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Curso: Proteção da Confiança (2015) Aula: Proteção da Confiança 01 Professor: Valter Shuenquener Monitora: Helena Ribeiro Princípio da Proteção da Confiança 1 Conceito e função jurídica O Princípio da proteção da confiança é um mandado de otimização [a ser realizado na maior medida possível] com alcance determinável pelo caso , impeditivo ou atenuador dos possíveis efeitos negativos decorrentes da frustração, pelo Estado, de uma expectativa legítima do administrado. Configura-se essa expectativa quando um comando estatal dá origem, de maneira inequívoca, a uma crença, do particular, de que aquele comando terá uma continuidade, de modo a fazer com que o indivíduo tenha internalizado essa norma e, efetivamente, acreditado naquela promessa estatal. Isso não significa que o administrado tenha direito subjetivo ao engessamento do ordenamento jurídico. Mudanças são necessárias e vitais e têm de serem implementadas pelo Estado. O que não pode ocorrer e, portanto, é tutelado pelo princípio da proteção da confiança, são mudanças súbitas que prejudiquem os cidadãos, pois o Estado descumpre suas próprias promessas e muda suas regras, de forma abrupta, enquanto estas estão em plena vigência. Esse princípio não se confunde com o instituto da expectativa de direito porque no Brasil, mesmo os direitos em vias de serem incorporados ao patrimônio, não estão efetivamente garantidos, pois para haver garantia de efetivação precisam que estejam já incorporados ao patrimônio do particular. Por isso é que se diz que expectativa de direito e nada são a mesma coisa. É o caso daquele cidadão que, aos 59 anos, aguarda seu próximo aniversário para se aposentar, pois a regra da aposentadoria diz que, por idade, se homem, aposentar-se-á com 60 anos. Neste ínterim, o Estado muda as regras para aposentadoria e este trabalhar terá de 1 Tribcast – Top Temas – Princípio da proteção da confiança. Prof. Valter Shuenquener – aula 01. Esse trabalho deu origem ao livro O Princípio da Proteção da Confiança. Ed. Impetus. O Professor chama atenção para o fato de esse princípio não ser estudado no Brasil, apesar de estar em fase avançada no Direito Europeu. A Alemanha é o berço desse princípio.

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Curso: Proteção da Confiança (2015)

Aula: Proteção da Confiança 01

Professor: Valter Shuenquener

Monitora: Helena Ribeiro

Princípio da Proteção da Confiança1

Conceito e função jurídica

O Princípio da proteção da confiança é um mandado de otimização [a ser realizado na maior

medida possível] com alcance determinável pelo caso , impeditivo ou atenuador dos

possíveis efeitos negativos decorrentes da frustração, pelo Estado, de uma expectativa

legítima do administrado.

Configura-se essa expectativa quando um comando estatal dá origem, de maneira inequívoca, a

uma crença, do particular, de que aquele comando terá uma continuidade, de modo a fazer com

que o indivíduo tenha internalizado essa norma e, efetivamente, acreditado naquela promessa

estatal.

Isso não significa que o administrado tenha direito subjetivo ao engessamento do ordenamento

jurídico. Mudanças são necessárias e vitais e têm de serem implementadas pelo Estado. O que

não pode ocorrer e, portanto, é tutelado pelo princípio da proteção da confiança, são mudanças

súbitas que prejudiquem os cidadãos, pois o Estado descumpre suas próprias promessas e

muda suas regras, de forma abrupta, enquanto estas estão em plena vigência.

Esse princípio não se confunde com o instituto da expectativa de direito porque no Brasil,

mesmo os direitos em vias de serem incorporados ao patrimônio, não estão efetivamente

garantidos, pois para haver garantia de efetivação precisam que estejam já incorporados ao

patrimônio do particular. Por isso é que se diz que expectativa de direito e nada são a mesma

coisa. É o caso daquele cidadão que, aos 59 anos, aguarda seu próximo aniversário para se

aposentar, pois a regra da aposentadoria diz que, por idade, se homem, aposentar-se-á com 60

anos. Neste ínterim, o Estado muda as regras para aposentadoria e este trabalhar terá de

1 Tribcast – Top Temas – Princípio da proteção da confiança. Prof. Valter Shuenquener – aula 01.

Esse trabalho deu origem ao livro O Princípio da Proteção da Confiança. Ed. Impetus. O Professor chama atenção para o fato de esse princípio não ser estudado no Brasil, apesar de estar em fase avançada no Direito Europeu. A Alemanha é o berço desse princípio.

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trabalhar não mais 1 ano, mas 21 anos, por exemplo [absurdo]. Pelo instituto da expectativa de

direito sabe-se, simplesmente, que não há direito adquirido a regime jurídico, pois este pode ser

alterado unilateralmente pelo Estado. Esse é o argumento do próprio STF quando decide a

respeito dessa matéria.

Funções primordiais:

Defender posições jurídicas dos cidadãos contra inesperadas mudanças de curso (Walter

Schmidt). A regra poderá ser alterada, mas não de forma abrupta.

Proteger as expectativas dos indivíduos através da continuidade do ordenamento (Kyrill-A

Schwarz). O indivíduo não tem direito à continuidade da regra, mas tem direito a continuidade

do ordenamento a fim de que não ocorram mudanças abruptas.

Garantir que a expectativa do particular seja considerada em uma prévia ponderação com

o interesse estatal nas implementações de mudanças na ordem jurídica (Paul Kirchbof). Ou

seja, não se impede a mudança, mas exige-se que a esta leve em consideração a expectativa do

indivíduo na manutenção de algum ato estatal que lhe favorecia.

A confiança na construção do futuro2

O planejamento do futuro é um fator extremamente relevante na vida de todo e qualquer

ser humano. “A vida só pode ser compreendida olhando-se para trás. No entanto ela deve

ser vivida por meio da contemplação do futuro.” (Soren Kierkegaard). Isso tem tudo a ver

com a proteção de expectativa, com a necessidade de preservação da confiança que o cidadão

deposita nos atos estatais.

Sem confiança, apenas relações pouco complexas são viáveis. Apenas se verificam formas

muito simples de cooperação entre os seres humanos (Niklas Luhmann) Um exemplo ilustra

melhor. Quando um aluno vai assistir à aula às 8h da noite, ele não confirma antes se o

professor comparecerá, se os colegas irão, se a faculdade estará aberta. Ele vai porque confia

que a aula que estava marcada irá acontecer. Se não existisse a confiança, as relações sociais

ficariam muito difíceis, pois todo mundo teria de confirmar antes, ainda dentro do exemplo

2 Trata-se de matéria interdisciplinar.

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acima, se vai ou não haver aula. Significa dizer que por meio da relação de confiança é possível

criar uma sociedade muito mais complexa, muito mais estruturada com profundo dinamismo,

porque cada um age acreditando que o outro vai agir de acordo com o comportamento

esperado. Então essa é uma função importante em toda e qualquer sociedade.

O nível de confiança nos atos estatais é um fator relevante para o sucesso econômico de um

país. Quanto maior a confiança e menor o controle, maior e a liberdade, o rendimento e

expectativa de vida. (Jornal Frankfurter Allgemeine). Um pesquisa feita por esse jornal

mostra a existência de relação direta entre a confiança dos cidadãos no Estado e o PIB. A

contrario sensu, quando não se tem uma relação de confiança com o estado, o indivíduo busca

alternativas, a fim de fazer valer o seu ideal de futuro, mas sem aderir aos comandos estatais

porque não acredita mais que aquilo será confirmado. Veja que isso afeta até a expectativa de

vida das pessoas. As pessoas tendem a ter longevidade porque acreditam que o Estado realizará

o que prometeu.

Confiança

O enfraquecimento da confiança nas relações entre indivíduos reduz o sentimento de

solidariedade existente no mundo. (Barbara Misztal – Profa. De Sociologia da Universidade

de Leicester). É verdade. Se o indivíduo não confia no Estado ele vai buscar outros meios e

talvez não confie mais nem nos próprios cidadãos. Isso enfraquece o ambiente de solidariedade.

Sem confiança, as pessoas evitarão relacionar-se juridicamente com o Estado e buscarão

vias alternativas, e não tão idôneas, para a preservação de seus interesses. (Sheilah Ogilvie

– Profa. de História Econômica da Universidade de Cambridge). Cria-se, assim, um ambiente

propício à criação de um estado paralelo que possa cumprir as demandas da sociedade.

“O ordenamento imposto pela força é caro e instável e a legitimação pela confiança torna o

ordenamento mais barato e mais seguro por um longo tempo” (Robert Alexy)

“Prioridade temporal não implica superioridade moral.” Frase cunhada pelos professores.

Bruce Ackermann que significa o seguinte: não é porque o Estado precisa fazer uma alteração

em caráter emergencial que essa alteração tem de, necessariamente, afetar a todos os cidadãos

de maneira indistinta. Segundo o princípio da proteção da confiança não se pode considerar a

prioridade temporal, ou seja, as demandas da geração atual, como inevitavelmente superiores e

mais relevantes que as necessidades da geração pretérita. Isto é bastante importante, pois

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quando se fala da proteção da confiança, inequivocadamente estamos lidando com conflito

entre gerações. É a geração presente querendo resolver seus problemas e colocando de lado as

expectativas legítimas das gerações pretéritas. Resolver problemas é imperioso, contudo é

preciso haver um equilíbrio, uma ponderação entre estas forças, tanto da geração presente,

quanto da pretérita e até mesmo da futura porque quando se protege às expectativas legítimas

dos cidadãos, nós estamos também tutelando as gerações futuras porque elas também terão

ambiente de adesão a vontade estatal na medida em que a confiança permite essa ampliação da

adesão às decisões estatais.

Solidariedade entre gerações

Um povo corresponde ao somatório de gerações.

Decisões tomadas por uma geração não devem apenas considerar as necessidades do

presente e do futuro. O passado também merece respeito.

“Cada geração actual é responsável não só pelo destino das gerações futuras como também

pelo destino sofrido em inocência pelas gerações passadas”. (Habermas)

`Deve existir uma solidariedade entre as diversas gerações que se ligam e não se apresentam de

forma estanque. Esse elo caracteriza o “povo”.

Isso fica muito evidente em matéria de Direito Previdenciário e até mesmo em matéria de

Servidor Público. Alterações no Regime Jurídico do Servidor Público serão mudanças que

prejudicarão os aposentados. Estes não podem mais trabalhar, não há mais como paralisar, não

há como reivindicar seus direitos. Uma mudança nessa área destrói tudo que foi construído pela

geração pretérita em termos de direitos e garantias. Isso não faz sentido. O ideal é que haja um

equilíbrio entre as gerações e isso é o que também busca o Princípio da Proteção da Confiança.

Porque apesar de vivermos contemplando o futuro, somos acorrentados pelo passado. Então

não dá para desprezar o que já ocorreu a fim de fazer valer uma necessidade presente ou futura.

Evolução histórica do princípio

O Concílio Cadavérico do Papa Formoso de 896. Primeira referência do princípio da proteção

da confiança. Historicamente ocorreu o seguinte: no ano de 896, o então Papa Estevão VI,

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manda desenterrar um Papa que já estava morto, o Papa Formoso, para julgá-lo. Este [ou o seu

cadáver] foi condenado, excomungado e teve, em razão disso, seus dedos da mão amputados.

Em razão desse fato, surgiu, à época, uma dúvida acerca do que aconteceria, então, com os atos

papais, ou seja, com as coroações de reis e príncipes; o ordenamento de bispos e padres etc. A

dúvida pairava sobre a manutenção ou desconstituição desses atos, porque ele havia deixado de

ser Papa, ainda que após sua morte. Mas, apesar disso, as comunidades eclesiástica e jurídica

decidiram por manter os atos por ele praticados.

Tribunal Inglês de Exchequer

“Um indivíduo não deve ser autorizado a simultaneamente assoprar quente e frio – e

afirmar em um momento e a negar em outro... tal princípio assenta sua base no senso

comum, na justiça comum, e seja ele chamado stoppel ou de qualquer outro nome, este é

um princípio que as cortes de justiça têm mais efetivamente adotado nos tempos

modernos.” (Decisão de 1862 no precedente Cave v. Mills) Esse também é uma semente do

princípio da proteção da confiança. Diz-se Stoppel, porque é na Inglaterra, mas poderia ser

chamado como Princípio Venire contra factum proprium, porque este se caracteriza pela

contradição interna de quem atua. Isso o Estado não pode fazer. A diferença desse princípio

para o da proteção da confiança é simples, pois no Princípio da Proteção da Confiança não é

exigido comportamento contraditório, basta que haja uma mudança inesperada que frustre

expectativa legítima de direito do cidadão.

Arrét Dame Cachet – Decisão do Conselho de Estado Francês de 1922. Essa viúva acreditava

que receberia o aluguel de determinado imóvel. Houve um retrocesso advindo de um ato estatal

e, em consequência deste, ela teria prejuízo. Mas, nessa Decisão, o Estado foi impedido, por não

ter, segundo o Conselho, poder irrestrito de modificação de suas decisões.

Decisão da viúva proferida pelo Bundesverwaltungsgericht, em 1956 (BVervGE 9, 251).

Na Alemanha, antes do muro, uma viúva que morava na Alemanha oriental recebeu a notícia de

que receberia um pensão, desde que se mudasse para a Alemanha ocidental. Assim o fez.

Mudou-se. E após estar estabelecida, o governo ocidental decide tirar-lhe a pensão, alegando

que ela teria direito ao benefício, apenas, se já estivesse na parte ocidental na época do óbito do

marido. O problema é que a esta altura ela também já não poderia voltar à Alemanha oriental

porque já existia o muro. O Tribunal Administrativo Alemão decidiu, então, que a situação dela

deveria ser preservada para além de sua real ilegalidade, e ela teve seu benefício mantido, afinal

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fora o próprio governo ocidental que a chamara. E toda mudança empreendida por ela foi por

confiar nessa convocação3.

Decisão da viúva de Berlim (Witwengeld): BVervGE 9, 251 – decisão de 1959 que confirmou

a decisão do Tribunal Revisor de Berlim em Matéria de Direito Administrativo

(Oberverwaltungsgericht) de 1956. A viúva confiara na informação recebida da

Administração alemã e, com base nela, tomou medidas drásticas e duradouras. Do Tribunal

Alemão esse princípio se espalha para toda Europa e, também, no Brasil.

É importante ressaltar que também há, na Inglaterra, uma proteção à expectativa legítima, mas

lá, e é importante isto, a proteção se volta mais para um caráter procedimental, pois as

mudanças empreendidas pelo Estado devem ser precedidas do contraditório e da ampla defesa.

Há, portanto, oitiva da própria comunidade destinatária da mudança. Por exemplo, não se fecha

um hospital, por mais razões que a administração tenha, sem ouvir a comunidade local.

Diferente, pois, do Direito Alemão, que está mais preocupado com a tutela do direito material.

Aqui, a viúva não deixará de receber sua pensão.

Posição de Ernst Forstboff. Há um abandono do Estado de Direito quando o Estado admite

uma proteção da confiança contra legem. Ernst Forstboff foi um dos poucos que divergiram

da adoção do Princípio da Proteção da Confiança na Alemanha, pois era um defensor

intransigente do Princípio da Legalidade. Segundo sua perspectiva, o fato de o Estado manter

um ato ilegal no ordenamento fere sua própria condição de Estado de Direito. Sua crítica, no

entanto, foi vencida. É verdade que ao justificar um ato inválido com o argumento de proteger a

expectativa legítima dos cidadãos é atuar contra legem, mas não se está com isso abandonando

o Estado de Direito, até porque esse Estado irradia uma série de valores, dentre eles, a

segurança jurídica e a proteção da confiança. O Princípio da legalidade é um dos princípios mais

importantes do Estado de Direito, mas não é o único, de modo que ele pode ceder frente a uma

expectativa legítima de direito.

Conferência de Mannheim de 1973 (Otto Bachof, Norbert Acherberg, Walter Schmidt,

Gunter Kisker, Günter Püttner, Ernst-Wolfgang Bökenförde, Fritz Ossenbühl e Peter

Badura)

Lei Alemã do Processo Administrativo Federal de 1976

3 Esse caso é frequentemente citado pela doutrina europeia, mas também no Brasil. O Min. Gilmar Mendes

sempre faz referência a ele, pois é um marco no reconhecimento da importância do Princípio da Proteção da Confiança.

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Da Conferência de Mannheim participou a elite jurídica do Direito Público, sobretudo, do

Direito Administrativo. Eles chegaram à conclusão de que não havia mais espaço para impedir a

evolução do princípio da proteção da confiança. Reconheceram que, por mais que um ato seja

ilegal, há espaço para a sua manutenção diante da necessidade de tutela da expectativa legítima.

Essa reunião se dá às vésperas da publicação da lei alemã sobre processo administrativo

federal, em 1976, que, aliás, serviu de inspiração para a Lei 9.784/99 (Processo Administrativo

Federal brasileiro), que em seu art. 54, prevê o prazo decadencial de 5 anos para a anulação de

atos da Administração dos quais decorram efeitos favoráveis para seus destinatários.

O aumento da interação do homem com a organização estatal eleva a necessidade de

constância da atividade do Estado e de tutela das expectativas legítimas dos cidadãos. Uma

coisa é falar de expectativa legítima na Idade Média, outra coisa é falar sobre isso em um país

que pretende ser desenvolvido, que pretende que os seu atos sejam acolhidos pelos

administrados, porque se o Estado protege o cidadão é de se presumir que o cidadão terá boa-

vontade em aderir aos comandos estatais.

Em busca de um fundamento

Direitos fundamentais – princípio seria derivado de algum direito fundamental aplicável

no caso específico. Ex. direito de liberdade, de desenvolvimento da personalidade etc.

Serviria para limitar a intervenção do Estado nos direitos fundamentais.

“A crença da estabilidade do ordenamento é fundamental para a autodeterminação do

indivíduo”. (Stefan Mukel)

As críticas a esse fundamento são as seguintes: A primeira crítica diz que essa fundamentação

restringe a tutela do princípio da proteção da confiança à tutela dos direitos fundamentais. E

nem sempre, ele estará relacionado a algum direito fundamental. A confiança merece proteção

ainda que um direito fundamental não esteja em risco.

A segunda é que a tutela de posições jurídicas ilegais e favoráveis ao particular ultrapassam o

alcance da tutela amparada por direitos fundamentais, ou seja, quando se reconhece, com base

no princípio da confiança, que um ato ilegal deve ser mantido, isso, em princípio, não teria nada

a ver com direito fundamental. Então não haveria uma correlação necessária entre o que

proteção da confiança garante, enquanto princípio, e o que é tutelado pelos direitos

fundamentais.

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Terceira crítica4: a tutela e a preocupação entorno dos direitos fundamentais pode justificar

uma ruptura e instabilidade do ordenamento. Por exemplo, por meio da proteção da liberdade

de expressão pode-se tutelar algo passível de causar um a revolução. Uma instabilidade. Então

repara-se que o direito fundamental nem sempre está atrelado à necessidade de constância, a

ruptura, pode ser necessária para a preservação de um direito fundamental. Isso dificulta a

aceitação de que um dos fundamentos do princípio da proteção da confiança seria a proteção a

um direito fundamental5.

Boa-fé objetiva (Tren und Glanben) – exige-se do Estado e de qualquer pessoa uma atuação

em conformidade com o seu comportamento pretérito. Protege tanto o particular quanto o

Estado. Aplicação diante de relações jurídicas concretas (Sonderbeziebung), diante de

relações do tipo Estado-cidadão (Staat-Bürger). Instituto inaplicável nas relações do tipo

Estado-súdito (Staat-Untertan) que não são individualizadas. (Humberto Ávila). Esse

princípio da boa-fé objetiva, aprendido em Direito Civil, protege tanto o particular, quanto o

Estado, e isso aponta um problema porque no caso da princípio da confiança a proteção é do

indivíduo em face do Estado – isso é importante destacar. É pacífico na doutrina alemã que o

princípio da proteção da confiança é um instrumento colocado à disposição do cidadão em suas

relações com o Estado. De modo que o Estado não poderia invocá-lo para atuar em face do

cidadão. Diferente, portanto, da boa-fé objetiva. Outra diferença entre boa-fé e proteção da

confiança e que dificulta a aceitação de que um deriva do outro é que o princípio da boa-fé

objetiva tem aplicação tanto em relações horizontais [particular-particular], como também em

relações do tipo Estado-cidadão em que há uma subordinação. Já a proteção da confiança é um

princípio que tem aplicação apenas em relação de subordinação Estado-súdito. É o cidadão

sujeito ao Estado. Portanto não é apropriado derivar a proteção da confiança à boa-fé objetiva6.

O fundamento adotado pela jurisprudência alemã, pelo Tribunal Constitucional alemão e, aqui

no Brasil, pelo STF é o de que a proteção da confiança deriva da segurança jurídica e do Estado

de Direito. Há algo que os alemães denominam corrente de derivação. O Estado de Direito

demanda segurança jurídica e esta tem uma faceta que é a proteção da confiança.

Vê-se em muitas decisões uma equiparação entre o princípio da segurança jurídica e o princípio

da proteção da confiança, como se fossem uma só e a mesma coisa. O juiz fundamenta da

seguinte forma: julgo procedente o pedido em razão da segurança jurídica, boa-fé objetiva e

4 Segundo o Professor, esta é a melhor crítica.

5 O Professor chama atenção que essas críticas alcançam àqueles que acreditam que o referido princípio é

consectário do princípio da dignidade da pessoa humana. 6 Posição adotada pelo Professor.

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proteção da confiança – equiparando-os. E, no entanto, são institutos distintos. Tanto é que a

manutenção de uma regra ilegal, por exemplo uma gratificação ilegal, gera insegurança jurídica,

porque gera insegurança preservar uma regra ofensiva ao ordenamento jurídico. Atente-se para

o fato de a segurança jurídica ser um princípio multidimensional – Humberto Ávila afirma,

inclusive, tratar-se de um postulado. Essa característica confere-lhe mais de um significado. Há

um aspecto objetivo e um aspecto subjetivo, no seguinte sentido: é importante para a segurança

jurídica que as regras ilegais sejam expelidos do nosso ordenamento jurídico, pois geram

insegurança. Mas do ponto de vista do destinatário que precisa da manutenção desse ato ilegal,

a sua eliminação vai gerar insegurança. Então ele defende sua manutenção. Por isso que se diz

que a proteção da confiança é uma dimensão subjetiva do princípio da segurança jurídica. Não é

possível equiparar os dois princípios porque um é gênero [princípio da proteção da segurança

jurídica] e o outro espécie [princípio da proteção da confiança]. Por isso a segurança jurídica

gera valores que tanto podem justificar a manutenção de um ato inválido, como podem

justificar sua eliminação do ordenamento jurídico. Pode-se considerar o seguinte: um servidor

está recebendo uma gratificação ilegal, tem de parar de receber sob pena de ofensa à segurança

jurídica. Veja que essa é a visada do Estado, sob o ponto de vista objetivo. Mas, sob o ponto de

vista subjetivo, do cidadão, a manutenção do ato inválido é o que gera a insegurança. Aqui está

se falando não de segurança jurídica, mas, na verdade, de proteção da confiança.

É a proteção da confiança, que tem seu fundamento na segurança jurídica e no Estado de

Direito, que justifica e legitima a manutenção de atos inválidos no ordenamento jurídico. Ao

analisar o art. 54 da Lei 9.784/99 (Lei de Processo Administrativo no âmbito da Administração

Pública Federal), verifica-se que o direito de anular atos dos quais decorram efeitos favoráveis

para os destinatários decai em cinco anos a contar do ato, salvo, comprovada má-fé. Esse

dispositivo, quando analisado, revela o seguinte para o intérprete: se o ato ilegal persistir por

até cinco anos, será prestigiado o princípio da legalidade, mas se ultrapassar esse prazo, o que

será resguardada é a proteção da confiança. A ponderação não é entre o princípio da legalidade

e o da segurança jurídica, mas entre princípio da legalidade e proteção da confiança. Porque são

coisas distintas.

Segurança jurídica e Estado de Direito – os dois exigem que o poder seja exercido com

respeito à confiança que os particulares depositam no Estado. (Peter Badura)

Cadeia de derivação (Herleitungskett) Estado de Direito-segurança jurídica-proteção da

confiança (Tribunal Constitucional alemão)

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O Estado de Direito deve garantir ao cidadão uma continuidade, previsibilidade e eliminar

surpresas desagradáveis, sem bloquear eternamente as mudanças necessários do

ordenamento (Winfried Brugger).

Importante lembrar que o princípio da proteção da confiança não engessa o ordenamento

jurídico, não cria imprevisibilidade, nem insegurança, pelo cotrário, ele aperfeiçoa e qualifica o

nível das decisões estatais. E só impede mudanças bruscas e inesperadas que frustrem

expectativas legítimas, mas não impede as mudanças necessárias, pois mudanças são inerentes

ao ser humano. O que se deve exigir do Estado é que se faça mudança com constância.

Segurança jurídica designa i) a confiança nos atos do poder público, ii) a estabilidade das

relações jurídica, e iii) a previsibilidade dos comportamentos (Luís Roberto Barroso). Isso

tudo pode autorizar a eliminação de um ato ilegal, o que impede a eliminação de um ato ilegal

favorável ao particular é a proteção da confiança.

Crítica: segurança jurídica seria um princípio plurissignificativo que seria capaz de

permitir inúmeras pretensões. Natureza de Zauberkiste (Günter Püttner). Sempre ocorrem

críticas e uma delas diz respeito à sua natureza de caixa de feiticeiro, pode-se tirar tudo lá de

dentro. Isso esvaziaria um pouco o sentido da proteção da confiança. Mas é uma crítica que

pode ser superada, diante do caso concreto, pois por meio da argumentação, pode-se justificar a

utilização da segurança jurídica e da proteção da confiança, de modo a fundamentar, por

exemplo, a manutenção de um ato inválido.

BVerfG, BVerwG e STF têm fundamentado o princípio da proteção da confiança na

segurança jurídica e no Estado de Direito. Esta é a opção predominante em relação à

fundamentação e é importante estudar a fundamentação porque conhecendo-a pode-se

verificar o alcance da tutela. Por exemplo, se se entendesse que proteção da confiança tivesse

como base o princípio da dignidade da pessoa humana, só poderia empregá-lo em casos de

ofensa à pessoa humana. E não é esse o caso. Porque o que se entende é que o fundamento é

segurança jurídica e estado de direito.

Expectativas de direito e direitos adquiridos

Aqui no Brasil, até hoje, é feito uma análise dessas situações em que os direitos são acumulados

no tempo, com o binônio direito adquirido e expectativa de direito, que remonta os

ensinamentos de Gabba e Roubier, algo que, de certa forma é ultrapassado, em relação ao que

há de mais moderno em termos de doutrina. Porque nem tudo se resolve no tudo ou nada. Por

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exemplo: se for direito adquirido então não pode ser retirado; se for expectativa de direito

então pode-se fazer o que quiser. As questões não podem ser resolvidas dessa forma. Afinal,

existem direitos que são acumulados no tempo. Relações jurídicas duradouras pressupõem a

criação de um ambiente de segurança. Exemplo: uma pessoa faz um concurso para Defensor

Público e começa a trabalhar, projetando o futuro. É óbvio que não dá para impedir que o futuro

seja mudado, mas pode-se exigir que siga uma linha mestra. O que não dá para entender é que o

Estado mude profundamente aquele regime, descaracterizando por completo a função de

Defensor Público, ou, então, os direitos e deveres daquela categoria. Isso é algo que a teoria da

expectativa de direito aceita e que a teoria da proteção da confiança não aceita.

“De modo geral, não é relevante a esperança de adquirir um direito” (Limongi França).

Essa passagem corrobora a expectativa de direito. O problema é para aquele indivíduo que está

em vias de adquirir um direito e, por força das mudanças implementadas de forma imprevista

pelo Estado, perde-o, pois a Constituição Federal só ampara direito adquirido. Ocorre, porém,

que ela também protege a expectativa de incorporação daquele direito, pois há uma proteção

assegurada constitucionalmente pela segurança jurídica e o Estado de Direito para estas

situações em que o indivíduo está em vias de adquirir seus direitos.

Esse dois institutos são ineficientes para solucionar todas as dificuldades surgidas em

razão das violações nas expectativas que os particulares depositam no Estado. Os dois

desconsideram os diferentes níveis de confiança que o particular deposita nos atos estatais

e não apresentam soluções intermediárias, tal como o resultado de uma correta

ponderação exigida.

A expectativa de aquisição de um direito deve ser respeitada;

As fases intermediárias no processo de aquisição de um direito devem ser respeitadas.

Os alemães falam que o regime jurídico do servidor público, por exemplo, dado seu caráter

duradouro, não é um regime contratual, mas que a ele se assemelha. Não faz sentido, por

exemplo, que o contrato de emprego de um empregado público não possa sofrer uma alteração

unilateral que prejudique o trabalhador concursado, mas que o regime jurídico do servidor

possa ser completamente alterado unilateralmente. Aqui no Brasil, é isto que o Supremo, o STJ e

o judiciário, de modo geral, aceitam e defendem, sem amiores reflexões. O Estado tendo poder

de modificar, unilateralmente, o regime jurídico do servidor, ainda que para prejudicar.

O princípio da proteção da confiança ofereceu uma proteção “mais ampla que a

preservação dos direitos adquiridos, porque abrangem direitos que não são ainda

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adquiridos, mas se encontram em vias de constituição ou suscetíveis de se constituir.”

(Odete Medauar). Um regime jurídico pode ser alterado, mas não em uma extensão que

prejudique o titular de uma expectativa legítima. Isso a teoria dos direitos adquiridos não é

capaz de fazer, ou seja, impedir a mudança ainda que ela seja abrupta, porque ela só se

preocupa com o direito que já foi incorporado ao patrimônio do indivíduo.

O Direito deve ter a missão de coordenar e assegurar as expectativas legítimas criadas

pelos mais distintos regimes jurídicos (Stephan Kirste7). Não importa se a expectativa é

oriunda de um contrato ou de uma lei, importa que o cidadão recebeu uma promessa estatal e

que ele se comportou em razão dessa promessa.

Condições para o emprego do princípio da confiança

1º Base de confiança. O princípio da proteção da confiança só deve assegurar uma tutela em

favor do particular, caso exista algum ato estatal concreto capaz de despertar uma expectativa

legítima. Uma coisa é um Decreto genérico, com uma redação confusa, outra coisa é um decreto

que singularize uma relação jurídica e que especifica muito bem o direito que ele está

assegurando. Então é preciso que o comando estatal origine, de maneira inequívoca, uma

crença, num indivíduo, de que aquele comando terá uma continuidade. E isso, o particular

precisa demonstrar. Que havia um ato estatal capaz de fazer com que ele acreditasse na

manutenção daquela situação. Por exemplo, gratificação ilegal. Ele não pediu, mas está

recebendo há dez anos aquela gratificação ilegal, há uma base da confiança, apesar do

argumento de que aquilo é ilegal. Não se pode falar em enriquecimento sem causa, porque há

uma causa, a causa é o ato inválido. E, mesmo que seja inválido, ele pode servir de base da

confiança.

2º Existência subjetiva da confiança. Significa que não basta que o ato exista. É preciso que o

particular tenha internalizado aquele comando e, efetivamente, acreditado naquela promessa

estatal. O desconhecimento daquele ato estatal não gera tutela. A base da confiança pode existir,

mas se o indivíduo nem sabia que aquilo existia, como é que ele pode invocar proteção da

confiança para manter uma situação.

3º Exercício da confiança através de atos concretos. Essa condição é até polemica. O

particular tem de ter feito algo concreto que justifique a tutela da expectativa legítima, em razão

7 Autor alemão que escreve sobre a relação entre tempo e direito, pois o tempo tem condições de afetar

profundamente as relações jurídicas.

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até, da possível irreversibilidade daquela situação fática. No exemplo acima, a viúva de Berlim,

mudou-se para Berlim Ocidental.

4º Comportamento estatal que frustre a confiança. Tem-se que ter um primeiro ato

fundamentando o surgimento da expectativa legítima e, por fim, um ato divergente. A

aposentadoria, por exemplo, com 60 de idade. Perto de completar, o Estado edita um outro ato e

estipula que o mesmo indivíduo se aposentará, agora, com 80 anos de idade. Sem o ato que

fruste aquela expectativa não há que se falar em proteção da expectativa legítima.

Portanto, são essas as condições, que, de modo geral, os autores alemães, exigem serem

observadas para o pleno emprego do princípio da proteção da confiança.

Críticas específicas ao princípio

Violação à democracia e ao princípio da separação dos poderes. Hipertrofia do Poder

Judiciário. Argumento não procede, pois a democracia exige a tutela das expectativas

legítimas. A hipertrofia apenas ocorrerá se o Estado violar excessivamente expectativas

legítimas. Essa hipertrofia só ocorrerá se o Judiciário resolver substituir o legislador. Isso não

precisa, necessariamente, acontecer. Basta que o Judiciário, observando segurança jurídica e

proteção da confiança, faça prevalecer a expectativa legítima. Haverá uma maior contenção do

administrador, naturalmente, que não poderá mudar como tem mudado o status quo, a situação

atual, mas isso vem com qualidade. Reduz-se a quantidade de mudança, mas amplia-se a

qualidade da mudança.

Risco de engessamento (ossification) da política. A proteção da confiança não impede

necessariamente a evolução da política e a resposta imediata do Estado às demandas

sociais. A continuidade que o princípio assegura apenas garante uma “mudança com

consistência” ( Anna Leisner-Egensperger)

A redução da vontade do administrador de divulgar informações. Isso deve ser analisado

em conjunto com o aumento da qualidade das manifestações. Elevação da aceitação

voluntária das decisões estatais (aumento da legitimidade estatal). (Soren Schonberg). É

verdade que se terá uma maior preocupação com o que será divulgado, mas pode ser que o

Estado passe a não mais divulgar coisa que ele não sabe se vai cumprir. Assim estará ciente de

que se expedir um ato, terá de cumprir aquela expectativa que ele mesmo criou na mente do

particular.

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Não faltarão os que argumentarão que isso gerará uma avalanche de processos judiciais. Mas,

onde o princípio da proteção da confiança é empregado, por exemplo, na Alemanha, na

Inglaterra, na Espanha não há uma comprovação de que o Judiciário ficou abarrotado de

processo por essa razão.

Essa não é a causa. A verdade é que o Judiciário está com uma demanda excessiva de processos

porque o Estado descumpre suas promessas, essa é a principal razão, muda suas regras de

forma abrupta, enquanto estão em plena vigência. De novo cabe o exemplo da aposentadoria. É

esse tipo de demanda que abarrota o judiciário e não em virtude da aplicação do princípio da

confiança.

Outra problema que pode ser argumentado é o subjetivismo nas decisões. Um juiz decidirá de

um jeito, o outro de outro; haverá demandismo em excesso. Esses são argumentos vazios, pois o

princípio da proteção da confiança reduz uma incerteza no Direito. Pelo contrário em vez de

reduzir a certeza, ele assegurará uma estabilidade no processo decisório, de modo que todos

saberão que se o Estado prometeu algo e abruptamente diz que não irá mais fazer, o Judiciário

preservará a expectativa legítima de direito do particular. O fato de as decisões serem

diferentes é inerente à Justiça. Justiça é o quê? Dar a cada um o que é seu. Não será possível ter

uma decisão uniforme quando os problemas forem individuais. Até porque isso seria injusto,

dar um tramento uniforme a casos distintos.

Ou seja, esse decisionismo faz parte da necessidade de se ter justiça em uma sociedade. Melhora

e eficiência da decisão estatal e acarreta uma redução de incerteza no processo decisório.

E mais, proteção da confiança não impõe o que é impossível. Isso é adotado em muitos países

desenvolvidos e não seria impossível adotá-lo no Brasil. Por que o Estado brasileiro tem de ter

essa liberdade absoluta de não sofrer quaisquer restrições em relação às suas decisões?