concepções de linguagem fundamentos dialógicos do circulo de bakhtin

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Concepção(es) de linguagem: Fundamentos dialógicos do Círculo de

Bakhtin

Para começarmos essa reflexão, faz-se mister trazer à baila o modo de

pensar a linguagem presente nas correntes estruturalistas, o qual Bakhtin

denominou de “obeti!ismo abstrato", para, de forma dial#gica, trazer à luz a

concepção de linguagem constru$da pelo %$rculo& 'ssa corrente, da qual o

mestre genebrino (erdinand de )aussure * compositor e regente, nos

apresenta a seguinte dicotomia+ $ngua e (ala, sendo o primeiro elemento

dessa bifurcação considerado a dimensão social da linguagem, e o segundo *

encarado pelo linguista como expressão indi!idual de cada sueito falante&

)aussure, ao instituir as categorias anal$ticas fundamentais para estudo

da l$ngua, como a fon*tica e a morfologia, baseou-se nos estudos da lingu$stica

comparati!a indo-europeia, aquela criada para estudar, de forma mais

adequada, as l$nguas mortas e as estrangeiras& )aussure não nega!a o

aspecto social da l$ngua, contudo o modo de fazer cincia da sua *poca exigia

que o obeto de estudo apresentasse comportamentos idnticos, portanto

pass$!eis de normatização, como a fon*tica, a morfologia etc& .as esse modo

de tratar a l$ngua ata!a a di!ersidade, a pluralidade e a mutabilidade,

constituti!as da linguagem, em um sistema fechado de regras&

/entro dessa perspecti!a estruturalista de pensar o fen0meno da

linguagem, as !ariaç1es sociais da l$ngua, bem como as !ariantes indi!iduais

dos falantes não podiam ser consideradas nos estudos lingu$sticos& Para os

estruturalistas, esses fatores eram considerados desordenados,

demasiadamente heterogneos e aleat#rios, fugindo do padrão e do rigor 

exigidos pela cincia& 2sso fez com que a fala assumisse um papel quase que

irrele!ante, nos estudos lingu$sticos do final do s*culo 323, a fim de não

in!iabilizar o proeto estruturalista de instituir uma unidade da l$ngua como

sistema&

'sse modelo positi!ista de conceber a linguagem como um sistema

abstrato, tomando por base suas caracter$sticas formais, pass$!eis de serem

repetidas, seguindo o modo de fazer cient$fico da *poca, le!ou à ideia de que a

l$ngua * um fen0meno est4tico& 5al concepção admitia que o sentido * pr*-fabricado, fechado dentro de um sistema de normas lingu$sticas, como se a

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linguagem fosse uma esp*cie de espelho do mundo, refletindo !erdades 6nicas

e uni!ersais, e que, para a compreensão do enunciado, os aspectos sociais da

l$ngua eram irrele!antes& 5al postura desconsidera!a, portanto, as di!ersidades

e multiplicidades do signo, deixando a intencionalidade dos falantes em

segundo plano 7B8925, :;<<=&

Por outro lado, em oposição ao pensamento de )aussure e dos

estruturalistas que se seguiram, Bakhtin enfatizou a heterogeneidade concreta

da fala, ou sea, a dimensão que le!a em conta a pluralidade das

manifestaç1es lingu$sticas em circunst>ncias concretas de interação social& 'le

acredita!a que a realidade fundamental da linguagem esta!a centrada na

interação entre os falantes, no seu uso real e não em um ponto de !ista ideal,

intang$!el& 'le concebia a linguagem não como um sistema abstrato, mas como

algo !i!o, din>mico e coleti!o, parte de um di4logo cumulati!o entre o eu e o

outro, entre muitos “eus" e muitos outros 7)59., <??:=& .as Bakhtin não nega

a existncia da l$ngua enquanto sistema, 4 que “por tr4s de todo texto,

encontra-se o sistema da l$ngua" 7B9@A52, :;;C, p& CC:=& 9o contr4rio de

desqualificar qualquer estudo s*rio da estrutura da l$ngua, o fil#sofo russo

considera-o adequado para estudar as suas unidades 7fonemas, morfemas,

oraç1es=& Por outro lado, com sua translingu$stica<, ele demonstra que

lingu$stica estruturalista não * suficiente para explicar o funcionamento, no

>mbito social, da linguagem, que possui como unidade m$nima o enunciado,

irrepet$!el, inst4!el e inclassific4!el&

Para Bakhtin, a estabilidade da l$ngua constitui-se um mito, pois, para

ele, a mutabilidade do signo * uma das caracter$sticas constituti!as da

linguagem& )obre isso, ele esclarece+

 9ssim, o elemento que torna a forma lingu$stica um signo não *sua identidade como sinal, mas sua mobilidade espec$ficaD damesma forma que aquilo que constitui a descodificação daforma lingu$stica não * o reconhecimento do sinal, mas acompreensão das pala!ras no seu sentido particular, isto *, aapreensão da orientação que * conferida à pala!ra por umcontexto e uma situação precisos, uma orientação no sentidoda e!olução e não do imobilismo 7B9@A52, :;;C, p& ?E=&

1 /isciplina proposta por Bakhtin, que !isa ao estudo e an4lise de elementos externos à l$ngua

enquanto sistema& 5al disciplina daria conta dos aspectos dial#gicos e polif0nicos dalinguagem, principalmente da fala, não contemplados pela lingu$stica&

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)pinelli 7:;;F= enfatiza que o dinamismo social do signo, historicamente

gerado, !i!ifica esse mesmo signo& 'la lembra ainda sua dimensão pol$tico-

ideol#gica, por meio da qual * ressignificado o tempo todo na arena da pala!ra,

onde as classes e grupos sociais, com seus interesses e conflitos

permanentes, se apropriam dele, dando-lhe no!os significados& 9 essa

capacidade que possuem os signos de extrair !ari4!eis tons e !aloraç1es

sociais, a depender das situaç1es s#cio-hist#ricas, Bakhtin 7apud   )P2'2

:;;F, p&CE= denominou de “multiacentualidade"&

 9certadamente, a partir das reflex1es realizadas por Bakhtin e o seu %$rculo,

no in$cio do s*culo 33, em obra conunta denominada Marxismo e Filosofia da

Linguagem, os estudos de linguagem, atualmente, !m adotando uma postura

que supera a !isão estruturalista de l$ngua& Gs linguistas hodiernos, sobretudo

os sociolingu$stas, tm assumido uma postura que le!a em conta os

mecanismos !ari4!eis respons4!eis tamb*m pela produção de sentidos& 'ssa

no!a atitude situa, par e passo, estrutura lingu$stica e a dimensão hist#rica,

cultural, social e ideol#gica da linguagem, copart$cipes na significação dos

signos& 9ssim, apresentam-se no!as possibilidades de entender e significar o

mundo, baseadas numa concepção dial#gica de linguagem que contempla as

pluralidades, desfazendo, de uma !ez, o mito do sentido pr*-fixado&

5ais reflex1es em torno das concepç1es de linguagem fazem-nos

recordar de um conceito bakhtiniano, o qual nos parece bastante produti!o

para enriquecer este debate& 5rata-se da noção de forças centr$petas e

centr$fugas, que nos auda a compreender esse ogo dial*tico mencionado por 

Bakhtin, que, segundo o fil#sofo, caracteriza toda a linguagem& /esta forma, as

forças centr$petas atuariam numa direção fa!or4!el à concepção estruturalista

de linguagem, atuando na normatização& /e outro lado, as forças centr$fugas

agiriam de forma corroborati!a com a concepção interacionista, tendendo às

di!ersificaç1es da l$ngua, embora ambas as forças existam e atuam

independentemente da concepção de linguagem& Para ele, essas forças

con!i!em, dial*tica, simult>nea e ininterruptamente& as pala!ras do autor+

7&&&= esta estratificação e contradição reais não são apenas aest4tica da !ida da l$ngua, mas tamb*m a sua din>mica+ aestratificação e o plurilinguismo ampliam-se e aprofundam-sena medida em que a l$ngua est4 !i!a e desen!ol!endo-seD aolado das forças centr$petas caminha o trabalho cont$nuo das

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forças centr$fugas da l$ngua, ao lado da centralização !erbo-ideol#gica e da união, caminham ininterruptos os processos dedescentralização e desunificação" 7B9@A52, <??H, p& H:=&

/iante dessa explanação dial#gica das concepç1es de linguagem,

conforme prenunciado na introdução deste cap$tulo, passemos agora a umfecundo di4logo entre tais conceitos e o cinema& 9creditamos que essa

aproximação nos fornece subs$dios que nos possibilitam identificar qual

concepção de linguagem tem balizado os produtores de filmes& 'ntendemos

que a cr$tica feita por Bakhtin ao “obeti!ismo abstrato", no >mbito da linguagem

!erbal, sea perfeitamente aplic4!el ao sistema imag*tico utilizado pelo cinema,

cuas possiblidades de interpretação são potencializadas pela natureza de sua

linguagem& G simples fato de mudar o >ngulo de uma imagem por meio do ogode c>meras 4 possibilita a produção de no!as interpretaç1es&

.as, para que essa relação sea conceb$!el, precisamos deixar claro

que encaramos o cinema como linguagem& 'sse posicionamento nos permite

aplicar ao cinema a mesma met4fora que Bakhtin 7<??:= utilizou em Marxismo

e Filosofia da Linguagem para explicar a natureza dial#gica da linguagem, a

qual se constitui uma ponte entre um eu e um tu& 'ssa alegoria re!ela a igual

import>ncia atribu$da por Bakhtin ao locutor e ao interlocutor na construção dos

enunciados, dado que, se, por um lado, essa ponte tem o eu por sustentação,

necessariamente precisar4 de um segundo pilar de apoio, o tu&

5endo como base essa linha de racioc$nio, o autor de uma obra

cinematogr4fica e o espectador possuem, ou de!eriam possuir, igual rele!>ncia

no procedimento comunicacional, pois ambos fazem parte do processo de

interação e contribuem diretamente para a produção de sentidos& essa

perspecti!a, o texto f$lmico * considerado, então, como uma criação solid4ria

de sentido, cua propriedade não * exclusi!a do autor nem do telespectador&

5rata-se, por*m, do resultado de uma interação !erbo-!isual entre os sueitos

da enunciação, a qual gera seus sentidos na relação, afastando a ideia de uma

mensagem encerrada em si, com um sentido imanente&

o entanto, como bem disse Bakhtin 7<??H, p&H:=, paralelas a essa

tendncia centr$fuga natural da linguagem de descentralização e desunificação,

existem as forças centr$petas ideol#gicas e centralizadoras na ind6stria

cinematogr4fica tamb*mD sobretudo nos longas americanos, os quais sofrem a

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pressão centr$peta da ideologia dominante, do poder institucional, hegem0nico,

financiado pelo capital, no qual predomina a !oz masculina, branca,

heterossexual e euro-americana, tendendo à “monoglossia"& 9ssim, as

produç1es cinematogr4ficas que pri!ilegiam a linguagem hegem0nica

demonstram adotar uma concepção monologizante da linguagem&

esse modelo de pensar a linguagem, o sentido * unidirecional, partindo

in!aria!elmente do emissor at* encontrar o receptor& esse paradigma,

diferentemente da concepção dial#gica de linguagem, retira-se do

telespectador qualquer participação na produção de significados, uma !ez que

o sentido da mensagem !ai depender apenas do diretor da obra

cinematogr4fica& 5rata-se de um modelo herm*tico, cuo emissor * ati!o e o

receptor totalmente passi!o& este caso, o sentido do filme * algo dado, pronto

e acabado, e não produzido dialogicamente&

a outra ponta, em contrapartida à hegemonia da linguagem utilizada

pelos enlatados, estão os “dialetos", ou equi!alentes, que destoam do padrão

euro-americano, como o curta-metragem, o cinema engaado e o document4rio

independente, os quais recebem influncias das forças centr$fugas radiadas

pela ideologia do cotidiano, pri!ilegiando o perif*rico e o marginal, em oposição

ao central e ao dominante& 'ssas produç1es se utilizam de linguagens

cinematogr4ficas que demonstram respeito às pluralidades das identidades

lingu$sticas dos grupos representados nas narrati!as, tendendo à

“heteroglossia" e re!elando, portanto, a partir de nosso prisma te#rico, uma

filiação à concepção interacionista de linguagem&

 9ssim, propomos explorar a pertinncia das categorias conceituais de

Bakhtin para pensar um cinema que adote uma concepção de linguagem em

que se !alorize o outro, o diferente e o multicultural& essa proposta, de!e-se

chamar a atenção para o uso cr$tico dos conceitos e categorias de Bakhtin,

especialmente sua !isão de linguagem baseada no dialogismo, que permita

identificar um cinema que assuma uma postura democr4tica e heteroglota, em

que as m6ltiplas !ozes tenham seus espaços garantidos& essa direção,

recomendamos ao professor fazer uso did4tico dos curtas-metragens do

proeto %urta na 'scola& Ioltaremos a falar desse assunto no cap$tulo 222,

porque na pr#xima seção abordaremos as especificidades da linguagem

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cinematogr4fica e como o conhecimento dessa pode contribuir para uma

compreensão ati!a do discurso cinematogr4fico&