complexo de édipo comparação entre freud e klein

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O Complexo de Édipo: uma comparação entre Melanie Klein e Sigmund Freud The Oedipus Complex: a comparison between Melanie Klein and Sigmund Freud Thaís Utsch Vieira de Oliveira* Thaísa Vilela Fonseca Amaral* Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte-MG, Brasil ISSN 1982 - 1913 2009, Vol. III, nº 1, 1-8 www.fafich.ufmg.br/mosaico 1 Resumo O conceito de Complexo de Édipo é fundamental para a concepção da teoria psicanalítica, tendo em vista que este é o principal eixo de referência que possibilita a compreensão das psicopatologias. Além disso, a universalidade da estrutura triangular do Complexo de Édipo nas mais variadas culturas é um elemento notório, já que, muito mais que curioso, é primordial para a compreensão do ser humano como um todo. Observando-se os inúmeros acréscimos feitos no campo da psicanálise desde Freud, torna-se cada vez mais importante, estudos minuciosos sobre as diferentes lógicas conceituais dos autores existentes. Assim, pretendeu-se neste trabalho discorrer sobre a noção de Complexo de Édipo construída pela metapsicologia Kleiniana a fim de estabelecer um paralelo em relação a algumas das principais diferenças do conceito original proposto pelo pai da psicanálise. Palavras-chave: Complexo de castração, Complexo de Édipo, Fantasia, Freud, Melanie Klein. Abstract The concept of Oedipus Complex is fundamental for the conception of the psychoanalysis theory, having in mind that this is the main referential axis that makes possible the understanding of the psychopathology. Moreover, the universality of the triangular structure of the Oedipous Complex in several cultures is a well-known element, since, much more than curious, it is primordial for the understanding of the human being as a whole. Observing the innumerable additions made in the field of psychoanalysis since Freud, detailed studies of the different conceptual logics of the existing authors become relevant. Thus, the aim of this work is to investigate the notion of the Oedipous Complex constructed by the Kleinian Metapsychology in order to establish a parallel between some of the main differences of the original concept proposed by the father of the psychoanalysis and new ideas proposed by Melanie Klein. Key-words: Castration complex, Oedipous Complex, Fantasy, Freud, Melanie Klein. *Nossos agradecimentos a todas as pessoas que apóiam nosso trabalho.

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O Complexo de Édipo: uma comparação entre Melanie Klein e Sigmund Freud

The Oedipus Complex: a comparison between Melanie Klein and Sigmund Freud

Thaís Utsch Vieira de Oliveira*Thaísa Vilela Fonseca Amaral*

Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte-MG, Brasil

ISSN 1982 - 19132009, Vol. III, nº 1, 1-8www.fafich.ufmg.br/mosaico

1

ResumoO conceito de Complexo de Édipo é fundamental para a concepção da teoria psicanalítica, tendo em vista que este é o principal eixo de referência que possibilita a compreensão das psicopatologias. Além disso, a universalidade da estrutura triangular do Complexo de Édipo nas mais variadas culturas é um elemento notório, já que, muito mais que curioso, é primordial para a compreensão do ser humano como um todo. Observando-se os inúmeros acréscimos feitos no campo da psicanálise desde Freud, torna-se cada vez mais importante, estudos minuciosos sobre as diferentes lógicas conceituais dos autores existentes. Assim, pretendeu-se neste trabalho discorrer sobre a noção de Complexo de Édipo construída pela metapsicologia Kleiniana a fim de estabelecer um paralelo em relação a algumas das principais diferenças do conceito original proposto pelo pai da psicanálise.

Palavras-chave: Complexo de castração, Complexo de Édipo, Fantasia, Freud, Melanie Klein.

AbstractThe concept of Oedipus Complex is fundamental for the conception of the psychoanalysis theory, having in mind that this is the main referential axis that makes possible the understanding of the psychopathology. Moreover, the universality of the triangular structure of the Oedipous Complex in several cultures is a well-known element, since, much more than curious, it is primordial for the understanding of the human being as a whole. Observing the innumerable additions made in the field of psychoanalysis since Freud, detailed studies of the different conceptual logics of the existing authors become relevant. Thus, the aim of this work is to investigate the notion of the Oedipous Complex constructed by the Kleinian Metapsychology in order to establish a parallel between some of the main differences of the original concept proposed by the father of the psychoanalysis and new ideas proposed by Melanie Klein.

Key-words: Castration complex, Oedipous Complex, Fantasy, Freud, Melanie Klein.

*Nossos agradecimentos a todas as pessoas que apóiam nosso trabalho.

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Thaís Utsch Vieira de Oliveira - Thaísa Vilela Fonseca Amaral

2 Mosaico: estudos em psicologia ♦ Belo Horizonte-MG ♦ 2009 ♦ Vol. III ♦ nº 1 ♦ p. 1-8

Em 15 de Outubro de 1897, Freud escreve, em mais uma de suas cartas a seu amigo Wilhelm Fliess, o que mais tarde viria a ser o Complexo de Édipo. “... o poder de dominação de Édipo-Rei torna-se inteligível [...]. O mito grego salienta uma compulsão que todos reconhecem por terem percebido em si mesmo marcas da sua existência.” (Mas-son, 1986, p.273). No entanto, será apenas em 1910, que Sigmund utilizará a expressão Complexo de Édipo, em uma alusão ao mito grego Édipo-Rei, para fazer referência ao ro-mance familiar. Desde então, o complexo de Édipo tornou-se central para a teoria psica-nalítica. No cerne da imortal tragédia grega de Sófocles tem-se que Édipo, o herói da legenda tebana, é o responsável pelo as-sassinato do pai e pelo casamento com a própria mãe. Freud traduz a triangulação posta na tragédia para os seus pacientes e a concretiza em sua auto-análise, afirmando a existência de uma universalidade dos de-sejos amorosos e hostis que a criança sente em relação aos pais. O Complexo de Édipo passa a ser visto como o núcleo das neuro-ses. O próprio Freud usou a denominação Complexo Nuclear para referir-se ao Com-plexo de Édipo em alguns de seus escritos. (BRITON, 1994) Como bem ressalta Britton (1994) o Complexo de Édipo descrito por Freud pos-sui três elementos essenciais, independen-te do sexo da criança. O primeiro elemen-to diz da necessidade de um casal de pais que pode ser real ou simbólico. No segundo, tem-se o desejo de morte em relação ao ge-nitor do mesmo sexo. No terceiro e último elemento verifica-se a existência de um so-nho ou mito de realização do desejo de to-mar o lugar de um dos pais e casar-se com o outro. Assim, Freud preconiza a situação edípica como uma das problemáticas funda-mentais à teoria psicanalítica, visto que este é o momento no qual se dará a constituição do sujeito. Nesse sentido, como aponta Moreira

(2004), a importância da passagem pelo Édi-po e sua condição estruturante nos remete a pensar a constituição do sujeito a partir da incontestável presença do outro. Ora, se a triangulação edípica não prescinde da exis-tência de um casal de pais, seja real ou sim-bólico, torna-se imperativo a inscrição do outro na estruturação do sujeito. No decor-rer da obra freudiana é possível verificar o importante papel do outro nos diversos ele-mentos que compõe o cenário edípico. O sujeito, por conseqüência do que é vivenciado no Édipo, sai com determinadas identificações. Bleichmar (1988, p. 14) afir-ma que “a identidade sexual é algo que deve ser assumida”. Portanto, vê-se que a iden-tificação com o pai ou a mãe determinará as posteriores escolhas de objeto. É a par-tir destas identificações que será possível a constituição do superego. Em 1923, Freud postula, em um texto nomeado de “O Ego e o Id”, o su-perego como o herdeiro do complexo de Édipo. “O superego resulta de um processo identificatório com a lei, da qual o pai é o representante.” (Moreira, 2004, p. 224). A castração tem aqui um papel fun-damental. A primazia do falo em períodos anteriores ao complexo de Édipo permite ao menino ou menina temer, neste momen-to, a castração1. Segundo Pellegrino (1987):

Aqui se levanta o problema crucial da relação do ser humano com a Lei. (...) Não há dúvi-da de que a lei, para ser respeitada, precisa ser temida. Neste sentido, para a resolução do Édipo, é necessário o temor a castração, segundo a concepção freudiana. Uma lei que não seja temida – que não tenha potência de interdição e de punição – é uma lei fajuta, de fancaria, impotente. No entanto, o temor à lei, sendo necessário, é absolutamente insufi-

1 É imprescindível ressaltar que Freud postula uma dife-renciação do complexo de Édipo na menina e no menino e, portanto o medo à castração também incide em ambos os sexos distintamente. Neste trabalho esta diferença não foi apresentada visto que o nosso objetivo não é fazer uma des-crição minuciosa do complexo de Édipo para Freud, mas sim apresentá-lo de forma a tornar possível uma posterior com-paração ao aprofundamento do conceito por Melanie Klein.

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ciente para fundar a relação do ser humano com a lei. (...) (1987, p.198)

E continua afirmando que “Só o amor e a liberdade, subordinando e transfigurando o temor, vão permitir uma verdadeira, positi-va – e produtiva – relação com a lei.” (1987, p.198) A dissolução do Complexo de Édipo desempenha papel fundamental na estru-turação da personalidade e na orientação do desejo humano, além de ser a principal temática de referência no que diz respeito às psicopatologias. Do mesmo modo, é uma chave importante para se pensar a passa-gem do biológico ao cultural. Depois das inúmeras descrições de Freud acerca do Complexo de Édipo, vários autores pensaram e repensaram tal conceito. Dentre esses autores tem-se Melanie Klein, psicanalista britânica de origem austríaca considerada pós-freudiana por suas idéias inovadoras. Em setembro de 1927, durante o X Congresso Internacional de Innsbruck2, Klein apresentou uma comunicação, “Os es-tádios precoces do conflito edipiano”, na qual expôs explicitamente suas discordâncias com Freud sobre a datação do complexo de Édipo, sobre seus constitutivos e sobre o desenvolvimento psicossexual diferenciado dos meninos e meninas. Na visão de Britton (1994) o contras-te entre Freud e Klein no que se refere ao Complexo de Édipo está na primazia ou não das fantasias primárias. Segundo o au-tor, Freud ressaltou a importância das fan-tasias primárias, incluindo a cena primária, em três dos seus artigos: “Homem dos Lo-bos” (Freud, 1918), “Moisés e o Monoteís-mo” (Freud, 1939) e “Esboço de Psicanálise” (Freud, 1940). No entanto, esse, ao longo do relato de seus pensamentos concedeu ao complexo de castração o eixo central para a compreensão do Complexo de Édipo. Dife-rentemente, Melanie Klein descreveu a situ-ação edípica com foco nas fantasias primá-rias.

2 Para maiores esclarecimentos sobre o assunto ver http://psicanalisekleiniana.vilabol.uol.com.br/biografia.html

Sendo assim, faz-se necessário algu-mas considerações sobre os estágios iniciais da vida do bebê Kleiniano. Inicialmente esse se encontra imerso em fantasias inconscien-tes, que são associadas a todas as experiên-cias por ele vivenciadas, ou seja, permeiam a relação da criança com os objetos que a rodeia. Isto significa dizer que ocorrem ex-periências de gratificação e sofrimento, res-ponsáveis pela introjeção de um seio bom – objeto de amor e fonte de desejo incor-poração - e um seio mau - objeto persecutó-rio causador de sofrimento, o qual a criança deseja destruir. Neste estágio, então, não há a percepção de realidade; o bebê possui a dimensão de existir um seio provedor de satisfação e gratificação e ao mesmo tempo de um outro seio, causador de fome e sofri-mento - não há a percepção de um objeto inteiro e sim objetos parciais, separados. Há a prevalência de um ego imaturo, e estes mecanismos de divisão correspondem às primeiras defesas desse ego primitivo. Melanie Klein denominou esses pro-cessos iniciais infantis como posição esqui-zoparanóide, ocorrendo no primeiro trimes-tre de vida da criança.

Posteriormente, no segundo semes-tre de vida do bebê, este começa a perce-ber que o objeto que o gratifica é o mesmo objeto que propicia frustração. Inicia-se uma nova percepção e conseqüente integração de um objeto inteiro e único. O bebê conse-gue não só perceber que a fonte de prazer e desprazer é a mesma, mas também que esta fonte está integrada a um outro objeto, à mãe. Assim, instaura-se um conflito de am-bivalência de sentimentos, pois a mãe que a criança odeia e a quem direcionou seus impulsos destrutivos é a mesma a quem di-reciona amor, é quem teme perder. Tal am-bivalência gera grande ansiedade e senti-mento de culpa, e a criança anseia reparar todo o mau que causou à mãe. Este momen-to é o princípio do que Klein denominou de posição depressiva.

Ao conseguir distinguir objetos to-tais, a existência dos pais como pessoas que

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possuem seus próprios desejos e que se voltam para outros campos que não a crian-ça, essa começa a direcionar seus impulsos e fantasias a estes, o que instala o cenário para o início do Complexo de Édipo. É im-portante ressaltar que a ansiedade, a culpa e os sentimentos depressivos, característi-cos da posição depressiva, permeiam este processo desde seu início, pois perpassam as relações criança-objeto.

De acordo com Heimann (1986), o início desta fase coincide com várias exci-tações que a criança experimenta, prove-nientes de todas as zonas erógenas de seu corpo, que são também fontes de impulsos destrutivos. Mergulhada em impulsos orais, uretrais e anais, a criança possui o desejo de experimentar estas excitações por contato com seus pais, e fantasia esses conteúdos. Neste contexto existem desejos de gratifi-cação em relação a objetos novos, além do seio da mãe, sendo um deles o pênis do pai. E a frustração obtida com seio da mãe faz com que tanto a menina quanto o menino se afastem dele, procurando gratificação oral no pênis do pai. Como afirma Melanie, há uma mistura de desejos genitais pelo pênis do pai com desejos orais, que são radicais do Complexo de Édipo positivo na menina e invertido no menino.

Sendo assim, as imagos do seio da mãe e do pênis do pai são os primeiros ob-jetos introjetados pelo bebê, representantes de figuras internas protetoras e auxiliadoras e de figuras internas persecutórias e retalia-doras, como afirma Klein (1945/1996).

Estas figuras introjetadas permeiam a visão de mundo externo da criança, bem como sua interação com este. Portanto, há uma alternância entre objetos internos e ex-ternos ao se perceber a realidade, por parte do bebê, o que interliga intrinsecamente o complexo de Édipo à formação do supere-go3.

3 Para melhor conhecimento sobre este assunto, ver Dicio-nário do Pensamento Kleiniano (1992), verbete superego. Ainda: Klein, Melanie (1932) The Psycho-analysis of children (parte 2); Klein, Melanie (1933) The early development of con-science in the child.

Um fator importante a ser levantado diz respeito ao fato de tanto a menina quan-to o menino oscilarem entre posições homo e heterossexuais durante o complexo de Édipo, como se verá adiante.

Tendo-se em vista os estágios primi-tivos deste complexo, comuns ao menino e à menina, faz-se necessário abordar caracte-rísticas distintas deste processo a cada um dos sexos.

Iniciando-se pelo menino, em sua posição feminina ou homossexual, há uma equivalência inicial do pênis do pai ao seio da mãe, passando ser, este último, objeto de desejo, de ser sugado, engolido e incorpo-rado oralmente e também por seu ânus e seu pênis, “o menino deseja penetrar com seu próprio pênis no corpo do pai pela boca, ânus e órgão genital. Na última parte do pri-meiro ano, o desejo de receber um filho do pai desempenha importante papel” (Hei-mann, 1986, pág. 55). Sendo assim, nesta po-sição a mãe torna-se uma rival para o me-nino. Instauram-se neste período fantasias sobre a vagina materna, e desejos e atacá-la e destruí-la.

No entanto, os desejos de reparação anteriormente citados característicos da posição depressiva fazem surgir impul-sos de compensar a mãe, pelo fato do bebê ter medo de perdê-la. Assim, passa a dese-jar dar-lhe prazer e filhos, o que restabele-ce a genitalidade heterossexual no menino, fazendo com que sinta agora ódio contra o pai e medo de retaliação por parte deste último, o medo da castração. Posteriormen-te o menino fantasia a relação sexual dos pais, sendo esta o mesmo motivo pelo qual a criança passa a desejar um dos pais e a que-rer destruir um deles, como um rival, o que lhe causa grande ansiedade. De acordo com Heimann (1996), mais tarde, a observação de seu próprio pênis somados à sua função criadora e reparadora que a criança possui inconscientemente, às fantasias de relação sexual com a mãe e ao prazer da masturba-ção, possibilitam ao menino possuir um des-prezo pelo órgão genital feminino, mas seu

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temor em relação à castração ainda persis-te.

Esta ansiedade especificamente é permeada por características tanto depres-sivas quanto persecutórias, havendo temor pela perda do órgão genital, pelas formas de expressar amor e de atitudes reparado-ras. Contudo, uma imagem do corpo da mãe, introjetada como fonte de bondade, de acor-do com Klein (1945/1996), pode possibilitar ao menino sentir que seu corpo é fonte de gratificação para esta mãe, e ele deseja dar-lhe filhos através de seu pênis. Desta forma, passa também a se identificar com um pênis bom introjetado, e conseqüentemente, um pai bom, fator que reforça o componente heterossexual do menino.

No que diz respeito ao desenvolvi-mento edipiano na menina é possível dizer que esta possui sensações vaginais inten-sas neste período, e que estas estimulam fortemente o desejo que a menina possui de receber o pênis do pai, e afastando-a da mãe, como já citado anteriormente. Klein (1945/1996), afirma que o bebê do sexo feminino possui uma idéia inconsciente de que seu corpo contém o que a autora deno-mina de “bebês em potencial”, e o pênis do pai torna-se ainda mais um objeto de desejo por ter a capacidade de criar crianças. Além de adquirir o pênis paterno, a menina dese-ja também receber um filho do pai.

À medida que estes desejos são frus-trados, a menina deseja possuir um pênis e se volta para o corpo materno, na tenta-tiva de atacar, mutilar, aniquilar este corpo e roubar dele o pênis do pai e os bebês da mãe que, em suas fantasias, se encontram no interior do corpo materno. No entanto, ao desejar destruir o corpo da mãe, esses ataques se voltam para a própria menina, e ela fantasia que seu órgão genital será des-truído, havendo, portanto temor de uma mãe retaliadora. Ela sente também que lhe falta um pênis. No entanto, a frustração de seus desejos femininos faz com que a menina sinta raiva e temor pelo pai, direcionando-a novamente para a mãe.

Posteriormente, a menina fantasia a existência de um pênis interior, e alme-ja que este se desenvolva. Neste período ocorre uma supervalorização do falo em de-trimento da valorização de sua vagina, que passa então a ser repudiada. Porém, o não desenvolvimento de um órgão masculino causa novo desapontamento, fazendo com que essa sinta ressentimentos contra a mãe, que se torna responsável pela incompletu-de da menina. Neste momento, então, há um predomínio da faceta heterossexual.

Cabe salientar que a análise de Hei-mann (1996) sobre a inveja do pênis na mu-lher aponta para uma rivalidade em relação aos homens na vida adulta como tentativa de controlar as ansiedades persecutórias e depressivas, próprias dos estágios iniciais do desenvolvimento feminino.

Assim, é possível inferir, na obra de Melanie Klein, algumas considerações a cerca do desenvolvimento edipiano.

Segundo Klein (1945/1996), o Com-plexo de Édipo começa paralelamente com início da “posição depressiva”, uma vez que é nesta fase que os sentimentos amorosos passam a ocupar cada vez mais espaço, no lugar dos sentimentos persecutórios e des-truidores, característicos da “posição es-quizoparanóide”. E seu declínio coincidirá exatamente com a prevalência de dos sen-timentos característicos da “posição depres-siva”, o amor da criança pelos pais, o desejo de preservá-los e não mais de destruí-los. Isto torna visível como é central a questão edipiana no desenvolvimento da criança, já que a transição da “posição esquizoparanói-de” para a “posição depressiva” se dá neste contexto e é favorecida por ele. Os impulsos sexuais são direcionados para uma forma de reparar efeitos da agressividade, o que induz ao nascimento de fantasias reparado-ras, de extrema importância para a sexuali-dade adulta.

Klein (1925/1996) ainda afirma que os sentimentos de culpa têm origem nos de-sejos sádico-orais, e não são conseqüências do Édipo, mas sim um dos fatores que acom-

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panham o desenvolvimento edipiano. Já origem Superego, como afirma

Marta Rezende (2002) a respeito da teoria Kleiniana, se localiza já nos primeiros es-tágios do conflito edípico. Sua formação se inicia desde muito cedo, “e o que faz com que ele apareça é o advento do Complexo de Édipo” (Cardoso, 2002, pág. 55.). Melanie (1945/1996) revela que a criança introjeta objetos em cada fase de sua organização li-bidinal, e o superego é construído a partir destes elementos introjetados. “O superego se desenvolve a partir dessas figuras introje-tadas – as identificações da criança – influen-ciando, por sua vez, a relação com os pais e todo o desenvolvimento sexual.” (Klein, 1945/1996, págs 463-4).

Ainda segundo Marta Rezende (2002, pág 66), “o superego vai acabar por aceder, ainda que secundariamente, a um caráter éti-co e moral. É a transformação de um ‘supere-go persecutório’ em um superego legislador, passagem que não deixa de evocar a culpa.”. “Trata-se da transformação progressiva de um puro ataque pulsional em ‘consciência moral’”. (Cardoso, 2002, pág 62).

A autora também ressalta a idéia de Klein de que a ação de um superego “terri-ficante” atuando sobre o início da formação do ego é um dos principais fatores dos dis-túrbios psicóticos.

Assim, é possível verificar a relação intrínseca entre o desenvolvimento edipia-no e a formação do superego, e entre estes fatores e a passagem da “posição esquizopa-ranóide” para a “posição depressiva”, fatores esses que incidirão diretamente da estrutu-ração da personalidade do sujeito.

Após as apresentações realizadas ao longo deste trabalho, algumas reflexões en-tre as teorias de Sigmund Freud e Melanie Klein, em relação ao Complexo de Édipo, tornam-se plausíveis e relevantes.

Primeiramente, é interessante res-saltar que os elementos primordiais para a composição do cenário edipiano proposto por Britton (1994) estão presentes em am-bas as teorias: um casal de pais; o desejo de

morte em relação ao genitor do mesmo sexo e um sonho ou mito de realização do desejo de tomar o lugar de um dos pais e casar-se com o outro.

No entanto, verifica-se que vários pontos da teoria acerca do Complexo de Édipo formulada por Melanie Klein trazem uma nova faceta sobre aquilo que foi postu-lado por Sigmund Freud. Tratar-se-á, neste trabalho, de alguns destes aspectos, como se segue.

Antes de dar seguimento, vale lem-brar que as considerações kleinianas par-tem de uma matriz clínica diferenciada já que essa tinha por base crianças pequenas – neuróticas e psicóticas – enquanto Freud teoriza a partir da análise de adultos neuró-ticos.

No que diz respeito ao momento da vida da criança em que tal processo acon-tece, verifica-se que para Freud, seu início data da faixa etária de 3 a 5 anos, na qual a criança está mergulhada na fase fálica. Melanie Klein, contudo, afirma que este es-tágio aparece logo no primeiro ano de vida do bebê, mais precisamente no segundo semestre, no qual estão presentes os com-ponentes da fase pré-genital das fantasias edipianas, ou seja, oral e anal. Percebe-se assim que a constituição do superego como “herdeiro do Complexo de Édipo”, como foi afirmado por Freud, é contraposto por Klein, na medida em que sua análise clínica demonstrou “que versões internalizadas de genitores que atacam o ego são claramente fenômenos da mesma categoria que o supe-rego” (Hinshelwood, 1992, p. 76).

Outro ponto que merece ser destaca-do diz respeito ao papel que Klein atribui às fantasias, enquanto Freud destaca o comple-xo de castração como eixo central do Com-plexo de Édipo. As descobertas clínicas de Klein nortearam seu enfoque teórico nos cenários das fantasias inconscientes. Segun-do a autora, tais fantasias correspondem às formas mais arcaicas de prazer de despra-zer, segurança, conforto e pavor (Figueire-do e Cintra, 2008), e, portanto, movimentam

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toda infra-estrutura pulsional do psiquismo. Já Freud denota a primazia do complexo de castração quando identifica a existência de uma fase fálica. Sendo assim,

Abre para a menina a busca que a leva a de-sejar o pênis paterno; constitui, pois, o mo-mento de entrada no Édipo. No menino, mar-ca, pelo contrario, a crise terminal do Édipo, vindo interditar à criança o objeto materno; a angústia de castração inaugura para ele o pe-ríodo de latência e precipita a formação do superego. (Laplanche e Pontalis, 2001, p.74)

É de grande importância ressaltar que durante este processo e também na vida adulta, com menor intensidade, o bebê oscila entre a posição depressiva e a para-nóide. Segundo Klein (1945/1996), o ideal é que haja a preponderância da posição de-pressiva sobre a esquizoparanóide, tendo em vista que é na primeira que ocorrem as elaborações que possibilitam a capacidade

de amar e reparar, que devem prevalecer sobre os sentimentos de ódio e desconfian-ça próprios da posição esquizoparanóide.

Desta maneira, de acordo com Fi-gueiredo e Cintra (2008), é a partir do atra-vessamento da posição depressiva e a so-lução do complexo edipiano que o sujeito amplia a capacidade de experimentar rela-ções complexas e ambivalentes com obje-tos integrais, admitindo a relativa autonomia destes objetos e suas ligações com os outros e com eles próprios.

Cabe aqui salientar que estes são apenas alguns aspectos que diferenciam o Complexo de Édipo da teoria Kleiniana da-quele que foi originalmente postulado por Freud, sendo que este trabalho não tem por intuito esgotar o tema abordado, e sim lan-çar sementes para possíveis germinações teóricas.

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Thaís Utsch Vieira de Oliveira - Thaísa Vilela Fonseca Amaral

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Sobre as autoras:

Thaís Utsch Vieira de Oliveira é aluna do curso de graduação em psicologia pela Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Federal de Minas Gerais. E-mail: [email protected]

Thaísa Vilela Fonseca Amaral é aluna do curso de graduação em psicologia pela Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Federal de Minas Gerais e bolsista PIBIC/PROBIC pelo CNPq. E-mail: [email protected]