competição schumpeteriana e consumidores organizados em...

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MARCELO DE CARVALHO PEREIRA COMPETIÇÃO SCHUMPETERIANA E CONSUMIDORES ORGANIZADOS EM REDE: uma análise do mercado brasileiro de acesso à internet Campinas 2015

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MARCELO DE CARVALHO PEREIRA

COMPETIÇÃO SCHUMPETERIANA E

CONSUMIDORES ORGANIZADOS EM REDE:

uma análise do mercado brasileiro de acesso à internet

Campinas 2015

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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS

INSTITUTO DE ECONOMIA

MARCELO DE CARVALHO PEREIRA

COMPETIÇÃO SCHUMPETERIANA E

CONSUMIDORES ORGANIZADOS EM REDE:

uma análise do mercado brasileiro de acesso à internet

PROF. DR. DAVID DEQUECH FILHO – ORIENTADOR

PROF. DR. GIOVANNI DOSI – COORIENTADOR

Tese de Doutorado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Ciências Econômicas, área de concentração em Teoria Econômica, do Instituto de Economia da Universidade Estadual de Campinas para obtenção do título de Doutor em Ciências Econômicas, na área de concentração em Teoria Econômica.

ESTE EXEMPLAR CORRESPONDE À VERSÃO FINAL DA TESE DEFENDIDA PELO ALUNO MARCELO DE CARVALHO PEREIRA, ORIENTADO PELO PROF. DR. DAVID DEQUECH FILHO E COORIENTADO PELO PROF. DR. GIOVANNI DOSI. _____________________________ Orientador

Campinas 2015

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iv

Ficha catalográfica

Universidade Estadual de Campinas

Biblioteca do Instituto de Economia

Mirian Clavico Alves - CRB 8/8708

Informações para Biblioteca Digital

Título em outro idioma: Schumpeterian competition and network-organized consumers: an

analysis of the Brazilian market for internet access.

Palavras-chave em inglês:

Competition

Social networks

Consumer behavior

Internet access

Internet - Brazil

Evolutionary economics

Área de concentração: Teoria Econômica

Titulação: Doutor em Ciências Econômicas

Banca examinadora:

David Dequech Filho [Orientador]

José Maria Ferreira Jardim da Silveira

Márcio Wohlers

Maria da Graça Derengowski Fonseca

Mário Luiz Possas

Data da defesa: 04-03-2015

Programa de Pós-Graduação: Ciências Econômicas

Pereira, Marcelo de Carvalho, 1966-

P414c Competição schumpeteriana e consumidores organizados em rede: uma

análise do mercado brasileiro de acesso à internet / Marcelo de Carvalho Pereira.

– Campinas, SP : [s.n.], 2015.

Orientador: David Dequech Filho.

Coorientador: Giovanni Dosi.

Tese (doutorado) – Universidade Estadual de Campinas, Instituto de

Economia.

1. Concorrência. 2. Redes sociais. 3. Comportamento do consumidor. 4.

Acesso à internet. 5. Internet - Brasil. 6. Economia evolucionária. I. Dequech Filho,

David, 1963-. II. Dosi, Giovanni. III. Universidade Estadual de Campinas. Instituto

de Economia. IV. Título.

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TESE DE DOUTORADO

MARCELO DE CARVALHO PEREIRA

“COMPETIÇÃO SCHUMPETERIANA E

CONSUMIDORES ORGANIZADOS EM REDE:

uma análise do mercado brasileiro de acesso à internet”

Defendida em 04 / 03 / 2015

COMISSÃO JULGADORA

Prof. Dr. DAVID DEQUECH FILHO

Instituto de Economia / UNICAMP Prof. Dr. JOSÉ MARIA FERREIRA JARDIM DA SILVEIRA Instituto de Economia / UNICAMP Prof. Dr. MÁRCIO WOHLERS Instituto de Economia / UNICAMP Profa. Dra. MARIA DA GRAÇA DERENGOWSKI FONSECA Instituto de Economia / UFRJ Prof. Dr. MÁRIO LUIZ POSSAS Instituto de Economia / UFRJ

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Dedico este trabalho à minha querida Fer-

nanda e aos nossos maravilhosos filhos Ali-

ce e André, pela compreensão pelos perío-

dos ausentes e pelo constante estímulo e

apoio para que este projeto fosse concluído.

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ix

Agradecimentos

Ao professor Dequech, pela sábia orientação e pela enorme dedicação e dispo-

sição para guiar e apoiar nossos passos com seu conhecimento e paciência, sempre aberto

para nos escutar nos momentos de angústia com esta tese, meu eterno agradecimento.

Ao professor Dosi, pela oportunidade de participar de seu excelente grupo de

pesquisadores na Scuola Sant’Anna e poder contar sempre com seus ensinamentos sábios e

iluminadores, que permitiram meu desenvolvimento como pesquisador e como pessoa.

Aos professores José Maria Silveira e Marco Valente, pelo inestimável apoio e

estímulo em uma área de estudo nem sempre aberta para os iniciantes e pela enorme gene-

rosidade de acolher nossas dúvidas a qualquer momento, mesmo a milhares de quilômetros.

Aos professores Adriana Ferreira, Alan Kirman, Alessio Moneta, Alexandre

Gori, Ana Rosa, Andrea Roventini, Angelo Secchi, Célio Hiratuka, Daniela Prates, Esther

Dweck, Fernando Sarti, Francesco Lissoni, Gerald Silverberg, José Braga, Laura Magazzi-

ni, Mariano Laplane, Mario Cimoli, Maurizio Iacopetta, Paulo Fracalanza, Peter Howitt,

Piero Tedeschi, Ricardo Carneiro, Robert Axtell, Rodolfo Hoffmann, Rodrigo Lanna,

Rosângela Ballini, Sebastian Ille, Simone Deos e Stefano Marmi pelos excelentes cursos

que tive o privilégio de frequentar durante os últimos anos, fundamentais para um enge-

nheiro, como eu, aprender economia.

Aos colegas Adriano, Alex, André, Caio, Daniele, Eduardo, Flavio, Francesco,

Guilherme, Humberto, Igor, Leandro, Marica, Marlene, Matteo, Mattia, Maurício, Newton,

Nicolas, Núria, Oana, Pedro, Rodrigo, Rafael, Thadeu e Samantha, pelos momentos de des-

contração e também pelas horas de conversas sérias e pela forma sempre acolhedora e

compreensiva com que receberam, como economistas competentes, um novato na profis-

são.

A todos os funcionários do IE e de Sant’Anna, em particular Fátima Dias e

Laura Ferrari, pela dedicação e por estarem sempre disponíveis para nos ajudar, com efici-

ência e competência e, acima de tudo, com muita simpatia.

A todos os amigos e familiares, que sempre me apoiaram em novos projetos,

em particular neste, e compreenderam minhas ausências enquanto estava envolvido neles.

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xi

“History is a record of ‘effects’ the vast

majority of which nobody intended to

produce.”

Joseph Alois Schumpeter

“Too large a proportion of recent

‘mathematical’ economics are mere

concoctions, as imprecise as the initial

assumptions they rest on, which allow the

author to lose sight of the complexities and

interdependencies of the real world in a

maze of pretentious and unhelpful

symbols.”

John Maynard Keynes

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xiii

Resumo

O objetivo da tese é o estudo do efeito da organização dos consumidores em re-

des sociais na dinâmica da competição entre produtores em setores com rápida mudança

tecnológica. O foco específico de pesquisa é o mercado brasileiro de serviço de acesso à

internet, no período 1996-2014. Para tanto é aplicada a metodologia de simulação computa-

cional agent-based history-friendly, baseada na teoria dos sistemas complexos. A hipótese

central é que a forma com que os consumidores de produtos e serviços em constante atuali-

zação tecnológica se inter-relacionam pode ser determinante sobre a dinâmica da competi-

ção entre fornecedores. O modelo de simulação é construído com base na teoria evolucio-

nária neoschumpeteriana, em conjunto com a teoria institucional contemporânea, em parti-

cular as vertentes que tratam o papel das redes sociais. Como será justificado, os resultados

empíricos verificados não são adequadamente explicados por cada uma dessas teorias, indi-

vidualmente, tampouco por outras abordagens usuais. A hipótese de trabalho é que a inte-

gração de uma dupla perspectiva teórica, coevolucionária, permitirá o tratamento adequado

dos fatos estilizados provenientes da análise empírica sobre o setor. Com base nessa análise

original, que forneceu uma visão abrangente da situação do mercado de acesso no Brasil e

no mundo, foi proposta uma solução de modelagem inovadora para responder algumas das

questões relevantes sobre a inter-relação da dinâmica competitiva e do comportamento dos

consumidores em mercados com essas características particulares. O modelo desenvolvido

é capaz de reproduzir os principais fatos estilizados setoriais e coloca luz no papel das redes

de consumidores na organização do mercado. Em particular, demonstra que a configuração

vigente nos mercados reais seria improvável sem a concorrência desse fenômeno.

Palavras-chave: concorrência, redes sociais, comportamento do consumidor, inovação,

difusão, internet, serviço de acesso, modelo de simulação, history-friendly, agent-based.

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xv

Abstract

The objective of this PhD dissertation is to examine the effect of consumers

organized in social networks on the dynamics of competition among producers in sectors

undergoing fast technological change. The focus of research is on the Brazilian market for

internet-access services in the period 1996-2014. The agent-based, history-friendly

computer simulation methodology is applied for this purpose, supported by the theory of

complex systems. The central hypothesis is that the ways that consumers of goods and

services under constant technological updating interact can be determinants of the

dynamics of competition among suppliers. The simulation model is based on neo-

Schumpeterian evolutionary theory, together with contemporary institutional theory,

particularly on the role of social networks. The empirical results are not adequately

explained by any of these theories individually, nor by other usual approaches. Our

working hypothesis is that the integration of a dual, co-evolutionary theoretical perspective

will allow the proper treatment of the stylized facts coming from the empirical analysis.

Based on this initial analysis, which provided a comprehensive overview of the access

market situation in Brazil and in the world, an innovative modeling solution has been

proposed to answer some of the relevant issues regarding the interrelationship of the

competitive dynamics and the consumer behavior in markets with these particular

characteristics. The developed model is able to reproduce the main sectoral stylized facts

and brings light on the role of consumer networks in the organization of the market. In

particular, it demonstrates that the current configuration of real markets would be unlikely

without the contribution of this phenomenon.

Keywords: competition, social networks, consumer behavior, innovation, diffusion,

internet access service, simulation model, history-friendly, agent-based.

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Lista de abreviaturas e siglas

3G/4G terceira/quarta geração de telecomunicações móveis

ABNT Associação Brasileira de Normas Técnicas

ACE agent-based computational economics

ADSL Asymmetric Digital Subscriber Line

Anatel Agência Nacional de Telecomunicações

Arpanet Advanced Research Projects Agency Network

BLS Bureau of Labor Statistics

BNDES Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social

C1 índice de concentração de mercado da maior firma

C4 índice de concentração de mercado das quatro maiores firmas

Cade Conselho Administrativo de Direito Econômico

CGI.br Comitê Gestor da Internet no Brasil

CETIC.br Centro de Estudos sobre as TIC do CGI.br

CNAE Classificação Nacional de Atividades Econômicas

CSLL Contribuição Social sobre o Lucro Líquido

DDD discagem direta à distância

DOCSIS Data Over Cable Service Interface Specification

EC economia das convenções francesa

EN economia neoclássica

EUA Estados Unidos da América

Fapesp Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo

FCC Federal Communications Commission

FTTH Fiber-to-the-Home

GSM Global System for Mobile Communications

GSMA GSM Association

HHI índice Herfindahl-Hirschman

HTML Hypertext Markup Language

HTTP Hypertext Transfer Protocol

Ibase Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas

IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística

ICANN Internet Corporation for Assigned Names and Numbers

IETF Internet Engineering Task Force

IP Internet Protocol

IPEA Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada

IR imposto de renda

ISOC Internet Society

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ITU International Telecommunications Union

LCG linear congruential generator

LSD Laboratory for Simulation Development

LTE Long Term Evolution

MAB modelo de simulação agent-based

Mbps megabit por segundo

MHF modelo history-friendly

Minicom Ministério das Comunicações

NIE new institutional economics

NIO novo institucionalismo organizacional

PECD paradigma estrutura-conduta-desempenho

PPP purchase power parity

P&D pesquisa e desenvolvimento

OCDE Organização para a Cooperação e Desenv. Econômico

OI organização industrial

OIC organização industrial clássica

OIE original institutional economics

OIM organização industrial moderna

RNP Rede Nacional de Ensino e Pesquisa

SCM Serviço de Comunicação Multimídia

SDE Secretaria de Direito Econômico

SEAE Secretaria de Acompanhamento Econômico

Sepin Secretaria de Política de Informática e Automação

SMP Serviço Móvel Pessoal

SSIP sistema setorial de inovação e produção

TC teoria da complexidade ou dos sistemas complexos

TE teoria evolucionária neoschumpeteriana

Telebrás Telecomunicações Brasileiras S.A.

Telebrasil Associação Brasileira de Telecomunicações

TI teoria institucional

TIC/ICT tecnologias de informação e comunicação

TJ teoria dos jogos

TEJ teoria evolucionária dos jogos

UC unidade de capacidade de rede do modelo de simulação

UM unidade monetária arbitrária do modelo de simulação

UMTS Universal Mobile Telecommunication System

UNCTAD United Nations Conference on Trade and Development

UT unidade de tempo arbitrária do modelo de simulação

WiMAX Worldwide Interoperability for Microwave Access

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Lista de tabelas

Tabela 1 – Organização da pesquisa sobre o setor de acesso à internet. .............................. 6

Tabela 2 – Sumário do quadro teórico adotado para a análise. .......................................... 68

Tabela 3 – Estratégias ótimas para a firma incumbente. .................................................... 79

Tabela 4 – Estratégias disponíveis para os provedores modelados. ..................................194

Tabela 5 – Indicadores críticos para análise de sensibilidade. ..........................................217

Tabela 6 – Métricas de rede.............................................................................................224

Tabela 7 – Algorithms characteristics for selected random network models.....................325

Tabela 8 – Constraints imposed on random network generation by models......................329

Tabela 9 – Performance and general remarks about random network models...................331

Tabela 10 – Valores para teste de sensibilidade dos parâmetros. ......................................345

Tabela 11 – Métricas das redes pseudoaleatórias testadas. ...............................................347

Tabela 12 – Resultados do teste de sensibilidade dos parâmetros.....................................351

Tabela 13 – Conjuntos de valores para teste de sensibilidade conjunta. ...........................354

Tabela 14 – Resultados do teste de sensibilidade conjunta. ..............................................355

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xxi

Lista de figuras

Figura 1 – Agentes, produtos e organização do setor de internet. ...................................... 22

Figura 2 – Evolução do número de conexões à internet no Brasil. .................................... 27

Figura 3 – Unidades com computador ou conexão à internet. ........................................... 28

Figura 4 – Distribuição acumulada do orçamento mensal médio dos usuários. ................. 29

Figura 5 – Market share dos provedores de acesso à internet em 1998. ............................ 30

Figura 6 – Ciclos de difusão de novas tecnologias no exterior e no Brasil. ....................... 33

Figura 7 – Evolução do tipo de conexão principal no domicílio. ....................................... 35

Figura 8 – Quantidade de acessos à internet. .................................................................... 36

Figura 9 – Proporção de usuários por atividade realizada na internet em 2013. ................. 37

Figura 10 – Taxa de churn mensal de serviços móveis (voz e dados). ............................... 38

Figura 11 – Intenção de churn semestral dos clientes de banda larga fixa. ........................ 39

Figura 12 – Divisão do mercado de acesso banda larga fixa à internet. ............................. 42

Figura 13 – Evolução do HHI e do C4 em âmbito nacional. ............................................. 44

Figura 14 – Market share do maior provedor de acesso, por estado. ................................. 45

Figura 15 – HHI do mercado de acesso banda larga, por estado........................................ 46

Figura 16 – Índice C4 do mercado de acesso banda larga, por estado. .............................. 47

Figura 17 – Velocidade média efetiva de conexão à internet. ............................................ 49

Figura 18 – Indicadores selecionados da qualidade de conexão à internet. ........................ 50

Figura 19 – Evolução da qualidade dos principais provedores de banda larga. .................. 52

Figura 20 – Velocidade média oferecida pelos principais provedores. .............................. 53

Figura 21 – Evolução do preço médio do acesso nos domicílios. ...................................... 54

Figura 22 – Faixas de preços unitários do acesso banda larga fixa. ................................... 55

Figura 23 – Evolução dos preços, da cobertura potencial e da cobertura real. ................... 56

Figura 24 – Receita líquida, custo médio e markup mensal por acesso.............................. 58

Figura 25 – Margem operacional e taxa de retorno de provedores selecionados. ............... 60

Figura 26 – Tipologia básica das estruturas de mercado adotadas pela OIM. .................... 74

Figura 27 – Estrutura de dados do modelo de simulação proposto. ..................................180

Figura 28 – Estrutura lógica de encadeamentos dos módulos do modelo. ........................181

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xxii

Figura 29 – Processo de análise de sistemas de simulação computacional. ......................205

Figura 30 – Processo de modelagem e simulação. ...........................................................211

Figura 31 – Evolução da demanda real e simulada. .........................................................223

Figura 32 – Distribuição média de graus nas redes geradas..............................................224

Figura 33 – Distribuição média do coeficiente médio de clustering. ................................225

Figura 34 – Distribuição média do grau médio dos vizinhos. ...........................................226

Figura 35 – Variação do grau e do clustering médios ao longo das rodadas. ....................227

Figura 36 – Evolução do churning. .................................................................................228

Figura 37 – Evolução da parcela dos usuários atendida pelo serviço de acesso. ...............229

Figura 38 – Evolução do preço do serviço de acesso. ......................................................230

Figura 39 – Evolução da razão variância/preço. ...............................................................230

Figura 40 – Evolução da qualidade do serviço de acesso. ................................................231

Figura 41 – Evolução do número total de provedores no mercado. ..................................232

Figura 42 – Evolução das taxas de retorno sobre o capital empregado. ............................233

Figura 43 – Evolução da idade das redes dos provedores. ................................................234

Figura 44 – Evolução da produtividade do capital. ..........................................................235

Figura 45 – Evolução do market share total dos provedores entrantes. ............................236

Figura 46 – Evolução da idade média dos provedores incumbentes. ................................237

Figura 47 – Índice Herfindahl-Hirschman para o market share. .......................................238

Figura 48 – Índice Herfindahl-Hirschman para o capital empregado................................239

Figura 49 – Índice Herfindahl-Hirschman em cenários contrafatuais. ..............................241

Figura 50 – HHI em cenários de sensibilidade à qualidade. .............................................244

Figura 51 – HHI em cenários de preferências. .................................................................246

Figura 52 – HHI em cenários de estrutura de rede. ..........................................................247

Figura 53 – Comparação entre preço e custo médios. ......................................................249

Figura 54 – Seleção de estratégias por entrantes e incumbentes. ......................................250

Figura 55 – Preço médio em cenários com estratégias fixas. ............................................251

Figura 56 – Preço médio em cenários alternativos de reação de preços. ...........................252

Figura 57 – Preço médio em cenários alternativos de preço inicial. .................................254

Figura 58 – Evolução da idade média dos provedores entrantes. ......................................255

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xxiii

Figura 59 – HHI em cenários de desconto para incumbentes. ..........................................256

Figura 60 – Distribuição da quantidade de provedores remanescentes. ............................258

Figura 61 – Idade dos entrantes em cenários de estrutura de rede. ...................................258

Figura 62 – Market share dos entrantes em cenários de preferências. ..............................259

Figura 63 – Churning em cenários de percepção da qualidade. ........................................260

Figura 64 – Churning em cenários de erro de avaliação da qualidade. .............................261

Figura 65 – Churning em cenários de fidelidade do usuário. ...........................................262

Figura 66 – Churning em cenários de preferências. .........................................................263

Figura 67 – Preço médio em cenários de estrutura de rede. ..............................................265

Figura 68 – Razão variância/preço em cenários de preferências. ......................................266

Figura 69 – Qualidade em cenários de estrutura de rede. ................................................267

Figura 70 – Parcela dos usuários atendida em cenários de preferências. ..........................268

Figura 71 – Demanda agregada em cenários de estrutura de rede. ...................................269

Figura 72 – HHI em cenários de economias de escala. ....................................................271

Figura 73 – Retorno e market share dos entrantes em cenários críticos. ...........................272

Figura 74 – Idade dos entrantes em cenários de estrutura de rede. ...................................273

Figura 75 – Distribuição de entrantes e incumbentes entre estratégias. ............................275

Figura 76 – Exemplo de diferentes níveis de qualidade entre provedores. ........................316

Figura 77 – Exemplo de desequilíbrio em um mercado competitivo. ...............................318

Figura 78 – Exemplo de desequilíbrio em um mercado monopolista. ..............................320

Figura 79 – Distribuição de grau de geradores de rede. ....................................................348

Figura 80 – Distribuição de clustering de geradores de rede. ...........................................349

Figura 81 – Distribuição do grau médio de vizinhos de geradores de rede. ......................350

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xxv

Sumário

Introdução .......................................................................................................................... 1

Capítulo 1: Análise setorial apreciativa ............................................................................ 11

1.1. Metodologia de análise apreciativa ....................................................................... 12

1.2. Trajetória histórica do setor de internet ................................................................. 15

1.3. O sistema setorial de inovação e produção da internet ........................................... 19

1.4. Estrutura e dinâmica competitiva do mercado de acesso brasileiro ........................ 25

1.4.1. Contexto da demanda .................................................................................... 26

1.4.2. Contexto da oferta ......................................................................................... 30

1.4.3. Organização do mercado no período recente .................................................. 37

1.4.3.1. Organização da demanda e redes sociais ................................................ 37

1.4.3.2. Organização da oferta e concentração .................................................... 42

1.4.3.3. Qualidade .............................................................................................. 48

1.4.3.4. Preços e margens ................................................................................... 53

1.5. Conclusão ............................................................................................................. 61

Capítulo 2: Quadro de referência teórica .......................................................................... 67

2.1. O conceito de competição ..................................................................................... 69

2.2. Abordagens da organização industrial ................................................................... 70

2.2.1. Mercados contestáveis ................................................................................... 75

2.2.2. Modelo de Stackelberg-Spence-Dixit ............................................................ 77

2.2.3. Efeitos de rede e externalidades ..................................................................... 79

2.2.4. Preços de congestionamento e qualidade de rede ........................................... 82

2.2.5. Limitações da organização industrial ............................................................. 84

2.2.6. O setor de internet na perspectiva da organização industrial .......................... 86

2.3. Teoria evolucionária neoschumpeteriana .............................................................. 90

2.3.1. Teoria evolucionária e organização da indústria ............................................ 96

2.3.2. Regimes de competição schumpeteriana ........................................................ 98

2.3.3. Conhecimento, aprendizado e redes sociais ..................................................101

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xxvi

2.3.4. Comparação com a organização industrial ....................................................106

2.3.5. Limitações da teoria evolucionária ...............................................................109

2.3.6. O setor de internet na perspectiva evolucionária ...........................................112

2.4. Abordagens institucionalistas ...............................................................................114

2.4.1. Os diferentes conceitos e tipos de instituição ................................................115

2.4.2. Correntes institucionalistas ...........................................................................118

2.4.2.1. Teoria evolucionária dos jogos ..............................................................118

2.4.2.2. Institucionalismo econômico original ....................................................120

2.4.2.3. Novo institucionalismo econômico .......................................................121

2.4.2.4. Economia das convenções francesa .......................................................122

2.4.2.5. Novo institucionalismo organizacional ..................................................124

2.4.3. Proposta de quadro teórico para a análise institucional .................................126

2.4.3.1. Mercados como campos organizacionais ...............................................131

2.4.3.2. Instituições definidoras de bens, de serviços e de qualidade ..................135

2.4.3.3. Redes sociais e comportamento do consumidor .....................................138

2.4.4. Limitações da análise institucional e complementaridade com TE ................140

2.4.5. O setor de internet na perspectiva institucional .............................................142

2.5. Conclusão ............................................................................................................147

Capítulo 3: Metodologia e especificação do modelo ........................................................153

3.1. Metodologia de modelagem .................................................................................155

3.1.1. Modelagem na teoria evolucionária neoschumpeteriana ...............................156

3.1.2. Teoria dos sistemas complexos .....................................................................158

3.1.3. Modelos de simulação agent-based ..............................................................162

3.1.4. Modelos de simulação history-friendly .........................................................169

3.1.5. Limitações da metodologia proposta.............................................................171

3.2. Especificação do modelo .....................................................................................174

3.2.1. Estratégia de modelagem ..............................................................................175

3.2.2. Modelagem dos objetos ................................................................................178

3.2.2.1. Dinâmica temporal das regras comportamentais ....................................180

3.2.2.2. Oferta ...................................................................................................182

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xxvii

3.2.2.3. Demanda ..............................................................................................183

3.2.2.4. Rede social ...........................................................................................187

3.2.2.5. Inovação tecnológica ............................................................................190

3.2.2.6. Preços e estratégia competitiva .............................................................193

3.2.2.7. Capital e investimento ...........................................................................198

3.2.2.8. Financiamento ......................................................................................200

3.2.2.9. Entrada e saída ......................................................................................202

3.3. Programação do sistema ......................................................................................205

3.4. Conclusão ............................................................................................................207

Capítulo 4: Configuração e análise dos resultados do modelo ..........................................209

4.1. Metodologia de validação e análise ......................................................................210

4.2. Calibração e sensibilidade ....................................................................................215

4.2.1. Calibração dos parâmetros e valores iniciais .................................................216

4.2.2. Indicadores críticos do modelo .....................................................................217

4.2.3. Análise de sensibilidade ...............................................................................218

4.3. Análise dos resultados .........................................................................................221

4.3.1. Resultados gerais do modelo ........................................................................222

4.3.1.1. Demanda, preços e qualidade ................................................................222

4.3.1.2. Oferta, competição e concentração ........................................................232

4.3.2. Aderência dos resultados aos fatos estilizados e às trajetórias históricas .......239

4.3.2.1. Fato Estilizado 1: concentração de mercado persistente .........................240

4.3.2.2. Fato Estilizado 2: reduzida competição por meio de preços ...................248

4.3.2.3. Fato Estilizado 3: baixa taxa de entrada com sucesso ............................254

4.3.2.4. Fato Estilizado 4: intensa substituição de provedores (churning) ...........260

4.3.2.5. Fato Estilizado 5: influência da rede social no consumidor ....................264

4.3.3. Compatibilidade dos mecanismos de causação com hipóteses teóricas..........270

4.3.3.1. Hipótese 1: economias de escala e concentração ...................................270

4.3.3.2. Hipótese 2: busca inovadora, seleção sobre variedade e evolução

setorial .................................................................................................273

4.3.3.3. Hipótese 3: estruturas cognitivas compartilhadas e comportamento .......276

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xxviii

4.3.3.4. Hipótese 4: redes sociais e formação de preferências.............................278

4.4. Conclusão ............................................................................................................279

Conclusão geral ..............................................................................................................283

Referências .....................................................................................................................293

Apêndice A: Qualidade do serviço de acesso à internet ...................................................315

A.1. Modelo simplificado de qualidade.......................................................................316

A.2. Planejamento da rede de serviço .........................................................................317

Apêndice B: Redes sociais sintéticas ...............................................................................323

B.1. Review of random network algorithms ................................................................324

B.2. Algorithms comparison .......................................................................................328

B.3. Algorithm selection criteria .................................................................................333

Apêndice C: Valores de calibração ..................................................................................335

C.1. Calibração dos parâmetros ..................................................................................335

C.1.1. Parâmetros sistêmicos ..................................................................................335

C.1.2. Parâmetros comportamentais individuais .....................................................340

C.2. Calibração dos valores iniciais ............................................................................341

C.3. Calibração dos parâmetros da rede social ............................................................342

Apêndice D: Resultados da análise de sensibilidade ........................................................345

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1

Introdução

A interação entre produtores e consumidores de bens e serviços em mercados

competitivos tem sido um dos focos centrais da ciência econômica desde seus primórdios.

Entretanto, a partir dos trabalhos pioneiros dos autores clássicos, a análise privilegiou o

lado da oferta – a organização dos produtores – como principal elemento da dinâmica dos

mercados. Diversas escolas de pensamento econômico exploraram essa dinâmica para ex-

plicar os resultados observados nos mercados, com graus de sucesso variados. Proporcio-

nalmente, a literatura econômica que dá relevância aos processos de organização dos con-

sumidores – o lado da demanda – é muito menos rica, em especial no caso de consumidores

finais (indivíduos e famílias). Mais frequentemente, de modo relativamente uniforme entre

as diferentes escolas, os estudos sobre a operação dos mercados assumem consumidores

finais homogêneos, atomizados e relativamente passivos.

Enquanto o enfoque usual sobre a organização dos consumidores pode ser ade-

quando em diversas situações, é razoável supor que ele seja insuficiente para explicar todos

os mercados da economia real. Em particular, como procuraremos demonstrar nesta tese,

esse parece ser a situação de mercados de bens e serviços tecnologicamente inovadores, nos

quais o elevado grau de “novidade” implica na escassez de parâmetros puramente objetivos

para os consumidores formarem suas preferências, pelo menos no curto prazo. Nessas cir-

cunstâncias, essa é nossa hipótese, os consumidores provavelmente empregam mecanismos

complementares para definir essas preferências, de forma a reduzir a incerteza das transa-

ções que realizam no mercado. Entre os mecanismos à disposição de consumidores que

contam apenas com informação imperfeita sobre os bens e serviços que desejam adquirir,

um dos mais frequentemente citados na literatura é a interação com outros consumidores –

o conhecido “boca-a-boca”. Contudo, essa interação usualmente não se dá aleatoriamente,

mas por meio da rede de relacionamentos na qual o consumidor se insere.

A adoção de uma hipótese de dinâmica endógena das preferências tem conse-

quências importantes, que possivelmente ultrapassam o lado da demanda. Nesse caso, ela

pode não estar sendo adequadamente tratada por parte relevante da literatura sobre os mer-

cados. Por isso, ao introduzir a estrutura da rede social dos consumidores como componen-

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2

te crítico da difusão de certas classes de bens e serviços, tornar-se indispensável a apreen-

são sobre a possível realimentação desse processo na organização do lado da oferta. Ainda,

se supusermos que a geração de inovação é frequentemente considerada o driver de setores

industriais envolvidos em mercados de produtos1 tecnologicamente dinâmicos, seria razoá-

vel supor que os modos de difusão desses produtos entre os consumidores tenham impacto

significativo no arranjo setorial. Logo, em princípio, isso deveria ser especialmente impor-

tante em mercados nos quais a concorrência entre produtores é significativa.

Nessa perspectiva, objetivo central desta tese é contribuir para a compreensão

da inter-relação entre os processos de formação de preferências, por consumidores que inte-

ragem entre si dentro de redes sociais, e de competição entre produtores, em indústrias com

dinâmica inovadora acentuada. Em particular, considerando a complexidade e a pertinência

de se tratar o tema de forma puramente abstrata, é proposta a análise de um mercado con-

creto no qual o fenômeno em questão aparentemente está presente, o serviço de acesso à

internet.2

A escolha de um dos principais mercados dentro do setor econômico da internet

não é fortuita. A internet foi, provavelmente, uma das invenções mais importantes do sécu-

lo XX, sendo seus reflexos particularmente relevantes para o desenvolvimento social e eco-

nômico do século XXI. Ela alterou, significativa e profundamente, a maneira pela qual pes-

soas e organizações se comunicam, se relacionam e transacionam. O setor da internet é um

dos elementos centrais do que alguns autores denominam a “terceira revolução industrial” –

ou a passagem para a “economia da informação”. Setores inteiros foram transformados – ou

destruídos – pela internet. O progresso técnico como força motriz do crescimento econômi-

co, a creative destruction de Schumpeter, tem na internet possivelmente uma de suas mani-

festações mais representativas.

O setor da internet teve origem nos anos 1960, tendo seu desenvolvimento via-

bilizado pelo surgimento das tecnologias de informação e comunicação (TIC) nos anos

1 O termo “produto”, no que segue, é utilizado para caracterizar bens e serviços, indistintamente. 2 Pesquisa anterior do autor (PEREIRA, 2014c) indicou que, no caso da introdução do serviço de acesso à

internet no Brasil, essa hipótese é, provavelmente, uma das melhores candidatas para explicar os dados empí-

ricos disponíveis. Entretanto, o tema foi explorado de modo preliminar e estilizado, em função da complexi-

dade e as dificuldades técnicas associadas à modelagem de consumidores interagindo dentro de redes sociais.

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3

1950. Em paralelo, já em 1980-1990, a profunda mudança dos paradigmas institucionais

das telecomunicações contribuiu para acelerar a sua evolução, ao rapidamente expandir a

rede mundial de computadores – a internet. Em curto intervalo de tempo, o setor de teleco-

municações, que até então se desenvolvera de forma majoritariamente estatal e monopolis-

ta, passou à privatização e à abertura para novos competidores e tecnologias. Isso provocou

uma rápida e vigorosa expansão, tanto da quantidade e como da variedade, das opções dis-

poníveis para os consumidores da indústria nascente.3 A trajetória particular da internet

levou muitos analistas a considerá-la um caso clássico de desenvolvimento technology

push.4

Nesse cenário, a teoria microeconômica tradicionalmente considera que merca-

dos nascentes, como a internet, se caracterizariam – do lado da oferta – pela competição

dinâmica, pelo menos no período inicial, em virtude da elevada oportunidade tecnológica

associada com barreiras à entrada reduzidas e demanda crescente. Diversos autores utilizam

a expressão “competição schumpeteriana” para descrever essas situações.5 Ainda, do lado

da demanda, são usualmente supostos consumidores com preferências (razoavelmente)

formadas e estáveis, aptos a transacionar a partir dos sinais de mercado clássicos. Entretan-

to, a análise concreta do setor de internet sugere que essa perspectiva precisa ser mais bem

qualificada. Segundo vários relatos, pelo menos alguns segmentos do setor6 – o de acesso,

por exemplo – parecem marcados pela concorrência menos ativa em muitos países, mas não

todos. Adicionalmente, referências sobre as dificuldades dos consumidores em se relacionar

com a pletora de novos bens e serviços, introduzidos pela internet, são abundantes.

Particularmente, e a despeito do pujante dinamismo tecnológico que envolve o

setor e da ampla liberalização regulatória desde seus primórdios no país, a competição no

3 Em 2013, 39% da população do planeta era consumidora do serviço de acesso à internet, em uma indústria

com faturamento global superior a US$ 2 trilhões. Apesar do rápido crescimento desse mercado (250 milhões

de novos usuários em 2012), 4,4 bilhões de pessoas ainda estão off-line (ITU, 2013). 4 Ou estimulado pela tecnologia. Esse é o caso quando bens e serviços, antes inimagináveis para a maioria dos

consumidores, são criados a partir do desenvolvimento tecnológico endógeno ao setor. Essa situação se colo-ca em contraposição aos mercados de desenvolvimento demand pull, nos quais são as preferências (conheci-

das) e demandas dos usuários que orientam a trajetória do desenvolvimento tecnológico (DOSI, 1982). 5 Mais precisamente, esse regime é denominado de “Schumpeter Mark I”, como será visto no Capítulo 2. 6 O serviço de acesso é apenas um dos segmentos do setor de internet, que inclui ainda, pelo menos, os seg-

mentos de fornecimento de equipamentos e sistemas e de provimento de conteúdo, detalhados no Capítulo 1.

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4

provimento do serviço de acesso à internet no Brasil tem sido modesta7. A estrutura setorial

e a concentração da oferta aparentemente continuam sendo influenciadas pela organização8

legada das telecomunicações, que se consolidou durante o período de monopólio estatal,

como discutido em pesquisa anterior9 do autor (PEREIRA, 2012a, b). Essa aparente contra-

dição – entre dinâmica tecnológica intensa e concorrência reduzida – representa outra ques-

tão relevante deste trabalho. A potencial influência da interação dos consumidores em redes

sociais no processo competitivo do mercado de serviço de acesso é a principal hipótese que

será testada na tese. Considerando, ainda, a centralidade da dimensão tecnológica nesse

mercado, é proposta para a compreensão da sua dinâmica a conjugação, pelo menos, das

teorias institucional e evolucionária.

O objetivo geral da tese é, portanto, oferecer um quadro analítico, teoricamente

embasado, que permita esclarecer quais são as possíveis justificativas e os principais de-

terminantes para as evidências apresentadas pela pesquisa empírica. O foco é o segmento

representado pelo mercado de prestação de serviço de acesso, dentro do setor de internet

brasileiro, no período 1996-2014. Espera-se compreender o modo pelo qual os mecanismos

institucionais – especialmente a interação em redes sociais – e evolucionários – com foco

na dinâmica tecnológica – interagiram no caso concreto. Em particular, por meio de um

modelo formal, utilizando-se simulação computacional agent-based, com base na teoria dos

sistemas complexos.

Assim, além da contribuição já mencionada acima, mais abstrata, a tese preten-

de aumentar a capacidade analítica disponível em uma área particularmente importante. A

maior parte da literatura sobre o tema consiste em estudos desenvolvidos na área de eco-

nomia/organização industrial – dentro e fora da mainstream economics – nos países avan-

çados. Ocorre que, frequentemente, a internet se desenvolveu em condições diversas nos

países emergentes, o que traz dificuldades para a transposição direta dos trabalhos empíri-

cos existentes para o Brasil.

7 Neste trabalho, o conceito adotado para a “competição” é de natureza relativa e comparativa: entre merca-dos, períodos etc. Está associado com a dinâmica da concentração, como será explorado a seguir. 8 O termo “estrutura”, no que segue, é utilizado para se referir a quaisquer entidades definidas pelos compo-

nentes de um sistema e pelas inter-relações destes (SAVIOTTI, 2009), salvo se mencionado em contrário. 9 A pesquisa se concentrou nos mecanismos do lado da oferta que potencialmente pudessem justificar as cons-

tatações empíricas, tratando a questão de heterogeneidade do lado da demanda de forma apenas superficial.

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5

É inegável, por exemplo, a participação mais intensa dos estados nacionais nos

processos de organização e mudança setorial em áreas de industrialização recente. A assi-

metria institucional entre países pode tornar inadequada a utilização dos quadros analíticos

disponíveis no exterior. Essa situação se verificou, no caso brasileiro, tanto pela origem

estatal das telecomunicações quanto pela relevante atuação governamental após sua privati-

zação. Esse protagonismo engendrou uma série de mecanismos institucionais, como o au-

mento da importância de redes relacionais hierárquicas e o estabelecimento de convenções

de comportamento empresarial específicas. A pesquisa anterior do autor mostrou porque

esses fatores devem ser concomitantemente considerados, ainda que não sejam o objetivo

central da tese.

Em termos de relevância, deve-se mencionar que a internet é, reconhecidamen-

te, um dos “habilitadores” da Terceira Revolução Industrial. Os impactos da dinâmica do

setor são proeminentes sobre o desenvolvimento nacional, seja pela difusão penetrante e

ampla dos seus subprodutos por toda a economia,10

seja pela parcela significativa do PIB e

dos investimentos em inovação movimentados pelo macrossetor em que a internet se inse-

re, dentro do qual ela é um dos principais vetores de crescimento. Segundo a United Nati-

ons Conference on Trade and Development (UNCTAD, 2010), a participação dos serviços

de informação no valor adicionado agregado brasileiro é de 12%,11

enquanto em países

tecnologicamente mais dinâmicos (como Israel, Finlândia e Coreia) esse indicador atinge

16%. A posição mediana do Brasil nessa estatística revela o espaço para expansão em nos-

so país, além dos efeitos potencializadores para a economia em geral. “[O] mundo assiste a

uma nova era no que diz respeito ao potencial das tecnologias da informação e comunica-

ção (TIC) para contribuir [também] na luta contra a pobreza” (ibid., p. 108).

Considerando o cenário apresentado, espera-se que a presente pesquisa seja in-

teressante e oportuna, ao permitir a reavaliação de algumas questões usualmente levantadas

pelos estudos setoriais, além de propor metodologias inovadoras, como a simulação compu-

tacional, para essa tarefa. Acredita-se que a ampliação dos instrumentos disponíveis, para

10 Estima-se que cada ponto percentual de crescimento na penetração do serviço de acesso banda larga à in-

ternet produza um aumento entre 0,5% e 0,9% no valor adicionado nacional (CAMBINI; JIANG, 2009). 11 Apesar disso, o macrossetor foi responsável por até 20% do investimento brasileiro em inovação em deter-

minados anos (DE NEGRI; RIBEIRO, 2010).

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6

além das ferramentas convencionais de estática comparativa, possa ser uma contribuição

não apenas para a teoria microeconômica, mas também para o campo da teoria antitruste.

Tabela 1 – Organização da pesquisa sobre o setor de acesso à internet.

Fatos estilizados Principais hipóteses teóricas Referências*

Concentração de mercado persistente

Economias de escala 2014c

Estruturas cognitivas compartilhadas Tese, 2014c

Características da rede social (provedores e consumidores)

Tese

Reduzida competição por meio de preços

Redes hierárquicas de relacionamento 2014c

Ação inadvertida do Estado 2014c

Estruturas cognitivas compartilhadas Tese, 2014c

Baixa taxa de entrada com sucesso

Vantagens de first-movers 2014c

Ação inadvertida do Estado 2014c

Estruturas cognitivas compartilhadas Tese, 2014c

Ciclos prolongados de difusão tecnológica

Evolução guiada por busca inovadora e seleção sobre variedade

2014c, Tese

Interação local e não linear dos agentes produzindo trajetórias open-ended

Tese, 2014c

Ação inadvertida do Estado 2014c

Intensa substituição de provedores (churning)

Características da rede social (consumidores)

Tese

Interação local e não linear dos agentes produzindo trajetórias open-ended

Tese, 2014c

Influência da organização social na escolha do

consumidor

Formação de preferências dentro de redes sociais complexas

Tese

Características da rede social (consumidores)

Tese

Estruturas cognitivas compartilhadas Tese, 2014c

*Ordem de relevância, conforme entrada do autor nas referências bibliográficas (PEREIRA, M. C.).

Como já mencionado, esta tese se insere em um projeto de pesquisa mais amplo

do autor (2012a-b, 2014a-c), focado nos temas da competição e das instituições em setores

de alta tecnologia. Ela representa o estado desse trabalho em janeiro de 2015. De forma

simplificada, os textos anteriores se concentraram na análise setorial pelo lado da oferta,

enquanto aqui o foco é a compreensão mais detalhada dos processos que envolvem redes

sociais complexas, em particular a organização dos consumidores do lado da demanda. A

Tabela 1 apresenta uma sucinta listagem dos temas abordados na tese, em relação ao esco-

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7

po completo do projeto. Apesar da natural sobreposição de certos tópicos, diversos assuntos

tratados em maior profundidade em outros textos – em especial, Pereira (2012b, 2014c) –

não estão aqui reproduzidos. Sempre que possível, será feita referência a outros materiais

que compõem o projeto.

Em linhas gerais, o desenvolvimento do quadro analítico proposto será realiza-

do com base na metodologia history-friendly,12

proposta por Malerba et al. (1999):

Modelos History-friendly visam capturar, de forma estilizada, teorias qua-

litativas e “apreciativas” sobre os mecanismos e fatores que afetam a evo-lução industrial, o avanço tecnológico e a mudança institucional aponta-

dos, pelos pesquisadores empíricos de economia industrial, mudança tec-

nológica, organização e estratégia de empresas e outras ciências sociais [p. 3-4].

13

Nessa metodologia, o processo analítico é desenvolvido por meio da articulação

– nessa ordem – entre a análise empírica “apreciativa”, desenvolvida a partir da realidade

industrial, e o quadro de referência teórico selecionado “para representar as relações básicas

e características que foram descobertas no estudo da indústria” (GARAVAGLIA, 2004, p.

7). O modelo de simulação, então, deve ser capaz de reproduzir os “fatos estilizados”14

res-

saltados pela análise apreciativa, utilizando mecanismos e premissas consistentes tanto com

a informação empírica como com as hipóteses teóricas. O modelo permite, assim, o teste

lógico das hipóteses definidas pelo quadro teórico, enquanto explicativas da evidência pro-

veniente da análise apreciativa. Dessa maneira, o modelo é um dispositivo auxiliar de análi-

se, que possibilita a qualificação sistemática das hipóteses teóricas. Portanto, o método pro-

posto adota como princípio de inferência o que alguns autores denominam de abdução15

,

em vez da dedução ou da indução usuais.

A metodologia history-friendly é composta por, pelo menos, cinco etapas lógi-

cas: (i) o estudo apreciativo (qualitativo e quantitativo) das características do fenômeno e a

identificação das questões empíricas essenciais e dos respectivos fatos estilizados; (ii) a

12 As opções metodológicas serão discutidas detalhadamente ao longo dos capítulos, em seções específicas. 13 Exceto quando indicado o contrário, todas as traduções de citações são de responsabilidade do autor. 14 O termo foi introduzido por Kaldor (1961). Por “fato estilizado” compreende-se uma propriedade observá-

vel do fenômeno em estudo, apresentada como simplificação ou generalização da observação empírica. 15 “Abdução consiste em estudar os fatos e conceber uma teoria para explicá-los” (PEIRCE, 1867 apud

WERKER; BRENNER, 2004, p. 7). Ela se baseia na inferência a favor da melhor explicação, em um sentido

probabilístico. O tema será retomado no Capítulo 3.

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seleção de um (ou mais) quadro(s) teórico(s) explanatório(s) para as questões levantadas e a

formulação das hipóteses de trabalho associadas, a serem examinadas e testadas; (iii) o de-

senvolvimento de um modelo capaz de traduzir a estrutura teórica em um sistema lógico de

simulação computacional; (iv) a calibração dos parâmetros do modelo e a análise de sensi-

bilidade dos resultados em relação a eles, com base nos dados provenientes da empiria; e

(v) a avaliação dos resultados do modelo, incluindo a verificação da reprodução dos fatos

estilizados e o teste das hipóteses teóricas.

Por simplicidade, a tese está organizada nessa mesma sequência de etapas. Ela

se desenvolve em quatro capítulos, além desta introdução e da conclusão geral.

O Capítulo 1 consolida a bibliografia e as demais fontes de informação disponí-

veis sobre a trajetória histórica do mercado de serviço de acesso à internet no Brasil e no

mundo. São avaliados os principais fenômenos relacionados ao tema de pesquisa e mapea-

dos os mecanismos observáveis de causação mais relevantes, além dos agentes e institui-

ções-chave. São identificadas as principais questões relativas à organização do mercado,

tanto pelo lado da oferta como pelo da demanda. Por fim, são apresentados os dados empí-

ricos e consolidados os fatos estilizados mais representativos.

O Capítulo 2 propõe a articulação de um esquema explicativo teórico, com base

em diversas abordagens. São exploradas contribuições da organização industrial, da teoria

evolucionária neoschumpeteriana e de algumas vertentes institucionalistas, por meio da

revisão bibliográfica alinhada pelos temas da mudança estrutural, da competição e da inte-

ração social e organizada pelos fatos estilizados empíricos. Em seguida, os resultados da

análise apreciativa são confrontados com os artefatos explanatórios de cada corpo teórico,

no intuito de avaliar sua pertinência nos casos em questão. São identificadas, ainda, as prin-

cipais hipóteses teóricas que sustentam o quadro selecionado.

O Capítulo 3 aborda o processo de especificação e construção do modelo de

simulação, incluindo a influência das redes de relacionamento intrassetoriais na operação

do mercado de acesso, tanto pelo lado da oferta e como do da demanda. São analisadas as

características da metodologia selecionada para o desenvolvimento do modelo, inclusive

suas limitações. São detalhadas as regras de comportamento necessárias para a configura-

ção da simulação, utilizando-se a técnica agent-based. A especificação do modelo é apre-

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9

sentada por meio de equações em diferenças. Por último, são justificadas as ferramentas

computacionais escolhidas e descritos os principais atributos dos sistemas desenvolvidos

neste trabalho.

O Capítulo 4 apresenta, inicialmente, a validação do modelo. Discutem-se al-

ternativas e apontam-se soluções tanto para o problema de calibração dos parâmetros quan-

to para os testes de sensibilidade do modelo. Os valores de calibração selecionados são jus-

tificados, empregando dados empíricos sempre que possível. As conclusões da análise de

sensibilidade são expostas de modo a identificar os parâmetros críticos, permitindo a avali-

ação eficiente da robustez do modelo. Em seguida, os resultados são apresentados, com

atenção especial aos fenômenos em estudo. A aderência do modelo aos fatos estilizados

setoriais é verificada e as hipóteses teóricas assumidas são testadas.

Quatro apêndices complementam a tese. O primeiro discute com maior detalhe

as questões técnicas complexas que envolvem a medição e a manutenção da qualidade do

serviço de acesso à internet. O segundo detalha as alternativas de algoritmos disponíveis

para modelagem de redes sociais e propõe um critério de seleção entre elas. O terceiro mos-

tra como foram definidos os parâmetros e valores iniciais do modelo, inclusive para a rede

social simulada. O último apresenta os testes de sensibilidade de parâmetros e condições

iniciais.

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Capítulo 1: Análise setorial apreciativa

Além de fornecer uma visão da configuração do mercado de serviço de acesso à

internet e do setor no qual ele se insere, este capítulo tem como objetivo consolidar as in-

formações necessárias para as próximas fasesdo trabalho. Para tanto, serão identificadas as

principais questões subjacentes à ação competitiva entre as firmas no mercado e o seu rela-

cionamento com os consumidores, selecionando-se dados empíricos que caracterizam essas

dimensões específicas (setor/mercado, oferta/demanda). A abrangência da pesquisa é majo-

ritariamente nacional (Brasil) e se concentra na fase pós-privatizações, em particular no

período 1999-2014, durante o qual se conformou o mercado existente.

A análise empírica será realizada em duas etapas. A primeira, neste capítulo, te-

rá uma abordagem apreciativa, buscando fornecer uma visão geral do mercado e do setor. A

segunda etapa, mais formal, será executada com o auxílio do modelo de simulação (Capítu-

lo 3) e com o aprofundamento das questões selecionadas (Capítulo 4).

A perspectiva teórica será bastante genérica neste capítulo. Ainda assim, é ine-

gável que o recorte analítico proposto foi influenciado pelo quadro teórico que será apre-

sentado no Capítulo 2. Evidentemente, na prática, a avaliação apreciativa é feita em parale-

lo com o desenvolvimento do instrumental teórico, em um processo de articulação contí-

nua. Mas, para efeito de registro, iniciou-se com a etapa empírica, adotando-se o padrão

usual da metodologia history-friendly. Logo, a partir das questões-chave identificadas nesta

fase, o próximo capítulo aprofundará a discussão teórica, em torno desses pontos específi-

cos, permitindo maior objetividade.

O setor de internet engloba um “ecossistema” complexo, que requer e demanda

um conjunto extenso de recursos humanos e materiais para seu desenvolvimento e opera-

ção. O setor industrial é aqui compreendido, à semelhança do proposto por Breschi e Ma-

lerba (1997), como o conjunto de atores (firmas, usuários, organizações de governança etc.)

e artefatos (físicos e tecnológicos) que constituem a essência das atividades necessárias

para a organização dos mercados para os bens e serviços oferecidos pela internet. Essa

complexidade inerente torna, até certo ponto, arbitrárias e nem sempre claras as fronteiras

definidoras do que está “dentro” do setor ou de cada um de seus segmentos.

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Para efeito de pesquisa, foram considerados como componentes do setor de in-

ternet quatro segmentos:16

(i) serviços de telecomunicações para acesso à internet (ou, re-

sumidamente, “acesso”); (ii) serviços de criação, edição e informação eletrônicos (ou “con-

teúdo”); (iii) serviços de tecnologia da informação (ou “sistemas”); e (iv) fabricação de

equipamentos de comunicação (ou “equipamentos”).17

Cada segmento, por sua vez, englo-

ba um ou mais mercados para seus produtos. Além das firmas prestadoras de serviços e

fabricantes de equipamentos, o Estado, por meio de suas diversas agências, e os consumi-

dores/usuários dos bens e serviços produzidos, sejam eles indivíduos ou organizações, são

também atores relevantes. O foco do estudo setorial proposto é a organização da competi-

ção no segmento de serviços de telecomunicações para acesso à internet18

em seu mercado

principal,19

doravante denominado simplesmente como “mercado de acesso”.

O capítulo começa com uma breve discussão sobre a metodologia adotada nesta

etapa. Em seguida, a trajetória histórica do setor será rapidamente descrita. Na Seção 1.3

serão qualificadas as categorias que compõem o sistema setorial de inovação e produção da

internet. A Seção 1.4 analisa a estrutura da concorrência e do consumo no mercado de aces-

so brasileiro. O capítulo termina com uma conclusão preliminar, incluindo uma sumária

avaliação sobre os resultados empíricos obtidos e o conjunto de fatos estilizados.

1.1. Metodologia de análise apreciativa

Uma das constatações recorrentes dos inúmeros estudos empíricos setoriais dis-

poníveis é, justamente, a grande variedade de arranjos que cada indústria pode adotar em

determinado momento. Em paralelo, diversas tradições teóricas propuseram formas alterna-

16 Esses componentes não incluem diversas divisões e grupos da Seção J (serviços de informação e comunica-

ção) da Classificação Nacional de Atividades Econômicas (CNAE) (IBGE, 2007), como os serviços de tele-

comunicações por voz (fixos e móveis), radiodifusão (televisão e rádio) e de mídia impressa (livros, jornais e

revistas). A definição das fronteiras inter e intrassetoriais adotou corte semelhante ao de Edquist (2004). 17 Naturalmente, algumas firmas que participam do setor da internet também atuam em outros setores, mas,

para efeito analítico, serão consideradas apenas suas atividades dentro do(s) segmento(s) em questão. Esse

recorte não é isento de problemas, dadas as evidentes economias de escopo das empresas que operam em

múltiplos setores. No entanto, por questões práticas e metodológicas, acredita-se que, ainda assim, os resulta-

dos obtidos sejam valiosos para a compreensão – mesmo que parcial – da dinâmica do mercado de acesso. 18 O serviço de acesso à internet constitui-se no transporte bidirecional de informações (dados, sons e ima-

gens) sobre a infraestrutura de redes dos seus provedores, entre o ponto de acesso de usuário e o destino final

de comunicação, dentro da rede mundial de computadores, por qualquer tecnologia compatível. 19 O mercado principal do segmento de serviço de acesso é o de provimento de conexões individuais para

indivíduos, domicílios, empresas e organizações governamentais e da sociedade civil.

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tivas de avaliar essa variedade e, em particular, identificar seus determinantes (MALERBA,

2005). Esse tema será mais bem explorado no próximo capítulo. No momento, parece sufi-

ciente selecionar, entre as alternativas existentes, uma diretriz metodológica razoavelmente

consolidada e compatível com as linhas teóricas escolhidas.

O quadro de referência escolhido deve dar conta de tratar as questões relevantes

no setor de internet e, em particular, no seu mercado de acesso. Entre elas, podem-se desta-

car a intensa inovação tecnológica e os seus mecanismos de apropriabilidade (NELSON;

WINTER, 1982/2005; DOSI, 1982; PAVITT, 1984; TEECE, 1986, 2006), além da signifi-

cativa influência de fatores institucionais. Tudo isso em uma indústria nova, construída em

torno de estruturas sociais organizadas em redes, com forte competição entre as firmas, e,

ainda, com profundas raízes no período dos monopólios estatais nas telecomunicações

(EDQUIST, 2004; NELSON, 2005b).

Considerando-se essas premissas, a adequação da proposta de Malerba (2002)

para a pesquisa empírica da dissertação parece evidente. Ela se baseia em uma perspectiva

dupla, das teorias evolucionária e dos sistemas de inovação, com a devida consideração da

questão institucional. Assim, a ênfase analítica é colocada na heterogeneidade dos agentes –

nas dimensões de experiência, capacidades e organização –, como fator-chave da dinâmica

setorial, e também na importância das interações entre eles – e do aprendizado subjacente –

para o processo inovador e para a difusão do seu resultado nos mercados.

O quadro analítico do “sistema setorial de inovação e produção” (SSIP), conso-

lidado por Malerba (2002, 2004, 2005), parte do produto – ou grupo de produtos – do setor

e do conhecimento associado para definir o conjunto de atividades e atores que compõem o

SSIP. O SSIP é caracterizado por uma base de conhecimento, uma demanda, tecnologias e

insumos específicos, criados por meio de interações formatadas por instituições, dentro e

fora de mercados organizados, entre agentes que buscam a criação, o desenvolvimento e a

difusão dos bens e serviços produzidos pelo setor.

O SSIP é, portanto, composto por: (i) agentes – firmas e indivíduos, fornecedo-

res e consumidores – e suas redes de relacionamento; (ii) conhecimento e tecnologias –

incluindo seus insumos e produtos; e (iii) instituições – formais e informais, explícitas e

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implícitas, setoriais e nacionais. A “coevolução” desses elementos, por sua vez, dá origem

ao processo emergente de mudança e transformação do SSIP (NELSON, 2001, 2005a).

A relação das regularidades de “nível mais alto”, manifestada nas institui-

ções, regras e formas organizacionais, para processos evolutivos “de nível mais baixo” é complexa, envolvendo coevolução entre níveis de análise e

escalas de tempo e deve ser corretamente modelada como tal [DOSI;

MARENGO, 2007, p. 5, grifos no original].

Igualmente relevante para a compreensão do SSIP é a atenção simultânea aos

atores responsáveis pela oferta e pela demanda nos mercados do setor. Ao não tratar a de-

manda, por hipótese, como um conjunto agregado de usuários similares, a perspectiva dos

SSIP abre espaço para a consideração da sua influência essencial na dinâmica setorial, fre-

quentemente relegada ao segundo plano por outras abordagens (MALERBA, 2005).

A adoção do quadro dos SSIP obriga, ainda, a uma revisão do sentido usual-

mente adotado para o termo “estrutura setorial”. Nesse enfoque, o seu significado vai além

do uso habitual na economia industrial, que envolve principalmente as questões da concen-

tração ou da integração/diversificação. Aqui, “[m]ais propriamente, estrutura se relaciona

com as conexões e relações entre agentes, conhecimento, produtos e tecnologias [...] logo

se refere também a ‘redes’ [sociais]” (MALERBA, 2005, p. 67-68). O alargamento do hori-

zonte analítico, associado com essa premissa, é essencial para o estudo de fenômenos como

os aqui postos, conforme será discutido no Capítulo 2.

Para a qualificação do SSIP da internet, a pesquisa empírica será realizada em

três dimensões: (i) identificação dos agentes e explicitação dos principais mecanismos de

interação entre eles; (ii) mapeamento das instituições relevantes, formais ou não, nos níveis

geral e setorial; e (iii) sistematização das relações entre conhecimento, tecnologia e produ-

tos. Enquanto a primeira e a última dimensões propostas têm suas realizações razoavelmen-

te autoevidentes, a questão das formas institucionais essenciais merece algum detalhamen-

to. Para tanto, conforme Fligstein (2001b), um roteiro usual começa pela definição de um

campo particular de interesse. Baseado nisso, estudam-se as instituições locais, quem são os

atores coletivos, quais os recursos de que dispõem e que tipos de interações existem dentro

e entre os campos. Ainda, segundo o autor, devem ser analisadas as condições em que o

campo em estudo emergiu, se estabilizou ou se transformou.

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1.2. Trajetória histórica do setor de internet

Antes da análise setorial propriamente dita, será apresentado um breve histórico

da trajetória do SSIP, como forma de contextualização. Esse relato não pretende, entretanto,

ser exaustivo ou detalhado.

As redes eletroeletrônicas para transmissão de informações à distância tiveram

origem no telégrafo, em meados do século XIX. Desde então, as tecnologias utilizadas para

a construção de redes de telecomunicações desenvolveram-se e multiplicaram-se, ganhando

substancial impulso a partir dos anos 1950, com a revolução da microeletrônica. O rápido

desenvolvimento das tecnologias de informação e comunicação (TIC) se deu dentro do

complexo de novas indústrias que foram estimuladas pelos volumosos gastos em pesquisa e

desenvolvimento (P&D) do governo norte-americano no pós-guerra (MOWERY;

SIMCOE, 2002). A gradual convergência entre as TIC produziu a base tecnológica que

geraria, entre diversos subprodutos, a “rede das redes” de computadores, ou “internet”.20

A internet originou-se, ainda nos anos 1960, de pesquisas patrocinadas pela

área de defesa norte-americana e que criaram a primeira rede de comutação de pacotes, a

Defense Advanced Research Projects Agency Network (Arpanet), a sua tecnologia básica

(CERF et al., 2000). Essa tecnologia revolucionária, posteriormente aprimorada por meio

do Internet Protocol (IP), alterou profundamente os paradigmas das telecomunicações e da

informática, até então baseados na comutação de circuitos,21

e permitiu substancial aumen-

to da capacidade e das possibilidades dos sistemas de comunicação e de computação.

A comutação de pacotes tornou-se possível (e necessária) a partir da difusão do

computador digital,22

mas sua aplicação, durante os primeiros vinte anos, concentrou-se nas

20 Redes de telecomunicações podem ser classificadas em diferentes níveis e conforme diferentes critérios.

Para os efeitos deste trabalho, uma rede é entendida como um artefato físico (hardware e software), sob qual-

quer tecnologia, que realiza a conexão entre usuários distintos da rede ou entre usuários e serviços disponibi-

lizados através da rede, permitindo o transporte de informação codificada entre eles. 21 De forma extremamente simplificada, a comutação de circuitos opera por meio do estabelecimento de ca-

nais de transmissão dedicados durante todo o período de comunicação, independentemente de sua efetiva

utilização durante o transporte das mensagens (áudio, vídeo ou dados). A comutação de pacotes parte do prin-cípio de compartilhamento dos canais de transmissão entre múltiplos processos de comunicação simultâneos,

através do fracionamento, e posterior remontagem, das mensagens em pequenos “pacotes” de informação. 22 A comunicação de dados entre computadores, através de longas distâncias, existia antes da invenção das

redes de pacotes. Entretanto, elas tornaram possível, pela primeira vez, o estabelecimento de redes complexas

e não hierárquicas entre múltiplos computadores, de forma equivalente às redes de telefonia entre pessoas.

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comunidades militar e científica (GREENSTEIN, 2010). Apenas ao longo dos anos 1980

desenvolveu-se a internet como é conhecida hoje – após a popularização dos microcompu-

tadores e o desenvolvimento dos protocolos que são a sua “face visível” 23

. No início dos

1990 ela se transformou em uma plataforma economicamente importante (SHY, 2001).

A primeira conexão brasileira à internet, já sob protocolo IP, foi estabelecida

pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), em 1991, conec-

tando um pequeno número de instituições acadêmicas no Brasil. A administração do domí-

nio “.br” e dos endereços IP no Brasil também foi responsabilidade da Fapesp, até a criação

do Comitê Gestor da Internet no Brasil (CGI.br), em 1995 (GUIZZO, 2007).

As redes de comunicação de dados entre computadores, como a internet, nasce-

ram como extensões da rede de telefonia, compartilhando parcelas da infraestrutura física –

cabos e sistemas de rádio. Apenas a partir dos anos 1990, redes especializadas para o trans-

porte de dados – empregando exclusivamente comutação de pacotes – tornaram-se comuns,

absorvendo gradativamente o tráfego de telefonia, que se transformou em mais uma aplica-

ção das redes de dados24

(DALUM; VILLUMSEN, 2003).

A evolução técnica das redes que suportam a internet, e em particular das tecno-

logias utilizadas pelos usuários para acessar a rede, foi contínua desde a oferta dos primei-

ros serviços comerciais. Durante os vinte anos iniciais da internet comercial, pelo menos

quatro gerações tecnológicas mais importantes podem ser elencadas: (i) o acesso discado

(dial-up) “banda estreita”, utilizando o sistema telefônico legado; (ii) o acesso “banda lar-

ga” fixo (ADSL, DOCSIS/cabo), sobre as redes de cabeamento metálico e óptico existentes

(telefonia e televisão a cabo); (iii) o acesso banda larga móvel (UMTS/3G), com redes de

radiofrequência sem fio híbridas (voz e dados); e (iv) o acesso banda larga em altíssima

velocidade fixa, com cabeamento óptico fim a fim (FTTH), e móvel (LTE/4G), com redes

de radiofrequência de dados apenas. Outras tecnologias também foram disponibilizadas

23 Apesar de o “núcleo tecnológico” da internet, o protocolo IP e os demais protocolos de transporte de dados terem sido desenvolvidos ao longo dos anos 1970 e 1980, foi apenas com a criação dos protocolos de interfa-

ce amistosa da família world wide web (HTTP e HTML), no início dos anos 1990, que a internet se tornou

uma ferramenta acessível ao usuário comum e com interesse comercial para sua implantação em larga escala. 24 O processo de convergência tecnológica, para sistemas de transmissão digital, permitiu que as diversas

aplicações das redes (dados, voz, imagem) compartilhassem a mesma infraestrutura física.

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17

nesse período, como o acesso por satélite e o acesso sem fio fixo, porém com penetração

muito inferior àquela das quatro gerações principais.25

A popularização das gerações tecnológicas se deu de modo cada vez mais veloz

nos países avançados. Entre o lançamento do primeiro serviço de acesso discado à internet

(nos Estados Unidos), em 1990, e a sua popularização, em 1995, verificou-se um período

de cinco anos (ZAKON, 2010). Da oferta inicial de acesso banda larga fixa em 1996, no

Canadá, até sua disponibilização em escala ampla na América do Norte, em 2000, foram

necessários quatro anos (FCC, 2004). Já a utilização em massa do acesso móvel tomou me-

nos de três anos da operação da primeira rede 3G em 2001, no Japão (POSSI, 2006). A

quarta geração levou ainda menos tempo, dois anos, entre o lançamento piloto em 2009 na

Escandinávia e a sua massificação na América do Norte e Europa (WIKIPEDIA, 2014).

Desde o início de sua adoção pelo público em geral, no começo dos anos 1990,

a internet gradualmente migrou de redes mantidas pela comunidade acadêmica – em geral

públicas – para um conjunto de redes conservadas e operadas por firmas majoritariamente

privadas (ZAKON, 2010). Sua disseminação, exceto nos Estados Unidos, se deu de forma

concomitante com o rápido processo de privatização dos antigos monopólios de serviços de

telefonia ao redor do mundo e a abertura para a competição (GREEN; TEECE, 1998; LI;

XU, 2004). Na maioria dos países, as empresas privatizadas foram as “herdeiras” das redes

físicas (cabeamento, equipamentos e sistemas) dos monopólios estatais. Apesar da frequen-

te inexistência de restrições à entrada de novos competidores, as redes privatizadas repre-

sentaram a maior parcela da infraestrutura da internet até meados dos anos 2000, especial-

mente fora dos Estados Unidos (ibid.).

Em 1992, surgiu o primeiro provedor de acesso à internet brasileiro fora da área

acadêmica (Ibase), ainda em caráter não comercial (CARVALHO, 2006). No fim de 1994,

a Embratel, parte do monopólio estatal na época (sistema Telebrás), lançou o primeiro ser-

viço comercial de acesso, em modo experimental. Em meados de 1995, ele entrou em ope-

ração definitiva (GUIZZO, 2007). Em paralelo, a Rede Nacional de Ensino e Pesquisa

(RNP), até então a principal estrutura da rede internet no Brasil, passou a oferecer acesso

25 Autores como Lehr e Chapin (2010) argumentam que as diversas tecnologias são apenas parcialmente subs-

titutas, como é usualmente o caso de sucedâneos tecnológicos, por causa de diferenças importantes entre elas,

o que estimula o seu desenvolvimento continuado, reduzindo a probabilidade de convergência.

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para setores fora da área acadêmica. Simultaneamente, surgiram os primeiros provedores de

acesso privados, estimulados pela decisão do Ministério das Comunicações de abrir o mer-

cado de provimento de acesso à competição, com a criação de 21 novos provedores em

1995 (ibid.). A partir de 1996-1997, o mercado doméstico consolidou-se e iniciou seu cres-

cimento em larga escala, com a entrada de grandes grupos de mídia (Abril, Folha, RBS).

No entanto, a oferta de cada geração de tecnologias de acesso no Brasil se deu

de progressivamente mais atrasada em relação aos centros mundiais de inovação. Enquanto

o acesso discado começou a se difundir com cinco anos de atraso (GUIZZO, 2007), a banda

larga fixa tomou impulso com seis anos de retardo, em 2002 (TELEBRASIL, 2014). Já o

acesso móvel passou a ser ofertado, em 2009, oito anos depois do lançamento pioneiro no

Japão (ibid.). Contudo, essa tendência parece ter se revertido no caso do acesso móvel de

quarta geração (4G/LTE), disponível no Brasil menos de cinco anos após o início da opera-

ção das primeiras redes comerciais na Europa (WIKIPEDIA, 2014).

Ao longo da trajetória do setor de internet, a produção de equipamentos físicos

e a provisão de serviços intangíveis (acesso, conteúdo e software) foram sempre comple-

mentares. Fornecedores de produtos inovadores – incluídos aí muitos serviços – foram gra-

dualmente se integrando ao “ecossistema”, atraindo parcelas crescentes da população para a

utilização da rede. A migração da interface humana direta para a interface mediada por

computadores tornou indispensável, além dos microcomputadores e outros dispositivos, a

criação de uma grande quantidade de programas para a interação dos usuários, estimulando

o desenvolvimento de um segmento de software pujante. Não obstante, a maior oportunida-

de criada com a internet foi a virtual emergência de uma indústria de informação eletrônica

– ou de “conteúdo”. Diferentemente da telefonia, a rede do tipo web criou um espaço to-

talmente novo para a troca de informações, não apenas entre usuários, mas principalmente

entre estes e a florescente comunidade de firmas provedoras de conteúdo para a nova mídia.

Em curto período de tempo – menos de trinta anos –, a ampla difusão e a pro-

funda penetração da “rede das redes” atingiram a maioria dos sistemas econômicos do pla-

neta (CORROCHER, 2001). As mudanças no ambiente institucional, com a introdução da

competição para as operadoras de telecomunicações, o movimento na direção dos sistemas

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abertos26

e o crescimento da importância dos serviços de comunicação de dados foram cru-

ciais para isso (DALUM; VILLUMSEN, 2003). Uma série de setores tornou-se obsoleta.

Vários outros foram significativamente transformados ou simplesmente destruídos, enquan-

to um grupo crescente de novos setores foi viabilizado tão somente graças à internet. Em

paralelo, nos seus precursores imediatos – as telecomunicações e a informática –, a diferen-

ciação funcional e a diversidade organizacional aumentaram expressivamente (EDQUIST,

2004).

1.3. O sistema setorial de inovação e produção da internet

A “onipresença” da internet na maioria das atividades econômicas pode levar à

definição de fronteiras muito amplas para o que seria, afinal, o setor. Fundamentada em

uma definição mais restrita, apresentada anteriormente, esta pesquisa visa focar tão somen-

te nos elementos que constituem a base essencial – ou mínima – da internet e do mercado

de acesso. A questão das fronteiras é crítica na especificação do SSIP. A demarcação de

quem são os agentes27

analiticamente relevantes no sistema setorial deve estar relacionada,

de algum modo, com as funções que eles desempenham nos processos que conduzem ao

seu desenvolvimento e transformação.

Em última instância, a função do SSIP é promover o desenvolvimento e a difu-

são das inovações correlatas à internet, bem como proporcionar as condições para sua dis-

ponibilização na forma de produtos que atendam às necessidades dos consumidores e usuá-

rios, atuais e potenciais28

. Para isso, é fundamental a capacidade do sistema setorial de: (i)

criar conhecimento novo, ou novas combinações do conhecimento existente; (ii) mobilizar

os insumos e recursos necessários para o provimento dos bens e serviços; (iii) estabelecer

mercados que permitam sua circulação; e (iv) gerar os demais estímulos requeridos para a

mobilização de todos os atores envolvidos.

26 Sistemas abertos são aqueles cujas interfaces têm suas funcionalidades e especificidades bem conhecidas,

transparentes e prontamente disponíveis para os interessados. 27 O termo “agente” (ou “ator”), ao longo da tese, pode representar tanto indivíduos quanto organizações,

sejam elas firmas ou outras estruturas formais com objetivos explícitos (agências governamentais, associações

profissionais, comitês, universidades etc.). 28 A diferenciação entre consumidores e usuários é normalmente adotada no setor de telecomunicações e diz

respeito, no primeiro caso, à natureza mercantil da fruição dos bens e serviços envolvidos.

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Para realizar sua atribuição primordial, segundo Edquist (2004), outras funções

tornaram-se essenciais no SSIP da internet: (i) a pesquisa, o desenvolvimento e a produção

de equipamentos (hardware) e sistemas (software); (ii) a expansão da infraestrutura técnica

de rede e a provisão de conexão com ela; (iii) a criação, a edição e a distribuição de conteú-

do pela rede; (iv) o gerenciamento de padrões e a regulação do sistema; e (v) a disponibili-

zação de educação, treinamento e consultoria relativos a todos os outros itens. Dada sua

complexidade, cada uma dessas funções é, usualmente, executada por grupos especializa-

dos de agentes, com superposições relativamente raras.

Como já mencionado, o ponto de partida da internet confunde-se com a con-

fluência histórica entre os setores de informática e de telecomunicações.

Durante mais de cem anos, até os anos 1980, o progresso tecnológico do das te-

lecomunicações ocorreu sem maiores sobressaltos. A partir do alto grau de cumulatividade

e apropriabilidade da sua base de conhecimento, o desenvolvimento do setor caracterizou-

se pela sequência de inovações incrementais, ao longo de uma mesma trajetória tecnológi-

ca29

(MALERBA; NELSON, 2011). Mesmo a inovação mais “radical” do período – a digi-

talização dos sistemas de telefonia, nos anos 1960 – não foi suficientemente “perturbadora”

para provocar alterações relevantes30

na sua estrutura, monopolista (CORROCHER, 2001).

Além disso, o ritmo de avanço era, usualmente, definido pelos monopólios estatais, inclusi-

ve por meio de agências oficiais – nacionais e internacionais – estabelecidas para essa fina-

lidade, especialmente no pós-guerra. No sentido dado por Pavitt (1986), o setor de teleco-

municações caracterizava-se pelo processo de creative accumulation, em contraposição ao

regime de creative destruction31

que é mais comumente associado com a internet.

Antes da internet, portanto, a organização do setor de telecomunicações era bas-

tante simples. Existia alta previsibilidade tecnológica e, por conseguinte, baixo risco. A

principal decisão da operadora limitava-se a sobre quando investir e não com qual tecnolo-

gia. Para os fornecedores de equipamentos e sistemas, o setor também fornecia muita esta-

29 Utilizamos o sentido proposto por Dosi (1982) para os termos “trajetória tecnológica”, “paradigma tecnoló-gico” etc., como será aprofundado no próximo capítulo. 30 Pelo contrário, a digitalização representou, antes, um passo importante na consolidação de economias de

escala e escopo das firmas dominantes, no sentido sugerido por Chandler (1990), reforçando sua posição

(DAVIES, 1996). 31 Esse tema será abordado conceitualmente no Capítulo 2.

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21

bilidade, com contratos de longo prazo e diretrizes claras para o desenvolvimento de seus

produtos (DALUM; VILLUMSEN, 2003). Entretanto, o sistema de inovação das teleco-

municações, baseado em padrões acordados ex ante definidos por agências governamentais,

não conseguiu identificar adequadamente o potencial revolucionário de microprocessadores

baratos e poderosos nos equipamentos dos usuários, principais “demandantes” da internet.

A dinâmica distinta das bases de conhecimento entre informática e telecomuni-

cações, desde seus primórdios, deu origem a trajetórias tecnológicas que puderam se manter

relativamente separadas, pelo menos até os anos 1990. Por isso, um dos processos cruciais

na formação da base de conhecimento do setor de internet foi a gradual convergência32

en-

tre essas, e outras, trajetórias. Em primeiro lugar, a convergência das tecnologias de infor-

mação e comunicação. Em seguida, dessas com as tecnologias audiovisuais e de radiodifu-

são, que tornaram possível a “revolução” multimídia (CORROCHER, 2001).

Uma das principais consequências dos processos descritos, de estabelecimento

de um novo arranjo institucional e de desenvolvimento de uma base de conhecimentos nova

e complexa, foi a progressiva atração de novos atores para o setor de internet, além dos

participantes “naturais” provenientes das telecomunicações e da informática. Em mercados

historicamente dominados pelas operadoras incumbentes de telecomunicações ou pelos

“campeões nacionais” fabricantes de equipamentos, entrantes como provedores de acesso

ou de conteúdo e fornecedores de dispositivos puderam aproveitar o potencial proporciona-

do pelas mudanças para competir com sucesso, pelo menos parcialmente. Simultaneamente,

o acirramento da competição nos mercados novos acelerou a difusão das tecnologias mais

recentes e atraiu um número crescente de usuários. A organização geral dos agentes que

resultou desse processo – em conjunto com seus respectivos produtos – está esboçada na

Figura 1.

O nível superior da Figura 1 representa os consumidores e usuários da internet,

sejam eles organizações ou indivíduos, que gradualmente incorporaram os novos recursos

oferecidos pela rede mundial em seus processos e hábitos. A completa novidade da maioria

desses recursos, associada aos brutais ganhos de produtividade e conveniência viabilizados

32 Deve ser diferenciada a convergência de tecnologias, tratada aqui, da convergência de serviços ou de dispo-

sitivos, que podem ter impactos muito diversos da primeira (TENNENHOUSE et al., 1996).

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por ela, tornou explosiva a demanda pelos produtos do setor. Por exemplo, “a demanda por

[comunicação de] dados pelos consumidores privados é uma das principais forças motrizes

para o desenvolvimento da [internet] banda larga” (DALUM; VILLUMSEN, 2003, p. 10).

À medida que os usuários percebem os benefícios inerentes aos produtos da internet, mes-

mo que de forma gradual e imperfeita, mais se acelera a sua difusão (EDQUIST, 2004).

Figura 1 – Agentes, produtos e organização do setor de internet.

Fonte: elaboração do autor.

No entanto, as relações entre desenvolvimento tecnológico e a sociedade, em

geral, e os consumidores, em particular, não são unidirecionais. Enquanto moldam as novas

demandas que estimulam, tecnologias como a internet são constantemente “direcionadas”

para trajetórias compatíveis com os interesses dos diversos grupos sociais envolvidos (DI-

MAGGIO et al., 2001). Os consumidores e usuários dos produtos resultantes diferem subs-

tancialmente entre si, até por abrangerem porções amplas da população de indivíduos e

organizações. As combinações das exigências heterogêneas desses usuários, em conjunto

com as estratégias dos demais atores do SSIP, orientam um processo de seleção pelo mer-

cado, definindo quais produtos – bem como seus produtores – se desenvolvem e quais de-

saparecem.

Nesse cenário, a combinação entre demanda heterogênea e múltiplas ofertas

competindo dá origem a efeitos de rede – incluindo externalidades – na adoção de muitos

Regulação e padronização

Financia-mento

Consumidores e usuários

Provedores de acesso

Fornecedores de Equipamentos e Sistemas

Rede Terminais Sistemas básicos

Provedores de Conteúdo

Aplicações Informação

Educação e treinamento

Consultoria

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23

dos bens e serviços setoriais.33

Isso estimulou o desenvolvimento de uma estrutura de mer-

cado razoavelmente fragmentada, em particular no segmento de conteúdo, com produtos

diversificados para nichos específicos de usuários (SHAPIRO; VARIAN, 1999). Não obs-

tante, estudos empíricos indicam ser inadequada uma perspectiva completamente atomizada

dos consumidores. Sua organização em redes de interação social tem impactos na estrutura

setorial e na definição dos padrões tecnológicos (SILVERBERG; DOSI; ORSENIGO,

1988; MOWERY; SIMCOE, 2002; BIRKE; SWANN, 2006).

A presença de economias de escala significativas é característica importante de

segmentos do setor de internet, particularmente no provimento de sistemas e de conteúdo.

Enquanto a produção da “primeira” unidade de um novo serviço ou conteúdo geralmente

envolve custos elevados, sua posterior replicação costuma apresentar gastos negligíveis.

Além disso, a migração de serviços de informação para a internet usualmente estimula sua

demanda de modo substancial, alavancando o processo (HITT; TAMBE, 2007). Essa carac-

terística parece ter fomentado a significativa concentração dos mercados que se estabelece-

ram em torno de alguns conteúdos e serviços disponibilizados pela rede (SHY, 2001).

Por outro lado, historicamente os segmentos de conteúdo e de equipamentos e

sistemas têm sido exemplos frequentes de intensa concorrência, com heterogeneidade e

dinâmica turbulenta da estrutura industrial, em nível nacional e global. Pode-se facilmente

constatar que muitas das empresas hoje líderes nesses dois segmentos sequer existiam ou

eram economicamente irrelevantes quando a internet despontou comercialmente. Voltar

apenas dez ou cinco anos no tempo é o bastante para perceber as mudanças frequentes e

constantes. Nem mesmo a existência de empresas muito grandes, lucrativas e tecnologica-

mente capazes parece ser suficiente para impedir que entrantes, mais aptas e agressivas,

rapidamente alcancem participações de mercado significativas. Para os consumidores, por

sua vez, as consequências desse processo dinâmico são evidentes: diversidade na oferta,

inovações contínuas e preços cadentes.

Entre os extratos superior e inferior da Figura 1, entre consumidores/usuários e

provedores de equipamentos, sistemas e conteúdo, encontra-se ainda o segmento dos pro-

33 Os serviços de rede social (Facebook, Twitter etc.) são exemplos óbvios da importância desse fenômeno. A

discussão sobre a presença de externalidades de rede será aprofundada no Capítulo 2.

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vedores de acesso. O acesso dos usuários à internet, ou seja, a possibilidade de conexão

com todos os demais usuários e provedores de informação da rede, depende da existência

de um conjunto de redes físicas interconectadas que suportem o processo de comunicação

de dados entre os pontos que compõem a internet (MACKIE-MASON; VARIAN, 1996). O

desenvolvimento, a operação e a manutenção dessas redes constituem o papel do segmento

de acesso, usualmente na forma de grandes empresas de telecomunicações integradas, que

oferecem simultaneamente diversos serviços, como telefonia e televisão por assinatura

(DALUM, VILLUMSEN, 2003).

Ao contrário dos outros segmentos, nos quais firmas outrora entrantes frequen-

temente se transformam em líderes, as principais firmas no segmento de acesso costumam

serem as mesmas que já dominavam o setor de telecomunicações, pelo menos no plano

nacional. Isso se verifica a despeito de um cenário institucional formalmente aberto para

novos competidores e um mercado economicamente atrativo e em rápida mudança tecnoló-

gica (GREEN; TEECE, 1998; LI; XU, 2004), a partir de uma base de conhecimento aberta

e não proprietária. Como será detalhado mais à frente, isso comumente se reflete, de modo

paradoxal, em um ambiente competitivo mais limitado, especialmente quando comparado

com os demais segmentos setoriais.

Uma explicação possível para o paradoxo apontado é a de que a emergência de

um paradigma tecnológico, em uma indústria profundamente marcada pelo passado de in-

tervenção estatal e de restrição da competição convencional, como as telecomunicações,

trouxe impactos econômicos profundos no novo sistema setorial (CORROCHER, 2001;

PEREIRA, 2014c). Modelos mentais e rotinas quotidianas das organizações, estabelecidos

ao longo de décadas, tanto nas firmas quanto nos governos e usuários, tiveram de ser trans-

formados. As empresas, em particular, tiveram de enfrentar não apenas uma mudança no

paradigma tecnológico, na maior parcela de suas operações, mas também – possivelmente,

de forma mais profunda – uma readequação das suas capacidades34

que permitisse a explo-

ração das novas oportunidades em um ambiente agora competitivo. Mas, a utilização das

capacidades inatas das firmas incumbentes, em particular o amplo controle das redes físicas

existentes e da infraestrutura de radioespectro disponível, colocou-as numa posição vanta-

34 O termo “capacidades” – ou “capabilities” – tem aqui o sentido proposto por Teece e Pisano (1994).

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josa para a adoção das principais tecnologias que emergiram (DAVIES, 1996). Isso teria

proporcionado a essas companhias importante vantagem competitiva durante o período

crítico de formação do mercado de serviço de acesso à internet (EDQUIST, 2004). Essa

questão será retomada na próxima seção.

Apesar de sua habitual predominância, as incumbentes originárias das teleco-

municações não são as únicas firmas operando no mercado de acesso. Nem suas vantagens

são intrinsecamente insuperáveis, pelo menos teoricamente. Outras companhias, como inte-

gradores e fornecedores de sistemas, empresas de mídia ou novas operadoras de telecomu-

nicações, aproveitaram a oportunidade representada pelo desenvolvimento da internet para

também participar do segmento. Essas entrantes, em alguns cenários, transformaram-se em

competidoras vigorosas das incumbentes, frequentemente por meio das capacidades dife-

renciadas de que dispunham (NOAM, 1994), mas em geral desde que contassem com su-

porte mínimo do Estado35

(WALLSTEM, 2007).

Além das categorias de agentes abordadas, outros atores são ainda relevantes na

organização do setor de internet. Detalhes sobre eles, bem como informações adicionais

sobre o SSIP e suas instituições fundamentais e o processo de convergência dos setores

originários, estão disponíveis em Pereira (2014c).

1.4. Estrutura e dinâmica competitiva do mercado de acesso brasileiro

O sistema setorial de inovação e produção da internet é complexo, como visto.

Verifica-se significativa heterogeneidade entre os SSIP nacionais, originária das condições

econômicas, políticas e sociais existentes em cada país (CORROCHER, 2001). Sutilezas

nas trajetórias históricas domésticas foram sendo amplificadas com o passar do tempo e

tornaram-se determinantes da trajetória efetivamente percorrida (path dependence). Dife-

renças entre as taxas de penetração do serviço de acesso à internet, os preços médios e as

aplicações mais populares são algumas das dimensões que podem desencadear esse proces-

so. São ainda importantes, na determinação das trajetórias nacionais, a especificidade da

estrutura industrial e o papel das instituições locais (BRESCHI; MALERBA, 1997).

35 A plena interconexão com a rede do incumbente é, tipicamente, o requisito mínimo nesse sentido, sendo

frequente a necessidade de outros direitos mínimos para o entrante, como a colocalização de equipamentos.

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A seleção do foco analítico no mercado de acesso à internet não foi fortuita.

Como se espera demonstrar, ele tem algumas características discrepantes com as interpreta-

ções econômicas mais usuais, distintamente dos demais segmentos setoriais. Em vez da

concorrência vibrante e dinâmica, típica da elevada oportunidade tecnológica e da baixa

apropriabilidade das inovações (PAVITT, 1984), a evidência empírica parece apontar na

direção da estabilidade competitiva e dominância de poucas firmas grandes. Como discuti-

do anteriormente, uma hipótese possível é que, por causa da forma particular como as insti-

tuições do mercado de acesso se organizaram, o processo de competição schumpeteriana

clássico (SCHUMPETER, 1912/1997) não pôde se estabelecer completamente.36

No restante do capítulo, a discussão está desdobrada em duas etapas. Na primei-

ra, será apresentado o contexto do mercado brasileiro de serviço de acesso à internet, com

atenção sobre os principais atributos da demanda e da oferta. Na segunda, será analisada a

organização desse mercado. Em ambas, a ênfase é na identificação dos fatos estilizados.

1.4.1. Contexto da demanda

Desde sua introdução comercial, em 1995, a internet tem se desenvolvido rapi-

damente no Brasil, assim como na maioria dos países de renda média. Em 2013, o serviço

de acesso estava disponível em mais de 95% dos municípios, atendendo 86 milhões de usu-

ários regulares – ou 51% da população acima de 10 anos de idade (CETIC.BR, 2012b,

2014a). Naquele ano, 42% dos domicílios37

dispunham de acesso (IBGE, 2014).

Em uma perspectiva global, a International Telecommunications Union (ITU),

agência especializada da ONU, avalia o desenvolvimento dos países em relação às TIC por

meio do ICT Development Index (IDI)38

. No que diz respeito ao índice geral, o Brasil ocu-

36 Obviamente, essa é apenas uma das possíveis leituras. Autores que tratam de “serviços inovadores” (ver,

por exemplo, Miles (2005)), elencam outras possibilidades, em princípio não conflitantes com aquelas aqui

propostas. Por outro lado, considera-se aqui o acesso à internet, a despeito do seu conteúdo tecnológico, mais

próximo dos serviços públicos “convencionais” (utilities) em relação àqueles tratados por esses autores. 37 O acesso domiciliar é apenas uma das formas de acesso à internet, em geral a mais importante. Para o esco-

po da análise que se segue, será considerado como “serviço de acesso” tão somente a conexão individual (de

pessoa, domicílio ou empresa). Não será considerado o potencial proporcionado pela utilização compartilhada do serviço de acesso (dentro dos domicílios e empresas, em lan houses, escolas etc.), ou seja, o número po-

tencial de pessoas que podem acessar a internet será superior ao número de conexões instaladas. 38 O IDI combina um total de 11 indicadores, agrupados em três índices intermediários (ITU, 2014), dos quais

o Access Sub-index é o mais relevante para a presente discussão. Ele captura a disponibilidade e a viabilidade

da infraestrutura para as TIC, para o que o serviço de acesso é elemento fundamental.

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27

pa a posição 65 de um total de 166 países, ao passo que no subíndice de acesso está em 71º

lugar (ITU, 2014). Isso representa uma situação intermediária tanto no mundo como na

América Latina, onde o Brasil está atrás de países como Uruguai, Costa Rica, Chile e Ar-

gentina (ibid.).

Figura 2 – Evolução do número de conexões à internet no Brasil.

(milhões de acessos em domicílios e empresas; a linha representa a curva quadrática de tendência,

ajustada aos pontos por mínimos quadrados)

Fonte: elaboração do autor, com base em CETIC.br (2006-2014), IBGE (2014), ITU (2011) e Sepin

(2000).

A Figura 2 mostra o rápido crescimento no número de conexões à rede mundial

no Brasil, à medida que a internet tem se transformado em recurso indispensável para uma

parcela crescente dos brasileiros. A principal razão para esse incremento acelerado é a in-

clusão dos diversos serviços oferecidos pela internet à rotina quotidiana de indivíduos, fa-

mílias e organizações (COSTA; BIANCHINI, 2008).

Entretanto, o avanço das conexões é limitado pelo parque instalado de disposi-

tivos que se interconectam à internet. Isso fica claro na Figura 3. A grande maioria dos do-

micílios, escolas e empresas que contavam com computadores já dispunha de conexão em

2010. O crescimento aconteceu em conjunto com a base instalada desses equipamentos,

recentemente expandida pela popularização da tecnologia de acesso móvel sem fio. Além

dos smartphones – telefones que permitem a interface funcional com a internet –, uma nova

y = 96,296x2 - 403,47x + 1546,7R² = 0,9943

4

8

12

16

20

24

28

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geração de produtos, de eletrodomésticos a máquinas industriais, está surgindo preparada

para utilizar a rede em diversas situações, desde o comércio eletrônico até a manutenção à

distância, independentemente do comando das pessoas – a chamada “internet das coisas”.

Figura 3 – Unidades com computador ou conexão à internet.

(porcentual sobre o total de unidades por tipo, base out. 2010 e out. 2013)

Fonte: elaboração do autor, com base em CETIC.br (2012b, 2014a, 2014b).

Além da crescente demanda por novos usos e modalidades de conexão, o aces-

so individual à internet ainda segue com grande potencial de crescimento no Brasil. Como

indica a Figura 4, mais de 70% dos domicílios contavam com orçamento disponível39

para

gastos com acesso, enquanto apenas 43% deles estavam efetivamente conectados em 2013

(CETIC.BR, 2014a; IBGE, 2014). Isso permite estimar um incremento possível de pelo

menos mais 17 milhões de domicílios, somente nessa modalidade.

A realização do potencial de crescimento da penetração do serviço de acesso

depende, porém, da significativa redução dos preços, uma vez que o orçamento disponível,

para os domicílios localizados na base da demanda, é de apenas R$10,00 por mês, enquanto

o mínimo praticado em 2013 era de cerca de R$30,00 (CETIC.BR, 2014a). A relevância

dos preços, como principal barreira para a difusão do acesso à internet – e das TIC em geral

39 A forma mais comum de pagamento pelo serviço de acesso à internet é a cobrança de uma mensalidade

fixa, insensível à utilização do serviço. Entretanto, com a introdução da banda larga móvel, a cobrança por

volume predefinido de tráfego está se tornando mais popular.

0%

20%

40%

60%

80%

100%

2010 2013 2010 2013 2010 2013

Domicílios Escolas Empresas

Com computador

Com internet

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–, foi empiricamente determinada em outros estudos (por exemplo, ITU, 2014). Todavia, o

patamar de preço necessário para inclusão desses domicílios já foi atingido para um serviço

similar40

– a telefonia móvel –, que compartilha a rede com o acesso de banda larga móvel,

indicando sua viabilidade ao menos com a utilização das tecnologias sem fio.

Figura 4 – Distribuição acumulada do orçamento mensal médio dos usuários.

(distribuição acumulada média do orçamento mensal real dos usuários residenciais em reais para o

serviço de acesso, em porcentual do total de domicílios e reais, no período 2005-2012; a linha

representa a curva exponencial ajustada aos pontos por mínimos quadrados)

Fonte: elaboração do autor, com base em CETIC.br (2006-2013) e IBGE (2014).

Aparentemente, a dinâmica de crescimento do mercado de acesso à internet,

com seus múltiplos vetores, pode prover demanda para assegurar o aumento contínuo do

número de conexões, por um período ainda longo. Segundo a pesquisa anual sobre o uso

das tecnologias de informação e comunicação no Brasil, produzida pelo Centro de Estudos

sobre as TIC do CGI.br (2014a), estima-se que, nas condições atuais, existiria um potencial

para pelo menos 185 milhões de conexões, entre todas as modalidades. Isso representaria

um crescimento de mais de 380% sobre a base existente, de pouco menos de 38 milhões em

2013 (CETIC.BR, 2014a; IBGE, 2014; TELEBRASIL, 2014). Quando se compara com a

trajetória de um serviço correlato – a telefonia móvel – conclui-se que essa expectativa é,

40 Conforme relatórios financeiros das operadoras de telefonia móvel (Vivo, Claro, TIM e Oi).

y = 0,8568e-0,18x

R² = 0,994

0%

10%

20%

30%

40%

50%

60%

70%

80%

10 20 30 40 50 60 70 80 90 100 110 120 130 140 150 160 170 180 190 200

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em princípio, viável: essa expansão significaria atingir menos de 70% da penetração41

que

os celulares dispunham em 2013.42

1.4.2. Contexto da oferta

Uma das características da primeira geração da tecnologia de acesso era o seu

custo de implantação relativamente baixo – para os provedores – e a ampla possibilidade de

competição, por meio do compartilhamento da rede pública de telefonia existente (SI-

QUEIRA, 1997; NEWMAN, 1999). Isso possibilitou o surgimento de muitos provedores,

no Brasil e no exterior, durante os primeiros anos da internet como fenômeno de massas. A

entrada de grandes firmas provenientes da área de mídia (grupos Folha, Abril e RBS), a

partir de 1996, potencializou o rápido crescimento desse mercado no país. Esse desenvol-

vimento se deu, inicialmente, sem a participação relevante das empresas estatais de teleco-

municações – que compunham o sistema Telebrás – ou de suas sucedâneas, resultantes do

processo de privatização em 1998 (SIQUEIRA, 2000).

Figura 5 – Market share dos provedores de acesso à internet em 1998.

Fonte: elaboração do autor, com base em Yankee Group (1998).

A Figura 5 mostra a situação no ano de 1998. Apesar da deficiência das infor-

mações disponíveis sobre esse período, a evidência empírica é de que o nível de concorrên-

41 O termo “penetração” diz respeito à proporção da população com acesso ao serviço. Em geral, é calculada

como porcentual da população, mas em alguns casos pode se referir à proporção de domicílios ou organiza-

ções que dispõem de acesso para uso de seus membros. 42 Segundo a Anatel (2014a), existiam pouco mais de 270 milhões de conexões de telefonia móvel em dezem-

bro de 2013.

12%

11%

6%

2%

2%

1%

59%

UOLZazMandicBR HomeShoppingIBM/GSIAmchamOpen LinkOriginetUninetDialdataOutros

C4 = 0,31

HHI = 0,03

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31

cia do mercado de acesso era mais elevado – e a concentração muito mais reduzida – do

que no período subsequente. No entanto, essa conclusão necessita ser mais bem qualificada.

Até a privatização da Telebrás, em 1998, os serviços de telecomunicações eram

quase exclusivamente oferecidos pelas empresas estatais federais que compunham o siste-

ma.43

Ainda no período pré-privatização, o Ministério das Comunicações autorizou a ope-

ração privada dos provedores de acesso à internet (Portaria 148, de 31 de maio de 1995) e

restringiu a atuação direta da Telebrás, temendo a extensão do domínio da estatal para o

novo mercado (MINICOM, 1996). Imediatamente após a privatização44

, as incumbentes de

telefonia fixa iniciaram a entrada no segmento, a despeito da manutenção da Portaria 148.

Dadas as limitadas alternativas tecnológicas disponíveis na época, as incumbentes móveis

não se envolveram no processo nessa ocasião.

Apesar de, no primeiro momento, não participarem diretamente da oferta do

serviço de acesso, as operadoras de telecomunicações fixas forneciam a maior parte da in-

fraestrutura envolvida. Tanto a rede telefônica quanto o backbone45

da internet nacional já

pertenciam a essas empresas. Por isso, na prática, fração majoritária do valor adicionado

pelo serviço de acesso sempre foi capturada por elas, seja na forma de cobrança dos con-

sumidores pelas chamadas telefônicas para conexão com os provedores ou de pagamento

por estes do transporte de dados para a rede mundial.

Essa lógica, que obscurecia as fronteiras entre o provedor de acesso e as opera-

doras de telecomunicações, ficou ainda mais evidente em 2000, com o lançamento dos pro-

vedores “gratuitos”, nos quais o usuário não pagava mais o provedor de acesso. Com base

43 Nesse sistema, a Embratel fornecia os serviços internacionais e interestaduais e um conjunto de 27 empre-

sas estaduais oferecia os serviços locais e estaduais. Além das empresas do sistema Telebrás, controlado pelo

governo federal, existiam ainda três pequenas operadoras controladas por governos municipais e uma única

operadora privada, na região sul do estado de Minas Gerais. 44 Na privatização, a Telebrás foi reorganizada e consolidada em apenas quatro empresas de serviços fixos: a

Embratel e outras três concessionárias de telefonia fixa regionais: Telesp (futura Telefônica/Vivo) no estado

de São Paulo, Tele Norte Leste (depois, Telemar/Oi) nas regiões Norte e Leste e Tele Centro Sul (Brasil Tele-

com/Oi) nas regiões Centro-Oeste e Sul, além de dez empresas de telefonia móvel, separadas das concessio-

nárias fixas, e dez novas licenças para telefonia móvel, vendidas simultaneamente (MINICOM, 1996). Em

curto espaço de tempo, essas vinte empresas foram consolidadas em quatro grandes grupos (Vivo, Claro, Oi e TIM), três deles integrados às concessionárias incumbentes de telefonia fixa originais (TELECO, 2011). 45 Backbone é a infraestrutura de transporte de informação que compõe a parcela de nível hierárquico mais

elevado da internet, representando redes de elevada capacidade de transmissão de dados e grande cobertura

geográfica, que interconectam as redes menores e permitem a integração do sistema no nível nacional e inter-

nacional, de forma transparente para os usuários.

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32

nos valores das ligações locais – os “pulsos” – pagas pelos usuários, as telefônicas incum-

bentes passaram a remunerar diretamente os provedores, repassando uma parcela de suas

receitas.46

O novo modelo rapidamente tornou-se muito popular e permitiu, na prática, que

as operadoras de telecomunicações assumissem o controle do mercado de acesso à internet,

pois podiam “escolher” arbitrariamente os provedores que ofereciam o serviço “gratuito”

por meio de suas redes telefônicas.47

Como seria de esperar, os provedores associados às

operadoras prontamente dominaram a cena.

Apenas após a consolidação do mercado de acesso discado, em 2002, a banda

larga começou a ser oferecida em escala ampliada no país (TELEBRASIL, 2014). Nesse

momento, o domínio das incumbentes originárias do sistema Telebrás era evidente na tec-

nologia tradicional – o acesso discado – e, especialmente, na nova tecnologia – a banda

larga fixa. A restrição da competição na tecnologia tradicional, a partir de 2000, aparente-

mente reduziu a possibilidade de que algum provedor de acesso “independente” dispusesse

de condições, ou estímulo, para oferecer acesso banda larga, em escala significativa, antes

das incumbentes. Os provedores grandes, em sua maioria, haviam sido adquiridos pelas

operadoras de telefonia. Os demais, ou foram enfraquecidos pela concorrência com os pro-

vedores “gratuitos” das incumbentes ou dependiam de repasses financeiros destas para so-

breviver ou, simplesmente, desapareceram.

Esse processo de gradual concentração e redução do número de competidores

teve como consequência a peculiaridade do perfil dos ciclos de difusão das tecnologias de

conexão no Brasil, conforme a Figura 6. De acordo com os registros históricos, a difusão

das novas tecnologias de acesso à internet se verificou de modo gradualmente vez mais

acelerado nos países avançados. Como discutido anteriormente, cada uma das quatro prin-

cipais gerações tecnológicas levou, sucessivamente, menos tempo para se tornar disponível

para uma parcela relevante do universo de usuários. Entretanto, no Brasil, ocorreu o fenô-

meno inverso. Enquanto a primeira geração (acesso discado) foi disponibilizada simultane-

46 Esse modelo, de “taxa de interconexão invertida”, surgiu inicialmente na Inglaterra (CORROCHER, 2001). 47 As três operadoras de telefonia local, a partir de 2000, selecionaram inicialmente apenas um provedor “gra-

tuito” em todas as 3 redes, o iG. A partir da aquisição do iG pela Telemar, em março de 2001, a extinta Brasil

Telecom adquiriu seu próprio provedor, o iBest, seguida pela Telefônica, que inaugurou o iTelefônica.

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33

amente aqui e no exterior, a segunda (ADSL e cabo) chegou com dois anos de atraso e a

terceira (UMTS) e quarta (fibra e LTE) gerações, com cinco anos de retardo.

Figura 6 – Ciclos de difusão de novas tecnologias no exterior e no Brasil.

(período, em anos, entre a introdução da tecnologia de acesso e o início de sua massificação nos

países avançados e no Brasil)

Fonte: elaboração do autor, com base em FCC (2004), Possi (2006), Guizzo (2007), Zakon (2010) e

Wikipedia (2014).

Uma possível – e frequente – explicação para esse fenômeno supõe que, sem a

ameaça de concorrentes capazes de antecipar a introdução da banda larga (fixa e móvel), as

incumbentes puderam aguardar o momento mais propício para a modernização de suas re-

des.48

Isso possibilitou retardar a oferta massiva da banda larga (TELEBRASIL, 2014),

preservando a capacidade financeira das empresas para os intensos movimentos de fusões e

aquisições verificados no período (TELECO 2011). No caso da banda larga móvel, um fa-

tor adicional de retardo foi a demora da Anatel em oferecer o espectro de radiofrequência

necessário para a implantação da tecnologia UMTS/3G (1,9 / 2,1 GHz) e LTE/4G (2,5 GHz

48 “Em termos tipicamente schumpeterianos, o processo de introdução de inovações tecnológicas radicais no

sistema induz um conflito político e social entre os interesses dos monopolistas estabelecidos, que tentam usar seu poder institucional para influenciar o padrão das mudanças tecnológicas em seu favor, e os de uma nova

esfera de inovadores, que buscam expor o sistema à competição (SCHUMPETER, 1943, p. 87). A concorrên-

cia de novas tecnologias ameaça minar o poder das práticas monopolistas tradicionais que visam defender

posições estabelecidas, protegendo o capital fixo, ao retardar a introdução de novas tecnologias, e definindo

os preços para maximizar os lucros de curto prazo” (DAVIES, 1996, p. 1172).

0

1

2

3

4

5

6

7

8

9

1ª geração - acessodiscado

2ª geração - banda largafixa (ADSL/cabo)

3ª geração - banda largamóvel (UMTS)

4ª geração - banda largaalta velocidade (fibra/LTE)

ExteriorBrasil

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34

e 800 MHz).49

Apesar de a maioria dos países avançados ter realizado as licitações para a

cessão do espectro requerido ainda no fim dos anos 1990 (3G) e início dos 2000 (4G)

(FUNK, 2009), no Brasil esse processo aconteceu tão somente em 2007 (3G) (TELECO,

2011), quando 190 redes UMTS operavam em 45 países (GSMA, 2011), e em 2012 (4G)

(ANATEL, 2014a), em um momento no qual 91 redes LTE estavam em uso em 44 países

(WIKIPEDIA, 2014).

Um dos aspectos do atraso da introdução da tecnologia de banda larga móvel,

favorável para as operadoras incumbentes, foi a possibilidade de depreciação da geração de

rede móvel anterior (GSM/2G), que havia sido instalada a partir de 2001. Caso a entrada da

tecnologia UMTS/3G no Brasil tivesse se dado simultaneamente à dos países avançados,

em 2002-2004, as firmas incumbentes teriam arcado com custos adicionais substanciais.50

Dessa forma, a pressão competitiva, para a introdução de novas tecnologias no período, foi

bloqueada pelo processo regulatório estabelecido pela Anatel, que concedeu apenas uma

licença de rede móvel “nova” durante a década de 2000 (TELECO, 2011).51

Porém, como sugerem Ansari e Garud (2009), deve-se ressaltar que a implanta-

ção da banda larga móvel, além da questão da disponibilidade de radioespectro, encontrou

outros percalços. Desalinhamentos setoriais observados, mas não antecipados pelos agentes

que participavam do processo, sustentam essa conclusão: (i) restrições de financiamento

das operadoras, por causa da então recente crise das empresas “.com” e do elevado custo

das redes; (ii) demanda restrita dos usuários, associada com a demora na difusão de disposi-

tivos e serviços populares para o desfrute da internet com mobilidade; (iii) oposição de ana-

listas financeiros, acionistas e ambientalistas, preocupados com os riscos (tecnológicos,

49 A indisponibilidade de radioespectro para os entrantes é um dos fatores críticos de restrição da competição

no segmento de acesso móvel. Redes fixas, que não requerem licenças de radioespectro, têm custos iniciais

muito elevados, o que aumenta o risco e desestimula a entrada de novas operadoras. Redes sem fio, inclusive

as móveis, têm custos fixos iniciais muito menores e, por isso, costumam ser a opção tecnológica preferencial

dos entrantes, ao permitir o crescimento orgânico com risco relativamente reduzido (LEHR; CHAPIN, 2010). 50 Considerando a necessidade de depreciação acelerada das redes móveis de segunda geração, caso novas

licenças fossem disponibilizadas para operadoras entrantes, que disporiam da tecnologia de banda larga móvel

competitiva também com a tecnologia fixa (ADSL) empregada na época. Nesse cenário, as incumbentes pos-sivelmente se veriam obrigadas a substituir rapidamente as redes antigas, para manter sua competitividade. 51 O bloqueio foi reforçado, ainda, pela paralisação do processo para licenças para uma tecnologia de banda

larga móvel alternativa ao UMTS ou ao LTE, o WiMAX (utilizando espectro em 3,5 GHz ou 10,5 GHz). A

outorga de novas licenças permanece retido desde 2006, em virtude de processos judiciais movidos pelos

incumbentes e da pressão do Minicom (COMPUTERWORLD, 2006, 2011; TELETIME, 2006).

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35

financeiros e sanitários) inerentes à nova tecnologia; e (iv) evoluções incrementais da tec-

nologia antiga (GSM/2G), que ofereceram sobrevida às redes legadas, incorporando alguns

dos benefícios planejados para o UMTS/3G (ibid.). Bohlin, Gruber e Koutroumpis (2010)

encontraram relevante evidência empírica desse último fenômeno em 177 países. Portanto,

além da escassez do radioespectro, provavelmente os interesses específicos das incumben-

tes brasileiras obtiveram suporte na fragilidade das potenciais entrantes, no ambiente insti-

tucional desfavorável e no aparente desinteresse inicial dos usuários. Por outro ângulo,

aporta evidência da importância da difusão das novas tecnologias no lado da demanda e sua

influência em casos que são usualmente tratados apenas no contexto da oferta.

Figura 7 – Evolução do tipo de conexão principal no domicílio.

(participação por tipo de conexão nos domicílios da área urbana sobre domicílios com acesso)

Fonte: elaboração do autor, com base em CETIC.br (2006-2014).

A Figura 7 mostra as participações de cada geração tecnológica, considerando-

se a principal forma de acesso nos domicílios como unidade de análise. Resta clara a relati-

va estabilização nos últimos anos. Entretanto, quando se analisam os números absolutos52

em todas as modalidades de acesso, na Figura 8, é patente o maior potencial de crescimento

52 A contagem do número de acessos de banda larga móvel é problemática. Como as tecnologias empregadas

se prestam a diversas finalidades além do acesso à internet – como voz, transações bancárias, telemetria etc. –,

não é possível definir com precisão o número de acessos móveis efetivamente utilizados com esse propósito.

No que segue, convencionou-se considerar a quantidade total de acessos UMTS/3G como métrica, o que

certamente superestima o número real de acessos à internet.

0%

20%

40%

60%

80%

2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013

Banda larga fixa

Banda larga móvel

Acesso discado

Não sabe / não resp.

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36

da banda larga móvel, em particular na modalidade de acesso individual (fora da residên-

cia), seguido pela banda larga fixa, com o acesso discado relativamente estagnado.

Figura 8 – Quantidade de acessos à internet.

(milhões de acessos no fim de cada ano, apenas acessos de uso exclusivo para o serviço)

Fonte: elaboração do autor, com base em CETIC.br (2006-2014), Telebrasil (2014) e Anatel

(2014a).

Apesar dos retardos na implantação, já em 2011 a tecnologia de banda larga

móvel se tornou a primeira alternativa de acesso.53

A partir do início da oferta de serviços

UMTS/3G, os acessos móveis são os que crescem mais velozmente. A quantidade de aces-

sos discados, tecnologia mais antiga, segue em redução constante desde meados da década

de 2000, em função do caráter estrito de substituição entre banda estreita e banda larga. Já

entre banda larga fixa e móvel existe uma relação híbrida: enquanto são substitutas em cer-

tas situações, são complementares em outras54

(LEHR; CAPIN, 2010).

53 Uma questão institucional chave para o crescimento do acesso banda larga fixo é o regime de unbundling,

ou seja, a obrigação – ou não – e as condições impostas às operadoras incumbentes para compartilhar sua

infraestrutura física com as operadoras entrantes (CAMBINI; RONDI, 2012). A evidência empírica internaci-

onal indica que a existência de um regime eficaz de unbundling representa um importante estímulo para a

aceleração da penetração da banda larga (DISTASO; LUPI, MANENTI, 2006). Entretanto, um regime de unbundling atrativo para as entrantes não foi viabilizado pela Anatel no Brasil, o que se depreende da virtual

inexistência desse tipo de competição (intraplataforma) no país. Por isso, a discussão que se segue trata ape-

nas da competição interplataformas, na qual as entrantes são obrigadas a construir suas próprias redes físicas. 54 O caráter de substituição advém do fato de ambas serem plataformas de transporte de protocolo IP multis-

serviços e de alta capacidade. A complementaridade é proveniente da maior confiabilidade e capacidade da

5

10

15

20

25

30

35

40

45

2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013

Banda larga móvel

Banda larga fixa

Acesso discado

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37

1.4.3. Organização do mercado no período recente

Esta última seção está dividida em quatro partes. A primeira aborda rapidamen-

te a evidência empírica sobre a organização da demanda e a influência da rede social dos

consumidores nesse processo. Na segunda, são apresentados os dados sobre a divisão do

mercado entre os provedores e analisadas as questões ligadas à concentração. Na terceira,

são avaliados os dados disponíveis sobre os atributos definidores da qualidade do serviço

de acesso. A derradeira trata da informação sobre preços e margens dos serviços.

1.4.3.1. Organização da demanda e redes sociais

Segundo a Anatel (2014a), no fim de 2013 o Brasil contava com 63,3 milhões

de conexões à internet em banda larga, em suas diversas modalidades (22,2 milhões na fixa

e 41,1 milhões na móvel), além de cerca de 2,8 milhões de usuários de banda estreita (CE-

TIC.BR, 2014a). Em termos domiciliares, eram 27,6 milhões de domicílios com micro-

computador conectado, ou 42,4% do total (IBGE, 2014). Esse contingente de acessos su-

portava 85,9 milhões de usuários regulares, ou 51% da população maior que 10 anos (CE-

TIC.BR, 2014a).

Figura 9 – Proporção de usuários por atividade realizada na internet em 2013.

Fonte: elaboração do autor, com base em CETIC.br (2014a).

plataforma fixa, em comparação à mobilidade associada com restrição de banda (escassez de radioespectro)

da plataforma móvel (LEHR; CAPIN, 2010).

0%

20%

40%

60%

80%

100%

Comunicação Informação etransações

Multimídia Educação Downloads e criaçãode conteúdo

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38

É digna de nota que a principal atividade dos usuários é a comunicação entre si.

Em 2013, nada menos do que 77% dos usuários brasileiros utilizaram a internet para se

comunicar por meio das plataformas de redes sociais – como o Facebook – configurando-se

como a maior finalidade de uso (CETIC.BR, 2014a). A Figura 9 detalha essas atividades.

Figura 10 – Taxa de churn mensal de serviços móveis (voz e dados).

(média nacional, países selecionados, base segundo trimestre de 2013)

Fonte: análise do autor, com base em Merrill Lynch (2013).

Apesar da rápida difusão do acesso à internet no Brasil, são recorrentes as evi-

dências de insatisfação dos consumidores com os serviços, em especial no que diz respeito

à questão da qualidade, como será discutido na Seção 1.4.3.3. A Figura 10 apresenta uma

das consequências dessa insatisfação, o elevado churn. Nos serviços móveis brasileiros, a

0% 1% 2% 3% 4% 5% 6%

Japan

Switzerland

Australia

Sweden

Canada

Hon Kong

US

Germany

Belgium

France

Portugal

Turkey

Argentina

New Zealand

Korea

UK

Spain

Italy

Chile

Mexico

China

Nigeria

Colombia

Russia

Brazil

India

South Africa

Peru

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39

taxa de churn era de 3,8% no segundo trimestre de 2013,55

enquanto a taxa mundial, de

3,6% (MERRILL LYNCH, 2013).56

Isso significa que, em média, mais de 45% de todos os

usuários brasileiros trocam de provedor anualmente, número que tem crescido significati-

vamente nos últimos anos (MERRILL LYNCH, 2012). Por outro lado, em termos globais,

apenas 24% dos usuários estão satisfeitos com o provedor atual (NOKIA SIEMENS, 2013).

Figura 11 – Intenção de churn semestral dos clientes de banda larga fixa.

(no prazo de até 6 meses, porcentual dos respondentes conforme a velocidade contratada, em países

selecionados)

Fonte: Analysis Mason (2013).

Infelizmente, os dados relativos ao serviço de acesso fixo são mais escassos. A

informação disponível indica que as taxas de churn na modalidade fixa, apesar de inferiores

às da móvel, são também bastante elevadas, inclusive no Brasil (ANALYSIS MASON,

2013; FOLHA DE S. PAULO, 2013). Como referência, a Figura 11 apresenta outra pesqui-

sa (ANALYSIS MASON, 2013), envolvendo consumidores de acesso fixo, em seis paí-

55 Nesse caso, a taxa de churn mede a fração da base dos usuários do serviço de telefonia móvel (voz e dados)

que sai da base dos respectivos provedores a cada mês. Em termos gerais, o churning é o termo usual dado ao

movimento de “entrada” e “saída”, dos usuários de produtos/serviços de consumo recorrente, nos fornecedo-

res/provedores respectivos. 56 Média trimestral, considerando os 48 principais mercados nacionais do mundo.

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40

ses.57

Nela, verifica-se situação pouco melhor do que no serviço móvel: 14% dos respon-

dentes estavam avaliando trocar seu provedor atual de acesso fixo nos próximos seis meses,

contra 23% dos usuários de acesso móvel. Parece razoável supor que o cenário da banda

larga fixa doméstica, para o qual dados semelhantes não estão disponíveis, não seja distinto.

No que toca à forma de organização da demanda, e a despeito da falta de infor-

mação específica do caso em tela, é razoavelmente rica a literatura empírica que mostra a

influência das redes sociais58

nos processos decisórios dos consumidores de produtos sofis-

ticados (EARL; POTTS, 2004; MORONE; TAYLOR, 2010). Isso inclui situações que são

próximas ao mercado de acesso, como os serviços de telefonia móvel, de rede social online

e de mensagens instantâneas e o de telefones móveis (BIRKE; SWANN, 2006; DOYLE,

2007; YANG; HE; LEE, 2007; DASGUPTA et al., 2008; DIERKES; BICHLER;

KRISHNAN, 2011; MARTIN; LUEG, 2013).

Apesar de não terem sido identificados estudos aprofundados sobre o tema no

Brasil, a informação anedótica parece indicar que as circunstâncias culturais e institucionais

particulares do país podem reforçar a influência da rede social na decisão dos consumido-

res. Pesquisa da agência DraftFCB em cinco países mostrou que mais de 40% dos consu-

midores no Brasil, China ou Índia usualmente recebem influência da sua rede social durante

a decisão de aquisição de produtos, contra 29% nos Estados Unidos e apenas 15% na Ale-

manha (SCHELLER, 2012).

Dasgupta et al. (2008) e Dierkes et al. (2011) usaram volumosas bases de dados

de chamadas de telefonia móvel para identificar o papel das relações interpessoais em uma

rede social de grande escala. Eles mostraram que a fidelidade de um cliente com o provedor

de telefonia – e, portanto, o churn – foi fortemente dependente do comportamento e do nú-

mero de seus conhecidos. O segundo grupo de autores também detectou a significativa cor-

relação de compras cruzadas (cross-buy) entre os usuários interconectados na rede. As in-

fluências foram identificadas com o processo de difusão no interior da rede social, no qual

57 4.445 respondentes em amostras representativas das populações dos países. 58 Note-se que se trata aqui, e no que segue, de redes sociais na acepção geral do conceito (a organização das

relações entre indivíduos socializados) e não das plataformas eletrônicas – como o Facebook – que são usu-

almente denominadas pelo mesmo termo. Essas plataformas são um dos possíveis substratos sobre os quais as

redes sociais se configuram, certamente não o único.

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41

o peso das conexões (medido pela frequência e duração das chamadas entre os indivíduos)

foi decisivo para a dinâmica das decisões de churn e cross-buy. Usando um modelo de rede

de Markov, a influência da rede social explicou 19,5% do churn e 8,4% do cross-buy dos

consumidores (ibid.).

Resultados semelhantes foram encontrados no caso dos serviços de redes soci-

ais online59

(KARNSTEDT et al., 2010; KAWALE; PAL; SRIVASTAVA, 2009). Nesse

sentido, Doyle (2007) apresentou dados que indicam, para os Estados Unidos, que 76% dos

consumidores de determinados bens e serviços consultam os amigos antes de decidir sobre

a compra desses itens. Amigos foram a principal fonte de informação para a de tomada de

decisão, à frente de experiências anteriores com as empresas/marcas (68%), recomendações

da imprensa (22%), propaganda (15%) e sites na internet (8%).

Na mesma linha, Bhatt et al. (2010) estudaram a adoção de serviços (pagos)

dentro de grandes redes de mensagens instantâneas. Os autores encontraram um elevado

grau de correlação entre a adoção dos produtos e a proximidade social dos adotantes (cross-

buy). Surpreendentemente, houve pouca evidência de influência de indivíduos altamente

conectados (os nós de grau elevado) nos menos,60

mas, ao contrário, um forte indício de

que a “pressão dos pares” era uma força mais relevante para adoção. “Vizinhanças sociais

[na rede] ricas em adoções [...] contribuíram mais para novas adoções em comparação com

as vizinhanças que são pobres” (BHATT; CHAOJI; PAREKH, 2010, p. 1039).

Yang et al. (2007) apresentaram evidência sobre o efeito do grupo social na de-

cisão de aquisição de telefones celulares em dois países (EUA e China). No estudo, as pos-

síveis influências interpessoais foram avaliadas em diferentes níveis (informacional, utilitá-

rio e de valoração). Essas influências foram estatisticamente significativas em ambos os

países. Detectou-se, ainda, que entre os diversos níveis de influência, a do tipo informativo

teve o maior impacto na opção do consumidor. Apesar das diferenças culturais, os resulta-

dos foram bastante semelhantes entre os países, mesmo em grupos de referência distintos

(sexo, idade, profissão). Deve-se notar, no entanto, que a influência social não foi tão im-

59 Diferentemente do conceito mais amplo de rede social, aqui, rede social online significa tão somente um

tipo de serviço eletrônico de troca de informações oferecido por provedores de conteúdo (Facebook, Twiter

etc.), usualmente manejado pelos usuários de forma homóloga às suas redes sociais reais. 60 Como é geralmente sugerido pela literatura sobre redes sociais (ex. JACKSON, 2010).

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42

portante quanto o preço/custo ou o design/tecnologia na determinação de compra, indican-

do a concorrência dos mecanismos individuais clássicos e dos sociais.

A questão da interação entre o processo de influência das redes sociais e a aná-

lise preço-qualidade convencional é complexa, conforme aponta a maioria dos trabalhos

empíricos. Aparentemente, na decisão de aquisição de bens e serviços inovadores, ou com

alto grau de incerteza sobre os atributos de qualidade e utilidade, em diversas situações a

influência da rede social pode ser decisiva. Mas, como lembra um experiente profissional

de pesquisas de mercado, sem ignorar que “[d]epois que a pessoa adquire conhecimento [do

bem ou serviço], o custo-benefício passa a ser determinante” (SCHELLER, 2012).

1.4.3.2. Organização da oferta e concentração

A infraestrutura da internet no Brasil está concentrada em quatro backbones

principais. Três deles pertencem às operadoras de telecomunicações incumbentes – Embra-

tel, Oi e Vivo – originadas da privatização do sistema Telebrás. O quarto é composto pela

Rede Nacional para o Ensino e Pesquisa (RNP), mantida por entidades majoritariamente

públicas – federais e estaduais. Os quatro têm cobertura nacional e múltiplas conexões com

os maiores backbones internacionais. Eles fornecem conexão tanto diretamente – para indi-

víduos e organizações – quanto para provedores de acesso pequenos e médios.

Figura 12 – Divisão do mercado de acesso banda larga fixa à internet.

(base ago. 2014)

Fonte: elaboração do autor, com base em Anatel (2014c).

91%

3%

6%

Provedores grandes(> 1 milhão usuários)

Provedores médios(entre 50 mil e 1 milhão usuários)

Provedores pequenos(< 50 mil usuários)

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43

O mercado de acesso à internet no Brasil contava com 2.176 provedores em

agosto de 2014 (Anatel, 2014c). Entre os provedores de banda larga fixa, os quatro princi-

pais detinham 91% desse mercado (ibid.), conforme a Figura 12. Na banda larga móvel, os

quatro maiores controlavam 99% (ibid.). Se forem considerados somente os acessos banda

larga fixa e móvel (as tecnologias dominantes),61

os cinco grandes grupos do setor62

con-

centravam 95% do mercado em 2014 (ibid.).

Apesar do significativo número de pequenos e médios provedores de acesso no

mercado brasileiro, apenas um provedor entrante, a empresa GVT, logrou obter participa-

ção nacional superior63

a 1% no período recente (ANATEL, 2014c; TELEBRASIL, 2014).

Quando se analisa a banda larga fixa, identificam-se somente 44 firmas entrantes com pelo

menos 1% de market share em seus respectivos mercados estaduais em 2014 (ANATEL,

2014c). Esses 44 provedores regionais possuíam market share médio de apenas 4% nos

seus estados e, em conjunto, representavam tão somente 1,5% do total das conexões de

banda larga fixa no Brasil (ibid.). No segmento móvel, o cenário é ainda mais extremo. Das

duas únicas entrantes nos últimos quinze anos, a Aeiou/Unicom deixou o mercado após

poucos meses de operação e a Nextel detinha share inferior a 1% em julho de 2014.

Quando se avalia a evolução da concentração da oferta no mercado de acesso

desde 2003, segundo a Figura 13, verifica-se uma lenta mas constante redução na banda

larga fixa. Entretanto, parte dessa diminuição é compensada pelo crescimento da participa-

ção da banda larga móvel, que apresenta concentração maior. Isso manteve estável o nível

médio ponderado do índice de Herfindahl-Hirschman64

(HHI), considerando esses dois

segmentos do mercado, em torno de 0,25 entre 2009 e 2013 (ANATEL, 2014c; TELE-

BRASIL, 2014). Esse patamar, a partir da diretriz convencional do Departamento de Justiça

dos Estados Unidos (2010), classificaria o mercado como “concentrado”, mas não como

61 Em virtude da indisponibilidade de dados com o mesmo nível de desagregação para as três principais famí-

lias tecnológicas de acesso – discado (banda estreita), banda larga fixa e banda larga móvel – o maior deta-

lhamento será fornecido apenas para as tecnologias de banda larga. Isso não reduz a relevância dos resultados,

dado que a tecnologia de acesso discado está em franco declínio e representa parcela pouco relevante. 62 Vivo, Embratel/Net/Claro, Oi, TIM e GVT. 63 13% de participação no acesso fixo e 1,8% no total (ANATEL, 2014c). 64 O índice de Herfindahl-Hirschman (HHI) é calculado pela soma dos quadrados do market share – ou parti-

cipações de mercado – de cada firma em um mercado específico. É a principal medida de concentração de

mercado avaliada pela Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel).

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44

“altamente concentrado”. Porém, a medida de concentração pelo índice de participação das

quatro maiores firmas (C4),65

referência usual dos órgãos antitruste brasileiros, fornece o

valor médio de 0,93 estabilizado entre 2009 e 2013, bastante acima do limite (0,75) aponta-

do como “indício de concentração” (SEAE; SDE, 2001). Isso sugere, ainda, que a ligeira

redução do HHI, apontada pela Figura 13, se deu principalmente por meio da redistribuição

do market share entre os quatro provedores grandes, e não do aumento da participação dos

entrantes – com a exceção da GVT na banda larga fixa.

Figura 13 – Evolução do HHI e do C4 em âmbito nacional.

(resultados dos índices de Herfindahl-Hirschman e de concentração das quatro maiores firmas nos

segmentos de banda larga fixa e móvel)

Fonte: elaboração do autor, com base em Telebrasil (2014).

Note-se que os resultados mostrados na Figura 12 e na Figura 13 são nacionais,

ou seja, avaliam a competição entre todos os provedores existentes, a partir de uma base

que inclui todos os consumidores de acesso brasileiros. No entanto, a concorrência entre

essas firmas não se dá, simultaneamente, em todo o território nacional. 99% dos provedores

pequenos e médios tem abrangência local ou estadual (CETIC.BR, 2012b), enquanto ape-

nas um dos incumbentes não tem cobertura nacional (ANATEL, 2014c). Logo, a questão da

65 O índice de concentração das quatro maiores firmas (C4) é calculado pela soma da participação das quatro

firmas com maior market share em um mercado. É a medida de concentração mais frequentemente utilizada

pelas agências que compõem o sistema antitruste brasileiro: Conselho Administrativo de Defesa Econômica

(Cade), Secretaria de Acompanhamento Econômico (SEAE) e Secretaria de Direito Econômico (SDE).

0,00

0,10

0,20

0,30

0,40

0,50

0,60

0,70

0,80

0,90

1,00

2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013

C4 banda larga móvel

C4 banda larga fixa

HHI banda larga móvel

HHI banda larga fixa

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45

geografia parece ser crucial para a análise da competição entre os provedores de acesso à

internet. A avaliação considerando apenas a agregação nacional pode ser enganosa (IPEA,

2010).

Figura 14 – Market share do maior provedor de acesso, por estado.

(maior participação nos mercados estaduais de banda larga fixa (índice C1), base ago. 2014; a linha

tracejada indica a média nacional ponderada)

Fonte: elaboração do autor, com base em Anatel (2014c).

Tome-se o exemplo da banda larga fixa, que representava 66% dos acessos nos

domicílios em 2013 (CETIC.BR, 2014a). Nesse segmento, a competição nacional é bastan-

te limitada, como já demonstrado (C4 = 0,91 e HHI = 0,23, em agosto de 2014). Uma apre-

ciação superficial poderia indicar uma concorrência intensa entre esses grandes provedores,

mas, quando se analisa a informação no nível dos estados, chega-se à conclusão de que

somente um provedor – sempre o incumbente originado na privatização (Oi ou Vivo) – tem

sozinho, em média ponderada, 47% de participação nos mercados respectivos (ANATEL,

2014c). A Figura 14 retrata o cenário da banda larga fixa nos estados. Em 55% das unida-

des da federação, o incumbente concentra market share superior a 50%. Na média estadual,

ponderada pelo número de acessos, o C4 atinge 0,94 e o HHI passa para 0,37 (ibid.).

Nos mercados estaduais de banda larga móvel o panorama também é de con-

centração elevada, ainda que de forma menos marcante. O mercado nacional apresentava

C4 igual a 0,99 e HHI 0,26 em julho de 2014 (ANATEL, 2014c). Mas, desagregando-se os

0%

20%

40%

60%

80%

100%

AC AL AM AP BA CE DF ES GO MA MG MS MT PA PB PE PI PR RJ RN RO RR RS SC SE SP TO

Média

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46

dados no âmbito estadual, o C4 médio ponderado mantém-se em 0,99, mas o HHI sobe para

0,31 (ibid.). Isso se deve à divisão menos equânime do mercado de cada estado, que se-

guem partilhados entre as quatro incumbentes que detêm licenças para operação nacional.66

Figura 15 – HHI do mercado de acesso banda larga, por estado.

(base ago. 2014 (fixa) e jul. 2014 (móvel))

Fonte: elaboração do autor, com base em Anatel (2014c).

Em resumo, segundo qualquer critério, tanto o mercado de banda larga nacional

como os regionais são bastante concentrados. A Figura 15 e a Figura 16 mostram os índices

HHI e C4 para cada estado brasileiro nas duas famílias tecnológicas dominantes. O HHI

estadual para a banda larga fixa reflete a concentração do mercado com o incumbente histó-

rico. Para a banda larga móvel, todavia, os valores substancialmente inferiores do HHI in-

dicam a maior distribuição dos usuários entre os quatro provedores incumbentes. Contudo,

o índice C4, na Figura 16, apresenta a limitada extensão dessa competição. Em apenas qua-

tro estados (Goiás, Minas Gerais, Rio de Janeiro e São Paulo), existem competidores rele-

vantes fora do grupo dessas quatro firmas (C4 < 1).

É pertinente ressaltar que a Figura 13, a Figura 15 e a Figura 16 segmentam o

mercado de acesso pelo tipo da tecnologia empregada (à exceção do acesso discado, em

virtude da indisponibilidade de dados). À primeira vista, essa divisão poderia parecer arbi-

66 De forma distinta do subsegmento de banda larga fixa, que possui entrada livre, a oferta de serviços móveis

requer licença específica da Anatel. Existem limitações tanto no número de licenças outorgadas, através de

complexos processos licitatórios, como no escopo geográfico de abrangência de cada licença.

0,00

0,20

0,40

0,60

0,80

1,00

AC AL AM AP BA CE DF ES GO MA MG MS MT PA PB PE PI PR RJ RN RO RR RS SC SE SP TO

Banda larga fixa Banda larga móvel

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47

trária. Afinal, as diferentes modalidades serviços de acesso baseados nessas tecnologias

são, em boa medida, substitutas entre si, cabendo, portanto, a análise conjunta de seu mer-

cado. Esse não foi o caminho adotado, para efeitos de quantificação dos resultados, por dois

motivos. Primeiro, por causa da insuficiência dos critérios aplicados pela Anatel67

para

classificar as conexões de banda larga conforme a plataforma tecnológica, o que torna ina-

propriada a combinação dos dados disponíveis para as duas categorias. Segundo, por conta

da participação dos três grupos empresariais (Claro/Net/Embratel, Vivo e Oi) em parcelas

majoritárias tanto nas plataformas fixas (76%) quanto nas móveis (75%), indicando que,

para eles, as estratégias entre plataformas são, essencialmente, complementares, e não de

substituição. Além disso, com praticamente os mesmos grupos atuando nas duas platafor-

mas, os indicadores de concentração, para o mercado consolidado, não seriam qualitativa-

mente diferentes dos descritos.

Figura 16 – Índice C4 do mercado de acesso banda larga, por estado.

(base ago. 2014 (fixa) e jul. 2014 (móvel))

Fonte: elaboração do autor, com base em Anatel (2014c).

Outra questão importante é a avaliação do potencial negativo, sobre a concor-

rência, do cruzamento do controle societário entre plataformas, quando três grupos contro-

67 A Anatel não distingue o tipo de uso dos terminais de rede que fornecem acesso em banda larga. Ela conta-

biliza, na mesma rubrica, modems e smartphones, para acesso à internet, em conjunto com outros equipamen-

tos e telefones, sem acesso. Entretanto, adotou-se a premissa simplificadora usual de que a distribuição de

tipos de terminais entre os provedores é semelhante, o que permite a aproximação das estatísticas utilizadas.

0,80

0,85

0,90

0,95

1,00

AC AL AM AP BA CE DF ES GO MA MG MS MT PA PB PE PI PR RJ RN RO RR RS SC SE SP TO

Banda larga fixa Banda larga móvel

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48

lam mais de 75% do mercado total em todas elas. Em princípio, a propriedade de múltiplas

plataformas por um controlador comum inibiria o desenvolvimento da concorrência, ao

reduzir as alternativas de diferenciação para os entrantes. Como indicam estudos empíricos

realizados em diversos países – ver, por exemplo, Pereira e Ribeiro (2011) –, a restrição da

competição entre as plataformas tecnológicas costuma ser negativa para os usuários, resul-

tando em preços maiores ou menor penetração do serviço.

1.4.3.3. Qualidade

A medição da qualidade do acesso à internet é um tema complexo, tanto quando

analisado a partir da perspectiva do usuário como da do provedor.68

A informação empírica,

materializada nas elevadas taxas de churn, parece indicar que os consumidores estão, em

geral, insatisfeitos com o serviço, no Brasil e na maioria dos países, como discutido na Se-

ção 1.4.3.1. Pesquisas apontam para um conjunto de motivos para essa insatisfação, entre

eles, justamente a qualidade é um dos mais regularmente citados.

Estudo da empresa Nokia Siemens (2013) em países desenvolvidos e emergen-

tes, incluindo o Brasil,69

identificou que, entre os usuários de serviços móveis, o principal

motivo para o churning era a qualidade, ligeiramente à frente do custo. Revelou ainda que,

à medida que os consumidores utilizam o serviço de acesso ao longo de um período maior,

mais relevante é o peso da qualidade na decisão de escolha (ou de abandono) do provedor.

Por outro lado, os resultados indicaram que a maioria dos usuários está relativamente satis-

feita com a qualidade da cobertura e da telefonia (voz), colocando em evidência a impor-

tância do acesso à internet no relacionamento entre consumidores e provedores.

Em outra pesquisa, da consultoria Analysis Mason (2013), já parcialmente mos-

trada na Figura 11, a maior razão para a insatisfação dos consumidores era a qualidade,

tanto no caso do acesso fixo como no do móvel. Em particular, a taxa de transmissão de

dados (“velocidade”) inadequada era o maior problema dos usuários do acesso fixo.

Na mesma linha, outra publicação, da consultoria Ovum (2014), confirmou que

a qualidade da banda larga também é o principal quesito na avaliação dos provedores de

68 Maiores detalhes sobre as dimensões técnicas dessa questão estão disponíveis no Apêndice A. 69 Com 8.700 entrevistados em: Dinamarca, Coreia do Sul, Japão, Reino Unido, Estados Unidos, Brasil, Co-

lômbia, Rússia (Moscou) e Índia.

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49

serviços móveis.70

37% dos respondentes afirmaram que já mudaram ou planejam mudar de

provedor, especificamente devido à baixa velocidade do acesso à internet. Do total de usuá-

rios entrevistados, 23% declararam que iriam trocar de provedor, por qualquer razão, en-

quanto 25% informaram que estavam considerando essa mudança (ibid.).

Um quarto trabalho, realizado pela consultoria CVA Solutions com mais de seis

mil pessoas no Brasil (FOLHA DE S. PAULO, 2013), indicou que 73% dos usuários de

banda larga fixa e 69% dos da móvel pretendiam trocar de provedor. Os serviços de acesso

móvel e fixo obtiveram o primeiro e o segundo piores resultados, respectivamente, entre 38

setores avaliados (bens e serviços para consumidores finais).

Figura 17 – Velocidade média efetiva de conexão à internet.

(em megabits por segundo, escala logarítmica, países selecionados)

Fonte: elaboração do autor, com base em Akamai (2014).

O churning não é o único indicador que auxilia na ponderação da qualidade do

serviço de acesso. Em termos internacionais, pesquisa de UNCTAD (2013) mostrou que o

Brasil está dentro do grupo intermediário de países, no que diz respeito à qualidade geral do

serviço de acesso, junto com outros 60 países.71

Nessa classificação, o país é um daqueles

70 Envolvendo 15.000 consumidores e 2.700 empresas nos 15 maiores mercados de telecomunicações móveis,

inclusive o Brasil. 71 O primeiro grupo – com os melhores serviços – é composto por 43 países, em geral os afiliados à OCDE.

0,5

5,0

50,0

Coreia do Sul

Japão

Estados Unidos

Reino Unido

Portugal

França

Chile

México

Argentina

China

Brasil

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50

que atende apenas aos requisitos mínimos de qualidade necessários para a adequada fruição

dos serviços básicos proporcionados pelas TIC.

A Figura 17 mostra a posição do país na medição periódica realizada pela em-

presa Akamai (2014), sobre as velocidades médias de acesso efetivas72

em países selecio-

nados durante sete anos. Do grupo de países analisados, o Brasil sistematicamente esteve

entre aqueles com as conexões de menor velocidade média (1,7 Mbps), apesar da taxa de

melhoria no período (239%) ter sido ligeiramente superior à média dos países considerados

(217%). Entretanto, se comparado com a média dos demais países emergentes (290%), o

Brasil divide com a Argentina a última colocação na melhora.

Figura 18 – Indicadores selecionados da qualidade de conexão à internet.

(valores relativos à média mundial de cada indicador no ano de 2010 (mundo em 2010 = 100),

médias de 12 meses dos períodos terminados em dez. 2010 e ago. 2014)

Fonte: elaboração do autor, com base em Ookla (2014).

No ranking da empresa Ookla (2014),73

em setembro de 2014 a banda larga fixa

no Brasil ocupava a 69ª posição entre 192 países e a banda larga móvel, a 74ª entre 116

(posições menores indicam maior qualidade). Essa companhia, dona da principal platafor-

72 Velocidades reais de acesso à internet, independentemente dos valores contratados. Como discutido no

Apêndice A, a velocidade de acesso é usualmente o parâmetro de qualidade mais importante do serviço de

acesso. Mas não é o único ou, tampouco, o mais adequado para diversas aplicações. 73 Ookla Net Index para downloads. Os demais índices dessa plataforma tiveram desempenho semelhante.

0

50

100

150

200

250

2010 2014* 2010 2014* 2010 2014* 2010 2014*

Velocidade Latência Jitter Perda de pacotes

Mundo(2010 = 100)

Brasil

América Latina(exceto Brasil)

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51

ma para medição da qualidade da internet no mundo, é a única que disponibiliza microda-

dos que permitem o exame mais aprofundado da situação brasileira.74

A Figura 18 mostra

uma síntese dos resultados dos indicadores de qualidade, em dois períodos.

As métricas de qualidade mostradas na Figura 18 são algumas das mais usuais

(em ordem de relevância): velocidade (de download), latência, jitter e perda de pacotes75

.

Para o primeiro indicador, números maiores indicam maior qualidade. Para os demais, va-

lores menores são preferíveis. Como se depreende, o quesito no qual os provedores brasilei-

ros mais se distanciam da média é a velocidade, o mais importante na avaliação dos consu-

midores (BEREC, 2014; OVUM, 2014). Além disso, no período em que os dados estão

disponíveis, não se verifica tendência de redução dessa distância. Não obstante, a qualidade

dos serviços oferecidos no Brasil está em linha com o restante da América Latina, a despei-

to da latência um pouco mais elevada (pior) e da menor perda de pacotes (melhor).

Somente no período mais recente os organismos responsáveis pela regulação do

serviço de acesso, no Brasil e no mundo, passaram a acompanhar de modo sistemático a

problemática da qualidade e a divulgar (alguns) dados para os usuários. Isso, além de limi-

tar a disponibilidade de séries para a apreciação de períodos longos, exemplifica a escassez

de informações objetivas que os consumidores contam para poder fazer suas escolhas. No

Brasil, a Anatel implantou seu sistema de medição da qualidade do serviço no fim de 2012

(ANATEL, 2014a), sendo que os primeiros relatórios consistentes foram apresentados no

segundo semestre de 2013 (ANATEL, 2014b).

A Figura 19 apresenta a comparação recente da qualidade dos principais prove-

dores, realizada pela Anatel (2014),76

para os indicadores que medem a proporção entre a

velocidade efetivamente disponibilizada e a contratada pelos usuários, tanto no caso da

banda larga fixa (índice SCM5) como no da móvel (índice SMP11). Apesar do período

74 Estão disponíveis dados relativos a mais de 84 bilhões de testes realizados em todo o mundo no período

entre janeiro de 2008 e setembro de 2014, dos quais cerca de 2,6 bilhões no Brasil (OOKLA, 2014). 75 Grosso modo, a velocidade representa a taxa com que as informações são transferidas em relação ao tempo;

a latência mede o retardo na transmissão das informações; o jitter avalia a variação desse retardo ao longo do

tempo; e a perda de pacotes indica a fração das informações que são perdidas durante a sua transmissão. 76 As medições são realizadas por organização independente (a Entidade Aferidora da Qualidade da Banda

Larga), operando com critérios definidos pela Anatel, e são a primeira tentativa de aferição rigorosa da quali-

dade dos serviços oferecidos pelos provedores de acesso no Brasil. Além do estabelecimento de regras claras

para a medição de diversos parâmetros de qualidade, a Anatel definiu patamares mínimos – e crescentes no

tempo – que devem ser observados pelos provedores, sob pena de multa em caso de descumprimento.

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52

relativamente curto, os dados apontam para um quadro de estabilidade da qualidade dos

maiores provedores de banda larga fixa, com os incumbentes históricos de telefonia (Oi e

Vivo) operando com níveis de qualidade sistematicamente inferiores aos demais. Por outro

lado, o único entrante “autêntico” nesse mercado (GVT), opera com um dos mais elevados

patamares de qualidade, frequentemente oferecendo padrões acima daqueles contratados

pelos consumidores.

Figura 19 – Evolução da qualidade dos principais provedores de banda larga.

(índices de qualidade SCM5 (fixo) e SMP11 (móvel) medidos pela Anatel, representando a

proporção média da velocidade de download contratada e aquela efetivamente disponibilizada)

Fonte: elaboração do autor, com base em Anatel (2014b).

Na banda larga móvel, o quadro é de convergência do indicador de disponibili-

dade da velocidade contratada, com os piores provedores (TIM e Oi) gradualmente melho-

rando, enquanto os melhores (Vivo e Claro) apresentam desempenho relativamente estável.

A qualidade dos serviços móveis, no entanto, segue em geral inferior à dos fixos, tanto nos

indicadores mostrados (SCM5 e SMP11) como nos demais índices acompanhados mensal-

mente pela Anatel (2014b).

Os indicadores de qualidade da Anatel acompanham a distância que os princi-

pais parâmetros de qualidade do serviço de acesso à internet estão de certas metas preesta-

belecidas – como os compromissos contratuais assumidos com os consumidores. Represen-

tam, portanto, valores relativos da qualidade oferecida. A Figura 20, por sua vez, mostra a

mais importante variável de qualidade absoluta, a velocidade de download disponibilizada

pelos maiores provedores. Como se depreende do gráfico, existe uma razoável dispersão da

velocidade média oferecida, sem que exista correlação entre esses resultados e as participa-

80%

90%

100%

Banda larga fixa

Net

GVT

Outras

Vivo

Oi

60%

70%

80%

90%

100%Banda larga móvel

Vivo

Claro

Outras

Oi

TIM

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53

ções de mercado.77

Também não se identifica uma estratégia única dos entrantes: dentro

desse grupo encontram-se muitas empresas ofertando, alternativamente, tanto velocidades

médias muito altas como muito baixas, em relação aos incumbentes (OOKLA, 2014).

Figura 20 – Velocidade média oferecida pelos principais provedores.

(em megabits por segundo para download, escala logarítmica)

Fonte: elaboração do autor, com base em Ookla (2014).

1.4.3.4. Preços e margens

Considerando o elevado nível de concentração do serviço de acesso à internet,

como discutido na Seção 1.4.3.2, cabe agora avaliar se os provedores dominantes exercem

de fato o poder de mercado de que aparentemente dispõem. Um dos principais reflexos do

exercício desse poder, apontado pela literatura antitruste, costuma se dar nos preços (VIS-

CUSI; HARRINGTON; VERNON, 2005; IPEA, 2010). À primeira vista, conforme indica

a Figura 21, não se identificam, inequivocamente, efeitos nos preços do domínio exercido

pelos grandes grupos. Os dados históricos indicam uma redução real nos preços médios

praticados nos domicílios de 11% ao ano, entre 2004 e 2013, de forma bastante consistente

(CISCO, 2013; CETIC.BR, 2006-2014; IBGE, 2014). Essa queda seria, ainda, superior à

77 A análise econométrica entre as participações de mercado (variável dependente) e as diversas medidas de

qualidade dos provedores (variáveis independentes) rejeitou a hipótese de correlação – em nível ou em pri-

meira diferença – mesmo com significância de 10%. Infelizmente não foi possível utilizar os preços na análi-

se, em função da indisponibilidade das séries de preços médios praticados por cada provedor.

0,5

5,0

50,0

2008 2009 2010 2011 2012 2013 2014

TIM

Vivo

GVT

Claro/Net/Embratel

Outras

Oi

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54

verificada em mercados como o norte-americano, que teve diminuição real de preços da

banda larga de cerca 5% ao ano, no período 2004-200978

(GREENSTEIN; MCDEVITT,

2011).

Figura 21 – Evolução do preço médio do acesso nos domicílios.

(preço médio líquido mensal real em reais, base out. 2013)

Fonte: elaboração do autor, com base em Cisco (2013), CETIC.br (2006-2014) e IBGE (2014).

Entretanto, diversas análises mostram que os preços do serviço de acesso à in-

ternet no Brasil estão entre os mais elevados do mundo (IPEA, 2010). A Figura 22 apresen-

ta os preços, entre os países de renda mais elevada, para banda larga fixa nos grandes cen-

tros, em setembro de 2012. Em relação ao preço mínimo do megabit por segundo (Mbps),

os valores praticados no Brasil eram cerca de 120% superiores à média da OCDE (2013).

Outra pesquisa, da ITU (2014), coloca o Brasil na posição 46 (de 165) entre os

países com menores custos para a banda larga fixa.79

Esse resultado deixa o país atrás de

todas as nações avançadas e mesmo de muitos países em desenvolvimento. O mesmo estu-

do, em uma comparação de preços da banda larga móvel entre 144 países (desenvolvidos e

em desenvolvimento), revelou que os preços brasileiros estão ainda pior colocados, ocu-

78 Entretanto, é prática comum o aumento da banda disponibilizada para os consumidores nos EUA, sem

alteração nos preços ou necessidade de alteração contratual, situação menos frequente no Brasil. 79 O ITU compara o preço entre os diferentes países como um percentual da renda nacional bruta mensal per

capita, considerando o preço médio do serviço de mais comum em 2013, que era de 1 Mbps (ITU, 2014).

0

20

40

60

80

100

120

2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013

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55

pando o 102º lugar para o serviço pós-pago, acima de praticamente todos os países da Amé-

rica Latina, e o 53º para o pré-pago (ibid.).80

Esse cenário não é recente, desde 2010 a

UNCTAD (2010) já apontava a banda larga móvel brasileira como uma das mais caras do

mundo, dessa vez entre 78 países.

Figura 22 – Faixas de preços unitários do acesso banda larga fixa.

(preços brutos mensais em dólares PPP, mínimos e máximos, por megabyte por segundo, ofertados

pelos principais provedores em países selecionados, escala logarítmica, base set. 2012)

Fonte: elaboração do autor, com base em OCDE (2013).

Os elevados preços praticados no Brasil poderiam estar relacionados com uma

oferta de qualidade superior, no caso da internet associada principalmente à velocidade de

acesso mais elevada. No entanto, como discutido na seção anterior, as velocidades oferta-

das pelos países da OCDE na banda larga fixa em setembro de 2012, para preços mínimos

em média 55% menores, eram mais de duas vezes maiores do que aquelas oferecidas no

Brasil (AKAMAI, 2014; OOKLA, 2014). Enquanto no Brasil a média das ofertas era de 36

80 Para um pacote de 500 megabytes por mês para o pós-pago e 600 megabytes por mês para o pré-pago.

1,69

1,25

1,12

1,14

0,96

0,77

0,74

0,65

0,64

0,61

0,59

0,56

0,53

0,52

0,47

0,46

0,46

0,45

0,42

0,40

0,40

0,39

0,39

0,36

0,35

0,35

0,34

0,30

0,27

0,23

0,22

0,22

0,11

0,08

0,04

58,98

16,72

48,98

29,60

19,28

11,78

38,16

130,20

6,93

47,17

28,93

5,05

41,70

10,56

58,06

6,27

18,02

127,12

6,75

23,25

12,35

2,12

9,86

1,79

18,10

25,94

6,81

26,67

13,35

5,10

2,07

15,99

18,63

4,52

21,34

0,0 0,1 1,0 10,0 100,0 1000,0

Mexico

Greece

Turkey

Brazil

Chile

Israel

Spain

New Zealand

Italy

Ireland

Belgium

Austria

United States

Luxembourg

Switzerland

Portugal

Norway

Poland

Iceland

Germany

Czech Republic

United Kingdom

Canada

Denmark

Slovak Republic

Slovenia

Australia

Hungary

Estonia

France

Korea

Finland

Sweden

Netherlands

Japan

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56

Mbps, a média da OCDE era de 45 Mbps (OCDE, 2013). Deve ser ressaltado que a veloci-

dade média contratada, de cerca de 5 Mbps (CISCO, 2013),81

era muito inferior ao valor

médio ofertado no Brasil.

Outra possível explicação para os preços médios elevados seria a substancial di-

ferenciação entre a qualidade dos diversos fornecedores, que deslocaria o processo compe-

titivo do foco em preço (produtos homogêneos) para outro baseado em atributos específicos

(qualidade, marketing, disponibilidade etc.). Porém, a avaliação da seção anterior mostrou

que essa não é a situação geral do mercado brasileiro. Como se depreende da leitura da Fi-

gura 19, a diferenciação do principal indicador de qualidade é bastante modesta e variável

ao longo do tempo, assim como dos demais índices acompanhados pela Anatel (2014b).

Parece, portanto, discutível que as diversas ofertas de serviço de acesso sejam claramente

distinguíveis pelos usuários, pelo menos se utilizando quesitos objetivos de qualidade.

Figura 23 – Evolução dos preços, da cobertura potencial e da cobertura real.

(redução porcentual nos valores do ano anterior do preço médio líquido real do serviço de acesso

nos domicílios, do aumento da cobertura potencial dos domicílios a partir do preço médio praticado

e do aumento da cobertura real dos domicílios atendidos pelo serviço de acesso)

Fonte: elaboração do autor, com base em Cisco (2013), CETIC.br (2006-2014) e IBGE (2014).

81 A mediana das velocidades contratadas era de apenas 1 Mbps (CISCO, 2013; ITU, 2014).

-20%

0%

20%

40%

60%

80%

100%

2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013

Redução preço

Aumento cobertura potencial

Aumento cobertura real

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Por isso, a consideração isolada do binário preço-qualidade aparenta ser inapro-

priada para a determinação da competitividade no mercado de acesso. Um dos motivos para

esse cenário, pelo lado dos preços, é o fato das firmas encontrarem uma curva de demanda

razoavelmente elástica. Por causa da significativa restrição orçamentária da maioria dos

domicílios brasileiros (CETIC.BR, 2014a), a redução contínua dos preços é pré-requisito

para a expansão do mercado, à medida que se atinge a saturação para cada nível de valo-

res.82

Assumindo a premissa, normalmente aceita, da ausência de deseconomias de escala

no setor, pelo menos no âmbito nacional (NOAM, 1994; DAVIES, 1996; TENNENHOU-

SE et al., 1996; CORROCHER, 2001; DALUM; VILUMSEN, 2003), o comportamento de

diminuição gradual dos preços pode ser uma estratégia perfeitamente racional para o au-

mento dos lucros – e da rentabilidade dos investimentos –, com a concomitante redução da

competição (IPEA, 2010). A Figura 23 coloca luz sobre essa questão.

A correlação negativa entre preços e penetração do serviço de acesso, controla-

dos os demais fatores pertinentes, foi identificada empiricamente em diversos países

(BOUCKAERT; DIJK; VERBOVEN, 2010). Para o Brasil, a Figura 23 mostra o impacto

da redução efetivamente praticada dos preços versus a variação do número de domicílios

potencialmente atendidos, além do acréscimo real do número dos efetivamente cobertos. Os

resultados foram obtidos pela estimação da curva de demanda, por meio da aplicação dos

preços médios reais praticados para determinar o porcentual de domicílios com orçamento

suficiente para a contratação do serviço, com a utilização da curva de tendência da Figura

4, supondo uma proporção de adesão efetiva (elasticidade) constante.83

Os dados do período 2008-2012 parecem indicar que a redução nos preços foi

muito próxima daquela necessária para permitir o crescimento no número de domicílios

potenciais compatível com o incremento efetivo da quantidade de domicílios conectados.

Por outro lado, a relativa estabilidade dos preços em 2013 foi acompanhada da menor ex-

pansão da cobertura em mais de uma década. Portanto, os movimentos dos preços podem

82 Essa hipótese é compatível com o cenário de redução de preços ainda mais lenta em países de renda per

capita mais elevada, como os EUA (GREENSTEIN; MCDEVITT, 2011). 83 A comparação da Figura 2 (domicílios com serviço), Figura 4 (intenção de contratação do serviço) e Figura

21 (preços ofertados) indica a existência de uma “brecha” de adesão, entre o número de domicílios com inten-

ção de contratar os serviços, num dado nível de preços, e o número efetivo de domicílios que os contratam.

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ser, grosso modo, explicados pelo deslocamento ao longo da curva de demanda,84

sugerin-

do a mesma correlação negativa entre preços e penetração verificada por Bouckaert, Dijk e

Verboven (2010) para vinte países da OCDE. O comportamento das firmas na diminuição

de seus preços parece ajustado, assim, com aquele esperado do monopolista clássico, quan-

do a redução dos preços pode aumentar seu lucro total, pelo menos enquanto a receita mar-

ginal da adição de usuários for positiva. Na ausência de deseconomias de escala, como su-

posto, esse movimento não teria limites, em princípio, até o patamar inferior dos orçamen-

tos disponíveis, desde que algum grau de discriminação de preços seja possível. A recente

proliferação da banda larga móvel pré-paga pode ser um desses mecanismos. Logo, a ten-

dência declinante dos preços no tempo (Figura 21) não pode descartar o exercício, em para-

lelo, de poder de mercado pelos incumbentes.

Figura 24 – Receita líquida, custo médio e markup mensal por acesso.

(valores aproximados anuais reais médios ponderados, em reais, markup em pontos percentuais,

para o serviço de acesso de um conjunto selecionado de provedores,85

base dez. 2013)

Fonte: elaboração do autor, com base em relatórios financeiros das companhias, Anatel (2014c),

Telebrasil (2014) e IBGE (2014).

84 A partir de um nível constante de porcentual de adesão sobre cada ponto da curva de restrição orçamentária

(Figura 4), o que a análise mostra ser razoável no período 2008-2010 – dadas as variações muito próximas

entre os aumentos das coberturas potencial e real.

0

20

40

60

80

100

2009 2010 2011 2012 2013

Receita líquida (por acesso)

Custo médio (por acesso)

Markup (p.p.)

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Por fim, é interessante avaliar-se a situação das firmas no que diz respeito à sua

posição na curva de custos médios. A Figura 24 compara a receita líquida com o custo

(médias ponderadas), por acesso banda larga, na planta de provedores incumbentes selecio-

nados85

que representam cerca de 40% dos acessos no Brasil (ANATEL, 2014c).

Da análise da Figura 24 conclui-se que as margens de lucro brutas médias

(markup) praticadas foram superiores a 20% durante o período analisado, além de modera-

damente crescentes. A redução dos preços médios, observada na Figura 23, esteve associa-

da a uma queda mais do que proporcional dos custos, seja pela possível presença de eco-

nomias de escala ou pela conhecida erosão dos gastos com os equipamentos de rede, devida

ao avanço tecnológico. Isso indica que o aumento da base de usuários parece ser ainda bas-

tante interessante para os provedores grandes, especialmente enquanto associado à redução

dos custos unitários.86

Além disso, a estabilidade do markup é mais um indício do modera-

do nível de competição do mercado de acesso banda larga (fixo e móvel).

Outro modo, mais genérico, de analisar o efeito da diminuição dos preços e do

crescimento da base de usuários, é avaliar o seu impacto nos resultados globais dos prove-

dores. A Figura 25 mostra o desempenho operacional dessas firmas no período analisado,

por meio de duas métricas: a margem operacional (lucro bruto sobre receita líquida) e a

taxa de retorno sobre o capital empregado (lucro bruto sobre o estoque de capital emprega-

do). Em ambos os casos os números se mantiveram relativamente estáveis entre 2009 e

2013, em torno de 21% para a primeira métrica e 15% para a segunda (médias ponderadas).

Portanto, parece evidente que a redução dos preços se deu, efetivamente, na

medida da erosão dos custos dos provedores, sem afetar significativamente a sua capacida-

de financeira. Ao crescerem rapidamente suas bases de usuários, ao mesmo tempo em que

preservavam a lucratividade, os incumbentes criaram uma importante barreira à entrada de

novos provedores. Seja pela indisponibilidade de consumidores rentáveis ainda não atendi-

85 Valores obtidos dos relatórios financeiros de Oi (fixa), Net, TIM e Vivo (parcial), por serem os únicos com

detalhamento suficiente para a análise mínima do negócio de acesso (banda larga). Por causa do contínuo processo de consolidação do setor, não foi possível obter séries mais longas sobre custos e rentabilidade. 86 Uma conclusão definitiva, por meio da posição sobre a curva de custos marginal, dependeria de informa-

ções desagregadas que não estão disponíveis nos relatórios financeiros das empresas. Entretanto, a declivida-

de da curva de custos unitários médios (-28% ao ano) face à grande variação na quantidade média de usuários

(+47% ao ano), entre 2009 e 2013, parece suportar a hipótese de retornos crescentes à escala.

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dos (custos elevados de “aquisição”), seja pela crescente escala mínima de operações ne-

cessária para operação rentável, o cenário prospectivo provavelmente não se configurava

como atraente para a maioria dos potenciais entrantes no período analisado.

Figura 25 – Margem operacional e taxa de retorno de provedores selecionados.

(valores anuais reais médios estimados ponderados para o serviço de acesso de um conjunto

selecionado de provedores,85

em pontos percentuais, base dez. 2013)

Fonte: elaboração do autor, com base em relatórios financeiros das companhias, Anatel (2014c),

Telebrasil (2014) e IBGE (2014).

Justificado o provável interesse dos incumbentes na redução verificada nos pre-

ços, por questões não associadas a uma hipotética competição de preços, cabe então indagar

sobre a relevância dos pequenos provedores nesse processo, ao menos para acelerá-lo. Co-

mo não estão disponíveis levantamentos sistemáticos ou abrangentes dos preços oferecidos

pelos provedores menores, não é possível responder rigorosamente essa questão. Entretan-

to, alguns indícios parecem apontar para a restrita importância dos entrantes para a queda

observada nos preços médios.

Para tanto, em primeiro lugar, foi realizada uma pesquisa,87

pontual e superfici-

al, dos preços praticados pelos maiores provedores alternativos nas cidades de São Paulo e

Rio de Janeiro, detentores de 1,3% do mercado domiciliar de banda larga fixa nessas regi-

87 Levantamento realizado em outubro de 2011 com as empresas GVT, CTBC Telecom, AES Atimus (TIM) e

Mundivox para serviços nas capitais dos estados de São Paulo e Rio de Janeiro. Os dois estados, em conjunto,

representam 53% do mercado doméstico nacional para essa modalidade de serviço.

0%

10%

20%

30%

2009 2010 2011 2012 2013

Margem operacional (EBITDA)

Taxa de retorno investimento (RoE)

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ões – representando mais da metade do market share agregado de todos os pequenos e mé-

dios provedores brasileiros (ANATEL, 2014c). O levantamento apontou preços sempre

superiores aos ofertados pelos incumbentes, para serviços semelhantes. Essa constatação

parece compatível com as margens relativamente modestas dos incumbentes (Figura 24),

apesar de suas escalas de operação e atualização tecnológica. Nessa situação, não é razoá-

vel supor que os entrantes pudessem adotar estratégias exitosas de competição de preços.

Por fim, realizou-se uma pesquisa sumária das campanhas publicitárias realiza-

das pelos entrantes em um período típico de vendas (Natal).88

Praticamente inexistiram

ações dessas firmas, na mídia ou na internet, contendo ofertas de preços para o serviço de

acesso, à exceção de ações pontuais de duas empresas. Assim, a informação anedótica indi-

ca que a principal estratégia dos entrantes foi a segmentação geográfica (atender regiões

inadequadamente servidas pelas incumbentes) ou os nichos de qualidade (níveis de serviço,

em particular velocidades, superiores aos dos incumbentes).

1.5. Conclusão

A breve trajetória do setor de internet representa um processo histórico intenso

e poderoso, baseado no surgimento de um paradigma tecnológico – as redes IP –, que não

apenas criou um novo setor, mas transformou diversos outros. Indústrias que lhe deram

origem, como as telecomunicações e a informática, foram alteradas de forma profunda.

Muitos segmentos da economia, que adotaram as inovações introduzidas ou viabilizadas

pela internet, também se modificaram, enquanto alguns simplesmente desapareceram.

O exame do sistema setorial de inovação e produção que se desenvolveu em

torno da internet mostrou ser este composto por vários tipos de agentes, que podem ser

aproximadamente agrupados conforme as diversas funções que desempenham. Fabricantes

de equipamentos e sistemas, provenientes principalmente dos setores de telecomunicações

e informática, tiveram de se adaptar ao novo cenário, de intenso investimento em P&D,

elevada incerteza, baixa apropriabilidade e competição acirrada. Provedores de conteúdo,

88 Levantamento das campanhas realizadas no mês de novembro de 2011, nos principais veículos nacionais e

regionais, identificou ações localizadas apenas da GVT, em alguns estados, e da CTBC, em algumas cidades.

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por sua vez, dispuseram de uma oportunidade única com a internet, com a possibilidade de

ganhos de escala e escopo em nível global.

Uma interação complexa, de cooperação-competição, desenvolveu-se de modo

distinto entre os segmentos do setor. Enquanto nos de equipamentos e sistemas e de conte-

údo a dinâmica de creative destruction foi provavelmente majoritária, no segmento de

acesso existiu espaço para a manutenção de processos de creative accumulation, que histo-

ricamente caracterizaram as telecomunicações. Por meio de um conjunto de capacidades

específicas, as antigas incumbentes lograram ocupar uma posição dominante no mercado de

acesso em muitos países, a despeito da intensa concorrência de firmas entrantes. Como de-

clarou recentemente Vincent Cerf, um dos inventores da internet:

[N]a década de 1990, havia sete ou oito mil provedores de serviço [de

acesso à] internet [nos EUA], porque a internet era acessada através de di-al-up. Se você quisesse mudar [de provedor] você simplesmente alterava

o número de telefone [que usava] para se conectar. Quando a banda larga

chegou, o número de opções que você tinha havia sido reduzido para até um ou dois: ou uma empresa de telefonia ou uma de [TV à] cabo ou am-

bas, e então se evaporou a concorrência [BRODKIN, 2013].

Para ajudar a compreender o processo competitivo no segmento de acesso, foi

apresentada a trajetória brasileira, emblemática da supremacia das incumbentes de teleco-

municações. Graças a uma demanda forte e dinâmica, o mercado de acesso à internet do-

méstico tem crescido a taxas elevadas, difundindo-se rapidamente por toda a base de dispo-

sitivos capazes de conexão à grande rede, mesmo considerando-se as restrições impostas

pelo limitado poder aquisitivo da maior parte da população e pela restrita qualidade dos

serviços oferecidos. Dessa avaliação particular do mercado brasileiro, alguns fatos estiliza-

dos mereceram destaque.

Concentração de mercado persistente. A partir da aparente ausência das ope-

radoras incumbentes de telecomunicações no mercado de acesso até o fim dos anos 1990, o

que permitiu níveis significativos de competitividade e baixa concentração, o século XXI

marcou o domínio dos provedores controlados pelas incumbentes e a rápida concentração

do mercado. Com o controle das tecnologias de acesso em banda larga – fixa e móvel –,

esse ciclo se completou, com o estabelecimento de um oligopólio bastante estável. Desde

meados da década de 2000, quatro grupos empresariais oriundos das operadoras privatiza-

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das nos anos 1990 passaram a dominar mais de 90% do mercado de acesso à internet. Ape-

nas uma empresa entrante, nesse período, logrou sucesso efetivo. Todos os indicadores

usuais (HHI, C4, C1) apontaram para elevada concentração, em um cenário de estabilidade

e concorrência local efetivamente restrita entre os cinco maiores grupos.

Reduzida competição por meio de preços. Apesar da grande concentração e,

consequentemente, do poder de mercado potencialmente detido pelos incumbentes, foi

identificada queda relevante e contínua dos preços praticados. No entanto, quando compa-

rados com os preços em outros países, o custo do acesso no Brasil se posicionou entre os

mais elevados para países de renda média e alta. A investigação aprofundada sugeriu que

um cenário retrospectivo plausível para a redução verificada nos preços está relacionado

com o interesse dos incumbentes de adicionar novos usuários ao mercado, suportado pela

provável existência de economias de escala. A análise de receitas e custos de alguns dos

principais provedores confirmou margens razoavelmente altas e crescentes bem como a

constante diminuição dos custos em face do rápido crescimento da base de usuários. Logo,

a redução experimentada pelos preços, em princípio, parece não se dever à pressão compe-

titiva, real ou potencial, mas tão somente a uma manifestação particular do comportamento

clássico do monopolista discriminador, para capturar o orçamento disponível de novos con-

sumidores.

Baixa taxa de entrada com sucesso. O número de provedores de acesso no

mercado brasileiro, a despeito de sua concentração, é significativo, representando mais de

duas mil firmas, sendo grande parte relativamente jovem. Contudo, o diagnóstico dos mer-

cados estaduais e nacional mostrou que, em sua imensa maioria, esses provedores são mui-

to pequenos, incapazes de competir em preços com os incumbentes ou crescer significati-

vamente, ocupando nichos marginais. Em todo o histórico recente do setor, apenas uma

empresa entrante (GVT) conseguiu êxito e transformou-se em um provedor de acesso im-

portante, ainda que relativamente pequeno. Esse fenômeno foi característico da segunda

geração tecnológica – a banda larga fixa – e tornou-se mais agudo com a terceira e quarta

gerações – a banda larga móvel e de alta velocidade. Em particular, no caso das terceira e

quarta gerações, sequer existem entrantes em número ou tamanho relevantes, dadas as res-

trições impostas pela agência reguladora setorial – a Anatel – na liberação de recursos es-

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senciais para a entrada (licenças e espectro radioelétrico). Desde o fim da década de 1990,

somente duas novas licenças foram concedidas, mas uma das firmas entrantes fracassou

após poucos meses de operação e a outra estava em situação crítica.

Intensa substituição de provedores (churning). Considerada a restrita dispo-

nibilidade de provedores grandes, o número de consumidores que troca de provedor a cada

ano é muito elevado. Se considerado apenas o acesso móvel, 45% dos usuários brasileiros

substituem seu provedor anualmente, em média. Apesar de menos intenso, o panorama no

acesso fixo não é substancialmente distinto, com indicações de que esse volume seja supe-

rior a 30% ao ano. Quando se analisam as razões por detrás do churning, a qualidade cos-

tuma ser a principal motivação dos consumidores. Essa razão se torna mais importante à

medida que aumenta a experiência dos usuários, o que ajuda a compreender a aceleração do

churning verificada nos últimos anos. A análise indicou, ainda, que a problemática da men-

suração da qualidade dos serviços – ex ante e ex post – têm provavelmente papel central

nesse cenário. Ficou clara, também, a diferenciação no quadro internacional, nitidamente

relevante para os países de renda média como o Brasil, onde restou evidente a correlação

inversa entre o churning e a qualidade.

Influência da organização social na escolha do consumidor. A despeito da

restrita evidência empírica, no caso específico da banda larga, sobre a relação entre as for-

mas de organização dos consumidores e a dinâmica do mercado, esse fenômeno foi identi-

ficado em diversos mercados correlatos ou semelhantes. Essa restrição, ainda, deve ser

ponderada pelo fato de que, dentro das práticas correntes de avaliação e medição, tipica-

mente pouca atenção é dedicada ao tema. Entretanto, a partir da informação disponível, a

influência das redes sociais no desenvolvimento da demanda parece claramente identifica-

da.89

Pesquisas genéricas apontam que as redes das quais o consumidor faz parte influenci-

am mais de 40% dos brasileiros na sua decisão de comprar um produto. Isso é de certo mo-

do natural, até pela importância dada pelo consumidor na utilização do serviço de acesso: a

comunicação com sua rede social é a principal atividade realizada na internet para 77%

deles. Na telefonia móvel, quase 20% do churn e 10% das aquisições são explicados pela

89 Isso reforça a suspeita de ausência pura e simples de dados. Em analogia com a econometria, a hipótese de

trabalho, neste momento, é de que isso possa indicar um problema de “variável omitida” na pesquisa empírica

disponível. O modelo de simulação deverá fornecer recursos para se rejeitar ou não essa hipótese.

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interferência da rede social sobre o consumidor. 76% dos compradores de bens e serviços

sofisticados nos EUA, por sua vez, consultam os amigos antes de decidir sobre a compra.

Autores como Tennenhouse et al. (1996) sugerem que, com a convergência dos

serviços de telecomunicações e de conteúdo, estimulada pela digitalização, forças relevan-

tes podem direcionar o mercado para um desfecho mais ou menos competitivo,90

conforme

essa confluência se dê em um ritmo de inovação tecnológica maior ou menor, respectiva-

mente. Caso existam economias de escala ou escopo no processo, como sugere a evidência

empírica, apenas a contínua mudança técnica poderia contrabalançar a tendência à concen-

tração. Essa circunstância parece se aplicar ao Brasil, com algumas qualificações. Cada vez

mais, as empresas que se originaram da privatização do sistema Telebrás – e controlam

mais de 90% do mercado – organizam suas estratégias com base na convergência entre

meios de acesso e formas de conteúdo (telefone, celular, internet, televisão a cabo, conteú-

do digital, e-commerce). Pelo menos uma das consequências dessa situação é inequívoca:

preços elevados contrapõem-se a qualidade restrita e a taxas relativamente baixas da pene-

tração do serviço de acesso à internet.91

90 “Competitivo” é compreendido aqui como o mercado no qual existem limites ou restrições, de ordem con-correncial ou institucional, para o processo de concentração da influência econômica das firmas, conforme

será discutido no Capítulo 2. 91 A partir dos dados de ITU (2014) e UNCTAD (2013). A evidência dos países da OCDE indica significativa

correlação positiva entre a existência de competição, em especial do tipo interplataformas, e a penetração do

serviço de acesso à internet banda larga (HÖFFLER, 2007; BOUCKAERT; DIJK; VERBOVEN, 2010).

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67

Capítulo 2: Quadro de referência teórica

O objetivo geral deste capítulo é o aprofundamento do quadro teórico de supor-

te para a análise do setor de internet, em particular no que diz respeito à dinâmica competi-

tiva do mercado de acesso e a influência da organização da demanda.

[P]ara representar uma indústria artificial [por meio de um modelo de si-mulação agent-based], e ser capaz de realizar análises sobre ela, [...] pre-

cisamos de uma teoria que represente os comportamentos dos agentes no

modelo e as respostas dos ambientes para a interação desses comporta-

mentos e eventuais alterações neles [GARAVAGLIA, 2004, p. 7].

Embora a perspectiva do “sistema setorial de inovação e produção” tenha sido

satisfatória para a apreciação empírica, ela não será suficiente, sozinha, para orientar a eta-

pa de modelagem setorial. O processo de modelagem necessita de mediações teóricas ade-

quadas – e suficientemente detalhadas – para poder representar apropriadamente os fatos

estilizados relevantes, provenientes da análise apreciativa. Para tanto, o presente capítulo

tem como objetivo específico a montagem de um quadro de referência teórica, satisfatoria-

mente aprofundado, para dar conta de justificar os fatos estilizados obtidos no Capítulo 1 e

que serão tratados pelo modelo de simulação proposto no Capítulo 3.

Para a tarefa proposta, diversas abordagens estão disponíveis na literatura eco-

nômica, entre as quais foram selecionadas, de forma não exaustiva, algumas consideradas

mais adequadas para o objetivo da tese. Isso porque a combinação particular de característi-

cas do setor de internet traz dificuldades para algumas vertentes analíticas, pelo menos

quando utilizadas isoladamente, como será discutido a seguir. Portanto, a intenção do capí-

tulo é compor um quadro analítico com capacidade explanatória suficiente para tratar as

questões-chave levantadas e que permita esclarecer suas as possíveis justificativas e os seus

principais determinantes.

Considerando-se a relativamente ampla seleção de enfoques investigados neste

capítulo, a Tabela 2 apresenta o roteiro proposto. Como fica evidente, parte-se de três cor-

pos teóricos até certo ponto homogêneos – a organização industrial (clássica e moderna), a

teoria evolucionária neoschumpeteriana e algumas correntes institucionalistas – para focar-

se em abordagens específicas, em princípio relevantes para a investigação que se segue.

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Tabela 2 – Sumário do quadro teórico adotado para a análise.

Corpo teórico Abordagens selecionadas Relevância*

Organização industrial

Barreiras à entrada clássicas

Papel das economias de escala e escopo (ainda que limitado)

Mercados contestáveis e guerras de atrito

Importância dos custos irrecuperáveis (redes de telecomunicações, publicidade)

Modelo de Stackelberg-Spence-Dixit

Investimentos irreversíveis como instru-mento de sinalização para entrantes

Efeitos de rede e externalidades

Ausência das externalidades de rede clássicas (telefonia fixa) e relevância das externalidades para consumidores

Preços de congestionamento e qualidade

Complexo balanço entre preço (ex ante) e qualidade (ex post) no ambiente da competição

Teoria evolucionária neoschumpeteriana

Inovação e dinâmica industrial

Compreensão da dinâmica industrial baseada na rápida introdução de inova-ções tecnológicas

Mercados como mecanismo de seleção

Determinação das possibilidades de “su-cesso” entre firmas competidoras

Regimes de competição Possibilidade (e tipos) dos múltiplos “equilíbrios” do processo competitivo

Conhecimento e dinâmica do aprendizado em rede

Importância da interação entre firmas competidoras no estabelecimento da base de conhecimentos da indústria

Teoria institucional

Jogos evolucionários Análise do espaço de possibilidades na interação provedor-consumidor

Mercados como campos organizacionais

Definição dos paradigmas de governança e do conjunto de possibilidades dos agentes no mercado

Comportamento dos agentes dentro de redes sociais

Importância das redes sociais na estrutu-ração da relação entre atores, inclusive ao nível informacional

Instituições definidoras de bens, serviços e qualidade

Papel de instituições informais (taken-for-granted) na formação de preferências

sob elevado nível de incerteza

*Para o presente estudo.

Este capítulo está organizado em quatro seções. Inicialmente, o conceito de

competição empregado na tese é mais bem definido. Na segunda seção, são apresentadas

brevemente algumas abordagens tradicionais, na ciência econômica, para o diagnóstico da

estrutura competitiva setorial, assim como as limitações que exibem para o caso em ques-

tão. A Seção 2.3 discorre sobre a alternativa analítica oferecida pela teoria evolucionária

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neoschumpeteriana, especificamente no tratamento da inovação técnica e da “competição

schumpeteriana”. A Seção 2.4 aborda sucintamente algumas vertentes da teoria institucio-

nal, complementando organicamente algumas lacunas das perspectivas anteriores e apre-

sentando pontos-chave que permitem tanto a interpretação de alguns dos fatos estilizados

como a qualificação dos fenômenos de interação dos agentes dentro de redes sociais. Por

fim, na conclusão do capítulo, serão identificadas as questões teóricas centrais para a pes-

quisa – as hipóteses de trabalho.

2.1. O conceito de competição

O conceito de competição (ou concorrência), apesar de central dentro da teoria

econômica, não tem uma definição absoluta ou inequívoca (POSSAS, 2002). Conforme o

propósito de seu uso, ou o quadro teórico no qual se insere, diversos detalhes e sutilezas

devem ser considerados. Apesar do conceito adotado para o termo competição não ser in-

questionável, para o presente propósito, provavelmente a melhor definição nos dicionários

brasileiros está no Michaelis (2004):

competição sf (competir+ção) 1 Ato ou efeito de competir. 2 Disputa por

algum prêmio ou vantagem; certame; concurso. 3 Esforço de duas ou mais

partes para ganharem como freguês uma terceira parte, pela oferta dos termos mais vantajosos; concorrência. 4 Estado de mercado em que gran-

de número de compradores e vendedores independentes competem por

mercadorias idênticas e negociam livremente entre si. 5 Sociol Forma de interação, universal e contínua, pela qual indivíduos procuram apoderar-se

de recursos materiais e morais que somente existem em quantidade inferi-

or à dos concorrentes. Na sua forma mais simples, é a luta pela existência,

no sentido biológico [grifos no original].

Adota-se aqui, como ponto de partida, a definição de número três acima. Nessa

acepção, parece natural que diversos atributos da competição representem dimensões rele-

vantes para a pesquisa. Assim, em termos quantitativos, a concorrência é frequentemente

representada por grandezas como (i) o número de participantes do mercado; (ii) o grau de

diferenciação entre elas; (iii) a concentração das participações de mercado nas empresas

maiores; e (iv) as taxas de entrada e saída das firmas no mercado.

Mas, em uma abordagem aprofundada, o processo competitivo pode não ser

adequadamente compreendido tão somente a partir dos seus atributos quantitativos. A con-

jugação de algumas dimensões qualitativas desse processo é igualmente importante. Entre

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elas, deve-se destacar: (i) os requisitos e condicionantes para a entrada e a saída de firmas

no mercado; (ii) as oportunidades em termos de inovação, de produtos e processos, dispo-

níveis para os participantes; (iii) as capacidades de que as firmas dispõem para aproveitar

essas oportunidades; e (iv) as condições que ensejam a interação das empresas do setor,

seja por meio de cooperação, concorrência ou acomodação. Neste trabalho, o uso do termo

competição também incluirá essas dimensões específicas.

Como lembra Metcalfe (1998, p. 10), “uma teoria que é criada para iluminar a

alocação de recursos dados para fins definidos será completamente diferente de outra que

seja montada para explorar a natureza do desenvolvimento econômico e a criação de recur-

sos e oportunidades ao longo do tempo”. Nessa perspectiva, o objetivo deste trabalho é ana-

lisar a concorrência enquanto limite ao processo de concentração da influência econômica

das firmas, e não o contrário. A sua preservação – ou não – é abordada como resultado de

um delicado mecanismo de manutenção de certas condições, por meio da difusão da inova-

ção, da entrada e saída de competidores e das reações dos consumidores nos mercados.

Cada tradição teórica adotou uma perspectiva relativamente distinta para a

competição. Porém, para vários autores parece bem aceita a visão de que, frequentemente,

os diversos “conceitos de competição não são logicamente contraditórios, ao contrário, to-

mados em conjunto, formam um quadro mais completo das forças competitivas que as fir-

mas enfrentam” (BARNEY, 1986, p. 792). Por isso, optou-se pela investigação, nas seções

que seguem, de abordagens diferentes – de equilíbrio e dinâmica –, não obstante o potencial

de conflito. Considerou-se, antes, que “a evidência acumulada até agora parece sugerir uma

sutil e intrincada mistura desses dois elementos” (DOSI et al., 1997, p. 12) como sendo

mais adequada para a apreensão abrangente do fenômeno da competição.

2.2. Abordagens da organização industrial

Desde os autores da economia clássica do século XIX, o estudo da concorrência

entre firmas, nos mercados de bens e serviços, é um tema recorrente da ciência econômica.

O perfil típico da competição, durante a Primeira Revolução Industrial, era o do mercado

com numerosas empresas de pequeno e médio portes, fornecedoras de produtos homogê-

neos e submetidas à intensa disputa de preços. A premissa usual dos economistas, então,

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era de que a concorrência traria os preços para seu nível “natural”, pelo qual seria proporci-

onada aos competidores a taxa de lucro média do restante da economia, equalizando a ren-

tabilidade dos fundos alocáveis para investimento, globalmente. Esse cenário, com alguns

aprimoramentos, deu origem ao modelo da competição “perfeita”,92

que até hoje é uma das

bases da microeconomia neoclássica.

Já no fim do século XIX, os paradigmas da economia clássica tornaram-se insu-

ficientes para tratar os desdobramentos da Segunda Revolução Industrial na competição

(CHANDLER, 1977, 1990). Com a consolidação das grandes firmas e dos trustes, especi-

almente nos Estados Unidos e na Alemanha, a premissa de “comportamento atomizado”

tornou-se a situação excepcional e a concorrência interfirma ganhou novos contornos93

.

Para dar conta dessa problemática, a economia clássica (e, depois, a neoclássi-

ca) gradualmente introduziu outros modelos, além da competição perfeita: os mercados

monopolistas e algumas situações particulares de oligopólio94

como condição particular

entre os extremos teóricos da organização dos mercados. Contudo, a permanência desse

tipo de concorrência “imperfeita” tinha como premissa alguma “falha”95

no mercado em

questão. Resolvidas as falhas, o mercado tenderia naturalmente à competição perfeita, pelo

menos no longo prazo. Essa reconciliação era uma necessidade do paradigma teórico do

equilíbrio geral walrasiano e somente seria formalmente superada, no arcabouço neoclássi-

co, com a introdução da teoria dos jogos (KIRMAN, 1997), que será tratada mais à frente.

Desde os anos 1930, com trabalhos como os de Chamberlin, Robinson e Ma-

son, novos modelos de competição, agora pressuposta como frequente e persistentemente

imperfeita, passaram a ocupar os pesquisadores de microeconomia. Tornou-se recorrente o

92 O conceito de competição perfeita é calcado em três ideias básicas: (i) todas as transações para bens idênti-

cos são realizadas pelo mesmo preço (“mercado perfeito”); (ii) irrelevância do volume transacionado por

qualquer agente individual (“comportamento atomizado”); e (iii) liberdade de entrada e saída em qualquer

nível de atividade (“mobilidade de recursos” e “equalização da taxa de retorno”) (VARIAN, 2006). 93 A premissa de retornos decrescentes à escala também costuma ser apontada como crítica. Conforme Arrow

(1996, p. 647), “[e]quilíbrio competitivo somente é viável se as possibilidades de produção forem conjuntos

convexos, que não apresentem retornos crescentes”. 94 Os modelos tradicionais são os oligopólios de Bertrand (concorrência por preços, com resultados similares à competição perfeita) e Cournot (concorrência por quantidades, intermediário entre o monopólio e a compe-

tição perfeita, conforme o número de firmas no mercado) (SHY, 1995; VARIAN, 2006). 95 Entre os exemplos clássicos de falhas de mercado, estão: o controle no acesso a insumos, a presença de

escalas mínimas de produção, a formação de cartéis e as restrições impostas pelos Estados, inclusive a exis-

tência de patentes bloqueando o acesso à tecnologia.

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estudo da concorrência oligopolística, nos mercados nos quais a concentração de parcela

significativa da oferta sob o controle de um número reduzido de firmas assume caráter du-

radouro, sem a necessidade de elementos exógenos para justificá-la. Nessa perspectiva, a

rampante diferenciação entre os produtos e os retornos constantes, ou crescentes à escala,

abriram espaço para a competição além dos preços (SHY, 1995).

A partir dos trabalhos pioneiros, o modelo da concorrência oligopolística con-

solidou-se nos anos 1950, dando origem à organização industrial clássica (OIC) e ao para-

digma “estrutura-conduta-desempenho” (PECD), consolidado por Bain (1959/1987) e ou-

tros autores (WEISS, 1979). Nessa vertente, a estrutura do mercado determinava a conduta

das firmas participantes, que, por sua vez, definia o desempenho – resultados e desdobra-

mentos – do próprio mercado.96

A OIC foi, ainda, o quadro teórico de base para a teoria

antitruste contemporânea (VISCUSI; HARRINGTON; VERNON, 2005). Sem embargo

dos insights oferecidos pela OIC, sua utilização na análise empírica geralmente encontrou

problemas, especialmente no que diz respeito à causalidade prevista pelo PECD na avalia-

ção econométrica (TIROLE, 1988).97

Desde os anos 1970, a teoria dos jogos (TJ) abriu novos horizontes para o diag-

nóstico da dinâmica competitiva, sem abrir mão das principais hipóteses neoclássicas, tor-

nando-se a ferramenta padrão da organização industrial moderna (OIM). Centrada na inter-

pretação do conflito estratégico, a TJ forneceu meios para a modelagem teórica da competi-

ção. Nela, a assimetria de informações foi alçada ao papel causal central para justificar

mercados nos quais a concorrência é imperfeita ou não existe plena eficiência.98

Uma das principais contribuições da OIM é a utilização extensiva da TJ, como

substrato para o estudo das relações estratégicas entre as firmas. A modelagem do compor-

tamento oligopolista, por exemplo, baseia-se frequentemente em jogos não cooperativos.

Nesse caso, o comportamento das firmas, em estratégias puras ou mistas, é determinado

96 Indústrias com barreiras à entrada elevadas, poucas firmas grandes, produtos diferenciados e baixa elastici-

dade da demanda se caracterizariam por lucros elevados e vice-versa (KUPFER, 2002). Essa tradição “enfati-

zava a importância de algumas características relativamente invariantes das tecnologias de produção como determinantes últimos das estruturas e desempenhos observados” (MALERBA; ORSENIGO, 1996, p. 52). 97 Uma discussão das características e das principais críticas à OIC é feita em Pereira (2014c). 98 Na tradição neoclássica, a eficiência do mercado está relacionada com a organização da atividade econômi-

ca que minimiza seus custos globalmente, de forma a maximizar a geração de bem-estar social proveniente

desta atividade, desconsideradas as questões distributivas associadas (MUSGRAVE, 1959).

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exclusivamente pelo interesse próprio, produzindo, em geral, soluções do tipo equilíbrio de

Nash.99

Por meio da TJ, tornou-se possível a formalização da interação estratégica das fir-

mas nos mercados, inclusive o caso de colusão.100

Os comportamentos estratégicos das empresas, baseados essencialmente nos

motivos e na racionalidade das firmas, foram trazidos para o centro da análise competitiva

na TJ. Como consequência, isso relegou as restrições estruturais – como aquelas ressaltadas

pela OIC – para um plano de menor relevância (MALERBA; ORSENIGO, 1996).

Por fim, deve-se ressaltar que o conceito de dinâmica na TJ é bastante específi-

co: ele se limita à repetição do jogo ao longo do tempo, com a premissa de estabilidade das

“regras do jogo” durante todas as rodadas (AXELROD, 1984).101

Assim, as firmas (e o

analista) podem antecipar da estratégia ótima de cada competidor, pela solução do proble-

ma de backward looking para o jogo pertinente. Como as empresas conseguem antever o

impacto futuro de suas decisões no presente, as estratégias dos jogadores “convergem” para

o primeiro período do jogo, mesmo que exista assimetria na informação disponível aos

agentes – pelo tratamento do equilíbrio bayesiano (TIROLE, 1988).

A Figura 26 reproduz o esquema interpretativo básico das estruturas de merca-

do segundo os principais modelos da OIM. A OIM é um campo essencialmente teórico, em

que o papel central é ocupado pelo desenvolvimento de modelos formais e, frequentemente,

com reduzida generalidade. Sua ênfase é a análise positiva (explanatória), sem descartar a

aplicação normativa. Nessa tradição, a relevância da evidência empírica na orientação teó-

rica, ao contrário da OIC, é secundária (TIROLE, 1988). A OIM é aplicada em estudos de

caso de indústrias específicas, tendo contribuído para a compreensão de mecanismos parti-

culares que, de alguma forma, tornaram imperfeita a competição. Entretanto, outra caracte-

rística da OIM é a profusão de modelos alternativos para a interpretação das situações em-

99 “Um conjunto de ações [ou estratégias] está em equilíbrio de Nash se, dadas as ações de seus rivais, uma

firma não pode aumentar seu próprio lucro escolhendo outra ação [ou estratégia] que não sua ação [ou estra-

tégia] de equilíbrio [de Nash]” (TIROLE, 1988, p. 206). 100 As situações em que existe a possibilidade de colusão entre as firmas no mercado podem ser tratadas por meio de jogos cooperativos repetidos (SHY, 1995). Apesar de a colusão permitir, em tese, a mudança das

regras de decisão durante a repetição do jogo, a OIM não trata essa situação como relevante. Isso porque, no

caso da colusão explícita, existe dificuldade de assinar contratos enforceable ou porque, no caso da colusão

tácita, na prática se recai na situação não cooperativa, pela inviabilidade da punição crível (VARIAN, 2006). 101 A teoria evolucionária dos jogos flexibiliza essa restrição, como será abordado adiante.

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píricas (SHY, 1995). Em função do grau de abstração elevado e a generalidade restrita da

maioria deles, uma das dificuldades que se colocam para o analista é a comparação e a se-

leção do modelo mais apropriado para cada cenário empírico específico (TIROLE, 1988).

Figura 26 – Tipologia básica das estruturas de mercado adotadas pela OIM.

Fonte: Shy (1995).

Considerando os objetivos deste trabalho, quatro linhas analíticas frequente-

mente empregadas pela OIM foram selecionadas para consideração: a hipótese dos merca-

(comportamento tomador de preço) Decisão: quantidade produzida

Competição perfeita Competição imperfeita

Oligopólio Duopólio

Dinâmico Estático

Monopólio

(enfrenta curva de demanda)

N.D.

D. N.D.

D.

Cooperativo Não cooperativo

(cada firma enfrenta

demanda residual) Decisão: preço ou quantidade

(cada firma enfrenta demanda residual)

Movimentos simultâneos Movimentos sequenciais Jogo repetido

Cartel: colusão (colusão em preço

ou quantidade)

Bertrand

Decisão: preço

Cournot

Decisão: quantidade

Decisão: preço ou quantidade

Decisão: preço ou quantidade

D. = Discriminador

N.D. = Não Discriminador

Modelos líder-seguidor

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dos “contestáveis”, o modelo de Stackelberg-Spence-Dixit, os efeitos/externalidades de

rede e os preços de congestionamento. Todas abordam situações propícias para oligopólios

não cooperativos com movimentos sequenciais e investigam características relevantes do

campo empírico em questão.

2.2.1. Mercados contestáveis

Conforme o paradigma estrutura-conduta-desempenho, indústrias com ganhos

crescentes de escala ou custos fixos elevados representam um desafio para a entrada de

novos competidores. Aqui, a consequência provável apontada pelo PECD é na direção do

monopólio natural (PINTO; FIANI, 2002) ou do oligopólio com poucas firmas benefician-

do-se de lucros extraordinários no longo prazo (ou “quase rendas”). Baumol, Panzar e Wil-

lig (1982/1988) rejeitaram essa conclusão, enquanto universal, e formularam a hipótese dos

mercados contestáveis. Nela, argumentam que a simples presença de custos fixos, a menos

que irrecuperáveis (“sunk costs”),102

não justifica resultado diferente do esperado para um

mercado competitivo (SCHMALENSEE, 2004).

A ideia do mercado contestável é intuitivamente simples. Suponha um dado

mercado, no qual existam m firmas incumbentes produzindo quantidades 𝑞𝑖 e atendendo à

demanda D, com certo nível de preços p, com market clear (∑ 𝑞𝑖 = 𝐷(𝑝)𝑚𝑖=1 ) e margens

positivas (𝑝𝑞𝑖 ≥ 𝐶(𝑞𝑖)). Se, para qualquer configuração de equilíbrio desse mercado, ne-

nhuma entrante potencial conseguir obter lucro, ao tomar o preço dos incumbentes como

dado, ele será (perfeitamente) contestável (TIROLE, 1988). Nessa situação, os autores de-

monstram que: (i) haverá apenas uma empresa na indústria, (ii) ela terá lucro zero e (iii) os

preços serão iguais aos custos médios (BAUMOL; PANZAR; WILLIG, 1982/1988). Logo,

diferentemente da situação de monopólio natural, a ameaça da entrada tem efeito próximo

ao mercado competitivo sobre o monopolista (preço igual ao custo médio versus preço

igual ao custo marginal), sem possibilidade de melhoria (de Pareto) – opção second-best.

Para efeito das condições de entrada, portanto, um mercado contestável torna-se

teoricamente fechado para a entrada eficaz, da mesma maneira que o monopólio natural,

102 Custos irrecuperáveis são a parcela dos custos que não pode ser revertida ou recuperada pela firma, ou

ainda aquela fração dos investimentos, quando ainda não realizada, que não possa ser convertida para outra

finalidade e, quando já realizada, não possa ser revendida (SHY, 1995).

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sem, entretanto, ter os mesmos problemas na perspectiva do bem-estar social.103

Mas, como

os próprios autores reconhecem, a contestabilidade depende das funções de demanda e cus-

tos da indústria e, em certas situações, pode não existir solução sustentável para o jogo

acima (TIROLE, 1988). Nesses casos, os lucros podem se tornar positivos e a entrada se

viabilizar (oligopólio) ou não (monopólio natural). Por outro lado, a presença de níveis re-

duzidos de custos irrecuperáveis viabiliza não apenas a obtenção de quase rendas, mas tam-

bém o bloqueio efetivo da entrada (STIGLITZ, 1987b).

Alternativa semelhante, novamente crítica à inevitabilidade do – ou, ao “dano”

causado pelo – monopólio natural em mercados com retornos crescentes à escala, é o mo-

delo da guerra de atrito (em analogia com a biologia). O conceito básico é o de que duas

firmas, disputando um mercado na condição de duopólio, provavelmente incorrerão em

prejuízo (competição de Bertrand) até o momento em que uma delas desista e a outra assu-

ma o papel de monopolista. Nesse caso, durante um período t aleatório, as empresas com-

petem, praticando preços equivalentes aos custos marginais. No instante t, uma das empre-

sas abandona o mercado e a outra passa a praticar o preço de monopólio. Com base em al-

gumas premissas, Tirole (1988) argumenta que o fluxo de prejuízos incorridos durante a

fase de duopólio será equivalente ao de lucros do sobrevivente, tornando uma nova entrada

improvável após o estabelecimento do monopólio.

Em resumo, os refinamentos propostos pela OIM ao modelo clássico de mono-

pólio natural não alteram significativamente o cenário da entrada efetiva nesse tipo de in-

dústria. Por diferentes mecanismos, a expectativa de entrada com êxito segue sendo nula ou

remota. A discussão restringe-se, em essência, à possibilidade ou não da extração de lucros

de monopólio pelo incumbente e, portanto, à possível ineficiência desse arranjo segundo a

perspectiva do bem-estar social. Além disso, exceto nos mercados perfeitamente contestá-

veis, esses modelos apontam para tendência à formação de sobrecapacidade instalada, tem-

porária ou permanentemente, assim como na OIC.

103 A conclusão da inviabilidade da entrada em mercados contestáveis depende da premissa de velocidade de

ajuste de preços adotada. Caso os preços sejam relativamente rígidos, em relação ao tempo necessário para

alterações da capacidade instalada, então estratégias do tipo hit-and-run entry tornam-se possíveis (TIROLE,

1988; KUPFER, 2002). Essa situação particular não foi considerada para o cenário geral de entrada efetiva.

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2.2.2. Modelo de Stackelberg-Spence-Dixit

Em geral, a abordagem da OIM se baseia na análise da variedade de estratégias

disponíveis para as firmas, conforme o caso, deterem ou acomodarem suas rivais no merca-

do. A partir de interações no curto prazo, as competidoras buscam alternativas de compor-

tamento que proporcionem alguma vantagem sobre as demais, em função da característica

de convergência estratégica para o primeiro jogo, já mencionada. Nessa situação, a origem

primária de qualquer vantagem competitiva, a seu turno, deve estar associada a alguma

assimetria preexistente entre as empresas (CARLTON, 2004). Logo, a estratégia ótima das

firmas dependerá, essencialmente, do perfil da interação incumbente-entrante.

A interação entre incumbente104

e entrante é usualmente classificada, alternati-

vamente, como de substituição ou de complementaridade estratégica (TIROLE, 1988). Esse

perfil é determinado pela inclinação das funções de reação,105

conforme sejam descendentes

(substitutos estratégicos) ou ascendentes (complementares estratégicos). No caso mais co-

mum, de substitutos estratégicos, a implantação ou o aumento irreversível da capacidade de

uma competidora induzirá, como reação ótima, à redução de capacidade da(s) outra(s) fir-

ma(s). A credibilidade dessa irreversibilidade é a questão central desse jogo (CARLTON,

2004). A interação estratégica introduz a dinâmica na análise, uma vez que o processo de

sinalização – no exemplo, por meio de sunk costs – envolve sempre mais de um período.

No perfil de substitutos estratégicos, as incumbentes normalmente acumulam

antecipadamente capacidade produtiva, ou outra forma de investimento de capital, suficien-

te para limitar a entrada, ou mesmo bloqueá-la, se existirem retornos crescentes à escala.

Ainda que o compromisso da incumbente não seja totalmente crível, a entrada pode ser

desencorajada pelo aumento do risco do entrante, até na ausência de economias de escala

(SCHMALENSEE, 2004). Assim, apesar de tecnologia e custo equivalentes, a incumbente

pioneira tem condições de manter rentabilidade permanentemente superior às entrantes,

potenciais ou efetivas. São vantagens temporais intrínsecas da(s) primeira(s) firma(s) (first-

mover advantages) que restringem a competição e a entrada (TIROLE, 1988).

104 O termo “incumbente” é utilizado aqui para a firma que se estabeleceu primeiro ou, em geral ao longo do

texto, que detém elevada participação de mercado ou possui algum papel dominante no mercado. 105 A função de reação representa o conjunto de respostas ótimas da firma i a cada escolha da firma j, i ≠ j.

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Fudenberg e Tirole (1984) propuseram uma taxonomia para os perfis de intera-

ção estratégica, como aqueles descritos acima, com um modelo simples de dois períodos.

Nele, para o caso de duas firmas no mercado (incumbente e entrante), ambas decidem no

primeiro período (simultaneamente) seus volumes de produção (𝑥1 e 𝑥2) para o segundo,

com base no investimento comprometido pela incumbente (𝐾1) no primeiro. Seus lucros no

segundo período serão Π1(𝐾1, 𝑥1, 𝑥2) e Π2(𝐾1, 𝑥1, 𝑥2), respectivamente. Se as curvas de

reação (da quantidade produzida), de uma competidora em relação à outra, propiciarem a

convergência para a estabilidade (equilíbrio de Nash), o ponto de equilíbrio será

{𝑥1∗(𝐾1), 𝑥2

∗(𝐾1)}.

Nesse cenário, a entrada será desencorajada, ou bloqueada, se 𝐾1 for escolhido

pela incumbente de forma que:

Π2(𝐾1, 𝑥1∗(𝐾1), 𝑥2

∗(𝐾1)) ≤ 0 (1)

Note-se que a opção da incumbente entre bloquear, desencorajar ou acomodar a

entrada – e arcar com os custos correspondentes – depende da sua avaliação da demanda e

da tecnologia, dadas as características da indústria, em um problema de otimização. De

qualquer maneira, o efeito das decisões da incumbente no lucro da entrante será:

𝑑Π2

𝑑𝐾1=𝜕Π2

𝜕𝐾1 +

𝜕Π2

𝜕𝑥1

𝑑𝑥1∗

𝑑𝐾1 (2)

O lucro da entrante dependerá tanto das escolhas pré-entrada (𝐾1) quanto do

comportamento pós-entrada (𝑑𝑥1

𝑑𝐾1) da incumbente. A imagem que a incumbente terá inte-

resse de projetar para a entrante, portanto, será de uma firma “dura” ou “suave”, conforme

𝜕Π2

𝜕𝐾1 seja negativo ou positivo, respectivamente. “[S]e o investimento faz a firma 1 [parecer]

dura, então a firma 1 deve ‘sobreinvestir’ para dissuadir a entrada” (TIROLE, 1988, p. 325)

e vice-versa.

No caso em que a incumbente opta pela acomodação da entrante, o efeito das

decisões desta no lucro daquela será:

efeito

direto efeito

estratégico

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𝑑Π1

𝑑𝐾1=𝜕Π1

𝜕𝐾1 +

𝜕Π1

𝜕𝑥2

𝑑𝑥2∗

𝑑𝐾1 (3)

Nesse caso, a decisão de investimento da incumbente será direcionada pelo efei-

to estratégico resultante da influência da escolha de produção – e investimento – da entran-

te no segundo período. Assim, “a firma 1 deve sobreinvestir (subinvestir) se o efeito estra-

tégico for positivo (negativo)” (ibid., p. 326).

Tabela 3 – Estratégias ótimas para a firma incumbente.

Perfil da interação

Ação incumbente

Efeito do investimento da incumbente no lucro da entrante

106

𝑑Π2

𝑑𝐾1< 0

𝑑Π2

𝑑𝐾1> 0

Substitutos estratégicos

Acomodar ou desencorajar entrada

top dog lean & hungry

Complementos estratégicos

Acomodar entrada puppy dog fat cat

Desencorajar entrada top dog lean & hungry

Fonte: Tirole (1988).

Com base na análise precedente, Fudenberg e Tirole (1984) propuseram a taxo-

nomia para as possíveis estratégias da incumbente: (i) top dog – ser grande/forte para pare-

cer agressivo (sobreinvestir); (ii) puppy dog – ser pequena/fraca para ser considerada ino-

fensiva (subinvestir); (iii) lean & hungry – ser pequena, mas criar impressão de agressivi-

dade (subinvestir); e (iv) fat cat – ser grande, mas parecer inofensiva (sobreinvestir). A Ta-

bela 3 sumariza essa taxonomia, conforme o cenário estratégico.

2.2.3. Efeitos de rede e externalidades

A consideração dos efeitos das redes sociais no processo econômico, por meio

de padrões específicos de conexão entre indivíduos ou organizações, consumidores ou pro-

dutores, começou a ganhar espaço na organização industrial nos anos 1980 (DAVID, 1985;

106 Assumindo que

𝜕Π2

𝜕𝐾1= 0, no caso da acomodação, para simplificar as opções (TIROLE, 1988).

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80

FARRELL; SALONER, 1985; KATZ; SHAPIRO, 1985). Esse movimento buscou agregar

ao estudo da concorrência fatores produzidos pelas interações entre os atores relevantes. A

OIM concentrou-se inicialmente na utilização instrumental107

do conceito de externalidade

de rede, como suporte analítico para alguns problemas de natureza alocativa, gerados pelo

comportamento dinâmico de mercados particulares108

(BRITTO, 2002). Em particular, a

definição de externalidade de rede da demanda como “uma alteração no benefício ou exce-

dente que um agente deriva de um bem quando muda o número de outros agentes consu-

mindo o mesmo tipo de bem [ou serviço]” (LIEBOWITZ; MARGOLIS, 1998), permitiu

reavaliar o papel da interação mútua nas escolhas dos consumidores.

Externalidades de rede de demanda proporcionam rendimentos crescentes nos

mercados em que são verificadas. Logo, elas aumentam a interdependência entre consumi-

dores e, de certa forma, alteram suas preferências endogenamente. Por isso, as expectativas

sobre a formação de redes de usuários em torno de produtos e serviços específicos, total ou

parcialmente incompatíveis com seus concorrentes diretos, acabam por definir aqueles que

sobreviverão em seus respectivos mercados, pela ação de mecanismos que atuam além das

considerações usuais de eficiência109

(DAVID, 1985). Esse fenômeno, de realimentação

positiva, produz efeitos de rápida concentração do mercado ao redor de apenas um produto

ou padrão tecnológico, inviabilizando a existência de alternativas, exceto em nichos parti-

culares (BESEN; FARRELL, 1994). Uma consequência direta da presença de externalida-

des de rede, observada em diversos mercados, é a inaplicabilidade dos teoremas clássicos

do bem-estar social, ainda que seja possível o estabelecimento de equilíbrio competitivo

dos preços, situação que caracteriza uma falha de mercado (SHY, 2001).

As externalidades de rede explicam a concentração persistente da telefonia fi-

xa, por exemplo. Nessa indústria, a adoção crescente pelos usuários da rede telefônica de

107 Quadros de referência teórica baseados em jogos em rede eram, nesse momento, em geral aplicados à

investigação de fenômenos cooperativos entre agentes – ver, por exemplo, Jackson e Yariv (2007). 108 A literatura sobre externalidades distingue, pelo menos, quatro tipos particulares: (i) externalidades técni-

cas, relativas à interdependência produtiva entre firmas; (ii) externalidades pecuniárias, associadas com a interação entre preços relativos de fatores e as estruturas de custos; (iii) externalidades tecnológicas, induzidas

pelo efeito de spillover do conhecimento tecnológico entre firmas; e (iv) externalidades de demanda, associa-

das à influência dos demais consumidores nas escolhas do consumidor (BRITTO, 2002). 109 O processo de formação conjunta de expectativas é intrinsecamente indeterminado (open-ended) e conduz

a soluções de “equilíbrios múltiplos” quando modelado analiticamente (SHY, 2001).

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81

determinada empresa criaria incentivos diretos, até certo ponto crescentes, para que os no-

vos usuários também escolhessem essa firma, em detrimento de competidoras com menor

número de clientes.110

Segundo Shy (2001), pode-se formalizar esse processo. Considere-se

um grupo de 𝜂 usuários potenciais do serviço telefônico, ordenados uniformemente no in-

tervalo [0,1] conforme sua disposição decrescente a pagar por ele. Como ilustração, os 𝜂

3

usuários com maior propensão a contratar uma linha telefônica estão contidos em [0,1

3]. Se

𝑞, 0 ≤ 𝑞 ≤ 1, representar o total de contratantes de um telefone e 𝑝 for o seu preço, pode-

se definir a função de utilidade 𝑈𝑥 para um usuário 𝑥 qualquer, 𝑥 ∈ [0,1], como:

𝑈𝑥 = {(1 − 𝑥)𝑞 − 𝑝, para usuários conectados0, para usuários desconectados

(4)

Dado um preço 𝑝 para o serviço, o usuário �̂� que é indiferente entre contratá-lo

ou não (𝑈𝑥 = 0) será dado por:

�̂� =𝑞 − 𝑝

𝑞 (5)

Como por definição 𝑞 = 𝜂�̂�, a função inversa da demanda será dada por:

𝑝 = (1 − �̂�)𝜂�̂� (6)

A função (6) tem a forma de parábola, com preço máximo dado em 𝑥 =1

2. Isso

significa que, com poucos usuários, o preço deve ser baixo pela pouca utilidade do serviço

– os efeitos de rede dominam o preço –, mas pode crescer à medida que novas conexões são

realizadas. Apenas depois de atingir a metade da população potencial, a função inversa de

demanda assume a inclinação descendente usual. Essa característica da curva de demanda

produz, simultaneamente, dois impactos importantes sobre a competição: (i) para um mes-

mo nível de preços, a rede com mais usuários será sempre preferível às demais; e (ii) à me-

dida que cresce a população de usuários potenciais, maior poderá ser o preço praticado.111

110 A premissa essencial para o surgimento da externalidade de rede, nesse caso, é a ineficiência do regime de

interconexão entre as diversas redes, que impossibilita um usuário de acessar usuários de outras redes ou

ocasiona custo mais elevado para as chamadas inter-redes (em relação às chamadas intrarrede). 111 O risco de comportamento predatório, resultante do inevitável processo de concentração, justificou a ação

do Estado para concentrar e regular a operação do sistema, frequentemente por meio de monopólio estatal. A

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2.2.4. Preços de congestionamento e qualidade de rede

Considerando as características particulares do serviço de acesso à internet, au-

tores como MacKie-Mason e Varian (1994b) levantaram ainda a hipótese de que modelos

do tipo “preço de congestionamento” seriam mais adequados para explicar o mercado de

acesso à internet. Nesses modelos, o preço ótimo (do ponto de vista do bem-estar social) a

ser cobrado, sobre cada unidade de informação (“pacote”) que trafega na rede, deveria ser

determinado com base na alocação eficiente dos custos dos recursos mobilizados nessa si-

tuação. Esses autores pressupõem o desdobramento conceitual do preço em duas parcelas:

uma constante, para recuperação dos custos operacionais alocados conforme algum critério

fixo, e outra variável, para controlar o uso “abusivo” e manter o congestionamento da rede

dentro de níveis aceitáveis. A representação desse modelo é esboçada a seguir.

É dado o número 𝜂 de usuários potenciais da rede, supondo-se que o usuário 𝑖,

𝑖 = 1,… , 𝜂, seja responsável pela movimentação de 𝑞𝑖 pacotes em cada momento. Dessa

forma, 𝑄 = ∑ 𝑞𝑖𝜂𝑖=1 representaria a quantidade total de pacotes que circulam na rede no

período em questão. Entretanto, a rede física que suporta a internet é dimensionada para o

transporte de até �̅� pacotes com padrão adequado de serviço, ou seja, sem que a qualidade

percebida pelos usuários seja significativamente prejudicada.112

Com isso em mente, Ma-

cKie-Mason e Varian (ibid.) propuseram uma função de utilidade para o usuário 𝑖:

𝑈𝑖 = √𝑞𝑖 − 𝛿𝑄

�̅�− 𝑝𝑞𝑖 (7)

𝛿 é o parâmetro que quantifica a perda de utilidade com o congestionamento da

rede, medido pelo grau de utilização da capacidade instalada �̅�. Quando 𝑄

�̅�≤ 1, a rede está

subutilizada e a qualidade percebida pelos usuários é adequada. 𝑝 representa o preço para

cada pacote que trafegado. No caso de 𝑝 = 0, o tráfego demandado pelo usuário 𝑖 será

aquele que resolva (8), dadas as condições de primeira e segunda ordem em (9).

partir dos anos 1980, essa tendência começou a ser gradualmente substituída pelo paradigma da interconexão, por meio do controle administrativo do “preço de acesso” à rede do incumbente. 112 Em função da natureza probabilística das redes de comutação de pacotes, algum nível de congestionamen-

to, com consequente atraso no fluxo de informações, é inerente ao próprio projeto da capacidade física das

redes. A degradação da qualidade dos serviços é, em geral, avaliada com base nesse nível projetado para a

qualidade. O tema é detalhado no Apêndice A.

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max𝑞𝑖

𝑈𝑖 = √𝑞𝑖 − 𝛿𝑄

�̅�− 𝑝𝑞𝑖, 𝑄 = 𝑞𝑖 +∑𝑞𝑗

𝜂

𝑗≠𝑖

, 𝑝 = 0 (8)

d𝑈𝑖d𝑞𝑖

=1

2√𝑞𝑖−𝛿

�̅�− 𝑝 = 0,

d2𝑈𝑖d(𝑞𝑖)2

= −1

4√(𝑞𝑖)3< 0 (9)

𝑞𝑖 = (�̅�

2𝛿)

2

, 𝑄 = 𝜂𝑞𝑖 = 𝜂 (�̅�

2𝛿)

2

(10)

A conclusão obtida em (10) é inequívoca: a capacidade demandada pelos usuá-

rios, nesse cenário, cresce segundo o quadrado da capacidade instalada da rede. Logo, os

congestionamentos seriam inevitáveis sem a adequada cobrança pelo tráfego gerado. Mas,

se o preço 𝑝 for maior que zero, a utilização tenderá a se reduzir, de forma que 1 ≤ 𝑞𝑖 <

(�̅�

2𝛿)2

. Supondo que, nessa situação, todos os usuários utilizem a mesma quantidade de pa-

cotes 𝑞 = 𝑞𝑖, para 𝑖 = 1,… , 𝜂, o preço máximo 𝑝𝑚𝑎𝑥, que torna o usuário indiferente em

incrementar ou não sua utilização da rede (𝑈𝑖 = 0), é dado por:

𝑝𝑚𝑎𝑥 =1

√𝑞− 𝛿

𝜂

�̅� (11)

Cada provedor de acesso à internet 𝑗, 𝑗 = 1,… , 𝜆 (𝜆 é o número de provedores)

tem no investimento na capacidade 𝑄𝑗 de sua rede a principal ação de diferenciação do seu

produto, apesar de nenhum provedor, individualmente, ter controle sobre a capacidade total

da rede �̅� = ∑ 𝑄𝑗𝜆𝑗=1 . Ainda assim, o resultado obtido em (11) indica que o compromisso

clássico entre qualidade e preço também está presente nesse caso e que os valores efetiva-

mente praticados provêm da maximização do lucro pelos provedores, supondo que altera-

ções na capacidade 𝑄𝑗 individuais sejam insignificantes para a definição de �̅�. Então, para

os pequenos provedores (𝑄𝑗 ≪ �̅�), a única estratégia disponível é a de “tomadores de pre-

ço” (price takers). Isso significa que, em um cenário com a presença de economias de esca-

la, os provedores maiores poderão, potencialmente, definir preços que inviabilizem as fir-

mas menores e bloqueiem a entrada de novas, uma espécie de barreira à entrada dinâmica.

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2.2.5. Limitações da organização industrial

Não obstante o inegável avanço representado pela OIM para explicar o compor-

tamento estratégico das firmas no mercado, antes e após a entrada de competidores, suas

premissas restritivas são apontadas como importantes limitantes de sua aplicação generali-

zada na avaliação empírica (PYKA; EBERSBERGER; HANUSCH, 2004). Mesmo com o

maior rigor que a teoria dos jogos aportou para elucidar os preços em oligopólio, com base

em processos de coordenação tácitos ou explícitos, a OIM segue incapaz de explorar as

consequências desse fenômeno além da questão alocativa estática. A ênfase estrita no me-

canismo de preços e no equilíbrio dificulta o tratamento de outras questões relevantes, es-

pecialmente aquelas de natureza dinâmica (POSSAS, 2002).

A premissa da escolha perfeitamente racional pelas firmas, desenvolvida logi-

camente ao limite pela TJ, fornece insights importantes em alguns tipos de situação, mas é

limitada como ferramenta explanatória em muitos outros (KIRMAN, 1997; WINDRUM,

2007). Em diversas situações concretas, a hipótese de racionalidade substantiva113

assumida

pela teoria dos jogos é problemática, pois implica que considerações sobre incerteza e pru-

dência dos agentes são subestimadas na busca do equilíbrio (SIMONSEN, 1988; DE-

QUECH, 2003, 2006). Essas restrições podem acarretar problemas nos resultados analíti-

cos, particularmente em setores tecnologicamente dinâmicos, nos quais o nível de incerteza

elevado e o aprendizado coletivo são essenciais para a dinâmica setorial. O tratamento que

a OIM dá ao desenvolvimento cooperativo do conhecimento, ao focalizar o tema essenci-

almente nos spillovers, agrava essa questão (PYKA; GILBERT; AHRWEILER, 2009),

apesar de trabalhos recentes na TJ estarem tentando superar essa limitação – ver, por exem-

plo, Stein (2008).

Outro ponto problemático são as situações que envolvem alteração de valores

sociais e instituições, inclusive as tecnológicas, que na OIM são frequentemente modeladas

como soluções de equilíbrio múltiplo (DOSI; NELSON, 1994). Compreender como uma

solução particular de equilíbrio é selecionada, entre as diversas alternativas, é igualmente

113 O termo se coloca em oposição à racionalidade limitada (bounded rationality) que, por sua vez, é definida

como “categoria residual”, caracterizada por qualquer forma de racionalidade inferior à omnisciência. Ela se

origina na limitação dos indivíduos, em um ambiente de incerteza, de conhecer todas as alternativas possíveis

e, portanto, de calcular completamente as consequências das suas ações e das dos outros (SIMON, 1979).

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importante (ARTHUR, 1988). A explicação da mudança – e não apenas do equilíbrio –

deveria ser um dos elementos centrais do tratamento da competição (METCALFE, 1998).

[No quadro conceitual da OIM] apenas a dimensão quantitativa dos esta-

dos potenciais de equilíbrio e sua estática comparativa [são] considerados. No nível setorial isso significa que a análise é restrita para estruturas de

equilíbrio de longo prazo descrevendo, por exemplo, o número de firmas

em uma indústria particular, sem por ênfase nos fatores que impulsionam a emergência e a maturação das indústrias, [...] basicamente negligencian-

do os processos de inovação e desenvolvimento tecnológico [PYKA;

EBERSBERGER; HANUSCH, 2004, p. 192].

Em uma abordagem de equilíbrio geral, na qual os agentes hiper-racionais abso-

lutamente não interagem, ou na teoria dos jogos clássica, em que os atores hiperconectados

se relacionam com todos os demais, não costuma existir espaço para uma representação

intermediária,114

que privilegie padrões de interação local complexa (KIRMAN, 1997;

PYKA; FAGIOLO, 2005). Como lembra Georgescu-Roegen (1967, p. 32), na perspectiva

da neoclássica “a condição comumente classificada como de ‘indústria perfeitamente com-

petitiva’ na realidade não envolve nenhuma competição”, pois as firmas se ajustam passi-

vamente, por meio de preços, quantidades ou investimentos, sem que seja necessária a inte-

ração ativa. A introdução dos jogos em rede mitigaria, em princípio, essa limitação, permi-

tindo o tratamento da interação estratégica local pela OIM. Porém, os modelos passíveis de

serem tratados pelos jogos em rede são bastante restritos, em especial por causa de sua limi-

tada generalidade em face da multiplicidade de topologias de rede e da falta de solução

adequada para o problema da coordenação no equilíbrio (KÖNIG; BATTISTON; SCHWEIT-

ZER, 2009). Os resultados possíveis, produzidos utilizando-se topologias muito simples, não

se mantêm quando são introduzidas redes mais complexas – e próximas dos arranjos reais

(GOYAL, 2007).

Um dos problemas analíticos críticos é que a operação das redes de agentes he-

terogêneos adaptativos – que compõem os sistemas econômicos – acontece frequentemente

fora do escopo de atratores globais para o equilíbrio. Até em suas formas mais sofisticadas,

incluindo a análise de redes, a teoria dos jogos não oferece recursos técnicos suficientes

114 Autores como Potts (2000) argumentam que essa restrição tem origem na geometria do espaço matemático

adotado pela teoria neoclássica, na forma de um campo no ℝ𝑛, onde obrigatoriamente todos os elementos têm

que estar conectados com todos os demais, por definição.

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para lidar com essa realidade complexa (HOLLAND, 1988; KIRMAN, 1997). “Inovação é

uma questão de comportamento diferencial e comportamento diferencial é a base para a

mudança estrutural” (METCALFE, 1998, p. 37). A adoção do agente representativo (ou da

homogeneidade entre eles), a despeito da tratabilidade matemática, obstrui a consideração

da mudança estrutural e da inovação, pelo menos no sentido que esses termos normalmente

adquirem fora da OIM. Em situações reais, usualmente as firmas respondem de modo dife-

renciado aos mesmos sinais recebidos do mercado, de forma completamente racional, por-

que nem todas as escolhas são claramente superiores às outras ex ante (DAVID, 1985).

Caso sejam conceitualmente abstraídos os desafios impostos pela inovação, a

OIM, em princípio, é também aplicável em situações de racionalidade limitada. Mas sua

aplicação, nessas condições, requer que os contextos nos quais os atores tomam suas deci-

sões sejam razoavelmente familiares para eles, permitindo um nível adequado de previsibi-

lidade e homogeneidade dos comportamentos ótimos, ou pelo menos superiores 115

(DOSI;

NELSON, 1994). Contudo, nessa situação, o tratamento de como e quais condutas “racio-

nais” poderiam ser aprendidas pelos agentes é problemático, pois a OIM, em essência, des-

considera o ambiente institucional – valores, normas, crenças, práticas compartilhadas –

que guia e restringe a seleção dos comportamentos efetivamente adquiridos.116

Ora, talvez a

principal fragilidade teórica da organização industrial seja justamente explicar as condutas

das firmas sem compreender as forças tecnológicas e sociais que as moldaram, partindo da

premissa de que, independentemente de como o processo se deu, o resultado final possa ser

predito e, além disso, seja ótimo e universal.

2.2.6. O setor de internet na perspectiva da organização industrial

Uma das conclusões preliminares do exame do mercado de acesso à internet é a

inaplicabilidade dos modelos “padrão” de concentração industrial. Um oligopólio de Ber-

115 A premissa básica é supor que os atores se comportam “como se” eles conhecessem o que estão fazendo e

que, no caso de ocorrência de erros de julgamento, os agentes inevitavelmente descobririam as respostas cor-

retas e adequariam o seu comportamento, excluindo a possibilidade de erros sistemáticos (NELSON, 1995). 116 A questão de fundo é a premissa da otimização em condições estritas de racionalidade. Mesmo relaxados

os pressupostos sobre a previsibilidade das escolhas, com a introdução dos conceitos de risco, relacionamento

em rede e variáveis estocásticas, a OIM necessita assumir que o conjunto de escolhas da firma, inclusive tec-

nológicas, é dado, finito e conhecido a priori. Assim, cabe à concorrência tão somente o papel de gerar os

sinais e incentivos para que os competidores façam as escolhas corretas (DOSI, 1982).

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87

trand pressupõe competição por preços, o que parece descartado pela evidência empírica do

Capítulo 1.117

Por hipótese, tampouco uma leitura baseada no modelo de Cournot é compa-

tível com o mercado de acesso, no qual os provedores, na prática, sequer têm controle dire-

to sobre as quantidades que oferecem.118

Ao investigar as principais condições para a concentração sugeridas pela OIC,

diversos pré-requisitos habituais não se verificam no mercado de acesso. Como aponta a

pesquisa empírica, a diferenciação dos produtos é limitada, restrita principalmente à esfera

da qualidade, a elasticidade-preço da demanda é bastante elevada e as barreiras à entrada

estáticas são restringidas pela dinâmica do progresso técnico setorial. Também não parece

ter papel importante a sinalização de retaliação pelos incumbentes, considerando o volume

elevado de entrantes, a despeito do seu eventual insucesso em crescer.

As operadoras tradicionais tentam defender o seu monopólio natural na

rede de telefonia local por meio do reforço do papel das externalidades de rede, custos irrecuperáveis e economias de escopo. [...] No entanto, as

economias de escala atribuída ao acesso local já não são suficientes para

impedir a concorrência a partir de novas tecnologias de radiocomunicação

digital e de acesso por fibra óptica [DAVIES, 1996, p. 1176].

Além disso, leitura tradicional do setor de telecomunicações como monopólio

natural, em virtude dos custos irrecuperáveis ou das externalidades de rede diretas, também

não parece se transpor diretamente para a o cenário da internet. Nesse caso, as barreiras à

entrada estáticas, bem como os sunk costs, são, em geral, muito menos relevantes do que na

telefonia fixa. Isso porque estão disponíveis tecnologias de acesso que permitem a constru-

ção de redes com escalas relativamente reduzidas, viabilizando a competição (economica-

mente eficiente) entre redes de serviço sobrepostas, como demonstrado pela telefonia mó-

vel – e que utiliza plataforma tecnológica compartilhada com o acesso à internet.119

A existência de vantagens de escala e escopo para os provedores de acesso

maiores não pôde ser descartada pela análise empírica e, aparentemente, é uma das forças

117 O modelo de Bertrand pode ser, no entanto, uma representação, em princípio, razoável para o segmento de

equipamentos e sistemas, no qual a relativa concentração do mercado acontece simultaneamente com intensa

competição de preços e margens reduzidas. 118 Tanto em termos técnicos quanto regulatórios, as condições desse mercado dificultam o controle eficaz, no

curto prazo, do número de usuários e do volume de tráfego que um provedor efetivamente atende. 119 Apesar da frequente introdução de novas e mais produtivas tecnologias de acesso, que requerem a constan-

te substituição de redes obsoletas, a vantagem dos first-movers, apesar de reduzida, não foi completamente

eliminada, como parece indicar a frequente dominância dos provedores históricos.

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de estímulo para a concentração no caso concreto.120

Por outro lado, a avaliação dos custos

e rentabilidades das incumbentes do mercado de acesso parece afastar, pelo menos prelimi-

narmente, a hipótese de mercado contestável (Seção 2.2.1). Margens substanciais – preços

razoavelmente acima dos custos médios – foram constatadas para as incumbentes. Tam-

pouco foram detectados indícios da ocorrência de “guerras de atrito” entre as firmas. Pelo

contrário, a convivência por meio da divisão geográfica do mercado é dominante.

É frequente a proposição de que, à semelhança da telefonia, externalidades de

rede proporcionem importante vantagem para os incumbentes (Seção 2.2.3). Isso porque,

como a telefonia, o serviço de acesso mostra clara evidência da presença de efeitos de rede

na sua adoção pelos usuários (SHAPIRO; VARIAN, 1999/2002). Mas, em virtude das ca-

racterísticas específicas da internet, em particular a interconexão de baixo custo generaliza-

da, esses efeitos não se manifestam diretamente em benefício de uma rede,121

como na tele-

fonia. Afinal, não é relevante para a maioria dos usuários em qual rede eles estão conecta-

dos, uma vez que todas as sub-redes que compõem a internet estão interconectadas e, em

geral, não existe diferenciação de preço para troca de informações inter ou intrarredes.

Além disso, custos de migração entre provedores tampouco parecem ser consideráveis,

considerando-se o elevado churning. Por isso, o comportamento monopolista de redes

“clássico” não está no conjunto de possibilidades estratégicas dos provedores de acesso,

mesmo os maiores.122

A avaliação das estratégias das firmas do setor, baseada na TJ, não é tarefa sim-

ples, em função da convivência de jogos cooperativos e não cooperativos, característica da

trajetória da internet. Adicionalmente, a dinâmica do setor alternou, frequentemente, distin-

tas “regras do jogo”, muitas vezes oriundas das redes sociais de cooperação ad hoc estabe-

lecidas entre os agentes, o que complica a análise. Ainda assim, resultados em um nível

120 Vale notar que mesmo no segmento de conteúdo, no qual a presença de significativas economias de escala

é ainda mais marcante, a dominância das firmas líderes tem sido relativamente efêmera, marcada pela inces-

sante competição por meio da introdução de serviços e conteúdos inovadores. 121 Esse tipo de externalidade de rede costuma ser denominada “indireta” (KATZ; SHAPIRO, 1985). Ela se dá

quando as decisões dos usuários influenciam as preferências por causa do estímulo indireto para a oferta de bens complementares àqueles que estão sendo avaliados. 122 Isso se deve crucialmente ao modelo aberto de interconexão, que historicamente se estabeleceu entre os

maiores provedores, pelo menos, reforçado posteriormente pelas diretrizes dos organismos de governança da

internet. Isso restringiu, na prática, a utilização das externalidades produzidas pela rede para promoção de

estratégias monopolistas pelas firmas detentoras da infraestrutura da internet.

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mais elevado de generalidade, compatíveis com a concentração verificada empiricamente,

são passíveis de tratamento com a TJ – ver, por exemplo, Faulhaber e Hogendorn (2000).

Em especial, o modelo de Stackelberg-Spence-Dixit (Seção 2.2.2) é adequado

para tratar alguns cenários específicos do mercado de acesso, mesmo que em condições de

elevada generalidade. A informação empírica parece dar sustentação à hipótese de que o

significativo volume de investimento irreversível realizado pelos incumbentes pode induzir

alguma restrição para entrada. Em conjunto com a presença de economias de escala, isso

estabelece um círculo vicioso para os entrantes, que chegam ao mercado com tamanho pe-

queno demais para se tornarem competidores efetivos. A evidência anedótica aponta que o

único caso de entrante exitoso no mercado brasileiro, a GVT, foi precisamente um dos pou-

cos provedores iniciantes que investiram em escala comparável à das incumbentes.123

Por fim, o modelo de preços de congestionamento (Seção 2.2.4) é interessante

para esclarecer algumas características do mercado de acesso, em particular a questão espe-

cialmente delicada do balanço entre preços e qualidade (capacidade). Considerando que os

consumidores podem avaliar objetivamente a qualidade dos serviços apenas após sua frui-

ção, a sinalização dos preços é uma das poucas alternativas dos provedores para evitar os

congestionamentos das redes e o impacto negativo na qualidade. Por outro lado, ao oferece-

rem um produto razoavelmente homogêneo, os preços são simultaneamente operados como

instrumento de ação competitiva. Essa dupla atribuição para os preços – em princípio con-

traditória – produz realimentação e não linearidade na função de resposta de oferta e de-

manda, potencialmente desestabilizando o sistema. Obviamente essa problemática não pode

ser estudada a partir da perspectiva de equilíbrio. Preliminarmente, parece possível estender

o estudo dessa questão utilizando a teoria dos jogos evolucionários, uma vez que se trata

evidentemente de um problema de coordenação.124

No entanto, esse é forçosamente um

tema para pesquisa futura, considerando-se que a avaliação preliminar, sumarizada no

Apêndice A, mostra que aparentemente não existe solução simples para esse jogo.

123 O elevado volume de investimento da GVT e da Nextel foram, até o momento, casos únicos no Brasil. Mas

isso demonstrou a viabilidade da entrada, atendidas certas condições, independentemente da capacidade insta-

lada das incumbentes. 124 Agradeço ao prof. Sebastian Ille pela ideia dessa extensão.

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Adicionalmente, o modelo de preços de congestionamento esclarece o modo

pelo qual os incumbentes podem praticar valores que bloqueiem a entrada, mas ainda assim

permanecerem lucrativos. Entretanto, o modelo não é capaz de esclarecer como se dá essa

dinâmica entre incumbentes e entrantes, fundamental para explicar a estrutura setorial.

2.3. Teoria evolucionária neoschumpeteriana

O que torna o capitalismo diferenciado é a sua capacidade, descentraliza-

da e distribuída, para a introdução de novos padrões de comportamento; sejam tecnológicos, organizacionais ou sociais, eles são o combustível que

impulsiona a mudança econômica [METCALFE, 1998, p. 3].

O conceito de “creative destruction” (“destruição criadora”) de Schumpeter

(1943/1976) talvez seja uma das melhores e mais sucintas descrições de uma teoria evolu-

cionária na ciência econômica. Schumpeter (1912/1997) transformou o espaço clássico de

estudo da concorrência interfirma, ao reconhecer que as firmas procuram ativamente se

diferenciar entre si, pelas incessantes inovação e imitação, tecnológica125

e organizacional,

em busca do “lucro de monopólio”.126

Apontou também que o padrão de avanço, gerado

endogenamente nesse processo, influenciava fortemente a estrutura competitiva do mercado

(SCHUMPETER, 1943/1976). “Ele identificou como processo-chave do desenvolvimento a

‘realização de novas combinações’, e, na economia competitiva, ‘novas combinações signi-

ficam a eliminação competitiva do velho’” (NELSON; WINTER, 1982/2005, p. 402). É em

sua obra de 1943 que ele apresenta a célebre “hipótese schumpeteriana”: a presença de em-

presas grandes, com efetiva capacidade de inovar, em mercados crescentemente concentra-

dos, é condição necessária para o progresso econômico acelerado observado no século XX.

Como ilustra Possas (2002), a perspectiva schumpeteriana representa uma mu-

dança radical de paradigma na análise da competição. Formulações usuais da concorrência

na teoria neoclássica, como aquelas apresentadas por Arrow (1962) ou Dasgupta e Stiglitz

(1980), restringem o papel da concorrência ao processo de eliminação de vantagens ou dife-

125 Tecnologia, em um contexto neoschumpeteriano, pode ser definida como “um conjunto composto por

conhecimento, diretamente ‘prático’ (relacionado com problemas e dispositivos concretos) ou ‘teórico’ (mas aplicável na prática apesar de não necessariamente já ter sido aplicado), know-how, métodos, procedimentos,

experiência de sucessos e falhas e [...] dispositivos e equipamentos físicos” (DOSI, 1982, p. 151-152). 126 Conceito da economia clássica – as “quase rendas” – que representa o lucro capturado pelo monopolista,

além da cobertura dos custos marginais, e que é possível apenas na situação de competição imperfeita (VA-

RIAN, 2006).

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renças entre as firmas concorrentes, a partir da sinalização promovida pelo sistema de pre-

ços – e da disponibilidade da tecnologia como bem público.127

Nesse enfoque, monopólio

ou oligopólio representam situações estritamente antagônicas ao mercado competitivo en-

quanto instrumento alocativo ótimo (POSSAS, 2002). Já para Schumpeter, a competição

não tem relação direta com a eficiência econômica estática. Pelo contrário, a inovação con-

tínua tende a fragilizar a concorrência, ao criar vantagens dinâmicas para os inovadores de

sucesso, restando a alocação dos benefícios do progresso tecnológico como conjuntural – e

não predeterminada por uma forma particular de competição (DOSI; NELSON, 2010).

Com base na herança schumpeteriana, Nelson e Winter (1982/2005) propuse-

ram a teoria evolucionária (TE), que se tornou ponto de referência para o desenvolvimento

da escola neoschumpeteriana desde os anos 1980. Ela é dita “evolucionária” porque a eco-

nomia capitalista se desenvolve (“evolui”) ao longo do tempo, por meio de “um processo

ininterrupto de introdução e difusão de inovações em sentido amplo,128

isto é, de quaisquer

mudanças no ‘espaço econômico’ no qual operam as empresas” (POSSAS, 2002, p. 418,

grifos no original). Por sua própria natureza, processos evolucionários são o que se conven-

ciona chamar de open-ended, ou seja, não podem ser completamente predeterminados –

sem tampouco serem aleatórios – pois dependem de uma interação complexa entre múlti-

plos fatores, inclusive os de ordem institucional, que se modificam no decorrer da trajetória

temporal (LOASBY, 1999).

A adoção de uma abordagem evolucionária para a economia foi inspirada pela

biologia,129

apesar de não ter sido realizada com exclusividade pela escola neoschumpeteri-

ana. A contribuição relevante da vertente, porém, foi a formalização da rica visão apreciati-

va de Schumpeter sobre o capitalismo, como potente mecanismo de indução da mudança.

De forma geral, a teoria evolucionária pode ser vista como uma teoria so-

bre como a sociedade, ou a economia, aprende: em casos muito especiais o aprendizado leva à convergência para alguns repertórios de “comporta-

mentos ótimos”; normalmente ele acarreta a adaptação mais ou menos

127 Para uma visão geral das características dos modelos desses autores, em particular das diferenças entre as

premissas adotadas com aquelas assumidas por Schumpeter, ver Hasenclever e Ferreira (2002). 128 Schumpeter (1912/1997) apresentou uma tipologia para as inovações: (i) introdução de um novo produto;

(ii) introdução de um novo método de produção; (iii) abertura de um novo mercado; (iv) conquista de nova

fonte de insumos; (v) reorganização da indústria, visando ao aumento do poder de mercado. 129 Apesar da importância pedagógica da referência evolucionária na biologia, diversos autores têm criticado

essa prática, considerando a inadequação dessa analogia em diversas circunstâncias (WINDRUM, 2007).

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temporária, e altamente subótima, para o que é percebido serem as restri-

ções e oportunidades ambientais vigentes, e também muitos erros sistemá-

ticos, tentativas e descobertas [DOSI; NELSON, 1994, p. 158].

Pelo menos três elementos fundamentais costumam definir uma abordagem

evolucionária: (i) o princípio da variação: indivíduos de uma população se diferenciam

com respeito a uma ou mais características – ou unidades de seleção – relevantes; (ii) o

princípio da hereditariedade: os mecanismos de reprodução do sistema garantem a geração

e a regeneração no tempo dessa microdiversidade, mesmo que de modo imperfeito; e (iii) o

princípio da seleção: os atributos de alguns indivíduos são mais bem adaptadas do que os

de outros, provocando o aumento da sua participação relativa ao longo do tempo, transfor-

mando diversidade em padrões de mudança (METCALFE; FONSECA; RAMLOGAN,

2002). Com base nesses princípios, processos evolucionários podem ser analisados por qua-

tro “blocos básicos”: (i) as unidades elementares de seleção relevantes dos agentes (o equi-

valente aos genes na biologia); (ii) os mecanismos que interligam as unidades de seleção (o

“genótipo”) com o comportamento (o “fenótipo”); (iii) as interações no mercado, que pro-

porcionam a dinâmica de seleção; e (iv) os processos que dão origem à variabilidade dos

genótipos e, consequentemente, dos “fenótipos” (DOSI; NELSON, 1994; NELSON, 1995).

No caso dos mercados, as unidades de seleção das firmas produtoras são for-

madas por estruturas complexas, frequentemente aninhadas umas dentro das outras. Capa-

cidades específicas, em um sentido amplo, como tecnologias, bases de conhecimento, mo-

delos mentais e de comportamento e cultura organizacional, são, em um nível mais elevado

de abstração, candidatos importantes para o papel dos “genes” de que as empresas dispõem

para responder às oportunidades e formas de decisão e ação. Já a “aptidão”130

(“fitness”) é

definida a partir dos resultados das interações que ocorrem no mercado, suportada pelas

características (“fenótipo”) que cada organização desenvolve por meio das capacidades de

que dispõe (“genótipo”). A aptidão, nessa perspectiva, representa a habilidade das firmas

para resolver os problemas específicos com que se deparam no processo de seleção compe-

130 “Uma entidade que está adaptada tem a propriedade da aptidão; ela está em um relacionamento viável com

as demandas do seu ambiente. Em contraste, adaptabilidade diz respeito ao potencial para se ajustar a circuns-

tâncias mutáveis de uma forma apropriada” (TOULMIN, 1981 apud METCALFE, 1998, p. 35).

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titiva, sejam eles de origem tecnológica, organizacional ou política, com o objetivo de so-

breviver com maior lucratividade (NELSON, 1995).

As capacidades das firmas podem se materializar tanto como recursos específi-

cos, adquiridas previamente, quanto pelos procedimentos e regras de decisão – ou rotinas131

– desenvolvidas para lidar com as condições internas e externas com que se depara. Essas

capacidades, em última instância, definem o modo pelo qual a atividade produtiva trans-

forma insumos em produtos, da melhor maneira acessível à empresa (METCALFE, 1998).

As rotinas operam em diversos níveis do processo empresarial, dos quais Nelson e Winter

(1982/2005) distinguem pelo menos três: (i) os procedimentos operacionais padronizados,

que determinam como e quanto produzir em diversas circunstâncias, dadas as disponibili-

dades de capital e as restrições aplicáveis no curto prazo; (ii) os processos que decidem o

investimento, em função dos lucros e de outras variáveis; e (iii) os métodos deliberativos da

firma, que definem as estratégias válidas para a busca de inovações que permitam melhorar

a forma como ela produz e se organiza.132

Em um cenário de racionalidade limitada, os

agentes adotam procedimentos baseados em rotinas específicas do contexto em que se inse-

rem e, até certo nível, independentes dos eventos, como instrumento de defesa contra a in-

certeza no desdobramento de suas ações e nas dos outros (DOSI; NELSON, 1994).

[U]ma perspectiva evolucionária se concentra nos processos pelos quais as empresas persistentemente buscam e adotam novas tecnologias, bem

como novas formas organizacionais e novos padrões de comportamento,

como meio de ganhar vantagens sobre seus concorrentes e no processo competitivo que impele o crescimento, o declínio e o possível desapare-

cimento de várias empresas [DOSI; NELSON, 2010, p. 54].

Diversamente da vertente darwiniana na biologia,133

a TE localiza os mecanis-

mos de geração de variedade e adaptação das firmas nas rotinas de busca e experimentação

de “novas combinações” (de capacidades), pelos quais são constantemente introduzidas

131 Rotinas são conjuntos de comportamentos baseados em regras de decisão previamente deliberadas, razoa-

velmente invariantes no curto prazo, e que são formatadas pelo histórico de aprendizado dos agentes, sua base

de conhecimentos e pelo quadro institucional em que se inserem (DOSI; NELSON, 1994). Elas têm a conota-

ção de comportamento que é executado sem muita avaliação explícita, após sua formulação, uma vez que elas são assumidas como apropriadas e efetivas nas situações em que são empregadas (NELSON, 1995). 132 Os métodos deliberativos não assumem qualquer relação acurada entre os objetivos das estratégias e os

resultados da busca inovadora (NELSON; WINTER, 2010). 133 É por isso que diversos autores classificam a inspiração evolucionária na economia como lamarckiana,

apesar do desprestígio dessa corrente na biologia (NELSON, 1995).

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mudanças, dentro e fora das fronteiras organizacionais (SCHUMPETER, 1912/1997; DO-

DGSON, 2011). Isso se dá de três maneiras: (i) inovação, com a introdução de novas capa-

cidades (produtos, processos ou formas de organização); (ii) difusão, pela propagação dife-

rencial de certas capacidades entre rivais; e (iii) imitação, pela cópia deliberada134

(e poten-

cialmente imperfeita) de capacidades desenvolvidas por outras empresas e, eventualmente,

potencializada por ativos complementares135

(TEECE, 1986). Apesar de relevantes, as ca-

pacidades iniciais das firmas tornam-se menos importantes com o passar do tempo, à medi-

da que novas capacidades se acumulam durante o aprendizado, intrinsecamente path de-

pendent136

(PETERAF, 1993; DOSI; MARENGO; FAGIOLO, 2003). Deve ser ressaltado

que esse processo não se restringe apenas à esfera técnica, mas estende-se a toda a dimen-

são organizacional (CORIAT; DOSI, 1998, 2002).

As ações das firmas são constantemente avaliadas pelo mercado, como princi-

pal dispositivo de seleção.137

“A hipótese é que, através do fluxo ciência-tecnologia-

produção, as ‘forças econômicas’, [...] em conjunto com fatores institucionais e sociais,

operam como um dispositivo de seleção” (DOSI, 1982, p. 153, grifo no original). É sobre a

aptidão individual, condicionada pelas capacidades particulares, pelos resultados da busca

tecnológica e materializada na inovação, que age o processo de seleção, determinando as

probabilidades de desenvolvimento e sobrevivência. Portanto, a eficiência do mercado, na

abordagem evolucionária, está associada com seus atributos seletivos, em vez dos alocati-

vos (NELSON; WINTER, 1982/2005; POSSAS, 2004).

Teece, Pisano e Shuen (1997) mostram que é razoável esperar que, em uma po-

pulação de firmas, algumas disporão de capacidades superiores para gerar e se beneficiar de

inovações. Ao mesmo tempo, outras firmas poderão contar com habilidades únicas para

rapidamente se adaptar às mudanças, pela imitação, ao disporem de capacidade de absorção

134 O processo de imitação não deve ser pressuposto como fácil ou barato (DOSI; NELSON, 2010). 135 Ativos complementares (tangíveis ou não) são aqueles que viabilizam ou potencializam a comercialização

com êxito da inovação, sem os quais a firma inovadora pode ser rapidamente superada por um imitador hábil

(TEECE, 1986). O controle e a distribuição dos ativos complementares entre os agentes determinam a divisão

dos benefícios da inovação, desempenhando papel essencial no processo evolucionário (TEECE, 2006). 136 A “dependência da trajetória” – ou path dependence – caracteriza os processos em que os resultados finais

dependem, em um grau considerável, da trajetória histórica através da qual são atingidos, em particular de

eventos remotos, incluindo aqueles dominados pelo acaso (ARTHUR, 1988, 1989; DAVID, 1985). 137 Em indústrias particulares, o mercado não é o dispositivo de seleção mais relevante, como nos setores de

defesa e saúde pública, nos quais a avaliação profissional ou política cumprem esse papel (NELSON, 1995).

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e ativos complementares adequados (COHEN; LEVINTHAL, 1989; TEECE, 1986). Algu-

mas empresas, ainda, não contando com qualquer dessas capacidades diferenciadas, terão

dificuldade para sobreviver (PEREZ; SOETE, 1988; TEECE, 2006). Por isso, o conceito de

aptidão no processo de seleção é eminentemente relacional: trata-se aqui de compreender

como se posicionam as competidoras umas em relação às outras em cada mercado. Os cri-

térios de seleção – que emergem da interação entre os atores – determinam as taxas de ex-

pansão ou declínio da participação individual no mercado (DOSI; NELSON, 1994; MET-

CALFE, 1998). Maior ou menor aptidão é uma consequência, não totalmente passível de

antecipação pelas firmas, dos mecanismos de busca e aprendizado que estão em ação e do

quanto elas efetivamente avançaram. Como reforçam Dosi e Nelson (2010), nessa perspec-

tiva a eficiência é uma questão relativa. A “melhor prática” é definida pelo desempenho

das competidoras mais eficientes, em um ponto de vista ex post, e não pela máxima eficácia

teoricamente possível.

Uma das diferenças essenciais entre a TE e a OIM é o foco da análise dinâmica

da mudança, a partir da interação entre agentes com racionalidade limitada. Em um ambi-

ente no qual as firmas estão buscando continuamente a melhor forma de agir, no qual pre-

valecem choques frequentes ou contínuos, gerados interna e externamente, “se torna peri-

goso assumir que o sistema sequer chegue a um equilíbrio; logo o [ponto de] equilíbrio fixo

ou móvel, na teoria, deve ser entendido como um ‘atrator’ e não uma característica de onde

o sistema está” (NELSON, 1995, p. 49).

A característica dinâmica torna, por outro lado, mais complexa a utilização do

instrumental analítico convencional, o que costuma limitar o interesse pela abordagem evo-

lucionária, por causa da preocupação com a tratabilidade e da preferência pela elegância

matemática. No entanto, como apontam Arthur, Durlauf e Lane (1997), seis propriedades

particulares dos sistemas econômicos colocam dificuldades importantes para a abordagem

matemática tradicional: (i) a interação dispersa e paralela entre agentes heterogêneos, não

redutíveis a um “agente representativo”; (ii) a inexistência de uma entidade global que con-

trole as interações; (iii) a organização hierárquica, com estruturas de interação complexas

permeando os vários níveis; (iv) a adaptação contínua de comportamentos, estratégias e

produtos, pelo aprendizado constante; (v) a inovação perpétua, com a criação ininterrupta

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de novos mercados, tecnologias e instituições; e (vi) a dinâmica “fora de equilíbrio”, impul-

sionada pela eterna e endógena introdução de inovações, mantendo a economia em movi-

mento constante e distante de pontos de equilíbrio globais. Esse tipo de sistema, adaptativo

e não linear, caracteriza-se pelo fato de não poder ser modelado tão somente por meio de

estímulos e respostas (ibid.).

Como modo de superar o problema da tratabilidade, parte significativa da pes-

quisa na TE emprega técnicas de simulação computacional para a modelagem de sistemas

dinâmicos (DOSI; NELSON, 1994; VALENTE, 2002; YOON; LEE, 2009). Essa mudança

no paradigma metodológico trouxe consequências importantes para a análise, como será

discutido no Capítulo 3.

2.3.1. Teoria evolucionária e organização da indústria

O lócus clássico da análise evolucionária é o setor industrial, um sistema com-

plexo no qual os atores estão relacionados e interagem de diversas maneiras e não apenas

no mercado (MALERBA, 2006). Segundo a TE, o desenvolvimento da estrutura competiti-

va se dá pela interação entre geração e seleção de diversidade em um meio de firmas rivais,

impulsionada pela inovação contínua.138

É o processo de busca inovadora, nas suas múlti-

plas formas, que introduz novas variedades de comportamento dentro da organização indus-

trial existente (METCALFE, 1998).

“A estrutura de mercado deve ser vista como fator endógeno numa análise de

concorrência schumpeteriana, em que as conexões entre a inovação e a estrutura de merca-

do têm mão dupla” (NELSON; WINTER, 1982/2005, p. 407). Nessa visão, a estrutura do

mercado surge enquanto propriedade emergente das taxas diferenciais de crescimento das

firmas, pois o impulso à competição capitalista não se dá, primordialmente, pelo ajuste de

preços, mas sim pela inovação diferencial (METCALFE, 1998). Nos modelos evolucioná-

rios, as diferenças nas capacidades de inovar entre os agentes representam forças conduzin-

do, contraditoriamente, para estruturas oligopolizadas e para a manutenção da concorrência,

138 O processo inovador pode ser caracterizado em três etapas: (i) invenção, quando se criam coisas que não

existiam anteriormente; (ii) inovação, a partir da aplicação da invenção em um novo processo, produto ou

serviço; e (iii) difusão/imitação, no momento em que a inovação, com modificações ou não, é aplicada por

outros agentes (HASENCLEVER; FERREIRA, 2002).

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conforme as condições particulares da trajetória histórica. A organização da indústria de-

pende, portanto, da configuração setorial específica dessas forças (DOSI, 1982).

“A relação entre inovação e mudança industrial foi sempre central no trabalho

de Schumpeter, sob várias formas ou especificações” (MALERBA, 2006, p. 4). O ponto

teórico fundamental, apontado por Schumpeter, está na dinâmica gerada pela diferenciação

do comportamento das firmas competindo no mercado. Em particular, de empresas conce-

bidas dentro do que viria a ser conhecido como tradição “behaviorista” de Simon, Cyert e

March (CYERT; MARCH, 1963/1992; TIGRE, 1998). Nessa perspectiva, as fronteiras

analíticas do mercado, da indústria ou, ainda, do setor não são dadas pelas características

das companhias em si, como na organização industrial, mas por mecanismos de seleção

comuns imersos em um ambiente institucional compartilhado (POSSAS, 2002).

A perspectiva de vantagens diferenciais adquiridas pelas [firmas] líderes

em sucesso tecnológico e [participação de] mercado, em minha opinião, provavelmente influenciam e estimulam o processo de inovação muito

mais do que a estrutura de mercado ex ante como tal. O processo de ino-

vação em si é, com certeza, compelido para afetar a estrutura industrial e

formatar suas transformações [DOSI, 1982, p. 158].

Diferentemente do paradigma da OIM, as premissas da TE, em particular a de

que os agentes dispõem de racionalidade limitada e capacidades139

distintas, assumem a

presença de mecanismos causais que induzem ao comportamento heterogêneo entre as fir-

mas (METCALFE, 1998). Ao contrário, “no contexto da racionalidade substantiva [da

OIM], no qual a melhor tecnologia pode ser facilmente determinada e adotada, a diversida-

de é insustentável” (JONARD, N.; YILDIZOĞLU, 1998, p. 36).

No ambiente da competição schumpeteriana, a firma, entrante ou não, consegue

apenas de modo imperfeito antecipar o futuro sobre o resultado das inovações que ela pró-

pria, e os seus concorrentes, estão desenvolvendo. Logo, escolhas entre inovar ou imitar e o

momento adequado de fazê-lo não podem ser avaliadas a priori com precisão. Assim, os

custos de inovar, estimados ex ante, transformam-se em um “alvo móvel”; mesmo “o imi-

tador nem sempre entra na ‘mesma’ tecnologia que os inovadores” (PEREZ; SOETE, 1988,

p. 472), devido à natureza fundamentalmente incerta desse processo (DEQUECH, 2000).

139 O sentido do temo “capacidade” aqui, e na TE em geral, identifica-se com a abordagem das capacidades

dinâmicas proposta por Teece e Pisano (1994).

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Quando inovações radicais surgem [em uma firma], seu impacto definiti-

vo pode não ser compreendido por algum tempo, após o qual pode ser tar-

de demais para as [demais] firmas com tecnologias e capacidades ultra-passadas competirem [...] Por outro lado, acreditar cedo demais que uma

determinada inovação irá se tornar dominante pode comprometer a sobre-

vivência da firma no longo prazo ao apostar em uma tecnologia ou mer-

cado que termina não se tornando dominante [BARNEY, 1986, p. 795].

Existe sempre a possibilidade imponderável de a inovação proposta por uma

entrante alterar a indústria, por vezes de maneira profunda, em benefício ou não dessa fir-

ma. Nesse caso, não apenas as decisões em si importam – o timing é também fator decisivo

para o sucesso da entrada ou da imitação (MALERBA; ORSENIGO, 1997). Considerações

sobre o acaso, portanto, não podem ser desconsideradas em um ambiente de competição

schumpeteriana, trazendo a questão da incerteza para o centro de discussões sobre as condi-

ções de entrada efetiva e, de resto, da própria organização setorial. As firmas que terão

maior êxito, no longo prazo, são frequentemente definidas por pequenos eventos aleatórios

na fase inicial do mercado. A prevalência de “retornos crescentes dinâmicos”140

exacerba

essa situação de path dependence: as tecnologias vitoriosas são imprevisíveis ex ante, nem

existem garantias de que a “melhor” alternativa venha a ser efetivamente selecionada (DO-

SI 1982; DAVID, 1985). A hipótese implícita é de que a dúvida somente é resolvida ex

post, por meio da competição (NELSON, 1995). Destarte, a presença – ou não – de meca-

nismos para redução da incerteza associada ao processo competitivo é outro elemento-

chave da abordagem evolucionária.

2.3.2. Regimes de competição schumpeteriana

A heterogeneidade persistente, resultante das diferenças entre as capacidades

das empresas competidoras e da ação do processo de seleção, é amplamente constatada pela

pesquisa empírica: “[em uma indústria] as firmas diferem praticamente ao longo de qual-

quer dimensão observável, como tamanho, idade, produtividade, salários, criação e destrui-

ção de emprego, padrões de investimento e atividades inovadoras” (DOSI et al., 1997, p. 6;

140 Os retornos crescentes dinâmicos configuram uma situação especial em que quanto mais uma dada tecno-logia é utilizada, melhor ela se posiciona frente às suas potenciais competidoras, em função do caráter de

cumulatividade do processo de busca, a presença de externalidades de rede ou a característica de complemen-

taridade com tecnologias existentes (DOSI; NELSON, 1994). Assim, spillovers de aprendizado beneficiam as

firmas que adotam essa tecnologia, conduzindo, em casos extremos, ao fenômeno de lock-in (ARTHUR,

1989).

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JENSEN; MCGUCKIN, 1997). A preservação da heterogeneidade garante uma vantagem

dinâmica sustentável equivalente à de barreiras ex post à competição para as contendoras

com as capacidades mais adequadas (PETERAF, 1993).

A despeito da heterogeneidade interfirma, os estudos empíricos mostram a exis-

tência de certas regularidades entre setores industriais. Isso permite a sua organização em

algumas dimensões comuns, em particular a dinâmica tecnológica (DOSI; NELSON,

2010). Segundo Pavitt (1984), a tipologia mais simples para organizar os perfis setoriais foi

proposta pelo próprio Schumpeter – de forma não explícita. Nessa tipologia, pelo menos

dois regimes tecnológicos podem ser identificados: (i) Schumpeter Mark I (SCHUMPE-

TER, 1912/1997) ou empreendedor, característico de setores com barreiras tecnológicas

reduzidas, participação relevante das firmas novas nas atividades inovadoras e erosão con-

tínua das vantagens competitivas das incumbentes (creative destruction); e (ii) Schumpeter

Mark II (SCHUMPETER, 1942/1976) ou rotinizado, típico de indústrias marcadas por bar-

reiras significativas para os entrantes, predomínio das incumbentes nas atividades inovado-

ras e dominância de poucas empresas, que são continuamente inovadoras devido à acumu-

lação de capacidades tecnológicas ao longo do tempo (creative accumulation).

O regime, em cada indústria, é uma função das oportunidades tecnológicas, da

apropriabilidade das inovações (incluindo a necessidade de ativos complementares), da

cumulatividade do avanço técnico e das propriedades da base de conhecimento específica

(HASENCLEVER; TIGRE, 2002). Contudo, os regimes não são uma consequência auto-

mática do estágio de desenvolvimento do setor, apesar de certa prevalência do regime Mark

I em setores nascentes e do Mark II nos maduros (DOSI, 1982). O trabalho empírico de

vários autores mostrou que o regime tecnológico, é mais relevante do que outros fatores –

como tamanho das firmas ou o perfil da demanda – para a compreensão da dinâmica da

inovação e da estrutura de mercado (BRESCHI; MALERBA; ORSENIGO, 2000).

De acordo com os regimes tecnológicos, a questão da entrada efetiva pode ser

redefinida. O ponto central deixa de ser a sobrevivência da firma entrante, mas, sobretudo,

se ela se torna participante efetivo do processo inovador da indústria, pois essa é a forma de

a entrante causar efeitos relevantes na dinâmica estrutural. Nesse cenário, o conceito de

barreiras à entrada deve ser revisto, para considerar, primordialmente: (i) a presença de

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baixas oportunidades tecnológicas, restringindo as opções para entrada inovadora; (ii) a

elevada cumulatividade do avanço técnico, proporcionando vantagem importante às in-

cumbentes; e (iii) uma base de conhecimento de tipo genérico (versus uma de tipo específi-

co), possibilitando o aproveitamento de capacidades acumuladas pelas incumbentes em

muitos mercados (BRESCHI; MALERBA; ORSENIGO, 2000).

Oportunidades tecnológicas refletem a probabilidade de inovar para uma dada quantidade de dinheiro investida em pesquisa. [...] Apropriabilidade

das inovações sumariza as possibilidades de proteger inovações da imita-

ção e de capturar os lucros provenientes das atividades inovadoras. [...] Cumulatividade dos avanços técnicos é relacionado ao fato de que o co-

nhecimento e as atividades inovadoras de hoje formam a base e os blocos

funcionais das inovações de amanhã. [...] As propriedades da base de co-

nhecimentos dizem respeito à natureza do conhecimento que suporta as atividades inovadoras [ibid., p. 391-392, grifos no original].

Além do regime característico, o ciclo de vida do paradigma tecnológico141

é

outra maneira de avaliar as condições estruturais do setor industrial. Klepper (1996) propôs

uma tipologia baseada nas três etapas principais que compõem esse ciclo: (i) a emergência

do paradigma tecnológico após o surgimento de uma inovação radical,142

com taxa de en-

trada elevada e a rápida reformatação das redes interorganizacionais; (ii) a estabilização do

paradigma pelo estabelecimento de um projeto dominante e rápido crescimento do merca-

do, com entrada moderada e saída relevante e a restrição da busca tecnológica e da dinâmi-

ca da rede setorial; e (iii) a maturidade do paradigma, com a consolidação do mercado e o

aumento da disputa por suas parcelas e a concentração, com a redução de entrada e saída e,

potencialmente, a maior abertura para novas inovações radicais (PEREZ; SOETE, 1988;

UTTERBACK, 1994/1996; ROSENKOPF; TUSHMAN, 1998).

Deve ser ressaltada, ainda, a distinção lógica entre a busca tecnológica, realiza-

do pelas firmas, e o seu resultado durante o processo histórico setorial, representado pelo

desenvolvimento do paradigma tecnológico (DOSI, 1982). A origem das forças que condu-

zem à concentração da estrutura industrial costuma ser distinta nas etapas do ciclo de vida

141 O paradigma tecnológico representa o modelo e o padrão de solução de um conjunto determinado de pro-

blemas tecnológicos, com base em princípios provenientes das ciências naturais e de tecnologias materiais selecionadas (DOSI, 1982), caracterizando um quadro cognitivo compartilhado coletivamente no setor (DO-

SI; ORSENIGO; LABINI, 2005). 142 É usual classificar as inovações em “radicais”, quando associadas à mudança no paradigma tecnológico, ou

“incrementais”, nas quais o progresso se dá ao longo das trajetórias tecnológicas já estabelecidas pelo para-

digma vigente (DOSI; NELSON, 2010).

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e, dentro delas, ao longo das trajetórias tecnológicas.143

Na fase emergente, as posições de

liderança oligopolística estão mais frequentemente associadas à exploração das economias

de escala dinâmicas e às assimetrias temporárias de capacidades. Já no estágio da maturida-

de, a estrutura que conduz ao oligopólio baseia-se tanto no progresso técnico continuado

(“incremental”) quanto nas barreiras estáticas apontadas pela OIC (ibid.).

Vários setores importantes, no entanto, não se conformam ao modelo de ciclo

de vida, em virtude da especificidade e do caráter tácito144

da base de conhecimento, sem,

contudo, deixarem de dispor de processos bem definidos de busca e aprendizado (PAVITT,

1984; CORIAT; DOSI, 2002). As particularidades, pelo contrário, usualmente engendram

descontinuidades na base de conhecimento e na trajetória tecnológica, com a consequente

desestabilização das estruturas industriais “esperadas” pelo esquema de ciclo de vida. Nes-

sas circunstâncias, as firmas estabelecidas podem ter dificuldade para adquirir as novas

capacidades necessárias para sobreviver no novo regime, mesmo após, aparentemente, al-

cançarem o estágio da maturidade (DOSI; NELSON, 1994).

2.3.3. Conhecimento, aprendizado e redes sociais

A compreensão sobre como o conhecimento novo é gerado e de que maneira

seus impactos operam através da economia é um tema basilar da literatura neoschumpeteri-

ana (DOSI; NELSON, 2010). Os processos de acumulação e disseminação do conhecimen-

to, nessa perspectiva, são centrais para a dinâmica da organização setorial, como elementos

fundamentais do esforço inovador, em particular por causa de sua propriedade intrínseca de

retornos crescentes,145

mas também a difusão e a imitação das inovações. Por outro lado,

eles somente se realizam plenamente em sua dimensão coletiva: spillovers, externalidades

de rede, evolução endógena das preferências, comportamento de “manada” etc. (ibid.).

143 Segundo Dosi (1984, p. 17), a trajetória tecnológica é o “movimento de trade-offs multidimensionais entre

variáveis tecnológicas que o paradigma [tecnológico] define como relevante”. Ela representa o padrão “nor-

mal” das atividades de busca e aprendizado, a partir de um determinado paradigma tecnológico (DOSI, 1982). 144 Por “tácito”, subentende-se aqui a situação em que mesmo um observador sofisticado encontraria dificul-

dade para definir explicitamente a sequência de procedimentos pela qual o conhecimento se materializa, resul-tando que esse conhecimento não pode ser articulado por meio de uma codificação totalmente explícita. 145 Essa propriedade deriva de algumas características específicas do conhecimento: (i) o uso não rival, ou

seja, a adoção por um agente não impede a utilização pelos demais agentes; (ii) a não divisibilidade, a utilida-

de do conhecimento não é igual à soma das utilidades de suas parcelas; e (iii) o elevado custo para sua obten-

ção em relação ao baixo custo para sua reprodução (DOSI; ORSENIGO; LABINI, 2005).

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Nesse sentido, a utilização do conceito de rede, para representar a dimensão social do co-

nhecimento, tem se tornado cada vez mais frequente (SAVIOTTI, 2009).

Nesse caso, a ênfase recai na caracterização das estruturas em rede como

um objeto específico de investigação. Estas estruturas estariam associadas a determinados elementos básicos constituintes, bem como a mecanismos

de operação particulares, responsáveis pela geração de estímulos endóge-

nos indutores de processos adaptativos face à evolução do ambiente [BRITTO, 2002, p. 350, grifo no original].

Segundo Britto (2002), duas abordagens distintas costumam utilizar o conceito

de rede para tratar a questão da interação social dos atores dentro de mercados e setores

industriais. Na Seção 2.2.3 foi tratada a perspectiva usual da organização industrial, que

utiliza as redes para o estudo de situações em que as premissas habituais da teoria neoclás-

sica não são suficientes para esclarecer o impacto da interação social assimétrica entre os

agentes que competem. A abordagem evolucionária – e a institucional, como se verá a se-

guir – emprega a concepção de rede não apenas como instrumento de avaliação da compe-

tição, mas como meio para compreender a disposição do sistema de relações entre os atores

e destes com seu ambiente (POTTS, 2000). No limite, pode-se representar a organização da

economia como um conjunto de redes articuladas, que influenciam e são modificadas pelos

processos econômicos (KIRMAN, 1997).

Em um enfoque evolucionário, importa compreender não apenas os efeitos pro-

duzidos pelas redes, mas buscar trazer para a análise os processos que dão origem e as

transformam, bem como a natureza das suas conexões constitutivas, em uma causação ex-

plicitamente endógena (PYKA, 2002). A configuração de uma rede completamente conec-

tada, ou mesmo com vínculos incompletos, mas estáticos, é logicamente incompatível com

a perspectiva dinâmica da organização econômica.

Se supusermos que as conexões [da rede] são completas então excluire-

mos [seu] potencial para compreender melhor a estrutura da economia. De

uma perspectiva schumpeteriana, no entanto, o problema é mais grave do que simplesmente deturpar a estrutura, porque se presumirmos que as co-

nexões possam ser completas, então, logicamente, não há nenhum escopo

adicional para novas conexões e, portanto, não há nenhum escopo para a estrutura da economia para mudar “a partir de dentro” [EARL; WAKE-

LEY, 2012, p. 177].

Resta óbvio, consequentemente, que a consideração somente dos impactos alo-

cativos das redes, como faz a OIM, frequentemente não dará conta de esclarecer esses pro-

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cessos. Para efeito de exposição, esta seção explora inicialmente a dimensão das redes no

aprendizado e na inovação. Na Seção 2.4 o escopo será ampliado, para tratar a inter-relação

entre redes sociais e instituições de forma mais geral.

A relação estreita entre redes relacionais e inovação tem origem na característ i-

ca intrinsecamente local do conhecimento (PYKA, 2002). Conhecimento raramente é fruto

isolado de indivíduos, envolvendo mais frequentemente elementos de interação social – no

interior de organizações particulares ou entre conjuntos específicos delas (DOSI; NELSON,

2010). Conforme Saviotti (2003), a consideração dos processos de criação e utilização de

conhecimento é crucial a análise qualitativa da mudança, proposta pela TE. São esses pro-

cessos que dão gênese aos novos artefatos e entidades, que materializam a inovação e são a

base do desenvolvimento econômico (DOSI; MARENGO; FAGIOLO, 2003).

É uma característica das sociedades modernas que as pessoas desejem que

o futuro seja de certa forma diferente do passado: nós, portanto, deman-damos conhecimento não só para entender e nos adaptar ao que existe, e

para as alterações no que existe, mas para criar mudanças que sejam acei-

táveis para os outros [LOASBY, 1999, p. 6].

Além disso, é necessário reconhecer que o conhecimento não se desenvolve li-

near e generalizadamente, como quando, por exemplo, existem demandas do mercado para

tanto. Para tornar isso mais claro, é indispensável, primeiro, evidenciar a diferença entre a

informação146

“pura” e o conhecimento. Este último é inerentemente relacional: diz respeito

à capacidade de correlacionar características observáveis do ambiente exterior, a realidade

que independe do observador e as variáveis que representam e “medem” diferentes aspectos

dela.147

A presença dessas correlações torna o conhecimento cumulativo: ele permite redu-

zir, gradualmente, a quantidade de informação necessária para compreender – e modificar –

o ambiente externo (PYKA, 2002).

A correlação entre as características observáveis da realidade tem natureza lo-

cal: não é qualquer propriedade apreendida que simplifica o aprendizado de qualquer outra.

O conhecimento sobre determinada questão irá reduzir os custos de instrução para temas de

146 Adota-se aqui a perspectiva clássica de Shannon (1948): a informação não é portadora de significado e

requer do receptor, portanto, a capacidade de dar-lhe sentido. Essa capacidade “se refere a, ou está correlacio-

nada de acordo com, algum sistema com certas entidades físicas ou conceituais” (ibid., p. 379). 147 Evidentemente, essas variáveis são representações mentais do observador, obviamente imperfeitas, mas

que de algum modo tentam ser isomórficas com a realidade exterior a ele (LOASBY, 1999).

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alguma forma “próximos” do conhecimento disponível. Assim, admitindo-se que conheci-

mentos específicos possam ser representados como pontos em um espaço multidimensio-

nal, a probabilidade de um dado conhecimento existente na aquisição de um novo poderia

ser representada como em Saviotti (2003):

𝑃𝑡(𝐾𝑛𝑒𝑤|𝐾𝑜𝑙𝑑) ∝1

𝐷(𝐾𝑛𝑒𝑤 , 𝐾𝑜𝑙𝑑), 𝐷:ℝ𝑛 × ℝ𝑛 → ℝ (12)

𝐷(⋅) representa alguma medida conveniente da distância entre dois pontos no

espaço representativo do conhecimento, 𝐾𝑜𝑙𝑑 retrata o que já dominado pelo agente, 𝐾𝑛𝑒𝑤 é

um novo conhecimento que pode ser adquirido e 𝑃𝑡(⋅) expressa a probabilidade de ele ser

efetivamente adquirido no período 𝑡. O modelo procura deixar claro que o processo de se-

leção dos conhecimentos necessários para resolver qualquer problema técnico – uma tecno-

logia – parte, obrigatoriamente, do conjunto preexistente de conhecimentos – provavelmen-

te locais – dos atores envolvidos, e não apenas do estímulo representado pelo problema

econômico em si.

Uma abordagem local do conhecimento traz, ainda, a questão da sua organiza-

ção, uma vez que isso influencia diretamente a forma com que ele se desenvolve, se difun-

de e estimula a heterogeneidade entre os atores que o detêm (JONARD; YILDIZOĞLU,

1998; LOASBY, 1999). Nesse sentido, parece especialmente adequado representar essa

organização por meio de redes (SAVIOTTI, 2009). Elas permitem estruturar não somente

as relações entre conhecimentos específicos de um indivíduo, mas também articular a

“composição” entre aqueles que controlam conjuntos complementares de conhecimento,

uma representação em múltiplos níveis da estrutura social envolvida no processo inovador,

imitador ou de difusão (MALERBA, 2002; DODGSON, 2011). Ou seja, entre o conheci-

mento novo que necessita ser adquirido, está aquele sobre com quem e como eles devem

interagir (KIRMAN, 1997).

Além disso, descrevem Kline e Rosenberg (1986), a criação do conhecimento

novo envolve mecanismos de feedback (realimentação) entre os diferentes elementos do

aprendizado. Isso envolve, frequentemente, subprocessos que acontecem em paralelo e com

loops (laços) interativos. Por conseguinte, o aprendizado não é, usualmente, redutível a uma

sequência linear – ou mesmo completamente previsível – de etapas. É isso que lhe confere

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a característica de path dependence normalmente verificada, por exemplo, no desenvolvi-

mento tecnológico ou na difusão das inovações pelos seus usuários.

Nesse contexto, as firmas – bem como os indivíduos dentro e fora delas – espe-

cializam-se em uma complexa divisão social do trabalho, sejam como inovadores, imitado-

res ou difusores. Isso se dá, também, como maneira de lidar com a crescente complexidade

dos conhecimentos envolvidos e, assim, mitigar a inevitável incerteza associada a esse tipo

de processo (ROSENKOPF; TUSHMAN, 1998; MALERBA, 2006; KÖNIG; BATTIS-

TON; SCHWEITZER, 2009).

Aqui não é suficiente apenas saber o que os outros estão fazendo, mas as

firmas também precisam saber como as tecnologias respectivas funcio-

nam e trabalham em conjunto. E para oferecer suporte a esse aprendizado de know-how interfirma, frequentemente cumulativo, tácito e local no

longo prazo, um ambiente colaborativo estável e de longa duração é ne-

cessário [PYKA, 2002, p. 158, grifos no original].

A criação de redes de empresas para a colaboração no processo inovador – e

não apenas em P&D – tem inequívoco impacto nas condições de competitividade de cada

uma. Isso acontece pelo incremento do potencial de inovação conjunto, usualmente mais

que proporcional, que se torna essencial para a sobrevivência em setores dinâmicos (BRIT-

TO, 2002; PYKA; GILBERT; AHRWEILER, 2009). Afinal, como lembram Dosi e Nelson

(2010), são a acumulação e a difusão do conhecimento que determinam a distribuição das

habilidades essenciais para a competição e, dessa forma, condicionam a estrutura da própria

indústria.

Ressalte-se que a inovação não se dá apenas com o compartilhamento do co-

nhecimento existente, mas durante o próprio aprendizado coletivo e do desenvolvimento

das novas capacidades sociais que a rede de colaboração requer (SAVIOTTI, 2009). “[O]s

indivíduos que participam da economia aprendem e o seu comportamento evolui, mas isso

também, por sua vez, leva a estrutura de rede, dentro da qual eles operam, a evoluir ao lon-

go do tempo” (KIRMAN, 1997, p. 351). O aprendizado assume uma característica – em sua

dimensão – eminentemente evolucionária, que de maneira alguma se restringe ao processo

inovador (DOSI; MARENGO, 2007).

Vale notar que não são somente as firmas competidoras no mercado que se or-

ganizam na busca do conhecimento. Segundo Earl e Potts (2004), o aprendizado – direta-

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mente – é apenas um dos mecanismos disponíveis para os usuários fazerem frente à mu-

dança contínua dos produtos. Com a inovação tecnológica rápida e profunda, pelo lado da

oferta, os consumidores igualmente se valem de redes sociais, como instrumento para for-

mar suas preferências a respeito de bens e serviços com os quais não estejam completamen-

te familiarizados (EARL; WAKELEY, 2010). A especialização, representada pela divisão

do conhecimento e sua organização nas redes sociais ou mercados secundários de informa-

ção, oferece alternativas cada vez mais importantes ao aprendizado isolado. Daí a impor-

tância dos consumidores – e do marketing – nas redes que fomentam a demanda pelo co-

nhecimento novo e pela inovação (DODGSON, 2011).

2.3.4. Comparação com a organização industrial

Muitas das contribuições da TE não são contraditórias com as conclusões da

organização industrial moderna (OIM) ou do paradigma estrutura-conduta-desempenho

(OIC). Elas não contestam, por exemplo, a existência de barreiras à entrada ou a relevância

dos incentivos da estrutura setorial aos atores (NELSON; WINTER, 1982/2005). Pelo con-

trário, a TE indica barreiras e incentivos adicionais, não antevistos pela OIC (PEREZ; SO-

ETE, 1988). Mas, diversamente da OIC, a TE não assume a estabilidade ou a previsibilida-

de plena do processo de mudança estrutural. Portanto, não depende de premissas pouco

realistas quanto a habilidades inatas ou a choques externos para explicar a heterogeneidade

dos agentes ou a dinâmica estrutural (DOSI et al., 1997). Por outro lado, a divergência es-

sencial da TE com a OIM está na incapacidade da maioria dos modelos desta em tratar as

respostas diferenciadas das firmas aos mesmos sinais do mercado e os impactos da hetero-

geneidade resultante na organização da indústria (DOSI; MARENGO, 2007).

A TE tampouco rompe com todas as premissas da OIC e da OIM (em conjunto,

OI). A hipótese de que as firmas são racionais e buscam o lucro é preservada, apesar de a

forma pelo qual o fazem, bem como as restrições que enfrentam, seja uma diferença impor-

tante. Em vez da simples opção entre fatores e tecnologias de produção, com possibilidade

de ampla antevisão das consequências das decisões – suas e dos outros –, os modelos evo-

lucionários baseiam-se na perspectiva do acesso limitado à tecnologia – e à inovação em

geral – associada à imponderabilidade sobre muitos dos impactos das escolhas das empre-

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sas. Nesses modelos, o resultado das ações colocadas em curso, pela firma e seus concor-

rentes, pode ser apenas parcialmente antecipado.

Logo, na abordagem da TE, não é possível o estabelecimento de escolhas defi-

nitivas ou de estratégias de “resposta ótima”, na acepção usual desses termos. Isso porque

os agentes precisam se manter preparados para responder a situações inesperadas e que não

podem ser antecipadas, a menos que sejam assumidas premissas muito restritivas, no limite

da omnisciência.148

Por isso, nesse cenário, torna-se impossível, por princípio, a tomada ex

ante de decisões que maximizem os lucros, no sentido forte dado pela OI para a expressão

“maximizar”.

Alguns modelos teóricos ortodoxos parecem, superficialmente, estar fora do escopo [da crítica evolucionária] – por exemplo, modelos de busca

ótima e outros modelos de decisão sequencial que parecem não envolver

uma otimização definitiva. Mas uma análise mais detalhada revela que aquilo que é modelado constitui de fato a escolha definitiva de uma estra-

tégia de resposta ótima à situação que se desenrola; na verdade, o fato de

essa redução a uma escolha definitiva ser possível constitui a essência do poder analítico da noção de uma estratégia. Isso significa que os atores de

modelos ortodoxos sofisticados, assim como os dos mais simples, são

concebidos como incapazes de responder a informações verdadeiramente

inesperadas [NELSON; WINTER, 1982/2005, p. 56, grifo no original].

A modificação no foco proposta pela TE, ao alinhar o objeto da teoria no pro-

cesso de mudança endógena e não apenas em suas consequências, é crucial para a compre-

ensão de sua diferenciação em relação à OI (POSSAS, 2002). Mecanismos evolucionários,

pela sua própria definição, não podem ser caracterizados de forma completamente determi-

nística e tampouco, totalmente aleatória. A incerteza é parte integral e essencial, assim co-

mo a ação racional, ainda que limitada, dos agentes (NELSON, 1995).

A importância dos estímulos da competição interfirma é compartilhada pela TE

com a OIM. As forças competitivas restringem, efetivamente, as decisões empresariais e

conduzem os desdobramentos da atuação nos mercados, também no que diz respeito à sua

estrutura e à sua dinâmica. É nesse contexto que se dá a interação e se determina dinami-

camente a aptidão diferenciada de cada competidor – elemento central na abordagem evo-

lucionária (METCALFE, 1998). É por isso que, segundo a TE, a noção de equilíbrio não

148 A abordagem neoclássica permite tratar certas formas de incerteza ou erros inerentes à informação limitada

disponível para os agentes, mas não admite erros sistemáticos originados por ignorância, incapacidade de

processar as informações disponíveis ou mesmo pura teimosia ou inércia (DOSI; NELSON, 1994).

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108

pode ser adotada como premissa lógica inicial, pelo risco de o conjunto de possibilidades

aberto para as firmas ser reduzido artificialmente a priori. A concorrência, mesmo quando

conduz a algum equilíbrio ex post, constantemente abre oportunidades para os atores, que

irão explorá-las ou não, conforme as capacidades de que disponham.

Na TE, portanto, o conceito de aptidão para o processo seletivo é intrinseca-

mente ex post, consequência não apenas das capacidades estáticas das firmas, mas também

da interação nos mercados de produtos e fatores. Por isso, frequentemente importa mais o

transcurso da competição do que a eventual situação de equilíbrio entre as empresas sobre-

viventes no longo prazo.149

A firma no mercado está, invariavelmente, focada na sua sobrevivência e re-

produção, por meio do lucro. Nesse ambiente, os seus competidores buscam incessante-

mente novas maneiras de superá-la, conjugando processos – imperfeitos e repletos de erros

– de aprendizado e de busca inovadora, sob a ação dos mecanismos de seleção impostos

pelo mercado (DOSI; NELSON, 1994, 2010). Diferentemente do pressuposto usual da OI,

a leitura evolucionária considera que “[a]s firmas não são normalmente capazes de se adap-

tar rapidamente à produção de qualquer tipo de produto por qualquer método de produção,

em resposta a alterações nos incentivos de mercado” (EARL; WAKELEY, 2010, p.176),

pois elas dependem de aprendizado, complexo e relativamente lento, para tentar ajustar

suas rotinas e suas capacidades à mudança induzida pela competição. Definitivamente, não

se trata aqui apenas de realizar modificação na combinação ótima de fatores e produto, den-

tro de funções de produção (tecnologias) conhecidas e bem comportadas, a partir da sinali-

zação fornecida pelos preços.

Assim, em termos práticos, a questão central de divergência entre a OI e a TE é

sintetizada pela própria hipótese schumpeteriana. Com base em uma perspectiva dinâmica,

a concentração de mercado produzida pelas inovações de sucesso não deveria ser conside-

rada intrinsecamente anticompetitiva, como indicaria a avaliação alocativa estática. Pelo

contrário, nesse caso, a concentração, possivelmente temporária, pode simplesmente repre-

149 “[A] negligência teórica em relação ao processo competitivo constitui uma espécie de incompletude lógica

[...] O modelo de comportamento otimizador de vários atores individuais só funciona realmente em situações

de equilíbrio. O comportamento no desequilíbrio não é totalmente especificado (a não ser por meio de pressu-

postos ad hoc)” (NELSON; WINTER, 1982/2005, p. 58, grifo no original).

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109

sentar o resultado esperado do processo competitivo, como mecanismo essencial do pro-

gresso técnico.

Por isso mesmo, concorrência não é o contrário de monopólio. Se bem-

sucedida, a busca de novas oportunidades, ou inovações em sentido am-plo, deve gerar monopólios, em maior ou menor grau e duração. Se eles

serão ou não eliminados eventualmente, por meio de novos concorrentes

e/ou imitadores, é algo que não pode ser preestabelecido [POSSAS, 2002, p. 419, grifos no original].

2.3.5. Limitações da teoria evolucionária

O espaço de aplicação da TE, ao menos na sua formulação original, concentra-

se nos setores econômicos em que a inovação, em sentido amplo, é relevante e nos quais a

competição está submetida ao mercado, como mecanismo de seleção predominante. Quan-

do essas condições não se verificam, “a intensidade das forças associadas ao processo com-

petitivo, atuantes na seleção das inovações em geral, pode ser muito débil, excessiva ou

simplesmente mal direcionada do ponto de vista do progresso e, portanto, do bem-estar”

(POSSAS, 2004, p. 92). Em segmentos da economia como a saúde, a defesa ou, de modo

global, as indústrias cuja entrada é restrita por regulação, o foco apenas no mercado, como

mecanismo de seleção, é problemático, como indicado por diversos autores evolucionários

(NELSON, 1995; DOSI; NELSON, 2010). Esses casos requerem outras mediações para a

determinação das firmas mais “aptas”, dadas as especificidades dos dispositivos de seleção

em curso, assim como de qual é a organização setorial esperada.

Se o mercado não atua como mecanismo de seleção – ou sua ação não é sufici-

entemente intensa150

–, torna-se um pré-requisito para o diagnóstico da estrutura industrial a

definição ampliada das fronteiras da “indústria”, incluindo a infraestrutura institucional que

a sustenta (NELSON, 1995; DOSI; ORSENIGO; LABINI, 2005). Isso porque, apesar de o

elemento central da análise evolucionária ser a firma, o arranjo institucional – no nível seto-

rial ou global – afeta a dinâmica da competição de múltiplos modos, seja por definir, ex

ante, os próprios instrumentos da disputa competitiva, seja por estabelecer externalidades e

políticas (DOSI; NELSON, 2010). A pressão do processo seletivo vem do ambiente social

150 “O processo de seleção, em última análise, incide sobre as firmas, de forma que a sobrevivência e o maior

sucesso econômico de firmas mais competitivas e/ou inovadoras estará indicando maior eficiência seletiva do

mercado; enquanto, reciprocamente, a sobrevivência indefinida de firmas pouco competitivas e/ou inovadoras

estará indicando baixa seletividade” (POSSAS, 2004, p. 93).

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110

em que as empresas se inserem; ambientes diferentes determinam distintas trajetórias evo-

lucionárias (HOLLAND, 1988).

A eficiência do mercado como dispositivo de seleção depende, segundo Possas

(2004), da existência de, pelo menos, dois pré-requisitos básicos: (i) condições institucio-

nais que viabilizem um nível adequado de pressão competitiva sobre as firmas, eventual-

mente com base em políticas governamentais (comercial, regulatória e tecnológica); e (ii)

capacidade competitiva adequada das firmas no mercado, tanto pela qualidade de suas es-

tratégias e recursos como pelas suas capacidades inovadoras. São, portanto, características

institucionais ou específicas de cada indústria que vão estabelecer – ou não – um processo

seletivo eficiente por meio do mercado.

A importância dos fatores institucionais não se limita ao estabelecimento do

mecanismo de seleção. Outras instituições são essenciais para o desenvolvimento econômi-

co – e elas igualmente estão sujeitas a processos do tipo evolucionário (METCALFE;

FONSECA; RAMLOGAN, 2002). Por exemplo, a inovação nos setores tecnologicamente

mais dinâmicos dependeu, historicamente, da interação entre diversos agentes organizados

em redes complexas, evidência marcante do papel da construção social no processo evolu-

cionário (BELUSSI; ARCANGELI, 1998). Durante a fase de progresso tecnológico acele-

rado, indústrias relevantes dependeram, por vezes de forma crucial, do surgimento de redes

interorganizacionais, como no caso da internet. Essas redes operam como lócus para as

atividades de aprendizado e busca de consenso, permitindo a exploração de trajetórias que

reduzem a incerteza envolvida e, ainda, viabilizam a criação de novos paradigmas tecnoló-

gicos (ROSENKOPF; TUSHMAN, 1998). Como consequência, o impacto da inovação

torna-se contingente não apenas das oportunidades e restrições tecnológicas, mas também

dos modos de organização e de comportamento característicos do ambiente institucional

vigente (DOSI; ORSENIGO; LABINI, 2005).

A busca da vantagem competitiva é inerente ao capitalismo moderno, por meio

da contínua tentativa de diferenciação e de proteção às fontes de vantagem comparativa

entre firmas competidoras (PORTER, 1980/1986). Entretanto, como aponta a literatura

empírica, não são raras as situações em que as empresas, ao menos aquelas mais importan-

tes em determinado setor, não se pautam por essa dinâmica e, ainda assim, não pereçam.

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111

Mesmo em cenários nos quais as trajetórias tecnológicas estão distantes do esgotamento, é

relativamente frequente que os participantes do mercado optem pela “estabilização” do

processo competitivo, por meio de estruturas sociais específicas (FLIGSTEIN, 2001a), em

contradição aparente com os princípios da TE. À medida que surgem padrões de interação

em redes que envolvem firmas, fornecedores, clientes e o Estado, as relações econômicas

tornam-se parte das relações sociais. Os atores tornam-se, coletivamente, conscientes de

seus interesses e necessidades e agem baseados nisso (GRANOVETTER, 1985), como será

visto a seguir.

Por meio das regras de comportamento e interação entre firmas, que se

desenvolvem espontaneamente, através da formação de uma variedade de

organizações associadas à indústria, que decidem assuntos como padrões por meio da ação política, [...] a própria indústria molda fortemente seu

próprio ambiente de seleção [NELSON, 1995, p. 77].

A pesquisa empírica mostra que as pressões competitivas, sozinhas, frequente-

mente não são fortes o suficiente para forçar a saída de todas as firmas que não são eficien-

tes como as líderes, inclusive durante períodos longos (DOSI; NELSON, 1994). Além dis-

so, é normalmente elevado o número de empresas que entram e saem a cada intervalo de

tempo (“turbulência”), com entrantes comumente operando com eficiência abaixo das esca-

las mínimas previstas pela análise estratégica estática151

(DOSI et al., 1997). A turbulência

e a entrada líquida positiva são, aparentemente, fenômenos “pervasivos”, verificados com

frequência em amplo espectro de setores,152

incluindo aqueles com barreiras elevadas, ape-

sar da ausência de uma interpretação evolucionária clara para isso (MALERBA; ORSENI-

GO, 1996; ACS; AUDRETSCH, 1991).

Assim, uma das críticas frequentes feitas à OIM pode ser, em certa extensão,

estendida à TE: o tratamento superficial dos fatores institucionais. Mesmo como atores cen-

trais do processo evolucionário, a TE frequentemente reserva para as firmas um papel de

“[meras] portadoras de ‘tecnologias’, a partir de práticas particulares ou de capacidades que

151 Estatisticamente, entretanto, tamanho, idade e taxa de crescimento têm se mostrado positivamente correla-

cionados com a capacidade de sobrevivência das firmas (DOSI et al., 1997), apesar de que, em cada momen-to, uma diversidade significativa de produtividade e lucratividade costuma ser observada em uma dada indús-

tria (DOSI; NELSON, 1994). 152 “A turbulência [em um setor] tende a ser negativamente correlacionada com variáveis como taxa de inova-

ção, publicidade e intensidade de capital e positivamente correlacionada com concentração e crescimento”

(MALERBA; ORSENIGO, 1996, p. 57).

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112

determinam ‘o que elas fazem’ e ‘quão produtivamente’ em circunstâncias específicas”

(DOSI; NELSON, 1994, p. 162, grifo nosso). Essa abordagem da questão institucional tem

origens no nascimento dessa vertente teórica, com base na hipótese, explicitamente assumi-

da, da “trégua dos conflitos” (NELSON; WINTER, 1982/2005). Desse modo, é comum a

TE relegar ao segundo plano a importância dos padrões de desenvolvimento social setorial,

tratados apenas como influências genéricas de longo prazo (DOSI, 1982), e subestimar as

questões cognitivas e políticas que podem ser, e repetidamente são, tão dinâmicas quanto a

inovação tecnológica (TORDJMAN, 2004). Ressalve-se que uma série de autores neos-

chumpeterianos, em particular Nelson (por exemplo, 2005), procurou mais recentemente

cobrir essa lacuna, propondo como fundamental para a TE adotar uma perspectiva efetiva-

mente coevolucionária, abrangendo o avanço simultâneo de tecnologias e instituições.

2.3.6. O setor de internet na perspectiva evolucionária

Em termos gerais, a abordagem evolucionária parece se adequar melhor do que

a organização industrial à evidência empírica do setor de internet. Ela aparentemente dá

conta tanto da questão, crucial, da dinâmica tecnológica quanto de suas consequências no

padrão geral da organização setorial. Também a assimetria entre as firmas e a forma com

que o conhecimento se difunde – tanto do lado da oferta como do da demanda – parecem

ser apropriadamente representadas pela TE.

O setor de internet parece, em primeira aproximação, operar em um regime

Schumpeter Mark I. Nesse regime tecnológico, o papel do empreendedorismo é essencial,

pois, dadas as barreiras tecnológicas relativamente reduzidas, graças à ampla difusão da

base de conhecimento, a participação das firmas novas foi e continua sendo relevante para

as atividades inovadoras, ocasionando a erosão contínua das vantagens competitivas das

empresas maiores. Mesmo as empresas que não inovam têm, ainda, a possibilidade de imi-

tar as inovações de sucesso e aprimorá-las, pela cópia e pelo learning-by-doing, em função

dos spillovers. Com uma demanda sistematicamente crescente, tanto em número de usuá-

rios quanto nos seus gastos, e a introdução constante de novos produtos e funcionalidades,

o setor tem criado oportunidades continuamente, o que vem desencadeando, concomitan-

temente, forte turbulência (entradas e saídas) nos seus mercados.

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113

Contudo, a caracterização do regime Mark I não parece se adequar adequada-

mente aos registros empíricos do mercado de acesso, em particular no que diz respeito ao

processo concorrencial, apesar de os principais elementos habilitadores da competição

schumpeteriana estarem presentes nessa parcela da internet. As firmas provedoras de servi-

ço de acesso enfrentam demanda em crescimento acelerado e participam de cadeias longas

e complexas em conjunto com o restante do setor. Suas atividades dependem, vitalmente,

de um grande número de outras empresas, que fornecem equipamentos e programas e, mui-

tas vezes, constroem as próprias redes que habilitam os provedores a operar. Nesse sentido,

o segmento de acesso caracteriza-se pelo baixo nível de desenvolvimento tecnológico en-

dógeno, apropriando-se principalmente das inovações geradas em outros segmentos setori-

ais. Isso, em princípio, deveria tornar o acesso à tecnologia ainda mais amplo do que nos

demais segmentos, potencializando a desenvoltura dos entrantes, embora esse não tenha

sido o resultado observado na evidência empírica.

Em termos puramente schumpeterianos, a restrita oportunidade de diferencia-

ção, induzida pelo reduzido volume de inovação endógena agregada aos seus produtos, não

justificaria a raridade da entrada com êxito de firmas inovadoras no mercado de acesso.

Essa perspectiva tampouco ajuda a explicar a reduzida agressividade verificada entre as

incumbentes – especialmente se for considerada a manutenção de preços relativamente ele-

vados, com margens tipicamente superiores àquelas dos segmentos mais competitivos da

internet. Afinal, dentro da lógica usual da TE, empresas do próprio setor poderiam avançar

“a jusante”, utilizando sua capacidade de inovar mais apurada para conquistar rapidamente

parcelas significativas do mercado de acesso, oferecendo serviços diferenciados, provavel-

mente com maior agilidade do que as incumbentes seriam capazes. A mudança técnica fre-

quente observada no caso concreto, induzindo à substituição periódica das plataformas de

rede, contribuiria para acentuar essa tendência, criando de tempos em tempos “janelas de

oportunidade” para a entrada em “campos nivelados”, quando eventuais vantagens associa-

das à escala ou aos sunk costs são, na prática, virtualmente eliminadas.

Entretanto, a evidência no mercado de acesso é clara: a despeito da presença

dos incentivos descritos acima e de barreiras convencionais relativamente reduzidas, a en-

trada inovadora usualmente não aconteceu. Pelo contrário, o Capítulo 1 mostrou que novas

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modalidades do serviço de acesso são introduzidas de forma bastante homogênea entre os

poucos competidores, de modo quase sempre simultâneo e com preços e características

técnicas semelhantes. Esse cenário aponta para a necessidade de investigar outros meca-

nismos para explicar a situação descrita.

Aparentemente, as capacidades acumuladas pelas firmas incumbentes, no seg-

mento de acesso, não se restringiram àquelas do tipo tecnológico ou puramente organizaci-

onal. Antes disso, concentraram-se em uma série mais complexa de habilidades de empre-

endedorismo institucional, conforme se depreende da pesquisa empírica. Adicionalmente, o

enfraquecimento do mecanismo de seleção, devido às características do serviço e ao modo

como os consumidores interagem entre si e com os provedores, também pode ter sido rele-

vante. Assim, e apesar de sinalizar a importância das questões institucionais no processo

evolucionário, como já discutido, a TE frequentemente não considera o impacto cruzado da

dinâmica coevolucionária – de tecnologias e instituições –, o que potencializa resultados

não completamente esclarecidos com base nessa vertente teórica, isoladamente. Essa limi-

tação parece ser importante neste caso e deverá ser tratada na próxima seção.

2.4. Abordagens institucionalistas

O estudo das instituições é recorrente na ciência econômica. Desde Smith e

Marx, a consideração das questões de ordem institucional na análise dos fenômenos

econômicos foi uma constante. No início do século XX, autores como Veblen e Commons

iniciaram a tradição hoje conhecida como “economia institucional original” (OIE, do inglês

original institutional economics), trazendo a questão das instituições para o centro da pes-

quisa econômica. Nos anos 1960, em especial com as contribuições de Coase e Williamson,

ganhou impulso a “nova economia institucional” (NIE, do inglês new institutional econo-

mics). Nos anos 1980, desenvolveu-se a economia das convenções francesa (EC), igual-

mente centrada nos temas institucionais. Essas três escolas serão brevemente abordadas.

Outras linhas dentro da ciência econômica, como a escola austríaca, trataram de aspectos

institucionais, ainda que de forma menos ampla, mas não serão analisadas aqui.

Fora da disciplina da economia, os autores de estudos organizacionais igual-

mente empreenderam esforços na compreensão do papel das instituições no comportamento

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econômico de indivíduos e organizações, desenvolvendo, a partir dos anos 1970, o novo

institucionalismo organizacional (NIO). Essa corrente ocupou espaço paralelo ao das ver-

tentes institucionais contemporâneas na economia e também será tratada a seguir.

Diferentemente das seções anteriores, que trataram de corpos teóricos relativa-

mente organizados e homogêneos, esta seção busca selecionar um “caminho” no vasto e

disperso repertório das teorias institucionais. O roteiro proposto é o seguinte: (i) conceituar

o termo “instituição”, segundo as várias abordagens, e eleger uma definição suficientemen-

te abrangente e compatível; (ii) apresentar sumariamente algumas das principais vertentes

teóricas, na tentativa de mapear os pontos mais relevantes para a pesquisa empírica; (iii)

propor um quadro teórico consolidado para a análise institucional, com foco particular no

conceito de campo organizacional e nos processos de dinâmica e empreendedorismo insti-

tucional; e (iv) sintetizar as contribuições pertinentes para a avaliação dos mercados como

estruturas institucionais, inclusive os seus requisitos importantes, em especial o estabeleci-

mento de instituições definidoras da qualidade, bem como o papel das redes sociais no

comportamento dos consumidores.

2.4.1. Os diferentes conceitos e tipos de instituição

O termo “instituição” tem uso frequente na economia e em diversas outras dis-

ciplinas, como a história, a sociologia, a ciência política e a filosofia. Isso se deve à onipre-

sença e à multiplicidade de sistemas institucionais que se sobrepõem, se complementam e

competem entre si, presentes que estão virtualmente em qualquer estrutura social (SCOTT,

2001), apesar de não existir uma definição única para o termo (HODGSON, 2006). Mesmo

as correntes institucionalistas, nas várias disciplinas, utilizam definições distintas e muitas

vezes incompatíveis entre elas. Por isso, a noção de instituição não é um conceito coerente

de forma global e necessita ser compreendido dentro do escopo empregado pelos distintos

autores e vertentes teóricas (NELSON; SAMPAT, 2001).

No domínio da economia, talvez a mais simples e conhecida das definições seja

a de North (1990, p. 3): as instituições são as “regras do jogo” ou, especificamente, “as res-

trições concebidas pela humanidade que conformam a interação humana”. A definição de

Hodgson (2006, p. 2), por outro lado, trata as instituições como “sistemas de regras sociais,

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estabelecidas e dominantes, que estruturam as interações sociais”. Já na teoria organizacio-

nal, Scott (2008, p. 48) define as instituições como “estruturas sociais duráveis compostas

por elementos simbólicos, atividades sociais e recursos materiais”.

Na linha sugerida por Dequech (2008, p. 527), este trabalho adota uma defini-

ção simples e ampla: “instituições são padrões de comportamento ou de pensamento soci-

almente compartilhados”. Padrões são aqui entendidos não apenas como aqueles efetiva-

mente praticados, mas também os prescritos ou recomendados (as “regras do jogo”). Essa

definição abrange as dimensões comportamental e cognitiva, e é, em geral, compatível com

– porém não equivalente – a maioria das conceituações utilizadas pelas diversas vertentes

teóricas.

Fligstein sugere uma definição alternativa mais detalhada, útil para a pesquisa

empírica, com a qual se alinha a abordagem deste trabalho:

Instituições são regras e significados compartilhados (implicando que as

pessoas são cientes deles ou que eles podem ser conscientemente conhe-

cidos) que definem relações sociais, ajudam a definir quem ocupa que po-sição nesses relacionamentos e guiam a interação ao fornecer quadros

cognitivos para os atores[153]

ou conjuntos de significados para interpretar

o comportamento dos outros. [...] As instituições podem, é claro, afetar as

situações dos atores com ou sem o seu conhecimento ou entendimento [2001b, p. 108].

As instituições podem ser classificadas conforme algumas tipologias. Elas são

formais ou informais. Entre as formais, encontram-se, por exemplo, as leis e regulamentos,

o Estado e o sistema judiciário. No escopo das informais, estão as normas sociais, que são

estabelecidas, e controladas, pelo grupo social ou comunidade, e as convenções, institui-

ções relativamente arbitrárias, nas quais a conformidade se deve à expectativa de cada

agente de que os demais também se conformarão, independentemente de aplicação de san-

ção externa (DEQUECH, 2009). Outras definições para convenção, nem sempre conver-

gentes, são adotadas na literatura.154

153 Quadros cognitivos são os esquemas mentais conscientes que os indivíduos constroem para compreender o

mundo, sendo normalmente compartilhados entre grupos que estão expostos às mesmas instituições (DOB-BIN, 2004), permitindo a organização mental do ambiente social (BECKERT, 2010). 154 Para Weber (1921/1968), se trata de uma parcela dos costumes que é seguida dentro de um grupo social,

sendo reconhecida como “obrigatória” e sua desobediência sujeita à sanção de desaprovação pelo grupo. Le-

wis (1969), utilizando a teoria dos jogos, define convenção como uma regularidade de comportamento, inclu-

indo padrões de pensamento, à qual se espera que todos os membros da população sejam conformes, indepen-

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Um conceito diretamente relacionado com o de instituição é o de “organiza-

ção”, do qual o Estado e as firmas são casos particulares. Na definição proposta por Hodg-

son (2006), as organizações são um tipo especial de instituição, que dispõem de algumas

características peculiares: (i) critérios definidores para suas fronteiras (limites) e membros;

(ii) princípios de soberania e de escolha da liderança; e (iii) cadeia de comando e distribui-

ção de responsabilidades definidas. Organizações são formadas por indivíduos ou outras

organizações, mas podem ser tratadas como atores sociais “unitários” desde que “elas te-

nham meios de chegar a decisões e de atuar sobre algumas delas”, a despeito de potenciais

conflitos internos (HINDESS, 1989, p. 89). As organizações têm, assim, uma propriedade

dual, pois são, simultaneamente, instituições por si sós e também participantes de outras

instituições (GREIF, 2006), em um caso particular de hierarquia recursiva, aninhadas umas

dentro das outras (ARTHUR; DURLAUF; LANE, 1997).

As instituições desempenham múltiplas atribuições na vida social, por meio de

diversos mecanismos de influência no comportamento e no pensamento dos agentes. De-

quech (2006, 2011) elenca três papéis distintos das instituições: (i) restritivo; (ii) cognitivo;

e (iii) motivacional. O papel restritivo, prescritivo dos comportamentos aceitáveis e das

sanções aplicáveis em situação de desvio, é provavelmente o menos controverso entre todas

as vertentes teóricas. Nesse sentido, as principais organizações da sociedade, como o Esta-

do, os mercados, as famílias e a religião representam instituições que restringem tanto os

fins quanto os meios das condutas, sendo importantes no nível dos indivíduos e no das or-

ganizações (SCOTT, 2001).

Segundo Scott (2008), uma das principais funções das instituições é a de forne-

cer suporte informacional para os agentes, operando como “repertório de conhecimento

coordenador interpessoal” (ibid., p. 69). Esse papel cognitivo, além de prover informações,

é responsável, de modo mais profundo, por dotar os atores de modelos mentais pelos quais

eles selecionam, organizam e interpretam as próprias informações, influenciando o modo

como formas institucionais e relacionais são legitimadas.

dentemente da aplicação de sanções. Young (1996) abranda estes requisitos, caracterizando a convenção por

um padrão de comportamento habitual, esperado e autoaplicável, entre outros possíveis, mas não adotados.

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Por fim, no papel motivacional, as instituições oferecem incentivos e influenci-

am os objetivos e obrigações que os indivíduos se atribuem (DEQUECH, 2011). Ao estru-

turar as relações entre atores, as instituições operam para reduzir a incerteza e a ansiedade

que ela causa (NORTH, 1990). Para Giddens (apud DIMAGGIO; POWELL, 1991, p. 23),

essa ansiedade seria “a origem motivacional mais generalizada da conduta humana”. Por

isso, os agentes sujeitos à incerteza buscam formas de coordenação entre si, como estraté-

gia para lidar com a situação de interdependência dentro do grupo social e viabilizar a ação

coletiva coordenada.

2.4.2. Correntes institucionalistas

Foram selecionadas algumas correntes teóricas institucionalistas para uma bre-

ve resenha. Este esforço não pretende ser exaustivo ou abranger todas as vertentes de estu-

do das instituições. Intencionalmente, nos concentramos aqui nas diretrizes teóricas elenca-

das, para compor um quadro teórico razoavelmente abrangente para a pesquisa proposta.

2.4.2.1. Teoria evolucionária dos jogos

Antes de discutir as correntes teóricas autodenominadas institucionalistas, é im-

portante ressaltar que, com a definição de instituição adotada neste trabalho, a teoria dos

jogos, em particular na sua versão evolucionária, também se constitui em uma forma de

teoria institucional.

Segundo Axelrod (1984), a teoria dos jogos tradicional (TJ), sob a premissa de

escolhas racionais, considera as instituições como o resultado das interações estratégicas

dos atores, supondo que os conjuntos de regras e estratégias para decisão sejam mantidos

fixos. Portanto, na perspectiva da TJ, a ação é tão somente uma adaptação dos agentes às

condições materiais vigentes (SCOTT, 2008). É importante ressaltar que, sem esses pressu-

postos, as conclusões da TJ não se sustentariam (FLIGSTEIN, 2001b). Uma vez que regras

e recursos são considerados como dados, as instituições decorrem destes, como consequên-

cia lógica. Logo, não influenciam nem dependem da cognição dos atores.

As premissas da TJ são restritivas quando se procura explicar um ambiente so-

cial complexo e dinâmico, no qual os agentes tentam, frequentemente, inovar e alterar não

apenas as “regras do jogo”, mas o “modo como o jogo é jogado”, em benefício próprio

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119

(SCOTT, 2008; DEQUECH, 2009). Além disso, como argumenta Orléan (2004), ao partir

da conceptualização de indivíduos “atomizados”, a TJ desconsidera a (eventual) dimensão

coletiva. Dessa maneira, não é capturada na análise teórica a influência das arenas sociais e

da dinâmica de suas hierarquias, bem como a necessidade dos atores de estabelecer redes

de relações para obter cooperação e viabilizar seus objetivos (FLIGSTEIN, 2001b).

A teoria evolucionária dos jogos (TEJ) relaxa algumas das restrições da TJ tra-

dicional. Ao adotar a premissa de racionalidade limitada (bounded rationality) de Simon

(1958), ela permite que as próprias estratégias para a decisão passem a fazer parte dos es-

forços de coordenação entre os atores. Em jogos com equilíbrios múltiplos, como é fre-

quentemente o caso, são necessárias convenções de coordenação das estratégias adotadas,

para que equilíbrios, pelo menos localmente estáveis, possam ser obtidos. É a coordenação

entre os agentes, portanto, que viabiliza a emergência do que é usualmente chamado de

“estratégia evolucionariamente estável” (SUGDEN, 1986/2004; YOUNG, 1996). Assim,

eles desenvolvem as estratégias ao longo de jogos repetidos sobre trajetórias que não são

únicas, ou seja, a(s) estratégia(s) evolucionariamente estável(is) apresenta(m) path depen-

dence. Por isso, diferentemente da TJ, o número e a natureza dos pontos de equilíbrio pos-

síveis comumente não podem ser especificados ex ante na TEJ.

A TEJ é um passo na direção dos sistemas complexos dinâmicos, mas represen-

ta, ainda, um caso particular deles. Isso porque preserva o pressuposto da TJ de que o con-

junto de estratégias factíveis é finito e conhecido, com a possibilidade de múltiplos equilí-

brios a partir de combinações delas (NELSON, 1995). Por isso são necessárias convenções

que resolvam os problemas de coordenação e permitam manter a cooperação, ainda que no

contexto de jogos repetidos.

A consideração da situação de equilíbrios múltiplos permite à TEJ explicar di-

ferenças institucionais, por exemplo, entre países, utilizando-se o conceito de path depen-

dence, o que não é possível com a TJ tradicional (NORTH, 1990; DOBBIN, 2004). Discre-

pâncias nas condições iniciais, nas escolhas ou mesmo o acaso, durante o processo evoluci-

onário, podem gerar instituições persistentemente distintas – sem nenhuma garantia de que

serão (Pareto) eficientes. Entretanto, a convergência institucional continua sendo esperada

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120

no longo prazo, pelo menos em nível local, pois a TEJ não considera a hipótese de lock-

in155

entre comunidades que interagem (YOUNG, 1996).

2.4.2.2. Institucionalismo econômico original

A tradição do institucionalismo econômico original (OIE, na sigla em inglês)

trata as instituições como sistemas de regras socialmente determinadas, que organizam as

interações dos atores na sociedade (HODGSON, 2006). Mas, indo além da vertente instru-

mental da economia neoclássica, a OIE enfatiza a importância dos hábitos na formação das

instituições – e vice-versa –, ao ressaltar o papel mental destas. Elas “proveem [os agentes

com] um quadro cognitivo para interpretação das sensações imediatas e fornecem hábitos

ou rotinas intelectuais para transformar informação em conhecimento útil” (HODGSON,

1998, p. 171).

Na OIE, a imbricação entre hábitos – de pensamento e comportamento – e insti-

tuições é o componente central para a compreensão da mecânica institucional (HODGSON,

2006). Hábito, consciente ou não, é definido como a disposição para reproduzir comporta-

mentos ou pensamentos, adquiridos anteriormente no ambiente social, por meio do estímu-

lo ou contexto adequado. Assim, os “hábitos são a matéria-prima das instituições, provendo

para elas durabilidade, poder e autoridade normativa reforçados” (DIMAGGIO; POWELL,

1991, p. 7). Como proposto por Simon (1958), os hábitos não devem ser considerados ape-

nas elementos passivos, mas sim formas de direcionar a atenção dos atores para aspectos

selecionados das situações, em detrimento de demais (DIMAGGIO; POWELL, 1991). Por

isso, os hábitos são importantes no processo de evolução institucional, na medida em que,

com informação limitada, operam como “guias” para a convergência de certas convenções,

em prejuízo de outras (HODGSON; KNUDSEN, 2004).

As instituições tendem a se perpetuar, entre outros motivos, porque elas influ-

enciam e delimitam as próprias aspirações dos indivíduos, ao criar as bases para sua exis-

tência enquanto seres sociais, ao proporcionar uma ligação específica entre o mundo ideal e

o real. Por isso, as instituições têm a capacidade de modificar os atores, seus objetivos e

155 O conceito de lock-in é complementar ao de path dependence, no sentido de que as condições iniciais ou as

escolhas durante o processo histórico podem levar certas trajetórias que se tornam muito persistentes. Isso

dificulta ou mesmo inviabiliza outras trajetórias potencialmente equivalentes, ou mesmo superiores em termos

de resultados esperados, restringindo as opções futuras dos agentes (ARTHUR, 1989; DAVID, 1985).

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121

preferências (HODGSON; KNUDSEN, 2004). Assim, na perspectiva da OIE, as institui-

ções são, simultaneamente, estruturas objetivas, exógenas ao agente, e fontes subjetivas de

oportunidades para a ação humana (HODGSON, 2006).

Os autores recentes da OIE reforçam a importância das interações sociais na

construção das capacidades conceituais dos indivíduos. Estruturas sociais formam-se jus-

tamente pela interação das instituições com o conjunto das relações sociais,156

inclusive as

episódicas e as desestruturadas ou não reguladas. Isso porque a maioria dos quadros cogni-

tivos, que os agentes utilizam para apreender o mundo social, é representada por meio de

linguagens sociais. Por conseguinte, “a ‘realidade’ que nós ‘vemos’ e ‘entendemos’ é parci-

almente construída socialmente” (HODGSON, 1988, p. 120).

Os agentes [têm] que estruturar cognitivamente os problemas que encon-

tram – para “dar sentido” aos seus problemas – tanto quanto resolvê-los [...] Para “dar sentido”, para aprender e para se adaptar, os agentes adotam

uma variedade de processos cognitivos. As categorias particulares que

eles empregam para converter informação sobre o mundo em ação emer-gem da experiência [...] Os agentes, portanto, habitam um mundo o qual

eles precisam interpretar de forma cognitiva – um [mundo] que é compli-

cado pela presença e pelas ações de outros agentes e que está em perma-nente mudança [...] E disso deriva que qualquer “conhecimento comparti-

lhado” que os agentes possam ter sobre os demais tenha que ser obtido de

processos cognitivos específicos e concretos, operando a partir das expe-

riências adquiridas por meio de interações concretas [ARTHUR, 1997, p. 5].

2.4.2.3. Novo institucionalismo econômico

O novo institucionalismo econômico (NIE) surgiu dos trabalhos de Coase e

Williamson, alterando o foco do estudo das instituições informais (hábitos), característico

da OIE, para aquelas do tipo formal (leis, contratos etc.). A famosa definição de North

(1990) – as instituições são as “regras do jogo” – é emblemática dos novos institucionalis-

tas, não obstante o autor não se inserir apenas no escopo do NIE. Os autores dessa vertente

consideram as instituições formais preponderantes na vida econômica (WILLIAMSON,

2000), por causa de sua ação reguladora no comportamento social (GREIF, 2006). Uma das

principais características do NIE é o tratamento das instituições centrado na sua dimensão

156 O conceito de “relação social” adotado baseia-se na definição clássica de Weber (1921/1968): o compor-

tamento de um grupo de atores no qual o comportamento de cada um leva em conta os dos demais e é por elas

orientada. A ação é social, portanto, na medida em que o ator associa significado a esses comportamentos.

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122

comportamental, sendo sua eventual extensão cognitiva tratada somente em seu atributo

expectacional (GREIF, 2006; YOUNG, 1996).

O NIE considera as instituições resultado da agência humana deliberada, uma

tentativa de indivíduos limitadamente racionais para tratar a informação incompleta de que

dispõem e reduzir seus riscos, em um ambiente complexo (KINGSTON; CABALLERO,

2009). Segundo Williamson (1996; 2000), as instituições são arranjos sociais, produtos da

ação instrumental individual, destinadas à minimização dos custos inerentes à realização de

transações econômicas. Para North (1990), os custos de transação são justamente aqueles

relacionados à manutenção do sistema formal de direitos de propriedade, nas condições

modernas de especialização e divisão do trabalho.

Vale notar que a NIE não requer a premissa de racionalidade substantiva, ape-

sar de vários de seus proponentes – mas não todos – também considerarem que o processo

econômico conduz, inexoravelmente, a formas institucionais eficientes (KINGSTON; CA-

BALLERO, 2009). Como argumenta Williamson (1996), a perspectiva da racionalidade

limitada de Simon (1958) é mais adequada para definir a conduta dos agentes. Essa limita-

ção seria a causa de os contratos serem inevitavelmente incompletos, abrindo espaço para o

comportamento oportunista. Isso, por sua vez, demanda a existência de instituições de go-

vernança e um ambiente institucional adequado para a mitigação dos riscos agregados e a

garantia do cumprimento dos contratos – especialmente leis e tribunais apropriados (DI-

MAGGIO; POWELL, 1991). A adoção da racionalidade limitada no NIE, porém, não re-

solve o problema da diversidade institucional, pois, ao centrar a análise no conceito de

comportamento oportunista, segue insatisfatório o tratamento das diferenças entre as atitu-

des dos atores, em situações semelhantes, usualmente verificadas em nível local e global

(DOBBIN, 2004).

2.4.2.4. Economia das convenções francesa

A economia das convenções francesa (EC) estuda as questões institucionais da

ação e da coordenação entre os agentes, compreendidas de uma forma interdisciplinar, en-

volvendo a economia, a sociologia e a filosofia (ORLÉAN, 2004). A ênfase da EC é no

conceito de convenção, como regra de comportamento interindividual (“regra convencio-

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nal”) e como modelo de avaliação desse comportamento, fundamentado em “lógicas de

justificação” compartilhadas.

As convenções, simultaneamente à sua origem na ação social, balizam as con-

dutas dos atores, em um processo de realimentação. As convenções são interpretadas por

eles como representações de um “mundo” social comum, justificado por meio de princípios

compartilhados (BATIFOULIER; LARQUIER, 2001). As regras convencionais necessitam

de interpretação antes da sua aplicação: a justificação é a construção mental que suporta e

dá legitimidade a esse processo para o indivíduo (STORPER; SALAIS, 1997). A justifica-

ção é especialmente importante em situações de conflito, quando as partes envolvidas –

quem critica e quem é criticado – precisam justificar mutuamente suas ações. “A ênfase [da

EC] nas disputas é baseada na premissa que estas tornam particularmente visível os recur-

sos e as competências mobilizados pelos atores” (JAGD, 2007, p. 78).

Segundo o conceito da lógica de justificação, os agentes orientam sua ação por

princípios de justificação gerais, de modo a se coordenarem com os demais que comparti-

lham um mesmo mundo social, na presença da incerteza gerada por essa interação (BOL-

TANSKI; THÉVENOT, 1991; JAGD, 2007). O esforço dos atores para a coordenação sig-

nifica abrir mão de parte da autonomia individual em benefício do processo social, pois

envolve a construção coletiva de estruturas cognitivas e de relacionamento dinâmicas e

complexas (STORPER; SALAIS, 1997). A coordenação é, assim, necessariamente resulta-

do da ação social, e não apenas a conjugação de preferências individuais ou a influência da

estrutura social preexistente.

Boltanski e Thévenot propuseram uma tipologia, não exaustiva, das “ordens de

valor”157

que ordenariam “mundos” sociais distintos: inspiração, opinião/renome, cívico,

mercado, industrial e doméstico (DEQUECH, 2008). O conceito particular de valor utiliza-

do pela EC diz respeito a um ordenamento qualitativo, peculiar ao mundo em questão, com

base no qual os agentes valoram pessoas e objetos. Portanto, uma ordem de valor é uma

construção cognitiva, mas também social e política, que permite aos atores “medirem-se

dentro de suas ações quotidianas” (BOLTANSKI; THÉVENOT, 1991, p. 161). Diferentes

157 A ordem de valor representa um conjunto específico de “relações sociais, concepções do que é correto,

métricas de valor e noções de qualidade” (LATSIS; LARQUIER; BESSIS, 2010, p. 552).

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ordens de valor podem ser utilizadas por cada ator, combinada e simultaneamente, confor-

me a visão de mundo aplicável na situação específica. De acordo com os “mundos” dos

quais o agente tome parte, os modos de justificação serão diversos; a falta de concordância

e a disputa envolvem diferenças entre os valores relativos (“la grandeur”) atribuídos, pelas

partes, a pessoas ou objetos (DEQUECH, 2008).

Assim, o estabelecimento da convenção, pelo compartilhamento de uma visão

de mundo, permite a coordenação dos atores e a resolução do conflito, baseada em uma

crença generalizada sobre o comportamento coletivo – uma certa ordem de valor comum –

aceitando como central a tensão entre ação individual e estrutura (STORPER; SALAIS,

1997). “A convenção constitui uma exterioridade cuja presença transforma os indivíduos e

suas relações. [...] Ela introduz um elemento novo, de natureza coletiva ou social, que esca-

pa à pura lógica da racionalidade estratégica” (ORLÉAN, 2004, p. 13, grifo no original).

2.4.2.5. Novo institucionalismo organizacional

O novo institucionalismo nos estudos organizacionais (NIO) tem como uma de

suas características centrais a rejeição da racionalidade “atomista” (a partir dimensão do

indivíduo) como explicação para a organização das estruturas sociais – uma das principais

premissas da economia neoclássica. Em vez disso, o NIO tem um enfoque “organicista”

(SCOTT, 2008), fundamentado na análise de padrões de relações sociais dentro de campos

específicos (BECKERT, 2010). Essa vertente teórica enfatiza o papel da cultura e da cogni-

ção158

no processo social e na natureza frequente de imbricação (taken-for-grantedness) das

instituições na vida econômica (THORNTON; OCASIO, 2008). A tese central é que os

processos sociais formatam o comportamento econômico em seu núcleo e não apenas de

forma periférica (DOBBIN, 2004).

Para o NIO, as instituições decorrentes dos processos sociais estruturam a ação

e restringem a capacidade dos atores de agir de maneira puramente instrumental, além de

privilegiarem grupos cujos interesses estejam alinhados com elas (DIMAGGIO; POWELL,

1991). Nesse ambiente, o comportamento dos indivíduos é orientado fundamentalmente por

158 Cognição é o processo pelo qual os atores dão sentido ao mundo ao seu redor, bem como às suas conven-

ções sociais (DOBBIN, 2004), por meio de representações simbólicas internalizadas da mediação entre os

estímulos externos e a resposta do indivíduo, formatadas pelo quadro cultural no qual o ator está imerso

(SCOTT, 2008).

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uma “lógica de adequação” (appropriateness) e não pela “lógica de consequências”, pres-

suposta na conduta estritamente racional (MARCH, 1994). Assim, o papel das instituições

seria o de formatar os comportamentos (SCOTT, 2008), estabelecendo uma relação direta

entre instituições e agência, mas sem excluir a possibilidade da ação instrumental sobre a –

e além da – estrutura institucional.

A premissa teórica crucial do NIO é que parcela relevante das relações sociais

não é baseada em instituições formais ou em características individuais dos atores (BEC-

KERT, 2010). O NIO enfatiza a natureza informal e taken-for-granted de boa parte do qua-

dro institucional, normalmente subestimada pelos teóricos utilitaristas, como os do NIE

(DIMAGGIO, 1988). Isso significa que, em uma perspectiva cultural-cognitiva, as institui-

ções precisam ser analisadas além de seus aspectos normativos159

e regulatórios.160

Isso

obriga o analista a penetrar em um universo consideravelmente mais “intratável” e “opaco”

do que aquele das abordagens que se atêm primordialmente a essas particularidades (DI-

MAGGIO, 1988; POWELL, 1991; SCOTT, 2001).

Autores como DiMaggio e Powell (1983) propõem que os agentes dentro de um

mesmo campo adotam modelos mentais compartilhados para estruturar sua interação, tendo

em vista seus objetivos, confiando para isso em arranjos institucionais taken-for-granted,

adquiridos socialmente. Desse modo, os três elementos – cultural-cognitivo, normativo e

regulatório – são “blocos” que formam um contínuo – do inconsciente para o consciente –

que é o substrato das instituições (SCOTT, 2008). Nas instituições reais, o que se verifica é

uma combinação variada entre esses componentes constitutivos (TOLBERT; ZUCKER,

1996; SCOTT, 2001, 2008). A persistência institucional, em particular, está diretamente

associada ao alinhamento entre eles.

Por se basearem em premissas pré-conscientes, ou taken-for-granted, os ele-

mentos cultural-cognitivos encontram-se no nível mais profundo das instituições (BEC-

159 Scott (2008) define as regras normativas como aquelas baseadas em valores e normas e que atuam em uma

dimensão prescritiva, avaliativa e obrigatória da vida social. Os valores representam uma concepção do que é

desejável ou preferível, tornando-se padrões por meio dos quais as estruturas e comportamentos são compara-dos. Já as normas especificam os comportamentos adequados às diversas circunstâncias, definindo quais são

os meios legítimos para perseguir fins compatíveis com os valores. 160 Restrições ou estímulos explícitos, formais ou informais, geradas a partir do processo de regulação: leis,

regulamentos, órgãos de supervisão, atividades de sanção etc. A coerção é o principal mecanismo de controle

nesse caso (SCOTT, 2008).

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KERT, 1999; SCOTT, 2008). “Cultura, instituições e relações sociais não são apenas fer-

ramentas para os atores; elas influenciam a cognição e a ação destes de forma importante e

frequentemente inconsciente” (BATTILANA; LECA; BOXENBAUM, 2009, p. 73), “con-

trolando a conduta humana [...] antes ou à parte de quaisquer mecanismos ou sanções cria-

dos para suportar [as instituições]” (BERGER; LUCKMAN, 1967 apud DIMAGGIO;

POWELL, 1991, p. 21). A conformidade institucional não decorre, portanto, somente de

repressão ou de outros modos de reação racional do grupo social, mas acontece principal-

mente porque outros tipos de comportamento são comumente inconcebíveis para o ator

(SCOTT, 2008). “Rotinas [institucionalizadas] são seguidas porque elas estão assumidas

implicitamente [taken-for-granted] como ‘o jeito que nós fazemos essas coisas’” (ibid., p.

58).

2.4.3. Proposta de quadro teórico para a análise institucional

Como se depreende da breve resenha das principais vertentes institucionalistas,

pode-se, em primeiro plano, classificá-las segundo a ênfase em elementos normativos e

regulatórios (novo institucionalismo econômico) ou cultural-cognitivos (institucionalismo

econômico original, economia das convenções e novo institucionalismo organizacional).

Essa clivagem é crucial para a pesquisa: sem ignorar a importância dos três fatores na apre-

ensão de um arranjo institucional particular, a bibliografia de estudos empíricos mostra que

não existe uma combinação única ou ideal para o diagnóstico das situações concretas. As-

sim sendo, é uma das tarefas da análise determinar a relevância intrínseca de cada elemento

na realidade específica.

No caso particular deste trabalho, conforme algumas hipóteses já apresentadas

no Capítulo 1, os elementos cultural-cognitivos parecem ter sido importantes para a con-

formação institucional do setor de internet, sem ignorar o valor dos demais. Logo, na cons-

trução da proposta para o quadro teórico, parece indicado privilegiar as correntes teóricas

que enfatizam esse elemento, em especial as abordagens da EC e do NIO, essencialmente

convergentes em seus pontos centrais.

Como visto, a perspectiva do novo institucionalismo organizacional (NIO) é

distinta daquela do novo institucionalismo econômico (NIE), apesar de ambos convergirem

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no papel normativo das instituições na restrição da racionalidade instrumental pura (DI-

MAGGIO; POWELL, 1991). No entanto, enquanto o NIE considera o tema das relações

sociais e de poder como dominado pela racionalidade econômica – ainda que limitada –, os

autores do NIO procuram abordar a questão institucional de modo mais abrangente (ibid.).

Ao considerar que o comportamento econômico dos agentes é delineado, significativamen-

te, por questões cultural-cognitivas, e não apenas pela mobilização instrumental de interes-

ses, a maneira como os significados simbólicos são adquiridos e aplicados pelos atores ga-

nha relevância, assim como o ambiente social em que esse processo ocorre (DIMAGGIO,

1988). Afinal, os “estudos empíricos tipicamente mostraram que a economia não era um

domínio distinto – [...] ela estava emaranhada na vida social” (DOBBIN, 2004, p.3).

Uma crítica frequente ao institucionalismo original é o peso excessivamente

amplo dado à estrutura social, incluindo as instituições, sobre os atores. Em um contexto de

“sobressocialização”, eles passam a ter seu comportamento incondicional e automaticamen-

te guiado por instituições poderosas e estáveis, em que a inovação institucional endógena

não seria possível e a exógena, improvável (JAGD, 2007). “A teoria institucional [original]

não tem uma teoria, explícita ou formal, do papel que os interesses operam na instituciona-

lização” (DIMAGGIO, 1988, p. 4). Outro ponto questionado do institucionalismo original,

apontado por autores como Beckert (1999), é sua incapacidade de considerar as diferenças

individuais entre agentes, uma vez que se desconsidera a função da ação estratégica nos

processos de construção e transformação institucional.

Para superar esses problemas nas formulações institucionalistas anteriores, os

autores do NIO propuseram tratar o modelo do ator racional da TJ e o do institucionalismo

original como extremos de um contínuo teórico, no qual operam também os processos de

decisão e de agência161

(TOLBERT; ZUCKER, 1996; BATTILANA; LECA; BOXEN-

BAUM, 2009). Como lembra DiMaggio (1988), na mesma linha da EC francesa, os inte-

resses e conflitos entre grupos são essenciais para a compreensão da dinâmica institucional.

Portanto, a integração da perspectiva da agência ao quadro teórico institucional é essencial

para prover uma visão integral. Segundo Emirbayer e Mische:

161 O termo “agência se refere à habilidade de um ator em ter algum efeito sobre o mundo social – alterando

as regras, os laços relacionais ou a distribuição de recursos” (SCOTT, 2008, p. 77).

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Toda ação social é uma síntese concreta, formatada e condicionada, de um

lado, pelos contextos temporal-relacionais da ação e, por outro, pelos pró-

prios elementos dinâmicos da agência. Isto garante que a ação social em-pírica nunca será completamente determinada ou estruturada. De outro la-

do, não existe momento hipotético no qual a agência efetivamente fica

“livre” da estrutura [apud SCOTT, 2001, p. 194].

Essa tensão, contraditória e permanente, entre agência estratégica e estrutura

social permeando a vida econômica, pode ser mais adequadamente abordada pela teoria dos

campos organizacionais e pela correlação desta com as redes sociais.

O conceito de campo organizacional (organizational field) provém do trabalho

de Bourdieu (1972). O campo representa o lócus da ação social de um determinado conjun-

to de grupos organizados, em que atores coletivos tentam criar um sistema de relações, por

meio da produção de uma cultura local, que defina e dê significado às relações sociais entre

eles. A cultura fornece os elementos cognitivos simbólicos para os indivíduos, ajudando-os

a interpretar sua posição na estrutura e sua identidade social. Isso os habilita a compreender

a ação dos outros, com quem se relacionam, consequentemente “enquadrando” as ações de

cada ator em relação ao grupo (DIMAGGIO; POWELL, 1983; FLIGSTEIN, 2001b;

SCOTT, 2008). Além disso, a cultura provê, ainda, os esquemas mentais que permitem a

percepção, e eventualmente a mudança, das instituições (DENZAU; NORTH, 1994; DOB-

BIN, 2004). “Campos organizacionais altamente estruturados proveem um contexto no qual

os esforços individuais para lidar racionalmente com a incerteza e as restrições frequente-

mente levam, no agregado, à homogeneidade de estrutura, cultura e resultados” (DIMAG-

GIO; POWELL, 1983, p. 147). A noção de campo organizacional permite a avaliação si-

multânea das estruturas sociais relevantes para a dinâmica da vida econômica, conciliando

as potenciais contradições analíticas entre estrutura e agência (BECKERT, 2010).

A teoria dos campos organizacionais privilegia a interpretação sobre como os

significados compartilhados do campo – suas instituições – são internalizados (taken-for-

granted) pelos atores (BECKERT, 1999; FLIGSTEIN, 1997). Essas instituições passam,

então, a operar como restrições à ação, limitando e determinando o comportamento ao lon-

go do tempo. Não obstante, elas funcionam como habilitadoras para a aquisição do conhe-

cimento necessário para que os agentes possam tomar suas próprias decisões e, em certas

ocasiões, iniciar o processo de transformação do campo (DIMAGGIO; POWELL, 1991;

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HODGSON, 1988; SCOTT, 2008). As instituições formatam a conduta humana nos cam-

pos, não apenas ao fornecer para os atores representações compreensíveis dos relaciona-

mentos sociais, mas também ao provê-los com scripts (rotinas) que orientam sua ação

(DOBBIN, 2004). Nesse contexto, a institucionalização é a mecânica pela qual formas de

pensar ou de agir tornam-se compartilhadas e, desse modo, constitutivas dos padrões de

interação dentro dos campos (JEPPERSON, 1991).

Conforme DiMaggio e Powell (1983), a institucionalização do campo organiza-

cional não é predeterminada, pela sua própria natureza, apesar de tampouco ocorrer espon-

tânea ou aleatoriamente.162

A institucionalização dos campos e a consequente redução da

incerteza que ela traz são pré-requisitos da ação estratégica (BECKERT, 1999). Como mos-

trou Simon (1958), escolhas minimamente racionais são possíveis apenas em condições

moderadas de incerteza, que permitam, pelo menos, a formação de expectativas pelos ato-

res. Ao induzir perspectivas sobre o comportamento e o pensamento dos outros, as institui-

ções reduzem a incerteza e viabilizam a ação instrumental. Além disso, a “agência estraté-

gica que [inclusive] viole as regras institucionais existentes pode ser esperada [mesmo] em

situações caracterizadas por níveis de certeza relativamente altos dentro de um campo insti-

tucional” (BECKERT, 1999, p. 783). Quanto maior o grau de institucionalização, então,

potencialmente maiores serão os benefícios inerentes à agência e ao desvio. Ao criar as

condições para a ação estratégica, as instituições fomentam os mecanismos que ensejam a

desestabilização e a mudança nos campos, em um processo permanente e contraditório

(BECKERT, 1999).

As relações de poder entre atores fazem parte e estão imbricadas (embedded)

com a estrutura do campo, também no que diz respeito aos recursos disponíveis para cada

agente (HARDY; MAGUIRE, 2008). “Os campos organizacionais são compostos por es-

truturas específicas de redes sociais163

que criam diferenças de poder entre [os atores] e

162 Em termos genéricos, as etapas da institucionalização são: (i) o rápido crescimento das interações entre os

atores do campo; (ii) a emergência de estruturas de dominação interorganizacional e padrões de coalizão; (iii) o aumento do volume de informação sobre a qual os agentes decidem; e (iv) o desenvolvimento de padrões

específicos e estáveis de interação (DIMAGGIO; POWELL, 1983). 163 As redes sociais são compostas de grupos de indivíduos ou organizações interconectadas por alguma forma

de interdependência. O conceito de rede está associado à ideia durkheimiana de que a identidade e o compor-

tamento são moldados pela posição social.

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hierarquias de posições” (BECKERT, 2010, p. 609). São as posições dos agentes na hierar-

quia que determinam o poder de que disporão e as oportunidades a que terão acesso. Nesse

sentido, o poder não é um atributo individual, mas das posições que ocupam na estrutura do

campo.

O poder relativo dos agentes é, dessa forma, definido pelo arranjo institucional

e das redes sociais, que estimulam certos comportamentos ou interpretações e desestimulam

outros. “As instituições em cada campo organizacional são únicas e estão imbricadas com

as relações de poder entre grupos” (FLIGSTEIN, 2001b, p. 109). Note-se que poder, nessa

acepção, vai além da simples capacidade de coerção: envolve também a habilidade de defi-

nir as percepções e os interesses dos outros, inclusive sobre o que é considerado “racional”

(DOBBIN, 2004). Nas interações dentro de um campo organizacional, os grupos que ocu-

pam as posições que dispõem de mais poder – os incumbentes164

– “se valem das regras

culturais aceitáveis para reproduzir o seu poder [...] esse processo torna a ação nos campos

[organizacionais] continuamente conflituosa e inerentemente política” (FLIGSTEIN,

2001a, p. 15). A despeito da proeminência dos interesses dos atores poderosos, os campos

oferecem benefícios para os menos poderosos – os desafiantes – na medida em que estes

consigam garantir sua sobrevivência, ainda que com um nível restrito de recursos (FLIGS-

TEIN, 2001b). A teoria dos campos organizacionais tem como um de seus objetivos justa-

mente compreender como, por meio da ação estratégica, em um sentido fraco, esses espa-

ços sociais podem tornar-se e manter-se estáveis, apesar da persistência dos conflitos e da

heterogeneidade (FLIGSTEIN, 1997; POWELL, 1991).

Todas as ações dentro do campo organizacional envolvem interação. Portanto, o

processo econômico é, simultaneamente, “restrito e suportado por redes definidas com base

em padrões recorrentes de interação [social] entre os agentes” (ARTHUR; DURLAUF;

LANE, 1997, p. 6). Ao “absorverem” os indivíduos, as “redes sociais [se tornam] as porta-

doras das novas práticas econômicas e das novas ideias [inclusive] sobre o que significa ser

164 Incumbentes, na perspectiva institucional, são os atores que mais se beneficiam do arranjo do institucional

vigente e detêm poder suficiente para sua reprodução nesse papel (FLIGSTEIN, 2001a). Os atores que, por

oposição, menos se beneficiam do status quo são denominados desafiantes. Essa é o modo mais elementar de

representação do conflito imanente às estruturas sociais.

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racional e eficiente” (DOBBIN, 2004, p. 5), relativizando o papel da agência em sua forma

mais forte – como na teoria dos jogos.

A seguir, dois desdobramentos da perspectiva institucional proposta são deta-

lhados, dada sua relevância para o caso empírico em questão.

2.4.3.1. Mercados como campos organizacionais

Conforme lembra Powell (1991), é frequente na literatura empírica a oposição

entre os setores baseados em mercados e os institucionalizados, no sentido de que os últi-

mos seriam menos propícios ao processo competitivo. Mas, como reforça esse autor, os

mecanismos de competição e institucionalização não são necessariamente excludentes. É

comum, ainda, a percepção de que o espaço dos processos institucionais esteja no âmbito

da sociedade – regional, nacional ou mesmo global. Porém, segundo DiMaggio e Powell

(1991), nas sociedades contemporâneas, cada setor industrial é um campo privilegiado para

a dinâmica da institucionalização.

Mercados são elementos constitutivos da modernidade capitalista (POLANYI,

1944; TORDJMAN, 2004; HODGSON, 2008). Os mercados contemporâneos podem ser

genericamente definidos como campos organizacionais criados para a produção e a venda

de bens e serviços – os produtos – em volumes significativos, por múltiplos atores hetero-

gêneos e com interesses particulares, como transações voluntárias, repetidas, competitivas e

estruturadas (CORIAT; WEINSTEIN, 2005; BECKERT, 2010). Por estruturadas, compre-

ende-se que essas transações ocorrem dentro de arranjos institucionais específicos, formais

e informais, que as organizam (FLIGSTEIN; DAUSTER, 2007). Os mercados são, por con-

seguinte, instituições em si, no sentido de representarem regras e práticas mentais e com-

portamentais compartilhadas, que viabilizam e regulam as transações recorrentes165

(HOD-

GSON, 2008).

Para Coriat e Weinstein (2005), a teoria dos campos organizacionais fornece

uma alternativa analítica interessante para o estudo dos mercados. Nesse caso, a contribui-

ção essencial é a incorporação das estruturas institucionais, em adição ao mecanismo de

preços, na organização dos mercados, em um quadro teórico integrado. Segundo Gibbons

165 Outras formas de mercado, talvez menos estruturadas ou institucionalizadas, existiram e continuarão a

existir, em circunstâncias históricas específicas e periféricas ao modelo capitalista contemporâneo.

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(1992), a interpretação do mercado como campo organizacional é consistente com o con-

ceito de mercado de produtores normalmente adotado pela economia industrial tradicional,

aproximando as perspectivas da economia e dos estudos organizacionais. O campo organi-

zacional de um mercado particular é composto pelas firmas que produzem produtos ou ser-

viços similares, seus fornecedores mais importantes, os usuários e as agências governamen-

tais pertinentes (DIMAGGIO; POWELL, 1983). Essa abordagem se aproxima daquela dos

sistemas setoriais de inovação e produção (MALERBA, 2002), descrita no Capítulo 1.

No tratamento usual da economia neoclássica (EN), o funcionamento dos mer-

cados se daria de modo “natural” e desinstitucionalizado, operando de forma autorregulada

e autoequilibrada (CORIAT; WEINSTEIN, 2005; HODGSON, 2008). Entretanto, nas pa-

lavras de DiMaggio e Powell (1983, p. 150), “as firmas não competem apenas por recursos

e clientes, mas por poder político e legitimidade institucional, por aptidão social bem como

econômica”. A concorrência, em mercados estabilizados ou não, tem reflexos importantes

na organização interna e externa das empresas.166

Logo, a posição de uma firma em relação

às outras, dentro da estrutura social do campo, tem influência marcante nos seus resultados

econômicos. Por isso, a infraestrutura institucional requerida para a operação dos mercados

não pode ser simplificada, como frequentemente faz a EN, a uma soma de relações bilate-

rais (CORIAT; WEINSTEIN, 2005). Uma representação mais fiel dos mercados, argumen-

tam Hodgson (1998, 2008) e Orléan (2004), necessita trazer para a discussão o reconheci-

mento de outros mecanismos, além do sistema de preços. Não se trata simplesmente de

substituir o foco na otimização econômica pelo das forças sociais em ação.

Nessa linha, um arranjo institucional razoavelmente complexo é necessário para

o desenvolvimento dos mercados capitalistas, ou seja, os agentes dependem de relações

sociais minimamente estruturadas, baseadas em confiança e poder, para transacionar. Por

isso, “os atores do mercado desenvolvem estruturas sociais para mediar os problemas que

eles encontram na troca, competição e produção” (FLIGSTEIN; DAUTER, 2007, p. 114).

Além das instituições, as redes sociais que os agentes criam durante esse processo têm um

papel essencial na geração da confiança necessária entre os principais indivíduos envolvi-

166 Os dois elementos centrais da organização das firmas são: (i) suas estratégias, ou os meios que utilizam

para alcançar seus objetivos; e (ii) sua estrutura, ou a forma com que se organiza internamente (divisões, hie-

rarquias etc.).

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133

dos – empreendedores, administradores, trabalhadores, consumidores, firmas e governos

(GRANOVETTER, 1985).

Tampouco cabe, nessa perspectiva, a oposição conceitual entre firma e merca-

do, enquanto espaços de otimização de custos de transação, ao contrário do que propõe o

NIE, em função da intrincada condição de interdependência e complementaridade entre um

e outro (CORIAT; WEINSTEIN, 2005). Assim, empresas podem eventualmente sobreviver

mesmo com ineficiência evidente, situação que, do ponto de vista estritamente técnico, de-

veria causar sua extinção. Isso não significa, entretanto, que considerações sobre desempe-

nho e eficiência sejam irrelevantes, mas apenas que são somente algumas das variáveis que

determinam a reprodução das organizações (POWELL, 1991). Na ordem produzida pela

estrutura social dos mercados, a definição sobre o que é “eficiente”, ou não, é gerada endó-

gena e localmente em cada mercado. A estrutura social torna disponível para os atores que

participam do mercado – produtores e consumidores em particular – mais informação do

que simplesmente preços, além de fornecer instrumentos cognitivos para selecionar, orga-

nizar e interpretar essas informações. A informação adicional, entre outras coisas, permite a

construção de redes de relacionamento e a redução da dependência dos agentes menos po-

derosos. Por outro lado, essa estrutura pode ser utilizada para mitigar os efeitos da competi-

ção, ao facilitar para as firmas poderosas a hierarquização das relações e a mobilização dos

recursos diferenciados de que dispõem (FLIGSTEIN; DAUTER, 2007).

Granovetter (1985) argumenta que, pelos motivos apontados, a interação eco-

nômica dos agentes no mercado obrigatoriamente precisa se basear nas estruturas das rela-

ções sociais subjacentes a ele, caracterizando o que denominou de “embeddedness of mar-

kets” – ou a imbricação dos mercados nas relações sociais. Os mercados, apesar de não

fazerem parte da esfera cultural, são diretamente influenciados pela cultura e pelas redes de

interações sociais. A estabilidade dessas relações, ao longo do tempo, aumenta a confiança

dos atores de que os compromissos assumidos durante as transações mercantis serão cum-

pridos, permitindo que os mercados se desenvolvam. A questão da confiança, nesse caso,

não se limita às ponderações sobre a duração das relações; é determinada também pelas

questões de poder e dependência mútua (FLIGSTEIN; DAUTER, 2007).

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134

Ainda que importante, a dimensão da competição não é a única que estrutura o

campo mercado. Os relacionamentos das firmas a montante, com fornecedores, e a jusante,

com consumidores, compõem a hierarquia do campo. As relações sociais no mercado são

influenciadas pelo poder relativo entre os atores e as dependências mútuas167

que estes es-

tabelecem entre si. Ao assumir a premissa de que, em qualquer troca mercantil, uma das

partes pode depender mais da outra do que o contrário – por exemplo, na relação entre mui-

tos fornecedores e poucos consumidores –, criam-se as condições para que o ator dependen-

te seja obrigado a se conformar às determinações do dominante. Ou, simplesmente, correr o

risco de não sobreviver nesse mercado. Esse tipo de dominação é conhecido como “resour-

ce dependence”. As redes de relacionamento entre fornecedores e entre consumidores168

surgem justamente para controlar a resource dependence e aumentar a chance de sobrevi-

vência dos indivíduos mais fracos, sem, no entanto, neutralizar totalmente o poder dos in-

cumbentes (FLIGSTEIN; DAUTER, 2007).

A inovação tecnológica, tampouco, é independente dos arranjos sociais e insti-

tucionais: para que ela aja como dinamizadora dos mercados, é necessário, antes, que a

organização social a torne relevante (FLIGSTEIN, 2001a). A percepção sobre o impacto da

inovação, por exemplo, não é inequívoca para os consumidores, em função da influência de

entendimentos compartilhados socialmente na avaliação sobre “o que é mais eficiente”, ou

mesmo a respeito de “qual é a utilidade desse produto”. A simples eficiência produtiva po-

de ser pouco importante para a sobrevivência das firmas competidoras nessas circunstân-

cias; questões nas esferas política e institucional frequentemente podem ser mais significa-

tivos (POWELL, 1991), como a influência de leis, regras e outras concepções compartilha-

das, sem subestimar a importância do Estado como agente (FLIGSTEIN, 2001a).169

167 A relação produtor-consumidor é mediada pela cultura na qual está imersa: significados compartilhados

sobre os produtos, seus usos, sua legitimidade. “Produtos são objetos culturais imbuídos com significado

baseado em conhecimento compartilhado e são eles mesmos símbolos ou representações desses significados”

(FLIGSTEIN; DAUTER, 2007, p. 116). 168 O problema de enquadrar cognitivamente os produtos é essencial para os produtores, para que suas merca-dorias não sejam apenas “úteis”, mas também alinhadas com os valores dos consumidores, pois o sucesso dos

produtos no mercado está, frequentemente, associado ao alinhamento cognitivo entre produtores e consumi-

dores (BECKERT, 2010). 169 Dentro do mesmo recorte teórico, as questões de dinâmica institucional, poder setorial e o Estado como

agente foram aprofundadas em Pereira (2014c).

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135

2.4.3.2. Instituições definidoras de bens, de serviços e de qualidade

A teoria neoclássica usualmente adota, em particular nos seus modelos mais ri-

gorosos, a hipótese de nomenclatura (BENETTI; CARTELIER, 1980). Isso significa que

os consumidores devem ser capazes de definir, completamente e a priori, o conjunto de

bens e serviços que desejam consumir – independentemente de qualquer processo intra ou

extramercado. No que toca à qualidade dos produtos elencados, essa classe de modelos

assume ou a premissa de homogeneidade dos produtos – equivalente à disponibilidade de

informação completa para os consumidores – ou de diferenciação “bem comportada” – o

viés nas preferências introduzido pela informação incompleta não produz erros sistemáticos

na escolha ótima.170

Em outras palavras, assume-se que todos os agentes possuem a mesma

representação da economia. Ou, pelo menos, que eles não se desviam sistematicamente da

“representação verdadeira” (ORLÉAN, 2003).

A questão sobre como definir a qualidade raramente é abordada. A incer-

teza, a fonte dos distúrbios [nesse processo], é vista como o resultado de

uma falta de informação. As “verdadeiras” qualidades dos bens estão cla-ramente definidas, de forma exógena, como se estivessem estampadas nos

produtos [EYMARD-DUVERNAY, 1989, p. 332].

No entanto, pelo menos duas das vertentes institucionalistas (a EC e a NIO)

propõem uma visão alternativa sobre o processo pelo qual os consumidores formam suas

preferências, refutando a hipótese implícita de objetividade das mercadorias (EYMARD-

DUVERNAY, 1989, 2003; ORLÉAN, 1991, 2003; BECKERT, 2003, 2009).

Mercados não são definidos apenas pelas transações de bens e serviços, mas são

também caracterizados pela competição. Portanto, a existência de um mercado requer a

presença de, no mínimo, três agentes: dois ofertantes de algum produto potencialmente he-

terogêneo e um consumidor apto a comparar as ofertas desses ofertantes. Logo, além dos

indivíduos e dos produtos, um mercado para existir pressupõe a disponibilidade dessa apti-

dão especial do consumidor, algo exógeno à transação em si171

(EYMARD-DUVERNAY,

1989; BECKERT, 2009). Nesse cenário, a importância do mecanismo de preços surge tão

170 Sem essas premissas, o mecanismo concorrencial neoclássico deixa de produzir alocações que sejam óti-

mos de Pareto, com consequências importantes sobre o teorema do bem-estar (STIGLITZ, 1987a). 171 Mesmo no caso de produtos homogêneos, o consumidor precisa estar apto a confirmar a homogeneidade

dos produtos efetivamente ofertados.

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136

somente após o estabelecimento de procedimentos para avaliar a qualidade de bens e servi-

ços ofertados.172

Segundo Orléan (2003), não é razoável supor que o processo de escolha dos

consumidores, pelos produtos que são transacionados nos mercados, seja puramente objeti-

vo e desvinculado do campo no qual o mercado está incrustrado (embedded). Assim, antes

de tornarem-se evidentes para o consumidor, os critérios para a avaliação dos atributos de

qualidade de um bem ou serviço dependem de um processo prévio de adesão social, mini-

mamente generalizada, a um conjunto de regras, valores ou representações comuns (EY-

MARD-DUVERNAY, 1989). O ponto é que, para poder elencar e ordenar preferências,

primeiro o consumidor necessita reconhecer e aceitar o “artefato” que está sendo ofereci-

do, ou seja, considerá-lo como algo que tem valor para ser transacionado, para depois poder

avaliá-lo (BECKERT, 2009). Nos termos da discussão anterior, trata-se da necessidade

prévia da institucionalização de critérios para a definição do valor e da qualidade do produ-

to ofertado.173

[A] questão da funcionalidade e conveniência de produtos e serviços para a coordenação dos processos econômicos [...] chama a atenção para a ne-

cessidade de correspondência mútua entre os atores na interpretação de

objetos ou situações sociais como condição prévia para o funcionamento

dos mercados. Uma inovação só se torna uma inovação por meio do reco-nhecimento intersubjetivo que as características do objeto são de fato uma

inovação [BECKERT, 2003, p. 778].

A inovação de produto, no sentido schumpeteriano de algo que oferece novas

combinações e possibilidades – antes indisponíveis ou mesmo inimagináveis para os con-

sumidores dos bens e serviços existentes – representa um caso evidente da importância des-

sas instituições particulares. Instituições definidoras de qualidade suportam o consumidor

na tarefa de atribuição de utilidade e qualidade ao novo produto, pelo aprendizado coletivo

que é frequentemente necessário para dotar o consumidor das capacidades cognitivas re-

172 Essa situação foi tratada, formalmente, pelo trabalho clássico de Akerlof (1970), sobre o mercado de carros

usados. Entretanto, esse autor não colocou ênfase na compreensão dos processos que impossibilitaram a

“adequada” organização desse mercado. Ele focou a análise no resultado da inadequação institucional, ou

seja, na indisponibilidade de informação para os consumidores avaliarem a qualidade dos produtos. 173 Um exemplo anedótico desse ponto seria a oferta em uma sociedade atrasada de produtos tecnologicamen-

te sofisticados. Diversos desses artefatos seriam provavelmente úteis – ou mesmo radicalmente importantes –

para indivíduos nessa sociedade (máquinas, ferramentas, instrumentos etc.). Porém, a maioria desses artefatos

possivelmente não seria valorizada. Isso porque, na maior parte dos casos, os consumidores não estariam

“prontos” (cognitiva e socialmente) para utilizá-los, ou mesmo para avaliar sua eventual utilidade.

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137

queridas para a avaliação (como discutido na Seção 2.3.3). Sem isso, a incerteza sobre o

valor da inovação pode se tornar elevada demais para o consumidor, situação na qual a

transação mercantil tipicamente não se materializa, a despeito de considerações, forçosa-

mente ex post, sobre preços e benefícios (BECKERT, 2009). Ou seja, a estruturação de

mercados para as inovações – a difusão – pressupõe um processo social intenso de defini-

ção e classificação desses artefatos, pelo compartilhamento entre os participantes de regras,

valores e representações que permitam a apreensão de seus atributos de qualidade (objeti-

vos e subjetivos) (ORLÉAN, 1991).

É importante notar que os problemas causados por deficiências nas instituições

definidoras da qualidade vão além da simples ausência, incompletude ou assimetria de in-

formações (EYMARD-DUVERNAY, 2003). Isso porque elas fornecem aos agentes, além

da questão puramente informacional, instrumentos para dar sentido às informações dispo-

níveis, bem como para interpretar e prever os comportamentos dos demais membros do

mercado (ORLÉAN, 1991). “Interações estratégicas assumem um entendimento intersubje-

tivo de sinais, como o que constitui uma ameaça, uma oferta, ou um acordo” (BECKERT,

2003, p. 778). Sem esse entendimento prévio as transações tornam-se menos prováveis,

dados os riscos aumentados que as partes teriam que assumir. Isso é relevante nos mercados

de bens e, particularmente, crítico nos de serviços, nas situações em que a qualidade não é

completamente definível a priori, dependendo de interações interpessoais para a materiali-

zação a posteriori do objeto da transação.

Por fim, deve-se ressaltar que a estabilidade de instituições definidoras da qua-

lidade está sujeita a movimentos constantes, conforme os atores alteram seus julgamentos

anteriores, a partir da introdução de novos produtos ou da reavaliação dos existentes

(CALLON; MÉADEL; RABEHARISOA, 2002). A evidência empírica, entretanto, mostra

que essa dinâmica não conduz necessariamente para trajetórias ótimas, no sentido de definir

uma ordem de valores que seja Pareto-eficiente (BECKERT, 2009). Isso significa que cer-

tas categorias de produtos, avaliadas por meio de instituições construídas em contextos so-

cioculturais específicos, são transacionadas em mercados nos quais os mecanismos de efi-

ciência da economia neoclássica não operam. Nesses casos, ainda, redes sociais são fre-

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138

quentemente fontes importantes de convenções (de atribuição de valor) para os consumido-

res (DIMAGGIO; LOUCH, 1998).174

2.4.3.3. Redes sociais e comportamento do consumidor

Em áreas que vão da economia à antropologia, naturalmente passando pelo

marketing e sociologia, a influência das redes sociais nas decisões dos consumidores é am-

plamente reconhecida, tanto na perspectiva teórica como na empírica. Desde muito tempo,

a maioria dos estudiosos de marketing concorda sobre a importância do fenômeno do “bo-

ca-a-boca” (“word-of-mouth” – WOM) nos mercados.175

Na economia, no entanto, é um

assunto de interesse mais recente, mas crescente (ver, por exemplo, CAMPBELL, 2013).

As redes sociais são um ambiente adequado para o estudo do WOM, tanto no processo de

decisão do consumidor como na dinâmica de “contágio” (DOYLE, 2007; KOZINETS et

al., 2010).

Como precursor de autores do NIO, Granovetter (1985; 2005) produziu alguns

trabalhos seminais, nos quais ele percebeu a importância dos laços sociais (fortes e fracos)

entre os indivíduos para a tomada de decisões. Esse é um elemento essencial da sua célebre

hipótese sobre a necessidade lógica do encastramento (embeddedness) dos mercados dentro

da estrutura social. A ideia básica é que a ação econômica de agentes socializados não pode

ser compreendida considerando apenas sua dimensão atomizada (o homo economicus ma-

ximizador da utilidade) e negligenciando as “estruturas contínuas das relações sociais” de

que fazem parte. Em consequência, “um relato sofisticado da ação econômica deve consi-

derar sua imersão nessas estruturas” (GRANOVETTER, 1985, p. 481). Segundo o autor, as

estruturas representadas pelas redes de relações interpessoais construídas pelos indivíduos

desempenham um papel relevante na formação do comportamento e influenciam as deci-

sões econômicas, em paralelo com considerações puramente individuais. Nessas circuns-

tâncias, as redes sociais têm uma influência não periférica sobre os processos de mercado,

tanto no lado da oferta como no da demanda.

174 Bens e serviços com capacidade de sinalizar o status social do seu proprietário/usuário são o exemplo mais frequente. Entretanto, não são os únicos e, talvez, sequer os mais importantes. De fato, qualquer produto que

não possa ser – ou, por qualquer motivo, não seja – objetivamente avaliado pelos consumidores, ainda que ex

post, apresentará característica semelhante. 175 A revisão dessa literatura está fora do nosso escopo; Kozinets et al. (2010) e Duhan (1997) fornecem vi-

sões gerais sobre o tema da perspectiva do marketing, em princípio compatível com a narrativa institucional.

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139

Outros autores, como Powell (1990; 2004) e Saviotti (2007; 2009), ampliaram o

quadro teórico sobre como as redes influenciam a vida econômica, para incluir dimensões

como as organizações e o conhecimento. Em particular, a pesquisa sobre as formas de or-

ganização em rede social e o seu papel na difusão do conhecimento – não restrita a fluxos

de informação – é relevante aqui. As estruturas de correlação que compõem as redes sociais

organizam, simultaneamente, os padrões de comunicação e o intercâmbio entre os indiví-

duos, representando frequentemente uma força importante para a explicação dos fenômenos

econômicos, incluindo os processos de mercado (POWELL, 1990). As redes oferecem al-

gum nível de organização para partes do mercado que estão “desconectadas”. Isso é espera-

do mesmo quando essas redes são heterogêneas, em termos de como as conexões são esta-

belecidas e mobilizadas e de como se dão as ligações entre os seus vários níveis (PO-

WELL; SMITH-DOERR, 2004).

Um aspecto fundamental da influência das redes nos mercados é a maneira co-

mo elas moldam os fluxos de conhecimento, incluindo os de informações. Isso é relevante

por conta do caráter local do conhecimento (cf. Seção 2.3.3), originado pela inviabilidade

prática de redes totalmente conectadas, o que geralmente define limites importantes para a

difusão de informação (YOUNG, 2002). Por sua vez, essa limitação deve-se à dinâmica

própria das redes sociais (nas quais os nós são tipicamente criados mais rapidamente do que

as ligações) e à restrição da quantidade de correlações que podem ser estabelecidos pelos

agentes entre as variáveis relevantes e suas faixas de valores (SAVIOTTI, 2007). Se isso

for verdadeiro, parece razoável supor que as redes ofereçam algum nível de estrutura para o

sistema econômico. Além disso, quando ocorrem alterações nessa estrutura de rede subja-

cente, é provável que o sistema torne-se instável e, até, sofra uma transição de estado. O

princípio é que “a adaptação coletiva envolve coordenação das ações dos indivíduos, resul-

tando em uma queda no número de graus de liberdade [que] de outra forma [seria] disponí-

vel para os indivíduos” (SAVIOTTI, 2009, p. 21). Assim, o comportamento individual, em

certa medida, pode ser restringido pela rede social na qual está inserido (embedded), o que,

por sua vez, torna qualquer interpretação atomística provavelmente enganosa.

As obras teóricas sobre o entrelaçamento de redes sociais complexas e compor-

tamento econômico pavimentaram o caminho para uma ampla vertente de pesquisa empíri-

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140

ca no tema. Do lado do WOM, existe literatura consolidada que mostra a relevância da con-

fiabilidade das fontes de informação – e, portanto, da proximidade social e da força dos

laços – tanto para o processo de decisório do consumidor como para a difusão da adoção de

novos produtos (DE MATOS; ROSSI, 2008; MARTIN; LUEG, 2013).

2.4.4. Limitações da análise institucional e complementaridade com TE

“Campos [organizacionais] tecnológicos representam padrões contínuos de re-

lacionamentos entre entidades heterogêneas que incluem objetos e atores” (GARUD;

KARNØE, 2001, p. 9, grifo nosso). Apesar de pouco exploradas na bibliografia institucio-

nalista, as instituições tecnológicas, e sua evolução, constituem-se em importante vetor de

dinâmica nos mercados, conforme aponta a vasta literatura do tema (DOSI; NELSON,

1994; NELSON, 1995, STORPER; SALAIS, 1997; DOSI; ORSENIGO; LABINI, 2005).

Como afirma Benner (2007, p. 110), “descontinuidades tecnológicas frequentemente cau-

sam disrupção nas formas taken-for-granted de realizar lucros em uma indústria e introdu-

zem novos competidores vindos de outras indústrias”.

O campo organizacional é, afinal, o resultado da inter-relação dos processos so-

ciais e técnicos. Por isso, os autores da linha performático-institucional criticam a usual

negligência da interação entre a atividade econômica e os processos de desenvolvimento

científico e tecnológico. Essa interação introduz uma nova fonte de dinamismo cultural nas

instituições dos mercados e reforça o papel da inovação tecnológica nessa dinâmica

(FLIGSTEIN; DAUTER, 2007).

A vinculação entre os processos de busca e exploração da tecnologia em

mercados novos e os problemas de resource dependence, competição, tro-

ca mercantil e legitimidade será provavelmente uma direção de pesquisa frutífera [p. 119].

Desse modo, a integração entre as abordagens institucional e evolucionária na

avaliação da estrutura de mercados e setores específicos parece um esforço analítico coe-

rente e relevante. Como argumenta a escola neoschumpeteriana, o desenvolvimento tecno-

lógico é o fator crítico de diferenciação entre os atores do campo-mercado, o que, por sua

vez, acarreta importantes desdobramentos nos comportamentos e as redes de relacionamen-

to que são estabelecidas nesse campo (ROSENKOPF; TUSHMAN, 1998).

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141

Segundo Powell (1991, p. 184), “as organizações diferem na medida na qual

seu sucesso depende da solução de problemas técnicos ou do enfrentamento de demandas

institucionais”. Mas, argumentam Nelson e Winter (2007, p. 6), “entre as instituições, as

[mais] relevantes são aquelas que afetam a capacidade das empresas para capturar os resul-

tados das suas inovações”. Essa dupla perspectiva define como as firmas se articulam inter-

na e externamente: na dimensão tecnoeconômica, quando o retorno é a questão central, e no

plano institucional, em que a adequação na maneira de agir e de se organizar é o quesito

crítico. No entanto, como ressaltam esses autores, as organizações do mundo real não são

dicotômicas, técnicas ou institucionais, mas uma composição de ambas. A separação entre

os processos, entretanto, não é trivial, sua avaliação conjunta é essencial para a apreensão

do movimento complexo dentro dos mercados.

A estratégia dos atores, em campos tecnológicos, toma frequentemente a forma

de “bricolagem”, no sentido dado por Giddens (1984 apud GARUD; KARNØE, 2001). Ou,

alternativamente, de “visões de mundo” criadas pelos próprios, na acepção da EC. Isso se

dá por meio de negociação local entre os agentes, sob a influência da estrutura institucional

e das conexões sociais, em que são constantemente testados novos arranjos, mesmo quando

a existência dos atuais é justificada por demandas globais. O conceito de bricolagem parte

da premissa de certo nível de improvisação e experimentação dos arranjos sociais e dos

recursos disponíveis (SCOTT, 2001), em acordo com o significado original empregado por

Levi-Strauss para o termo, mas também compatível com as características idiossincráticas

da busca inovadora schumpeteriana (DOSI, 1982). Pela bricolagem, a evolução do campo

tecnológico176

pode ser compreendida como um processo emergente, baseado na interação,

apreendido apenas globalmente dentro do campo (KARNØE, 1996 apud GARUD; KAR-

NØE, 2001), conduzindo ao estabelecimento de um paradigma tecnológico compartilhado

entre eles, com base em mecanismo do tipo downward causation.

Ambos os processos, tecnológico e social, têm natureza evolucionária, no senti-

do de que a mudança envolve tentativas, erros e aprendizado, ao longo de trajetórias path

dependent dentro do tempo histórico (NELSON; WINTER, 1982/2005; HODGSON, 1988;

176 A organização do campo organizacional, formado pelo complexo das firmas, sociedades profissionais,

universidades e estruturas legais e regulatórias, é de certo modo similar ao conceito de regime tecnológico na

literatura evolucionária neoschumpeteriana (DOSI, 1982; DOSI; NELSON, 1994).

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142

STORPER; SALAIS, 1997). O mercado, nessa perspectiva, representa “tecnologias soci-

ais” específicas que, simultaneamente, habilitam e restringem a inovação (POWELL,

1991). É nele que a qualidade dos produtos é constantemente avaliada e sua sobrevivência

definida, por meio de uma série de processos econômicos e sociais, irredutíveis à simples

coordenação entre quantidades e preços (JAGD, 2007). Eles, por sua vez, conformam o

modo pelo qual as tecnologias físicas contribuem para a dinâmica dos próprios mercados.

Na realidade, grandes sistemas técnicos que parecem ser autônomos ad-

quiriram um elevado nível de momento. O conceito de momento não ape-nas apoia a ideia de que a tecnologia é moldada pelas — e formata as —

instituições sociais; ele captura os fatores estruturais e eventos contingen-

tes que influenciam o desenvolvimento dos sistemas [DAVIES, 1996, p. 1149].

No entanto, “no mundo de hoje, as tecnologias que estão provando serem as

mais difíceis de avançar muito frequentemente possuem um grande componente social e

um papel limitado de [componente tecnológico] físico” (NELSON, 2005a, p. 207). Em vir-

tude dos diferentes processos de busca, invenção e desenvolvimento da tecnologia social,

seu avanço costuma dar-se em ritmo menor do que o da inovação na tecnologia física. Isso

tem consequências importantes no avanço destas tecnologias, uma vez que elas se tornam

crescentemente dependente das sociais. Todavia, o problema de avaliar tecnologias sociais

– como aquelas que suportam os mercados – envolve a questão da ideologia, sobre o que é

apropriado ou efetivo, quando as decisões são coletivas e políticas (ibid.).

2.4.5. O setor de internet na perspectiva institucional

Algumas das principais dimensões institucionais do setor da internet foram

apontadas na pesquisa empírica. Resta, portanto, aprofundar a compreensão dos mecanis-

mos de atuação da infraestrutura institucional sobre a organização e a dinâmica setorial, em

particular nas situações, já identificadas, em que as outras interpretações teóricas não foram

completamente satisfatórias.

Uma das construções institucionais críticas para a trajetória histórica da internet

foram as redes sociais e as organizações estabelecidas para a sua governança.177

Ao estrutu-

177 No sistema setorial de internet, parcela relevante das atribuições de padronização e regulação foi assumida,

mundial e nacionalmente, por organizações não governamentais com características quase públicas (MO-

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143

rar as relações entre os agentes setoriais, em um ambiente sem paradigmas tecnológicos

estabelecidos, essas instituições reduziram as significativas incertezas e permitiram o de-

senvolvimento, tecnológico e comercial, em velocidade e em trajetórias provavelmente

distintas daquelas que se dariam apenas pela ação dos mecanismos tradicionais de mercado.

Em uma primeira aproximação, a construção das organizações de governança

da internet aproximou-se do jogo clássico de coordenação entre agentes maximizadores,

que barganham para definir regras institucionais normativas em seu próprio benefício. Isso

aconteceria pela escolha de um ponto de equilíbrio, entre as inúmeras soluções técnicas e

de governança que seriam possíveis para o novo setor, como resultado endógeno do proces-

so social de convergência para o equilíbrio, uma adaptação às condições materiais vigentes.

No entanto, essa leitura, usual no NIE, não é imune a críticas. Como é natural em campos

que estão nascendo, não existia, ex ante, uma definição clara sobre quais eram as “regras do

jogo” aceitáveis – ou mesmo as “formas como o jogo é jogado” – entre as quais os atores

pudessem selecionar aquelas que “maximizassem” seus lucros. Até porque o arranjo insti-

tucional inovador que emergiu não refletiu, ex post, disposições vigorantes em nenhum dos

setores econômicos da época. Tampouco esse processo aconteceu apenas pela interação das

firmas interessadas. A participação dos usuários e do governo foi decisiva para as institui-

ções que foram gradualmente criadas pela intensa interação social que se verificou.

Muitas atividades e setores que geralmente são concebidos como regula-dos pelo mercado apresentam na verdade uma estrutura de governança

mista. [...] A internet [por exemplo] foi criada por meio de uma combina-

ção de esforços privados e públicos [NELSON, 2005a, p. 4].

O papel das instituições, no nível motivacional, foi importante para a orientação

que a internet tomou de princípio. A partir da combinação de aspirações extramercado dos

principais agentes, nesse momento as universidades – que necessitavam compartilhar os

poucos computadores existentes de forma econômica – e o governo americano – que dese-

java construir redes de comunicação que suportassem cataclismos como a guerra nuclear –,

foram produzidos e legitimados objetivos e incentivos que conduziram o setor durante seus

vinte primeiros anos. Isso foi especialmente crítico na formação de um campo tecnicamente

WERY; SIMCOE, 2002). Entre as mais relevantes estão: Internet Corporation for Assigned Names and Num-

bers (ICANN), Internet Society (ISOC) e Internet Engineering Task Force (IETF).

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144

complexo, quando ainda não existiam paradigmas estabelecidos ou tecnologias que pudes-

sem ser adquiridas nos mercados. A coordenação entre os atores foi o meio encontrado por

eles, nesse ambiente simultaneamente muito incerto, mas com elevadas oportunidades tec-

nológicas, para perseguir esses desígnios.

Parte majoritária da inovação setorial é gerada de modo distribuído, em firmas

dispersas em cadeias produtivas longas e complexas, utilizando uma base de conhecimento

que é, em grande medida, compartilhada. Esse compartilhamento da informação tecnológi-

ca foi estimulado pela maneira relativamente aberta pelo qual a pesquisa tecnológica se deu

no setor desde o seu início.178

Ao concentrar o desenvolvimento das etapas conceituais e de

padronização das tecnologias em organizações profissionais abertas, a ação individual foi

desestimulada, em favor da coletiva, para parcela significativa da P&D da internet.179

Essa

é uma constatação algo surpreendente, especialmente quando contrastada com a realidade

de diversos outros setores, em que a base de conhecimento e o processo de P&D são consi-

derados questões estritamente confidenciais de cada empresa, em particular das maiores,

como importante elemento de diferenciação competitiva. Seja em na perspectiva da OIM

ou na da TE, esse comportamento pode parecer incompatível com as grandes firmas, que

contam com capacidade de P&D própria e que poderiam se beneficiar da maior apropriação

dos resultados dos seus investimentos, notadamente no período após a superação da fase de

enorme incerteza.180

Novamente a dimensão institucional parece ter sido determinante aqui. É razo-

ável supor que esse modo institucionalizado de tratar o desenvolvimento tecnológico foi

fortemente influenciado pelas características do campo organizacional durante sua origem.

Convenções naturais de um ambiente em princípio menos competitivo, a universidade, fo-

ram em parte recepcionadas pelo setor como um todo, mesmo depois que a participação de

firmas privadas – intensamente competitivas – tornou-se majoritária na P&D a partir dos

178 A complexidade da base de conhecimentos utilizada pelo setor, associada à incerteza associada ao seu

desenvolvimento e à velocidade do seu avanço, tornou impossível a tarefa de definição centralizada da traje-

tória tecnológica, nos moldes clássicos de setores como as telecomunicações ou a informática. 179 Apenas as etapas finais – e menos arriscadas – do processo tecnológico setorial, como as técnicas de fabri-

cação, teste e empacotamento, costumam ser desenvolvidas de forma mais individualizada. 180 Esse é o comportamento usual do setor de informática, por exemplo, em que as firmas líderes, quando as

tecnologias começam a amadurecer, frequentemente abandonam os fóruns de cooperação técnica e passam a

promover suas próprias soluções tecnológicas fechadas, na tentativa de estabelecer vantagens competitivas.

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145

anos 1990. A justificação da manutenção desse tipo de arranjo convencional, no cenário

hodierno, certamente não pode ser derivada apenas da ação racional das empresas ou dos

mecanismos de mercado. Construções mentais compartilhadas entre os participantes – uma

“ordem de valor” –, que justificam as convenções vigentes, parecem ser melhores candida-

tas para essa finalidade. Aparentemente, está presente alguma consideração taken-for-

granted de que essa é a forma mais adequada para o avanço técnico setorial. Os processos

sociais, que permitiram o acelerado desenvolvimento tecnológico cooperativo, podem estar

restringindo a capacidade de diversos agentes de atuar de maneira puramente instrumental,

ainda que sem descaracterizá-los como entidades que buscam o lucro e a superação de seus

concorrentes.

A organização do mercado de serviço de acesso à internet no Brasil – e em ou-

tros países – também parece ter sido significativamente influenciada por processos institu-

cionais. A premissa aqui é de que estruturas institucionais específicas, historicamente de-

terminadas, sustentaram esse segmento relativamente “isolado” da dinâmica competitiva do

restante do setor. Especificamente, estruturas cognitivas e relacionais teriam sido “importa-

das” do campo organizacional da telefonia – a base humana e material do segmento – para

o novo campo. A despeito da profunda mudança organizacional e tecnológica, característi-

cas culturais e cognitivas distintivas dos grupos sociais que migraram para o setor aparen-

temente foram preservadas, ao menos durante um período razoavelmente longo.

As telecomunicações desenvolveram-se por mais de um século dentro de uma

lógica de coordenação monopolista, na qual a competição era cerceada por mecanismos

normativos estritamente institucionais – leis, regulamentos e práticas. As principais firmas

do mercado de acesso são provenientes dos antigos monopólios estatais e compostas, até

recentemente, de parcela significativa de indivíduos oriundos daquele período. A “cultura”

local, frequentemente internalizada por pessoas e organizações, pode não ter sofrido altera-

ções drásticas durante a migração para o novo campo organizacional, não obstante a mu-

dança ostensiva das formas de organização. Nossa hipótese é, portanto, de que “a antiga

maneira de fazer negócios”, especialmente no que diz respeito à estrutura hierárquica de

poder “herdada”, de algum modo foi reproduzida na lógica de coordenação competitiva que

se instalou no mercado de acesso.

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Por que a eventual “herança” de parte da estrutura do campo das telecomunica-

ções, no caso do segmento de acesso, seria relevante na configuração de um setor novo e

dinâmico como a internet? Durante o centenário domínio dos monopólios de telefonia, re-

des sociais complexas e estáveis foram construídas, com tempo suficiente para que os pa-

péis dos atores pudessem ser bem definidos, estabelecidos e internalizados. Adicionalmen-

te, a interpenetração dessas firmas com diversas instâncias governamentais era comum – e

ainda o é em diversos países, inclusive o Brasil –, proporcionando grande capacidade de

influência política para os incumbentes.

[U]ma estrutura integrada como aquela existente no setor de telecomuni-

cações pode gerar assimetrias de poder e pode não ser a solução adequada

para o provimento da melhor combinação de serviços para os usuários fi-nais [CORROCHER, 2001, p. 14].

Em resumo, a visão de mundo dominante nas telecomunicações, historicamen-

te, colocava as firmas “provedoras de acesso” no topo de sua hierarquia. Com o surgimento

da internet, parece razoável supor que parte importante dessa configuração institucionaliza-

da pudesse ser transferida para o novo setor. As estratégias do passado provavelmente con-

tinuaram compondo o repertório das convenções consideradas adequadas no cenário da

internet – e não apenas pelos incumbentes. Os quadros cognitivos de “como as coisas fun-

cionam”, por suposto, não se alteraram imediatamente, tão somente pela mudança acelerada

da tecnologia. Isso ajudaria a explicar por que, até recentemente, os incumbentes comanda-

ram áreas críticas das redes de relacionamento, apesar de não mais deterem vantagens com-

parativas radicalmente diferenciadas ou outras capacidades – técnicas, organizacionais ou

financeiras – superiores.

Para realizar seu modelo preferido de evolução da rede, os interesses ino-

vadores novos [das firmas entrantes] terão que quebrar o momentum téc-nico, econômico e político do sistema existente. Caso contrário, alguma

versão do sistema hierárquico e centralizado vai prevalecer, projetando

para o futuro características técnicas e organizacionais adquiridas a partir dos anos 1880, quando as redes telefônicas nacionais foram criadas. Isso é

o que Hughes chama de “a persistência de características adquiridas em

um ambiente em mudança” (1987, p. 77) [DAVIES, 1996, p. 1174].

Exemplos de como o arranjo institucional específico do setor apoiou a estabili-

zação do mercado de acesso são abundantes na evidência empírica. Restrições injustifica-

das na alocação de recursos públicos (licenças, espectro etc.) foram frequentes, proporcio-

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nando prioridade – na prática ou formalmente – para os incumbentes. Processos administra-

tivos complexos e morosos exigiram dos participantes no mercado elevado nível de conhe-

cimento particular – não técnico e de difícil reprodução – e aumentaram a percepção de

impotência dos entrantes. A coordenação tácita de preços e a retaliação sobre o comporta-

mento divergente foram de complexa caracterização e punição pelo regime antitruste esta-

belecido – pouco eficaz para serviços de prestação continuada. Lentidão e requisitos dis-

criminatórios para acesso a financiamento de longo prazo – em especial, nos bancos públi-

cos – foram incompatíveis com a dinâmica das firmas entrantes. Esse arranjo institucional,

majoritariamente informal, proporcionou o surgimento e a manutenção de assimetrias im-

portantes, que não eram diretamente calcadas em mecanismos econômicos em si, mas que

determinaram seu desempenho.

Porém, considerar que esse tipo de fenômeno possa restringir-se tão somente ao

lado da oferta pode deixar elementos essenciais fora da análise. Afinal, o nível elevado de

incerteza – ou ignorância –, que aparentemente foi decisivo na conformação do campo or-

ganizacional, do lado da oferta, também estava presente – e provavelmente ainda está – do

lado da demanda. Em particular, o “equivalente” da busca tecnológica para os consumido-

res – a formação de preferências sobre categorias de bens e serviços radicalmente novas –

está sujeito, qualitativamente, à mesma espécie de dificuldades, como discutido anterior-

mente. Portanto, é razoável supor que mecanismos sociais semelhantes àqueles mobilizados

no lado da oferta possam ter estado em ação no lado da demanda. Nesse caso, particular-

mente para a definição de critérios eficazes para a avaliação da qualidade das propostas de

serviço de acesso disponíveis.

2.5. Conclusão

O capítulo buscou avaliar as contribuições de diversas vertentes do pensamento

econômico, que pudessem ser utilizadas na construção de um quadro de referência teórico

para suportar a análise do setor de internet. Em retrospecto, quatro hipóteses teóricas prin-

cipais emergiram, como descrito a seguir.

A avaliação das propostas da organização industrial mainstream (OI) para o

tema em tela mostrou resultados apenas parcialmente satisfatórios. Em particular, no seg-

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mento de acesso foi difícil articular alguns dos conceitos da OI para um mercado de presta-

ção de serviços com intensa inovação técnica. Entretanto, a hipótese de (1) correlação posi-

tiva entre economias de escala e concentração aparentemente é pertinente no caso concre-

to. Outro insight importante é a influência da interação estratégica entre entrantes e incum-

bentes no reforço das vantagens destes últimos, em função da provável presença de first-

mover advantages. A compreensão da inter-relação crítica entre preços e qualidade nos

serviços de redes de dados também pôde ser adequadamente representada pelo ferramental

neoclássico. Apesar de não dar conta, completamente, das intrincadas questões competiti-

vas setoriais, a perspectiva da OI é útil para o esclarecimento desses mecanismos específi-

cos.

A abordagem da teoria evolucionária neoschumpeteriana (TE) mostrou-se mais

adequada para caracterizar uma série de processos de um setor que é, por natureza, marcado

pela elevada dinâmica tecnológica. Os mecanismos de geração de diversidade e seleção

atuaram de forma decisiva desde o seu surgimento e, em princípio, foram determinantes da

trajetória histórica verificada pela pesquisa empírica. Portanto, a hipótese de que a (2) evo-

lução se deu pelos mecanismos de busca inovadora e de seleção sobre a variedade parece

bastante apropriada para o quadro analítico. Além disso, conforme argumentam os autores

evolucionários, as firmas plausivelmente não se guiaram apenas por critérios de maximiza-

ção convencionais, pelos quais a dinâmica e a organização setorial dificilmente teriam a

configuração experimentada na realidade. Isso reforça a importância da interação local e

não linear entre os agentes, conduzindo a trajetórias open-ended, repletas de path depen-

dencies e lock-ins, e justificando a característica intrinsecamente incognoscível, ex ante, do

processo evolucionário.

Todavia, alguns traços da competição no mercado de acesso não restaram to-

talmente esclarecidos como fenômenos de natureza evolucionária. A convivência, dentro do

setor da internet, de segmentos como o acesso, com baixa intensidade competitiva, com

outros muito mais dinâmicos, a despeito do intenso ritmo de inovação tecnológica em todos

eles, mostrou-se problemática para essa abordagem. A aplicação dos conceitos provenientes

de algumas vertentes institucionais (TI), particularmente daquelas oriundas da economia

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das convenções francesa e dos estudos organizacionais, permitiu o estabelecimento de ou-

tras hipóteses para esclarecer os pontos não endereçados pela TE.

Nesse sentido, a hipótese de que (3) estruturas cognitivas compartilhadas con-

dicionaram as alternativas de comportamento no mercado, por meio de mecanismos insti-

tucionais não formais, revelou-se essencial para a compreensão dessas situações. Por outro

lado, a consideração da hipótese complementar, de que as (4) instituições e redes sociais

foram importantes na conformação endógena das preferências, colocou luz sobre a impor-

tância das relações interpessoais na formação dos recursos sociais e cognitivos necessários

para lidar com as inovações introduzidas pela internet.

Em resumo, o quadro proposto para a análise parte da premissa da organização

setorial em três esferas complementares. Assim, além da dinâmica evolucionária de nature-

za tecnológica, o mercado de acesso teria sido institucionalmente dominado por uma lógica

de estabilização da competição, operada pelas firmas incumbentes – e com o suporte invo-

luntário do Estado. Nesse caso, no qual parcela relevante da ênfase explanatória estaria no

uso do poder estabelecido pela hierarquia vigente, construída durante a etapa monopolista

(estatal), para a articulação de redes relacionais e instituições que suportassem um meca-

nismo concorrencial restritivo no novo setor, associado às vantagens já apontadas pela OI.

Logo, a estrutura de mercado anterior se reproduziria – parcialmente – à medida que as

antigas incumbentes de telefonia utilizassem esse poder para preservar tanto suas velhas

prerrogativas no novo mercado quanto as relações de dependência das firmas dos demais

segmentos setoriais, reduzindo eficazmente a pressão competitiva.

Adicionalmente, uma terceira esfera da competição parece presente: aquela gui-

ada pelos consumidores que, em princípio, se organizaram de forma mais complexa do que

o habitualmente suposto. Isso se daria a partir da ação dos consumidores dentro das redes

sociais de que fazem parte, como meio de atenuar a incerteza associada com o conjunto de

inovações radicais representadas pela internet. Essa articulação da demanda, pelas suas

características específicas, aparenta ter sido um dos fatores relevantes de conformação dos

segmentos industriais que compõem o setor, como está estabelecido para os segmentos de

equipamentos e sistemas. Mas pode também ter operado no mercado de acesso, hipótese

usualmente não considerada na compreensão desse segmento, pelo menos até o momento.

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Por intermédio da TI, espera-se articular e mediar as relações inter e intragrupos

setoriais, aportando o papel dos elementos sociais para a análise: cultura, quadros cogniti-

vos compartilhados, redes sociais, poder e hierarquias. Essa conjugação permite que a tare-

fa analítica seja realizada de maneira estruturada, comportando a agregação da dinâmica de

segmentos distintos sem a necessidade de adoção de modelos “representativos” uniformes.

Por isso, um enfoque institucional, no recorte proposto, articula-se bem com a TE, em fun-

ção da complementaridade entre ambas (METCALFE; FONSECA; RAMLOGAN, 2002).

Porém, como lembram Dosi, Orsenigo e Labini (2005), essa articulação não é isenta de

riscos. Se, por um ângulo, ela supera uma perspectiva inocente de determinismo tecnológi-

co, frequentemente atribuída ao pensamento schumpeteriano, por outro, abre espaço para

formas radicais de construtivismo social.

[O] processo de acumulação de conhecimentos tecnológicos implica em

uma lógica e restrições internas [para seu desenvolvimento], as quais os estímulos sociais ou econômicos dificilmente podem superar, pelo menos

no curto prazo. Uma perspectiva coevolucionária, de fato, implica em uma

identificação meticulosa do entrelaçamento sutil entre “janelas de oportu-

nidade” para a ação social, de um lado, e restrições vinculantes herdadas da história e/ou de tecnologias disponíveis, de outro [ibid., p. 34].

A abordagem teórica com base em múltiplas perspectivas, como proposto nesta

tese, recebe algumas vezes a denominação de “eclética”, nem sempre com uma conotação

positiva. A crítica mais frequente ao “ecletismo” costuma estar associada à tentativa de

explicação de um fenômeno por diversas teorias, para posterior “consolidação” analítica

dos resultados. Pelo menos nessa interpretação, espera-se que tenha restado claro que não é

esse o objetivo do presente trabalho. Em particular, a articulação proposta entre as diferen-

tes vertentes visou tão somente dar conta de diferentes aspectos do fenômeno em estudo,

que não são adequadamente explicados por um único corpo teórico. Trata-se, portanto, da

organização do processo analítico de modo a que questões distintas da realidade concreta,

mesmo que compondo uma estrutura “meso” única, possam ser estudados com os instru-

mentos apropriados em cada caso específico.

A combinação proposta, de adotar uma perspectiva institucionalista integrada

com a teoria evolucionária neoschumpeteriana, é sugerida por diversos autores de ambas as

tradições (LOASBY, 1999; NELSON; SAMPAT, 2001; FLIGSTEIN; DAUTER, 2007;

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SCOTT, 2008). A hipótese crítica por trás dessa concertação é que existem setores industri-

ais nos quais uma abordagem de “coevolução endógena”, de tecnologias e instituições, em

função da configuração do ambiente institucional, é mais apropriada para a compreensão de

sua dinâmica (DOSI; MARENGO, 2007). Nessas situações, premissas sobre instituições ou

mudança tecnológica exógenos – e relativamente estáticos – não seriam convenientes para a

avaliação, requerendo-se do pesquisador, consequentemente, a conjugação simultânea da TI

e da TE.

A análise conjunta de capacidades, regimes tecnológicos, demanda e insti-

tuições permitem uma análise sistemática dos efeitos dinâmicos dos prin-cipais fatores que afetam a inovação, a estrutura de mercado e a evolução

das indústrias [MALERBA, 2010, p. 25].

A adoção do ferramental analítico institucional na pesquisa econômica setorial

apresenta, contudo, algumas dificuldades. Existem divergências e incompatibilidades entre

as várias correntes teóricas institucionalistas, o que dificulta um tratamento homogêneo.

Apesar disso, a TI vem sendo aplicada com êxito em estudos empíricos sobre setores espe-

cíficos. A utilização da teoria institucional no quadro de referência empírica continua repre-

sentando um desafio, que se espera que tenha sido superado, pelo menos parcialmente, por

meio da construção de um “recorte” particular, mais uniforme, tentando agrupar alguns dos

elementos essenciais e compatíveis das vertentes institucionalistas selecionadas.

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Capítulo 3: Metodologia e especificação do modelo

Os dois primeiros capítulos da tese apresentaram um conjunto de proposições

sobre a operação do setor de internet, em particular da dinâmica no mercado de serviço de

acesso. No Capítulo 1, foram relatados os principais fatos estilizados, enquanto o Capítulo

2 selecionou algumas hipóteses teóricas que os justificariam. O próximo objetivo, realizado

no Capítulo 4, é testar se essas hipóteses são logicamente compatíveis com os fatos estili-

zados, além de adequadas para explicá-los. Para tanto, é proposta a realização do teste das

hipóteses utilizando-se um modelo formal do mercado de acesso, que será desenvolvido

neste capítulo, após a discussão metodológica pertinente.

A finalidade do modelo formal, entretanto, vai além do teste de hipóteses. Ele

pretende, em termos mais gerais, selecionar, apresentar e combinar ideias e hipóteses teóri-

cas – inclusive relações de causa e efeito entre variáveis –, ao mesmo tempo em que tenta

permanecer compatível com os dados provenientes da pesquisa empírica. Dessa forma, o

modelo pode gerar resultados – propriedades emergentes – que não são imediata ou facil-

mente derivados das hipóteses ou das premissas assumidas, permitindo o aprofundamento

da compreensão dos mecanismos causais de um sistema complexo.181

As características das hipóteses teóricas discutidas no Capítulo 2 tornam pro-

blemática a utilização do instrumental matemático convencional para modelagem. Apenas

em um nível bastante abstrato é possível reproduzir analiticamente os processos que carac-

terizam a dinâmica competitiva, segundo uma perspectiva evolucionária (METCALFE,

1998). É um desafio metodológico significativo modelar agentes heterogêneos que partici-

pam de busca cujo fim está em aberto, inseridos em ambiente incerto e que se altera conti-

nuamente (NELSON, 1995). A introdução de mecanismos institucionais complexos torna

ainda mais intratável uma abordagem puramente matemática182

(ARTHUR; DURLAUF;

LANE, 1997). Essa discussão compõe a primeira parte do capítulo.

181 O modelo constitui tão somente um artefato auxiliar da análise e não é capaz, por si só, de propor hipóteses

explicativas ou, em linhas gerais, avançar para além do escopo do quadro teórico de suporte. 182 Abordagens de modelagem puramente matemáticas, por questões de tratabilidade, em geral adotam pre-

missas simplificadoras restritivas quanto à diversidade dos agentes. Esse enfoque é problemático em diversas

situações, uma vez que a restrição da heterogeneidade, entre outras consequências, tende a relegar a questão

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No entanto, um modelo formal continua sendo desejável: não somente como

complemento à análise apreciativa, proposta no Capítulo 1, mas principalmente como for-

ma de articular consistentemente os principais processos setoriais, identificados empirica-

mente, conforme o quadro teórico desenvolvido no Capítulo 2. Para superar a questão da

tratabilidade, comum a toda uma classe de sistemas dinâmicos complexos, na segunda parte

do capítulo empregam-se técnicas de simulação computacional para a modelagem.

A simulação é um método distinto da dedução ou da indução convencionais,183

seja na modalidade como é implementada ou nos seus objetivos.184

Como no método dedu-

tivo, ela parte de um conjunto de premissas explícitas, mas, ao contrário dele, não fornece

provas gerais sobre os fenômenos que investiga. Por outro lado, a simulação oferece rique-

za de dados adequada para a abordagem pelo método indutivo, contudo, diferentemente

deste, as informações são geradas rigorosamente em acordo com os pressupostos, e não

com as referências empíricas (AXELROD; TESFATSION, 2006).

O objetivo da modelagem é compreender a relação entre variáveis e parâmetros

do sistema simulado, examinando em maior profundidade (do que é possível com dados

exclusivamente empíricos) os nexos causais, para obter conhecimento sobre o setor econô-

mico real descrito pelo modelo. No caso presente, “o método explanatório [da simulação]

busca os mecanismos de causação no nível da ação humana que formam a base da associa-

ção entre fatores sociais” (MACY; WILLARD, 2002, p. 147). Porém, “a obtenção de co-

nhecimento válido depende crucialmente da adequação do modelo de simulação” (BREN-

NER; WERKER, 2007, p. 240) e esse é o principal desafio.

Neste capítulo, o modelo proposto será apresentado inicialmente em linhas ge-

rais, e posteriormente com o detalhamento necessário para a modelagem computacional. A

da interação entre os agentes para o segundo plano, prejudicando a compreensão da dinâmica social inerente

aos sistemas econômicos. (KIRMAN, 1992; METCALFE; FOSTER, 2004; PYKA; EBERSBERGER;

HANUSCH, 2004; PYKA; FAGIOLO, 2005). 183 A metodologia de simulação é frequentemente classificada como abdução, ao categorizar eventos particu-

lares como representativos de padrões gerais (LAWSON, 1997), com base na dialética entre teoria e empiria.

A abdução auxilia – mas não assegura – a identificação dos elementos estruturais que explicam a observação empírica (BRENNER; WERKER, 2007; PRADO, 2009). 184 Segundo Axelrod e Tesfatsion (2006), os objetivos dos modelos de simulação são: (i) compreensão empí-

rica – explicação de regularidades sistêmicas globais observadas; (ii) compreensão normativa – descoberta

dos arranjos sistêmicos mais adequados; (iii) heurística – compreensão dos mecanismos sistêmicos causais

fundamentais; e (iv) avanço metodológico – melhoria dos artefatos computacionais disponíveis.

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parametrização e os resultados serão discutidos no Capítulo 4. O presente capítulo está or-

ganizado em três seções. Na primeira, é apresentada e justificada a proposta metodológica

adotada para a modelagem, incluindo suas principais limitações. Na Seção 3.2 está descrita

a especificação do modelo, com foco especial nas regras de comportamento dos agentes. A

Seção 3.3 analisa as características relevantes do sistema de simulação que suporta o mode-

lo. Uma conclusão parcial encerra o capítulo.

3.1. Metodologia de modelagem

A literatura de pesquisa industrial, campo no qual a presente tese se insere, fre-

quentemente adota metodologias radicalmente distintas: estudos de caso estritamente

“apreciativos” ou modelagem matemática extremamente estilizada. Ambos os extremos,

bem como suas vantagens e desvantagens, foram discutidos nos capítulos anteriores. A

proposição metodológica deste trabalho é adotar um caminho intermediário, procurando

preservar parte da riqueza dos detalhes da análise apreciativa – conforme sejam logicamen-

te significativos para os processos de causação dos fenômenos – mas mantendo o rigor, não

apenas qualitativo, no tratamento dos nexos entre os mecanismos em ação.

Acreditamos que um dos papéis mais importantes da teorização formal na economia é se engajar no diálogo com os argumentos que apresentam ex-

plicações causais de padrões observados nos fenômenos econômicos

apontados pelos pesquisadores empíricos de um assunto. Chamamos essas explicações orientadas empiricamente de teoria “apreciativa” [...] e na

maioria dos casos reflete o que o analista acredita que está realmente

acontecendo. Entretanto, como convencionalmente apresentada, a teoria apreciativa não é geralmente bem adaptada para a exploração lógica sobre

se os argumentos causais apontados são consistentes (e se forem, se são

suficientes para fornecer uma explicação) ou se eles precisam de alguma

forma ser aprofundados [MALERBA et al., 1999, p. 4].

Um dos objetivos-chave da tarefa de modelagem é preservar o mínimo de deta-

lhes que ainda permita a adequada compreensão dos fenômenos, sem desconsiderar que

certo nível de abstração é indispensável para que o modelo seja, simultaneamente, compre-

ensível e útil (ANDERSEN; VALENTE, 2002). Portanto, a definição de um compromisso

entre generalidade e especificidade é o primeiro passo da estratégia de modelagem.

[U]m modelo simples pode ser melhor para explicar fenômenos simples

nos quais as premissas necessárias, para se obter uma solução analítica,

não sejam demasiadamente irrealistas. Em um ambiente econômico sim-

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ples e estável, a premissa de hiper-racionalidade [requerida para o trata-

mento analítico convencional] não parece ser tão irrealista como uma

aproximação dos comportamentos humanos. Com certeza, seria melhor se impuséssemos rotinas comportamentais mais sofisticadas, mas às vezes a

vantagem da simplicidade ultrapassa a perda provocada pela ausência de

realidade. Porém, se estamos preocupados com a dinâmica complexa, re-

pleta de incerteza knightiana e as mudanças estruturais, a hiper-racionalidade e o conceito de equilíbrio são demasiado irrealistas. Nesse

caso, como disse [Kenneth] Arrow (2000), “o mar da verdade se encontra

na complexidade”. Então, pode ser melhor empregar um modelo comple-xo, mesmo sacrificando a tratabilidade analítica [YOON; LEE, 2009, p.

57].

A metodologia mais utilizada para o estudo de sistemas econômicos complexos

é a simulação computacional (TESFATSION, 2006). Contudo, a utilização desses modelos

como ferramenta analítica não está completamente estabelecida dentro da ciência econômi-

ca. Apesar de seu uso cada vez mais frequente, a simulação de sistemas econômicos apre-

senta questões metodológicas não totalmente resolvidas (AXELROD; TESFATSION,

2006; WINDRUM, 2007). Para mitigar essa limitação, a proposta de trabalho aqui é partir

de algumas das melhores práticas disponíveis, em particular da longa tradição da teoria

evolucionária neoschumpeteriana. A escolha se deu, em última instância, pela compatibili-

dade com o quadro de referência teórica proposto no Capítulo 2.

Especificamente, será adotada a metodologia de simulação computacional

agent-based do tipo history-friendly. Ela está bem estabelecida para o teste de hipóteses

evolucionárias em setores industriais (MALERBA et al., 1999). Para tanto, essa abordagem

será estendida para o teste das principais hipóteses institucionais, utilizando-se os conceitos

geralmente aplicáveis à simulação de sistemas sociais complexos (ARTHUR, 2000).

Por fim, para a modelagem da rede social complexa, formada pelos consumido-

res-usuários, foi escolhida a representação por meio de grafos pseudoaleatórios, calibrados

com informação empírica sobre redes semelhantes. O Apêndice B detalha essa opção.

3.1.1. Modelagem na teoria evolucionária neoschumpeteriana

Os primeiros exercícios teóricos baseados em métodos de simulação, na ciência

econômica, se deram no âmbito da TE, ainda nos anos 1970 (PYKA; EBERSBERGER;

HANUSCH, 2004; YOON; LEE, 2009). Isso porque, ao contrário das técnicas matemáticas

convencionais, esse tipo de ferramenta não coloca limitações às formas funcionais dos mo-

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delos, característica essencial para a representação da dinâmica schumpeteriana (NELSON,

1995; VALENTE, 2002; PYKA; FAGIOLO, 2005).

Desde suas origens nos anos 1980, a teoria evolucionária neoschumpeteriana

(TE) tem sido utilizada com sucesso como suporte teórico para o estudo empírico de diver-

sos setores industriais (GARAVAGLIA, 2010). Em particular, importantes avanços foram

obtidos na compreensão dos processos subjacentes à dinâmica industrial empregando-se a

metodologia de simulação computacional (DOSI; NELSON, 1994, 2010). Alguns atributos

distintivos conferem coerência coletiva aos modelos criados na TE, a partir do trabalho

seminal de Nelson e Winter (1982/2005). Neles, existe uma “visão de mundo” claramente

compartilhada sobre como atuam os agentes reais no espaço econômico,185

além de um

conjunto identificável de algoritmos comuns, com base no qual a maioria dos modelos ne-

oschumpeterianos foi construída (WINDRUM, 2007).

Em um modelo econômico evolucionário, o foco está nas ações que os atores

efetivamente empreendem, em um ambiente inerentemente imprevisível, e não sobre as

suas propriedades estáticas, abrindo espaço para a heterogeneidade das condutas (DOSI;

NELSON, 2010). Isso ocasiona a impossibilidade de avaliação ex ante das alternativas de

ação, complicando sobremaneira a representação analítica formal dos fenômenos evolucio-

nários (PYKA; FAGIOLO, 2005). Por exemplo, a competição interfirma é representada na

TE por um sistema adaptativo complexo, composto de um grande número de agentes, com

comportamentos que se ajustam dinamicamente às circunstâncias do ambiente, envolvidos

em múltiplas interações locais paralelas. “O resultado é um sistema dinâmico complicado,

com cadeias de causalidade recorrente conectando condutas individuais, redes de interação

e impactos no bem-estar social” (TESFATSION, 2003, p. 262).

No entanto, “os modelos de simulação de primeira geração, como o de Nelson e

Winter (1982), eram bastante estilizados e não focavam em fenômenos empíricos” (PYKA;

EBERSBERGER; HANUSCH, 2004, p. 193). Eles eram projetados para explorar a dinâ-

185 Segundo Windrum (2007), cinco aspectos comuns são identificados nos modelos neoschumpeterianos: (i)

envolvimento dos agentes com a inovação (busca em aberto pela novidade); (ii) a inovação se dá em um am-

biente que se altera dinamicamente; (iii) a interação é não linear e sujeita à emergência de path dependencies

e lock-ins; (iv) a operação do sistema econômico se dá por meio de mecanismos de seleção sobre a variedade

dos agentes; e (v) a interação contínua entre variedade e seleção mantém o sistema longe do equilíbrio.

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mica evolucionária dos processos econômicos e não para compreender casos empíricos

específicos (MALERBA et al., 1999). Recentemente, uma nova família de modelos – de

segunda geração – desenvolveu-se “com o objetivo explícito de alcançar predições empíri-

cas mais satisfatórias” (GARAVAGLIA, 2010, p. 259), ao custo de menor generalidade

(PYKA; FAGIOLO, 2005). Em particular na sua variante history-friendly, os novos mode-

los da TE têm sido empregados com sucesso no estudo da evolução de diversos setores

industriais (MALERBA, 2010).

Ainda assim, os modelos evolucionários de segunda geração tratam de forma

bastante esquematizada algumas questões relevantes para o presente tema de pesquisa. Ca-

racterísticas importantes do modelo proposto, como a heterogeneidade cognitiva dos agen-

tes e os efeitos da interação social (além do processo de seleção) e da adaptação deles à

dinâmica institucional, não são tratadas com o detalhamento desejado. Sem esse aprofun-

damento, muitos atributos de interesse seriam essencialmente eliminados – ou supostos

exógenos e estáticos (NELSON, 2001) – apesar de serem elementos relevantes para a re-

presentação da maioria dos sistemas socioeconômicos (ARTHUR; DURLAUF; LANE,

1997; ARTHUR, 2000; PRADO, 2006a).

3.1.2. Teoria dos sistemas complexos

Muitos autores têm enfatizado a importância da teoria dos sistemas complexos

(TC) para a modelagem de sistemas econômicos dinâmicos (ARTHUR, 1994, 2005, 2006;

TESFATSION, 2003, 2006; METCALFE; FOSTER, 2004; COLANDER, 2005, 2008;

PRADO, 2009). Um sistema é considerado complexo186

na medida em que apresente pelo

menos duas qualidades essenciais: (i) seja composto de unidades que interagem entre si,

usualmente de maneira difusa; e (ii) exiba propriedades emergentes, a partir dessa intera-

ção eventualmente em múltiplos níveis, ou seja, propriedades que não sejam resultado ape-

nas da agregação trivial daquelas das unidades individuais (TESFATSION, 2006).187

Em

186 A definição sobre o que caracteriza um sistema complexo é, em si, “complexa”. Segundo Potts (2000), existem dezenas de definições distintas, parcialmente compatíveis e incompatíveis entre si. Adotou-se aqui a

caracterização funcional proposta por Tesfatsion (2006). 187 A utilização dos conceitos da teoria da complexidade no âmbito da ciência econômica teve origem no fim

dos anos 1980, dentro do programa de pesquisa do Santa Fe Institute (ANDERSON; ARROW; PINES, 1988).

Ela surgiu nas ciências naturais para explicar fenômenos envolvendo sistemas com múltiplos elementos (uni-

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159

particular, as características dos processos evolucionários, discutidas anteriormente, são

compatíveis com os atributos centrais da TC: geração de variedade e inovação endógena

permanente e dinâmica fora do equilíbrio, mecanismos de seleção e interação dispersa den-

tro de estruturas hierárquicas multiníveis, seleção por aptidão e adaptação contínua (MET-

CALFE; FONSECA; RAMLOGAN, 2002).

A hipótese central da teoria dos sistemas complexos é de que o “todo” comple-

xo contém mais informação do que a simples soma de suas unidades individuais, e não po-

de, portanto, ser adequadamente representado tão somente por elas (HOLLAND, 1998;

ARTHUR, 2006). “[A] nova [teoria da] complexidade admite a falácia da composição, em

contraste com a abordagem dos modelos com agente representativo nos quais o indivíduo

se equipara ao agregado” (ROSSER, 1999, p. 184).

A perspectiva da complexidade vem sendo crescentemente utilizada nas ciên-

cias sociais, em particular na economia (AXELROD; TESFATSION, 2006). Nesse domí-

nio, os fenômenos complexos são caracterizados, em termos gerais, por sistemas que apre-

sentam dualidade “micro-macro”.188

Novamente, a ideia crucial é que, por mais detalhada

que seja a representação do nível micro – composto por entidades heterogêneas –, não é

possível assumir, mecanicamente, a compreensão dos fenômenos que se desenvolvem no

plano macro189

(METCALFE; FOSTER, 2004; COLANDER, 2005; PYKA; FAGIOLO,

2005).

O nível macro – ou “meso”, conforme o caso – é o espaço privilegiado de fe-

nômenos sociais, como a organização dos mercados e as redes relacionais dos participantes.

Essas redes sociais podem ser entendidas como estruturas190

relativamente abstratas, for-

madas por elementos, simbolizando os agentes (indivíduos ou organizações), e suas cone-

xões, na forma de conhecimentos e entendimentos compartilhados entre eles (POTTS,

dades) e cujos comportamentos não podem ser previstos por meio da análise do comportamento ou das carac-

terísticas individuais dos seus componentes. 188 Alguns autores sugerem tratar essa relação como “micro-meso-macro”, dado que os fenômenos emergen-

tes complexos são verificados em diversos níveis, a partir do “micro” (DOPFER; FOSTER; POTTS, 2004). 189 Sistemas simples podem ser analisados considerando-se tão somente seus “microfundamentos”. Isso não

significa que os sistemas complexos não tenham microfundamentos. Nesse caso, eles são essencialmente

contextuais e somente podem ser compreendidos no seu conjunto (COLANDER, 2005). 190 Adota-se aqui a definição de Bertalanffy (apud PRADO, 2006a, p. 308) de que, “grosso modo, o termo

estrutura designa o modo de organização próprio dos elementos de um sistema”.

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160

2000).191

. Diferentemente dos sistemas simples, nas redes frequentemente o papel das co-

nexões se sobrepõe ao dos elementos. Consequentemente, a compreensão dos processos

dinâmicos que determinam essas ligações entre agentes, seja pela interação estratégica ou

pela influência do ambiente institucional, é essencial para o estudo dos fenômenos emer-

gentes (HOLLAND, 1988).

[D]e uma perspectiva de complexidade, a estrutura importa. Primeiro, es-truturas baseadas em rede se tornam importantes. Toda ação econômica

envolve interações entre agentes, logo a funcionalidade econômica é, si-

multaneamente, restrita e suportada por redes definidas pelos padrões re-correntes de interação entre os agentes. Essas estruturas em rede são ca-

racterizadas por conexões relativamente esparsas. Segundo, a ação eco-

nômica é estruturada por papéis sociais emergentes e por procedimentos

suportados socialmente – ou seja, pelas instituições. Terceiro, as entidades econômicas têm uma estrutura recursiva: elas mesmas consistem de enti-

dades. […] O princípio organizador fundamental é a ideia de que as uni-

dades em um nível se combinam para produzir [novas entidades] no pró-ximo nível mais elevado [ARTHUR; DURLAUF; LANE, 1997, p. 6].

A complexidade de um sistema costuma ser expressa como função da quantida-

de N de elementos e do número de conexões (interações) entre eles. Assumindo conexões

mútuas, seu máximo seria 𝑁(𝑁−1)

2, caracterizando uma rede totalmente conectada, como

aquelas que resultam das soluções analíticas adotadas pela teoria neoclássica (POTTS,

2000). Entretanto, os casos de interesse para a abordagem da complexidade são aqueles

representados por grafos não triviais (“dispersos”), ou seja, cuja topologia não é nem com-

pletamente conectada (todos os nós interagem com todos os demais) nem um conjunto va-

zio (nenhuma interação).192

Além disso, as conexões entre elementos podem ter “intensida-

des” distintas, conforme a geometria do grafo (FRENKEN, 2006).

A TC adota um enfoque simultaneamente bottom-up e top-down das interações

entre os agentes heterogêneos e as estruturas emergentes resultantes dessas interações. Nes-

se sentido, a TC representa uma mudança importante do paradigma metodológico tradicio-

nal da ciência econômica, apenas bottom-up ou top-down (TESFATSION, 2003; PYKA;

191 Ou, de forma mais técnica, como os vértices e as arestas de um grafo, respectivamente. O grafo é a repre-

sentação matemática das relações entre objetos de um determinado conjunto. Um grafo é uma estrutura com-posta de um conjunto não vazio de vértices e um conjunto de arestas (pares não ordenados de vértices). 192 Apesar de grafos totalmente conectados “parecerem complexos”, eles permitem representação matemática

simples, uma vez que todos os elementos têm a mesma “posição” em relação a todos os outros ou, usando

linguagem mais precisa, todos os vértices podem ser representados em um campo no ℝ𝑛 (POTTS, 2000).

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161

FAGIOLO, 2005; ARTHUR, 2006; SAVIOTTI, 2009). A hipótese crítica é que as intera-

ções produzem fenômenos agregados que, por sua vez, influenciam os comportamentos

individuais, em um processo de feedbacks positivos e negativos, contínuo e dinâmico

(HODGSON; KNUDSEN, 2004; ARTHUR, 2005). Assim, para Pyka e Fagiolo (2005, p.

11), “as decisões tomadas hoje por qualquer agente dependem diretamente – por meio de

expectativas adaptativas – das escolhas passadas feitas por subgrupos de outros indivíduos

na população”. Adicionalmente, os subgrupos relevantes aqui são, mais frequentemente,

aqueles “próximos” no espaço socioeconômico, denotando a importância das interações

locais (em detrimento daquelas do tipo global). Existe um número importante de situações

importantes em que isso se verifica (BROCK, 1988), por isso a aplicação das abordagens

convencionais, exclusivamente top-down ou bottom-up,193

torna-se inadequada (MACY;

WILLER, 2002).

Com o quadro teórico aqui proposto, se torna possível superar o dilema

entre individualismo metodológico e coletivismo metodológico. Ao não

atuar diretamente sobre as decisões individuais, mas sobre as disposições habituais [dos indivíduos], as instituições exercem downward causation

reconstitutivo sem reduzir o papel da agência individual. Upward causa-

tion, dos indivíduos para as instituições, é ainda possível, sem assumir que

o indivíduo é dado ou imanentemente concebido. Explicações dos fenô-menos socioeconômicos não são reduzidas, apenas, nem para os indiví-

duos nem para as instituições [HODGSON; KNUDSEN, 2004, p. 41].

A aplicação empírica da TC é particularmente conveniente quando se observam

padrões que emergem a partir de processos não lineares que se repetem por períodos pro-

longados. Por isso, sua modelagem demanda análise dinâmica não linear (COLANDER,

2008) e, por conta da questão da tratabilidade, técnicas de simulação computacional são

privilegiadas (RASMUSSEN; BARRETT, 1995; ARTHUR, 2006). Nesse quesito, os re-

quisitos da TC são maiores do que as da TE194

, tanto no que diz respeito aos atributos ne-

cessários dos elementos como na a variedade das topologias das conexões que compõem o

sistema. Por isso, a TC utiliza, frequentemente, métodos computacionais sofisticadas, como

193 A abordagem top-down convencional procura explicar os mecanismos causais do sistema econômico com

base na observação e na abstração das características generalizadas dos seus elementos, pressupondo a com-pleta conexão entre todos, ignorando a possibilidade de interações locais (POTTS, 2000). Já uma perspectiva

bottom-up pura não considera a possibilidade de realimentação do sistema agregado sobre seus componentes

(HODGSON; KNUDSEN, 2004). 194 Sistemas complexos são naturalmente evolucionários, e sua modelagem, por meio de simulação, baseia-se

na “tradução” do problema da seleção em um processo dinâmico estocástico (ARTHUR, 2006).

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162

as redes neurais e os algoritmos genéticos (HOLLAND, 1992). A possibilidade de modelar

agentes dotados de capacidade cognitiva e comportamento adaptativo195

é crítica para a

emulação de sistemas que exibem propriedades emergentes, inclusive os socioeconômicos

(ARTHUR; DURLAUF; LANE, 1997; MACY; WILLER, 2002; COLANDER, 2005;

BRENNER, 2006; PRADO, 2006b).

3.1.3. Modelos de simulação agent-based

A utilização de recursos computacionais para o estudo de processos econômi-

cos, modelados como sistemas dinâmicos de atores que interagem entre si (com as caracte-

rísticas discutidas na seção anterior) é denominada de ACE – agent-based computational

economics, na definição proposta por Tesfatsion (2006).196

A simulação, nessa perspectiva,

é um sistema interativo artificial que modela outro – o sistema real – e permite o cálculo

aproximado de sua dinâmica. Apesar de não existir exigência formal para que esses mode-

los sejam operacionalizados via informática, é apenas por meio dela que eles se tornam

viáveis na prática, considerando o enorme volume de operações e de dados requeridos para

o seu processamento (ANDERSEN; VALENTE, 2002). Por causa dessas demandas, e da

limitação computacional, foi somente nos últimos 20 anos que os modelos agent-based

(baseados em agentes – MAB) puderam se desenvolver de forma significativa (ORME-

ROD; ROSEWELL, 2009).

Os MAB representam uma abordagem metodológica destinada ao teste, ao refi-

namento e à extensão de teorias que não são adequadamente formuladas ou avaliadas utili-

zando-se as ferramentas estatísticas e matemáticas convencionais. Os MAB permitem a

compreensão aprofundada dos mecanismos causais fundamentais de sistemas complexos

(AXELROD; TESFATSION, 2006) e viabilizam, nas ciências sociais, instrumentos próxi-

mos aos laboratórios das ciências naturais. Eles possibilitam a exploração experimental de

fenômenos como a mudança institucional, as trajetórias de desenvolvimento tecnológico e a

implantação de políticas públicas (PYKA; FAGIOLO, 2005).

195 Sistemas adaptativos são aqueles nos quais os agentes são reativos e aprendem, ou seja, são capazes de

exibir atributos sistematicamente distintos em reação a mudanças ambientais (TESFATSION, 2006). 196 A ACE surgiu a partir das diversas situações em que os modelos matemáticos convencionais não eram

capazes de capturar os detalhes necessários para a análise satisfatória de diversos fenômenos econômicos, em

particular na sua dimensão dinâmica, além da questão de tratabilidade (HOLLAND, 1988).

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163

Em nossa opinião, a tentativa para modelar a agregação dinâmica de eco-

nomias descentralizadas com base em uma microfundamentação mais de-

talhada (e mais realista), como aquela postulada pelos MAB, é o principal requisito para perseguir um dos mais importantes desafios das ciências

sociais hoje, nomeadamente a análise da mudança qualitativa. […] De

certa forma, os modelos agent-based podem ser considerados uma abor-

dagem sistêmica, permitindo a consideração e integração de diferentes “realidades” sociais, o que o torna uma ferramenta extremamente valiosa

para a análise dos processos sociais, que podem ser considerado como fe-

nômenos multifacetados [ibid., p. 20].

Os MAB são construções lógicas abstratas, à semelhança dos modelos matemá-

ticos convencionais,197

especificados com precisão e estruturados formalmente por meio de

conjuntos de operações lógicas e matemáticas realizadas ao longo do tempo (GARAVA-

GLIA, 2004; PRADO, 2009). “Modelos de simulação grosso modo contêm dois componen-

tes, implicações e premissas [...] Executar a simulação significa obter conhecimento sobre

as implicações dessas premissas, de maneira similar à análise de equações matemáticas”

(BRENNER; WERKER, 2007, p. 228). Os MAB representam o funcionamento de sistemas

que agregam agentes heterogêneos, tanto no nível dos atributos quanto no dos comporta-

mentos. Como representações de sistemas complexos, as propriedades agregadas emergem

da interação entre indivíduos,198

ao evoluírem no tempo (RASMUSSEN; BARRETT, 1995;

TESFATSION, 2003, 2006; PYKA; FAGIOLO, 2005; PRADO, 2009).

O interesse da análise e os objetivos de estudos, então, não são direta e

explicitamente modelados nos quadros analíticos [do modelo de simula-ção]. Ao contrário, eles emergem da programação de interações repetidas

dos componentes do modelo. [...] A estrutura agregada emerge da organi-

zação dos agentes interagindo [GARAVAGLIA, 2010, p. 259].

Rasmussen e Barrett (1995) propuseram uma formalização para o processo di-

nâmico representado pelos MAB, cujas linhas gerais são apresentadas a seguir.

Partindo da premissa de operação em tempo discreto, em um MAB regras de

transição implícitas determinam a transformação do sistema do instante 𝑡 para 𝑡 + Δ𝑡,

mesmo que não seja possível definir formalmente expressões analíticas para essa dinâmica.

197 Diferentemente dos modelos convencionais, nos modelos de simulação a matemática, em si, não é a base

teórica (dedutiva), mas tão somente um instrumento de modelagem (COLANDER, 2005). 198 Nesse tipo de modelo, costumam emergir estruturas no nível “meso”, não diretamente associadas às carac-

terísticas dos agentes “micro” (DOPFER; POTTS, 2004). Elas podem tomar diversas formas, como redes

relacionais ou hierárquicas, e não são determinadas a priori, uma vez que não existe premissa de equilíbrio

estático nos MAB. Equilíbrio, único ou múltiplo, pode eventualmente ser uma característica emergente de

alguns sistemas complexos, assim como a completa instabilidade (ARTHUR, 2006).

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164

Cada objeto199

𝐴𝑖𝑙 do modelo representa a trajetória temporal de um elemento 𝑖 do nível 𝑙 do

modelo e pode ser definido como em (13).

𝐴𝑖𝑙 = 𝐴𝑖

𝑙(𝑑𝑖 , 𝐼𝑖,𝑗𝑙 , 𝑠𝑖 , 𝑡𝑖), 𝑖, 𝑗 = 1,… , 𝑛, 𝑙 = 1, 2,… (13)

𝑨𝒊𝒍: i-ésimo objeto observável no l-ésimo nível de descrição; 𝒅𝒊: vetor de regras que representam a di-

nâmica do i-ésimo objeto; 𝑰𝒊,𝒋𝒍 : matriz que representa a de interação do i-ésimo objeto com o j-ésimo ob-

jeto; 𝒔𝒊: vetor de variáveis que definem o estado do i-ésimo objeto; 𝒕𝒊: coordenada temporal do i-ésimo

objeto; 𝒏: número de objetos do modelo, em todos os níveis de descrição.

O sobrescrito l representa o nível de agregação em que se encontra o elemento

representado. 𝑙 = 1 constitui o patamar mais baixo, no qual se encontram os agentes indi-

viduais. O modelo 𝑀 é o conjunto de todos os objetos 𝐴𝑖𝑙 ∈ 𝑀, sendo que os 𝐴𝑖

𝑙, 𝑙 > 1, são

subsistemas de 𝑀. 𝑠𝑖 é o vetor de microestados, que caracteriza o elemento 𝐴𝑖𝑙 em cada

ponto da trajetória temporal 𝑡𝑖, e é endogenamente modificado pelas regras 𝑑𝑖, dada a ma-

triz multidimensional de interação 𝐼𝑖,𝑗𝑙 . 𝐼𝑖,𝑗

𝑙 é a representação das estruturas “sociais” de 𝑀,

nos diversos níveis 𝑙.200 Ela retrata relacionamentos acontecendo dentro de redes, em prin-

cípio, esparsas (e não em uma relação do tipo “todos com todos”) (KÖNIG; BATTISTON;

SCHWEITZER, 2009).

No caso dos agentes (𝑙 = 1) 𝑑𝑖 representa as microrregras de decisão. A matriz

𝐼𝑖,𝑗𝑙 define a estrutura da interação de cada elemento com todos os demais em 𝑀, inclusive

nos outros níveis l. A trajetória de 𝐼𝑖,𝑗𝑙 também é endogenamente gerada pelas regras 𝑑𝑖, a

partir do conjunto de vetores de microestado 𝑠𝑖. O vetor de algoritmos 𝑑𝑖 determina a di-

nâmica temporal tanto do microestado 𝑠𝑖 e como das conexões 𝐼𝑖,𝑗𝑙 dos 𝐴𝑖

𝑙. Os 𝑑𝑖 são expli-

citamente definidos (programados) apenas no primeiro nível de organização (𝑙 = 1)201. De

certo modo, 𝑑𝑖 encerra parcela importante da caracterização do ambiente institucional de 𝑀

199 Objetos são representações computacionais versáteis, que no caso dos MAB podem representar tanto os

agentes “micro”, diretamente programados e configurados pelo modelo, quanto agregações de outros objetos,

representando entidades em “níveis” superiores (“meso”, “macro” etc.) (ANDERSEN; VALENTE, 2002). 200 Uma representação alternativa mais conveniente para a estrutura de interação, conforme a aplicação, é a topologia de um grafo (POTTS, 2000; FRANKEN, 2006). A representação matricial, entretanto, costuma ser

mais conveniente para a configuração de sistemas computacionais. 201 Nos níveis agregados (l > 1), os “algoritmos” de transição são definidos implícita e endogenamente pela

interação dos elementos dos níveis inferiores. Esses algoritmos não são programados e frequentemente não

podem ser determinados de forma explícita (RASMUSSEN; BARRETT, 1995; PYKA; FAGIOLO, 2005).

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165

ao qual os elementos 𝐴𝑖𝑙 estão submetidos. Note-se que, pelo menos em seu estado inicial

(𝑡 = 0), 𝑑𝑖 é obrigatoriamente anterior tanto ao estado 𝑠𝑖 como às conexões 𝐼𝑖,𝑗1 dos 𝐴𝑖

1 de

𝑀. Entretanto, os microparâmetros que especificam os procedimentos 𝑑𝑖 podem ser endo-

genamente alterados pelos próprios algoritmos de 𝑑𝑖, com a informação contida em 𝑠𝑖 e 𝐼𝑖,𝑗𝑙 ,

representando a capacidade de aprendizado ou adaptação dos 𝐴𝑖1, desde um estado inicial

conhecido (𝑡 = 0).

Entre cada intervalo de tempo Δ𝑡, a função de atualização sistêmica 𝑈 realiza a

transição interativa do estado 𝑠𝑖 e da estrutura de interação 𝐼𝑖,𝑗𝑙 de cada objeto 𝐴𝑖

𝑙 ∈ 𝑀, como

indicado em (14). Ela é também responsável pelo alinhamento temporal dos objetos – a

sincronização das trajetórias 𝐴𝑖𝑙(𝑡). Dessa forma, a simulação do sistema (15) é realizada

pela iteração das regras comportamentais de cada objeto no conjunto 𝑀. Portanto, as pro-

priedades dinâmicas do modelo 𝑀 são implicitamente definidas por 𝑑𝑖, 𝐼𝑖,𝑗𝑙 , 𝑠𝑖 e 𝑈.

𝐴𝑖𝑙(𝑡 + Δ𝑡) = 𝑈[𝐴𝑖

𝑙(𝑡), Δ𝑡], 𝑖 = 1, … , 𝑛 (14)

{𝐴𝑖𝑙(𝑡 + 1)} = 𝑈[{𝐴𝑖

𝑙(𝑡)}], 𝑖 = 1, … , 𝑛 (15)

𝑨𝒊𝒍: i-ésimo objeto observável no l-ésimo nível de descrição; 𝑼: função de atualização sistêmica que de-

fine, organiza e executa o procedimento interativo que realiza a transição de estado dos objetos; 𝒕: perí-

odo de referência; 𝒕 + 𝚫𝒕: próximo período de referência; {∙}: conjunto todos os objetos de 𝑀.

Ainda segundo Rasmussen e Barrett (1995), uma das etapas críticas é a confi-

guração dos comportamentos e da interação no primeiro plano (𝑙 = 1). A modelagem defi-

ne o seu estado inicial, ao especificar os atributos (𝑑𝑖, 𝐼𝑖,𝑗𝑙 e 𝑠𝑖) dos elementos 𝐴𝑖

1 que repre-

sentam os agentes. Mas, partindo daí, o sistema “virtual” evolui ao longo do tempo sem a

intervenção do modelista, dentro de um processo histórico simulado baseado nas intera-

ções. São essas interações, organizadas por 𝑈, que dão origem aos fenômenos emergentes,

aos desdobramentos sistêmicos em um nível estrutural (𝑙 > 1) acima daquele que foi expli-

citamente modelado (TESFATSION, 2003).

É importante notar que, por construção, na modelagem da conduta dos agentes

(representada em 𝑑𝑖 e 𝐼𝑖,𝑗𝑙 ) não pode ser adotada a premissa da hiper-racionalidade, pelo

simples fato de o estado “futuro” da simulação estar sempre em aberto. Por isso, ao privile-

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166

giar uma perspectiva de racionalidade limitada, os MAB não são aptos para a adoção de

alguns pressupostos da modelagem matemática tradicional, como a adequada e recíproca

antecipação do futuro (SIMON, 1979). Mesmo assim, diversos tipos de algoritmos podem

ser selecionados para modelar as “mentes” (limitadas) dos atores computacionais, permi-

tindo desde a calibração da tomada de decisão com dados empíricos (TESFATSION, 2003)

até o uso de métodos computacionais que simulam o aprendizado (HOLLAND, 1992).

Além disso, comportamento e interação podem ser representados por meio de estilizações,

provenientes da teoria aplicada ou da evidência empírica disponível. Isso permite mesclar a

avaliação qualitativa com as técnicas formais de modelagem, para representar os atores

econômicos e as suas relações (PYKA; EBERSBERGER; HANUSCH, 2004).

É importante ressaltar que a identificação dos fenômenos emergentes 𝑃, na si-

mulação, requer a existência de uma função de observação 𝑂𝑛 apropriada ao nível de análi-

se. Para o primeiro plano (𝑙 = 1), por exemplo, a função de observação 𝑂1 é necessária

para a inspeção dos objetos 𝐴𝑖1. Novos objetos 𝐴𝑖

2, no próximo nível da estrutura (𝑙 = 2),

podem então ser produzidos, a partir da interação de 𝑈 e da inspeção dos objetos do primei-

ro por 𝑂1, conforme representado em (16). Obviamente esse processo de emergência pode

prosseguir para ordens mais elevadas, como mostrado em (17).

𝐴𝑘2 ← 𝑈[{𝐴𝑖

1(𝑑𝑖, 𝐼𝑖,𝑗𝑙 , 𝑠𝑖 , 𝑡𝑖)}, 𝑂

1], 𝑖, 𝑗 = 1,… , 𝑛, 𝑙 = 1, 2 (16)

𝐴𝑘𝑁 ← 𝑈[{𝐴𝑖

𝑁−1}, 𝑂𝑁−1, … , {𝐴𝑗1}, 𝑂1], 𝑖, 𝑗 = 1,… , 𝑛 (17)

𝑃 ∈ 𝑂2({𝐴𝑖2}) mas 𝑃 ∉ 𝑂1({𝐴𝑗

1}), 𝑖, 𝑗 = 1,… , 𝑛 (18)

𝑨𝒌𝟐: k-ésimo objeto observável no segundo nível de descrição; 𝑨𝒊

𝟏: i-ésimo objeto observável no primei-

ro nível de descrição; P: propriedade emergente; 𝑶𝒍: função de observação no l-ésimo nível estrutural;

{∙}: conjunto de todos os elementos.

Propriedades 𝑃 que sejam observadas exclusivamente em níveis estruturais su-

periores (𝑙 > 1), são definidas como propriedades emergentes do sistema. Por exemplo,

(18) representa essas propriedades no segundo nível da estrutura do modelo. Dessa manei-

ra, a emergência depende essencialmente do observador, que precisa dispor de artefatos

analíticos 𝑂𝑛 adequados para sua detecção. A presença de componentes estocásticos nas

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regras de decisão 𝑑𝑖 implica, ainda, que a dinâmica das propriedades 𝑃 será descrita por

processos de Markov que não necessitam de parametrização explícita, dada sua natureza

emergente (PYKA; FAGIOLO, 2005).

A interação entre os agentes 𝐴𝑖1 dá origem aos fenômenos 𝐴𝑘

2 , que por sua vez

podem ter efeitos causais sobre 𝐴𝑖1, por meio da inter-relação entre os objetos de ambos os

níveis, representada em 𝐼𝑖,𝑗𝑙 . Esta propriedade, a downward causation

202 (ou causação rever-

sa) é uma das características dos fenômenos de ordem social e institucional que podem ser

representados dessa forma203

(HODGSON; KNUDSEN, 2004). A downward causation

depende da capacidade de os atores considerarem efeitos de ordem superior em suas regras

de relacionamento 𝐼𝑖,𝑗𝑙 (ou seja, disporem de capacidades analíticas 𝑂𝑛 adequadas).

204 Um

atributo essencial da abordagem dos modelos de simulação é a possibilidade de identificar,

pela inspeção das microvariáveis do sistema 𝑀, em que ordem 𝑛 os fenômenos de interesse

emergem e como eles interagem com os outros níveis estruturais, além de esclarecer seus

mecanismos de causação (VALENTE, 2002).

Uma importante vantagem da técnica agent-based diz respeito justamente à

possibilidade de descrever os detalhes das interações entre os objetos do modelo que geram

as propriedades emergentes de interesse, mesmo que a dinâmica global possa ser conhecida

apenas de modo implícito. Esse é o caso, por exemplo, das situações nas quais somente se

podem obter medidas indiretas sobre o comportamento dos agregados205

(RASMUSSEN;

202 O tipo de downward causation considerado aqui é aquele conhecido como de tipo “forte”, pois afeta não apenas características gerais da população de agentes (o tipo “fraco”), mas cada agente individual em particu-

lar. É algumas vezes denominada “reconstitutive downward causation” (SPERRY, 1991; HODGSON;

KNUDSEN, 2004). 203 Existe uma corrente de autores, os “saltacionistas”, na definição de Prado (2009), que tem ressalvas a essa

forma de caracterizar os processos de downward causation, com base na premissa de que os fenômenos

emergentes não podem ser determinados a partir tão somente do conjunto de elementos e da estrutura do sis-

tema em que se inserem. 204 “[A]s capacidades de composição, mudança e restrição de instituições sociais [enquanto propriedades

emergentes da interação entre indivíduos] dão origem a novas percepções e disposições internas aos indiví-

duos” (HODGSON; KNUDSEN, 2004, p. 39-40), apesar de que “os fenômenos em nível mais elevado, ao

exercerem controle descendente, não desorganizam ou intervêm nas relações causais da atividade que com-põem o nível subjacente” (SPERRY, 1991, p. 230). 205 Diversos fenômenos econômicos concretos não são passíveis de mensuração direta, ou sequer são de fácil

definição. Sistemas de simulação, pelo contrário, trabalham com eventos precisos e bem definidos, requeren-

do especial atenção para que essa característica – a precisão – não seja assumida como “transferida” ao objeto

econômico sobre o qual se aplica esse tipo de técnica analítica. Portanto, cuidado especial é requerido no

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BARRETT, 1995; VALENTE, 2002). Suponha-se que 𝐺1 seja a função global que descre-

ve as mudanças de estado para 𝑙 = 1, representadas por 𝑆1, como em (19). Nessa situação,

a dinâmica do sistema simulado 𝑀 pode ser gerada sem que seja manifesta a função 𝐺1, tão

somente pela definição de 𝑈(∙) e da interação dos 𝐴𝑖1, como em (15) (PYKA; FAGIOLO,

2005).

𝑆1(𝑡) = {𝑠11(𝑡), … , 𝑠𝑛

1(𝑡)} (19)

𝑆1(𝑡 + 1) = 𝑈(𝐺1[𝑆1(𝑡)])

𝑺𝟏: estado do sistema no nível estrutural 1; 𝒔𝒊: vetor de variáveis que definem o estado do i-ésimo obje-

to; 𝑮𝟏: função global de mudança do sistema; 𝑼: função de atualização sistêmica que define, organiza e

executa o procedimento interativo que realiza a transição de estado dos objetos.

Portanto, mesmo que o sistema em estudo não possa ser, a priori, sequer des-

crito, digamos, para 𝑙 = 2, ainda assim, pela descrição completa do seu primeiro nível será

possível simular sua dinâmica em 𝑙 = 2. Isso porque os objetos e as relações de ordem

𝑙 = 2 emergem sem a necessidade de 𝑀 ser explicitamente programado para tanto. Em

termos formais, a dinâmica dos objetos do nível 𝐴𝑖2 pode ser gerada a partir da simulação da

interação dos objetos do plano 𝐴𝑗1, conforme (20). O modelo 𝑀 permite, desse modo, a

apreensão de fenômenos que não estão representados ou expressamente codificados, viabi-

lizando de forma abrangente a captura de propriedades emergentes do sistema modelado.

𝐴𝑖2 ← 𝑈({𝐴1

1, … , 𝐴𝑛1 })

(20)

𝑃2 = 𝑂2({𝐴12, … , 𝐴𝑛

2 })

𝑨𝒊𝟐: i-ésimo objeto observável no segundo nível de descrição; 𝑨𝒋

𝟏: j-ésimo objeto observável no primeiro

nível de descrição; 𝑷𝟐: propriedade emergente no segundo nível estrutural; 𝑶𝟐: função de observação

no segundo nível estrutural.

Baseados nas características gerais dos MAB, autores como Rassmussen e Bar-

rett (1995) e Valente (2002) propuseram uma metodologia de pesquisa para sua aplicação,

composta de quatro etapas: (i) definir quais fenômenos dinâmicos – ou fatos estilizados –

serão estudados, certificando-se de que eles sejam gerados em uma ordem de agregação

mapeamento do que o analista apreende como “realidade econômica”, no mundo empírico, para a “realidade

virtual”, no universo da simulação, e vice-versa.

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superior àquele no qual as interações elementares acontecem; (ii) escolher métodos que

permitam a identificação dos elementos do sistema simulado criam os fenômenos de inte-

resse; (iii) formular modelos dos subsistemas subjacentes aos elementos relevantes, com as

propriedades desejadas, tanto no nível dos agentes como no de suas interações, independen-

temente da plataforma computacional; e (iv) implementar o modelo completo, transfor-

mando a especificação abstrata de cada subsistema em um programa de computador, de

forma que os episódios em estudo possam ser produzidos e analisados numericamente. Esse

é também o roteiro adotado para a modelagem neste trabalho.

No que diz respeito ao item (iii) acima, a modelagem dos subsistemas do mode-

lo, adota-se aqui a arquitetura sistêmica sugerida por Valente, Ciarli e Lorentz (2010). Se-

gundo esses autores, o projeto do MAB deverá, pelo menos, contemplar os seguintes itens:

(i) uma população de agentes econômicos heterogêneos, autônomos ou semiautônomos; (ii)

agentes com interesses definidos (egoístas, “maximizadores”206

etc.), mas racionalmente

limitados; (iii) um conjunto de estados internos e de regras de comportamento especificados

para cada agente; e (iv) possibilidade de interação direta (interações locais) e, possivelmen-

te, destes com o ambiente (influência institucional).

3.1.4. Modelos de simulação history-friendly

Uma categoria particular dos MAB são os modelos history-friendly (MHF). Os

MHF desenvolveram-se no fim dos anos 1990, a partir do trabalho pioneiro de Malerba,

Nelson, Orsenigo e Winter (1999) sobre o setor de informática. Os MHF buscam verificar

se mecanismos particulares, incluídos nos modelos, são capazes de replicar – e, portanto,

explicar – características selecionadas da história207

(MALERBA et al., 1999). Para tanto, a

metodologia aplica a informação empírica disponível para reduzir a generalidade dos MAB,

ao mesmo tempo em que produz resultados que podem ser objetivamente testados (BREN-

NER; WERKER, 2007).

Por meio de modelagem econômica evolucionária history-friendly quere-

mos dizer modelos formais que visam capturar a essência da teoria apreci-

206 Trata-se aqui de um conceito “local” de maximização, uma vez que como as capacidades do agente são

tecnicamente restritas, ele não dispõe dos recursos necessários para maximização no nível global. 207 A construção de cenários prospectivos (previsão), por outro lado, não é objetivo primário desse tipo (GA-

RAVAGLIA, 2004) ou dos MAB como categoria geral (MACY; WILLER, 2002; COLANDER, 2005).

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170

ativa apresentada pelos analistas da história de uma indústria ou uma tec-

nologia e, assim, possibilitar sua exploração lógica. O termo “formal” sig-

nifica que toda a lógica que conduz aos resultados do modelo é explícita e, pelo menos potencialmente, visível, uma característica compartilhada

pelos modelos de simulação e os modelos analíticos [matemáticos] [MA-

LERBA et al., 1999, p. 5].

Os MHF compartilham as características gerais dos MAB na representação de

sistemas complexos. Em particular, eles buscam “analisar os fatores que afetam a dinâmica

da tecnologia, inovação, estrutura de mercado, arquitetura da indústria e liderança industri-

al” (MALERBA, 2010, p. 10). Isso se dá, nos MHF, pela emergência – não explicitamente

programada no modelo – desses elementos no nível “meso”, a partir da configuração da

interação repetida dos agentes heterogêneos, no plano “micro” (GARAVAGLIA, 2010),

como discutido para o caso geral dos MAB.

Com base na crítica sobre a elevada abstração dos modelos evolucionários de

primeira geração, os MHF têm como ponto de partida a análise histórica e os estudos de

caso existentes (MALERBA, 2010). Os MHF “procuram capturar, de forma estilizada, teo-

rias qualitativas sobre os mecanismos e fatores que afetam a inovação e a evolução das in-

dústrias” (ibid., p. 9). Eles utilizam informações da pesquisa apreciativa – nas áreas de or-

ganização industrial, estratégias de negócio e história – no projeto dos sistemas de simula-

ção e na calibração de seus parâmetros.208

Essas [informações empíricas] detalhadas são usadas para alimentar o

processo de simulação em alguns aspectos-chave. Primeiro, o modelista deve utilizar os dados empíricos como um guia durante a especificação

dos agentes (seu comportamento, regras de decisão e interações) e do am-

biente no qual eles operam. Segundo, estudos de caso empíricos detalha-

dos permitem especificar testes mais exigentes para as saídas do modelo. [...] Terceiro, estudos de caso podem ajudar na identificação de parâme-

tros particulares de variáveis-chave (entre as muitas variáveis no modelo)

que provavelmente foram importantes na geração da história observada [WINDRUM, 2007, p. 424].

A necessidade da investigação específica de indústrias particulares, em vez da

utilização de modelos genéricos, adveio dos avanços da pesquisa empírica. Ela tem de-

monstrado que aspectos como “não linearidade, dinâmica estocástica, heterogeneidade,

208 Os sistemas que dão suporte aos MHF são configurados de modo a que interações e comportamentos dos

agentes econômicos reflitam os “fatos estilizados” indicados pela teoria apreciativa disponível sobre os meca-

nismos que condicionaram a evolução de indústrias específicas (GARAVAGLIA, 2010).

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incerteza, interação, racionalidade limitada, path dependence e coevolução [...] parecem ser

altamente específicos de cada indústria” (GARAVAGLIA, 2010, p. 260). Como visto no

Capítulo 1, essas são características presentes também no setor de internet (DAVIES, 1996;

CORROUCHER, 2001).

3.1.5. Limitações da metodologia proposta

Segundo Ormerod e Rosewell (2009), por se tratar de uma inovação recente, o

próprio desenvolvimento metodológico das simulações agent-based encontra-se em pleno

processo evolucionário de seleção. O qual costuma ser, justamente, mais intenso no período

subsequente ao surgimento de inovações radicais, como é o caso dos MAB.

A flexibilidade da abordagem de simulação é, ao mesmo tempo, uma van-

tagem e uma desvantagem. A vantagem é que modelos de simulação po-dem cobrir uma faixa mais ampla de temas de pesquisa quando compara-

do com métodos alternativos. A desvantagem é que modelos de simulação

variam substancialmente [entre si] – muito mais do que modelos utilizan-

do métodos alternativos, os quais são usualmente baseados em premissas-chave pacificadas na comunidade científica [BRENNER; WERKER,

2007, p. 228].

A aceitação da metodologia de modelos de simulação na literatura econômica é

ainda relativamente restrita (YOON; LEE, 2009; DWECK, 2010). No entanto, as restrições

aos MAB estão relacionadas, frequentemente, com características inerentes à relativa ima-

turidade metodológica nesse campo209

(ROSSER, 1999; AXELROD; TESFATSION, 2006;

ORMEROD; ROSEWELL, 2009). Diferentes alternativas procedimentais para a aplicação

dos MAB têm sido propostas nos últimos anos, e o trabalho na área está em franco anda-

mento. Isso resulta, no momento, na ausência de protocolos amplamente compartilhados ou

de quadros analíticos unificados (GARAVAGLIA, 2010).

Um problema particularmente importante, e não resolvido, é a necessida-de de garantir que os resultados dos experimentos da ACE reflitam aspec-

tos fundamentais do problema considerado e não simplesmente as peculia-

ridades do [modelo de simulação] ou da linguagem de programação parti-culares utilizados para implementar os experimentos [TESFATSION,

2003, p. 267].

209 Questões associadas com a incapacidade estrutural dos MAB de lidar com algumas das premissas usuais

da teoria neoclássica, como a análise de equilíbrio e agentes hiper-racionais, são também levantadas (PYKA;

FAGIOLO, 2005).

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A questão levantada por Tesfatsion (ibid.), uma crítica frequente, diz respeito

ao potencial para a adoção de premissas arbitrárias e a sobreparametrização dos MAB210

(PYKA; FAGIOLO, 2005; ARTHUR, 2006; YOON; LEE, 2009). Argumenta-se que, com

o incremento do número de graus de liberdade, os modelos de simulação poderiam ser con-

figurados para produzir quaisquer resultados desejados pelo modelista, independentemente

das suas características estruturais. “[C]omo os estudos fora do equilíbrio requerem mode-

lagem detalhada de como o comportamento individual se ajusta (e como os agentes intera-

gem), eles encorajam pressupostos comportamentais que são ad hoc” (ARTHUR, 2006, p.

1555). Mesmo quando se adota o procedimento de calibração dos parâmetros com dados

empíricos, como na estratégia history-friendly, parcela considerável deles não costuma dis-

por das informações quantitativas necessárias.

Autores como Valente (2002) minimizam essa crítica, reforçando que modelos

estruturalmente bem projetados são menos sujeitos à influência dos parâmetros, pelo menos

quando eles são razoavelmente próximos de valores qualitativamente compatíveis com a

experiência empírica. Outros acadêmicos, ainda, fazem recomendações específicas sobre

como reduzir esse tipo de problema, por meio da análise de sensibilidade dos resultados e

da simulação Monte-Carlo das constelações de parâmetros (PYKA; FAGIOLO, 2005). Por

fim, abordagens metodológicas mais recentes endereçaram o tema com a redução delibera-

da da dimensão do espaço de parametrização, especialmente pela aplicação de instrumental

proveniente da teoria da complexidade, como os algoritmos genéticos (AXELROD, 1997;

FRENKEN, 2006).

A proposta dos MHF, com a construção de modelos em diálogo com a evidên-

cia empírica, é um exemplo importante de método para mitigação da potencial arbitrarieda-

de dos MAB (MALERBA, 2010). Apesar disso, autores como Windrum (2007) questionam

a eficácia da metodologia dos MHF. O ponto crítico, para eles, está no caráter contestável

da própria história. “A história não é simplesmente uma coleção de ‘fatos’ cujo significado

é reconhecido e acordado pelos historiadores. A escrita da história é, em si, um processo

criativo no qual muitos fragmentos de ‘dados’, transmitidos desde o passado até nós, são

210 Deve ser ressaltado que a questão não se restringe aos modelos de simulação, alcançando também outras

metodologias de modelagem, como os modelos analíticos convencionais (WINDRUM; FAGIOLO; MONE-

TA, 2007).

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filtrados pelo historiador” (ibid., p. 430). A questão da parcialidade intrínseca dos relatos

históricos reforça a importância da qualidade da pesquisa, como base dos MHF, e as limita-

ções às quais estão sujeitas a validação dos seus resultados. Isso requer que o modelista, de

um lado, evite restrições prematuras nos modelos e, de outro, crie neles suficiente flexibili-

dade para considerar cenários alternativos.

O recurso à história não pode garantir soluções para todos os nossos pro-blemas de modelagem. Ele não necessariamente nos ajudará a identificar

as dinâmicas que dão origem a um conjunto de objetos incondicionais, ou

nos dirá como modelar corretamente o comportamento dos agentes, suas rotinas de aprendizagem, regras de interação e assim por diante [WIN-

DRUM, 2007, p. 431].

Além disso, uma vez que as definições de modelagem e os procedimentos de

teste são escolhas particulares do analista, em que medida elas podem ser consideradas co-

mo “determinadas” pelo processo histórico? Se a própria realização da história pode repre-

sentar um caso limite das alternativas concretas então disponíveis para o sistema econômico

em estudo – e, portanto, de replicação improvável –, como avaliar os resultados globais do

modelo a partir apenas dessa realização específica? Novamente citando Windrum (2007):

[I]mplementar simulações que repliquem a história ou divirjam dela re-

quer uma história “típica”. Não obstante, uma história típica, ou seja, uma

história invariante que seja comum para todas as firmas, não existe. Por isso, deve-se recorrer a algum tipo de descrição “estilizada” dos eventos.

Isso pode ser uma descrição estilizada da indústria em geral, ou então uma

descrição estilizada de uma firma particular. A escolha é arbitrária [p. 429].

Existem outras questões metodológicas em aberto, como a conveniência de

adoção de modelos genéricos ou especializados, as melhores formas de comunicação entre

pesquisadores sobre os resultados (estatísticas, gráficos etc.) e os métodos preferenciais

para validação com dados empíricos (TESFATSION, 2006). Isso pode ser facilmente cons-

tatado pela heterogeneidade e comparabilidade restrita entre os modelos existentes, pela

insuficiente padronização das técnicas de construção e mensuração ou pela relação proble-

mática entre modelos e dados empíricos (WINDRUM; FAGIOLO; MONETA, 2007).

A superação das dificuldades apontadas é tema de diversos trabalhos na área de

metodologia, tanto para a padronização das técnicas de construção e comparação dos mode-

los (VALENTE, 2002; ORMEROD; ROSEWELL, 2004; TESTFATSION, 2006; BREN-

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NER, 2006) quanto para sua calibração e avaliação com dados empíricos (WERKER;

BRENNER, 2004; WINDRUM; FAGIOLO; MONETA, 2007). À medida que as diferentes

direções de pesquisa avançam, entretanto, protocolos compartilhados e plataformas de de-

senvolvimento e análise unificadas são esperados para a ACE (YOON; LEE, 2009; GA-

RAVAGLIA, 2010).

3.2. Especificação do modelo

O objetivo do modelo de simulação é a compreensão dos mecanismos que

eventualmente produzam a replicação qualitativa dos fatos estilizados, apresentados no

Capítulo 1, a partir das hipóteses do quadro teórico, definido no Capítulo 2. Para que essas

hipóteses sejam adequadamente avaliadas, o modelo deve ser especificado e construído de

forma a respeitar as premissas adotadas pelo quadro teórico, para que simule sobre cenários

semelhantes àqueles abordados pela teoria, pois de outro modo seria impossível a compara-

ção entre os resultados e as hipóteses teóricas. A emergência de propriedades agregadas no

modelo, que confirmem – ou rejeitem – essas hipóteses, será o principal instrumento analí-

tico. Testadas as hipóteses intermediárias, a avaliação da hipótese central da tese torna-se,

então, decorrência imediata, como desenvolvido no Capítulo 4.

O modelo proposto não visa replicar a realidade histórica do setor de internet no

nível dos dados empíricos quantitativos. Apesar de MHF calibrados quantitativamente se-

rem potencialmente factíveis (WERKER; BRENNER, 2004), o objetivo aqui é a represen-

tação qualitativa do desenvolvimento setorial.211

Essa opção favorece a construção de um

modelo parcimonioso em termos de parâmetros de ajuste. Além da crítica metodológica já

apresentada (WINDRUM; FAGIOLO; MONETA, 2007), o número excessivo de parâme-

tros representa um problema prático para a programação, a depuração e a análise (GARA-

VAGLIA, 2004). Sempre que possível, os MAB devem “explorar o conjunto mais simples

de premissas comportamentais requeridas para gerar os padrões macro de interesse expla-

natório” (MACY; WILLER, 2002, p. 146). Isso simplifica a calibração e reduz a complexi-

dade e a subjetividade da avaliação dos resultados.

211 A limitação tem origem nos recursos necessários – de tempo e de dados empíricos – para a calibração e a

validação quantitativa do modelo. Por outro lado, a calibração e a validação quantitativa não são pré-

requisitos da metodologia dos MHF (GARAVAGLIA, 2010; MALERBA, 2010).

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175

Serão modelados dois mercados, o de serviço de acesso e o de bens de capital

para construção das redes dos prestadores. Considerou-se suficiente esse escopo, uma vez

que a dinâmica em torno do produto “serviço de acesso” se dá, essencialmente, no eixo

desses mercados. Esse recorte está, portanto, de acordo com o recomendado pela aborda-

gem dos sistemas setoriais de inovação e produção, descrita na Seção 1.1.

O restante da seção desenvolverá o segundo e o terceiro pontos do roteiro pro-

posto anteriormente:212

(i) a definição da estratégia de modelagem; e (ii) a explicitação

formal dos objetos que comporão o modelo. O quarto ponto, a implementação do sistema

de simulação, será desenvolvido na próxima seção.

3.2.1. Estratégia de modelagem

Um modelo de simulação é uma imitação simplificada dos processos que o ana-

lista considera mais importantes para a reprodução do sistema. A partir da primeira tentati-

va de configuração, inicia-se um procedimento iterativo até que todos os detalhes conside-

rados essenciais estejam representados. Um modelo precisa ser dinamicamente completo

para funcionar, ou seja, “deve ser capaz de se desenvolver ao longo do tempo somente com

base nas interações dos agentes, sem intervenções adicionais do modelista” (TESFATSI-

ON, 2006, p. 837). Essa restrição dos sistemas computacionais, de um lado, favorece a con-

sistência, mas, de outro, requer a especificação de detalhes que não seriam essenciais para a

análise formal.213

O modelo é definido em termos de séries temporais, representando as variáveis

de estado selecionadas para representar os processos em questão. As séries utilizadas são

definidas em tempo discreto. O formato geral de uma variável de estado está mostrado em

(21). 𝑋𝑡 representa uma variável qualquer no instante 𝑡, 𝒁𝑡 é o vetor contendo todas as de-

mais variáveis do modelo nesse instante e 𝛼 é o vetor de parâmetros.

𝑋𝑡 = 𝑓(𝑋𝑡−ℎ ,𝒁𝑡−𝑘, 𝛼), 0 ≤ ℎ ≤ 𝑡 − 1, 0 ≤ 𝑘 ≤ 𝑡 (21)

212 O primeiro ponto do roteiro foi desenvolvido no Capítulo 1. 213 Exemplos de detalhes normalmente considerados implícitos na análise formal são as apurações contábeis

das firmas (estoques de produto, de capital e dívida, fluxos de caixa etc.) e indicadores e agregados setoriais.

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Uma “rodada” é representada por uma sequência temporal completa do conjun-

to de todas as variáveis de estado que descrevem o modelo, na forma {𝑋0, 𝑋1, 𝑋2, … , 𝑋𝑇},

com 𝑇 representando o horizonte temporal de simulação. Portanto, o modelo proposto é

orientado pelo tempo (time driven), e não pelos eventos simulados (event driven). Logo,

eventos contemporâneos são supostos como ocorrendo simultaneamente, em qualquer mo-

mento 𝑡. Assim, cada variável 𝑋 pode assumir apenas um valor (numérico) em 𝑡, a partir do

cálculo da equação de estado (21) correspondente. A estrutura do modelo descreve, justa-

mente, como as variáveis de estado nos instantes 0, 1, 2, . . . , 𝑡 − 1 são utilizadas na defini-

ção das variáveis no tempo 𝑡.

Vale notar que os eventos contemporâneos, entre 𝑡 − 1 e 𝑡, “convergem” para o

instante 𝑡. No caso particular em que 𝑘 = 0 em (21), torna-se crítica a ordem pela qual as

variáveis são avaliadas. Isso deve ser considerado durante a especificação das funções 𝑓,

para tornar a análise não ambígua. Para tanto, a estrutura de defasagens de cada variável 𝑋𝑡

necessita ser construída de modo a evitar situações em que a sequência de avaliação das

variáveis seja importante. Por fim, o sistema computacional que programa o modelo precisa

detectar dessas situações, facilitando a correção de cenários problemáticos.

A representação dos agentes no modelo pressupõe a configuração de atributos

específicos de “inteligência”. Conforme a recomendação de Pyka e Fagiolo (2005), eles

devem dispor, pelo menos, de: (i) autonomia, com os agentes operando sem o controle dire-

to dos outros;214

(ii) habilidade social, no sentido deles poderem estabelecer interações

competitivas e cooperativas com os demais; (iii) reatividade, ou a capacidade de percepção

do ambiente e de resposta a ele; e (iv) proatividade, que os habilita a tomar iniciativas –

como escolher estratégias e inovar – e não apenas se adaptar às circunstâncias.

Os pontos acima indicam que os atores na simulação são capazes não

apenas de adaptar seu comportamento para um dado conjunto de circuns-

tâncias, mas que eles são também, em um sentido neoschumpeteriano, ca-pazes de aprender a partir da própria experiência e de modificar seu com-

portamento criativamente, de forma a mudar as próprias circunstâncias.

[...] Não é apenas a dotação de recursos que formatam a natureza dos ato-res, são suas rotinas individuais que dão origem a uma grande parte da he-

terogeneidade dos atores [PYKA; FAGIOLO, 2005, p. 18-19].

214 Se existe controle direto, não seria necessário modelar o agente no MAB, pois ele poderia ser configurado

como subsistema de outro agente, sem prejuízo analítico e com simplificação da modelagem.

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177

Os agentes são modelados no formato de objetos215

da linguagem de programa-

ção empregada. Cada objeto representando um agente (um indivíduo, uma firma, uma tec-

nologia etc.) contém todas as variáveis que definem o seu estado individual (microestado).

Objetos, porém, não têm sua utilização restrita à representação de agentes. Objetos conten-

do outros objetos são usados para representar elementos agregados do sistema (conjunto

das firmas, conjunto dos usuários, mercado, indústria) ou outras entidades relevantes, como

o conjunto de tecnologias disponíveis. Essa organização hierárquica dos objetos é essencial

para a observação de propriedades emergentes agregadas durante a simulação.

Uma mesma variável de estado, com diferentes instâncias contidas em múlti-

plos objetos, será representada por um vetor �⃗⃗� 𝑡 como em (22). Apesar disso, a atualização

temporal de cada instância pode ocorrer – e geralmente ocorre – de modo independente.

�⃗⃗� 𝑡 = {𝑋𝑡1, 𝑋𝑡

2, … , 𝑋𝑡𝑛} (22)

Para tornar os modelos não ambíguos, diversos cuidados na modelagem são su-

geridos na bibliografia (VALENTE; CIARLI; LORENTZ, 2010) e foram adotados. Por

exemplo, os parâmetros 𝛼 não são alterados exogenamente em uma rodada, mas podem ser

modificados endogenamente ao longo da simulação em situações específicas. As funções 𝑓,

que definem as transições de estados, não se alteram, sendo possível, entretanto, a seleção

endógena entre mais de uma especificação para uma dada função (𝑓1, 𝑓2 , … , 𝑓𝑛), escolhida

conforme o estado global do sistema 𝒁𝑡−𝑘 no instante 𝑡, 0 ≤ 𝑘 ≤ 𝑡.

Por fim, um esquema apropriado de atualização dos microestados dos agentes é

necessário. Como no modelo nenhuma variável é atualizada mais do que uma vez a cada

período, isso equivale a dizer que os agentes modelados não podem “reconsiderar” seus

estados individuais durante o período 𝑡 e, portanto, a ordem pela qual as múltiplas variáveis

são atualizadas é importante.216

Outra característica do arranjo proposto para a atualização é

sua natureza paralela, ou seja, todos os agentes têm a oportunidade de atualizar os microes-

215 Objetos são “contêineres” de estruturas de dados heterogêneas, ao contrário dos vetores, que organizam informações homogêneas. Representações baseadas em objetos são recursos computacionais que permitem o

tratamento organizado de informações complexas como unidades identificáveis. 216 Obviamente, a adoção de decisão simultânea é uma conveniência prática ao adotar um processo em tempo

discreto. Em um modelo de simulação em tempo “contínuo”, essa restrição poderia, naturalmente, ser relaxa-

da, mas ao custo do aumento expressivo da complexidade técnica e analítica do modelo.

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178

tados em cada intervalo 𝑡. Isso é crítico para garantir que eles possam atuar sobre os mes-

mos conjuntos de informação. A operação computacional do esquema de atualização será

realizada pela plataforma técnica selecionada, descrita na Seção 3.3.

3.2.2. Modelagem dos objetos

Duas classes principais de agentes são modeladas: provedores de serviço de

acesso à internet (firmas) e seus consumidores-usuários (pessoas). Ambas as classes são

compostas por indivíduos heterogêneos, cuja população pode variar ao longo do tempo.

Isso configura um sistema de simulação multiagente, na definição de Windrum (2007).

Diferentemente dos modelos evolucionários de primeira geração, o modelo

proposto define explicitamente agentes do tipo consumidor – ou usuários – com preferên-

cias heterogêneas. Isso traz duas vantagens: a possibilidade de modelagem da adoção gra-

dual e a eliminação da necessidade de uma replicator equation217

explícita. O emprego de

uma curva exógena de adoção,218

por uma população heterogênea de consumidores poten-

ciais, permite caracterizar de forma mais realista a dinâmica do mercado para difusão de

novos produtos, especialmente na sua fase inicial de rápido crescimento (SHAPIRO; VA-

RIAN, 1999/2002). Ao se modelar detalhadamente o processo de busca dos usuários, é via-

bilizada a representação de processos complexos de decisão do consumidor, como o uso de

sua rede social. Outra vantagem é a maior transparência da emergência das participações de

mercado (market shares) das firmas e dos nichos de mercado. Abordagem semelhante foi

adotada por outros autores (WINDRUM; BIRCHENHALL, 1998; MALERBA et al., 1999;

ORMEROD; ROSEWELL, 2004).219

A dinâmica geral do modelo é relativamente simples. Os provedores de acesso

interagem entre si, acompanhando as ofertas (preço e qualidade) e as estratégias (investi-

mento e preço) das outras firmas no mercado. Os consumidores inter-relacionam-se tanto

217 A replicator equation é uma forma usual de modelagem do processo de seleção evolucionária. Ela define a

taxa de crescimento das firmas, de acordo com sua “aptidão” relativa (METCALFE, 1998). Quando ela é

explícita, é possível abstrair-se os detalhes da demanda com a premissa de consumidores homogêneos (DOSI; NELSON, 2010), o que não é o caso aqui. 218 Foi modelado crescimento da demanda (mercado potencial) do tipo “epidêmico”, na forma de uma curva

logística, adequada para representar esse tipo de fenômeno (YOUNG, 2009; MORONE; TAYLOR, 2010). 219 Apesar de semelhantes na estratégia de abordagem – usuários com preferências heterogêneas definem a

demanda endogenamente –, os modelos empregam formas distintas para modelar a escolha do usuário.

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179

com os provedores (comparando ofertas e contratando serviços) como entre si (obtendo

informação sobre qualidade). A interação entre consumidores acontece dentro de uma rede

esparsa (gerada exogenamente). Os detalhes sobre como essas interações são utilizadas

pelos agentes, para definir seus comportamentos, serão apresentados a seguir.

O serviço de acesso à internet é oferecido pelos provedores aos usuários, com

preços e qualidades diferenciados. O consumidor o contrata por certo número de períodos.

Em um instante 𝑡, cada provedor disponibiliza somente uma oferta, com qualidade e preço

fixos. O preço de um provedor se aplica apenas para os consumidores que contratam o ser-

viço em 𝑡, e perdura ao longo de seus contratos. A qualidade é sempre homogênea (mas

variável ao longo do tempo) para todos os usuários de um mesmo provedor, independente-

mente de quando o contrato foi firmado.220

Os usuários selecionam o melhor provedor, de

acordo com seu perfil (heterogêneo) de preferências por preço e qualidade, além da in-

fluência dos outros usuários e do orçamento disponível.

A dinâmica tecnológica do serviço de acesso é gerada endogenamente no setor

de internet, mas exogenamente ao mercado de acesso. O mercado de equipamentos, que

fornece os bens de capital para construção das redes dos provedores, está modelado de for-

ma simplificada. Nesse caso, o modelo simula diretamente o resultado – estilizado – da

trajetória tecnológica esperada, com a premissa de concorrência schumpeteriana (nesse

segmento específico), conforme o Capítulo 2.

A estrutura de dados do modelo está representada na Figura 27. No nível supe-

rior de organização, ela é composta por elementos que representam agregações dos objetos

do plano intermediário. O objeto “EndUsers” é constituído por todos os objetos do tipo

“User” (usuários), materializando a rede social que define a demanda agregada do mercado

de acesso. O objeto “AccProviders” contém os objetos “Provider”, representando o lado da

oferta do mercado. “NetEqTechnologies” agrupa as tecnologias de rede disponíveis, mode-

lando o espaço de alternativas tecnológicas no mercado de equipamentos de rede. Em pa-

tamar intermediário encontram-se os objetos que correspondem aos agentes: “Provider”,

para as firmas provedoras de serviço de acesso à internet; “User”, para os indivíduos usuá-

220 Como discutido no Apêndice A, os usuários de um mesmo provedor usualmente compartilham uma única

estrutura de rede, independentemente de quando e em que condições particulares o serviço foi contratado.

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180

rios e nós da rede de relacionamento social; e “Technology”, para as distintas tecnologias

que podem ser utilizadas pelos provedores de acesso para a construção de suas redes de

prestação de serviço. O modelo dispõe ainda de elementos do tipo “Network” e “Link”, em

nível de agregação inferior ao dos agentes e estão agrupados – em múltiplas instâncias –

dentro de objetos do tipo “Provider” e “User”, respectivamente. Os do tipo “Network” re-

fletem as redes operadas por um dado provedor, para cada tecnologia. Já os do tipo “Link”

definem os laços de amizade de cada usuário com os demais e, no seu conjunto, são as ares-

tas do grafo que modela a rede social dos consumidores.

Figura 27 – Estrutura de dados do modelo de simulação proposto.

(rótulo da classe do objeto no sistema de simulação entre parênteses)

Fonte: análise do autor.

A descrição técnica detalhada de todos os objetos e da sua estrutura interna está

disponível no site do modelo na internet (PEREIRA, 2014a).

3.2.2.1. Dinâmica temporal das regras comportamentais

A dinâmica, entre cada intervalo discreto de tempo, é gerada a partir da aplica-

ção de regras de comportamento individual no conjunto de objetos. O encadeamento geral

entre essas regras está representado na Figura 28.

Internet

Fornecedores de equipamentos e

sistemas (NetEqTechnol.)

Tecnologia 1 (Technology)

Tecnologia n (Technology)

Provedores de acesso

(AccProviders)

Provedor 1 (Provider)

Rede 1 (Network)

Rede n (Network)

Provedor n (Provider)

Usuários (EndUsers)

Usuário 1 (User)

Relação 1 (Link)

Relação n (Link)

Usuário n (User)

... ... ...

... ...

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Figura 28 – Estrutura lógica de encadeamentos dos módulos do modelo.

Fonte: análise do autor.

Em resumo, em cada período 𝑡, a dinâmica do modelo envolve os seguintes

passos:

a) o fornecedor de equipamentos de rede realiza busca tecnológica (P&D), para

incrementar a produtividade das tecnologias existentes e para, eventualmente,

lançar novas tecnologias, mais produtivas do que as até então disponíveis;

b) entrantes potenciais heterogêneos avaliam a conveniência (rentabilidade e opor-

tunidade) de entrada no mercado e, em caso positivo, dimensionam sua capaci-

dade de rede inicial e selecionam uma estratégia (de investimento e preço);

c) provedores decidem os preços que serão praticados no período e os investimen-

tos a serem realizados (definidores da qualidade), dadas as expectativas (miópi-

cas) de acréscimo ou decréscimo de usuários e a estratégia corrente;

Estoque capital (capacidade rede)

Qualidade

Preço

Estratégia comercial

Estratégia investimento

Lucro

Planejamento de rede

Receita

Custo

Oferta

Demanda Escolhas usuários

Preferências

Fluxo caixa

Crédito

Novas tecnologias

Aumento produtividade

Busca tecnológica

Base de conhecimento

Rede social

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182

d) novos usuários heterogêneos entram no mercado, enquanto a saturação não é

atingida (curva logística exógena);

e) usuários formam sua avaliação sobre a qualidade do provedor atual (se existir) e

dos provedores utilizados pelos seus relacionamentos diretos (rede social);

f) usuários sem provedor – ou com contrato encerrado – escolhem seu provedor,

de acordo com suas preferências no espaço preço x qualidade e seu orçamento;

g) provedores decidem a forma de financiamento dos investimentos e de utilização

dos eventuais lucros para amortizar dívidas, de acordo com suas capacidades;

h) provedores falidos ou pequenos demais deixam o mercado, encerrando os con-

tratos de seus usuários (que devem buscar novos provedores); e

i) provedores avaliam seus resultados (periodicamente) e eventualmente trocam

de estratégia (de investimento e preço), considerando o desempenho dos prove-

dores em seu grupo (incumbente ou entrante).

3.2.2.2. Oferta

No mercado de acesso do modelo, o lado da oferta é composto por 𝑁𝑡𝑝𝑟𝑜𝑣

pro-

vedores em cada período 𝑡. 𝑁𝑡𝑝𝑟𝑜𝑣

varia ao longo do tempo, nos momentos em que as fir-

mas entram e deixam o mercado. Qualquer provedor 𝑖 oferece no mercado seu serviço de

acesso à internet em todos os instantes 𝑡, definindo um preço 𝑃𝑡𝑖.

221 Ao escolher o provedor

𝑖, o consumidor 𝑘 contrata por um prazo fixo de duração 𝑇𝑡𝑘, definido no instante da contra-

tação, 222

pagando em cada período um o valor fixo �̃�𝑡𝑘 = 𝑃

𝑡0𝑘𝑖 , sendo 𝑡0

𝑘 quando se deu a

contratação. Alterações posteriores do preço (𝑃𝑡0+ℎ𝑖 , ℎ > 1) do provedor 𝑖 somente são

aplicadas aos contratos de novos clientes ou nas renovações dos antigos, após o término de

𝑇𝑡𝑘. A forma como 𝑃𝑡

𝑖 é determinado será descrita na Seção 3.2.2.6.

É suposto que o provedor 𝑖 apresenta apenas uma oferta de serviço de acesso à

internet no período 𝑡.223 Ela é composta por uma combinação de preço 𝑃𝑡

𝑖 e de qualidade

221 O modelo impõe, ainda, um limite nocional para os preços praticados pelos provedores, 𝑃𝑚𝑎𝑥. 222 Sorteado caso a caso a partir de uma distribuição normal, com média e variância parametrizadas. 223 Essa simplificação, em comparação ao mercado real, não é tão significativa como pode parecer a princípio.

Não se trata do provedor fornecer, por exemplo, apenas uma única velocidade de acesso, mas sim garantir um

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183

planejada �̂�𝑡𝑖. O provedor 𝑖 tem liberdade para definir o ajuste entre o 𝑃𝑡

𝑖 e �̂�𝑡𝑖, segundo sua

estratégia de negócio e as condições do mercado.224, 225

𝑀𝑡𝑖 = (

�̅�𝑡𝑖

𝑄𝑡𝑖)

𝑞

, 0 < q ≤ 1 (23)

A qualidade efetiva 𝑀𝑡𝑖 dos serviços oferecidos aos consumidores é inversamen-

te proporcional à intensidade de utilização da capacidade física total instalada da rede �̅�𝑡 𝑖

de cada provedor 𝑖, conforme (23) (ver Apêndice A para detalhes). Assim, à medida que 𝑖

aumenta a capacidade �̅�𝑡 𝑖 de sua rede mais rapidamente do que cresce sua base efetiva de

usuários 𝑄𝑡𝑖, a qualidade 𝑀𝑡

𝑖 de seu serviço aumentará e vice-versa. �̅�𝑡 𝑖 é escolhida a partir

da qualidade planejada �̂�𝑡𝑖 para atender a demanda esperada �̂�𝑡

𝑖. Por definição,226

uma uni-

dade de capacidade física de rede é projetada pelo fabricante de equipamentos para supor-

tar, de forma adequada, o consumo de um usuário. 𝑞 é um parâmetro fixo e representa a

característica usual de não linearidade entre capacidade e qualidade percebida.227

A rotina

de investimento em capacidade instalada �̅�𝑡 𝑖 é descrita na Seção 3.2.2.4.

3.2.2.3. Demanda

O lado da demanda, no modelo, é representado por uma população variável de

𝑁𝑡𝑢𝑠𝑒𝑟 consumidores-usuários, organizados em uma rede social não homogênea. O número

mesmo nível de serviço – como discutido no Apêndice A – para todos os usuários, independentemente das

velocidades de acesso individual. Esse é, em geral, o caso da maioria dos provedores reais. 224 Não há inovação de produto no modelo, apenas mudanças de preço e qualidade, por causa da natureza do serviço considerado. O que normalmente se associa como “inovação de produto” no mercado de acesso à

internet, como a introdução da banda larga ADSL, 3G etc., é modelado simplificadamente como inovação de

processo, ou seja, uma forma mais barata de transportar mais bits, mais rapidamente. 225 Na prática, essa especificação faz com que o mercado possa se fragmentar em nichos, com provedores

oferecendo serviços de maior (ou menor) qualidade por preços acima (ou abaixo) da média, buscando atender

grupos de usuários que dão peso maior (ou menor) à qualidade. O número de nichos vai depender, natural-

mente, do grau e da forma de dispersão dos pesos atribuídos pelos usuários, constantes ao longo da simulação. 226 O equipamento de rede é projetado de forma a que uma unidade de capacidade seja a oferta considerada

“adequada” para atender a demanda média de um usuário. Dessa forma, por exemplo, um provedor que dis-

ponha de uma rede com 1.000 unidades de capacidade e atenda 1.000 usuários com essa capacidade terá qua-

lidade equivalente a 1. Essa escolha padroniza a capacidade física dos equipamentos em função da demanda de utilização da rede pelos usuários, eliminando a necessidade de representação, em separado, da forma que

essa demanda varia ao longo da simulação. 227 A questão da medida da qualidade de rede, na perspectiva do usuário, é complexa, dadas as diferentes

aplicações utilizadas pelos usuários. Isso torna o processo de planejamento e configuração da rede bastante

complicado, tanto na perspectiva técnica quanto na econômica (KRUSE, 2009). Ver Apêndice A.

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184

de usuários 𝑁𝑡𝑢𝑠𝑒𝑟 cresce com o tempo, ao longo de uma curva de adoção logística, definida

exogenamente com base em parâmetros determinados empiricamente.

Em termos representacionais, o conjunto dos consumidores,

𝑉 = {1, … , 𝑘, … ,𝑁𝑡𝑢𝑠𝑒𝑟}, é composto pelos nós (ou vértices) de um grafo e 𝐸 é o conjunto

de ligações (ou arestas) entre eles. Essa rede é representada por um grafo 𝐺 = (𝑉, 𝐸), não

direcionado e não ponderado. Equivalentemente, podemos descrever o grafo como

𝐺 = (𝑉, 𝒆), 𝒆 = [𝑒𝑘𝑙], 𝑘 ≠ 𝑙, é a matriz de adjacência 𝑁𝑡𝑢𝑠𝑒𝑟 × 𝑁𝑡

𝑢𝑠𝑒𝑟, que lista quais vérti-

ces 𝑘 e 𝑙 (consumidores) estão conectados (possuem relacionamento entre si), com 𝑒𝑘𝑙 = 1,

ou não, quando 𝑒𝑘𝑙 = 0. A matriz de adjacência, representando a topologia da rede, é gera-

da exogenamente e permanece constante ao longo da simulação.

𝐵𝑡𝑘 = (1 + 𝑔𝐵)𝐵𝑡−1

𝑘 (24)

Cada usuário 𝑘 dispõe de um orçamento fixo 𝐵𝑡𝑘 para a contratação do serviço

de acesso, que varia com taxa 𝑔𝐵 ao longo do tempo conforme (24). 𝑔𝐵 é suposta igual para

todos os usuários. Portanto, a demanda potencial agregada do modelo é exógena, dada pela

despesa total máxima, calculada sobre 𝐵𝑡𝑘 alocado os 𝑁𝑡

𝑢𝑠𝑒𝑟 usuários potenciais no período

𝑡. Como eles podem contratar preços inferiores a 𝐵𝑡𝑘 – ou não contratar nada –, a demanda

efetiva é normalmente menor do que a demanda potencial. Como já visto, o preço �̃�𝑡𝑘 per-

manece constante até o fim do prazo contratual 𝑇𝑡𝑘, sendo atualizado (para o preço corrente)

apenas nesse momento, mesmo que seja mantido o provedor anterior.

A seleção do provedor 𝑖 pelo usuário 𝑘 se dá com base na maximização local da

utilidade 𝑈𝑡𝑖,𝑘

oferecida pelo conjunto de provedores no momento da contratação. A utilida-

de é representada por uma função CES (constant elasticity of substitution) Cobb-Douglas

tradicional em (25).228

Os parâmetros 𝑏1𝑘 , 𝑏2

𝑘 e 𝑏3𝑘 são exógenos, heterogêneos entre os con-

sumidores e constantes. O preço 𝑃𝑡𝑖, normalizado pelo preço médio ponderado do mercado

�̅�𝑡, é considerado no cálculo da utilidade 𝑈𝑡𝑖,𝑘

(preço menor é preferível).

228 A utilização de funções de utilidade contínuas sofre críticas por sua pouca aderência à experiência empíri-

ca (VALENTE, 2009). Apesar disso, em função da complexidade de configuração dos algoritmos mais sofis-

ticados requeridos pelas soluções mais realistas, preferiu-se adotar aqui especificação semelhante à adotado

por Malerba et al. (1999), e em acordo com a recomendação de Fonseca e Zeidan (2004).

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𝑈𝑡𝑖,𝑘 = (

�̅�𝑡−1

𝑃𝑡𝑖 )

�̃�1𝑘

(�̃�𝑡−1𝑖,𝑘 )

�̃�2𝑘

(0,5 + 𝑠𝑡−1𝑖,𝑘 )

�̃�3𝑘

,

�̃�1𝑘 = 𝜌𝑏1

𝑘 , �̃�2𝑘 = 𝜌𝑏2

𝑘 , �̃�3𝑘 = 𝜂𝑏3

𝑘 , 𝜌 =1 − 𝜂𝑏3

𝑘

𝑏1𝑘 + 𝑏2

𝑘 , 𝜂 =|N𝑝𝑟𝑜𝑣(𝑘)|

𝜃|N(𝑘)|

𝑃𝑡𝑖 > 0, 𝑏1

𝑘 + 𝑏2𝑘 + 𝑏3

𝑘 = 1, 𝑏1𝑘 ≥ 0, 𝑏2

𝑘 ≥ 0, 𝑏3𝑘 ≥ 0

(25)

A utilidade 𝑈𝑡𝑖,𝑘

considera também um componente de qualidade, o índice de

qualidade percebida �̃�𝑡𝑖,𝑘

pelo usuário 𝑘 (qualidade maior é preferível). Ele é normalizado

para o nível de qualidade definido pelos fornecedores de equipamentos, como discutido na

nota 226 acima. Valores abaixo de 1 apontam para a superutilização da rede e qualidade

inferior, enquanto os superiores a 1 indicam qualidade média superior.

�̃�𝑡𝑖,𝑘 {

~N(𝑀𝑡𝑖, 𝑒𝑑

𝑘(1 − 𝜂)𝑀𝑡𝑖) se 𝑖 ≠ 𝑃𝑟𝑜𝑣𝑡−1

𝑘

= 𝑀𝑡𝑖 se 𝑖 = 𝑃𝑟𝑜𝑣𝑡−1

𝑘, 𝑒𝑑

𝑘 ≥ 0 (26)

Na linha sugerida por Ormerod e Rosewell (2004), o usuário no modelo não

dispõe de uma referência precisa sobre a qualidade real 𝑀𝑡𝑖 da rede de cada provedor. A

qualidade percebida (retrospectivamente) do serviço do provedor 𝑖 pelo usuário 𝑘, �̃�𝑡−1𝑖,𝑘

, é

modelada como função da qualidade real, 𝑀𝑡−1𝑖 , impactada por um erro aleatório individual

(com distribuição normal e média zero), associado com a competência do usuário de avaliar

a qualidade (MALERBA, 2006). O erro não afeta a percepção do consumidor sobre o seu

provedor atual, como explicitado em (26).

Ainda em (25), toma parte do cálculo da utilidade a influência de outros usuá-

rios sobre 𝑘, recebida por meio da sua vizinhança N(𝑘) = {𝑙 ∶ 𝑒𝑘𝑙 = 1} na rede social

𝐺 = (𝑉, 𝒆), como sugerido na Seção 2.4.3.2. A primeira interferência da rede 𝐺 é mera-

mente informacional, ao reduzir em (26) a incerteza representada pela variância do erro na

avaliação da qualidade percebida �̃�𝑡𝑖,𝑘

dos provedores dos vizinhos.229

A segunda influência da rede social diz respeito à consideração do market share

𝑠𝑡𝑖,𝑘

de cada provedor 𝑖 na sub-rede N(𝑘) e é primordialmente qualitativa. Provedores des-

229 Em (26), a variância da distribuição normal utilizada para o sorteio do erro de avaliação é inversamente

proporcional à razão 𝜂 de vizinhos (decisores) na rede social que utilizam o serviço de acesso.

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conhecidos da vizinhança do usuário 𝑘 têm menor probabilidade de serem escolhidos, en-

quanto os mais “populares” serão mais preferidos. Note-se que não se trata, aqui, do fenô-

meno clássico de externalidade de rede (SHY, 2001), pois se supõe que o fato de comparti-

lhar o provedor com sua rede de relacionamentos não traz qualquer benefício concreto para

o usuário.230

Pelo contrário, essa disposição pode fazer com que a escolha recaia sobre pro-

vedor com atributos objetivos (em preço ou qualidade) inferiores, mas com elevada popula-

ridade na sua rede social, a despeito da ausência de vantagens tangíveis.

Com essa configuração, o modelo permite o exame do processo seletivo em um

espaço de três dimensões (preço x qualidade x influência da rede). À medida que 𝑏1𝑘 , 𝑏2

𝑘 e

𝑏3𝑘 variam dentro da população de consumidores (distribuição uniforme), alguns usuários

dão preferência a preço menor (𝑏1𝑘 > 𝑏2

𝑘) ou a qualidade percebida superior (𝑏1𝑘 < 𝑏2

𝑘).

Outros valorizam mais a conformidade com as escolhas do grupo social (𝑏3𝑘 > 𝑏1

𝑘 , 𝑏2𝑘). Os

usuários poderão, ainda, não contratar nenhuma firma, caso seu orçamento 𝐵𝑡𝑘 seja inferior

ao preço 𝑃𝑡𝑖 de todas aquelas com utilidade 𝑈𝑡

𝑖,𝑘 positiva. Note-se que os parâmetros 𝑏1

𝑘 , 𝑏2𝑘

e 𝑏3𝑘 são “modulados” pelo grau de penetração 𝜂 do serviço de acesso na vizinhança N(𝑘)

do usuário 𝑘 (em (25), |N(𝑘)| é o número de vizinhos e |N𝑝𝑟𝑜𝑣(𝑘)| é a quantidade de vizi-

nhos com acesso). 𝜃 é um parâmetro que representa a proporção de tomadores de decisão

na população de usuários. �̃�1𝑘 , �̃�2

𝑘 e �̃�3𝑘 são ajustados para sua soma também ser igual a um,

logo 𝑏3𝑘 aumenta seu peso à medida que o serviço se difunde.

𝑝𝑟𝑜𝑣𝑡𝑘 =

{

𝑝𝑟𝑜𝑣𝑡−1

𝑘 se 𝑡 − 𝑡0𝑘 < 𝑇𝑘

𝑝𝑟𝑜𝑣𝑡−1𝑘 se max

𝑖(𝑈𝑡

𝑖,𝑘) ≤ 𝑒𝑠𝑘𝑈𝑡

𝑝𝑟𝑜𝑣𝑡−1𝑘 ,𝑘

𝑖 | max𝑖(𝑈𝑡

𝑖,𝑘) se max𝑖(𝑈𝑡

𝑖,𝑘) > 𝑒𝑠𝑘𝑈𝑡

𝑝𝑟𝑜𝑣𝑡−1𝑘 ,𝑘

e 𝑡 − 𝑡0𝑘 ≥ 𝑇𝑘

(27)

A decisão de manter, ou não, o serviço de acesso contratado com a última firma

escolhida (𝑃𝑟𝑜𝑣𝑡−1𝑘 ) é avaliada ao fim do período 𝑇𝑡

𝑘 (duração do contrato)231

pelo usuário

𝑘. A escolha é realizada em função da utilidade 𝑈𝑡𝑖,𝑘

, descrita em (27). A mudança de pro-

230 Conforme discutido no Capítulo anterior, essa preferência está associada com a incerteza sobre os atributos

do serviço, além da questão mais objetiva da qualidade técnica 𝑀𝑡𝑖, como, por exemplo, a confiabilidade téc-

nica, a credibilidade do provedor, a sua adequação para o propósito específico do consumidor etc. 231 Em cada renovação de contrato, os usuários têm um novo período contratual 𝑇𝑡

𝑘 definido, de forma a dis-tribuir aleatoriamente os momentos de renovação na população e evitar “ondas” no sistema.

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vedor ocorre quando a melhor 𝑈𝑡𝑖,𝑘

disponível no momento, segundo a perspectiva do usuá-

rio k, for superior a um limiar (threshold) 𝑒𝑠𝑘, predefinido para cada consumidor, conforme

(27).232

Esse parâmetro representa a eventual preferência do usuário em permanecer com

seu provedor atual caso o benefício da mudança seja relativamente pequeno.233

𝑠𝑡𝑖 =

𝑄𝑡𝑖

𝑁𝑡𝑢𝑠𝑒𝑟 , 𝑁𝑡

𝑢𝑠𝑒𝑟 = ∑ 𝑄𝑡𝑖

𝑁𝑡𝑝𝑟𝑜𝑣

𝑖=1

(28)

A modelagem descrita em (27), aplicada para todos os usuários, configura uma

de seleção evolucionária do tipo replicator equation234

, de forma emergente e implícita

(METCALFE, 1998). Assim, o market share de cada provedor 𝑖 é ajustado conforme o

número de clientes adquiridos e perdidos no período 𝑡, como em (28). Provedores com as

combinações preço-qualidade-popularidade mais adequadas tenderão a conquistar market

share 𝑠𝑡𝑖 maiores e vice versa. Contudo, esse mecanismo de seleção é “moderado” tanto

pela influenciada social como pela fidelidade – ou tolerância – dos consumidores com o

provedor atual.

3.2.2.4. Rede social

Para completar a especificação da demanda, é necessário modelar o grafo

𝐺 = (𝑉, 𝒆) que representa a estrutura da rede social dos consumidores-usuários. Como não

estão disponíveis microdados empíricos sobre redes de consumo equivalentes, optou-se

pela geração de redes artificiais (ou grafos pseudoaleatórios) para uso no modelo, criadas

com base na informação empírica sobre os principais parâmetros de redes de consumidores

reais (por exemplo, telefonia celular, Facebook etc.).235

Assim, é possível a utilização de

algoritmos apropriados para a criação de grafos pseudoaleatórios “calibrados”, ou seja, que

reproduzem diversos desses parâmetros simultaneamente (ALBERT; BARABÁSI, 2002;

DOROGOVTSEV; MENDES, 2002).

232 Obviamente, a escolha se dá apenas caso a restrição orçamentária 𝐵𝑡

𝑘 seja satisfeita. 233 Essa preferência pode decorrer, entre outros motivos, da influência de fatores institucionais ou custos de migração (SHY, 2001). Sua introdução permite, ainda, o teste da importância desse atributo, frequentemente

apontada pela pesquisa empírica. 234 Ver nota 217. 235 Os grafos aleatórios gerados dessa forma representam redes “sintéticas”, similares às redes reais das quais

os parâmetros foram obtidos, sendo aleatórias apenas nas propriedades não estruturais das redes produzidas.

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188

À medida que os algoritmos geradores são capazes de reproduzir simultanea-

mente mais parâmetros, os grafos pseudoaleatórios produzidos se tornam estruturalmente

mais semelhantes com as redes que forneceram esses parâmetros.236

É sabido que os méto-

dos mais simples, como o modelo Erdős-Rényi (que reproduz apenas o grau médio dos

nós), produzem grafos que são “demasiado” aleatórios para representar as redes observadas

empiricamente (ALBERT; BARABÁSI, 2002). A pesquisa de algoritmos que permitem a

reprodução de vários parâmetros simultaneamente é bastante recente e diversificada, em

função da inexistência de uma abordagem geral para a sua criação (TABOURIER; ROTH;

COINTET, 2011). Somente uma fração desses algoritmos replica as principais característi-

cas das redes sociais humanas (GUILLAUME; LATAPY, 2006).237

O Apêndice B apresen-

ta o extensivo estudo realizado para avaliar e comparar as múltiplas opções disponíveis.

Entre as opções avaliadas, o algoritmo 2.5K-Graphs238

, proposto por Gjoka,

Kurant e Markopoulou (2013), foi selecionado.239

Esse método é utilizado, em conjunto

com os modelos clássicos, para configurar topologias alternativas da rede social dos con-

sumidores. Isso permite explorar o efeito da estrutura da rede na dinâmica do mercado de

acesso, em múltiplos cenários. O 2.5K-Graphs, é baseado na geração de grafos aleatórios

que preservam as principais características estruturais das redes sociais. Os parâmetros dire-

tamente replicados pelo algoritmo são a distribuição conjunta de grau de pares de nós da

rede (joint degree distribuion – 𝐽𝐷𝐷) e o coeficiente médio de clustering grau-dependente

(degree-dependent average clustering coefficient – 𝑐�̅�(𝑢)).

A 𝐽𝐷𝐷(𝑢, 𝑣) representa a frequência das arestas do grafo conectando nós de

grau 𝑢 com aqueles de grau 𝑣, conforme (29). Como anteriormente, 𝑉 é o conjunto de vér-

tices e 𝒆 é a matriz de adjacência de 𝐺 = (𝑉, 𝒆).

236 Os algoritmos podem ser classificados conforme a dimensão da correlação conjunta grau-dependente dos

nós da rede que são capazes de gerar: (i) grau médio; (ii) distribuição de graus; (iii) distribuição de grau con-

junta de duplas; (iv) distribuição de grau conjunta de triplas; e assim por diante (MAHADEVAN et al., 2006). 237 As quatro características críticas são: tamanho (número de vértices e bordas), distância média, clustering e

scale-freeness até certo nível (GUILLAUME; LATAPY, 2006). 238 Como o nome (2.5K) indica – de acordo com a tipologia proposta por Mahadevan et al. (2006) – o algo-ritmo replica completamente a distribuição de grau conjunta de pares de nós (2K) e o coeficiente de clustering

grau-dependente médio da rede (0.5K). 239 Alternativas interessantes, consideradas no Apêndice B, foram descartadas pela menor capacidade de re-

produção simultânea de parâmetros e pela complexidade ou ineficiência algorítmica. Entretanto, métodos

como os grafos Kronecker (LESKOVEC et al., 2010) parecem ser também promissores para pesquisa.

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189

𝐽𝐷𝐷(𝑢, 𝑣) = ∑ ∑ 1{𝑒𝑎𝑏=1}𝑏∈𝑉𝑣𝑎∈𝑉𝑢

,

𝑉𝑢 = {𝑎 ∶ deg(𝑎) = 𝑢}, 𝑉𝑣 = {𝑏 ∶ deg(𝑏) = 𝑣}, 𝑉𝑢 , 𝑉𝑣 ⊂ 𝑉

(29)

O coeficiente de clustering representa a probabilidade de que os vizinhos de um

nó 𝑘 estejam conectados entre si – e, portanto, de formarem um clique (uma tríade total-

mente conectada). Assim, pode-se calcular o coeficiente para cada vértice 𝑘:

𝑐𝑙𝑘 =2𝑇𝑔𝑘

deg(𝑘) (deg(𝑘) − 1), 𝑘 ∈ 𝑉 (30)

𝑇𝑔𝑘 é o número de triângulos que um nó 𝑘 participa no grafo 𝐺. Também é

possível calcular o coeficiente para níveis sucessivamente maiores de agregação: temos um

valor de 𝑐�̅�(𝑢) para cada subgrafo 𝑉𝑢 que contém todos os nós de 𝑉 de grau 𝑢. Ou, ainda, o

coeficiente 𝑐�̅� de todo o grafo 𝐺. Ambas as métricas são descritas em (31).

𝑐�̅�(𝑢) =1

|𝑉𝑢|∑ 𝑐𝑙𝑘𝑘∈𝑉𝑢

e 𝑐�̅� =1

|𝑉|∑𝑐𝑙𝑘𝑘

(31)

O algoritmo 2.5K-Graphs parte dos valores da matriz 𝐽𝐷𝐷(𝑢, 𝑣) e do vetor

𝑐�̅�(𝑢), obtidos por estimação com base em amostras de redes reais240

, para produzir grafos

pseudoaleatórios que preservam esses parâmetros na sua estrutura. Antes da aplicação do

método de geração, todavia, é necessário verificar a factibilidade da JDD, uma vez que não

existe garantia de que existam grafos que atendam a JDD de uma dada amostra.241

Gjoka,

Kurant e Markopoulou (2013) propuseram um algoritmo heurístico que faz pequenas alte-

rações na matriz da 𝐽𝐷𝐷 de forma a garantir que ela seja sempre realizável.242

O algoritmo de geração do grafo pseudoaleatório funciona em três passos. No

primeiro, é produzido um grafo com a 𝐽𝐷𝐷(𝑢, 𝑣) dada utilizando-se o modelo de configu-

240 Utilizam-se amostras (grandes) de redes sociais reais porque, em geral, os dados relativos às redes comple-

tas não estão disponíveis. É possível, entretanto, a geração dos parâmetros a partir de redes originais. Como

desvantagem, o uso de amostras requer, ainda o pós-processamento dos dados, para remoção de problemas usualmente introduzidos pelos algoritmos de amostragem (GJOKA; KURANT; MARKOPOULOU, 2013). 241 Obviamente, a restrição pode ser relaxada no caso dos dados terem sido gerados a partir da rede completa. 242 Segundo os autores (ibid.), em todas as simulações realizadas o algoritmo de pós-processamento alterou

sempre menos do que 3% das arestas em 𝐸.

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190

ração clássico de Molloy e Reed (1995).243

No segundo, é aplicada rotina heurística para

adicionar ao grafo um grande número de arestas “locais”, isto é, conectando nós próximos,

o que acaba criando novas tríades e aumentando significativamente o clustering. O objetivo

da rotina é, precisamente, introduzir uma elevada quantidade de tríades sem alterar a 𝐽𝐷𝐷

do grafo resultante da etapa anterior. Provavelmente, por construção, o novo grafo apresen-

tará clustering 𝑐�̅� superior ao da rede original. O terceiro passo utiliza a técnica Markov

Chain Monte Carlo (MCMC) (MAHADEVAN et al., 2006) para realizar trocas de pares de

arestas (rewiring), preservando a 𝐽𝐷𝐷 em cada câmbio, até se atingir a distribuição 𝑐�̅�(𝑢)

desejada. Como o grafo inicial possui clustering muito elevado, o processo MCMC, na prá-

tica, tem como finalidade desfazer tríades. Isso é computacionalmente bastante mais efici-

ente do que os métodos usuais de rewiring, que buscam criar tríades, principalmente porque

evitam dead-ends (“becos sem saída”) e restarts (reinícios) na etapa MCMC.

3.2.2.5. Inovação tecnológica

No modelo existem dois tipos de agentes potencialmente inovadores: o fabri-

cante de equipamentos de rede e os provedores de acesso à internet. Por isso, dois tipos de

rotinas comportamentais foram configurados. No primeiro caso, do fabricante de equipa-

mentos, como um processo estocástico de duas etapas, na tradição do modelo de Nelson e

Winter (1982/2005). Estratégia semelhante foi adotada em diversos modelos evolucioná-

rios, como os de Chiaromonte, Dosi e Orsenigo (1993), Possas et al. (2001) e Dosi et al.

(2008, 2010, 2013). No segundo caso, dos provedores, não existe componente aleatório na

rotina de busca tecnológica. É suposto que eles não realizam atividades de pesquisa e de-

senvolvimento, apenas selecionando e aplicando as inovações geradas a montante, pelo

fabricante de equipamentos.

A dinâmica de inovação é, portanto, exógena ao mercado de acesso, mas endó-

gena ao setor de internet. O progresso tecnológico está incorporado nas safras de equipa-

mentos de rede produzidos pelo fabricante, à semelhança do modelo de Silverberg e Vers-

pagen (1994). Esse fabricante tem interesse na difusão de suas safras mais recentes e in-

243 Uma das características do modelo de configuração é a geração de grafos com coeficientes de clustering

tendendo a zero, muito inferiores aos verificados em redes reais (GUILLAUME; LATAPY, 2006).

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191

forma sua existência aos provedores. Como elas são diretamente comparáveis, a cada perí-

odo existe uma melhor prática, em termos de tecnologia, que é de conhecimento de todos.

Os preços dos equipamentos de rede são, em princípio, constantes e iguais para

todas as firmas, sem previsão de descontos por escala. Entretanto, incumbentes podem dis-

por de preços descontados (segundo o parâmetro 𝑝𝑖𝑛𝑐𝑡𝑒𝑐ℎ), permitindo a modelagem da ação

de estruturas de relacionamento hierárquico que favoreçam esses provedores.244

A evidên-

cia empírica do Capítulo 1 sugere a avaliação dessa premissa.

O modelo implementa o algoritmo de busca tecnológica (P&D) do fabricante de

equipamentos de rede245

por meio de dois componentes. O primeiro é do tipo comporta-

mental – baseado em rotinas –, pelo qual o agente explora o seu ambiente de forma estrutu-

rada, na procura de inovações que permitam o aumento da produtividade das tecnologias

existentes ou a criação de novas. O segundo componente é estocástico, refletindo a natureza

incerta do processo inovador no aperfeiçoamento ou na concepção de tecnologias.

Para modelar os componentes da P&D, um procedimento em duas etapas é uti-

lizado, considerando isoladamente as contribuições de inovações incrementais regulares e

de inovações radicais periódicas. A solução é semelhante à proposta por Possas et al.

(2001). A inovação incremental é associada com as melhorias graduais da produtividade 𝑎𝑡𝑗

das safras (𝑗) de equipamentos de rede existentes, com potencial decrescente ao longo da

sua vida. A inovação radical está vinculada à criação de novas tecnologias, mais eficientes

do que as anteriores. Tanto o momento de introdução quanto o nível de produtividade de

ambas são gerados aleatoriamente.

A etapa de avanço incremental acontece mediante um processo aleatório em

dois estágios. No primeiro, para cada tecnologia 𝑗 existente, em cada período 𝑡 existe uma

probabilidade Pr(𝑑𝑡𝑗= 1) > 0 de se obter uma melhoria tecnológica incremental. Essa

probabilidade tem distribuição Poisson e é crescente no tempo, a partir da última inovação

incremental em 𝑡0𝑖𝑛𝑐𝑟,𝑗

, com parâmetro de sucesso 𝑝𝑖𝑛𝑐𝑟 como indicado em (32).

244 Conforme discutido no capítulo anterior, Seção 2.4.3.1. 245 Como já mencionado, o segmento de equipamentos de rede foi modelado de forma simplificada, configu-

rando apenas o resultado esperado de um mercado inovador em competição schumpeteriana, por meio de

apenas um fabricante de equipamentos “representativo”.

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192

Pr𝑖𝑛𝑐𝑟

(𝑑𝑡𝑗= 1)~Poisson [

(𝑡 − 𝑡0𝑖𝑛𝑐𝑟,𝑗)

𝑝𝑖𝑛𝑐𝑟] , 𝑝𝑖𝑛𝑐𝑟 > 0 (32)

Caso no primeiro estágio seja obtido o avanço incremental (𝑑𝑡𝑗= 1) da tecno-

logia 𝑗, é calculado o novo potencial de produtividade �̂�𝑡𝑗, com distribuição normal centrada

na corrente, 𝑎𝑡−1𝑗

:

�̂�𝑡𝑗~N(𝑎𝑡−1

𝑗, 𝑣𝑡

𝑗𝑎𝑡−1𝑗 ) (33)

𝑣𝑡𝑗= 𝑣𝑖𝑛𝑐𝑟 −

𝑣𝑖𝑛𝑐𝑟

1 + exp(𝑣0 (1 −𝑡 − 𝑡0

𝑗

𝑝𝑟𝑎𝑑))

, 𝑣𝑖𝑛𝑐𝑟 > 0, 𝑣0 > 0

(34)

O desvio padrão do avanço incremental decresce à medida que aumenta a idade

da tecnologia (34), representando o esgotamento da trajetória tecnológica, dada a expectati-

va de inovações radicais 𝑝𝑟𝑎𝑑. 𝑣𝑖𝑛𝑐𝑟 e 𝑣0 são parâmetros. A rotina predefinida em (35) é de

adoção da inovação obtida apenas se existir ganho em relação à produtividade atual.

𝑎𝑡𝑗= max(𝑎𝑡−1

𝑗, �̂�𝑡

𝑗) (35)

A etapa de criação de nova geração tecnológica de equipamentos, por meio de

um avanço radical, segue um processo semelhante, como explorado por Malerba et al.

(1999). Aqui, no caso de sucesso do primeiro estágio (36), o potencial de aumento de pro-

dutividade baseia-se na da melhor tecnologia correntemente disponível 𝑎𝑡𝑡𝑜𝑝

, como indica

(37). Os parâmetros 𝑝𝑟𝑎𝑑 e 𝑣𝑟𝑎𝑑 permitem a representação da (menor) probabilidade de

inovações radicais, conjugada com a (maior) potencialidade de incrementos de produtivi-

dade. Novamente, a regra comportamental (38) é de adoção da inovação gerada apenas se

sua produtividade �̂�𝑡𝑛𝑒𝑤 for superior àquela da tecnologia corrente, 𝑎𝑡

𝑡𝑜𝑝.

Pr𝑟𝑎𝑑(𝑑𝑡 = 1)~Poisson [

(𝑡 − 𝑡𝑎𝑡−1𝑡𝑜𝑝)

𝑝𝑟𝑎𝑑] , 0 < 𝑝𝑟𝑎𝑑 < 𝑝𝑖𝑛𝑐𝑟 (36)

�̂�𝑡𝑛𝑒𝑤~N[(1 + 𝑣𝑟𝑎𝑑)𝑎𝑡−1

𝑡𝑜𝑝, 𝑣𝑟𝑎𝑑𝑎𝑡−1

𝑡𝑜𝑝], 0 < 𝑣𝑖𝑛𝑐𝑟 < 𝑣𝑟𝑎𝑑 (37)

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193

𝑎𝑡𝑡𝑜𝑝

= {𝑎𝑡−1𝑡𝑜𝑝 se �̂�𝑡

𝑛𝑒𝑤 ≤ 𝑎𝑡−1𝑡𝑜𝑝

�̂�𝑡𝑛𝑒𝑤 se �̂�𝑡

𝑛𝑒𝑤 > 𝑎𝑡−1𝑡𝑜𝑝 (38)

Como a produtividade 𝑎𝑡𝑗 da tecnologia é medida pela perspectiva do provedor

de acesso, seu preço 𝑃𝑡𝑡𝑒𝑐ℎ,𝑗

é diretamente derivado de 𝑎𝑡𝑗 (39), representando, portanto, o

custo de oportunidade do provedor. Já o custo unitário de manutenção 𝑐𝑚𝑡𝑗, por período, de

cada geração tecnológica 𝑗, é uma proporção fixa 𝑐𝑚0 do preço corrente do equipamento

(40), sendo, assim, decrescente ao longo do tempo. Por fim, é assumida a presença de uma

escala mínima 𝑄𝑚𝑖𝑛𝑗

para implantação,246

calculada em (41) com base naquela da tecnologia

anterior, 𝑄𝑚𝑖𝑛𝑗−1

, como uma fração do aumento da produtividade 𝑎𝑡𝑗 sobre 𝑎𝑡

𝑗−1. Logo, a esca-

la mínima é crescente no decorrer do tempo, em acordo com dados empíricos.

𝑃𝑡𝑡𝑒𝑐ℎ,𝑗

=1

𝑎𝑡𝑗 (39)

𝑐𝑚𝑡𝑗= 𝑐𝑚0𝑃𝑡

𝑡𝑒𝑐ℎ,𝑗, 0 < 𝑐𝑚0 < 1 (40)

𝑄𝑚𝑖𝑛𝑗

= 𝑄𝑚𝑖𝑛𝑗−1

(𝑎𝑡𝑗

𝑎𝑡𝑗−1) (41)

3.2.2.6. Preços e estratégia competitiva

O comportamento das firmas é modelado segundo uma abordagem tecnológica

evolucionária. Entretanto, a evidência empírica tem mostrado que a inovação organizacio-

nal é tão ou mais importante do que a tecnológica em diversos setores (DOSI; NELSON,

2010). No modelo, a inovação organizacional será representada pela dinâmica, relativamen-

te lenta em relação aos demais processos do mercado,247

das estratégias técnico-comerciais,

fontes potencialmente relevantes de heterogeneidade.

Os provedores no modelo buscam – no longo prazo – um nível satisfatório (“sa-

tisficing”) da taxa de retorno do investimento médio por usuário, 𝑚𝐿𝑖 , enquanto, simultane-

246 Existência de escalas mínimas para implantação de equipamentos de rede é uma constatação empírica. 247 A inovação organizacional, pelo menos no modelo, apresenta importantes limites no que diz respeito tanto

à frequência como aos requisitos necessários para que uma firma altere sua estratégia, como exposto a seguir.

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194

amente, procuram conquistar o maior market share 𝑠𝑡𝑖 compatível com esse objetivo. Para

perseguir essa dupla meta, eles ajustam heuristicamente suas metas – de curto prazo – para

o preço desejado �̂�𝑡𝑖 e a qualidade-alvo �̂�𝑡

𝑖. O modelo simula firmas razoavelmente “inteli-

gentes” (mas não maximizadoras), empregando algoritmos heurísticos simples que regulam

essas duas variáveis.248

Isso permite que as firmas, por comportamento adaptativo, utilizem

diferentes rotinas para implementar suas estratégias, ou seja, busquem de estratégias melho-

res no insucesso da corrente (BRENNER, 2006). A Tabela 4 lista as estratégias disponíveis.

Tabela 4 – Estratégias disponíveis para os provedores modelados.

Número Estratégia Tipo Descrição

1 Share máximo,

retorno alvo I/E

Maximizar market share, se possível atingindo meta de retorno sobre capital empregado com meta de qualida-de fixa

2 Share máx., qualida-de mín., retorno alvo

I/E Maximizar market share, se possível atingindo meta de retorno sobre capital empregado com menor qualidade possível

3 Preço

I Segue o preço médio dos incumbentes com meta de qualidade fixa

E Segue o preço médio dos entrantes com meta de qua-lidade fixa

4 Preço e qualidade I Segue o preço e a qualidade médios dos incumbentes

E Segue o preço e a qualidade médios dos entrantes

5 Preço mercado I/E Segue o preço médio do mercado com meta de quali-dade fixa

6 Preço e qualidade

mercado I/E Segue o preço e a qualidade médios do mercado

7 Preço desejado I/E Atingir meta de retorno sobre o capital empregado com meta de qualidade fixa

8 Preço e qualidade

máximos I/E Preço máximo permitido e qualidade máxima

9 Preço e qualidade

mínimos I/E

Preço igual ao custo médio do mercado e qualidade mínima

(I/E: estratégia disponível para incumbentes e entrantes; I: estratégia disponível apenas para

incumbentes; E: estratégia disponível apenas para entrantes). Fonte: análise do autor.

248 Conforme com a proposta de Ormerod e Rosewell (2009): “[u]m critério que pode ser utilizado para de-

terminar o desempenho [do modelo] é a simplicidade do comportamento, com base no princípio de que se

regras simples para os agentes podem produzir uma boa descrição, isso é melhor do que regras complicadas.

[...] [U]ma forma de testar um MAB nas ciências sociais é designar níveis crescentes de cognição para os

agentes para ver em que ponto o modelo deixa de fornecer uma descrição da realidade” (ibid., p. 138).

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195

A busca estratégica parte da comparação dos próprios resultados (taxa de retor-

no do investimento 𝑚𝐿𝑖 e market share 𝑠𝑡

𝑖) com aqueles dos concorrentes em períodos ante-

riores (em prazo longo). Assim, o modelo permite que as estratégias passem por seleção a

partir do aprendizado das firmas e da imitação daquelas adotadas pelos provedores “mais

eficazes”. O modelo trabalha com um conjunto predefinido de estratégias, sendo possível

para as firmas escolher rotinas dentro dele. Provedores em grupos sociais distintos – in-

cumbentes ou entrantes – dispõem de conjuntos estratégicos diferentes.

É suposto que cada provedor conhece o conjunto de alternativas estratégicas

utilizadas por seu grupo e consegue identificar aquela que é aplicada pelos concorrentes

dentro dele.249

A possibilidade de compartilhamento de estratégias – formas de agir para

responder aos problemas que enfrentam durante a simulação – permite a avaliação de al-

gumas hipóteses institucionais, como a emergência de convenções sobre como compreen-

der o “mundo” virtual e reagir a ele.250

Em princípio, os preços 𝑃𝑡𝑖 praticados pelos provedores deveriam ser determi-

nados a partir daquele desejado, �̂�𝑡𝑖, compatível com o objetivo de rentabilidade por usuário

𝑚𝐿𝑖 . Contudo, a estratégia corrente pode optar por diferentes metas complementares – ou

mesmo não buscar o objetivo de rentabilidade – conforme explicitado em sua respectiva

equação de preço 𝑃𝑡𝑖. Além do ajuste dos preços, as estratégias podem – ou não – alterar as

metas de qualidade de rede �̂�𝑡𝑖 dos provedores.

251

𝑃𝑡𝑖 = {

(1 + 𝑝𝑠𝑡𝑒𝑝𝑖 )𝑃𝑡−1

𝑖 ≤ �̂�𝑡𝑖 se 𝑔𝑠,𝑡−1

𝑖 > 𝑔𝑠𝑠𝑒𝑛𝑠

𝑃𝑡−1𝑖 se 𝑃𝑡−1

𝑖 ≤ 𝑐�̅�𝑒,𝑖 ou − 𝑔𝑠

𝑠𝑒𝑛𝑠 ≤ 𝑔𝑠,𝑡−1𝑖 ≤ 𝑔𝑠

𝑠𝑒𝑛𝑠

(1 − 𝑝𝑠𝑡𝑒𝑝𝑖 )𝑃𝑡−1

𝑖 ≥ 𝑐�̅�𝑒,𝑖 se 𝑃𝑡−1

𝑖 > 𝑐�̅�𝑒,𝑖 e 𝑔𝑠,𝑡−1

𝑖 < −𝑔𝑠𝑠𝑒𝑛𝑠

𝑝𝑠𝑡𝑒𝑝𝑘 > 0, 0 < 𝑔𝑠

𝑠𝑒𝑛𝑠 < 1

(42)

𝑔𝑠,𝑡𝑖 =

𝑠𝑡𝑖 − 𝑠𝑡−1

𝑖

𝑠𝑡−1𝑖 (43)

249 As informações utilizadas para avaliação das estratégias adotadas pelos provedores reais são usualmente

disponíveis de forma pública, pelo menos para empresas de capital aberto, maioria entre as firmas maiores. 250 Conforme Seção 2.4.3 do capítulo anterior. 251 O Apêndice A apresenta os detalhes sobre porque qualquer objetivo de qualidade no modelo (e no merca-

do de acesso real) é sempre tentativo e sujeito a razoável nível de incerteza, não redutível a simples risco.

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196

As equações (42) - (45) detalham as estratégias de número 1 e 11 da Tabela 4,

as mais complexas, como exemplo.252

Nesse caso, as estratégias dão prioridade ao aumento

do market share 𝑠𝑡𝑖, em relação à busca da rentabilidade 𝑚𝐿

𝑖 . A decisão de preço 𝑃𝑡𝑖, em

(42), é tomada em função da taxa 𝑔𝑠,𝑡𝑖 de crescimento – ou redução – do 𝑠𝑡

𝑖 da firma, con-

forme (43). 𝑔𝑠,𝑡𝑖 somente é considerada significativa para valores acima do limiar de sensi-

bilidade (parâmetro 𝑔𝑠𝑠𝑒𝑛𝑠). Senão, o provedor mantém seu preço anterior, 𝑃𝑡−1

𝑖 .

Nessas duas estratégias, se o market share tiver crescido no período anteceden-

te, a firma aumentará seu preço em direção ao preço desejado �̂�𝑡𝑖, definido por (44). Se a

média ponderada praticada pelo mercado, �̅�𝑡, for superior ao preço necessário para o obje-

tivo 𝑚𝐿𝑖 , o provedor assume �̅�𝑡 como alvo. Na situação oposta, se o market share for decli-

nante, ele reduzirá seu preço até atingir o equivalente ao custo unitário esperado 𝑐�̅�𝑒,𝑖

, acei-

tando, portanto, rentabilidades inferiores a 𝑚𝐿𝑖 .

�̂�𝑡𝑖 = max[𝑚𝐿

𝑖 �̅�𝑡𝑒,𝑖 + 𝑐�̅�

𝑒,𝑖 , �̅�𝑡−1] , 𝑚𝐿𝑖 > 0 (44)

�̅�𝑡𝑒,𝑖 =

𝐾𝑡−1𝑖

𝑄𝑡−1𝑖 , 𝑐�̅�

𝑒,𝑖 =𝐶𝑡−1𝑖

𝑄𝑡−1𝑖 (45)

O cálculo do custo unitário médio esperado 𝑐�̅�𝑒,𝑖

é realizado com base no custo

total 𝐶𝑡𝑖, detalhado à frente. As estratégias de números 1 e 11 preveem, ainda, um ritmo de

aumento ou redução de preços 𝑝𝑠𝑡𝑒𝑝 distinto segundo o market share 𝑠𝑡𝑖 do provedor; pro-

vedores pequenos (𝑠𝑡𝑖 < 𝑠𝑖𝑛𝑐) são mais agressivos. O parâmetro 𝑠𝑖𝑛𝑐 define o tamanho

mínimo de uma firma para ser considerada incumbente.

O algoritmo de aprendizado estratégico funciona da seguinte forma: após um

número (constante) 𝑛𝑚𝑖𝑛𝑠𝑡𝑟𝑎𝑡 de períodos desde a última mudança de estratégia, o provedor

passa a avaliar se o seu objetivo de rentabilidade 𝑚𝐿𝑖 está sendo atingido. Em caso afirmati-

vo, mantém sua estratégia atual. Se negativo, avalia se as estratégias dos concorrentes, den-

tro do seu grupo (incumbente ou entrante), estão proporcionando rentabilidade e market

share superiores aos seus, passando a imitar a melhor estratégia, se pertinente. Em situa-

252 As demais estratégias são implementadas de forma semelhante e não foram reproduzidas detalhadamente

aqui, mas estão disponíveis na documentação do sistema de simulação (PEREIRA, 2014a).

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197

ções excepcionais (vários períodos de fluxo de caixa negativo ou market share próximo de

zero), a avaliação das estratégias se torna menos exigente, e a imitação requer apenas renta-

bilidade ou market share melhor do que os do provedor com problemas. De modo seme-

lhante, as entrantes escolhem suas estratégias iniciais com base nas melhores práticas do

mercado (de entrantes) para rentabilidade e market share, nessa ordem de prioridade.253

Portanto, os provedores estão continuamente observando características exter-

nas visíveis do seu grupo, relativas ao desempenho de seus concorrentes, para avaliar pos-

síveis mudanças no seu comportamento, em um processo mimético (DIMAGGIO; PO-

WELL, 1983). Nesse caso, os agentes utilizam informações agregadas, por tipo de estraté-

gia que faz parte da “cultura compartilhada” do seu grupo social (incumbente ou entrante).

Existe, ainda, certa persistência do passado, pela adoção de médias móveis ponderadas (por

market share) para avaliação dos resultados agregados das estratégias, em uma forma de

“habituação” às práticas de sucesso mais populares (HODGSON, KNUDSEN, 2004).

As firmas imitam sempre que acreditam que a imitação pode melhorar sua situ-

ação.254

Nesse sentido, elas substituem regras de comportamento com resultados ruins por

outras que são plausíveis naquele momento. Trata-se, assim, da combinação de conduta

rotinizada – seguir a estratégia traçada – com comportamento heurístico adaptativo – alterar

a rotina se ela não atender a objetivos “satisficing”. Na prática, está-se simulando o aspecto

expectacional do direcionamento estratégico do provedor, por meio de um conjunto de re-

gras “miópicas” relativamente simples, na linha proposta por Simon (1979). Como as fir-

mas no modelo são limitadamente racionais, elas levam em conta a informação mais impor-

tante localmente disponível, de modo a, em primeiro lugar, sobreviver e, se possível, buscar

seu objetivo de lucratividade ou de market share. Os algoritmos de decisão e os parâmetros

individuais associados variam de acordo com a “personalidade cognitiva” do provedor (in-

cumbente ou entrante). Essa personalidade evolui ao longo da simulação, à medida que

253 No caso particular de indisponibilidade de histórico das práticas do mercado, como no início da simulação,

as estratégias são sorteadas com igual probabilidade para todas aquelas disponíveis. 254 O algoritmo simples adotado não prevê o aprendizado de “escolhas ruins”, conforme a experiência passada ou a experiência de outras firmas, observando apenas os resultados das estratégias nos períodos mais recentes.

Dependendo das condições da firma no momento da imitação, essa escolha pode se mostrar ruim para a firma

imitadora, forçando-a, mais à frente, a trocar novamente de estratégia. Entretanto, essa inadequação da estra-

tégia “fracassada” não é “aprendida”, no sentido de que, se a firma necessitar trocar de estratégia por uma

terceira vez, pode ser que ela volte a escolher essa estratégia, de forma eventualmente autodestrutiva.

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198

grupos distintos de agentes apresentam desempenhos diferenciados e os mecanismos de

imitação e seleção atuam.

3.2.2.7. Capital e investimento

O estoque de capital 𝐾𝑡𝑖 da firma 𝑖 é composto do inventário de equipamentos

𝐾𝑡𝑖,𝑗

de diversas tecnologias 𝑗, ou “safras tecnológicas”, em uma abordagem semelhante à

adotada pelo modelo clássico de Silverberg e Verspagen (1994). Por isso, a capacidade

física instalada total �̅�𝑡𝑖 do provedor 𝑖, como indicado em (46), depende, além de 𝐾𝑡

𝑖,𝑗, da

produtividade 𝑎𝑡𝑗 de cada uma dessas safras 𝑗. Como a firma i dispõe de 𝑁𝑡

𝑡𝑒𝑐ℎ,𝑖 safras dis-

tintas em operação em um dado momento 𝑡, a produtividade do estoque de capital – a rede

de serviço – não é uniforme. O número 𝑁𝑡𝑡𝑒𝑐ℎ,𝑖

de tecnologias da firma é definido dinami-

camente, conforme o conjunto de regras de planejamento de investimento, a seguir.

�̅�𝑡𝑖 = ∑ 𝑎𝑡

𝑗𝐾𝑡𝑖,𝑗

𝑁𝑡𝑡𝑒𝑐ℎ,𝑖

𝑗=1

(46)

𝐾𝑡𝑖 = 𝐾𝑡−1

𝑖 + 𝐼𝑡𝑖, 𝐾𝑡

𝑖 = ∑ 𝐾𝑡𝑖,𝑗

𝑁𝑡𝑡𝑒𝑐ℎ,𝑖

𝑗=1

(47)

Em cada período de planejamento 𝑇𝑝𝑙𝑎𝑛, o provedor 𝑖 avalia a necessidade de

aumento de capital empregado, sendo que todo o eventual investimento novo 𝐼𝑡𝑖 é realizado

na tecnologia 𝑎𝑡𝑡𝑜𝑝

, a mais produtiva disponível no momento. A regra de decisão de inves-

timento 𝐼𝑡𝑖 é descrita em (48). No início de 𝑇𝑝𝑙𝑎𝑛 (constante), 𝐼𝑡

𝑖 é calculado com base na

demanda esperada �̂�𝑡𝑃,𝑖

em 𝑡, da possível depreciação 𝐷𝑡𝑖 de parte da rede e do preço

𝑃𝑡𝑡𝑒𝑐ℎ,𝑡𝑜𝑝

da tecnologia 𝑎𝑡𝑡𝑜𝑝

. 𝐼𝑡𝑖 é sujeito, ainda, à escala mínima da tecnologia, 𝑄𝑚𝑖𝑛

𝑗.

𝐼𝑡𝑖 = {

(�̂�𝑡𝑖�̂�𝑡

𝑖 − 𝑄𝑡−1𝑀,𝑖 +𝐷𝑡

𝑖)𝑃𝑡𝑡𝑒𝑐ℎ,𝑡𝑜𝑝

se �̂�𝑡𝑖�̂�𝑡

𝑖 − �̅�𝑡−1𝑖 + 𝐷𝑡

𝑖 ≥ 𝑄𝑚𝑖𝑛𝑗

𝑄𝑚𝑖𝑛𝑗𝑃𝑡𝑡𝑒𝑐ℎ,𝑗𝑐 , se �̂�𝑡

𝑖�̂�𝑡𝑖 − �̅�𝑡−1

𝑖 + 𝐷𝑡𝑖 < 𝑄𝑚𝑖𝑛

𝑗 (48)

Considerando a qualidade planejada para seus serviços, segundo a estratégia do

provedor, a capacidade contratada é ajustada de acordo com o objetivo �̂�𝑡𝑖 de cada firma 𝑖.

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199

Os provedores não dispõem de informação completa para planejar sua demanda e, conse-

quentemente, para manter a capacidade de rede estritamente adequada para cumprir �̂�𝑡𝑖

(detalhes no Apêndice A). Esse é um problema semelhante ao modelado por autores como

Ormerod e Rosewell (2004), quando o processo de decisão é necessariamente tentativo e

sujeito a erros. A qualidade efetiva, 𝑀𝑡𝑖, é aquela que se verifica após a instalação da capa-

cidade de rede planejada para atender a demanda �̂�𝑡𝑖 e a adesão real dos usuários 𝑄𝑡

𝑖. Por

isso, 𝑀𝑡𝑖 pode resultar distante do valor planejado �̂�𝑡

𝑖. Entretanto, o planejamento de rede é

adaptativo e segue, em cada ciclo 𝑇𝑝𝑙𝑎𝑛, tentando eliminar eventuais brechas.

�̂�𝑡+𝑛𝑖 =

{

𝑄𝑡𝑖 se 𝑄𝑡

𝑖 < 𝑄𝑡−𝑛𝑖

𝑄𝑡𝑖 +

𝑚𝑄𝑖 (𝑄𝑡

𝑖 −𝑄𝑡−𝑛𝑖 )

𝑛 se 𝑠𝑡

𝑖 ≤ 𝑠𝑖𝑛𝑐

𝑄𝑡𝑖 +

𝑚𝑄𝑖 𝑠𝑡

𝑖(𝑁𝑡𝑢𝑠𝑒𝑟 −𝑁𝑡−𝑛

𝑢𝑠𝑒𝑟)

𝑛 se 𝑠𝑡

𝑖 > 𝑠𝑖𝑛𝑐

, 𝑚𝑄𝑖 ≥ 0 (49)

O provedor planeja sua capacidade de rede total �̅�𝑡+𝑛 𝑖 prospectivamente em ci-

clos de duração 𝑛 = 𝑇𝑝𝑙𝑎𝑛, conforme (49). Inicialmente, ele define sua expectativa para

aquisição de novos usuários (�̂�𝑡+𝑛𝑖 − 𝑄𝑡

𝑖) durante o período de planejamento. Firmas meno-

res – com market share inferior ao parâmetro 𝑠𝑖𝑛𝑐 – projetam a demanda futura sobre o

crescimento – ou a redução – da sua base de clientes no ciclo de planejamento anterior

(𝑄𝑡𝑖 −𝑄𝑡−𝑛

𝑖 ) e de um parâmetro individual 𝑚𝑄𝑖 que representa a expectativa sobre a repeti-

ção do crescimento passado no futuro. Provedores maiores – que detêm market share rele-

vante – avaliam a demanda à frente em termos da dinâmica do mercado (𝑁𝑡𝑢𝑠𝑒𝑟 −𝑁𝑡−𝑛

𝑢𝑠𝑒𝑟).

Caso tenha expectativa de decréscimo no número de clientes, a firma mantém a capacidade

instalada �̅�𝑡 𝑖 existente. Redução de �̅�𝑡

𝑖 , se necessária, acontece apenas pelo processo de

depreciação, com a não reposição de parcela dos equipamentos depreciados.

Considerando o total planejado �̅�𝑡+𝑛 𝑖 , os provedores avaliam a capacidade �̅�𝑡

𝑖

de que dispõem, depreciam os equipamentos cuja tecnologia não é mais economicamente

eficiente e investem em novos bens de capital, para atender tanto à demanda incremental

quanto à eventual depreciação 𝐷𝑡𝑖. Ela é calculada com base em (50). A cada 𝑛 = 𝑇𝑝𝑙𝑎𝑛

períodos de planejamento, o provedor 𝑖 avalia todas as j tecnologias que compõem a sua

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200

rede, comparando o valor presente do custo unitário de manutenção 𝑐𝑚𝑗

com o custo 𝑐𝑚𝑎𝑡𝑡𝑜𝑝

da tecnologia mais produtiva disponível. Se a diferença entre o 𝑐𝑚𝑗

, na vida útil remanes-

cente 𝑇𝑡𝑙𝑖𝑓𝑒,𝑗,𝑖

for maior que o preço de substituição 𝑃𝑡𝑡𝑒𝑐ℎ,𝑡𝑜𝑝

, a safra antiga é substituída,

segundo (51). A taxa de juros 𝑟𝑡𝑖, utilizada no cálculo de (52), é aquela corrente para o pro-

vedor, como definido à frente. 𝑇𝑑𝑒𝑝𝑟𝑡𝑒𝑐ℎ é um parâmetro constante que define a vida útil má-

xima dos equipamentos de rede.

𝐷𝑡𝑖 = ∑ 𝐷𝑡

𝑖,𝑗

𝑁𝑡𝑡𝑒𝑐ℎ,𝑖

𝑗=1

, (50)

𝐷𝑡𝑖,𝑗= {

�̅�𝑡𝑖,𝑗 se NPVt

i(𝑐𝑚𝑗 ) − NPVt

i (𝑐𝑚𝑎𝑡𝑡𝑜𝑝

) ≥ 𝑃𝑡𝑡𝑒𝑐ℎ,𝑛𝑒𝑤 ou 𝑇𝑡

𝑙𝑖𝑓𝑒,𝑗,𝑖≥ 𝑇𝑑𝑒𝑝𝑟

𝑡𝑒𝑐ℎ

0 se NPVti(𝑐𝑚

𝑗 ) − NPVti (𝑐𝑚

𝑎𝑡𝑡𝑜𝑝

) < 𝑃𝑡𝑡𝑒𝑐ℎ,𝑛𝑒𝑤 e 𝑇𝑡

𝑙𝑖𝑓𝑒,𝑗,𝑖< 𝑇𝑑𝑒𝑝𝑟

𝑡𝑒𝑐ℎ (51)

NPVti(𝑐𝑚

𝑗 ) = 𝑐𝑚𝑗∑

1

(1 + 𝑟𝑡−1𝑖 )

𝑙

𝑇𝑡𝑙𝑖𝑓𝑒,𝑗,𝑖

𝑙=1

, 𝑇𝑡𝑙𝑖𝑓𝑒,𝑗,𝑖

= 𝑇𝑑𝑒𝑝𝑟𝑡𝑒𝑐ℎ − (𝑡 − 𝑡0

𝑡𝑒𝑐ℎ,𝑗,𝑖) (52)

Considerando que a produtividade 𝑎𝑡𝑗 de cada safra tecnológica é igual para to-

dos os provedores (ausência de learning-by-using), estruturas de capital 𝐾𝑡𝑖 com proporção

superior de tecnologias mais recentes oferecem menor custo total de manutenção 𝐶𝑀𝑡𝑖 mé-

dio por usuário. Isso beneficia especialmente as firmas entrantes no mercado, que sempre

iniciam com a tecnologia mais produtiva na totalidade de sua rede. Os demais provedores

precisam investir novamente para depreciar suas safras antigas e, portanto, somente o fa-

zem quando a equação de custos (51) fica equilibrada, o que pode implicar na operação de

safras menos eficientes por prazo longo.

3.2.2.8. Financiamento

O processo financeiro do provedor de acesso acontece como se segue. A receita

𝑅𝑡𝑖 e o lucro Π𝑡

𝑖 gerados em cada período de operação do provedor 𝑖 são calculados pelas

suas definições contábeis em (53) e (54). O custo total 𝐶𝑡𝑖 em 𝑡, descrito em (55), é obtido a

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201

partir do custo variável de manutenção 𝐶𝑀𝑡𝑖,𝑗

de cada tecnologia utilizada pelo provedor 𝑗

(56), do custo operacional 𝑐𝑓𝑄𝑡𝑖 (ambos sujeitos a ganhos de escala 𝑐𝑠) e do custo financeiro

𝑟𝑡𝑖𝐹𝑡

𝑖. São parâmetros 𝑐𝑠, 𝑐𝑓, 𝑟0, 𝑟𝑙𝑒𝑣 e 𝑟𝑠𝑖𝑧𝑒.

Π𝑡𝑖 = 𝑅𝑡

𝑖 − 𝐶𝑡𝑖 (53)

𝑅𝑡𝑖 =∑𝑃𝑡

𝑘

𝑄𝑡𝑖

𝑘=1

(54)

𝐶𝑡𝑖 = (𝐶𝑀𝑡

𝑖 + 𝑐𝑓𝑄𝑡𝑖)𝑐𝑠+ 𝑟𝑡

𝑖𝐹𝑡−1𝑖 , 𝑐𝑓 > 0, 0 < 𝑐𝑠 ≤ 1 (55)

𝐶𝑀𝑡𝑖 = ∑ 𝑐𝑚𝑡

𝑗�̅�𝑡𝑖,𝑗,

𝑁𝑡𝑡𝑒𝑐ℎ,𝑖

𝑗=1

𝑐𝑚𝑡𝑗> 0 (56)

A princípio, as firmas têm acesso irrestrito a endividamento, sob uma taxa de

juros 𝑟𝑡𝑖, individual e variável, aplicável no estoque da dívida 𝐹𝑡

𝑖. Por simplicidade, não foi

modelada nenhuma forma de racionamento quantitativo de crédito. Isso, no entanto, não

está associado com condições do tipo Modigliani-Miller (apud PINTO, 2002), uma vez que

empresas com baixo desempenho operacional dispõem de taxas de juros crescentes e vice

versa, conforme (57), restringindo o papel do crédito para provedores muito endividados.

𝑟𝑡𝑖 = {

𝑟0 [1 + 𝑟𝑙𝑒𝑣ln (𝐹𝑡−1𝑖

𝐾𝑡−1𝑖 )] [1 + 𝑟𝑠𝑖𝑧𝑒 𝑙𝑛(𝑅𝑡−1

𝑖 )]𝑟𝑖𝑛𝑐 se 𝐾𝑡−1𝑖 > 0 e 𝑅𝑡

𝑖 > 0

𝑟0 se 𝐾𝑡−1𝑖 = 0 ou 𝑅𝑡

𝑖 = 0

,

𝑟0 > 0, 𝑟𝑙𝑒𝑣 > 0, 𝑟𝑠𝑖𝑧𝑒 > 0, 0 < 𝑟𝑖𝑛𝑐 ≤ 1

(57)

A taxa de juros 𝑟𝑡𝑖 disponível para a firma 𝑖 é ajustada de acordo com o fatura-

mento 𝑅𝑡𝑖 (tamanho) e a razão

𝐹𝑡𝑖

𝐾𝑡𝑖 entre o estoque de dívida e o capital (alavancagem), como

descrito em (57). O comportamento da taxa de juros parte do modelo proposto por Lavoie

(1992) e inclui algumas premissas clássicas de Stiglitz (1974). Incumbentes podem dispor

de uma taxa mais favorecida, quando um desconto 𝑟𝑖𝑛𝑐 é aplicado.

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202

As rotinas financeiras estão relacionadas ao processo de decisão de alocação do

caixa gerado pela firma e de gestão do estoque de dívida 𝐹𝑡𝑖. O caixa do provedor é definido

pelo seu estoque de lucros acumulados nos períodos anteriores ΣΠ𝑡𝑖 e o lucro Π𝑡

𝑖 do corren-

te. A necessidade líquida de financiamento 𝑁𝐹𝑡𝑖, em 𝑡, é calculada em (58), a partir do in-

vestimento planejado 𝐼𝑡𝑖, do resultado Π𝑡−1

𝑖 do período anterior – positivo ou negativo – e

dos eventuais lucros retidos acumulados ΣΠ𝑡−1𝑖 .

𝑁𝐹𝑡𝑖 = {

0 se 𝐼𝑡𝑖 ≤ ΣΠ𝑡−1

𝑖 + Π𝑡−1𝑖

𝐼𝑡𝑖 − (ΣΠ𝑡−1

𝑖 + Π𝑡−1𝑖 ) se 𝐼𝑡

𝑖 > ΣΠ𝑡−1𝑖 + Π𝑡−1

𝑖 (58)

Caso exista disponibilidade de lucros acumulados ΣΠ𝑡𝑖 após os investimentos 𝐼𝑡

𝑖

planejados, o valor excedente é utilizado para a amortização 𝐴𝐹𝑡𝑖 de parte do estoque de

dívida 𝐹𝑡𝑖, se aplicável, como em (59). A prioridade da firma, no modelo, é sempre a expan-

são da capacidade de rede demandada �̂�𝑡𝑖, ou seja, 𝐹𝑡

𝑖 é a variável de ajuste do orçamento do

provedor, como mostra (60). Por outro lado, a firma não retém caixa enquanto existir dívi-

da, ou seja, só existe acumulação de lucros (ΣΠ𝑡𝑖 > 0) quando 𝐹𝑡

𝑖 = 0. Lucros não aplicados

em investimento ou amortização são retidos, sem distribuição de dividendos, segundo (61).

𝐴𝐹𝑡𝑖 = {

ΣΠ𝑡−1𝑖 + Π𝑡−1

𝑖 − 𝐼𝑡𝑖 se ΣΠ𝑡−1

𝑖 + Π𝑡−1𝑖 − 𝐼𝑡

𝑖 ≤ 𝐹𝑡−1𝑖 e 𝐼𝑡

𝑖 ≤ ΣΠ𝑡−1𝑖 + Π𝑡−1

𝑖

𝐹𝑡−1𝑖 se ΣΠ𝑡−1

𝑖 + Π𝑡−1𝑖 − 𝐼𝑡

𝑖 > 𝐹𝑡−1𝑖 e 𝐼𝑡

𝑖 ≤ ΣΠ𝑡−1𝑖 + Π𝑡−1

𝑖

0 se 𝐼𝑡𝑖 > ΣΠ𝑡−1

𝑖 +Π𝑡−1𝑖

(59)

𝐹𝑡𝑖 = 𝐹𝑡−1

𝑖 + 𝑁𝐹𝑡𝑖 − 𝐴𝐹𝑡

𝑖 (60)

ΣΠ𝑡𝑖 = ΣΠ𝑡−1

𝑖 +Π𝑡−1𝑖 + 𝑁𝐹𝑡

𝑖 − 𝐼𝑡𝑖 − 𝐴𝐹𝑡

𝑖 (61)

3.2.2.9. Entrada e saída

A definição dos critérios para entrada de novos provedores de acesso, bem co-

mo a saída das firmas existentes, é uma etapa crítica, uma vez que afeta diretamente a orga-

nização do mercado. Poucos modelos na literatura configuraram detalhadamente as condi-

ções de entrada, frequentemente assumindo a inexistência de entrada ou a simples reposi-

ção de empresas que saíram do mercado (WINDRUM, 2007; GARAVAGLIA, 2010). Se

isso pode ser razoável na análise de setores maduros, é provavelmente insatisfatório para os

emergentes, como a internet. Sem entrada e saída, o conjunto de características individuais

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203

da população de provedores mudaria mais lentamente, reduzindo a eficiência do dispositivo

de seleção. Logo, o algoritmo de entrada e saída pode ter importante influência nos resulta-

dos e por isso requer cuidado especial (HODGSON; KNUDSEN, 2004).

A saída de firmas do mercado é configurada em duas situações distintas, de

acordo com (62): 𝑛𝑒𝑥𝑖𝑡 períodos consecutivos (i) de market share 𝑠𝑡𝑖 inferior ao limite 𝑠𝑚𝑖𝑛

ou (ii) de lucros Π𝑡𝑖 negativos sem que exista estoque ΣΠ𝑡

𝑖 de lucro acumulado. 𝑛𝑒𝑥𝑖𝑡 e 𝑠𝑚𝑖𝑛

são parâmetros. Esses são critérios clássicos de saída, adotados por diversos modelos na

literatura – desde Nelson e Winter (1982/2005) até Dosi et al. (2008, 2010, 2013) – e com-

patíveis com a evidência empírica. A saída pode ocorrer a qualquer momento em que essas

condições sejam verificadas, depois de decorridos 𝑛𝑒𝑥𝑖𝑡 períodos em sequência contínua,

para cada condição. Quando o provedor 𝑖 deixa o mercado (𝐸𝑥𝑖𝑡𝑡𝑖 = 1), seus clientes têm

seus contratos imediatamente expirados e ficam livres para buscar outro provedor.

𝐸𝑥𝑖𝑡𝑡𝑖 = {

0 se 𝐿𝑡𝑖 + 𝐴𝐿𝑡

𝑖 ≥ 0 e 𝑠𝑡𝑖 > 𝑠𝑚𝑖𝑛

1 se 𝑡 − 𝑡𝑒𝑥𝑖𝑡 < 𝑛𝑒𝑥𝑖𝑡 e (𝐿𝑡𝑖 + 𝐴𝐿𝑡

𝑖 < 0 ou 𝑠𝑡𝑖 ≤ 𝑠𝑚𝑖𝑛)

(62)

O processo de entrada proposto, por sua vez, não segue nenhum dos modelos da

literatura, mas contém elementos das contribuições de Kim e Lee (2003), Ormerod e Rose-

well (2004) e Garavaglia, Malerba e Orsenigo (2006). O princípio geral parte do insight de

Dosi e Nelson (2010), pelo qual o estímulo à entrada (e à sobrevivência das entrantes) é

função do gap (brecha) entre a escala de eficiência mínima e o tamanho das firmas.

Assim, em cada período de tempo 𝑇𝑚𝑖𝑛𝑒 existe um conjunto de 𝑒𝑚𝑎𝑥 potenciais

provedores entrantes (ambos são parâmetros). A decisão de cada entrante potencial é defi-

nida a partir da avaliação da taxa de retorno média Π̅𝑡𝑎𝑣𝑔

�̅�𝑡𝑎𝑣𝑔 observada no setor e da disponibili-

dade de parcela relevante 𝑠𝑒 do mercado ainda não atendida (igual a 1 −𝑁𝑡𝑎𝑣𝑔

𝑃𝑜𝑝𝑡). São parâme-

tros 𝑒𝑚𝑎𝑥, 𝑟0 e 𝑠𝑒. O processo tenta inserir, sequencialmente, as firmas entrantes 𝑖 no mer-

cado, enquanto a regra de entrada em (63) for cumprida (𝐸𝑛𝑡𝑟𝑦𝑡𝑖 = 1). A decisão de entrar

é tomada sobre médias móveis (período 𝑛𝑎𝑣𝑔) dos agregados Π̅𝑡 e 𝐾𝑡 do setor, conforme

(64).

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204

𝐸𝑛𝑡𝑟𝑦𝑡𝑖 =

{

0 se

Π̅𝑡𝑎𝑣𝑔

𝐾𝑡𝑎𝑣𝑔

+ �̂�𝑡≤ 𝑟0 ou 1 −

𝑁𝑡𝑎𝑣𝑔

𝑃𝑜𝑝𝑡≤ 𝑠𝑒

1 se Π̅𝑡𝑎𝑣𝑔

𝐾𝑡𝑎𝑣𝑔

+ �̂�𝑡> 𝑟0 e 1 −

𝑁𝑡𝑎𝑣𝑔

𝑃𝑜𝑝𝑡> 𝑠𝑒

, 𝑟0 > 0, 𝑠𝑒 ≥ 0 (63)

Π̅𝑡𝑎𝑣𝑔

=1

𝑛𝑎𝑣𝑔∑ Π̅𝑡−ℎ

𝑛𝑎𝑣𝑔

ℎ=1

, 𝐾𝑡𝑎𝑣𝑔

=1

𝑛𝑎𝑣𝑔∑𝐾𝑡−ℎ

𝑛𝑎𝑣𝑔

ℎ=1

, 𝑁𝑡𝑎𝑣𝑔

=1

𝑛𝑎𝑣𝑔∑𝑁𝑡−ℎ

𝑢𝑠𝑒𝑟

𝑛𝑎𝑣𝑔

ℎ=1

,

𝑛𝑎𝑣𝑔 ≥ 1

Π̅𝑡 = ∑ Π𝑡𝑖

𝑁𝑡𝑝𝑟𝑜𝑣

𝑖=1

, 𝐾𝑡 = ∑ 𝐾𝑡𝑖

𝑁𝑡𝑝𝑟𝑜𝑣

𝑖=1

(64)

O capital �̂�𝑡𝑖 de cada entrante 𝑖 é definido como um processo aleatório, como

representado em (65). Esse processo tem distribuição normal, com média e desvio padrão

proporcionais ao estoque de capital necessário para respeitar a escala mínima de operação

𝑄𝑚𝑖𝑛𝑗

da tecnologia 𝑎𝑡𝑡𝑜𝑝

. O entrante tem acesso à tecnologia pelo seu preço padrão

𝑃𝑡𝑡𝑒𝑐ℎ,𝑡𝑜𝑝

, sem descontos. 𝑘0 é um parâmetro que permite configurar entrantes de tamanho

�̂�𝑡𝑖 razoável (em relação à dimensão 𝑁𝑡

𝑢𝑠𝑒𝑟 do mercado), mas menores do que os incumben-

tes, de acordo com a evidência empírica (DOSI et al., 2008).

�̂�𝑡𝑖~N(𝑘0𝑁𝑡−1

𝑢𝑠𝑒𝑟𝑃𝑡𝑡𝑒𝑐ℎ,𝑎𝑡

𝑡𝑜𝑝

, 𝑘0𝑁𝑡−1𝑢𝑠𝑒𝑟𝑃𝑡

𝑡𝑒𝑐ℎ,𝑎𝑡𝑡𝑜𝑝

) , 𝑘0 ≥ 0,

�̂�𝑡𝑖 ≥ 𝑄

𝑚𝑖𝑛

𝑎𝑡𝑡𝑜𝑝

𝑃𝑡𝑡𝑒𝑐ℎ,𝑎𝑡

𝑡𝑜𝑝

(65)

�̂�𝑡 = ∑ �̂�𝑡𝑖

𝑁𝑡𝑒𝑛𝑡𝑟

𝑖=1

(66)

Os entrantes consideram também os investimentos �̂�𝑡, previamente comprome-

tidos por outros entrantes no mesmo período (66), ao decidirem a entrada, como em (63). A

entrada de novas firmas no mercado acontece apenas a cada intervalo de 𝑇𝑚𝑖𝑛𝑒 períodos

(parâmetro), com um limite preestabelecido (parâmetro 𝑒𝑚𝑎𝑥), para permitir a modelagem

de restrições regulatórias temporais.

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205

3.3. Programação do sistema

Esta seção descreve como foi elaborado o último ponto do roteiro proposto para

a modelagem setorial, a programação (ou codificação) do modelo de simulação, de modo

que o sistema artificial, seus elementos e conexões possam ser analisados de forma transpa-

rente e consistente com a sua contraparte real. O desenvolvimento do programa de compu-

tador é uma atividade iterativa, uma vez que tanto o processo de modelagem, apresentado

na Seção 3.2, quanto o de avaliação dos resultados, desenvolvida no próximo capítulo, inte-

ragem constantemente entre si. O desenvolvimento do programa tem, portanto, o papel de

mediar continuamente o processo analítico, conforme representado na Figura 29.

Figura 29 – Processo de análise de sistemas de simulação computacional.

Fonte: análise do autor, com base em Andersen e Valente (2002).

Existem diversas alternativas para a codificação de modelos de simulação, des-

de as mais simples e limitadas, como planilhas eletrônicas de cálculo (ex. Excel), até pro-

gramação em linguagens genéricas avançadas (ex. C++, Java). Como já mencionado, a pla-

taforma selecionada para o desenvolvimento do modelo – sua codificação, configuração e

testes – deve oferecer suporte para organização dos dados por meio de objetos, dada sua

conveniência para representação dinâmica dos elementos e de suas formas agregadas.

A modelagem orientada a objetos é um tipo de programação na qual o

programador define entidades autocontidas, que consistem não apenas de dados, mas também das operações que são aplicadas à estrutura de dados.

Equações, algoritmos e grafos para rodar o

modelo

Desenvolvimento do sistema de simulação

Parâmetros para simulação

Parâmetros do modelo

Valores iniciais das variáveis

Avaliação dos resul-tados da simulação

Grafos pseudo-aleatórios

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206

[…] A execução do programa consiste na interação desses objetos inde-

pendentes e idiossincráticos e essa interação conduz no final para a emer-

gência dos resultados do modelo [GARAVAGLIA, 2004, p. 13].

O programa deve permitir, ainda, a configuração dos parâmetros do modelo, do

estado inicial de variáveis defasadas, da topologia do grafo pseudoaleatório e das demais

condições de simulação (número de agentes, horizonte temporal, armazenamento de variá-

veis etc.). Além disso, deve ser capaz de gerar os resultados necessários, inclusive séries

temporais de variáveis de estado e de indicadores relevantes, nos formatos apropriados.

Para o propósito deste trabalho, foi escolhido o sistema LSD (Laboratory for

Simulation Development), desenvolvido pelo professor Marco Valente (2002). Operado por

meio de uma interface amigável e com recursos da linguagem orientada a objetos C++, o

LSD permite um nível de desempenho, capacidade e flexibilidade próximo aos das lingua-

gens genéricas de programação. Ao mesmo tempo, ele fornece um ambiente integrado e

otimizado para o processamento de simulações, permitindo ao modelista se concentrar nas

questões diretamente associadas à configuração e ao teste do modelo e não nos detalhes

técnicos do processo. Para isso, o LSD oferece as ferramentas de suporte necessárias para

declaração dos elementos do modelo, definição dos valores iniciais, organização automática

da ordem de atualização das equações,255

apresentação gráfica etc.

Complementarmente, foi adicionado código nativo ao LSD para a criação dos

grafos pseudoaleatórios clássicos (Erdős-Rényi, preferential attachment / scale-free e

small-world) bem como importar e exportar grafos de e para programas especializados.

Essa interface com outros sistemas permite a utilização de grafos pseudoaleatórios mais

sofisticados (modelo de configuração, grafos bipartidos, modelo exponencial, algoritmos de

rewiring/switching/closure etc.) empregando ou adaptando ferramentas de geração total ou

parcialmente presentes em plataformas específicas, como o R.

As equações descritas na Seção 3.2.2 foram codificadas na linguagem C++ e

carregadas no sistema LSD para compilação e execução da simulação. Os grafos pseudoa-

255 Para a atualização das múltiplas equações em diferenças, em período de simulação 𝑡, é necessário definir uma ordem de atualização das equações que permita sua solução. Conforme as equações que definem as vari-

áveis de estado utilizam valores contemporâneos de outras equações, nem todas as sequências de cálculo das

variáveis são factíveis. Uma das principais atribuições do sistema LSD é justamente determinar a sequência

de dependências mútuas e organizar a execução a fim de tornar não ambígua a solução de todas as equações.

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207

leatórios, utilizando o algoritmo 2.5K-Graphs (GJOKA; KURANT; MARKOPOULOU,

2013) foram produzidos empregando-se o código em linguagem Python fornecido pelos

autores256

, com alguns ajustes para esta aplicação, e importados no sistema LSD. A codifi-

cação das equações e algoritmos está documentada e disponível no site do modelo na inter-

net (PEREIRA, 2014a). Complementarmente, o processamento dos resultados foi realizado

por scripts na plataforma estatística R.257

Os processos aleatórios simulados são produzidos a partir do gerador de núme-

ros pseudoaleatórios interno ao sistema LSD, baseado em um algoritmo do tipo LCG (line-

ar congruential generator).258

Esse gerador permite, para cada “semente” escolhida, a gera-

ção de 231 − 1 extrações distintas antes que qualquer número seja repetido. A distribuição

dessas extrações atende a todos os critérios usuais de distribuição espectral uniforme e elas

não apresentam problemas de correlação serial para sequências de até cem milhões de nú-

meros (PRESS et al., 1992). Cada rodada do modelo é realizada sempre com uma semente

distinta, para garantir sequências de números pseudoaleatórios distintas e independentes.

3.4. Conclusão

A rápida evolução dos modelos de simulação neoschumpeterianos, dos quais

esta tese é tributária, vem permitindo a ampliação das fronteiras de pesquisa, por meio do

aumento do escopo dos fenômenos analisados ou do conteúdo dos modelos. Os especialis-

tas nessa área “estão desenvolvendo quadros analíticos sofisticados, multiagentes e outros,

que eram simplesmente inimagináveis quando Nelson e Winter começaram a experimentar

com simulação” (WINDRUM, 2007, p. 431). Espera-se que o modelo proposto siga nessa

tradição de expansão das fronteiras, ao propor algumas soluções de modelagem inovadoras

e relevantes para a dinâmica da organização setorial, em particular no campo institucional.

A pesquisa metodológica indicou que os modelos agent-based têm as caracte-

rísticas necessárias para modelagem de sistemas complexos como o proposto, o que inclui a

capacidade de representação de agentes heterogêneos e das interações locais entre eles,

256 O código está disponível em http://www.minasgjoka.com/2.5K. 257 Disponível em http://cran.r-project.org. 258 Gerador de números pseudoaleatórios Park-Miller, com baralhamento Bays-Durham e as proteções pro-

postas por Press et al. (1992).

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208

viabilizando a reprodução e a apreensão de fenômenos emergentes. Isso é essencial para o

estudo de sistemas complexos, e a simulação agent-based é, usualmente, o artefato mais

adequado para suportá-la. Essa abordagem é particularmente apropriada para a modelagem

formal de processos evolucionários e institucionais, que apresentam propriedades emergen-

tes e, frequentemente, processos de upward e downward causation.

Foi selecionada a metodologia agent-based do tipo history-friendly, caracterís-

tica da segunda geração de modelos evolucionários. Ela foi criada explicitamente para a

investigação de setores industriais, com o objetivo de permitir o teste de teorias qualitativas

sobre os mecanismos que orientam a evolução setorial, utilizando a informação disponibili-

zada pela análise empírica para construção e validação dos modelos. A aderência – ou não

– dos resultados aos fatos estilizados permite a avaliação da adequação lógica do quadro

teórico. As informações produzidas pelo modelo permitem o aprofundamento analítico,

ordenando a relevância de cada fator, o que usualmente não é possível no sistema real, além

de identificar fenômenos emergentes, não expressamente modelados, ou mesmo sequer

previstos a priori. Essa exploração será apresentada no próximo capítulo.

Apesar de sua relativa complexidade algorítmica – o código necessário para

programar o conjunto de 44 equações principais tem mais de mil linhas –, o modelo resul-

tou razoavelmente parcimonioso. Vale notar que, dessas equações, 26 são críticas para o

desempenho do modelo, por incorporar as premissas específicas do quadro de referência

teórico desenvolvido no Capítulo 2. As demais equações representam, em princípio, apenas

racionalizações gerais – de preceitos contábeis, por exemplo – necessárias para a completu-

de lógica do modelo, mas que não deveriam ser fonte de preocupação analítica.

O modelo necessita ainda de 42 parâmetros calibráveis (além dos valores para

configurar o gerador de grafos pseudoaleatórios) e nove variáveis com condições iniciais

não triviais (diferentes de zero). Por construção, parcela significativa deles tem impacto

marginal nas saídas do modelo, como avaliado no próximo capítulo. Essa composição rela-

tivamente simples foi intencional. Com isso buscou-se mitigar uma das principais críticas à

utilização de simulação, a sua susceptibilidade à configuração inicial de parâmetros e vari-

áveis. Com isso, espera-se reforçar a importância da estrutura do modelo – o sistema de

equações e o quadro teórico que as embasou – como orientador principal dos resultados.

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209

Capítulo 4: Configuração e análise dos resultados do modelo

Com base no modelo descrito no Capítulo 3, este capítulo busca esclarecer os

potenciais mecanismos geradores dos fatos estilizados apontados no Capítulo 1, a fim de

testar as hipóteses teóricas levantadas no Capítulo 2. Dessa forma, espera-se verificar se o

quadro teórico proposto é adequado e suficiente para justificar o cenário empírico e ajudar a

responder às questões aventadas pela análise apreciativa.

Para produzir resultados, entretanto, o modelo descrito no Capítulo 3 precisa,

inicialmente, ser adequadamente configurado e validado. A configuração envolve a escolha

adequada de valores de parâmetros e condições iniciais, além de outros detalhes do pro-

grama de simulação computacional. Já o processo de validação tenta estabelecer se o mode-

lo pode representar de modo apropriado o sistema setorial, pelo menos dentro do escopo

particular dos objetivos propostos. Isso implica tanto a avaliação da configuração adotada

quanto a sensibilidade do modelo a ela, para, em seguida, testar a sua compatibilidade com

a evidência empírica.

Ademais, validado o modelo e confirmada sua compatibilidade, o recurso da

simulação permite o aprofundamento da pesquisa apreciativa, iniciada no Capítulo 1. O

modelo, conforme sugere Malerba (2010), representa uma abstração do setor industrial, um

artefato investigativo que fornece meios para o estudo dos pormenores da dinâmica da es-

trutura e da competição, normalmente não acessíveis para o exame empírico apreciativo.

Na ciência econômica, modelos de simulação têm por propósito justamente a

análise experimental e exploratória de sistemas econômicos. A reprodução do “setor artifi-

cial” enseja a exploração de alguns fenômenos observados no mundo real, por intermédio

da manipulação de seus parâmetros e variáveis, o que é impossível nos sistemas econômi-

cos concretos (GARAVAGLIA, 2004). Com isso, ao ganhar conhecimento sobre os fatores

e processos que explicam o comportamento do modelo, pode-se avaliar a possibilidade de

transposição das suas conclusões para a compreensão da realidade. Em síntese, essa é a

perspectiva metodológica do presente capítulo.

A próxima seção do capítulo apresenta com mais detalhes as principais conside-

rações metodológicas desta etapa. Em seguida, a Seção 4.2 discute as alternativas para a

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210

calibração dos parâmetros e avalia a sensibilidade do modelo aos parâmetros e condições

iniciais selecionados. Na Seção 4.3, realiza-se a avaliação dos resultados, com ênfase na

aderência aos fatos estilizados e na compatibilidade com as hipóteses teóricas. Uma breve

conclusão encerra o capítulo.

4.1. Metodologia de validação e análise

Como mencionado no capítulo anterior, não existe metodologia padronizada na

literatura para calibração e validação de modelos agent-based (MAB). Essa é uma área re-

lativamente nova, mas fundamental para a construção de modelos robustos (FAGIOLO;

WINDRUM; MONETA, 2006). A identificação de padrões complexos, que se desenvol-

vem baseados nos processos não lineares de interação proporcionados pela simulação, re-

quer tratamento não trivial dos dados, dada sua natureza eminentemente probabilística

(COLANDER, 2008). Diversas técnicas econométricas e estatísticas estão disponíveis para

o processamento de informações de sistemas sociais reais, porém sua adaptação para os

simulados não está plenamente desenvolvida (WERKER; BRENNER, 2004).

Para mitigar essa restrição, adota-se um enfoque inspirado nas sugestões de

Brenner e Werker259

(2004, 2007), sem, no entanto, aprofundar o tratamento estatístico da

validação de resultados. Mesmo com a consequente limitação do escopo analítico, essa

proposta de validação do modelo é considerada adequada para o propósito em questão –

teste de hipóteses teóricas e estudo de mecanismos causais (KLÜGL, 2008). Uma aborda-

gem mais limitada, desconsiderando a validação estatística completa, é recomendada por

autores como Malerba (2010) e Epstein (2006), especialmente na fase inicial de pesquisa.

Esse encaminhamento talvez seja excessivamente restritivo para outras aplicações, como a

construção de cenários prospectivos, na qual se faz necessário maior nível de controle tanto

dos parâmetros quanto dos aspectos quantitativos dos resultados (KLÜGL, 2008). Mas,

também nessa situação, “a problemática sobre se um MAB deveria gerar implicações quan-

titativas (e, nesse caso, tem que ser avaliado com base no seu ajustamento aos dados do

mundo real) ainda está em aberto” (PYKA; FAGIOLO, 2005, p. 18).

259 Esses autores propuseram o “realismo crítico” como alternativa metodológica: “essa abordagem utiliza

abdução para inferir dos fatos empíricos e observações para os padrões gerais que os suportam, fornecendo

portanto uma explicação causal em um nível mais profundo” (WERKER; BRENNER, 2004, p. 7).

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211

Figura 30 – Processo de modelagem e simulação.

Fonte: análise do autor, com base em Andersen e Valente (2002).

Isso considerado, o roteiro proposto para este capítulo é formado por cinco eta-

pas: (i) seleção do conjunto de parâmetros e condições iniciais para calibragem do modelo;

(ii) avaliação da sensibilidade dos resultados aos parâmetros e condições iniciais; (iii) reali-

3. Implementação do modelo

4. Depuração do modelo

5. Calibração do modelo

6. Geração de estatísticas

7. Análise de sensibilidade 8. Validação do modelo

9. Exploração do modelo

10. Refinamento da especificação 11. Análise dos resultados

1. Definição do problema

2. Especificação do modelo

12. Apresentação dos resultados

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212

zação dos lotes de simulação; (iv) análise qualitativa dos resultados, com validação contra

os fatos estilizados empíricos, e eventuais ajustes no modelo; e (v) teste das hipóteses teóri-

cas, utilizando-se os resultados previamente validados. As etapas (i), (iii) e (iv) têm nature-

za eminentemente iterativa, pois requerem que os processos de modelagem e análise intera-

jam entre si, tornando-as interligadas, como representado na Figura 30. Em particular, essas

etapas estão representadas pelos passos 5 a 11 da figura (os passos 1 a 4 foram desenvolvi-

dos no capítulo anterior).

A interação entre modelagem e análise é crítica no caso dos modelos history-

friendly (MHF). Nos MHF, um dos principais objetivos é justamente a reprodução dos fatos

estilizados produzidos pela pesquisa empírica apreciativa (GARAVAGLIA, 2010). Esse

ponto foi discutido no Capítulo 3. No entanto, a metodologia dos MHF não se restringe a

isso. A identificação dos fatos estilizados empíricos entre as propriedades emergentes do

modelo representa apenas uma fase preliminar (WINDRUM, 2007). Superada essa fase, a

análise passa à busca dos insights que o modelo possa fornecer, por analogia, sobre a ope-

ração dos processos econômicos reais, como reforçaram Nelson e Winter (1982/2005).

Deve ser notado que, nos MHF, não é objetivo da modelagem a construção de

sistemas de simulação que produzam valores numéricos ajustados com precisão aos dados

históricos. Antes disso, a finalidade – dos MAB, em geral – é a reprodução de padrões qua-

litativos relativos às principais questões analíticas. No cenário específico dos MHF, a meta

é a descrição das tendências dos descritores-chave do sistema, em particular a estrutura

industrial e o desempenho setorial, de modo a esclarecer os mecanismos causais que justifi-

cam as hipóteses propostas pelo quadro teórico escolhido (MALERBA, 2010).

A primeira etapa do roteiro, a escolha de um conjunto adequado de parâmetros

(incluindo condições iniciais), é importante não apenas para garantir o comportamento sa-

tisfatório do modelo, mas também para assegurar a compatibilidade com os dados empíri-

cos. Para diversos autores, constelações de parâmetros, que possam ser justificadas confor-

me a evidência empírica, são o primeiro passo para a construção de modelos de simulação

robustos (WERKER; BRENNER, 2004; WINDRUM, 2007; MALERBA, 2010). A utiliza-

ção da informação empírica provenientes do sistema modelado permite a redução da gene-

ralidade do modelo, tornando mais específicos e conclusivos os seus resultados, mesmo que

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213

ao custo de menor aplicabilidade a outros setores econômicos (BRENNER; WERKER,

2007). A adoção de premissas realistas na calibragem é um critério comum de seleção de

modelos pelos representantes da escola evolucionária (FRENKEN, 2006).

No entanto, nem todos os parâmetros necessários costumam estar disponíveis

nas fontes empíricas. Isso frequentemente obriga o analista a arbitrar valores, que devem

ser justificadamente compatíveis com o sistema econômico concreto. Uma boa prática é a

abordagem de Malerba et al. (1999), que recomendam tornar o modelo tão transparente

quanto possível quando são necessárias escolhas que não se baseiam na pesquisa empírica.

Segundo Pyka e Fagiolo (2005), considerando-se os parâmetros inicialmente

coletados – ou arbitrados –, um procedimento usual para a seleção dos valores para calibra-

ção começa com a avaliação dos resultados produzidos pelo modelo. Caso eles sejam plau-

síveis em face dos fatos estilizados, o próximo passo é avaliar a sensibilidade do modelo

quando esses parâmetros mudam. O objetivo é estabelecer quais faixas de variação produ-

zem saídas convergentes e divergentes com a história do setor (WINDRUM, 2007). Isso

possibilita a apreensão de explicações causais provenientes do modelo, potencialmente for-

necendo novos insights sobre a situação concreta em estudo (PYKA; FAGIOLO, 2005).

A utilização de fatos estilizados no processo de calibração – e na modelagem

em geral – costuma ser criticada, em virtude do fenômeno da sobreidentificação (ROSSER,

1999; FRENKEN, 2006). Fatos estilizados são sobreidentificados na medida em que podem

ser gerados por vários modelos distintos. Segundo Frenken (2006), a mitigação desse pro-

blema requer a seleção de especificações, incluindo sua parametrização, que “integrem no

modelo uma parcela significativa do conhecimento disponível no tópico em questão” (ibid.,

p. 151). Uma estratégia complementar para mitigar a objeção, proposta pelo autor, é a re-

produção de múltiplos fatos estilizados, simultaneamente e pelo mesmo modelo, a partir de

uma gama relativamente ampla dos valores dos parâmetros.

Outro ponto relevante do método proposto é a possibilidade de geração de co-

nhecimento não apenas com base nos dados produzidos pelo modelo, mas também pelo

processo iterativo de calibração e análise de sensibilidade. Até quando resultados inespera-

dos ocorrem: “um evento de baixa probabilidade gerado pelo modelo é importante (e fre-

quentemente crucial) para compreender alguns mecanismos causais presentes no mundo

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214

real” (PYKA; FAGIOLO, 2005, p. 18). Nessa linha, Malerba (2010) sugere que, com o

modelo devidamente depurado de problemas de programação, deve ser testada a verossimi-

lhança de conclusões significativamente distintas pela alteração de parâmetros relativos às

variáveis-chave. Nesse caso, o objetivo do teste da sensibilidade não é, por si, o desenvol-

vimento de “histórias diferentes” (experimento contrafatual),260

e sim o teste da mecânica

de causação do modelo.

Concluídas as etapas de calibração e análise de sensibilidade, inicia-se a avalia-

ção dos resultados produzidos pelo modelo e sua aplicação no estudo do sistema econômico

real. De acordo com Valente, Ciarli e Lorentz (2010), o uso científico de modelos de simu-

lação consiste em dois passos lógicos: (i) a busca de explicação para os eventos relevantes

– uma interpretação da “história virtual”; e (ii) a verificação da aplicabilidade das explica-

ções da história virtual para os fenômenos do mundo real. Portanto, o primeiro critério de

julgamento do modelo deve ser sua capacidade de replicar o maior número possível de fa-

tos estilizados, sem o que será difícil a reconciliação entre a história virtual e a real

(FRENKEN, 2006).

Por fim, uma limitação apontada para os procedimentos de modelagem em ge-

ral, e para a modelagem history-friendly em particular, diz respeito ao tipo das regularida-

des empíricas que norteiam a construção do modelo. Se elas representarem tão somente

propriedades de distribuições estacionárias, serão necessárias informações adicionais para

compreender o processo estocástico dinâmico originário (BROCK, 1999) pois, se conside-

radas isoladamente, podem não representar um teste suficiente para o modelo (WINDRUM,

2007). Como discutido no capítulo anterior, a existência inexorável de alguma arbitrarieda-

de na modelagem restringe não apenas a possibilidade analítica de “identificar” se o mode-

lo reproduz ou não a história, mas a precisão com que os seus parâmetros conseguem ser

calibrados (FAGIOLO; WINDRUM; MONETA, 2006). Essas são questões que não estão

integralmente resolvidas para qualquer forma de modelagem, diga-se, e não somente a si-

mulação (LOASBY, 1999). No entanto, elas devem ser mitigadas pela análise cuidadosa

dos resultados e mecanismos causais e da sua adequada justificação (VALENTE, 2002).

260 Análise contrafatual têm caráter exploratório e não se baseia em dados empíricos. Busca responder pergun-

tas especulativas do tipo “o que poderia ter acontecido no passado se...” e não projetar o futuro ou indicar

práticas a serem adotadas (GARAVAGLIA, 2004).

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215

4.2. Calibração e sensibilidade

A organização do processo de calibração e teste de sensibilidade é uma caracte-

rística peculiar dos MHF. Em geral, a metodologia comum para os MAB consiste em, ini-

cialmente, identificar as regiões do espaço dos parâmetros – pela análise de sensibilidade –

para, na sequência, realizar a calibração dos parâmetros com foco nas regiões identificadas

como “críticas” ou “mais interessantes” (KLÜGL, 2008). Entretanto, em uma abordagem

history-friendly, não faz sentido utilizar parâmetros incompatíveis com a evidência empíri-

ca, exceto quando de experimentos contrafatuais (GARAVAGLIA, 2004). Esse procedi-

mento reduz sobremaneira a região do espaço de parâmetros que necessita ser analisada, às

expensas da generalidade das conclusões para outros cenários.

No que se segue, valores de referência relativos a preços e custos estão expres-

sos em unidades monetárias (UM) genéricas. Valores referentes a intervalos cronológicos

são indicados em unidades de tempo (UT) abstratas. Apesar de as UM e UT não serem res-

tritas a uma grandeza específica do mundo real, para a calibração optou-se pela associação

de equivalência, grosso modo, entre 1 UM e R$ 10.000,00 e entre 1 UT e 1 trimestre. Essa

opção parece razoável tanto do ponto de vista da “unidade de tempo” em que se supõe que

se verificam as decisões relevantes dos agentes modelados – em particular, as firmas –

quanto da frequência com que informações as empíricas costumam ser disponibilizadas. Os

valores de medida de capacidade de rede de acesso estão denominados em unidades padro-

nizadas de capacidade (UC), definida como a capacidade de rede adequada, em um dado

período, para a utilização por um agente artificial do tipo usuário (cf. Apêndice A).

Outra premissa da calibração é a relação entre os objetos do tipo “User” do mo-

delo e os consumidores reais que eles representam. Por limitações técnicas – e reduzido

interesse analítico –, não é conveniente a representação 1:1 dos agentes do mundo real, es-

pecialmente em um setor com dezenas de milhões de usuários. Como a simulação trabalha

com milhares de objetos heterogêneos desse tipo, a perda de generalidade no tratamento da

heterogeneidade não é significativa.261

Por isso, cada objeto “User” descreve um grupo ho-

mogêneo de 10.000 consumidores reais.

261 Entretanto, isso altera a “escala” de alguns resultados quantitativos do modelo, tornando mais complicada

sua comparação direta com os equivalentes nos dados empíricos.

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216

4.2.1. Calibração dos parâmetros e valores iniciais

A etapa de calibração consiste na escolha de parâmetros262

adequados para que

o modelo, suposto como estruturalmente correto, produza resultados válidos. Diferentemen-

te do paradigma convencional da modelagem por simulação, que aborda esse problema

essencialmente como uma questão de “otimização” (KLÜGL, 2008), a abordagem dos

MHF recomenda que os parâmetros sejam preferencialmente derivados da pesquisa empíri-

ca, se não direta pelo menos qualitativamente (YOON; LEE, 2009). Eles representam o

benchmark para a investigação que se segue e contra os quais o modelo será validado.

O modelo requer a definição de 42 parâmetros, nove condições iniciais de vari-

áveis que requerem valores não triviais (diferentes de zero) e a parametrização do gerador

de grafos aleatórios (cujo número de parâmetros depende do gerador e da rede concreta

utilizados). O detalhamento e a justificação dos valores selecionados estão no Apêndice C.

O processo buscou adotar números de calibração que apresentassem ordens de

grandeza, pelo menos, compatíveis com os dados empíricos disponíveis. A maior restrição

para esse procedimento, no entanto, proveio da indisponibilidade, ou da dificuldade de

mensuração, de valores associados com os parâmetros e condições iniciais.

A escolha da parametrização do gerador de grafos pseudoaleatórios, para a si-

mulação da topologia da rede social dos usuários, foi realizada com base em diversos estu-

dos empíricos sobre redes reais, conforme abordado na Seção 1.4.3.1. Infelizmente nenhu-

ma dessas redes era proveniente de mercados de acesso à internet. Por isso optou-se por

utilizar como proxy outras redes, que fossem semelhantes àquela do mercado em questão.

A utilização de geradores de grafos pseudoaleatórios de elevada fidelidade re-

quer a disponibilidade de amostras significativas das redes reais emuladas, para a obtenção

de um grande número de parâmetros (maiores detalhes no Apêndice C). Após triagem ini-

cial entre as potenciais candidatas, foi selecionada uma sub-rede da rede social online Fa-

cebook (VISWANATH et al., 2009). Além do fato de ser uma rede que, por definição, se

organiza a partir das redes reais de relacionamento humano, a escolha se deu também pelo

porte da rede, que inclui uma parcela ponderável da população mundial e, ainda, pelo rele-

262 Exceto quando explicitamente diferenciado, o termo “parâmetro” será sempre utilizado, no que se segue,

significando tanto parâmetros propriamente ditos quanto valores de condições iniciais não triviais (não zero).

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217

vante trabalho de pesquisa desenvolvido sobre ela e seu uso para a geração de grafos pseu-

doaleatórios (GJOKA et al., 2010; SALA et al., 2010; UGANDER et al., 2011).263

4.2.2. Indicadores críticos do modelo

Segundo Ormerod e Rosewell (2009, p. 130), um dos passos essenciais na vali-

dação do MAB “é construir critérios corretos pelos quais os resultados de um modelo de-

vem ser avaliados”. Nesse sentido, são propostos alguns indicadores sintéticos, que se espe-

ra capturem de forma abrangente os fenômenos em estudo, pois sem eles o próprio conceito

de validação perde substância (KLÜGL, 2008). É importante limitar o máximo possível a

quantidade de indicadores, de modo a manter tratável a validação.

Tabela 5 – Indicadores críticos para análise de sensibilidade.

Símbolo Descrição

𝑃𝑡𝑎𝑣𝑔

Preço médio ponderado do serviço de acesso

𝑀𝑡𝑎𝑣𝑔

Média ponderada da qualidade de rede do mercado

𝑉𝑀𝑅𝑡𝑃 Razão variância/média do preço ofertado

𝑝𝑜𝑝𝑡𝑐𝑜𝑣 Porcentual da população potencial coberta pelo serviço

𝐻𝐻𝐼𝑡𝑠 Índice Herfindahl-Hirschman do market share (concentração)

𝐻𝐻𝐼𝑡𝐾 Índice Herfindahl-Hirschman do capital empregado (concentração)

𝑁𝑡𝑝𝑟𝑜𝑣

Número de provedores de acesso

𝑎𝑔𝑒𝑡𝑎𝑣𝑔

Idade média dos provedores ativos no mercado

𝑠𝑡𝑇,𝑒𝑛𝑡𝑟 Market share agregado dos entrantes

𝐿𝐾𝑡𝑇,𝑎𝑣𝑔,𝑒𝑛𝑡𝑟

Rentabilidade (L/K) média ponderada dos entrantes

Fonte: análise do autor.

A análise de sensibilidade será realizada por meio de um conjunto de indicado-

res, listados na Tabela 5, que representam estados relevantes do sistema e que capturam

dimensões importantes dos fatos estilizados em investigação. Eles permitem, ainda, avaliar

se o modelo é capaz – ou não – de reproduzi-los, com base nos valores de calibração.

263 A premissa adotada é que a rede social real dos usuários do Facebook seja estruturalmente semelhante à

sua versão eletrônica. Indícios dessa similitude já foram obtidos pela aplicação das técnicas de comparação

paramétrica de redes sociais complexas (SALA et al., 2010).

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218

Os indicadores podem ser divididos em dois grupos. O primeiro grupo (𝑃𝑡𝑎𝑣𝑔

,

𝑀𝑡𝑎𝑣𝑔

, 𝑉𝑀𝑅𝑡𝑃 , 𝑝𝑜𝑝𝑡

𝑐𝑜𝑣), mais geral, foi escolhido por representar atributos agregados rele-

vantes para a compreensão da organização do mercado, além de usualmente disponíveis nas

bases de informação mantidas por reguladores, associações setoriais etc. O segundo conjun-

to (𝐻𝐻𝐼𝑡𝑠, 𝐻𝐻𝐼𝑡

𝐾, 𝑁𝑡𝑝𝑟𝑜𝑣

, 𝑎𝑔𝑒𝑡𝑎𝑣𝑔

, 𝑠𝑡𝑇,𝑒𝑛𝑡𝑟

, 𝐿𝐾𝑡𝑇,𝑎𝑣𝑔,𝑒𝑛𝑡𝑟

), mais específico, busca representar

algumas das principais dimensões da competição, em linha com as referências normalmente

empregadas pela literatura, privilegiando indicadores que possam ter suas contrapartes em-

píricas obtidas ou calculadas.

4.2.3. Análise de sensibilidade

A análise de sensibilidade é um trabalho experimental no qual os valores dos

parâmetros são alterados, de acordo com um procedimento selecionado, e os resultados do

modelo de simulação são avaliados. Esse processo é repetido para cada combinação de pa-

râmetros selecionada – cada uma delas representando um ponto no espaço multidimensio-

nal da parametrização. Testar o comportamento do modelo, com diversas configurações de

parâmetros, é essencial para a avaliação de sua robustez e dependência das escolhas de ca-

libração (BRENNER; WERKER, 2007).

Embora a maioria dos processos complicados e complexos envolvidos se-ja retratada, geralmente pesquisadores usando modelos History-friendly

têm dificuldades em identificar os mecanismos gerais subjacentes, que

podem ser reencontrados em circunstâncias históricas semelhantes. Em

certa medida, a realização de análises de sensibilidade dos resultados pode resolver esse problema, porque isso dá uma indicação de quão estáveis

são os resultados e sua dependência de efeitos aleatórios [p. 234].

A sensibilidade dos parâmetros não pode ser testada apenas individualmente,

restringindo a aplicação da técnica ceteris paribus tradicional. Como os MAB contêm di-

versos laços de realimentação entre agentes e destes com o ambiente e vice-versa, mesmo

nos níveis agregados mais elevados, “isso conduz a efeitos não lineares da mudança de pa-

râmetros e pode até resultar em efeitos caóticos” (KLÜGL, 2008, p. 40). Os efeitos combi-

nados de diferentes parâmetros e condições iniciais podem atuar de forma coordenada, exi-

gindo que as estimativas – em particular, a de sensibilidade – sejam realizadas de conjun-

tamente. Por isso, a dimensão do espaço de parâmetros é uma variável-chave no estabele-

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219

cimento da estratégia de análise de sensibilidade – e da validação em geral – dos MAB.

Contudo, cada incremento linear na dimensão do espaço de parâmetros representa um au-

mento exponencial no número de possíveis pontos de teste. Modelos com mais do que al-

guns poucos parâmetros dificilmente podem ser avaliados por uma estratégia de “força bru-

ta”, por exemplo, do tipo Monte Carlo puro (BRENNER; WERKER, 2007).

Além da quantidade de parâmetros, outro ponto crítico é a escolha dos valores

de teste para cada parâmetro.264

Novamente, a evidência empírica pode ser utilizada para

delimitar a faixa razoável de variação – ou, pelo menos, sua ordem de grandeza – para a

maioria dos parâmetros de um modelo do tipo history-friendly (WERKER; BRENNER,

2004; WINDRUM, 2007). Mesmo assim, ainda é necessária a seleção de um número restri-

to de valores de teste para cada parâmetro, dentro da faixa aplicável.

A proposta é realizar a avaliação de sensibilidade dos parâmetros do MAB do

mercado de acesso em três etapas. Na primeira, serão definidos os conjuntos (finitos) de

teste para os parâmetros, tendo a referência empírica como guia na determinação dos ex-

tremos. A segunda etapa vai aferir a sensibilidade dos indicadores críticos à variação de

cada parâmetro, mantidos os demais em seus valores de calibração (análise ceteris paribus).

Por fim, na terceira etapa, os parâmetros com maior influência individual nos indicadores

serão testados conjuntamente (análise Monte Carlo).

A metodologia proposta é passível de críticas. Parâmetros que são individual-

mente pouco influentes poderiam potencializar impactos relevantes quando combinados

com alterações em outros. Ou, ainda, esses parâmetros talvez sejam decisivos sobre outras

variáveis não identificadas como indicadores críticos, mas mesmo assim influenciando de

modo importante o sistema (BRENNER; WERKER, 2007). No entanto, acredita-se que a

solução de compromisso adotada seja minimamente capaz de selecionar os pontos mais

interessantes do espaço de parâmetros, capturando seus aspectos cruciais, e, pelo menos,

identificar comportamentos inesperados ou indesejados do sistema simulado.

Um tema pouco discutido sobre os MAB é a definição do tamanho da amostra

de rodadas, necessária para a caracterização dos resultados do modelo (ORMEROD; RO-

264 Evidentemente, o teste dentro do conjunto infinito dos números reais não é factível, logo subconjuntos

particulares (finitos) são escolhidos para cada parâmetro, em função do sistema computacional disponível.

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220

SEWELL, 2009).265

A geração de parâmetros estatísticos por meio de múltiplas rodadas –

com uma mesma configuração de parâmetros – é requerida por causa da presença de pro-

cessos estocásticos (KLÜGL, 2008). A investigação do procedimento adotado nos diversos

modelos disponíveis na literatura mostra valores dispersos em uma faixa que vai, em linhas

gerais, de dez a mil rodadas para cada constelação única de parâmetros. Contraintuitiva-

mente, modelos mais complexos são usualmente testados com amostras menores, em virtu-

de das limitações relativas ao tempo de processamento e ao número de pontos de teste no

espaço de parâmetros. No caso em tela, serão realizadas cinquenta rodadas de simulação

para cada ponto, a exemplo do adotado por Dosi et al. (2010, 2013) para um modelo de

dimensão semelhante. Esse valor foi determinado pela especificação de uma precisão mí-

nima de ±5% para estimação dos indicadores críticos, com confiança de 95%.

As rodadas do modelo são geradas a partir de diferentes “sementes” do gerador

de números aleatórios, garantindo as condições de independência estatística (ausência de

correlação serial) para os componentes de natureza estocástica, incluindo o grafo pseudoa-

leatório (rede social). Em seguida, são inferidas as estimativas paramétricas para os indica-

dores críticos (Seção 4.2.2). Para efeito de análise, no que se segue, eles serão representa-

dos por suas médias e desvios padrão266

ao longo de cada rodada de simulação.

Considerando que 47 conjuntos de parâmetros estão sendo testados, com cinco

valores cada, um total de quase 12 mil rodadas deve ser executado, produzindo 118 mil

resultados distintos para os indicadores. Os testes de sensibilidade estão detalhados no

Apêndice D. Alguns detalhes desses testes serão explorados na próxima seção, em particu-

lar explorando os parâmetros267

com impactos críticos nos resultados (𝑐𝑠, �̅�1𝑘-�̅�3

𝑘 , 𝑞, 𝑔𝐵).

Em geral, conclui-se que, apesar do número relativamente elevado de parâmetros do mode-

lo, apenas um grupo reduzido deles tem capacidade de produzir, individualmente, altera-

ções relevantes nos indicadores críticos. Ainda assim, o impacto de cada um deles restou

265 Esse procedimento é necessário porque, para um dado número de rodadas (amostras), o nível de confiança

e a precisão da estimação dos parâmetros estatísticos variam em sentidos opostos (COSTA NETO, 1977). 266 A análise preliminar confirmou que as distribuições estatísticas, para a maioria dos indicadores, são sufici-

entemente simétricas e unimodais para justificar a representatividade desses dois momentos das distribuições. 267 Respectivamente, a sensibilidade para preço e para influência da rede social, a sensibilidade à variação da

qualidade, a taxa de crescimento do orçamento dos usuários e o fator de escala para custos operacionais. Um sexto parâmetro, não numérico, também foi identificado como crítico para os resultados: a estrutura da rede

social (𝑛𝑒𝑡𝑡𝑦𝑝𝑒), que será tratado mais adiante.

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221

razoavelmente modesto, mostrando a importância da estrutura do modelo sobre suas saí-

das.268

Mudanças expressivas nos resultados foram obtidas, tão somente, com a manipula-

ção intensa e combinada de múltiplos parâmetros.

4.3. Análise dos resultados

A avaliação do comportamento do modelo não é uma tarefa trivial. A verifica-

ção das relações gerais entre entradas e saídas, realizada durante a análise de sensibilidade,

é apenas o passo inicial desse processo.

[O] teste de MABs pode borrar a fronteira [...] entre verificação e valida-ção. Se podemos testar o MAB em questão, alterando as variáveis de en-

trada diferentes para avaliar o intervalo de valores de saída possível que o

modelo produz, então temos que ter alguns meios para julgar se esse in-tervalo é consistente com o correto funcionamento do modelo ou não. Na

maioria dos casos, isso apenas pode ser feito se considerarmos a plausibi-

lidade dos resultados com referência aos intervalos de entrada que foram

escolhidos. Isso, por sua vez, geralmente se baseará na parcela da realida-de que o modelo tenta explicar. Esta é uma das razões por que uma des-

crição clara do problema a ser modelado e como a saída deve ser julgada é

essencial para a verificação e a validação [ORMEROD; ROSEWELL, 2009, p. 133].

Com base no teste de sensibilidade do modelo, a primeira etapa de avaliação

consiste na validação dos resultados gerais produzidos, a partir da informação da pesquisa

empírica. Isso se dá pela verificação da plausibilidade dos valores, das relações entre variá-

veis e da dinâmica proveniente das múltiplas rodadas do modelo (KLÜGL, 2008). Por cau-

sa das características próprias dos MAB, os procedimentos de investigação têm de envolver

não apenas as propriedades agregadas do modelo, mas sobretudo aquelas oriundas de sub-

conjuntos dos agentes, ou mesmo de agentes individuais (ibid.).

Em uma segunda etapa, dentro da metodologia dos MAB history-friendly, será

avaliada a aderência dos resultados aos fatos estilizados e trajetórias históricas provenientes

da análise apreciativa (MALERBA, 2010). Por fim, testa-se a compatibilidade entre os me-

canismos de causação verificados no modelo e as hipóteses teóricas adotadas.

268 Essa constatação deve ser devidamente qualificada. Em virtude da restrição de tempo e de capacidade de processamento, inerentes aos modelos de simulação mais complexos, apenas regiões reduzidas do espaço de

valores dos parâmetros puderam ser exploradas. Entretanto, acredita-se que a estratégia proposta permitiu

selecionar as regiões mais interessantes para o processo de análise de sensibilidade, segundo uma perspectiva

history-friendly. Sem a pretensão de generalidade sobre os resultados obtidos, parece claro que eles sejam

suficientemente representativos do quadro empírico modelado, como será discutido a seguir.

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222

4.3.1. Resultados gerais do modelo

Os resultados do modelo foram logrados por meio da repetição de 50 rodadas

de simulação, sob a mesma configuração de parâmetros e valores iniciais, a partir das quais

são geradas as séries temporais. Cada rodada envolveu 250 unidades de tempo (UT), repre-

sentando um período de mais de 60 anos no setor investigado. Esse método permite não

apenas a representação paramétrica (médias e desvios padrão) dos indicadores que sumari-

zam os resultados, mas também uma perspectiva da dinâmica temporal dos processos.269

No que se segue, serão descritos resultados em termos dos intervalos de confiança obtidos

nas múltiplas rodadas, além de suas médias. Os intervalos foram construídos com um nível

elevado de significância (1%), de modo que os seus limites confinam os resultados da vasta

maioria das rodadas.

4.3.1.1. Demanda, preços e qualidade

Na configuração testada, compatível com a evidência empírica do setor de in-

ternet real (ver Apêndice C), o mercado de acesso é iniciado com quatro provedores e 1,2

milhão de usuários do serviço distribuídos uniformemente entre eles.270

Esses provedores

contam com tecnologias, redes, qualidades e preços iguais no momento inicial (𝑡 = 0). Os

usuários, nesse instante, contam com orçamento equivalente aos preços ofertados pelos

provedores. A partir do período 𝑡 = 0, novos usuários potenciais chegam continuamente ao

mercado de internet, até que seja atingida a saturação em torno de 𝑡 = 150.271

O crescimen-

to da demanda potencial total tem o perfil clássico da curva logística, ajustada aos dados

empíricos brasileiros (COSTA; BIANCHINI, 2008; CETIC.BR, 2006-2014; IBGE, 2014),

conforme a Figura 31.

269 Obviamente, não existe a expectativa de que a trajetória histórica de qualquer variável do sistema real seja

representada, por exemplo, pela trajetória média gerada pelo sistema para a versão modelada dessa variável.

Dada sua unicidade e não reprodutibilidade, a trajetória concreta pode perfeitamente representar um caso

limite dentro do modelo proposto, sem que isso configure uma anomalia da modelagem (WINDRUM, 2007). 270 Conforme apresentado no Apêndice D, o número inicial de provedores ou de usuários potenciais não é

crítico para os resultados gerais do modelo, exceto durante o período inicial (𝑡 < 50). 271 Os novos usuários dispõem de orçamentos distribuídos aleatória e individualmente. Todos os valores de

parâmetros e condições iniciais adotados estão detalhados no Apêndice C.

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223

Figura 31 – Evolução da demanda real e simulada.

(milhões de unidades, conexões permanentes do serviço de acesso)

Fonte: análise do autor, com base em Sepin (2000), CETIC.br (2006-2014) e IBGE (2014).

Os usuários são heterogêneos nos orçamentos, na posição que ocupam na rede

social e também nos parâmetros (pesos fixos) que ordenam a utilidade relativa das ofertas –

conforme a função definida na Seção 3.2.2.3. Essas preferências são formadas consideran-

do-se três dimensões: preço, qualidade e market share dentro da sua rede de relacionamen-

to, representando a influência de outros usuários. Assim, a composição das escolhas dos

vizinhos tem relação direta com a decisão do consumidor, configurando um problema de

otimização em duas dimensões globais e uma local – os preços e qualidades ofertados são

iguais para todos, mas a configuração das vizinhanças é distinta em diferentes regiões da

rede social. Logo, a estrutura dessa rede é crítica para a dinâmica de difusão da informação

e a adoção dos serviços (JACKSON; YARIV, 2007; MORONE; TAYLOR, 2010).

A organização dos usuários dentro da rede de relacionamento social foi mode-

lada como um grafo pseudoaleatório estático, utilizando-se um algoritmo avançado (2.5K-

Graphs) que permite grande controle sobre as redes artificiais produzidas. A parametrização

adotada, obtida por estimação com base em uma parcela da rede social online Facebook, foi

10

20

30

40

50

60

70Acessos internet (real)

Acessos internet (simulação)

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224

empregada para gerar um conjunto de 50 redes relativamente pequenas, com cerca de 13

mil nós272

e 180 mil conexões cada. As médias para as métricas usuais são descritas na Ta-

bela 6. Como esperado, todas elas apresentaram valores compatíveis com as redes de social

reais utilizadas como referência (GJOKA et al., 2013).

Tabela 6 – Métricas de rede.

Densidade Diâmetro Caminho

médio Grau médio

Clustering

médio Assortativity

Expoente

power-law

0,0022 10,36 3,56 28,32* 0,201* -0,038 2,01

(Valores médios de 50 redes geradas; *diretamente derivado da parametrização adotada).

Figura 32 – Distribuição média de graus nas redes geradas.

(fração dos usuários para cada grau e intervalo de confiança, escala logarítmica).

Não são apenas as métricas gerais da rede que se mostraram adequadas, mas

também as principais distribuições estatísticas de algumas características importantes para

redes de relacionamento humano. A distribuição de grau (o número de conexões que cada

nó tem na rede), representada na Figura 32, tem a propriedade usual de “fat tail” (“cauda

272 Que, por sua vez, representam o universo de cerca de 130 milhões de usuários potenciais no mercado real.

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225

longa”) scale-free. A estimação do parâmetro 𝛼 – de uma distribuição com a forma geral

P(𝑥) = 𝑥−𝛼 – forneceu valor 2,01, dentro do esperado para esse tipo de rede (JACKSON,

2010). A distribuição de grau é um dos fatores mais relevantes para a difusão de informa-

ções na rede, inclusive das ofertas no mercado de acesso.

Figura 33 – Distribuição média do coeficiente médio de clustering.

(coeficiente de clustering médio para cada grau e intervalo de confiança, escala logarítmica).

Outra característica importante das redes sociais reais, reproduzida pelo mode-

lo, é o clustering – a probabilidade que os vizinhos de um nó também sejam vizinhos entre

si, uma medida da importância relativa dos fatores locais. A Figura 33 indica que as redes

produzidas apresentam clustering relativamente estável e razoavelmente elevado ao longo

de todo o conjunto de graus presentes, atributo essencial para reproduzir a situação de inte-

ração local dos consumidores no mercado.

As redes pseudoaleatórias produzidas pelo modelo apresentam a propriedade de

assortativity positiva significativa, pelo menos para uma parcela importante dos nós, como

evidenciado na Figura 34. Essa propriedade, derivada da distribuição de grau conjunta, in-

dica a propensão de nós com grau elevado – ou mais conectados – se conectar com outros

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226

nós com muitas ligações. Por isso, assortativity positiva é associada com a baixa eficiência

de nós “hiperconectados” como difusores de informação nas redes, como frequentemente

assumido nos estudos sobre difusão (JACKSON, 2010). Obviamente, a limitação do tama-

nho da rede faz com que, a partir de certo grau, a assortativity inevitavelmente torne-se

negativa, por uma questão de escala. Essa é uma distorção inevitável que a adoção de uma

escala diferente de 1:1 introduz no modelo.273

Figura 34 – Distribuição média do grau médio dos vizinhos.

(grau médio dos vizinhos para nós de cada grau e intervalo de confiança, escala logarítmica).

A configuração da rede social é definida em 𝑡 = 0 e permanece constante ao

longo da rodada de simulação.274

Entretanto, como uma realização distinta de rede é utili-

zada em cada rodada, certa “dinâmica” pode ser apreendida pela avaliação de cortes trans-

versais do conjunto de rodadas. Apesar da estrutura das redes empregadas nas rodadas ser

273 No caso, a escala adotada é de 1:10.000, por restrições computacionais. 274 Essa é uma restrição importante. Ela equivale à premissa de que, ao longo de anos, a rede de relações soci-

ais dos usuários não se altera. Por outro lado, a modelagem de redes estocasticamente dinâmicas no tempo

introduziria, além da complexidade técnica, problemas para a identificação da composição dos efeitos da rede

social sobre o mercado. Por isso, optou-se, em uma primeira etapa, privilegiar a análise dos efeitos estruturais

da rede, deixando o estudo sobre os efeitos dinâmicos para pesquisa posterior.

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227

estável – por construção – o processo de geração dá origem a alguma variação entre cada

“versão”, mesmo nas métricas “macro”, como fica claro na Figura 35. Por outro lado, ao se

analisar as redes no nível “micro”, é possível constatar a completa distinção entre as ver-

sões. A homogeneidade, no nível macro, e a heterogeneidade, no micro, são essenciais para

estabelecer relações entre as propriedades estruturais das redes e sua influência no mercado

de maneira rigorosa e não casuística.

Figura 35 – Variação do grau e do clustering médios ao longo das rodadas.

(grau médio (escala esquerda) e coeficiente de clustering médio (escala direita)).

Todavia, não é apenas a estrutura da rede que organiza localmente os usuários.

A combinação das duas primeiras dimensões das preferências275

– preço e qualidade – ten-

de a agrupar os clientes em nichos ou submercados. Em rodadas típicas do modelo mostra

que se formam nichos de grupos de usuários com preferências “radicais” – peso muito mai-

or em uma ou duas das primeiras dimensões –, para os quais provedores específicos forma-

tam uma oferta especial (preço baixo ou qualidade alta e vice versa). Nesses casos, é co-

mum se desenvolver a relação clássica de lock-in. Em virtude da distribuição uniforme ado-

tada para a atribuição das preferências, esses nichos costumam ser pequenos, assim como

275 Preço menor é preferido ao maior, qualidade superior é preferível à inferior e provedor mais popular na

vizinhança da rede social do consumidor é preferível à um menos popular.

0,17

0,19

0,21

0,23

0,25

20

22

24

26

28

30

32

1 11 21 31 41

Grau médio (esq.)

Clustering médio (dir.)

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228

os provedores que se especializam neles – apesar das rentabilidades elevadas frequente-

mente observadas nos nichos de alta qualidade. Os nichos não podem ser eficazmente aten-

didos por um único provedor, em função da restrição de oferta única para cada firma e a

possível incompatibilidade entre as dimensões de escolha – em particular, por causa do

antagonismo entre preço e qualidade.

Figura 36 – Evolução do churning.276

(média móvel277

da fração dos usuários que mudam de provedor e intervalo de confiança278

).

Um dos fatos estilizados mais importantes do mercado de acesso, o elevado

churning (troca de provedores pelos usuários), pode ser identificado no modelo, como pro-

priedade emergente (não explicitamente programada). A Figura 36 apresenta esse resultado.

Níveis de churn da ordem de 4% por UT – similares aos reais (Seção 1.4.3.3) – são verifi-

cados na etapa de aceleração do crescimento da demanda (𝑡 < 50). A partir daí, o churn

reduz-se gradualmente, estabilizando-se em um patamar, ainda alto, acima de 1% por UT.

276 Em todos os gráficos a seguir, o eixo das abscissas representa o tempo em unidades de tempo de simulação

(UT), ou aproximadamente um trimestre, exceto quando indicado em contrário. 277 A filtragem de algumas variáveis, por meio de médias móveis de 4 UT (unidades de tempo), visa remover a oscilação de alta frequência que é criada ao se permitir entradas apenas em períodos múltiplos de 4 UT. 278 A análise da distribuição dos resultados obtidos ao longo das rodadas de simulação pode ser sintetizada

pela construção de intervalo de confiança para as médias. Todos os intervalos de confiança a seguir foram

obtidos a partir de amostras de cinquenta rodadas, ao nível de 1% de significância, exceto quando explicita-

mente especificado em contrário.

0%

2%

4%

6%

8%

1 51 101 151 201

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229

Figura 37 – Evolução da parcela dos usuários atendida pelo serviço de acesso.

(fração dos usuários potenciais com acesso à internet e intervalo de confiança, 𝑡 ≥ 30279).

Outra característica do comportamento da demanda no modelo é a possibilidade

de exclusão de um grande número de usuários potenciais do serviço de acesso, em função

da possível inexistência de provedores com preço compatível com os orçamentos individu-

ais. Entretanto, o cenário de simulação mais provável é de cobertura superior a 95% da po-

pulação ao longo do tempo, apesar de que, em rodadas atípicas, a proporção de usuários

atendidos pode permanecer baixa, em torno de 40%. A Figura 37 evidencia esse padrão.

Notar que o porcentual mostrado é definido sobre a população potencial de usuários naque-

le momento e não sobre a total, apesar da primeira convergir para a segunda. Em todas as

rodadas, porém, uma parcela significativa da população potencial resta desconectada no

estágio inicial do setor (𝑡 < 80),280

por causa dos preços elevados do serviço. Analisando

as decisões das firmas e suas “contabilidades virtuais”, esse fenômeno se explica, majorita-

riamente, pelos altos custos iniciais da tecnologia e pela reduzida escala de operação, o que

implica em preços excessivos e menos usuários com orçamento suficiente.

279 No período 𝑡 < 30, a fração dos usuários potenciais do serviço de acesso diminui no modelo, como resul-

tado da premissa – arbitrária – de considerar 100% dos usuários potenciais atendidos em 𝑡 = 0. Como esse resultado depende inteiramente dessa premissa, tomada com base na ausência de melhor informação, remo-

veu-se da figura a parcela da curva afetada – o “warm-up” do modelo. Isso não afeta os demais resultados. 280 Ou cerca de 20 anos, considerando que cada unidade de tempo simulada corresponde, grosso modo, a 1

trimestre no tempo histórico do setor concreto.

20%

40%

60%

80%

100%

30 80 130 180 230

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230

Figura 38 – Evolução do preço do serviço de acesso.

(em UM (unidades monetárias), média ponderada dos preços281

e intervalo de confiança).

Figura 39 – Evolução da razão variância/preço.

(razão entre variância do preço médio ponderado e preço médio ponderado e intervalo de

confiança).

281 Nesse e em todos os casos a seguir, exceto quando mencionado em contrário, a ponderação é realizada

utilizando-se o respectivo market share das firmas como peso.

0

50

100

150

200

250

300

1 51 101 151 201

0

10

20

30

40

1 51 101 151 201

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231

O comportamento dos preços médios ponderados praticados no mercado é mos-

trado na Figura 38. Novamente, o comportamento é semelhante aos resultados empíricos

(Seção 1.4.3.4). A análise das rodadas indicou que os preços mais elevados no período ini-

cial (𝑡 < 75) são devidos, em um primeiro momento (𝑡 < 25), aos preços iniciais configu-

rados para os provedores pioneiros, mas, rapidamente, tornam-se consequência dos custos

ainda altos das tecnologias de rede disponíveis. Apesar da variação entre rodadas, à medida

que avança a produtividade da tecnologia, na maioria dos casos os preços convergem para

patamares compatíveis com os orçamentos de parcela majoritária da população de usuários

potenciais. Destaque-se, essa não é uma convergência automática – em rodadas atípicas o

preço imódico foi mantido indefinidamente – nem implica margens de lucro reduzidas na

maior parte das rodadas.

A Figura 39 mostra, ainda, que a dispersão dos preços aumenta rapidamente na

fase de crescimento acelerado (𝑡 < 50) e depois se torna continuamente decrescente, mes-

mo após a estabilização do preço (𝑡 > 100). Isso indica que, apesar da aparente “tranquili-

dade assintótica” no comportamento da Figura 38, uma intensa dinâmica de diferenciação

dos preços está em ação no mercado virtual durante expressiva parcela de tempo.

Figura 40 – Evolução da qualidade do serviço de acesso.

(média móvel da média ponderada do índice de qualidade e intervalo de confiança; o nível 1

representa a qualidade “padrão”, valores maiores representam qualidade superior).

0,9

1

1,1

1,2

1,3

1,4

1 51 101 151 201

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232

De modo consistente com a função de utilidade fixa dos usuários, e a despeito

da flexibilidade dos provedores para modificar suas qualidades de rede no processo compe-

titivo, a qualidade média ponderada do serviço ofertado manteve-se relativamente constante

(Figura 40), ainda que com tendência de redução ao longo do tempo. Isso parece compatí-

vel com a evidência empírica apresentada na Seção 1.4.3.3. Por outro lado, a dispersão da

trajetória da qualidade entre as rodadas foi muito significativa, superior ao caso do preço.

Diferenças de mais de 50% nos níveis de qualidade foram frequentes, reproduzindo mais

um fato estilizado importante: a grande variabilidade nos graus de qualidade entre diferen-

tes mercados reais – e entre provedores, dentro destes.

4.3.1.2. Oferta, competição e concentração

Figura 41 – Evolução do número total de provedores no mercado.

(média móvel do número de provedores e intervalo de confiança).

Pelo lado da oferta, a análise das rodadas de simulação mostra que a entrada e a

saída de firmas no mercado são intensas durante a fase de crescimento da demanda (medida

pela população de usuários potenciais), que acontece quando 𝑡 < 125, caracterizando um

regime turbulento nessa etapa. Conforme se depreende da Figura 41, o regime de entrada e

saída e o número de provedores tendem a se estabilizar no período de maturidade do setor

2

6

10

14

18

22

1 51 101 151 201

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233

simulado (𝑡 > 125). Em qualquer rodada, a quantidade máxima de firmas relevantes282

atuando foi de 34, apesar de, na maior parte do tempo, o número ser bastante inferior – em

média, 16 provedores na fase de crescimento acelerado, revertendo para 13 durante a matu-

ridade. Rodadas com o surgimento de monopólio foram observadas, apenas durante a matu-

ridade, com probabilidade pequena, mas não negligível – superior a 10%. O número de

provedores maiores – os incumbentes283

– variou tipicamente entre três, durante o cresci-

mento acelerado, e dois, na maturidade. Tudo isso está em acordo – pelo menos qualitati-

vamente – com a análise empírica (Seção 1.4.3.2).

Figura 42 – Evolução das taxas de retorno sobre o capital empregado.

(média móvel das taxas de retorno médias ponderadas e intervalos de confiança, escala logarítmica).

A turbulência no grupo de provedores entrantes284

pode ser parcialmente expli-

cada, segundo a dinâmica do modelo, pela significativa e persistente diferença de rentabili-

dade entre entrantes e incumbentes. Os dados de rentabilidade – ou retorno sobre o capital

empregado (investimento) – estão mostrados na Figura 42, sob a forma das taxas médias

brutas ponderadas pela participação de mercado e são compatíveis com a Seção 1.4.3.4.

282 A simulação modelou apenas firmas com market share médio igual ou superior a 1%, independentemente

da viabilidade econômica de provedores menores. 283 Foram classificados como incumbentes aqueles provedores que detiveram market share de pelo menos

20% durante 20 UT consecutivas, além dos provedores iniciais. 284 Os entrantes são definidos por contraste aos incumbentes, ou seja, são aqueles provedores que adentram o

mercado após o período inicial (𝑡 > 0) e que não atingem market share superior a 20% por mais de 20 UT.

0%

1%

10%

100%

1 51 101 151 201

Incumbentes

Entrantes

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234

A rentabilidade dos entrantes é baixa, em especial após a segunda metade do

período de crescimento acelerado (𝑡 > 40). O intervalo 90 < 𝑡 < 120 é especialmente

crítico, quando são frequentes casos de prejuízo. Porém, a taxa bruta de retorno sobre o

capital empregado dessas firmas acomoda-se em um patamar em torno de 5% na maturida-

de, o que ajuda a explicar a dificuldade para entrada e sobrevivência nessa etapa do desen-

volvimento do mercado. Isso ocorre a despeito da turbulência e do acesso pleno dos entran-

tes às tecnologias de rede mais recentes. Já a rentabilidade dos incumbentes persiste, duran-

te toda a simulação, em patamares substancialmente superiores a 10% – apenas ao redor de

𝑡 = 40 as rentabilidades se aproximam, por um prazo curto.

Figura 43 – Evolução da idade das redes dos provedores.

(em UT, média móvel da média poderada das idades das redes e intervalo de confiança).

A baixa rentabilidade dos entrantes, na perspectiva evolucionária, pode parecer

surpreendente. Confirmando as expectativas teóricas, o exame das “safras” tecnológicas das

redes de incumbentes e entrantes, representada na Figura 43, mostra uma significante e

persistente vantagem para os entrantes – redes em média sete UT (quase dois anos) mais

novas – o que se traduz em custos unitários médios de operação e manutenção menores

para essas firmas (redes recentes têm produtividade superior). Isso é particularmente impor-

tante considerando-se o ritmo veloz do avanço tecnológico, verificado no modelo pelo in-

cremento da produtividade do capital, mostrados na Figura 44.

0

10

20

30

40

1 51 101 151 201

Incumbentes

Entrantes

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235

Figura 44 – Evolução da produtividade do capital.

(em UM, média móvel da produtividade unitária do capital da média ponderada dos provedores e da

tecnologia mais avançada disponível).

No entanto, a análise aprofundada do modelo revela que o lock-in285

de usuários

em alguns provedores, a presença de economias de escala e a baixa agressividade comercial

entre incumbentes (resultante do processo de aprendizado e seleção de estratégias discutido

na Seção 3.2.2.6) são os principais fatores para a manutenção das margens superiores des-

sas firmas, bem como para a saída frequente de entrantes do mercado, não obstante a van-

tagem tecnológica destes. Essa combinação é responsável pela limitada participação de

mercado dos entrantes na maioria das rodadas, conforme a Figura 45, em sintonia com a

evidência empírica (Seção 1.4.3.2).

No modelo, a ocorrência do lock-in dos usuários em certos provedores se dá,

principalmente, devido à prioridade que muitos consumidores dão para as firmas populares

em seu círculo de relacionamento (vizinhança da rede social em que se inserem). De forma

secundária, o lock-in surge também no caso de combinações de preço e qualidade especi-

almente adequadas para grupos específicos de usuários, mas esse é um fenômeno mais res-

trito no modelo, de formação de pequenos nichos especializados.

285 A ocorrência do lock-in é caracterizada pela manutenção persistente, pelo usuário, do provedor de acesso,

mesmo quando existem ofertas (combinações de preço e qualidade) de outros provedores significativamente

superiores (DAVID, 1985).

0,000

0,005

0,010

0,015

0,020

1 51 101 151 201

Fronteira tecnológica

Produtividade média

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236

Na Figura 45, de um pico de 56% de market share do conjunto de provedores

entrantes, obtido em meados do período de crescimento acelerado do mercado, a tendência

na maturidade é de declínio consistente para uma participação modesta – em torno de 25%.

Considere-se, entretanto, que os raros entrantes exitosos (com share individual superior a

20% após20 UT) passam a ser considerados incumbentes no modelo, o que certamente su-

bavalia o impacto dos entrantes na Figura 45.

Figura 45 – Evolução do market share total dos provedores entrantes.

(participação no mercado total e intervalo de confiança).

A questão da modesta parcela de mercado dos entrantes, especialmente no perí-

odo de maturidade, fica mais clara quando se avalia a idade média ponderada (pelo market

share) dos provedores incumbentes, na Figura 46. Até 𝑡 = 60, a idade desse grupo é defi-

nida essencialmente pela contribuição das firmas que eram incumbentes desde 𝑡 = 0 (a

parte reta da curva que parte da origem, com inclinação de 45º). Nesse período, a grande

maioria dos entrantes ainda é ou muito jovem ou muito pequeno para entrar no grupo dos

incumbentes. A partir daí, a ligeira inflexão da curva, para baixo da reta de 45º, indica a

tímida286

contribuição dos “ex-entrantes” na definição da idade dos incumbentes efetivos.

286 Os resultados sobre a reta de 45º que parte da origem representam cenários em que apenas as firmas que

existiam no período 𝑡 = 0 sobreviveram como incumbentes até o período correspondente do gráfico. Como se

depreende do intervalo de confiança superior situar-se sempre abaixo dessa reta, apesar de modesta, na maio-

0%

20%

40%

60%

80%

1 51 101 151 201

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237

Figura 46 – Evolução da idade média dos provedores incumbentes.

(em UT, média ponderada das idades e intervalo de confiança).

Apenas rodadas “extremas” da simulação produzem casos de monopólio ou oli-

gopólio estáveis (incumbentes originais mantendo o domínio do mercado) e de competição

intensa (dificuldade das incumbentes permanecerem dominantes por períodos extensos). A

latitude entre essas possíveis rodadas permite compreender como mercados com atributos

tecnoeconômicos semelhantes (diferentes países, por exemplo) podem ter desfechos com-

petitivos bastante diversos por conta de eventos idiossincráticos. De certo modo, isso repre-

senta a redução da importância dos fatores estruturais, usualmente considerados os únicos

relevantes, no longo prazo, para a definição dos possíveis “equilíbrios” do sistema concor-

rencial, mas em claro suporte à ideia de path dependence (ARTHUR, 1989).

Desse modo, o modelo parece reproduzir outro fato estilizado, a grande variabi-

lidade do nível de concentração observada nos distintos países (MERRILL LYNCH, 2013).

A curva média na Figura 46, muito próxima da reta de 45º, indica que os casos de mercados

competitivos são significativamente menos comuns, o que, em princípio, é também compa-

tível com a evidência empírica. Mas a curva de mínimo – a linha tracejada – mostra que os

desfechos de elevada concorrência são possíveis, todavia.

ria das rodadas pelo menos um entrante têm êxito e se transforma em incumbente após algum tempo, curio-

samente em linha com o caso anedótico da empresa GVT (Seção 1.4.3.2).

0

50

100

150

200

250

1 51 101 151 201

45 graus

Média

Mínimo

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238

A avaliação detalhada das rodadas de simulação permite concluir que a inces-

sante turbulência, entre os entrantes, e a relativa estabilidade, entre os incumbentes, propi-

ciam uma inequívoca tendência à contínua concentração da estrutura do setor. Isso fica evi-

dente ao se analisar a Figura 47, para o market share, e a Figura 48, para o capital.

Figura 47 – Índice Herfindahl-Hirschman para o market share.

(índice 𝐻𝐻𝐼𝑠 e intervalo de confiança).

A Figura 47 apresenta a evolução do índice Herfindahl-Hirschman para o mar-

ket share (𝐻𝐻𝐼𝑠). São relativamente incomuns as rodadas nas quais o 𝐻𝐻𝐼𝑠 varia substan-

cialmente em relação à média, sugerindo que a concentração é uma característica estrutural.

Recorde-se, ainda, que esses resultados são obtidos sem que o modelo incorpore vantagens

usualmente atribuídas aos incumbentes – as “barreiras” –, como as economias de escopo

em atividades de propaganda e comercialização, as sinergias com produtos e serviços com-

plementares etc.

Conforme a Figura 48, o índice de Herfindahl-Hirschman, calculado para o ca-

pital empregado (𝐻𝐻𝐼𝐾), se comporta de forma semelhante ao caso do 𝐻𝐻𝐼𝑠 exceto no

período inicial, apesar do patamar algo inferior e do intervalo de confiança alargado no

longo prazo. A despeito dos valores inferiores do 𝐻𝐻𝐼𝐾 durante o crescimento acelerado, a

tendência é de contínua concentração no decorrer da maior parte da simulação, como no

0

0,2

0,4

0,6

0,8

1 51 101 151 201

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239

caso do 𝐻𝐻𝐼𝑠. A propensão de ambos os indicadores é não é em geral de convergência, o

que é consistente com a rentabilidade superior exibida pelos incumbentes.

Figura 48 – Índice Herfindahl-Hirschman para o capital empregado.

(média móvel do índice 𝐻𝐻𝐼𝐾 e intervalo de confiança).

Em resumo, os objetivos da modelagem foram aparentemente atingidos e ne-

nhuma discrepância significativa pôde ser identificada nessa etapa. Pelo contrário, os resul-

tados globais obtidos mostraram-se bastante consistentes com a evidência selecionada pela

pesquisa empírica e com as hipóteses teóricas consideradas no quadro de referência adota-

do. Além disso, os fatos estilizados elencados foram reproduzidos como propriedades

emergentes do modelo, o que, a priori, confirma a adequação das premissas adotadas. A

seguir, os elementos principais dessas duas categorias analíticas serão confrontados com as

informações detalhadas produzidas pelo modelo.

4.3.2. Aderência dos resultados aos fatos estilizados e às trajetórias históricas

A adequada reprodução dos fatos estilizados e das trajetórias históricas selecio-

nados é um dos objetivos do modelo proposto, não obstante isso não ser um fim em si. A

função central do modelo, na metodologia history-friendly, é dotar o analista de um artefato

que permita a análise interna e detalhada dos processos simulados e, assim, ajude a esclare-

0

0,2

0,4

0,6

1 51 101 151 201

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240

cer, por analogia, os desdobramentos do sistema econômico real (GARAVAGLIA, 2004;

MALERBA, 2010).

[Neste caso] os resultados da simulação são usados para estudar as carac-

terísticas do sistema que foi modelado. O objetivo é compreender a rela-ção entre variáveis e/ou parâmetros ou realizar análises contrafatuais. Isto

implica que os resultados da simulação são tratados de forma similar aos

dados empíricos. [...] O propósito é identificar as relações de causalidade subjacentes para explicar fenômenos conhecidos. [...] A intenção é identi-

ficar aquelas configurações do modelo para o qual os resultados da simu-

lação estão em consonância com os dados empíricos [BRENNER; WER-KER, 2007, p. 240-241].

A proposta desta seção é, portanto, não apenas validar os resultados qualitati-

vos, mas, antes, esclarecer os processos que deram origem a eles. A identificação das rela-

ções causais subjacentes às características e à dinâmica do modelo pode fornecer, simulta-

neamente, novas perspectivas para a compreensão dos fenômenos concretos e um meio

eficaz para testar se as premissas assumidas são compatíveis com o sistema real.

Como apontado na seção anterior, o modelo permite a reprodução dos fatos es-

tilizados setoriais apresentados no Capítulo 1. Na sequência, serão abordados cinco deles,

selecionados pela sua relevância durante a pesquisa empírica.287

4.3.2.1. Fato Estilizado 1: concentração de mercado persistente

A concentração de mercado no segmento de acesso, evidenciada na análise

apreciativa, é inequivocamente constatada no modelo (Figura 47 e Figura 48), tanto para a

concentração do market share quanto do estoque de capital (redes de telecomunicação). O

índice de Herfindahl-Hirschman para ambos os quesitos (𝐻𝐻𝐼𝑠 e 𝐻𝐻𝐼𝐾) apresentou mé-

dias, em de 50 rodadas, de 0,42 e 0,25, respectivamente. Isso representa níveis de concen-

tração elevados, segundo os parâmetros habituais adotados pelas autoridades antitruste.288

Mesmo na “melhor” rodada, a média mínima observada para o 𝐻𝐻𝐼𝑠 foi de 0,26, o que é

suficiente para classificar o mercado em questão como significativamente concentrado.

287 Um sexto fato estilizado setorial, os ciclos prolongados de difusão tecnológica, foi tratado em Pereira

(2012a) e não será retomado aqui, uma vez que não está diretamente relacionado com o tema central da tese. 288 Segundo as diretrizes adotadas pelo Departamento de Justiça e pela Comissão Federal de Comércio dos

EUA (USDJ, 2010), valores de 𝐻𝐻𝐼𝑠 superiores a 0,25 classificam um mercado como altamente concentrado.

Os organismos antitruste brasileiros não adotam o 𝐻𝐻𝐼𝑠em suas recomendações, eles utilizam o índice C4

(concentração nas quatro maiores firmas) superior a 75% como indício de concentração (SEAE; SDE, 2001),

o que, grosso modo, é equivalente a um 𝐻𝐻𝐼𝑠crítico de 0,16 nas condições do mercado em questão.

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241

Caracterizada a aderência do modelo a esse quesito, resta esclarecer os meca-

nismos internos responsáveis. Do ponto de vista estrutural, as equações do modelo não ca-

racterizam qualquer condição particular que enseje a concentração, o que, de resto, fica

demonstrado pela viabilidade de rodadas com níveis relativamente baixos. Como já menci-

onado, a concentração elevada surge como propriedade emergente do modelo, tanto na pa-

rametrização testada (calibração) como em diversos cenários alternativos.

Analisando-se outros possíveis fatores estruturais que pudessem ensejar a con-

centração, não foi possível identificar uma origem específica para explicá-la. As tecnologi-

as de rede, principal insumo das firmas do modelo, são exógenas a elas e estão disponíveis

para todas. Os consumidores, por sua vez, têm acesso às ofertas de todos os provedores ao

tomarem suas decisões, apesar da otimização local induzida pela rede social. Já as combi-

nações entre preços ofertados e qualidade de rede dentro do espaço de escolha das empresas

– a função de produção implícita – são, em princípio, factíveis. Existe, ainda, a possibilida-

de de imitação das combinações adotadas pelas firmas de maior sucesso.

Figura 49 – Índice Herfindahl-Hirschman em cenários contrafatuais.

(índice 𝐻𝐻𝐼𝑠 médios para os valores de calibração e para os conjuntos de parâmetros de teste).

Da configuração do modelo, a análise de sensibilidade indicou os parâmetros

críticos para os índices de concentração (𝐻𝐻𝐼𝑠 e 𝐻𝐻𝐼𝐾). A Tabela 12 (Apêndice D) mostra

que, tanto individual quanto conjuntamente, os parâmetros 𝑐𝑠, �̅�1-�̅�3, 𝑞 e 𝑔𝐵 têm significa-

0

0,2

0,4

0,6

0,8

1

1 51 101 151 201

Conjunto 5

Calibração

Conjunto 16

Conjunto 4

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242

tiva potencialidade para alteração dos níveis de concentração no setor.289 Em particular, o

teste de sensibilidade conjunta (Tabela 14) apontou sugestivamente para um HHI interme-

diário para os valores de calibração. Daí advém o razoável potencial para variação do HHI

pela mudança dos parâmetros críticos. Isso fica evidente na Figura 49, que apresenta o

𝐻𝐻𝐼𝑠 para algumas combinações desses parâmetros (conforme a Tabela 13 do Apêndice

D), que proporcionam a máxima (conjunto 5) e a mínima (conjunto 4) concentração do

mercado ao longo do tempo. Em particular, para os conjuntos de parâmetros de número 4 e

16, o nível médio de concentração cai abaixo dos limites usuais de concentração elevada

durante a maior parte da simulação. Esse ponto será retomado à frente.

Os processos ativados pela alteração dos parâmetros críticos para a concentra-

ção decorrem de quatro mecanismos: (i) a presença de economias de escala (parâmetro 𝑐𝑠);

(ii) a ausência de crescimento nos orçamentos disponíveis para os usuários (parâmetro 𝑔𝐵);

(iii) a redução da acuidade dos usuários para diferenças de qualidade entre provedores (pa-

râmetro 𝑞); e (iv) a influência dos outros na decisão do consumidor, em desfavor dos pesos

dados ao preço e à qualidade (parâmetros �̅�1, �̅�2 e �̅�3, sendo que �̅�1 + �̅�2 + �̅�3 = 1).

Os dois primeiros mecanismos são esperados e usuais na literatura. A relevân-

cia de economias de escala em um setor como a internet é provavelmente o mecanismo

mais bem estabelecido desde a OIC, entre os apontados (BAIN, 1956, 1959/1987; CHAN-

DLER, 1977, 1990; PORTER, 1980/1986). Isso será mais bem explorado na Seção 4.3.3.1.

Adicionalmente, a questão da estagnação (ou redução) dos orçamentos dos usuários é razo-

avelmente óbvia, por redutora das oportunidades para o estabelecimento de novas firmas no

mercado. Nesse caso, e, sobretudo, em situações nas quais a migração entre provedores

apresenta restrições (contratos e vínculos de ordem social), as possibilidades de crescimen-

to das empresas limitam-se à conquista de market share. Isso prejudica a adoção de estraté-

gias “clássicas” dos entrantes, como desenvolver nichos, não atendidos satisfatoriamente

pelos incumbentes, e crescer a partir deles (PORTER, 1980/1986).

Por outro lado, a importância de questões de ordem institucional na concentra-

ção dos mercados, como as apontadas em (iii) e (iv) acima, é um fenômeno abordado com

289 Respectivamente, o fator de escala para custos operacionais, a sensibilidade para preço e para influência da

rede social, a sensibilidade à variação da qualidade e a taxa de crescimento do orçamento dos usuários.

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243

muito menor frequência na literatura. Porém, com o auxílio do modelo foi possível avaliar

que processos como os descritos na Seção 2.4.3 podem ser, potencialmente, tão ou mais

relevantes do que as forças habitualmente consideradas na organização das indústrias. Evi-

dentemente, os resultados obtidos são consequência das hipóteses assumidas durante a mo-

delagem, o que pode levar ao questionamento dessa relevância, por tautológica.290

Entretan-

to, essa não é uma abordagem adequada para a avaliação do modelo proposto.291

O ponto

crucial é que, em condições institucionais específicas, mas em princípio compatíveis com a

evidência empírica subjacente (no nível micro), o modelo mostra que a hipótese de elevada

influência das questões institucionais no desenvolvimento setorial é logicamente compatí-

vel com a trajetória histórica de concentração verificada (no nível macro). Trata-se, nova-

mente, da reprodução de um fenômeno agregado emergente, que não foi previamente con-

figurado na programação dos agentes. Demonstra, assim, que ponderadas as hipóteses usu-

ais, a interferência institucional é mais provável como explicação do fenômeno, em relação

as demais, sem descartá-las. Ou, ainda, que sem a concorrência das instituições, o desfecho

observado no modelo – a elevada concentração – seria menos plausível.

A questão da “relativização” das métricas de qualidade pelos usuários, devido à

acuidade com que eles percebem diferenças entre as ofertas, representada pelo parâmetro q,

dá importância para as instituições definidoras da qualidade.292

Se trata, aqui, tanto das ins-

tituições formais, como fontes de informação confiável sobre o serviço,293

como das infor-

mais, como as convenções cognitivas que os usuários empregam para comparar as ofertas

(cf. Seção 2.4.3.2). Na ausência dessas instituições, como se depreende do modelo, melho-

res serviços, oferecidos pelos entrantes, correm o risco de não ser percebidos como tal pelos

consumidores, facilitando a defesa pelos incumbentes de suas participações no mercado.

Essa abordagem do tema, no entanto, não é inédita. O conceito de falhas de mercado, asso-

ciadas à informação incompleta, é explorado desde os trabalhos de Akerlof (1970).294

290 Modelos history-friendly são, de certa maneira, intencionalmente tautológicos (cf. Seção 3.1.4). 291 O argumento a seguir baseia-se no princípio de inferência adotado, a abdução, já mencionado (nota 183). 292 O resultado se sustenta para uma faixa específica do parâmetro 𝑞, demostrando a sua criticidade. 293 Recentemente, a importância disso está sendo implicitamente reconhecida pelos órgãos reguladores, com a

implantação de sistemas de medição da qualidade dos serviços e informação dos usuários. É, também, o caso

do Brasil, onde a Anatel, desde 2011, opera a Entidade Aferidora da Qualidade de Banda Larga. 294 Apesar do conceito não explicitar as origens últimas dessas falhas, conforme discutido na Seção 2.4.3.2.

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244

A Figura 50 mostra o papel decisivo da acuidade dos usuários para mudanças

na qualidade da rede (parâmetro 𝑞) na conformação da estrutura do setor virtual. O aumen-

to da acuidade – ou da capacidade cognitiva disponível para avaliar a qualidade dos servi-

ços – implica uma importante força no sentido de desconcentração setorial, e vice versa.

Ora, partindo da premissa de que a maioria dos usuários não seja formada por técnicos es-

pecializados e dotados dos instrumentos adequados, parece razoável supor que muitas das

fontes para o incremento da acuidade deva ser de origem social, como as redes de relacio-

namento de que participam ou a ação do Estado.

Figura 50 – HHI em cenários de sensibilidade à qualidade.

(índice 𝐻𝐻𝐼𝑠 médio para os valores de calibração e dos cenários; calibração: 𝑞 = 0,50).

Uma justificativa teórica ainda mais inusual para a concentração dos mercados

é o efeito induzido pela realimentação entre as escolhas coletivas e as individuais, pelo me-

nos da forma proposta neste trabalho. Esse tema já foi abordado pontualmente por autores

de estudos empíricos, como David (1985), Jonard e Yildizoğlu (1998) e Birke e Swann

(2006). Antes deles, pesquisadores em diversas disciplinas alertavam para a importância

das redes de relacionamento social para a difusão de novos produtos, tecnologias, ideias

etc. (ROGERS, 1962/2003; DOSI, 1991). Não obstante, seu papel no diagnóstico de mer-

cados competitivos – até na organização industrial moderna – se limitou à questão das ex-

ternalidades tangíveis de rede (ARTHUR, 1989; SHY, 2001), em situações em que o mo-

0,2

0,3

0,4

0,5

0,6

1 51 101 151 201

q = 0,25

Calibração

q = 0,75

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245

vimento do mercado, como um todo, sinaliza e coordena a ação ótima do conjunto dos con-

sumidores. Esse não é o caso aqui, uma vez que não é razoável supor que, ao adotar o for-

necedor preferido em seu círculo social, o consumidor possa esperar algum benefício tangí-

vel nos termos usualmente considerados pela OIM (cf. Seções 2.2.3 e 2.2.5).

É relevante que o impacto significativo sobre a concentração do mercado se dê

com valores relativamente modestos do fator �̅�3, que modela a influência social na decisão

do consumidor (Seção 3.2.2.3) – igual a 0,4 no cenário de calibração.295

A introdução de

fatores endógenos na formação das preferências individuais, ainda que em proporção mino-

ritária, ocasionou um fenômeno emergente do tipo downward causation (HODGSON;

KNUDSEN, 2004). O processo de realimentação, entre a estrutura emergente, representada

pelo conjunto das escolhas dos usuários inseridos em um mesmo contexto (vizinhança na

rede social), e a decisão individual, afetou a dinâmica setorial crescentemente ao longo do

tempo. Isso caracteriza uma situação intrinsecamente distinta da externalidade de rede clás-

sica,296

conforme discutido em profundidade na Seção 2.4.3.3.

Para exemplificar o fenômeno, a Figura 51 apresenta os resultados do modelo

para redes sociais de usuários com diferentes pesos para os componentes que definem suas

preferências, conforme a equação (25) (Seção 3.2.2.3). Estão representados na figura, o

cenário de calibração (“50-10-40”) e outros onze cenários alternativos, identificados por

rótulos no formato “XX-YY-ZZ”, nos quais os valores médios dos parâmetros são:

�̅�1 = 0, XX (preço), �̅�2 = 0, YY (qualidade) e �̅�3 = 0, ZZ (rede social).

A latitude dos possíveis desdobramentos da competição, mostrada na Figura 51,

é surpreendente. Considerando-se apenas os cenários sem influência social (rótulos no for-

mato “XX-YY-00”), o espaço de variação dos resultados finais para o 𝐻𝐻𝐼𝑠 fica contido no

intervalo [0,05; 0,34] com 95% de confiança (em 50 rodadas de simulação), conforme as

preferências entre preço e qualidade se distribuem no universo de consumidores. Claramen-

295 O fenômeno ainda se verifica mesmo com a redução do parâmetro �̅�3 para até cerca de 0,2. 296 Diferentemente da definição usual (KATZ; SHAPIRO, 1985;SHAPIRO; VARIAN, 1999/2002), o usuário não se beneficia de forma tangível da quantidade de “amigos” conectados à rede do seu provedor, dada a

interconexão entre redes, mas apenas de “benefícios” intangíveis de natureza institucional. Em situações se-

melhantes, Liebowitz e Margolis (1996) supuseram que não se trataria propriamente de externalidades, mas

sim da redistribuição para os usuários de economias de escala e escopo obtidas com o crescimento da base de

usuários. Evidentemente, não é esse o caso verificado nos resultados do modelo.

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246

te, maior peso dado à qualidade (curvas “00-100-00” e “50-50-00”) favorece a competição,

com 𝐻𝐻𝐼𝑠 < 0,1 no longo prazo.297

Já em cenário de preferência exclusiva por preços bai-

xos (curva “100-00-00”), o contrário ocorre: a zona de diferenciação se concentra exata-

mente onde as incumbentes maiores se beneficiam dos menores custos proporcionados pe-

las suas escalas de operação ampliadas e o 𝐻𝐻𝐼𝑠 é sempre superior a 0,3.

Figura 51 – HHI em cenários de preferências.

(índice 𝐻𝐻𝐼𝑠 médio para os valores de calibração e dos cenários).

A partir da Figura 51, fica evidente que, além da adequada avaliação, a conside-

ração da qualidade na escolha dos provedores é uma das variáveis-chave para explicar a

concentração. Os cenários com �̅�2 (“YY”) elevado são sistematicamente aqueles que apre-

sentam menor concentração, ao passo que os papéis de �̅�1 (“XX”) e �̅�3 (“ZZ”) dependem da

combinação particular entre eles. Ressalte-se, ainda, que o caso clássico de preferência do

consumidor, considerando apenas e igualmente preço e qualidade (“50-50-00”), produz o

resultado “clássico” de mercado pouco concentrado (𝐻𝐻𝐼𝑠 = 0,07 na maturidade).

Por outro lado, a introdução da influência social (�̅�3) elevou o nível de concen-

tração do mercado, para uma mesma proporção entre as preferências por preço e qualidade

297 Considerando que, independentemente de economias de escala, esses cenários possibilitam maior competi-

tividade às firma pequenas, que podem focar em nichos de consumidores exigentes inacessíveis às maiores

(calibração)

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247

(�̅�1/�̅�2), frequentemente por larga margem. Esse resultado pode parecer uma consequência

da especificação – arbitrária – adotada para a escolha do consumidor. Contudo, a investiga-

ção aprofundada mostra que, muito mais relevante do que a especificação utilizada, a rea-

limentação contínua do processo de influência social é o fator determinante para sua rele-

vância, particularmente no longo prazo. Novamente, se trata do fenômeno de retornos cres-

centes dinâmicos ou lock-in, já discutido anteriormente (Seção 2.4.2.1).

Por fim, deve-se salientar a robustez dos resultados obtidos: para todas as com-

binações de parâmetros em que 𝑏3 é significativo (≥ 0,2), o 𝐻𝐻𝐼𝑠 superou os limites con-

vencionais para mercados considerados concentrados (com confiança de 99%).

Figura 52 – HHI em cenários de estrutura de rede.

(índice 𝐻𝐻𝐼𝑠 médio para os valores de calibração e dos cenários; calibração: rede Facebook).

Aprofundando a análise, foram ainda testados cenários alternativos utilizando-

se diferentes geradores de redes pseudoaleatórios (Figura 52).298

Apesar de utilizarem pa-

rametrização básica (número de vértices e arestas, pelo menos) semelhante àquela do gera-

dor de calibração (2.5K-Graphs com estrutura da rede Facebook), eles produzem redes es-

truturalmente bastante distintas, como demonstrado na Tabela 11 do Apêndice D. Mesmo

considerando-se a latitude nos resultados da concentração associada a cada conjunto de

298 Para geração desses cenários contrafatuais, foram mantidos todos os parâmetros em seus valores de cali-

bração, sendo alterados tão somente os algoritmos de geração da rede social sintética (grafo pseudoaleatório).

0,2

0,4

0,6

0,8

1 51 101 151 201

Erdos-Rényi

Aleatória uniforme

Scale-free

Small-World

Calibração

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248

redes testado, restou inequívoca a tendência do modelo à concentração, sendo que o gera-

dor utilizado no cenário de calibração justamente aquele que produz sistematicamente a

menor concentração.

Os resultados do experimento da Figura 52 parecem indicar, ainda, que existe

correlação negativa, ceteris paribus, entre o clustering da rede social dos consumidores e o

nível de concentração no mercado. Isso somente reforça a hipótese de que é a característica

de interação local em redes esparsas que dá origem aos seus efeitos agregados no mercado,

de forma relativamente insensível aos seus detalhes microestruturais.

O processo de downward causation, entre estrutura e agência, muito relevante

no sistema simulado, não costuma ser considerado nas avaliações sobre a organização de

setores econômicos concentrados no mundo real. Acredita-se, portanto, que a transposição

dessa perspectiva para o setor concreto de internet permita aumentar a capacidade explana-

tória. Como será visto adiante, isso é especialmente importante porque a consideração ape-

nas dos fatores de concentração convencionais não seria, muito provavelmente, suficiente

para justificar o panorama apresentado pela pesquisa empírica.

4.3.2.2. Fato Estilizado 2: reduzida competição por meio de preços

Com base na observação da Figura 38 acima, não é evidente a moderação da

concorrência, por meio de preços, entre os provedores. Na média de 50 rodadas, o preço

médio praticado caiu sistematicamente durante toda a simulação, de modo compatível com

a informação empírica, até se estabilizar em torno de 50 UM/UT. A redução dos preços é

mais intensa durante o período de crescimento da demanda (𝑡 < 125), indicando que o

maior número de competidores nessa etapa, segundo a Figura 41, foi relevante para o resul-

tado observado.

No entanto, a interpretação da redução dos preços como resultado da concor-

rência, isoladamente, pode ser enganosa, como aponta a Figura 53. Sem embargo do au-

mento significativo do número de competidores durante o avanço acelerado da demanda, a

convergência dos preços em direção aos custos ocorreu de forma lenta e incompleta, em

particular para os provedores incumbentes. Apenas após a estabilização da demanda

(𝑡 > 125) preços e custos assumiram trajetórias semelhantes, preservando margens posit i-

vas e significativas (cf. Figura 42), mesmo sem haver premissa explícita de markups fixos.

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249

Figura 53 – Comparação entre preço e custo médios.

(em UM por UT, média ponderada, valores unitários por usuário).

A investigação das rodadas de simulação mostra que os incumbentes, tirando

proveito dos fatores de concentração descritos anteriormente, reduzem seus preços de modo

sistematicamente menos intenso do que os entrantes. Assim, protegem os preços médios da

erosão significativa que seria esperada em um ambiente de concorrência preço-qualidade

usual. Entretanto, no período de maturidade, as estratégias de competição por preço prati-

camente são (evolucionariamente) descartadas, o que é evidenciado pela estabilização dos

preços, a despeito de margens ainda relativamente elevadas. Em todos os períodos, a ação

de forças de consolidação institucional,299

como aquelas apontadas na Seção 2.4.3, limitou

a operação do mecanismo clássico de concorrência por preço e permitiu às firmas, em par-

ticular as incumbentes, a preservação de lucros “extraordinários”.300

À primeira vista, o comportamento pouco agressivo dos incumbentes poderia

também ser atribuído às estratégias preconfiguradas para esses provedores. Todavia, recor-

299 A partir da evidência empírica e dos mecanismos previstos no quadro teórico, o modelo oferece suporte

para os seguintes mecanismos potenciais: diferentes referências de desempenho estratégico entre incumbentes

e entrantes, reatividade superior dos entrantes nos ajustes de preços, correlação entre inovações radicais e idade das redes dos incumbentes e descontos para incumbentes nos bens de capital (cf. Seção 3.2.2). 300 Outra hipótese, complementar ou alternativa, é a da utilização dos preços como mecanismo de incentivo

para os usuários restringirem o volume de tráfego utilizado, de modo a controlar a qualidade geral da rede (cf.

Seção 2.2.4). Entretanto, como no modelo – e frequentemente no mercado real – o preço pelo uso do serviço é

fixo, relativamente insensível ao tráfego, essa hipótese teórica não foi explorada.

0

50

100

150

200

250

300

1 51 101 151 201

Preço médio

Custo médio

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250

de-se, a estratégia adotada pelas firmas é escolhida entre as diversas opções possíveis (cf.

Tabela 4 do Capítulo 3), sendo que estratégias mais ou menos agressivas, em termos de

preços, estão disponíveis para entrantes e incumbentes. Mas, como se depreende da análise

agregada das rodadas, os incumbentes que obtêm maior sucesso são, com maior probabili-

dade, os que empregam estratégias menos agressivas – daí a seleção evolucionária destas.

Figura 54 – Seleção de estratégias por entrantes e incumbentes.

(frequência média de adoção das estratégias).

Como a escolha da estratégia da firma é modelada como um processo adaptati-

vo, que mistura aprendizagem com imitação local, ao longo do tempo os provedores ten-

dem a descobrir e adotar as estratégias com maior probabilidade de êxito no contexto espe-

cífico. Para os incumbentes, isso significa o predomínio das estratégias de número 1, 2 e 7

(Tabela 4 e Figura 54). Nas três, o peso é sobre a meta (fixa) de retorno sobre o capital em-

pregado, limitando os preços mínimos que podem ser oferecidos pelos aderentes, a despeito

do objetivo simultâneo de crescimento do market share nas estratégias 1 e 2. Para os en-

trantes, a presença de estratégias preço-qualidade puras, para maximização da participação

de mercado sem considerações sobre rentabilidade, mostra-se dominante durante o período

de crescimento acelerado da demanda. Após isso (𝑡 > 75) as estratégias de números 1 e 2

também se tornam dominantes na maioria das rodadas (mas não em todas).301

301 É importante ressaltar que os resultados médios das frequências de escolha das estratégias não revelam a

multiplicidade de combinações, muitas exitosas, que se estabelecem em rodadas individuais particulares.

0

1

2

3

4

5

1 51 101 151 201

Entrantes

0

0,5

1

1,5

2

1 51 101 151 201

Incumbentes

Estrat. 1

Estrat. 2

Estrat. 3

Estrat. 4

Estrat. 5

Estrat. 6

Estrat. 7

Estrat. 8

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251

A aprendizagem dentro das respectivas redes de relacionamento entre provedo-

res mostrou-se crítica, como se depreende da comparação entre entrantes e incumbentes na

Figura 54 (calibração). Como a seleção da estratégia acontece a partir do aprendizado sobre

os resultados da aplicação das diversas estratégias, as consequências desse processo fre-

quentemente são diferentes entre entrantes e incumbentes. Isso está em sintonia com a evi-

dência empírica, que geralmente associa comportamentos moderados às firmas maiores.

Contudo, no modelo, a justificativa para essa moderação não opera com base em considera-

ções de interação estratégica, como na OIM. Antes, é a interação social, entre agentes mais

ou menos heterogêneos, que dá origem ao aprendizado conjunto e à construção de conven-

ções compartilhadas, dentro dos grupos sociais – incumbentes e entrantes.

Figura 55 – Preço médio em cenários com estratégias fixas.

(em UM por UT, média ponderada dos preços; calibração: estratégias variáveis).

A Figura 55 compara, ainda, o cenário base com outros, alternativos, nos quais

não existe aprendizagem no processo estratégico e todas as firmas utilizam, sempre, as es-

tratégias de números 1, 2 ou 7, que se mostraram evolucionariamente “populares” na confi-

guração de calibração, pelo menos durante algum período. Nesse caso, é evidente a acelera-

ção da concorrência e a redução mais acelerada de preços, para entrantes e incumbentes,

bem como diferentes markups médios na maturidade. Como abordado na Seção 2.4.3.1,

0

50

100

150

200

250

1 51 101 151 201

Calibração

strat = 1

strat = 2

strat = 7

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252

sem a institucionalização de convenções compartilhadas entre os participantes do mercado,

a competição por preços, frequentemente, resta como o único instrumento para sobrevivên-

cia das empresas, precipitando a queda (FLIGSTEIN, 2001b). No entanto, a desativação do

mecanismo de aprendizado não alterou qualitativamente o perfil da concentração.

Figura 56 – Preço médio em cenários alternativos de reação de preços.

(em UM por UT, média ponderada dos preços; calibração: 𝑝𝑠𝑡𝑒𝑝 = 5%).

A discussão, entretanto, não esgotou os mecanismos que atuaram para a queda

lenta dos preços. Outra contribuição importante, especialmente durante o crescimento ace-

lerado (𝑡 < 75), foi a escolha do parâmetro que define o “gatilho” (threshold) para altera-

ções nos preços (𝑝𝑠𝑡𝑒𝑝), calibrado em 5%. Como discutido na Seção 3.2.2.6, na prática ele

determina a “velocidade” com que os provedores ajustam seus valores nas estratégias que

procuram balancear lucro e market share. A Figura 56 ilustra essa questão. No modelo, à

medida que as firmas possam realizar ajustes menores – e, portanto, mais frequentes – em

seus preços, a erosão acontece de modo crescentemente mais lento. Efetivamente, a defini-

ção de um patamar reduzido para alterações dos preços cria uma forma de retardo para a

mudança. Mas quando elas finalmente ocorrem, têm em geral maior intensidade.

Assim, de maneira contraintuitiva, a existência de um “piso” para alterações

nos preços mostra-se um fator importante para a aceleração da queda destes. Isso ocorre por

0

50

100

150

200

250

300

1 51 101 151 201

Pstep = 1%

Pstep = 2,5%

Calibração

Pstep = 10%

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253

causa do acúmulo das eventuais sobrerreações necessárias para a realização dos ajustes

desejados nos preços das empresas ao longo do tempo, o que, na média, tende a amplificar

as reduções aplicadas, como um mecanismo sistêmico de realimentação positiva.

Existiriam, então, motivos para os provedores reais não adotarem, preferenci-

almente, alterações incrementais e reduzidas em seus ajustes de preços? Existiria algum

limitante inferior para essas mudanças no mundo real?

A evidência empírica anedótica indica que as firmas, efetivamente, não intro-

duzem mudanças em escalas “microscópicas” em seus preços, mas adotam, mais frequen-

temente, limites convencionais relativamente estáveis para balizar sua ação. Qualquer que

seja o motivo, a existência de “rigidez” para alterações pequenas nos preços pode represen-

tar influência cumulativa importante ao longo do tempo. A hipótese, aqui,302

é que isso se

deva, primordialmente, à avaliação das empresas a respeito da percepção do consumidor

sobre o que significa “redução dos preços” para efeito de sua escolha. Em outras palavras,

eles somente “perceberiam” diferenças nos preços acima de certos limiares que seriam con-

vencionalmente estabelecidos no mercado, a partir de processos de institucionalização co-

mo aqueles descritos na Seção 2.4.3.

Por fim, dois cenários alternativos adicionais são propostos para investigar a

questão da competição por meio dos preços. O primeiro avalia o impacto dos valores inici-

ais. O patamar inicial dos preços mostrou-se relativamente desimportante na determinação

dos preços no longo prazo. Conforme a Figura 57 evidencia, preços introdutórios mais ou

menos elevados se “dissipam” no primeiro quarto da simulação, o que reforça, no fim, a

importância de fatores sistêmicos na fixação dos preços.

O último cenário alternativo busca avaliar os efeitos de diferentes configurações

da rede social dos consumidores303

nos preços. No entanto, a estrutura da rede não influen-

cia muito a dinâmica dos preços no modelo, como será discutido na Seção 4.3.2.5.

302 Alternativamente, diversos autores argumentam que isso se deve ao fenômeno dos “custos de menu”, ou

seja, o benefício da alteração do preço seria inferior ao custo incorrido na mudança (SHESHINSKI; WEISS, 1977). Isso parece implausível neste caso porque, no caso de serviços comercializados de modo centralizado e

por meio de plataformas eletrônicas, o custo de mudança do preço não é significativo. Além disso, como os

preços são recorrentes, mudanças no preço tem seu impacto multiplicado pelo prazo (em meses) do contrato. 303 A discussão sobre as estruturas de rede produzidas pelos geradores de redes pseudoaleatórias alternativos

está no Apêndice B. As métricas das estruturas de rede desses geradores são apresentadas no Apêndice D.

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254

Figura 57 – Preço médio em cenários alternativos de preço inicial.

(em UM por UT, média ponderada dos preços; calibração: 𝑃0 = 300).

Analisou-se, então, se o comportamento dos preços, apesar de insensível à topo-

logia social específica, poderia de alguma forma ser influenciado pela presença da rede em

si. Porém, mesmo em um cenário de teste no qual o usuário não utiliza a vizinhança para

formar sua decisão – ou seja, com o parâmetro 𝑏3 = 0 (e �̅�1 = �̅�2 = 0,5) o movimento dos

preços não foi afetado (os resultados estão na Figura 67, adiante). Isso evidencia que, pelo

menos no mercado artificial, o processo de formação dos preços parece poder ser adequa-

damente modelado da maneira usual, considerando-se tão somente a demanda, de modo

agregado e homogêneo, a despeito do significativo impacto da rede em praticamente todos

os demais aspectos do mercado.

4.3.2.3. Fato Estilizado 3: baixa taxa de entrada com sucesso

Tanto o modelo quanto a pesquisa empírica apontam para significativas oportu-

nidades para as firmas entrantes, em particular durante o período de crescimento vigoroso

da demanda (𝑡 < 100). Isso se deve: (i) à existência de parcela importante da população

não atendida pelos provedores existentes (Figura 37); (ii) à rentabilidade relativamente ele-

vada experimentada pelas empresas (Figura 42), em especial as incumbentes; e (iii) à pos-

sibilidade de acesso, pelos entrantes, a tecnologia mais produtiva do que aquela dos incum-

bentes (Figura 43).

0

100

200

300

400

1 51 101 151 201

P0 = 450

P0 = 350

Calibração

P0 = 250

P0 = 150

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255

A despeito disso, o acompanhamento dos entrantes nas rodadas do modelo indi-

ca a incapacidade da grande maioria dessas firmas de permanecer no mercado por prazos

maiores, particularmente na etapa de estabilização (𝑡 > 100). Isso se torna claro quando a

evolução da idade média das entrantes é analisada na Figura 58. Conforme a inclinação da

curva cai abaixo da reta de 45º (representando 100% de entrada com sucesso),304

maior é a

mortalidade das firmas entrantes. Na média das rodadas, a taxa de sobrevivência das en-

trantes fica abaixo de 40%.

Figura 58 – Evolução da idade média dos provedores entrantes.

(em UT, idade média dos provedores e intervalo de confiança; reta de 45º de apoio).

Três mecanismos principais foram determinantes para o comportamento do

modelo nesse quesito, todos alinhados com a análise empírica: (i) a variação do período

médio entre inovações tecnológicas radicais (determinado pelo parâmetro 𝑝𝑟𝑎𝑑); (ii) o nível

do orçamento mínimo disponível para os usuários, bem como sua taxa de crescimento (pa-

râmetro 𝑔𝐵); e (iii) a presença de economias de escala (𝑐𝑠). Os dois últimos casos foram

304 A “entrada com sucesso” é representada pela firma entrante que consegue permanecer no mercado, até o

fim da simulação, com market share superior a 1%.

0

30

60

90

120

150

1 51 101 151 201

45°

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256

tratados durante na Seção 4.3.2.1 em tema conexo. A operação do primeiro – e principal –

mecanismo, por sua vez, está detalhada em Pereira (2012a).305

Além desses mecanismos, outra explicação usual para a baixa taxa de sucesso

dos entrantes, em mercados reais, é o estabelecimento de relacionamentos hierárquicos,

envolvendo os provedores poderosos, os fornecedores de tecnologia e o Estado (cf. Seção

2.4.3.1). Essas relações especiais – entre agentes que participam do mercado enquanto

campo organizacional – permitem a redução de conflitos que requereriam solução no mer-

cado, provavelmente por meio de competição mais agressiva, transferindo-os para a esfera

das relações sociais (FLIGSTEIN, 2001b). No modelo, foram testados dois processos dessa

natureza, que se mostram relevantes nos desdobramentos do mercado.306

Figura 59 – HHI em cenários de desconto para incumbentes.

(índice 𝐻𝐻𝐼𝑠 médio; calibração: 𝑝𝑖𝑛𝑐𝑡𝑒𝑐ℎ = 30%).

O primeiro mecanismo testado (Figura 59) permite o estabelecimento de dispo-

sições diferenciadas no fornecimento de bens de capital entre provedores incumbentes e

entrantes, no caso aplicando-se descontos de preços “abruptos”, não associados às quanti-

305 Em curta síntese, a ideia é que caso a introdução das inovações radicais seja, de algum modo, “sincroniza-

da” com o prazo ideal de depreciação do capital dos incumbentes, a inovação pode deixar de ser uma vanta-

gem para os entrantes, como é usualmente suposto na literatura sobre o tema. 306 Em trabalho anterior do autor foi, ainda, testada a hipótese de coordenação da ação governamental com o

timing tecnológico dos incumbentes, com resultados muito negativos sobre os entrantes (PEREIRA, 2012a,b).

0,2

0,4

0,6

0,8

1 51 101 151 201

Ptechinc = 0,5

Calibração

Ptechinc = 0,0

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257

dades contratadas. A evidência empírica aponta para o uso de relações de poder, estabeleci-

das ao longo do tempo entre incumbentes e fornecedores, para a obtenção de vantagens

discriminatórias que não estão disponíveis para os provedores menores, em particular os

entrantes, mesmo em condições de volume semelhantes.307

Entretanto, o impacto desse tipo

de vantagem, apesar de estatisticamente significativo, foi relativamente modesto: 30% de

diminuição no custo dos bens de capital implicaram em um acréscimo de dez pontos per-

centuais no índice de concentração (𝐻𝐻𝐼𝑠).

O segundo mecanismo analisado foi a redução da taxa de juros disponível para

os provedores incumbentes, usualmente promovida por subsídios governamentais. A evi-

dência anedótica indica que, frequentemente, esse tipo de benefício não está acessível para

os entrantes, por conta de processos discriminatórios não explícitos, como demandas buro-

cráticas complexas e/ou longas, incompatíveis com as habilidades e necessidades dos en-

trantes. Surpreendentemente, o efeito desse gênero de vantagem foi praticamente irrelevan-

te,308

embora estatisticamente significativo. Uma diminuição de 17% na taxa de juros pro-

porcionou uma piora de apenas 0,04 do 𝐻𝐻𝐼𝑠.

De qualquer forma, a distribuição do resultado final do processo competitivo no

modelo mostra o largo espectro de possíveis configurações. Apesar de, em diversas roda-

das, haver convergência para um monopólio estável (12% dos casos), na maioria delas um

nível razoável de competição emergiu, como fica claro na Figura 60.309

Ela representa a

distribuição do número de provedores sobreviventes (market share superior a 1%) no últi-

mo período de cada uma das 50 rodadas de simulação. A quantidade terminal de provedo-

res parece, em princípio, compatível com a evidência empírica, ressaltando-se que grande

parte deles é composta por firmas pequenas.

307 Não se trata aqui apenas do uso do poder monopsonista dos incumbentes no processo de ajuste entre quan-

tidades e preços ofertados e demandados, mas do exercício do poder para restringir o comportamento dos

fornecedores. Não se configura, portanto, uma transação puramente de mercado, em função da importância da

inserção de cada agente dentro da estrutura emergente de relacionamentos setoriais, que fornece níveis distin-

tos de poder para cada um. 308 O modelo não impõe limitações sobre o volume de crédito disponível para as firmas. O ajuste para o risco

e os benefícios governamentais disponibilizados foi modelado como multiplicadores sobre a taxa de juros básica. Talvez a modelagem de limites quantitativos para os volumes de crédito disponível pudesse alterar a

relevância desse benefício para os incumbentes. 309 O histograma mostra a configuração final do mercado, em termos do número de provedores sobreviventes

com mais de 1% de market share no último período (𝑡 = 250), para 50 rodadas de simulação.

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258

Figura 60 – Distribuição da quantidade de provedores remanescentes.

(probabilidade de provedores no mercado no último período de simulação, média das rodadas).

Por fim, foram avaliados dois cenários alternativos adicionais, ainda para inves-

tigar a questão do baixo êxito dos entrantes, dessa vez considerando o impacto da organiza-

ção a rede social dos consumidores e de como eles a utilizam para a escolha do provedor.

Figura 61 – Idade dos entrantes em cenários de estrutura de rede.

(em UT, média móvel da idade média dos provedores; calibração: rede Facebook).

0,00

0,05

0,10

0,15

Ro

dad

as

Número de provedores

0

30

60

90

120

150

1 51 101 151 201

Calibração

Small-world

Scale-free

Aleatória uniforme

Erdos-Rényi

45°

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259

De maneira algo inusitada, algumas configurações da rede, em particular aque-

las que apresentam valores reduzidos de clustering, contribuem muito negativamente para a

longevidade dos entrantes, conforme a Figura 61.310

Redes com “pouca estrutura”, como as

produzidas pelos algoritmos aleatório uniforme ou Erdős-Rényi, reduziram a expectativa de

vida dos entrantes em até 30 UT ou, de forma equivalente, diminuíram em mais de 10 p.p. a

sua probabilidade de sucesso. Analisando-se os detalhes do modelo, esse fenômeno se deve

à maior dificuldade para os entrantes estabelecerem lock-in em pequenas comunidades lo-

cais de consumidores, em relação às redes com “mais estrutura”.

Figura 62 – Market share dos entrantes em cenários de preferências.

(média móvel da participação total média no mercado dos provedores entrantes; calibração:

�̅�1 = 0,5 / �̅�3 = 0,4).

Por fim, o último cenário investigado considera ponderações distintas na função

de utilidade dos consumidores (cf. Seção 3.2.2.3). Em particular, deseja-se avaliar o impac-

to do aumento ou da redução da influência social na decisão do consumidor (parâmetro �̅�3).

A Figura 62 apresenta os resultados sobre o market share conjunto dos provedores entran-

tes. Nota-se que existe uma correlação negativa entre o peso dado pelos usuários às esco-

310 Apesar das estruturas distintas produzidas por cada gerador de grafos pseudoaleatórios (cf. Apêndice D),

cada um deles foi configurado para produzir redes o mais semelhantes possível com o cenário de calibração

(rede Facebook). Todas as redes geradas possuem aproximadamente o mesmo número de nós, grau médio, e

número de conexões não direcionadas (ou o seu equivalente em conexões direcionadas).

0%

15%

30%

45%

60%

1 51 101 151 201

b1 = 0,6 / b3 = 0,3

Calibração

b1 = 0,4 / b3 = 0,5

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260

lhas da sua vizinhança e o market share normalmente capturado pelos entrantes, embora

essa influência não seja intensa como a do caso anterior.

Mesmo relativamente fraca, o efeito de �̅�3 nos entrantes é estatisticamente sig-

nificativa (ao nível usual de 1% de significância). A investigação da operação do modelo

indica que o principal impacto, aqui, é a redução da influência do preço – o parâmetro �̅�1,

conjugado com �̅�2 e �̅�3 no simplex unitário. Essa diminuição atenua a vantagem dos entran-

tes quando eles promovem ofertas com preços mais agressivos.

4.3.2.4. Fato Estilizado 4: intensa substituição de provedores (churning)

Como já mencionado (Seção 4.3.1.1) o modelo reproduz, como propriedade

emergente, a intensa substituição de provedores pelos usuários, o churning. O objetivo,

agora, é compreender os mecanismos que alimentam o churn.

Figura 63 – Churning em cenários de percepção da qualidade.

(média móvel da fração dos usuários que mudam de provedor; calibração: 𝑞 = 0,5).

O nível de acuidade de diferenças de qualidade entre provedores,311

discutido

na Seção 4.3.2.1, é um dos parâmetros críticos (q) para diversos resultados. Logo, 𝑞 é um

candidato natural para explicar a dinâmica do churning. A Figura 63 apresenta alguns cená-

311 Grosso modo, trata-se aqui de quanto pior (melhor) para a utilidade do consumidor é realmente um serviço

um pouco pior (melhor) do que outro. Está-se tratando aqui da seletividade do consumidor entre diferentes

ofertas e não da sua precisão em avaliar a qualidade delas.

0%

1%

2%

3%

4%

5%

6%

7%

8%

1 51 101 151 201

q = 1,50

q = 0,75

Calibração

q = 0,25

q = 0,12

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261

rios de simulação com valores diferentes para esse parâmetro, além da calibração. Neste

caso particular, o impacto de q é bastante modesto, sendo estatisticamente relevante apenas

durante o período de crescimento da demanda (𝑡 < 100) e, mesmo assim, somente para

valores substancialmente elevados (𝑞 > 1). Na situação com a qual a evidência empírica

normalmente trabalha (𝑞 < 1), o efeito é irrelevante ao nível de significância de 1%. Ou

seja, o churning aparentemente não se origina de uma limitação do usuário de apreender as

diferentes qualidades oferecidas pelos provedores.

Figura 64 – Churning em cenários de erro de avaliação da qualidade.

(média móvel da fração dos usuários que mudam de provedor; calibração: �̅�𝑑 = 0,25).

Outra explicação usual para o churning é o fato de o consumidor dispor de in-

formação incompleta sobre a qualidade da oferta dos provedores. No modelo, essa incerteza

no serviço a ser contratado está modelada como um erro não sistemático312

na leitura da

qualidade corrente de cada provedor de acesso, controlada pelo parâmetro 𝑒�̅� – o desvio

padrão de uma distribuição normal reduzida (equação (26) da Seção 3.2.2.3). Para avaliar

essa hipótese, a Figura 64 apresenta os resultados do churning para diversos cenários de 𝑒�̅�.

A conclusão é de que, efetivamente, o erro na avaliação da qualidade aumenta a

propensão para o churn. Mas esse resultado, para ser estatisticamente significativo, depende

312 A média da qualidade estimada pelos consumidores para cada provedor é igual à média real da qualidade.

0%

1%

2%

3%

4%

5%

6%

7%

8%

1 51 101 151 201

ed = 1,00

ed = 0,50

Calibração

ed = 0,12

ed = 0,00

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262

de valores inusualmente elevados para o erro dos usuários (𝑒�̅� ≥ 0,50). Para erros modera-

dos (𝑒�̅� < 0,50), não é possível distinguir-se o desvio produzido pelo erro daquele que seria

esperado, mesmo em um cenário contrafatual de erro zero (𝑒𝑑 = 0), como pode ser visu-

almente depreendido da Figura 64. Isso é relevante, pois mostra a limitação inerente de se

aplicar o conceito de informação imperfeita no caso de serviços ou bens cuja qualidade não

possa ser avaliada, intrinsecamente, no momento da aquisição (cf. Seção 2.4.3.2).

Figura 65 – Churning em cenários de fidelidade do usuário.

(média móvel da fração dos usuários que mudam de provedor; calibração: �̅�𝑠 = 1,25).

Por outro lado, a evidência anedótica aponta que o principal método de preven-

ção do churning aplicado pelos provedores se baseia em estímulos, além do binário preço-

qualidade, que estimulem a “fidelidade” dos consumidores.313

No modelo, isso é represen-

tado pela “inércia” no momento de eventual mudança do provedor atual, embutida no pa-

râmetro 𝑒𝑠. Isso define um múltiplo mínimo – sobre a utilidade do provedor corrente – que

o novo provedor deve atingir antes que o consumidor considere a substituição. A Figura 65

apresenta alguns cenários alternativos para testar o efeito da fidelização dos usuários no

churning.

313 Por exemplo, programas de pontos/benefícios, marketing personalizado, atendimento diferenciado etc.

0%

3%

6%

9%

12%

15%

1 51 101 151 201

es = 1,00

es = 1,12

Calibração

ed = 1,50

es = 2,00

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263

De modo não surpreendente, existe uma grande diferença na propensão ao

churn no caso de inexistência de fidelidade dos consumidores, como pode ser observado na

linha 𝑒𝑠 = 1,00 da Figura 65. Nessa situação o churn médio mais que dobra. Níveis cres-

centes de fidelização reduzem o churning, mas de forma cada vez menos eficiente ao longo

do tempo. Esse resultado parece compatível com a informação empírica da Seção 1.4.3.1,

que mostra que mercados maduros tendem a operar com valores substancialmente menores

de churning, a despeito da competição entre provedores persistir.

Por fim, são propostos dois cenários para avaliar a eventual influência da rede

social no churning. O primeiro considera alterações na ponderação dos elementos que defi-

nem as preferências dos consumidores, materializada no modelo pelos parâmetros �̅�1 (pre-

ço), �̅�2 (qualidade) e �̅�3 (rede social) que ponderam a equação (25) da Seção 3.2.2.3.

Figura 66 – Churning em cenários de preferências.

(média móvel da fração dos usuários que mudam de provedor; calibração: �̅�1 = 0,5 / �̅�3 = 0,4).

A mudança na ponderação das preferências apenas se mostrou relevante em

configurações extremas, nas quais 𝑏3 ≫ 𝑏1 + 𝑏2 – obviamente respeitando-se a condição

𝑏1 + 𝑏2 + 𝑏3 = 1. A Figura 66 exemplifica essa situação em um caso limite (𝑏3 = 1 e

𝑏1 = 𝑏2 = 0), que incrementa substancialmente o churning no período de crescimento ace-

lerado (𝑡 < 50) e praticamente dobra seu valor durante a maturidade do mercado simulado.

0

0,03

0,06

0,09

0,12

1 51 101 151 201

b1 = 0,0 / b3 = 1,0

b1 = 1,0 / b3 = 0,0

b1 = 0,6 / b3 = 0,3

b1 = 0,4 / b3 = 0,5

Configuração

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264

Esse resultado não parece óbvio, pois seria razoável supor que a consideração

somente da estrutura de decisão local dos consumidores deveria estabilizar – e não acelerar

– o processo de churn. Entretanto, a análise das rodadas de simulação mostra que, nesse

cenário, a rede social “desacopla” a decisão de mudança da “âncora” representada por pre-

ços e qualidades – em última instância, balizados por limites técnicos e econômicos dos

provedores, o que restringe sua potencial variação. Sem essa âncora, a decisão do consumi-

dor fica sujeita a “ondas” de mudança que percorrem a rede, periodicamente, originadas a

partir de pequenas alterações em algum ponto isolado da rede.314

Por outro lado, o cenário extremo (𝑏3 = 1) coloca luz sobre um fator importan-

te que produzido pela rede social, mesmo nas condições normais de calibração (�̅�3 = 0,4).

Ao se basear na composição, dinâmica, das escolhas de seus vizinhos, o consumidor efeti-

vamente abre mão do controle individual de suas preferências e passa a “flutuar” – mais ou

menos, conforme o caso – em torno das decisões coletivas do seu grupo local. Como exis-

tem conexões dos vizinhos com outros nós da rede, mas que não fazem parte do grupo,

cria-se a possibilidade de “interferência” entre grupos relativamente isolados, como nas

redes da categoria small-world (WATTS; STROGATZ, 1998).315

O último cenário testado, avaliando o impacto de diferentes estruturas de rede

social no comportamento do consumidor, indicou que não existem efeitos estatisticamente

significativos entre o churning e o gerador de grafos pseudoaleatórios empregado.

4.3.2.5. Fato Estilizado 5: influência da rede social no consumidor

Os múltiplos cenários apresentados nas seções anteriores parecem tornar in-

questionável a importância da rede social na escolha do provedor. Apesar disso, a magnitu-

de dessa influência variou bastante, desde casos nos quais ela foi negligível até aqueles em

que a ordem de grandeza dos resultados foi afetada. Contudo, mesmo nas situações nas

quais os efeitos não podem ser estatisticamente detectados, frequentemente foi possível

perceber alguma interação entre a dimensão analisada e a organização em rede dos consu-

314 Sem entrar em detalhes, aparentemente se trata aqui do conhecido “butterfly effect”, que é comum dentro

de estruturas de rede conectadas de forma esparsa (POTTS, 2000). 315 Os diversos resultados deste trabalho parecem efetivamente indicar que, de todos os geradores de grafos

pseudoaleatórios utilizados, o algoritmo small-world é o que produz redes mais próximas das redes reais,

como a do Facebook, para os presentes propósitos.

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265

midores. O restante da seção busca aprofundar esses casos limites e outros que não foram

até aqui abordados.

Como notado na Seção 4.3.2.2, uma das exceções da ausência de influência da

rede social é o caso do preço, como mostra a Figura 67. Não apenas a estrutura particular

utilizada para representar a rede social dos consumidores é irrelevante, mas também a pró-

pria consideração da rede na formação das preferências – regulada pelo parâmetro �̅�3 – não

afeta a evolução do preço praticado no mercado de acesso à internet simulado.

Figura 67 – Preço médio em cenários de estrutura de rede.

(em UM/UT, preço médio ponderado; calibração: rede Facebook / �̅�3 = 0,4).

Esse resultado pode parecer surpreendente, em especial à luz dos cenários ante-

riores, quando a estrutura da rede foi decisiva, por exemplo, para a longevidade dos entran-

tes. Ora, como conciliar um mercado com mais ou menos entrantes exitosos com preços

médios que não se alteram entre as duas situações? Não seria o risco ampliado de saída do

mercado um driver suficiente para induzir as firmas para estratégias de menor preço, de

modo aumentar suas receitas totais e sobreviver?

A Figura 68 auxilia na compreensão de como se dá o ajuste interno – no mode-

lo – que permite conciliar o aparente paradoxo entre preços estáveis e distintas condições

de competitividade. Na figura é analisada a dispersão dos preços (razão variância/preço)

0

100

200

300

1 51 101 151 201

Scale-free

Small-world

Calibração

Erdos-Rényi

Aleatória uniforme

b3 = 0

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266

que compõe a média ponderada mostrada acima, para algumas composições da ponderação

das preferências (parâmetros �̅�1, �̅�2 e �̅�3). Dela se depreende que o cenário com 𝑏3 = 0

(ausência de influência social), que apresenta dispersões elevadas no período de crescimen-

to da demanda (𝑡 < 100), é estatisticamente indistinguível da calibração (�̅�3 = 0,4). Logo,

a presença da rede não apenas não afeta o preço médio ponderado, como não altera a dinâ-

mica que produz essa média. Ou seja, não existe evidência de que diferentes arranjos de

preferências, com ou sem a consideração da rede social, induzam comportamentos distintos

da dispersão dos preços praticados pelas firmas.316

Figura 68 – Razão variância/preço em cenários de preferências.

(média móvel da razão entre variância e preço médio ponderado; calibração: �̅�1 = 0,5 / �̅�3 = 0,4).

Finalmente, a explicação para o aparente paradoxo foi encontrada durante a se-

leção de estratégias pelas firmas entrantes. Efetivamente, a influência positiva de alguns

arranjos de rede social na sobrevivência dos entrantes se dá, antes, pela abertura conferida

aos pequenos provedores para deslocarem os concorrentes maiores, que se torna mais fre-

quente em redes com clustering reduzido. Ainda assim, as estratégias dominantes nesses

casos já são agressivas (em preço, qualidade ou ambos), não restando usualmente espaço

316 Foi realizado, ainda, cenário avaliando o impacto de diferentes estruturas de rede sobre a dispersão dos

preços, com resultados ainda mais insensíveis a mudanças (menos significativos).

0

10

20

30

1 51 101 151 201

b1 = 0,0 / b3 = 1,0

b1 = 0,6 / b3 = 0,3

Calibração

b1 = 0,4 / b3 = 0,5

b1 = 1,0 / b3 = 0,0

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267

para reduções (aumentos) adicionais de preço (qualidade) na condição de redes sociais or-

ganizadas de modo predominantemente local (clustering elevado). Em resumo, os preços

não caem no cenário de maior risco à sobrevivência porque existem limites técnico-

financeiros, já atingidos, que comprometem a latitude das escolhas dos entrantes.

Uma questão não abordada anteriormente, a respeito da influência da organiza-

ção social nos consumidores, toca ao impacto sobre a qualidade dos serviços. A Figura 69

esclarece esse ponto. Aparentemente, durante o crescimento rápido da demanda (𝑡 < 100),

a qualidade média é indiferente à estrutura da rede social. Entretanto, durante o período de

maturidade do mercado, essa situação se altera significativamente, com diferenças entre os

geradores de rede superiores a duas vezes o desvio padrão da métrica de qualidade (ou mais

de 0,1 unidades de referência).

Figura 69 – Qualidade em cenários de estrutura de rede.

(média móvel da média ponderada do índice de qualidade; calibração: rede Facebook).

Na avaliação da qualidade, porém, não foi possível ordenar as alterações indu-

zidas por cara gerador pseudoaleatório com as métricas disponíveis. As redes que produzi-

ram resultados semelhantes (aleatória uniforme e small-world, Erdős-Rényi e scale-free)

não são passíveis de agrupamento pelas métricas detalhadas no Apêndice D. Nem, tampou-

co, foi viável justificar a superioridade da estrutura de rede do Facebook para o estímulo da

qualidade. Isso, de um lado, mostra a necessidade de aprofundar-se a compreensão das si-

0,95

1,05

1,15

1,25

1 51 101 151 201

Calibração

Aleatória uniforme

Erdos-Rényi

Small-world

Scale-free

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268

militudes e diferenças dessas redes e, de outro, reforça a importância de se adotar algorit-

mos capazes de reproduzir no maior nível de fidelidade a estrutura das redes reais, o que

certamente não é um atributo dos geradores clássicos.

Finalmente, utilizou-se o modelo para avaliar o eventual impacto da rede social

na universalização do acesso à internet. Como observado na Seção 4.3.1.1 (Figura 37), na

configuração de calibração existe uma nítida tendência, ao longo do tempo, para a inclusão

de praticamente todos os usuários potenciais do serviço. Para analisar a robustez desse re-

sultado, foram testados dois cenários alternativos. No primeiro, mostrado na Figura 70,

novamente foram experimentadas diferentes ponderações para os parâmetros que especifi-

cam as preferências dos consumidores.

Figura 70 – Parcela dos usuários atendida em cenários de preferências.

(fração dos usuários potenciais com acesso à internet, 𝑡 ≥ 30317; calibração: �̅�1 = 0,5 / �̅�3 = 0,4).

Apenas no caso, extremo, de consideração exclusiva da influência dos vizinhos

para a escolha do provedor (𝑏3 = 1) os resultados se afastaram daqueles obtidos no cenário

de calibração. E, diga-se, se distanciaram de modo abrupto, passando para o quase colapso

(!) do mercado de acesso. Para entender essa situação limite, a dinâmica interna do modelo

mostra que a difusão do serviço fica “congelada” após os primeiros períodos. Dentro de

317 Removeu-se da figura o “warm-up” do modelo. Ver nota 279.

0%

20%

40%

60%

80%

100%

30 80 130 180 230

b1 = 0,4 / b3 = 0,5

Calibração

b1 = 0,6 / b3 = 0,3

b1 = 1,0 / b3 = 0,0

b1 = 0,0 / b3 = 1,0

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269

vizinhanças locais de rede que dispunham do acesso em 𝑡 = 0 (e em algumas das vizinhan-

ças dessas vizinhanças), ele é mantido ao longo da simulação. Mas, para os grupos sem o

serviço inicialmente, o desfecho mais provável é permanecer sem acesso – mesmo quando

dispõem de orçamento suficiente – uma vez que a presumível ausência de referências den-

tro das suas vizinhanças na rede social impede a avaliação das ofertas disponíveis. Isso não

se altera nos períodos subsequentes (𝑡 ≫ 1), dado que a rede modelada é estática.318

Obviamente, a situação limite mostrada somente ocorre se 𝑏3 for exatamente

igual a um – e 𝑏1 = 𝑏2 = 0. Em todos os demais casos (�̅�3 < 1) o movimento de universa-

lização, ceteris paribus, sempre acontece, apenas com velocidades distintas. De qualquer

modo, esse cenário permite ilustrar a questão institucional discutida na Seção 2.4.3.2: sem a

presença de referências sociais, a difusão de novos produtos é dificultada, e a rede social e

sua estrutura são fatores que moldam como ela se dá.

Figura 71 – Demanda agregada em cenários de estrutura de rede.

(em milhares de UM por UT, receita total dos provedores; calibração: rede Facebook).

Em um segundo cenário de teste sobre a universalização, foram aplicados os

geradores clássicos para produzir a estrutura da rede social dos consumidores. Em todas as

318 Note-se que a queda gradual no porcentual de usuários conectados, apresentada na Figura 70, é um “artefa-

to visual” do modo com que a população de usuários potenciais cresce (exogenamente) no modelo. Após os

primeiros períodos, durante as quais um modesto processo de difusão “one-time” acontece pela rede, o pro-

cesso de difusão cessa e o número de usuários permanece constante até o término da simulação.

200

250

300

1 51 101 151 201

Small-world

Calibração

Scale Free

Aleatória uniforme

Erdos-Rényi

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270

situações, o perfil de convergência para a universalização foi bastante semelhante à confi-

guração de calibração. Por outro lado, a dimensão econômica do mercado final produzido

não foi a mesma. Como a Figura 71 mostra, o valor da demanda agregada variou, de forma

estatisticamente significante. Conforme o processo gerador da rede social adotado foi de-

tectado incremento de até 7% na demanda nominal entre os casos extremos. Novamente,

parece haver correlação positiva entre redes com coeficientes de clustering mais elevados e

a demanda agregada nominal.

4.3.3. Compatibilidade dos mecanismos de causação com hipóteses teóricas

Além da reprodução e da explicação de fatos estilizados e trajetórias históricas,

outro objetivo de um modelo history-friendly é avaliar a compatibilidade das premissas e da

estrutura do modelo com o quadro de referência teórica. Essa etapa permite que a consis-

tência da relação entre a teoria e a empiria seja examinada.

A seguir, as principais hipóteses teóricas, apresentadas no Capítulo 2, serão

confrontadas com os processos desenvolvidos e os resultados obtidos na simulação.319

4.3.3.1. Hipótese 1: economias de escala e concentração

Como extensivamente discutido nas Seções 4.3.2.1 e 4.3.3.1, economias de es-

cala são muito relevantes no modelo, em particular para a concentração do mercado de

acesso. Assim, uma questão que surge naturalmente da discussão anterior é se, consideran-

do-se a presença de economias de escala no modelo, por que não seriam elas a causa essen-

cial da concentração verificada, na linha tradicionalmente proposta pela organização indus-

trial (cf. Seção 2.2), sendo os demais fatores elencados, essencialmente, “acessórios”.

É digno de nota, ainda, que o impacto das economias de escala no modelo é

qualitativamente importante, independentemente da magnitude do parâmetro 𝑐𝑠 que contro-

la essa característica. Isso acontece porque, desde que configurada a presença do fenômeno

(𝑐𝑠 < 1), verificam-se no modelo efeitos dinâmicos que favorecem a concentração ao longo

do tempo devido à realimentação positiva – um exemplo do que é algumas vezes denomi-

nado “dynamic increasing returns” (DOSI, NELSON, 2010).

319 Outras hipóteses relevantes, abordadas em trabalho anterior do autor (PEREIRA, 2014c), em uma versão

anterior do modelo, não serão tratadas aqui, uma vez que não se relacionam diretamente com o tema da tese.

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271

Assim, os testes de sensibilidade avaliaram que os resultados não são qualitati-

vamente alterados pela variação isolada de 𝑐𝑠 dentro de faixas relativamente amplas. A Fi-

gura 72 explicita esse ponto, mostrando que a eliminação completa das economias de escala

(𝑐𝑠 = 1) não reduziria o nível de concentração para um patamar que permitisse considerar o

mercado de acesso à internet como não concentrado, sob as métricas usuais.

Figura 72 – HHI em cenários de economias de escala.

(índice 𝐻𝐻𝐼𝑠 médio; calibração: 𝑐𝑠 = 0,9).

Como explorado na Figura 72, somente com a introdução de deseconomias de

escala (𝑐𝑠 > 1) é possível a redução da concentração em termos qualitativamente significa-

tivos. Mesmo sendo uma hipótese corriqueira da microeconomia neoclássica, não existem

referências na literatura empírica do setor sobre esse cenário, estritamente contrafatual,320

devido à natureza das tecnologias empregadas. Assim, parece improvável que a presença de

economias de escala seja, em última instância, a principal determinante da característica de

concentração da competição, apesar da evidente e intensa correlação positiva entre ambas.

Explorando mais o tema, outro cenário contrafatual interessante, mostrado na

Figura 49, mostra que algumas combinações especiais dos parâmetros críticos, testadas na

análise de sensibilidade e representadas pelos conjuntos de parâmetros de números 15 e 16

320 Os resultados para os cenários contrafatuais, neste e nos demais casos, são essencialmente especulativos e

exploratórios, não baseados em evidência empírica.

0

0,2

0,4

0,6

0,8

1 51 101 151 201

cs = 0,7

cs = 0,8

Calibração

cs = 1,0

cs = 1,1

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272

(Tabela 13 do Apêndice D), produzem resultados qualitativamente distintos para a estrutura

de mercado (Tabela 14 do Apêndice D). Esses conjuntos particulares permitem a operação

do mercado sem a concentração característica dos parâmetros de calibração, permitindo

níveis de 𝐻𝐻𝐼𝑠 sistematicamente bastante abaixo de 0,25, nível crítico para a definição de

mercados muito concentrados (cf. nota 288). Nessas condições, o market share e a rentabi-

lidade das firmas entrantes melhoram substancialmente, durante a maior parte da simula-

ção, conforme ilustra a Figura 73.

Figura 73 – Retorno e market share dos entrantes em cenários críticos.

(taxa de retorno média ponderada e participação total média dos provedores entrantes no mercado).

Os conjuntos 15 e 16 caracterizam-se por (i) baixa influência das escolhas dos

vizinhos na rede social sobre a seleção do provedor (�̅�3 reduzido); (ii) ausência de econo-

mias de escala (𝑐𝑠 = 1); e (iii) crescimento contínuo do orçamento dos consumidores

(𝑔𝐵 > 0). Ao proporcionarem reduzida concentração e elevada rentabilidade dos entrantes,

eles produzem uma diminuição expressiva da quantidade de firmas que deixam o mercado

durante a simulação, mostrando a viabilidade, em tese, de uma estrutura setorial menos

concentrada e um mercado mais “saudável”. Entretanto, apesar de desejável em uma pers-

pectiva normativa, esse cenário depende, crucialmente, de premissas muito particulares

sobre características cognitivas dos usuários (�̅�3) ou sobre atributos da tecnologia (𝑐𝑠), am-

bos pouco suscetíveis a intervenções exógenas diretas, em especial no curto prazo.

0,00

0,05

0,10

0,15

0,20

1 51 101 151 201

Calibração

Conj. 15

Conj. 16

0,00

0,20

0,40

0,60

0,80

1 51 101 151 201

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273

A Figura 74 apresenta um experimento adicional sobre a mortalidade dos en-

trantes, no qual cenários alternativos de estruturas de rede são testados, aplicando-se a con-

figuração do conjunto de parâmetros 15 na. Nesse caso, e independentemente da estrutura

da rede social, a expectativa de sobrevivência dos entrantes aumenta substancialmente.321

Figura 74 – Idade dos entrantes em cenários de estrutura de rede.

(em UT, idade média dos provedores; parametrização com conjunto de parâmetros número 15).

Por fim, vale notar que o surgimento de barreiras para novos competidores, no

modelo, também é propriedade emergente. Nada no nível inferior do modelo (as regras

comportamentais) foi explicitamente configurada para produzi-las, o que é demonstrado

pelas diversas rodadas com resultados significativamente competitivos. No entanto, restam

importantes elementos como as economias de escala na definição do patamar das barreiras

à entrada – e à sobrevivência – nos cenários de simulação mais frequentes.

4.3.3.2. Hipótese 2: busca inovadora, seleção sobre variedade e evolução setorial

Na concorrência schumpeteriana, conforme discutido na Seção 2.3.2, o princi-

pal instrumento competitivo disponível para as firmas é a inovação, tanto tecnológica como

321 Deve-se ressaltar que, diferentemente do cenário de calibração (Figura 61), em um mercado mais propício

para os entrantes, não mais existe grande variação da expectativa de vida dos entrantes, conforme a estrutura

da rede social dos consumidores se altera. Ou seja, a estrutura da rede social é importante em situações de

maior concentração e concorrência restrita.

0

30

60

90

120

150

1 51 101 151 201

Calibração

Small-world

Scale-free

Aleatória uniforme

Erdos-Rényi

45°

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274

organizacional. A inovação costuma ser o fator mais relevante para a diferenciação entre as

empresas de setores dinâmicos, dando origem à diversidade populacional sobre a qual o

mecanismo de seleção no mercado atua (NELSON, 1995; METCALFE, 1998). Porém, esse

talvez não seja um retrato completo de todos os processos evolucionários presentes.

Não obstante o modelo proposto não tratar a questão da inovação tecnológica

como endógena aos provedores, a busca constante das firmas pelas melhores tecnologias e

estratégias de negócio é característica do sistema. Por isso, além da dinâmica tecnológica,

cuja compatibilidade com esta categoria de modelo foi largamente testada na literatura ne-

oschumpeteriana (Seção 3.1.1), o mecanismo de inovação organizacional se mostra essen-

cial para os resultados obtidos.

Como descrito na Seção 3.2.2.6, as firmas modeladas dispõem de capacidade

para aprender, imitar e, de certa maneira, inovar durante a contínua investigação do espaço

(de estratégias) de preços e de qualidade, ao mesmo tempo em que perseguem seus objeti-

vos de rentabilidade. Ao longo da simulação, os provedores confrontam diversas opções

estratégicas, sendo que aqueles com estratégias adequadas crescem mais ou obtêm maior

lucratividade ou ambos. Entretanto, esse sucesso atrai imitadores, que adotam as estratégias

exitosas, eventualmente inviabilizando-as, na permanente exploração do espaço estratégico.

Essa movimentação em direção das “melhores” estratégias está exemplificada

na Figura 75. Ela mostra quantas firmas, em uma rodada típica, adotam cada estratégia em

um determinando momento. Estratégias que são populares em um período, representando a

melhor estratégia então conhecida, são rapidamente imitadas pelas firmas com resultados

insatisfatórios.322

Quando estratégias superiores surgem, existe uma rápida convergência

para o que é percebido como a reposta mais adequada naquele instante do mercado. Na

Figura 75 isso fica claro, por exemplo, na frequente e veloz migração, da maioria das fir-

mas entrantes, das estratégias de números 1 e 2 (conservadoras) para a de número 5 (agres-

siva), e vice versa, à medida que as condições do mercado se tornam mais ou menos com-

petitivas. A despeito da aparente pressão em direção do isomorfismo (DIMAGGIO; PO-

WELL, 1983), persiste a exploração de alternativas estratégicas pelos provedores, especi-

322 No modelo, o processo de busca de novas estratégias somente é ativado pelo provedor de acesso no caso

de sistemático não atingimento das metas (de rentabilidade e de market share) com a estratégia corrente.

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275

almente durante o período dinâmico do mercado (𝑡 < 125). Na maturidade (𝑡 > 125), a

figura captura a tendência de estabilização do processo de busca e consequente convergên-

cia isomórfica323

dos incumbentes – apesar de, no exemplo, a busca dos entrantes prosse-

guir (mas esse não é o cenário mais comum nas rodadas).

Figura 75 – Distribuição de entrantes e incumbentes entre estratégias.

(frequência de provedores em cada estratégia; rodadas selecionadas).

A imponderabilidade de processos open-ended, como os descritos, característi-

ca da busca e da seleção evolucionárias, fica evidente no detalhamento. O modelo não apre-

senta tendência consistente para estratégias particulares, seja pela descoberta de uma estra-

tégia “ótima”, seja pela convergência sistemática para algum conjunto específico, como

evidencia a Figura 54 (Seção 4.3.2.2). Ao invés, a busca e seleção caracteriza-se pela path

dependence marcante, o que torna razoavelmente frequente a reprodução de trajetórias em

rodadas distintas. Parece adequado, portanto, supor que algumas trajetórias estratégicas são,

ex post, evolucionariamente mais eficazes, em certas condições do modelo.324

Mas isso não

impede o ocasional lock-in em trajetórias claramente inferiores em diversas outras rodadas.

No entanto, no modelo, os processos de busca e seleção não se limitaram ao la-

do da oferta. Como explorado ao longo do capítulo, a operação desses mecanismos pelos

consumidores, seja na procura pelos provedores mais adequados ou na difusão do serviço

323 O termo isomorfismo refere-se não apenas à estrutura formal das organizações, mas também à sua “cultura

organizacional, objetivos, programa ou missão” (DIMAGGIO; POWELL, 1983, p. 149). 324 A análise das trajetórias ex post “ótimas” do modelo não foi empreendida aqui, em função do escopo da

tese.

0

1

2

3

4

5

6

7

8

9

1 51 101 151 201

Entrantes

0

1

2

3

4

1 51 101 151 201

Incumbentes

Estrat. 1

Estrat. 2

Estrat. 3

Estrat. 4

Estrat. 5

Estrat. 6

Estrat. 7

Estrat. 8

Estrat. 9

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276

de acesso, é muito relevante no desenvolvimento e organização do mercado simulado.325

Essa talvez seja a principal conclusão deste trabalho, uma vez que a literatura sobre os me-

canismos do lado da oferta se encontra bastante consolidada.

Enfim, a investigação mostrou que os processos evolucionários, pelo lado da

demanda e da oferta, são cruciais na determinação dos resultados. A estrutura de mercado

produzida a partir deles, na simulação, apresenta as características essenciais previstas pelo

quadro teórico, a saber: a assimetria persistente entre as firmas e os consumidores, a turbu-

lência de entrada e saída, a path dependence das estruturas, a possibilidade de lock-in em

trajetórias técnicas e comerciais ex post subótimas, e a incerteza ex ante dos desdobramen-

tos da competição e das decisões de consumo. Vale ressaltar que todos esses atributos do

mercado simulado manifestaram-se como fenômenos emergentes, não modelados explici-

tamente. Isso permite a validação das hipóteses propostas pela teoria evolucionária como

constitutivas do modelo e, provavelmente, de suas contrapartes no sistema econômico real.

4.3.3.3. Hipótese 3: estruturas cognitivas compartilhadas e comportamento

As seções anteriores do capítulo descreveram uma série de mecanismos, críti-

cos para os resultados do modelo, que foram frequentemente justificados por considerações

sobre as estruturas cognitivas dos agentes e sua influência nos comportamentos observados,

em situações nas quais diversas opções eram, em princípio, possíveis.

O primeiro mecanismo cognitivo discutido tratou da forma pela qual os consu-

midores avaliam as ofertas de serviço. A existência de padrões bem definidos para avalia-

ção dos serviços pelos usuários, controlados pelo ambiente de simulação (ou gerados por

influências culturais no sistema real), restringe as combinações disponíveis para os prove-

dores escolherem como compor suas ofertas. A não adoção de um “consumidor médio” (e

sua inexistência no mundo real) eliminou a possibilidade de perfeita substituição entre ofer-

tas, considerando-se que o espaço de combinações preço-qualidade não é contínuo. Para

325 Infelizmente, a característica estática da rede de consumidores, no modelo, não permitiu a adequada inves-

tigação desses mecanismos em toda a sua real dimensão.

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277

complicar ainda mais a análise,326

os usuários, durante a formatação de suas preferências,

são constantemente influenciados pelo meio social (vizinhança de rede).

Outro mecanismo cognitivo correlato, que surge do estudo das rodadas de simu-

lação, é a sensibilidade que os usuários precisam desenvolver para os parâmetros da oferta,

seja no que diz respeito ao preço ou à qualidade. Como mostrado na Seção 4.3.2.2, a inter-

pretação arbitrária sobre o que os usuários compreendem como uma “redução relevante”

dos preços ou uma “melhora significativa” da qualidade tem impactos importantes no mer-

cado. Essas interpretações dificilmente podem ser consideradas como decisões isoladas de

usuários atomizados.327

Como no caso das preferências, o papel da emergência de conven-

ções compartilhadas entre os usuários sobre a própria definição dos atributos essenciais dos

produtos, não pode ser desconsiderado, sob pena de alijar da análise fenômenos que já de-

monstraram relevância empírica (MALERBA, 2006).

Considerando que o movimento dos preços e qualidades no modelo representa,

principalmente, ajustes competitivos das ofertas das firmas, a questão de eventuais conven-

ções adotadas pelos usuários, sobre como “reconhecer” uma alteração na oferta ou se um

novo provedor é “suficientemente” melhor do que o atual, torna-se central na determinação

da dinâmica competitiva. Transposta para a avaliação das ofertas no mercado real, isso aju-

da a explicar a tendência de as firmas não realizarem alterações muito frequentes em seus

preços e qualidades. Nessa situação, ajustes individuais contínuos e imediatos às variações

nas condições do mercado, como prevê a interpretação convencional, transformam-se em

problema de coordenação para provedores e consumidores.

Ao tentarem se posicionar, individualmente, de forma “reconhecivelmente” su-

perior, os provedores desencadeiam um processo sistêmico poderoso, que em geral acelera

a erosão dos preços e/ou o aumento dos custos para todos os participantes do mercado. A

solução ótima desse problema de coordenação requer informações e capacidades que, sim-

plesmente, não estão disponíveis para os agentes no mercado virtual e, possivelmente, no

326 A existência de nichos descontínuos e preferências realimentadas por processos sociais emergentes impe-

dem a concepção de estratégias ótimas a priori pelas firmas, independentemente da incerteza associada com o

processo de inovação endógeno, desencadeando o contínuo aprendizado com as características já discutidas. 327 Até porque, se assim fosse, o cálculo “maximizador” indicaria que os thresholds deveriam ser os menores

possíveis (na ausência de “custos de menu” para os usuários), o que é incompatível com a evidência empírica.

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278

real. Obviamente, a maior parcela do ônus da mudança setorial recai sobre os incumbentes,

o que justificaria sua menor propensão a iniciar esse processo, novamente realçando a in-

fluência das questões cognitivas na restrição das opções disponíveis para os agentes do mo-

delo, frequentemente por meio da seleção evolucionária de estratégias mais “cautelosas”.

Destarte, o conjunto dos mecanismos cognitivos de consumidores e provedores

tem impacto significativo na dinâmica da simulação, como evidenciou a análise. Parece,

portanto, bastante razoável aceitar a hipótese de que essas estruturas propiciam o surgimen-

to dos fenômenos emergentes que formatam e constrangem o espaço de escolha dos agentes

simulados, com reflexos inequívocos nos resultados do modelo e, provavelmente, também

no caso real.

4.3.3.4. Hipótese 4: redes sociais e formação de preferências

Um dos benefícios da técnica de simulação computacional é a possibilidade de

experimentação com diferentes estruturas de interação entre os agentes. Isso permite que

sejam analisadas questões referentes às redes das quais eles participam e que influenciam as

características sistêmicas emergentes (PYKA; FAGIOLO, 2005). Como apresentado ao

longo do capítulo, o modelo possibilita a interação local entre provedores, entre usuários e

entre ambos, dando origem a redes sociais complexas, bem como o desdobramento de suas

propriedades emergentes.

A rede social entre provedores se estabelece na clivagem, já analisada, entre in-

cumbentes e entrantes. A influência da rede de interação entre firmas, na escolha estratégi-

ca de cada uma, frequentemente reduziu a necessidade de ofertas agressivas dos incumben-

tes para que eles atingissem seus objetivos. Como consequência, criou-se espaço para a

adoção de conjuntos de estratégias distintos entre firmas de grupos sociais diferentes, o que

permitiu a “estabilização” da competição. É interessante notar que em rodadas em que a

parcela de mercado conjunta dos incumbentes caiu abaixo de certo limite, a estratégia de

comportamento recíproco, socialmente construída, tornou-se ineficaz e tendeu a direcionar

as firmas grandes para estratégias mais combativas, típicas das entrantes, a partir da apren-

dizagem adaptativa. Em outras palavras, a estabilização do mercado simulado requer a do-

minância do mercado artificial por poucas firmas, como previsto na Seção 2.4.3.1.

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279

A formação de redes de relacionamento entre usuários e provedores, dentro de

nichos de mercado de qualidade diferenciada, também contribui para a redução da agressi-

vidade das firmas. O aparecimento de nichos, discutido anteriormente, isola competidores e

cria, na prática, submercados distintos com ofertas singulares em termos qualitativos. Gra-

ças a isso, tanto os entrantes, que normalmente exploram esses nichos, quanto os incumben-

tes, que não dispõem de oferta adequada para eles, frequentemente podem conviver com

elevado nível de estabilidade das estratégias mais moderadas.

Por fim, mostrou-se inequívoca a centralidade da questão da formação parcial-

mente local e endógena das preferências dos consumidores, dentro do escopo de suas vizi-

nhanças na rede de relacionamento social. Ao “outorgar”, para sua rede, parcela de sua de-

cisão sobre a aquisição do serviço de acesso, o consumidor se abre para interferências que

vão além da dimensão puramente informacional, usualmente privilegiada em estudos do

tema. Considerando-se a dinâmica da difusão – de informação e de estruturas cognitivas –,

dentro de redes muito grandes, esparsas e não uniformes, a influência social traz novas va-

riáveis essenciais para a compreensão do comportamento da demanda, confirmando as

principais hipóteses levantadas na Seção 2.4.3.3.

Embora nem todos os mecanismos relacionais verificados pelo modelo tenham

sido essenciais para os resultados produzidos, a maioria deles se mostrou significativa e

importante nesse sentido, especialmente se considerados conjuntamente. Isso recomenda a

aceitação da hipótese de centralidade das redes sociais no desenvolvimento da estrutura do

mercado e na dinâmica do consumo e da competição.

4.4. Conclusão

Com base na proposta metodológica dos modelos history-friendly, logrou-se re-

alizar a calibração do modelo proposto, utilizando referências provenientes da pesquisa

empírica para parcela importante dos parâmetros. O modelo calibrado teve sua sensibilida-

de avaliada e os parâmetros críticos para os resultados, identificados. Partindo de pouco

mais de 40 valores de calibração, a análise de sensibilidade detectou que menos de uma

dezena deles são realmente nevrálgicos na conformação da estrutura de mercado gerada

pela simulação.

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280

O modelo foi capaz de reproduzir todos os fatos estilizados verificados (ou pre-

vistos) no Capítulo 1 como propriedades emergentes, ou seja, sem que o programa compu-

tacional fosse explicitamente configurado para tanto. Os resultados obtidos permitiram o

aprofundamento da compreensão dos mecanismos que, no sistema econômico virtual, pro-

duziram consequências semelhantes àquelas verificadas no mundo real. As diversas etapas

analíticas propostas no capítulo, espera-se, foram suficientemente robustas para permitir

que as principais relações lógicas descobertas possam ser extrapoladas para domínios analí-

ticos similares. Dessa forma, considera-se razoável, e promissor, utilizar o conhecimento

adquirido para esclarecer, por analogia, várias das questões levantadas no Capítulo 1.

No que diz respeito ao setor gerado pelo artefato de simulação, pelo menos, a

questão central deste trabalho restou esclarecida. Os motivos da concentração e da restrita

competição foram elucidados, no modelo, com base em um conjunto de fenômenos emer-

gentes, em particular da influência das redes de consumidores, secundados pela presença de

economias de escala e pela estabilidade de certas características cultural-cognitivas dos

usuários. Os mecanismos que retardaram e suavizaram a redução potencial dos preços, em

face das previsões tradicionais da teoria econômica, também foram explorados e justifica-

dos, considerando-se o surgimento de convenções compartilhadas dentro de redes de rela-

cionamento local entre provedores e entre consumidores. Por fim, o papel crítico da dinâ-

mica da inovação tecnológica, dentro do setor virtual, foi analisado e esclarecido.

Sem desconsiderar a importância de outros fatores presentes, como os de ordem

evolucionária ou da organização industrial convencional, merece destaque a relativa pre-

ponderância dos processos institucionais no desdobramento dos fenômenos mais importan-

tes verificados no sistema simulado. O modelo permitiu rejeitar, por exemplo, a hipótese de

que a eliminação das economias de escala, isoladamente, seria suficiente para alterar quali-

tativamente as características estruturais do mercado. Ou de que externalidades de rede

clássicas sejam um instrumento relevante para reforçar a posição dos incumbentes, no caso

da internet. Isso é, de certo modo, surpreendente, considerando-se os resultados usuais dos

estudos empíricos industriais, que costumam apontar mecanismos dessa natureza como

fundamentais, relegando o destaque das questões institucionais para o segundo plano,

quando muito.

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281

Nesse sentido, e à semelhança das conclusões de Hodgson e Knudsen (2004)

para um modelo de simulação completamente diferente, o processo de formação das prefe-

rências dos agentes foi decisivo para os desdobramentos obtidos. Ao introduzir modesta

variabilidade nas preferências, geradas de maneira apenas parcialmente endógena, deu-se

origem a fenômenos de natureza emergente que foram capazes de alterar inteiramente a

organização setorial. Esse mecanismo foi, ainda, potencializado pela estrutura particular da

rede social na qual se encontram os consumidores. Estruturas distintas provaram ser aptas a

deflagrar dinâmicas razoavelmente diferenciadas, reforçando ou atenuando o efeito de

downward causation.

Não somente o procedimento de formação de preferências dos usuários foi im-

portante para os resultados do modelo. Outros fenômenos emergentes direcionaram, signi-

ficativamente, como as firmas avaliam o setor e competem entre si, a partir do aprendizado

evolucionário e da seleção de estratégias dentro de redes de relacionamento local. Entretan-

to, não foram identificadas tendências que conduzissem a escolhas “ótimas”, ou sequer úni-

cas, pelo menos enquanto a demanda seguiu crescente. Todavia, o processo de aprendizado

estratégico, neste caso, não foi responsável, individualmente, pela elevada concentração

verificada no mercado virtual, à diferença dos pontos anteriores.

Finalmente, deve-se ressaltar que, como em qualquer modelo, os resultados ob-

tidos são sempre influenciados pelas suas premissas. Por mais detalhado que seja o modelo,

partes potencialmente importantes do sistema econômico real são excluídas ou simplifica-

das, deixando margem para dúvidas quanto às suas conclusões. Isso também acontece aqui.

Questões sobre a relevância de fontes relevantes de custos fixos, como o caso fundamental

do marketing, ou a influência da organização espacial dos agentes, que se distribuem ao

longo de um território heterogêneo, não foram modeladas mas, obviamente, são críticas

para a operação do mercado concreto. Espera-se que, no entanto, mesmo com essas defici-

ências, o modelo seja capaz de reproduzir o efeito dos fatores considerados acima de ma-

neira não viesada, não obstante a evidente impossibilidade de reprodução de toda a riqueza

de detalhes da realidade.

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283

Conclusão geral

A tese propôs uma abordagem inovadora para o estudo da dinâmica competitiva

do mercado de serviço de acesso à internet, sob a influência de consumidores organizados

em redes sociais, com base na metodologia de simulação agent-based history-friendly. Di-

versas etapas foram necessárias para que, de forma conjunta, pudessem fornecer respostas

satisfatórias às principais questões levantadas pela pesquisa empírica, com a profundidade e

o rigor adequados.

A investigação empírica mostrou que o desenvolvimento da internet legou um

novo setor econômico, criado principalmente a partir da confluência dos setores de teleco-

municações e de informática e que rapidamente ganhou influência significativa no cenário

econômico. A análise apreciativa desse setor, empregando-se a metodologia dos sistemas

setoriais de inovação e produção, apontou para uma indústria composta por um núcleo di-

versificado de agentes. Entre eles, destacam-se os consumidores-usuários, que, pela nature-

za dos processos setoriais, tiveram participação decisiva na sua evolução, e os provedores

de acesso, frequentemente originários das antigas empresas de telefonia privatizadas, que

disponibilizaram a infraestrutura física de redes que compõem a “grande rede mundial”.

O estudo apreciativo mostrou que a rápida convergência para o novo setor, de

um conjunto de atores bastante heterogêneos, representou um projeto complexo de constru-

ção institucional. Premidos pela concorrência, de um lado, e pela incerteza sobre as novas

tecnologias, bens e serviços, de outro, os agentes frequentemente se valeram de redes de

cooperação, seja para a P&D como para a regulação da internet ou, até, para o consumo de

seus produtos. Isso deu origem a um aglomerado único de instituições setoriais, simultane-

amente cooperativo e competitivo.

No entanto, a maneira com que a combinação cooperação-competição ocorreu

não foi homogênea entre os segmentos do setor de internet. Em termos schumpeterianos, a

trajetória histórica apontou que, enquanto na maioria dos mercados setoriais (equipamentos,

sistemas e conteúdo) a dinâmica da creative destruction foi dominante, aparentemente, no

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mercado de acesso, houve o predomínio do regime de creative accumulation. Isso se deveu,

principalmente, à sobrevivência, no novo mercado de acesso, de certas características inst i-

tucionais dos antigos regimes de monopólio nas telecomunicações, o que facilitou o domí-

nio desses mercados pelas empresas oriundas das privatizações dos anos 1980-1990. Em

particular, esse parece ter sido o caso do Brasil.

Adicionalmente, a radical novidade – e a relativa complexidade – dos bens e

serviços oferecidos pela internet exigiram dos seus consumidores o desenvolvimento de

novas capacidades. Não parece razoável supor que as preferências desses consumidores,

dentro dos mercados do setor, fossem a priori conhecidas e, menos ainda, estáveis. Por não

se tratar do caso usual de informação imperfeita, a incremento do consumo nos novos mer-

cados demandou, inicialmente, o estabelecimento de instituições mínimas – definidoras do

valor e da qualidade dos produtos – antes que pudesse se desenvolver plenamente. Em par-

ticular, no mercado de acesso, a questão da avaliação da qualidade dos serviços é especial-

mente complexa, tornando pouco eficazes os mecanismos usuais empregados pelos consu-

midores. Nesse cenário, a evidência empírica aponta que as informações armazenadas e

transportadas nas redes sociais, das quais os consumidores são parte constitutiva, são im-

portantes para a formação de suas preferências.

Pelo lado da oferta, após um breve período de fragmentação e concorrência in-

tensa, entre 1995 e 2000, o mercado brasileiro de serviço de acesso à internet concentrou-se

rapidamente, com o predomínio das empresas originárias da privatização, em 1998, do sis-

tema Telebrás. Mais recentemente, a análise dos dados empíricos disponíveis permitiu a

caracterização do regime particular da competição nesse mercado, com base em três fatos

estilizados principais:

a) concentração de mercado persistente: quatro provedores incumbentes, todos

originários da privatização, dominavam mais de 90% do mercado de acesso,

com nível relativamente baixo de concorrência entre eles e significativa concen-

tração no âmbito geográfico regional;

b) reduzida competição por meio de preços: a despeito de quedas constantes, os

preços do serviço de acesso brasileiro estavam entre os mais elevados do mun-

do (para países de renda média ou alta) e as margens dos grandes provedores

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285

são significativas, em um cenário compatível com a presença de economias de

escala relevantes; e

c) baixa taxa de entrada com sucesso: em toda a história do segmento, apenas

um provedor entrante logrou sucesso efetivo; apesar da presença de mais de

dois mil provedores no mercado em 2014, as firmas (não associadas aos incum-

bentes) que nele adentraram desde o ano 2000 representavam menos de 10% do

mercado nacional, sendo que somente uma delas conseguiu superar a barreira

de 1% de participação sobre o total.

Pelo lado da demanda, foram identificadas evidências dos efeitos da dinâmica

complexa da qualidade e das redes sociais na escolha dos consumidores. Em resumo, dois

fatos estilizados parecem caracterizar o mercado de acesso:

a) intensa substituição de provedores (churning): entre 30 a 45% dos usuários

trocam de provedor de acesso a cada ano, volume esse que tem crescido ao lon-

go do tempo, sendo que o principal motivo elencado para a mudança é a quali-

dade deficiente dos serviços; e

b) influência da organização social na escolha do consumidor: as informações

disponibilizadas e difundidas pelas redes sociais das quais o consumidor parti-

cipa foram relevantes para a decisão de aquisição de serviços de internet e cor-

relatos, representando até 40% dos componentes considerados no processo de

escolha em países como o Brasil.

A investigação de modelos teóricos que permitissem justificar os fatos estiliza-

dos oriundos da análise apreciativa seguiu, em princípio, por três linhas teóricas distintas.

Inicialmente, foi analisada a adequação das contribuições da organização industrial para dar

conta dessas questões. Em particular, a hipótese da correlação positiva entre economias de

escala e concentração pareceu relevante para suportar a pesquisa. Isso porque a empiria

indica que, descartadas outras barreiras tradicionais à concentração do mercado de acesso, a

presença de ganhos de escala, ou, pelo menos, a inexistência de deseconomias de escala, é

um dos fatores que permitiram o comportamento potencialmente discriminador observado

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286

no mercado. Consequentemente, ela permite compreender um dos possíveis canais de estí-

mulo para a expansão continuada dos incumbentes e a limitação da competição.

A perspectiva evolucionária neoschumpeteriana, por sua vez, aportou interpre-

tação para outras questões empíricas, em particular uma abordagem para o tratamento da

dinâmica da inovação, elemento-chave de organização do setor de internet, inclusive no seu

segmento de acesso. Em especial, a hipótese de que a evolução setorial se dá pelos meca-

nismos de busca inovadora e de seleção sobre a variedade é importante para justificar al-

guns fatos estilizados. Afinal, os processos de geração de diversidade e de seleção aparen-

temente atuaram de forma decisiva desde o surgimento da internet e foram determinantes

da trajetória histórica verificada, não obstante a evidência de diversas circunstâncias de

retardo e atenuação, como foi, em princípio, o caso do mercado de acesso no Brasil.

A parcial insuficiência das duas vertentes teóricas anteriores, em especial para o

tratamento de um setor com segmentos sob o mesmo regime tecnológico, mas com distintas

intensidades competitivas, foi encaminhada com base em um conjunto de abordagens insti-

tucionais, por meio de um recorte teórico adequado. A adoção de uma definição suficien-

temente ampla para as instituições, enquanto regras de pensamento ou de comportamento

compartilhadas socialmente, permitiu um enfoque abrangente o bastante. Desse modo, a

análise institucional comportou a construção de algumas hipóteses importantes sobre os

mecanismos em ação no campo empírico:

a) estruturas cognitivas compartilhadas entre os atores condicionam as alter-

nativas de comportamento: a criação de modos de organização coletiva de

padronização e regulação setorial e de interação em rede sociais e a internaliza-

ção de práticas utilizadas ao longo do tempo, muitas vezes implicitamente (ta-

ken-for-granted), além de reduzirem a incerteza dos agentes, proporcionaram a

legitimação de formas institucionalizadas para os processos de P&D, de produ-

ção industrial, de gestão da internet ou, ainda, de competição e de consumo; a

estabilização institucional proporcionada por mecanismos dessa natureza pode

marcar profundamente a dinâmica do setor e de seus mercados; e

b) redes sociais são importantes na conformação endógena das preferências

dos agentes: a partir da organização dos consumidores dentro de redes de rela-

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cionamento, tanto entre eles e destes com os provedores, foram produzidos des-

dobramentos relevantes – troca de informação, formação de preferências coleti-

vas, convenções sobre preços e qualidade etc. – que puseram luz sobre a in-

fluência das relações dentro das redes sociais nos resultados verificados, o que,

por sua vez, tem potencial para afetar a própria competição.

Em resumo, o quadro teórico proposto para a análise parte da hipótese de que a

organização setorial se deu com base, primordialmente, em uma dinâmica dual – ou coevo-

lucionária – que envolveu instituições e tecnologia. Na maioria dos segmentos do setor, o

pressuposto é de que prevaleceram as forças que conduzem ao cenário da (intensa) compe-

tição schumpeteriana, em um ambiente de inovação e diferenciação contínuas. Entretanto,

outro segmento, o de serviço de acesso, operou segundo uma lógica institucional distinta,

articulada por redes hierárquicas estabelecidas historicamente pelas firmas mais poderosas,

privilegiando a restrição da concorrência, no que foram suportadas, de modo relevante, por

características institucionais da forma como se organizou a demanda.

Definidos os fatos estilizados e as hipóteses teóricas, a etapa seguinte foi a es-

pecificação e a construção de um modelo formal do segmento de acesso, com foco no mer-

cado de serviço de acesso à internet. O modelo deveria ser capaz de testar se as hipóteses

teóricas são adequadas, compatíveis e suficientes para a reprodução dos fatos estilizados,

bem como identificar outras condições relevantes para os resultados verificados, mas não

desvendadas pela investigação empírica ou previstas pelo quadro teórico. Para essa finali-

dade, foi selecionada a metodologia history-friendly, um tipo particular de modelagem de

simulação computacional agent-based.

A pesquisa metodológica indicou que a simulação de sistemas complexos é par-

ticularmente adequada para a modelagem formal de processos sociais e institucionais, in-

clusive os organizados em redes, justamente por permitir a avaliação de propriedades

emergentes e sua realimentação para diferentes níveis analíticos – upward e downward

causation. A compreensão da emergência é a característica-chave para a interpretação de

sistemas complexos e a simulação agent-based é apropriada para tanto, pois apresenta atri-

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butos convenientes para sua modelagem. Isso inclui a capacidade de representar agentes

heterogêneos e as interações locais entre eles, recursos essenciais para a tarefa.

O uso de modelos de simulação como suporte para a pesquisa empírica é usual

na abordagem evolucionária. A metodologia history-friendly deu impulso à segunda gera-

ção de modelos nessa tradição. Ela foi criada objetivamente para o estudo de indústrias

específicas, com o objetivo de avaliar teorias qualitativas sobre os mecanismos que afetam

a evolução setorial, utilizando informação da análise apreciativa para construção e valida-

ção de modelos formais. A aderência ou não dos resultados aos os fatos estilizados permite

uma primeira avaliação da adequação lógica do quadro teórico com a leitura apreciativa. A

interpretação do modelo possibilita, ainda, o aprofundamento dessa investigação e suporta a

identificação de fenômenos não explicitamente modelados ou sequer previstos a priori.

O modelo proposto baseia-se em 44 equações, 42 parâmetros ajustáveis e nove

variáveis que requerem condições iniciais diferentes de zero, além dos parâmetros estima-

dos a partir das redes sociais reais utilizadas. Em comparação com modelos semelhantes, a

quantidade de parâmetros mostrou-se razoavelmente parcimoniosa. O modelo foi imple-

mentado com o uso da ferramenta LSD, desenvolvida pelo professor Marco Valente, e mais

de três mil linhas de programação em linguagem orientada a objetos C++, Python e R. O

modelo opera em tempo discreto e permite a observação detalhada dos estados de cada ob-

jeto individual (usuários, provedores, tecnologias, redes e suas estruturas agregadas) ao

longo da simulação. A rede social dos consumidores é gerada como um grafo pseudoaleató-

rio, com as principais características estruturais equivalentes às das redes selecionadas. O

sistema admite a configuração e a experimentação de cenários contrafatuais, pela modifica-

ção dos parâmetros que definem as propriedades do caso history-friendly básico.

A calibração do modelo logrou ser realizada com parcela significativa dos pa-

râmetros baseados nos dados empíricos, inclusiva para a configuração da topologia da rede

social de consumidores. Isso simplificou a análise, considerando-se o conhecimento prévio,

pelo menos, das ordens de grandeza adequadas para a exploração das possibilidades de va-

riação no espaço paramétrico. Com base na calibração selecionada, foram realizados exten-

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sivos testes de sensibilidade do modelo para mudanças nesses valores. Dos 51 itens de cali-

bração, entre parâmetros e valores iniciais, pouco mais de uma dezena se mostrou crítica na

determinação dos resultados importantes do modelo.

Como esperado, as informações obtidas no decorrer de dezenas de milhares de

“rodadas” executadas com o modelo, necessárias tanto para a avaliação do impacto de mu-

danças nos parâmetros quanto para a obtenção de valores representativos dos processos

estocásticos envolvido, mostraram-se extremamente úteis para a compreensão dos meca-

nismos do sistema econômico virtual. Além disso, em primeira aproximação, os resultados

revelaram-se bastante próximos daqueles observados no sistema real, em termos qualitati-

vos e mesmo quantitativos, indicando a adequação do quadro teórico de referência adotado

para a especificação do modelo. Ele comprovou, ainda, que as hipóteses teóricas foram

críticas para a consecução de resultados simulados qualitativamente semelhantes aos reais.

A apreciação dos fatos estilizados provenientes da análise empírica, empregan-

do-se o modelo de simulação, permitiu o esclarecimento de uma série importante de ques-

tões. Os principais motivos da concentração e da restrita concorrência foram identificados

por meio de fenômenos emergentes replicados pelo modelo, em particular a influência de

características específicas da rede social dos consumidores, subsidiados pela presença de

economias de escala e de atributos convencionais dos procedimentos cognitivos dos usuá-

rios. Foram também explicitados os mecanismos que frequentemente restringiram ou sua-

vizaram a competição, especialmente aqueles oriundos de convenções estabelecidas nas

interações entre provedores. O papel da dinâmica da inovação tecnológica foi esclarecido,

inclusive quanto aos seus efeitos potencialmente contraditórios, em situações de empreen-

dedorismo institucional intenso.

Mostrou-se, na sequência, que, para a geração uma estrutura setorial menos

concentrada, o modelo dependeria de um cenário contrafatual baseado em alteração impro-

vável, no curto prazo, de características estruturais apontadas pelos estudos empíricos. Isso

porque ele depende, crucialmente, da mudança de mecanismos institucionais estabelecidos

ou em mudanças significativas nas trajetórias tecnológicas correntes, os quais, na melhor

das hipóteses, se alteram apenas em prazos longos.

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Como conclusão geral, ficou evidente o número significativo de fatores de or-

dem institucional importantes para a determinação dos resultados, em particular daqueles

envolvendo o lado da demanda e seu modo de organização em redes sociais. Sem desconsi-

derar a importância de outros elementos, processos institucionais foram determinantes no

desdobramento de diversos fenômenos verificados no sistema simulado. Ressalte-se que

isso não significa que fundamentos clássicos da análise industrial, como a organização in-

dustrial ou a teoria evolucionária, não tenham desempenhado o papel esperado. Entretanto,

como mostrou o modelo, algumas das situações explicadas por essas vertentes analíticas

dependeram da concorrência de temas institucionais usualmente desconsiderados, frequen-

temente de maneira crucial. Nessa direção, por exemplo, o modelo foi empregado para re-

jeitar a hipótese de que a simples eliminação das economias de escala, isoladamente, seria

suficiente par alterar qualitativamente as características estruturais do setor, em particular, a

concentração.

Entre os fenômenos institucionais mais relevantes, destacou-se a influência dos

métodos de formação das preferências. A introdução de variabilidade endógena destas, pela

interferência do grupo social do consumidor, deu origem a um evento de natureza emergen-

te suficientemente poderoso para mudar a estrutura setorial. Além disso, propriedades

emergentes do processo evolucionário de aprendizado das firmas, a partir da interação lo-

cal, direcionaram como elas escolheram suas estratégias e, portanto, a forma pela qual

competem entre si e como isso pôde “estabilizar” a concorrência por meio de preços. Não

foram identificadas, no entanto, tendências que conduzissem a estratégias “ótimas”, ou evo-

lucionariamente convergentes, pelo menos enquanto a demanda permaneceu crescendo no

modelo, o que é compatível com a hipótese de racionalidade limitada dos agentes.

A utilização de uma metodologia de modelagem baseada na história, além da

análise apreciativa tradicional, parece oferecer perspectivas interessantes para os estudos

setoriais. Ao ir além da associação ad hoc entre fatos estilizados e artefatos explicativos

teóricos, os modelos de simulação oferecem uma alternativa metodológica menos arbitrária

e mais rigorosa para a investigação empírica, ao permitir a avaliação lógica e comparativa

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das escolhas analíticas do pesquisador. Porém, como qualquer abordagem fundamentada na

história e na inferência não dedutiva, esse método também tem limitações importantes. Em

primeiro lugar, os benefícios analíticos dependem da precisão do diagnóstico histórico e

dos dados coletados. Em segundo, a ambição dos modelos deve se limitar ao teste de hipó-

teses teóricas adequadamente formuladas e à apreensão sistemática de suas consequências,

previstas ou não. Assim, a generalidade das conclusões se restringirá sempre à parcela do

espaço teórico experimentado, restrito por princípio. Logo, a conveniência do uso de mode-

los de simulação depende, crucialmente, da capacidade do analista para reconhecer e traba-

lhar com as restrições impostas pela metodologia. Em particular, a robustez da análise será

produto direto da qualidade da informação utilizada e das opções de modelagem escolhidas

com base nos dados disponíveis – além, obviamente, da aptidão técnica dos modelos em si.

Feitas as ressalvas pertinentes, os resultados produzidos pelas análises empírica

e teórica, validadas e aprofundadas com o emprego do modelo, permitiram a compreensão

detalhada da estrutura e da dinâmica competitiva do mercado de acesso, incluindo a impor-

tância da organização da demanda. A combinação de fatores, de ordem institucional e evo-

lucionária, moldou a trajetória histórica, como se depreendeu do estudo dos atores, das ins-

tituições e da base de conhecimento do sistema setorial. Questões institucionais, materiali-

zadas por meio de redes de relacionamento social, convenções e outros “artefatos” cogniti-

vos compartilhados socialmente, foram fundamentais para a configuração particular do

mercado de acesso. Isso se deu durante a emergência de instituições de padronização e re-

gulação, na ação cooperativa dos agentes, a despeito da competição nos mercados, ou, ain-

da, na forma de fenômenos de downward causation que modificaram endogenamente a

demanda, reforçando o papel decisivo dos usuários no desenvolvimento do setor.

Espera-se que, neste ponto, estejam claras as respostas às principais questões

colocadas pela tese. Em breve resumo, a aparente contradição, entre o progresso tecnológi-

co e a concentração, verificada no mercado de acesso à internet brasileiro, representa a con-

junção de duas forças poderosas, que atravessam todo o setor, mas que nesse mercado se

fazem sentir com intensidade desigual. A vigorosa dinâmica tecnológica experimentada

pelo segmento de acesso foi responsável por três ciclos de inovação radical durante menos

de 15 anos. Entretanto, as novas tecnologias – desenvolvidas pelos fornecedores de equi-

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pamentos e sistemas – não criaram oportunidades de diferenciação significativas entre os

provedores de acesso. Considerando-se a disponibilidade, em princípio equânime, das tec-

nologias, o papel clássico do entrante tecnicamente inovador foi limitado. Em paralelo, o

modo com que os usuários se organizaram e as convenções que estabeleceram, sobre como

“consumir” os serviços oferecidos, afetaram de maneira profunda a organização da compe-

tição e a concentração, inadvertidamente contribuindo para esta.

À luz do exposto, consideramos que seja pertinente a hipótese central da tese, a

importância fundamental dos fenômenos de ordem institucional no setor de internet sobre a

concorrência no mercado de acesso, em particular das consequências da formação endóge-

na das preferências dos consumidores dentro da rede social. A despeito da relevância da

dinâmica tecnológica para o dinamismo setorial, essa conjugação específica de estruturas

institucionais permitiu que, no mercado de acesso à internet, as expectativas de competição

ampla e vigorosa fossem parcialmente frustradas, pelo menos no caso brasileiro.

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315

Apêndice A: Qualidade do serviço de acesso à internet

A questão da avaliação da qualidade do serviço de acesso à internet, por parte

dos consumidores-usuários, bem como a do seu manejo e garantia, pelos provedores, é um

tema complexo (KRUSE, 2009). Para os consumidores, não existem métricas únicas ou

universais para avaliar se o “produto” que recebem, ao contratarem um provedor de acesso,

corresponde às suas necessidades específicas (VAN MOORSEL, 2001; BALACHAN-

DRAN et al., 2012).329

A isso se soma a variabilidade intrínseca da qualidade ao longo do

tempo, para um serviço que é fornecido de forma contínua e sobre uma rede que é compar-

tilhada entre muitos usuários, simultaneamente. Dessa maneira, a mensuração da qualidade

por um consumidor comum se configura como um problema multidimensional complicado

e de difícil solução (BEREC, 2014).

A complexidade na avaliação da qualidade da conexão à internet tem contribuí-

do para o crescente descontentamento dos consumidores com os serviços. Indicadores co-

mo churn ou satisfação têm indicado clara tendência de piora nos últimos anos, na maioria

dos países e em particular no Brasil (MERRILL LYNCH, 2013; NOKIA SIEMENS, 2013).

Considerando que na parcela majoritária dos países existem, pelo menos, três provedores de

acesso relevantes competindo, nas modalidades fixa e móvel, parece enigmática a dificul-

dade de convergência entre a demanda por qualidade dos usuários e a oferta de serviços

pelos provedores.

A divergência entre demanda e oferta, na dimensão da qualidade, deixa eviden-

te que existe uma oportunidade no mercado que não está sendo adequadamente explorada

pelos provedores de serviço de acesso. A explicação de por que isso se dá é aparentemente

complexa, mas a informação empírica disponível permite elaborar ao menos uma hipótese:

o modo particular de como se desenvolve a dinâmica da demanda tem dificultado o proces-

so de planejamento e implantação das redes de telecomunicações que suportam a conexão à

internet. Essa hipótese será investigada na sequência. Antes, entretanto, é necessário intro-

duzir alguns conceitos de natureza técnica.

329 Isso porque cada tipo de aplicação da internet, para desempenhar suas funções, privilegia diferentes di-

mensões da qualidade (taxa de transferência de dados, tempos de tráfego/latência, perda de pacotes etc.).

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316

A.1. Modelo simplificado de qualidade

Entre os diversos atributos técnicos normalmente considerados para definir a

qualidade do acesso, a taxa de transmissão de dados – ou “velocidade” – costuma ser o

mais importante (BEREC, 2014).330

A Figura 76 apresenta um exemplo para a compreen-

são da problemática enfrentada pelo provedor de acesso no planejamento de sua rede de

prestação de serviço e a natureza do problema de com o qual o consumidor se defronta. O

modelo, simplificado, assume que apenas a velocidade seja relevante. Em uma rede real, o

tema envolve outras dimensões (conforme o número de atributos importantes).

Figura 76 – Exemplo de diferentes níveis de qualidade entre provedores.

Fonte: análise do autor.

No exemplo, a rede do provedor de número 1está dimensionada para transportar

até cem megabits por segundo (Mbps), simultaneamente, considerando-se o tráfego gerado

por todos os usuários ativos. Os três clientes desse provedor, no instante hipotético descrito,

têm uma demanda agregada de 5 + 20 + 30 = 55 Mbps de conexão com a internet – e.g.,

para conectarem-se a outros usuários, acessarem serviços online ou realizarem download de

330 Isso claramente depende da aplicação do usuário. O raciocínio que se segue não seria substancialmente

diferente caso outro atributo, entre a maioria dos demais atributos técnicos de qualidade, fosse adotado.

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317

conteúdo. Nessa situação, todo o tráfego de dados demandado poderia ser adequadamente

transportado pelo provedor (pois 55 < 100 Mbps), com qualidade apropriada no modelo

simplificado proposto.

Se, entretanto, o mesmo conjunto de consumidores, em condições equivalentes,

fosse atendido pelo provedor de número 2 da Figura 76, a configuração de qualidade seria

distinta. Como essa firma dispõe de uma rede com capacidade para apenas 50 Mbps de trá-

fego, embora a demanda potencial seja de 55 Mbps, parte do requerido pelos usuários não

poderia ser adequadamente atendido (pois 55 > 50 Mbps). Na prática, a rede ofereceria

uma taxa de transmissão inferior à demandada por cada consumidor, de modo que as apli-

cações utilizadas tivessem que se ajustar à restrição de velocidade.331

Isso seria percebido

pelos usuários como redução da qualidade do serviço, de forma mais ou menos aguda, de

acordo com o tipo da aplicação empregada.

Note-se, todavia, que o impacto da capacidade instalada na qualidade não é li-

near: ao atingir-se a demanda de tráfego agregado dos usuários, a capacidade adicional da

rede não aumenta significativamente a qualidade percebida por eles. Ou seja, nas condições

do exemplo, níveis de capacidade instalada acima de 55 Mbps não trariam benefícios im-

portantes para os consumidores, apesar de que isso, provavelmente, elevaria os custos do

provedor.332

A.2. Planejamento da rede de serviço

Na prática, o problema que o provedor se depara, para planejar sua rede de ser-

viço, é substancialmente mais complexo do que deixa antever o exemplo esquemático da

seção anterior (ITU, 2007). Os milhares de usuários que utilizam uma dada rede estão con-

tinuamente alterando suas demandas de transmissão (e recepção) de dados. Não obstante

existirem alguns padrões normalmente adotados para antecipar os movimentos do tráfego

agregado esperado dos usuários, eles são bastante aproximados e sujeitos a grandes desvios,

especialmente ao longo do tempo, com a introdução de novas aplicações. Essa incerteza

331 Por exemplo, reduzindo a qualidade de chamadas de voz, tornando mais lento o acesso a sistemas interati-

vos, aumentando o tempo necessário para download etc. 332 Em redes reais esse limiar não é tão evidente, pois em geral todos os provedores trabalham com algum

nível médio de congestionamento de rede intencional, pelo menos nos horários de pico, por questão de custos.

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318

quanto ao perfil da demanda333

recomendaria aos provedores trabalharem com substancial

excesso de capacidade, de modo a acomodar picos de tráfego imprevistos. Por outro lado, o

custo de equipamentos, sistemas e infraestrutura que compõem a rede é sabidamente eleva-

do, tornando o ajuste desse excedente “planejado” muito delicado. Caso um provedor opte

por oferecer serviço com qualidade superior ao “demandado” pelos usuários, ele certamente

sofrerá uma pressão de custos maior do que a de outro, mais “conservador” no planejamen-

to de sua rede. Todavia, se o provedor não dispuser de capacidade suficiente para disponibi-

lizar a qualidade “demandada”, ele poderá perder clientes rapidamente para concorrentes

com qualidade mais elevada. Para complicar esse ajustamento, o aumento da capacidade é

uma ação de médio prazo, que requer vários meses entre os sinais da demanda e a efetiva

adequação da rede.334

Figura 77 – Exemplo de desequilíbrio em um mercado competitivo.

Fonte: análise do autor.

333 Existe uma infinidade de fatores que produzem alterações significativas, e por vezes bruscas, nos perfis de

tráfego: acompanhamento de grandes eventos (calamidades, guerras, shows, jogos etc.), lançamento de conte-

údos populares (vídeos “virais”, novos videogames), ataques de hackers etc. 334 São diversas etapas técnicas e administrativas: planejamento, projeto, aprovisionamento, instalação, testes

e comissionamento (ITU, 2007).

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319

Para compreender o processo de ajuste, são propostos dois exemplos esquemá-

ticos, demonstrando que o problema é similar tanto no caso de mercados mais ou menos

competitivos. No primeiro (Figura 77), parte-se de um mercado competitivo, em equilíbrio,

em que três provedores atendem 𝑥1 = 34, 𝑥2 = 33 e 𝑥3 = 33 usuários hipotéticos (de uma

demanda total de 𝑥 = 100). Supondo que uma unidade de capacidade instalada de rede seja

suficiente para atender com qualidade “adequada” um consumidor, as firmas dispunham em

𝑡 = 0 de capacidades 𝐶1 = 34, 𝐶2 = 33 e 𝐶3 = 33 unidades (total de 𝐶 = 100).335

Nessa

situação, o preço e a qualidade de todos os provedores são os mesmos.

No instante 𝑡 = 1, após a ocorrência de um choque no sistema, alguns usuários

trocam de provedor, conforme a Figura 77. Como o ajuste da capacidade de rede não é ins-

tantâneo, a firma 1 permanece com 𝐶1 = 34, insuficiente para atender a nova demanda

𝑥1 = 40 com nível de qualidade similar. Portanto a qualidade do seu serviço cai, para todos

os seus clientes (novos e antigos).336

Já o provedor 2, que perde usuários e passa a ter capa-

cidade ociosa de rede, não aumenta a sua qualidade percebida, ainda que sua demanda de

tráfego tenha diminuído, dado que a capacidade excedente não é necessária ou relevante

para os consumidores. A condição do provedor 3 não se altera em 𝑡 = 1.

É importante notar que, com o choque, o mercado em 𝑡 = 1 não está mais em

equilíbrio: o provedor 1 agora oferece qualidade inferior mas preços iguais aos de 2 e 3.

Parcela dos usuários do provedor 1 perceberá a degradação do serviço que recebem e rece-

berá indicações de que a qualidade das outras firmas é superior, por preço igual. Supondo,

como é frequentemente na prática, que o provedor 1 não deseje reduzir seu preço, ele preci-

sará iniciar a expansão de capacidade na sua rede (para 𝐶1 ≥ 40).337

Ele deseja retomar o

nível de qualidade dos concorrentes, apesar de que a expansão programada somente estará

disponível em 𝑡 = 2. Se, em paralelo, em 𝑡 = 2, alguns usuários insatisfeitos deixarem o

335 O equipamento de rede é projetado de forma a que uma unidade de capacidade seja a oferta considerada

“adequada” para atender a demanda média de um usuário. Essa escolha padroniza a capacidade física dos equipamentos em função da demanda de utilização da rede pelos usuários, eliminando a necessidade de repre-

sentação, em separado, da forma que essa demanda varia ao longo do tempo, obviamente uma simplificação. 336 Dado que as firmas usualmente não limitam o número de usuários que contratam seus serviços, seja por

questões comerciais, restrições regulatórias ou mesmo ignorância sobre o perfil dos novos usuários. 337 Como em um oligopólio de Cournot.

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320

provedor 1 e se redistribuírem entre os demais, teremos o novo cenário indicado na Figura

77.338

Mas, em 𝑡 = 3, o provedor 1 é “surpreendido” com excesso de capacidade, pois

não conseguiu reagir suficientemente rápido para evitar a perda de alguns clientes. A firma

2 ao recuperar os clientes perdidos em 𝑡 = 2, volta a utilizar plenamente a sua rede, man-

tendo um nível adequado de qualidade. O provedor 3 passa a ter problemas, porque recebeu

mais usuários do que sua rede podia suportar, e seus clientes começam a buscar alternati-

vas, iniciando nova flutuação no próximo período. Não é difícil mostrar que, ao se conside-

rar o retardo da resposta dos provedores ao movimento da demanda – naturalmente mais

“flexível” – introduz-se um mecanismo de realimentação dos choques que acaba por levar o

sistema para um novo equilíbrio, após certo tempo, eventualmente longo, de estabilização.

Figura 78 – Exemplo de desequilíbrio em um mercado monopolista.

Fonte: análise do autor.

338 É razoável supor que os usuários que buscam novos provedores se distribuam entre os de número 2 e 3,

pois ambos apresentam qualidade aparente e preços iguais. Como o excesso de capacidade do provedor 2 não

é percebido pelos seus próprios usuários, não é razoável supor que os usuários migrantes possam usar essa

informação para dar preferência a esse provedor. Esse tipo de informação usualmente não está disponível.

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321

Examine-se, agora, o exemplo da Figura 78. Aqui, no equilíbrio em 𝑡 = 0, o

provedor 1 era um monopolista, atendendo 𝑥 = 𝑥1 = 100 usuários, com a capacidade

𝐶1 = 100 adequada. O choque desta vez é representado por dois entrantes, que em 𝑡 = 1

disponibilizam redes com capacidade 𝐶2 = 𝐶3 = 5. Mas, como precisaram planejar a rede

antes da comercialização dos serviços, no exemplo eles capturam, cada um, apenas um cli-

ente do incumbente. Nesse caso, todos os provedores terminarão o período 𝑡 = 1 com ex-

cesso de capacidade e, portanto, qualidade percebida apropriada. Logo, não existe pressão

de qualidade impulsionando os usuários para o churn. No entanto, como os entrantes dis-

põem de um significativo excedente de capacidade em relação ao incumbente (4/5 versus

2/100) e, consequentemente, um custo unitário maior, eles seguirão pressionados para cap-

turar novos consumidores, por meio de preços ou outros recursos.339

Esse processo conti-

nua, em 𝑡 = 2, 3,…, pelo menos até que os entrantes consigam operar com ociosidade se-

melhante à do incumbente, quando o mercado encontra o equilíbrio novamente (ou um de-

senvolvimento parecido com o do exemplo anterior se inicie). Parece evidente, nesse arran-

jo, que o equilíbrio monopolista não é absolutamente estável.

Em resumo, nesses exemplos esquemáticos, múltiplos equilíbrios são em prin-

cípio possíveis, em situações intermediárias entre o monopólio e a plena competição, de-

pendendo das condições iniciais do mercado e dos atributos da dinâmica sistêmica (tempo

de instalação das redes, acuidade dos usuários em perceber as qualidades relativas etc.).

Obviamente, sistemas reais, muito mais complexos, são candidatos ainda maiores a não

apresentarem atratores estáveis, pelo menos na maioria dos casos práticos. Em última análi-

se, isso se deve tanto à característica de não linearidade da demanda quanto à de realimen-

tação (feedback), induzida pelo retardo na implantação das redes.

Por fim, é importante ressaltar que os exemplos acima permitem algumas con-

clusões adicionais. A primeira diz respeito à dificuldade, na prática, das firmas operarem

com o aproveitamento pleno de sua capacidade instalada, a menos que o sistema apresente

algum ponto de equilíbrio estável – o que se mostrou improvável. Isso significa que o sis-

tema, assim como boa parte dos agentes (consumidores e provedores), não estará operando

em uma condição do tipo ótimo de Pareto. Como visto, o nível de utilização agregado espe-

339 Em um cenário do tipo oligopólio de Bertrand.

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322

rado será, em geral, inferior a 100%. Isso significa que, frequentemente, os usuários estarão

recebendo serviços, em média, com qualidade inferior àquela que seria factível com a capa-

cidade instalada disponível.

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323

Apêndice B: Redes sociais sintéticas340

One frequent approach to account for the impact of complex networks in social

phenomena is to use the tools developed by graph theory to analyze empirical data. The

application of standard measurements and analytical procedures frequently unveils critical

characteristics of networks with regard to specific research questions. However, the ap-

proach is usually problematic because of the lack of individual-level data about interesting

real social networks, often due to privacy or secrecy concerns. Consequently, it is common

that the data made available is not enough to address some relevant demands, particularly

when the network plays a role in the dynamics of the socioeconomic system under study.

Thus, for particular research purposes, it may be useful to artificially produce (partially)

random networks that keep some degrees of similarity with the real ones. This way, Monte

Carlo oriented methods, like agent-based stochastic models, can be still applied on the

modeling of dynamic phenomena when complex networks are involved.

The appendix proposes a review of available algorithms for producing pseudo-

random networks (graphs), while controlling for some characteristics considered rele-

vant.341

The idea is that, under appropriate parametrization, “synthetic” networks can be a

useful emulation of real networks, of course for specific purposes and under certain condi-

tions. This can be particularly valuable in cases where only the parameters of the real net-

work are known but the application at hand requires the full graph topology representation

or, alternatively, in the example of Monte Carlo methods, when multiple “realizations” of a

given social network may be necessary.

The objective of the appendix is to contribute for the identification of adequate

frameworks for synthetic networks generation that can support more advanced models of

markets, taking demand-side networks of consumers into consideration. This is relevant

because tackling endogenous preferences formation has been usually problematic, particu-

larly when handled in a purely analytical form.

340 Este apêndice contém excertos do trabalho apresentado pelo autor (PEREIRA, 2014b) no International

Workshop on Computational Economics and Econometrics, realizado em junho de 2014 em Roma, Itália. 341 For a brief review of random graph theory, associated measures and general models, see Albert and Bara-

bási (2002) or Dorogovtsev and Mendes (2002).

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324

B.1. Review of random network algorithms

Algorithms for the generation of pseudo-random networks (or graphs)342

exist

for quite a long time. The simplest method for generating random graphs – the Bernoulli or

Erdős-Rényi (ER) model (1959) –, for instance, produces graphs with a fixed average de-

gree343

but random in all other respects. However, it is known to inadequately represent real

complex networks because these present more structure than the ER model is able to repro-

duce (ALBERT; BARABÁSI, 2002). Research on algorithms that are capable to simulta-

neously control more parameters of the generated networks is more recent but very prolific.

Yet, the variety of methods available today is rooted in the lack of an effective general ap-

proach to the creation of random graphs under arbitrary constraints (TABOURIER; ROTH;

COINTET, 2011). Given the spread of such techniques, it is important to compare the main

characteristics of the potential candidates, in a way to select the most adequate for each job

at hand.

The development of models and algorithms for the generation of synthetic ran-

dom graphs has been an active area of research in the last twenty years. A significant num-

ber of works was published, particularly in physics journals, but also in biology, sociology

and economics publications. We focused our survey on the period after 1995, when the

proliferation of affordable computing stimulated the research. The survey is based on pa-

pers issued in peer-reviewed, top ranked journals and on references directly cited by those.

Considering our specific research objectives, some models were not considered here. These

include older model classes less fit to create synthetic social networks or cases where the

programmable algorithms are unavailable (e.g., p1 and p2 models, blockmodels, and latent

space models). The initial research produced 62 candidate models and algorithms. Out of

them, because of their level of innovation or popularity, we selected a sample of 28 for in-

depth analysis. Tabela 7 presents the chosen models and some of their main characteristics.

342 Here, a network is represented as a graph consisting of a set of nodes (the “vertices”) connected by (undi-

rected and non-weighted) links (the “edges”). 343 The degree of a vertex in an undirected graph is the number of edges attached to that vertex.

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325

Tabela 7 – Algorithms characteristics for selected random network models.

Source: author’s analysis.

An important class of random-graph algorithms is based on the configuration

model (CM). Bender and Canfield (1978) introduced this method, which has received sev-

eral contributions over time, particularly after the work of Molloy and Reed (1995). The

idea of CM is simple: for each vertex, draw a random degree according to a fixed distribu-

tion (the constraint), create as many connection points as its degree and, after creating con-

nection points for all vertices, make edges between pairs of points randomly drawn. The

probability of edges creation is usually obtained from mathematical optimization proce-

dures (based on the maximum entropy principle and using maximum likelihood estimation

of parameters acquired from real networks). In a more formal way, CM produces the en-

semble of all graphs that have certain (in and/or out) degree sequence. In its simplest form,

CM generates multiple links and loops; some authors proposed changes to the basic algo-

rithm to avoid them but typically at the cost of generating non-uniform samples of all pos-

Growing

network

Rewiring /

switching

Configuration

model /

likelihood

Preferential

attachment

Bipartite

graph

Heuristic

model

Clustered Configuration Model N Partially Y N N Partially Ritchie et al. 2014

Motif Decomposition N Y N N N Y Ritchie et al. 2014

Big-V N Y N N N Y Ritchie et al. 2014

House N N Y N N N House 2014

Su & Wu N Y Y N N Y Su & Wu 2013

Ball et al. N Y Y N N Partially Ball et al. 2013

2.5K-graphs N Y N N N Y Gjoka et al. 2013

k-edge Switching N Y N N N N Tabourier et al. 2011

Expected Degree N N Y N N N Bargigli & Gallegati 2011

Karrer & Newman N N N N Y N Karrer & Newman 2011

Squartini & Garlaschelli N N N N N N Squartini & Garlaschelli 2011

KronFit Partially N Y N N N Leskovec et al. 2010

ClustRNet N Y N N N Y Bansal et al. 2009

Gleeson N N Y Y N N Gleeson 2009

Newman 2009 N Y Y N N Partially Newman 2009

Guo & Kraines N Y Y N N Partially Guo & Kraines 2009

Trapman N Y N N N N Trapman 2006

Growing Bipartite Y N N N Y N Guillaume & Latapy 2006

Random Bipartite N N N N Y N Guillaume & Latapy 2006

Serrano & Boguñá N Y N N N Y Serrano & Boguñá 2005

Newman 2003 N N N N Y N Newman 2003

Connecting Neighbours Y N N Y N N Vázquez 2003

Duplication-Divergence Y Y N Y N N Vázquez 2003

Random Walk on Net Y N N Y N N Vázquez 2003

Dorogovstev & Mendes Y N N Y (hidden) N N Dorogovstev & Mendes 2002

Preferential Attachment Y N N Y N N Barabási & Albert 1999

Small World N Y N N N N Watts & Strogatz 1998

Molloy & Reed N N Y N N N Molloy & Reed 1995

Erdös-Rényi Y N N N N N Erdös & Rényi 1959

Model name

Algorithm characteristics

Reference

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326

sible graphs (MILO et al., 2003). The original CM procedure is much faster than heuristic

rewiring algorithms (see below) but frequently suffers from non-uniform sampling (ibid.)

and clustering coefficients344

that tend to zero (GUILLAUME; LATAPY, 2006). In our set

of models, several use CM, in general as a starting point, to generate graphs with prescribed

sequences of in and/or out degrees (BALL; BRITTON; SIRL, 2013; BARGIGLI;

GALLEGATI, 2011; GLEESON, 2009; GUO; KRAINES, 2009; HOUSE, 2014; LESKO-

VEC et al., 2010; NEWMAN, 2009; RITCHIE et al., 2014; SU; WU, 2013).

However, complex social networks usually present high clustering and low av-

erage path lengths345

, which make the graphs produced by pure CM algorithms not very

realistic. While CM random graphs reproducing only degree distributions capture some

important features of complex networks, under reasonable assumptions the clustering of the

random graphs tends to zero for large networks, what is definitely not the case with social

networks (GUILLAUME; LATAPY, 2006; NEWMAN, 2003). To address this particular

issue, Watts and Strogatz (1998) proposed a model characterized as small-world (SW).

Starting from heavily clustered networks and longer average distances, the SW algorithm

typically achieve much shorter paths by rewiring just a few edges at random. Nonetheless,

the original SW model, even if replicating clustering and average path lengths adequately,

failed to produce degree distributions similar to the ones – close to power laws346

– often

found in real networks (DOROGOVTSEV; MENDES, 2000).

Barabási and Albert (1999) presented a new family of algorithms to tackle the

problem of reproducing more realistic power law degree distributed networks, based on the

principle of preferential attachment (PA). In this model, vertices are inserted in the graph

one at a time and the links connecting to them are established to other nodes with probabili-

ties proportional to the current degree of these, in a kind of “rich-gets-richer” scheme. Ad-

ditionally, it is particularly useful for building dynamically growing networks. The graphs

344 Clustering is a topological measure of the density of short loops (usually triplets) in a graph, it is an eval-

uation of the degree to which vertices tend to locally cluster together. 345 Average path length is the average number of edges along the shortest path for all connected pairs of verti-ces. 346 The degree distribution of each vertex has the form 𝑃(𝑘)~𝑘−𝛾, where γ usually is between two and three.

Networks presenting this property are also known as “scale free” because they are free of a characteristic

scale.

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327

produced this way present degree distributions following a power law but, unfortunately,

show low clustering, asymptotically converging to zero as the network grows (ALBERT;

BARABÁSI, 2002). Some authors proposed “additions” to the original PA model to atten-

uate this characteristic (DOROGOVTSEV; MENDES, 2002; SERRANO; BOGUÑÁ,

2005; VÁZQUEZ, 2003). However, the algorithms suggested have frequently limited pa-

rameter tuning and inserted “artifacts” in the generated graphs.

Another popular class of models uses heuristic reshuffling algorithms (RA) to

try to solve the problem of simultaneously reproducing many characteristics of real net-

works. The general principle is to sequentially choose two (or more) edges in the existing

graph and switch these links only if the new graph – after the swap – better respect the de-

fined constraint set (degree distributions, clustering, average path length and so on). This

procedure is reiterated until a fully constrained graph is obtained. It can be represented as a

Markov chain converging to an equilibrium distribution under known probabilities (SIN-

CLAIR, 1993). It also ensures the uniformity of the generated set of graphs for certain

types of constraints, in particular degree distribution (MIKLÓS; PODANI, 2004). This

group of algorithms has been vastly improved by several authors over time. However, the

speed of convergence still cannot be guaranteed because of the frequent necessity of “re-

starts” in the search algorithm, due to the possibility of “dead ends” (TABOURIER;

ROTH; COINTET, 2011). Even if they are frequently very demanding in terms of compu-

ting resources, many alternative algorithms have been added to this family to cope with the

discussed limitations in the last years (BANSAL; KHANDELWAL; MEYERS, 2009;

RITCHIE et al., 2014; SERRANO; BOGUÑÁ, 2005; SU; WU, 2013; TRAPMAN, 2006).

Several algorithms based on the previously presented models failed the task of

providing a reasonably generic method for generating random networks that keep, at least,

the basic measurements347

close to the real complex networks in practical computational

times (GUILLAUME; LATAPY, 2006). To address this problem, authors have introduced

more particular methods, regularly sharing some features with the general classes above.

For instance, Newman (2003) and Guillaume and Latapy (2006) proposed models based on

bipartite graphs, where degree distributions and clustering patterns are defined in a hierar-

347 Size (number of vertices and edges), average distance, clustering and (to some extent) scale freeness.

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328

chical structure and then projected in a unipartite graph of individuals only, controlling both

characteristics simultaneously. Despite computationally very efficient, this method leads to

a significant number of disconnected nodes, well above the figures verified in reality.

Recent research efforts provided algorithms more capable to reproduce at least

the most relevant network parameters while being reasonably configurable to allow the

“emulation” of distinctive real networks, specifically the presence of motifs348

as the source

of clustering. Many of them are based in particular heuristic techniques of “triadic closure”

(or higher order motifs). They take unclustered graphs (usually generated using CM) as

input and try to form new edges among vertices that already have a common neighbor

(BALL; BRITTON; SIRL, 2013; BANSAL; KHANDELWAL; MEYERS, 2009; GJOKA;

KURANT; MARKOPOULOU, 2013; GUO; KRAINES, 2009; NEWMAN, 2009; RITCH-

IE et al., 2014; SU; WU, 2013; TABOURIER; ROTH; COINTET, 2011; TRAPMAN,

2006). Two issues are frequent in this approach: the introduction of highly specific high-

order structures in the graphs and the excessive level of degree correlation. These problems

may yield different dynamics on the synthetic networks produced (RITCHIE et al., 2014).

Others authors have focused on advanced mathematical techniques, like Kron-

ecker graphs, to tackle the same problem (KARRER; NEWMAN, 2010; LESKOVEC et al.,

2010; SQUARTINI; GARLASCHELLI, 2011). However, such solutions require several

specific (and non-general) parameters to setup the models, usually obtained by the applica-

tion of maximum likelihood estimation methods over microdata coming from real net-

works. This prevents their usage to the cases – quite common – where only general network

metrics are available.

B.2. Algorithms comparison

As discussed before, very different models and algorithms exist to generate

random networks. This creates a problem to the scientist that has to select one (or just a

few) of them for a particular purpose. Defining the comparison dimensions, where the mul-

tiple candidates are evaluated and compared, is a common start point. Considering our tar-

get of using the selected model to generate a particular kind of human social network, it is

348 Sub-graphs that frequently repeat themselves in the network.

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329

proposed a criterion based in two macro dimensions: the constraint set and the performance

attributes that each model supports or presents. Tabela 8 and Tabela 9 summarize the pre-

liminary findings, according to the several sub-dimensions analyzed.

Tabela 8 – Constraints imposed on random network generation by models.

Source: author’s analysis.

Before entering into the details about each model capabilities and performance,

a general appraisal can be made based on their technical roots. The selected algorithms

usually present limitations (or problems) according to the class they belong (as detailed in

section B.1). For example, growing network (GN) algorithms, that randomly assign links to

an initially unconnected group of nodes, respecting a set of constraints, generally require

special coding design for each set and produce particular artifacts. On the other hand, Re-

Average

path

distance

Average

degree

Average

clustering

Power law

degree distr.

Degree

distribution

Joint degree

distribution

(correlation)

Degree-

dependent

clustering

Motif

distribution

Clustered Configuration Model Y Y Y Y Y N N Y

Motif Decomposition Y Y Y Y Y N Partially Y

Big-V Y Y Y Y Y N Partially Y

House Y Y Y Y Y N N N

Su & Wu Y Y Y Y Y N N Partially

Ball et al. Y Y Y Y Y Partially N N

2.5K-graphs Y Y Y Y Y Y Y N

k-edge Switching Y Y Y Y Y Y N N

Expected Degree Y Y Y Y Y Y N N

Karrer & Newman Y Y Y Y Y Partially Partially Y

Squartini & Garlaschelli Y Y Y Y Y Y Y Y

KronFit Y Y Y Y Y Y Partially N

ClustRNet Y Y Y Y Y N Y N

Gleeson Y Y Y Y Y Partially Y Partially

Newman 2009 Y Y Y Y Y N N N

Guo & Kraines Y Y Y Y Y N N N

Trapman Y Y Y Y Y N N N

Growing Bipartite Y Y Y Y N N Y N

Random Bipartite Y Y Y Y N N Y N

Serrano & Boguñá Y Y Y Y Y Partially N N

Newman 2003 Y Y Y Y N N N N

Connecting Neighbours Y Y Y Y N N N N

Duplication-Divergence Y Y Y Y N N N N

Random Walk on Net Y Y Y Y N N N N

Dorogovstev & Mendes Y Y Y Y N N N N

Preferential Attachment Y Y N Y N N N N

Small World Y Y Y N N N N N

Molloy & Reed N Y N Y Y N N N

Erdös-Rényi N Y N N N N N N

Model name

Network generation constraints

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330

wiring/switching (RS) methods, which iteratively reassign links in an existing graph in or-

der to asymptotically converge it to the desired constraints set, are frequently more general

but need more (sometimes much more) computing resources and generate less uniformly

distributed graph sets (TABOURIER; ROTH; COINTET, 2011). Yet, CM models, based

on pre-solved mathematical optimization equations, are fast and can create highly random

sets of graphs, but demand troublesome setup and comprehensive data.

Another relevant model sub-dimension is founded on its conceptual origins.

Purely heuristic349

algorithms are rarely analytically solvable for most of their properties

(even asymptotically), requiring numerical methods to explore their characteristics and pa-

rameter spaces.350

As discussed before, real social networks cannot be adequately represented by

completely random graphs. Many tests applied on empirical network data show significant

divergence from a random graph produced by an ER model, for example (NEWMAN,

2003). Thus, an adequate model for a social-like random network generator has to impose

enough “structure” to the randomness of an ER network (ALBERT; BARABÁSI, 2002). In

particular, several structural scopes have to be addressed. Following the analytical hierar-

chy proposed by Mahadevan et al. (2006), we can define an increasing level of constraints

that a model should be able to impose in the way to generate random networks that are

gradually more similar to the real ones. Tabela 8 presents some of the most important cases.

The first three of these constraints were already presented: average path length, average

node degree and average clustering coefficient. These three full-graph metrics are usually

the accepted minimum requirements for producing synthetic social networks.

Going up in the hierarchy, several social networks present power law degree

distributions, so it is important that the model is able to ensure its reproduction, even if

some real networks may not follow this criterion closely. Better synthetic network genera-

tion control can be provided by algorithms that allow for constraining the entire (in and out)

degree distribution of the nodes. Newer methods even consider the joint degree distribution

349 Experience-based solutions, frequently obtained by trial-and-error, not guaranteed to be optimal. 350 In this situation, models are more prone to suffer from poorly understood pathologies in portions of their

parameter space (NEWMAN, 2009).

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331

control, providing the setting of the correlation degree among connecting vertices – some-

times called assortativity.351

Tabela 9 – Performance and general remarks about random network models.

Source: author’s analysis.

351 Reinforcing the fact that social networks usually present positive degree correlation (NEWMAN, 2003).

MatchingComputation

cost

Uniform

distribution

(null model)

Clustered Configuration Model 1.5K Low Y More homogeneous networks Homogeneous local clustering

Motif Decomposition 1.75K Low N Heterogeneity in clustering at the node

level, preserve motifs

Non-motif parts of the network are

weakly clustered

Big-V 1.75K High N Heterogeneity in clustering at the node

level

Can get stuck in suboptimal solutions,

requiring restarts

House 1.25K Medium Y Non-zero likelihood to any network Complexity on tuning Hamiltonian and

Su & Wu 1.5K High N Controlled number of specific motif

counts

Can get stuck in suboptimal solutions,

requiring restarts

Ball et al. 2.25K Low N Quite arbitrary parameter settings are

possible

Only Poisson degree distribution, very

specific graph structure, large degree

correlations

2.5K-graphs 2.5K Low N Double swaps with triangles

destruction

Clustering only on triangles

k-edge Switching 2K High Y Use of higher order edge switching

processes

Algorithm complexity

Expected Degree 2K Low Y Attractive theoretical properties Require assumptions such as

sparseness and/or low clustering

Karrer & Newman 1.75K High Y Allow for non-tree-like neighborhoods Flexible to handle different motif sets

Squartini & Garlaschelli 3K Medium Y No requirements on network structure Algorithm complexity

KronFit 2.5K Low Y Kronecker graph generator, flexibility

and tractability

New approach, lack of alternative

implementations

ClustRNet 1.5K High Y Clustering dynamics is possible Produces too high clustering coefficient

Gleeson 2.25K Low Y Flexibility and tractability Algorithm complexity

Newman 2009 1.25K Low Y Analytical solutions for parameters are

available

Limited maximum local clustering

Guo & Kraines 1.25K High N Finely tunable clustering Not practical for large networks

Trapman 1.25K Low N Simplicity of algorithm Graphs have a highly specific structure,

large degree correlations, small range

for the clustering parameter

Growing Bipartite 1.5K Medium N Flexibility and tractability Significant number of disconnected

vertices, non-tractable analytically

Random Bipartite 1.5K Medium N Flexibility and tractability Significant number of disconnected

vertices, non-tractable analytically

Serrano & Boguñá 1.5K Low N Flexibility Complex implementation, require

assumptions such as sparseness and/or

low clusteringNewman 2003 1.25K Low N Analytical tractability Significant number of disconnected

vertices, lack of tuning

Connecting Neighbours 0.75K Low N Local rules provide macro properties Lack of tuning controls

Duplication-Divergence 0.75K Low N Local rules provide macro properties Lack of tuning controls

Random Walk on Net 0.75K Low N Local rules provide macro properties Lack of tuning controls

Dorogovstev & Mendes 0.75K Low N Highly clusterized graphs Parameters not tunable, no degree 1

node, planar graphs only

Preferential Attachment 0.5K Low Y Power-law degree distribution Very unrealistic networks

Small World 0.25K Low Y Control (high) average clustering / low

path length

Cannot acommodare varying degree

distributions

Molloy & Reed 1K Low N Analytical tractability Unrealistic networks

Erdös-Rényi 0K Low Y Analytical tractability Very unrealistic networks

Other distinctive features Particular problemsModel name

Performance

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332

Further moving up in the network structure, controlling how clustering occurs

can be also important. This may be implemented in algorithms either as a form of control

for the local clustering (a sub-graph of the network), based on the degree of the local partic-

ipating nodes352

or, at a higher level of algorithm complexity, allowing for the constraining

of the types of motifs that compose the local clustering, as well its relative frequency.

For practical reasons, not only the “quality” features of the model – or the di-

mensionality of the supported constraint set – are important. Tabela 9 compares a measure

of such dimensionality with other relevant performance indicators. Again, we follow Ma-

hadevan et al. (2006) 𝑑𝐾-series framework and propose a synthetic indicator to capture the

detailed information contained in Tabela 8. The authors characterize the properties of a

network by a hierarchical series of probability distributions that specify it at each 𝑑-sized

sub-graph level. In useful terms, this means that the degree distribution is at level 𝑑 = 1,

the joint degree distribution of sub-graphs of 2 nodes at level 𝑑 = 2 and so on. At the level

𝑑 = 𝑁, where 𝑁 is the number of nodes, you have the entire graph. The idea is that as 𝑑

increases, the distributions-constrained random network includes more properties of the

original graph, at the cost of increased model complexity. Here, we use fractional values of

𝑑 to account for intermediate steps between a new full degree distribution level – as when

one controls the general shape of the degree distribution to reproduce a power law but is

unable to completely replicate the original degree sequences.

The remaining performance measures are straightforward. Computation cost

captures the relative demand of computer resources (in an approximate way). As discussed

before, some algorithm classes may require processing times and computer memory alloca-

tions orders of magnitude higher than others. This may be not relevant for small networks

but clearly impose a practical limit for larger random networks generation.

The last proposed indicator is the suitability of the model to generate sets of

random graphs that uniformly sample from all the possible topologies under the applicable

constraint set. This is particularly important when the random graphs are being used as the

“null model” for the empirical network under analysis. Efficient statistical testing of the

352 This is usually implemented by controlling the local clustering at the triadic (or higher) level.

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333

hypothesis that a random process did not generate a given network requires a uniformly and

well-behaved set of graphs as the null model.

B.3. Algorithm selection criteria

Considering the evaluated algorithms and the task in hand, some preliminary

conclusions seem clear. The capability of generating uniform distributions of random

graphs is not critical here, once we are not testing hypotheses about specific structural ele-

ments of consumer networks, but evaluating their possible effects over agent behavior. In

this case, the presence of structural characteristics in the network is an a priori assumption.

On the contrary, considering that real social networks frequently contain millions of nodes,

computation cost is naturally a key criterion while selecting models.

The next selection criterion is associated to the requirements of setup data for

each model. Detailed network microdata about is usually unavailable. On the other hand,

general-purpose network metrics are available for some large social networks. For this rea-

son, it is desirable that the random network algorithms can be configured with as few and

as general parameters as possible. Such demand may impose a restriction to models that

depend on maximum likelihood for parameters estimation, like several CM based methods.

Over the remaining adequate models, then it is probably appropriate to propose

the effective test of the two or three most promising algorithms, ranked according to their

𝑑𝐾 matching capabilities. Nevertheless, it is important to notice that methods presenting

the same 𝑑𝐾 rank are not all equal. Particular features or problems of each one (as briefly

described in Tabela 9) may still play a role. The selection of more than a single algorithm

may be relevant to avoid the potential risks associated to the issues and to allow for the

comparison of the produced networks. Significant discrepancies, between random graphs

generated by models set up under the equivalent parameterization and with similar 𝑑𝐾

ranking, most likely indicate the necessity of further evaluation of additional candidates.

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335

Apêndice C: Valores de calibração

Neste apêndice são apresentados os valores de referência propostos para cada

parâmetro e valor inicial. Eles são provenientes da pesquisa empírica apresentada no Capí-

tulo 1, sempre que disponíveis, ou de premissas justificadas do modelista, a seguir.

C.1. Calibração dos parâmetros

O modelo requer a definição de 42 parâmetros agrupados em duas classes de

objetos. A primeira é composta por objetos do tipo “contêiner” – ou objetos que contêm

outros objetos. Parâmetros de objetos dessa classe afetam de forma homogênea todos os

objetos contidos neles, representando tipicamente parâmetros sistêmicos – o ambiente insti-

tucional virtual. A segunda classe é formada por objetos individuais, que modelam os agen-

tes. Os parâmetros nesse caso representam, usualmente, as premissas comportamentais in-

dividuais – potencialmente heterogêneas – de cada agente.

C.1.1. Parâmetros sistêmicos

Os parâmetros sistêmicos são frequentemente passíveis de calibração a partir da

evidência empírica ou, pelo menos, permitem o ajuste da sua ordem de grandeza com base

em informações provenientes do sistema econômico real, como discutido em cada caso.

𝒈𝑩 (taxa de crescimento do orçamento dos usuários): a taxa periódica de crescimento do

orçamento de cada objeto/agente User do modelo tem valor de referência 0, ou seja,

não é assumida variação ao longo do tempo no orçamento alocado pelos usuários para contratação do serviço de acesso à internet. Essa premissa baseia-se na evidência empí-

rica (CETIC.BR, 2006-2014; IBGE, 2014) que aponta para relativa estabilidade no pe-

ríodo em que os dados estão disponíveis (2005-2013).

𝒈𝒖𝒔𝒆𝒓𝒔 (taxa de crescimento logística da população de usuários potenciais): essa taxa é parâ-

metro da curva logística, representando a evolução do número de agentes do tipo “User” ao longo do tempo simulado. A curva logística costuma ser uma aproximação

razoável do processo de difusão de novos produtos pela população (YOUNG, 2009;

MORONE; TAYLOR, 2010). O valor de referência 0,06 para 𝑔𝑢𝑠𝑒𝑟𝑠 é proveniente do ajuste da curva logística ao perfil real de crescimento do número de usuários efetivos

da internet no Brasil (COSTA; BIANCHINI, 2008) e as expectativas de saturação des-

se mercado no longo prazo (CETIC.BR, 2006-2014; IBGE, 2014), considerando-se o

compartilhamento das conexões por mais de um usuário (por exemplo, nas residências ou nas empresas).

𝒑𝒐𝒑𝟎 (quantidade inicial de conexões potenciais ao serviço): número inicial de objetos

“User” que dispõe de conexão à internet, os agentes do tipo usuário do serviço de aces-

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336

so (por exemplo, um indivíduo, um domicílio ou uma empresa). Adotado o valor de

120, representando um mercado inicial diretamente endereçável de cerca de 1.200.000

de conexões potenciais, compatível com a ordem de grandeza dos dados históricos – bastante imprecisos – sobre conexões efetivas no Brasil nos anos 1990 (SEPIN, 2000).

O valor selecionado é o que permite o ajuste mais adequado da curva logística aos da-

dos reais durante todo o período de simulação.

𝒑𝒐𝒑𝒎𝒂𝒙 (quantidade final de conexões potenciais): esse é o nível final da curva logística de

crescimento do número de conexões à internet no modelo. O valor de referência adota-

do, 6.400, representa um mercado real equivalente a 64 milhões de conexões poten-ciais, com base nas pesquisas de intenção de consumo disponíveis (CETIC.BR, 2013,

2014) e o limite mínimo de preço mensal (R$ 10) que tem viabilizado a prestação de

serviços de telecomunicações no Brasil, conforme discutido no Capítulo 1.

𝜽 (proporção de tomadores de decisão na população de usuários potenciais): como o

modelo trabalha com conexões com a internet que podem ser usadas por mais de um usuário (um domicílio, por exemplo), esse parâmetro representa a parcela da população

que efetivamente escolhe o provedor de acesso. O valor adotado é de 0,35, represen-

tando que, em média, uma conexão de acesso ao serviço atende 2,86 usuários (CE-TIC.BR, 2013-2014).

𝑵𝒆𝒕𝒕𝒚𝒑𝒆 (modelo de rede social): a rede social utilizada é gerada a partir de random walks em

uma sub-rede do serviço de rede social online Facebook (Facebook New Orleans). Esse modelo foi escolhido por ser, em princípio, uma representação adequada da rede

Facebook como um todo (GJOKA et al., 2013), já analisada em detalhes, além de con-

tar com dados anonimizados e públicos (VISVANATH, 2009).

𝑻𝒂𝒗𝒈 (tempo médio de duração do contrato de serviço): representa o período que os usuários

se comprometem, em média, com os provedores de acesso contratados. O valor de re-

ferência adotado é de 4 UT (unidades de tempo), oriundo da evidência anedótica de

prevalência da oferta de contratos com duração de um ano (ou quatro trimestres).

𝑻𝒗𝒂𝒓 (desvio padrão do tempo de duração do contrato): indica o desvio padrão do período dos contratos firmados pelos usuários com os provedores de acesso. O valor escolhido

como referência para a simulação foi de 2 UT, na premissa de que não existe variação

significativa da duração dos contratos fora da faixa 6-18 meses. Isso é compatível com

a evidência anedótica, que apresenta casos de ofertas com duração 𝑇𝑎𝑣𝑔 desde um até

oito trimestres, apesar de se considerar que a quantidade de usuários nessas ofertas li-

mítrofes é pouco relevante.

𝒄𝒎𝟎 (relação entre custo de manutenção e preço inicial da tecnologia): o custo de manuten-

ção das redes é representado como um percentual do custo de capital das redes. Esse critério é aderente à realidade empírica e razoavelmente estável. O valor de referência

adotado, 0,0053 por UT (trimestre), baseia-se na média histórica do mercado brasileiro

(TELEBRASIL, 2014; relatórios financeiros dos provedores).

𝒑𝒊𝒏𝒄𝒓 (probabilidade Poisson da inovação incremental no tempo): o valor médio adotado para

o período entre inovações incrementais, parâmetro de uma distribuição Poisson, é de 8

UT. Essa referência, equivalente a dois anos, baseia-se em evidência anedótica obtida

durante a pesquisa empírica, que indicou baixa probabilidade de incrementos anuais

consecutivos.

𝒑𝒓𝒂𝒅 (probabilidade Poisson da inovação radical no tempo): o valor de referência utilizado

para o intervalo médio entre inovações radicais, 28 UT, baseou-se nas informações co-

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337

letadas no Capítulo 1 (SEPIN, 2000; TELEBRASIL, 2014). Deve-se ressalvar a popu-

lação reduzida de eventos desse tipo (3) na curta história do setor, além da premissa da

manutenção desse período médio durante a simulação, o que pode levar a erros de ava-liação relevantes.

𝒑𝒊𝒏𝒄𝒕𝒆𝒄𝒉 (desconto disponível para incumbentes): a disponibilidade de preços preferenciais para

provedores do grupo dos incumbentes é simulada por meio desse parâmetro. Foi arbi-trado o valor de referência 0,3 (desconto de 30%) com base em informação anedótica,

uma vez que os descontos “por volume e relacionamento” praticados pelos fornecedo-

res de equipamentos não são normalmente públicos.

𝑻𝒅𝒆𝒑𝒓𝒕𝒆𝒄𝒉 (período de utilização dos equipamentos de rede antes da depreciação): é o período

máximo de utilização dos equipamentos de rede anteriormente à sua desativação e

substituição por outros mais modernos. O valor adotado de 40 (dez anos) representa a

prática corrente no Brasil, conforme informação anedótica, e é compatível com o prazo estipulado pela Receita Federal brasileira.

𝒗𝒊𝒏𝒄𝒓 (desvio padrão reduzido da produtividade da inovação incremental): o valor de refe-rência arbitrado para o desvio padrão (em múltiplos da média) do aumento da produti-

vidade das inovações incrementais é de 0,049. Essa premissa foi ajustada de forma a

manter a possibilidade de incrementos significativos da produtividade pelas inovações radicais, sem desconsiderar a ocorrência de inovações incrementais relevantes ao longo

da vida das tecnologias, de acordo com a evidência da variação dos custos do setor nos

EUA (CROES, 1995; GREENE, 1997; NEWMAN, 1999; BLS, 2014), em função da indisponibilidade desse tipo de informação no Brasil. Esse valor é proporcional ao pe-

ríodo médio 𝑝𝑖𝑛𝑐𝑟 entre inovações incrementais e representa um incremento anual mé-

dio de produtividade de 2,5%.

𝒗𝒓𝒂𝒅 (desvio padrão reduzido da produtividade da inovação radical): cada inovação radical

no setor de redes para acesso à internet representou, historicamente, um desvio padrão

equivalente a 1,7 vezes a produtividade média da tecnologia anterior. Esse valor foi adotado considerando-se a diferença histórica da produtividade entre a primeira (dial-

up) e a segunda (ADSL) geração da tecnologia de acesso à internet, a partir da variação

dos custos industriais nos EUA (BLS, 2014).

𝒄𝒇 (custo fixo por usuário): o modelo assume custo fixo por usuário ativo na rede do pro-

vedor, com valor de referência de 102 UM/UT, ou o equivalente à R$

34,00/mês/usuário, obtido da informação histórica (TELEBRASIL, 2014; relatórios fi-nanceiros dos provedores). Essa é uma premissa conservadora, pois é razoável supor

que o custo fixo cai ao longo do tempo, apesar de a evidência disponível não apontar

nessa direção.

𝒄𝒔 (fator de escala para custos operacionais): foi assumido um valor de referência arbitrá-

rio de 0,9, de maneira a proporcionar ganhos de escala crescentes, mas modestos, cuja

existência é indicada pela evidência empírica, mesmo com a dificuldade de mensura-ção do valor adequado para seu impacto.

𝒆𝒎𝒂𝒙 (número máximo de entrantes por período): como a decisão de entrada é tomada de

forma apenas parcialmente endógena ao modelo, considerou-se conveniente limitar o

número de entrantes em um dado período, adotando-se o valor arbitrário de até 1 novo

provedor entrando no mercado a cada UT. Essa restrição procurou aproximar a evidên-cia histórica sobre entrada de provedores (ANATEL, 2011; TELEBRASIL, 2014) à di-

nâmica de atração de entrantes no modelo.

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338

𝒈𝒔𝒔𝒆𝒏𝒔 (sensibilidade do market share – variação mínima perceptível): valor do threshold de

responsividade comportamental dos provedores a variações na taxa de mudança dos

market shares, para capturar no modelo a percepção de que os agentes do setor concre-

to reagem apenas a alterações que não sejam muito pequenas na taxa. A referência da

sensibilidade 𝑔𝑠𝑠𝑒𝑛𝑠 foi arbitrada em 0,05, dada a indisponibilidade de dados empíricos.

𝒌𝟎 (tamanho médio da rede do provedor entrante): à medida que o número de usuários no

setor cresce, aumenta o tamanho médio dos provedores entrantes, conforme a razão 𝑘0,

com valor arbitrado de 0,055. Esse número foi escolhido com base no tamanho do en-

trante de maior sucesso no histórico setorial (TELEBRASIL, 2014).

𝒏𝒆𝒙𝒊𝒕 (número de períodos com resultados ruins antes da saída do mercado): a saída de fir-

mas do mercado acontece após 𝑛𝑒𝑥𝑖𝑡 períodos consecutivos com resultados ruins (caixa ou market share), segundo a equação (62). O valor de referência foi arbitrado em 20

UT, ou o equivalente a cinco anos ruins, por falta de dados empíricos específicos.

𝒏𝒎𝒊𝒏𝒔𝒕𝒓𝒂𝒕 (número mínimo de períodos entre mudanças de estratégia competitiva da firma): o

processo de aprendizado adaptativo dos provedores é limitado pelo número de períodos

necessário para a avaliação da estratégia corrente. O valor foi arbitrado em 12 UT (ou três anos), devido à dificuldade de obtenção de dados empíricos dessa natureza.

𝑷𝒎𝒂𝒙 (preço máximo do serviço de acesso): é o preço mensal máximo que os provedores podem oferecer pelo serviço, simulando um teto fixado, por exemplo, a partir de uma

determinação governamental. No entanto, seu valor de referência na simulação é 600

UM (unidades monetárias) para cada objeto “User” – representando um grupo de 10.000 usuários reais. O número adotado é próximo ao orçamento máximo disponível

para cada User (~R$ 200/mês), conforme evidência (CETIC.BR, 2014a), indicando a

inexistência de limite efetivo na prática, como apontado no Capítulo 1.

𝒑𝒔𝒕𝒆𝒑 (taxa de variação de preços): quando no modelo o provedor decide alterar seu preço,

ele realiza isso em incrementos ou decrementos 𝑝𝑠𝑡𝑒𝑝 do preço do período anterior,

gradativamente. Esse tipo de comportamento pode ser observado na evidência empíri-

ca, que mostra serem muito mais frequentes os ajustes incrementais de preços, em de-

trimento de alterações radicais – que, porém, também são verificados. O valor de refe-rência adotado é de 0,05 por UT (5%), escolhido para capturar a ordem de grandeza da

evidência anedótica.

𝒒 (sensibilidade do usuário à disponibilidade de capacidade de rede): como não existe

relação linear entre capacidade de rede e qualidade, o fator 𝑞 ajusta essa não linearida-

de como mostrado na equação (23). Por falta de dados para aferição desse valor, foi ar-bitrado o valor de referência 0,5 para o parâmetro. A evidência anedótica aponta para

valores de 𝑞 significativamente menores do que 1.

𝒓𝟎 (taxa base de juros por período): foi adotado como referência o valor médio da taxa de

juros real de mercado (por exemplo, BNDES) disponível para os provedores no ano de

2010 (relatórios financeiros dos provedores), equivalente a 0,042 por UT, ou 17,8% ao ano antes dos impostos (pre-tax). O valor pontual foi escolhido em função da tendência

decrescente desse valor ao longo da série histórica, uma vez que ele é mantido constan-

te durante a simulação.

𝒓𝒊𝒏𝒄 (diferencial de juros disponível para incumbentes): oferta de taxas de juros diferencia-

das para os incumbentes, normalmente associada à obtenção de financiamentos com

taxas subsidiadas de financiadores como o BNDES, frequentemente não disponíveis para entrantes. Foi adotado o valor de referência de 0,83, relativo à diferença entre as

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melhores taxas médias reais oferecidas pelo BNDES e o valor médio da taxa de juros

real disponível para os grandes provedores (relatórios financeiros), assumindo que o

BNDES seja responsável por cerca de 50% do funding dessas firmas.

𝒓𝒍𝒆𝒗 (sensibilidade da taxa de juros à alavancagem): parâmetro indicando a sensibilidade

positiva da taxa de juros disponível para o provedor em relação à sua alavancagem fi-nanceira, segundo a equação (57). O valor de referência arbitrado de 0,1 procura captar

esse fenômeno indicado pela evidência empírica.

𝒓𝒔𝒊𝒛𝒆 (sensibilidade da taxa de juros ao tamanho da firma): A taxa de juros de cada provedor

tem, ainda, sensibilidade negativa para o tamanho do provedor, medido pelas suas re-

ceitas, como apontam os dados. O valor dessa sensibilidade, entretanto, não está dispo-nível e foi arbitrado em 0,01.

𝒔𝒆 (market share mínimo não ocupado para estimular entrada): a decisão de entrada de novas firmas no mercado é estimulada (“acelerada”) pela existência de uma parcela de

usuários potenciais não atendidos pelos provedores existentes – por causa dos preços

elevados. O valor de referência arbitrado é de 0,05, devido à inexistência de dados em-

píricos, apesar de a tendência de estímulo adicional para a entrada nessas situações ser recepcionada pela evidência anedótica.

𝒔𝒊𝒏𝒄 (market share mínimo para provedor ser considerado incumbente): de acordo com

dados históricos de diversos setores, as firmas maiores detêm vantagens comparativas

na competição. O parâmetro 𝑠𝑖𝑛𝑐 auxilia na identificação dos provedores que dispõem

dessa condição – os incumbentes –, indicando o market share mínimo de qualificação, adotado no limite inferior clássico de 20% (SEAE; SDE, 2001).

𝒔𝒎𝒊𝒏 (market share mínimo para provedor continuar no mercado virtual): os provedores que

mantêm market share inferior a 𝑠𝑚𝑖𝑛 por 𝑛𝑒𝑥𝑖𝑡 UT são eliminados do mercado por

conveniência analítica, dada sua contribuição pouco relevante para os processos setori-

ais. O valor de referência arbitrado é de 1%, frequentemente adotado pelas entidades que realizam levantamentos de mercado para considerar o aporte individual das firmas.

𝑻𝒎𝒊𝒏𝒆 (período mínimo entre entradas no mercado): frequentemente, existem restrições práti-

cas ou regulatórias para a entrada de novos provedores no mercado (licenças, acesso a

recursos críticos etc.), retardando o processo. O parâmetro 𝑇𝑚𝑖𝑛𝑒 tenta capturar parcial-

mente esse efeito – em conjunto com 𝑒𝑚𝑎𝑥 –, restringindo a entrada apenas aos perío-

dos múltiplos de 𝑇𝑚𝑖𝑛𝑒 . A despeito da existência de importante evidência empírica so-

bre as barreiras à entrada, como apresentado no Capítulo 1, a forma com que elas são

modeladas é arbitrária, buscando, no entanto, reproduzir qualitativamente o perfil veri-

ficado historicamente. O valor de referência escolhido foi de 4 UT, ou seja, a entrada é avaliada pelas firmas candidatas anualmente.

𝑻𝒊𝒏𝒄 (período mínimo de mercado para provedor ser considerado incumbente): em conjunto

com 𝑠𝑖𝑛𝑐, esse parâmetro define o tempo mínimo no mercado para uma firma poder ser

considerada incumbente. O requerimento de tempo mínimo para entrada no grupo dos

incumbentes é suportado pela evidência empírica, apesar de o valor de referência ado-tado, 20 UT (cinco anos), ser arbitrário, em função da dificuldade de obtenção desse

tipo de informação objetivamente.

𝑻𝒑𝒍𝒂𝒏 (período de planejamento de rede): em virtude da complexidade técnica da tarefa, do

tempo de implantação necessário e das escalas mínimas aplicáveis. A expansão e a re-

dução das redes dos provedores acontecem em ciclos de 𝑇𝑝𝑙𝑎𝑛 períodos. Conforme a

evidência empírica, o valor de referência estipulado é de 4 UT, ou um ano.

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340

C.1.2. Parâmetros comportamentais individuais

Por causa da indisponibilidade de dados empíricos para a calibragem da maioria

dos parâmetros das equações comportamentais, as faixas de variação de referência foram

frequentemente arbitradas pelo modelista, em geral por meio de distribuições uniformes

relativamente amplas e médias razoavelmente “neutras”. O objetivo foi adotar valores que

permitissem a reprodução próxima do mercado real, segundo as diretrizes da metodologia

history-friendly. Eles serão objeto de especial atenção durante a análise de sensibilidade.

𝒃𝟏𝒌 (sensibilidade para preço): o parâmetro da equação (25), que pondera a importância do

preço na ponderação do usuário, varia, de modo aleatório e uniforme, entre 0,0 e 1,0 e

média 0,5, para cada “User”, mantendo-se constante durante toda a simulação.

𝒃𝟑𝒌 (sensibilidade para influência da rede social): a ponderação da importância das esco-

lhas dos vizinhos na rede social do usuário na sua decisão de compra varia aleatoria-mente com média 0,4. Cada “User” mantém esse valor durante a simulação.

353

𝒆𝒅𝒌 (desvio padrão do erro de avaliação da qualidade da rede): o valor do desvio padrão do

erro, inerente à acuidade do usuário na percepção de qualidade do serviço, é sorteado

uniformemente entre 0,0 e 0,5, com média 0,25 para cada “User” e mantido fixo.

𝒆𝒔𝒌 (margem mínima de melhoria para substituição do provedor atual): o múltiplo do valor

da utilidade percebida requerida para a troca do provedor de acesso é sorteada entre 1,0

e 1,5, uniformemente, com média 1,25 (25% de melhoria) para cada “User”.

𝒎𝑳𝒊 (meta de rentabilidade sobre o capital empregado): valor que representa o objetivo de

rentabilidade do provedor para cada período de planejamento 𝑇𝑝𝑙𝑎𝑛 (quatro UT ou um

ano), mantido fixo em 0,17 (17%) antes dos impostos (IR/CSLL) para todos os prove-dores. Esse valor é proveniente do benchmark empírico específico do setor em análise

(relatórios financeiros dos provedores).

𝒎𝑴𝒊 (meta de qualidade de rede): valor-alvo para a qualidade da rede do provedor no plane-

jamento, variando inicialmente entre 0,5 e 1,5 (sorteio com distribuição uniforme) e

média 1,0 para cada provedor, com base na evidência de que os provedores buscam posicionar-se com diferentes estratégias de qualidade. Os valores escolhidos, entretan-

to, são arbitrários e podem ser alterados endogenamente conforme a estratégia adotada

pelo provedor.

𝒎𝑸𝒊 (perfil de resposta do planejamento de capacidade relativo ao passado): no momento de

realizar a projeção da demanda futura, cada provedor usa expectativas adaptativas ba-

seadas no crescimento do passado. O parâmetro 𝑚𝑄𝑖 representa a parcela do desempe-

nho anterior que o provedor projeta para o próximo período de planejamento. Esse procedimento baseia-se na experiência anedótica disponível. O valor de referência es-

colhido, 0,5, é igual para todos os provedores e é mantido constante, obviamente uma

simplificação do comportamento real dos agentes.

353 Escolhidos 𝑏1

𝑘e 𝑏3𝑘, para cada usuário, o valor de 𝑏2

𝑘 fica definido (média igual a 0,1) dentro do simplex

unitário (equação (25)).

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341

C.2. Calibração dos valores iniciais

São nove variáveis que requerem valores iniciais não triviais (diferentes de ze-

ro), sempre que possível com origem na evidência empírica.

𝑩𝒕𝟎𝒌 (orçamento inicial de cada usuário): o valor do orçamento disponível, para contratação

de serviço de acesso à internet, em cada objeto User é gerado aleatoriamente com base

em uma distribuição normal truncada – somente são utilizados valores maiores do

que 30 –, com média 92 e desvio padrão 98 UM/UT, ou o equivalente a um piso

mensal de R$ 10, média de R$ 31 e desvio padrão de R$ 33. Essas referências foram

estabelecidas com base na evidência empírica (CETIC.BR, 2013-2014).

𝒑𝒓𝒐𝒗𝟎𝒌 (provedor de acesso inicial dos primeiros usuários): cada indivíduo da população 𝑝𝑜𝑝0

em 𝑡 = 0 tem um provedor associado para os primeiros 𝑇𝑎𝑣𝑔 (quatro UT) períodos de simulação. Os usuários iniciais são distribuídos aleatoriamente, de modo uniforme,

entre os 𝑁0𝑝𝑟𝑜𝑣

provedores iniciais. O orçamento 𝐵0𝑘 desses usuários é automaticamen-

te ajustado para o preço 𝑃0𝑖 do provedor alocado.

𝒈𝒓𝒐𝒖𝒑𝒕𝟎𝒊 (grupo social inicial de cada provedor – 0: entrante, 1: incumbente): todos os provedo-

res existentes no início da simulação são considerados incumbentes (𝒈𝒓𝒐𝒖𝒑 = 𝟏). To-

das as firmas que entram após o período 𝑡 = 0 são configuradas inicialmente como en-

trantes (𝒈𝒓𝒐𝒖𝒑 = 𝟎).

𝑵𝟎𝒑𝒓𝒐𝒗

(número inicial de provedores): quantidade inicial de objetos Provider, representando

os agentes do tipo provedor de acesso à internet. Iniciado com o valor 4, considerando-

se a evidência histórica (TELEBRASIL, 2014).

𝑷𝟎𝒊 (preço inicial dos primeiros provedores): o preço de referência para os provedores exis-

tentes no início da simulação é arbitrado como sendo 𝑷𝒎𝒂𝒙

𝟐 e igual para todos. Firmas

entrantes em 𝑡 > 0 utilizam o preço médio praticado no mercado como referência e

não dependem desse valor.

𝑸𝒕𝟎𝑴,𝒊

(capacidade de rede instalada inicial de cada provedor): a capacidade da rede com que

cada firma inicia no mercado de acesso à internet é gerada por sorteio com distribuição

normal, média de 25 UC (unidades de capacidade) e desvio padrão de 25 UC. O va-

lor escolhido é, grosso modo, compatível com o número inicial 𝑝𝑜𝑝0 de usuários, pro-veniente da análise empírica.

𝒔𝒕𝒓𝒂𝒕𝒕𝟎𝒊 (estratégia de negócio inicial de cada provedor): a estratégia inicial de cada firma é

sorteada aleatoriamente354

entre aquelas disponíveis, conforme o grupo (𝑔𝑟𝑜𝑢𝑝𝑡0𝑖 ) ao

qual o provedor pertence. Adequando a matriz de estratégias à evidência empírica

(TELEBRASIL, 2014; relatórios financeiros), as estratégias de números 9 e 19 (preço-

alvo igual ao custo médio do mercado) foram desabilitadas.

𝒂𝟎𝟏 (produtividade inicial da primeira tecnologia): o valor da produtividade da primeira

tecnologia de rede, o inverso do seu preço por UC (unidade de capacidade), foi arbitra-

354 Em virtude da escassa informação empírica disponível. A escolha arbitrária de uma estratégia particular

única poderia comprometer os resultados do modelo, ao limitar a experimentação dos agentes na busca por

estratégias melhores. Em situações como essa, Brenner e Werker (2007) sugerem que seja experimentado o

maior número possível de alternativas. Dessa forma, foram ativadas todas as estratégias definidas na Tabela 4

à exceção de duas.

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342

do em 0,00093 UC/UM. Esse número guarda relação com a ordem de grandeza do

custo histórico médio da primeira tecnologia de acesso à internet (dial-up), de R$

1.080,00 por acesso (CROES, 1995; GREENE, 1997; NEWMAN, 1999).

𝑸𝒎𝒊𝒏𝟏 (capacidade mínima de instalação ou expansão da primeira tecnologia): foi escolhida

uma modularidade mínima de 10 UC para a implantação ou expansão da primeira tec-nologia de rede disponível, de forma arbitrária, mas compatível com os demais valores

iniciais.

C.3. Calibração dos parâmetros da rede social

Os vetores de parâmetros requeridos pelo algoritmo de geração de redes pseu-

doaleatórias 2.5K-Graphs foram obtidos por meio de estimação estatística, utilizando-se o

método de máxima verossimilhança, com base em amostras geradas por random walks so-

bre redes sociais online reais. A amostragem é essencial para a estimação dos parâmetros,

uma vez que as redes são muito grandes e o seu processamento completo requer recursos

computacionais elevados, além de sujeito a restrições comerciais dos provedores de conte-

údo.

Não é possível, em geral, realizar-se a amostragem de redes sociais online pela

extração aleatória direta das listas de usuários (nós), devido às limitações técnicas normal-

mente impostas pelos seus provedores. Para superar isso, é frequentemente utilizado o mé-

todo de “crawling” (“rastejamento”), que percorre a rede desde um conjunto inicial de nós

e seguindo através de suas conexões, para descobrir elementos para amostragem.

Um dos problemas das técnicas de crawling é garantir que a amostra obtida seja

uniforme (não viesada), ou que possa ser reponderada para se aproximar da uniformidade,

pelo menos de forma assintótica.355

Para evitar o problema, foi empregado o método co-

nhecido como random walk com reponderação. Normalmente, a amostragem por random

walk puro introduz viés para os nós de grau mais alto. Mas, como esse viés pode ser esti-

mado, utilizando-se análise de cadeias de Markov, a reponderação da probabilidade de

acesso a cada elemento permite a geração de amostras razoavelmente uniformes (GJOKA

et al., 2011).356

355 Como o processo de amostragem de rede por crawling depende de propriedades dos nós já amostrados,

essa questão é pertinente. Por exemplo, é sabido que o algoritmo mais popular de crawling, o Breadth-First

Search (BFS), é particularmente propenso a produzir amostras viesadas (SALA et al., 2010). 356 Um dos motivos da utilização da rede Facebook foi a disponibilidade de amostras realmente aleatórias de

partes dessa rede (GJOKA et al., 2010). Com isso, foi possível avaliar que o algoritmo de crawling seleciona-

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343

A partir da amostra obtida pela técnica proposta – uma sub-rede representativa

da rede original –, são gerados os parâmetros relativos à distribuição de grau conjunta

(𝐽𝐷𝐷(𝑢, 𝑣)) e à distribuição do valor médio de clustering grau-dependente (𝑐�̅�(𝑢)). Eles são

necessários para a configuração do algoritmo de geração de redes pseudoaleatórias.

Para a geração dos parâmetros de rede, foi escolhida uma sub-rede da rede soci-

al online Facebook, extraída na região da cidade americana de New Orleans por Viswanath

et al. (2009) entre 29/12/2008 e 03/01/2009, utilizando breadth-first-search (BFS) crawling

com reponderação. Iniciando a extração a partir de um usuário aleatório, foram extraídos

63.392 pessoas com perfis visíveis, representando 37% do universo de usuários nessa loca-

lidade na época, os quais possuíam 816.884 ligações de amizade. Essa sub-rede foi selecio-

nada por ser bastante conhecida e representativa do serviço Facebook.

do produz amostras efetivamente uniformes para essa rede em particular, por meio da comparação de múlti-

plos parâmetros entre redes obtidas pelos dois métodos de amostragem (GJOKA et al., 2011).

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345

Apêndice D: Resultados da análise de sensibilidade

Este apêndice apresenta os resultados obtidos durante a análise de sensibilidade

do modelo de simulação, conforme especificado no Capítulo 4.

Os pontos selecionados para teste dos parâmetros estão na Tabela 10. São testa-

dos quatro pontos – V1 a V4 – para cada parâmetro, além do valor inicial de calibração –

V0. Eles foram definidos com base em uma dupla estratégia. Para valores com referências

empíricas disponíveis – indicadas por “Ref. mín.” e “Ref. máx.” – utilizaram-se esses valo-

res. Nos demais casos, os valores foram arbitrados objetivando a compatibilidade com as

ordens de grandeza empíricas.

V1 e V4 foram escolhidos para representar os limites inferior e superior de tes-

te, considerando-se factibilidade, razoabilidade e grandeza. V2 e V3 foram selecionados

para indicar os extremos de variação “esperados”, com base na evidência empírica, sempre

que disponível.

Tabela 10 – Valores para teste de sensibilidade dos parâmetros.

Parâmetro V0 Ref. mín. Ref. máx. V1 V2 V3 V4

𝒈𝑩 0 -0,0345 0,0740 -0,0086 -0,0043 0,0093 0,0185

𝒈𝒖𝒔𝒆𝒓𝒔 0,06 0,04 0,05 0,07 0,08

𝒑𝒐𝒑𝟎 120 43 43 80 160 200

𝒑𝒐𝒑𝒎𝒂𝒙 6400 4800 5000 6000 7000 8000

𝜽 0,35 1,0 0,2 0,3 0,4 0,5

𝒕𝒚𝒑𝒆𝑵𝒆𝒕 FB St. Louis

Aleatória uniforme

Erdős-Rényi

Small-World

Scale- free

𝑻𝒂𝒗𝒈 4 2 8 2 3 5 6

𝑻𝒗𝒂𝒓 2 0,5 1 3 4

𝒄𝒎𝟎 0,0053 0,0045 0,006 0,003 0,0045 0,006 0,008

𝒑𝒊𝒏𝒄𝒓 8 8 4 6 10 12

𝒑𝒓𝒂𝒅 28 20 36 12 20 36 48

𝒑𝒊𝒏𝒄𝒕𝒆𝒄𝒉 0,3 0,3 0 0,15 0,4 0,5

𝑻𝒅𝒆𝒑𝒓𝒕𝒆𝒄𝒉 40 40 12 20 48 60

𝒗𝒊𝒏𝒄𝒓 0,049 0,049 0,02 0,04 0,06 0,08

𝒗𝒓𝒂𝒅 1,7 1,7 1,2 1,5 1,9 2,2

𝒄𝒇 102 89 110 76 89 110 118

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346

𝒄𝒔 0,9 0,7 0,8 1 1,1

𝒆𝒎𝒂𝒙 1 0 2 3 4

𝒈𝒔𝒔𝒆𝒏𝒔 0,05 0 0,025 0,075 0,1

𝒌𝟎 0,055 0,055 0,01 0,025 0,075 0,1

𝒏𝒆𝒙𝒊𝒕 20 4 12 28 40

𝒏𝒎𝒊𝒏𝒔𝒕𝒓𝒂𝒕 12 4 8 16 20

𝑷𝒎𝒂𝒙 600 300 500 700 900

𝒑𝒔𝒕𝒆𝒑 0,05 0,01 0,025 0,1 0,2

𝒒 0,5 0,12 0,25 0,75 1,5

𝒓𝟎 0,042 0,023 0,0475 0,01 0,023 0,0475 0,06

𝒓𝒊𝒏𝒄 0,83 0,83 0,6 0,7 0,9 1

𝒓𝒍𝒆𝒗 0,1 0 0,05 0,2 0,3

𝒓𝒔𝒊𝒛𝒆 0,01 0 0,005 0,02 0,04

𝒔𝒆 0,05 0,01 0,03 0,075 0,1

𝒔𝒊𝒏𝒄 0,2 0,2 0,1 0,15 0,3 0,5

𝒔𝒎𝒊𝒏 0,01 0,001 0,005 0,025 0,05

𝑻𝒎𝒊𝒏𝒆 4 1 2 8 16

𝑻𝒊𝒏𝒄 20 8 16 24 32

𝑻𝒑𝒍𝒂𝒏 4 4 1 2 8 12

�̅�𝟏𝒌 * 0,50 0 0,4 0,6 1

�̅�𝟑𝒌 * 0,40 1 0,5 0,3 0

𝒆𝒅𝒌

0 0 0 0,5 1

0,5 0 0,25 1 2

𝒆𝒔𝒌

1 1 1 1 1

1,5 1 1,25 2 3

𝒎𝑳𝒊 0,17 0,14 0,19 0,07 0,14 0,19 0,25

𝒎𝑴𝒊

0,5 1 0,75 0,25 0,1

1,5 1 1,25 2 4

𝒎𝑸𝒊 0,5 0,2 0,4 0,75 1

𝑩𝒕𝟎𝒌,𝒂𝒗𝒈

92 84 30 60 120 150

𝑩𝒕𝟎𝒌,𝒗𝒂𝒓 98 180 50 70 120 150

𝑩𝒕𝟎𝒌,𝒎𝒊𝒏 30 30 10 20 60 90

𝑵𝟎𝒑𝒓𝒐𝒗

4 2 4 1 2 6 10

𝑸𝒕𝟎𝑴,𝒂𝒗𝒈

25 10 20 30 50

𝑸𝒕𝟎𝑴,𝒗𝒂𝒓 25 10 20 30 50

𝒂𝟎𝟏 0,00093 0,00093 0,0006 0,0008 0,0011 0,0015

𝑸𝒎𝒊𝒏𝟏 10 1 5 20 50

(*Parâmetros testados conjuntamente, devido à relação de dependência; valores médios).

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347

Para a análise de sensibilidade foram geradas, ainda, múltiplas “versões” aleató-

rias da rede em estudo, para as rodadas Monte Carlo. Com base em uma amostra de 64 mil

nós da rede Facebook, foram produzidos 50 grafos aleatórios distintos, com cerca de 13 mil

vértices cada, preservando-se a distribuição de grau conjunta (JDD) e a distribuição grau-

dependente de clustering, pelo algoritmo 2.5K-Graphs (GJOKA et al., 2013).

Para o teste de sensibilidade, o modelo foi executado utilizando-se alguns gera-

dores clássicos de grafos pseudoaleatórios: aleatório uniforme, Erdős-Rényi, small-world e

power-law (ou scale-free).357

Para produzirem grafos semelhantes à rede Facebook, os ge-

radores foram configurados com os parâmetros médios obtidos a partir das 50 versões alea-

tórias dessa rede, produzidos anteriormente. Esses valores são descritos na Tabela 11, em

conjunto com as principais medidas das redes produzidas pelos algoritmos.

Tabela 11 – Métricas das redes pseudoaleatórias testadas.

Parâmetro

V0

Facebook New Orleans

V1

Aleatória uniforme

V2

Erdős-Rényi

V3

Small-world

V4

Power-law (scale-free)

Número de nós

12.839 12.839* 12.839* 12.839* 12.839*

Número de conexões

181.066 359.104 179.720 179.648 179.738

Densidade 0,0022 0,0044 0,0022 0,0022 0,0022

Diâmetro 10,36 4,00 4,12 5 2

Caminho médio

mais curto

3,56 2,78 3,13 3,47 2,00

Grau médio 28,32 28,00* 28,00* 27,99* 28,00*

Clustering médio

0,201 0,009 0,004 0,483 0,012

Assortativity de grau

-0,038 -0,009 >0,001 -0,009 -0,039

Expoente power-law

2,01 19,49 17,68 2,41 1,89*

Rewiring 0,305*

(Valores médios de 50 redes geradas por cada algoritmo. *valor de configuração).

357 Apenas o primeiro algoritmo produz redes direcionadas, ou seja, as conexões entre dois nós não são bidi-

recionais. Nesse caso, optou-se por configurar o grau de saída (igual ao de entrada).

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348

Como esperado, conforme o Apêndice B, as principais medidas estruturais das

redes produzidas pelos algoritmos são bastante distintas. Nenhum deles foi capaz de repro-

duzir sequer de forma aproximada as distribuições de grau (Figura 79), de coeficiente de

clustering grau-dependente (Figura 80) ou de grau médio dos vizinhos na rede (Figura 81).

Figura 79 – Distribuição de grau de geradores de rede.

(fração dos nós da rede (usuários) para cada grau, escala logarítmica)

Fonte: elaboração do autor.

As diferenças entre as redes geradas se deve ao pequeno número de parâmetros

que definem as redes criadas pelos algoritmos clássicos, que envolvem apenas elementos

muito genéricos como a quantidade de nós e o grau médio, no caso das redes uniformes e

Erdős-Rényi, e a probabilidade de rewiring (redes small-world) ou o expoente da distribui-

ção exponencial (redes power-law). Como comparação, o algoritmo 2.5K-Graphs utilizado

para gerar as redes do cenário base (V0) utiliza alguns milhares de parâmetros – obtidos por

estimação estatística a partir da rede original – para produzir redes pseudoaleatórias com a

estrutura desejada.

Rede Facebook New Orleans

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349

Figura 80 – Distribuição de clustering de geradores de rede.

(coeficiente de clustering médio para cada grau, escala logarítmica)

Fonte: elaboração do autor.

Os dados brutos gerados pelas rodadas de simulação são tratados de modo a

permitir a aferição do impacto relativo dos parâmetros nos indicadores adotados. Para tanto,

os resultados são analisados em cinco passos. No primeiro, as cinco séries temporais, gera-

das por cada valor de parâmetro (V0, V1, V2, V3 e V4) para cada indicador, são testadas,

conjuntamente, contra a hipótese de que suas médias são iguais, com a aplicação de análise

de variância (modelo de efeitos aleatórios).358

No segundo, o mesmo teste é aplicado ape-

nas às três séries produzidas por parâmetros dentro da faixa “esperada” (V0, V2 e V3).

Adotou-se nível de significância de 1% para os testes estatísticos. Em seguida, são avalia-

dos os desvios máximos das médias de cada experimento em relação ao cenário de calibra-

ção (V0), normalizados pelo desvio padrão de cada indicador. A análise é realizada tanto

358 A aplicação da análise de variância para a comparação de experimentos assume algumas premissas, como

a normalidade dos resíduos e a homocedasticia, que não podem sem garantidas para experimentos de simula-

ção. Entretanto, o método é robusto e leva a resultados válidos, por aproximação, mesmo com algum afasta-

mento dessas premissas (COSTA NETO, 1977).

Rede Facebook New Orleans

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350

para o conjunto completo de valores de teste (V1-V4) quanto para aqueles que delimitam a

faixa “esperada” (V2 e V3).

Figura 81 – Distribuição do grau médio de vizinhos de geradores de rede.

(grau médio dos vizinhos de um nó da rede para cada grau, escala logarítmica)

Fonte: elaboração do autor.

Por fim, é construído um intervalo de confiança359

para o valor médio de cada

indicador no cenário V0 ao longo do tempo. Sobre esse intervalo são plotados os resultados

para os quatro valores experimentais médios dos parâmetros (V1-V4) ao longo do tempo.

Com base na plotagem, realiza-se a análise gráfica, para avaliar o afastamento dos experi-

mentos da faixa que permite considerá-los “visualmente” distintos.360

359 A premissa de distribuição amostral normal do estimador adotado (média) não pode ser garantida nesse

caso. Entretanto, considerando o tamanho das “amostras” simuladas, os intervalos de confiança representam

uma boa aproximação dos valores esperados para a “população” (COSTA NETO, 1977). 360 A análise gráfica foi realizada com base na inspeção visual do comportamento das curvas referentes a cada

valor V1-V4 assumido pelos parâmetros para cada indicador.

Rede Facebook New Orleans

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351

Tabela 12 – Resultados do teste de sensibilidade dos parâmetros.

Signifi-

cante?

∆ máx

méd/dp

Signifi-

cante?

∆ máx

méd/dp

Signifi-

cante?

∆ máx

méd/dp

Signifi-

cante?

∆ máx

méd/dp

Signifi-

cante?

∆ máx

méd/dp

Signifi-

cante?

∆ máx

méd/dp

Signifi-

cante?

∆ máx

méd/dp

Signifi-

cante?

∆ máx

méd/dp

Signifi-

cante?

∆ máx

méd/dp

Signifi-

cante?

∆ máx

méd/dp

cs 10 8,92 S 3,13 S 2,16 S 1,19 S 1,81 S 0,90 S 0,42 S 1,98 P 0,49 S 74,15 S 2,97

gB 9 N/A S 1,82 S 0,84 S 1,07 S 1,27 S 2,30 S 0,48 S 0,85 P 0,42 N/A S 2,50

typeNet 5 0,65 S 1,43 S 0,90 S 1,12 P 0,95 N 0,74 N 0,04 N 0,03 N 0,15 P 1,06 N 0,09

Baver 8 0,52 P 1,15 P 0,42 P 0,40 P 0,90 P 0,42 P 0,21 N 0,06 N 0,10 P 1,08 S 0,43

q 7 1,06 P 1,01 P 0,68 P 0,99 P 0,62 P 0,42 N 0,06 N 0,03 P 0,25 S 6,55 N 0,04

b1-b3 10 5,23 S 1,00 P 1,57 P 0,96 S 0,86 P 2,08 P 0,23 P 1,31 P 0,25 P 41,69 P 2,32

Pmax 7 0,39 P 0,90 P 0,47 P 0,44 P 0,76 P 0,34 N 0,05 P 0,13 P 0,43 N 0,27 N 0,11

gusers 7 0,46 P 0,75 P 0,40 P 0,39 P 0,74 S 0,41 N 0,18 N 0,08 N 0,09 S 1,40 P 0,20

popmax 6 0,25 P 0,59 P 0,25 P 0,16 P 0,39 P 0,21 N 0,09 N 0,03 N 0,10 P 0,67 N 0,05

theta 6 0,26 P 0,49 P 0,17 P 0,26 P 0,52 P 0,23 N 0,08 N 0,06 N 0,15 P 0,46 N 0,12

Bvar 7 0,36 P 0,45 P 0,30 P 0,54 P 0,48 P 0,36 N 0,10 N 0,11 N 0,10 P 0,75 S 0,38

emax 10 1,50 P 0,44 P 1,45 S 4,98 S 1,18 S 1,21 P 0,63 P 0,47 P 0,36 S 3,46 P 0,84

gssens 10 0,64 S 0,43 S 1,62 P 0,65 P 0,24 S 1,07 P 0,39 S 0,37 P 0,12 S 1,06 S 0,47

mM 9 2,91 P 0,43 P 0,53 P 0,32 P 0,20 N 23,52 P 0,22 P 0,16 P 0,21 P 3,32 P 0,22

Pstep 10 1,05 P 0,42 S 0,91 P 0,72 P 0,52 S 1,11 P 0,22 S 0,71 S 2,75 S 1,99 S 1,17

smin 7 0,48 P 0,42 S 0,69 S 1,56 S 0,46 S 0,56 N 0,07 N 0,04 S 0,38 S 0,63 N 0,04

Ptechinc 9 0,31 P 0,42 P 0,49 S 0,61 P 0,33 P 0,41 P 0,19 P 0,15 N 0,05 P 0,22 P 0,20

Nprov 9 1,57 S 0,42 S 1,74 P 0,30 S 0,25 N 10,25 S 0,28 S 0,42 S 0,21 S 1,21 S 0,59

a 9 0,30 S 0,40 P 0,40 S 0,52 S 0,44 P 0,24 P 0,18 P 0,22 N 0,03 P 0,31 S 0,31

prad 10 2,41 P 0,40 P 0,85 S 0,47 S 0,67 S 3,32 S 0,38 S 0,22 P 0,34 S 17,10 S 0,38

ed 9 0,37 S 0,36 S 1,00 S 0,57 S 0,23 S 0,72 N 0,06 P 0,13 P 0,17 P 0,28 P 0,17

mL 9 0,31 P 0,36 P 0,35 P 0,46 P 0,40 P 0,46 P 0,20 P 0,20 P 0,22 N 0,19 P 0,29

pincr 4 0,28 P 0,33 P 0,67 N 0,25 N 0,25 P 0,64 N 0,03 N 0,07 N 0,09 P 0,35 N 0,08

Temin 7 0,63 P 0,32 S 0,88 S 1,65 S 0,76 S 1,23 P 0,25 N 0,09 N 0,14 S 0,81 N 0,18

Bmin 8 0,58 P 0,31 P 0,64 S 0,90 S 0,71 S 1,38 P 0,50 N 0,07 N 0,05 S 0,82 S 0,37

Tavg 5 0,29 P 0,30 P 0,69 P 0,39 P 0,36 P 0,53 N 0,10 N 0,09 N 0,06 N 0,27 N 0,10

pop0 5 0,34 P 0,29 P 0,26 N 0,29 P 0,33 N 0,12 N 0,06 N 0,12 P 0,11 P 1,66 N 0,14

cm0 3 0,19 P 0,28 N 0,42 P 0,17 P 0,16 N 0,29 N 0,10 N 0,09 N 0,06 N 0,22 N 0,11

Ttechdepr 6 0,30 P 0,27 P 0,42 P 0,36 P 0,29 N 0,85 N 0,10 N 0,09 P 0,15 N 0,35 P 0,12

rlev 3 0,34 P 0,27 N 0,42 P 0,27 P 0,22 N 1,81 N 0,07 N 0,04 N 0,06 N 0,14 N 0,05

r0 7 0,28 P 0,26 P 0,35 P 0,47 P 0,30 S 0,55 N 0,09 N 0,07 P 0,11 P 0,51 N 0,09

vrad 7 0,25 P 0,26 N 0,33 P 0,34 P 0,25 P 0,36 N 0,14 P 0,15 N 0,08 P 0,40 P 0,23

QMaver 5 0,22 P 0,26 N 0,42 P 0,21 P 0,22 P 0,40 N 0,07 N 0,06 N 0,03 S 0,44 N 0,07

mQ 1 0,17 P 0,25 N 0,33 N 0,14 N 0,21 N 0,11 N 0,06 N 0,07 N 0,08 N 0,34 N 0,13

cf 3 0,20 P 0,25 N 0,47 N 0,11 P 0,13 P 0,57 N 0,10 N 0,07 N 0,08 N 0,11 N 0,09

Qmin 7 N/A P 0,24 P 0,38 S 0,64 S 0,56 N/A N 0,07 P 0,14 N 0,09 S 3,57 P 0,25

ageavg Pavg VMRP#

signific.

(S ou P)

∆ máx

méd/dp

HHIs sTentr Nprov Mavg popcovHHIK LKTavgentr

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352

Tabela 12 (continuação) – Resultados do teste de sensibilidade dos parâmetros.

Testes de impacto relevante de cada parâmetro realizados ao nível de 1% de significância.

“∆ máx méd / dp”: desvio máximo médio absoluto dividido pelo desvio padrão.

“# signif.”: número de resultados significantes.

“S”: sim, “N”: não, “P”: possível.

“N/A”: não se aplica (devido às condições particulares de simulação do cenário).

Signifi-

cante?

∆ máx

méd/dp

Signifi-

cante?

∆ máx

méd/dp

Signifi-

cante?

∆ máx

méd/dp

Signifi-

cante?

∆ máx

méd/dp

Signifi-

cante?

∆ máx

méd/dp

Signifi-

cante?

∆ máx

méd/dp

Signifi-

cante?

∆ máx

méd/dp

Signifi-

cante?

∆ máx

méd/dp

Signifi-

cante?

∆ máx

méd/dp

Signifi-

cante?

∆ máx

méd/dp

vincr 6 0.23 P 0.24 N 0.43 P 0.29 P 0.21 P 0.34 N 0.08 N 0.10 N 0.04 P 0.40 P 0.14

rsize 5 0.21 P 0.20 P 0.44 P 0.23 P 0.17 P 0.37 N 0.13 N 0.08 N 0.04 N 0.34 N 0.12

sinc 5 0.28 P 0.18 S 1.12 P 0.23 P 0.18 P 0.70 N 0.06 N 0.07 N 0.02 N 0.16 N 0.11

rinc 5 0.17 P 0.17 N 0.38 P 0.14 P 0.12 P 0.47 N 0.08 N 0.05 N 0.03 P 0.21 N 0.07

Tvar 2 0.18 N 0.17 N 0.17 N 0.19 N 0.14 P 0.33 N 0.10 N 0.09 N 0.04 P 0.46 N 0.14

QMvar 2 0.17 N 0.17 N 0.39 N 0.17 P 0.16 N 0.21 N 0.08 N 0.06 N 0.06 P 0.30 N 0.09

Tinc 6 0.23 P 0.16 P 0.68 P 0.28 P 0.20 N 0.28 N 0.11 N 0.08 N 0.07 P 0.32 P 0.14

Tplan 1 4.50 N 0.16 N 0.28 N 0.16 N 0.11 N 43.55 N 0.07 N 0.06 N 0.09 P 0.43 N 0.09

se 6 0.28 P 0.15 P 0.46 S 0.55 S 0.40 N 0.19 P 0.30 N 0.06 N 0.03 P 0.54 N 0.10

nstratmin 6 0.22 N 0.12 N 0.29 P 0.26 P 0.16 P 0.38 N 0.06 N 0.10 P 0.20 P 0.48 P 0.17

es 4 0.15 N 0.11 P 0.42 P 0.21 P 0.21 N 0.15 N 0.11 N 0.04 N 0.07 P 0.15 N 0.08

k0 4 0.32 N 0.08 S 0.66 P 0.35 P 0.48 N 0.30 N 0.10 N 0.07 N 0.09 S 0.93 N 0.10

nexit 7 N/A N 0.04 P 0.63 S 1.49 S 0.53 N/A P 0.25 N 0.11 S 0.91 S 1.05 P 0.20

VMRP Mavg popcovNprov HHIK LKTavgentr ageavg Pavg#

signific.

(S ou P)

∆ máx

méd/dp

HHIs sTentr

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353

A Tabela 12 sumariza os resultados obtidos, com algumas simplificações. A

significância de cada parâmetro nos indicadores foi avaliada como positiva (“S”) quando a

análise de variância rejeitou a hipótese de as cinco médias analisadas (V0-V5) serem iguais.

No caso da rejeição da hipótese apenas no teste de três médias (V0, V2, e V3) ou na análise

gráfica do intervalo de confiança, a significância foi considerada possível (“P”). Na situa-

ção de não rejeição da hipótese de médias iguais em nenhum dos três testes, a significância

do parâmetro no indicador foi qualificada como não relevante (“N”). Os desvios máximos

das médias foram avaliados conjuntamente, com base na média aritmética entre os desvios

normalizados – para V1-V4 e V2-V3 – dos experimentos para cada indicador.

Os resultados na Tabela 12 foram ordenados conforme a importância dos parâ-

metros nos valores assumidos pelo índice de Herfindahl-Hirschman para o market share,

𝐻𝐻𝐼𝑠, adotado como indicador-chave para a análise da estrutura setorial. Segundo essa

perspectiva, visando controlar o número de variáveis envolvidas, é proposta a avaliação da

sensibilidade conjunta de todos os parâmetros, no intervalo de teste de cada um, cuja varia-

ção teve impacto significativo e relevante no 𝐻𝐻𝐼𝑠. Por significativo, adota-se o critério já

apresentado (análise de variância). Por relevante, consideram-se os parâmetros cujo efeito

máximo médio tenha sido próximo ou superior ao desvio padrão observado para o indica-

dor no cenário de calibração (V0), de forma estatisticamente significativa (“S”). Foram

elencados, por esse procedimento, cinco parâmetros para o teste de sensibilidade conjunta

(𝑐𝑠, 𝑔𝐵, 𝑛𝑒𝑡𝑡𝑦𝑝𝑒 , 𝑞, 𝑏1𝑘-𝑏3

𝑘).361

A Tabela 13 mostra as combinações de parâmetros utilizadas

para o teste, excluída a variável categórica 𝑛𝑒𝑡𝑡𝑦𝑝𝑒 (tipo de estrutura de rede), tratada sepa-

radamente por questões técnicas. Os testes foram realizados utilizando os limites “espera-

dos” para cada parâmetro (V2 e V3), explorando todo o conjunto de combinações possí-

veis.362

Foi executada, ainda, a análise preliminar – não tabulada aqui – utilizando um

conjunto maior de valores (quatro) para cada parâmetro (V1, V2, V3 e V4). Em virtude do

número de combinações possíveis (256), não foi possível realizar as 50 rodadas para a ob-

tenção de médias representativas dos indicadores para todas as combinações no tempo dis-

361 O valor inicial 𝐵0

𝑘,𝑎𝑣𝑔, também significativo, é tratado como “condição inicial” de 𝑔𝐵 e não analisado aqui.

362 Como 𝑏1𝑘, 𝑏2

𝑘 e 𝑏3𝑘 são interdependentes (equação (25)), seus valores são testados conjuntamente.

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354

ponível.363

Entretanto, os resultados preliminares, com apenas dez rodadas, não indicaram

comportamentos qualitativamente distintos daqueles apreendidos pela avaliação com o con-

junto mais restrito de valores (Tabela 13).

Tabela 13 – Conjuntos de valores para teste de sensibilidade conjunta.

Conjunto �̅�𝟏𝒌 �̅�𝟑

𝒌 𝒈𝑩 𝒄𝒔 𝒒

1 0,40 0,50 -0,0043 0,80 0,25

2 0,40 0,50 -0,0043 0,80 0,75

3 0,40 0,50 -0,0043 1,00 0,25

4 0,40 0,50 -0,0043 1,00 0,75

5 0,40 0,50 0,0093 0,80 0,25

6 0,40 0,50 0,0093 0,80 0,75

7 0,40 0,50 0,0093 1,00 0,25

8 0,40 0,50 0,0093 1,00 0,75

9 0,60 0,30 -0,0043 0,80 0,25

10 0,60 0,30 -0,0043 0,80 0,75

11 0,60 0,30 -0,0043 1,00 0,25

12 0,60 0,30 -0,0043 1,00 0,75

13 0,60 0,30 0,0093 0,80 0,25

14 0,60 0,30 0,0093 0,80 0,75

15 0,60 0,30 0,0093 1,00 0,25

16 0,60 0,30 0,0093 1,00 0,75

Os resultados obtidos no teste de sensibilidade conjunta estão representados na

Tabela 14. Como esperado, praticamente todas as combinações de valores dos parâmetros

testados produziram dados significativamente distintos364

daqueles do cenário de calibra-

ção. Desse processo, restou evidente, ainda, a característica de não linearidade do modelo.

Os efeitos combinados das mudanças dos parâmetros frequentemente superaram substanci-

almente a soma das contribuições individuais.

363 O tempo estimado para a geração e processamento das 12.800 rodadas necessárias para o teste seria de

cerca 120h (cinco dias), considerando o equipamento disponível (Intel Core i7 de 2,2GHz). 364 A série gerada para cada indicador foi comparada com aquelas obtidas com os valores de calibração, por

meio da comparação das médias populacionais com um teste t e nível de significância de 1%.

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355

Tabela 14 – Resultados do teste de sensibilidade conjunta.

Testes de impacto significante de cada conjunto de parâmetros realizados ao nível de 1% de significância.

“∆ / dp”: desvio dividido pelo desvio padrão.

“# signif.”: número de resultados significantes.

“S”: sim, “N”: não, “P”: possível.

“N/A”: não se aplica (devido às condições particulares de simulação do cenário).

Conj. Signifi-

cante?∆ / dp

Signifi-

cante?∆ / dp

Signifi-

cante?∆ / dp

Signifi-

cante?∆ / dp

Signifi-

cante?∆ / dp

Signifi-

cante?∆ / dp

Signifi-

cante?∆ / dp

Signifi-

cante?∆ / dp

Signifi-

cante?∆ / dp

Signifi-

cante?∆ / dp

1 9 N/A S 1,52 S -0,82 S -1,46 S 0,92 S -0,55 S -0,20 S 0,31 S -0,19 N/A S -0,69

2 8 N/A N -0,04 S -0,42 S -0,38 S -0,06 S -0,44 S -0,21 S 0,30 S -0,30 N/A S -0,59

3 8 N/A S -2,94 N 0,02 S -0,69 S -1,40 S -2,10 S -0,43 S 1,84 S -0,21 N/A S -3,83

4 9 N/A S -3,48 S 0,36 S -0,70 S -1,37 S -2,29 S -0,63 S 2,43 S -0,14 N/A S -3,99

5 9 1,46 S 3,14 S -1,30 S -2,13 S 3,09 S 0,63 S 0,50 S -0,29 N 0,09 S -2,74 S 0,64

6 10 1,11 S 1,90 S -0,85 S -1,26 S 1,53 S 2,00 S 0,37 S -0,26 S 0,81 S -1,47 S 0,67

7 9 0,58 S -0,37 S -0,11 S -0,46 S -0,31 S 1,23 S 0,34 S 1,03 S 0,12 N 1,51 S 0,29

8 9 0,67 S -1,23 S 0,15 N 0,04 S -0,48 S 0,99 S 0,30 S 1,03 S 0,37 S 1,86 S 0,27

9 9 N/A S 0,21 S -0,30 S -0,98 S 0,30 S -0,45 S -0,26 S 0,22 S -0,23 N/A S -0,68

10 9 N/A S -1,48 S 0,37 S -0,43 S -0,68 S -0,59 S -0,37 S 0,86 S -0,34 N/A S -1,15

11 8 N/A S -2,75 S 0,33 S -0,98 S -1,29 S -2,14 S -0,47 S 1,71 N -0,09 N/A S -3,81

12 7 N/A S -3,39 N 0,05 S -0,93 S -1,31 S -2,36 S -0,60 S 2,29 N -0,10 N/A S -3,96

13 9 1,20 S 2,08 S -1,05 S -1,86 S 1,95 S 1,02 S 0,46 S -0,28 N -0,09 S -2,54 S 0,65

14 10 0,98 S 1,25 S -0,46 S -1,30 S 1,22 S 2,43 S 0,35 S -0,26 S 0,56 S -1,31 S 0,64

15 10 0,94 S -2,21 S 0,94 S 0,07 S -1,33 S 1,44 S 0,19 S 1,00 S -0,10 S -1,87 S 0,28

16 10 0,98 S -2,84 S 0,91 S 0,08 S -1,36 S 0,97 S 0,24 S 0,90 S 0,25 S 1,91 S 0,34

#

signific.

(S ou P)

∆ méd

/ dp

HHIs sTentr Nprov HHIK LKTavgentr ageavg Pavg VMRP Mavg popcov