concurso de crimes
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CONCURSO DE CRIMES
SISTEMA DE APLICAÇÃO DE PENA: é possível que em uma mesma oportunidade ou em oportunidades diversas a pessoa cometa duas ou mais infrações, que estejam ligadas por varias circunstancias. Quando isso ocorre verifica-se o concurso de crimes (concursus dilictorum).
O concurso pode ocorrer entre crimes de qualquer espécie, comissivo ou omissivo, doloso ou culposo, consumado ou tentado, simples ou qualificado e ainda entre crimes e contravenções.
Logicamente, a pena para quem pratica mais de um crime deve ser maior do que quem comete um único delito.
O concurso de crimes dá origem ao concurso de penas. Varias teorias são utilizadas para explicar a aplicação da pena:
- Cumulo material: recomenda a soma das penas de cada um dos delitos componentes do crime. A critica existente é que a aritmética pode resultar em pena muito longa, desproporcionada com a gravidade dos delitos e desnecessária não atingindo a ressocialização.
- Cumulo jurídico: a pena a ser aplicada deve ser maior do que a cominada a cada um dos delitos, sem, no entanto, chegar a soma delas.
- Absorção: a pena do delito mais grave absorve a pena do delito menos grave, que deve ser desprezada.
- Exasperação: recomenda a aplicação da pena mais grave, aumentada de determinada quantidade em decorrência dos demais crimes.
O direito brasileiro adota somente dois desses sistemas: o do cúmulo material (concurso material e concurso formal impróprio) e o da exasperação (concurso formal próprio e crime continuado).
ESPÉCIE DE CONCURSOS:
CONCURSO MATERIAL: ocorre quando o agente, mais de uma conduta, pratica dois ou mais crimes, idênticos ou não. Há pluralidade de condutas e de crimes. Quando os crimes forem idênticos ocorre o concurso material homogêneo (dois homicídios) e quando os crimes forem diferentes, concurso material heterogêneo (estupro e homicídio).
A pluralidade de crimes pode ensejar vários processos, que gerarão várias sentenças. Constatada a conexão, serão julgados no mesmo processo.
Um exemplo deste concurso pode ocorrer quando o agente subtrai um automóvel, atropela um pedestre na fuga e apanha uma mulher com o fim de praticar a conjunção carnal violente. Haveria um concurso entre os crimes de furto, lesão corporal culposa e rapto. A pena final a ser imposta é a soma das que devem ser aplicadas a cada delito isoladamente.
Em caso de aplicação de penas diversas, as mais graves devem ser executadas primeiro.
CONCURSO FORMAL: ocorre quando o agente, praticando uma só conduta, comete dois ou mais crimes. Para haver concurso formal é necessária a existência de uma só conduta (ação ou omissão), embora ela possa desdobrar-se em vários atos, que são os segmentos em a conduta se divide.
O concurso formal pode ser:
a) Próprio (ou perfeito): quando a unidade de comportamento corresponder à unidade a unidade interna da vontade do agente, isto é, o agente deve querer realizar apenas um crime, obter um único resultado danoso. Não deve existir desígnio autônomo.
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b) Impróprio (ou imperfeito): o agente deseja a realização de mais de um crime, tem consciência e vontade em relação a cada um deles. Caracteriza-se pela unidade de ação e multiplicidade de determinação de vontade, com diversas individualizações. Os vários eventos, nesse caso, não são apenas um, perante a consciência e a vontade, embora sejam objetos de uma única ação.
Por isso, enquanto no concurso formal próprio adotou-se o sistema de exasperação da pena, pela unidade de desígnios, no concurso formal impróprio aplica-se o sistema do cúmulo material, como se fosse concurso material, diante da diversidade de intuitos do agente (art. 70, parágrafo 2º).
CRIME CONTINUADO
É uma ficção jurídica concebida por razoes de política criminal, que considera que os crimes subseqüentes devem ser tidos como continuação do primeiro, estabelecendo um tratamento unitário a uma pluralidade de atos delitivos, determinando uma forma especial de puni-los.
O crime continuado teve suas bases lançadas no século XIV, com a finalidade de permitir que os autores do terceiro furto pudessem escapar da pena de morte, posto que havia previsão de morte para condenados pelo terceiro furto.
Ocorre quando o agente, mediante mais de uma conduta pratica dois ou mais crimes da mesma espécie, devendo os subseqüentes, pelas condições de tempo, lugar, maneira de execução e outras semelhantes, ser havidos como continuação do primeiro.
São diversos ações, cada uma em si mesma criminosa, que a lei considera, por motivos de política criminal, como um crime único.
NATUREZA JURÍDICA: a questão a definir é se as várias condutas configuradoras do crime continuado constituem um único crime, ou constituem mais crimes.
Várias são as teorias que procuram dirimir a questão:
- Teoria da unidade real: para essa teoria, vários comportamentos lesivos do agente constituem efetivamente um crime único, uma vez que é elo de uma mesma corrente efetivamente um crime único, uma vez que são elos de uma mesma corrente e traduzem a unidade de intenção que se reflete na unidade de ação.
- Teoria da ficção jurídica: a unidade delitiva é uma criação da lei, pois na realidade existem vários delitos. Caso se tratasse de crime único, a pena deveria ser a mesma cominada para um só dos crimes concorrentes.
- Teoria da unidade jurídica ou mista: o crime continuado não é uma unidade real, mas também não é mera ficção real. A continuidade delitiva constitui figura própria, constituindo uma realidade jurídica e não uma ficção. Não se cogita de unidade ou pluralidade de delitos, mas de um terceiro crime, que é o crime de concurso, cuja unidade decorre da lei.
Nosso código adotou a teoria da ficção jurídica.
TEORIAS DO CRIME CONTINUADO.
a) Teoria subjetiva: destaca como caracterizador do crime continuado somente o elemento subjetivo, consistente na unidade de propósito ou de desígnio, desconsiderando os aspectos objetivos das diversas ações.
b) Teoria objetivo-subjetiva: além dos requisitos objetivos exige unidade de desígnios, isto é, uma programação inicial, com realização sucessiva, como por exemplo, o operário de uma fábrica que, desejando subtrair uma geladeira, o faz parceladamente, levando algumas peças de cada vez. Exige-se unidade de resolução criminosa e homogeneidade de modus operandi.
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c) Teoria Objetiva: apuram-se os elementos da continuidade delitiva objetivamente, independentemente do elemento subjetivo, isto é, da programação do agente. Despreza a unidade de desígnios ou unidade de resolução criminosa, como elemento caracterizador do crime continuado. É a teoria adotada pelo nosso código.
REQUISITOS DO CRIME CONTINUADO.
a) Pluralidade de condutas:
b) Pluralidade de crimes da mesma espécie: existe discussão sobre o que significa crime da mesma espécie. Alguns consideram somente aqueles previstos no mesmo tipo dispositivo legal. Outros entendem que são da mesma espécie os crimes que lesam o mesmo bem jurídico, embora tipificados em dispositivos diferentes. O entendimento majoritário é de que existe continuidade entre crimes que se assemelham nos seus tipos fundamentais, por seus elementos objetivos e subjetivos, violadores também do mesmo interesse jurídico.
c) Nexo da continuidade delitiva:
1) Condições de tempo: exige-se conexão temporal entre as condutas praticadas para que se configure a continuidade delitiva. Exige-se uma periodicidade que permita observar-se um certo ritmo, uma certa uniformidade. Acolhe-se intervalos não superiores a 30 dias.
2) Condições de lugar: deve existir conexão espacial. Não é necessário que seja sempre o mesmo lugar, mas a diversidade de lugares pode ser tal que se torne incompatível com a idéia de uma série continuada de ações para a realização de um crime. Aceita-se crimes em cidades diversas, desde que integrados na mesma região sócio-geográfica e com facilidade de acesso.
3) Maneira de execução: mesmo modus operandi.
4) Outras condições semelhantes:
Em conclusão, para a ocorrência de crime continuado a lei exige dois tipos de homogeneidade: homogeneidade de bens jurídicos atingidos e homogeneidade de processo executório.
Para o crime continuado foi adotado o sistema da exasperação aplicando-se a pena de um só dos crimes, se idênticos (crime continuado homogêneo), ou a do mais grave, se da mesma espécie, mas diversos (crime continuado homogêneo), sempre aumentada de um sexto a dois terços.
No aumento, leva-se em consideração a quantidade de infrações praticadas pelo agente. Normalmente aumenta-se de um sexto para duas infrações, um quinto para três etc.
CRIME CONTINUADO ESPECÍFICO.
Existiram discussões a respeito da possibilidade de continuidade em casos de bens personalíssimos diferentes (vida, integridade física, honra etc). Com a reforma penal de 1984, admitiu-se a continuidade contra bens personalíssimos, desde que se trate de vítimas diferentes. A partir de então, aceita-se a continuidade delitiva em crimes personalíssimos, ainda que os bens sejam de uma mesma vítima.
Numa interpretação sistêmica conclui-se que se permite a exasperação até o triplo quando os bens personalíssimos forem de vítimas diferentes. Esta possibilidade é conhecida doutrinariamente como crime continuado específico, que prevê a necessidade de três requisitos:
a) Contra vítimas diferentes:
b) Com violência ou grave ameaça à pessoa:
c) Somente em crimes dolosos:
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A continuidade específica é reservada para quando as circunstâncias indicarem. Está destinado a delinqüentes profissionais, de acentuada periculosidade, que deve ser distinguido dos criminosos ocasionais.
Também, não se pode aplicar um aumento que supere a pena que seria aplicável em caso de concurso material.
O total da pena não pode ser superior a 30 anos, já que a unificação, nesta hipótese, é obrigatória (art. 75).
O aumento incide não sobre a pena-base, mas sobre o resultado da pena aumentada ou diminuída pelas circunstâncias agravantes ou atenuantes.
DOSIMETRIA DA PENA NO CONCURSO DE CRIMES.
Para o concurso material, aplica-se o cumulo material, onde se somam as penas dos diversos crimes praticados.
Para o concurso formal próprio, o sistema é da exasperação, onde se aplica a pena de um dos crimes, a mais grave, elevando-se até a metade.
Para o concurso formal impróprio, aplica-se o cumulo material, onde se somam as penas dos diversos crimes.
Para o crime continuado o sistema é da exasperação, permitindo, contudo, que a pena aplicada seja elevada até dois terços.
No crime continuado específico, a elevação é permitia até o triplo.
Quando o sistema de exasperação, no concurso formal impróprio e no crime continuado, resultar em penas mais altas do que o sistema da cumulação do concurso material, os arts. 70 parágrafo único e o art. 71, parágrafo único, determinam que se deve aplicar o concurso material, denominando-se tal hipótese como concurso material benéfico.
ERRO NA EXECUÇÃO aberratio ictus.
Não se confunde com o erro sobre a pessoa, onde o agente acredita estar atingindo uma pessoa por outra. Trata-se de erro na execução, proveniente de erro no uso dos meios de execução, proveniente de acidente ou de inabilidade na execução.
Exemplo: Tício atira em Mévio, mas atinge Caio, que estava nas proximidades, matando-o. Nesta hipótese, Tício responde como se tivesse atingido Mévio.
Ocorre a aberratio ictus com unidade simples (resultado único) quando, o agente, errando o alvo, atinge somente a pessoa não visada, matando-a. Na verdade teria ocorrido um tentativa de homicídio em relação a vítima virtual e homicídio culposo em relação à vitima efetiva. Contudo, em virtude do dispositivo em exame, considera-se somente o homicídio doloso praticado contra a vítima virtual.
Quando ocorre um resultado duplo, além da pessoa visada o agente também atinge um terceiro. Nesta hipótese o agente pratica dois crimes e, diante da unidade da atividade criminosa, aplica-se o concurso formal. Contudo, se o agente agir com dolo eventual em relação ao terceiro não visado, o agente deve responder pelos dois crimes. Nesta última hipótese, permanece o concurso formal, mas as penas devem somar-se, como ocorre no concurso formal impróprio.
Nas hipóteses de erro na execução consideram-se as qualidades ou condições da pessoa visada – a vítima virtual – e não a da pessoa atingida – a vítima efetiva.
RESULTADO DIVERSO DO PRETENDIDO – Aberratio delicti.
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É o desvio do crime, onde o agente, também por acidente ou inabilidade, atinge bem jurídico diverso do pretendido. Neste caso, o agente responde pelo resultado por culpa, se o fato é previsto como crime culposo.
Se ocorrer também o resultado pretendido, aplica-se a regra do concurso formal.
LIMITE DE CUMPRIMENTO DA PENA DE PRISÃO.
Nada impede que o autor de vários crimes possa receber penas superiores a 30 anos. Entretanto, devem elas ser unificadas para atender ao limite máximo estabelecido no art. 75.
Porém, este limite é tão somente para o cumprimento de pena, não sendo aplicável para outros benefícios, como progressão, indulto, livramento condicional etc.
Praticando outro crime no decurso da execução, far-se-á nova unificação de penas, abatendo-se o tempo já cumprido (art. 75, §2º)
A PENA DE MULTA.
Nos termos do art. 72, a pena de multa em qualquer hipótese de concurso, é aplicável integral e indistintamente.
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