boa e que conseguisse ultrapassar aquela fase má. Infelizmente, agora, Inês

receava ter o mesmo destino que o da mãe.

– Amor, tem calma! Eu estou aqui e sei que vais conseguir, és uma mulher forte.

– murmurou Jorge, enquanto pousava a mão no joelho dela, acariciando-o com um

gesto caloroso.

– A minha mãe também era uma mulher forte e morreu.

Olhou-o, com os olhos húmidos. Ele abraçou-a fortemente e as lágrimas caíram

pelo rosto dela.

– Porquê isto, agora? Estava tudo a correr tão bem. Como vai ser? Já tínhamos o

nosso casamento marcado.

Inês chorava sem conseguir parar. Jorge limpava-lhe as lágrimas.

– O que importa agora é saber como vão ser os tratamentos. Vamos vencer isto!

Inês não disse mais nada. Ele depositou um pequeno beijo carinhoso nos seus

lábios. Dirigiram-se para casa. Enquanto ela foi descansar para o quarto, ele preparou-

lhe um pequeno lanche, fez-lhe duas torradas e um chá. Levou o tabuleiro para o quarto,

pousou-o em cima da cama e ficou a observar Inês.

– Amor – disse ele, da forma mais doce que conseguiu. – Amor – repetiu

novamente.

Inês sentou-se na cama e dirigiu um olhar carregado de tristeza. Os seus olhos

estavam vermelhos, vermelhos como ele nunca tinha visto. Então, respirou fundo e

arranjou forças dentro dele para tentar ser o melhor companheiro.

– Tens de comer alguma coisa...

Jorge esforçava-se por comunicar otimismo, por lhe trazer à lembrança aqueles

bons momentos que tinham passado juntos e, por breves instantes, ela conseguiu

esquecer todos os problemas que a atormentavam naquele momento.

Texto e) – Aluno 5

O tempo passava devagar. E cada segundo, minuto, hora, parecia interminável.

Passados dois meses desde aquele dia em que a Dr. Sara lhe tinha dito o que seus

ouvidos menos queriam ouvir, ainda lhe custava acreditar.

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Como tudo tinha mudado… Inês era uma bela jovem, com pele cristalina e um

cabelo longo, loiro e encaracolado, que costumava trazer apanhado num rabo-de-cavalo,

tinha sempre as bochechas rosadas e um ar simpático.

Agora, Inês estava pálida, com um rosto onde o que mais se notava eram as

enormes olheiras debaixo dos seus olhos escuros e os seus cabelos tinham sido

substituídos por um lenço com um padrão de flores que odiava. Estava magra ao ponto

de se notarem as costelas e, abaixo da clavícula, trazia o cateter da quimioterapia que

Inês tentava desesperadamente, mas, em vão, esconder.

– Tens de comer. – disse Jorge que aparentava ter mais dez anos do que

realmente tinha.

Inês desviou os olhos da televisão, levantou-se do sofá que, ultimamente, tinha

sido o seu melhor amigo; arrastou os pés a custo, sentou-se na mesa da cozinha e

observou as panquecas.

– Não tenho fome.

E era assim todas as manhãs; por mais que Jorge se esforçasse, o sofrimento de

Inês era evidente.

*

Inês relembrava o dia em que tinha recebido aquela notícia que iria mudar

profundamente a sua vida. O chá e as torradas que Jorge lhe tinha então preparado

tinham um sabor demasiado amargo. Na altura, o namorado sugerira-lhe que fizessem

uma lista com todos os tratamentos possíveis, e aceitaram que o melhor era fazer

quimioterapia durante três meses para diminuir o tumor, assim como algumas sessões

de radioterapia para erradicar as células cancerígenas e depois, uma pequena cirurgia

para o retirar, tal como a Dra. Sara tinha recomendado.

A ideia apavorara Inês. Apesar de parecer uma pessoa determinada, um dos seus

maiores medos eram agulhas. “Que parva…” – pensara.

No dia seguinte, no escritório, sabia o que tinha de fazer. Era uma mulher forte e

sentia-se capaz de enfrentar qualquer obstáculo.

Após se terem juntado todos, Inês fora direta ao assunto.

– Vou ter de me ausentar durante uns meses. Apesar da boa fase que a empresa

apresenta neste momento, foi-me diagnosticada uma doença que não me permite

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continuar a exercer o meu cargo. – disse, cabisbaixa. Sentia uma enorme

responsabilidade, dada a função que desempenhava na empresa.

Inês observara-os. Os rostos de pânico (de pena, talvez…) diziam tudo. Saiu,

chegou ao carro e desfez-se em lágrimas.

*

– Está na hora da sessão. – disse Jorge, chegando do supermercado.

Era o que Inês mais detestava ouvir. Significava que tinha que se levantar do

sofá, perder o episódio de “Um homem entre mulheres” para lhe administrarem a

quimioterapia e encarar as outras pessoas. A única coisa que tinham para lhe dizer era:

“Tem que ser forte.” e “Isto não é o fim.”. Inês irritava-se com tais afirmações. Apesar

de ser bem visível que era uma mulher a sofrer de cancro, a única coisa que não

precisava era que lho lembrassem a cada cinco minutos. Como se não bastasse, as

sessões tinham-se tornado mais frequentes e, psicologicamente, mais dolorosas.

Levantou-se e dirigiu-se à porta de saída.

Texto f) - Aluno 1

Entrou no carro e foi para o hospital. Quando lá chegou, foi o mesmo cenário de

sempre, as pessoas olhavam para ela como quem sentia pena e Inês ouvia todos os

comentários que odiava ouvir. Sentou-se à espera; entrou, sempre com um ar triste; fez

o tratamento e voltou para casa, sem dizer nada.

Exausta e amargurada, Inês refugiou-se no sofá; Jorge sentou-se ao lado dela e

começaram a falar.

– Sabes que amanhã fazes anos, não sabes? – perguntou Jorge.

– Sim, sei. E amanhã vou ter de contar-lhe… A família e os amigos mais

chegados já sabiam da doença, mas Inês ainda não tinha conseguido contar à Joana, sua

amiga de infância… De cada vez que agarrava no telefone e pensava ter coragem para

lho dizer, algo a impedia. Tantos segredos tinham partilhado, tantas aventuras tinham

passado e, agora, com os quilómetros a separá-las, mantinha em segredo esta sua luta,

como se a distância pudesse justificar o seu silêncio.

– E estás preparada?

– Tem de ser, não posso esconder isto para sempre…

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Ficaram os dois a ver televisão; ainda o jornalista não tinha começado a

apresentar as notícias, quando Jorge se dirigiu à cozinha para preparar o prato preferido

de Inês. Mesmo assim, quando chegou a hora de irem jantar, Inês, como sempre, não

mostrou vontade de comer. Sentou-se, finalmente, já na cozinha, com um risoto de

camarão à sua frente; mas parecia que o apetite teimava em não marcar presença…

Jorge levantou-se, foi buscar o pequeno caderno onde Inês tinha escrito várias receitas,

pouco tempo depois de se terem conhecido.

Como adorava fazer doces, leu várias receitas do caderno, saboreando ao mesmo

tempo a letra, ora regular, ora acelerada de Inês, e escolheram os bolos que iriam

constar da mesa da festa. Pela primeira vez, distraída ao ver Jorge fazer todos aqueles

doces, Inês comeu um pouco do seu jantar, arrumou a mesa e foi ajudar, embora de

forma intermitente, na confeção dos doces. Ela sentia-se mais leve, com vontade de

fazer aquilo que fizera antes com tanta naturalidade, parecia que a sua energia tinha sido

reforçada.

No dia seguinte, para espanto de Jorge, ela levantou-se cedo, Depois de ter

tomado o seu pequeno-almoço, Inês começava a fazer alguns preparativos para receber

os convidados.

– Veste-te, porque vou levar-te a um sítio. – disse Jorge.

– Onde?

– Vou levar-te a casa de uma amiga minha que te vai maquilhar e pôr bonita

para a festa.

– Mas não há tempo, tenho coisas para preparar!

– Eu faço o resto, agora vamos.

Ele levou-a a casa da Sónia que, com muita sensibilidade, tratou de ajudar a

namorada do seu amigo.

Entretanto, Jorge começou a receber os convidados. Na verdade, aquela iria ser

uma festa maior do que Inês supunha, pois ele convidara outras pessoas, queridas de

ambos, sem que ela soubesse. Estas não tinham constado da lista conjunta de

convidados, pois Inês tinha mostrado, à partida, que não queria sobrecarregar Jorge com

muito trabalho, uma vez que ele não poderia contar com a sua ajuda.

Foi buscá-la e, quando chegaram, todos gritaram: “Surpresa!”. Inês ficou feliz

ao ver todas aquelas pessoas em sua casa. O lenço na cabeça, acessório que despoletou

outras curiosidades, levou a que a conversa caminhasse no sentido da doença e ela

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explicou o tipo de tratamento que estava a fazer. Mas os convidados fizeram com que

Inês se esquecesse destes problemas e ajudaram-na a divertir-se.

Quando já só estavam eles os dois em casa, Jorge foi buscar uma caixa

embrulhada num bonito papel de embrulho com um grande laço. Ela ficou a olhar para

o namorado com a prenda nas mãos e abriu-a devagar. Quando viu o que estava lá

dentro, os seus olhos embaciados foram mais uma vez na sua direção. Jorge também

ficou emocionado quando ela pôs a bonita peruca que ele tinha comprado.

– Estás linda!- disse.

Inês corou e sorriu…

Texto g) - Aluno 2

Jorge passava os dias a ver Inês triste e desanimada, zangada com a vida, ela

tinha cancro e ela própria tinha dificuldade em acreditar nisso, apesar de já se ir

conformando. Jorge aproveitara o dia de aniversário para lhe fazer uma surpresa que foi,

no mínimo, gigante.

Além de lhe ter preparado uma festa surpresa, tinha pesquisado na internet para

ter mais conhecimentos. Durante dias seguidos, tinha consultado com Inês o site da Liga

Portuguesa contra o Cancro, quando estavam à procura de informação sobre as

diferentes formas de tratamento. Descobriu uma fundação estrangeira que também

visava ajudar pessoas com cancro: um projeto ousado chamou-o à atenção. Criaram

perucas muito originais (e até extravagantes) e, com elas, foram fotografadas pessoas

que, à custa da doença, tinham perdido o seu cabelo. Deste modo, podiam combater a

doença também no campo das emoções, para proporcionar um maior bem-estar aos

pacientes. O facto de se sentirem bem consigo mesmos ajudaria ao sucesso do

tratamento. Não só o sofrimento físico, mas também o emocional, pode provocar efeitos

colaterais, aspetos que o projeto da “Mimi Fondation” pretendia reduzir. Jorge

contactou esta fundação, porque era mesmo o que Inês precisava, já que ela adorava o

seu longo cabelo loiro.

Depois de ter planeado a festa, Jorge tinha querido ir mais além e comprara-lhe

uma peruca.

Ao ver aquele gesto por parte do namorado, Inês deu-lhe um abraço muito forte

e as lágrimas caíram dos seus olhos, mas, desta vez, não era pelo drama que vivia, mas

sim, pelo gesto atencioso de Jorge. Inês estava impressionada e só conseguia repetir:

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– Obrigada, Jorge! Obrigada!

– Inês, estamos os dois juntos nisto. Eu vou fazer tudo o que eu puder para que

sejamos sempre felizes e para te ver acordar todos os dias com o teu lindo sorriso –

disse Jorge, comovido.

Depois deste ato de Jorge, Inês olhou para a caixa vazia e viu um envelope.

Abriu-o e leu um cartão ilustrado com imagens de pessoas que estavam a sorrir.

Sorriam, como se nada lhes tivesse acontecido, apesar de terem cancro. Junto a estas

imagens, lia-se uma frase dirigida a Inês; perguntavam-lhe se aceitava participar no

próximo projeto que iria ser lançado em Portugal.

– Isto é mesmo verdade? – perguntou Inês, com uma expressão de felicidade que

Jorge já não via há muito.

– Sim é. E que achas desta ideia? Vamos juntar-nos a eles? – perguntou ele.

– SIM! – respondeu Inês.

Então, Inês quis saber onde estava a máquina fotográfica.

– No quarto. – respondeu-lhe Jorge. – Vou buscá-la, queres?

Assim que regressou à sala, sentou-se ao pé dela e disse:

– Sorri!

Passaram grande parte da noite a tirar fotos, como se a presença artificial do

cabelo tivesse eliminado definitivamente a doença. Inês tinha voltado a ser “ela

própria”, pois não pensava nos seus problemas e Jorge não podia estar mais contente.

Já era tarde e estavam os dois muito cansados, foram para o quarto, deixando a

sala e a cozinha por arrumar. Inês disse a Jorge:

– Obrigado por tudo o que fazes por mim, por todas as palavras de apoio que me

dás, por todos os gestos mas, acima de tudo, por estares sempre ao meu lado e por

nunca me teres deixado ir abaixo.

– No início do nosso namoro, lembras-te?... Nós estávamos sempre a dizer que a

nossa relação ia ser para sempre e que faríamos tudo um pelo outro. Aqui está a prova

disso: nunca vou desistir de ti; vou estar aqui para tudo o que acontecer, fazes-me muito

feliz, Amor! – recordou Jorge.

Inês deu-lhe um beijo e, pouco depois, adormeceu. Jorge ficou acordado e,

depois de refletir sobre as emoções daquele dia, pensou que tinha valido a pena todo o

trabalho. Pensando no sorriso de Inês, reconheceu ser “ missão cumprida”.

Texto h) - Aluno 3

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No dia seguinte, era um novo dia; Inês e Jorge iam enviar as fotos que tinham

tirado na noite anterior para a Fundação e assim poderem juntar-se ao projeto.

Jorge acordou-a e, como sempre, preparou-lhe o pequeno-almoço, apesar de

saber que ela não comeria muito; fê-lo pelo sorriso da sua amada que via o carinho

depositado naquele tabuleiro ao lado da cama.

Ambos estavam otimistas em relação às fotos para o projeto e dirigiram-se aos

Correios. Estacionaram o carro e entraram, com as fotos num envelope preparadas para

serem enviadas. Inês continuava a ser alvo de muitos olhares perscrutadores e palavras

que tentava ignorar; achava que toda aquela atenção era irritante, tal como os

comentários que eram ditos no hospital para a reconfortar.

Jorge já estava habituado a acalmar Inês, mas a fila dos Correios era extensa e

cada vez via mais olhares lançados na sua direção, olhares que, embora não maldosos,

eram, na sua perspetiva, despropositados.

Inês saiu dos Correios de cabeça baixa, com lágrimas nos olhos e a passo

corrido. Ela ouviu o nome dela ser gritado, quando já estava do lado de lá da porta. Era

Jorge que lhe pedia para esperar. Olhou para trás e ouviu o namorado, dirigindo-se a

todas as pessoas presentes:

– Vejam! Este envelope que tenho na minha mão contém fotos da mulher mais

forte e com o sorriso mais lindo deste mundo, e vocês?… Deviam ter vergonha de

conseguirem arrancar esse sorriso; no seu lugar, provocam estas lágrimas que percorrem

o seu rosto. É vergonhoso criticarem alguém, sem saberem o porquê da sua aparência…

Fiquem a saber que esta mulher está a atravessar a fase mais difícil da vida dela…

Inês correu para os braços de Jorge, abraçando-o com toda a força possível e

imaginária. No meio desse abraço, ouviu-se uma grande salva de palmas por parte das

pessoas que estavam presentes nos Correios e também alguns pedidos de desculpa.

Depois deste incidente, quando chegou à sua vez, Inês e Jorge entregaram o

envelope à funcionária, rezando para que as fotos fossem rapidamente recebidas.

Texto i) - Aluno 4

Passados uns dias, Inês recebeu um email, onde se lia o seguinte: "Boa tarde, nós

recebemos as suas fotografias para o nosso projeto de prevenção do cancro do colo do

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útero. Queríamos informá-la que estamos a organizar palestras por todas as escolas do

país para jovens dos 13 aos 16 anos, e gostaríamos de lhe perguntar se estaria disposta a

ir falar com estes alunos sobre esta doença e a sua prevenção.”

Inês leu rapidamente as restantes frases da mensagem, pois tinha ficado radiante

com a ideia. Depois de falar com Jorge que, de imediato, a apoiou, respondeu, dizendo

que aceitava. Ela, que sempre tinha gostado de comunicar, o que aliás lhe valia grandes

elogios na empresa, mal podia esperar por participar numa palestra.

Ao longo dos dias seguintes, Inês preparou com pormenor o seu discurso. Ela

andava mais feliz, sentia que poderia ser útil e que poderia ajudar a que outras pessoas

não tivessem de passar por aquilo que estava a viver; até o apetite parecia ter voltado e

Jorge estava muito feliz por vê-la assim.

Quando chegou o dia da tão esperada palestra, Jorge levou-a até à escola onde

Inês foi recebida pelos professores da equipa de Educação para a Saúde. Mal entrou no

átrio, Inês viu adolescentes por todo o lado, o que a fez relembrar os anos ainda não

muito distantes dos seus tempos de escola.

Um dos auxiliares levou-a até ao auditório, onde já se encontravam uma

ginecologista e uma enfermeira, que também iriam dinamizar aquela sessão informativa.

Quando o toque de entrada soou, a porta abriu-se e entraram vários alunos e professores.

Depois de todos sentados e bem acomodados nos seus lugares, a médica deu as boas

vindas, procedendo às apresentações.

A primeira intervenção foi a da médica que falou sobre o diagnóstico e como era

realizado o tratamento da doença. Os alunos ficaram boquiabertos quando ficaram a

saber que, na Europa, são anualmente diagnosticados cerca de 33500 cancros do colo do

útero e 15000 mulheres morrem devido a esta doença, o que equivale a 40 mulheres por

dia e duas mulheres por hora... Por este motivo, sensibilizou os estudantes para não

descuidarem a prevenção. A enfermeira tomou a palavra e referiu formas de prevenção

deste tipo de cancro. Na apresentação em power point, podiam ler-se os benefícios da

vacinação e também a importância de se adotarem comportamentos responsáveis, como

adiar a idade da primeira relação sexual, reduzir o número de parceiros e usar

preservativo.

Chegou a vez de Inês. Primeiro, olhou para Jorge que estava também a assistir,

ganhou forças e começou a falar.

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– Olá, eu sou a Inês, como já tinha referido a Dra. Marta… Sou portadora do

vírus do colo do útero. Vou contar-vos como tudo aconteceu desde o início. – disse.

Respirou fundo, e continuou.

– Quando soube que tinha cancro, fiquei abalada, não sabia como reagir, fiquei

triste, pois não sabia o que tinha feito para ter esta doença tão grave. Estava também

com muito medo.

Mas, ao longo deste tempo, deixei de ter receio, pois vi que tinha pessoas ao

meu lado que me amam e apoiam, pessoas que me orgulho de conhecer e que nunca me

deixam baixar os braços. Demonstraram-me, desde o início, que não vale a pena

desistir, dos nossos sonhos ou da nossa carreira, mesmo que um problema destes se

atrevesse no nosso caminho.

Precisamos de muita coragem para conseguir ultrapassar este problema. E sabem

de onde me vem esta força toda? Da minha mãe que, durante a doença que teve,

continuou uma mulher forte e teimosa, muito teimosa – disse, dando uma breve risada.

Lembro-me das suas palavras:

"Sê feliz, luta pelos teus sonhos e ultrapassa todos os obstáculos, mesmo que

sejam difíceis, e lembra-te sempre que tenho muito orgulho em ti".

Uma lágrima caiu pelo seu rosto. Inês acabou o discurso, respondendo a algumas

questões dos alunos, que estavam curiosos sobre a forma como ela enfrentava aqueles

tratamentos, se eram muito dolorosos, como era sentir todos aqueles olhares na rua…

No final da palestra, todos os alunos se levantaram e aplaudiram Inês.

Texto j) - Aluno 5

Jorge já tinha ido para casa fazer o jantar quando Inês saiu do auditório, depois

de ter ficado ainda a responder às últimas perguntas.

Quando tinha chegado ao grande átrio, onde se encontrava a maior parte dos

alunos, sentira-se agitada. “Passei muito tempo a esconder-me.”, pensara então consigo

própria. Parou, olhou para a mão onde estava o anel de noivado que Jorge lhe tinha dado

recentemente e, arranjando força, levou a mão à cabeça, retirou a peruca e atravessou o

átrio como que desfilando, sorrindo interiormente.

Os olhares eram esperados, mas estes olhares revelaram-se diferentes. Não

foram olhares de pena ou preocupação: os estudantes tinham olhado para ela como um

filho olha para um pai, como um herói, como alguém que é admirado, como alguém que

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sabe aquilo que quer, e não tem medo de o admitir, como alguém que diz “Eu tenho

cancro, e então?”.

Ligou o pequeno seat cinzento de forma maquinal; os seus pensamentos

absorviam-na inteiramente, estava satisfeita por tido coragem para se expor e,

sobretudo, por ter participado naquela iniciativa de prevenção do cancro do colo do

útero. Notara que as raparigas tinham estado muito atentas durante toda a sessão.

O carro estava numa verdadeira desarrumação e Inês nem tinha reparado; aliás,

ela não reparara em nada nos últimos meses. Aquela tarde tinha feito com que Inês

acordasse, tinha sido uma lufada de ar fresco, uma “chapada” de sanidade.

Chegou a casa e sentiu o cheiro a arroz de pato e, como no tempo em que Inês e

Jorge tinham começado a viver juntos, atravessou a cozinha e deu-lhe um longo beijo,

cheio de amor e paixão.

– Não posso dizer que não gostei – disse Jorge, sorrindo. – Mas queres explicar-

me o que se passou para teres tirado a peruca? – perguntou, agarrando Inês pela cintura

e dando-lhe pequenos beijos na testa.

– Nada. Tudo.

Nem a própria sabia.

– Amo-te.

– E eu a ti, flor.

“Flor.” pensou Inês, deliciando-se com o momento e deixando a palavra invadir

o seu estado de espírito. “Flor.”

No dia seguinte, Inês levantou-se cedo, fez o pequeno-almoço a Jorge porque

este tinha que ir trabalhar, sentou-se no sofá, com o computador quentinho em cima das

pernas e procurou na internet algo que poderia fazer para se manter ocupada. Ainda não

eram oito horas quando Jorge se levantou, comeu, deu um beijo na cabeça despida de

Inês e saiu.

Depois de descartar todas as opções, desde aulas de culinária a clube de tricô,

Inês decidiu criar um blogue. O dia anterior tinha sabido tão bem e ela queria que o

estado de espírito não desvanecesse.

Começou por se apresentar: “Olá, eu sou a Inês, tenho 27; aliás, fiz 28 na

semana passada e foi-me diagnosticado um cancro...” Inês sentia que não era assim que

se devia apresentar, apagou tudo e escreveu apenas “Olá, sou a Inês, tenho 28 anos e

tenho cancro.” E começou por redigir um pequeno texto, como que um diário, contando

como tinha corrido o dia anterior e como se sentira.

15

Nos dias seguintes, Inês passava o tempo todo no computador a escrever para os

seus leitores. No espaço de uma semana, já tinha cinquenta e seis leitores diários e

ficara extremamente surpreendida porque algumas das raparigas que visitavam o seu

blogue eram adolescentes, tinham à volta de 16 anos e algumas ainda menos. Então,

Inês decidiu escrever um texto dedicado ao seu público mais jovem.

Sei que a ideia te atormenta, mas se estiveres bem protegida, tens menos

probabilidades de contraíres a doença. Se pudesse voltar atrás, claro que mudaria

muita coisa, protegia-me, mas sabes como dizem, “Se a vida te der limões, faz

limonada.” e é isso que eu quero fazer.

Eu quero contribuir para que ninguém tenha que se sentir como eu me senti, não

quero que nenhuma mulher tenha que passar por aquilo que eu passei e é por isso que

estou aqui, para te dar alguns conselhos.

Como estás na puberdade, o desejo sexual é uma coisa normal e começam a

surgir os primeiros envolvimentos amorosos. Vai com calma, não te entregues a quem

não te merece e protege-te. Contribui para a tua felicidade, correndo menos riscos!

Inês pensou também como a sua vida poderia ser diferente se tivesse tido acesso

à vacinação. Tinha lido nas suas pesquisas que, com a vacina, haveria uma proteção

muito eficaz contra os dois tipos mais comuns de HPV, responsáveis por cerca de dois

terços dos cancros do colo do útero. Quis então lembrar as suas leitoras mais jovens que

a vacinação impede que ocorra infeção. Se for administrada antes do início da atividade

sexual, vai proporcionar a proteção máxima. Alertou que, se a mulher já for

sexualmente ativa, os benefícios da vacina podem ser menores, pois poderá já ter sido

infetada.

“Mesmo que tenhas sido vacinada, é importante que faças o rastreio do colo do

útero com regularidade.” – recomendou Inês.

E continuou por mais três parágrafos, escritos com a máxima inspiração e

persuasão possível.

No dia seguinte, Inês acordou de manhã, atualizou o blogue com algumas

fotografias suas e de Jorge e foi para a sessão de quimioterapia. Aquela sessão tinha

sido mais dolorosa, porque era a primeira vez que tinha ido sem Jorge e, claramente,

sentia a sua falta.

Inês fez palavras cruzadas durante as duas horas de sessão e saiu do hospital. O

médico responsável tinha avisado que, nesta fase, Inês poderia ter recaídas e, se

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apresentasse algum sintoma, tinha que se dirigir o mais rapidamente possível ao

hospital.

Estacionou o carro na rua atrás de casa e entrou pela porta das traseiras.

– Então, como correu? – questionou Jorge, curioso.

Mas Inês já não o ouviu; como que adormecendo, perdeu a força nas pernas e

escorregou no chão frio da cozinha, deixando cair o telemóvel que se encontrava numa

mão e as fotos dela e de Jorge, da outra.

Acordou no IPO, no dia seguinte, com a voz doce de Jorge a aconchegá-la, viu-

lhe uma lágrima no canto do olho e soube o que tinha acontecido.

– É assim tão mau?- perguntou, a medo.

Texto k) - Aluno 1

– Não, está tudo bem; tiveste uma pequena recaída…está tudo bem. –

reconfortou-a Jorge, tentando não mostrar que era pior do que isso.

– O que é que os médicos disseram?

– Tens de ficar no hospital mais uns tempos, mas acredita que vai tudo correr

bem. – respondeu, dando-lhe um beijo na testa.

Antes de Inês ter acordado, Jorge tinha estado a falar com um médico que lhe

revelou que ela teria provavelmente de ficar no hospital durantes uns meses e que não

poderia fazer esforços.

Já era tarde e Jorge estava a ficar com fome. Inês já tinha comido aquela comida

de hospital que ela dizia ser horrível e tinha acabado por adormecer. Jorge estava com

ela há horas, a vê-la dormir, a falar com ela, a dizer-lhe o quanto a amava, como se ela

estivesse a ouvir as suas palavras.

Por fim, ele acabou por ir embora. Quando chegou a casa, não comeu; deitou-se

simplesmente na cama e adormeceu a pensar no que tinha acontecido… Agora que tudo

começava, aparentemente, a voltar à normalidade possível; agora que parecia que Inês

estava a superar esse obstáculo imenso, acontecera aquilo…

No dia seguinte, Jorge acordou triste e, com pouco entusiasmo, foi para o

trabalho, mal conseguiu concentrar-se, sempre a pensar na noiva. Na sua hora de

almoço, decidiu ir visitá-la. Quando se aproximou dela, ainda estava a dormir. Um

médico entrou no quarto e Jorge, sem hesitar, interpelou-o:

– Ela está bem? – perguntou, com medo da resposta.

17

– Sim, acordou perto da hora de almoço e acabou por adormecer novamente. –

afirmou o médico.

– E ela comeu?

– Não sei, mas ela recebeu uma visita de uma rapariga, Joana, acho que era esse

o seu nome.

– Muito bem, obrigado. – respondeu Jorge, olhando para Inês.

Joana telefonara-lhe, uns dias antes, para saber do estado de saúde da sua amiga

e tinha ficado desolada ao saber que ela estava internada.

Não ficou lá muito mais tempo, mas ficou descansado por saber que Joana tinha

conseguido deslocar-se para estar com ela. Sim, o médico dissera “Joana”; só poderia

ter sido uma visita da amiga de infância.

Vários dias passaram e tudo continuava na mesma.

Um dia, Inês pediu a Jorge que lhe levasse o portátil para continuar a escrever no

seu blogue, assim foi… Todos os dias, ela atualizava-o, mas essa tarefa não estava a

resultar como dantes, surgia sempre algo que a fazia sentir pior, cada vez ficava mais

deprimida.

Alguns raios de luz brilhavam sempre que tinha notícias daqueles alunos que a

tinham recebido tão bem naquela manhã especial. Ficou muito satisfeita quando soube

que um grupo de alunos dessa mesma escola estava a participar no Peditório Nacional

da Liga Portuguesa Contra o Cancro. Eles contavam-lhe que já tinham recebido os

cofres disponibilizados pela Coordenadora do Núcleo Concelhio da AMI na sua escola

e que estavam verdadeiramente entusiasmados por poderem contribuir com este gesto

solidário, ao seu alcance.

Por vezes, também se sentia mais útil quando respondia a questões que lhe

colocavam. Perguntavam-lhe se sabia pormenores sobre a idade mais indicada para a

vacinação. Inês tinha lido num folheto da Ecca “European Cervical Cancer Association”

que, em Portugal, se recomendava que a vacinação deveria ter lugar entre os 11 e os 13

anos de idade, podendo verificar-se outras idades alternativas de acordo com indicação

médica.

Quando Jorge a ia visitar, na hora de almoço e no fim do trabalho, animava-se

um pouco mais…

Texto l) - Aluno 2

18

Inês sentia-se cansada e desanimada, pois estava no hospital e ali não podia fazer

“grande coisa”, como ela repetia. Jorge ia visitá-la sempre que podia e havia dias em

que passava horas infindáveis junto da sua namorada, instalado nas desconfortáveis

cadeiras onde se costumava sentar.

Joana, a grande amiga, ligou-lhe, perguntando como estava Inês, pois já tinham

passado umas semanas desde a última visita.

– É sempre uma situação difícil ter de ficar no IPO, mas Inês é persistente e, nos

melhores dias, mostra-se forte. – revelou Jorge.

– Eu vou visitá-la novamente amanhã e, como te disse, agora estou a fazer

voluntariado na Liga Portuguesa contra o Cancro. Penso que Inês irá ficar contente por

saber isso.

Esta causa era agora a de Joana. À sua volta, mostrava-se incansável, fazia o que

podia para ajudar na prevenção contra o cancro. Aconselhara os seus familiares a

contribuírem de uma forma muito simples, bastava que eles autorizassem que 0,5% do

seu IRS revertesse para a Liga. Com atitudes solidárias deste tipo, que ia incentivando

também no seu local de trabalho, ela sabia estar a contribuir para o desenvolvimento de

ações verdadeiramente importantes no combate à doença, como programas de educação

para a saúde, o diagnóstico precoce do cancro, o apoio ao doente oncológico e também

a investigação científica nesta área.

Jorge considerou ser uma excelente ideia a visita da Joana, porque, como era

quinta-feira, apenas podia ir vê-la ao fim do dia.

Joana era seguidora de Inês no seu recém-criado blogue e, ao ver a sua última

publicação, tinha ficado um pouco surpreendida e simultaneamente emocionada. Estava

a percorrer os favoritos quando vira, no blogue de Inês, um texto em que esta dizia:

Este hospital tornou-se a minha casa; todos os dias, a mesma rotina: as

enfermeiras e os médicos agora já são como amigos de longa data, pois estão comigo

todo o dia.

A minha companheira de quarto é como uma irmã: com ela, partilho alguns dos

meus problemas, porque também está com a mesma doença. Isso, por vezes, ajuda-nos

muito, porque entendemos a nossa revolta. Custa muito todo este sofrimento, não poder

mexer-me todos os dias, fazer exames e, acima de tudo, ver a vida de Jorge

condicionada por minha culpa… Ao mesmo tempo, dá-me imenso prazer tê-lo comigo e

saber que posso contar com ele, pois está presente sempre que pode. Mas ao vê-lo ir

embora, quando fico sozinha, isso torna o meu sofrimento ainda maior, apesar de saber

19

que ele vai voltar… Como estarei eu quando ele regressar amanhã? Até quando? É

esta a questão que todos os dias me atormenta.

Esta tem sido a minha vida nos últimos dias.

Ao acabar de ler este testemunho sentido, Joana foi invadida por uma

melancolia. Então, não pensou duas vezes e decidiu mesmo que tinha de ir ter com a

amiga de longa data que sempre a tinha ajudado antes e que lhe passara

incansavelmente, durante várias semanas, os apontamentos, quando Joana teve de faltar

à escola, por ter sido operada.

No dia seguinte, antes de ir para o trabalho, Jorge ainda passou pelo IPO; o

mesmo aconteceu na sua hora de almoço e Inês teve um bom início de dia, pois viu

Jorge pela manhã. Já estava contente e ainda não imaginava como iria ser a sua tarde.

Poucos minutos passavam das duas horas da tarde, quando Joana apareceu no

quarto de Inês. Esta ficou muito feliz, pois não estava à espera da visita da amiga a meio

da semana. Estavam à conversa e foi então que Inês se lembrou que, como tinha feito

exames de manhã, poderia ir dar uma volta pelo hospital ou mesmo ao jardim.

Inês falou com o médico e lá foram as duas passear. Joana contou-lhe que tinha

lido o seu mais recente texto publicado no blogue e confessou-lhe ter ficado

emocionada.

– Foi como um libertar de tudo: sabes, chegou aquele momento em que tive de

expressar o que estava a sentir… Sou bem tratada por todas as pessoas no hospital, mas

estar aqui todos os dias custa imenso e foi o acumular de tantas frustrações. – revelou

Inês.

– Sabes que tens o Jorge que faz tudo, tudo por ti e que vem aqui para te animar,

mas não é a única pessoa a gostar muito de ti. Tens a prova disso pelas pessoas que

estiveram no teu aniversário e tens aqui a tua amiga para tudo!

Soltaram gargalhadas pela expressão que Joana fez ao dizer isto. Na verdade,

estavam animadas.

– Tenho uma coisa para te contar, Inês.

– E o que é?

– Como sei o que estás a passar por causa da doença, agora resolvi fazer

voluntariado para a Liga Portuguesa contra o Cancro. Assim, posso estar a ajudar-te,

mesmo quando não estou contigo.

Inês não sabia bem o que dizer, pois ficou comovida com a atitude da amiga.

As duas circularam pelo IPO, até que saíram até ao jardim enorme.

20

– Sem dúvida que aqui é muito mais bonito do que lá dentro e já sentia a falta de

estar assim a falar sem pensar nos problemas. – exclamou Inês, ligeiramente revigorada.

– As amigas servem para isso, para ajudarem sempre que é preciso. Miúda, tens

de te animar! – ordenou Joana, num tom alegre.

Voltaram para o quarto e, quando olharam para o relógio, já estava quase na

hora de Jorge sair do trabalho. Joana dirigiu-se até ao carro e regressou, quase de

imediato, com uma caixa e a máquina fotográfica, exclamando:

– Temos de tirar umas fotografias, porque assim que saíres daqui e olhares para

elas vais-te lembrar do quão forte és, pois, com a tua força, podes ultrapassar qualquer

obstáculo!

Sempre muito divertidas a fazerem caras engraçadas para a objetiva e a rirem-se,

tiraram inúmeras fotografias que ficariam como recordação destes momentos únicos. A

companheira de quarto observava a ruidosa alegria que transbordava e ultrapassava as

paredes daquele quarto. Inês prometeu que iria colocar algumas no seu blogue; seria,

depois da descrição da tempestade das emoções, a expressão da bonança das sensações.

Joana tinha de ir embora, mas antes ainda lhe entregou um grande embrulho e

disse-lhe:

– Abre isto apenas quando o Jorge chegar; quero que vejam o que está no seu

interior quando estiverem juntos.

Além das prendas que Joana já lhe tinha oferecido (pois sabia que Inês adorava

ir às compras), ainda lhe deixou aquela caixa enorme.

Já estava na hora de jantar quando se despediram e Joana deixou a amiga. Assim

que cruzou a receção, encontrou-se com Jorge que acabava de entrar. Ficaram os dois a

falar sobre Inês e a amiga comunicou-lhe que ela estava animada. Tinha sido uma tarde

muito bem passada, que servira também para matar saudades dos bons velhos tempos

despreocupados. Ao ver as fotografias, Jorge sorriu e agradeceu-lhe por ter ficado uma

tarde inteira a acompanhar Inês.

Joana estava mesmo de saída, mas antes disso revelou a Jorge que tinha deixado

uma prenda para os dois e que Inês estava à espera dele para a abrir.

Jorge subiu as escadas, bateu à porta e entrou…

Texto m) - Aluno 3

21

Viu Inês com um enorme sorriso devido à tarde que tinha passado com a sua

grande amiga.

Sorriu-lhe de volta, deu-lhe um abraço forte e um beijo delicado. Com muita

curiosidade, perguntou-lhe:

– Meu amor, que prenda é essa que a Joana queria que fosse aberta na presença

dos dois?

– Não sei, coração, mas vamos já descobrir! – disse-lhe, com um sorriso ainda

maior que a sua curiosidade.

Quando abriram a prenda, viram que o embrulho era enorme, mas era só para

enganar pois, no meio de tanto jornal, o que eles encontraram foi um envelope com uma

mensagem de Joana e um cheque com um valor muito elevado.

Ainda surpreendidos com aquele valor, leram o texto:

Como devem ter reparado, a minha prenda para vocês é este cheque. Quero que o aceitem e

que tornem o vosso sonho uma realidade: o vosso casamento. Assim, espero que, com este dinheiro, o

possam fazer. Peço apenas que me convidem para ser vossa madrinha (claro!...) e que não continuem a

adiar a data da cerimónia.

Um grande beijinho para os noivos e um especial para a noiva!

Quando o casal leu tal mensagem, ficou muito comovido, mas cheio de dúvidas.

Aceitariam o dinheiro que a Joana lhes tinha proporcionado? Jorge, com as lágrimas a

escorrerem-lhe pelo rosto, mas com um enorme sorriso em simultâneo, perguntou a

Inês:

– Que fazemos, meu amor? O que mais quero é casar contigo mas … mas não

sei se me sentiria bem, sabendo que é com o dinheiro da Joana.

– Tens razão, querido, mas também tens noção que, se não aceitarmos, Joana

ficará desiludida.

– Então, aceitamos. Não sabemos quando voltamos a ter esta “oportunidade” e

sei que vamos tirar o melhor proveito do dinheiro.

Inês concordou e ambos ficaram a conversar durante horas, preparando e

imaginando mil e uma coisas para a cerimónia. Jorge estava para ir embora e, ao colocar

a caixa do presente no lixo, viu que não estava vazia: no fundo, havia um álbum de

fotografias novo. Quando o viram, perceberam logo que lhe iriam dar um grande uso!

Nos dias que se passaram, Inês e Jorge estavam sempre muito ocupados. Mesmo

estando Inês no hospital, fizeram os preparativos de forma serena, ao seu ritmo, e até se

22

teriam esquecido que estavam no hospital, se não fosse o desconforto e o cansaço que

ela sentia. Inês, apesar de todo aquele trabalho, atualizava sempre o seu blogue

“Partilhar e Vencer” e agora também completava o seu novo álbum com as fotos que

Jorge mandara revelar.

Mais dias se passaram; faltavam poucas horas para a grande cerimónia.

Texto n) - Aluno 4

Inês estava ansiosa, estava agora a vestir o seu vestido no quarto do hospital.

Joana ajudou-a a preparar-se, pois era um pouco difícil vestir-se. O vestido era branco,

pouco decotado. A parte de cima era um pouco justa e a saia larga que caía no chão

tinha lantejoulas prateadas; nada de muito exuberante, pois Inês sempre gostara de

coisas simples e discretas, mesmo tratando-se de um vestido de noiva.

Joana ajeitou-lhe a peruca de cabelos loiros encaracolados. Também a

maquilhou de uma forma subtil. Tinha um pouco de sombra branca com brilhantes

prateados e o gloss transparente dava algum brilho aos lábios.

A jovem pegou no seu bouquet de rosas brancas e olhou-se ao pequeno espelho

que Joana tinha trazido.

– Estás linda, Inês! Quando Jorge te vir, até vai cair para ao lado. Acho que és a

noiva mais bonita que vi até hoje. – exclamou Joana, num tom sincero.

– Obrigada por tudo o que fizeste por mim e pelo Jorge. Sem ti, nada disto seria

possível.

– Não é bem assim… Eu vou corrigir: sem o vosso amor, é que isto não era

possível!

– Sim, eu sei – disse, com um sorriso de orelha a orelha.

De repente, ouviu-se alguém a bater a porta. Inês respondeu que podia entrar: era

o seu pai já vestido de fato e gravata. Foi até junto dela e abraçou-a, estava muito

contente pelo facto de a levar ao altar; sempre sonhara com isso.

– Estás linda, minha filha! Pareces a tua mãe quando nos casámos, ela ficaria

orgulhosa de ti, tu eras o seu “mais que tudo”.

– Obrigada, pai! Gostava muito que a mãe estivesse presente, mas

infelizmente…

23

– Ela vai estar a ver-nos lá em cima e aposto que está a chorar de orgulho. –

interrompeu o pai.

Inês sorriu sem saber o que dizer.

– Então, já estão prontos? Está na hora – disse Joana.

– Sim, vamos.

Joana e o pai de Inês apoiaram-na até chegar ao refeitório que estava agora

decorado. Tinha luzes brancas nas paredes; as mesas tinham sido cobertas com toalhas

alvas; algumas flores radiosas no centro junto aos nomes dos convidados. Um tapete

vermelho com pétalas de rosa estendia-se até ao pequeno altar montado.

Jorge encontrava-se ao lado, perto do padre. O pai de Inês acompanhou-a e a

cerimónia religiosa decorreu lindamente; ambos estavam felizes. Depois, foram todos

sentar-se nos seus lugares à mesa, já os empregados começavam a distribuir aperitivos.

– Obrigada por estares ao meu lado e por me teres feito tão feliz nestes últimos

anos. Amo-te tanto. – declarou Inês. Os seus olhos brilhavam de alegria.

– Não tens de agradecer; faço isto, porque és a mulher da minha vida.

Deram um pequeno beijo e toda a gente bateu palmas, o que provocou um

pequeno riso a Inês. Durante o resto da noite, comeram, dançaram e tiraram bastantes

fotografias. Ao final da noite, exausta, Inês teve de regressar ao seu quarto. Jorge

ajudou-a a despir-se e a deitar-se na cama.

– Tenho tanta pena que vás embora...

– Eu fico aqui. Os médicos deixaram-me, porque hoje é um dia especial.

Inês sorriu e ele beijou-a. Ficaram durante algum tempo a falar das emoções

daquele dia até ela cair nos seus sonhos profundos.

Texto o) – Aluno 5

Ontem, foi o dia mais feliz da minha vida. Apesar das enormes dores que tenho

neste momento e de saber que não posso fazer mais nada, se partir, parto feliz,

descansada, pois sei que fiz tudo o que podia ser feito e tive pessoas que me apoiaram

sempre, devo-lhes tudo.

Espero que isto não seja uma despedida, mas tenho consciência da minha

situação. Nunca desistam daquilo em que acreditam, não temam o medo. Todos temos o

direito de o sentir, somos humanos. A minha vida deu uma reviravolta, mas nestes

últimos meses, passei alguns dos melhores momentos da minha vida.

24

Obrigada por tudo. Jorge, Joana, pai, eu amo-vos! Obrigada por não desistirem

de mim, nunca. Espero que gravem esta mensagem no vosso coração e que permaneça

assim, até ao fim, para sempre.

Inês (blogue “Partilhar e Vencer” - 14/12/13)

*

– Não há mesmo mais nada que se possa fazer? – perguntou Jorge, desesperado.

– Os resultados sugerem que… talvez… pelo menos, tire uns dias nos próximos

tempos para estar com ela no fim. Não há mais nada que possamos fazer, tentámos tudo.

– disse a Dra. Sara, com lágrimas nos olhos; tinha vindo de propósito de um congresso

em Paris para estar com Inês.

– Quanto tempo?

– Não o suficiente.

Jorge entrou no quarto de Inês, forçando um sorriso. Esta esforçou-se, também,

para disfarçar as incríveis dores que a atormentavam.

– Quanto tempo? – perguntou Inês.

– … algum.

Inês sorriu, tranquila.

– Jorge, tenho sono.

Jorge desfez-se em lágrimas.

– Foi tudo tão depressa! – desabafou, entre soluços.

– Calma. – disse Inês, abraçando Jorge – Isto não é o fim, tens tanto para viver!

– Mas não contigo.

Ficaram abraçados durante algum tempo.

– Jorge, tenho sono. – repetiu Inês.

– Já é tarde, dorme, meu amor.

– Boa noite, amo-te.

– Eu amo-te mais!

Ficaram de mãos dadas a noite toda. Já os primeiros raios de luz atravessavam a

janela, quando Jorge acordou com um desagradável ruído parecido ao de uma

campainha, como aquele horrível som que a televisão fazia quando estava avariada.

25

Quando percebeu a que é que se devia aquele som, sentiu as pernas dormentes, o

estômago às voltas e um aperto enorme no coração. Saiu lentamente do quarto, tentando

acalmar-se.

*

Mais tarde, quando chegou à sala de espera e encarou os rostos de Joana e os do

resto da família de Inês, não aguentou. Caiu de joelhos, levou as mãos à cara, chorando

interminavelmente.

Tudo tinha acabado. Pelo menos para Inês. Todo o sofrimento, todas as

preocupações, todas as lágrimas.

*

Chovia torrencialmente naquele inverno de 2014.

Um homem com um sobretudo preto aproximou-se da campa de Inês, seguido de

uma mulher baixinha, com o cabelo pequeno e espetado, abrigada sob o pequeno

guarda-chuva, vestia uma camisa branca debaixo de um casaco de lã.

O jovem pousou um ramo de orquídeas. Na outra mão, trazia um álbum de

fotografias intitulado “O melhor da minha vida” e podia ver-se, na grande capa, uma

foto de Inês, Jorge e Joana no hospital, tirada em dezembro de 2013.

– Ela amava-te tanto. – disse Joana, limpando as lágrimas com o lenço.

– E eu a ela.

Jorge olhou para a aliança que trazia na mão esquerda, retirou-a e mostrou-lhe o

interior onde se podia ler “Para sempre tua, Inês”.

Ficaram parados durante o que pareceu muito tempo, de luto pela pessoa que

tinham perdido. Olharam para as três velas centrais da campa; no meio, um coração tão

grande como fora o seu, onde se podia ver uma fotografia dela a sorrir antes de tudo

aquilo ter acontecido, assim como alguns ramos de flores, do seu pai, família, amigos e

até de uma leitora do blogue de Inês que deixara um cartão onde se lia: “Obrigado pela

inspiração. És não só uma heroína como também uma amiga”. Gravado na pedra,

podiam ler-se, as últimas palavras escritas no seu blogue: até ao fim, para sempre. Inês.

Jorge ficou a falar um pouco com Inês, como se ela o pudesse ouvir. Joana

afastou-se, limpando as lágrimas e, enquanto se despediam, disse:

– Jorge, já sabes que conto contigo para a venda dos bilhetes…

26

O toque do telemóvel de Joana interrompeu-os. Do outro lado, perguntavam-lhe

se ela conseguia chegar a horas. Estava combinado que, naquele dia à tarde, iria

participar nos preparativos para o Concerto de Angariação de Fundos - «PARA QUE A

HISTÓRIA DE INÊS NÃO SE REPITA» - que ia realizar-se dali a duas semanas, no

âmbito da Semana Europeia da Prevenção do Cancro do Colo do Útero.

FIM