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UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO ESCOLA DE COMUNICAÇÃO, EDUCAÇÃO E HUMANIDADES Programa de Pós-Graduação em Comunicação Social CRISTIANE HOLANDA MORAES PASCHOIN COMUNICAÇÃO E LICENCIAMENTO AMBIENTAL: ESTUDO DE CASO DO RODOANEL MÁRIO COVAS - TRECHO LESTE São Bernardo do Campo SP, 2016

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UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO

ESCOLA DE COMUNICAÇÃO, EDUCAÇÃO E

HUMANIDADES

Programa de Pós-Graduação em Comunicação Social

CRISTIANE HOLANDA MORAES PASCHOIN

COMUNICAÇÃO E LICENCIAMENTO AMBIENTAL:

ESTUDO DE CASO DO RODOANEL MÁRIO COVAS -

TRECHO LESTE

São Bernardo do Campo – SP, 2016

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UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO

ESCOLA DE COMUNICAÇÃO, EDUCAÇÃO E

HUMANIDADES

Programa de Pós-Graduação em Comunicação Social

CRISTIANE HOLANDA MORAES PASCHOIN

COMUNICAÇÃO E LICENCIAMENTO AMBIENTAL:

ESTUDO DE CASO DO RODOANEL MÁRIO COVAS -

TRECHO LESTE

Dissertação de Mestrado apresentada para o

Programa de Pós-Graduação em Comunicação

Social, Curso de Mestrado, da Universidade

Metodista de São Paulo.

Orientador: Professor Dr. Wilson da Costa

Bueno

São Bernardo do Campo – SP, 2016

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FICHA CATALOGRÁFICA

P262c Paschoin, Cristiane Holanda Moraes

Comunicação e licenciamento ambiental: estudo de caso do

Rodoanel Mário Covas – Trecho Leste / Cristiane Holanda Moraes

Paschoin. 2016.

218 p.

Dissertação (Mestrado em Comunicação Social) --Escola de

Comunicação, Educação e Humanidades da Universidade

Metodista de São Paulo, São Bernardo do Campo, 2016.

Orientação: Wilson da Costa Bueno.

1. Comunicação 2. Licenças ambientais 3. Rodoanel Mário

Covas I. Título.

CDD 302.2

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FOLHA DE APROVAÇÃO

A dissertação de mestrado sob o título “COMUNICAÇÃO E LICENCIAMENTO

AMBIENTAL: ESTUDO DE CASO DO RODOANEL MÁRIO COVAS - TRECHO LESTE”

elaborada por CRISTIANE HOLANDA MORAES PASCHOIN, foi apresentada e aprovada

em 22 de agosto de 2016, perante banca examinadora composta por Prof. Dr. Wilson da Costa

Bueno (Presidente/ UMESP), Profa. Dra. Elizabeth Moraes Gonçalves (Titular/UMESP),

Prof. Dr. Backer Ribeiro Fernandes (Instituto Communitá).

_______________________________________________________

Prof. Dr. Wilson da Costa Bueno

Orientador e Presidente da Banca Examinadora

_______________________________________________________

Profa. Dra. Marli dos Santos

Coordenadora do Programa de Pós – Graduação

Programa: Pós- Graduação em Comunicação Social – PósCom

Área de concentração: Processos Comunicacionais

Linha de Pesquisa: Comunicação Institucional e Mercadológica

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Dedico

À minha família, a meus amados Willian e Gabriel, que pacientemente souberam esperar.

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“O diálogo é o encontro amoroso dos homens que, mediatizados pelo mundo, o

“pronunciam”, isto é, o transformam, e, transformando-o, o humanizam para a

humanização de todos.”

Paulo Freire (1983)

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Agradecimentos

A todos, que de algum modo me estenderam generosos incentivos para a realização

deste sonho.

A meu esposo, meu maior incentivador, que me mostrou que “sonhar um sonho juntos”

é mais fácil de alcançá-lo. Obrigado pelo colo, pelo ombro amigo e pelo carinho de sempre.

A meu filho Gabriel, cujo sorriso lindo e abraço contagiante me transmitiam força e

coragem, mesmo nos momentos em que me chamava para brincar e eu não o podia acompanhar.

A meus pais e a minha sogra que, desde o início, foram minha fortaleza, incentivando e

apoiando-me em momentos de cansaço. Agradecimento especial estendo à minha mãe, mulher

de fibra, coragem e paixão pela vida, fonte permanente de minha inspiração.

A meu orientador Wilson Bueno, mestre e amigo, pelo incentivo permanente e nobre

paciência no indicar os caminhos ao longo deste trabalho. Minha profunda admiração e

gratidão pelo seu conhecimento e observações construtivas, por reforçar meu empenho e busca

para o êxito deste trabalho.

A meu coordenador e amigos de trabalho da Prime Engenharia, pelo apoio

incondicional, e pela compreensão para com as exigências deste meu trabalho.

À minha grande amiga e coaching Sueli Costa, que me ensinou a caminhar rumo ao

meu sonho, enfrentar os obstáculos e superá-los. Obrigada pela mãe e amiga que sempre foi.

Ao corpo docente e administrativo do PÓSCOM da Metodista, pelos ensinamentos e

reflexões. Nunca mais serei a mesma, marcada que fui por vivências inesquecíveis!

Por fim, de forma humilde e especial, agradeço a Deus por todas as possibilidades e

bênçãos concedidas por Ele para que eu trilhasse e chegasse ao final desta caminhada.

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LISTA DE GRÁFICOS

Gráfico 01 – Ranking de produção de veículos ........................................................................ 26

Gráfico 02 – Malha Rodoviária Brasileira ............................................................................... 27

Gráfico 03 – Categoria Comunicação - Ribeirão Pires .......................................................... 130

Gráfico 04 – Categoria Impactos e benefícios - Ribeirão Pires ............................................. 131

Gráfico 05 – Categoria Interação e diálogo social - Ribeirão Pires ....................................... 132

Gráfico 06 – Categoria Comunicação - Suzano ..................................................................... 134

Gráfico 07 – Categoria Impactos e benefícios - Suzano ........................................................ 135

Gráfico 08 – Categoria Interação e diálogo social - Suzano .................................................. 136

Gráfico 09 – Categoria: Comunicação - Itaquaquecetuba ...................................................... 138

Gráfico 10 – Categoria: Impactos e benefícios - Itaquaquecetuba ......................................... 140

Gráfico 11 – Consolidado dos municípios - Comunicação .................................................... 141

Gráfico 12 – Consolidado dos municípios – Impactos e benefícios....................................... 142

Gráfico 13 – Consolidado dos municípios – Interação e diálogo social ................................ 142

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LISTA DE QUADROS

Quadro 01 – Evolução Socioeconômica na Zona de Influência da Rodovia Belém-Brasília .. 22

Quadro 02 – Classificação do Estado Geral – Gestão Concedida e Pública ............................ 26

Quadro 03 – Programas de gestão ambiental para uma usina hidrelétrica ............................... 54

Quadro 04 - Matriz de classificação dos stakeholders: interesse x poder ............................... 97

Quadro 05 - Quantitativo e detalhamento das entrevistas realizadas .................................... 127

Quadro 06 - Mapeamento de Lideranças – Rodoanel Trecho Leste ...................................... 128

Quadro 07 – Comentários dos entrevistados - Ribeirão Pires ................................................ 131

Quadro 08 – Comentários dos entrevistados - Ribeirão Pires ................................................ 132

Quadro 09 – Comentários dos entrevistados - Ribeirão Pires ................................................ 134

Quadro 10 – Comentários dos entrevistados - Suzano ........................................................... 135

Quadro 11 – Comentários dos entrevistados - Suzano ........................................................... 136

Quadro 12 – Comentários dos entrevistados - Suzano ........................................................... 137

Quadro 13 – Tabulação da entrevista – Poá ........................................................................... 138

Quadro 14 – Comentários dos entrevistados - Itaquaquecetuba............................................. 140

Quadro 15 – Comentários dos entrevistados - Itaquaquecetuba............................................. 141

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LISTA DE ILUSTRAÇÕES

Figura 01 – Mapa com o traçado do Rodoanel Mário Covas ................................................... 36

Figura 02 – Fluxograma simplificado das etapas do licenciamento ambiental ........................ 48

Figura 03 - Organização ISO 14063 ......................................................................................... 62

Figura 04 - Stakeholders em torno da organização .................................................................. 95

Figura 05 - Aumento dos stakeholders e pressão sobre a organização .................................... 96

Figura 06 - Aumento dos stakeholders e pressão sobre a organização .................................... 97

Figura 07 - Níveis de engajamento ......................................................................................... 102

Figura 08 – Banner de divulgação do local de início da obra ................................................ 107

Figura 09 – Governado Geraldo Alckmin no evento inaugural das obras do Trecho Leste .. 107

Figura 10 – Modelo do anúncio .............................................................................................. 108

Figura 11 – Capa e primeira página da cartilha ...................................................................... 109

Figura 12 – Miolo da cartilha com informações sobre o Rodoanel e o Trecho Leste ............ 110

Figura 13 – Unidade móvel atendendo algumas pessoas em Itaquaquecetuba ...................... 111

Figura 14 – Unidade móvel com profissional atendendo morador ........................................ 112

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Sumário Resumo ................................................................................................................................................. 12

Resumen ............................................................................................................................................... 13

Abstract ................................................................................................................................................ 14

Introdução ............................................................................................................................................ 15

Capítulo I – AS RODOVIAS NO BRASIL E O RODOANEL MÁRIO COVAS – TRECHO

LESTE .................................................................................................................................................. 19

1.1 Um breve histórico do rodoviarismo no Brasil ..................................................................... 19

1.2 A era do desenvolvimento alinhado à sustentabilidade ......................................................... 30

1.3 O Rodoanel Mário Covas e o Trecho Leste .......................................................................... 33

Capítulo II – COMUNICAÇÃO, MEIO AMBIENTE E SOCIEDADE ........................................ 43

2. Licenciamento ambiental: resgate histórico .............................................................................. 43

2.1 Plano Básico Ambiental: Programa de Comunicação Social ................................................ 54

2.2 A comunicação nas estratégias da organização ................................................................... 64

2.3 Responsabilidade Social: o relacionamento com os públicos de interesse ........................... 88

Capítulo III – COMUNICAÇÃO SOCIOAMBIENTAL EM RODOVIAS ................................ 103

3. Os processos comunicacionais durante a construção do Rodoanel Mario Covas - Trecho

Leste................................................................................................................................................103

3.1 Comunicação: além da informação. .................................................................................... 114

3.2 Caminhos Metodológicos/ Entrevistas ................................................................................ 122

3.3 Entrevistas ........................................................................................................................... 124

3.4 Considerações Éticas ........................................................................................................... 127

3.5 Resultados e discussão do Programa de Comunicação Social do Rodoanel Mário Covas -

Trecho Leste. ................................................................................................................................... 128

Considerações finais .......................................................................................................................... 146

Referências ......................................................................................................................................... 149

ANEXO A .......................................................................................................................................... 160

ANEXO B ........................................................................................................................................... 177

ANEXO C .......................................................................................................................................... 180

ANEXO D .......................................................................................................................................... 183

ANEXO E ........................................................................................................................................... 188

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Resumo

Os programas de Comunicação Social em empreendimentos rodoviários são previstos na

maioria dos estudos ambientais, quando há a necessidade de efetivar o licenciamento ambiental

e a participação de grupos sociais no empreendimento. Esses programas assumem o caráter

preventivo do projeto e normalmente são instituídos para garantir a qualidade ambiental,

buscando o equilíbrio entre o desenvolvimento econômico-social e a conservação do meio

ambiente. Nesse sentido, a implantação de empreendimentos rodoviários gera impactos no meio

ambiente e na sociedade toda, pois, além de alterarem as características físicas da região, eles

interferem significativamente no cotidiano das pessoas. Este estudo pretende analisar os

requisitos previstos no Programa de Comunicação Social, do Plano Básico Ambiental do

Rodoanel Mário Covas - Trecho Leste, bem como versar sobre temas subjacentes, tais como:

traçar um panorama do rodoviarismo no Brasil; fazer um resgate histórico do licenciamento

ambiental; discutir a importância da comunicação empresarial e social no alinhamento das

ações de responsabilidade social; e, finalmente, compreender os processos comunicacionais e

a interação social durante a construção da rodovia, avaliando em que medida a comunicação

social desempenha um papel mediador nas relações do empreendimento com os grupos sociais

atingidos. Para isso, como estudo de caso, o Rodoanel Mário Covas – Trecho Leste foi utilizado

como referência, bem como a pesquisa descritiva e pesquisa de campo, visando avaliar esta

relação com as comunidades afetadas. Como resultado desta pesquisa, foi possível verificar que

o Programa de Comunicação Social durante a implementação do empreendimento, foi

insuficiente, à medida que não cumpriu seus objetivos iniciais, e não avançou como mediador

nas relações.

Palavras-chaves: Comunicação. Licenciamento. Ambiental. Social. Rodoanel.

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Resumen

Los programas de comunicación social en los proyectos de carreteras se han previsto en la

mayoría de los estudios ambientales cuando existe la necesidad de llevar a cabo las licencias

ambientales y la participación de los grupos sociales en la empresa. Estos programas tienen el

carácter preventivo del proyecto y por lo general están instituidas para asegurar la calidad del

medio ambiente, buscando un equilibrio entre el desarrollo económico y social y la

conservación del medio ambiente. En este sentido, la implementación de proyectos de carreteras

genera impactos sobre el medio ambiente y toda la sociedad, ya que, además de alterar las

características físicas de la región, interfieren significativamente en la vida diaria de las

personas. Este estudio tiene como objetivo analizar los requisitos del Programa de

Comunicación Social, el Plan Básico Ambiental Mario Covas carretera de circunvalación -

Extracto del Este, así como ser acerca de los problemas subyacentes, tales como la elaboración

de un panorama rodoviarismo en Brasil; hacer un licenciamiento ambiental histórica; discutir

la importancia de los negocios y los medios de comunicación en la alineación de la

responsabilidad social; y, finalmente, entender los procesos de comunicación e interacción

social durante la construcción de la carretera, evaluar en qué medida los medios juegan un papel

mediador en el desarrollo de las relaciones con los grupos sociales afectados. Para ello, como

un estudio de caso, la carretera de circunvalación Mario Covas - Tramo Este se utilizó como

referencia e investigación descriptiva y la investigación de campo para evaluar esta relación

con las comunidades afectadas. Como resultado de esta investigación, se encontró que el

Programa de Comunicación Social durante la ejecución del proyecto fue insuficiente, ya que

no cumplió sus objetivos iniciales, y no avanzó como mediador en las relaciones.

Palabras Clave: Comunicación. La concesión de licencias. Ambiental. Social. Circunvalación.

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Abstract

The Social Communication programs in road projects are planned in most environmental

studies when there is the need to carry out environmental licensing and the participation of

social groups in the enterprise. These programs take the preventive nature of the project and are

usually instituted to ensure environmental quality, seeking a balance between economic and

social development and environmental conservation. In this sense, the implementation of road

projects generates impacts on the environment and the whole society, because, in addition to

altering the physical characteristics of the region, they significantly interfere in people's daily

lives. This study aims to analyze the requirements of the Social Communication Program, the

Basic Plan Environmental Mario Covas Ring Road - Excerpt East, as well as be about

underlying issues, such as drawing a rodoviarismo panorama in Brazil; make a historical

environmental licensing; discuss the importance of business and the media in the alignment of

social responsibility; and finally understand the communication processes and social interaction

during the construction of the highway, assessing to what extent the media plays a mediating

role in the development of relations with the affected social groups. For this, as a case study,

the Mario Covas Ring Road - Eastern Section was used as reference and descriptive research

and field research to evaluate this relationship with the affected communities. As a result of this

research, we found that the Social Communication Program during the implementation of the

project was insufficient, as it did not fulfill its initial objectives, and did not advance as a

mediator in relations.

Keywords: Communication. Licensing. Environmental. Social. Beltway.

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Introdução

O Brasil, nos últimos anos, atravessou uma fase de grande desenvolvimento industrial

e consequente crescimento econômico, com a implementação de projetos de infraestrutura e

logística para melhorar o atendimento das demandas comerciais.

Distribuídas por todo o país, a maior parte destas obras está concentrada nas regiões sul

e sudeste, em áreas densamente povoadas que precisam conviver com a realidade dos projetos

de grande porte em seu dia a dia.

Desafiada por esse crescimento, e com a perspectiva de exercer o controle prévio do uso

dos recursos naturais, a legislação ambiental no Brasil especializou-se em organizar o

licenciamento ambiental de empreendimentos com potencial poluidor.

De acordo com a resolução Conama nº 1, de 23 de janeiro de 1986, o Ibama – Instituto

Brasileiro de Meio Ambiente consolidou as definições, as atribuições e responsabilidades, além

de critérios e objetivos para a Avaliação de Impacto Ambiental em novos projetos, conforme

preconiza a Política Nacional de Meio Ambiente, assim descrita:

“Artigo 1º - Para efeito desta Resolução, considera-se impacto ambiental qualquer

alteração das propriedades físicas, químicas e biológicas do meio ambiente, causada por

qualquer forma de matéria ou energia resultante das atividades humanas que, direta ou

indiretamente, afetam:

I - a saúde, a segurança e o bem-estar da população;

II - as atividades sociais e econômicas;

III - a biota;

IV - as condições estéticas e sanitárias do meio ambiente;

V - a qualidade dos recursos ambientais.”

O crescimento econômico no Brasil trouxe muitos benefícios, mas em contrapartida

gerou impactos significativos no meio ambiente e na sociedade. Somente após a criação e a

aplicação da legislação ambiental, esses impactos puderam ser avaliados e mitigados, buscando

compensar os públicos atingidos. De acordo com os autores a seguir:

Foi uma resposta às pressões crescentes da sociedade organizada para que os aspectos

ambientais passassem a ser considerados na tomada de decisão sobre a implantação de

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projetos capazes de causar significativa degradação ambiental (DIAS; SÀNCHEZ, 2001,

p.165).

No Brasil, somente a partir da década de 1980 é que efetivamente pode ser observada

uma maior preocupação com as questões ambientais, devido às pressões exercidas pelos

organismos multilaterais de financiamento para grandes projetos, conforme destacado por

Omena & Santos (2008), pois nessa época o meio ambiente era visto como um entrave ao

crescimento.

A sociedade civil, direta e indiretamente afetada por grandes projetos, começou a

questionar a viabilidade dos empreendimentos. O processo de licenciamento ambiental

“organizou” essas discussões, permitindo que a sociedade civil fosse, dessa forma, ouvida e,

em alguns casos, atendida em seus anseios.

Muitos projetos, na fase do licenciamento ambiental, geraram várias polêmicas, porque

a consulta e a participação da sociedade civil ocorriam normalmente numa etapa avançada do

licenciamento, o que, em casos muito graves, pode até levar à mudança de projeto.

Por suas características, empreendimentos rodoviários são projetos licenciados pelos

órgãos ambientais por causarem grandes impactos, tais como: alteração da qualidade das águas

superficiais e subterrâneas; aumento da carga de sedimentos e assoreamento de corpos d’água;

poluição do solo e da água com substâncias químicas; alteração na biodiversidade da fauna e

flora na faixa de domínio e áreas limítrofes; desmatamento; efeitos do ruído sobre a população

humana e fauna; adensamento da ocupação humana nas margens das rodovias e áreas de

influência. Nas palavras dos autores a seguir:

As obras rodoviárias constituem uma categoria de empreendimento comumente de grande

porte que modifica intensamente o desenvolvimento e ordenamento territorial regional,

causando significativos impactos ambientais, positivos ou negativos, que podem afetar

diretamente ou indiretamente a saúde, a segurança e o bem-estar da população, as

atividades sociais e econômicas, a biota, as condições estéticas e sanitárias do meio

ambiente e a qualidade dos recursos ambientais. (CUNHA & GUERRA, 2001).

É nesta perspectiva que são construídos os componentes de um Plano de Gestão

Ambiental ou Plano Básico Ambiental, é para planejar ações mitigadoras e compensatórias e

estabelecer medidas que reduzam a magnitude do impacto.

Em geral, os Planos Básicos Ambientais preveem a realização de Programas de

Comunicação Social (PCS), como medida de mitigação de impacto durante a execução de

grandes obras. O PCS desempenha papel fundamental no processo de comunicação do projeto,

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informando o cronograma da obra e suas fases de construção às populações diretamente

afetadas pelo empreendimento, estabelecendo vínculo com as comunidades impactadas e

zelando pela imagem da empresa.

No entanto, percebe-se que não há uma legislação que norteie a elaboração dos

Programas de Comunicação Social (PCS) em grandes empreendimentos, muito menos em

rodovias. Todos os processos criados até hoje foram pautados na experiência de

empreendimentos do passado. Os órgãos ambientais fiscalizadores não dispõem de

profissionais especializados na área de comunicação social para analisar a execução do PCS.

Diante dos fatos, e para tratar do problema desta pesquisa, será necessário compreender

como foram construídos os processos de comunicação social com as comunidades afetadas pelo

projeto, a fim de refletir sobre a eficácia do programa e sua efetividade. Sendo assim, algumas

questões nortearam a referida pesquisa, são elas:

- Em que medida o Programa de Comunicação Social atende às demandas da população

atingida durante a obra?

- O Programa de Comunicação Social pode efetivamente contribuir para minimizar as

consequências de um empreendimento, muitas vezes de dimensões consideráveis, para as

populações atingidas?

- O Programa de Comunicação Social tem diretrizes definidas para sua elaboração e

execução?

Para responder estes questionamentos e seguir uma estrutura metodológica, esta

investigação valeu-se de pesquisa bibliográfica e documental, além de pesquisas de campo,

realizadas por meio de entrevistas com lideranças representativas dos municípios de Ribeirão

Pires, Suzano, Poá e Itaquaquecetuba. No município de Mauá, não foi identificada liderança

representativa, conforme o relatório da empresa Communitá, que forneceu subsídios ao Estudo

de Impacto Ambiental, e serviu de base para este estudo.

Em síntese, a pesquisa aqui apresentada está dividida da seguinte forma:

Pesquisa documental aprofundada, no sentido de reconstruir uma linha cronológica com

a construção das primeiras rodovias no Brasil, relacionando com a industrialização,

investimentos no setor automobilístico, e a forte influência para o aumento do rodoviarismo no

Brasil. A pesquisa documental foi fundamental, principalmente no que se refere à história, um

dos maiores desafios deste trabalho, devido à ausência de bibliografias sobre o rodoviarismo

no Brasil.

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Outro aspecto importante, foi em relação às pesquisas no que concerne o licenciamento

ambiental e a comunicação social neste processo, muitas dificuldades foram encontradas,

devido poucas teses ou dissertações encontradas neste campo. O que nos leva a pensar que são

necessários cada vez mais, estudos que comprovem a eficácia ou não destes programas

socioambientais.

Assim, no primeiro capítulo, apresentamos um panorama histórico das rodovias no

Brasil, suas principais características e influências políticas que incentivaram o uso do meio de

transporte individual. São discutidos aspectos de sustentabilidade nos dias atuais em uma era

em que o desenvolvimento é fortemente expansivo e complexo, fazendo emergir daí questões

de como trabalhar aspectos sociais e ambientais ante mudanças e impactos globais. O capítulo

encerra-se com a apresentação sobre o que é o projeto Rodoanel Mário Covas, suas delimitações

por trechos, e as especificidades do trecho leste, o corpus desta pesquisa.

O segundo capítulo dedica-se a discutir as interações entre o meio ambiente e a

sociedade, os caminhos do licenciamento ambiental no Brasil, a elaboração de um Plano Básico

Ambiental e o Programa de Comunicação Social, passando pelos conceitos de comunicação

organizacional e por abordagens da responsabilidade social, no que se refere ao relacionamento

com os públicos de interesse.

No terceiro e último capítulo, apresenta-se como se deram os processos

comunicacionais do Rodoanel Trecho Leste com suas partes interessadas, dando a conhecer os

instrumentais utilizados e as informações ao órgão ambiental para cumprimento do Programa

de Comunicação Social - PCS. Além disso, foi destacado o conceito de comunicação que

ultrapassa um simples informar, para valorizar o diálogo social e assim promover a chamada

interação social. Neste capítulo, foram apontados os caminhos metodológicos, com detalhes da

pesquisa de campo, os resultados da discussão do objetivo do PCS e, finalmente, a identificação

de pontos aglutinadores e problemáticos do programa.

Por fim, vários autores referendaram os conceitos de comunidade, imagem e reputação

e também o uso das tecnologias na comunicação. Por meio desses nomes, pôde-se confirmar o

quanto a comunicação social pode e deve ser mais estratégica, atuando em parceria com a área

ambiental de empreendimentos rodoviários e outros.

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Capítulo I – AS RODOVIAS NO BRASIL E O RODOANEL MÁRIO

COVAS – TRECHO LESTE

1.1 Um breve histórico do rodoviarismo no Brasil

Criada em 1861, a primeira estrada brasileira, a União Indústria, começou a desenhar os

rumos do rodoviarismo no Brasil. Até meados dos anos de 1930, o Brasil não dispunha de leis

que incentivassem a construção de rodovias.

Em 1905, foi aprovada a primeira lei que concedia incentivo financeiro federal para a

construção de estradas, porém, somente em 1920, com a criação da Inspetoria Federal de Obras

contra as Secas, voltada apenas para estradas do Nordeste, foi possível ter um órgão que

atentasse para tais questões.

Movido por esses questionamentos, o estado de São Paulo, com Washington Luís, então

secretário de justiça e segurança pública, incentivou a criação do Automóvel Clube de São

Paulo, do qual foi seu vice-presidente, e percorreu as estradas paulistas, traçando os primeiros

projetos para a melhoria das rodovias e posterior implantação de um plano rodoviário estadual.

Eleito como deputado estadual para o mandato de 1912-1913, Washington Luís

acreditava que presos com boa conduta deveriam ter suas penas reduzidas, caso fossem

utilizados na construção de estradas. Foi assim que conseguiu aprovar a lei estadual nº 1.406,

em 1913, que estabelecia o regime penitenciário do estado de São Paulo e regulamentava a

utilização de presos na construção de rodovias. Uma das principais obras viárias a utilizar os

presidiários foi a estrada Velha de Campinas, iniciada em 1916.

Valorizando os empreendimentos rodoviários, Washington Luís já dizia que: “As

estradas aproximam os centros produtores dos centros consumidores, valorizam as terras que

atravessam, tornavam baratos os produtos que exploram e trazem a facilidade de comunicação

para correios e escolas”. Com semelhante atitude, ele foi um visionário da época, que se

antecipava ao que mais tarde seria o principal modal brasileiro.

Posteriormente, Washington Luís foi prefeito na cidade de São Paulo (1914-1919), onde

deixou 300 km de estradas, enfatizando que as estradas deveriam ter requisitos de qualidade

para servir a todos e em qualquer época do ano.

Segundo a ABCP - Associação Brasileira de Cimento Portland, no livro Governar é abrir

estradas (2009), há uma referência ao trabalho de Washington Luís:

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Ao entregar o governo ao sucessor Carlos Sampaio, deixou 1.236 km em estradas, sendo que

413 km executadas e 823 km em estudo. Entre os feitos estão a São Paulo- Rio, até Cachoeira; a

São Paulo- Minas até Ribeirão Preto; a São Paulo- Mato Grosso até Tietê; e a São Paulo-Paraná

até Itapetininga. (ABCP, 2009, p.16).

E, finalmente, quando ele chegou à presidência do Brasil em 1926, a construção

rodoviária tornou-se prioridade como política pública. No ano seguinte, em 1927, foi criado o

Fundo Especial para a Construção e Conservação das Estradas de Rodagem e a Comissão de

Estradas de Rodagem, ambas federais. O Fundo instituiu uma taxa sobre a importação de

gasolina, automóveis e caminhões e, em seguida, por volta de 1933, um grupo de trabalho foi

responsável por elaborar um projeto de lei que, mais tarde, criaria o Departamento Nacional de

Estradas de Rodagem – DNER.

Vale destacar que, até a década de 1940, o país tinha apenas 423 km de rodovias

pavimentadas, entre estados e federação, e não havia sequer integração entre modais, tais como

as ferrovias e hidrovias existentes.

Já na era Vargas, em 1944, foi aprovado o primeiro Plano Rodoviário Nacional, por

meio do decreto nº 15.093, de 1945, exatamente quando Getúlio deixava o poder. No mesmo

ano, o ministro da Viação e Obras Públicas, Maurício Joppert da Silva, levava à sanção do então

presidente interino, José Linhares, o Decreto-lei 8.463, que conferia autonomia técnica e

financeira ao DNER. Ficou conhecida como lei Joppert, a qual criava o Fundo Rodoviário

Nacional.

Entre os anos de 1937 até 1945, o DNER havia construído apenas 1.519 km de estradas,

como consequência da lei Joppert; em 1950, o Brasil já contava com mais 968 km de malha

rodoviária pavimentada, o dobro do verificado em 1945. Registra-se aqui que, nas décadas

seguintes, há uma “explosão” do rodoviarismo no Brasil e, ao final da década de 1960, o país

estava interligado por rodovias, com exceção de Manaus e Belém.

Esse período de crescimento rodoviário foi impulsionado principalmente no governo de

Juscelino Kubitscheck - JK (1956-1961), que, em sua gestão, promoveu o desenvolvimento

industrial pautado no chamado Plano de Metas, que visava diversificação e crescimento da

economia brasileira.

Esse plano tinha o lema “cinquenta anos em cinco” e, desse modo, pretendia integrar

todas as regiões do Brasil, com o objetivo de diminuir os custos da economia brasileira criando

estradas e ampliando as fontes de energia.

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Com uma plataforma desenvolvimentista, JK incrementou o desenvolvimento da região

central do Brasil, Brasília, e, junto com a cidade, uma grande obra rodoviária ajudou

sobremaneira o povoamento e desenvolvimento do Brasil Central e da Amazônia: a

rodovia BR- 153 (antiga BR-14), também conhecida como rodovia Belém-Brasília.

O Plano de Metas facilitou a entrada de capital estrangeiro no país e incentivou a vinda

de grandes empresas multinacionais. Nesse sentido, JK fomentou a implantação da indústria

automobilística estimulando a vinda de fábricas de automóveis para o Brasil. Na ocasião, como

os Estados Unidos estavam mais interessados no mercado europeu, marcas europeias, com o

capital alemão (Volkswagen), francês (Simca) e nacional, com tecnologia estrangeira (Vemag),

vieram para o Brasil.

Concomitante a esse movimento econômico, outras importantes obras rodoviárias eram

construídas, ligando as regiões brasileiras, ainda na gestão de Juscelino:

Rodovia Régis Bittencourt (antiga BR-2), que liga o Sudeste do Brasil ao Sul,

inaugurada no início de 1961;

A rodovia Fernão Dias, que liga São Paulo a Belo Horizonte, obra iniciada

por Getúlio Vargas, inaugurada por JK em 1960 e concluída em 1961;

A BR-364, que liga Cuiabá a Porto Velho e Rio Branco, inicialmente uma estrada de

terra, e asfaltada em 1983. A BR-364 foi a primeira rodovia a ligar o Centro-

Oeste a Rondônia e ao Acre.

Até a década de 1970, o DNER continuou implementando grandes obras rodoviárias, por

meio do Programa de Integração Nacional, criado pelo Decreto – Lei 1106, de 16 de junho de

1970. Esse programa tornou possível promover e financiar um conjunto de obras de

infraestrutura na região norte do Brasil, visando garantir a unidade e a soberania nacional,

através das interligações regionais.

O plano tinha como principais objetivos: (BRASIL, 1970, p 31):

Deslocar a fronteira econômica, e, notadamente, a fronteira agrícola, para as

margens do rio Amazonas [...];

Integrar a estratégia de ocupação econômica da Amazônia e a estratégia de

desenvolvimento do Nordeste [...];

Criar as condições para a incorporação à economia de mercado [...] de amplas

faixas de população antes dissolvidas na economia de subsistência [...];

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Estabelecer as bases para a efetiva transformação da agricultura da região

semiárida do Nordeste;

Reorientar as emigrações de mão de obra do Nordeste, em direção aos vales

úmidos da própria região e à nova fronteira agrícola;

Assegurar o apoio do Governo Federal ao Nordeste, para garantir um processo

de industrialização tendente à autossustentação [...]. ”

Esses poucos itens indicam um quadro geral do que se pretendia dizer por “integração

nacional”. Nesse período, vivia-se em ditadura militar, o presidente era Emílio Garrastazu

Médici, com um governo marcado por torturas e morte, mas que também teve crescimento

econômico, conhecido como o “milagre brasileiro”, graças ao crescimento da classe média e

baixa. Houve aumento no consumo de bens duráveis e produção de automóveis, tornando-se

comuns, nas residências, o televisor e a geladeira.

Com recursos advindos do Programa de Integração Nacional, nasceu a Transamazônica,

a Belém-Brasília, a construção da Ponte Presidente Costa e Silva (Rio-Niterói), entre tantas

outras obras.

Segundo Resende (1973), surge:

Daí o imperativo de lançamento de vias terrestres de penetração e conexão dos rios, como

decorrência da necessidade de complementação do sistema fluvial, formando-se uma rede

integrada de transportes que favorecesse a colonização das áreas situadas entre rios e propiciasse

o acesso às riquezas minerais existentes. Este terá sido um dos principais alcances do Programa

de Integração Nacional. (RESENDE, 1973, p. 14).

O propósito era, como se vê, interligar as regiões mais remotas do país, tal como a

Amazônia, que ocupa cerca de cinco milhões de quilômetros quadrados do território brasileiro,

dispõe de rios navegáveis, além de ser importante campo de pesquisa.

O investimento em rodovias também tinha como objetivo a ocupação de vastas porções

do interior do país, transformando regiões desertas em áreas povoadas, com respostas

favoráveis ao setor econômico.

Como exemplo, SMITH (1982) menciona que, “a seca intensa que atingiu o Nordeste

em 1970 causou a migração de cerca de 3,5 milhões de pessoas, fator de provável grande

influência na decisão de se construir a rodovia Transamazônica. (SMITH, 1982, p. 13 apud

HALL, 1978).

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O mesmo autor acrescenta ainda que, “a região Amazônica, com bom suprimento de

água e baixas densidades populacionais, que se tornaria acessível através da Transamazônica,

podia ser vista como válvula de escape para os movimentos migratórios do Nordeste. (SMITH,

1982, p.13).

Processo semelhante envolveu também a rodovia Belém – Brasília, chamada rodovia de

“penetração”, que dava acesso às regiões virgens do nosso país. Na década de 1970, foi feita

uma pesquisa para avaliar as atividades econômicas e as condições sociais da região de

influência da rodovia, antes e depois de sua construção, que apresentou o seguinte resultado,

conforme demonstra Resende (1973, p. 20):

Quadro 01 – Evolução Socioeconômica na Zona de Influência da Rodovia Belém-Brasília

Aspecto Aferido Situação em 1960 Situação em 1970

População (excluídas as

cidades de Brasília, Anápolis

e Belém)

100.000 hab. 2.000.000 hab.

Número de cidades e

povoados

10 120

Rebanho Bovino Inexpressivo 5.000.000 reses

Agricultura De subsistência Culturas intensivas de milho, feijão,

arroz e algodão

Média diária de tráfego Praticamente

inexistente

700 veículos no trecho inicial sul

Anápolis- Ceres – Uruaçu

350 veículos no trecho intermediário

Uruaçu – Porangatu e Gurupi

300 veículos no trecho restante, até

a zona de influência de Belém,

quando esse índice se eleva

acentuadamente.

Estradas vicinais Inexistentes 2.300 km, em implantação acelerada

Fonte: RESENDE (1973, p. 20)

Com esses e outros indicadores, o governo brasileiro incluiu nos programas de

construção de rodovias pavimentações e outras melhorias técnicas, e com isso transformou a

Rodovia Belém–Brasília e outras estradas em vias coletoras e condutoras de significativo fluxo

de produção.

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As rodovias do norte, nordeste e centro–oeste foram, de alguma forma, custeadas pelo

sul e sudeste, que se encontrava em estágio avançado quanto ao desenvolvimento econômico,

e abrigava razoável concentração demográfica. A maior parte da frota de veículos estava no sul

e sudeste, e seus usuários já contribuíam de forma expressiva para a renda nacional.

Tal fato permite ressaltar que, nessas regiões de maior projeção de tráfego de veículos e

pessoas, também eram previstas melhorias na rede viária, tais como: construção e

pavimentação, ampliação da capacidade existente, duplicação de pistas e novas faixas de

rolamento.

Nesse sentido, durante a análise dos dados, foi possível verificar que, ainda na década de

1970, os investimentos rodoviários em regiões desenvolvidas eram cada vez mais necessários,

em virtude do alto custo dos fretes internos dos produtos de exportação.

Em 1979, o Ministério dos Transportes criou o Programa dos Corredores de Exportação,

por meio da Portaria nº 805, de 26 de novembro, que preconizava a melhoria da infraestrutura

viária, desde a área de produção até os portos selecionados, e objetivava harmonizar os diversos

modais de transporte (hidrovia e ferrovia), minimizando os custos de transferência das

mercadorias.

O Brasil chegava aos anos de 1980 com 47 mil km de rodovias federais pavimentadas.

A atuação do DNER continuaria marcante, e, no final da década, em 1988, o Fundo Nacional

Rodoviário foi definitivamente extinto, e incentivos foram criados nos anos seguintes, como o

selo-pedágio, em 1989, e o imposto do petróleo, em 1991, porém tais recursos foram

diminuindo gradativamente. Em 1970, cerca de US$ 2,3 bilhões eram destinados às rodovias

federais, enquanto em 1998 havia apenas US$ 1,2 bilhões.

Vale pôr em destaque que o Fundo Nacional Rodoviário, criado em 1945, foi responsável

em destinar grande parte dos recursos que construiu as rodovias brasileiras, e era basicamente

formado por impostos sobre combustíveis, lubrificantes, impostos sobre serviços rodoviários

de cargas e passageiros, e uma taxa sobre a propriedade do veículo. Esses recursos eram

arrecadados pela União e destinavam-se à implementação do Plano Rodoviário Nacional e ao

auxílio financeiro aos estados para seus investimentos rodoviários.

Contudo, no decorrer dos anos, esses recursos foram sendo transferidos para outras áreas,

saindo da competência da União em alguns casos e indo para estados e municípios, como foi

com o imposto sobre combustíveis e lubrificantes, então substituídos pelo ICMS (Imposto sobre

Circulação de Mercadorias e Serviços), cuja arrecadação pertence integralmente aos estados e

municípios.

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O imposto sobre a propriedade de veículos, que era repartido entre União, estados e

municípios, foi substituído, em 1985, pelo IPVA, de competência estadual e compartilhado pelo

estado arrecadador e seus municípios, eliminando-se a participação da União.

Com tanta escassez de recursos, novas alternativas foram colocadas em prática na década

de 1990, tais como o Programa de Concessões Rodoviárias, o Programa de Descentralização e

Restauração da Malha, e o Programa Cremam, de restauração e manutenção rodoviárias por

períodos de cinco anos.

Programas como esses eram fundamentais para a manutenção de importantes rodovias

que já cumpriam uma função logística e econômica para o país, e não havia outra forma de

conseguir recursos senão por meio de fontes privadas.

O Programa de Concessões de Rodovias Federais começou a ser implantado com a

licitação de cinco trechos que haviam sido pedagiados diretamente pelo Ministério dos

Transportes, numa extensão total de 858,6 km. Realizaram-se estudos para identificar outros

segmentos considerados técnica e economicamente viáveis para inclusão no referido programa.

Foram analisados 18.059,1km de rodovias, destes, 11.191,1Km foram considerados viáveis

para concessão e 6.868 km viáveis somente para a concessão dos serviços de manutenção.

Para a Agência Nacional de Transportes Terrestres – ANTT:

A concessão de rodovias com pagamento de pedágio garante o investimento e a manutenção

constante necessária em trechos rodoviários estratégicos para o desenvolvimento da

infraestrutura do país. São rodovias com fluxo intenso de veículos e, consequentemente, com

desgaste rápido do pavimento que nem sempre consegue ser recuperado com recursos públicos.

Além da manutenção, as concessionárias também prestam serviços de atendimento aos usuários,

em especial, o atendimento médico de emergência em acidentes e o serviço de guincho para

veículos avariados na rodovia. (ANTT, site, 2016)

Para resumir, o governo transferiu parte da responsabilidade para o usuário e as

empresas privadas, e o cidadão paga duas vezes para ter um serviço básico e de qualidade, além

de esse recurso ficar limitado à quantidade e ao fluxo de veículos na rodovia para que esta

receba as devidas melhorias.

Segundo Lacerda, em publicação do BNDES (2005):

As concessões rodoviárias dependem de rodovias com densidade de tráfego alta o suficiente para

gerar receitas para cobrir os custos de sua operação e manutenção e de eventuais obras de

adequação. Apesar de menos frequente, a construção de trechos rodoviários, desde que seja

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factível sua remuneração por pedágios, também é realizada através de concessões. (LACERDA,

2005, p. 156).

Portanto, nessa relação, usuário e empresa privada são extremamente interdependentes.

O governo distancia-se da questão, isentando-se de responsabilidades, estimulando cada vez

mais o uso do automóvel para que o cidadão/usuário “pague” esta conta.

No livro O Financiamento da Infraestrutura Rodoviária através de Contribuintes e

Usuários, do BNDES, verifica-se que foi por meio da Lei 9277-96 que a União delegou aos

estados a “exploração de trechos das rodovias ou obras rodoviárias”. (LACERDA, 2005, p.

148).

Lacerda ainda menciona que:

As rodovias federais foram delegadas aos estados do Paraná, Rio Grande do Sul, Santa Catarina,

Minas Gerais e Mato Grosso do Sul. No estado de São Paulo, foram transferidas para a

administração privada 3.897 quilômetros e foram construídos novos trechos, num total de 110

quilômetros. No Rio Grande do Sul, o programa de concessões rodoviárias começou em 1995 e

envolveu 2.403 quilômetros de rodovias e o prazo adotado foi de 15 anos. No Paraná, foram

concedidos 2.495 quilômetros e o prazo de concessões adotado foi de 24 anos, sendo que o

critério de concessão foi a maior extensão de trechos não pedagiados a serem mantidos pelas

concessionárias. Existem também concessões de rodovias estaduais no Rio de Janeiro (Via Lagos

e a via municipal urbana Linha Amarela), no Espírito Santo (Rodosol) e na Bahia (Linha Verde).

(LACERDA, 2005, p. 148).

Nesse sentido, ficam evidentes os interesses governamentais para que tal sistema de

concessões se mantenha. Em um país como o Brasil, com crescimento demográfico elevado,

aumento de renda, e ausência de incentivos para o uso do transporte público e sua manutenção,

haverá um aumento considerável na aquisição de veículos. E, isso, cada vez mais, vai saturar a

malha viária e consequentemente exigir novos investimentos para ampliar e melhorar as

estradas do país.

De acordo com Fragomeni (2012, p. 64 apud Nolad e Quddus):

Quanto maior a oferta de vias, insinuando menor tempo de viagem e maior conforto para os

motoristas, maior a demanda por veículos. Outro aspecto destacado pelos autores é a atração de

mais usuários para os meios privados de transporte, diminuindo a lucratividade e a qualidade dos

meios coletivos de transporte.

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Essa questão é de tal modo dicotômica que, segundo dados da pesquisa da Confederação

Nacional de Transportes – CNT, em 2015, as rodovias concessionadas eram mais bem avaliadas

do que as estradas com gestão pública. Ou seja, para que o cidadão brasileiro disponha de boas

rodovias, ele deve pagar “duas vezes” para ter este serviço, isto é, por meio dos impostos (gestão

pública) e tarifas de pedágio (gestão concessionada).

A seguir, será apresentada a classificação do estado geral das rodovias que estão sob

gestão concedida ou gestão pública, conforme avaliado pela CNT:

Quadro 02 – Classificação do Estado Geral – Gestão Concedida e Pública

ESTADO GERAL - GESTÃO CONCEDIDA E PÚBLICA

Estado Geral Gestão concedida Gestão pública

Km % Km %

Ótimo 7.415 37,4 5.225 6,5

Bom 8.084 40,9 22.380 27,6

Regular 3.808 19,2 31.297 38,7

Ruim 497 2,5 15.717 19,4

Péssimo - - 6.340 7,8

TOTAL 19.804 100 80.959 100

Fonte: Confederação Nacional de Transportes - CNT - 2015

Analisando-se os dados do quadro acima, verifica-se que os percentuais se aproximam

no que tange à rodovia boa, quando pertence à gestão concedida, e à rodovia ruim, quando

pertence à gestão pública. É possível afirmar, por essa análise, que o poder público não tem

priorizado as melhorias em suas rodovias, o que justifica, portanto, sua necessidade de apoio

da iniciativa privada. Daí a constatação de que a cada ano mais e mais estradas estão sendo

construídas por parcerias público-privadas, ou sendo concessionadas desde a sua construção.

Em um cenário de tantos incentivos para a construção de rodovias, além de crescimento

econômico, aumento da renda do trabalhador e estímulo para compra de veículos individuais,

é explicável o aumento da frota de veículos nas grandes cidades.

Conforme dados da OICA (sigla em francês), Organização Internacional de Fabricantes

de Veículos Automotores, a produção de veículos no Brasil elevou-se nos últimos anos, o que

coloca o Brasil na 8º posição do ranking mundial na fabricação de veículos, conforme

demonstrado no gráfico 1 a seguir:

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Gráfico 01 – Ranking de produção de veículos

Fonte: Organisation Internationale des Constructeurs d'Automobiles – OICA - 2014

O gráfico anterior mostra que, além do desafio de o Brasil enfrentar o crescimento de

suas atividades industriais, comerciais e agropecuárias, bem como o escoamento e distribuição

de sua produção, para o mercado interno e externo previsto no início dos anos 1960, hoje é

preciso ainda construir novas estradas, duplicar, consertar e conservar as que existem.

Ademais, no ano de 2015, segundo o Fundo Monetário Internacional – FMI, o fato de o

Brasil estar na 8º posição do ranking das maiores economias do mundo faz com que se necessite,

por isso, cada vez mais de investimentos em infraestrutura, e o enfoque não pode ocorrer

somente no modal rodoviário, pois chegará um momento em que sua capacidade de suporte

poderá sucumbir.

Dados da Confederação Nacional de Transporte – CNT 2015, que trata da questão das

rodovias no Brasil, registram que atualmente temos 1.720.607km de rodovias, cujas

características serão apresentadas no Gráfico 2, desta forma:

23,7

11,6

9,7

5,9

4,5

3,8

3,3

3,1

2,4

2,3

0 5 10 15 20 25

CHINA

EUA

JAPÃO

ALEMANHA

CORÉIA DO SUL

ÍNDIA

MÉXICO

BRASIL

ESPANHA

CANADÁ

Ranking de produção de veículos(milhões de unidades)

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Gráfico 02 – Malha Rodoviária Brasileira

É importante mencionar que, conforme o gráfico demonstra, mesmo as rodovias

pavimentadas, em um total de 12%, em sua maior parte federais, não estão em boas condições

de tráfego nem de cargas nem de pessoas.

Na mesma pesquisa da CNT, houve crescimento e melhorias de pavimentação em

algumas rodovias brasileiras, localizadas prioritariamente nas regiões nordeste (20. 014 km),

sudeste (14.665 km), sul (12.066 km), centro-oeste (11.466 km) e norte (8.561 km), porém, no

ranking mundial de qualidade das rodovias, o Brasil ainda está na 121ª posição. Registra a

Confederação Nacional dos Transportes – CNT (2015, p.13) que:

De modo geral, muitas rodovias foram penalizadas, ao longo dos anos pela ausência de

investimentos e, manutenção e/ou conservação nos moldes necessários e, cada vez mais, esse

fator tem contribuído para a depreciação da malha rodoviária brasileira. Outro fator preocupante

é a pressão crescente do volume de tráfego que, combinados com as más condições, implica

também no aumento do número de acidentes.

É certo que esses problemas são propriamente da vida cotidiana, mas também é evidente

que se priorizou e implantou uma política de modal rodoviário muito mais para veículos

individuais, o que deixou para a sociedade a responsabilidade e uma conta a ser paga

infinitamente.

Dados da pesquisa CNT 2015 apontam que a frota de veículos somente na região sudeste

é de 43.612.030, seguido de 17.713.271 no sul do país e 14.737.341 na região nordeste. Como

analisado anteriormente, os incentivos para implementação de rodovias sempre se voltaram

12%

79%

9%

MALHA RODOVIÁRIA BRASILEIRA

Rodovias pavimentadas

Rodovias não pavimentadas

Rodovias planejadas

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para a região sul e sudeste, o que promoveu crescimento acelerado no número de pessoas e de

veículos, nessas regiões. O aumento na frota de veículos gera um círculo vicioso, pois acaba

exigindo mais investimentos e, mesmo diante de ações planejadas, o ritmo lento do

desenvolvimento não acompanha o crescimento demográfico acelerado das cidades.

Posteriormente, serão abordadas a história e a necessidade de implantação do anel viário

Mário Covas, mais conhecido como Rodoanel Mário Covas, construído na região metropolitana

de São Paulo, que sofre com diversos tipos de entraves para o desenvolvimento.

1.2 A era do desenvolvimento alinhado à sustentabilidade

Nas primeiras décadas do século XXI, iniciava-se uma mudança geopolítica em nível

mundial, com a escassez de recursos naturais e o esgotamento dos padrões de produção em

massa. O desenvolvimento vertiginoso nos países industrializados dava sinais de que o

planeta não suportaria a mesma escala no caso dos países em desenvolvimento, além de a

globalização pressionar por mais financiamentos internacionais.

Países em desenvolvimento investiam fortemente na exploração de recursos naturais,

visando ao progresso e ao avanço em seus processos de produção, ciência e tecnologia. O

planeta começava a dar sinais de esgotamento.

Para Soares (2009, p.22):

A noção de progresso, inextricável valor desse novo momento da história, é defendida pelas

organizações sociais do Estado e do mercado, criadas sob o emblema da referida necessidade de

controle sobre os processos naturais e humanos. Com a crescente diferenciação da sociedade,

tais organizações são chamadas a cumprir a função de intermediar as percepções e relações

culturais, econômicas e políticas dos indivíduos.

De acordo com isso, o conceito de progresso estava ligado diretamente às influências de

poder na sociedade, e não mais baseado em valores e obrigações morais, ou seja, fundava-se

em uma relação atinente apenas ao interesse econômico.

Essa visão assim da sociedade moderna e capitalista, caracterizada pela industrialização,

promove uma extração inconsequente dos recursos naturais, utilização indiscriminada de

produtos químicos e exploração da mão de obra em várias regiões e países pobres. Vive-se um

período de grandes mudanças na sociedade e nas organizações, o que conduz a se experimentar

uma espécie de “paradigma da complexidade”.

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Segundo Soares (2009, p. 27 apud Luhmann 1995, 1997, 2002)

a complexidade é intrínseca à realidade em que estamos imersos, uma realidade global na qual

sistemas funcionais regulam a todo momento o imenso fluxo de informações e sua conversão

(ou não) em comunicações, bem como são por ele regulados. O nível de complexidade atingido

pela sociedade está acompanhado de contingências estruturais e de mudanças imprevisíveis que

só fazem sentido dentro de uma sociedade delineada de forma policêntrica ou policontextual.

É neste contexto de sociedade complexa, escassez de recursos e impactos ambientais

coletivos que emerge a questão da sustentabilidade, proposta no ano de 1970, suscitando vários

debates e congressos internacionais a respeito desse tema. Mas o grande marco foi estabelecido

em 1987, com o Relatório de Brundtland, Nosso Futuro Comum (1987), da COMISSÃO

MUNDIAL SOBRE MEIO AMBIENTE E DESENVOLVIMENTO, que diz:

A Terra é uma só, mas o mundo não é. Nós todos dependemos de uma biosfera para sustentar

nossas vidas. No entanto, cada comunidade, cada país, esforça-se por sua sobrevivência e

prosperidade com pouco consideração sobre o impacto que provoca nos outros. (COMISSÃO

MUNDIAL SOBRE MEIO AMBIENTE E DESENVOLVIMENTO, 1987, p. 27)

De conformidade com esse relatório, a sustentabilidade deve ser tomada como um dever

de todos, e não segregada por estados ou países, porquanto seu objetivo é propor soluções

coletivas para o equilíbrio e preservação do planeta.

Apoiar indicações de coletividade pode significar perdas para algumas empresas, países

ou nações, que, emergidas nesta sociedade complexa, cultivam o individualismo e a

concorrência. Por isso, falar de sustentabilidade e ao mesmo tempo atrelar esse conceito aos

negócios e ao mercado significa superar um grande desafio, engendrado na questão do capital,

do lucro.

Os desafios a serem vencidos exigem que governos e nações se reorganizem

modificando discursos e hábitos e, sobretudo, posturas e processos. Nos anos seguintes, mais

especificamente em 1992, a Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e

Desenvolvimento (CNUMAD), realizada no Rio de Janeiro e conhecida como Rio-92,

representou, conforme Kunsch (2009, p. 59), um marco histórico na década de 1990. Criava-se

então um apelo mundial para a necessidade de repensar as relações entre o homem e natureza,

entre pobres e ricos, cuja primazia seria a preservação da vida. Para a autora, a Rio-92 revestiu-

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se da maior relevância para toda a humanidade, tendo reunido o maior número de chefes de

estado da história.

As organizações também são convidadas a refletir, afinal elas são os protagonistas do

processo econômico mundial, com influência significativa na definição de regras e legislações.

Diz Stuart Hart (2005, p. 222):

À medida que adentramos o novo século, as empresas se destacam como as instituições mais

poderosas do planeta. Há 700 anos, era a religião; as catedrais, as mesquitas e os templos são

testemunhos da primazia da religião organizada naquela época. Há 200 anos, era o Estado;

nenhum passeio estaria completo sem uma visita aos palácios impressionantes, às assembleias

legislativas e os complexos governamentais, os quais nos lembram de como o governo era

centralmente importante na era do iluminismo. Hoje, as instituições mais poderosas são as

empresas: veja as torres dos escritórios, bancos e centros comerciais que dominam as grandes

cidades. Embora ninguém negue a importância permanente e crucial dos governos, da religião e

da sociedade civil, não há dúvida de que o comércio se tornou a instituição dominante.

Não é possível esquecer o impacto provocado pelo processo acelerado de globalização

com a atuação decisiva do processo industrial na qualidade de vida do planeta. Para Hart, as

organizações passaram a assumir novos poderes e, portanto, devem ser cobradas a exercer um

novo papel na sociedade.

Um processo assim transformador influencia todo o mercado, estimulando novos

comportamentos, novas parcerias entre empresas, Estado e sociedade civil.

Conforme menciona Almeida (2007):

A sociedade vem demandando das empresas uma atitude de maior responsabilidade e

transparência. Pesquisas de opinião no Brasil e no mundo têm atribuído à classe empresarial

baixas taxas de credibilidade em comparação com outros atores sociais. (ALMEIDA, 2007, p.

94).

A sustentabilidade tem sido estimulada pelos indicadores econômicos da Bolsa de

Valores de São Paulo, da Bolsa de Nova York, como o ISE – Indicador de Sustentabilidade

Empresarial e o Dow Jones Sustenability.

Os bancos fornecedores de créditos para grandes empreendimentos também se utilizam

de ferramentas para avaliar o risco socioambiental, porque não desejam associar sua imagem

de órgão financiador a um projeto que cause danos irreparáveis ao meio ambiente ou às pessoas.

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Diante disso, para Kunsch (2009, p. 65), “as organizações começam a ver a

sustentabilidade como uma forma de se buscar um desenvolvimento mais integral e equilibrado

entre o progresso econômico e o social e procuram implantar novas diretrizes nas suas formas

de gestão, de produção e de administração de recursos”.

Se há um processo conscientizador em andamento, a mudança já começa a acontecer,

pois, ainda que o aspecto econômico continue a se sobrepor aos aspectos ambientais e sociais,

e os impactos gerados pelas organizações e projetos ainda sejam intensos e hoje se apresentem

na forma de ausência de recursos naturais, tal como acontece com a água, tornou-se possível

vislumbrar o caminho que há de se percorrer.

1.3 O Rodoanel Mário Covas e o Trecho Leste

Conhecida como “locomotiva do Brasil”, a cidade de São Paulo influencia

consideravelmente a economia do país; segundo dados do Censo 2010, possui 11.253.503

habitantes, situando-se na 7ª posição na lista de cidades mais populosas do mundo. A frota de

veículos no estado de São Paulo gira em torno de 26.191.184, promovendo uma enorme

circulação de veículos cruzando a cidade e o estado para o transporte de produtos agrícolas e

industriais.

Desde a década de 1940, São Paulo recebeu importantes intervenções urbanísticas,

principalmente no setor viário aqui abordado. A indústria tornou-se o principal motor

econômico da cidade, até que, posteriormente, na década de 1970, o setor de serviços ganhou

maior destaque na economia paulistana e as indústrias migraram para municípios da Grande

São Paulo, como o chamado ABCD (Santo André, São Bernardo do Campo, São Caetano do

Sul e Diadema). Esse processo provocou um aumento considerável no tráfego de veículos na

cidade e exigia de seus governantes um planejamento eficaz para minimizar os impactos

urbanos.

Segundo publicação do Dersa, no livro Rodoanel – legados do Trecho Sul, “o desejo de

criar um anel em torno do núcleo central de São Paulo é antigo”. Surgiu em meados da década

de 1930, como parte do chamado Plano de Avenidas, que envolvia as avenidas Rangel Pestana,

Mercúrio, Senador Queiroz, Ipiranga e São Luiz, além dos viadutos Nove de Julho, Jacareí e

Dona Paulina.

Todavia, a partir de 1965, começa a ser implantado o Minianel Central e, em 1970, o

Minianel Viário, que delimita o Centro Expandido de São Paulo, criado para evitar o

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deslocamento para o centro da cidade, o qual foi chamado de anel viário 1º do centro expandido

da capital, inaugurado ainda na década de 1970. Este Minianel Viário, que contornava

pela Marginal Tietê (desde a ponte do Tatuapé até o complexo do Cebolão), Marginal

Pinheiros (até a ponte Ari Torres), Avenidas dos Bandeirantes, Afonso d' Escragnolle

Taunay, Complexo Viário Maria Maluf, Avenida Presidente Tancredo Neves, Juntas

Provisórias, Viaduto Grande São Paulo, Avenidas Luís Inácio de Anhaia Melo e Salim Farah

Maluf até o final, na Ponte do Tatuapé, completando assim o contorno do Centro expandido.

Vale destacar que essas medidas já eram paliativas e somente “aliviavam” o intenso tráfego de

veículos leves e pesados no centro da cidade.

O aumento das importações e exportações, o deslocamento de caminhões vindos de

diversas regiões do país, em direção ao Porto de Santos, foi desencadeando a saturação do

sistema viário e levando a cidade de São Paulo ao verdadeiro “caos” de mobilidade urbana.

De acordo com Rolnik e Klintowitz (2011, p. 95):

A reorganização da mobilidade - iniciada lentamente no início do século XX e intensificada nos

anos 1960/1970 - foi resultado da confluência de processos econômicos, políticos e urbanísticos

que viabilizaram uma transferência modal de larga escala, inundando as vias da cidade com

centenas de milhares de veículos particulares novos. Em um primeiro momento, a mudança

modal representou um grande aumento de velocidade para os usuários dos ônibus; entretanto,

em um segundo momento, ocorreu o retrocesso no ganho de fluidez. Com o aumento da frota de

automóveis, a velocidade dos ônibus passou a ser prejudicada, apesar dos aumentos de

capacidade viária.

Nesse sentido, investir em rodovias tornava-se uma prioridade para a RMSP e todo o

estado; obras de construção, duplicação e melhorias nas rodovias tornaram-se constante nos

anos seguintes.

Citando-se a dissertação de mestrado de Rodrigo Iacovini (2013):

As rodovias são encaradas como exemplo do progresso que a RMSP, o estado e o Brasil estão

alcançando. Suas inovações tecnológicas e suas obras de arte eram equiparáveis as de países de

primeiro mundo, sempre a medida de sucesso do Brasil. (IACOVINI, 2013, p. 43)

Para Reis (2010, p. 148), “com essas obras cujos padrões foram fixados nos mais altos

níveis, a engenharia paulista do setor rodoviário atingiu grau elevado de maturidade,

equivalente ao dos países de tecnologia mais desenvolvida”. Ou seja, viu-se aqui uma janela de

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alta visibilidade para o governo do estado, que, além de implementar as melhorias no modal

rodoviário, justificava-se pelos elevados gastos e empréstimos em instituições financeiras

internacionais.

Iacovini (2013, p. 43) menciona que “a implantação de rodovias tinha, portanto,

destaque nas ações do governo estadual, e eram consideradas estratégicas para o

desenvolvimento do estado, tendo influenciado profundas mudanças com relação ao

desenvolvimento do interior paulista. ”.

Em meados da década de 1980, para ampliar o Minianel Viário até então existente, foi

iniciada a construção de um novo anel, o Anel Viário Metropolitano, para suprir a demanda que

se intensificava a cada dia. Mesmo diante de tamanho crescimento econômico e demográfico

da cidade de São Paulo, somente 12 anos depois começaram a projetar o que no futuro seria o

Rodoanel Mário Covas.

O traçado inicial desse projeto viário passava por trás da Serra da Cantareira, porém,

somente em 1998, tornou-se obra, “por iniciativa do governador Mário Covas, falecido em

2001, mesmo ano em que a Lei 10.786, em homenagem a ele, rebatizou o então Rodoanel

Metropolitano de São Paulo com o atual nome de Rodoanel Mário Covas”. (DERSA, 2010, p.

18)

Conforme Iacovini (2013, p. 63), Plínio Assman, ex-secretário de transportes do

governo do estado, menciona que “já ao ser empossado, Mário Covas buscava um grande

projeto para realizar, algo que pudesse ser considerado “obra à altura de São Paulo”.

Para o autor, “as rodovias assim como as obras viárias intraurbanas, foram

paulatinamente se reafirmando como símbolos do progresso”. (IACOVINI, 2013, p. 67)

Dessa forma, e como mencionado no primeiro capítulo, o modelo de rodoviarismo

consolidava-se no país e principalmente no estado de São Paulo, influenciado principalmente

pelas indústrias automobilísticas. Para Anelli, “existe, portanto, uma profunda relação entre a

expansão rodoviária e o fortalecimento da industrialização paulista e a consolidação do culto

ao automóvel como sinal de modernidade e progresso”. (ANELLI, 2011, p. 16).

Finalmente, em 1997, por meio de uma Portaria intergovernamental no.1 de 4/2/1997,

define-se politicamente a implantação do Rodoanel Mário Covas, sendo responsáveis as três

esferas, União, Estado e Município de São Paulo, decidindo estratégias de prioridades de

implantação e participação quanto aos investimentos necessários dos três poderes.

Assim, o Rodoanel Mário Covas, considerando a sua complexidade, social e ambiental,

foi dividido em quatro trechos, e quando estiver pronto, terá aproximadamente 180 km de

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extensão. Tal como países como os Estados Unidos, com um anel viário de 102 quilômetros;

Paris - que tem a A86 com 80 quilômetros e que contorna uma de suas cidades -, além da

Austrália, China, Roma, entre outras, que buscaram em rodoanéis uma alternativa para melhorar

o tráfego, São Paulo terá seu anel viário, com o mesmo objetivo.

A região metropolitana de São Paulo está entre a 4ª e 6ª posição como maior aglomerado

urbano do mundo, segundo alguns rankings internacionais. Os números expressivos no que se

referem à economia, número de municípios e milhões de habitantes, sem dúvida fazem da

cidade de São Paulo uma referência nacional.

Sendo assim, conforme menciona a maioria dos estudos pesquisados e materiais

disponíveis na imprensa, o Rodoanel Mário Covas não é apenas uma rodovia com a função de

transportar produtos de uma ponta a outra, mas também a de levar fluidez à maior metrópole

do país, facilitando a circulação e mobilidade urbana.

Outros benefícios do empreendimento, apontados numa publicação da DERSA (2010,

p. 21), são:

Com ele, a produção tem um caminho mais rápido para importantes rotas de escoamento, o que

diminui o custo de transporte, facilita as exportações e ajuda a movimentar diversos setores da

economia. Além disto, localmente, favorece a qualidade de vida em toda a Região Metropolitana,

com melhorias no trânsito e nas condições de segurança e do meio ambiente, redução da

poluição, organização do uso do solo, em especial na área de mananciais.

Por seu caráter de empreendimento grandioso e de tanta importância para a cidade de

São Paulo, ele passou por um processo longo de discussão, dada a sua complexidade, e um

licenciamento ambiental que demorou cerca de cinco anos. Além do mais, necessitou ser

dividido em quatro trechos, para ser mais bem estudado e analisado por todos os públicos de

interesse.

Os quatros trechos do Rodoanel Mário Covas são:

Oeste: com 32 quilômetros de extensão - atravessa os municípios de Taboão da Serra,

Embu, Cotia, Osasco e Carapicuíba, Barueri e Santana de Parnaíba -, inaugurado em

2002.

Sul: com 57 quilômetros de extensão - leva às principais rodovias que liga ao Porto

de Santos, e passa pelas cidades de Embu das Artes, Itapecerica da Serra, São

Paulo, São Bernardo do Campo, Santo André, Ribeirão Pires e Mauá -, inaugurado

em 2010.

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Leste: este trecho possui 43,5 quilômetros - passa pelas cidades de Mauá, Ribeirão

Pires, Suzano, Poá, Itaquaquecetuba e Arujá -, inaugurado em 2015 (e o objeto desta

pesquisa).

Norte: com 44 quilômetros de extensão - Caieiras, Mairiporã, Guarulhos e Arujá, que

se encontra em construção com previsão de entrega para meados de 2017.

Figura 01 – Mapa com o traçado do Rodoanel Mário Covas

Fonte: Avaliação Ambiental Estratégica, 2004.

O Rodoanel é uma rodovia com acesso restrito, chamada classe 0, ou seja, possui pista

expressa, com controle total dos acessos e das melhores condições para o tráfego, contempla

dispositivos e medidas operacionais para reduzir as consequências de acidentes com cargas

perigosas e para controlar e impedir a contaminação ambiental. Em seus túneis, está prevista a

implantação de sistemas de ventilação e filtros para facilitar a dissipação dos gases já

devidamente filtrados.

Previsto no Plano Diretor de Desenvolvimento dos Transportes – PDDT, documento de

planejamento da Secretaria dos Transportes, a ideia do Rodoanel surgiu a partir de um

diagnóstico do sistema de transportes, com a identificação das dificuldades e dos pontos mais

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críticos e a estipulação de estratégias institucionais, investimentos e gestão, bem como o

apontamento das ações prioritárias das políticas públicas para o setor.

Este documento descreve inclusive a necessidade de investimentos nos níveis federais,

estaduais e municipais. Para a Secretaria de Transportes, o objetivo é construir um sistema de

transporte cada vez mais integrado e eficiente, visando a intermodalidade, ou seja, a “ligação”

entre os vários sistemas viários (ferrovias, hidrovias), para facilitar o escoamento de produtos.

Segundo a Avaliação Ambiental Estratégica – AAE, do Rodoanel Mário Covas, (2004):

No âmbito do PDDT, foram caracterizados cenários econômicos para embasar as projeções de

crescimento e estimar as demandas futuras de transporte. Estima-se que as demandas de

transporte de carga cresçam em média 3,3% ao ano, taxa um pouco inferior de aumento médio

do PIB estadual. (AAE, 2004, p. 5).

Nesse sentido e como afirmam os documentos pesquisados a favor da implantação do

empreendimento, mesmo com os benefícios significativos que o Rodoanel poderia trazer para

a cidade de São Paulo, e indiretamente para o país, seu processo de negociação para viabilização

do empreendimento foi longo e trabalhoso.

Estudos de impacto ambiental, audiências públicas, posteriores ações judiciais,

desapropriações, reassentamentos e o cumprimento das exigências legais, arrastaram o

licenciamento ambiental do empreendimento por pelo menos cinco anos.

Para superar as etapas iniciais do processo de licenciamento ambiental (estudos e

audiências), foi necessário um diferencial – elaborar um documento que propiciasse um “olhar”

sobre a totalidade do empreendimento. Baseando-se em um modelo europeu, foi elaborada a

Avaliação Ambiental Estratégica – AAE, que aliava critérios econômicos, técnicos e sociais,

visando obter a licença do empreendimento ao mesmo tempo e em todos os trechos.

Para a DERSA (2010, p. 28):

A AAE cumpriu, portanto, o papel de fornecer uma compreensão global do Rodoanel e uma

avaliação da contribuição ambiental dele à Região Metropolitana, além de ajudar a definir

diretrizes do traçado e de estudos de impacto ambiental para os novos trechos e propor

recomendações para a gestão de todo o projeto.

Foi a partir dessa compreensão global que o empreendimento demonstrou sua

viabilidade técnica e ambiental, com fases posteriores de reuniões e audiências com a sociedade

civil, órgãos públicos e demais entidades. Alvo de muitos questionamentos, o empreendimento

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tornou-se uma realidade com a construção do primeiro trecho, o trecho oeste, que ficou pronto

em 2002.

Considerado o maior empreendimento viário do país em construção, o Rodoanel, e mais

especificamente o trecho sul, foi construído em uma área muito sensível nas questões

ambientais e sociais, por se situar em lugares de mananciais e loteamentos irregulares. Teve sua

licença prévia emitida somente em fevereiro de 2006, e inaugurado em abril de 2010.

Já o Rodoanel Trecho Leste, objeto deste estudo, contou com investimentos

aproximados de R$ 3,6 bilhões, possui 43,5 km de extensão e ocupa uma área de 6,45 km².

Interliga as rodovias Presidente Dutra (BR-116) e Ayrton Senna (SP-070) ao Trecho Sul do

Rodoanel, que termina no município de Mauá, logo após cruzar as rodovias Anchieta e dos

Imigrantes. Seu traçado passa por seis municípios: Ribeirão Pires, Mauá, Suzano, Poá,

Itaquaquecetuba e Arujá.

Baseando-se em dados do Estudo de Impacto Ambiental – EIA (2009, p. 135):

A operação do Rodoanel deverá beneficiar a região leste da metrópole, considerando os três

acessos na sub-região e ainda a efetivação do prolongamento da Av. Jacu-Pêssego, através de

São Paulo, Mauá e Guarulhos. Se Guarulhos já detém uma posição estratégica no vetor leste da

RMSP, o município de Suzano será beneficiado diretamente por receber a conexão com a SP-

066, embora com efeitos diretos e negativos localizados, poderá se reposicionar como

centralidade regional dada sua posição estratégica. E por fim Itaquaquecetuba passa a ter seu

território com acessibilidade potencializada que ampliará os esforços para a requalificação

urbana em seu território. (JGP-PRIME, 2009, p. 135).

Dessa forma, um dos benefícios do trecho leste do Rodoanel seria a interligação de

importantes áreas industriais da Região Metropolitana de São Paulo – RMSP, tais como o

grande ABC, Santo André, São Bernardo e São Caetano do Sul, além da zona leste da cidade,

modificando estruturas urbanas e periféricas.

Vale ressaltar que este trecho possui características muito específicas de produção rural,

com plantações de hortifrútis e hortigranjeiras, além de ser considerada pela Reserva da

Biosfera área do Cinturão Verde da Cidade de São Paulo. O que significa ser uma área de

proteção de ambiental, que abriga mananciais que abastecem a cidade de São Paulo, possui

grande biodiversidade e garante parte da segurança alimentar, entre outros benefícios. Ou seja,

a construção do Trecho Leste teve que prever mecanismos de mitigação e compensação de

impactos ambientais e sociais, principalmente no quesito de atividades econômicas, tendo em

vista a sensibilidade da área em questão.

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Outras pesquisas, durante a análise do EIA (2009, p. 139), apresentaram algumas

vantagens propiciadas, direta ou indiretamente, pela implantação do empreendimento trecho

leste;

consolidação das atividades econômicas atualmente existentes;

aumento da atratividade para a instalação de novas atividades econômicas na região;

ganhos na acessibilidade, em função da redução de tempo dos deslocamentos;

geração de emprego e renda, durante e depois da construção (concessão).

Verifica-se que, na prática, estes impactos “positivos” são previstos nos estudos

ambientais de grande parte dos empreendimentos brasileiros, quase sempre no que se refere à

geração de emprego e renda, e no aumento da expectativa e especulação imobiliária nas regiões

afetadas.

No caso do Rodoanel Trecho Leste não é diferente, mais de 1000 imóveis foram

desapropriados, destes, aproximadamente 40% das edificações estavam no município de

Itaquaquecetuba, 25% em Suzano, 13% em Ribeirão Pires, 9% em Poá, 8% em Arujá e 5% em

Mauá, conforme dados apresentados na audiência pública em 2009.

Os proprietários desses imóveis foram atendidos com indenizações, porém houve

problemas de ordem legal e reclamações, pois, a maior parte das propriedades era irregular, não

dispondo de documentação.

Segundo dados informados na imprensa local, os moradores reclamavam dos valores

baixos oferecidos para a desapropriação. No jornal Diário Regional, de 13 de agosto de 2012,

o senhor João Batista Nogueira menciona que: “A obra é importante, ela tem que ser feita, e

nós vamos sair. Mas esse valor que eles estão oferecendo é uma injustiça”.

Outros casos também foram identificados durante a pesquisa, porém não cabe aqui o

aprofundamento da discussão, tendo em vista que posteriormente vai avaliar-se como o

processo comunicacional transcorreu nas etapas de implantação do empreendimento.

Outro dado relevante envolvendo o projeto todo do Rodoanel diz respeito aos impactos

“negativos” apontados nos estudos ambientais, que, de conformidade com tais estudos, seriam

tratados e mitigados durante a implantação e operação da obra e nos efeitos de médio e longo

prazo do empreendimento.

Na AAE (2004, cap. 2, p. 1), alguns alertas foram apontados, demonstrando possíveis

impactos “negativos”, conforme descrito a seguir:

Na fase de Implantação

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Alterações no solo, decorrente de terraplenagens;

Perdas de ecossistemas e áreas remanescentes;

Deslocamentos de populações, remanejamento de infraestruturas.

Na fase de Operação

Aumento da poluição do ar;

Aumento de ruído para as populações lindeiras à obra;

Risco de acidentes com grandes equipamentos;

Vulnerabilidade de segurança para as populações lindeiras;

Contaminação de solo e recursos hídricos, entre outros.

Médio e longo prazo

Melhoria no sistema de eficiência de transportes;

Redução dos custos de transportes rodoviários;

Melhoria na circulação urbana da RMSP, com deslocamento de viagens de longa

distância;

Redução do risco de acidentes em área densamente habitada, entre outros.

De acordo com o exposto, pode-se verificar, nesta identificação de impactos, que no

nível local se concentram os impactos negativos, afetando mais as pessoas e o meio ambiente;

para o nível regional e estadual, os impactos positivos superam-se, melhorando direta ou

indiretamente a qualidade de vida das pessoas.

Diante da influência do empreendimento na vida das pessoas, foi constatado que para o

Rodoanel Trecho Leste, durante o processo de licenciamento ambiental, foram realizadas 7

audiências públicas, totalizando 3014 assinaturas nas listas de presença. Estas participações

geraram muitas discussões com os temas sobre reassentamento, desapropriação, compensação

ambiental para os municípios, etc. Na maioria das situações eram feitas comparações em

relação ao Trecho Sul do Rodoanel que ainda estava em construção, e era visto como referência.

O Trecho Leste do Rodoanel não foi considerado prioritário para a construção, em

virtude de sua demanda e serventia às demais rodovias, porém não foi menos importante,

atingindo áreas sensíveis e mobilizando órgãos municipais e outras lideranças que tinham

interesse no empreendimento. Os municípios afetados pleiteavam melhorias e verbas de

compensação ambiental alegando necessidade de ampliação ou criação de parques municipais.

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Segundo algumas matérias publicadas em jornais locais ou nas prefeituras municipais,

foi averiguado que algumas prefeituras, como Itaquaquecetuba e Poá, criaram comitês de

acompanhamento do empreendimento, com representantes da sociedade, entidades de classe

(Ordem dos Advogados do Brasil – OAB) e representantes dos municípios para “fiscalizar” a

construção do projeto e cobrar medidas para atenuar os impactos ambientais e sociais.

Não foi possível saber se estes comitês ainda são ativos nos referidos municípios, mas

no período da construção tiveram forte influência ao se posicionarem em relação às áreas

atingidas.

Diante de dificuldades legais, paralisações, manifestações de moradores das áreas

atingidas, etc., o Rodoanel Trecho Leste sofreu atraso em sua entrega de aproximadamente 15

meses, o que gerou ainda mais conflitos e discussões com a concessionária SPMar, responsável

pela administração do empreendimento.

A SPMar dispõe de 76% da administração do Rodoanel em operação, nos trechos Sul e

Leste, especificamente no Trecho Leste, portanto uma participação maior, fiscalizando a

construtora Contern Construções e Comércio Ltda, responsável pela obra.

A Contern atua nos diversos segmentos da construção civil, nas áreas de transporte

(rodovia, aeroporto, porto e ferrovia) e saneamento. Formada pelo Grupo Bertin, em 1977, suas

atividades eram voltadas ao agronegócio, e posteriormente se abriram ao mercado

diversificando sua atuação. Hoje está ligada também às áreas de energia, concessão de rodovias,

saneamento, equipamentos de proteção individual, entre outros.

Juntas, SPMar e Contern, entregaram a primeira parte do Trecho Leste do Rodoanel no

dia 4 de julho de 2014, com 38 quilômetros de extensão, ligando ao Trecho Sul e à Avenida

Papa João XXIII em Mauá. A segunda parte, localizada entre as rodovias Ayrton Senna (SP-

70) e Presidente Dutra (SP-60), em Arujá, tem grande importância logística e foi inaugurada

um ano depois, totalizando 43,5 quilômetros.

Até aqui foi apresentado o Rodoanel Mário Covas, seus benefícios e impactos.

Posteriormente serão abordados os temas exigidos pelo licenciamento ambiental e os contextos

em que eles se apresentam, como foram implementados, além de se analisar o papel da

Comunicação Social no Trecho Leste.

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Capítulo II – COMUNICAÇÃO, MEIO AMBIENTE E SOCIEDADE

2. Licenciamento ambiental: resgate histórico

Antes de se começar a falar de licenciamento ambiental, é preciso retomar alguns pontos

da história para abordar um pouco mais sobre o forte processo de industrialização vivido nas

décadas de 1950 e 1960.

A partir da década de 1950, intensificou-se o processo de industrialização mundial

mediante uma disseminação das multinacionais nas diversas regiões do planeta. O processo

produtivo industrial, até então concentrado na Europa, no Japão, nos Estados Unidos e no

Canadá, passou a se expandir por vários países. Consequentemente, a utilização de recursos

naturais para o processo industrial também aumentou, e, junto com esse processo, já graves

acidentais ambientais assinalavam os desafios que estavam por vir.

Segundo os autores a seguir citados:

A fragilidade e a vulnerabilidade dos ecossistemas foi percebida pelos países desenvolvidos

diante de alguns acidentes e fatos ocorridos na época que vieram a público, como, por exemplo,

o aparecimento de doenças em família de pescadores e animais detectadas em 1956, ocasionadas

pela contaminação da cadeia alimentar da baía de Minamata no Japão, oriunda de despejos

industriais e contaminações da costa do extremo sudoeste da Inglaterra pelo vazamento e

naufrágio do petroleiro Torrey Canyon, em 1967. (FOGLIATTI, FILIPPO, GOULARD, 2004,

p. 13).

No caso do acidente de Minamata, fez-se referência ao mercúrio despejado por mais de

vinte anos nas águas, que a população ingeriu, e posteriormente provocou convulsões nas

pessoas e nascimento de crianças com deformações. Um acidente com consequências

irreparáveis, que matou aproximadamente 2200 pessoas e deixou 3000 doentes.

Ao longo dos anos, os impactos no meio ambiente começaram a lesionar o planeta,

atingindo os seres humanos por escassez de água, desertificação, animais em extinção, etc.,

mostrando ao mundo o risco a que se estava exposto.

Botsaris (2010, p. 54) argumenta que:

[...] têm sido relatada desde a época da Revolução Industrial. Sempre houve a tendência de

minimizar prejuízos e priorizar os interesses do capital. Por vários séculos o objetivo imediato

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das empresas prevaleceu sobre as questões humanas e ambientais, mesmo diante de acidentes

graves capazes de destruir o ambiente e exterminar vidas.

Como menciona o autor, em detrimento da vida das pessoas o mercado buscou lucros

exacerbados, sem nenhuma preocupação com os impactos sobre o meio ambiente, e as pessoas

neste processo eram meros coadjuvantes, “pagando” um preço muito alto, vitimadas por

problemas de saúde.

Seria possível listar uma infinidade de acidentes e incidentes ambientais de grande

proporção que causaram e causam até hoje impactos no meio ambiente e na vida das pessoas.

Com tudo isso, somente no final da década de 1960, surgiu a ideia de se “impor limites ao

padrão de crescimento industrial até então vigente”, conforme citam Fogliatti, Filippo e

Goudard (2004, p. 13).

Os movimentos ambientalistas nos Estados Unidos da América na década de 1960

mobilizaram a população e motivaram o Congresso a aprovar o “National Enviromental Policy

Act of 1969”, conhecido pela sigla NEPA; este grupo mobilizou-se em reação ao derramamento

de óleo em 1969 em Santa Bárbara e, depois de uma série de protestos e revoltas em

autoestradas, insurgiram-se também contra a demolição de muitas comunidades e ecossistemas.

Durante a construção do sistema de estrada nacional, passaram a exigir do governo que todos

os grandes projetos deveriam ter licenças emitidas para serem autorizados, independentemente

de serem financiados por fundos federais ou privados.

E, posteriormente, o Relatório do Clube de Roma, elaborado por líderes de vários países

industrializados, abordaram temas e problemas para o desenvolvimento do futuro da

humanidade, tais como: energia, saúde, alimentação, saneamento e outros. Este relatório

tornou-se uma publicação, Limites do Crescimento, que vendeu mais de 30 milhões de

exemplares, ficando conhecida mundialmente.

Em um parecer de Diegues (1992):

Esse importante relatório apresentava um panorama sombrio para a humanidade, pois segundo

ele, o crescimento da população, do consumo, e dos recursos naturais, era exponencial ao passo

que estes últimos eram finitos e limitados. (DIEGUES, 1992, p. 24).

A repercussão foi a de um alerta para a comunidade global, um aviso de que o planeta

dava sinais claros e ameaçadores de falência para a raça humana. Porém, o mesmo documento

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não apontava apenas os problemas que estavam acontecendo, sugeria, sobretudo, mudanças no

comportamento das sociedades e alteração nos padrões de produção e consumo.

Ainda segundo Diegues, o relatório propunha:

[...] que a variável a ser controlada prioritariamente era o crescimento demográfico nos país de

Terceiro Mundo. Propunham também um modelo de crescimento global em equilíbrio, no qual,

na maioria dos casos, o crescimento econômico deveria ser reduzido a zero. (DIEGUES, 1992,

p. 24).

Em consequência, muitos países em desenvolvimento sentiram-se prejudicados, pois

desejavam crescer, tal como os países desenvolvidos, contudo estavam nesse ambiente de

muitas polarizações e divergências. Mesmo diante de tantas questões contraditórias, as

informações contidas no Relatório de Brundtland faziam com que todas as nações refletissem

sobre seu papel e sua contribuição na poluição do planeta.

Posteriormente, a Conferência de Estocolmo, de junho de 1972, representou um marco

no tocante aos quesitos ambientais. Desse encontro, foi criada a Declaração de Estocolmo, cujos

princípios enfocavam um planejamento para as ações de impacto ambiental. Em seu Princípio

14, menciona que “o planejamento racional constitui um instrumento indispensável para

conciliar as diferenças que possam surgir entre as exigências do desenvolvimento e a

necessidade de proteger e melhorar o meio ambiente”.

No pensar de Hagihara (2007, p. 18 apud Mebratu, 1998), a Declaração de Estocolmo

“reconheceu a importância do gerenciamento ambiental e o uso da avaliação ambiental como

uma ferramenta de gestão”.

Os desdobramentos dessas reflexões, no Brasil, vieram marcados por exigências para

pautarem os financiamentos de grandes obras feitos pelo Banco Interamericano de

Desenvolvimento – BID. A normatização desses processos deu-se já na construção da barragem

da Usina Hidrelétrica de Sobradinho, que foi então submetida à avaliação de impacto ambiental,

tornando-se o primeiro empreendimento a sofrer esse tipo de avaliação no Brasil (BRASIL,

2012) antes de receber a autorização para seu financiamento.

Backer (2014) assim se pronunciou:

Mesmo com todo esse processo de gestão ambiental e de precaução por meio das avaliações de

impacto ambiental, em prática na década de 70, o crescimento econômico e industrial continuou

impactando de forma degradadora e poluidora o meio ambiente, provocando desastres

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ambientais de enormes proporções e que estão na memória de muitos pela repercussão na mídia

mundial. (BACKER, 2014, p. 36).

Com o tempo, alguns estados brasileiros começaram a promulgar legislações que

previam estudos de impacto ambiental para mitigar os efeitos durante a construção de seus

projetos. Os estados do Rio de Janeiro e São Paulo criaram decretos-lei instituindo

licenciamentos para empreendimentos com eventual risco de poluição. No Rio de Janeiro,

tivemos o Decreto-lei nº 134/75, que definiu o Sistema de Licenciamento de Atividades

Poluidoras, tornando obrigatório o licenciamento de novos empreendimentos e determinando

que os que já estivessem instalados fossem licenciados em etapas. (SOUZA, 2009, p. 56 apud

OLIVEIRA, 2005). No Estado de São Paulo, foi promulgada a Lei nº 997/76, que exigia o

licenciamento ambiental para a instalação, construção, ampliação e funcionamento de

empreendimentos passíveis de autorização do governo.

Com o avanço administrativo e econômico de alguns estados brasileiros, e perspectiva

de instalação de novos e grandiosos projetos, o governo brasileiro finalmente sanciona a Lei nº

6.938/81, denominada Política Nacional de Meio Ambiente (PNMA). O objetivo da legislação

era a preservação, melhoria e recuperação da qualidade ambiental propícia à vida, visando

assegurar, no País, condições ao desenvolvimento socioeconômico, aos interesses da segurança

nacional e à proteção da dignidade da vida humana (BRASIL, 1981).

A Política Nacional de Meio Ambiente (PNMA) prevê a avaliação dos impactos e

consequentemente subordinação aos órgãos fiscalizadores no nível federal e estadual:

Art. 10º - A construção, instalação, ampliação e funcionamento de estabelecimentos e atividades

utilizadoras de recursos ambientais, considerados efetiva e potencialmente poluidores, bem

como os capazes, sob qualquer forma, de causar degradação ambiental, dependerão de prévio

licenciamento de órgão estadual competente, integrante do Sistema Nacional do Meio Ambiente

(SISNAMA), e do IBAMA, em caráter supletivo, sem prejuízo de outras licenças exigíveis.

(BRASIL, 1981).

A Avaliação de Impactos Ambientais – AIA, ou mais conhecida como Estudo de

Impacto Ambiental - EIA, deve servir de subsídio para a tomada de decisão – trata-se de um

documento que deve ser feito por profissionais multidisciplinares, com uma visão ampla e

holística, ou ainda, um instrumento voltado à política de meio ambiente, prevendo mecanismos

capazes de fornecer um exame sistemático dos impactos ambientais, técnicas de risco e de

informação prévia.

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Deste capítulo em diante, muito se falará sobre o termo impacto ambiental, e por isso

faz-se necessário uma precisão maior desse conceito. Em uma primeira definição tem-se:

Como definição técnica, considera-se impacto ambiental o conjunto das repercussões e das

consequências que uma nova atividade ou nova obra, quer pública ou privada, possa ocasionar

ao ambiente. (OLIVEIRA, 2005, apud CUSTÓDIO, 1995, p. 47).

Em resumo, tudo que afeta a saúde, o bem-estar das pessoas, as atividades sociais e

econômicas, o meio ambiente e qualidade dos recursos ambientais, é considerado impacto

ambiental.

Em decorrência dos impactos ao meio ambiente foi que o PNMA estabeleceu regras e

diretrizes sobre o os requisitos do licenciamento ambiental, assim como a criação de novas

legislações. Como foi o caso da Avaliação de Impacto Ambiental estabelecida pela Resolução

Conama nº 1, de 23 de janeiro de 1986, criando diretrizes gerais para que a avaliação ambiental

fosse regulamentada no Brasil.

A Avaliação de Impacto Ambiental é estabelecida a partir dos Estudos de Impacto

Ambiental (EIA) e seus respectivos Relatórios de Impacto Ambiental (Rima). Como afirma

Krag (2010, p. 14), “ estes estudos integram um conjunto de atividades técnicas e científicas

que incluem o diagnóstico ambiental com a característica de identificar, prevenir, medir e

interpretar, quando possível, os impactos ambientais”.

Outra autora que menciona a importância dos estudos ambientais é Sâmia Tauk (apud

CUSTÓDIO, 1991, p. 48), ela relata que “o estudo de impacto ambiental constitui novo

instrumento preventivo e controlador imposto pelas exigências sociais e contemporâneas,

aparecendo como inovação profunda e ajustável à solução da problemática da deterioração

ambiental”.

Nesse sentido, a AIA tem uma função social a cumprir, inclusive no quesito

comunicação e informação, tornando-se um instrumento preventivo de política pública quando

se planeja efetivar o desenvolvimento sustentável. Ou seja, não pode ser apenas um estudo que

identifique aspectos e impactos ambientais, mas deve-se considerar todo o aspecto contextual,

com suas influências positivas e negativas, onde o empreendimento será instalado.

Ainda em referência à legislação, a resolução Conama nº 1 de 1986 estabelece

que:

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Art. 2º - Dependerá de elaboração de Estudo de Impacto Ambiental e respectivo Relatório de

Impacto Ambiental - RIMA, a serem submetidos à aprovação do órgão estadual competente, e

da SEMA em caráter supletivo, o licenciamento de atividades modificadoras do meio ambiente.

(BRASIL, 2012c).

Artigo 11º - o RIMA deve ser acessível ao público e disponibilizado para consulta, promovendo

a participação da sociedade no processo de discussão.

Em seu Parágrafo 2º, a resolução determina que seja dada publicidade ao processo por

meio de audiências públicas, cumprindo assim um dos princípios da administração pública, o

princípio da publicidade, prática que permite a participação da sociedade no processo de

licenciamento ambiental.

Contudo, tais processos de transparência e divulgação das informações de licenciamento

só ficam estabelecidos, de fato, na Resolução Conama nº 9, de 3 de dezembro de 1987

(BRASIL, 2012 d), bem como em nossa Constituição, que prevê em seu artigo 225 que “se dará

publicidade” aos estudos de impacto ambiental no caso de projetos que possam causar

“significativa” degradação do meio ambiente. Backer (2014) cita que:

O Conselho regulamenta a realização das Audiências Públicas com a finalidade de expor seu

conteúdo às críticas e sugestões dos presentes; institui prazos para sua realização; condiciona a

sua realização à validade das licenças ambientais; fixa sua divulgação à população por meio da

imprensa local; determina os locais onde devem ser realizadas e estabelece os registros, atas e

documentos protocolados na audiência juntamente com o RIMA, a base para a análise e parecer

final do licenciador quanto à aprovação ou não do projeto. (BACKER, 2014, p. 39).

As audiências públicas e o relatório de impacto ambiental – Rima, como ritos do

processo, deveriam fornecer à sociedade informações menos técnicas em uma linguagem mais

acessível, o que raramente ocorre. Constitui-se ele como o primeiro canal de interlocução com

a sociedade, mas que, no entanto, não prima pelo estabelecimento de um contato mais

transparente com as populações afetadas pelo empreendimento. Ao contrário, o Rima é redigido

como um resumo do Estudo de Impacto Ambiental - EIA, feito por profissionais da área técnica,

sem o critério de facilitar a linguagem e a compreensão.

Além de fatores como esses, outras etapas do processo do licenciamento dificultam o

processo comunicativo, como no caso da duração das audiências públicas, locais e datas de

realização, sem contar o tempo gasto para consulta pública e análise dos documentos. As

populações afetadas por um grande empreendimento nem sempre tomam conhecimento de sua

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realização ou são informadas sobre o processo de consulta, criando-se pois novas barreiras e

futuros desafios à comunicação, que virão à tona quando se iniciar o projeto.

No caso do Relatório de Impacto ao Meio Ambiente – Rima, este deveria fornecer à

sociedade informações claras e concisas sobre o projeto, bem como sobre os impactos que ele

pode causar. Segundo Fogliatti, Fillipo e Goudard (2004), algumas deficiências podem ser

apontadas em relação ao Rima:

a divulgação dos trabalhos é restrita e próxima à decisão final, fragmentando a informação ao

público;

a informação é divulgada em linguagem teórica, dirigida a um público seleto, o que torna a

participação dos grupos afetados menos eficiente;

há desequilíbrio na participação dos agentes envolvidos, existindo nítida falta de vontade política

para exercer a lei, transformando a audiência pública em mera formalização da exigência legal.”

(FOGLIATTI, FILLIPO E GOUDARD, (2004, p. 39).

Enfim, documentos são produzidos, etapas do processo de licenciamento são cumpridas,

mas nem sempre o processo comunicacional se efetiva e muito menos se perpetua ao longo da

construção de um projeto, gerando angústia e muita dúvida nas populações que serão afetadas.

Sendo assim, o Rima deve esclarecer, em linguagem fácil, todos os elementos do estudo,

de modo que contribua para as análises dos órgãos ambientais, da sociedade civil, e seja

divulgado e compreendido nas comunidades afetadas.

A seguir na Figura 2, será apresentado um modelo simplificado das etapas do

licenciamento ambiental.

Figura 02 – Fluxograma simplificado das etapas do licenciamento ambiental

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Conforme observado anteriormente, implantar empreendimentos é ao mesmo tempo

gerar impactos, e, quando se trata de rodovias, é necessário avaliar localização, viabilidade

técnica e econômica, além de políticas sociais, devido a inevitáveis interferências, tais como a

remoção das famílias do traçado do empreendimento. Como menciona Fogliatti, Fillipo e

Goudard (2004, p. 62), “a simples ideia de que um determinado projeto possa ser criado pode

induzir o desenvolvimento de movimentos migratórios, alterações de mercado imobiliário e

reações de grupos e entidades organizadas da sociedade civil”.

Considerando-se tais consequências, é fundamental levar em conta alguns grupos de

interesse no processo de elaboração da AIA e reforçar que estes públicos (sociedade civil por

meio dos movimentos sociais) promoveram mudanças nas legislações, visto que de alguma

forma já participavam ativamente das discussões ambientais no mundo. Adicionalmente,

Moreira (1985) apresenta os “atores do processo de AIA”, que são:

– os proponentes do plano, programa ou projeto específico que serão avaliados, instituições ou

órgãos setoriais do governo, empresários que desejam desenvolver uma atividade econômica;

- os responsáveis pela tomada de decisão – as autoridades governamentais com competência para

decidir sobre qualquer autorização parcial e sobre a aprovação final da proposta, inclusive as

autoridades de controle ambiental;

- a equipe técnica que realizará os estudos de AIA;

- os responsáveis pela revisão e análise dos estudos – usualmente uma equipe técnica do órgão

de controle ambiental ou na falta desta, um grupo de consultores contratados;

Projeto a ser implementado

Elaboração dos Estudos de Impacto

Ambiental

Análise dos Estudos pelos órgãos ambientais

Audiências PúblicasAprovação ou não

dos Estudos

Emissão das Licenças Ambientais

(LP, LI, LO)

Operação

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- outros órgãos governamentais que tenham interesse ou alguma relação com a proposta – órgãos

públicos de outros níveis administrativos, autoridades locais;

- os grupos sociais diretamente afetados pela proposta;

- associações civis interessadas na proposta – associações comunitárias, sociedades científicas,

grupos de defesa do meio ambiente. (MOREIRA, 1985, p. 18).

Como se pode ver, já na década de 1980, os públicos de interesse (stakeholders) podiam

ser identificados, e tornava-se fundamental que as empresas demonstrassem seu planejamento

e objetivos com o futuro empreendimento.

Sabe-se que o envolvimento dos grupos sociais em determinado projeto, ou associações

civis, depende de seu nível de consciência e conhecimento sobre as questões ambientais e

sociais. Além do mais, a participação desses públicos requer o mínimo de organização, para

que sejam ouvidos e respeitados no processo.

Na evolução histórica dessa temática, pode-se destacar o olhar não só para o meio

ambiente, mas também para as pessoas. Durante a escolha do traçado de um grande

empreendimento, incluindo as rodovias, para elaboração do EIA, torna-se primordial identificar

e analisar-se o chamado “meio socioeconômico”.

Este estudo volta-se enfaticamente às questões de demografia, aspectos sociais,

culturais, populações indígenas, núcleos urbanos, atividades econômicas, infraestrutura

regional, saúde pública, patrimônios paisagísticos (arqueológico, histórico), das áreas direta ou

indiretamente afetadas.

Em cada ponto desta avaliação, verifica-se a distribuição espacial, distribuição

domiciliar de habitantes da região, por faixa etária, sexo, nível de qualificação e ocupação;

analisa-se a estrutura social da região, organização social, influências culturais e tradições; são

levantados assentamentos indígenas ou quilombolas, visando caracterizar sua etnia, modos de

vida, etc.; os núcleos urbanos também são analisados, suas dimensões e hierarquias; bem como

as atividades econômicas das regiões, tendências e perspectivas.

Pensar no meio socioeconômico é discutir o “sistema urbano” que, segundo Castells

(1977, p. 2), “com seus elementos e suas relações, é uma construção formal, onde o essencial,

isto é, o dinamismo de suas articulações, é produzido por leis de desenvolvimento histórico e

organização social, dos quais esta “teoria do urbano” não se inteira”. Ou seja, toda essa

dinâmica social alterada por grandes empreendimentos também está embasada na disposição

das leis que pautam as inter-relações.

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Já em um dos primeiros manuais elaborados no Brasil, na década de 1980, feito pela

Eletrobrás, enumeravam-se os principais impactos para as populações afetadas (impactos no

meio socioeconômico), no caso de construções de hidrelétricas, mas que, em alguns casos, se

aplicam às rodovias, que são:

Situação demográfica rural e urbana: transferência compulsória da população afetada;

aumento da taxa de desemprego; problemas habitacionais durante a fase de construção

das obras.

Aspectos sociais e culturais: desagregação das relações sócias; desarticulação dos

elementos culturais; surgimento de situações de apreensão e insegurança, face à

incerteza das futuras condições de vida; surgimento de choques entre a população local

e o contingente alocado às construções das obras.

Populações indígenas: transferência compulsória de populações indígenas;

desagregação da organização social vigente; desarticulação dos elementos culturais.

Núcleos populacionais: inundações de áreas urbanas; alterações na rede de polarização

regional; criação de polos de atração, com o consequente aumento da demanda de

serviços e equipamentos sociais; quebra de comunicação com o consequente isolamento

de polos de abastecimento e comercialização.

Infraestrutura regional: interrupção do sistema viário, incluindo rodovias, ferrovias,

hidrovias e aeroportos; segmentação do sistema de transmissão e distribuição de energia

elétrica; segmentação do sistema de telecomunicações.

Atividades econômicas: desorganização das atividades agrícolas e pesqueiras; perdas

de áreas agrícolas, com o decréscimo da produção de alimentos e outros produtos

agropecuários.

Saúde Pública: surgimento de focos de moléstias diversas; disseminação de moléstias

endêmicas da região; importação e disseminação de novas morbidades, acidentes com

a população local e com o pessoal alocado às obras; colapso na rede médica hospitalar.

Patrimônio Cultural, histórico, arqueológico e paisagístico: desaparecimento de prédios

e sítios com valor cultural e histórico; desaparecimento de sítios com valor arqueológico

e paisagístico. (MINISTÉRIO DE MINAS E ENERGIA, 1986, p. 34).

Por isso, os estudos ambientais são fundamentais e devem verificar os grandes

problemas urbanos e as políticas existentes, para propor soluções sustentáveis tendo em vista a

chegada de um novo empreendimento, incluindo aí um levantamento dos impactos positivos e

negativos para o meio ambiente e para a sociedade, de forma que todos conheçam suas

vantagens e desvantagens.

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Todo empreendimento, que cause dano ao meio ambiente e às pessoas, deverá passar

por cada etapa das licenças ambientais e observar que, a cada etapa, existem condicionantes,

exigências que deverão ser cumpridas.

Em seu Artigo 3º, a Resolução do Conama 237 reforça que a licença ambiental

dependerá de prévio estudo de impacto ambiental e respectivo relatório de impacto sobre o

meio ambiente (EIA/Rima). Em seu Artigo 8º, a Resolução então classifica as licenças

ambientais em três etapas distintas:

I - Licença Prévia (LP) - concedida na fase preliminar do planejamento do empreendimento ou

atividade aprovando sua localização e concepção, atestando a viabilidade ambiental e

estabelecendo os requisitos básicos e condicionantes a serem atendidos nas próximas fases de

sua implementação.

II - Licença de Instalação (LI) - autoriza a instalação do empreendimento ou atividade de acordo

com as especificações constantes dos planos, programas e projetos aprovados, incluindo as

medidas de controle ambiental e demais condicionantes, da qual constituem motivo

determinante.

III - Licença de Operação (LO) - autoriza a operação da atividade ou empreendimento, após a

verificação do efetivo cumprimento do que consta das licenças anteriores, com as medidas de

controle ambiental e condicionantes determinados para a operação.

Assim, antes da emissão de cada licença, será verificado o atendimento das

condicionantes ambientais e o cumprimento das ações do Plano Básico Ambiental, conforme o

empreendedor dispôs-se a cumprir, para que só assim o projeto avance e possa entrar em

operação.

Os avanços na legislação ambiental são explícitos, porém é preciso muito ainda para

melhorar, inclusive as práticas comunicacionais, a exemplo da definição de papéis do Governo

Federal, Estados e Municípios, entre outros.

Com a criação de legislações ambientais no Brasil, que de forma direta ou indireta

preconizam questões humanas e de acesso às informações, já são passos largos dados em

relação ao desenvolvimento sustentável. Considerar e pensar na forma de vida das pessoas, no

ressarcimento a elas devido por perdas em suas atividades econômicas decorrentes de

desapropriações, cogitar em mecanismos de comunicação que facilitem a relação com elas, já

enseja um espaço de uma interação fecunda, entre homem e meio ambiente, rumo ao

desenvolvimento com pressupostos sustentáveis.

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2.1 Plano Básico Ambiental: Programa de Comunicação Social

Após a elaboração do Estudo de Impacto Ambiental – EIA, o passo seguinte será o de

elaboração do chamado Plano Básico Ambiental ou Plano de Gestão Ambiental. Nessa etapa,

será feito o planejamento da gestão ambiental, com ações e iniciativas para cada fase do projeto.

Trata-se de um documento em que o empreendedor se compromete a avaliar a eficiência de

suas medidas mitigadoras.

Segundo Sanchez (2008), a gestão ambiental pode ser conceituada, como:

Um conjunto de medidas de ordem técnica e gerencial que visam a assegurar que o

empreendimento seja implantado, operado e desativado em conformidade com a legislação

ambiental e outras diretrizes relevantes, a fim de minimizar os riscos ambientais e os impactos

adversos, além de maximizar os efeitos benéficos. (SANCHEZ, 2008, p. 334).

Assim como outras etapas do EIA, a elaboração dos planos e programas ambientais é

exigência dos órgãos licenciadores, conforme prevê o Artigo 6o do Conselho Nacional de Meio

Ambiente - Conama, inciso IV, da Resolução n.o 1/86, que prevê, “elaboração do programa de

acompanhamento e monitoramento dos impactos positivos e negativos, indicando os fatores e

parâmetros a serem considerados”.

Ao longo dos anos, a preocupação com o meio ambiente, a água, recursos naturais e

outros acontecimentos, fez com que a sociedade e seus órgãos reguladores pensassem em

planejamento. Princípios ambientais começaram a ser introduzidos na dinâmica do

desenvolvimento, como um norteador e um ideário do processo.

Por isso, o termo planejamento foi fundamental para garantir melhor eficiência de

recursos, viabilizando dessa forma projetos com menos impactos. Para Santos (2004, p. 27), “

o planejamento ambiental surgiu nas últimas três décadas, em razão do aumento dramático da

competição por terras, água, recursos energéticos e biológicos, que gerou a necessidade de

organizar o uso da terra, de compatibilizar esse uso com a proteção de ambientes ameaçados e

de melhorar a qualidade de vida das populações”.

Vistos dessa perspectiva, os planos básicos ambientais são imprescindíveis na previsão

e execução dos chamados programas ambientais, atuando do início ao fim da construção do

empreendimento e, em alguns casos, durante sua operação.

Os planos básicos ambientais são compostos por diversos programas socioambientais,

que visam atender às exigências ligadas ao meio físico, biótico e socioeconômico (conforme

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mencionado anteriormente), e eventualmente surgidas de outros temas, de acordo com a

necessidade do projeto. Na tabela subsequente, Sanches (2008, p. 337) apresenta os programas

de gestão ambiental para uma usina hidrelétrica, que será utilizada como parâmetro, pois não

se diferencia muito quando se trata de rodovias.

Quadro 03 – Programas de gestão ambiental para uma usina hidrelétrica

Programas Projetos

Socioeconômico e cultural Remanejamento e compensação da população atingida;

Reestruturação e revitalização das comunidades lindeiras;

Resgate e preservação do patrimônio histórico – cultural;

Resgate e preservação do patrimônio paisagístico;

Resgate e preservação do patrimônio arqueológico;

Adequação da infraestrutura de serviços;

Educação Ambiental.

Hidrologia, climatologia e

qualidade da água

Observação das condições hidrológicas;

Observação das condições climatológicas;

Monitoramento das condições limnológicas e da qualidade da

água;

Monitoramento das macrófitas e da ictiofauna;

Monitoramento e manejo da ictiofauna;

Monitoramento das condições hidrossedimentológicas;

Ações integradas de conservação do solo e da água.

Geotecnologia Monitoramento sismológico;

Monitoramento da exploração dos recursos minerais;

Monitoramento dos aquíferos;

Monitoramento da estabilidade de taludes marginais.

Meio Biótico Manejo e salvamento de flora e fauna;

Reflorestamento;

Aplicação de recursos em unidades de conservação.

Meio físico Limpeza da bacia de acumulação;

Gerenciamento e recomposição ambiental das áreas de obra.

Gerencial Gestão do reservatório;

Monitoramento e avaliação do PBA e Comunicação Social.

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Fonte: Geab (Grupo de Empresas Associadas Barra Grande), UHE Barra Grande, Projeto Básico

Ambiental

Conforme demonstrado no quadro, os programas previstos em um Plano Básico

Ambiental não se diferenciam muito uns dos outros; o que preconiza um projeto ou outro é a

especificidade de cada empreendimento.

Nesse sentido, frequentemente o Programa de Comunicação Social está ligado à área

gerencial, mas, dependendo do empreendimento, ele está ligado ao meio socioeconômico. O

chamado Programa de Comunicação Social tem o propósito de agir de maneira mitigadora de

impactos socioambientais prevendo ações diversas no sentido de informar e comunicar a

população sobre os impactos da obra.

Tal orientação parte do Princípio da Informação, ligada ao Direito Ambiental, ou seja,

todo cidadão tem o direito a ter informação sobre ações e danos que possam causar prejuízos a

ele, ou à sociedade, e ao meio ambiente. Ou seja, o grande destinatário das informações no caso

da implementação de um empreendimento considerado poluidor é propriamente a população.

Segundo publicação do Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes -

DNIT (2013):

Os Programas de Comunicação Social (PCS) possibilitam que as populações afetadas ou não

saibam das principais ações do empreendimento por meio de boletins e panfletos informativos,

divulgação de notícias em sites específicos das gestões, trabalhos de assessoria de imprensa,

alocação de cartazes entre outros. (DNIT, 2013, p.21).

Em síntese, o PCS tem uma característica informativa, além de servir de base e inter-

relação com outros programas ambientais (educação ambiental, educação patrimonial, etc.) que

interagem com as pessoas.

Além do Direito Ambiental, a Constituição Federal também preconiza o direito à

informação; em seu artigo 5º, no inciso XIV, prevê que, “é assegurado a todos o acesso à

informação e resguardado o sigilo da fonte, quando necessário ao exercício profissional”. De

modo semelhante, o inciso XXXIII menciona que os cidadãos “têm direito de receber dos

órgãos públicos informações de seu interesse particular, ou de interesse coletivo ou geral”.

Com tais considerações, é possível compreender as interfaces do surgimento do

Programa de Comunicação Social - PCS na área ambiental, já que não foi localizado nenhuma

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diretriz proposta pelos órgãos ambientais que exigisse a implementação deste programa. O que

se verifica, de forma manifesta, é uma forte tendência de cumprimento das legislações vigentes.

Durante a pesquisa documental, foi identificada uma publicação elaborada pelo

Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes – DNIT, em 2013, apresentando de

forma mais clara o que seria o PCS vinculado à Coordenação Geral de Meio Ambiente,

detalhando seu desenvolvimento no caso das rodovias brasileiras.

Conforme o DNIT (2013):

O primeiro Programa de Comunicação Social foi executado pela Gestão Ambiental da BR-

101/Sul em 2011 e possuía como uma de suas principais características a preocupação com as

comunidades lindeiras à obra. Com o passar do tempo, a abrangência de atuação do PCS foi

ampliada e passou a contemplar os colaboradores do empreendimento, as comunidades indígenas

e quilombolas, o público indiretamente afetado, as instituições governamentais, a imprensa em

seus diferentes níveis, entre outros atores. (DNIT, 2013, p.5).

É importante destacar que este programa, consoante o DNIT, deve atender também aos

princípios do Direito Ambiental no que concerne ao direto à informação e ao direito à

participação. Além do direito à informação, já abordado aqui, no que tange ao direto à

participação o DNIT menciona que “implica uma democracia participativa, ou seja, deve ser

oferecido ao cidadão efetivas possibilidades de se envolver nos processos de decisão,

especificamente os relacionados à conservação do meio ambiente...”. (DNIT, 2013, p.22).

E nesse aspecto, o DNIT considera como mecanismos de participação as audiências

públicas – processo anterior ao Plano Básico Ambiental – e outros canais de atendimento como

Ouvidoria (0800) e Caixas de Sugestões.

Contudo, não se pode esgotar o sentido da participação e da informação somente nos

mecanismos anteriormente citados, como afirma Backer em sua tese (2014):

A participação democrática nos processos de licenciamento ambiental não pode, e nem deve

ficar restrita à participação popular nas audiências públicas. Primeiro, porque a comunicação

acontece por diferentes meios e redes sociais que não se podem controlar e nem gerenciar.

(BACKER, 2014, p. 113)

O processo de comunicação efetivo dar-se-á principalmente quando do início do

empreendimento, momento em que se geram impactos e transtornos para a população. É nessa

oportunidade que a comunicação se torna fundamental, pelo diálogo e interação com as pessoas,

em uma demonstração de respeito do empreendedor ao meio ambiente e à sociedade.

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É nessa dinâmica de implantação de empreendimento públicos que também se pode

apropriar da comunicação pública, conforme menciona Locatelli:

Ela é encarregada de tornar a informação disponível ao público, de estabelecer a relação e o

diálogo capazes de tornar um serviço desejável e preciso de apresentar os serviços oferecidos

pela administração, pelas coletividades territoriais e pelos estabelecimentos públicos, de tornar

as próprias instituições conhecidas, enfim de conduzir campanhas de informação e ações de

comunicação de interesse geral. A esses registros, soma-se aquele de natureza mais política, ou

seja, da comunicação do debate público que acompanha os processos decisórios. (LOCATELLI,

2014, apud ZÉMOR, 2009, p. 214).

A comunicação pública pode subsidiar os PCS no sentido de ampliar suas ações e gerar

maior influência nas discussões público-privadas, apoiar a sociedade e o próprio

empreendimento.

Mas não é só isso, o Estado visa aprimorar e tornar mais ágil suas ações e não deseja

que seu empreendimento seja palco de reivindicações, como é o caso da construção de

barragens, alvo de muitos questionamentos nos processos de desapropriação e reassentamento.

Segundo Locatelli (2014, p. 156, apud MINISTÉRIO DE MINAS E ENERGIA, 2009,

p.30):

[...] A desinformação gera na população local desconfianças e frustrações quanto à eficiência

dos órgãos licenciadores e os claros objetivos do empreendedor. Portanto, da forma que se

organiza hoje, o processo apenas agrava o conflito entre os atores, criando impasse na execução

dos programas de compensação e realocação de famílias.

Para as rodovias, a forma como acontece isso não é muito diferente; o Estado, muitas

vezes está por trás das concessões e não deseja que sua obra seja alvo de críticas ou embargo.

Por essas razões, é importante concluir que a informação passa a ser primordial na execução do

projeto.

No caso do Rodoanel Trecho Leste, objeto desta pesquisa, o Programa de Comunicação

Social – PCS descreve objetivos claros para sua implantação, mencionando que o programa é

um “amplo canal de relacionamento entre a Concessionária SPMAR e as comunidades a serem

afetadas de maneira mais direta pela construção do Trecho Leste do Rodoanel...” (GEOTEC,

2011, p. 4-2)

Frequentemente, os PBA´s e PCS´s são elaborados por empresas terceirizadas,

composta de equipes multidisciplinares. No caso do PCS do Rodoanel Trecho Leste, ocorreu o

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mesmo, a equipe de elaboração do programa tinha profissionais formados em engenharia,

geologia, biologia, etc., com a ausência, entretanto, de um profissional de comunicação social

na equipe técnica responsável.

Serão apresentados na sequência, na íntegra, outros objetivos complementares, a que o

PCS faz referência e que podem ser considerados de fundamental importância no

desenvolvimento deste trabalho:

Planejar de maneira integrada as ações de comunicação social e consulta pública

necessárias durante a etapa anterior ao início da construção e durante a implantação do

empreendimento, garantindo que as informações transmitidas sejam suficientes,

precisas e claras;

Divulgar informações sobre as características do empreendimento e os benefícios

almejados com a sua implantação;

Identificar previamente todas as “partes interessadas” no empreendimento, incluindo

em especial a população e/ou atividades econômicas que poderão ser direta ou

indiretamente afetadas ou que manifestem algum interesse específico, apoiando-se para

tanto nas consultas junto à população e instituições locais;

Normatizar os procedimentos de comunicação social, garantindo que somente

interlocutores autorizados transmitam as informações e que o façam de maneira

congruente sem entrar em contradições;

Contribuir para a minimização de eventuais impactos potenciais associados ao

empreendimento, decorrentes de falta de comunicação adequada;

Divulgar as interferências nas vias, nos transportes públicos e eventuais interferências

em linhas de trens, para a população da área de influência direta sobre os desvios e

interrupções a serem realizados lindeiros ao traçado;

Divulgar para a população o número de vagas de trabalho a serem abertas, bem como o

perfil profissional que está sendo buscado para a obra do Trecho Leste do Rodoanel;

Definir um conjunto de regras, procedimentos de interação e complementação entre a

SPMAR e as construtoras contratadas, de maneira a garantir que as informações

transmitidas às comunidades tenham coerência e precisão.

O programa também definiu metas, tais como: realizar uma campanha de divulgação de

início de obras, implantar sistema operacional de atendimento às consultas e reclamações,

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encontro semestrais entre os municípios atingidos para esclarecer dúvidas, campanhas de

divulgação nos meios de comunicação de massa, entre outros.

O PCS menciona que o processo de interação se dará entre a SPMAR (concessionária e

empreendedor) e a sociedade, contando ainda com os mais diversos representantes e lideranças.

Descreve ainda que será elaborado um “Levantamento de Partes Interessadas”, e todas as ações

de divulgação e consulta do empreendimento deverão envolver, conjuntamente, as lideranças e

representantes locais.

O documento aponta três tipos de públicos a serem atendidos, conforme descrito abaixo

(GEOTEC, 2011, p. 4-5):

Grupo A - A população e as atividades econômicas no interior da faixa de domínio,

que deverá ser desapropriada e/ou reassentada, representando o grupo a ser

impactado de maneira mais intensa;

Grupo B - A população e atividades econômicas lindeiras à faixa de domínio e/ou

área diretamente afetada pelas obras (localizadas dentro do limite de 100 metros a

partir do limite de qualquer intervenção), que sofrerá interferência direta das

atividades de obra;

Grupo C - A população e/ou atividades que sofrerão interferência indireta das obras

(desvios de tráfego, remanejamento de utilidades e similares), considerando-se, para

efeitos de planejamento das ações do programa, as comunidades e atividades que

estão em uma faixa de até 500 metros a partir do limite das áreas de intervenção e

de 1000 metros no entorno dos principais canteiros de obra.

Para cada público definido, assinala-se o tipo de informação a passar, a exemplo do

“grupo A”, no caso das pessoas mais afetadas pelo empreendimento, que deverão receber

informações sobre o cronograma da obra, cronograma de desapropriação, procedimentos, etc.

Já às populações lindeiras, o chamado “grupo B”, serão informadas as medidas de mitigação de

impacto, programação de desvios das vias locais, uso de explosivos em detonações de túneis,

cronograma da obra e obrigações e responsabilidades das construtoras em campo.

Como ferramenta de comunicação, o PCS descreve que deverão ser utilizados folders,

cartazes, “centro de informações itinerantes para atendimento local”, website da concessionária

SPMAR, etc.

O programa ainda prevê que:

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As ações de divulgação dirigida no âmbito do Programa de Comunicação Social deverão ainda

envolver a participação das prefeituras municipais, de associações de moradores, sindicatos,

entidades comerciais, empresas e a rede de ensino local, que poderão atuar como “agentes

multiplicadores” contribuindo para potencializar a capilaridade do programa. (GEOTEC, 2011,

p. 4-8).

Para melhor esclarecer, o documento afirma também que é do programa a

responsabilidade de estabelecer canais de comunicação e envolver o máximo de públicos

possível, vinculando a comunicação a uma relação eficaz entre o empreendedor e a sociedade.

Ademais, outro ponto importante que merece destaque refere-se ao item “Recursos

Humanos e Materiais a serem alocados”, que estabelece que a equipe responsável será

coordenada pelo Departamento de Comunicação Social da SPMAR e deverá ser composta por

equipe de especialistas da área de comunicação.

Há também nesse documento a prescrição de que se estabeleça uma inter-relação do

programa com outros programas do Plano Básico Ambiental – PBA, ou seja, ele deverá

interagir com os Programas de Compensação Social e Reassentamento Involuntário e

Desapropriação. Cita esse documento também outros subprogramas agregados à comunicação

social, que são o Subprograma de Capacitação Profissional e o Subprograma de Relações com

as Prefeituras Municipais, os quais não serão aqui alvo de análise.

Passível de destaque ainda é que o PBA é o “documento-mãe” da obra, por ser a matriz

de todas as ações que serão implementadas e dizer como será essa implementação. É por

intermédio dele, mas não somente, que se planeja até mesmo os custos da obra e outros custos

ambientais e sociais.

Por essas inúmeras condicionantes, não basta estruturar os programas, é preciso

sistematizar as ações para a plena efetividade delas. No dizer de Sanches (2008, p. 359): “A

exigência de programas bem estruturados de gestão ambiental não garante seu sucesso. Se a

aplicação não for conduzida por uma equipe conscientizada e treinada, as medidas de gestão

podem simplesmente não dar certo. ”.

Entende-se, portanto, que os programas e planos de comunicação são fundamentais para

garantir o acesso e a transparência nas informações geradas, além de preservar a imagem

corporativa da empresa e do projeto, dentre outros fatores. Na concepção de Tavares (2010),

essa comunicação institucional é:

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O conjunto de ações que visa divulgar informações aos públicos de interesse sobre os objetivos,

as práticas, as políticas e as ações institucionais da organização. O objetivo principal é construir,

manter ou melhorar a imagem da empresa no mercado perante esses públicos. (TAVARES,

2010, p. 64).

Melhor especificando, essa comunicação institucional e social tem um papel claro e

definido, e isso se traduz em seu planejamento ou nos chamados planos de comunicação. Para

Moreira, Pasquale, Dubner (2003, p. 135), “é o direcionamento estratégico que permite às

organizações reagirem rapidamente às turbulências do meio ambiente, explorarem as

oportunidades de mercado e desenvolverem novas técnicas de administração”.

De acordo com isso, Tavares (2010) conceitua um plano de comunicação:

Processo pelo qual objetivos, metas, estratégias de comunicação, planos de ação, controle e

avaliação de investimento otimizam o negócio do cliente. É a formação de objetivos e metas; o

desenvolvimento de estratégias de comunicação, avaliados através de processos e indicadores;

orçados de acordo com as necessidades e as possibilidades de cada negócio. (TAVARES, 2010,

p. 140).

Observe-se ainda que os PCS, previstos nos planos básicos ambientais, têm

características de um plano de comunicação, porém são construídos com uma visão ambiental

e por profissionais da mesma área, desconsiderando, entretanto, as questões de comunicação,

participação e interação social como processos intrínsecos em cada etapa do licenciamento

ambiental.

A denominação Programa de Comunicação Social tem um cunho mais ambiental do que

social, quando se analisa a norma ISO 14063 (2006), que aborda exatamente a comunicação

ambiental, dando diretrizes e exemplos de como fazê-la.

De acordo com Andrade e Orgs.(2010, p.170 ,apud CAMPOS,2007):

A comunicação ambiental é o processo de compartilhar informações sobre temas ambientais

entre organizações e suas partes interessadas, visando construir confiança, credibilidade e

parcerias, para conscientizar os envolvidos, e então, utilizar as informações no processo

decisório.

Para essa norma ISO, além de se estabelecer os processos informacionais, deve-se

estabelecer também objetivos e metas, visando identificar e atingir os públicos de interesse.

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Figura 03 - Organização ISO 14063

Fonte: ISO 14063, p. 2006

Por essas premissas, a Comunicação Ambiental é uma comunicação específica, que visa

atingir alguns objetivos e metas mediante uma comunicação interna e externa da empresa com

seus diversos públicos, acerca de sua política, estratégias de atuação e desempenho ambiental.

Outro autor que fala da comunicação ambiental e a diferencia é Andrade e Orgs. (2010,

p.170, apud MOREIRA (2001):

É uma estratégia importante nos processos que regem tanto as relações corporativas intersetoriais

e a comunicação com os públicos externo e interno, bem como a obtenção de informações úteis

à tomada de decisão em gestão ambiental participativa.

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Por intermédio dessa comunicação ambiental, a norma prioriza um relacionamento

compartilhado entre a empresa e seus diversos públicos, de modo confiável, transparente e

envolvendo-os nos processos decisórios.

Sendo assim, conforme se apresenta o Programa de Comunicação Social do Trecho

Leste do Rodoanel, observa-se que o programa se utiliza apenas de parte da norma, mas ainda

deixa lacunas no processo. Se observada a norma, esta indica que deve haver espaços para troca

e diálogos constantes e não apenas uma comunicação unilateral, da empresa com a comunidade

(comunidade aqui entendida como os públicos de interesse).

Tem-se visto que essa comunicação ambiental empresarial, seja em rodovias, seja em

outros segmentos, ainda não ocorre de forma bilateral, de modo a permitir a participação e

alteração das decisões feitas pela organização. O que se propõe é um fazer comunicacional,

interativo, holístico e participativo, que seja previsto e planejado desde a concepção de um

projeto, e não somente na fase do licenciamento ou por exigência legal.

Por razões como essas, destacamos a relevância desta pesquisa, isto é, pela importância

dada à avaliação das estratégias de comunicação durante a execução de um empreendimento.

2.2 A comunicação nas estratégias da organização

Por muito tempo, a comunicação empresarial foi vista apenas como uma ferramenta de

trabalho dentro das organizações, porém o mercado mudou, exigindo um novo sentido para o

ambiente organizacional. A comunicação acompanhou essa evolução e tornou-se estratégica

para a gestão de muitos ambientes corporativos, preocupando-se com seus diversos públicos.

Na definição de Morin (2005):

A palavra estratégia não designa um programa predeterminado que basta aplicar nevariatur no

tempo. A estratégia permite, a partir de uma decisão inicial, prever certo número de cenários

para ação, cenários que poderão ser modificados segundo as informações que vão chegar no

curso da ação e segundo os acasos que vão se suceder e perturbar a ação. (MORIN, 2005, p. 79).

Desse modo, a definição de estratégia de atuação e o planejamento por meio da

comunicação empresarial tornaram-se um diferencial competitivo. A organização deve estar

atenta ao planejamento, pois, caso contrário, poderá sofrer grandes perdas. Como afirmam

KITCHEN & SCHULTZ:

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Clientes, funcionários e sociedade em geral estão buscando um entendimento e conhecimento

do caráter das empresas. Se elas não se comunicarem, esses públicos tirarão suas conclusões a

partir da primeira informação que encontrarem disponível. (KITCHEN & SCHULTZ, 2001, p.

306).

Por isso, a comunicação, quando faz parte da estratégia da organização, não mede

esforços para estabelecer e manter um relacionamento com os diversos públicos. A empresa

precisa relacionar-se bem com o “seu mundo” interno e externo.

Outro autor, Rego (1986), em consonância com essas ideias, afirma que “uma empresa

objetiva não apenas gerar bens econômicos, para uma relação de troca entre produtor e

consumidor, mas procura também desempenhar papel significativo no tecido social, missão que

deve cumprir seja qualquer o contexto político”. (REGO, 1986, p. 13). Em outras palavras,

mesmo objetivando ter lucros, as organizações têm uma função social, como exemplifica no

presente século a postura requerida pelos seus stakeholders.

Para Bueno (2003, p. 7):

Nos anos 1990, o conceito de Comunicação Empresarial se refinou: ela passou a ser estratégica

para as organizações, o que significa que se vinculava estritamente ao negócio, passando,

também, a ser comandada por profissionais com uma visão abrangente ao negócio, seja da

comunicação, seja do mercado em que a empresa ou entidade se insere.

O autor menciona que as atividades deixam de ser fragmentadas e se constituem em um

processo integrado. As estratégias de comunicação nas organizações foram mudando, houve

maior valorização das marcas nos mercados com o aprimoramento da gestão organizacional e

atenção para outros fatores, como faz referência Bahia (1995):

[...] conciliar rentabilidade, liquidez e produtividade; somar um marketing forte à sinergia dos

negócios; e também acrescentar à transparência dos produtos os indispensáveis elementos de

qualidade que os tornam bem aceitos: idoneidade das marcas, consciência social,

responsabilidade ambiental, espírito inovador, tecnologia avançada e etc. (BAHIA, 1995, p. 03).

Sendo assim, coube às organizações refinar a sua comunicação, com um olhar mais

amplo para o mercado e para a sociedade, com a implementação de novas formas de interação

com seus diversos públicos.

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Essas modificações na área da comunicação empresarial não ocorreram em sua

totalidade nas organizações, pois, para isso, é indispensável a existência de uma política de

comunicação, com ações planejadas e amplas, atreladas à missão e à visão da organização.

Como afirma Bueno (2003, p. 9), “é necessário que o mix global de comunicação em uma

empresa ou entidade, seja definido com base em uma política comum, com valores, princípios

e diretrizes que se mantenham íntegros e consensuais para as diversas formas de relacionamento

com os seus públicos de interesse. ”

Observar o negócio e levar em conta os posicionamentos da organização exige que a

comunicação empresarial moderna, seja ela institucional seja mercadológica, assuma uma

perspectiva estratégica, efetivamente integrada às demais áreas da empresa. É verdade que a

imagem de uma organização não se constrói apenas a partir de um trabalho de comunicação,

pois ela depende de outros fatores, tais como qualidade dos produtos, excelência no

atendimento, entre outros, e o comunicador empresarial deve estar ciente dessas dificuldades

ou desafios.

Como afirma Certeau:

A comunicação não é a informação, mas seu tratamento por uma série de operações, relacionada

com a realização de objetivos e a interação social, num contexto de ação que é, ao mesmo tempo,

estético (ao vincular a nosso desejo o material dado, reempregando-o à sua maneira), polêmico

(ao apropriar-se das informações para apoderar-se de um saber, por mais parcial que seja), ético

(ao restaurar um espaço de liberdade, defendendo a própria autonomia. (RUDGER, 2011, p. 25

apud CERTEAU, 1994, p. 180).

Pode-se dizer, portanto, que a comunicação empresarial estratégica parte do pressuposto

de que a comunicação passa por várias etapas e necessita ser compreendida por meio da

interação social.

Sobre essa estratégia, Whittington (2002, p. 1-48) registra quatro teorias: a clássica, a

evolucionista, a processualista e a sistêmica, e descreve as características de cada uma delas, as

quais são:

Clássica: seria mais antiga, influente e muito utilizada no planejamento

estratégico;

Evolucionária: está centrada na sobrevivência e relacionada com a evolução

biológica;

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Processual: tem a ver com a natureza imperfeita da vida humana, como um

processo falível e capaz de errar;

Sistêmica: relativista, na qual os fins e meios da estratégia estão ligados à grande

estrutura e aos sistemas sociais locais onde se desenvolve a estratégia.

Por essa exposição, a comunicação estratégica, deve viabilizar os diferentes tipos de

estratégia, além de contemplar outros aspectos, para agregar conhecimento e ser um facilitador

do processo de gestão.

Segundo a pesquisadora Kunsch (2014):

Na perspectiva mais racional e clássica, a dimensão estratégica da comunicação organizacional

se assemelha muito com a instrumental. Está relacionada com a visão pragmática da

comunicação, com vistas à eficácia e aos resultados. É considerada um fator que agrega valor à

organização e aos negócios. Alinha-se, estrategicamente, por meio do planejamento estratégico

e da gestão, aos objetivos globais da organização e aos princípios estabelecidos em relação a sua

missão, sua visão e seus valores. (KUNSCH 2014, p. 56).

Assim sendo, não é possível consolidar uma comunicação estratégica no ambiente

empresarial se ela não estiver fortemente vinculada à missão e aos valores da empresa. Como

afirma Bueno (2005, p. 19), “a comunicação empresarial estratégica deve assumir a importância

crescente dos chamados ativos intangíveis (marca, reputação ou imagem, rede de

relacionamentos, etc.) e transitar, com desenvoltura, pela chamada “era do acesso”, definida

por Rifkin (2001) como aquela que transforma os recursos culturais em commodities e

estabelece o império de uma economia conectada e baseada em serviços. ”

É importante reconhecer que a Comunicação Empresarial tem assumido um papel

estratégico em muitas organizações, tornando-se um diferencial e desenvolvendo marcas e

imagens. No entanto, ela deve estar comprometida com outros atributos considerados essenciais

no século XXI, tal como a sustentabilidade, cidadania, domínio das mídias digitais, entre outros,

a fim de sensibilizar multiplicadores, fidelizar clientes e incrementar a interação com as

comunidades.

As teorias iniciais sobre os processos comunicativos não constituem teorias da

comunicação em si, mas teorias sociais ou teorias de ciências que estudavam o fenômeno

comunicativo, entendido, desse modo, como decorrência de um modelo sócio cultural

determinado (Wolf, 1995).

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O profissional de comunicação sempre vivenciou a interface interdisciplinar em seu

cotidiano, e isso não é negativo, pelo contrário, promove a pluralidade de pensamentos e ações,

sendo denominado por Armand e Michèle Mattelart (1999), como um “campo de observação

científica”, cujo dispositivo operante por excelência é o discurso.

Nas organizações, isso não é diferente, o profissional de comunicação é chamado para

estabelecer discursos, propor estratégias de comunicação com os diversos públicos e,

principalmente, nesse cenário de transformação tecnológica, situar-se como um elo para

comunicar o que organização deseja transmitir.

Comprovadamente, até antes da década de 1970, a comunicação dentro das

organizações era utilizada de forma pouco estratégica, mesmo porque não havia profissionais

em número suficiente e com o perfil adequado para uma atuação competente no mercado. Essa

realidade foi mudando com a ampliação dos cursos de comunicação, bem como pela

consolidação das novas tecnologias, tornando as empresas mais proativas no relacionamento

com as mídias. Ao mesmo tempo, o novo cenário fez as empresas considerarem, de forma

abrangente, a sustentabilidade como um valor e uma prática essencial. Para Tavares (2010, p.

13), “a comunicação empresarial integrada passa a ser vista como estratégia”.

Por isso, é possível afirmar que, à medida que as organizações foram evoluindo, a

comunicação também ganhou novos contornos, com a ampliação do seu conceito e com o

refinamento de suas aplicações.

Para a pesquisadora Colnago (2012, p. 69), a função da comunicação empresarial é

“formar uma opinião pública crítica que tenha conhecimento da empresa como um todo, é

explicitar as políticas de comercialização de seus produtos e serviços, é colaborar para seu

posicionamento e imagem, é estabelecer entre ela e seus públicos de interesse a compreensão

mútua e a horizontalização dos fluxos de informação, é contribuir para que a empresa se

estabeleça e seja entendida, reconhecida e interpretada da maneira como pretende.”.

Porter (1999, p.84) entende que:

A informação se traduz em primorosa vantagem competitiva e que a tecnologia da informação

“está reformulando o próprio produto: a totalidade do pacote de bens físicos, de serviços e de

informação oferecido pelas empresas, de modo a criar valor para seus compradores”.

Em outro parágrafo, o mesmo autor afirma que, “os compradores não pagarão por valor

que não percebam, não importa quão real ele possa ser”. (PORTER, 1999, p. 129). Ou seja, a

forma como a organização comunica seus bens e produtos faz nítida diferença para seus

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públicos de interesse. A comunicação empresarial ou organizacional estratégica deve sofrer

avaliações e monitoramentos constantes, porque somente assim conseguirá sistematizar suas

ações e ter um caráter de gestão efetiva.

Segundo uma análise das três dimensões da comunicação organizacional: a humana, a

instrumental e a estratégica, feita por Kunsch (2012), identifica-se que a dimensão denominada

instrumental ainda é a mais presente nas organizações, isto é, aquela que preconiza a simples

transmissão de informação. A dimensão estratégica da comunicação organizacional é aquela na

qual a comunicação é considerada como fator estratégico de resultados, que agrega valor à

organização; e a dimensão humana é aquela intrínseca à organização, porquanto é afinal feita

de pessoas.

Kunsch (2012) afirma que, diante de pesquisa realizada com várias empresas, verificou-

se que:

Em relação à dimensão estratégica, pelas respostas obtidas, observa-se que, para a grande

maioria das empresas consultadas, ela só existe em parte. Falta uma política de comunicação

mais definida e integrada, poucos departamentos respondem diretamente à alta gestão, a área não

é consultada para decisões estratégicas de forma constante, dentre outros aspectos que possam

caracterizar a comunicação na estrutura organizacional como fator estratégico de resultados.

(KUNSCH, 2012, p. 14).

Ainda há muito que fazer para a comunicação ser parte estratégica das organizações e

de grandes projetos. É preciso demonstrar que informação não significa comunicação, que é

um processo que vai além, e precisa necessariamente ser amadurecido por todos. A

comunicação, para ser estratégica, não deve levar em conta apenas a dimensão instrumental, ou

seja, somente o direito à informação, ela deve priorizar as pessoas, gerando resultados e

agregando novos valores.

Como menciona Ana Wels et al (2015, p. 77), no livro De qual Comunicação estamos

falando?, “ na complexidade do tempo vivido, é preciso transcender os não lugares, onde a

comunicação é sinônimo de mera transmissão de informações, e nos situarmos no tenso espaço

da confiança, do vínculo e das relações. ”

Não se pode esquecer que, antes de ser estratégica, a comunicação é pautada nas relações

e permeia todos os ambientes humanos. O próprio ato de comunicar define as relações sociais,

e quando isso ocorre dentro das organizações, devem-se priorizar elementos básicos, tais como

a cultura da empresa e sua forma de organização.

De acordo com Curvello:

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Através da instância da cultura organizacional é possível captar a lógica das relações internas,

suas contradições, suas mediações, para melhor compreender os estágios administrativos, os

sucessos e fracassos organizacionais e as facilidades ou dificuldades impostas às mudanças

institucionais. (CURVELLO, 2012, p. 14).

Em resumo, é necessário investigar e compreender a cultura organizacional, para que se

possa efetivar a comunicação estratégica dentro da organização, ou seja, estar de acordo com

os valores dessa corporação. A comunicação por si só não pode ser estratégica, se não for

reconhecida por todos como parte integrante dos processos organizacionais.

As mudanças no mundo do trabalho, marcada pelos avanços tecnológicos, alteram as

relações e exigem das organizações e consequentemente da área da comunicação vínculos

expansivos e fortes, visando envolver as pessoas dentro e fora do ambiente de organizacional,

para uma efetiva contribuição final nos processos.

A comunicação estratégica exige um conhecimento aprofundado da organização,

sensibilização da alta liderança, demonstração clara sobre como a comunicação agrega valores

e como ela pode contribuir nas fases do processo produtivo.

Segundo Cardoso (2006):

O mundo globalizado tem produzido mudanças significativas na gestão dos negócios. Novas

práticas administrativas e gerenciais têm surgido nas últimas décadas, não só como resultado da

busca incessante pela produtividade, qualidade e satisfação do cliente, mas também em

consequência da preocupação com o meio ambiente. (CARDOSO, 2006, p. 1127).

Transformações na economia e toda sorte de alterações no planeta exigem das empresas

um reposicionamento constante, principalmente no que tange à comunicação. A forma como as

empresas comunicam seus atos, seus produtos, como se relacionam com a sociedade, seus

públicos de interesse, etc. são requisitos primordiais para a sociedade. Em plena consciência

disso, nenhuma empresa quer de modo algum que sua imagem seja deturpada ou mal vista pela

sociedade e pelo mercado.

Ademais, tem-se uma nova realidade virtual, em que indivíduos, pertencentes ou não à

organização, se fazem mais presentes, exigindo posturas mais transparentes e atuantes. A lógica

de redes (Castells, 1999) e o ciberespaço (Levy, 1996 e 2000) levam fatalmente a reflexões

sobre novas formas de atuação, pois a comunicação estratégica tem um papel fundamental de

consolidar os novos valores e posicionamentos da sociedade atinentes ao mercado.

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Nesse contexto, as mudanças ocorridas no ciberespaço produzem alterações nos

comportamentos da sociedade, e “com seu caráter democrático, leva-nos a questionar as

abordagens centralizadoras e verticais dos processos comunicativos”. (CARDOSO, 2006. p.

1128).

Em meio a esse processo, a comunicação empresarial amplia-se, abrindo espaço para a

comunicação organizacional estratégica, que busca relacionar-se dentro e fora da organização.

Nesse contexto de redes, são criados mecanismos de interação que acabam sempre promovendo

outras iniciativas com os diversos agentes da sociedade.

Conforme menciona Cardoso (2006):

A dimensão estratégica que a comunicação vem assumindo nas organizações, sendo parte da

cultura organizacional, modifica paulatinamente antigos limites. Não mais se restringe à simples

produção de instrumentos de comunicação: ela assume um papel muito mais abrangente, que se

refere a tudo que diz respeito à posição social e ao funcionamento da organização, desde seu

clima interno até suas relações institucionais. (CARDOSO, 2006, p. 1128).

Como se aludiu anteriormente, a comunicação organizacional estratégica deve ser

entendida e estudada a partir da cultura da organização e não se deve implantá-la isoladamente

desconsiderando tais fatores. Essa comunicação, parte da lógica informacional, não deve girar

somente em torno disso; trata-se de um fluxo relacional, que gera conhecimento e disseminação

de conceitos. Essa atuação dela significa “colocar em relação elementos que adquirem

significação a partir de um compartilhamento de sentidos” (FRANÇA, 2008 apud OLIVEIRA;

PAULA, 2003, p. 20).

Para Blikstein (2001, p. 49), “toda uma rede de referências, valores e conhecimentos

históricos, afetivos, culturais, religiosos, profissionais, científicos etc. mudam de indivíduo para

indivíduo e de comunidade para comunidade. ” É necessário reavaliar sempre, como emissor

ou receptor, para verificar se os objetivos da organização estão sendo alcançados e se a

comunicação está adequada.

A cultura da organização está estruturada em valores e crenças, que influenciam sua

atuação, e não somente isso, é preciso considerar os fatores culturais do entorno que envolve a

organização, sua cultura local, etc. No dizer de Raymond Willians (1977): “Na verdade,

exatamente porque toda consciência é social, seus processos ocorrem não só entre, mas também

dentro, da relação e do relacionado. (WILLIANS, p. 132, 1977).

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Isso significa que todos esses processos perpassam a vida do indivíduos e vão alterando

seu cotidiano, sua forma de viver, de relacionar-se, trabalhar e consequentemente a sua cultura.

A cultura “refere-se tipicamente ao padrão de desenvolvimento refletido nos sistemas

sociais de conhecimento, ideologia, valores, leis e rituais cotidianos”. (MORGAN, 1996, p.

116). Assim, “as ideias que os homens elaboram sobre o mundo derivam necessariamente do

modo pelo qual o conhecem pela experiência, e essa experiência, por sua vez, depende do modo

pelo qual se articulam tecnicamente com o mundo”. (SAHLINS, 2003, p. 106).

Kotter e Heskett (1994, p. 4), mencionam que, “a cultura organizacional atua em dois

níveis: no nível mais profundo e menos visível, a cultura refere-se a valores que são

compartilhados pelas pessoas em um grupo e que tendem a persistir com o tempo, mesmo

quando mudam os membros do grupo”. No nível mais visível, a cultura representa os padrões

de comportamento ou as normas de uma organização, que os empregados, de forma automática,

incentivam os novos colegas a seguirem. Portanto, não se muda a cultura tão facilmente, mas a

comunicação é parte importante desse processo, pois a atitude interna da organização vai definir

se a comunicação será estratégica ou não para a empresa.

Trata-se aqui da cultura interna da organização, em que o profissional de comunicação

deve conhecer e respeitar, mas não pode esquecer-se de outros momentos, como o processo de

internacionalização de uma empresa, quando há uma fusão de culturas. Ou mesmo dentro do

Brasil, quando há mudança física da empresa para outras regiões, e a cultura modifica relações

e o sistema com que interage.

Bueno afirma que:

Os choques culturais são comuns nos processos de internacionalização, bem como nas, cada vez

mais frequentes, experiências de fusão/aquisição de empresas, quando culturas organizacionais,

com características distintas, promovem embates formidáveis, muitas vezes fatais para a

sobrevivência das organizações em litígio. (BUENO, 2012, p. 226).

É devido a isso que a cultura é tão importante e influente na comunicação

organizacional; somente observando-se o componente cultural e atuando com seus fatores é que

o profissional de comunicação poderá ser eficiente. Para MARCHIORI (2006, p. 23 apud

Eisenberg e Riley, 2001), “precisamos entender que nosso trabalho tornou- se parte do

fenômeno cultural que estamos estudando, estamos, em parte, reflexivamente, criando o futuro

das organizações”.