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Comunicação Científica FLUXOGRAMA DA CADEIA PRODUTIVA DE UMA MARCENARIA COLETIVA FEMININA: Elemento para compreensão da Etnomatemática desse grupo GT 03 – História da matemática e etnomatemática Ricardo Kucinskas, Departamento de Matemática, Universidade Federal de São Carlos, [email protected] Renata Cristina Geromel Meneghetti, Instituto de Ciências Matemáticas e de Computação, Universidade de São Paulo, [email protected] Resumo: Este trabalho aborda a Educação Matemática no contexto da Economia Solidária, tendo como foco uma marcenaria coletiva feminina de um assentamento rural, caracterizada como Empreendimento em Economia Solidária (EES). Nosso propósito foi compreender a Matemática utilizada no caso específico dessa marcenaria. Esta investigação segue uma abordagem qualitativa: estudo de caso. A partir de observação simples e participação em reuniões com a incubadora responsável pela implementação desta marcenaria (enquanto um EES), coletamos materiais e elaboramos alguns fluxogramas da cadeia produtiva dessa cooperativa. Por meio da análise desses fluxogramas, levantamos algumas situações em que a Matemática é utilizada, entendendo esse processo como um dos meios de se compreender a etnomatemática desse grupo. Como resultado, verificamos que a matemática está presente em diversas situações, tais como: a elaboração dos orçamentos, confecção dos produtos e divisão da renda líquida obtida. Dentre essas situações, destacam-se os conceitos, principalmente, de cálculo com números decimais, volume e unidades de medida. Palavras-chave: Educação Matemática; Economia Solidária; Empreendimento em Economia Solidária (EES); Etnomatemática.

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Comunicação Científica

FLUXOGRAMA DA CADEIA PRODUTIVA DE UMA MARCENARIA

COLETIVA FEMININA: Elemento para compreensão da Etnomatemática desse

grupo

GT 03 – História da matemática e etnomatemática

Ricardo Kucinskas, Departamento de Matemática, Universidade Federal de São Carlos, [email protected]

Renata Cristina Geromel Meneghetti, Instituto de Ciências Matemáticas e de Computação, Universidade de São Paulo, [email protected]

Resumo: Este trabalho aborda a Educação Matemática no contexto da Economia Solidária, tendo como foco uma marcenaria coletiva feminina de um assentamento rural, caracterizada como Empreendimento em Economia Solidária (EES). Nosso propósito foi compreender a Matemática utilizada no caso específico dessa marcenaria. Esta investigação segue uma abordagem qualitativa: estudo de caso. A partir de observação simples e participação em reuniões com a incubadora responsável pela implementação desta marcenaria (enquanto um EES), coletamos materiais e elaboramos alguns fluxogramas da cadeia produtiva dessa cooperativa. Por meio da análise desses fluxogramas, levantamos algumas situações em que a Matemática é utilizada, entendendo esse processo como um dos meios de se compreender a etnomatemática desse grupo. Como resultado, verificamos que a matemática está presente em diversas situações, tais como: a elaboração dos orçamentos, confecção dos produtos e divisão da renda líquida obtida. Dentre essas situações, destacam-se os conceitos, principalmente, de cálculo com números decimais, volume e unidades de medida.

Palavras-chave: Educação Matemática; Economia Solidária; Empreendimento em Economia Solidária (EES); Etnomatemática.

Comunicação Científica

Introdução

Este projeto faz parte de um projeto maior, o qual visa focalizar a Educação

Matemática, no contexto da Educação em Economia Solidária, enquanto possibilidade de

ensino e aprendizagem desta ciência de forma contextualizada, visando atender a

demandas específicas inerentes à implementação de Empreendimentos em Economia

Solidária (EES). Nesta pesquisa, temos como foco uma marcenaria coletiva feminina de

um assentamento rural, caracterizada como um EES. Esta marcenaria nasceu da vontade,

de um núcleo de mulheres agricultoras familiares e de baixa renda, de consolidar um

processo de aprendizagem em serviços deste tipo, surgindo como um projeto baseado em

três características fundamentais: processo, gestão e produto. Por processo, entende-se a

participação das marceneiras em todas as fases de decisão, bem como a sua capacitação; a

gestão vem embasada na articulação de diferentes agentes, como os assessores e as

próprias marceneiras, e a possibilidade de geração de renda; por fim, o produto, é resultado

do desenvolvimento de componentes e sistemas construtivos utilizando recursos locais.

A Economia Solidária tem sido entendida como o “conjunto de atividades

econômicas – de produção, distribuição, consumo, poupança e crédito – organizadas e

realizadas solidariamente por trabalhadores e trabalhadoras sob a forma coletiva e

autogestionária” (BRASIL, 2006, p.11,12). Desta, podem fazer parte diversos tipos de

empreendimentos, tais como cooperativas, associações, clubes de troca, empresas

recuperadas autogeridas, organizações de finanças solidárias, grupos informais etc. Tais

empreendimentos são caracterizados por algum tipo de atividade econômica, pela

cooperação, pela solidariedade e pela autogestão.

Esta investigação tem caráter colaborativo e interdisciplinar e se dá em conjunto

com grupos de pesquisas que já têm atuado na implementação desses tipos de

empreendimentos, a saber, o HABIS (Grupo de Habitação e Sustentabilidade1 e a

1 O grupo HABIS participa no âmbito da sustentabilidade, assumida em várias dimensões: a ambiental, a

social, a econômica, e a política, desenvolvendo a conscientização do cidadão como agente capaz de alterar a sua realidade.

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INCOOP/UFSCar (Incubadora Regional de Cooperativas Populares da Universidade

Federal de São Carlos)2. Nessa fase da pesquisa, buscamos levantar situações em que a

Matemática é utilizada pelo grupo em seus trabalhos da marcenaria e também os conteúdos

matemáticos inerentes a esses afazeres.

É também importante destacar que, do ponto de vista da Educação Matemática,

essa pesquisa trata sobre a etnomatemática desse grupo. Em seu Programa

Etnomatemática, D’Ambrosio (2001) propõe que as ideias matemáticas, em particular,

comparar, classificar, quantificar, medir, explicar, generalizar, inferir e, de algum modo,

avaliar, são formas de pensar. Assim, a ciência etnomatemática considera que a cultura é

compreendida como o conjunto de conhecimentos compartilhados e comportamentos

compatibilizados sobre a realidade, o matema, e que se manifesta nas maneiras, que são as

ticas, próprias ao grupo, a comunidade, ou seja, ao etno.

Economia Solidária

Há muito tempo o capitalismo se tornou tão dominante que tentamos torná-lo

normal ou natural. A economia de mercado deve ser, em todos os sentidos, competitiva. “A

competição é boa de dois pontos de vista: ela permite a todos nós consumidores escolher o

que mais nos satisfaz pelo menor preço; e ela faz com que o melhor vença [...]” (SINGER,

2002, p. 8). O capitalismo produz verdadeira desigualdade, polarização entre ganhadores e

perdedores. Enquanto os ganhadores acumulam capital, galgam posições e avançam nas

carreiras, os perdedores acumulam dívidas pelas quais vão pagar juros, ficam

desempregados e acabam se tornando derrotados. Assim, “vantagens e desvantagens são

legadas de pais para filhos e para netos” (SINGER, 2002, p. 8). E, dessa forma, tal ciclo

acaba produzindo sociedades profundamente desiguais.

2 A INCOOP faz parte das ITCP’s, Incubadoras Tecnológicas de Cooperativas Populares e atua em

empreendimentos em economia solidária buscando atingir o processo político de conquista da cidadania.

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Para isso ser revertido, seria preciso que a economia fosse solidária em vez de

competitiva. Assim, segundo Singer (2002), os participantes na atividade econômica

deveriam ser cooperadores entre si em vez de competidores.

A solidariedade na economia só pode se realizar se ela for organizada igualitariamente pelos que se associam para produzir, comerciar, consumir ou poupar. [...] todos os sócios têm a mesma parcela do capital [...] o mesmo direito de voto em todas as decisões. Este é o princípio básico. [...] Ninguém manda em ninguém. [...] se a cooperativa progredir, acumular capital, todos ganham por igual. Se ela for mal, acumular dívidas, todos participam por igual nos prejuízos e nos esforços para saldar os débitos assumidos (SINGER, 2002, p. 9-10).

O modo como as empresas são administradas parece ser a principal diferença entre

economia solidária e capitalista. Essa última aplica a heterogestão, na qual a administração

é hierárquica, formada por níveis sucessivos de autoridade, entre os quais as informações

fluem de baixo para cima e as ordens ao contrário. Enquanto um EES aplica a autogestão,

ou seja, é administrado democraticamente, de modo que as ordens e instruções fluem de

baixo para cima, já as demandas e informações de forma inversa. De acordo com Singer

(2002), a autogestão exige um esforço adicional dos trabalhadores, pois além de cumprir

suas tarefas, cada um tem de se preocupar com os problemas do empreendimento.

Etnomatemática

Segundo D’Ambrósio (1993), o Programa Etnomatemática nasce de inconformismo

com a fragmentação do conhecimento em diversas áreas. Tal programa propõe um enfoque

mais epistemológico, enfatiza uma parte histórica mais ampla, parte da realidade de

maneira natural e chega a um enfoque muito mais cultural e pedagógico. Com isso, visa-se

à melhor compreensão da história, do conhecimento científico e do processo de

desenvolvimento dos países periféricos, que passaram pelo processo de conquista,

colonização e agora subordinação. Este processo enfatiza ciência e tecnologia e ao

procurar entender os objetivos da educação matemática nos países menos desenvolvidos é

que se criou o Programa Etnomatemática. (D’AMBROSIO, 1993)

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De acordo com D’Ambrosio (1998), a Etnomatemática une três palavras: Etno:

contextos culturais; linguagens específicas; códigos de comportamento; simbologias;

práticas sociais; sensibilidades; Mathema: conhecimento; explicação; compreensão; Tica:

“tchné” ( raiz etimológica dos termos “arte” e “técnica”).O objetivo do Programa

Etnomatemática é analisar como, ao longo da sua evolução, a espécie humana gerou e

difundiu artes e técnicas, com a finalidade de entender, explicar, lidar com o ambiente

natural, social e cultural, próximo ou distante, assumindo o seu direito e capacidade de

modificá-lo. Nesse contexto, a cultura é compreendida como o conjunto de conhecimentos

compartilhados e comportamentos compatibilizados sobre a realidade, o matema, que se

manifesta nas maneiras, que são as ticas, próprio ao grupo, a comunidade, ao etno. Isto é,

na sua Etnomatemática.

Segundo D’Ambrosio (2001), historicamente a Etnomatemática é uma das

manifestações de um novo renascimento, no momento do apogeu da ciência moderna e que

se dá sempre em paralelo com outras manifestações culturais. A própria ciência moderna

desenvolve instrumentos intelectuais para sua crítica e incorporação de elementos e outros

sistemas de conhecimento. Ainda de acordo com esse último autor, no Programa

Etnomatemática, a capacidade de explicar, de apreender e compreender, de enfrentar,

criticamente, situações novas, constituem a aprendizagem por excelência.

De acordo com Knijnik (2009), visto que a Matemática envolve o estudo da cultura

de um grupo específico, nunca devemos fazer do outro sujeito o nosso governo, pois, como

etnomatemáticos, temos o objetivo de dar visibilidade a outras culturas, buscando inclusão

social. Foucault (apud KNIJNIK, 2009, p. 137) define a expressão “saber dominado” como

uma série de saberes que tinham sido desqualificados como não competentes ou

insuficientemente elaborados: saberes ingênuos, hierarquicamente inferiores, saberes

abaixo do nível requerido de conhecimento e cientificidade. Esse tipo de saber, que

podemos classificar como particular, regional ou local nos interessa bastante do ponto de

vista da Etnomatemática, pois por meio da comparação deste conhecimento com o que é

cientificamente aceito pela sociedade poderemos verificar que lugar a Matemática ocupa

nesse contexto e como poderemos intervir.

Comunicação Científica

A Ciência Etnomatemática pretende relacionar os saberes e fazeres de uma

determinada cultura: o empírico e o teórico, porém como vivemos em sociedade cada vez

mais “multicultural”, segundo Moreira (2009), esta Ciência não está mais associada apenas

aos estudos focados na Matemática de grupos minoritários e distantes da realidade

próxima. Então, essa multiculturalidade nos faz ver a educação como “um processo vasto

com a presença de vários protagonistas que utilizam diferentes estratégias e tecnologias”

(MOREIRA, 2009, p. 60). Assim, a vida de cada indivíduo nos leva, antes de tudo, a uma

análise do contexto em que ele está inserido. Isso nos mostra a importância de se ter um

bom conhecimento do seu cotidiano de trabalho, no caso da marcenaria MCF, para se

conhecer a Etnomatemática desse grupo, destacando as etapas do processo de produção por

meio dos fluxogramas que são apresentados nesse trabalho.

Procedimentos Metodológicos

A pesquisa é de cunho qualitativo: estudo de caso (LUDKE & ANDRÉ, 1986;

BODGAN & BIKLEN, 1994). O caso focalizado é a marcenaria coletiva anteriormente

citada. As perguntas norteadoras da investigação foram: “Em que situações/momentos a

matemática é utilizada por esse grupo?” e “Que conteúdos estão inerentes a essas

situações?”. A partir de observação simples e conversas informais obtivemos dados sobre

o cotidiano dessa cooperativa; isto é, os fatos que ocorriam em seus trabalhos efetuados

junto à marcenaria. Também participamos de diversas reuniões com membros da

incubadora, em que se discutiam problemas referentes à gestão desse empreendimento.

Assim, coletamos materiais que nos possibilitaram a elaboração de alguns fluxogramas3 da

cadeia produtiva desse empreendimento. Uma descrição e uma análise desses fluxogramas

foram feitas objetivando identificar situações em que a matemática é utilizada por esse

grupo e levantar os conteúdos matemáticos inerentes a essas situações.

3 Um fluxograma é compreendido como um diagrama em que se representam as etapas do processo da cadeia produtiva do grupo focado.

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Fluxograma da Cadeia Produtiva

Visando compreender a etnomatemática desse EES, elaboramos alguns

fluxogramas da cadeia produtiva desse grupo. Nos fluxogramas que apresentaremos as

formas retangulares representam os processos da cadeia, as formas elípticas representam as

entradas ou saídas desses processos e as setas, o sentido do fluxo. Inicialmente,

elaboramos um fluxograma geral a fim de destacar os processos (ou etapas) da cadeia

produtiva desse empreendimento solidário e que facilitasse a identificação das principais

ideias matemáticas utilizadas no cotidiano do trabalho que é realizado ali. A seguir,

apresentamos o referido fluxograma seguido de sua interpretação.

Figura 1: Fluxograma Geral da Cadeia Produtiva da Marcenaria “MCF”

De uma forma geral, este Fluxograma a Cadeia Produtiva da Marceneira MCF.

Cada um dos processos principais foi ampliado em outros quadros (de 1 a 7) para explicar

melhor cada etapa de produção. O início dessa cadeia se dá com a encomenda do cliente e

com o desenho do projeto. A partir dessas entradas, calcula-se a quantidade de madeira

líquida necessária para a confecção. A saída do processo do Quadro 1 é o resultado, em

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metros cúbicos (m³), da quantidade de madeira líquida que será entrada para o próximo

quadro – Verificar (no estoque) existência de Madeira Bruta (Quadro 2). Tal verificação

resultará na quantidade de madeira bruta (também em m³), só então será possível calcular o

orçamento do produto (Quadro 3). Esse cálculo terá como saída o orçamento, o qual

poderá ser aprovado ou reprovado pelo cliente que contratou o serviço. Se esse cliente

reprovar o orçamento, as marceneiras tentarão negociar, recalculando-o ou, caso a rejeição

persista, teremos o fim dessa Cadeia Produtiva. Supondo que o orçamento tenha sido

aprovado, planeja-se o serviço (Quadro 4).

Esse processo terá como saída o planejamento e, assim, pode ser executado o

serviço (Quadro 5). Essa execução gerará o produto confeccionado, o qual será entrada

para o penúltimo processo: Entregar o Produto e Receber o Pagamento (Quadro 6). Caso

não seja possível entregar o produto ao seu comprador, este deverá ser estocado; senão,

esse processo terá como saídas o produto entregue ao cliente e a renda bruta, isto é, o

pagamento efetuado pelo cliente. Finalmente, ao receberem esse valor (em reais), as sócias

da marcenaria poderão calcular e dividir a renda líquida obtida (Quadro 7), subtraindo os

gastos do valor da renda bruta. A saída final dessa Cadeia Produtiva será a renda líquida

dividida entre as integrantes desse EES que participaram da confecção do referido produto.

Analisando esse fluxograma observamos as seguintes etapas:

• Calcular a Quantidade de Madeira Líquida;

• Verificar (no estoque) a Existência de Madeira Bruta;

• Calcular e Apresentar o Orçamento;

• Planejar o Serviço;

• Executar o Serviço;

• Receber o Pagamento e Entregar o Produto;

• Calcular e Dividir a Renda Líquida Obtida entre as Sócias.

Percebemos que, no Fluxograma Geral, a matemática aparece em todas as etapas,

pois os processos/etapas envolvem diversos cálculos matemáticos tais como: operações

básicas com números naturais e racionais (principalmente divisão e multiplicação) e

conceitos de geometria, como cálculo de área e volume.

Comunicação Científica

Na sequência deste projeto de pesquisa, a fim de compreender melhor cada uma das

etapas de produção desse empreendimento, detalhamos separadamente cada um dos

processos, separando-os em sete “quadros”. E, como ilustração, neste trabalho

apresentaremos dois desses subfluxogramas, um referente ao cálculo da quantidade de

madeira líquida (Quadro 1) e outro concernente ao cálculo do orçamento (Quadro 3).

Figura 2: Quadro 1 – Fluxograma do Cálculo da Quantidade de Madeira Líquida

Para calcular a quantidade de madeira líquida necessária para a confecção, depois

de fazer a encomenda pelo cliente e já com o desenho do projeto em mãos, é preciso listar

os componentes que formam o produto que será confeccionado. Assim, obtém-se uma

lista, que contém o desenho desses componentes e a quantidade a ser utilizada de cada uma

dessas peças. Por exemplo, para fazer uma cadeira, teremos dois pés de trás, dois pés da

frente, quatro peças laterais etc. Com esses dados, devem-se medir as dimensões, bem

como anotar a quantidade utilizada de cada um desses elementos para confeccionar uma

unidade do produto em questão. Como saídas, tem-se a quantidade de madeira necessária

(em m³) e as dimensões dos componentes. Posteriormente, as marceneiras utilizam-se de

conceitos matemáticos de unidades de medida e cálculo de volume para obter o resultado

da quantidade de madeira líquida em metros cúbicos. Depois dessa etapa, verifica-se (no

estoque) existência de Madeira Bruta (Quadro 2).

Comunicação Científica

Figura 3: Quadro 3 – Fluxograma do Cálculo do Orçamento

Após saber/calcular a quantidade de madeira bruta, as marceneiras multiplicam esse

número pelo custo da madeira em reais e listam também outros insumos relevantes para a

confecção desse produto (como a quantidade de cola, gasto com energia, quantidade de

lixa, quantidade de tinta ou verniz, e outros itens mais específicos). Juntam-se todos esses

dados de maneira que cada item é multiplicado por seu respectivo preço em reais. Para

obter o custo total, soma-se o custo da madeira bruta com o que foi gasto com os outros

insumos, levando em consideração o valor obtido anteriormente e a margem de renda

almejada. Com esse valor final, chega-se a um orçamento para divulgar ao cliente

interessado, sendo que este poderá aceitá-lo, recusá-lo ou questioná-lo. Se houver

questionamento, pode-se negociar e, então, verificar a possibilidade e conveniência de se

definir uma nova margem de renda para obter o custo total novamente, a fim de

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reapresentar o orçamento ao cliente. Se mesmo assim, o cliente não ficar satisfeito, a

Cadeia Produtiva termina. Caso o orçamento seja aceito pelo comprador, parte-se para a

próxima etapa: Planejar o Serviço.

Considerações Finais

A análise dos fluxogramas, do mais geral – que representa todos os processos da

Cadeia Produtiva – aos mais específicos – os quais explicam em detalhes minuciosos cada

um desses processos, permitiu observar que a Matemática aparece em todas as etapas do

processo da Cadeia Produtiva. A matemática está presente tanto nos cálculos mais simples

como a adição, subtração, multiplicação e divisão de números naturais e racionais

(utilizados, por exemplo, nos processos de cálculo do orçamento e de cálculo e divisão da

renda líquida obtida), como nos mais elaborados, relacionados a área e volume (que

aparecem, por exemplo, no processo de cálculo da quantidade de madeira líquida

necessária).

Os conceitos matemáticos inerentes a essas situações compreendem: operações

básicas com números naturais e racionais (principalmente na forma decimal), unidades de

medida e volume. Vale salientar que elas trabalham com números racionais (na forma

decimal), porém para efetuar os cálculos, mesmo os mais simples, utilizam a calculadora.

Esta pesquisa traz alguns elementos para a compreensão da etnomatemática desse

grupo e tem o intuito de colaborar para o desenvolvimento de práticas pedagógicas em

contextos específicos.

Como já enfatizamos, a Etnomatemática tem acumulado conhecimento relativo aos

diferentes modos de abordagem para possíveis situações que envolvam a Matemática.

Então, possui ferramentas que tornam possível a compreensão da realidade, em particular,

a realidade que aqui focalizamos, ou seja, de uma marcenaria feminina, que tomamos

como nosso objeto de estudo, pois acreditamos que o Programa Etnomatemática, segundo

Comunicação Científica

D’Ambrosio (1993), favorece condições para o desenvolvimento de uma aprendizagem no

contexto da Economia Solidária.

Vale ressaltar que esta pesquisa está em andamento e em sua continuidade, ainda

dentro do mesmo objetivo apontado, visa-se ampliar a discussão desses fluxogramas, bem

como cruzar esses resultados com os advindos de outros meios de coleta de dados, tais

como, entrevistas com as marceneiras e observação participante.

Agradecimento

Os autores agradecem ao apoio financeiro concedido pela FAPESP (Fundação de

amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo).

Referências

BOGDAN, Robert; BIKLEN, Sari Knopp. Investigação Qualitativa em Educação. Tradução de Maria João Alvarez, Sara Bahia dos Santos e Telmo Mourinho Baptista. Revisão de Antonio Branco Vasco. Portugal: Porto, 1994. BRASIL. Ministério do Trabalho e Emprego. Atlas da Economia Solidária no Brasil, 2005. Brasília, DF: MTE / SENAES, p. 01-15, 2006. D’AMBROSIO, Ubiratan. Etnomatemática um Programa. A Educação Matemática em Revista. SBEM, n. 1, 2º Sem, p. 5- 11, 1993. ________. Etnomatemática: Arte ou técnica de explicar e conhecer. São Paulo: Editora Ática, 1998. ________. Etnomatemática: Elo entre as tradições e a modernidade. Belo Horizonte: Autêntica, 2001. KNIJNIK, Gelsa. Etnomatemática e mediação de saberes matemáticos na sociedade global e multicultural. In FANTINATO, Maria Cecília de C. B. (Org.). Etnomatemática: novos desafios teóricos e pedagógicos. Niterói: Editora da Universidade Federal Fluminense, 2009. p. 135-141.

Comunicação Científica

LUDKE, M.; ANDRÉ, M. E. D. A. Pesquisa em Educação: abordagens qualitativas. São Paulo: EPU, 1986. MOREIRA, Darlinda. Etnomatemática e mediação de saberes matemáticos na sociedade global e multicultural. In: FANTINATO, Maria Cecília de C. B. (Org.). Etnomatemática: novos desafios teóricos e pedagógicos. Niterói: Editora da Universidade Federal Fluminense, 2009. p. 60-66. SINGER, Paul. Introdução à Economia Solidária. São Paulo: Editora Fundação Perseu Abramo, 2002.