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Universidade Estadual de Campinas Instituto de Filosofia e Ciências Humanas Departamento de Ciência Política Cléber da Silva Lopes COMO SE VIGIA OS VIGILANTES: O controle da Polícia Federal sobre a Segurança Privada Dissertação apresentada ao Programa de Pós- Graduação em Ciência Política da Universidade Estadual de Campinas como requisito parcial à obtenção do título de Mestre em Ciência Política Orientador: Prof. Dr. Andrei Koerner Campinas Março de 2007

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Universidade Estadual de Campinas Instituto de Filosofia e Ciências Humanas

Departamento de Ciência Política

Cléber da Silva Lopes

COMO SE VIGIA OS VIGILANTES: O controle da Polícia Federal sobre a Segurança Privada

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Ciência Política da Universidade Estadual de Campinas como requisito parcial à obtenção do título de Mestre em Ciência Política

Orientador: Prof. Dr. Andrei Koerner

Campinas Março de 2007

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FICHA CATALOGRÁFICA ELABORADA PELA

BIBLIOTECA DO IFCH – UNICAMP

Título em inglês: “Watching the watchers : Federal Police control about

private security”

Palavras-chave em inglês (Keywords):

Área de concentração: Estado, processos políticos e organização de interesses Titulação: Mestre em Ciência Política Banca examinadora: Prof. Dr. Andrei Koerner (Orientador) Prof. Dr. Luís Antônio Francisco de Souza Prof. Dr. Bruno Wilhelm Speck Prof. Dr. Fernando Salla Prof. Dr. Álvaro Gabriel Bianchi Mendez

Data da defesa: 25-04-2007 Programa de Pós-Graduação em Ciência Política

Private security services State, The - Control Civil rights Policemen - Brasil

Lopes, Cleber da Silva

L881c Como se vigia os vigilantes : o controle da Polícia Federal

sobre a segurança privada / Cleber da Silva Lopes. - -

Campinas, SP: [s.n.], 2007.

Orientador: Andrei Koerner. Dissertação (mestrado) - Universidade Estadual de

Campinas, Instituto de Filosofia e Ciências Humanas.

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Banca Examinadora

Prof. Dr. Andrei Koerner Orientador - UNICAMP

Prof. Dr. Luís Antônio Francisco de Souza Titular – UNESP/Marília

Prof. Dr. Bruno Wilhelm Speck Titular - UNICAMP

Prof. Dr. Fernando Salla Suplente - USP

Prof. Dr. Alvaro Gabriel Bianchi Mendez Suplente - UNICAMP

Campinas, _____de_________________ de 2007

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Aos meus pais, Gentil e Mercedes, em retribuição aos sacrifícios feitos em nome de meus estudos

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Agradecimentos

Agradeço ao meu orientador, professor Andrei Koerner, que incentivou até o final a proposta de

realizar uma pequena pesquisa na agência estatal que faz o controle da segurança privada no

Brasil. A autonomia intelectual que me foi dada para a realização deste trabalho foi fundamental.

Se por vezes ela gerou angústias diante de problemas sociológicos recentes e polêmicos, por

outro lado ela foi decisiva para meu amadurecimento intelectual. Além da orientação acadêmica,

sou grato às palavras de conforto nos momentos delicados dessa trajetória, como também sou

grato à atenção dispensada na reta final deste trabalho.

Agradeço ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), que

financiou meus estudos por dois anos, permitindo que me dedicasse integralmente à realização do

trabalho. Sem este suporte financeiro o trabalho teria outra natureza. Agradeço também ao

programa de Pós-Graduação em Ciência Política da Unicamp, na pessoa do professor Armando

Boito Jr., pelo auxílio financeiro necessário à realização da pesquisa empírica, e pela

flexibilização de alguns prazos, dois fatores que permitiram a devida finalização do trabalho.

Agradeço ao professor Luís Antônio, cujos comentários feitos durante minha qualificação

ajudaram a melhorar (espero) este trabalho. Infelizmente não foi possível incorporar todas as

sugestões. Combinar pesquisa empírica e discussão teórica rigorosa sobre um tema marcado por

acirradas polêmicas é uma tarefa difícil de ser cumprida ao longo de dois anos. Agradeço também

ao professor Valeriano Mendes Ferreira, que me ajudou a ver o trabalho com mais clareza.

Também sou muito grato a todos os empresários e trabalhadores membros da CCASP que se

dispuseram a responder meus questionamentos e que me ensinaram um pouco sobre o complexo

universo da segurança privada, extirpando alguns preconceitos que carregava. Também sou grato

a todos os servidores da Polícia Federal com quem conversei ou mantive contato - delegados,

agentes, escrivões e funcionários administrativos. Sou especialmente grato ao Dr. Adelar, que

não apenas abriu as portas da Coordenação-Geral de Controle de Segurança Privada e manteve

comigo um diálogo franco e rico, mostrando espírito republicano e provando que a aproximação

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entre academia e as organizações policiais é possível, como também ofereceu o conforto de seu

lar e muitas outras facilidades para que minha viajem à Brasília fosse possível. Na Coordenação

também sou grato ao Dr. Guilherme e ao Dr. Licínio pela cordialidade e franqueza com que me

trataram. Pela mesma razão agradeço à Dra. Fátima e ao Edimar, da DELESP-MG. Também

manifesto minha gratidão à Priscylla Stern, da Superintendência Regional do Departamento de

Polícia Federal de Goiás, que num momento difícil da pesquisa se dispôs prontamente a

colaborar.

Durante a realização do trabalho encontrei colaboradores e interlocutores que contribuíram para o

seu enriquecimento. Meus agradecimentos a Mariana Mei, com quem mantive um diálogo

instigante que ajudou no desenvolvimento de parte desta dissertação. André Zanetic, tenente

Oswaldo e Túlio Kahn, da Coordenação de Análise e Planejamento da Secretaria de Segurança

Pública de São Paulo (CAP-SSP/SP), também colaboraram ao fornecerem dados preciosos para

fundamentar argumentos contidos neste trabalho. Também sou grato a Fer Bandini e Dida pela

acolhida quando das minhas viagens a São Paulo, e a Vitor e Fernanda por terem facilitado um

contato em Salvador e pela hospitalidade baiana. Agradeço ainda a Thiago Gregório pelo auxílio

na tabulação dos dados.

Além destas pessoas, que de alguma forma contribuíram diretamente para a realização deste

trabalho, outras o fizeram indiretamente e de maneira igualmente importante. Agradeço aos meus

pais, Mercedes e Gentil, a quem dedico esta dissertação, e minha irmã, Francis, com quem

partilho uma trajetória comum que nos trouxe à mesma universidade e que é resultado do

investimento realizado em nossa educação.

Por fim, agradeço aos amigos que fiz em Campinas e que me proporcionaram tantos momentos

divertidos ao longo destes dois anos: Vitor, Mari, Liza (coletivo), João, Ju e Uallace. Valeu!

Estimo muito a amizade de vocês.

Campinas, 28 de março de 2007

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SUMÁRIO

ÍNDICE DE TABELAS, QUADROS, GRÁFICOS E ILUSTRAÇÃO .....................................VIII

LISTA DE SIGLAS E ABREVIATURAS .....................................................................................X

RESUMO / ABSTRACT .............................................................................................................. XI

INTRODUÇÃO..............................................................................................................................13

1 ABORDAGENS TEÓRICAS SOBRE O CONTROLE DA SEGURANÇA PRIVADA ..........21

1.1 Abordagens Analíticas: A Multiplicidade de Controles da Polícia Privada........................ 22 1.2 Abordagens Propositivas: O Estado como Fonte Principal do Controle da Polícia Privada40 1.3 A Importância do Controle Estatal ...................................................................................... 48

2 SEGURANÇA PRIVADA E POLICIAMENTO PRIVADO INFORMAL NO BRASIL.........53

2.1 A Segurança Privada ........................................................................................................... 56 2.2 O Universo do Policiamento Privado Informal ................................................................... 76

3 ESTRUTURA NORMATIVA E INSTITUCIONAL PARA O CONTROLE DA

SEGURANÇA PRIVADA NO BRASIL...................................................................................... 97

3.1 Histórico e Características ................................................................................................. 100 3.2 Atores e Interesses na Vigência da Atual Estrutura Normativa e Institucional................. 108

4 O CONTROLE DA POLÍCIA FEDERAL SOBRE A SEGURANÇA PRIVADA .................123

4.1 Dispositivos Legais............................................................................................................ 125 4.2 Instrumentos de Incentivo ao Controle Interno e Externo................................................. 152 4.3 Política de Fiscalização ..................................................................................................... 160

CONCLUSÃO..............................................................................................................................181

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS .........................................................................................189

FONTES CONSULTADAS.........................................................................................................195

ANEXOS......................................................................................................................................199

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ÍNDICE DE TABELAS, QUADROS, GRÁFICOS E ILUSTRAÇÃO

TABELAS

Tabela 1: Vigilantes e Empresas de Segurança Privada Cadastradas no DPF .............................. 58 Tabela 2: Número de Empresas de Segurança Privada (especializadas e orgânicas) e Vigilantes

no Brasil (2003-2004)............................................................................................................ 60 Tabela 3: Policiais e Vigilantes por Habitante (2003-2004) ......................................................... 62 Tabela 4: Formação dos Executivos das Empresas de Vigilância ........................................ 82 Tabela 5: Grupos de Natureza das Ocorrências............................................................................. 86 Tabela 6: Naturezas Principais das Ocorrências............................................................................ 86 Tabela 7: Ocorrências por dia da semana Tabela 8: Ocorrências por período do dia....... 87 Tabela 9: Nível de escolaridade dos vigilantes no Brasil ( 2001 – 2003)* ................................. 127 Tabela 10: Nível de escolaridade das principais forças de segurança pública do país................ 128 Tabela 11: Taxa de abertura, taxa de cancelamento e total de empresas autorizadas no Brasil -

2002 e 2004 (%) .................................................................................................................. 131 Tabela 12: Alterações introduzidas na grade curricular dos cursos para Vigilantes ................... 136 Tabela 13: Infrações por tipo e por segmento em 2004 (em %).................................................. 164 QUADROS

Quadro 1: Tipologia das Formas de Policiamento ........................................................................ 31 Quadro 2: Fontes de Responsabilização da Polícia Privada.......................................................... 32 Quadro 3: Policiais Militares Vítimas de Homicídios nos estados do Rio de Janeiro e São Paulo

(1995-2001) ........................................................................................................................... 89 Quadro 4: Marco regulatório da segurança privada ...................................................................... 98 Quadro 5: Exigências para que empresas e vigilantes exerçam atividades de segurança privada

............................................................................................................................................. 125 Quadro 6: Armas permitidas por atividade ................................................................................. 142 Quadro 7: Fluxograma do processo administrativo punitivo da segurança privada ................... 160 GRÁFICO

Gráfico 1: Efetivo das Forças de Segurança Pública e da Segurança Privada no Brasil (2003-2004)...................................................................................................................................... 61

Gráfico 2: Tamanho das Empresas de Segurança Privada e Concentração do Setor no Brasil (2005) .................................................................................................................................... 63

Gráfico 3: Distribuição do Orçamento de Segurança de Grandes Corporações no Brasil (2003) 74 Gráfico 4: Principais Contratantes dos Serviços de Vigilância (2005) ......................................... 75

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Gráfico 5: Distribuição das ocorrências de acordo com a profissão declarada pelos indiciados .. 85 Gráfico 6: Arrecadação da CGCSP dos últimos 5 anos. ............................................................. 117 Gráfico 7: Distribuição da Segurança Privada e das Penalidades por Estados (2004-2005) ...... 162 Gráfico 8: Penalidades por tipo de empresa (2002-2006) ........................................................... 163 Gráfico 9: Penalidades e arquivamentos (2002 - 2006) .............................................................. 166 Gráfico 10: Encerramento de empresas clandestinas de segurança privada (2000–2006).......... 173 ILUSTRAÇÃO Ilustração 1: Uniforme típico dos vigilantes ............................................................................... 150

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LISTA DE SIGLAS E ABREVIATURAS

ABCFAV – Associação Brasileira dos Cursos de Formação e Aperfeiçoamento dos Vigilantes;

ABREVIS – Associação Brasileira de Empresas de Vigilância e Segurança;

ABSO – Associação Brasileira de Profissionais de Segurança Orgânica;

ABTV – Associação das Empresas de Transporte de Valores;

CCASP – Comissão Consultiva para Assuntos de Segurança Privada;

CGCSP – Coordenação-Geral de Controle de Segurança Privada;

CNB – Confederação Nacional dos Bancários;

CNTV-PS – Confederação Nacional dos Vigilantes e Prestadores de Serviços;

CV – Comissão de Vistoria;

DELESP – Delegacia de Controle de Segurança Privada;

DIREX – Diretoria Executiva;

DPF – Departamento de Polícia Federal ou Delegacia de Polícia Federal;

FEBRABAN – Federação Brasileira dos Bancos;

FENAVIST – Federação Nacional dos Sindicatos das Empresas de Vigilância e Transporte de

Valores;

FTRAVEST – Federação Nacional dos Empregados em Empresas de Vigilância, Transporte de

Valores e Similares;

IRB – Instituto Resseguros do Brasil;

GESP – Gestão Eletrônica da Segurança Privada;

PNSP – Plano Nacional de Segurança Pública;

SINDVALORES – Sindicato dos Empregados no Transporte de Valores e Similares do Distrito

Federal;

SISVIP – Sistema Nacional de Vigilância Privada;

SR - Superintendência Regional de Polícia Federal;

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RESUMO / ABSTRACT

A emergência da segurança privada e de organizações e agentes particulares que provêem policiamento de maneira informal colocaram novos problemas para a efetivação dos direitos civis na sociedade brasileira. O trabalho analisa o controle estatal sobre a segurança privada exercido pela Polícia Federal no período 1996-2006. Constata que nos últimos quatro anos ocorreram melhoras nos instrumentos legais que visam assegurar policiamento privado responsável publicamente, mas persistem regras deficientes e mecanismos frágeis para incentivar o controle interno e o controle externo da segurança privada. Verifica também melhoras na capacidade fiscalizadora da Polícia Federal sobre o universo legal da segurança privada, mas permanece baixa e limitada a sua capacidade para fiscalizar o universo informal dos provedores particulares de policiamento.

Palavras-Chaves: Segurança privada; policiamento privado; direitos civis; controle estatal; Polícia Federal.

The private security emergency and of organizations and private agents that provide policing in an informal way they put new problems for the effectives of the civil rights in the Brazilian society. The work analyzes the state control on the private security exercised by the Federal Police in the period 1996-2006. The study verifies that in the last four years they happened improvements in the legal instruments that they seek to assure responsible policing openly, but they persist deficient rules and fragile mechanisms to motivate the internal control and the private security external control. It also verifies improvements in the capacity supervise of the Federal Police on the private security legal universe, but it stays low and limited his capacity to supervise the providers' peculiar of policing informal universe.

Key Words: private security; private policing; civil rights; state control; Federal Police.

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Sed quis custodiet ipsos custodes?

Juvenal, Satirae 6.347

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INTRODUÇÃO

A pergunta “Mas quem vigiará os vigias?” do satirista romano Juvenal sintetiza o dilema político

relacionado às organizações e agentes que, em sociedades democráticas, exercem “policiamento”,

entendido como a atividade que visa manter a segurança de uma ordem social particular ou da

ordem social geral através da vigilância e ameaça de sanção (Reiner, 2004; Shearing, 1992; e

Bayley e Shearing, 1996 e 2002). Os agentes de policiamento estão autorizados a distribuírem

sanções (especialmente força física) para protegerem direitos civis, mas nessa distribuição de

sanções direitos civis podem ser violados. Uma solução do dilema consiste no maior controle

sobre as organizações e agentes que exercem policiamento, de modo a reduzir ou anular o

potencial de ameaça aos direitos civis implicado no trabalho policial. O dilema é de grande

atualidade na sociedade brasileira, cujas organizações policiais têm se notabilizado

historicamente pelo elevado grau de autonomia e arbitrariedade com que atuam (Pinheiro, 1979,

1990 e 2001). O crescimento do “policiamento privado”, executado pela “segurança privada” e

por organizações e agentes informais, ocorrido na sociedade brasileira nas últimas décadas, deu

novo significado ao dilema político implícito na pergunta de Juvenal. Como controlar a

segurança privada e os demais provedores particulares de policiamento que atuam na

informalidade tornou-se tema relevante para a agenda política e acadêmica brasileira.

Num ensaio seminal publicado no início dos anos 90 Paixão (1991, p. 138) foi um dos primeiros

a apontar o problema que a segurança privada colocava para a democracia brasileira quando

afirmou que “aos dilemas ‘antigos’ de domesticação da polícia e abertura do Judiciário às classes

populares somam-se agora os problemas ‘modernos’ criados pela privatização da segurança”.

Paixão não foi o único a notar o problema. A necessidade de controle público sobre a segurança

privada em vista dos riscos potenciais que esses serviços representam para os direitos civis e para

a ordem democrática foi apontada por quase todos os autores brasileiros que escreveram sobre o

tema (Mathias, 1990; Heringer, 1992; Silva, 1992; Musumeci, 1998; Caldeira, 2003; Cubas, 2002

e Zanetic, 2006).

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Embora o controle das organizações e agentes de policiamento privado seja considerado um

problema central para os direitos civis e para a consolidação da ordem democrática, estudos

sistemáticos sobre o modo como isso é feito ainda não foram realizados no Brasil. Na primeira

safra de trabalhos produzidos no início dos anos 90, o já mencionado ensaio de Paixão sustentou

haver na época um “controle público puramente cerimonial” sobre a segurança privada. A tese foi

posteriormente substanciada por Heringer (1992) num estudo sobre a “Indústria da Segurança

Privada no Rio de Janeiro”, o único da primeira safra a abordar através de pesquisa empírica o

controle estatal da segurança privada. Mais recentemente, num contexto regulatório distinto ao da

primeira metade dos anos 90, Cubas (2002) e Zanetic (2006) produziram dissertações de

mestrado onde o controle público da segurança privada foi abordado. Mas, em nenhum dos dois

trabalhos, o controle foi o objeto privilegiado na análise. Cubas estudou “A expansão das

Empresas de Segurança Privada em São Paulo”, tecendo considerações sobre o controle interno

realizado nas empresas e o controle externo realizado pelo Estado. Zanetic tratou de alguns dos

dispositivos legais de controle da segurança privada dentro da problemática mais ampla da

regulação desses serviços, foco principal de seu estudo.

A presente dissertação traz uma contribuição para essa literatura através de um estudo focado no

modo como o Estado brasileiro controla a segurança privada. Desde 1996 a agência estatal

responsável por vigiar os “vigilantes”1 que proliferaram na sociedade brasileira nas últimas

décadas é a Polícia Federal, que desempenha o papel de agência reguladora, controladora e

fiscalizadora da segurança privada em todo o país. O trabalho investiga o modo como a Polícia

Federal desempenha esses papéis com vistas a garantir a prestação de serviços de segurança

privada em conformidade às expectativas e regras públicas, e não apenas segundo os interesses

dos que contratam ou organizam seu próprio policiamento. O objetivo é conhecer como o Estado

brasileiro, através da Polícia Federal, controla a segurança privada. A partir da discussão

bibliográfica, e da consideração de problemas específicos do universo do policiamento privado

no Brasil, são analisados os instrumentos legais disponíveis à Polícia Federal para a

responsabilização da segurança privada, os mecanismos que incentivam outras formas de

controle que não o estatal, e a política de fiscalização implementada pelo órgão. A análise

compreende o período 1996-2006, mas concentra-se nos últimos quatro anos porque este é o

1 Vigilante é o termo que juridicamente designa os profissionais de segurança privada no Brasil.

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período com maior número de informações disponíveis e de maior inovação na política de

controle.

Para a consecução desse objetivo, além de pesquisa bibliográfica na literatura nacional e

internacional e levantamento de dados para caracterizar o universo do policiamento privado no

Brasil, foi realizada pesquisa documental em fontes primárias e secundárias e dezenove

entrevistas semi-estruturadas com os atores diretamente envolvidos no controle da segurança

privada. A pesquisa documental concentrou-se nos documentos legais referentes à segurança

privada (leis, decretos, portarias, pareceres, jurisprudências, decisões de tribunais, etc),

documentos e relatórios coletados junto à Polícia Federal e entidades representativas do setor de

segurança privada, publicações especializadas em segurança privada, e Atas das reuniões da

Comissão Consultiva para Assuntos de Segurança Privada (CCASP) - órgão colegiado composto

pelo setor de segurança privada e agências públicas diretamente envolvidas na regulação e

controle da atividade. As entrevistas foram realizadas entre novembro de 2006 e janeiro de 2007

com doze policiais federais em todos os níveis da estrutura institucional responsável pelo controle

da segurança privada, e também com quatro trabalhadores e três empresários membros da

CCASP. Além de pesquisa documental e entrevistas, também foi realizada observação nas rotinas

de trabalho de uma reunião da CCASP, numa Delegacia de Controle de Segurança Privada

(DELESP) e na Coordenação Geral de Controle de Segurança Privada (CGCSP), órgão central

sediado em Brasília e responsável pela formulação e coordenação da política de controle da

segurança privada em todo o país.

A segurança privada tal como definida na legislação brasileira compreende as empresas

especializadas autorizadas pelo Estado a prestarem serviços de “vigilância parimonial”,

“transporte de valores”, “escolta armada” e “segurança pessoal privada”. Compreende também os

“cursos de formaçao”, empresas autorizadas a formar e qualificar os profissionais de segurança

privada, e a chamada “segurança orgância”, empresas e instituições autorizadas pelo Estado a

empregar pessoal de quadro funcional próprio em atividades de vigilância patrimonial e

transporte de valores. Grosso modo, esses segmentos correspondem àqueles que as legislações de

diversos países e a literatura sociológica tratam pelo termo “segurança privada”. Grosso modo

porque as leis de alguns países incluem na definição serviços de investigação particular e de

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segurança eletrônica (produção, distribuição e comercialização de equipamentos eletrônicos de

proteção)2. No Brasil, estes serviços não fazem parte do universo legal da segurança privada,

portanto estão fora da jurisdição de controle da Polícia Federal.

Por outro lado, a realidade brasileira comporta uma variedade de serviços protetores executados

informalmente (sem autorização do Estado) e que extrapolam a definição de segurança privada,

tornando problemática a delimitação da jurisdição de controle da Polícia Federal e a identificação

dos alvos de suas atividades de fiscalização. Descobrir quais serviços informais de proteção física

e patrimonial são fiscalizados pela Polícia Federal e, principalmente, como são fiscalizados é uma

das preocupações do trabalho. Para isso emprega-se a categoria “policiamento privado” (ou

provedores particulares de policiamento, ou ainda agentes e organizações de policiamento

privado), que é mais ampla e rigorosa do que a categoria jurídica ou sociológica de “segurança

privada”. A categoria policiamento privado foi inicialmente utilizada para indicar as atividades

desempenhadas pela segurança privada - atividades caracterizadas pela tentativa de manter a

segurança de uma ordem particular por meio de vigilância e ameaça de sanção (Shearing, [1992]

2003) -, mas com a emergência e descoberta de novos atores envolvidos na promoção de

segurança a categoria adquiriu dimensões mais amplas. Hoje ela designa todas as atividades

realizadas por agentes não-estatais (ou que agem na condição de agentes não-estatais) com o

objetivo explícito de garantir a segurança de uma ordem social particular através de vigilância e

ameaça de sanção, o que inclui desde as atividades de profissionais de segurança privada, até as

atividades executadas por pessoas ou grupo de pessoas que vendem proteção informalmente,

dentre inúmeras outras3 (Bayley e Shearing, 1996 e 2002; Kempa, Carrier, Wood e Shearing,

1999; Kempa, Stenning e Wood, 2004; e Reiner, 2004).

2 Enquanto categoria sociológica o termo segurança privada foi empregada por Shearing e Stenning (1981) para se

referir às empresas formalmente constituídas que vendem serviços de vigilância ou equipamentos de prevenção no mercado (a chamada indústria da segurança), e às empresas e organizações das mais variadas que organizam divisões internas para promoverem sua própria segurança (segurança orgânica ou private security in-house).

3 A categoria é parte de uma formulação que nega a identificação do “policiamento” com as instituições de polícia estatal. Esta identificação prevaleceu nos anos 50 e 60 e foi partilhada por pesquisadores de orientação liberal e marxista (Shearing, 2003, p. 436). O policiamento, entendido como a atividade que se dedica explicitamente a promover a segurança de uma ordem social particular ou geral através de vigilância e ameaça de sanção, pode ser provido tanto pelos governos quanto por atores não-governamentais. Nessa formulação, o policiamento não se resume ao policiamento estatal, mas também não inclui todas as atividades de pessoas ou instituições que indiretamente contribuem para a promoção de segurança e manutenção da ordem. Policiamento não é sinônimo de “controle social”. Sociedades criam ordem e conseqüentemente esperam obter segurança através de processos de socialização e disciplina informal que envolve uma variedade de instituições e pessoas – cônjuges, pais, vizinhos,

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Cumpre esclarecer que parte da literatura internacional tem utilizado o termo “polícia privada”

para se referir às organizações formais distintas do Estado que executam policiamento. O termo

aparece neste trabalho sempre que a literatura que o empregou é citada, especialmente no

primeiro capítulo. Contudo, ele não é utilizado para se referir às organizações formais de

policiamento privado existentes no Brasil, que são designadas pela categoria “segurança

privada”. Esta categoria parece ser a mais apropriada. Do mesmo modo que “segurança privada”

diz respeito a tipos específicos de organizações não-estatais que executam policiamento através

de contrato (empresas de segurança privada especializadas) ou para seu próprio consumo

(empresas com segurança privada orgânica), a categoria “polícia” se refere a tipos específicos de

organizações estatais que provêem policiamento público dentro dos limites territoriais de um

Estado. Mantém-se assim a definição usual e amplamente reconhecida de polícia como um tipo

particular de instituição estatal composta por profissionais que possuem uma autorização genérica

e a especialização necessária para empregar força física com o objetivo de manter a segurança e a

ordem pública no interior dos Estados territoriais4.

As distinções e categorias utilizadas neste trabalho são passíveis de discussão. Todavia, o mais

importante é o fato de os agentes não-estatais (ou que agem enquanto tal) designados pelas

categorias apontados acima estarem envolvidos na produção de segurança de uma ordem

determinada se valendo de vigilância e ameaça de sanção. Como esses agentes são passíveis de

igrejas, escolas, empregadores, sindicatos, porteiros e muitas outras figuras com alguma autoridade latente. Ocorre que essas pessoas e instituições não se dedicam explicitamente à promoção de segurança através de vigilância e ameaça de sanção, por isso suas atividades não podem ser consideradas policiais. A noção de policiamento diz respeito apenas às tentativas intencionais para promover a segurança na sociedade por meio de vigilância e ameaça de sanção. Nesse sentido, o policiamento é apenas um aspecto mais geral da noção de “controle social” (Bayley e Shearing, 2003, p. 2; e Reiner, 2004, p. 19-24).

4 A definição de polícia é objeto de um intenso e permanente debate acadêmico. Autores como Bayley propuseram uma definição ampla, que contempla organizações públicas e privadas, especializadas e não-especializadas, profissionais e não-profissionais. Outros como Monjardet (2003) e Monet (2001) propuseram definições mais restritas. O primeiro definiu a polícia como a “força pública” especializada que expressa e cristaliza as reivindicações permanentes das comunidades políticas - não apenas da comunidade estatal - em deter em seu território o monopólio do uso legítimo da força. Nessa mesma linha, Monet define a polícia como: 1) um tipo de ação coletiva organizada cujo recurso essencial é a força; 2) um tipo particular de organização estatal burocrática que se inspira na pirâmide das organizações militares e no recorte funcional das administrações públicas; e 3) um tipo de instituição singular em razão da posição central que ocupa no funcionamento de uma comunidade política. Amplas ou restritivas, essas definições são tributárias das formulações de Bittner, que caracterizou a polícia “como um mecanismo de distribuição da força coercitiva não negociável empregada de acordo com os preceitos de uma compreensão intuitiva das exigências da situação” (Bittner, 2003, p. 138). Na definição de polícia este trabalho alinha-se com as definições de Monjardet e Monet.

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cometerem “desvios de conduta”5 ou falhas que podem ter conseqüências sobre os direitos e

liberdades civis dos cidadãos, espera-se deles comportamentos adequados. Os mecanismos e

ações que visam produzir essa adequação são chamados “controle”. Este pode ser entendido de

dois modos: controle sobre os procedimentos das organizações, no caso empresas de segurança

privada; e controle sobre a conduta dos agentes que fazem policiamento. O primeiro tipo de

controle é designado por aquilo que os países de língua inglesa chamam por accountability.

Traduzido para o idioma português como “responsabilização”, o termo tem, na realidade, um

significado mais amplo. Accountability significa um misto de “prestação de contas” com

“responsabilidade”. Provedores de policiamento accountable (responsáveis) são provedores que

prestam contas de seus atos ao mesmo tempo em que são responsáveis por eventuais abusos ou

irregularidades cometidas. Embora a distinção entre controle e responsabilização seja possível,

ela é pouco relevante porque ambos os tipos de controle são interdependentes e complementares.

Como notou Bayley, “[a] ação institucional se manifesta no modo como seus membros agem; o

controle das instituições não existe se o comportamento de seus membros não é afetado. A

responsabilização implica controle, e controle gera responsabilização” (Bayley, 2001, p. 174-5).

Sendo assim, os termos “controle” e “responsabilização” (com o duplo sentido de accountability)

são utilizados alternada e indistintamente ao longo do trabalho para se referir aos procedimentos

e ações que visam produzir adequação das empresas e agentes de segurança privada aos anseios e

regras públicas que asseguram os direitos de cidadania.

O trabalho está divido em quatro capítulos e conclusão. O primeiro capítulo revisa textos da

literatura internacional que trataram do tema do controle da segurança privada. Ao invés de uma

revisão restrita à problemática do controle estatal, optou-se por uma revisão ampla sobre os

diversos tipos de controle aplicáveis à segurança privada. A opção é justificada pelo fato de um

dos papéis importantes reservados ao controle estatal é o de poder incentivar e facilitar a atuação

de outras formas de controle. A revisão da literatura é então realizada com o objetivo de

identificar as diversas formas de controle aplicáveis à segurança privada, quais são as mais

5 A idéia de “desvios de conduta” nas atividades de policiamento privado tem sentido análogo ao empregado para as

atividades de policiamento público. Trata-se de qualquer transgressão do comportamento formalmente esperado do agente de policiamento privado, o que inclui desde a qualidade do atendimento prestado à população até a prática de crimes comuns, passando pelo abuso de força ou de autoridade e por faltas disciplinares previstas nas normas que regulam a segurança privada no Brasil (para a definição de desvios de conduta nas forças policiais ver Lemgruber, Musumeci e Cano, 2003, p. 74).

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efetivas, e qual papel cabe ao Estado em meio às várias modalidades de controle, especialmente

em contextos como o brasileiro. Com isso definem-se os parâmetros para orientar a análise

realizada posteriormente sobre o controle da segurança privada exercido pelo Estado brasileiro

por meio da Polícia Federal.

O segundo capítulo avalia o crescimento, as dimensões e as características do policiamento

privado formal (segurança privada) e informal no Brasil, bem como as ameaças que essa

modalidade de policiamento representa para a efetivação dos direitos civis. Optou-se por uma

análise mais abrangente a partir do conceito de policiamento privado. Ao proceder deste modo

pretende-se não apenas apontar a necessidade, as dificuldades e desafios colocados para o

controle da segurança privada no Brasil, mas também os limites do controle estatal exercido pela

Polícia Federal face ao universo mais amplo do policiamento privado existente na sociedade

brasileira. Em outras palavras, a opção por uma análise abrangente tem a intenção de mostrar, ao

final, que o controle realizado pelo Estado, através da Polícia Federal, visa apenas uma parte do

universo compreendido pelos provedores particulares de policiamento que emergiram na

sociedade brasileira nas últimas décadas: a segurança privada legal e aquilo que a Polícia Federal

entende como “segurança privada clandestina”.

Os dois últimos capítulos analisam o modo como a segurança privada é controlada no Brasil. No

terceiro capítulo a análise situa-se num plano mais geral, dedicando-se a historicizar, descrever e

caracterizar a estrutura normativa e institucional que regula e controla a segurança privada no

país, bem como identificar os interesses dos principais atores envolvidos com esta estrutura. Após

um breve histórico do modo como essa estrutura evoluiu no Brasil, são apontadas suas principais

características levando-se em conta três aspectos: a extensão da regulação, quem conduz a

regulação e o controle da segurança privada, e como se organiza a estrutura de controle no

interior da unidade federativa. Na seqüência é identificado os interesses dos principais atores

envolvidos no processo de regulação e controle da segurança privada - órgão

regulador/controlador e setor regulado/controlado - em relação às características da estrutura

normativa e institucional para o controle da segurança privada observadas anteriormente.

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A quarta e última parte analisa os instrumentos legais disponíveis à Polícia Federal para a

responsabilização das empresas e agentes de segurança privada, os mecanismos de incentivo ao

controle interno e controle externo não-estatal (principalmente o controle pelos clientes e pelas

associações de classe), e a fiscalização sobre a segurança privada legal e sobre os provedores

particulares de policiamento que atuam na informalidade. A partir da discussão realizada no

primeiro capítulo e tendo como referência o modo como o controle estatal é realizado em outros

países, esta parte é desenvolvida com o objetivo de responder a três conjuntos de questões: 1)

quais os mecanismos de responsabilização previstos no marco legal da segurança privada e de

que modo eles são regulados pela Polícia Federal; 2) de que modo o marco legal e a Polícia

Federal constrangem ou estimulam as empresas de segurança privada, os tomadores de serviços

(clientes) e as entidades de classe a controlarem os provedores de serviços de segurança privada;

e 3) como e em que condições a Polícia Federal fiscaliza a segurança privada e as organizações e

agentes particulares que provêem policiamento de maneira informal na sociedade brasileira.

Por fim, é apresentada uma síntese com as conclusões preliminares do trabalho, seguida de uma

pequena agenda de pesquisa referente ao tema segurança privada/policiamento privado.

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1 ABORDAGENS TEÓRICAS SOBRE O CONTROLE DA SEGURANÇA

PRIVADA

A problemática do controle da segurança privada está presente na literatura acadêmica,

especialmente a de língua inglesa, desde que os primeiros textos e pesquisas sobre segurança

privada foram produzidos nos anos 70. Contudo, foi apenas recentemente que o assunto começou

a receber atenção mais cuidadosa. A valorização do tema se deve em grande medida ao

reconhecimento de que o potencial de ameaça às liberdades civis representado pelo policiamento

privado tem se tornado cada vez mais semelhante ao da polícia, que dispõe de mecanismos

variados e conhecidos para limitar esta ameaça. As seguintes questões têm pautado esse debate:

quais os tipos de controle existentes para que o policiamento privado seja exercido em

conformidade às expectativas públicas geradas por serviços que podem vitimar pessoas e colocar

em suspensão os direitos e liberdades dos cidadãos? Como os provedores particulares de

policiamento prestam contas de seus atos e são responsabilizados pelas práticas ilegais ou

inadequadas de seus agentes? Qual a efetividade dos mecanismos de responsabilização aplicáveis

aos provedores particulares de policiamento? Este capítulo procura explorar essas questões a

partir do debate presente na literatura internacional sobre policiamento privado. O objetivo é

identificar quais tipos de controle são aplicáveis à segurança privada, quais são os mais efetivos

e, principalmente, qual o papel e a importância do controle estatal

Embora a problemática do controle dos provedores particulares de policiamento tenha adquirido

evidência nos últimos anos, ela ainda permanece como uma das mais negligenciadas dentro da

literatura sobre policiamento privado. Os trabalhos focados são relativamente recentes e

desinformados de dados. Linhas teóricas ainda não estão claramente delineadas. Mas é possível

identificar dois conjuntos de abordagens. Embora tenham o mesmo ponto de partida, qual seja, a

necessidade de obter um policiamento adequadas às regras e desejos da coletividade, essas

abordagens divergem entre si em dois pontos: 1) na maneira como encaminham a discussão, em

que se distinguem uma perspectiva mais analítica e outra mais propositiva; e 2) na ênfase dada

aos mecanismos de controle da segurança privada, na qual uma abordagem destaca a importância

de vários mecanismos de controle e a outra enfatiza o controle estatal.

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A primeira seção trata dos pontos de vista mais analíticos, principalmente os trabalhos de

Stenning (2000 e 2006), enriquecidos pelos estudos de caso conduzidos pelo Vera Institute of

Justice (2000). A segunda seção aborda as perspectivas mais propositivas, com destaque para as

reflexões de Bayley e Shearing (2001) e Burbidge (2005). Na terceira seção são feitas

observações relativas ao papel do Estado no controle público da segurança privada com o

objetivo de orientar a análise realizada no último capítulo.

Um ponto característico da discussão encontrada na literatura explorada abaixo diz respeito ao

uso do termo “polícia privada” para se referir às organizações formais não-estatais que executam

policiamento. O termo tem sido utilizado especialmente para comparar segurança privada e

polícia pública. Embora o presente trabalho dê preferência à categoria “segurança privada”,

optou-se por preservar, neste capítulo, o termo “polícia privada” tal como utilizado por essa

literatura.

1.1 Abordagens Analíticas: A Multiplicidade de Controles da Polícia Privada

Nas décadas de 70 e 80, quando o fenômeno do policiamento privado começava a despertar a

atenção de alguns estudiosos na América do Norte, a contraposição entre polícia pública e

privada guiou as pesquisas e as considerações a respeito do tema da responsabilização. A visão

predominante era a de autores como Scott e McPherson (1971), que apontavam para o fato de que

a polícia privada poderia infringir impunemente as liberdades civis porque não era responsável.

Esse ponto de vista tinha como referência, explícita ou implícita, os mecanismos de

responsabilização das polícias públicas, que foram construídos para operarem através de

processos políticos, do sistema judiciário e do sistema administrativo do Estado, com o objetivo

de assegurar neutralidade política e contenção do uso da força nos limites da lei. As lutas

democráticas e a necessidade de equilíbrio na polaridade estratégica entre autonomia e controle

político das polícias públicas também levaram ao desenvolvimento de mecanismos pelos quais a

polícia é diretamente controlada pelos cidadãos: ouvidorias, conselhos de revisão de queixas,

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comissões especiais, ombudsman, etc6. Em função do caráter não-estatal das organizações de

policiamento privado, os autores das décadas de 70 e 80 observavam que a maioria desses

mecanismos era inoperante para a polícia privada. Assim, ao adotarem os modelos de

responsabilização da polícia pública para pensar a responsabilização da polícia privada, os

analistas inevitavelmente concluíam que a primeira era altamente controlada ao passo que a

segunda era pouco controlada porque não podia dispor dos mesmos mecanismos que as polícias

públicas para conter o uso abusivo ou irresponsável da força.

1.1.1 A perspectiva de Stenning

Mais recentemente uma concepção mais elaborada sobre a responsabilização da polícia privada

surgiu e vem ganhando terreno. Stenning (2000 e 2006) é um dos principais formuladores dessa

nova perspectiva, que considera a visão anterior falha por não entender adequadamente os

fundamentos da responsabilização da polícia pública e privada. Segundo Stenning, o fato de as

organizações e agentes policiais privados não serem controlados através dos mesmos processos

políticos e administrativos válidos para a polícia pública não quer dizer que a polícia privada seja

menos responsável do que sua contraparte pública. Para o autor, aqueles que concluíram nesta

direção se equivocaram em dois pontos.

Em primeiro lugar, atribuíram importância em demasia à responsabilização da polícia pública,

pois privilegiaram os modelos teóricos ao invés do funcionamento efetivo dos mecanismos

públicos de responsabilização. As dificuldades para se obter julgamentos ou sentenças

condenatórias contra policiais por atos de abuso ou negligência, os problemas enfrentados pelas

corregedorias e ouvidorias na investigação de queixas, as ambigüidades do processo político e o

segredo notório que caracteriza o trabalho policial são, segundo Stenning, fatores que limitam

fortemente as condições de responsabilização da polícia pública. De fato, esses problemas foram

6 Como colocou Cano (s/d), essa polaridade se deve ao fato de, por um lado, toda instituição policial almejar livrar-

se de interferências políticas para que possa servir aos interesses da sociedade, e não a grupos políticos. Por outro lado, um cenário de autonomia policial ampla demais, no qual o governo não consegue controlar a polícia, abre a possibilidade de esta buscar seus interesses corporativos por cima do interesse público. Desse modo, a polícia deve estar submetida ao controle dos governos, mas, ao mesmo tempo, deve ter a capacidade de resistir a pressões para não se tornar instrumento de grupos políticos. Este equilíbrio só pode ser alcançado com êxito através da participação ativa da sociedade, que deve controlar tanto o governo quanto a polícia.

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documentados em diversas partes do mundo e estão presentes de maneira dramática em países de

passado autoritário como o Brasil, onde os elevados índices de violência policial (ver Neto, 1999)

e as pesquisas mais recentes sobre o controle das polícias civis e militares não deixam dúvidas a

respeito da gravidade da situação (ver Lemgruber, Musumeci e Cano, 2003).

Se muitos dos autores que inicialmente contrastaram a polícia pública com a polícia privada

acabaram por exagerar os mecanismos de responsabilização da primeira, em relação à segunda

ocorreu justamente o contrário. Stenning (2000 e 2006) sustenta que a responsabilização da

polícia privada foi subestimada porque mecanismos de controle e responsabilização que não se

aplicam, ou ao menos não do mesmo modo, à polícia pública foram ignorados pela maioria dos

analistas. Para o autor, organizações e agentes policiais privados são responsabilizáveis de

diversas maneiras: através da regulação do Estado ou auto-regulação da indústria, pela Justiça

através de processos criminais ou civis, por demandas trabalhistas, pelos arranjos contratuais e

pressão dos consumidores, e pela competição no mercado. Juntos, esses mecanismos teriam

condições de gerar a adequação do comportamento dos agentes privados às normas e expectativas

da comunidade de maneira tão ou mais efetiva do que os mecanismos aplicáveis às polícias

públicas.

Apesar de a literatura em geral ter dado ênfase à responsabilização da polícia privada pelo Estado

através das leis e agências reguladoras, Stenning argumenta que há razões significativas para

duvidar de sua efetividade relativa em função dos problemas que têm apresentado. Um desses

problemas é a ausência de marcos regulatórios homogêneos entre países e no interior de um

mesmo país (caso dos Estados Unidos, Canadá e Austrália, por exemplo). A variedade de regras,

não raras vezes incompatíveis e contraditórias, dificulta a adaptação das organizações policiais

privadas (muitas vezes grandes empresas multinacionais) que operam em diferentes contextos

reguladores. Para superar essas dificuldades, as grandes corporações têm recorrido ao seu poder

econômico para barganhar vantagens ou fixado base em jurisdições que apresentam regulação

mais branda do que aquela presente no local onde encontram dificuldades para operar, em ambos

os casos em prejuízo da responsabilização estatal. Outro aspecto problemático da regulação é o

fato de ela normalmente não tratar de uma gama variada de atividades policiais privadas ou

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relacionadas, como por exemplo os investigadores privados, consultores de segurança e

provedores e fabricantes de alarmes e equipamentos eletrônicos de segurança.

Outra questão que tem sido criticada por muitos autores é a baixa capacidade do Estado para

fazer cumprir as regras. Segundo Stenning, isso decorre menos da extensão dos regulamentos

(embora esta seja uma das questões) do que dos recursos inadequados, da relativa facilidade com

que as regras podem ser burladas ou de sua debilidade prática, e de ações reguladoras vacilantes

em relação às empresas economicamente poderosas. Assim, ele afirma que “although state

regulation is often suggested in the literature to be the most substantial source of accountability

for private policing, there are substantial reasons to doubt its practical effectiveness in this

regard”7 (Stenning, 2000, p. 340).

As avaliações até agora empreendidas em outros países sobre o controle estatal da polícia privada

parecem confirmar as colocações de Stenning. Na Austrália, por exemplo, Prenzler e Sarre

(1998) observaram que, além da extensão dos licenciamentos variarem significativamente no

país, eles têm uma aplicação limitada. Observaram também que as exigências de treinamento e as

investigações sobre antecedentes criminais dos membros das organizações de policiamento

privado são deficientes e que as agências reguladoras não dispõem de recursos adequados para

inspecionar de maneira proativa se a polícia privada cumpre os contratos e segue os padrões

profissionais. A mesma situação é encontrada nos Estados Unidos, Canadá e na maior parte da

Europa. (Cukier, Quigley e Susla, 2003)8.

A auto-regulação da indústria, que normalmente procura obter objetivos similares aos da

regulação estatal formal, e de modo semelhante, seria uma opção alternativa de controle externo

sobre a policia privada. Esse tipo de regulação existe na Inglaterra, onde está a cargo de

associações profissionais como a British Security Association e a International Professional

Security Association. Mas Stenning destaca que este modelo de controle tem sido objeto de

críticas semelhantes e ainda mais severas do que as anteriores. Pelo seu caráter essencialmente

7 Além dessas questões, Stenning notou também que o papel regulador desempenhado pela polícia pública de

diversos países tem suscitado desconfianças à medida que crescem as discussões a respeito dessas forças estarem efetivamente em competição com as organizações de policiamento privado na provisão de segurança em espaços público e privado.

8 A situação do caso brasileiro será tratada de maneira pormenorizada nos próximos capítulos.

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voluntário, a abrangência da regulação e a percepção pública de efetividade são mais

problemáticas do que a dos países onde a regulação é feita pelo Estado. Como geralmente apenas

as empresas bem situadas no mercado aderem a este tipo de regulação, reclamações de que a

auto-regulação funciona apenas para proteger os interesses econômicos das grandes empresas têm

sido freqüentes (Stenning, 2000, p. 341 e 2006). Não por acaso, o governo Britânico já revelou

suas intenções de introduzir um padrão de regulação estatal formal para a polícia privada.

Embora a regulação pelo Estado ou pela indústria não esteja produzindo os efeitos esperados,

Stenning argumenta que mecanismos jurídicos e próprios ao universo do policiamento privado

compensam com relativo êxito as insuficiências mencionadas. Nesse sentido, o autor considera

que a responsabilização pelo sistema judiciário (criminal e civil), válido também para a polícia

pública, desempenha um papel fundamental para o controle da polícia privada. Organizações e

operações de policiamento privado inevitavelmente estão sujeitas a processos criminais em caso

de violação das leis penais, o que poderia garantir controle. Segundo Stenning, diferentemente do

que ocorre com a polícia pública, autoridades judiciais normalmente são pouco relutantes em

processar o pessoal da polícia privada por infrações criminais relacionadas ao uso excessivo da

força, abuso de poder, violação de privacidade, etc. E esses processos freqüentemente resultam

em condenações. Além disso, os agentes da polícia privada normalmente não podem contar com

a defesa de autoridades públicas em processos criminais, geralmente disponíveis para os oficiais

de polícia 9. Assim, afirma Stenning, é provável que as leis penais sejam uma fonte mais efetiva

de responsabilização para as ações da polícia privada do que são para a polícia pública (Stenning,

2000, p. 341; e 2006).

A responsabilização pelas leis penais na Austrália, no entanto, foi considerada por Prenzler e

Sarre (1998, p. 4) um mecanismo pouco efetivo para inibir comportamentos impróprios. As

pesquisas empreendidas pelos autores naquele país constataram que acusações bem sucedidas

contra o pessoal de segurança privada são raras, em parte por causa das dificuldades de se obter

evidências suficientes para satisfazer os altos padrões de provas exigidos nos processos criminais.

Não há dúvidas de que esta descoberta enfraquece as afirmações de Stenning, mas as conclusões

9 Leis penais também normalmente provêem autoridade para que oficiais da polícia possam usar de grande força

(especialmente letal) quando em trabalho, o que não é permitido para o pessoal de policiamento privado.

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de Prenzler e Sarre também não podem ser generalizadas porque se referem apenas ao caso

australiano.

Stenning (2000 e 2006) também vê nas leis civis uma fonte de responsabilização para a polícia

privada mais efetiva do que para a polícia pública. Segundo o autor, em virtude do seu status de

agente governamental, os oficiais da polícia pública costumam desfrutar de substantiva

imunidade em questões de responsabilidade civil envolvendo falsas apreensões, prisões ilegais,

acusações indevidas, revistas, negligência, etc. O mesmo não ocorre com os agentes policiais

privados. Além disso, policiais públicos processados podem contar com sua própria defesa, algo

mais difícil para agentes policiais privados. Processos civis também são custosos e as

dificuldades para se obter condenações são elevadas, embora haja indícios de que isto esteja

mudando, especialmente nos EUA. Uma das razões para as dificuldades em se obter condenações

é que muitos dos incidentes não são testemunhados, a não ser pelas partes envolvidas, bem como

pelo fato de muitos dos reclamantes serem pessoas de baixo-status, relativamente impotentes. Em

tais circunstâncias, o padrão de ônus da prova permitiria aos acusados o benefício da dúvida.

(Stenning, 2000, p. 342)

Processos civis contra policiais privados, ao contrário, mesmo sendo custosos, são abundantes e

comuns em muitas jurisdições. Segundo Stenning, nos Estados Unidos os tribunais concederam

nos últimos anos indenizações em vários casos envolvendo práticas negligentes de policiais

privados. Essas decisões tiveram uma influência decisiva para a adoção de padrões de

competência e diligências adequados às atividades de policiamento privado. Assim, consciente

dos, e em conformidade com, padrões desenvolvidos em função das ações judiciais movidas por

clientes ou cidadãos prejudicados, as organizações de policiamento consideram hoje esses

padrões essenciais. Por essas vias, sustenta Stenning, processos civis têm a capacidade de

engendrar indireta e diretamente controle sobre as atividades de policiamento privado. (Stenning,

2000, p. 343; e 2006)

Outros mecanismos aplicáveis apenas ao setor de policiamento privado também teriam grande

importância para assegurar organizações e agentes policiais responsáveis perante seus clientes e a

comunidade em geral. Dentre esses mecanismos, Stenning destaca as barganhas coletivas,

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disputas no ambiente de trabalho, acordos coletivos e mais amplamente as leis trabalhistas.

Segundo o autor, todos provêem meios pelos quais as atividades policiais privadas podem ser

controladas pela direção das empresas, trabalhadores e sindicatos. Assim, Stenning afirma que,

ao menos na América do Norte, é comum os acordos coletivos incluírem dispositivos relativos a

procedimentos de segurança e protocolos no ambiente de trabalho com o objetivo de resguardar a

integridade dos agentes de segurança. Além disso, árbitros e juízes trabalhistas norte-americanos

desenvolveram ao longo dos anos significativos “corpos arbitrais de jurisprudência” e normas de

trabalho contendo uma série de padrões para as atividades de policiamento privado, provendo

assim oportunidades para que a polícia privada seja responsabilizada pelas práticas que não se

conformam a esses padrões. (Stenning, 2000, p. 343; e 2006).

Outro mecanismo de responsabilização exclusivo da polícia privada que Stenning julga relevante,

embora válido apenas para as empresas que comercializam serviços de segurança, é a

imputabilidade contratual. Como sabido, o Direito Civil prevê meios para responsabilizar as

empresas que descumprem contratos de prestação de serviços e isso, obviamente, estende-se às

“empresas de segurança”. Além disso, bons contratos normalmente incluem exigências mínimas

para que o policiamento e a segurança das pessoas e propriedades sejam garantidos, e assim

propiciam oportunidades adicionais para atividades policiais responsáveis. O fato de os governos

serem grandes contratantes de empresas de segurança (no caso do Brasil, o maior) é aqui de

grande importância porque torna possível a responsabilização publica através de arranjos

contratuais, proporcionando um controle até mesmo mais efetivo do que aquele realizado através

da regulação estatal formal. (Stenning, 2000, p. 344; e 2006).

Associado à responsabilização contratual está também a prática de fixar padrões de qualidade

para as atividades de policiamento privado. Stenning informa que, em algumas jurisdições,

padrões mínimos foram estabelecidos pelo governo em conjunto com representantes das

empresas de policiamento e grupos interessados (clientes habituais, grupos de consumidores e

interesses púbicos, etc), prática que foi chamada de “regulação tripartite”. Segundo o autor, a

adoção de padrões de qualidade e códigos de conduta é um importante mecanismo de

responsabilização na medida em que eles podem ser usados como referências para a contratação

dos serviços de uma empresa, assegurando assim provedores responsáveis através da qualidade

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dos serviços. Os padrões elaborados também podem servir de orientação para reguladores

estatais. Stenning, no entanto, pondera que padrões fixados pela própria indústria sem o

envolvimento do governo e do público mais amplo tendem a ter uma credibilidade pública

menor, embora estes padrões ainda possam servir como referência para os tribunais no caso de

julgamentos por responsabilidade civil (Stenning, 2000, p. 344).

Os estudos de Prenzler e Sarre (1998, p. 4) novamente apóiam as afirmações de Stenning.

Segundo os autores, os padrões profissionais estabelecidos pela indústria do policiamento privado

na Austrália converteram-se em dispositivos reguladores relevantes operando por cima da

estrutura reguladora oficial (estatal). Contudo, eles observaram que os corpos industriais tendem

a ter uma aproximação passiva na checagem da conduta de seus membros, além de pouco

poderem fazer para eliminar do mercado os provedores que não seguem os padrões estabelecidos.

Além do mais, as associações profissionais que zelam por esses códigos podem ter sua

integridade questionada, como de fato ocorreu na Austrália10, prejudicando a credibilidade desses

mecanismos.

Por fim, Stenning considera que o mercado também atua como um tipo de controle informal e

amplo sobre a polícia privada. Embora apresente um caráter fortuito e eficácia de difícil

avaliação, o mercado pode propiciar atividades policiais responsáveis porque as empresas que

oferecem serviços de policiamento tendem a apresentar um comportamento estratégico no

mercado. Aqueles que dirigem organizações que comercializam serviços policiais supõem que o

engajamento em práticas muito agressivas ou negligentes, ou, por outro lado, incapazes de

produzirem a segurança desejada pelos contratantes trará como conseqüência a perda de clientes,

que buscarão os serviços de outras empresas no mercado. Assim, segundo Stenning, a

transformação do policiamento em mercadoria trouxe a possibilidade de controle por meio da

ameaça ou negativa de consumo. Além disso, embora o mercado opere fundamentalmente através

da escolha individual dos clientes, ocasionalmente ele pode envolver a pressão combinada de

grupos comunitários que percebem as práticas de policiamento privado como práticas de algum

10 Na Austrália isso ocorreu em virtude de denúncias envolvendo o presidente de uma das associações representativas

do setor de policiamento privado, acusado pelo vazamento ilegal de informações de clientes.

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modo discriminatórias, propiciando assim um controle perante um público mais amplo do que o

dos contratantes (Stenning, 2000, p. 345; e 2006).

Esta e as demais formas de controle aqui apresentadas parecem não deixar dúvidas de que,

diferentemente do que se pensava nos anos 70 e 80, a polícia privada está sim sujeita a diversas

formas de controle. Como colocou Stenning (2000, p. 345), “police private are accountable in a

variety of ways which differ from those in which the public police are held accountable, but

which may be no less effective in influencing and preventing or reducing abuses”. O quanto cada

forma de controle da polícia privada é efetiva e como variam em diferentes contextos nacionais e

locais são questões que ainda precisam ser melhores avaliadas. Embora as considerações de

Stenning sejam de grande importância, elas estão predominantemente baseadas nos exemplos

norte-americanos. Como o próprio autor reconhece, ainda há poucas evidências sistemáticas

sobre a efetividade dos mecanismos de responsabilização da polícia privada nas diversas partes

do mundo.

1.1.2 Os estudos de caso do Vera Institute of Justice

Com o intuito de ajudar a preencher essa lacuna, o Vera Institute of Justice (2000) patrocinou

uma pesquisa internacional comparativa sobre a responsabilização pública da polícia privada que

segue a mesma linha teórica proposta por Stenning. Para a realização do estudo foi elaborado um

modelo teórico que sugere a aplicabilidade dos mecanismos de responsabilização da polícia

pública e privada em diversas situações. O modelo está baseado numa tipologia que cruza o tipo

de policiamento (público ou privado) com o tipo de espaço policiado (público ou privado),

conforme quadro 1:

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Quadro 1: Tipologia das Formas de Policiamento

Tipo de Polícia

Privada Pública Privado Tipo de Espaço Público

O tipo A representa a forma de policiamento privado mais presente no mundo. A associação entre

polícia privada e espaço privado é característica das “propriedades privadas massificadas”, isto é,

das grandes propriedades interligadas e geograficamente extensas que constituem espaços

privados de uso coletivo, como por exemplo os shoppings centers, grandes escritórios,

repartições governamentais, universidades, hospitais, aeroportos, hotéis, parques

temáticos, condomínios residenciais, etc. Já a situação B diz respeito a uma variedade de

práticas policiais que vão desde a permissão do segundo emprego de policiais, até a venda de

serviços por corpos policiais públicos para clientes fixos ou eventuais. O tipo de policiamento

indicado pela letra C, por sua vez, é o menos comum no mundo. Policiamento privado em espaço

público existe, por exemplo, em cidades americanas através dos Business Improvement District

(BIDs), que são corporações público/privadas sem fins lucrativos organizadas pelos proprietários

estabelecidos numa determinada região com o objetivo de estimular o desenvolvimento local.

Financiados através de impostos adicionais cobrados pelos municípios, os BIDs americanos estão

autorizados a organizar serviços dos mais variados tipos, dentre os quais os de segurança. Por

fim, o quadrante D indica uma situação de policiamento convencional, ou seja, de polícia

atuando em espaço público.

Partindo desta tipologia, o modelo teórico foi elaborado para permitir pensar a responsabilização

tanto da polícia privada quanto da polícia pública. Ele reúne numa única coluna os mecanismos

de controle tradicionalmente associados à polícia pública e aqueles válidos exclusivamente para

a polícia privada. Tem-se assim uma taxonomia que contempla categorias de controles interno e

externo do seguinte modo: 1) controle interno, incluindo mecanismos de controle

informais/implícitos como vocação profissional, planos de carreira e critérios de premiação, ou

A

B

C

D

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mecanismos formais/explícitos como recrutamento, treinamento, supervisão administrativa,

códigos de conduta e processos disciplinares; 2) controle estatal através das leis (estatutos

referentes à qualificação, treinamento, etc), governantes, agências reguladoras, processos

criminais, conselhos de reclamação de cidadãos ou similares (ouvidorias), e comissões especiais

ou comitês legislativos; 3) controle social, que abrange processos por responsabilidade civil e

fiscalização pela imprensa, organizações comunitárias e monitores de direitos humanos; 4)

controle pelo cliente, que pode ocorrer individualmente ou por comitês com capacidade para

destituir os serviços de policiamento privado organizados ou contratados; e 5) controle pelas

associações de classe através da certificação das organizações de policiamento privado que

provêem serviços de qualidade, ou pelo estabelecimento de padrões para contratação de agentes,

treinamento, etc. Todas essas categorias de controle foram combinadas com a tipologia quádrupla

sobre as formas de policiamento, resultando num modelo hipotético sobre a responsabilização das

polícias nas sociedades contemporâneas.

Quadro 2: Fontes de Responsabilização da Polícia Privada

Tipo A polícia privada/ espaço privado

Tipo B policía pública/ espaço privado

Tipo C policía privada/ espaço público

Tipo D policía pública/ espaço público

Controle interno

alta aplicabilidade

alta aplicabilidade

alta aplicabilidade

alta aplicabilidade

Controle estatal

limitada aplicabilidade

alta aplicabilidade

limitada aplicabilidade

alta aplicabilidade

Controle social

alguma aplicabilidade

alta aplicabilidade

alguma aplicabilidade

alta aplicabilidade

Controle pelo cliente

alta aplicabilidade

não se aplica

alta aplicabilidade

não se aplica

Controle pelas associações

de classe

alta aplicabilidade

não se aplica

alta aplicabilidade

não se aplica

Fonte: Vera Institute of Justice (2000).

Como o quadro 2 indica, a polícia privada está hipoteticamente sujeita a mais formas de controle

do que a polícia pública. Além do controle interno, a polícia privada pode ser fortemente

controlada pelos clientes e associações de classe. Organizações de policiamento privado que não

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se conformam aos desejos dos clientes ou aos padrões estipulados pelas associações de classe

podem ser destituídas ou perderem clientela, como Stenning já havia indicado. Essas formas de

controle não se aplicam à polícia pública. A atuação da polícia privada também está sujeita a

controles provenientes do Estado e da sociedade, mas não exatamente através dos mesmos

mecanismos disponíveis para o controle da polícia pública. Enquanto esta é dirigida e controlada

diretamente pelos governos, a polícia privada é apenas regulada e fiscalizada por eles, mas ambas

estão sujeitas a acusações criminais. Da parte da sociedade, tanto a polícia pública quanto a

privada podem ser processadas civilmente por indivíduos descontentes, e também

supervisionadas pela imprensa e monitores de direitos humanos. Para a polícia privada, no

entanto, o controle pela imprensa e por monitores de direitos humanos é menos promissor em

razão da baixa visibilidade dos seus serviços, exceto quando os oficiais se envolvem em missões

arriscadas ou cometem desvios de conduta de grande impacto. Em relação às organizações

comunitárias, elas tendem a desempenhar um papel importante no controle da polícia privada

apenas quando os seus associados são clientes ou diretamente afetados pelo policiamento. Por

outro lado, alguns mecanismos de controle comuns à polícia em espaço público não se aplicam

do mesmo modo à polícia privada: direção pelos governantes, supervisão interna pela burocracia,

controle pelas corregedorias e ouvidorias de polícia, etc. O tipo de policiamento mais semelhante

ao público em termos de controle é o da polícia pública que provê segurança em espaço privado.

Neste caso, as atividades policiais podem estar parcialmente sujeitas ao controle dos governantes,

dos regimes disciplinares e das linhas de comando dos departamentos policiais públicos.

Para testar esse modelo teórico foram realizados três estudos de caso referentes aos tipos de

policiamento A, B e C. O tipo D não foi estudado porque diz respeito ao policiamento tradicional,

cuja efetividade dos mecanismos de controle é relativamente conhecida. A responsabilização da

polícia privada em espaço privado (tipo A) foi abordada por Jenny Irish, que analisou uma

empresa de segurança de Joanesburgo, África do Sul, especializada na provisão de serviços de

reação-armada, isto é, serviços de patrulha motorizada e armada que responde a alarmes de

assalto, principalmente em residências. A responsabilização da polícia pública em espaço privado

(tipo B) foi estudado por Arturo Alvarado e Diane Davis na cidade do México, onde parte da

segurança das instituições financeiras é realizada por uma divisão da polícia governamental que

opera por contrato. Rob Davis e Sarah Dadush estudaram, em Nova Iorque, a MetroTech Área

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BID, uma corporação público/privada que desde 1992 atua no bairro do Brooklyn tendo como

principal atividade a provisão de policiamento (tipo C).

Os três estudos de caso acabaram apoiando a tese já defendida por Stenning de que a polícia

privada não é necessariamente destrutiva das liberdades civis e intrinsecamente irresponsável,

como se pensava nos anos 70 e 80. Ao contrário, a conclusão geral do relatório foi de que a

polícia privada pode ser responsável através dos vários controles citados no Quadro 2.

O controle interno pelas próprias organizações foi identificado como o meio mais eficiente para

se obter adequação do comportamento policial aos desejos e regras da comunidade. Segundo os

autores, “where public accountability does not result in strong internal accountability, it appears

to be relatively ineffective”. (Davis e Dadusch, Irish, Alvarado e Davis, 2000, p. 46). Essa

descoberta está em acordo com algo bastante aceito entre os estudiosos das organizações policiais

públicas: o reconhecimento de que o modo mais provável de se obter comportamento policial

responsável é através dos mecanismos de controle interno, principalmente os informais (Bayley,

2001; Cano, s/d e Neto, 1999). Como colocou Bayley, há pelo menos três razões para acreditar

nisso. Primeiro, a regulação interna pode ser mais completa do que a externa porque é mais fácil

para os policiais esconderem ou omitirem coisas de inspeções externas. Em muitas situações os

policiais são as únicas pessoas que sabem, de fato, o que os outros policiais estão fazendo.

Segundo, os mecanismos internos podem ser mais abrangentes e intensivos, visto que podem

concentrar-se em todas as ações policiais e não apenas nos desvios mais dramáticos e visíveis.

Terceiro, o controle interno pode ser mais variado, sutil e diferenciado quando comparado ao

controle externo, já que pode ocorrer através de mecanismos formais (treinamento, supervisão,

processos disciplinares, etc) ou informais (cultura profissional, planos de carreira, critérios de

premiação, etc). (Bayley, 2001, p. 12). Em suma, a maior eficiência do controle interno está

associada a uma razão bastante simples, que também parece válida para a polícia privada: uma

força policial disposta a fazer com que o comportamento de seus membros esteja de acordo com

os padrões exigidos tende a ser mais controlada do que outra que não esteja disposta e seja

forçada a se comportar sob a ameaça de controles externos.

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As pesquisas em Nova Iorque e Joanesburgo mostraram que o controle interno das organizações

policiais privadas pode ser rigoroso, em nada perdendo para o controle das forças públicas. Nos

dois casos os padrões de seleção e treinamento das organizações eram altos e estavam acima das

exigências mínimas estipuladas pelos governos e pela indústria. A MetroTech área BID realizava

um exame de admissão extenso. Os oficiais admitidos eram treinados na mesma academia dos

policiais públicos, mas por um tempo menor. O treinamento durava 96 horas e incluía cursos para

resolução de conflitos, cursos em Direito Constitucional, Civil e Penal, e técnicas de investigação

e elaboração de relatórios. Treinamentos em defesa pessoal, manuseio de cassetetes e assuntos

relacionados a gangues também eram periodicamente oferecidos. A empresa de segurança

estudada em Joanesburgo também contava com um processo de seleção apurado que tinha como

uma de suas principais preocupações evitar que pessoas envolvidas com a repressão política no

regime do apartheid viessem a ser contratadas. O treinamento era intensivo, em alguns casos

chegando a se estender por até seis meses. Os agentes passavam ainda por avaliações mensais de

tiro e por cursos anuais de requalificação.

As organizações também contavam com procedimentos de supervisão de pessoal e políticas sobre

o comportamento altamente capazes de assegurar a boa conduta dos policiais. A MetroTech área

BID utilizava: 1) exames anuais para testar os conhecimentos dos oficiais de polícia sobre os

códigos de conduta e deveres estabelecidos em manuais específicos; 2) a prerrogativa de conferir

promoções ou rebaixamentos de acordo com o desempenho de cada agente, que era avaliado não

pelo número de criminosos presos ou contato com o público, mas pela assiduidade ao trabalho,

atrasos, cumprimento dos horários de ronda, etc; 3) câmeras para monitorar os oficiais em

patrulha; 4) investigações de reclamações, sendo que as mais graves podiam resultar em

demissões; e 5) a supervisão de um comitê de segurança pública integrado pelos oficiais de

segurança, representantes dos departamentos de polícia e do corpo de bombeiros, membros da

comunidade, etc. Na África do Sul a empresa de resposta armada dispunha de supervisores para

checagem de pessoal e equipamentos no início e final de cada turno. Armas e munições, cujos

dados eram anotados em livros de registros, ficavam sob a responsabilidade dos agentes; caso

fossem usadas, o fato deveria ser comunicado para que procedimentos de investigação fossem

instaurados. Existiam equipes disponíveis 24 horas para investigar suspeitas de comportamento

impróprio por parte dos guardas. Desvios de conduta constatados eram penalizados de acordo

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com a gravidade do caso e reincidência do mesmo. A empresa também utilizava um programa de

incentivo ao bom trabalho, que oferecia um prêmio com elevado valor simbólico – mas sem valor

monetário - para os policiais.

Controles externos provenientes dos clientes, associações de classe, do Estado e da sociedade

também foram importantes para a responsabilização da polícia privada nas situações estudadas.

Contudo, os autores observaram que esses mecanismos operavam de maneira muito mais

poderosa quando criavam incentivos para as organizações estabelecerem seus próprios controles.

Nesse sentido, o controle exercido pelos clientes mostrou-se o incentivo mais forte para a

responsabilização da polícia privada. O estudo concluiu que, caso os clientes se interessem por

condutas respeitosas, as organizações buscarão meios para controlar o comportamento dos

policiais de modo a torná-lo adequado às solicitações dos clientes. Na África do Sul, os principais

mecanismos de controle da polícia privada provinham dos clientes e do mercado. A importância

dos incentivos gerados pelos clientes foi emblemática no caso da polícia privada do Brooklyn. Os

clientes da MetroTech desejavam um ambiente seguro e atraente para os negócios, para o que era

necessário reduzir ao mínimo os sinais de desordem física e social, ao mesmo tempo em que era

preciso evitar processos ou incidentes envolvendo maus tratos de pessoas indesejáveis ou de sem-

tetos do bairro. Essas preocupações foram incorporadas pelo programa de segurança pública da

corporação, resultando num policiamento responsável e amplamente reconhecido pela

comunidade. Caso a preocupação dos clientes fosse a de “limpar” a área a qualquer custo, a

polícia privada possivelmente agiria de maneira desrespeitosa, cometendo abusos e violando os

direitos dos cidadãos.

O controle pelas associações de classe também se mostrou bastante eficaz para a

responsabilização da polícia privada. Isso ficou claro com a empresa de policiamento de

Joanesburgo, que participava de uma associação que impunha como condição para filiação a

adequação da empresa a determinadas regras que visavam promover serviços de alta qualidade.

Os padrões fixados pela associação eram muito superiores àqueles estabelecidos pelo Estado.

Essa mesma associação monitorava constantemente as empresas através de reclamações,

investigações administrativas e inspeções fortuitas para averiguar se os padrões estavam sendo

cumpridos. Muitos empresários concordavam que esse tipo de controle era mais efetivo do que

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aquele promovido pelo Estado. Além disso, ao oferecer referências para os clientes que

desejavam contratar os serviços de policiamento privado, a associação também incentivava os

provedores a se filiarem e se adequarem aos altos padrões estabelecidos. Desse modo, as

associações de classe estariam ajudando a promover práticas melhores na indústria da segurança

da África do Sul, fato que também foi constatado por Prenzler e Sarre (1998) para o caso

australiano. Contundo, Irish observou que o controle pelas associações de classe na África do Sul

como um todo esbarrava em algumas limitações que Prenzler e Sarre (1998) também notaram na

Austrália e Stenning (2000) na Inglaterra11: a abrangência limitada, já que esse tipo de controle

normalmente é válido apenas para os provedores de segurança filiados às associações de classe.

Regulação e fiscalização governamental, e controles sociais provenientes de escrutínios eventuais

da mídia também foram considerados necessários para manter o comportamento da polícia

privada sob supervisão. Neste ponto, o estudo também ressaltou que a importância desses

mecanismos está menos em seus efeitos diretos e específicos sobre a polícia privada, e mais no

seu significado simbólico e capacidade de gerar incentivos para que os clientes pressionem por,

e/ou para que as organizações estabeleçam controles internos rigorosos.

Segundo os autores, uma das principais razões para a conduta profissional da polícia privada de

Nova Iorque e Joanesburgo era a existência de incentivos para que as próprias organizações

controlassem seus agentes. E esses incentivos vinham principalmente dos controles externos, que

eram até mesmo maiores que os da polícia pública. As empresas estavam submetidas a várias

exigências de relatórios. O BID de Nova Iorque, por exemplo, tinha que enviar relatórios

semanais para o gabinete do prefeito, reproduzindo a mesma prática do departamento de polícia

pública daquela cidade. As organizações de policiamento privado também estavam sujeitas a

revisões periódicas por parte de funcionários das associações de classe e/ou agências

governamentais reguladoras, além de investigações criminais, processos civis e escrutínio da

imprensa. No caso de Nova Iorque, esses controles impeliram o conselho de segurança pública da

MetroTech a exercer e exigir controle ativo sobre o comportamento dos oficiais de polícia

contratados. O conselho era em grande parte formado por clientes corporativos que desejavam

evitar publicidade embaraçosa resultante da vitimização dos agentes de segurança, ou processos

11 Como colocado, na Inglaterra é uma regulação desse tipo, e não estatal, a responsável pelo controle do setor de

policiamento privado.

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judiciais (civis ou penais) e exposição na imprensa provocada por incidentes causados pelos

agentes. De maneira similar, a empresa de resposta armada da África do Sul preocupava-se com

processos na justiça e com a cobertura negativa da imprensa, que poderia afugentar clientes.

Esses incentivos aparentemente não atuaram no caso do policiamento feito nos bancos da Cidade

do México. Em conseqüência, embora a polícia bancária da Cidade do México estivesse mais

próxima da polícia pública do que da polícia privada de Joanesburgo e do Brooklyn, ela era

menos responsável. Segundo Alvarado e Davis, a polícia bancária funcionava como uma espécie

de unidade de punição para aqueles que não tinham boas relações com os superiores hierárquicos.

O trabalho na unidade era tido como uma forma de punição não apenas por causa dos riscos

inerentes à atividade, mas também porque oferecia menos oportunidades para os policiais

aumentarem seus ganhos em atividades como extorsão. Em algumas unidades não havia nenhum

incentivo para bom desempenho. Aumentos de salários eram concedidos de acordo com

promoções que obedeciam a critérios obscuros. Além disso, a polícia bancária era controlada pelo

próprio sistema policial público, enquanto os bancos (clientes) tinham pouco controle sobre os

policiais e suas atividades. Assim, diante da ausência de incentivos para desempenhos superiores

e a fraca supervisão pública empreendida, os bancos pouco puderam fazer para melhorar os

padrões de atuação da polícia. Reclamações dos clientes sobre os policiais ou sobre a cúpula da

segurança pública às vezes produziam mudança de alguns oficiais de nível médio, mas nunca a

mudança desejada nas políticas de segurança bancária. Essas lacunas deram margem para que

alguns policiais se envolvessem em corrupção e atividades criminosas contra os bancos.

Para resolver esses problemas alguns bancos da cidade do México começaram a projetar suas

próprias soluções para a segurança de suas agências. Investimentos tecnológicos foram realizados

e empresas de segurança contratadas. Um dos bancos que recorreu a esse tipo de policiamento

optou por monitorar a contratação e o treinamento do pessoal das companhias privadas. Gerentes

das filiais tornaram-se responsáveis por vigiar o comportamento dos guardas. Nos casos de

desvios de conduta, os bancos penalizavam as companhias restringindo contratos, e não os

agentes, dando assim um forte incentivo para que as autoridades de nível médio das empresas

exercessem controle sobre os guardas. Segundo os autores, a eficácia dessas medidas ainda não

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estavam claras, mas os banqueiros estavam mais satisfeitos porque passaram a poder monitorar e

regular o comportamento dos oficiais de polícia das empresas contratadas.

A experiência do México parece confirmar que o controle interno é o principal meio de se obter

comportamento policial adequado aos interesses públicos. Parece confirmar também que o

controle pelos clientes é o mais forte incentivo para que as empresas estabeleçam esse tipo de

controle. As demais formas de controle externo podem ter importância simbólica por si só, mas

sua efetividade em termos de assegurar condutas policiais conformadas à lei e altamente

profissionais depende em grande medida de os clientes se interessarem por esse tipo de

comportamento, bem como das organizações estabelecerem controles internos ativos.

Nesse sentido, a regulação governamental e por associações de classe, as ameaças de processos

civis e penais, e a cobertura da imprensa, embora nem sempre proporcionem controle

suficientemente forte ou abrangente, podem proporcionar incentivos poderosos para que os

clientes exijam, e as organizações implementem, controles para assegurar a boa conduta dos

agentes policiais privados. Assim, o modo mais eficiente de gerir a face externa do controle da

polícia privada parece ser incentivar a criação de um ambiente operacional na qual os clientes e

as organizações sejam constrangidos a exercerem controle sobre o pessoal de policiamento

privado. Quando incentivos externos e internos são conjugados, eles aparentemente podem ser

substitutos efetivos dos mecanismos de controle que garantem a responsabilidade da polícia

pública.

Essa conclusão corrobora as afirmações de Stenning a respeito do controle público da polícia

privada. Este pode existir, mas não através dos mesmos mecanismos que mantêm a polícia

pública sob controle. Os meios de se obter policiamento privado adequado aos desejos e regras

públicas não são iguais para a polícia pública e privada. A pesquisa do Vera Institute of Justice

tem o mérito de esclarecer a aplicabilidade e sugerir a efetividade das várias formas de controle a

que está sujeita a polícia privada. Ao fazê-lo, o estudo enriquece analítica e empiricamente a

abordagem já utilizada por Stenning, consolidando assim uma perspectiva teórica fecunda para

pensar o controle público da polícia privada.

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1.2 Abordagens Propositivas: O Estado como Fonte Principal do Controle da Polícia

Privada

Numa perspectiva diferente, outro conjunto de reflexões tem adotado uma abordagem mais

propositiva e menos analítica a respeito do controle público da polícia privada. Oscilando entre

visões mais teóricas ou mais pragmáticas, um dos pontos em comum dessa literatura tem sido a

postura cética em relação ao controle da polícia privada proveniente de fontes outras que não as

estatais.

1.2.1 A ênfase no Estado

Em função do pouco que se sabe a respeito da efetividade das fontes de controle próprias à

polícia privada e das eventuais falhas a que estão sujeitas, autores como Reynolds (1996) e

Bayley e Shearing (2001) sustentaram a idéia de que cabe prioritariamente ao Estado assegurar o

controle público sobre a polícia privada.

Embora concordando com as abordagens anteriores de que as forças de mercado, os clientes, a

imputabilidade criminal, civil e contratual, e as pressões advindas da sociedade possam contribuir

para que a “indústria da segurança” estabeleça seus próprios controles, Reynolds argumenta que

esta “industry cannot be left to its own devices and free-floating market pressures to produce

adequate duty of care and social accountability” (Reynolds, 1996, p. 18). Para o autor, a

regulação estatal seria o caminho mais provável para se obter serviços policiais responsáveis e

adequados às expectativas públicas.

Para o controle público da polícia privada Reynolds destacou a necessidade de estabelecer

definições legais claras sobre os poderes da polícia privada e também a necessidade de criar

corpos reguladores ou conselhos consultivos com poderes para monitorar as práticas de

policiamento privado. Referindo-se ao caso australiano em particular, o autor sugeriu a criação de

corpos reguladores formados por representantes da sociedade civil interessados na qualidade dos

serviços oferecidos pela polícia privada. Assumindo as funções de licenciamento, estes corpos

deveriam fixar padrões de qualidade para melhorar a oferta dos serviços; também deveriam exigir

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níveis de capacitação e treinamento como condição para que as empresas e os agentes policiais

individuais obtivessem licenças para atuarem.

Numa perspectiva mais geral, justificada pelo pouco conhecimento sobre a efetividade dos

regimes reguladores alternativos e sobre a transformação pela qual tem passado o policiamento,

David Bayley e Clifford Shearing (2001) preferiram explorar os tipos de interesses públicos que

os governos deveriam estar interessados em promover e quais funções precisariam preservar para

assegurar o predomínio desses interesses e garantir governança sobre a nova estrutura de

policiamento.

Segundo os autores, três interesses públicos deveriam ser preservados com a estrutura de

policiamento emergente: justiça, qualidade dos serviços e igualdade de proteção. Provedores de

policiamento não-governamentais podem enveredar por práticas ilegais ou prover serviços de

maneira irresponsável, comprometendo a Justiça (os direitos humanos) e a qualidade da

segurança. A nova estrutura de policiamento também pode, segundo os autores, alterar de

maneira crítica a distribuição de segurança na sociedade. O policiamento provido através do

mercado distorce a distribuição de segurança a favor dos que podem pagar, e aquele realizado

pela mobilização voluntária de grupos sociais distorce a provisão de segurança a favor dos mais

criativos e com maior capacidade de organização.

É claro que a distribuição desigual de segurança não é uma novidade histórica. Diversos estudos

já apontaram que, apesar de o policiamento ter se tornado um bem público nas sociedades

modernas, a provisão de policiamento para os ricos sempre foi maior do que para os pobres,

comumente considerados “classes perigosas” e por isso alvos preferenciais da Justiça Criminal.

Contudo, para Bayley e Shearing, a estrutura de policiamento emergente abriu a possibilidade de

se constituir um sistema de policiamento dual inédito, isto é, um sistema no qual os pobres seriam

protegidos pela polícia pública, com suas limitações e mentalidade punitiva, e os ricos pela

polícia privada, com missões preventivas e mentalidade reguladora. Isso poderia agravar-se ainda

mais pela possibilidade de os ricos rejeitarem o policiamento público sob o argumento de que

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estão pagando duas vezes pelo mesmo serviço, fenômeno que Robert Reich (apud, Bayley e

Shearing, 2001, p. 31) chamou de “secessão do próspero”12.

Diante desses perigos, Bayley e Shearing (2001) lembraram que o policiamento é um serviço

essencial às comunidades e seus governos. Nenhum serviço é mais fundamental do que aquele

que protege a vida e os bens materiais e simbólicos das pessoas. Além do mais, não só a

legitimidade de um governo é em grande parte determinada pela existência de níveis mínimos de

segurança, como a própria segurança funciona como critério para determinar se existe algum

governo13. Sendo assim, apesar da emergência de novos corpos policiais, o interesse público

sobre a Justiça, a qualidade dos serviços e a igualdade de proteção deveria permanecer, sob pena

de se estabelecer um sistema de policiamento dual e os governos terem sua legitimidade

comprometida. Para Bayley e Shearing, a questão fundamental é então dar um sentido público ao

novo policiamento, questão que remete ao problema do controle da polícia não-estatal. Assim,

para os autores, o problema colocado para as sociedades contemporâneas é o de garantir controle

sobre a polícia não-estatal de modo a preservar o interesse público em termos de Justiça,

qualidade de serviços e igualdade de proteção.

Procurando apontar caminhos para solucionar este problema, Bayley e Shearing (2001) também

identificaram no Estado o principal meio para controlar a polícia privada. Apesar de também

reconhecerem que os mecanismos de controle gerados pela própria reestruturação do

policiamento podem ser efetivos, os autores consideram que os governos são as únicas

instituições com autoridade e capacidade para exigir controle da polícia privada e de outros

provedores não-estatais. A competição no mercado, por exemplo, deveria ser um corretivo para

as más práticas do policiamento privado comercial, mas isto nem sempre ocorre. A

12 Outra questão que afetaria a distribuição de segurança e que remeteria a um problema de soberania nacional é,

segundo Bayley e Shearing, o fato de o policiamento privado ser, em alguns países, provido por corporações multinacionais, tornando assim a distribuição de segurança parcialmente dependente de decisões realizadas fora dos limites da unidade soberana.

13 É válido lembrar que, para os teóricos dos séculos XVII e XVIII, a razão primeira para a existência do Estado era a garantia da paz e da segurança a todos os membros da comunidade. A expressão mais notável dessa reflexão propositiva e justificativa do Estado é sem dúvida Thomas Hobbes, que considera o Estado o resultado de um contrato firmado entre homens racionais que abdicaram de viver no estado de natureza, onde vigora a guerra de todos contra todos e o medo da morte violenta, para viverem num estado civil com paz e segurança. Para Hobbes, a “obrigação dos súditos para com o soberano dura enquanto e apenas enquanto dura também o poder mediante o qual ele é capaz de protegê-los” (Hobbes, 2003, p. 166).

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responsabilização pelo mercado pode ser ineficiente caso não haja competição e informações

disponíveis aos consumidores sobre a qualidade dos serviços oferecidos. Diante desse e de outros

problemas, os governos seriam os únicos atores com legitimidade para empreender ações

corretivas. (Bayley e Shearing, 2001, p. 32-33).

Assim, partindo do pressuposto de que o Estado é a principal instituição capaz de garantir

práticas policiais adequadas aos interesses públicos, Bayley e Shearing (2001, p. 32-33)

postularam que os governos deveriam exercer três funções para atingir este objetivo: regulação,

auditagem e facilitação. A regulação se refere àquela dimensão da responsabilização tratada

anteriormente. Para os autores, ela envolve mais do que sancionar regras e punir pessoas que as

transgridam. Há diversas formas possíveis de regulação. Ela pode ser feita, por exemplo, através

de comandos reguladores com sanções não-discricionárias, ou, ao contrário, por comandos

reguladores com sanções discricionárias, ou ainda por meio da auto-regulação voluntária. Para

Bayley e Shearing, o tamanho da regulação não dá conta de todos os problemas regulatórios e a

eficácia e os custos variam conforme as escolhas.

Outra função essencial que os governos precisariam exercer para garantir o interesse público de

Justiça, a qualidade dos serviços e a igualdade de proteção seria a auditagem e o monitoramento

sistemático dos serviços oferecidos pelas diversas organizações policiais. O exercício dessas

prerrogativas seria importante para os governos avaliarem como a segurança está sendo

distribuída no interior da comunidade política. Segundo Bayley e Shearing, isto requer a

capacidade de avaliar a qualidade da proteção policial dos vários provedores ao longo do

território nacional e das divisões de classe, capacidade que os governos atualmente não dispõem

mas que, não obstante as dificuldades intelectuais e administrativas ai envolvidas, deveriam

desenvolver.

Por último, Bayley e Shearing defenderam que os governos deveriam estudar formas para

facilitar o crescimento e a combinação de diferentes tipos de policiamento com o intuito de

desenvolver modelos institucionais híbridos e adequados às demandas diversificas por segurança.

Segundo eles, os governos podem recorrer a diversos meios para realizar facilitações: direito de

posse, incentivos fiscais ou de outra natureza, mandatos de coordenação, apoio cooperativo,

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negativa de contratação, delegação, abdicação de responsabilidades, etc. Esta não seria uma

empreitada menos difícil do que a anterior, visto que pouco se sabe sobre os custos e benefícios

dos instrumentos que podem ser utilizados para as facilitações. Mas os autores sugerem que os

formuladores de políticas de segurança pública procurem alternativas olhando para o que já foi

feito em áreas tais como educação, comunicações, energia, etc.

Regulação, auditagem e facilitação seriam, portanto, as principais funções que os governos

deveriam exercer para garantir o controle e o sentido público das atividades policiais não-

governamentais. Do mesmo modo que a proposta de Reynolds, a proposta de Bayley e Shearing

defende a idéia de que o controle da polícia privada não pode ser deixado a cargo da própria

indústria, dos clientes, ou, mais amplamente, dos mecanismos de mercado. Para esses autores,

embora o Estado ainda não tenha desenvolvido a capacidade para controlar satisfatoriamente a

polícia não-estatal, esta capacidade precisará ser desenvolvida pelos governos num futuro

próximo.

1.2.2 Uma proposta de controle público integrado para a polícia

Nessa mesma linha propositiva, um argumento que conjuga parcialmente os resultados das

pesquisas empíricas já desenvolvidas sobre o tema do controle da polícia privada com a visão

anteriormente apresentada foi recentemente apresentado por Burbidge (2005) no artigo The

Governance Deficit: Reflections on the Future of Public and Private Policing in Canadá. Nesse

texto, Burbidge dialoga com as perspectivas anteriores e defende para o Canadá uma estrutura de

controle integrada, voltada tanto para a polícia pública quanto para a polícia privada.

Segundo o autor, a questão fundamental para o controle da polícia privada não é saber se ela está

sujeita a formas de controle mais ou menos efetivas do que aquelas aplicáveis à polícia pública, e

sim quais tipos de governança e arranjos de responsabilização deveriam existir para assegurar o

controle público sobre suas atividades. Para Burbidge, qualquer indivíduo ou organização,

independente de ser público(a) ou privado(a), que exerça poderes de polícia em sociedades

democráticas deve estar sujeito(a)s a formas de controle compatíveis com esse poder. As

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estruturas de governança e controle da polícia estatal existem não pelo fato de ela ser uma

organização pública, mas por dispor de poder suficiente para afetar a vida, os direitos e liberdades

dos cidadãos. Se a polícia privada está executando muitas, se não a maioria, das funções

tradicionalmente desempenhadas pela polícia pública, ela tem que estar sujeita a estruturas de

responsabilização análogas às existentes para a polícia pública.

Desse ponto de vista, o Canadá (e outras nações) estaria vivendo o que Burbidge chamou de

“déficit de governança”. Este seria provocado principalmente pela ausência de arranjos de

governança e controle para a polícia privada vis-à-vis aos existentes para a polícia pública.Como

colocou o autor, a “police private are not accountable to the public, nor are they subject to

oversight and direction from democratically elected governments, in the same way as public

police agencies”. (Burbidge, 2005, p. 67).

Pelo fato de a polícia privada estar desempenhando muitas das funções anteriormente

desempenhadas pela polícia pública, Burbidge defende a generalização de alguns dos

mecanismos de controle desta última de modo a incluir todas as pessoas e organizações de polícia

privada que desempenhem funções idênticas ou similares às da polícia pública. Em outras

palavras, o autor propõe a criação de uma estrutura de governança e controle integrada, válida

tanto para a polícia pública quanto para a polícia privada. Ao invés de levar em conta a divisão do

policiamento entre corpos públicos e privados, um modelo de controle com essas características

teria que se preocupar com as funções, atividades e poderes envolvidos no policiamento de um

modo geral.

Assim, uma estrutura de controle integrada deveria incluir alguns dos dispositivos de

responsabilização da polícia pública, mas, por outro lado, deveria também reconhecer a

importância e a eficiência da responsabilização pelas leis civis e penais e pelos mecanismos de

responsabilização que se aplicam exclusivamente ao setor de policiamento privado: controle

pelos clientes, controle pelas associações de classe, e as pressões por bom desempenho impostas

pelo mercado setorial competitivo (controle pelo mercado).

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De maneira pragmática, o autor propõe para o Canadá dois conjuntos de medidas possíveis de

serem adotadas: a) políticas reguladoras/operacionais referentes à organização do setor de

policiamento privado, ao pessoal, treinamento e equipamentos/recursos utilizados; e b)

autoridades de reclamações públicas e códigos de conduta unificados para apurar operações e

responsabilizar os agentes que cometam atos desviantes.

O primeiro conjunto de medidas se refere à regulação e fiscalização das organizações de

policiamento privado. O papel do Estado seria, segundo Burbidge, o de criar a legislação e

operacionalizar estruturas políticas capazes de assegurar um policiamento organizado, com

pessoal, treinamento e equipamentos adequados ao desempenho efetivo de todas as funções

policiais dentro dos limites da lei e com respeito aos direitos humanos. Também deveria exercer

um monitoramento contínuo e auditagem sobre a polícia privada, do modo como já havia

indicado Bayley e Shearing (2001).

De maneira complementar e articulada à regulação e fiscalização do setor de policiamento

privado, Burbidge também defende a criação de autoridades de reclamações públicas comuns e

de um código de conduta uniforme. Autoridades de reclamações públicas seriam importantes para

combater eventuais abusos cometidos pela polícia, seja os resultantes de ações individuais ou de

operações executadas pelas organizações. Para o Canadá, o autor sustenta que as funções de

reclamações públicas poderiam ser assumidas por agências de direitos humanos, ou por

comissões policiais locais. Enquanto a primeira tem a vantagem de ser totalmente independente

do sistema de justiça criminal e ter os direitos humanos como uma de suas principais

preocupações, a segunda pode ser melhor porque conhece as organizações e práticas policiais,

além de ter experiência para lidar com queixas contra policiais. Qualquer que seja a opção, as

autoridades devem ser da confiança do público, estar de prontidão e contar com todo o suporte

necessário para investigar reclamações encaminhadas.

Associada à criação de autoridades de reclamações públicas integradas está o estabelecimento de

um código de conduta unificado. Esse código seria válido para as atividades policiais em geral

(independente de serem públicas ou privadas), especialmente aquelas envolvendo investigações,

detenções, apreensões, armazenamento e compartilhamento de informações, etc. Segundo

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Burbidge, o código deve preocupar-se em proteger os Direitos Humanos diante do poder

discricionário da polícia pública ou privada.

As autoridades de reclamações públicas e o código de conduta uniforme representariam um

avanço significativo em direção a uma estrutura de controle integrada. Mas, segundo Burbidge,

há também grandes dificuldades envolvidas na criação de um modelo de controle desse tipo. O

setor de policiamento privado é uma área complexa e em constante mudança. Em termos de

qualificação e treinamento, por exemplo, o setor é amplamente diversificado. Contém áreas que

requerem pessoas altamente especializadas e treinadas, como as de inteligência e investigação

forense, e outras, como vigilância e patrulha, que empregam pessoas com padrões mínimos de

educação formal e treinamento. Em termos organizacionais, o Canadá também apresenta um

setor concentrado, com poucas empresas (dentre as quais muitas são multinacionais) empregando

a maior parte do pessoal de policiamento privado.

O tamanho, a diversidade e a estrutura desagregada do policiamento privado no Canadá (e

certamente em outros lugares) colocariam obstáculos significativos para o desenvolvimento e

implementação de uma estrutura de controle efetiva e válida para o policiamento em geral.

Mesmo com essas dificuldades, Burbidge reitera que o desafio é justamente o de não criar uma

estrutura de governança do policiamento privado paralela ao do policiamento público, e sim uma

estrutura integrada, na qual os arranjos de controle sejam definidos com base nas funções,

atividades e poderes envolvidos nas atividades de policiamento, sejam elas públicas ou privadas.

As considerações de Burbidge sobre o controle da polícia privada, assim como as de Reynolds

(1998) e Bayley e Shearing (2001), merecem atenção. Mas a importância dessas abordagens está

menos em esclarecerem o que tem sido realizado, e com qual efeito, para obter controle público

sobre a polícia privada (ou não-estatal, como preferem Bayley e Shearing), do que em apontar o

que deveria ser realizado para alcançar este objetivo. Ao proceder desse modo, além de sugerirem

caminhos para a adequação da polícia não-estatal aos interesses públicos, os autores fornecem

referências que podem e devem ser consideradas nos julgamentos a respeito do controle público

da polícia privada.

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1.3 A Importância do Controle Estatal

As perspectivas teóricas apresentadas nas seções anteriores sugerem ser possível o controle

público da segurança privada, diferentemente do que se pensava nos anos 70 e 80. Ainda não há

concordância a respeito de qual a melhor forma de alcançar esse objetivo. Algumas abordagens

têm enfatizado o controle estatal com base no argumento de que o Estado é a instituição com

maior capacidade para controlar a segurança privada porque detém a legitimidade e os recursos

necessários para isso. Outras interpretações têm destacado diferentes formas de controle além do

estatal, algumas supostamente mais efetivas para obter adequação do policiamento aos interesses

e normas públicas. Essas interpretações têm sustentado que a segurança privada é controlada de

várias formas: internamente pelas próprias organizações, pelos clientes e arranjos contratuais,

através das associações de classe, por processos criminais ou civis, pelo mercado, imprensa e

grupos de pressão, e, finalmente, pelo Estado.

As duas abordagens são relevantes. Desde que por maior capacidade do controle estatal não se

entenda a maior capacidade do Estado provocar por si só a adequação do comportamento das

organizações e agentes de segurança privada, os dois pontos de vista não são irreconciliáveis.

Como a pesquisa do Vera Institute of Justice mostrou, o controle da segurança privada só pode

existir de maneira efetiva se as empresas estiverem dispostas a controlarem seus agentes tendo

em vista o interesse público. E essa disposição está fortemente relacionada ao desejo dos clientes

de que isso ocorra. O problema fundamental é então criar incentivos e constrangimentos para que

as empresas e/ou os clientes se interessem e cobrem condutas adequadas e altamente profissionais

dos agentes de segurança privada. O Estado tem aqui um papel fundamental. As demais formas

de controle externo são essenciais, mas o Estado parece ser a instituição mais importante para

cobrar controle por parte das empresas e dos clientes.

As associações de classe até podem atuar com eficiência na criação desses incentivos e

constrangimentos, seja através das entidades representativas dos empresários da segurança

privada, seja através das entidades representativas dos trabalhadores. Mas, no primeiro caso, o

controle normalmente é pouco abrangente e com autoridade limitada, enquanto que no segundo

sua efetividade depende do resultado das disputas trabalhistas. O controle externo pelo mercado,

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imprensa, indivíduos e grupos sociais são mais amplos, porém menos efetivos na criação desses

incentivos e constrangimentos. A competição no mercado pressiona os provedores comerciais a

oferecerem serviços adequados sob pena de perderem a preferência para os concorrentes, mas

esse é um tipo de controle fortuito e que depende de um certo grau de competição e de

consumidores bem informados para funcionar. Igualmente fortuito é o controle proveniente da

sociedade, que pode ocorrer através de processos civis ou criminais por indivíduos descontentes,

e pela supervisão da imprensa e de grupos organizados da sociedade civil. O problema desses

controles é que geralmente são reativos e funcionam apenas em situações envolvendo atividades

arriscadas ou desvios de conduta graves. Além disso, a efetividade da responsabilização

proveniente de ações civis e criminais depende do desenrolar dos processos na Justiça. Ainda não

está claro até que ponto esses processos têm resultado em condenações e inibido comportamentos

impróprios dos agentes de segurança privada.

Em função desses e de outros problemas, o controle estatal adquire grande relevância. Se, por um

lado, o Estado tem se mostrado pouco efetivo como instrumento de controle direto das

organizações de policiamento privado, por outro parece ser a instituição com maior capacidade

de conduzir a isso por pelo menos três razões: 1) é a única instituição capaz de impor regras

válidas para todo o setor; 2) tem autoridade e potencial para exercer controle constante e proativo

sobre as organizações de policiamento privado, intervindo de maneira corretiva quando os demais

mecanismos de controle falham, e sobretudo no combate às organizações e agentes que exercem

policiamento informalmente; e 3) tem condições de coordenar com eficiência o alinhamento dos

incentivos externos e internos necessários à criação de um ambiente favorável à adequação do

comportamento das organizações e agentes de segurança privada aos interesses públicos.

Diferentemente da regulação proveniente das associações de classe - válida apenas para os

associados -, a regulação formal pelo Estado pode ser estendida a todo o universo do

policiamento privado em razão do caráter geral e coativo das normas estatais. Além disso, o

marco regulatório estatal condiciona fortemente a forma que o policiamento privado assume num

determinado contexto. É o Estado quem define a (i)legalidade do policiamento privado. Uma das

características da segurança privada é o seu caráter semi-autônomo (Ocqueteau, 1997). Por atuar

numa área que incide sobre a segurança pública, o funcionamento contínuo das organizações de

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policiamento privado depende da autorização do poder público. Essa autorização normalmente

ocorre sob determinadas condições, muitas das quais podem, direta ou indiretamente, proteger o

público contra abusos ou provedores irresponsáveis.

Além de definir a (i)legalidade das atividades de policiamento privado, o Estado pode controlá-

las com mais eficiência do que qualquer outra instituição ou grupo porque em tese dispõe de

ampla autoridade para isso. As associações de classe podem inspecionar e monitorar a

organizações de policiamento privado, ajudando de maneira decisiva no controle da (i)legalidade

e qualidade dos serviços. Elas podem fazer denúncias, aplicar sanções sobre filiados e expulsar

provedores das associações, mas não têm autoridade para cassar suas licenças e eliminá-los do

mercado, muito menos para controlar as organizações e agentes que integram o universo informal

do policiamento privado. Agências estatais podem fazer tudo isso: monitorar a qualidade dos

serviços, aplicar sanções, cassar licenças e, o mais importante, combater diretamente os

provedores informais de policiamento privado. Por essa razão, nos locais onde o policiamento

privado informal constitui um universo expressivo - caso da América Latina, em geral, e do

Brasil, em particular - o controle estatal adquire importância decisiva frente às demais formas de

controle da segurança privada.

O controle estatal da segurança privada tem também uma importância simbólica que não pode ser

desprezada. A existência de um órgão público permanentemente vigiando a segurança privada dá

à população mais tranqüilidade diante da ameaça de comportamentos impróprios, além de

permitir uma defesa no caso dos demais mecanismos de controle falharem. É claro que, se não

houver uma ação eficiente por parte das agências estatais, elas tendem a serem desacreditadas.

Mas nenhuma outra fonte de controle tem, a priori, uma importância simbólica equivalente à das

agências estatais. Controles internos, pelos clientes e pelas associações de classe podem até ser

mais efetivos para assegurar comportamentos policiais responsáveis publicamente, mas como

provêm todos de fontes que integram o universo do policiamento privado tendem a terem uma

credibilidade pública menor. Controles sociais, por sua vez, são intermitentes e reativos. Confiar

apenas nesses controles parece arriscado. Nesse sentido, o controle estatal apresenta-se como a

última e mais importante linha de defesa.

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Outro aspecto que confere importância ao controle proveniente do Estado é a sua capacidade de

criar e coordenar um ambiente favorável ao controle da segurança privada. Uma das principais

contribuições dos estudos realizados pelo Vera Institute of Justice foi a de apontar que a

possibilidade de controle público da polícia privada está diretamente associada à existência de um

ambiente operacional no qual os clientes e as organizações sejam induzidas a controlarem seus

agentes de modo que eles ajam de maneira coletivamente benéfica. Como dito, a competição dos

provedores comerciais no mercado, a possibilidade de publicidade negativa na mídia e a pressão

eventual de grupos de direitos humanos ou de consumidores diretamente afetados pelas

atividades de policiamento privado desempenham um papel importante para a existência desse

ambiente. Mas o papel mais destacado parece caber ao Estado, que está em condições de gerar

incentivos poderosos e exigir que os clientes cobrem, e as organizações implementem, controles

para assegurar comportamentos adequados ao público em geral e não apenas aos interesses dos

que contratam ou organizam seu próprio policiamento.

O Estado também está em condições de coordenar esse ambiente na medida em que pode

envolver outras organizações no controle público da segurança privada. Pode, por exemplo,

propor incentivos seletivos ou realizar esforços para persuadir as associações de classe,

organizações não-governamentais, associações de moradores, associações comerciais e outras

entidades da sociedade civil a participarem no controle da (i)legalidade, qualidade e cobrança de

prestação de contas dos serviços das atividades de policiamento privado.

Esses fatores parecem justificar a importância do controle estatal sobre a segurança privada e

demais provedores particulares de policiamento que atuam na informalidade. Nos países onde o

policiamento privado informal tem grande peso, o Estado assume a condição de protagonista no

controle das organizações e agentes que provêem esse tipo de policiamento. Ainda assim, é

preciso reconhecer que o Estado não é a única instituição capaz de exercer controle público sobre

os provedores particulares de policiamento. Há outros mecanismos que também podem

desempenhar esse papel, até mesmo de maneira mais efetiva. Esses mecanismos, no entanto,

precisam ser incentivados e coordenados, e o Estado é a instituição em melhores condições de

fazer isso.

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2 SEGURANÇA PRIVADA E POLICIAMENTO PRIVADO INFORMAL

NO BRASIL

Agentes não-estatais que se dedicam à promoção de segurança estão hoje onipresentes na

realidade brasileira. Ruas de bairros residenciais, condomínios fechados, instituições de ensino,

locais de entretenimento, shoppings, estabelecimentos comerciais, repartições públicas e outros

espaços fechados por onde circulam grande quantidade de pessoas são hoje policiados

privadamente. Este capítulo avalia o crescimento, as dimensões e as características do

policiamento privado formal e informal no Brasil, bem como os riscos potenciais que essas

atividades impõem para efetivação dos direitos humanos no país.

A análise dá preferência à categoria policiamento privado, que traz vantagens analíticas para o

estudo de contextos como o brasileiro, onde os arranjos informais de proteção extrapolam em

muito o universo da segurança privada. A desvantagem é que o conceito recobre uma ampla

gama de atividades. Nem todas são tratadas. A discussão restringe-se às atividades exercidas por

pessoas empregadas sob a direção de uma jurisdição particular com o objetivo explícito de

assegurar proteção física e patrimonial de indivíduos ou organizações através da vigilância e uso

potencial de sanções. As atividades de detetives particulares, segurança eletrônica e outras

relacionadas ao combate das novas formas de insegurança em relação à informação, propriedade

virtual e cyberprocessos não são tratadas neste trabalho, pois, em virtude das características

específicas dessas atividades, elas apresentam riscos próprios e implicam formas de controle

adequadas a elas. Além disso, o marco legal da segurança privada não regula essas atividades,

que estão fora da competência de controle da Polícia Federal.

A primeira seção aborda o universo compreendido pelos atores não-estatais autorizados pelo

Estado a executarem policiamento, ou seja, a segurança privada. A segunda seção trata do

universo informal dos provedores particulares de policiamento - organizações e agentes não-

estatais que executam policiamento sem a autorização do Estado. Embora cada universo seja

analisado separadamente em vista das diferenças e particularidades que cada um apresenta, as

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subseções apresentam a mesma divisão: “crescimento e dimensões”, “características gerais” e

“ameaça aos direitos humanos”.

Uma variedade de fontes foi mobilizada para compor este capítulo. Para avaliar o crescimento e

as dimensões da segurança privada no Brasil foram utilizadas informações da Polícia Federal e,

principalmente, os dados do 2º Estudo do Setor de Segurança Privada (2º ESSEG). Patrocinado

pela Federação Nacional das Empresas de Vigilância e Transporte de Valores (FENAVIST), o 2º

ESSEG contém uma radiografia ampla e rica da segurança privada no Brasil. As comparações

com as forças de segurança pública foram feitas a partir dos dados da Secretaria Nacional de

Segurança Pública (SENASP). As subseções “características gerais” e “ameaça aos direitos

humanos” basearam-se em informações encontradas na literatura, meios de comunicação,

relatórios de direitos humanos e Comissões Parlamentares de Inquérito (CPI’s). Também foram

utilizados dados do 2º ESSEG e outros levantados junto à Secretaria de Segurança Pública do

Estado de São Paulo (SSP-SP).

Antes de proceder à análise, uma ponderação deve ser feita em relação ao uso das categorias

“público” e “privado”. Até agora essas categorias foram empregadas conforme o uso corrente que

a ciência política faz delas, ou seja, para identificar e distinguir o bem comum (bonum commune)

do bem próprio (bonum proprium). Remonta à antiguidade e foi transmitida através dos séculos a

noção de que o “público” refere-se ao que é comunitário (coletivo), tendo como oposto o

“privado”, que diz respeito ao bem individual dos membros da comunidade. Sendo o governo a

autoridade que age em nome da coletividade, a esfera pública foi comumente identificada com o

campo da ação governamental, ou melhor, das relações entre governantes e governados. Em

oposição a isso, a esfera privada foi definida como o campo das demais relações entre indivíduos

e grupos sociais14. Com a emergência do Estado enquanto unidade governamental soberana nos

limites de um território, grande parte do pensamento político moderno passou a identificar o

público com o estatal e o privado com o não-estatal. E é deste modo que muitos autores - e este

14 Nesse sentido, como Shearing (2003, p. 430) observou, “desde o momento em que o mundo social foi constituído

através de uma consciência política que reconhece uma esfera pública e uma esfera privada, o policiamento tem tido uma face pública e uma face privada. [Mas] durante o período anterior ao século XIX (...), embora houvesse uma distinção entre público/privado, não estava associada tão rigorosamente como hoje com a distinção estatal/civil, de forma que, de um ponto de vista contemporâneo, pode-se pensar em semiprivado e semipúblico” (Shearing, 2003, p. 430).

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trabalho - vêm definindo as formas públicas e privadas de policiamento. O policiamento seria

público quando provido pelo Estado, e privado quando oferecido por indivíduos ou organizações

civis (não-estatais)15. O que distinguiria conceitualmente um policial de um agente de segurança

privada seria, portanto, o fato deste último exercer suas atividades na condição de civil ou

empregado de uma jurisdição não-estatal.

Contudo, nem sempre é fácil caracterizar inquestionavelmente pessoas empregadas privada ou

publicamente. Shearing e Stenning (1981) já haviam chamado a atenção para essas dificuldades

em seus primeiros trabalhos sobre segurança privada. Como os autores observaram, entre o

caráter claramente público dos policiais que trabalham nas instituições policiais do Estado, e o

caráter claramente privado dos agentes que trabalham em empresas que oferecem serviços

policiais no mercado, há toda uma área cinzenta composta por instituições quase-públicas

(empresas de capital misto, autarquias, fundações, etc.) que empregam pessoas que exercem

funções policiais e que não podem ser facilmente enquadradas nas categorias público/privado.

Policiais que em horário de folga, ou até mesmo em serviço, são contratados para garantirem

segurança a clientes específicos, também contribuem para obscurecer a distinção público/privado.

A confusão de poderes e promiscuidade de interesses frequentemente presentes nestas situações

às vezes torna difícil saber se o policiamento é exercido por um servidor público ou não. Esta

dificuldade é patente no Brasil, onde o segundo emprego de policiais em atividades de

policiamento privado (o chamado bico) é amplamente difundido. Assim, ao invés de duas

categorias claramente distintas, o que existe é uma espécie de continuum no qual as categorias

público/privado tornam-se fluídas e facilmente intercambiáveis.

Diante destas dificuldades, Shearing e Stenning sugeriram que o enquadramento de um agente

que exerce policiamento numa ou noutra categoria deveria observar não apenas a quem o agente

se subordina diretamente, mas também quais poderes possuem no exercício de suas funções e

perante a quem responde pelo exercício desses poderes. Acolhendo esse argumento, este trabalho

considera que os agentes de segurança pública que realizam policiamento fora do horário de

15 Nem todos têm feito uso dessas definições. Recentemente, Bayley e Shearing (2001) abandonaram o uso das

categorias público/privado, que segundo eles já não são mais capazes de explicar as mudanças ocorridas no campo do policiamento. Para os autores, as transformações verificadas na estrutura policial da maioria dos países envolvem mais do que privatização. Envolve o que eles chamaram de “multilateralização” das fontes que patrocinam e provêem policiamento, que foram deslocadas do governo para a sociedade.

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serviço em nome de um cliente particular qualquer o fazem na condição de agentes não-estatais.

O segundo emprego é proibido aos agentes de segurança pública. Quando estes exercem

atividades de policiamento privado transgridem as normas das organizações as quais pertencem,

organizações que deixam de responder pelo comportamento desses agentes. Um exemplo ajuda a

elucidar o argumento. Um policial fora do horário de serviço que presencia ocasionalmente um

assalto e reage, mas acaba vitimado, agiu na condição de agente público, tendo em vista que

policiais têm o dever de defender as liberdades civis, seja no exercício de suas funções ou fora

delas. Neste caso, o policial (ou sua família) tem direito a todos as benesses asseguradas a

qualquer policial ferido em serviço. A organização é responsabilizada pelo ocorrido. Mas se o

policial é vitimado num segundo emprego como agente de segurança privada, a organização não

é responsabilizada pelo fato. Neste caso, o policial transgrediu as normas da organização e agiu

na condição de civil, perdendo o direito às benesses. Evidentemente que, empiricamente, a

situação muitas vezes é mais complexa. Mas, para fins de análise, considera-se que agentes de

segurança pública que exercem policiamento de maneira contínua fora do horário de serviço o

fazem na condição de agentes não-estatais, ainda que no exercício dessas atividades usufruam de

equipamentos e relações proporcionados pelo status policial (armas, uniformes, algemas, contato

direto com as organizações policiais, etc).

2.1 A Segurança Privada

2.1.1 Crescimento e dimensões

O universo da segurança privada inclui tanto as empresas de capital privado que possuem

concessão do Estado para comercializarem serviços de proteção ao patrimônio e às pessoas

(empresas de segurança privada especializadas), quanto as empresas e organizações das mais

variadas que organizam departamentos internos para promoverem sua própria segurança

(empresas com segurança orgânica). O segmento comercial abrange as empresas especializadas

que oferecem em bases contratuais os serviços de “vigilância patrimonial”, “transporte de

valores”, “escolta armada” e “segurança pessoal privada”. Inclui também os chamados “curso de

formação”, empresas cuja atividade-fim não é comercializar serviços de proteção e sim formar,

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especializar e reciclar a mão-de-obra que atuará na segurança privada. Já a segurança orgânica

agrega as ações de planejamento, administração e execução de atividades de vigilância

patrimonial e transporte de valores executadas por profissionais contratados diretamente pelos

usuários dos serviços. No Brasil, os profissionais empregados pelas empresas especializadas ou

com segurança orgânica para a execução das atividades descritas acima são denominados

“vigilantes”.

Diferentemente do que ocorre em outros países, a chamada segurança eletrônica (que agrega os

fabricantes, revendedores e distribuidores de equipamentos de segurança eletrônica e os serviços

de instalação, integração, rastreamento e monitoramento) e os serviços particulares de

investigação não fazem parte da segurança privada. O universo jurídico da segurança privada é

composto apenas pelas empresas especializadas e empresas com segurança orgânica que possuem

autorizações para funcionarem. Integram também este universo os profisisonais especializados

empregados por essas empresas (os vigilantes).

Tanto as empresas de segurança especializadas quanto a segurança orgânica surgiram

oficialmente no país em 196916, quando um decreto do governo militar (Decreto-Lei nº.

1.034/69) determinou que as instituições financeiras deveriam, sob pena de interdição pelo Banco

Central, fazer o policiamento dentro de suas agências e proteger o transporte de seus valores, seja

organizando seu próprio policiamento (policiamento orgânico) ou contratando empresas

especializadas (policiamento por contrato). Desde então houve uma ampliação dos serviços

prestados para outras áreas que não a bancária, como a segurança de propriedades públicas ou

privadas em geral (vigilância patrimonial), o transporte de cargas (escolta armada) e a proteção

de pessoas (segurança pessoal privada). Essa ampliação da área de atuação da segurança privada

foi seguida por um crescimento vertiginoso da atividade, principalmente nos anos 80 e 90.

Analisando o número de alvarás de empresas de segurança publicados no Diário Oficial da União

nas décadas de 80 e 90, Cubas (2002, p. 74) notou um crescimento linear dessas empresas no

16 Oficialmente porque algumas empresas já atuavam no setor de vigilância desde meados dos anos 50, caso da

empresa paulistana Columbia Vigilância e Segurança. Em 1962 também já havia sido fundada no Rio de Janeiro a Serviço Especial de Segurança e Vigilância Industrial/SESVI e, logo em seguida, a SBIL. A empresa estrangeira Brink’s também já estava instalada no Brasil e atuando no segmento bancário desde 1965 (Heringer, 1992, p. 36; e Cubas, 2003, p. 72).

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período. Segundo a autora, 1.400 empresas especializadas haviam entrado no mercado até o ano

de 2000. Entre 1982 e 1993 esse número foi menor (533), o que mostra um crescimento mais

acelerado nos anos 90. Dados da Polícia Federal sobre o número de empresas especializadas e

orgânicas e de vigilantes cadastrados no órgão também mostram o crescimento experimentado

pela segurança privada entre o final da última década e a primeira metade desta.

Tabela 1: Vigilantes e Empresas de Segurança Privada Cadastradas na Polícia Federal

Fonte: Polícia Federal

Chama a atenção o crescimento extraordinário do número de vigilantes cadastrados, que

praticamente quadruplicou no período 1998-2004, passando de 280.193 para 1.148.568. O

cadastro de empresas em atividades de vigilância, transporte de valores e segurança orgânica

cresceu 27,45% no período, valor muito abaixo do número de vigilantes. Esses números

provavelmente indicam uma tendência à estabilização do número de organizações de

policiamento privado e o crescimento daquelas já consolidadas no mercado (Zanetic, 2006, p.

48). O faturamento das empresas de segurança privada também confirma a expansão mais recente

pela qual passou o setor. Conforme apurou o 2º ESSEG com base nos dados do INSS, entre 2002

e 2005, o faturamento das empresas de segurança privada cresceu a uma média de

aproximadamente 19% ao ano, saltando de 7 bilhões em 2002 para um valor que foi estimado em

R$ 11,8 bilhões em 2005 - um aumento de 68%.

1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 Crescimento

1998-2004 (%)

Vigilantes cadastrados 280.193 418.694 540.334 730.972 896.049 1.017.740 1.148.568 309,92

Empresas de Vigilânciacadastradas 1.740 1.502 1.368 1.431 1.555 1.792 2.144 23,21

Empresas de Transportede Valores cadastradas 248 251 236 256 273 309 293 18,14

Curso de Formação deVigilantes cadastrados 159 177 178 191 210 241 198 24,52

Empresas de SegurançaOrgânica cadastradas 718 969 811 910 954 558 1.012 40,94

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Mas se os dados da Polícia Federal indicam o crecimento dos provedores formais de

policiamento privado no país, eles não informam com precisão o número de empresas e

profissionais de segurança privada efetivamente atuantes. Isso por duas razões. Em primeiro

lugar, as empresas de segurança são cadastradas na Polícia Federal conforme o tipo de atividade

que desempenham – vigilância patrimonial, transporte de valores, cursos de formação e

orgânicas17. Considerando que uma empresa pode operar em mais de uma atividade e ter, por

consequência, mais de um cadastro, o número total de empresas cadastradas tende sempre a ser

maior do que a quantidade de empresas realmente existentes. Entre 2002 e 2004 o 2º ESSEG

verificou que cerca de 29% das empresas de segurança privada eram diversificadas, ou seja,

atuavam em mais de uma atividade. Em parte isso explica a distorção dos números fornecidos

pela Polícia Federal em relação aos apresentados pelo 2º ESSEG, que dimensiona com muito

mais precisão a segurança privada no país (Ver tabela 2).

Outra razão para a imprecisão dos dados da Polícia Federal e a discrepância em relação àqueles

oferecidos pelo 2º ESSEG se deve ao fato de o número de empresas e de vigilantes cadastrados

indicarem apenas a quantidade de autorizações para o exercício das atividades de segurnaça

privada, que não necessariamente coincide com o número de empresas e vigilantes em operação.

É possível que existam empresas autorizadas e que ainda não tenham dado início às suas

atividades, ou então que as tenham suspendido temporariamente sem, no entanto, cancelá-las.

Além disso, pode haver falhas de informação entre os agentes. Problema semelhante ocorre com

os chamados vigilantes. O número de vigilantes cadastrados indica o número de pessoas

anualmente formadas e habilitadas para o desempenho de atividades de segurança privada, e não

o número de pessoas em exercício na atividade, ou seja, empregadas no setor. Dai a grande

discrepância que também existe entre os números da Polícia Federal e do 2º ESSEG. A diferença

entre as duas fontes indica o desemprego no setor.

17 As empresas que prestam serviços de segurança pessoal privada e escolta armada não aparecem porque essas

atividades são prestadas por empresas de vigilância ou transporte de valores.

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Tabela 2: Número de Empresas de Segurança Privada (especializadas e orgânicas) e Vigilantes no

Brasil (2003-2004)

Fonte: Construído a partir dos dados do 2º ESSEG e da Polícia Federal.

1. Refere-se ao número estimado pelo 2º ESSEG de empresas efetivamente atuantes no ano de 2004, que correspondeu a aproximadamente 75% do total de empresas autorizadas pela Polícia Federal.

2. Para segurança orgânica estão sendo utilizados os dados da Polícia Federal, fornecidos pelo Sistema Nacional de Vigilância Privada (SISVIP) em 31/01/2007.

3. Os dados são do 2º ESSEG e para o ano de 2004. 4. Os dados são do 2º ESSEG e para o ano de 2003 (não havia dados para 2004). Aqui estão inclusos

apenas os vigilantes que atuam no setor privado. O setor público emprega cerca de 87 mil vigilantes orgânicos (quase 50% do total), mas estes não foram contabilizados.

Apesar de algumas lacunas e imprecisões, a tabela 2 mostra que o número de provedores formais

de policiamento privado no Brasil é menor do que os dados da Polícia Federal sugerem. De

qualquer forma, a segurança privada é sim responsável por grande parte do suprimento de

proteção atualmente existente no país. Contrapondo o número de vigilantes com os efetivos das

Empresas de Segurança Privada Vigilantes Espacializadas1 Orgânicas2 Terceirizados3 Orgânicos4 Total

Acre 10 6 326 128 454 Amapá 27 2 819 98 917 Amazonas 29 9 3.100 1.299 4.399 Pará 35 40 4.700 1.337 6.037 Rondônia 14 11 1600 343 1943 Roraima 8 ---- 373 59 432 Tocantins 15 ---- 347 192 539 Alagoas 13 45 1.500 1.487 2.987 Bahia 81 10 14.100 5.028 19.128 Ceará 54 31 8.000 2.335 10.335 Maranhão 25 11 2.200 1.513 3.713 Paraíba 18 24 1.700 874 2.574 Pernambuco 65 56 12.000 3.362 15.362 Piauí 14 14 957 431 1.388 Rio Grande do Norte 22 18 3.600 1.337 4.937 Sergipe 23 8 2.200 1.246 3.446 Distrito Federal 53 4 11.800 1.152 12.952 Goiás 58 21 7.300 2.415 9.715 Mato Grosso 17 9 3.400 1.865 5.265 Mato Grosso do Sul 24 4 2.100 742 2.842 Espírito Santo 19 28 8.700 1.190 9.890 Minas Gerais 81 71 30.900 6.652 37.552 Rio de Janeiro 186 42 47.400 10.088 57.488 São Paulo 404 384 147.000 34.589 181.589 Paraná 77 16 16.600 3.515 20.115 Rio Grande do Sul 97 57 16.100 3.360 19.460 Santa Catarina 54 70 12.800 1.638 14.438 BRASIL 1.523 991 361.622 88.275 449.897

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principais forças de segurança pública do país é possível ver com mais clareza a importância que

a segurança privada tem na sociedade brasileira.

Gráfico 1: Efetivo das Forças de Segurança Pública e da Segurança Privada no Brasil (2003-2004)

050.000

100.000150.000200.000250.000300.000350.000400.000450.000500.000

Norte Nordeste Centro-Oeste Sudeste Sul BRASIL

Polícia Civil (1) Polícia Militar (1) Segurança Privada (2) Guardas Municipais (3)

Fonte: Costruído a partir de dados da Secretaria Nacional de Segurança Pública (SENASP) e do 2º ESSEG.

1. Dados de 2003. O efetivo da polícia civil não inclui a polícia técnica 2. Os dados da segurança privada são os citados na tabela 2. 3. Os dados das Guardas Municipais são de 2004, mas estão subestimados porque a SENASP levantou informações

em apenas 192 das 285 Guardas existentes no país. Não há dados para a região Norte.

Como o gráfico 1 mostra, a segurança privada está mais concentrada nas regiões Nordeste, Sul e

Sudeste, sendo que nestas duas últimas supera os efetivos das Polícias Civis, Militares e Guardas

Municipais. A região de maior destaque é o Sudeste, especialmente os estados de São Paulo e

Rio de Janeiro, que, juntos, reúnem aproximadamente 39% do total de empresas de segurnaça

privada especializadas e 53% do total de vigilantes (terceirizados e orgânicos). Somente o estado

de São Paulo tem cerca de 27% das empresas e 40% dos vigilantes do país (conforme tabela 2).

São Paulo e Rio de Janeiro também concentram o maior número de policiais civis e militares do

país (33%), embora nenhum dos dois apresente a melhor proporção de habitantes por policial18.

Quem lidera o ranking de habitantes por policial (civis e militares) é o Distrito Federal (108

habitantes por policial), seguido pelos estados da região norte: Roraima, Amapá e Acre. O

18 Não há dados disponíveis para os efetivos das Guardas Municipais por estados.

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Distrito Federal também apresenta a melhor relação de habitantes por vigilantes do país, com

aproximadamente 176 habitantes para cada vigilante, proporção que é superior ao de habitantes

por policiais. Mas logo atrás do Distrito Federal está o estado de São Paulo, com cerca de 219

habitantes para cada vigilante, e o estado do Rio de Janeiro, com aproximadamente 264

habitantes por vigilante, o que confirma a concentração em termos absolutos e relativos da

segurança privada nestes estados (conforme tabela 3).

Tabela 3: Policiais e Vigilantes por Habitante (2003-2004)

Fonte: Construido a partir dos dados da SENASP, IBGE e do 2º ESSEG. 1. Dados de 2003. 2. Calculado com base nas estimativas populacionais do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística/IBGE para o

ano de 2004 3. Conforme tabela 1.

Policiais1 (Civis e Militares)

Habitantes2/ Policiais

Vigilantes3 Habitantes2/ Vigilantes

Acre 3.618 174,2 454 1.388,4 Amapá 3.816 143,4 917 596,9 Amazonas 8.877 353,6 4.399 713,5 Pará 14.247 480,8 6.037 1.134,7 Rondônia 5.370 290,9 1943 804,0 Roraima 2.774 137,7 432 884,0 Tocantins 3.993 316,2 539 2.342,6 Alagoas 10.294 289,6 2.987 998,0 Bahia 33.400 409,6 19.128 715,3 Ceará 14.607 546,1 10.335 771,8 Maranhão 8.635 697,3 3.713 1.621,7 Paraíba 9.444 377,8 2.574 1.386,3 Pernambuco 23.345 356,6 15.362 541,9 Piauí 6.961 427,7 1.388 2.145,0 Rio Grande do Norte 12.424 238,4 4.937 600,0 Sergipe 6.341 305,1 3.446 561,4 Distrito Federal 21.038 108,5 12.952 176,2 Goiás 16.616 331,5 9.715 567,0 Mato Grosso 8.908 308,6 5.265 522,2 Mato Grosso do Sul 5.884 379,1 2.842 784,9 Espírito Santo 10.581 316,8 9.890 338,9 Minas Gerais 47.337 401,2 37.552 505,8 Rio de Janeiro 55.004 276,4 57.488 264,5 São Paulo 112.435 354,2 181.589 219,3 Paraná 20.454 495,5 20.115 503,9 Rio Grande do Sul 25.880 414,5 19.460 551,2 Santa Catarina 14.126 408,8 14.438 399,9 BRASIL 506.409 358,6 449.897 403,6

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Além da concentração regional da segurança privada, outro dado importante a ser observado é a

concetração de vigilantes em poucas empresas. Segundo levantamento realizado pelo 2º ESSEG

com base nos dados fornecidos pela Polícia Federal para o ano de 2005, 52% dos vigilantes

terceirizados (que são a grande maioria) estavam empregados em apenas 6% das empresas

autorizadas a prestarem serviços de segurança privada. Por outro lado, 40% das empresas

especializadas autorizadas a atuarem empregavam 4% dos vigilantes.

Gráfico 2: Tamanho das Empresas de Segurança Privada e Concentração do Setor no Brasil (2005)

40%

15%

24%

9%6% 6%4% 4%

14%11%

15%

52%

Empresas com até 50vigilantes

Empresas de 51 até100 vigilantes

Empresas de 101 até300 vigilantes

Empresas de 301 até500 vigilantes

Empresas de 501 até1.000 vigilantes

Empresas com maisde 1.000 vigilantes

Participação no total das empresas Percentual de vigilantes empregados no total

Fonte: 2º ESSEG.

Como é possível observar no gráfico 2, há a predominância de pequenas empresas com até 50

vigilantes (em relação ao total de empresas), e a importância relativa das empresas com mais de

1.000 vigilantes (em relação ao total de vigilantes empregados). Esse padrão está presente em

todas as regiões, onde há variações significativas apenas entre as empresas de porte

intermediário.

Tanto a concentração regional quanto setorial que caracteriza o universo dos provedores formais

de policiamento privado no Brasil coloca desafios para o controle público, como será mostrado

posteriormente. Aqui importa observar apenas que o policiamento privado formal cresceu

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substancialmente no país entre os anos 80 e 90. Este crescimento não foi particular ao Brasil.

Diversos países ao redor do mundo também experimentaram, a partir dos anos 50 e 60, um

crescimento acelerado do policiamento orgânico corporativo e do policiamento contratado. Nos

Estados Unidos, por exemplo, o número de empregados em empresas que ofereciam serviços de

policiamento por contrato dobrou durante os anos 60. Enquanto a polícia cresceu 42% nesta

década, o policiamento contratado cresceu 74%. No Reino Unido, a polícia cresceu a uma taxa de

16% nos anos 70, ao passo que o policiamento contratado teve uma taxa de crescimento muito

superior, de 42% (Shearing, 2003, p. 437). Hoje, em ambos os países e noutros como o Canadá e

a Austrália, a segurança privada supera a polícia em número de pessoas empregadas. Mesmo em

países de forte tradição estatista como a França, os efetivos das empresas de segurança privada

quase dobraram entre os anos 80 e 90, embora a polícia permaneça mais numerosa (Lévy, 1997).

Estudos mais recentes mostram que esse fenômeno ocorreu, com maior ou menor extensão

conforme o lugar, em praticamente todas as sociedades capitalistas avançadas. Assim, o

crescimento do policiamento privado no Brasil reflete uma tendência mais geral e que parece

duradoura.

2.1.2 Características gerais

A expansão da segurança privada no Brasil e na maior parte dos países ocidentais envolve mais

do que a simples emergência do setor privado como provedor de policiamento. Junto também

emerge uma modalidade de policiamento muito distinta do policiamento público. Mas antes de

explorar esta questão cumpre destacar que a literatura internacional tem concordado que a polícia

e as empresas de segurança privada cada vez mais desempenham as mesmas atividades

(conforme Bayley e Shearing, 2001; e Stenning, 2000). Nesse aspecto, o caso brasileiro também

não parece diferente dos demais, tendo em vista que a segurança privada desempenha no Brasil

aquelas funções que são prerrogativas constitucionais das forças de segurança pública: a

preservação da incolumidade das pessoas e do patrimônio. No exercício dessas funções, a

segurança privada também exerce o papel mais elementar das organizações policiais: prevenir a

criminalidade. Isso está inclusive reconhecido em uma das normas referentes ao setor (art. 5º do

Decreto nº. 89.056/83), que define a vigilância ostensiva como a “atividade no interior dos

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estabelecimentos e em transporte de valores, por pessoas uniformizadas e adequadamente

preparadas para impedir ou inibir ação criminosa”. Assim, como a própria legislação e as

doutrinas e jurisprudências relativas ao assunto destacam, o profissional que trabalha em

atividades de segurança privada - o chamado “vigilante” - desempenha uma função semelhante a

do policial. Como colocou Emílio Gonçalves, “vigilante é o guarda especial que presta serviços

de segurança a uma empresa, com atribuições específicas de guarda de bens e defesa policial,

exercendo função semelhante à do policiamento [público], ou seja, de natureza parapolicial”

(apud. Almeida, 1997, p. 9-10).

Não obstante essa semelhança mais geral entre as atividades exercidas pela polícia e pela

segurança privada, há grandes diferenças entre elas. Quando comparada à polícia, a segurança

privada se diferencia de maneira marcante em pelo menos três aspectos: 1) o mandato e as

missões são definidos pelos empregadores; 2) tem mentalidades e práticas mais instrumentais e

preventivas, ao invés de morais e repressivas; 3) suas atividades têm um caráter menos

especializado.

Diferentemente da polícia, orientada pela idéia de “contrato social”, a segurança privada age sob

o modo do mandato ou contrato privado (Ocqueteau, 1997). Ao invés de servir ao interesse

público, que fundamenta as atividades da polícia, a segurança privada existe essencialmente para

servir aos interesses daqueles que a emprega. A obrigação do policiamento público é servir

igualmente a todos com base na idéia de cidadania. Já o policiametno privado visa suprir apenas a

necessidade de segurança de seus clientes. A lealdade da segurança privada é devida apenas aos

seus empregadores, e não ao público em geral. Alias, é nesse sentido que pode se afirmar que os

provedores de policiamento não-estatais empreendem um policiamento privado ao invés de

público (Shearing e Stenning, 1981 e 1983).

Este foco no cliente tem implicações sobre a mentalidade e práticas da segurança privada, que

diferem das mentalidade e práticas da polícia por serem mais instrumentais e preventivas do que

morais e repressivas, e também menos especializadas. No contexto do sistema de justiça criminal

em que a polícia atua, o policiamento é exercido tendo em vista preocupações morais

relacionadas à preservação da ordem pública instituída. A polícia age para garantir o consenso

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moral e o acatamento às regras públicas, seja pela ameaça ou uso de sanções (especialmente a

força física) para inibir comportamentos desviantes em relação à lei, seja fazendo o crime não

compensar pela possibilidade de detenção rápida e certeira dos criminosos. É a repressão e não a

prevenção que ocupa o papel mais destacado nesse tipo de policiamento, que tem um caráter

“especializado” porque voltado prioritariamente para a promoção de segurança através da ameaça

ou uso da força física19.

A segurança privada, ao contrário, normalmente atua no interior de um “sistema de justiça

privado”20 onde exerce um policiamento instrumental que prioriza o interesse dos empregadores

enquanto vítimas potenciais de atividades criminosas. Geralmente suas atividades são voltadas

para a preservação de uma ordem privada. Assim, a segurança privada costuma atribuir maior

importância à restituição e satisfação dos interesses dos clientes do que à punição e reafirmação

do consenso moral. A ênfase de seu trabalho é colocada na prevenção e não na repressão. A

preocupação geralmente não é descobrir, prender e punir transgressores da lei, mas regular

comportamentos e circunstâncias de modo a evitar ou minimizar as possibilidades de ocorrência

criminal, prática conhecida no universo da segurança privada como “gerenciamento de risco”.

Essa mentalidade preventiva é claramente expressa na corrente criminológica que orienta o

trabalho da segurança privada, a “criminologia da prevenção situacional”, que preconiza a

prevenção a partir da inacessibilidade dos alvos cobiçados pelos delinqüentes (Ocqueteau, 1997).

A preocupação da segurança privada não é somente a de repelir ou prevenir ações criminais, mas

também perdas e danos decorrentes de sinistros, comportamentos incivis, sabotagem e outros

infortúnios. Assim, o policiamento privado costuma ter um caráter menos especializado do que o

policiamento público. Pesquisas realizadas na América do Norte mostraram que os agentes de

segurança privada gastavam a maior parte de seu tempo realizando o controle do acesso de

pessoas às áreas controladas e fazendo um tipo de vigilância (geralmente a pé) que envolvia nada 19 A idéia de especialização é aqui utilizada com o sentido atribuído por Bayley (2001, p. 23; e 57-60), ou seja, para

descrever uma força policial que se concentra principalmente na aplicação da força física para a promoção de segurança, contrastando assim com outra que possui autorização para fazer uso da força para promover segurança, mas que também é capaz de fazer muitas outras coisas, como por exemplo combater incêndios, proceder a vigilância sanitária, coletar impostos, controlar o trânsito, fazer limpeza, auxiliar na administração em geral, etc.

20 O termo “sistema de justiça privado" é usado por Shearing e Stenning (1981) para indicar as práticas de resolução de conflitos com base em convenções sociais. As pessoas normalmente recorrem a esses sistemas de justiça alternativos para solucionar problemas (incluindo aqueles que podem ser considerados crime pelo sistema de justiça criminal) cuja solução no sistema de justiça formal é avaliada como mais custosa.

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mais do que a observação e o encaminhamento de soluções simples para problemas que

pudessem ocasionar perdas aos empregadores - verificavam se portas ou janelas haviam sido

trancadas corretamente e se objetos de valores haviam sido esquecidos; alertavam pessoas

desatentas com seus pertences; identificavam e resolviam problemas de iluminação, etc.

(Shearing e Stenning, 1981 e 1983). Prover proteção às pessoas e/ou propriedades costuma ser

apenas uma preocupação mais geral que a segurança privada tem com a prevenção de perdas e a

satisfação de interesses os mais diversos por parte dos empregadores. Disso resulta um

policiamento menos especializado do que o executado pela polícia.

Ao que se sabe nenhum estudo qualitativo foi realizado no Brasil para avaliar o que os agentes de

segurança privada fazem em serviço, mas não há razões para crer que o caso brasileiro seja

desviante em relação ao dos países desenvolvidos.

2.1.3 Ameaças aos direitos humanos

Pelo seu foco no empregador, caráter preventivo e pouco especializado, o policiamento privado

costuma ter baixa visibilidade. Seus agentes dificilmente parecem ameaçadores e dotados de

poderes capazes de interferir nas liberdades civis. Constrastando as atividades da polícia com as

da segurança privada, alguns autores sustentaram que os poderes possuídos pelos agentes de

segurança privada são semelhantes aos dos cidadãos comuns, tendo em vista que aqueles não

dispõem dos mesmos poderes legais disponíveis à polícia . Essa tese foi inicialmente elaborada

por Kakalik e Wildhorn [1972], num importante e influente estudo sobre policiamento privado

realizado nos Estados Unidos no início dos anos 70 (apud. Shearing, 2003, p. 438-39). Nesse

estudo, os autores argumentaram que as organizações privadas que provêem policiamento nada

mais fazem do que exercer atividades inofensivas de autodefesa que estão disponíveis a qualquer

cidadão. As implicações decorrentes dessa posição eram a de que a segurança privada não

deveria ser motivo de maiores preocupações quanto a violações de direitos humanos e controle

sobre suas atividades.

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Embora equivocado, esse ponto de vista contém argumentos que são verdadeiros. Enquanto

depositária da reivindicaçao permanente do Estado em monopolizr o uso da violência legítima, a

polícia está de fato autorizada por estatutos específicos a exercer, em circunstâncias claramente

definidas, poderes intrusivos e coercitivos excepcionais que normalmente não estão disponíveis –

ou ao menos não do mesmo modo – para os cidadãos comuns e organizações de policiamento

privado. Contudo, como Stenning (2000) colocou, pontos de vista como os de Kakalik e

Wildhorn têm uma concepção limitada dos poderes envolvidos no trabalho policial, pois

consideram apenas os poderes legais dos policiais, e ainda sim não levam em consideração o fato

de a segurança privada exercer poderes legais com base em leis distintas àquelas que

fundamentam o trabalho da polícia.

Para uma visão ampliada dos poderes envolvidos no policiamento Stenning (2000, p. 330)

sugeriu a interessante imagem de uma “caixa de ferramentas” a qual os policiais recorreriam

quando no trabalho. Além das ferramentas legais, que conferem autoridade e legalidade ao

trabalho policial, este também envolveria o uso de ferramentas físicas e tecnológicas (armas,

bastões, algemas, computadores, carros, câmeras de vigilância, etc), ferramentas pessoais

(constituição dos corpos, as habilidades físicas, verbais e qualquer carisma pessoal que os

policiais possam utilizar) e ferramentas simbólicas (o status dos policiais e das organizações, o

poder simbólico dos uniformes, o respeito do público e a identificação dos policiais com as

organizações e sua profissão, etc). Todas essas ferramentas seriam capazes de impor obediência

às normas estabelecidas e podem levar à violação de direitos humanos.

Tanto a polícia quanto a segurança privada teriam à sua disposição ferramentas legais,

físicas/tecnológicas, pessoais e simbólicas. Mas essas ferramentas não são as mesmas para a

polícia e para a segurança privada, muito menos são utilizadas do mesmo modo e com a mesma

ênfase. No caso das ferramentas legais já foi observado que a segurança privada dispõe de

recursos mais limitados. Mesmo assim os profissionais de segurança privada contam com bases

legais que lhes proporcionam as ferramentas necessárias ao policiamento e poder formal que, sob

alguns aspectos, é até mesmo potencialmente mais ameaçador dos direitos humanos do que os

poderes dos policiais. Para entender essa questão é necessário ter claro que a segurança privada

deriva sua legitimidade de duas fontes distintas, mas complementares: da “autoridade moral” que

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os proprietários têm para defender e controlar o uso de suas propriedades, autoridade esta que é

delegada à segurança privada; e da “autoridade formal” proveniente das competências atribuídas

por lei às empresas e profissionais de segurança privada (Zanetic, 2006, p. 63). Assim, os poderes

formais dos agentes de segurança privada derivam tanto de leis específicas que regulam a

segurança privada, quanto, e principalmente, de leis gerais relacionadas ao direito de propriedade

e ao direito contratual.

Em muitos lugares e no Brasil profissionais de segurança privada têm, como qualquer cidadão,

autoridade para efetuar prisões civis em circunstâncias limitadas (flagrante delito) ou agir em

legítima defesa própria ou de outrem. Mas seus poderes efetivos são muito maiores do que o dos

cidadãos comuns. Os agentes de segurança privada constituem um agrupamento profissional

dotado de direitos, prerrogativas e símbolos que os tornam diferentes dos cidadãos comuns e

claramente identificados no espaço social. Mesmo que os agentes de segurança privada

contassem apenas com a autoridade limitada dos cidadãos - autoridade que têm não apenas o

direito, mas a obrigação de utilizar quando em serviço -, o fato de eles serem profissionais

dedicados e preparados explicitamente para o uso de tal autoridade já lhes confere poderes que,

na prática, são superiores aos dos cidadãos em geral. Além disso, os profissionais de segurança

privada no Brasil possuem direitos que não estão disponíveis à maioria dos cidadãos, como o

porte privilegiado de armas de fogo quando em serviço (revólveres, pistolas, espingardas) e o

direito à prisão especial em caso de ato decorrente do exercício de suas atividades. Os

profissionais de segurança privada também fazem uso de prerrogativas especiais associadas à sua

profissão, como por exemplo das capacidades técnicas e intelectuais que são obrigados a

adquirirem em treinamentos, de uniformes especiais, coletes a prova de balas, algemas,

cassetetes, rádios de comunicação, veículos com sirenes, equipamentos de vigilância e outros

que, em conjunto, lhes proporcionam as ferramentas normalmente utilizadas no trabalho de

policiamento e a visibilidade que os tornam claramente identificados no meio social21.

21 Nos termos do art. 15 da Lei Federal nº. 7.102/83, que regula a segurança privada no Brasil, o “vigilante” tem

treinamento específico para exercer seu ofício com arma de fogo, armamento que não é dele próprio, mas da empresa, cujo porte só pode acontecer quando estiver em serviço. Além do porte de arma quando em serviço, o art. 19 da mesma lei assegura ao “vigilante” uniforme especial às expensas da empresa a que se vincular, prisão especial por ato decorrente do serviço e seguro de vida em grupo, feito pela empresa empregadora.

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Além desses direitos e prerrogativas a segurança privada também possui poderes legais que

derivam em grande parte das leis contratuais e de propriedade que atribuem aos que controlam

propriedades o direito de restringir o acesso a elas e de regular relações sociais no seu interior,

direitos esses que podem ser delegados à segurança privada. É com base nesses direitos que a

segurança privada pode realizar interferências potencialmente perturbadoras nas liberdades civis

dos cidadãos. Agindo a mando dos que controlam propriedades, agentes de segurança privada

podem exigir que pessoas se identifiquem ou se submetam a revistas fortuitas como condição de

acesso ou saída das propriedades. Cabe às pessoas o direito de negar a identificação e/ou revista,

mas a negativa implica em ter a entrada no estabelecimento obstruída. Profissionais de segurança

privada em estabelecimentos fechados também podem legalmente manter pessoas sob vigilância

constante e expulsá-las, valendo-se da ameaça ou uso da força física, em caso de violação das

regras estabelecidas no interior da propriedade. Podem também aprisioná-las e encaminhá-las à

justiça criminal, caso a violação tenha desafiado as regras públicas instituídas e configurado

crime. Em último caso, agentes de segurança privada podem utilizar força letal para proteger os

interesses daqueles que os empregam (Paixão, 1991; Shearing e Stenning, 1983).

Esses poderes não estão disponíveis do mesmo modo para a polícia, pelo menos nas sociedades

democráticas. Agindo fundamentada sob, e orientada para, o sistema de justiça criminal formal, o

trabalho da polícia nos países democráticos está limitado pelas regras do devido processo legal,

que prevê procedimentos formalizados que visam proteger a integridade e a privacidade dos

indivíduos. Assim, por exemplo, revistas pela polícia somente podem ocorrer legalmente sob

autorização judiciária ou quando houver indícios da existência de objetos ou pessoas envolvidas

em algum crime (Ribeiro, 1999). Do mesmo modo, o uso da força física deve obedecer a regras

públicas que visam garantir o comedimento, a legalidade e a legitimidade do trabalho policial.

Enquanto a polícia freqüentemente utiliza a força física para reprimir ou prender pessoas por

condutas ilegais, a segurança privada recorre a ela para reprimir ou expulsar pessoas das áreas

policiadas em função de condutas desviantes em relação às regras estabelecidas internamente à

propriedade. Assim, a segurança privada não age baseada no sistema de justiça criminal formal,

mas segundo o que foi estabelecido privadamente por contrato. Agindo desse modo ela não está

submetida às mesmas regras que orientam o trabalho da polícia. Para a segurança privada, mais

importante do que obedecer ao devido processo legal para que pessoas sejam presas e

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processadas sem a violação de direitos fundamentais é prevenir e neutralizar ameaças reais e

potenciais aos interesses dos empregadores, daí o uso desinibido que faz do controle de acessos e

banimentos dos espaços policiados (Paixão, 1991; Shearing e Stenning, 1983). Essa capacidade

de negar os bens e serviços desejados em caso de não acatamento das normas estabelecidas é uma

das principais características do policiamento privado e a ela está associada uma outra - a

capacidade de imprimir lógicas excludentes aos espaços policiados (Caldeira, 2003).

O fato é que a segurança privada dispõe de todas as ferramentas necessárias ao trabalho de

policiamento, inclusive as legais, mas não as utiliza orientada pelas regras do devido processo

legal. O policiamento privado envolve, portanto, um potencial de ameça aos direitos humanos até

mesmo maior do que aquele presente no policiamento público. Mas esse potencial varia

conforme a utilização e combinação que a segurança privada faz dos recursos disponíveis em sua

caixa de ferramentas. Quanto a isso sabe-se pouco. Os pesquisadores realizaram poucos estudos

com o objetivo de entender o uso que a segurança privada faz das várias ferramentas de que dipõe

para o policiamento, e esforços ainda menores foram feitos para avaliar o conteúdo e a eficácia

das ferramentas simbólicas. Não está claro, por exemplo, o que os uniformes e insígnias da

segurança privada significam para o público, mas acredita-se que eles impõem respeito e ajudam

no trabalho de policiamento. Em relação às demais ferramentas, as poucas avaliações até agora

realizadas nas democracias desenvolvidas indicam que as ferramentas legais e físicas coercitivas,

amplamente usadas no policiamento público, são pouco utilizadas no policiamento privado22.

Stenning (2000, p. 334-335) sugeriu algumas razões para explicar esse fato nos países

desenvolvidos. Em primeiro lugar, o autor observa que a segurança privada está mais focada em

prevenção, restituição e compensação do dolo criminoso do que em repressão, vingança e

reafirmação do consenso moral, que estão no centro do trabalho da polícia. Para que a segurança

privada desempenhe essas tarefas, poderes legais nem sempre são necessários. Pequenos furtos 22 No trabalho da polícia sabe-se que as variações em relação ao uso das ferramentas policiais ocorrem tanto do

ponto de vista individual quanto organizacional. Policiais tendem a priorizar um ou outro recurso conforme as situações e, acredita-se, os diferentes momentos de sua carreira. Organizações policiais também priorizam um ou outro tipo de ferramenta. O chamado “modelo inglês de polícia” edificou-se com base na idéia de “manutenção da ordem por consentimento”. Neste policiamento os poderes legais e a força física deveriam ser invocados apenas quando os demais recursos menos abertamente coercitivos falhassem. Embora esse modelo venha passando por um desgaste progressivo, a imagem do ‘policial amigável’ ainda é, epistemológica e filosoficamente, promovida pela polícia inglesa, que contrasta com o denominado “modelo francês de policia”, onde o policial é pensado como “oficial de execução da lei” (Stenning, 2000).

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no ambiente de trabalho, por exemplo, frequentemente são resolvidos internamente sem precisar

recorrer a poderes legais e ao sistema de justiça público.

Em segundo lugar, Stenning sustenta que as empresas de segurança privada normalmente

desencorajam seus agentes a utilizarem poderes formais e ferramentas físicas coercitivas no

trabalho. Isto ocorre não porque a segurança privada quer se diferenciar da polícia, mas porque

estão interessadas em minimizar conflitos e realizar um “policiamento por consentimento”,

considerado mais fácil, menos estressante, caro e perigoso do que o “policiamento pela força”. A

segurança privada também é menos confiante no uso de poderes coercitivos e formais porque tem

autoridade e capacidade para utilizar ferramentas tecnológicas como alarmes, sensores, circuitos

internos de TV e outros equipamentos sofisticados que permitem um policiamento mais eficiente,

barato e menos abertamente coercitivo. Atuando principalmente a mando de corporações, a

segurança privada dos países desenvolvidos tem, segundo Stenning, mais facilidades de acesso a

tais tecnologias do que a polícia, que geralmente encontra dificuldades para persuadir os

contribuintes e parlamentares a realizarem investimentos nestas ferramentas. Stenning destaca

ainda o fato de a polícia também enfrentar resistências políticas relacionadas ao medo do Big

Brother de Orwell quando expressa interesse em tecnologias de segurança, especialmente

tecnologias de vigilância, que aparentemente são mais facilmente aceitas nos ambientes

corporativos.

Finalmente, Stenning sustenta que a segurança privada e seus contratantes são muito

influenciados por processos legais movidos contra eles. Como os tribunais não têm sido

relutantes em condenar agentes de segurança privada e seus contratantes por erros ou abusos de

autoridade, muitos têm preferido substituir ferramentas abertamente coercitivas por recursos

tecnológicos. Os bancos dos EUA, por exemplo, têm trocado armas de fogo por equipamentos

eletrônicos de vigilância em função do aumento do número de disparos acidentais de armas,

procurando assim acabar com os processos civis decorrentes de tais situações e evitar os elevados

custos necessários ao treinamento de agentes para minimizar tais problemas.

Até que ponto a segurança privada no Brasil tem priorizado um policiamento tecnológico e

consensual ainda não se sabe. Ao que consta nenhum trabalho foi realizado com o objetivo de

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entender como a segurança privada existente no país utiliza as várias ferramentas de que dispõe

para o trabalho de policiamento. Aparentemente, a prioridade no uso de ferramentas outras que

não as legais e coercitivas está associada às próprias características do policiamento privado e,

portanto, estaria presente nos mais variados contextos. Mas há duvidas se, em países como o

Brasil, com elevadas taxas de criminalidade violenta e graves conflitos sociais, a segurança

privada de fato têm priorizado um “policiamento por consenso” ao invés de baseado na força.

Há evidências que sustentam essa dúvida. Dados disponíveis para a cidade de São Paulo para o

ano de 1997 apontam uma participação expressiva de profissionais de segurança privada em

confrontos letais. Segundo o anuário do Departamento de Homicídios e Proteção à Pessoa/DHPP,

que apura crimes dolosos contra a pessoa de autoria desconhecida, nos 40 homicídios múltiplos

ocorridos na cidade, 25% dos autores identificados eram profissionais de vigilância. Não havia

para aquele ano estatísticas sobre a profissão dos autores dos homicídios de autoria conhecida,

mas a suspeita era de que boa parte também era formada por profissionais de segurança privada

(Khan, 1999).

Por outro lado, há casos conhecidos de empresas que atuavam em áreas de intenso conflito social,

como denunciou em 2001 o Jornal do Brasil numa série de matérias dedicadas à escalada dos

conflitos agrários no Sul e Sudeste do estado do Pará. Segundo as reportagens, empresas de

segurança privada naquele estado estavam sendo contratadas por latifundiários da região para

repelir ocupações de fazendas por trabalhadores rurais sem terra. Longe de praticarem um

policiamento preventivo e consensual, as empresas estavam promovendo um policiamento

agressivo e abusivo. Em meio às tensões decorrentes dos conflitos entre fazendeiros e

trabalhadores rurais os agentes de segurança privada exorbitavam suas funções e realizavam blitz

nas estradas, coagiam, investigavam e até prendiam trabalhadores rurais suspeitos de

participarem de ocupações de terras na região23.

Além disso, a segurança privada no Brasil tem feito um uso relativamente limitado de

ferramentas tecnológicas, embora pareça certo que o policiamento privado evoluirá nesse sentido.

23 Jornal do Brasil Online - “Extermínio no Campo” (09/12 – 17/12 de 2001). Disponível em

http://www.jbonline.terra.com.br/destaques/campo/

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Segundo Cubas (2002), num projeto de segurança para um cliente as empresas de segurança

gastam cerca de 95% com mão de obra e apenas 5% com equipamentos eletrônicos. Situação

diferente ocorre nos Estados Unidos e Europa, onde a distribuição do orçamento de um projeto é

de 70% para mão de obra e 30% em tecnologias de segurança. Mesmo nas grandes empresas

instaladas no Brasil os investimentos em tecnologias de segurança são reduzidos. Pesquisa

realizada pela FENAVIST em 2003 junto a uma amostra de grandes corporações - mais de mil

empregados e faturamento acima de R$ 60 bilhões - constatou que os gastos com vigilância

eletrônica foram baixos (12%) em comparação aos demais itens do orçamento de segurança, que

variou entre 1 e 2% do faturamento bruto anual das empresas.

Gráfico 3: Distribuição do Orçamento de Segurança de Grandes Corporações no Brasil (2003)

Vigilância Orgânica; 23%

Vigilância Eletrônica;

12%

Consultoria e Contratos de Investigação;

6%

Vigilância Terceirizada;

59%

Fonte: 2º ESSEG

Nas empresas de segurança privada (prioritárias no orçamento de segurança das grandes

corporações - 59% dos gastos), em média, 90% dos empregados atuam diretamente na promoção

de segurança, sendo os 10% restantes em atividades de apoio dentro das empresas (financeira,

marketing, tecnologia, entre outras)24. A segurança privada no Brasil é, portanto, uma atividade

que usa intensamente mão-de-obra. As conseqüências desse fato são óbvias: maior número de

profissionais de segurança privada implica mais contato com o público, mais contato com o

público implica maior probabilidade de confrontos. Essa equação é reforçada pelo fato de a

24 Conforme 2º ESSEG.

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segurança privada estar em sua maior parte policiando espaços de grande circulação de pessoas,

como o gráfico 4 mostra.

Gráfico 4: Principais Contratantes dos Serviços de Vigilância (2005)

Bancos21%

Outras empresas do setor privado

14%

Indústrias14%

Serviços13%

Setor Público38%

Fonte: 2º ESSEG

Como o gráfico mostra, o policiamento privado executado por empresas que oferecem serviços

de vigilância é predominantemente realizado nos chamados “espaços comunais”, que são espaços

de uso coletivo localizados no interior de propriedades fechadas (públicas ou privadas) e

policiadas privadamente: repartições públicas, shoppings center, instituições de ensino,

hipermercados, espaços recreativos, condomínios residenciais, etc. Como a vida pública hoje se

desenvolve em grande medida no interior desses espaços, onde bens e serviços essenciais são

oferecidos, o resultado é que mais e mais a vida pública está sendo policiada privadamente.

Mesmo que a segurança privada no país esteja realizando um policiamento mais consensual do

que baseado na força, os recursos de que dispõem (ferramentas) e sua condição de representante

dos que controlam os espaços comunais conferem a seus agentes poderes que, como dito

anteriormente, são muito superiores ao dos cidadãos comuns e, em alguns aspectos,

potencialmente mais ameaçadores das liberdades civis do que são os poderes de polícia. Ninguém

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melhor do que Paixão resumiu o problema que a segurança privada representa para os direitos

humanos no país:

A segurança privada – no contexto democrático – não apenas detém poder de polícia no âmbito privado (do ponto de vista das relações de propriedade) das plantas industriais, centros comerciais, condomínios, escolas, como também o exerce – exigindo identificações, documentos, fotografias; revistando objetos e pessoas; monitorando espaços e mantendo pretensos violadores das regras de propriedade ou de segurança em cárcere privado; investigando relações sociais; e, eventualmente, matando pretensos invasores – livre dos formalismos que, no espaço público, protegem o indivíduo contra o arbítrio do Estado. (Paixão, 1991, p. 136).

Esses problemas se tornam ainda maiores quando policiais trabalham num segundo emprego

como provedores de policiamento, prática conhecida como “bico”. Essa questão conduz ao

universo do policiamento privado informal, que coloca desafios ainda maiores para a efetivação

dos direitos humanos no país e problemas adicionais e particulares para o controle público da

segurança privada.

2.2 O Universo do Policiamento Privado Informal

1.2.1 Crescimento e dimensões

O universo informal dos provedores particulares de policiamento abrange todas as organizações e

pessoas que executam policiamento sem estarem legalmente autorizados para tanto. Trata-se de

um universo bastante heterogêneo. De um modo geral inclui: 1) empresas juridicamente

constituídas como de segurança privada em juntas comerciais ou com registro em outros órgãos

públicos, porém não autorizadas pela Polícia Federal a prestarem serviços de segurança privada;

2) empresas que prestam serviços típicos de segurança privada sob a fachada de empresas

juridicamente constituídas para atuarem em outras áreas - conservação e limpeza, administração

de condomínios, portaria, promoção de eventos, etc; 3) organizações juridicamente inexistentes

ou simplesmente pessoas associadas que prestam serviços de vigilância patrimonial intramuros

ou em vias públicas, segurança em eventos, serviços de proteção às pessoas, cargas, etc; e 4)

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“seguranças autônomos” que prestam serviços como free-lance para pessoas ou propriedades das

mais variadas - comércio, bares, casas noturnas, restaurantes, hotéis, escolas, fazendas, áreas

residenciais, etc. No limite, essas empresas/organizações e agentes podem assumir a forma de

esquadrões da morte e justiceiros

Por se tratar de um universo informal é difícil avaliar com precisão o seu tamanho e crescimento

nas últimas décadas. As suposições oscilam muito. Segundo a Confederação Nacional dos

Vigilantes e Prestadores de Serviços (CNTV-PS), o número de profissionais ilegais atuando na

segurança de lojas, instituições financeiras, ruas e condomínios passou de 500 mil em 1995 para

os atuais 2 milhões - um aumento de 300%. O Sindicato das Empresas de Segurança Privada,

Segurança Eletrônica, Serviços de Escolta e Cursos de Formação do Estado de São Paulo

(SESVESP) estima que, para cada vigilante regularizado, haja de três a cinco informais. Haveria

no Brasil, portanto, pelo menos 1,5 milhões de pessoas envolvidas em atividades informais de

policiamento privado25.

Não se sabe ao certo qual o número de pessoas envolvidas em atividades informais de

policiamento privado, mesmo porque há dúvidas em se categorizar determinadas atividades como

de policiamento e conflitos de normas que tornam algumas atividades ilegais sob um ponto de

vista e legais sob outro. Este é o caso das atividades de vigilância comunitária realizada em vias

públicas. Na última década inúmeras pessoas passaram a se dedicar, de maneira autônoma ou

associada, à promoção de segurança de áreas residenciais das cidades brasileiras. São os

chamados “rondantes” - também conhecidos como guardas noturnos, agentes de segurança

comunitária, vigias noturnos, vigilantes noturnos autônomos ou simplesmente vigias ou guardas

de rua -, pessoas que se dedicam à patrulha a pé, de bicicleta ou motorizada de ruas de bairros

residenciais, muitas vezes iniciada sem a solicitação dos moradores, que posteriormente são

impelidos ou achacados a pagarem pelos serviços. Muitos integram empresas ou cooperativas que

se autodenominam empresas de vigilância comunitária ou guardas noturnas.

As normas federais que regulam a segurança privada no Brasil não permitem o policiamento em

vias públicas - exceto quando está associado ao transportar de valores, proteção de cargas (escolta

25 Entrevista com o presidente do SESVESP publicada no jornal Folha de São Paulo em 26/10/2005.

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armada) e pessoas (segurança pessoal privada) -, assim como o policiamento provido por agentes

autônomos. Em princípio, nenhuma outra lei poderia permitir esse tipo de atividade porque o art.

144, § 5º, da Constituição Federal reserva às Polícias Militares a competência para exercer

policiamento ostensivo em áreas públicas. Portanto, as atividades de vigilância comunitária

estariam em desacordo com a norma superior. Aqueles que provêem policiamento em vias

públicas incorreriam em crime de usurpação de função pública.

Contudo, tem havido algumas tentativas de regulamentar as atividades de vigilância comunitária.

O Estado de São Paulo, por exemplo, editou em janeiro de 2002 a Lei nº. 11.275, que reconhece e

determina o registro na Secretaria de Segurança Pública (SSP-SP) de “Guardas Noturnas

Particulares”26, “Agentes de Segurança Noturno” e “Agentes de Segurança Comunitária para

Guardas de Rua” que atuam no Estado27. Com esta Lei o Estado de São Paulo trouxe para a

legalidade, e de maneira bastante problemática tendo em vista a precariedade da regulação,

atividades que do ponto de vista das leis federais que regem a segurança privada e da

Constituição Federal podem ser consideradas ilegais. O conflito entre as leis federais que regulam

a segurança privada e a Lei Estadual nº. 11.275/02 levou, em 2003, a Confederação Nacional do

Comércio (CNC) ao Supremo Tribunal Federal (STF), onde ajuizou Ação Direta de

Inconstitucionalidade (ADIN nº. 2878) com pedido de liminar contra os dispositivos que criaram

a figura do “profissional autônomo de segurança comunitária para guarda de rua”, cujas

atividades são proibidas pelas leis federais.

26 Estas são definidas como entidades sem fins lucrativos mantidas por eventuais contribuições espontâneas dos

beneficiários dos serviços de vigilância prestados. 27 No estado de São Paulo as atividades de vigilância comunitária desde muito foram permitidas pelas autoridades

públicas. Nas décadas de 30 e 40 foram fundadas nas cidades de São Paulo, Campinas e Santos Guardas Noturnas, que eram entidades autorizadas a venderem serviços policiais para proteção não apenas do patrimônio residencial, mas também industrial e comercial das cidades. De um modo geral, essas guardas atuavam de maneira semelhante às organizações comunitárias atualmente em operação: faziam o policiamento ostensivo das ruas cujos moradores ou interessados aceitassem pagar os serviços. A Guarda Noturna de São Paulo foi extinta na década de 50, a de Campinas em 2003 e a de Santos está em processo de extinção. Em 1968 também foi publicado um decreto estadual autorizando o funcionamento de guardas noturnas e agentes de vigilância em todo o estado - Decreto Estadual nº. 50.301, que regulamentou o artigo 32 da Lei Orgânica da Polícia (Lei nº. 10.123, de 1968). Na época este decreto estabeleceu normas de organização e funcionamento para Guardas Municipais, Guardas Noturnas e atividades de vigilantes particulares e de transporte de valores, mas logo passou a legislar num vazio jurídico com a publicação da atual Lei Orgânica da Polícia (Lei Complementar Estadual nº. 207, de 1979), que revogou a lei anterior. Posteriormente, com a regulamentação das atividades de policiamento privado através de Lei Federal (Lei nº. 7.102/83) houve um conflito entre o que estava disposto naquele decreto e nesta lei, que legislavam sobre a mesma matéria. Sobre esta polêmica jurídica ver Vigias noturnos e fiscalização pela polícia de São Paulo, doutrina apresentada por Luís Carlos de Almeida Hora.

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A Câmara Legislativa do Distrito Federal também baixou, em 2001, lei que regulamentou

serviços de vigilância em vias públicas (Lei nº. 2.763, de 16 de agosto de 2001). A atividade,

chamada de “Serviço Comunitário de Quadra”, podia ser exercida por pessoas físicas ou jurídicas

e tinha como finalidade: 1) acompanhar a chegada e a saída de moradores de suas residências; 2)

efetuar a compra e o transporte de medicamentos e alimentos emergenciais; 3) verificar o

fechamento de portões de imóveis; 4) verificar anormalidade nos veículos automotores; 5)

comunicar à polícia sobre presença de pessoas estranhas ou em atitudes suspeitas; 6) comunicar

ao morador irregularidades detectadas quanto aos itens 3 e 4. A lei que regulamentou essas

atividades também foi objeto de Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADIN nº. 2.752-2) que

pediu a suspensão de sua eficácia, desta vez sob a alegação de contrariedade à Constituição

Federal, que atribui à União a competência privativa para legislar sobre condições para o

exercício de profissões e reserva às Polícias Militares a tarefa de policiamento ostensivo. A

ADIN foi julgada em janeiro de 2004, tendo sido deferido o pedido de suspensão da Lei que

regulamentou o “Serviço Comunitário de Quadra” pelo voto da maioria dos membros do STF,

que a consideraram inconstitucional especialmente no que feria o art. 144, § 5º, da Constituição

Federal.

Outro ponto a ser considerado é que há dúvidas quanto a se caracterizar determinadas atividades

de vigilância comunitária como policiamento privado. Alguns dos agentes que atuam na

vigilância de bairros residenciais talvez sejam mais bem definidos como “sentinelas” do que

como agentes de policiamento privado. O termo sentinela talvez faça jus aqueles que se dedicam

explicitamente a atividade de vigilância, porém sem utilizarem ameaça ou uso de sanções. Mas é

preciso conhecer melhor quem são esses provedores e como atuam. Certamente, muitos são

policiais, o que não deixa dúvida quanto ao fato de caracterizar suas atividades como de

policiamento privado

A dúvida sobre a legalidade das atividades de vigilância comunitária toca num universo bastante

amplo, mas do qual não se sabe praticamente nada. Cerca de 29% da população da capital diz ter

vigia ou guarda de segurança para olhar a casa (Khan, 1999). Segundo Marco Pessotti e Altino

Francisco Neto, presidentes, respectivamente, da Associação e do Sindicato dos Vigilantes

Noturnos Autônomos, há 170 mil vigilantes autônomos credenciados no Estado de São Paulo e

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estima-se que haja mais 130 mil irregulares do ponto de vista da lei estadual. Não foram

encontradas estimativas para outros estados, mas acredita-se que os números também sejam

elevados.

Dificuldades a parte para mensurar o universo informal dos provedores particulares de

policiamento no Brasil, as projeções de todas as fontes concordam que este universo é maior do

que o universo formal do policiamento privado. As autoridades envolvidas no controle das

empresas de seguranças privada também partilham deste ponto de vista. Levantamento realizado

em 2005 pela Delegacia de Controle de Segurança Privada (DELESP) do Rio de Janeiro estimou

que as atividades clandestinas representavam 60% da segurança privada no estado.

Os preços oferecidos por aqueles que operam na informalidade ajuda a entender as dimensões

robustas deste universo, que encontra nas pequenas empresas, comércio, bares, casas noturnas,

condomínios e áreas residenciais provavelmente os seus maiores empregadores28. Como estimam

as entidades de classe do setor de segurança privada, ao operarem na informalidade os provedores

particulares de policiamento podem trabalhar com alta margem de flexibilidade e lucro,

oferecendo serviços até 85% mais baratos e poupando até 16,71% do rendimento bruto com o

não-pagamento de encargos trabalhistas, seguros obrigatórios, treinamento e reciclagem de

funcionários, taxas para aquisição de armas, renovação de documentos, entre outras29 (Zanetic,

2006, p. 93). Atuando nessas condições o policiamento privado informal apresenta-se como uma

alternativa disponível para aqueles insatisfeitos com o policiamento público e/ou que desejam um

policiamento exclusivo, porém sem condições de arcarem com os custos de um contrato formal

com empresas ou profissionais regularizados.

28 Em relação aos condomínios, Caldeira notou que nos locais por ela estudado a preferência geralmente era por

policiamento informal porque saia mais barato do que contratar empresas regularizadas e mais fácil do que organizar corpos de policiamento internos (segurança orgânica). A solução dos condomínios era contratar “ex-policiais ou policiais que trazem suas próprias armas e mantêm boas relações dentro da polícia para ‘limpar qualquer problema maior’, isto é, homicídios, como disse a pessoa encarregada da segurança em um grande condomínio” (Caldeira, 2003, p. 202).

29 A remuneração média de um profissional de segurança privada regular em 2003 foi de R$ 708.00. Com os encargos sociais estes profissionais chegam a custar R$ 1.500 para o empregador

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1.2.2 Características gerais

O número de organizações e agentes na informalidade é uma das características que distingue o

policiamento privado no Brasil daquele existente na América do Norte e Europa30. A presença de

agentes estatais da ativa exercendo atividades informais de policiamento privado é outro aspecto

que parece singularizar a realidade brasileira. Tudo indica que muitas das pessoas envolvidas

com o mercado marginal de policiamento privado são policiais civis e militares que usam armas

da corporação e trabalham nos dias de folga - o chamado “bico” - aproveitando a vantagem do

seu turno de trabalho que normalmente se caracteriza por uma quantidade x de horas em serviço

por uma quantidade 3 ou 4x de horas de folga – 6 por 18, 12 por 48 e 24 por 72 são as escalas

mais comuns.

Numa pesquisa realizada em 1992 sobre o perfil dos policiais militares do Estado de São Paulo,

Gullo (1992) constatou que 33% dos policiais tinham algum trabalho remunerado fora da PM,

proporção que era tanto maior quanto menor o posto ou graduação. Dentro deste universo, 1% era

de empregadores (obviamente os estratos superiores), 20% trabalhavam como autônomos e 12%

como empregados assalariados. Não foi possível aferir ao certo quantos destes 33% trabalhavam

com policiamento privado, mas estimou-se que a maioria. Outra pesquisa, realizada no mesmo

ano pelo jornal O Globo com 886 policiais militares de todo o Brasil, concluiu que 66% deles

possuíam um segundo emprego, 36% na área de segurança comercial (Heringer, 1991, p. 56). No

Estado do Rio de Janeiro, tanto em 1991 quanto em 1997, cálculos da imprensa estimavam que

70% dos policiais civis possuíam outras atividades, principalmente no policiamento privado

(Musumeci, 1998, p. 16).

Mas nem todos os que exercem um segundo emprego em organizações que provêem

policiamento o fazem em atividades de policiamento privado e no universo informal. Os

integrantes dos níveis hierárquicos superiores das polícias civis e militares estão amplamente

presentes no universo formal, explícita ou disfarçadamente, como instrutores, consultores, sócios

ou executivos de empresas de segurança (Heringer, 1992). Pesquisa realizada em 2005 pela

30 A informalidade é uma característica não apenas do mercado brasileiro de segurança, mas do mercado da América

Latina como um todo.

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FENAVIST sobre o perfil dos executivos das empresas de vigilância mostrou que 6,8% tinham

formação policial ou militar.

Tabela 4: Formação dos Executivos das Empresas de Vigilância Formação Mercado Pequenas Médias Grandes Ensino Médio 31,4% 33,3% 29% 30% Ensino Superior 61,8% 60% 64,5% 60% Militar/policial 6,8% 6,7% 6,5% 10%

Fonte: 2º ESSEG.

Esse percentual de executivos com formação policial e militar relativamente baixo

aparentemente reflete os esforços que as entidades de classe têm feito desde o final dos

anos 80 para modernizar a segurança privada e desvinculá-la da segurança pública,

vinculação esta que em Estados como o Rio de Janeiro remonta ao início das atividades no

país, quando a presença de militares ou policiais nos quadros das empresas era obrigatória31

(Heringer, 1992, p. 57). Contudo, é muito provável que esses dados não reflitam a

realidade porque a gerência ou qualquer outra atividade profissional exercida fora do

horário de serviço é proibida aos policiais, que no máximo podem se tornar “sócios

cotistas não gerentes” de empresas. Para driblar esta proibição é prática comum e

conhecida os policiais-empresários licenciarem empresas em nome de parentes ou

conhecidos, que nas estatísticas aparecem como sócio-proprietários. A prática foi

denunciada em 2005 numa reportagem do jornal O Globo que revelou a ampla

participação de policiais de alta patente em empresas de segurança privada do Estado do

Rio de Janeiro. Segundo a matéria, de 148 empresas de segurança autorizadas naquele

Estado, cerca de 50% traziam nomes de oficiais militares e de delegados da Polícia Civil

da ativa, aposentados ou de parentes32.

Pesquisa realizada por Cubas (2003) nas quatro maiores empresas de segurança do estado de São

Paulo também constatou que os policiais de nível hierárquico inferior prestavam serviços

31 Essa obrigatoriedade, que vigorou entre 1969 e 1983, tinha pelo menos três objetivos: exercer um controle direto

sobre a atividade, prover treinamento adequado para os vigilantes, e assegurar reserva de mercado para policiais e militares da reserva.

32 O Globo, 24/05/2005.

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regulares ou esporádicos nas empresas, mas estes costumavam ocorrer em atividades

burocráticas (checagem de documentos, investigação social dos candidatos a emprego,

etc.), e não de policiamento.

Se entre as empresas de segurança privada regulares parece haver uma extensa

participação de policiais de alta patente em atividades executivas e de policiais de nível

hierárquico inferior em atividades acessórias, situação diversa aparentemente ocorre nas

organizações informais de policiamento privado. Nestas, além dos policiais de alta

patente também aparecerem como donos de empresas clandestinas, parece haver uma

ampla participação de policiais civis e militares da ponta exercendo atividades de

policiamento privado nas empresas clandestinas de seus hierárquicos superiores ou diretamente

para clientes, sobretudo do comércio. Segundo o Jornal do Brasil, 20 das 36 empresas de

segurança operando clandestinamente no estado de Mato Grosso, em 1995, eram de propriedade

de oficiais da PM que recrutavam como mão-de-obra soldados sob seu comando, além de

‘pistoleiros tradicionais’ (Musumeci, 1998, p. 16). Recentemente, em outubro de 2005, o

presidente da Associação de Cabos e Soldados da PM de São Paulo declarou ao jornal Folha de

S. Paulo que cerca de 80% dos policiais da corporação faziam algum tipo de bico, a maioria na

segurança irregular de estabelecimentos comerciais33.

A permuta de profissionais entre as organizações de policiamento público e privado não é

exclusividade do Brasil. Estudos nas democracias desenvolvidas mostraram que muitos dos

executivos das empresas que comercializavam serviços de policiamento eram policiais

aposentados dos órgãos de segurança pública. Na Inglaterra, Canadá e Estados Unidos os estudos

também apontaram que uma grande proporção dos policiais considerava as atividades de

policiamento privado como uma possibilidade de emprego alternativo (Shearing e Stenning,

1981; e Rico e Salas, 1992). O intercâmbio de pessoal e serviços é um importante traço estrutural

da segurança privada em vários locais e não apenas no Brasil (Paixão, 1991). Contudo, a situação

brasileira parece peculiar em relação ao das democracias desenvolvidas pelo fato deste

intercâmbio envolver predominantemente policiais civis e militares da ativa e ocorrer

amplamente com o universo do policiamento privado informal. Disto resulta uma extensa

33 Folha de São Paulo, 27/10/2005.

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intersecção entre policiamento público e policiamento privado informal, que é um dos traços

marcantes dos arranjos de proteção existentes no Brasil.

Por trás desta intersecção estão os baixos salários que os policiais militares e civis recebem na

maioria dos estados brasileiros, que os empurram para um segundo emprego. A política de

contenção salarial levada a cabo por sucessivos governos estaduais nas últimas décadas tornou o

“bico” uma espécie de política compensatória e prática tolerada pelas autoridades da segurança

pública e banalizada no interior das corporações. Muitos dos policiais sequer o consideram como

um desvio ou fonte de desvios. Lemgruber, Musumeci e Cano (2003, p. 81) constataram isso

entre praças da PM de cinco estados, que consideravam o ‘bico’ apenas “um meio honesto de

aumentar seus magros salários, já que os governos têm se preocupado mais em comprar viaturas

e armamentos do que em investir na valorização dos policiais de ponta”. Mas, ao contrário do que

pensam os policiais, o bico em atividades de policiamento privado informais tem representado

uma grande ameaça aos direitos humanos no Brasil, inclusive dos próprios policiais.

2.2.3 Ameaça aos direitos humanos

O policiamento privado informal representa graves riscos para os direitos civis no país. Quando

não são policiais num segundo emprego, agentes informais de policiamento privado geralmente

são pessoas despreparadas para o exercício de funções policiais - não possuem curso de formação

e treinamento necessários ao desempenho da atividade, não passam por verificações psicológicas

e de antecedentes criminais, não possuem seguro de vida e também são mais difíceis de serem

responsabilizados civil e criminalmente. Ao atuar fora dos parâmetros legais estabelecidos, os

provedores informais de policiamento não apenas prejudicam as organizações constituídas

formalmente, subtraindo-lhes fatias significativas do mercado e danificando a imagem da

segurança privada, como também aumentam a probabilidade de abusos e desrespeito aos direitos

humanos.

Levantamento realizado pela Coordenadoria de Análise e Planejamento (CAP) da Secretaria de

Segurança Pública do Estado de São Paulo (SSP-SP) a partir do Sistema de Informações

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Criminais (INFOCRIM) constatou que, somente na cidade de São Paulo, entre janeiro de 2001 e

setembro de 2003, foram registradas 7.377 ocorrências criminais envolvendo pessoas que se

auto-identificaram como seguranças, vigilantes, vigias e guardas noturnos. O total de ocorrências

distribuiu-se entre as quatro categorias conforme o gráfico abaixo.

Gráfico 5: Distribuição das ocorrências de acordo com a profissão declarada pelos indiciados

Guarda Noturno

1%Vigilante

38%

Vigia6%

Segurança 55%

Fonte: CAP/SSP-SP / INFOCRIM

Os dados não permitem distinguir com precisão os agentes formais e informais de policiamento

privado. Todavia, o fato de a maioria das ocorrências envolverem pessoas que se auto-declararam

“seguranças”, “vigias” e “guarda noturno” (62%) sugere fortemente que os crimes estão

concentrados no universo informal do policiamento privado. Na legislação da segurança privada

as categorias “segurança”, “vigia” e “guarda noturno” não existem. Os profissionais regulares de

segurança privada são denominados vigilantes. Não haveria razão para esses profissionais se

identificarem de outra maneira que não fosse como vigilantes, tendo em vista que formam uma

categoria profissional com direitos e identidade bem definida. O contrário já não é tão provável.

Os indiciados que se auto-identificaram como vigilantes podem perfeitamente não integrarem o

universo formal da segurança privada. Na cidade de São Paulo, por exemplo, existem os

autodenominados “vigilantes autônomos”, que estão inclusive organizados em sindicatos e

associações. A categoria “vigilante” registrada pelo INFOCRIM pode incluir os “vigilantes

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autônomos”, que são profissionais que nada têm a ver com os vigilantes regulados pelas leis

federais da segurança privada.

Dentre as naturezas criminais praticadas pelas categorias profissionais acima citadas, os crimes

contra a pessoa foram os predominantes (54,6%), seguidos pelas contravenções penais (17,5%) e

crimes contra o patrimônio (8,6%), conforme tabela 5.

Tabela 5: Grupos de Natureza das Ocorrências

Nº %

Crimes contra a pessoa 4025 54,6

Contravenções penais 1288 17,5

Crimes contra o patrimônio 636 8,6

Crimes contra a adm. pública 147 2

Lei de entorpecente 113 1,5

Crimes contra os costumes 105 1,4

Legislação penal extravagante 72 1

Crimes contra a fé pública 63 0,9

Ato Infracional 51 0,7

Crimes contra a paz pública 20 0,3

Crimes contra a família 10 0,1

Crimes contra incol. pública 4 0,1

Crimes contra a org. trabalho 3 0

Diversos 543 7,4

Valid. 297 4

Total 7377 100

Fonte: CAP/SSP-SP / INFOCRIM

Tabela 6: Naturezas Principais das ocorrências

Fonte: CAP/SSP-SP / INFOCRIM

* Agrupa os crimes de injúria, injúria real, desacato, calúnia e difamação. ** Agrupa mais de 30 tipos de crimes, cada qual com um percentual menor do que 2%.

Nº %

Ameaça 1.905 25,82

Lesão corporal dolosa 1.475 19,99

Porte de arma de fogo 760 10,30

Ofensas Verbais* 361 4,89

Vias de fato 170 2,30

Constrangimento ilegal 111 1,50

Tentativa de homicídio 38 0,52

Homicídio doloso 37 0,50

Outros** 2.520 34,16

Total 7.377 100

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A tabela 6 mostra que a maior parte dos crimes praticados pelos provedores particulares de

policiamento foi o de “ameaça”, que, sozinho, representou um quarto (25,82%) das ocorrências

envolvendo as categorias vigilante, vigia, guarda noturno e segurança. Em seguida vieram as

lesões corporais, com cerca de 20%. O porte de arma de fogo também se destacou, respondendo

por cerca de 10% dos indiciamentos realizados pela polícia paulistana entre janeiro de 2001 e

setembro de 2003. Na seqüência veio o que genericamente pode ser denominado “ofensas

verbais”, ou seja, os crimes de desacato (0,7%), calúnia (0,7), injúria real (0,7%), injúria (2,3%) e

difamação (0,31%).

Outro dado interessante que o levantamento mostra é que cerca de um terço das ocorrências

envolvendo os provedores de policiamento discriminados acima ocorreram no período noturno,

que é o período em que o policiamento privado é mais requisitado. As ocorrências também são

mais freqüentes nos finais de semana, o que certamente está associado ao fato de haver uma

maior demanda por policiamento privado em razão de eventos, bares, casas noturnas, etc

funcionarem mais intensamente nos finais de semana.

Tabela 7: Ocorrências por dia da semana Nº %

Domingo 1.172 15,9

Segunda 1001 13,6

Terça 929 12,6

Quarta 998 13,5

Quinta 938 12,7

Sexta 952 12,9

Sábado 1.090 14,8

Sem informação 297 4

Total 7.377 100

Fonte: CAP/SSP-SP / INFOCRIM

Tabela 8: Ocorrências por período do dia

Nº %

Madrugada 1.109 15

Dia 1.415 19,2

Tarde 2.113 28,6

Noite 2.839 32,4

Sem informação 351 4,8

Total 7.377 100

Fonte: CAP/SSP-SP / INFOCRIM

Em conjunto esses dados parecem indicar que a presença de agentes privados ilegais e mal

preparados promovendo a segurança de eventos, casas noturnas, bares e demais espaços onde é

grande a aglomeração de pessoas e o risco de desentendimentos e confusões latente é um dos

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aspectos mais problemáticos do ponto de vista dos direitos civis. Segundo o delegado Aldo

Galeano, titular da Seccional Sul de São Paulo, somente em 2003 e em apenas quatro quarteirões

da Vila Olímpia, onde há 96 casas noturnas, houve 252 casos de agressões de “seguranças”

contra freqüentadores do local. Confrontos letais também têm ocorrido. No primeiro semestre de

2004 cinco adolescentes foram mortos por agentes que faziam a segurança ilegalmente em casas

noturnas de São Paulo e Campinas34. Em 2005, apenas nos dois primeiros meses, quatro pessoas

foram mortas por agentes ilegais quando se divertiam na noite dos grandes centros paulistas35.

A morte de adolescentes por agentes informais de policiamento privado não é exatamente uma

novidade. No início dos anos 90 o relatório da Comissão Parlamentar de Inquérito sobre o

Extermínio de Crianças e Adolescentes já havia apontado que 52% dos 4.611 adolescentes

vítimas de homicídios entre os anos de 1988 e 1990 haviam sido mortos por agentes de segurança

privada ilegais e policiais militares ou civis fazendo "bicos" em serviços informais de

policiamento privado36. Além de confirmar que os casos citados acima não são desviantes, esses

dados indicam que o policiamento executado por policiais em horário de folga está na origem de

muitos dos problemas que o policiamento privado representa para os direitos civis no país.

A extensa interseção que existe entre o universo do policiamento privado informal e o universo

do policiamento público no Brasil é problemática por diversas razões. Em primeiro lugar, o stress

e o desgaste provocado pelo duplo emprego numa atividade arriscada como o policiamento afeta

a qualidade do trabalho policial tanto nas organizações públicas quanto nas atividades de

policiamento privado. Mas no policiamento privado o desgaste físico e emocional dos policiais

civis e militares com dupla jornada soma-se a outros fatores que, juntos, contribuem para

produzir resultados dramáticos do ponto de vista dos direitos humanos. Como nas atividades de

policiamento privado os policiais geralmente não dispõem dos mesmos símbolos, equipamentos e

cobertura que a organização pública lhes proporciona, eles acabam ficando mais vulneráveis à

34 A morte do adolescente Ivo Muccilo Júnior, numa casa de shows de Campinas, e de Guilherme Assis de Almeida,

assassinado em Alto de Pinheiros, grande São Paulo, causou comoção e debates na Assembléia Legislativa do Estado (ALESP), onde as comissões de Direitos Humanos e Segurança Pública se reuniram para discutir a atuação dos seguranças particulares. As outras três mortes ocorreram no Jabaquara, São Paulo.

35 Casos extraídos da agência de notícias da ALESP. 36 Dados disponíveis em: http://www.mre.gov.br/cdbrasil/itamaraty/web/port/polsoc/dirhum/grvulner/criancas/

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ação criminosa, que tende a ser mais ousada e conseqüentemente a provocar confrontos que

frequentemente resultam na morte dos policiais e/ou criminosos.

Nos estados com elevados índices de criminalidade algumas estatísticas apontam que os policiais

se envolvem mais em confrontos letais, dos quais saem ora como vítimas ora como

vitimizadores, quando estão executando policiamento privado (em tese, uma situação passiva) do

que quando estão policiando a cidade, procurando criminosos e respondendo a chamados de

crimes (uma situação ativa). Estatística das ouvidorias de polícia dos Estados de São Paulo e Rio

de Janeiro mostram que os policiais militares morrem mais em horário de folga do que em

serviço. Uma das razões que explicariam esse índice invertido seria justamente o fato de muitos

policiais fazerem “bicos” em atividades de policiamento privado (Lemgruber, Musumeci e Cano,

2003, p. 196)37.

Quadro 3: Policiais Militares Vítimas de Homicídios nos Estados do Rio de Janeiro e São Paulo (1995-2001)

Rio de Janeiro São Paulo

Total Serviço Folga Total Serviço Folga

Nº Nº % Nº % Nº Nº % Nº %

1995 114 22 36,1 92 63,9 44 8 18,2 36 81,8

1996 121 28 23,2 93 76,8 74 13 17,6 61 82,4

1997 73 19 26,0 54 74,0 67 15 22,4 52 77,6

1998 99 15 15,8 84 84,8 94 17 18,1 77 81,9

1999 92 25 27,2 67 72,8 137 27 19,8 110 80,2

2000 106 15 14,2 91 85,8 190 29 15,3 161 84,7

2001 91 18 19,8 73 80,2 115 40 34,8 75 65,2

Total 696 142 20,4 554 79,6 721 149 20,7 572 79,3

Fonte: Construído a partir de Lemgruber, Musumeci e Cano (2003) / PMERJ/EMG/PM; Relatórios de Ouvidoria do Estado de São Paulo (1996-2001);

Como o Quadro mostra, no período 1995-2001 cerca de 79% dos policiais militares dos Estados

de São Paulo e Rio de Janeiro foram mortos no horário de folga. Esse mesmo padrão invertido 37 Outra explicação está relacionada ao fato de boa parte dos policiais residirem em áreas violentas, ou ainda ao fato

de serem alvo de vinganças e execuções decorrentes de seu envolvimento em redes e práticas criminosas (Lemgruber, Musumeci e Cano, 2003, p. 196).

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também é observado entre os feridos das polícias civis e militares de São Paulo. Cerca de 70%

dos incidentes registrados no período 1995-97 ocorreram quando os policiais estavam de folga,

na maioria das vezes executando policiamento privado num segundo emprego (Kahn, 1999).

Dados para o estado de São Paulo também indicam que os policiais civis e militares, ao menos

em 1999, mataram mais cidadãos em atividades de policiamento privado do que na execução do

policiamento público. Nos últimos três meses daquele ano, das 109 pessoas mortas pela Militar,

63% (69 pessoas) foram mortas por policiais em trabalhos de policiamento privado – um

aumento de 82% em relação a 1998. Já a Polícia Civil, apesar de ter matado menos do que a

Polícia Militar, foi responsável pela morte de 24 cidadãos nos últimos quatro meses de 1999,

metade delas decorrentes de ações de policiais fora do dever – um aumento de 140% em relação

ao ano anterior (Huggins, 2000, p. 119).

Essa elevada matança de civis por policiais em atividades de policiamento privado e o maior

número de policiais mortos fora do dever provavelmente está também associada ao fato de oss

policiais atuarem com maior autonomia no segundo emprego, principalmente no que diz respeito

ao uso de armas de fogo. Como Kahn destacou, durante o bico os policiais não estão submetidos

às mesmas regras e procedimentos que constrangem o uso de armas de fogo nas organizações

públicas, o que, somado aos fatores anteriormente mencionados, resulta numa utilização muitas

vezes desinibida e inapropriada das armas (Kahn, 1999).

Graves transgressões e violações de direitos no Brasil também estão associadas à venda de

proteção informal - individual ou organizadamente, mas em grande parte feita por policiais civis

e militares - para esquemas criminosos ou clientes que percebem a ação da polícia como

insuficiente para a proteção de sua integridade e propriedade. Casos antigos e recentes mostram

que, sob a fachada de empresas de segurança privada, serviços informais de policiamento privado

têm sido prestados a latifundiários com propriedades rurais em disputa, grupos criminosos,

comerciantes e outros segmentos sociais interessados em promover a “faxina social” da periferia

violenta dos grandes centros urbanos.

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Empresas informais de policiamento privado têm atuado nas áreas rurais de regiões de conflito

social em todo o país. Contratadas por fazendeiros para substituir os pistoleiros e jagunços do

passado, essas empresas já foram responsáveis por graves violações de direitos, dentre elas a

execução de trabalhadores rurais. Nas já mencionadas matérias que o Jornal do Brasil publicou

em 2001 sobre os conflitos agrários do Sul e Sudeste do Pará, foi denunciado que empresas

irregulares comandadas por policiais civis estavam revistando, ameaçando, prendendo, torturando

e matando trabalhadores rurais daquela região. No norte do Paraná, empresas de segurança

clandestinas também estiveram, há pouco tempo, envolvidas numa onda de despejos

extrajudiciais de famílias acampadas que resultaram em ferimentos e execuções de trabalhadores

rurais sem-terras38.

A venda de serviços de policiamento privado para esquemas criminosos também tem sido um

problema, agravado pelo freqüente envolvimento de policiais civis ou militares em tais

atividades. Há vários casos conhecidos, como por exemplo o da máfia dos perueiros, em São

Paulo, e do jogo do bicho e caças níqueis, no Rio de Janeiro. Caso emblemático dessa

modalidade mafiosa de proteção foi recentemente desbaratado pela Polícia Federal, que em 2003

fechou a empresa de segurança Reker, responsável pela segurança de Lobão, um dos maiores

contrabandistas de cigarros do Brasil. Os sócios da empresa eram dois policiais militares que

recebiam R$ 36 mil mensais em troca da proteção oferecida por eles e mais 22 empregados39.

Há também casos de organizações informais para a venda de proteção que operavam no interior

da própria Polícia Militar, contando inclusive com a participação de oficiais. Segundo Cubas

(2002), alguns comerciantes do Rio de Janeiro eram até pouco tempo obrigados a pagar pelo

policiamento executado por policiais militares fardados. Em algumas regiões como Nova Iguaçu,

o serviço chegava a custar R$ 55,00 por dia. Em Benfica, os comerciantes pagavam mensalmente

R$ 500,00 pelo policiamento de um quarteirão. As negociações eram realizadas por meio de um

intermediário com acesso direto ao comando da polícia, que fazia a distribuição dos homens de

acordo com as necessidades dos comerciantes. Matéria veiculada pelo Jornal Nacional em

38 Conforme Jornal do Brasil Online (09/12 – 17/12 de 2001); e “Relatório de Execuções Sumárias no Brasil –

1997/2003”, do Centro de Justiça Global e Núcleo de Estudos Negros (09/2003). 39 Casos extraídos da agência de notícias da ALESP.

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novembro de 2000 também denunciou a prática de agenciamento de policiais para serviços de

policiamento privado, que segundo a reportagem estava ocorrendo dentro dos gabinetes do

comando da Polícia Militar de São Paulo.

Parte expressiva das violações de direitos humanos no país também tem ocorrido através de outra

modalidade informal de policiamento privado que está igualmente articulada ao policiamento

público e a práticas criminosas: o policiamento privado neovigilante de justiceiros e grupos de

extermínio que atuam nas periferias das cidades brasileiras com grande apoio popular (Pinheiro,

1997, Paixão, 1997, Huggins, 1992). Nessas áreas, agentes de segurança pública e/ou civis têm,

individualmente ou associados em organizações clandestinas, prestado serviços de policiamento

para comerciantes ou grupos de moradores descrentes no policiamento público e decididos a

eliminarem supostos criminosos. O conhecido caso do justiceiro Esquerdinha é um exemplo

típico dessa modalidade de policiamento. Na segunda metade dos anos 80 Esquerdinha organizou

na região periférica de São Bernardo do Campo uma organização policial clandestina (ROTA –

Serviços de Segurança e Vigilância S/C LTDA) que cobrava pelos serviços prestados valores que

variavam de acordo com a posse dos interessados. Essa organização, que chegou a contar com

treze guardas e três viaturas, foi responsável pela execução de inúmeras pessoas na região

(Bicudo, 1988, p. 113-119). Caso análogo ocorreu em 2002-3 em Itambé, Pernambuco, onde

vigilantes, policiais civis e militares fundaram uma empresa de segurança privada clandestina

chamada Grupo de Proteção Comunitária (GPCOM), que agora está formalmente sendo acusada

do extermínio de várias pessoas consideradas "almas sebosas"40. Os episódios mais recentes

relacionados à atuação das chamadas “milícias” em comunidades do Rio de Janeiro é outro

exemplo das ameaças que essa modalidade informal de policiamento privado representa para os

direitos humanos no país.

Na maioria desses casos é difícil distinguir as fronteiras entre policiamento público, policiamento

privado informal e banditismo. Diante de casos semelhantes aos citados acima, Huggins

sugeriu pensar o controle social no Brasil como um continuum que vai do policial em

40 Conforme “Relatório de Execuções Sumárias no Brasil – 1997/2003” do Centro de Justiça Global e Núcleo de

Estudos Negros (09/2003); e “Relatório da CPI – Extermínio no Nordeste” (2005).

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serviço, no pólo mais formal, até os justiceiros e linchadores, no pólo mais informal41.

Entre um pólo e outro existiriam vários arranjos público-privado: a contratação de

policiais em serviço para proteger prédios e estabelecimentos públicos e privados,

policiais da ativa comandando empresas de segurança privada, policiais que nos

horários de folga trabalham em atividades de policiamento privado formais ou

informais e que às vezes participam de esquadrões da morte, que também podem

contar com participação de civis, etc. As entidades formais de controle social e as

privatizadas estariam assim próximas umas das outras, com policiais que vendem seus serviços

no mercado (“rent-a-cops”) e esquadrões da morte (com policiais no dever e fora do dever)

misturando-se uns aos outros através de uma divisão de ações, primado dos interesses

particulares sobre os cívicos, e a ausência de um controle e fiscalização direta e aberta do Estado

e da população. Como resultado, haveria um fluxo fácil de policiais para atividades de venda de

proteção e esquadrões da morte, com poucos limites reais entre uma entidade de controle social e

outra (Huggins, 2000, p. 119-120).

A idéia de um continuum sugerida por Huggins de fato parece apropriada para

descrever as várias modalidades e tipos de policiamento presentes na sociedade

brasileira. Mas não é fácil identificar onde termina o policiamento público e começa o

privado, nem onde está a fronteira entre policiamento e criminalidade. Como Caldeira

também observou,

embora o policiamento público e o privado possam parecer opostos sob alguns pontos de vista (especialmente o do consumidor), eles partilham características básicas e são estruturados em relação de contigüidade. Isso acontece não só no Brasil, onde os abusos e o desrespeito vão de um setor ao outro, mas nas democracias consolidadas da América do Norte e da Europa ocidental, onde o respeito às leis e aos cidadãos serve de parâmetro aos dois setores. Nesse sentido, a despeito das diferenças, segurança

41 Os linchadores não estão aqui sendo considerados como agentes policiais em razão do caráter espontâneo de suas

atividades no Brasil. Como destacou Martins, os linchamentos que ocorrem no Brasil são “predominantemente do tipo mob lynching [e não vigilantism], grupos que se organizam súbita e espontaneamente para justiçar rapidamente uma pessoa que pode ser ou não ser culpa do delito que lhe atribuem. É um tipo de justiçamento cuja lógica está subjacente ao acontecimento em si e raramente pode ser explicado de modo racional pelos participantes” (Martins, 1995, p. 296). Como nessa modalidade de linchamento os agentes não se dedicam explícita e continuamente à regular relações sociais através da ameaça ou uso de sanções, diferentemente dos grupos de vigilantes, eles não podem ser considerados exercendo atividades de policiamento. Huggins os incluem em sua análise porque está trabalhando com a categoria “controle social”, que é mais ampla do que a de “policiamento.

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pública e a segurança privada compartilham a mesma matriz de relações e estruturas. No Brasil, essa matriz é de relações instáveis entre o legal e o ilegal, de abusos e violência; em outros casos, a matriz é de respeito ao estado de direito, como na América do Norte e na Europa ocidental (Caldeira, 2003, p. 203).

Dessa interseção entre o universo do policiamento público e o universo do policiamento privado,

cujos integrantes não raramente vendem proteção a esquemas criminosos ou fazem às vezes de

justiceiros e organizam grupos paramilitares ou esquadrões da morte, resulta um universo que

não pode ser nitidamente dividido em policiamento público, policiamento privado informal e

criminalidade. Essas três atividades e as pessoas nelas envolvidas são facilmente intercambiáveis.

Como disse a delegada federal que chefiava em 2005 a Delegacia de Controle de Segurança

Privada (DELESP) de Pernambuco, os policiais militares e civis frequentemente estão por trás

das empresas clandestinas, cuja ação muitas vezes embaraça a linha divisória entre quem deveria

inibir a criminalidade e quem a pratica42 43.

Não obstante as dificuldades para classificar os provedores particulares de

policiamento existentes na sociedade brasileira, importa observar que grande parte das

violações de direitos humanos no Brasil têm sido perpetradas por policiais fora do dever num

segundo emprego em atividades de policiamento privado ou em grupos de extermínio, mas

também por civis que trabalham provendo policiamento de maneira informal e sem nenhum

preparo, ou fazendo às vezes de justiceiros nas periferias urbanas violentas. Assim, como

Huggins colocou, o policiamento privado no Brasil parece estar fazendo o trabalho sujo

que um Estado formalmente democrático não pode fazer. Em outras palavras, o

policiamento privado estaria aliviando o caráter autoritário dos aparelhos policiais

centralizados e militarizados que existem no país (Huggins, 2003, p.129).

O policiamento privado executado por empresas de segurança privada e por agentes e

organizações informais amplia em muito as possibilidades de violações dos direitos humanos,

cuja implementação no Brasil tem sido historicamente difícil. Acredita-se que é a partir da

42 Entrevista dada para um jornal local. Disponível em: http//www.fenavist.com 43 Não por acaso umas das medidas tomas pela Comissão Parlamentar de Inquérito que investigou a ação criminosa

das milícias privadas e dos grupos de extermínio no Nordeste (CPI – Extermínio no Nordeste/2005) foi proposição de lei que tipifica o crime de extermínio e a oferta de proteção patrimonial sem autorização legal, crimes agravados quando cometidos por servidores públicos.

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realidade traçada neste capítulo que o problema do controle dos provedores particulares de

policiamento formais (segurança privada) e informais (agentes e organizações não autorizados

pelo Estado) deva ser pensado.

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3 ESTRUTURA NORMATIVA E INSTITUCIONAL PARA O

CONTROLE DA SEGURANÇA PRIVADA NO BRASIL

O modo como se estruturam as normas e as instituições para o controle da segurança privada

varia de país para país. Este capítulo traça um breve histórico do modo como se organizou a

estrutura normativa e institucional para o controle da segurança privada no Brasil, destaca suas

principais características, e identifica quais os principais atores e interesses que sustentam as

normas e instituições de controle atualmente existentes.

A primeira parte traça o histórico e caracteriza o marco regulatório e a estrutura institucional para

o controle da segurança privada a partir da observação de três aspectos: a extensão da regulação,

quem são os atores que fazem a regulação e o controle, e como a estrutura institucional para o

controle se organiza no interior da unidade federativa.

Para caracterizar a extensão da regulação utiliza-se como referência as formulações de Waard

[1999] (apud. Cukier, 2003, p. 246), que sugeriu uma classificação em três níveis para pensar a

regulação da segurança privada na Europa:

i. “Não-Intervencionista”: não há marco legal específico. A responsabilidade de regulação é

deixada para o mercado, que a realiza através de arranjos corporativistas;

ii. “Regulação Mínima”: O Estado introduz um marco regulador mínimo, ou seja, com

poucas regras e com padrões genéricos para o funcionamento de empresas e contratação

de trabalhadores;

iii. “Regulação Abrangente”: O Estado realiza uma regulação mais abrangente, incluindo

regras para aumentar o padrão e a qualidade dos serviços prestados pela indústria da

segurança, mecanismos para proteger o público contra maus provedores e, às vezes,

proteger empresas nacionais contra a competição de empresas estrangeiras;

Waard combinou essa classificação com outras duas variáveis relacionadas à capacidade para

implementar as regras fixadas no marco legal (capacidade regulatória limitada ou ampla),

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montando assim uma tipologia para enquadrar os vários contextos regulatórios existentes na

Europa. Inspirado nesta formulação, Zanetic (2006) montou quadro semelhante para apreender o

caso brasileiro, definido por ele como um caso de regulação abrangente e capacidade reguladora

limitada (conforme quadro 4).

Quadro 4: Marco regulatório da segurança privada

Extensão Capacidade regulatória Limitada Ampla

Não-intervencionista Grã Bretanha

Mínima Alemanha; Áustria; Itália; África do Sul

Luxemburgo; Austrália

Abrangente Dinamarca; Finlândia; França Portugal; Espanha; Brasil

Bélgica

Fonte: Zanetic (2006) / Criado a partir dos trabalhos de Irish [1999] Waard, [1999], e Quicley (2003).

A variável capacidade regulatória (limitada ou ampla) não será levada em conta neste capítulo

porque se insere no plano do controle fático. Para que se possa caracterizar um país como tendo

capacidade regulatória ampla ou limitada é necessário realizar pesquisa junto à agência

reguladora. Esta posição diverge, portanto, da de Zanetic, que mesmo não tendo feito pesquisa

empírica sobre as reais condições de funcionamento da agência reguladora, enquadrou o Brasil na

categoria “capacidade reguladora limitada”. O próximo capítulo procura apresentar elementos

para subsidiar uma caracterização mais bem fundamentada a esse respeito, tendo em vista que foi

desenvolvido a partir de informações e dados levantados junto aos órgãos fiscalizadores da

segurança privada. Por hora, leva-se em consideração apenas a caracterização relativa à extensão

da regulação.

A caracterização da estrutura institucional para o controle da segurança privada relativa aos

atores que conduzem o processo de regulação e controle leva em conta a possibilidade de o

processo ser conduzida de três maneiras: pelo Estado, pelo setor de segurança privada, ou pelo

Estado e setor de segurança privada em conjunto. O primeiro caso é o mais comum. Na maioria

dos locais a regulação e a fiscalização da segurança privada são feitas por uma agência

burocrática ligada ao setor administrativo (geralmente, Ministério do Interior) ou ligada ao setor

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de Justiça e Segurança (geralmente, uma força policial). Casos em que o mercado se auto-regula

através de arranjos corporativos estabelecidos pela indústria são raros, mas a Inglaterra é um

exemplo. A regulação e o controle também podem ser conduzidos através de um modelo misto

ou “responsivo” em que o Estado regula e controla a segurança privada contanto com a

participação formal do setor de segurança privada e outros agentes dentro do processo. Este é o

caso do Brasil atualmente.

Por fim, a estrutura institucional para o controle da segurança é caracterizada levando-se em

conta a possibilidade de ela organizar-se de maneira centralizada no governo federal, o que

implica a existência de um padrão de regulação uniforme (válido em todo o país), ou

descentralizada (sob a responsabilidade das unidades federadas), o que implica na existência de

diversos padrões de regulação e controle dentro de um mesmo país. O Brasil e muitos outros

países são exemplos de estruturas institucionais de controle centralizadas. Estados Unidos e

Canadá são casos de estruturas de controle descentralizadas.

Além dessas três características, outra questão importante que deve ser notada diz respeito à

amplitude da regulação e controle, ou seja, quais atividades de policiamento privado são

reguladas e controladas formalmente. Já foi assinalado que os serviços de investigação particular

e segurança eletrônica não integram o universo legal da segurança privada no Brasil,

diferentemente do que ocorre em outros contextos regulatórios. O Ministério do Trabalho

reconhece a profissão de detetive particular como atividade (ocupação) lícita. A profissão é

regulada pela Lei Federal nº. 3.099, de 24 de fevereiro de 1957, mas não é reconhecida como de

segurança privada. Quanto à segurança eletrônica, alguns estados têm leis pontuais regulando

aspetos dessa atividade, mas ela também não faz parte do universo legal da segurança privada. Os

serviços de vigilância comunitária também não são regulados pelas leis federais da segurança

privada. Assim, antes de tudo deve-se reconhecer que o marco legal analisado neste capitulo tem

amplitude limitada, pois não regula diversas atividades de policiamento privado existentes na

sociedade brasileira.

A segunda parte deste capítulo analisa os interesses da Polícia Federal e do setor de segurança

privada relativos aos três aspectos observados na primeira parte - a extensão da regulação; quem

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faz a regulação e o controle; e como a estrutura institucional para o controle se organiza na

federação. Parte-se do pressuposto neo-institucional de que a Polícia Federal é um “ator” político

que possui interesses específicos e que age estrategicamente para realizá-los. Pretende-se

identificar quais são esses interesses. O setor de segurança privada é analisado enquanto ator

político constituído pelas entidades representativas de empresários e trabalhadores da segurança

privada.

3.1 Histórico e Características

Na maior parte do mundo os serviços de segurança privada são hoje regulados e controlados pelo

Estado através de legislação específica e agência reguladora, normalmente um órgão da

administração pública ligado ao setor de Justiça e/ou Segurança (geralmente forças policiais) que

funciona como centro normatizador e fiscalizador da atividade (Zanetic, 2006). O Brasil não foge

à regra. Desde o final dos anos 60 o país conta com legislação específica e órgãos estatais ligados

à segurança pública para regular e controlar atividades de segurança privada.

Uma das primeiras regulamentações brasileira sobre o assunto data de 21 de outubro de 1969,

quando o governo militar outorgou o Decreto-Lei Federal nº. 1.034, que obrigou as instituições

financeiras a cuidarem de sua própria segurança, seja de maneira orgânica ou através da

contratação de empresa de segurança privada. Essa obrigação legalizou uma atividade até então

considerada paramilitar. Contemporâneo da criação da Polícia Militar, o Decreto-Lei nº. 1.034 foi

parte da política de Segurança Nacional do governo militar que procurava combater o

crescimento dos assaltos a bancos praticados por grupos opositores do regime ditatorial.

(Caldeira, 2003, p. 196; Musumeci, 1998, p. 4; e Heringer, 1992, p. 36). Este Decreto definiu

apenas vagamente a forma que os serviços de segurança privada deveriam assumir, mas havia a

preocupação de controlar o histórico político dos vigilantes. O controle e a fiscalização da

atividade ficaram a cargo de três instâncias: o Banco Central ficou responsável pela fiscalização

das instituições financeiras; o Ministério do Exército deveria controlar as armas através do

Serviço de Fiscalização de Importação, Depósito e Tráfico de Produtos Controlados; e as

Secretarias Estaduais de Segurança Pública e chefes das polícias civis ficaram responsáveis,

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respectivamente, pela normatização e fiscalização do setor e pelo treinamento dos vigilantes

(Caldeira, 2003 p. 196-7). Portanto, inicialmente vigorou no Brasil um padrão de regulação

mínimo, com estrutura institucional de controle descentralizada (cada unidade da federação

realizava sua regulação e controle) e fragmentada (havia três órgãos fiscalizadores).

Em 1983 essa estrutura normativa e institucional para o controle da segurança privada deu lugar a

outra centralizada e progressivamente mais abrangente e organizada. A mudança inicial ocorreu

com a promulgação da Lei Federal nº. 7.102, de 20 de junho de 1983, que foi regulamentada pelo

Decreto nº. 89.056, de 24 de novembro de 1983. Estas normas revogaram aquelas preexistentes,

alteraram as regras da segurança bancária, estabeleceram normas para a constituição e

funcionamento de empresas de segurança, regulamentaram a profissão de vigilante, transferiram

o seu treinamento para o setor privado (criando o segmento de cursos de formação de vigilantes)

e centralizaram a normatização e controle da segurança privada no Ministério da Justiça. Apesar

da centralização, a lei deixou em aberto a possibilidade do Ministério da Justiça celebrar

convênio com as Secretarias de Segurança Pública (SSP) dos estados e Distrito Federal para que

estas viessem a realizar funções fiscalizadoras e de controle.

Com essas mudanças a atual estrutura normativa e institucional que controla a segurança privada

no Brasil começa a se desenhar. Inicialmente a Lei nº. 7.102/83 tratou exclusivamente da

segurança dos estabelecimentos financeiros, limitando-se a regular o segmento de vigilância

patrimonial, transporte de valores e cursos de formação. O Ministério da Justiça nomeou o

extinto Departamento de Assuntos de Segurança Pública (DEASP)44 como órgão central

regulador e a Polícia Federal como órgão executor das políticas de controle e fiscalização, que

eram realizadas por Comissões de Vistoria compostas por policiais lotados nas Delegacias de

Polícia Federal do Brasil. Essa estrutura de controle gerava uma duplicidade de ações na medida

em que dois diferentes órgãos de um mesmo ministério estavam incumbidos de controlar a

segurança privada. A atividade fiscalizadora também não era especializada, ou seja, os membros

das Comissões de Vistoria não se dedicavam com exclusividade ao controle e fiscalização das

44 O DEASP foi o antecessor da Secretaria Nacional de Segurança Pública (SENASP) do Ministério da Justiça,

criada em 1999.

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empresas de segurança privada, gerando o que Paixão (1991) e Heringer (1992) chamaram de

“controle puramente cerimonial”45.

Um marco regulador mais abrangente e instituições de controle especializadas só vieram a se

constituir no Brasil a partir de meados da década de 90, após a promulgação da Lei nº. 8.863, em

28 de março de 1994; Lei nº. 9.017, em 30 de março de 1995; e Decreto nº. 1.595, em 10 de

agosto de 1995. As duas primeiras normas introduziram mudanças significativas na Lei nº.

7.102/83, ao passo que a terceira alterou o Decreto nº. 89.056/83 para regulamentar o novo marco

legal da segurança privada. Mais especificamente, a Lei nº. 8.863/94 ampliou a definição legal de

segurança privada e tornou a legislação mais detalhada e exigente em relação ao funcionamento

das empresas de segurança. Além da vigilância patrimonial de estabelecimentos financeiros, do

transporte de valores e cursos de formação, o Estado passou a regular os serviços de vigilância

patrimonial de estabelecimentos públicos ou privados em geral, a segurança de pessoas físicas

(segurança pessoal privada) e a segurança no transporte de cargas de qualquer tipo (escolta

armada). A lei também trouxe para o rol das atividades de segurança privada os serviços

orgânicos de segurança, que até então não haviam sido regulados. Houve assim uma ampliação

da regulação e controle sobre o policiamento privado existente no Brasil, ou seja, aumentou a

amplitude da regulação e do controle.

De maneira complementar, a Lei nº. 9.017/95 atribuiu à Polícia Federal a exclusividade pela

normatização, controle e fiscalização da segurança privada e instituiu taxas para a prestação dos

serviços46. Isto possibilitou à Polícia Federal criar em sua estrutura orgânica um setor

especializado para exercer as novas atribuições, que a época denominou-se Divisão de Controle

45 O marco regulador criado pela Lei nº. 7.102/83, apesar de mais sofisticado e abrangete que o do período anterior,

padeceu inicialmente de inúmeros problemas, conforme analisaram Heringer (1992) e Musumeci (1998). A Lei nº. 7.102/83, por exemplo, ignorou a realidade do policiamento privado no Brasil e reconheceu/regulamentou apenas a segurança de estabelecimentos financeiros. Para resolver esse problema e retirar da ilegalidade muitas empresas, pouco tempo depois foi promulgado um decreto que acrescentou as palavras “ou a outros estabelecimentos”, mas sem especificar a natureza desses estabelecimentos e/ou definir como seria a regulamentação dos serviços distintos da segurança bancária (Musumeci, 1998, p. 5). Outras tarefas referentes ao cotidiano da fiscalização das empresas de segurança privada também não foram especificadas em lei. Heringer (1992, p. 42 e 42) lembra que a Lei nº. 7.102/83 não definiu qual órgão interno do Ministério da Justiça seria o responsável pela fiscalização da segurança privada, o que só veio a ocorrer mais de um ano depois quando a Polícia Federal foi designado para tal função. Houve ainda, segundo Silva (apud. Musumeci, 1998, p. 5), portarias baixadas pelo Ministério da Justiça sem qualquer respaldo em Lei. A Portaria nº. 214/89 “oficializou” os serviços de segurança pessoal privada sem que houvesse qualquer definição ou regulamentação destes serviços em lei.

46 Art. 16 e 17 da lei citada.

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de Segurança Privada (DCSP), órgão central que foi sediado em Brasília com a incumbência de

regular, coordenar e controlar a segurança privada em todo o Brasil. Hoje este órgão chama-se

Coordenação-Geral de Controle de Segurança Privada (CGCSP). Junto com o órgão central

foram criados órgãos executores específicos chamados Delegacias de Controle de Segurança

Privada (DELESP), unidades regionais vinculadas às Superintendências Regionais de Polícia

Federal nos estados e Distrito Federal, responsáveis pela fiscalização e controle da segurança

privada no âmbito de suas circunscrições. As Comissões de Vistoria foram mantidas nas

Delegacias de Polícia Federal descentralizadas das principais cidades do país com o objetivo de

ajudar as 27 DELESP criadas a fiscalizarem e controlarem a segurança privada. Em 2006 havia

no Brasil 82 Comissões de Vistoria (CV) distribuídas pelos 27 estados da federação conforme o

organograma da próxima página (para uma visualização espacial ver anexo). Cada Comissão é

também responsável pelo controle e fiscalização da segurança privada numa circunscrição

específica47.

47 Essa estrutura institucional foi criada pela Portaria nº. 73, de 10 de dezembro de 1996. No intervalo de tempo

entre a promulgação da Lei nº. 9.017/95 e a Portaria nº. 73/96 o controle da segurança privada ficou provisoriamente a cargo do extinto Departamento de Organização Política e Social (DOPS) do Departamento de Polícia Federal.

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Organograma da Estrutura Institucional para o Controle da Segurança Privada

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Para colaborar com a normatização e controle da segurança privada o Ministério da Justiça criou

também um órgão colegiado incumbido de sugerir políticas para o setor e julgar processos

punitivos instaurados pela Polícia Federal contra empresas de segurança. Além do representante

do órgão estatal de controle, que o preside, este colegiado foi composto por representantes de

entidades de classe patronal e laboral do setor de segurança privada, bem como por

representantes de órgãos públicos exercentes de atividades correlatas. O primeiro formato deste

colegiado foi criado em 1986 com o nome de Comissão Executiva para Assuntos de Vigilância e

Transporte de Valores. Hoje este órgão denomina-se Comissão Consultiva para Assuntos de

Segurança Privada (CCASP) e é composto por treze membros48: Diretor-Executivo do DPF

(antigo Coordenador-Geral Central de Polícia), que preside a Comissão; representante do

Comando do Exército; representante do Instituto Resseguros do Brasil (IRB); representante da

Federação Brasileira dos Bancos (FEBRABAN), representante da Confederação Nacional dos

Bancários (CNB), representante da Federação Nacional dos Sindicatos das Empresas de

Vigilância e Transporte de Valores (FENAVIST); Confederação Nacional dos Trabalhadores em

Vigilância (CNTV); Associação Brasileira dos Cursos de Formação e Aperfeiçoamento dos

Vigilantes (ABCFAV), Associação das Empresas de Transporte de Valores (ABTV); Sindicato

dos Empregados no Transporte de Valores e Similares do Distrito Federal (SINDVALORES-

DF); Associação Brasileira de Empresas de Vigilância e Segurança (ABREVIS); Federação

Nacional dos Empregados em Empresas de Vigilância, Transporte de Valores e Similares

(FTRAVEST); e Associação Brasileira de Profissionais em Segurança Orgânica (ABSO). Com

exceção da FEBRABAN e CNB, que representam um segmento particularizado dos tomadores de

serviços, já que as instituições financeiras têm o dever e não apenas o direito de terem segurança

privada, os demais participantes estão divididos entre representantes do poder público e do setor

de segurança privada, o que caracteriza a CCASP como órgão bipartite.

A regulação e controle da segurança privada no Brasil estão atualmente sob a égide da estrutura

normativa e institucional descritos acima. Ressalvem-se apenas casos como os dos Estados de

São Paulo, Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul, que possuem leis sobre a matéria. No Estado de

48 A Comissão Executiva para Assuntos de Vigilância e Transporte de Valores foi criada pela Portaria nº. 601, de 12

de dezembro de 1986, baixada pelo Ministério da Justiça. Esta Comissão foi substituída pela Comissão Consultiva para Assuntos de Segurança Privada (CCASP) em 25 de fevereiro de 1991, através da Portaria nº. 73, do Ministério da Justiça.

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São Paulo existe a já mencionada Lei nº. 11.275/02, que regula e estabelece um controle mínimo

sobre as atividades de vigilância comunitária49, que não integram o universo do que as leis

federais definem como segurança privada. No Rio de Janeiro existe a Lei nº. 2.662, de 27 de

dezembro de 1996, sancionada pelo Decreto nº. 23.394/97, que instituiu taxas e sujeitou as

empresas de segurança privada daquele Estado (incluindo segurança eletrônica, que não está

regulada pela legislação federal) à autorização, controle e fiscalização da Polícia Civil da

Secretaria de Estado de Segurança Pública (SSP)50. No Rio Grande do Sul existe a Lei nº. 10.991,

de 18 de agosto de 1997, e os Decretos nº. 32.162/86 e nº. 35.593/94, que regulam atividades de

policiamento privado e atribuem a competência de controle e fiscalização à Polícia Militar

(Brigada Militar do Rio Grande do Sul), que possui uma estrutura orgânica especializada no

desempenho dessas funções – Grupamento de Supervisão de Vigilância e Guardas (GSVG). Essa

estrutura normativa e institucional paralela que vigora nestes três estados tem sido objeto

freqüente de contestação nos tribunais. Há uma disputa em curso entre governo federal

(Ministério da Justiça e Polícia Federal) e os governos estaduais (secretarias estaduais de

segurança pública) a respeito da competência para regular e controlar atividades de policiamento

privado no Brasil.

A observação do caso brasileiro mostra que houve no país algo semelhante ao que ocorreu na

maioria dos países da Europa e América do Norte ao longo dos anos 80 e 90. Por um lado, no que

diz respeito a extensão, a estrutura normativa evolui de uma regulação mínima (sem maiores

exigências para o exercício de atividades de policiamento privado) para uma regulação mais

abrangente, que estabelece uma série de condições operacionais relativas à mão-de-obra,

aquisição de armas e munições, infra-estrutura das empresas, etc51. Por outro lado, a agência

reguladora organizou-se junto ao setor de segurança pública, inicialmente nas Secretarias de

Segurança Pública dos Estados e Distrito Federal e, posteriormente, junto ao Ministério da Justiça

e Polícia Federal. Houve, portanto, a passagem de uma estrutura institucional de controle 49 Segundo esta Lei, as entidades de guardas noturnos particulares e os profissionais autônomos de segurança

comunitária para guardas de rua devem se cadastrar na Divisão de Registros Diversos (DRD) do Departamento de Identificação e Registros Diversos (DIRD) da Secretaria de Segurança Pública do Estado de São Paulo. A lei prevê ainda que as entidades de guardas noturnas particulares devam ficar sob controle do Delegado de Polícia Titular do Município e, na Capital, do Diretor do DRD em que exercem suas atividades.

50 No estado do Rio e Janeiro existem ainda leis tratando de matérias relacionadas à segurança privada, caso da Lei nº. 4.511, que obriga as empresas de segurança a acionarem a polícia em caso de emergência, e Leis nº. 4331/04 e nº. 4331/04, ambas tratando da segurança eletrônica em casas noturnas e outros estabelecimentos.

51 Essas várias exigências são tratadas de maneira pormenorizada no próximo capítulo.

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descentralizada para outra centralizada. Do ponto de vista organizacional, a estrutura institucional

de controle tornou-se progressivamente mais especializada até alcançar os quatro níveis que

Migdal (1996) descreve como característico das organizações estatais: “as trincheiras” (nível

correspondente às Comissões de Vistoria), “os escritórios de campo dispersos” (nível

correspondente às DELESP), “os escritórios centrais” (nível correspondente à CGCSP) e o “alto

comando” (nível correspondente ao Ministério da Justiça)52.

Característico da estrutura institucional para o controle da segurança privada que se consolidou

no Brasil é a incorporação do setor de segurança privada, através da CCASP, no processo de

regulação e controle. Tal fato aproxima o Brasil daquilo que Ayres e Braithwaite [1992] (apud.

Prenzler e Sarre, 1998) denominaram de “regulação responsiva”. Padrões de regulação deste tipo

também se constituíram em alguns lugares dos Estados Unidos, mas assumiram um caráter

tripartite, ou seja, além do Estado e da indústria da segurança foram incorporados no processo

regulatório e de controle os contratantes dos serviços de segurança (Stenning, 2000). Já no Brasil

o padrão de regulação e controle estatal responsivo que se consolidou foi do tipo bipartite. O

setor de tomadores de serviço foi excluído do processo (exceto o segmento financeiro), que

incorporou apenas os segmentos representativos do setor de segurança privada. Hoje estes

segmentos desempenham, ao lado do poder público, um papel relevante na política de regulação

e controle da segurança privada no Brasil.

Em suma, a estrutura normativa e institucional para o controle da segurança privada atualmente

existente no Brasil caracteriza-se por apresentar um padrão de regulação abrangente e uma

estrutura institucional de controle centralizada e responsiva.

52 “As trincheiras” seria o nível diretamente executivo de uma agência estatal, onde o contato com o setor alvo da

política é direto, assim como as pressões, que apesar de intensas tendem a ter um caráter tópico e localizado; “os escritórios de campo dispersos” seriam os órgãos regionais que atuam em circunscrições territoriais menores que o Estado-nação, e são responsáveis por decisões-chave sobre a alocação dos recursos (humanos e financeiros) e normalmente suscetíveis à pressões mais amplas e articuladas dos demandadores da política; “os escritórios centrais” comporiam o nível que congrega a elite burocrática que defini o escopo e o desenho geral da política de um determinado setor e que tende a sofrer influência de grandes grupos de interesses articulados nacional ou internacionalmente; e, por fim, o “alto comando” constituir-se-ia naquela instância mais alta do Estado, que reúne os mais importantes elementos da elite estatal e para onde se dirigem as pressões de poderosos grupos de interesse nacionais e internacionais para tratar das estratégias mais gerais de uma política setorial (no caso da segurança privada, o padrão de controle, mudanças no marco regulador a nível constitucional, etc) (Migdal, 1996, p. 16)

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3.2 Atores e Interesses na Vigência da Atual Estrutura Normativa e Institucional

Tanto a burocracia diretamente envolvida na regulação e controle quanto o setor de segurança

privada estão comprometidos com a estrutura normativa e institucional de controle descrita

anteriormente. Desde o início o setor de segurança privada participou direta e intensamente de

sua criação. Na formulação da Lei nº. 7.102/83 os empresários tiveram uma participação

destacada através da Associação Brasileira das Empresas de Segurança e Vigilância (ABREVIS),

que desenvolveu um intenso trabalho de lobby junto ao Congresso Nacional, como relata um dos

partícipes deste processo.

Nos anos 80, eu era vice-presidente da ABREVIS (...). Eu e o meu presidente Amâncio Backer participamos muito da criação da Lei 7.102; além de a escrever, fizemos um trabalho de lobby no Congresso. Nunca vou me esquecer o dia em que um tal de Tancredo Neves botou o nosso projeto nos joelhos e assinou, literalmente, nas coxas! Assim, como o Tancredo Neves, muitos tiveram que assinar, comissões, etc., até a aprovação do projeto (sic) (Kuperman, Revista do Sesvesp, 2006, p. 15).

A atualização da Lei nº. 7.102/83 em meados dos anos 90 também contou com ampla

participação do setor de segurança privada, tanto da parte patronal quanto laboral. Mais de 10

anos após esta atualização, os trabalhadores e empresários defendem hoje um novo marco legal

para a segurança privada no Brasil. O setor considera o marco legal atualmente existente atrasado

e exageradamente detalhado. Uma das principais reivindicações é por uma lei mais geral. A

preocupação é com as limitações que uma legislação muito detalhada acaba impondo à expansão

das empresas, sobretudo as que buscam agregar tecnologia às atividades de segurança53.

Associada a essa busca por modernização tecnológica está outra importante reivindicação do

setor de segurança privada, que é a elevação do nível de escolaridade legalmente exigido para

trabalhar em atividades de segurança privada, que atualmente é a 4º série do ensino fundamental.

A preocupação do setor é melhorar a qualificação da mão-de-obra das empresas, que têm

progressivamente - e esta é uma tendência inexorável na segurança privada - adotado sistemas e

equipamentos eletrônicos que requerem um nível educacional maior para serem operados. Outra

reivindicação importante diz respeito ao estabelecimento de punições para os prestadores e 53 A fala de um destacado empresário do setor aponta isso: “Tenho a impressão de que quanto menos lei melhor.

Tenho a impressão de que quanto mais específica a lei, mais facilmente ela fica ultrapassada. (...) Na nossa área, qualquer lei fica muito rapidamente obsoleta e criando problemas” (Revista Sesvesp, 2006, p. 15 e 16).

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contratantes de serviços de segurança privada clandestina e a ampliação da regulação estatal para

os serviços de segurança eletrônica e consultoria em segurança privada. Neste caso, empresários

e trabalhadores estão interessados em reduzir o número de prestadores de serviços de segurança

privada atualmente existentes no mercado, criando uma relativa estabilidade para as condições

gerais de oferta dos serviços e, consequentemente, um ambiente favorável ao crescimento e

consolidação das empresas no mercado54. Preocupam-se também com a imagem do setor de

segurança privada, frequentemente maculada perante a sociedade e clientes em razão da atuação

indevida de empresas e profissionais irregulares.

Para concretizar os interesses acima o setor de segurança privada defende a regulação estatal,

considerada imprescindível para o bom funcionamento de um mercado problemático como o

brasileiro, mas uma regulação sem muito detalhamento e mais exigente em relação à qualidade da

mão de obra, o que é visto como necessário para não atrapalhar a modernização das empresas. De

todo modo, o setor não é crítico do padrão abrangente que caracteriza a regulação da segurança

privada no Brasil55. Diferentemente do que ocorre com o empresariado de outros países, cuja

preferência é por uma regulação mínima, o empresariado brasileiro apóia um padrão de regulação

abrangente porque o julga necessário num mercado cuja competição ocorre de maneira

desregrada em razão do grande número de prestadores de serviços de segurança na informalidade

ou semi-informalidade.

O setor de segurança privada também defende de maneira intransigente o caráter responsivo e

centralizado que caracteriza a estrutura institucional de controle estatal da segurança privada. No

que diz respeito ao caráter responsivo da estrutura institucional, empresários e trabalhadores

entendem como fundamental suas respectivas participações dentro do processo de regulação e

controle das atividades de segurança privada. Defendem a existência da CCASP com as atuais

atribuições de julgar processos punitivos e opinar sobre a política de regulação e controle da 54 Conforme entrevista de Guilherme Alexandre, vice-presidente da Fenavist para Assuntos da Região Norte.

“Necessitamos modernizar e atualizar a Lei nº. 7.102/83, editada há mais de 20 anos, deixando um vácuo para empresas atuarem no segmento, sem a devida regulamentação”. (Revista Fenavist, agosto de 2005).

55 O representante da ABTV resume bem a posição do setor de segurança privada em relação ao marco legal atualmente em vigor: “Temos, sabidamente, a melhor legislação do mundo sobre a matéria. No entanto, como foi editada em 1983, e, mesmo com algumas alterações posteriores, a última em 1995, está evidentemente superada em vários aspectos, necessitando ser alterada até em função de novos conceitos e do aprimoramento das técnicas e de equipamentos de defesa da vida e do patrimônio” (Revista Fenavist, março de 2005).

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segurança privada. O setor não só defende a existência da CCASP como também reivindica uma

maior importância para o órgão dentro do processo de regulação e controle, como a fala abaixo

evidencia.

Eu acho que a CCASP tem um trabalho importante, fundamental dentro do processo. Inclusive está na legislação e tudo. Acho que ela deve votar os processos punitivos realmente. (...) Além de sermos quase que os juízes dentro do processo, para nós é importante saber quais são os assuntos que estão gerando mais ou menos irregularidades – vamos chamar assim – dentro do processo. Mas eu continuo achando que, além da votação do processo punitivo, a CCASP deveria ser deliberativa em alguns pontos e decidir, por exemplo, que o que ficar decidido em matéria que influi na legislação, que aquilo passasse a ser uma jurisprudência para todo o Brasil (entrevista com o presidente e representante da ABCFAV na CCASP).

Além de defenderem a existência da CCASP, os empresários reivindicam que as interpretações e

deliberações emanadas do colegiado relativas à legislação tenham força de norma. No atual

formato compete à Polícia Federal decidir qual interpretação, procedimento ou conduta deve

prevalecer nos casos em que a legislação é dúbia ou omissa. Esta prerrogativa está atualmente

definida no art. 160 da Portaria nº. 387/06-DG-DPF, que diz que “(o)s casos omissos serão

resolvidos pela CGCSP e submetidos à aprovação do Diretor-Executivo”56. Vale notar que,

quando da formulação da Portaria nº. 387/06-DG-DPF, a FENAVIST quis dar a seguinte redação

para este artigo: “(o)s casos omissos serão resolvidos pela CGCSP e submetidos à aprovação do

Diretor-Executivo do DPF, com direito a recurso com efeito suspensivo para a Comissão

Consultiva”. Dado que o trabalho cotidiano de controle e fiscalização da segurança privada

depende em grande medida de interpretações firmadas em torno de determinados aspectos dúbios

da lei e também de decisões e procedimentos ad hoc que precisam ser tomados, o pleito dos

empresários implicaria um deslocamento significativo de poder da Polícia Federal para a CCASP.

Os trabalhadores acompanham os empresários tanto na defesa do padrão responsivo quanto na

reivindicação de que a CCASP tenha uma maior participação dentro do processo de regulação e

controle da segurança privada. Isso pode ser verificado, por exemplo, na Ata da 60º reunião da

CCASP, quando se discutia a possibilidade de as empresas e profissionais de segurança privada

56 Desde 1995 esta prerrogativa estava definida no art. 117 da Portaria nº. 992/95-DG-DPF, que dizia: “Os casos

omissos serão resolvidos através de consulta escrita encaminhada ao Coordenador Central de Polícia, que decidirá, ouvida a Divisão competente junto ao CCP/DPF”.

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ampliarem seu campo de atuação para atividades não regulamentadas por lei, mais

especificamente para as atividades de prevenção e combate a incêndios. Na ocasião dos debates,

o representante da CNTV-PS manifestou-se dizendo que seria necessário que a Polícia Federal

não proibisse essa atividade “pois há parecer favorável emanado pelo Colegiado e desfavorável

emitido pela Coordenação-Geral. A maior preocupação da Confederação é o controle de tudo o

que diz respeito à segurança privada, sob a égide da Polícia Federal” (Ata da 60º reunião da

CCASP, 2006).

Empresários e trabalhadores também consideram fundamental a centralização da regulação e

controle na Polícia Federal. A principal razão para isso está no fato de a Polícia Federal ser

teoricamente capaz de gerar regras e procedimentos uniformes em todo o país, desejáveis porque

facilitam a expansão e/ou operação das empresas e atividades de segurança privada em diferentes

localidades. Como colocou o presidente da ABREVIS e vice-presidente do SESVESP, “para nós

a Polícia Federal é fundamental justamente para isso: ela padroniza o Brasil inteiro. Se

voltássemos para as Secretarias de Segurança Pública, cada Estado com sua Secretaria, teríamos a

despadronização das condutas” (entrevista com o presidente e representante da ABREVIS na

CCASP). Posição semelhante tem o presidente da CNTV-PS, que considera “o papel da Polícia

Federal extremamente relevante (...) porque uniformiza, o vigilante que trabalha no Pará possui

os mesmos parâmetros do que trabalha em São Paulo, o mesmo curso, a mesma CNV57, além da

credibilidade e da confiança que se tem na Polícia Federal” (Ata da 50º reunião da CCASP,

2004).

Já a Polícia Federal tem posições semelhantes à do setor de segurança privada no que diz respeito

ao padrão de regulação e caráter responsivo e centralizado que caracteriza a estrutura normativa e

institucional para o controle da segurança privada no Brasil. Os servidores da organização

também têm críticas às normas que regem o setor, sobretudo ao fato de elas lhes conferirem

pouca autoridade para combater os provedores particulares de policiamento que atuam na

clandestinidade, que não podem ser criminalizados por ausência de tipificação legal. Assim, uma

das principais alterações reclamadas pela Polícia Federal se refere à criminalização das atividades

de segurança privada clandestina.

57 Carteira Nacional de Vigilante

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(...) o nosso grande anseio é que realmente mude a legislação! O anseio das DELESP e Comissões de Vistoria é que tenha uma legislação mais ágil, que permita você passar a criminalizar a atividade de segurança privada irregular. Porque não tem como você controlar tudo. Passando a ser crime, passa a ser uma coisa comum. E se a competência vai ser da Polícia Federal ou de outro órgão competente, quando acontecer uma ocorrência, o que vai acontecer? O Estado vai encaminhar pra nós; (...) O nosso anseio, a nossa torcida, é para que mude mesmo! (Entrevista com Agente de Polícia Federal membro de Comissão de Vistoria).

Para além de um marco legal que permita o desenvolvimento do mercado brasileiro de segurança

privada, interesse primordial do setor de segurança privada, a Polícia Federal está

fundamentalmente preocupada com a existência de um marco legal que lhe permita desempenhar

com mais eficiência suas atribuições de regular e controlar as atividades de segurança privada.

Como o Brasil já possui um marco legal abrangente que teoricamente prevê diversos mecanismos

de controle e fiscalização das atividades de segurança privada, à Polícia Federal interessa manter

este mesmo padrão de regulação. As reivindicações por mudança visam apenas aperfeiçoar os

mecanismos que permitiriam controlar o setor de segurança privada, preservando-se assim o

mesmo padrão de regulação que caracteriza a estrutura normativa atual.

A Polícia Federal também considera importante o caráter responsivo da estrutura institucional

para o controle da segurança privada. A CCASP é vista pela direção da organização como um

espaço importante, que permite maior transparência e adequação da política de controle e

fiscalização. Pelo menos é o que manifesta o Diretor-Geral da organização, em discurso constante

na Ata da 50º reunião da CCASP.

(...) essa integração que se tem na oportunidade dessas reuniões, embora tenha objetivos específicos, porque nela se julga e se tomam decisões, tem também o lado que é extremamente valioso, que é de possibilitar saber o que a Polícia Federal está devendo em termos de melhor prestação de serviço (...); a polícia não tem muitas vezes aproximação com a comunidade, e um seguimento como esse é uma representação de vários setores de um mesmo seguimento da segurança privada, sem dúvida nenhuma passa a ser uma aproximação da polícia para com a chamada sociedade civil e é importante que se tenha essa aproximação (...); a presença do empresariado, do empregado, das atividades afins e até do representante das Forças Armadas são muito importantes, porque primeiro dá mais transparência à atividade, segundo porque a Polícia Federal tem um feedback através da visão dos membros da CCASP, para saber de que maneira está trabalhando (...); se houver essa integração, esse relacionamento, respeitadas as independências de cada representação, isso é muito bom para o DPF. (Ata da 50º reunião da CCASP, 2004)

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Mas há pessoas na Polícia Federal que vêem a CCASP de outro modo. O delegado federal José

Olavo Farias Bonfim, ex-titular da DELESP da Superintendência Regional (SR) do DPF da

Paraíba, tem a seguinte opinião sobre o colegiado:

(...) em princípio, nada contra a existência dessa comissão. O que nos parece impróprio é que esse colegiado tenha atribuições de aplicar sanções administrativas aos infratores do regramento da segurança privada, negando-se autonomia às delegacias de controle da segurança privada criadas no âmbito do DPF em cada Estado para desempenhar essas funções, as quais ficam a mercê das decisões de um colegiado sediado em Brasília58 para onde não raro os interessados se dirigem e pleiteiam diretamente perante esse “conselho”, às vezes sendo atendidos em suas pretensões, com o que ficam desautorizados os órgãos regionais (...); deve ser atribuída aos órgãos regionais de execução a aplicação das respectivas penalidades, claro, com a possibilidade de recursos para a instância administrativa superior, eliminando-se a anomalia atualmente existente no tocante à existência e funcionamento da “Comissão Consultiva para Assuntos de Segurança Privada” do Ministério da Justiça, que poderá ser substituída por um ‘conselho’ semelhante a outros que já existem, com as respectivas projeções estaduais, porém, com atribuições apenas normativas como é o caso do Conselho Nacional de Trânsito (CONTRAN) (Bonfim, 2003, p. 48-9 e 50).

As críticas e reivindicações do delegado vão no sentido inverso ao do setor de segurança privada.

A crítica dirige-se ao fato de a CCASP possuir poder em demasia dentro do processo de controle

da segurança privada, o que deixaria a Polícia Federal preterida. A reivindicação é pelo

deslocamento de poder da CCASP para a Polícia Federal, mais especificamente para os órgãos

executores da política de controle, que deveriam poder decidir pelas penalidades aplicadas,

atribuição que hoje pertence à CCASP.

Reivindicação semelhante à mencionada acima já foi manifestada pela direção da Polícia Federal

em outras ocasiões. Quando a organização assumiu a competência plena para normatizar e

controlar a segurança privada, em 1996, sua primeira ação na CCASP, que passara a presidir, foi

solicitar a “delegação de competência à Coordenação Central de Polícia (CCP) do DPF para

decidir sobre a aplicação de multas pecuniárias visando à agilização do processo punitivo”

(Conforme Ata da 17º reunião da CCASP, 1996). Mais recentemente, em 2006, quando uma

nova Portaria estava sendo editada pela Polícia Federal (Portaria nº. 387/06-DG-DPF), a

58 A partir de 2005 a CCASP tornou-se itinerante, passando a realizar suas reuniões nas Superintendências Regionais

(SR) dos diversos estados do país e Distrito Federal. Esta mudança será tratada mais detalhadamente no próximo capítulo.

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organização reivindicou novamente mais poder para si dentro do processo de controle da

segurança privada, propondo que as penas de advertência não fossem mais submetidas ao

julgamento da CCASP, devendo as mesmas serem diretamente encaminhadas à CGCSP para fins

de conhecimento e publicação no Diário Oficial da União (DOU)59. Em ambos os casos o

pretexto para as mudanças pretendidas era agilizar a conclusão dos processos punitivos. Em

ambos os casos os pleitos foram rechaçados pelo setor de segurança privada, que não aceita abrir

mão de seu poder dentro do processo.

A Polícia Federal também está umbilicalmente comprometida com o padrão centralizado que

atribui a ela a responsabilidade pela regulação e controle da segurança privada. O interesse da

Polícia Federal em manter-se como agência reguladora e controladora dos serviços de segurança

privada é assunto que deve ser bem compreendido. Em todo o mundo está em curso uma

tendência geral no sentido das organizações policiais estarem cada vez mais abrindo mão de

funções administrativas auxiliares para se concentrarem na aplicação das leis criminais (Bayley,

2001, p. 124-5). No caso da Polícia Federal, embora haja pessoas dentro da organização que

defendam a tese de que ela deva ser desinvestida de atividades administrativas gerais, a cúpula

não a endossa para o caso da regulação e controle da segurança privada.

Desde que se especializou na regulação e controle da segurança privada a Polícia Federal tem

dado mostras de que não deseja abrir mão destas responsabilidades. Ao lado do setor de

segurança privada, a Polícia Federal defendeu (e defende) o seu papel regulador, controlador e

fiscalizador diante das pretensões dos governos estaduais e dos Planos Nacionais de Segurança

Pública (PNSPs) do segundo governo FHC e primeiro governo Lula de trazerem parte dessas

atribuições para o âmbito dos estados.

Na segunda metade dos anos 90 pelo menos três estados tentaram participar da regulação e

controle da segurança privada com base na justificativa de que a Polícia Federal não estaria

exercendo as funções reguladoras e fiscalizadoras a contento: Rio Grande Do Sul, Ceará e Rio de

59 A proposição foi feita através do art. 123 da minuta da Portaria 387, que tinha a seguinte redação. “A pena de

advertência será aplicada pela DELESP ou CV, devendo o processo administrativo punitivo ser encaminhado, ao final, à CGCSP para fins de conhecimento e publicação da portaria respectiva em DOU”. Este artigo foi excluído da versão final da Portaria.

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Janeiro. Nestes Estados tramitaram projetos de lei que propunham a criação de legislação

estadual para a segurança privada e atribuíam às Secretarias de Segurança Pública (SSP) o papel

de normatizar e controlar o setor. O Estado do Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul chegaram a

aprovar estes projetos, criando uma estrutura normativa e de controle paralela, como já foi

apontado anteriormente60. Em todos os casos a Polícia Federal manifestou contrariedade em

relação às propostas e incitou o setor de segurança privada a recorrer à Justiça. A posição da

Polícia Federal foi de que, independentemente de serem criadas estruturas normativas e

controladoras paralelas, ela permaneceria desempenhando suas funções.

Ação mais incisiva da Polícia Federal em defesa desta estrutura centralizada que faculta a ela o

papel de agência reguladora, controladora e fiscalizadora da segurança privada ocorreu quando os

Planos Nacionais de Segurança Pública (PNSPs) do segundo governo Fernando Henrique

Cardoso e primeiro governo Lula propuseram alterações nesta estrutura. O item 17 do PNSP do

segundo governo Fernando Henrique Cardoso pretendia transferir as responsabilidades de regular

e controlar a segurança privada da Polícia Federal para os estados e Distrito Federal, mais

especificamente para as polícias civis (que assumiriam a parte administrativa do processo) e

militares (que fariam a parte operacional). Já o PNSP do primeiro governo Lula propôs a

transferência da responsabilidade direta pela fiscalização e controle da segurança privada para os

estados e municípios, reservando ao Ministério da Justiça, por intermédio da Polícia Federal,

apenas a função reguladora e coordenadora, bem como a responsabilidade direta pela fiscalização

dos serviços particulares prestados a órgãos públicos federais e em áreas sob a jurisdição da

60 No caso do Rio de Janeiro, as disputas entre a secretaria de segurança pública daquele Estado com o Ministério da

Justiça e Polícia Federal no tocante ao controle das atividades de segurança privada remontam aos anos 80. Segundo Heringer (1992), ao contrário de outros estados, que parecem ter aceitado sem maiores controvérsias a transferência do controle das empresas para o governo federal, o Rio de Janeiro continuou a reivindicar essa tarefa. Mesmo com a Lei nº. 7.102/83 em vigor, nos anos 80 a Secretaria de Segurança Pública (SSP) do Rio de Janeiro continuou a exercer um controle próprio sobre o setor de segurança privada através da Divisão de Segurança de Órgãos e Sistemas (DSOS) daquele órgão. No início dos anos 90 o Rio de Janeiro, após pressionar o Ministério da Justiça, conseguiu firmar um convênio transferindo as responsabilidades pela fiscalização das atividades de segurança privada para o âmbito estadual. Este convênio durou apenas 7 meses e sua assinatura foi cercada de polêmicas, provocando inclusive a demissão do responsável pelo setor de segurança privada junto ao Ministério da Justiça, à época Cel. Kurt Pessek, que foi contrário à assinatura do convênio. Embora o convênio tenha sido suspenso, o governo do Estado do Rio de Janeiro voltou a baixar norma sobre a matéria (Resolução nº 440/91). Além desse conflito de jurisdição entre as esferas federal e estadual, em 1992 o município do Rio de Janeiro também passou a legislar sobre o assunto através da Lei municipal nº. 1.890, que, segundo Silva (apud. Musumeci, 1998, p. 6), regulamentou o emprego de vigilantes privados em bares, restaurantes e casas noturnas da cidade com um grau de detalhamento muito maior que o das normas federais e estaduais.

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União (PNSP, 2002, p. 80). Em ambos os casos a Polícia Federal e o setor de segurança privada

mobilizaram-se e conseguiram barrar tais propostas no Ministério da Justiça.

Quando das discussões acerca da proposta de estadualização do PNSP do segundo governo

Fernando Henrique Cardoso, ocorridas na 30º reunião ordinária da CCASP, em 2000, o

presidente do colegiado e Coordenador Central de Polícia, segundo posto na hierarquia da Polícia

Federal, manifestou-se dizendo que o DPF

(...) teve a oportunidade de ver o que está no plano e que realmente ficou preocupado, mas que tem certeza, que para a Polícia Federal seria uma atividade a menos, que com pouco efetivo existente, poderia cuidar de outros assuntos, como o tráfico de drogas, contrabando, etc., [mas] o DPF identifica-se com a atividade de segurança privada, que, quer queira quer não, está se arrecadando com isso, que com a Polícia Federal à frente do segmento, o segmento está funcionando melhor, que, bem ou mal, a atividade vem sendo desenvolvida dentro de critérios, padrões e comportamentos éticos, que o DPF não tem interesse nenhum em deixar a atividade, pelo menos da sua parte como Coordenador-Geral e da parte do Dr. Agílio, como Diretor-Geral do DPF, que um ou outro dentro da polícia acha que o DPF não deveria entrar nessa área de fiscalização administrativa, mas que são poucas pessoas e que as cabeças pensantes do DPF vêem a atividade de segurança privada como sendo um excelente segmento para que se possa trabalhar; (...) o DPF fará tudo o que puder ser feito, em nível de Direção-Geral, para que não se volte àquele antigo estágio (Ata da 30º reunião da CCASP, 2000).

A fala acima sugere uma hipótese para explicar o comprometimento da organização Polícia

Federal com a vigência do atual padrão centralizado que caracteriza a estrutura institucional para

o controle da segurança privada existente no Brasil. Ao que se deduz da fala do Coordenador-

Geral Central de Polícia, o interesse na defesa deste padrão parece estar associado a motivos

internos a própria organização policial. O comportamento da Polícia Federal na defesa desta

estrutura parece obedecer à lógica auto-reprodutora que Skocpol (1989, p. 98) identifica como

típica da ação coletiva das burocracias estatais, ou seja, a lógica segundo a qual os funcionários

do Estado tenderão sempre a agir com o intuito de preservar ou fortalecer seu poder. Nesse

sentido, merece destaque na fala do dirigente da organização a referência ao fato de a burocracia

especializada na regulação e controle da segurança privada ser um “excelente segmento para que

se possa trabalhar”, o que indica a acomodação desta burocracia na estrutura orgânica da Polícia

Federal. Outra passagem que merece destaque é a menção ao fato de a Polícia Federal estar

arrecadando com os serviços prestados por aquela burocracia. Realmente, de acordo com os

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Relatórios Anuais da Policia Federal, a coordenadoria que regula e controla o setor de segurança

tem arrecadado valores crescentes através das diversas taxas cobradas pelos serviços prestados,

conforme mostra o gráfico 6.

Gráfico 6: Arrecadação da CGCSP dos últimos 5 anos.

R$ 28.166.854

R$ 29.467.773

R$ 30.283.385

R$ 32.612.023

R$ 28.268.898

R$ 29.987.312

R$ 31.285.870

2000 2001 2002 2003 2004* 2005 2006

Fonte: Departamento de Polícia Federal. * Houve dois meses de greve em 2004, por isso a arrecadação menor em relação aos anos anteriores

Se for considerada a quantia arrecadada em multas os valores recolhidos são ainda maiores. Em

2004 foram arrecadados R$ 2.870.705,56 em multas, em 2005 R$ 2.173.833,58 e em 2006 R$

4.827.435,43. Este dinheiro arrecadado em taxas e multas é destinado ao Fundo para

Aparelhamento e Operacionalização das Atividades-Fim da Polícia Federal (FUNAPOL),

portanto revertido para a própria organização. Essa arrecadação, no entanto, não é diretamente

repassada para a CGCSP, DELESP e Comissões de Vistoria, sendo esta uma das principais

reclamações do setor de segurança privada e dos policiais e funcionários envolvidos com a

regulação e controle da atividade.

Embora as quantias arrecadadas em taxas e multas não sejam expressivas no cômputo geral do

orçamento da Polícia Federal – em 2004 representaram 14% da composição do FUNAPOL e

apenas 1% da composição orçamentária da Polícia Federal –, elas permitem um acréscimo no

orçamento da organização. Esta certamente é uma das razões que explicam o interesse da Polícia

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Federal em manter-se nesta área administrativa, à revelia de posições internas e de uma tendência

geral constatada por diversos pesquisadores no sentido das organizações policiais estarem cada

vez mais abrindo mão de “funções ancilares” para se especializarem na aplicação das leis

criminais.

Outra ação reveladora dos interesses da Polícia Federal em manter-se como agência reguladora e

controladora dos serviços de segurança privada ocorreu em 2005, quando os dirigentes da

organização conclamaram o setor de segurança privada a barrar o Projeto de Lei do Senado nº.

168, de autoria do senador Tasso Jereissati. Nos arts. 14 e 15 este projeto prevê a criação, em

cada estado da Federação, de um “Conselho de Fiscalização e Controle das Atividades de

Segurança Privada”, que seria integrado por um representante da Polícia Federal (que o

presidiria), um da Secretaria de Segurança Pública (SSP) dos respectivos estados e Distrito

Federal, um da OAB, dois do setor de segurança privada (um patronal e outro laboral) e dois das

polícias estaduais (um da civil e outro da militar), podendo ainda o Ministério Público vir a

participar. Tal proposta provocou uma rápida reação do setor de segurança privada e,

principalmente, da Polícia Federal. Na 55º reunião da CCASP, durante os debates sobre este

projeto, o Diretor-Executivo da Polícia Federal (antigo Coordenador-Geral Central de Polícia)

manifestou-se dizendo que...

(...) para a Polícia Federal, é mais uma atribuição; que saindo da sua esfera diminuirá o ônus da atividade, porém existe uma preocupação, pois hoje há uma padronização de procedimentos a nível nacional e descentralizando para os Estados cada um terá um entendimento e um procedimento, dependendo dos interesses em particular; outra preocupação diz respeito ao envolvimento de policiais na execução da Segurança Privada e com a estadualização da atividade esse risco de envolvimento aumenta, pois, conforme se verifica atualmente, grande parte da segurança clandestina é exercida por policiais, quer seja militares, civis e até federais (...) (Ata da 55º reunião da CCASP, 2005).

Como a fala acima mostra, a Polícia Federal considera temeroso descentralizar o controle das

atividades de segurança privada porque entende que isto provocaria a fragmentação das regras e

procedimentos atualmente existentes e um eventual afrouxamento do controle estatal sobre a

segurança privada clandestina. Alegando essas preocupações, a Polícia Federal criou uma

subcomissão, sob sua coordenação e com a participação do setor de segurança privada, para

formular proposta de lei alternativa para embargar a tramitação do Projeto de Lei nº. 168. Dos

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trabalhos desta subcomissão resultou anteprojeto de lei apelidado de “Estatuto da Segurança

Privada”, que em setembro de 2005 foi entregue ao senador Romeu Tuma (PFL-SP) com a

assinatura da Polícia Federal e de todos os segmentos patronais e laborais do setor de segurança

privada.

Como era de se esperar, este anteprojeto prevê a consolidação da atual estrutura normativa e

institucional para o controle da segurança privada no tocante às suas três principais

características: regulação abrangente, controle responsivo e controle centralizado. Nesse sentido,

destacam-se as propostas de: 1) criminalização da prestação e contratação de serviços não

autorizados de segurança privada, que implica num aumento substantivo da autoridade e

capacidade fiscalizadora das DELESP e Comissões de Vistoria; 2) criação do Conselho Nacional

de Segurança Privada, cujas atribuições e características serão posteriormente definidas pelo

Ministério da Justiça, o que confirma a disposição da Polícia Federal em consolidar o caráter

responsivo da estrutura institucional de controle; 3) a exclusão da possibilidade do Ministério da

Justiça vir a celebrar convênio com os estados e Distrito Federal para a fiscalização da segurança

privada, consolidando assim a estrutura centralizada de controle; e 4) obrigatoriedade da reversão

dos valores arrecadados em taxas e multas pela Polícia Federal em prol dos órgãos reguladores e

controladores da segurança privada, que também implicaria num fortalecimento da estrutura

burocrática que faz a regulação e o controle da segurança privada.

As ações descritas acima e as características deste pré-projeto são reveladoras dos interesses do

setor de segurança privada e da Polícia Federal em relação ao padrão de regulação e controle

abrangente, responsivo e centralizado que atualmente caracteriza a estrutura normativa e

institucional para o controle da segurança privada no Brasil. Se hoje o marco legal brasileiro não

atende mais a todos os interesses do setor de segurança privada e Polícia Federal, as

reivindicações por mudança não são pela alteração do padrão de regulação abrangente existente.

Ao contrário, como as propostas acima confirmam, as mudanças desejadas são no sentido de

tornar o marco legal ainda mais abrangente. Como órgão regulador e de controle, a Polícia

Federal está naturalmente interessada num marco legal que lhe permita realizar suas atribuições

com a maior eficiência possível, para o que conta com o apoio do setor de segurança privada,

interessado num ambiente institucional regrado e controlado a ponto de melhorar as condições de

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oferta do problemático mercado brasileiro de segurança. Num mercado menos problemático a

tendência seria haver posições divergentes em relação ao padrão de regulação ideal para a

segurança privada. Neste caso, a tendência seria que a Polícia Federal defendesse um marco legal

abrangente e o setor de segurança privada, ao menos a parte empresarial, um marco legal

mínimo. Como Zanetic (2006, p. 73) destacou, os empresários tendem a preferir um padrão de

regulação mínima, que ao mesmo tempo em que limita a interferência do poder público em suas

atividades, beneficia as empresas estabelecidas no mercado pelo fato de parte dos concorrentes

não suportarem os custos de uma regulação estatal, ainda que pouco intervencionista.

A característica responsiva e centralizada da estrutura institucional para o controle da segurança

privada existente no Brasil também se encontra respaldado pelos interesses do setor de segurança

privada e Polícia Federal. Da parte desta, apesar de aparentemente haver certo desconforto em

relação ao amplo poder que o setor de segurança privada detém, via CCASP, dentro do processo

de regulação e controle, seus dirigentes parecem acreditar que a boa governança sobre as

atividades de segurança privada não pode prescindir da participação e colaboração de

empresários e trabalhadores do setor. Assim, a Polícia Federal vê com bons olhos a existência de

uma estrutura institucional responsiva que permita envolver o setor de segurança privada dentro

do processo de regulação e controle, embora não pareça plenamente satisfeita com o formato que

esta estrutura adquiriu no Brasil.

Já o caráter centralizado da regulação e controle da segurança privada é algo absolutamente

pacífico. Da parte do setor de segurança privada, a defesa da centralização está associada ao fato

de ela teoricamente gerar regras e procedimentos iguais em todo o país, o que permite a formação

de um ambiente institucional homogêneo, algo fundamental para que as empresas possam se

expandir e/ou operacionalizar seus negócios com mais facilidade. Do lado da Polícia Federal, a

defesa deste modelo centralizado que atribui a ela o papel de agência reguladora e fiscalizadora

da segurança privada parece estar relacionado a um comportamento considerado característico

dos “atores estatais”: a ação no sentido de reforçar a autoridade, a longevidade política e o

controle dos funcionários do Estado sobre a sociedade. (Skocpol, 1989).

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São basicamente estes os interesses que explicam a identificação que existe hoje no Brasil entre

órgão regulador/controlador (Polícia Federal) e setor regulado/controlado (empresas e

trabalhadores de segurança privada), identificação que em diversos momentos resultou em

alianças políticas alicerçadas em interesses fundamentalmente diversos, porém convergentes no

sentido de blindar a CGCSP, DELESP, Comissões de Vistoria e CCASP contra as pretensões de

governos estaduais e federais de demovê-las de seu papel na regulação, controle e fiscalização da

segurança privada no Brasil.

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123

4 O CONTROLE DA POLÍCIA FEDERAL SOBRE A SEGURANÇA

PRIVADA

A discussão realizada no primeiro capítulo sugere que, em contextos como o brasileiro, o

controle estatal da segurança privada depende da existência de uma agência pública que combine

capacidade de fiscalização e combate à clandestinidade com capacidade regulatória e de

incentivo às demais formas de controle, que podem ser menos custosas e mais efetivas. Por um

lado, isso requer a existência de um marco regulatório adequado e mecanismos de incentivo ao

controle interno e controle externo realizado pelos clientes, entidades de classe e pela sociedade

em geral. Por outro lado, requer a existência de unidades de controle capazes de exercer

fiscalização constante e proativa sobre a segurança privada e sobre o universo informal dos

provedores particulares de policiamento. Investigar de que modo essas condições se realizam no

Brasil é o objetivo deste capítulo.

Tendo como referência a realidade de outros países, a primeira seção aborda as características e o

funcionamento dos principais dispositivos legais que permitem direta ou indiretamente

responsabilizar empresas e agentes de segurança privada. Mais especificamente, são analisados:

1) os requisitos e a política para autorização de empresas e vigilantes; 2) o treinamento e a

educação exigidos para os profissionais de segurança privada; 3) a regulação e a política sobre

armas de fogo; e 4) as definições sobre uniforme e identificação visual dos agentes. A segunda

seção analisa os mecanismos que visam incentivar o controle interno e o controle externo

realizado pelos clientes e pelas associações de classe. Por fim, a terceira seção aborda o modo

como a Polícia Federal fiscaliza a segurança privada e o universo informal dos provedores

particulares de policiamento, focalizando os avanços, dificuldades e limites da política de

fiscalização.

A problemática do controle estatal da segurança privada se insere na temática mais ampla da

regulação desses serviços. Como no Brasil a regulação é realizada por um órgão da burocracia

executiva (Polícia Federal), ela é conduzida através de normas infralegais tais como portarias,

instruções normativas, pareceres e outros expedientes administrativos típicos das burocracias

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estatais. De 1995 até os dias de hoje dezenas de documentos infralegais foram expedidos pela

Polícia Federal para disciplinar a segurança privada. Dentre eles destacam-se dois: a Portaria nº.

992/95-DG-DPF e a Portaria nº. 387/06-DG-DPF. A primeira foi editada em outubro de 1995,

quando a Polícia Federal assumiu a competência para regular, controlar e fiscalizar a segurança

privada no Brasil. Esta Portaria vigorou até agosto de 2006, quando foi substituída pela Portaria

nº. 387/06-DG-DPF, que introduziu mudanças significativas no marco regulatório da segurança

privada. São basicamente essas duas portarias as analisadas. A análise, no entanto, foca apenas

nos dispositivos que permitem a responsabilização - ou assegura condições para que isso ocorra -

e incentivam as demais formas de controle. Ênfase especial é dada às modificações introduzidas

pela Portaria nº. 387/06-DG-DPF.

Do ponto de vista da estrutura institucional responsável pela regulação, controle e fiscalização da

segurança privada, a análise incide sobre todos os níveis de diferenciação. Prioridade é dada à

CGCSP pelo fato de ser o órgão central formulador da política de controle. DELESP e CV

também são analisadas porque são unidades de controle e fiscalização que possuem considerável

autonomia relativa. Já a CCASP é analisada em virtude de seu caráter de órgão colegiado

composto pelas entidades de classe do setor de segurança privada com atribuições opinativas

sobre a política de controle e deliberativas sobre os processos punitivos aplicados à segurança

privada.

Algumas mudanças importantes estão em curso e por essa razão não são analisadas. Dentre elas

destaca-se a implantação de um novo sistema que informatizará os processos administrativos

relativos à área de segurança privada em todo território nacional. Batizado de Gestão Eletrônica

de Segurança Privada (GESP), o novo sistema certamente trará grandes conseqüências sobre o

modo como se controla a segurança privada no Brasil. Mas, como este e outros projetos

encontram-se em implantação ou gestação, a análise se limita a apontar os possíveis impactos que

terão sobre o funcionamento dos dispositivos de responsabilização e sobre a fiscalização da

segurança privada.

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4.1 Dispositivos Legais

4.1.1 Requisitos para a autorização de empresas e vigilantes

Requisitos para empresas e profissionais de segurança privada atuar funcionam como uma

espécie de filtro que visa garantir que somente pessoas idôneas, qualificadas e em condições de

serem responsabilizadas civil e/ou criminalmente venham a entrar no universo da segurança

privada. Exigências de requisitos são comuns tanto na Europa quanto América do Norte. As

exigências mais encontradas são aquelas referentes a recursos financeiros mínimos para abrir

uma empresa, idoneidade dos proprietários/administradores e profissionais de segurança privada,

idade mínima e qualificação. O rigor com que esses itens são regulados varia de país para país.

Nos Estados Unidos e Canadá essas variações ocorrem entre as unidades federativas, que não

possuem um padrão de regulação único.

No Brasil essas exigências são relativamente rigorosas. O quadro abaixo resume os requisitos

básicos que empresas e vigilantes devem cumprir para serem autorizados a desempenhar

atividades de policiamento privado nos termos da Lei nº. 7.102/83.

Quadro 5: Exigências para que empresas e vigilantes exerçam atividades de segurança privada

Exigências para empresas Exigências para vigilantes

Sócios brasileiros;

Ser brasileiro;

Sócios, gerentes e diretores sem condenação criminal

Ter idade mínima de 21 anos

Capital social integralizado de 100.000 UFIR’s*

Estar quite com as obrigações eleitorais e militares

Regularidade perante ao FGTS, INSS, Receita Federal e Dívida Ativa da União

Ter instrução correspondente à 4ª série do ensino fundamental

Recursos humanos adequados à atividade - número mínimo de vigilantes.

Ter sido aprovado em curso de formação de vigilantes autorizado pelo DPF

Veículos adequados à atividade - número mínimo de veículos

Ter sido aprovado em exame de saúde física, mental e psicológica

Instalações adequadas às exigências de cada atividade;

Não ter antecedentes criminais registrados

Ter vínculo empregatício com uma empresa especializada ou orgânica autorizada;

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Fonte: Art. 16 e 17 da Lei nº. 7.102/83. * Uma UFIR corresponde à R$ 1,0641. Este valor está congelado desde o ano de 2000, quando a UFIR foi extinta por medida provisória.

A Autorização de Funcionamento para empresa de segurança é concedida por um ano. Após

vencimento a empresa deve solicitar a renovação da Autorização de Funcionamento mediante a

comprovação de todos os requisitos mencionados no quadro. Tanto autorização de

funcionamento quanto a revisão são concedidas para a empresa atuar num determinado estado. A

empresa que mantém filial em mais de um estado deve obter autorizações separadamente, uma

para cada estado. Quaisquer alterações nos atos constitutivos (mudança societária, na razão

social, CNPJ, endereço, no capital social, etc) também dependem de autorização da Polícia

Federal. Empresas e instituições que utilizam segurança privada orgânica também estão

obrigadas a cumprirem exigências semelhantes quanto à infra-estrutura e vida pregressa dos

responsáveis pela divisão de segurança, além de autorização da Polícia Federal em caso de

alteração dos atos constitutivos.

O pretendente a vigilante também deve comprovar possuir os requisitos elencados no quadro 5

para poder validar o curso de formação de vigilante perante a Polícia Federal e Delegacia

Regional do Trabalho, a primeira responsável pela autorização do profissional e emissão da

Carteira Nacional do Vigilante (CNV) e a segunda pela emissão da Carteira de Trabalho.

Importante destacar que o exercício de atividades de policiamento privado é permitido apenas

para os profissionais formados em cursos específicos e que mantêm vínculo empregatício com

uma empresa de segurança privada (especializada ou orgânica) autorizada pela Polícia Federal.

Como já colocado anteriormente, o policiamento privado oferecido de modo autônomo, mesmo

que o vigilante tenha o curso de formação, é vedado pela Lei nº. 7.102/83. Essa é uma exigência

mais rigorosa do que a encontrada em outros contextos regulatórios, que em algumas

circunstâncias permitem a prestação de serviços de policiamento privado de maneira autônoma.

As legislações de Espanha, México e Cidade Autônoma de Buenos Aires (Argentina), por

exemplo, permitem às pessoas físicas habilitadas oferecerem serviços de policiamento privado de

forma direta no mercado, através de contrato com o cliente (Coelho, 2006).

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Como é possível notar, o marco legal brasileiro impõe restrições rígidas para que empresas e

profissionais façam parte da segurança privada. A única exceção é a exigência educacional para

se tornar vigilante, que no Brasil é apenas a 4º série do ensino fundamental. Nos últimos anos o

mercado brasileiro tem demandado profissionais com maior escolaridade, mas de um modo geral

a segurança privada continua empregando profissionais com nível educacional baixo. A tabela 9

mostra que entre 2001 e 2003 houve um crescimento dos profissionais que possuem maior tempo

de estudo, com a contrapartida diminuição daqueles menos escolarizados.

Tabela 9: Nível de escolaridade dos vigilantes no Brasil ( 2001 – 2003)* Analfabeto +

Fundamental I incompleto

Fundamental I completo +

Fundamental II incompleto

Fundamental II completo +

Ensino Médio incompleto

Ensino Médio completo +

superior incompleto

Superior Completo

2001 2,9% 32,2% 47,9% 17,3% 0,2%

2002 2,6% 28,4% 47,3% 21,5% 0,2%

2003 2,9% 25% 45,3% 26,5% 0,3%

Fonte: 2º ESSEG / RAIS * O Ensino Fundamental compreende da 1ª a 8ª série e nesta tabela está dividido em Fundamental I (1º a 4º série) e Fundamental II (da 4º a 8º série). O ensino médio é composto por três anos (antigo 2º grau).

Esse aumento dos profissionais com ensino médio completo ou superior incompleto de 17% em

2001 para 26% em 2003 é, em parte, explicado pela demanda do setor por profissionais em

condições de operarem sistemas de segurança eletrônicos, cada vez mais comuns nas atividades

de policiamento privado. Mas, apesar desta melhora no perfil educacional do vigilante, ele ainda

continua baixo quando comparado ao das principais forças de segurança pública do Brasil, que

em sua grande maioria exigem o ensino médio completo como requisito para o ingresso na

profissão.

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Tabela 10: Nível de escolaridade das principais forças de segurança pública do país

Polícias Civis* Polícias Militares* Guardas Municipais**

Fundamental incompleto 0,9% 6,1% 8,87%

Fundamental completo 2,9% 11,7% 21,36%

Médio incompleto 3,3% 10,8% 5,82%

Médio completo 45% 55,7% 52,21%

Superior incompleto 9,2% 5,6% 6,39%

Superior completo 34,7% 8,8% 5,10%

Pós-graduação 4% 1,4% 0,25%

Fonte: Ministério da Justiça / Secretaria Nacional de Segurança Pública / Departamento de Pesquisa, Análise da Informação e Desenvolvimento de Pessoal em Segurança Pública / Pesquisa Perfil das Organizações de Segurança Pública; * Dados de 2004; ** Dados de 2003.

Como a tabela 10 mostra, as forças de segurança pública apresentam um nível educacional

sensivelmente mais elevado do que o das empresas de segurança privada. Em 2004 quase a

metade do efetivo das Polícias Civis possuía o ensino médio completo, ao passo que 38,7%

possuía curso superior completo. Nas Polícias Militares o nível educacional em 2004 era mais

baixo que o da Polícia Civil, mas consideravelmente maior que o da segurança privada. Mais da

metade dos policiais militares (55%) possuíam o ensino médio completo. Outros 15% possuíam

grau superior completo ou incompleto. Por último, 52,2% do efetivo das Guardas Municipais

possuíam, em 2003, ensino médio completo, embora o percentual de profissionais com curso

fundamental incompleto (8,87%) era maior que o de profissionais com curso superior completo

(5,35%).

Além da baixa escolaridade exigida, os órgãos de controle no Brasil sempre tiveram dificuldades

para fiscalizar os requisitos exigidos para uma empresa obter autorização de funcionamento.

Outro problema presente no contexto brasileiro é que algumas das principais exigências para se

tornar vigilante eram pouco rigorosas ou não eram devidamente fiscalizadas até recentemente.

Somente agora mecanismos de fiscalização mais rigorosos e efetivos começam a ser implantados.

Na segunda metade dos anos 90 foi comum os sindicatos patronais e laborais reclamarem da

política de concessão de autorizações adotada pela Polícia Federal, que, segundo as entidades,

estava contribuindo para o surgimento de empresas sem estrutura que logo deixavam de cumprir

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com as obrigações legais e entravam na informalidade61. A fiscalização frouxa que a Polícia

Federal exercia sobre os requisitos necessários para a abertura de empresa de segurança privada

foi denunciada em 2003 numa matéria publicada pela revista Carta Capital. Após analisar

dezenas de processos de execução fiscal, autuações do INSS, sentenças judiciais e papéis

arquivados em juntas comerciais os jornalistas que assinam a matéria reuniram “forte indícios de

empresas funcionando em nome de ‘laranjas’ ou com expressivos débitos com o Fisco, atestados

pela inscrição na Dívida Ativa da União – dois motivos, segundo a Lei nº. 7.102/83 e portarias

que regulam o setor, para o aresto das armas e fechamento de uma empresa de vigilância pela

Polícia Federal” (Carta Capital, 2003, p. 23).

Para o devido cumprimento da lei seria necessário que DELESP e CV fizessem uma ampla

fiscalização sobre os proprietários, sócios e gerentes de empresas interessadas na autorização e

renovação da autorização de funcionamento. Contudo, os casos mostrados pela reportagem

evidenciaram que a realidade e os instrumentos disponíveis nem sempre permitiam o

cumprimento do texto da lei. Em razão do volume de trabalho, alguns órgãos de fiscalização e

controle não tinham condições de realizar investigações mais profundas para se certificarem da

idoneidade e identidade dos verdadeiros sócios de empresas de segurança privada, limitando-se

apenas a conferir a relação de documentos e certidões enviados pelas empresas. Assim, apesar de

rigorosos, os requisitos exigidos para a abertura de empresas ficavam suscetíveis a burlas de

vários tipos, conforme denunciou a reportagem.

Alguns dos requisitos para se tornar agente de segurança privada também apresentaram sérios

problemas até recentemente. Duas das exigências mais importantes para o ingresso na profissão -

a inexistência de antecedentes criminais registrados e a higidez física e mental dos profissionais

de segurança privada - eram até 2006 exigidos de maneira pouco rigorosa. Em relação aos

antecedentes criminais registrados, antes da publicação da Portaria nº. 387/06-DG-DPF

predominou o entendimento de que essa exigência referia-se apenas aos antecedentes judiciais de

uma pessoa. Somente pessoas sem condenação na Justiça poderiam desempenhar atividades de

policiamento privado. Como a condenação na Justiça pressupõe uma sentença com trânsito

julgado, pessoas que se encontravam respondendo a inquérito policial não podiam ser impedidas

61 Conforme “Revista Segurança Privada”, SINDESP-RJ, nº. 5, 2006, p. 20 e 21.

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de ingressarem ou se manterem na profissão de vigilante. Assim, em nome do princípio

constitucional da presunção de inocência manteve-se por muito tempo o entendimento de que

mesmo as pessoas indiciadas por crimes praticados contra a vida ou o patrimônio poderiam

continuar exercendo atividades de policiamento privado.

No tocante às exigências de exames de saúde física, mental e psicológica também houve até

recentemente problemas que dificultavam o devido cumprimento da Lei. O Decreto nº.

89.056/83, que regulamentou a Lei nº. 7.102/83, exigiu que, além de um exame inicial para

ingressar na profissão, os vigilantes deveriam passar anualmente por um rigoroso exame de saúde

física e mental62. Contudo, este mesmo Decreto retirou da Polícia Federal a responsabilidade de

regular e fiscalizar essas exigências e delegou-a para o Ministério do Trabalho, que ficou

incumbido de editar instruções para o exame psicotécnico e norma regulamentadora para os

exames de sanidade física e mental, bem como fiscalizar o cumprimento dessas exigências63.

Desse modo, como observou Bonfim (2003, p. 48), “quem tinha o poder-dever de disciplinar e

fiscalizar o atendimento a dois requisitos fundamentais para o exercício de uma profissão

importante como a do agente de segurança privada, quais sejam, a higidez física e mental do

pretendente a atuar nesse campo, deixou ao talante de outrem fazê-lo, ficando alheio ao processo”

(Bonfim, 2003, p. 48). O resultado disto foi uma regulação e fiscalização extremamente precárias

sobre requisitos fundamentais para o exercício de atividades de policiamento privado.

Foi somente com a edição da Portaria nº. 387/06-DG-DPF que mecanismos de fiscalização mais

rigorosos e efetivos começaram a ser implantados para viabilizar o devido cumprimento dos

requisitos legais exigidos para que empresas e profissionais de segurança privada venham a atuar.

Em relação à fiscalização dos requisitos das empresas, a Portaria nº. 387/06-DG/DPF avançou ao

obrigar DELESP e CV a adotarem um procedimento que muitas já vinham adotando para evitar

problemas semelhantes aos apontados pela Revista Carta Capital: ouvir em termo de declarações

os sócios ou proprietários da empresa que pretende obter Autorização de Funcionamento e

proceder outras diligências que se fizerem necessárias visando obter informações sobre a

atividade econômica exercida anteriormente, a origem dos recursos financeiros apresentados para

62 Conforme art. 18 do Decreto nº. 89.056/83. 63 Conforme art. 16, § 2º e § 3º, do Decreto nº. 89.056/83.

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a formação do capital social da empresa, a eventual participação em empresa de segurança

privada cancelada e a razão pela qual ocorreu o cancelamento, etc. Tais mudanças representam

um aperfeiçoamento de procedimentos capazes de garantir o cumprimento dos requisitos

estipulados em lei para uma empresa de segurança privada funcionar, consequentemente,

representam uma fiscalização mais intensa sobre itens fundamentais para a estabilidade de uma

empresa e eventual responsabilização civil ou criminal dos donos, sócios ou gerentes.

Além disso, dados do 2º ESSEG sugerem que, nos últimos anos, a Polícia

Federal tem conduzido uma política mais austera no que diz respeito à concessão de autorizações.

Como a tabela 11 mostra, entre 2002 e 2004 houve uma diminuição do ritmo de crescimento das

autorizações de funcionamento de empresas de segurança privada provocada, por um lado, pela

diminuição do número total de autorizações existente, por outro, pelo acréscimo do número total

de cancelamento de autorizações de empresas.

Tabela 11: Taxa de abertura, taxa de cancelamento e total de empresas autorizadas no Brasil (2002-2004)

Taxa de abertura de novas empresas1

Taxa de cancelamento de empresas2

Taxa de crescimento do total de autorizações3

Número total de autorizações

2002 7,7% 2% 6% 1.828

2003 5% 1,1% 3,7% 1.896

2004 3,9% 4,4% -0,6% 1.884

Fonte: 2º ESSEG 1 A taxa de abertura é a relação entre o total de abertura de novas empresas sobre o total de autorizações existentes 2 A taxa de cancelamento de empresas é a relação entre o total de cancelamento de novas empresas sobre o total de autorizações existentes. 3 A taxa de crescimento do total de autorizações é a relação entre o total de empresas autorizadas pelo total de empresas canceladas.

A redução do número total de empresas autorizadas pode ser explicada pela própria dinâmica do

mercado, mas também por um maior rigor na política de concessão de autorizações da Polícia

Federal. Nesse sentido, vale notar o incremento da taxa de cancelamento de empresas, que passou

de 2% em 2002 para 4,4% em 2004. Esse crescimento provavelmente ocorreu em razão da maior

agilidade da Polícia Federal em cancelar empresas que estavam com a autorização de

funcionamento vencida e sem condições de atender aos requisitos necessários para renová-la.

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A Portaria nº. 387/06-DG-DPF também corrigiu o problema da permissividade que prevalecia na

interpretação do texto da lei referente ao que vem a ser “antecedente criminal registrado”.

Corrigiu também parcialmente o problema da omissão das normas no tocante à regulação e

fiscalização dos exames psicológicos que vigilantes devem se submeter para o exercício da

atividade profissional. Na esteia do Estatuto do Desarmamento (Lei nº. 10.826/03), a nova

Portaria passou a exigir que o vigilante comprovasse não possuir registro de antecedentes

criminais e policiais. Além das certidões da Justiça, que atestam a idoneidade criminal do

indivíduo, os pretendentes a vigilante agora devem apresentar também Atestado de Antecedentes

que comprove estar ou não respondendo a inquérito policial.

Também na esteia do Estatuto do Desarmamento, a nova Portaria trouxe para o âmbito da Polícia

Federal a competência para regular e controlar a aplicação dos exames psicológicos exigidos para

o ingresso na profissão de vigilante. Segundo a nova regulamentação, os exames devem agora ser

aplicados por psicólogos previamente credenciados junto ao Serviço Nacional de Armas da

Coordenação-Geral de Defesa Institucional do Departamento de Polícia Federal

(SENARM/CGDI/DPF)64. Em consonância com as novas exigências do Estatuto do

Desarmamento referentes ao porte de arma, direito assegurado aos vigilantes, o SENARM deverá

estabelecer e fiscalizar o padrão de testes a serem aplicados, que prometem ser muito mais

rigorosos do que os atualmente existentes. Segundo a regulamentação da Polícia Federal, estes

exames deverão ser renovados a cada dois anos por ocasião da reciclagem do vigilante, a

expensas do empregador. Apesar da melhora, esta exigência continua não contemplando o

estabelecido no Decreto nº. 89.056/83, que assegura ao vigilante a renovação anual dos exames

de saúde física e mental. Em tese, o Ministério do Trabalho é quem deveria fiscalizar tal

exigência, mas na prática isso não ocorre.

Todas as mudanças apontadas acima aprimoraram o funcionamento dos requisitos exigidos para

o desempenho de atividades de policiamento privado. Mas a principal mudança ainda está por vir

com a implantação da Gestão Eletrônica da Segurança Privada (GESP). Em sua primeira fase,

que já está em implantação, o sistema automatizará os processos de Autorização de

Funcionamento e revisão de Autorização de Funcionamento, que atualmente consomem muito

64 Conforme art. 109, § 2º, da Portaria nº. 387/06- DG-DPF

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tempo porque são feitos manualmente65. Num segundo momento, o sistema também promete

trazer inovações nos procedimentos atualmente empregados para checagem da documentação

exigida para a abertura de empresa e ingresso na profissão de vigilante, que ainda são muito

suscetíveis a burlas. A comprovação de muitos dos requisitos exigidos, por exemplo, é feita

através de certidões obtidas pela internet que são facilmente falsificadas e cuja verificação uma a

uma na fonte é praticamente impossível. A segunda fase do GESP diminuirá as possibilidades de

burlas graças à integração da base de dados da Polícia Federal com as bases de dados de outros

órgãos governamentais, permitindo assim a checagem automática da documentação exigida para

o ingresso no universo da segurança privada. Nesta segunda fase também está prevista a

implantação do Registro de Identificação Civil (RIC), que permitirá identificar vigilantes através

de um número seqüencial gerado a partir da identificação decadactiloscópia. Se implantando,

esse mecanismo ajudará a identificar e responsabilizar mais facilmente os profissionais de

segurança privada que incorrem em crimes. Relacionado à implantação deste novo mecanismo,

há outro projeto importante em gestação na CGCSP, a Inteligência da Segurança Privada, que

será um setor específico para a coleta, análise e compartimentação de informações sobre

ocorrências criminais envolvendo agentes de segurança privada de modo a permitir traçar

estratégias para diminuir a criminalidade no setor de segurança privada.

Enquanto essas mudanças não vêm, seu impacto não pode ser avaliado. De qualquer modo,

parece certo que tais mudanças trarão melhoras substantivas no funcionamento de mecanismos

importantes para a responsabilização dos profissionais de segurança privada.

4.1.2 Treinamento e educação

Diferentemente dos mecanismos de responsabilização baseados em procedimentos que visam

responsabilizar individualmente pessoas por desvios de conduta, os mecanismos de treinamento e

educação estão voltados para a prevenção desses desvios através da profissionalização dos

agentes de segurança. O treinamento e a educação propiciam aos agentes de segurança privada a

65 O GESP foi instituído pela Portaria nº. 346/06-DG-DPF. Além dos processos de autorização e renovação da

autorização de funcionamento, o novo sistema contempla os processos de compra de armas e munições.

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profissionalização necessária para que atuem, no exercício de suas funções, especialmente as que

envolvem coerção, apoiados em padrões claros e precisos de competência e responsabilidade

profissional. Assim, o treinamento e a educação profissional operam como mecanismos

fundamentais para evitar todo tipo de comportamento impróprio decorrente da falta de

competência técnica para agir em determinadas circunstâncias.

Apesar da importância do treinamento e da educação dos agentes de segurança privada, nem

todos os países fazem exigências sobre o assunto. Nos locais onde eles são exigidos, os padrões

estipulados variam enormemente. No Canadá, até 2003, apenas três províncias obrigavam

programas de treinamento e testes. Na maior parte dos EUA também não há nenhuma exigência

de treinamento. Nos estados federados onde ela existe, a carga horária estipulada varia de 4 a 48

horas. Na Europa, o treinamento e educação dos profissionais de segurança privada também

variam muito. Bélgica, Dinamarca, Finlândia, Alemanha, Países Baixos, Espanha e Suécia

obrigam treinamentos, mas em outros países eles são voluntários. Os padrões exigidos também

variam consideravelmente, de 32 a 280 horas, conforme as especificidades e funções que serão

desempenhadas pelos agentes. Alguns países exigem processos de treinamento contínuos.

(Cukier, Quigley, Susla, 2003, p. 252)

Mesmo nos contextos regulatórios mais exigentes, como os encontrados na Europa, os padrões

estabelecidos são muito inferiores aos exigidos dos membros de forças policiais. Na verdade, por

toda a parte ainda há dúvidas se os agentes de segurança privada devam possuir qualificações

semelhantes a dos policiais, se devam ser treinados para conveniência e temperamento (relações

públicas), ou se devam ser conhecedores de direitos humanos. O perfil adequado que um

vigilante deve apresentar e, por conseguinte, o treinamento e a educação a que deva ser

submetido ainda é questão bastante controversa (Cukier, Quigley, Susla, 2003, p. 247).

Quando comparado aos países da América do Norte e Europa, o Brasil apresenta exigências

relativamente rigorosas em relação ao treinamento e educação dos profissionais de segurança

privada. O marco regulatório brasileiro exige o treinamento e o aperfeiçoamento contínuo dos

profissionais que atuam em empresas de segurança privada. Para se tornar vigilante é necessário

freqüentar curso preparatório ofertado por instituição autorizada pelo Ministério da

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Justiça/Polícia Federal66. São exigidos cursos de três tipos: formação, extensão e reciclagem. O

de formação é o curso base que habilita o vigilante ao exercício da atividade de vigilância

patrimonial. Os cursos de extensão preparam os candidatos para o exercício das atividades

específicas de transporte de valores, escolta armada e segurança pessoal. Os de reciclagem são

aqueles voltados para a requalificação dos profissionais. Para cursar as extensões é necessário ter

concluído o curso de formação de vigilante. As três modalidades de curso são válidas por dois

anos, após o que os vigilantes devem ser submetidos a curso de reciclagem, a expensas do

empregador. Desse modo, o marco legal brasileiro exige que, além de treinamento obrigatório, o

vigilante deve retornar à sala de aula a cada dois anos para requalificação.

Até a edição da Portaria nº. 387/06-DG-DPG, os cursos poderiam ser ministrados tanto por

empresas de segurança privada, as chamadas empresas de curso de formação, quanto por órgãos

de formação policial ou militar, desde que cadastrados na Polícia Federal67. Contudo, na prática,

a oferta de cursos para vigilantes foi praticamente monopolizada pelas empresas especializadas.

O Plano Nacional de Segurança Pública (PNSP) do primeiro governo Lula pretendeu reverter

radicalmente essa situação ao propor “instituir obrigatoriedade de que o treinamento inicial e a

requalificação anual dos vigilantes passem a ser realizados pelas polícias militares, que

receberiam pagamento das empresas de segurança por esses serviços”68. O entendimento

expresso no Plano era o de que o treinamento e a qualificação dos trabalhadores da segurança

privada eram deficientes e baixos, sendo necessário aproximá-los daqueles existentes para as

forças de segurança pública. A proposta, que implicaria na extinção das empresas de curso de

formação, encontrou forte resistência e não prosperou. Na verdade, ocorreu o inverso. Através da

Portaria nº. 387/06-DPF-DG, a Polícia Federal restringiu a oferta de cursos às empresas de

segurança privada especializadas69.

Além de vetar a oferta de cursos por instituições militares e policiais, com a edição da Portaria nº.

387/06-DG-DPF a Polícia Federal realizou mudanças significativas no quadro dos cursos de

formação, extensão e reciclagens até então exigidos pela Portaria nº. 992/95-DG-DPF. Esta

66 Conforme art. 16, IV, e 20, V, da Lei nº. 7.102/83 e art. 23 e 24, do Decreto nº. 89.056/83. 67 Conforme art. 83 e 84 da Portaria nº. 992/95-DG-DPF. 68 Conforme item 1 da seção “Segurança Privada: diagnóstico e propostas”, do PNSP (2002, p. 80). 69 Conforme art. 52 da Portaria nº. 387/06-DG-DPF.

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estipulava curso de Formação de Vigilante com 120 horas/aula e cursos de Extensão em

Transporte de Valores e Segurança Pessoal Privada com 66 e 40 horas/aula, respectivamente. A

reciclagem era exigida apenas para o curso de Formação de Vigilante. A Portaria nº. 387/06-DG-

DPF alterou este quadro. Dentre as principais alterações destacam-se: 1) a inclusão de novas

matérias na grade curricular dos cursos; 2) criação do curso de extensão em escolta armada; e 3) a

exigência de reciclagem em todas as extensões (transporte de valores, escolta armada e segurança

pessoal). A tabela 12 destaca como era e como ficou a grade curricular dos cursos de formação e

extensão para profissionais de segurança privada.

Tabela 12: Alterações introduzidas na grade curricular dos cursos para Vigilantes

Curso de Formação de Vigilante Grade atual (Portaria nº. 387/06) Grade anterior (Portaria nº. 992/95-DG-DPF)

Disciplina Carga Horária Disciplina Carga Horária Noções de Segurança privada 08 h/a ----- -----

Legislação Aplicada 06 h/a Noções Elementares de Direito Penal

10 h/a

Direitos Humanos e Relações Humanas no Trabalho

06 h/a Relações Humanas no Trabalho

06 h/a

Sistema de Segurança Pública e Crime Organizado

06 h/a ----- -----

Prevenção e Combate a Incêndio e Primeiros Socorros

12 h/a Prevenção e Combate a Incêndios

12 h/a

Educação Física 12 h/a ----- -----

Defesa Pessoal 20 h/a Defesa Pessoal e Primeiros Socorros

24 h/a

Armamento e Tiro 22 h/a Armamento e Tiro 32 h/a

Vigilância 16 h/a Segurança Física de Instalações

22 h/a

Radiocomunicação e Alarmes 16 h/a ----- -----

Criminalística e Técnica de Entrevista

12 h/a Técnica Operacional 12 h/a

Verificação de Aprendizagem e Abertura de curso

22 h/a ----- -----

Total 160 h/a Total 120 h/a *

Curso de Extensão em Transporte de Valores

Legislação aplicada 05 h/a ----- -----

Transporte de Valores 10 h/a Transporte de Valores 24 /h/a

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Resolução das Situações de Emergência

10 h/a Prevenção e Combate a Incêndios

2 h/a

Armamento e Tiro 18 h/a Amamento e Tiro 8 h/a

Verificação de Aprendizagem 07 h/a Verificação de Aprendizagem 2 h/a

Total 50 h/a Total 36 h/a

Curso de Extensão em Segurança Pessoal Privada

Revisão e Atualização das Disciplinas Básicas

12 h/a Promover a Segurança de Pessoas

18 h/a

Armamento e Tiro 16 h/a Armamento e Tiro 15 h/a

----- ----- Medidas de Proteção a Integridade Física de Pessoas

4 h/a

Verificação de Aprendizagem 02 h/a Verificação de Aprendizagem 03 h/a

Total 30 h/a Total 40 h/a

Curso de Extensão em Escolta Armada

Legislação Aplicada 05 h/a ----- -----

Escolta Armada 10 h/a ----- -----

Resolução das Situações de Emergência

10 h/a ----- -----

Armamento e Tiro 18 h/a ----- -----

Verificação de Aprendizagem 07 h/a ----- -----

Total 50 h/a ----- -----

Fonte: Portaria nº. 387/06-DG-DPF e Portaria nº. 992/95-DG-DPF. * Tempo dividido em 110 horas/aula para atividades curriculares e 10 horas/aula para verificação de aprendizagem.

A principal e mais importante mudança ocorreu no curso de Formação de Vigilante, que teve sua

carga horária aumentada de 120 para 160 horas/aula em razão da inclusão de novas disciplinas e

incremento de outras. As alterações objetivaram adequar o perfil do vigilante às exigências do

mercado, das instituições de segurança pública e à doutrina dos Direitos Humanos. A inclusão de

disciplinas como “Vigilância” e “Radiocomunicação e Alarmes” buscam responder aos anseios

do mercado por profissionais mais qualificados e especializados. A necessidade de dar substância

ao princípio segundo qual a segurança privada é subsidiária e complementar à segurança pública

fundamenta a inclusão das disciplinas “Sistema de Segurança Pública e Crime Organizado” e

“Criminalística e Técnica de Entrevista”, que visam tornar os vigilantes efetivamente aptos a

colaborarem com as organizações de segurança pública. Em conformidade com o princípio

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constitucional de prevalência dos direitos humanos, disciplinas e matérias que tratam direta ou

indiretamente do assunto também foram introduzidas.

Em conjunto, essas mudanças alteram o padrão de treinamento e educação que prevalecia

anteriormente, focado na defesa do patrimônio e sem nenhuma preocupação com direitos

humanos e uso profissional da força física. Contrastando com esse padrão, o treinamento volta-se

agora para a formação de um “profissional-cidadão” com as seguintes características:

a) Preventivo/ostensivo: atributo de o vigilante ser visível ao público em geral, a fim de evitar

a ação de delinqüentes, manter a integridade patrimonial e dar segurança às pessoas.

b) Proatividade: ação de antever e se antecipar ao evento danoso, com o fim de evitá-lo ou de

minimizar seus efeitos e, principalmente, visar à adoção de providências para auxiliar os

agentes de segurança pública, como na coleta das primeiras informações e evidências da

ocorrência, de preservação dos vestígios e isolamento do local do crime.

c) Relações Públicas: qualidade de interação com o público, urbanidade, sociabilidade e

transmissão de confiança, priorizando o atendimento adequado às pessoas com deficiência.

d) Vigilância: atributo de movimento, dinamismo e alerta, contrapondo-se ao conceito

estático.

e) Direitos Humanos: respeito à dignidade da pessoa humana, compromisso que o Brasil

assumiu perante a comunidade internacional e princípio constitucional de prevalência dos

direitos humanos.

f) Adestramento: atributo relacionado à desenvoltura corporal, com aprimoramento físico,

domínio de defesa pessoal e capacitação para o uso proporcional da força através do

emprego de tecnologias não-letais e do uso da arma de fogo, como último recurso de defesa

própria ou de terceiros.

g) Técnico-profissional: capacidade de empregar todas as técnicas, doutrinas e ensinamentos

adequados para a consecução de sua missão.

Nesse novo perfil ganha destaque o ser humano enquanto titular de direitos e garantias

fundamentais. A preocupação com a subordinação do uso da força aos princípios da necessidade,

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adequação e proporcionalidade também se destaca, assim como a ênfase no profissionalismo. A

preocupação de desenvolver nos profissionais a sociabilidade para interação com o público

também está presente.

Ao exigir um profissional de segurança privada instruído em Direitos Humanos, técnicas policiais

e relações públicas, o marco regulatório brasileiro se aproxima daquele presente nos contextos

regulatórios mais exigentes. Isso não necessariamente implica dizer que o padrão de treinamento

e educação exigido no Brasil está entre os melhores do mundo. O padrão adequado a cada país

varia conforme as características encontradas nos respectivos contextos regulados. Nos locais

onde os profissionais de segurança privada não estão autorizados a portarem armas e onde o

respeito aos direitos civis estão enraizados, exigências de treinamento e educação rigorosas

tendem a ser menos imperativas. Por outro lado, nos contextos onde os profissionais de segurança

privada têm o direito a portarem armas e onde os direitos civis carecem de legitimidade, caso do

Brasil, padrões de treinamento e educação rigorosos são absolutamente necessários.

Sob esse ponto de vista, e levando em conta as características problemáticas do mercado formal

de segurança privada no Brasil, as novas exigências de treinamento e educação introduzidas

podem não ser tão rigorosas quanto uma comparação com o contexto internacional sugere. A

grande quantidade de ocorrências de brigas e desentendimentos envolvendo agentes de segurança

privada, por exemplo, aponta para a necessidade de treinamento em técnicas de “desescalada”,

como judô verbal, negociação, administração da raiva (angry management) e outras técnicas para

resolução pacífica de conflitos70, necessidade que não foi contemplada pelo novo currículo dos

vigilantes.

O fato de o padrão de treinamento e educação dos profissionais de segurança privada ser inferior

ao das forças policiais públicas também não quer necessariamente dizer que ele seja ruim. Por se

tratar de profissionais com atuações muitas vezes distintas, o perfil adequado ao policial não

necessariamente o é para o vigilante. Logo, as comparações entre as exigências de treinamento e

educação de um vigilante e de um policial devem ser feitas com cuidado. Elas são válidas apenas

70 Conforme sugestão da Coordenadoria de Análise e Planejamento da Secretaria de Segurança Pública do estado de

São Paulo (CAP-SSP/SP), constante no estudo “Quem Vigia os Vigias”.

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para os casos em que policiais e vigilantes estão próximos um do outro em termos de atuação.

Nesse sentido, houve uma aproximação em alguns quesitos importantes do treinamento e

educação exigidos para a segurança privada e para as forças de segurança pública, como a

incorporação dos princípios de Direitos Humanos e do uso progressivo e profissional da força

física, que são fundamentais para gerar adequação do policiamento, seja ele público ou privado,

às expectativas e regras públicas.

Ao melhorar os padrões de treinamento e educação exigidos para os profissionais de segurança

privada, a Polícia Federal não contribui apenas para elevar o nível da segurança privada no país.

Contribui também para promover o controle sobre os provedores particulares de policiamento,

tendo em vista que vigilantes educados em direitos humanos e treinados para utilização da força

física de maneira progressiva e profissional estão, em tese, menos suscetíveis a desvios de

conduta e comportamentos irresponsáveis. Mas, se não houver forte fiscalização sobre os cursos

de formação, as mudanças introduzidas ficarão comprometidas. Durante a década de 90 foram

freqüentes os problemas envolvendo cursos de formação, muitos acusados de serem simples

organizações para a venda de diplomas. Essa situação levou a Polícia Federal e o próprio setor de

segurança privada a aprimorarem o controle e a fiscalização sobre os cursos. Mesmo assim,

supervisionar o treinamento oferecido pelos cursos continua uma tarefa difícil de ser realizada em

razão das inúmeras variáveis operacionais envolvidas. A implantação do GESP promete diminuir

essas dificuldades, tendo em vista que a segunda fase do sistema prevê a automatização de muitos

dos procedimentos relacionados ao controle dos cursos de formação.

4.1.3 Armas de fogo

A permissão ou não de armas de fogo na segurança privada determina em grande medida o

potencial de ameaça que esta representa para os direitos humanos. A presença de armas de fogo

em atividades de policiamento privado aumenta a probabilidade de o mau comportamento ou

desvio de conduta assumir feições trágicas. Por esse e outros motivos a regulação sobre armas de

fogo é um tema central para o controle da segurança privada em todo o mundo.

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O modo como a questão das armas de fogo é regulada varia enormemente em diferentes

contextos regulatórios. Países como Grã-Bretanha, Dinamarca, Irlanda e Países Baixos possuem

legislações que proíbem o porte de armas por agentes de segurança privada. Em algumas

províncias do Canadá os agentes de segurança privada estão sujeitos às mesmas exigências que

os cidadãos comuns para portarem armas: possuírem licenças especiais (Cukier, Quigley, Susla,

2003, p. 255-6). Em outros locais, além de licença especial, a legislação condiciona o porte de

arma à natureza do serviço a ser executado, caso de Espanha, Portugal, México e Cidade

Autônoma de Buenos Aires (Argentina). Nestes países, a legislação discrimina em quais serviços

os agentes de segurança privada poderão portar armas de fogo e/ou condiciona o porte a uma

autorização específica e individualizada concedida pelo órgão regulador (Coelho, 2006, p. 30-

56). De todo modo, na maioria dos locais o porte autorizado geralmente só pode ser desfrutado

quando o agente de segurança privada estiver em serviço.

O marco legal brasileiro é muito mais permissivo do que o presente na Europa, América do Norte

e parte da América Latina. A Lei nº. 7.102/83 assegura ao vigilante porte de arma quando em

serviço, independente do tipo de serviço que ele venha a prestar71. Não existem restrições prévias

e/ou a critério do órgão regulador para que vigilantes possam portar armas de fogo. Se o

policiamento privado será ou não executado de maneira armada depende do contrato firmado

entre a empresa de segurança e o tomador de serviço - exceto nos serviços de vigilância bancária,

transporte de valores e escolta armada, que obrigatoriamente devem ser armados.

Para que os vigilantes portem arma a única exigência da legislação brasileira é a de que

preencham os requisitos necessários ao exercício da profissão e utilizem armamento de

propriedade e responsabilidade da empresa onde trabalham72. O porte de arma do vigilante

configura uma exceção no contexto da atual legislação brasileira sobre armas. O Estatuto do

Desarmamento consagrou o entendimento de que o porte de arma é pessoal e integral, ou seja, o

indivíduo tem o direito de portar uma arma e levá-la para onde vai. Este conceito não se aplica

aos vigilantes, que portam armas da empresa e somente em serviço73. Outra particularidade é o

71 Conforme art. 19 da Lei nº. 7.102/83 e art. 20 do Decreto nº. 89.056/83. 72 Conforme art. 21 da Lei nº. 7.102/83 e art. 42 do Decreto nº. 89.056/83. 73 Essa situação peculiar agravou os conflitos entre o setor de segurança privada (empresas e vigilantes) e as Polícias

Civis e Militares no que diz respeito ao porte de armas. Antes da promulgação do Estatuto do Desarmamento havia o problema de funcionários de apoio de empresas de segurança (funcionários que não são vigilantes: fiscais,

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fato de o Estatuto definir que somente indivíduos acima de 25 anos podem portar armas de fogo,

enquanto a Lei nº. 7.102/83 define a idade de 21 anos para um indivíduo se tornar vigilante e,

consequentemente, ter o porte de arma em serviço.

As restrições que a legislação brasileira impõe não se referem ao porte de arma para serviços

específicos, e sim ao tipo, quantidade e movimentação das armas de uma empresa. O tipo de

arma permitido varia conforme a categoria em que a empresa de segurança privada se enquadra.

O quadro 6 relaciona as categorias e as especificações das armas permitidas.

Quadro 6: Armas permitidas por atividade

Atividade Armas*

Vigilância patrimonial - V.P Revólver 32 e 38

Transporte de Valores - T.V

Revólver 32 e 38

Pistola 7,65 ou 380

Espingarda calibre 12

Carabina calibre 38

Escolta Armada - E.A

Revólver 32 e 38

Pistola 7,65 ou 380

Espingarda calibre 12

Carabina Calibre 38

Segurança Pessoal Privada - S.P.P. Revólver 32 e 38

Pistola 7,65 ou 380

Fonte: Lei nº. 7.102/83 * Conforme art. 70 da Portaria nº. 387/06-DG-DPF, o Diretor-Executivo do Departamento de Polícia Federal (DIREX) poderá autorizar, em caráter excepcional e individual, a aquisição e uso pelas empresas de outras armas e equipamentos, considerando as características estratégicas de sua atividade ou sua relevância para o Interesse Nacional.

inspetores, supervisores de segurança) serem presos transportando armamento das empresas para os postos de serviço, e vice-versa. Após a promulgação do Estatuto do Desarmamento esses conflitos intensificaram-se, passando a ocorrer também com vigilantes nas atividades de escolta armada e segurança pessoal. Diversos casos resultaram na prisão de vigilantes, que tiveram direitos como o porte de arma em serviço e prisão especial, assegurados pela Lei nº. 7.102/83, acintosamente violados. Tais conflitos podem apontar para uma tentativa de policiais civis e militares intimidarem empresas e profissionais de segurança privada com o propósito de proteger ou assegurar para eles um nicho de mercado nas atividades de escolta armada e segurança pessoal privada.

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As restrições referentes à quantidade de armas permitida em posse de empresas de segurança

privada sofreram alterações na segunda metade dos anos 90. Até 1998 a Polícia Federal definia o

número máximo permitido com base na quantidade de vigilantes que a empresa empregava. Na

categoria Vigilância Patrimonial (VP), o número máximo permitido era equivalente a 50% do

efetivo de vigilantes comprovadamente contratados. Tal número poderia ainda ser acrescido

desde que se comprovasse a utilização, na vigilância armada, de efetivo superior a 50%. Para as

empresas de Transporte de Valores (TV) a quantidade máxima permitida era seis vezes o número

de veículos especiais em condições de uso (quatro pistolas e duas espingardas por veículo, no

mínimo). Em ambos os casos as empresas poderiam manter uma reserva técnica de 20%,

calculada sobre o número total de armas. Os Cursos de Formação (CF) podiam adquirir armas até

50% de sua capacidade de formação simultânea74 75.

Diante de limites pouco rigorosos as empresas de segurança privada puderam acumular ao longo

dos anos grande quantidade de armas em seus depósitos. Segundo o Relatório Anual FENAVIST,

entre 1987 e 2002 as empresas de segurança privada adquiriram uma média de 12.138 armas de

fogo por ano. Em 2006 o SISVIP registrava um total de 203.274 armas regulares cadastradas

pelas empresas de segurança privada. O crescimento deste arsenal a partir do final dos anos 80

coincidiu com o avanço da criminalidade violenta e da procura por armas de fogo no mercado

clandestino. Nesse contexto, as empresas de segurança privada tornaram-se uma das fontes de

abastecimento do universo clandestino de armas de fogo no Brasil76, estimado por Dreyfus e

74 O estoque máximo de munição das empresas de segurança privada, categorias vigilância e transporte de valores,

bem como das empresas de segurança orgânica e estabelecimentos financeiros, era o equivalente a duas cargas para cada arma, conforme o calibre. Para os cursos de formação, a legislação permitia o máximo de 75 tiros reais de munição para armas curtas e 12 tiros para armas longas, observada a capacidade de formação simultânea do curso, multiplicada por seis. Essas especificações não sofreram grandes alterações ao longo dos anos. Atualmente, para cada arma pode ser adquirida de 2 a 3 cargas de munição, a não ser para os cursos de formação, que obedecem a outro critério. Para estes, a aquisição de munição ou petrechos para recarga de munição adota como referencia a quantidade de tiros em cada curso e a média de formação de cada empresa nos últimos 6 meses. Na compra seguinte é descontada do montante da compra pretendida a quantidade de munição que não foi utilizada nos cursos ministrados.

75 Conforme art. 53, 54 e 55 da Portaria nº. 992/95-DG-DPF. Não havia especificações para as categorias Escolta Armada/EA e Segurança Pessoal Privada/SPP porque essas atividades são extensões da vigilância patrimonial e transporte de valores. A segurança orgânica obedecia ao critério do número de vigilantes empregado no setor de segurança privada da empresa.

76 O desvio dos arsenais das empresas de segurança privada através de roubo, furto, extravio ou venda ilegal foi em diversas ocasiões denunciado pela imprensa nos anos 90. Um dos casos mais emblemáticos ocorreu em 1999, no Estado de São Paulo, com a empresa Silclar Segurança Patrimonial S/C Ltda, que teve 180 armas roubadas. O caso foi objeto de um inquérito policial conduzido pela DELESP/SR/SP e teve grande repercussão nacional através dos meios de comunicação.

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Nascimento (2005) em 8.492.857 armas - 4.638.058 em posse informal (sem registro) e

3.857.799 na posse de criminosos77.

Esse problema e a política mais ampla empreendida por sucessivos governos federais para

aumentar o controle sobre a oferta, demanda e estoque das armas em circulação78 levou a Polícia

Federal a dar uma atenção especial ao controle das armas de propriedade das empresas de

segurança privada. A partir de 1997 uma política regulatória mais restritiva começou a ser

implementada com o objetivo de reduzir o número de armas em posse das empresas e aumentar o

controle sobre elas de modo a impedir o seu desvio para o mercado marginal de armas.

Em abril de 1998 foi baixada a Portaria nº. 277/98-DG-DPF, que alterou a Portaria nº. 992/95-

DG-DPF e redefiniu os critérios para compra de armas e munições por parte das empresas de

segurança. Ao invés do critério fixo do número de vigilantes, a quantidade passou a ser definida

mediante análise da necessidade operacional de cada empresa, tomando por base os contratos de

prestação de serviços. Para o Transporte de Valores e Escolta Armada permaneceu o critério do

número de veículos especiais e de escolta pertencentes à empresa. No caso dos Cursos de

Formação, o quantitativo também continuou a ser determinado pela capacidade de formação

simultânea da empresa, porém a base de cálculo foi reduzida de 50 para 30% da capacidade de

formação simultânea. Já as empresas de segurança orgânica passaram a ter seus requerimentos

analisados com base na quantidade de vigilantes, por turno de trabalho, e nas características da

área vigiada.

Ao vincular a compra de armas aos contratos de prestação de serviço a Polícia Federal passou a

conduzir os processos de aquisição de armas com maior rigor. Em 2004, por exemplo, as

DELESP e CV passaram a levar em consideração apenas os contratos firmados nos últimos 6

77 Dreyfus e Nascimento estimaram haver no Brasil um total de 413.994 armas de posse das empresas de segurança

privada. A estimativa, no entanto, foi feito de maneira equivocada. Em primeiro lugar, os autores levaram em conta o número de vigilantes cadastrados na Polícia Federal e não o de vigilantes empregados em empresas de segurança, que efetivamente são os que têm direito ao porte de arma. Em segundo lugar, Dreyfus e Nascimento ignoraram uma série de variáveis operacionais envolvidas na prestação dos serviços de segurança privada, a principal delas o fato de grande parte dos contratos de prestação de serviço não serem executados de maneira armada.

78 Essa política começa com a criação do Sistema Nacional de Arma (SINARM) no âmbito da Polícia Federal (Lei nº. 9.473/97), passa pela promulgação do “Estatuto do Desarmamento” (Lei nº. 10.826/03), e atinge seu ápice com a campanha do desarmamento e referendo sobre a proibição do comércio de armas de fogo e munição no país

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meses para os pedidos de compra de armas e munições. As empresas que justificassem um

pedido de compra de armas apresentando contratos em vigor há mais tempo tinham o pleito

automaticamente indeferido. Apesar da resistência dos empresários, que na ocasião defenderam

maior rigor na fiscalização ao invés de na instrução dos processos de aquisição, o critério de levar

em conta apenas os contratos com 6 meses de vigência acabou sendo incorporado à Portaria nº.

387/06-DG-DPF79.

Outra importante mudança visando frear o crescimento dos estoques de armas das empresas de

segurança foi introduzida pela Portaria nº. 387/06-DG-DPF, que permitiu às empresas

especializadas e as que possuem serviço orgânico de segurança adquirirem armas e munições de

outras empresas especializadas e com serviço orgânico de segurança em atividade ou encerradas.

Anteriormente, as empresas estavam autorizadas a adquirirem somente armas de empresas

encerradas, ou de estabelecimentos financeiros. Ao vedar a compra de armas de empresas em

atividade, o marco legal acabava estimulando o incremento do arsenal das empresas. Isso ocorria

porque quando uma empresa deixava de prestar serviço num determinado posto licitado, por

exemplo, ela recolhia em seus cofres as armas e munições até então utilizadas, obrigando a

empresa que assumia o posto licitado a adquirir igual quantidade de armas e munições para

prestar o serviço. Assim, o marco legal estimulava o crescimento do arsenal das empresas de

segurança privada, problema que foi solucionado com a liberação do comércio de armas e

munições entre empresas de segurança privada e orgânicas.

Além de uma política regulatória mais austera em relação à quantidade de armas que as empresas

podem adquirir, a Polícia Federal definiu uma séria de procedimentos e medidas para coibir o

desvio de amas para o mercado informal. A Portaria nº. 277/98-DG-DPF constrangeu as

empresas a melhorarem o controle interno sobre armas de fogo e acessórios relacionados ao

exigir que no requerimento para novas aquisições constasse relação alusiva aos incidentes de

roubo, furto, extravio, perda e recuperação de armas de propriedade da empresa, referente aos

últimos 12 meses que antecederam o pedido, especificando ações preventivas tomadas para inibir

e/ou impedir novas ocorrências e medidas disciplinares adotadas quanto à caracterização de dolo

79 Conforme art. 83, inciso III.

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ou culpa (negligência, imprudência ou imperícia) dos profissionais envolvidos80. Em alguns

momentos, outros procedimentos rigorosos foram adotados, alguns inclusive à revelia da lei. Este

foi o caso da orientação dada em 2003 às DELESP e CV para que as armas de empresas em

processo de cancelamento fossem recolhidas antes de a portaria de cancelamento ser publicada,

quando o processo deveria ser o contrário - primeiro o cancelamento, depois o recolhimento das

armas.

A Portaria nº. 387/06-DG-DPF também aumentou as penalidades para infrações envolvendo

armas de fogo. A Portaria anterior estipulava penas intermediárias (1.250 a 2.500 UFIR’s) para

esse tipo de infração, que agora é penalizada com os valores máximos (2.501 a 5.000 UFIR’s). O

controle rigoroso que a Polícia Federal procura exercer sobre armas e munições pode ainda ser

notado nas exigências existentes para movimentação de armas, que depende de autorização

específica para ser efetuada. Armas e munições também devem estar registradas num livro de

controle que as empresas são obrigadas a manter - livro de registro e controle de armas e

munições. Este livro é checado durante as fiscalizações anuais, sendo um importante mecanismo

de controle sobre armas.

Mas a política de controle de armas empreendida pela Polícia Federal ainda esbarra na pouca

confiabilidade dos dados fornecidos pelo SISVIP. O sistema não permite identificar com precisão

quais são os postos de serviço policiados com armas. Como nesse caso são as próprias empresas

de segurança que atualizam o sistema, a confiabilidade dos dados depende das empresas

registrarem regular e corretamente todas as informações previstas. O problema é que existe uma

rotatividade grande dos postos de serviços e a atualização nem sempre é feita como deveria,

comprometendo a confiabilidade dos registros armazenados e o trabalho das DELESP e CV. Até

pouco tempo não existia nenhum constrangimento que obrigasse as empresas a atualizarem seus

dados regularmente. Esforços para solucionar o problema começaram a ser empreendidos apenas

recentemente. A partir de 2005, o cadastro de postos de serviços no SISVIP e a atualização do

estoque de munição das escolas tornaram-se pré-requisitos para a análise do processo de compra

de armas e munições. A Portaria nº. 387/06-DG-DPF também tipificou como infração a não

atualização mensal dos dados do SISVIP. A Polícia Federal espera que a solução para este

80 Conforme art. 83, inciso IV.

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problema venha com o GESP, que automatizará os processos de compra de armas/munições e

mudará o modo de alimentação dos dados, tornando-os mais confiáveis.

Não obstante os avanços experimentados pela política de controle de armas empreendida pela

Polícia Federal nos últimos 10 anos, não se pode perder de vista que o controle realizado no

Brasil está focado no produto arma e não na regulação e controle das atividades de policiamento

privado que fazem uso de armas, como ocorre em outros países. Aqui, a decisão sobre se um

vigilante deve ou não portar arma de fogo num determinado posto de serviço cabe única e

exclusivamente à empresa e ao contratante. O marco legal brasileiro não especifica ou permite

que o órgão de controle especifique em que circunstância o policiamento privado deverá ser

desarmado. Essa é uma decisão privada, havendo apenas a previsão de quais atividades deverão

ser realizadas de maneira armada. Assim, inexiste no Brasil regulação e controle público sobre

uma decisão cujas conseqüências determinam em grande medida o potencial de ameaça que a

segurança privada representa para os direitos civis: a decisão se o policiamento será ou não

armado. Mudança importante para a redução desse potencial de ameaça ocorrerá se armas não-

letais passarem a fazer parte do universo da segurança privada. A Polícia Federal tem uma

Comissão estudando o assunto, que em breve será normatizado. A própria Portaria nº. 387/06-

DG-DPF já deu um passo importante nessa direção ao incluir no currículo dos cursos de

vigilantes o tema das armas não-letais. Resta ver como o mercado se comportará diante dessa

nova possibilidade e se haverá uma política pública para estimular a troca de armas de fogo por

armas não letais81.

81 O Ministério da Defesa já baixou Portaria autorizando a aquisição diretamente no fabricante de armamento e

munição não-letais, classificadas como de uso restrito, para as atividades de segurança privada, praticada por empresas especializadas ou por aquelas que possuem serviço orgânico de segurança (Portaria nº. 20, de 27 de dezembro de 2006). Dentre as armas autorizadas estão: 1) borrifador (“spray”) de gás pimenta; 2) arma de choque elétrico (“air taser”); 3) granadas lacrimogêneas (OC ou CS) e fumígenas; 4) munições lacrimogêneas (OC ou CS) e fumígenas; 5) munições calibre 12 com balas de borracha ou plástico; 6) cartucho calibre 12 para lançamento de munição não-letal; 7) lançador de munição não-letal no calibre 12; e 8) máscara contra gases lacrimogêneos (OC ou CS) e fumígenos.

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4.1.4 Uniforme e identificação visual

O uso de uniforme específico é exigido para agentes de segurança privada em quase todos os

locais da América do Norte e Europa. Duas preocupações têm norteado a regulação desse tema.

A primeira está relacionada à eficácia da segurança privada, que requer um profissional trajado

com uniforme ostensivo para que se produza o efeito dissuasório e preventivo que se espera do

policiamento privado. A outra preocupação expressa no marco legal de muitos países é a de

evitar que os profissionais de segurança privada se passem por membros das forças policiais ou

militares. Os uniformes e distintivos que policiais e militares ostentam simbolizam o poder legal

que possuem. Agentes de segurança privada com uniformes iguais ou semelhantes ao dos

policiais ou militares podem induzir o público a confusões e levar os agentes a exorbitarem de

suas atribuições legais. Diante desses riscos, a política regulatória de diversos países tem

procurado distinguir claramente os uniformes utilizados pelas empresas de segurança privada

daqueles utilizados pelas forças de segurança pública e forças armadas (Cukier, Quigley, Susla,

2003, p. 254-55).

Embora essas questões sejam importantes, o que faz das regras sobre uniforme algo fundamental

para o controle da segurança privada é o fato de elas poderem facilitar ou dificultar a

identificação de um agente de segurança privada e da empresa a qual se vincula. As definições a

respeito da identificação visual dos agentes de segurança privada têm implicações sobre o

controle interno e externo da segurança privada, especialmente sobre o controle social. A

efetividade desses controles depende em grande medida das empresas e/ou agentes de segurança

privada poderem ser facilmente identificados em caso de desvios de conduta, permitindo assim

que sejam denunciados e eventualmente responsabilizados. Se o uniforme do vigilante não

contém o emblema da empresa para qual trabalha, por exemplo, fica mais difícil identificar a

empresa e denunciá-la caso esteja exercendo um policiamento abusivo e irresponsável. Do

mesmo modo, facilitar a identificação individualizada dos vigilantes é fundamental para que, em

caso de desvios de conduta, eles possam ser denunciados pelo público e responsabilizados

disciplinarmente pelas empresas e/ou criminalmente pela Justiça82.

82 Entre as forças de segurança pública, a utilização de uniformes com identificação nominal ou numeral é antiga e

comum em diversas partes do mundo. A polícia britânica começou a utilizar números de identificação nos policiais em 1829. Nos Estados Unidos, os policiais são obrigados a utilizarem placas ou distintivos desde meados

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Como na maioria dos países, o marco legal brasileiro determina que o profissional de segurança

utilize uniforme quando em serviço83. As regras existentes em diversos países para que os

uniformes tenham caráter ostensivo e para que sejam distintos dos uniformes utilizados pelas

forças policiais e forças armadas também estão presentes no Brasil. A identificação

individualizada do profissional de segurança privada no uniforme também é regulada no contexto

brasileiro, mas de maneira um tanto quanto problemática.

A regulação que o Estado brasileiro exerce sobre uniforme é rígida. As regras mais importantes

sobre o tema estão definidas em decreto, o que significa que a Polícia Federal não pode alterá-las

através de portarias. O art. 34 do Decreto nº. 89.056/83 determina que “[o] modelo de uniforme

especial dos vigilantes não será aprovado pelo Ministério da Justiça quando semelhante aos

utilizados pelas Forças Armadas e Forças Auxiliares [Polícias Militares]”. Este mesmo Decreto

define as especificações referentes à ostensividade84 e à identificação que o uniforme de um

vigilante deve possuir. O uniforme obrigatoriamente deve conter:

i. apito com cordão;

ii. emblema da empresa; e

iii. plaqueta de identificação do vigilante, contendo nome, número de registro no Ministério

do Trabalho/ Polícia Federal e fotografia colorida em tamanho 3 x 4cm85.

O modelo de uniforme deve ser apresentado às DELESP ou CV para aprovação. Qualquer

alteração posterior depende de autorização. Hoje as empresas podem adotar mais de um

uniforme, podendo um deles ser terno ou paletó, desde que obedeçam aos requisitos legais

elencados acima. (exceto para Segurança Pessoal Privada). Mas nem sempre foi assim. Apesar de

do século dezenove (Bayley, 2001, p. 179). No Brasil, o procedimento de identificar os policiais nos uniformes também é comum entre as forças de segurança pública ostensivas.

83 Conforme art. 19, I, da Lei nº. 7.102/83. 84 O caráter ostensivo da segurança privada está definido no art. 5º do Decreto nº. 89.056/83, que define a vigilância

ostensiva como a “atividade no interior dos estabelecimentos e em transporte de valores, por pessoas uniformizadas e adequadamente preparadas para impedir ou inibir ação criminosa”. O caráter de ostensividade não é exigido para vigilantes empenhados em segurança pessoal privada (Conforme art. 103, § 2º, da Portaria nº. 387/06-DG-DPF; anteriormente esta questão estava definida no art. 38 da Portaria nº. 992/95-DG-DPF).

85 Conforme art. 34 do Decreto nº. 89.056/83.

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o uso do terno ser uma reivindicação do setor de segurança privada desde pelo menos 1997, ele

foi autorizado apenas recentemente. Por longo período os empresários reivindicaram a mudança

com base no argumento de que o mercado tomador de serviços se tornara mais exigente em

relação à apresentação visual do vigilante. Mas a Polícia Federal resistiu argumentando que o

emprego do terno nas atividades de vigilância ostensiva eliminava o caráter preventivo e inibidor

que se pretende com o emprego da segurança privada. Em 2005 a Polícia Federal finalmente

cedeu, emitindo parecer permitindo o terno como segundo uniforme86. Posteriormente, este foi

incorporado à Portaria nº. 387/06-DG-DPF87. Contudo, o uniforme mais adotado pelas empresas

continua sendo o ostensivo. A ilustração 1 mostra as características visuais típicas de um agente

de segurança privada.

Ilustração 1: Uniforme típico dos vigilantes

86 Parecer nº. 1935/05-DELP-CGCSP. 87 Conforme art. 107 da referida Portaria.

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O uniforme necessariamente deve conter a “plaqueta de identificação do vigilante” com nome,

foto e número de registro. Mas não há nenhuma exigência legal sobre as dimensões que essa

plaqueta deva possuir, nem menção ao fato de ela ter que ser visível a uma distância razoável.

Normalmente, as empresas utilizam um crachá simples que pouco favorece a identificação dos

vigilantes.

A identificação nominal clara e visível a uma distância razoável é especialmente importante para

os profissionais que atuam em equipes numerosas e nos locais onde são muito solicitados a

agirem, como por exemplo nas casas noturnas e eventos de entretenimento (shows, festas de

peão, feiras agropecuárias, etc). Desentendimentos e brigas são muito comuns nesses locais, onde

os vigilantes constantemente necessitam intervir. Muitos casos de uso abusivo da força costumam

ocorrer durante essas intervenções e sem que o(s) agente(s) de segurança privada partícipe(s) do

abuso possa(m) ser identificado(s) pela vítima ou pelo público. Facilitar a identificação é então

fundamental para que o público alvo do policiamento controle o comportamento dos agentes de

segurança privada, que, uma vez identificados, podem ser responsabilizados disciplinarmente

pelas empresas ou, se for o caso, pela Justiça. Mas o uniforme utilizado pelos agentes de

segurança privada no Brasil dificilmente permite que esse controle seja feito de modo eficiente,

haja vista as poucas facilidades oferecidas para a identificação dos vigilantes.

Ciente das dificuldades para a identificação dos agentes de segurança privada, o PNSP do

governo Lula propôs “[i]nstituir a obrigatoriedade de tarja no uniforme, contendo nome do

trabalhador – vigilante, vigia ou porteiro – que presta serviço de vigilância e de segurança

privada”88. Apesar das diversas mudanças que vêm ocorrendo na regulação da segurança privada,

essa proposta não progrediu.

88 Conforme item 9 da seção “Segurança Privada: diagnóstico e propostas”, do Plano Nacional de Segurança

Pública/PNSP (2002, p. 80).

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4.2 Instrumentos de Incentivo ao Controle Interno e Externo

O controle estatal da segurança privada é mais eficiente quando capaz de incentivar as demais

formas de controle, especialmente aquele realizado nas próprias empresas (controle interno) e

pelos contratantes dos serviços de segurança privada (controle pelo cliente). Comprometer as

entidades representativas do setor de segurança privada no controle da segurança (controle pelas

associações de classe) também é fundamental para o controle estatal.

4.2.1 Incentivo ao Controle Interno

Um dos principais mecanismos disponíveis ao Estado para incentivar o controle interno é exigir

das empresas de segurança privada relatórios de atividades. Exigências desse tipo não são

encontradas em todos os contextos regulatórios. Na Europa, países como Áustria, Dinamarca,

França e outros não fazem nenhuma exigência específica a esse respeito. Já na Bélgica, Países

Baixos e Suécia, relatórios anuais devem ser enviados para as autoridades ou são exigidos para

revisão. Outros países europeus cobram a manutenção de relatórios diários para serem revisados

ocasionalmente pelas autoridades, caso da Finlândia, Alemanha e Portugal. Nos Estados Unidos e

Canadá, as exigências de relatórios variam bastante. No caso dos BID’s da cidade de Nova

Iorque, citados no primeiro capítulo, relatórios devem ser enviados semanalmente para a

autoridade estatal de controle, a exemplo do que ocorre com a polícia pública daquela cidade. No

Canadá, essas exigências são muito limitadas. A maioria das províncias canadenses exige apenas

o registro dos trabalhadores e outros registros menores, não havendo nada parecido com o que

existe em parte da Europa (Cukier, Quigley, Susla, 2003, p. 255-6).

No Brasil, as empresas de segurança privada não estão obrigadas a manterem ou apresentarem

periodicamente relatórios sobre suas atividades. Instituir essa exigência constava no PNSP do

primeiro governo Lula, que propôs que as empresas de segurança devessem apresentar relatórios

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anuais de suas atividades, sob pena de suspensão temporária de funcionamento89. A proposta não

avançou.

Ao invés de relatórios sobre atividades cotidianas, a Polícia Federal cobra das empresas de

segurança privada relatórios sobre produtos controlados e sobre incidentes envolvendo esses

produtos e/ou vigilantes. Os relatórios exigidos no Brasil são de dois tipos:

i. relatórios sobre o controle de armas de fogo e munição; e

ii. relatórios sobre apurações das condutas dos vigilantes que se envolvem em ocorrências

criminais.

Os relatórios sobre armas de fogo e munição já foram mencionados anteriormente. Na realidade,

eles são de duas espécies. O primeiro, conhecido como “livro de registro e controle de armas e de

munições”, deve ser mantido pelas empresas para que seja inspecionado durante a fiscalização

anual, devendo também ser apresentado para compra de armas e munições. Este livro deve conter

informações sobre as armas e munições adquiridas (dados da portaria que autorizou a compra e

do fornecedor), especificações dos produtos e histórico das ocorrências com armas, além do

consumo/utilização das munições. Há ainda os relatórios de incidentes com armas de fogo e

outros acessórios controlados. Sempre que ocorrer furto, roubo, perda, extravio ou recuperação

de armas, munições e coletes a prova de bala, as empresas deverão comunicar a ocorrência à

Polícia Federal em até 24 horas e apresentar à DELESP ou CV, em até 10 dias úteis, relatório

contendo cópia do boletim de ocorrência policial, cópia do registro da arma sinistrada e

informações sobre as apurações realizadas pela empresa90. Relatórios semelhantes devem ser

apresentados nos processos de compra de armas e munições, porém referente aos últimos 12

meses que antecedem o pedido de compra.

Os relatórios citados constituem importantes mecanismos para induzir empresas de segurança a

manterem sob controle armamentos de sua propriedade. Mas o controle interno induzido pelos

livros de armas e munições e os relatórios de incidentes referem-se ao armamento e não ao

comportamento dos agentes que portam armas. Como já foi colocado, o controle estimulado é 89 Conforme item 6 da seção “Segurança Privada: diagnóstico e propostas”, do Plano Nacional de Segurança Pública

(2002, p. 81) 90 Conforme art. 97 da Portaria nº. 387/06-DG-DPF.

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sobre o produto arma e munição, e não sobre as atividades de policiamento que fazem uso de

armas.

O outro tipo de relatório exigido no Brasil é sobre a apuração que empresas de segurança privada

devem realizar quando seus vigilantes, no exercício de suas atividades, se envolvem em

ocorrências de crimes contra o patrimônio e contra a organização do trabalho. Neste caso, a

empresa está obrigada a confeccionar um relatório contendo informações sobre o procedimento

apuratório adotado, cópia do boletim de ocorrência policial e de outros documentos

esclarecedores do fato. Este relatório deve ser encaminhado à CGCSP, através da DELESP ou

CV, para conhecimento e difusão às empresas de segurança privada, em nível nacional91. Além

de obrigar a responsabilização interna, esse tipo de relatório tem importância preventiva na

medida em que ele é encaminhado às empresas de segurança para que tomem conhecimento do

ocorrido e se previnam.

Vale destacar que as entidades representativas dos trabalhadores não vêem com bons olhos a

exigência de relatórios de apuração de ocorrências com vigilantes, especialmente aqueles que se

referem à apuração de “crimes contra a organização do trabalho”. As entidades argumentam que,

pelo fato de haver na segurança privada muitas empresas comandadas por pessoas oriundas das

forças armadas e polícias militares, é comum haver uma lógica administrativa castrense que tende

a produzir investigações internas cerceadoras do princípio constitucional de ampla defesa. As

entidades representativas dos trabalhadores temem que, incentivando o controle interno, estar-se-

á estimulando práticas administrativas autoritárias e violadoras dos direitos dos trabalhadores. A

preocupação é pertinente e merece ser objeto de pesquisa específica. Junto com o intercâmbio de

pessoal que há entre os aparelhos estatais repressivos e as organizações de segurança privada há,

inevitavelmente, intercâmbio de atitudes. Em meio a esses intercâmbios pode ocorrer a

transposição ou implantação de práticas de controle interno baseadas na rigidez hierárquica e

disciplinar característica das corporações militares, em prejuízo de um controle baseado na

supervisão profissional. Se, de fato, isso tem ocorrido, estimular o controle interno pode, na

prática, estimular atitudes abusivas e conservadoras no interior das empresas.

91 Conforme art. 119 da Portaria nº. 387/06-DG-DPF. Anteriormente, essas exigências estavam definidas no art. 73

da Portaria nº. 992/95-DG-DPF.

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4.2.2 Incentivo ao controle externo

Estimular o controle dos clientes e das associações de classe é outro aspecto fundamental para o

controle estatal. Em alguns contextos regulatórios o meio encontrado para fornecer esses

estímulos foi criar canais que permitissem às entidades do setor de segurança privada e de

clientes habituais participarem, ao lado da agência estatal, do processo de regulação e controle da

segurança privada. A essa prática foram dados diversos nomes, como por exemplo “regulação

tripartite” (Stenning, 2000), “regulação cooperativa”, “co-regulação” ou ainda “regulação

responsiva” (Prenzler e Sarre, 1998).

Como já foi assinalado, o Brasil conta com um modelo de regulação cooperativa desde 1986,

quando o primeiro canal institucional para participação junto ao órgão de controle foi criado pelo

Ministério da Justiça com o nome de Comissão Executiva para Assuntos de Vigilância e

Transporte de Valores, que posteriormente passou a se chamar Comissão Consultiva para

Assuntos de Segurança Privada (CCASP). Mas a regulação responsiva criada no Brasil e

preservada ao longo dos anos foi do tipo bipartite. Os contratantes dos serviços de segurança

privada não foram incorporados à CCASP (exceto o segmento financeiro). O controle estatal no

Brasil está assim impossibilitado de estimular diretamente aqueles que são os atores em melhores

condições de exercer controle sobre a segurança privada: os clientes92.

Apesar de não contar com a participação dos contratantes de segurança privada, ainda sim a

CCASP cumpre um papel importante. Diferentemente do que sustentou Caldeira (2003, p. 198), a

CCASP é mais do que uma simples correia de transmissão dos interesses das empresas às

autoridades federais. O órgão é importante tanto para a orientação do controle estatal, quanto para

92 Em 1996, quando a Polícia Federal assumiu a responsabilidade plena para regular e controlar o setor de segurança

privada, a CCASP era composta por 8 membros: três representantes dos órgãos públicos de controle (DPF, Exército e IRB), três representantes de entidades empresariais (FENAVIST, ABTV e ABCFAV), um representante dos vigilantes (CNTV-PS) e um representante das instituições financeiras (FEBRABAN). A ausência de paridade interna acabou levando a um processo de ampliação da CCASP. Já em 1996, a representação do setor financeiro tornou-se paritária com a inclusão dos trabalhadores bancários (CNB) no colegiado. Mas a paridade entre entidades patronais e laborais só veio a ocorrer em 2004, quando foi incorporado ao colegiado mais um representante dos empresários (ABREVIS) e três representantes de entidades laborais (ABSO, SINDVALORES-DF e FTRAVEST)92, compondo assim os treze membros que atualmente integram a CCASP. Embora a ampliação tenha sido positiva pela paridade alcançada e incorporação do segmento de segurança orgânica, o modelo bipartite da Comissão foi preservado.

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incentivar as entidades sindicais ali representadas a exercerem controle sobre a segurança privada

Quanto ao primeiro aspecto, como preconiza a teoria neoinstitucional, a eficácia de uma agência

estatal não depende apenas dos recursos de que dispõe para implementar políticas públicas.

Depende também do relacionamento que mantém com aqueles que são alvo da política pública

(Skocpol, 1989). No caso da política estatal de controle da segurança privada, esse

relacionamento é fundamental porque o planejamento e implementação dessa política dependem

em grande medida da colaboração e das informações dos empresários e trabalhadores do setor.

Nesse sentido, a CCASP é importante porque permite esse relacionamento regular e

institucionalmente. No sentido inverso, outro aspecto que confere importância à CCASP é

justamente permitir à Polícia Federal incentivar e orientar diretamente as entidades de classe a

exercerem controle sobre a segurança privada.

Além da importância que a CCASP tem para incentivar as entidades do setor de segurança

privada a exercerem controle, a Polícia Federal instituiu no Brasil um dispositivo legal que

permite os sindicatos patronais e laborais exercerem supervisão sobre os cursos de formação. A

previsão para isso já constava na Portaria nº. 992/95-DG-DPF e foi mantida na Portaria nº.

387/06-DG-DPF, que assegura aos representantes sindicais o acesso às instalações das empresas

de curso de formação, bem como participação como observadores nos exames finais e formaturas

de vigilantes, desde que haja comunicação aos dirigentes das empresas com antecedência mínima

de 24 horas93. As normas exigem ainda que, caso os líderes classistas tomem conhecimento de

qualquer irregularidade durante as visitas, denúncia deve ser formulada junto à DELESP ou CV.

Ainda que a supervisão pelos sindicatos esteja circunscrita aos cursos de formação, trata-se de um

importante dispositivo para incentivar as entidades sindicais de trabalhadores e empresários a

participarem de maneira efetiva no controle da legalidade e qualidade dos cursos de formação.

No entanto, ao que parece, essa supervisão não vem sendo exercida pelos sindicatos, conforme

aponta o presidente da Associação Brasileira dos Cursos de Formação (ABCFAV):

Olha, eu estou aqui nesta empresa faz 15 anos. Nunca, em tempo algum, apareceu um dirigente sindical aqui pra me fiscalizar. Mesmo porque a própria Polícia Federal

93 Conforme art. 53 da Portaria nº. 387/06-DG-DPF. Anteriormente, essas exigências estavam definidas no art. 80 da

Portaria nº. 992/95-DG-DPF.

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entende que para o cara vir aqui tem que telefonar, marcar hora. Ele não tem esse poder de polícia. E isso nunca aconteceu. E eu acho que eles não fazem isso em nenhum lugar. Talvez, se acontece eventualmente algum problema numa empresa com algum vigilante deles, vigilantes sindicalizados, talvez dai eles possam ir na empresa. Agora, com relação aos cursos, eu nunca recebi ninguém aqui e não conheço nenhuma escola que tenha recebido. (entrevista realizada com o presidente da ABCFAV)

O principal meio para incentivar o controle das entidades de classe parece mesmo ser a Comissão

Consultiva para Assuntos de Segurança Privada (CCASP), que adquiriu mais importância a partir

de 2002, quando passou a se reunir em média uma vez a cada 2 meses. Até então seu espaço

estava subutilizado. A norma que criou a Comissão determina que o órgão se reúna,

ordinariamente, a cada trimestre e, extraordinariamente, por expressa convocação do presidente

(Diretor-Executivo da Polícia Federal)94, mas até 2002 a Policia Federal havia cumprido essa

exigência uma única vez (em 1998). Entre 1996 e 2001 ocorreram 19 reuniões - 17 ordinárias e 2

extraordinárias. Entre 2001 e 2006 foram 34, o que representa cerca de 64% do total de reuniões

realizadas no período 1996-2006. A maior regularidade com que a CCASP passou a se reunir a

partir de 2002 se deve à intensificação da fiscalização realizada por DELESP e CV, que tem

gerado maior número de processos punitivos e, consequentemente, obrigado a Polícia Federal a

diminuir os intervalos entre reuniões para que os processos punitivos não se acumulem a espera

de julgamento (para a intensificação da fiscalização ver mais adiante).

Um dos efeitos dessas reuniões mais freqüentes foi uma aproximação inédita entre Polícia

Federal e entidades patronais e laborais, aproximação que vem sendo alardeada pelo setor de

segurança privada. A FENAVIST, por exemplo, recentemente afirmou numa de suas publicações

que “[n]unca o Departamento de Polícia Federal (DPF), órgão que regulamenta e fiscaliza o

setor, esteve tão próximo” (Revista FENAVIST, 2006). Uma das lideranças do setor também

destacou essa mudança: “o setor de segurança privada sempre teve um bom relacionamento com

a Polícia Federal, mas agora (com a gestão do Dr. Zulmar) ele está mais aberto... eles estão

mais.... não digo coerente, mas estão dando mais condições para que a gente opine mais”

(entrevista com o presidente e representante da ABREVIS na CCASP).

94 Conforme art. 3º da Portaria nº. 2.494/04-MJ. Anteriormente esta questão estava definida no art. 4º da Portaria nº.

1545/95-MJ

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158

Apesar dos resultados positivos que essa relação de proximidade produz, nela há sempre o risco

da Polícia Federal ser capturada pelos interesses do setor de segurança privada – fenômeno

conhecido como rent seeking. Diante desses riscos, a teoria neoinstitucional aponta para a

necessidade de os funcionários estatais manterem certo grau de autonomia em relação aos

interesses dos grupos de pressão, autonomia que os neoinstitucionalistas chamam de

“insulamento” (Skocpol, 1989). Sem insulamento, que pressupõe uma agência estatal coesa e

corporativamente fortalecida (uma burocracia típica, no sentido weberiano), os funcionários

acabam capturados pelos interesses dos setores com quem se relacionam no processo de

formulação e implementação da política pública. No caso das relações entre Polícia Federal e

setor de segurança privada que ocorrem no âmbito da CCASP, o problema não é de captura, mas

de sobreposição entre controle estatal e controle pelo setor de segurança privada. Ao menos no

nível da CGCSP, que é a unidade que se relaciona com o setor de segurança privada no âmbito da

CCASP, parece que a Polícia Federal é uma organização protegida da captura pelos interesses

dos empresários e trabalhadores do setor. Isso não apenas pelo fato de a Polícia Federal ser uma

organização burocrática típica - possui critérios meritocráticos de recrutamento, carreira

relativamente bem remunerada e um forte esprit de corps, como toda organização policial -, mas

também pelo fato de ela se relacionar com o setor de segurança privada num espaço institucional

com regras previamente definidas. O problema, no entanto, é que as regras da CCASP permitem

que uma parte importante do processo de controle fique sujeito às decisões dos próprios

representantes dos empresários e trabalhadores da segurança privada, que formam maioria na

CCASP.

Além de opinar sobre a política de controle, a CCASP tem a incumbência de julgar, em primeira

instância, todos os processos punitivos de empresas de segurança privada e instituições

financeiras95. À Polícia Federal cabe fiscalizar e autuar as empresas e instituições financeiras

95 A Portaria nº. 387/06-DG-DPF criou uma controvérsia jurídica sobre o papel da CCASP em relação ao julgamento

dos processos punitivos. A Portaria nº. 2.949/04-MJ, que atualmente regula a Comissão, em seu art. 2º, II, diz que compete ao órgão “examinar e opinar conclusivamente sobre os processos que objetivem apurar infrações” às normas da segurança privada (entre 1995 e 2004 a CCASP foi regulada pela Portaria 1.545/95-MJ, que dizia a mesma coisa). Enquanto a Portaria nº. 992/95-DG-DPF esteve em vigor, ela reconhecia implicitamente que “opinar conclusivamente” era sinônimo de julgar. Nesse sentido, a CCASP constituía-se indubitavelmente como órgão de julgamento. A Portaria nº. 387/06-DG-DPF expressou entendimento distinto no parágrafo único de seu art. 146, que diz: “A CGCSP enviará o processo administrativo punitivo à apreciação do Diretor-Executivo, ouvida a CCASP, cuja decisão será publicada no DOU”. Segundo esta Portaria, compete à CCASP apenas opinar sobre os processos administrativos, cabendo a decisão final ao Diretor-Executivo. A polêmica a respeito do papel

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infratoras, instruir os processos e encaminhá-los à CCASP com parecer de pena ou arquivamento

(ver fluxograma do processo administrativo no quadro 7). No âmbito da CCASP cabe ainda à

Polícia Federal convocar as reuniões, presidi-las, relatar os processos e desempatar votações96.

Tendo em vista que as entidades representativas de trabalhadores e empresários da segurança

privada formam maioria absoluta na CCASP97, um aspecto fundamental do controle realizado

pela Polícia Federal - a punição de empresas infratoras - fica sujeito às decisões dos

representantes do setor de segurança privada.

Freqüentemente ocorrem conflitos entre os pareceres de pena emanados da Polícia Federal e o

voto dos membros da CCASP, sendo que não raras vezes a sentença da CCASP contraria o

parecer da Polícia Federal. Conflitos ruidosos causados por essas divergências ocorrem quando a

pena proposta é o cancelamento da autorização de funcionamento de grandes empresas. Neste

caso, trabalhadores e empresários tendem a votar em conjunto pela minoração da pena alegando

se tratar de empresas que geram grande número de empregos, dentre outros argumentos. Quando

isto ocorre, o controle público é sobrepujado por interesses privados que agem em benefício de

grandes empresas. Além disso, as regras vigentes na CCASP tornam os julgamentos dos

processos punitivos suscetíveis a conflitos de interesses explícitos na medida em que não há

dispositivo que impeça membros do colegiado de votarem em processos cujos interessados sejam

empresas as quais estejam direta ou indiretamente ligados. Não havendo impedimento de voto

nessas situações, há também diversos casos de conflitos de interesses nos julgamentos.

Ao subordinar a punição de empresas infratoras ao crivo de um colegiado formado

majoritariamente por entidades representativas de trabalhadores e empresários da segurança

privada, as regras que regem a segurança privada no Brasil permitem assim que o próprio setor de

segurança privada interfira - às vezes corporativamente - num aspecto fundamental do controle

estatal, que é a punição às empresas infratoras.

da CCASP (deliberativo ou opinativo), por enquanto, é apenas acadêmica. Desde a edição da Portaria nº. 387/06-DG-DPF nenhum conflito entre CCASP e Polícia Federal levou a esse debate.

96 Conforme Portaria nº. 1546/95-MJ. 97 São quatro entidades representativas das empresas (ABCFAV, ABREVIS, ABTV e FENAVIST) e quatro

representativas dos trabalhadores da segurança privada (ABSO, CNTV-PS, FTRAVEST e SINDVALORES). Há ainda a FEBRABAN representando os bancos e a CNB os trabalhadores bancários.

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160

4.3 Política de Fiscalização

4.3.1 Fiscalização sobre a segurança privada

A legislação determina que as empresas de segurança privada devam ser fiscalizadas ao menos

uma vez por ano98. Além desta fiscalização obrigatória, DELESP e CV podem iniciar, a qualquer

tempo, fiscalização de ofício, por solicitação da CGCSP, do setor de segurança privada, dos

órgãos de segurança pública ou ainda mediante denúncia de terceiros, desde que haja fundada

suspeita de irregularidade em atividades típicas de segurança privada. Uma vez constatada

alguma irregularidade, é lavrado um Auto de Constatação de Infração e Notificação (ACI) que

inicia o processo administrativo punitivo, cujo fluxo está esboçado no quadro 7.

Quadro 7: Fluxograma do processo administrativo punitivo da segurança privada

Fonte: Portaria nº. 387/06-DG-DPF

As punições variam de acordo com as tipificações estabelecidas, a gravidade da conduta, as

conseqüências reais ou potencias da infração, a condição econômica do infrator e a reincidência.

As penalidades previstas para as empresas de segurança especializadas e as que possuem serviço

orgânico de segurança são: advertência, multa de 500 a 5.000 UFIR’s, proibição temporária de 98 Conforme art. 39 do Decreto nº. 89.056/83.

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funcionamento e cancelamento da autorização de funcionamento. Já para os estabelecimentos

financeiros estão previstas as penas de advertência, multa de 1.000 a 20.000 UFIR’s e interdição.

Como há determinação legal para que se faça ao menos uma fiscalização anual, de um modo

geral inexiste uma política pré-determinada por parte da CGCSP para que DELESP e CV

priorizem a fiscalização da segurança privada levando em conta critérios como tamanho das

empresas, categoria que está autorizada a atuar, etc. Diferentemente de outros órgãos

fiscalizadores, a Polícia Federal não exerce uma fiscalização por amostragem, e sim uma

fiscalização extensiva a todo o setor. Apesar disso, as lideranças empresariais pressionam a

CGCSP e, principalmente, DELESP e CV para que a fiscalização incida prioritariamente sobre as

empresas que oferecem preços considerados inexeqüíveis dentro do mercado de segurança

privada. A orientação geral que existe da parte da CGCSP é para que DELESP e CV não se

restrinjam a punir, mas também orientem o empresariado de modo a prevenir irregularidades. A

punição deve ser utilizada apenas como último recurso, dirigido àqueles que cometem

irregularidades flagrantes às normas que regem a segurança privada.

DELESP e CV têm autonomia no planejamento de suas ações fiscalizadoras, que são definidas no

Plano de Metas Anual (PMA) que os órgãos devem formular (para um exemplo de PMA de

DELESP ver anexo 5). Por conta dessa autonomia, a fiscalização da segurança privada apresenta

grandes variações regionais. Estas variações são determinadas pelos diferentes graus de

estruturação das diversas DELESP e CV (recursos financeiros, materiais e humanos disponíveis)

e pelas próprias características do mercado regional de segurança privada. O gráfico 7 dá uma

dimensão dessas variações.

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162

Gráfico 7: Distribuição da Segurança Privada e das Penalidades por Estado no período 2004-2005 (em %)

2,26

30,42

21,5

8,16

0,77 1,14

8,768,9

0

4,5

20,4

3,6

0

5

10

15

20

25

30

35

AC AP AM PA RO RR TO AL BA CE MA PB PE PI RN SE DF GO MT MS ES MG RJ SP PR RS SC

Distribuição da Segurança Privada (%)1 Distribuição das Penalidades (%)2

Fonte: Construído a partir dos dados do 2º ESSEG, DPF e CCASP. 1. Inclui os dados de empresas especializadas referentes a 2004 (2º ESSEG) e de empresas de segurança orgânica e instituições financeiras extraídos do SISVIP em 31/01/2007. 2. Penalidades aplicadas pela CCASP em 2005. A opção pelos dados de 2005 se deve ao fato de a maior parte das penalidades julgadas neste ano terem sido aplicadas pelas DELESP e CV em 2004.

O maior universo para fiscalizar é o do Estado de São Paulo, que concentra cerca de 30% das

atividades formais de policiamento privado - incluindo empresas de segurança privada

especializadas, empresas com segurança orgânica e instituições financeiras. No entanto, levando

em conta os processos julgados pela CCASP em 2005, quem teve a maior participação no total de

penalidades julgadas foi Minas Gerais. O Estado respondeu por cerca de 21% das penalidades,

embora concentrasse apenas 8,7% da segurança privada do país. Do ponto de vista relativo,

portanto, Minas Gerais foi um dos Estados que mais penalizou a segurança privada, tendo ao seu

lado Mato Grosso, Alagoas e Amazonas. Evidentemente que estas informações não permitem

identificar e classificar com precisão quais Estados possuem as DELESP e CV mais

fiscalizadoras, já que a maior incidência relativa de penalidades num Estado pode apenas indicar

um mercado regional mais problemático do que outro.

Além da variação regional, as penalidades aplicadas também variam conforme as categorias nas

quais as empresas de segurança privada se enquadram. Entre 2002 e 2006 as empresas mais

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penalizadas foram as autorizadas a exercerem atividades de vigilância e transporte de valores,

responsáveis por 59% do total de infrações julgadas no período. Em segundo lugar vieram as

instituições financeiras, com 32% das penalidades, seguidas pelos cursos de formação (7%) e

segurança orgânica (2%).

Gráfico 8: Penalidades por tipo de empresa (2002-2006)

Instituições financeiras

32%

Vigilância e transporte de

valores59%

Segurança orgânica

2%Cursos de formação

7%

Fonte: CCASP.

Os dados indicam uma fiscalização mais ampla sobre as empresas de segurança privada

(especializadas e orgânicas) do que sobre as instituições financeiras, que são em maior

quantidade. Em 2004, por exemplo, havia no Brasil 21.223 instituições financeiras registradas no

SISVIP. Neste mesmo ano, as empresas de segurança especializadas e orgânicas eram em torno

de 2.53599. Apesar da enorme diferença no universo de empresas de segurança privada

(especializadas e orgânicas) e instituições financeiras, a grande maioria das penalidades são

aplicadas contra as primeiras. Uma das explicações para isso está no fato de as instituições

financeiras não serem prestadoras de serviços de segurança, razão pela qual estão submetidas a

menos regulação e controle. Outra explicação é que até 2006 as infrações de estabelecimentos

financeiros não estavam tipificadas. Essa tipificação só veio a ocorrer com a publicação da

Portaria nº. 387/06-DG/DPF. Antes havia perdurado por 23 anos uma situação curiosa, já que a

Lei nº. 7.102/83 foi sancionada basicamente para regular a segurança bancária. 99 1.523 empresas especializadas, segundo dados do 2º ESSEG, e 1.012 empresas com segurança orgânica, segundo

dados do Relatório Anual do DPF para o ano de 2004.

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Embora as instituições financeiras sejam, no geral, menos penalizadas do que as empresas de

segurança privada, dentre os tipos de penalidades aplicadas em 2004, aquelas causadas por falhas

na segurança destas instituições foram as mais comuns. Outros temas que ensejaram aplicação de

penas foram os referentes ao transporte de valores, questões administrativas das empresas, mão-

de-obra e armamento. A tabela 13 mostra como os diversos segmentos foram penalizados dentro

destes temas no ano de 2004.

Tabela 13: Infrações por tipo e por segmento em 2004 (em %)

Cursos de formação

Empresas orgânicas

Instituições financeiras

Vigilância e transporte de valores

Total

Plano de Segurança ----- 01% 28,5% 0,4% 29% Administrativas 3,1% 1,3% 0,4% 21,8% 26,6% Mão-de-Obra 1,7% 1% ----- 20,1% 22,8% Armas e munições 0,8% 0,1% ----- 17% 18% Transporte de valores ----- 0,1% 1% 2,4% 3,5% Total 5,6% 2,7% 29,9% 61,8% 100%

Fonte: 2º ESSEG / CCASP

O maior número de penalidades referente a problemas na segurança das instituições financeiras

(29%) aponta para o rigor das DELESP e CV na fiscalização destas instituições, o que

provavelmente está associado às preocupações com os assaltos a bancos. Mas o mesmo rigor não

se verifica na fiscalização das atividades de transporte de valores, que também são alvo das

quadrilhas especializadas em assaltos a bancos. O pequeno número de penalidades (3,5%)

envolvendo esse tema certamente está relacionado às dificuldades de fiscalização do disposto em

lei, que em regra depende de ações in loco para ocorrer100.

Logo abaixo das autuações motivadas por falhas nos planos de segurança dos bancos vêm as

penalidades envolvendo temas administrativos: empresas com autorização de funcionamento

vencida ou que alteram quadro societário, endereço ou razão social sem prévia autorização da

Polícia Federal. Na seqüência estão as penas associadas ao exercício irregular da profissão de

vigilante, incluindo irregularidades envolvendo a incolumidade física dos vigilantes, o

100 Geralmente, as penalidades relacionadas a essa matéria decorrem de uma fiscalização motivada por denúncia de

irregularidades.

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treinamento e o atendimento de exigências mínimas para o exercício da profissão. Junto, esses

dois tipos de penas representaram cerca de 42% do total de penalidades aplicadas em 2004, o que

sugere uma maior incidência da fiscalização sobre os requisitos que visam assegurar idoneidade e

condições para a responsabilização de empresas e pessoas envolvidas com segurança privada. As

penalidades referentes a armas e munições aparecem em quarto lugar, indicando a política de

controle de armas adotada pela Polícia Federal. Essas penas envolvem infrações relacionadas a

ilegalidades cometidas por empresas de segurança no armazenamento, manuseio, conservação e

uso indevido desses insumos.

Outro dado que reflete o trabalho de fiscalização da Polícia Federal é o número de penalidades

aplicadas às empresas de segurança privada (especializadas e orgânicas) e instituições

financeiras. Na primeira metade desta década houve um crescimento substantivo deste número.

Tudo indica que o crescimento do número de penalidades resulta de uma fiscalização mais

intensa da Polícia Federal. Nos últimos anos o número de empresas de segurança no mercado

manteve-se relativamente estável, havendo apenas o crescimento do número de vigilantes

contratados. Entre 2003 e 2005, o número de vigilantes admitidos por empresas de segurança

especializadas cresceu em média 5,7%. No mesmo período, o número de penalidades aplicadas a

essas empresas cresceu em média 71,3%. O número de instituições financeiras registradas no

SISVIP aumentou 9,6% no período 2003-2005, enquanto as penalidades aplicadas a essas

instituições cresceram em média 74,4%101. Não é possível identificar com precisão o modo como

ocorreu essa evolução na segurança orgânica, mas provavelmente repetiu-se a mesma

discrepância entre crescimento do segmento e crescimento das penalidades. Como é pouco

provável que o mercado de segurança privada tenha se tornado mais problemático neste período,

certamente o que ocorreu foi um aumento substantivo da capacidade fiscalizadora de DELESP e

CV de todo o Brasil.

Como explicar essa melhora? Como o gráfico 9 mostra, o aumento das penalidades ocorre a

partir de 2003. Esse aumento coincide com o crescimento do efetivo da Polícia Federal. Segundo

dados dos Relatórios Anuais da Polícia Federal, houve a partir de 2002 um acréscimo dos

101 O crescimento do número de vigilantes empregados em empresas especializadas foi estimado pelo 2º ESSEG. O

crescimento de instituições financeiras foi calculado a partir dos dados do SISVIP. Para as penalidades aplicadas foram utilizados os dados da CCASP.

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policiais de carreira, que saltaram de 6.915 em 2001 para 8.260 em 2004. Aumento ainda maior

ocorreu com os funcionários administrativos, que eram 1.804 em 2003 e passaram a 3.204 em

2004 - crescimento de 77,6%. Não foi possível avaliar quantos desses novos servidores foram

lotados em DELESP e CV102. Mas há uma correlação forte entre aumento das penalidades e

aumento dos servidores da Polícia Federal que sugere a hipótese de que a melhora da capacidade

fiscalizadora de DELESP e CV se deva fundamentalmente ao investimento em recursos humanos

realizado na Polícia Federal.

Gráfico 9: Penalidades e arquivamentos (2002 - 2006)

211

32

350

172 820

209

559

135

689

177

2002 2003 2004 2005 2006

Penalidades Arquivamentos

Fonte: CCASP

O gráfico 9 também permite constatar que junto com o aumento das penalidades houve um

aumento considerável do número de processos punitivos arquivados. Em média, cerca de 21%

dos processos julgados na CCASP entre os anos de 2002 e 2006 foram arquivados. Os

arquivamentos normalmente resultam de três circunstâncias distintas: 1) perda do objeto, situação

102 Tentou-se fazer esta avaliação, mas há inúmeras dificuldades envolvidas num levantamento desta natureza. O

DPF em Brasília faz a alocação de servidores de acordo com a demanda das Superintendências Regionais. A lotação de funcionários nas DELESP e CV compete às Superintendências Regionais/SR, que são quem tem ascendência administrativa sobre as delegacias especializadas e delegacias descentralizadas. Portanto, as informações sobre lotação dos servidores encontram-se descentralizadas, isto é, de posse das 27 Superintendências Regionais. Mas a dificuldade principal para fazer esse levantamento se deve ao fato de haver uma rotatividade de funcionários dentro da estrutura orgânica do DPF que torna extremamente difícil obter dados precisos.

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em que a empresa interessada no processo punitivo encerra suas atividades antes que o

julgamento do processo ocorra; 2) falhas cometidas pelos servidores das DELESP e CV durante a

instrução do processo punitivo (má fundamentação do processo, descumprimento do rito

processual, etc.); e 3) falhas no SISVIP, cujas informações equivocadas podem acusar uma

infração que a empresa posteriormente comprova que de fato não ocorreu.

Enquanto a primeira causa de arquivamentos está associada à própria dinâmica do processo

administrativo, as demais apontam para problemas nas atividades fiscalizadoras de DELESP e

CV. Os arquivamentos que resultam de falhas no SISVIP estão frequentemente associados às

fragilidades na alimentação e armazenamento de informações que o sistema apresenta. Já os

arquivamentos decorrentes de falhas na instrução dos processos punitivos - que parecem ser a

grande maioria - estão associados a questões que vão desde servidores despreparados para

atuarem numa área com normas nem sempre claras e coerentes, até a rotatividade que há em

algumas DELESP e CV. Quanto ao primeiro aspecto, ele foi claramente mencionado por um

Agente Policial Federal de DELESP, conforme abaixo.

(...) o elevado índice de ocorrência de ‘falhas’ na instrução dos processos prende-se ao fato de que os servidores, ao serem lotados no setor, quase não recebem treinamento específico, ou seja, aprendem os procedimentos à medida que vão tendo contato prático com o serviço. Daí surge a necessidade de lotar no setor servidores que possuem certa afinidade com questões documentais, procedimentos, ou conforme suas palavras, com serviços burocráticos (Entrevista com Agente de Polícia Federal de DELESP).

Como a segurança privada é regida por uma grande quantidade de normas e procedimentos que

levam tempo para serem assimilados pelos novos servidores lotados em DELESP e CV, até que

isso ocorra a condução dos processos fica mais suscetível a falhas. Esse problema provavelmente

acentuou-se a partir de 2002 em razão do aumento do contingente de novos servidores do DPF,

muitos dos quais certamente alocados em DELESP e CV. Essa pode ser uma das razões para o

crescimento do número de arquivamentos a partir de 2002.

A necessidade de recrutar servidores afeitos a trabalhos administrativos como uma saída para

diminuir as falhas na instrução dos processos, conforme apontado pelo agente citado acima,

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encontra dificuldades103. O trabalho de controle e fiscalização da segurança privada é

considerado pouco atrativo para muitos policiais, como a fala abaixo revela.

(...) para o delegado e para gente [trabalhar em Comissão de Vistoria] é um encargo porque você acaba fazendo também outras funções além da sua. Então é um setor que passa a ser..., principalmente em delegacias, você não tem a exclusividade do setor. Por uma questão de delegacia você faz uma clínica geral, então você vai fazer as funções, o que for necessário você vai sentar lá e fazer. Mas acaba sendo encargo porque, além das funções que tem que fazer dos outros setores que por vocação e dever você deve fazer, ainda tem o dever aqui. Então, para delegado e para a gente é um encargo. Agora, tem gente que gosta. Eu estou aqui... você gosta ou aprende a gostar ou não. Agora, é um setor maçante. Um porque....é cansativo! A parte administrativa é chata! Mas o que torna o trabalho mais difícil é não ter uma legislação clara; a legislação é um tanto quanto esparsa e existem muitos entendimentos, muitos pareceres, muitos fax, circulares. (Entrevista com Agente de Polícia Federal de CV).

Como esta fala indica, o trabalho de controle e fiscalização da segurança privada desperta pouco

interesse no interior da estrutura orgânica da Polícia Federal. Na realidade, todas as tarefas mais

afetas ao direito administrativo tendem a atrair poucos policiais, que geralmente preferem

desempenhar tarefas relacionadas à aplicação das leis penais104. No caso das tarefas de controlar

e fiscalizar empresas de segurança privada, o problema é ainda maior tendo em vista que as

normas que regem o setor são inúmeras e com diversos pontos obscuros e até mesmo incoerentes,

o que contribui para tornar o trabalho em DELESP e CV ainda menos atrativo e mais suscetível a

falhas.

Associado ao problema da pouca atratividade do trabalho de DELESP e CV está outro fator que

se soma aos demais e, ao que parece, contribui para o elevado índice de arquivamentos: a

rotatividade existente em DELESP e CV. Esse problema foi claramente apontado em 2000 pelo

103 O recrutamento na Polícia Federal, geralmente, é feito através de análise do currículo dos policiais novos que

chegam às superintendências ou delegacias descentralizadas. Porém, quando um novo policial toma posse, ele fica um período de 30 dias como "estagiário" nas diversas delegacias especializadas que compõem as Superintendências Regionais de Polícia Federal ou setores das delegacias descentralizadas. Neste período, o ingresso procura conhecer a sistemática de trabalho e os assuntos específicos de cada delegacia ou setor, podendo ocorrer dele se identificar ou se interessar mais por alguma atividade. Isso também é levado em consideração na hora de determinar a lotação final de cada servidor.

104 Essa não é uma particularidade da Polícia Federal, e sim algo presente em todas as organizações policiais do mundo. Como Bayley notou, “[u]ma vez que a polícia é uma das instituições governamentais mais disseminadas, a conveniência provoca que lhe atribuam tarefas administrativas genéricas. Em toda parte os oficiais de polícia reclamam, argumentando que isso os distrai de suas responsabilidades de manter a lei e a ordem” (Bayley, 2001, p. 124).

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delegado que chefiava o controle da segurança privada no Brasil, que diante das críticas de um

dos membros da CCASP sobre determinado procedimento equivocado que os órgãos de

fiscalização vinham adotando, respondeu:

(...) o que acontece na prática, via de regra, é provocado pela constante rotatividade existente na composição das DELESP’s e Comissões de Vistorias, que para um determinado funcionário assimilar todos os conhecimentos referentes à aplicabilidade da legislação requer tempo, que muitas vezes o funcionário é preparado, vem à sede da Divisão fazer estágio, outros são orientados constantemente por telefone, ou através de respostas a consultas formuladas por escrito e, quando está afinado com a legislação, logo, preparado para deslanchar, acaba sendo removido para outro setor da regional, ou deslocado para escalas de plantão, desfalcando o setor, provocando acúmulo de serviços (Ata da 30º reunião da CCASP, 2000).

Sendo os funcionários mais especializados e experientes substituídos constantemente por

funcionários novos e com pouco treinamento e experiência, a continuidade e qualidade do

trabalho das DELESP e CV fica comprometida105. Assim, a rotatividade de funcionários, somada

à inexistência de uma política de capacitação constante, acabam diminuindo a eficiência dos

órgãos que fazem o controle e a fiscalização na ponta. O elevado índice de arquivamentos

certamente também está associado a esse fato.

Ciente do problema do elevado número de arquivamento provocado por falhas na instrução dos

processos, a Polícia Federal tem adotado medidas para reduzir esses números. Além da constante

orientação às DELESP e CV mais problemáticas, a partir de dezembro de 2003 os

Superintendentes Regionais passaram a ser convocados a participarem das reuniões da CCASP.

Tal medida tinha como principal objetivo aumentar o comprometimento das Superintendências

Regionais com o trabalho de controle e fiscalização da segurança privada e assim aumentar a

eficiência de DELESP e CV. Em 2005 essa medida foi radicalizada e as reuniões da CCASP

passaram a ocorrer nas Superintendências Regionais de Polícia Federal. Além de atender aos

interesses dos empresários, que desejam mais uniformidade nos procedimentos adotados pelos

órgãos de controle e fiscalização, essa nova sistemática tem possibilitado uma importante

aproximação entre a Coordenação e os servidores que trabalham na ponta. Por ocasião das 105 O prazo de permanência numa delegacia especializada do DPF é indeterminado e não existe regra para alterações.

Pode ser por vontade própria do policial, por necessidade e demanda de trabalho ou, ainda, por determinação da administração. Mas há dificuldades em lotar servidores para DELESP e CV porque, como dito, este é um setor pouco atrativo dentro da Polícia Federal

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reuniões, diversos encontros regionais envolvendo os servidores da CGCSP (a elite burocrática) e

os servidores de DELESP e CV (os funcionários das trincheiras) já foram promovidos com o

objetivo de discutir e buscar soluções para os problemas que afligem os órgãos de controle e

fiscalização da segurança privada.

Embora a descentralização das reuniões seja positiva em si mesma e conte com a aprovação

unânime do setor de segurança privada (empresários e trabalhadores) e servidores da Polícia

Federal que atuam na área, ainda não está claro o real impacto dessas ações no trabalho cotidiano

de fiscalização e controle das DELESP e CV. A CGCSP desconhece o impacto das decisões que

vêm tomando porque não produz estatísticas que lhe permita supervisionar e corrigir as ações

fiscalizadoras de DELESP e CV. Não se sabe, por exemplo, qual é o índice de arquivamentos de

cada DELESP e CV e como esse índice tem evoluído ano a ano. Não se sabe também qual

percentual de arquivamento é resultante da própria dinâmica do processo administrativo e qual é

resultante de falhas cometidas por servidores das DELESP e CV. Tanto a CGCSP quanto as

DELESP e CV trabalham sem conhecer tais dados, fato que prejudica a orientação da fiscalização

e a continuidade das ações que vêem sendo implementadas.

4. 3.2 Fiscalização sobre o universo informal dos provedores particulares de policiamento

Se a fiscalização sobre o universo formal da segurança privada experimentou avanços nos

últimos anos - apesar das dificuldades ainda enfrentadas -, a fiscalização para coibir os

provedores particulares de policiamento que atuam na informalidade permanece um grande

problema a ser enfrentado. As dificuldades envolvidas no combate a esse universo são enormes e

variadas. Vão desde a ausência de fiscalização sobre o policiamento privado realizado em vias

públicas, até a carência de recursos de todos os tipos (materiais, humanos e legais) para que a

Polícia Federal combata aquilo que entende como “segurança privada irregular”.

As normas que regem a segurança privada no Brasil definem segurança privada irregular ou

“clandestina” como a “execução não autorizada das atividades de segurança privada por pessoa

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física ou jurídica”, seja ela realizada de maneira armada ou desarmada106. Como a Lei nº.

7.102/83 e o Decreto nº. 89.056/83 restringem a definição de segurança privada às atividades de

vigilância patrimonial intramuros, proteção de pessoas, escolta de cargas, transporte de valores e

formação de vigilantes, segurança privada irregular seria somente o exercício não autorizado

dessas cinco atividades. As demais atividades que provêem proteção física e/ou patrimonial, mas

não se enquadram nas definições acima, não são consideradas pela Polícia Federal como de

segurança privada irregular ou clandestina. Assim, as atividades de vigilância comunitária,

realizada por meio de patrulhas nas ruas de bairros residenciais das cidades brasileiras, não são

consideradas clandestinas perante as normas federais que regulam a segurança privada no Brasil.

Este tipo de atividade está, portanto, fora do universo de fiscalização de DELESP e CV.

A segurança privada em vias públicas é considerada irregular para a Polícia Federal somente

quando o transporte de valores, ou a escolta armada, ou a segurança pessoal privada é realizada

por indivíduos ou empresas não autorizadas. A vigilância de áreas residenciais, realizada a partir

de ruas e logradouros públicos, não é considerada irregular nos termos da legislação federal de

segurança privada. A Polícia Federal entende que a atividade de vigiar patrimônios através de

patrulhas em vias públicas incorre em ilegalidade que não está relacionada à Lei nº. 7.102/83.

Não havendo nesta legislação tipificação para a atividade de vigilância em vias públicas, não

haveria irregularidade a ser combatida pela Polícia Federal. A vigilância patrimonial em vias

públicas estaria em desacordo apenas com o art. 144, § 5º, da Constituição Federal, que atribui à

Polícia Militar a competência para exercer policiamento ostensivo em áreas públicas. A

segurança de áreas residenciais garantida pelos chamados “rondantes” - guardas noturnos, vigias

de rua, agentes de vigilância comunitária, vigilantes noturnos autônomos, etc - incorreria em

crime de usurpação de função pública, ilícito que compete às polícias militares combater.

Seria necessário realizar pesquisa específica para saber como as polícias militares têm encarado

as atividades daqueles que patrulham ruas e logradouros públicos de áreas residenciais, muitas 106 Conforme art. 148 da Portaria nº. 387/06-DG-DPF. Anteriormente, a Portaria nº. 992/95-DG-DPF tinha uma

definição semelhante. O art. 97 desta Portaria definia a segurança privada clandestina como “a prestação de serviço de segurança privada por empresas, grupo ou através de qualquer outra forma, sem a prévia autorização do Departamento de Polícia Federal”. O art. 111 desta mesma Portaria completava a definição ao dizer que somente seriam fiscalizadas pela Polícia Federal “as empresas clandestinas funcionando sem autorização do Departamento de Polícia Federal na prestação de serviço de vigilância armada, desarmada, transporte de valores, curso de formação, escolta armada e segurança pessoal privada”.

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vezes policiais militares fazendo bico. Pesquisa acurada também deve ser feita para descobrir se

há, nos estados e municípios, regulamentos disciplinando o assunto. Embora os serviços de

patrulha em vias públicas pareçam inconstitucionais, há controvérsias sobre o tema. Como já foi

assinalado anteriormente, o Estado de São Paulo editou lei que reconhece e determina o registro

na Secretaria de Segurança Pública (SSP) de “Guardas Noturnas Particulares”, “Agentes de

Segurança Noturno” e “Agentes de vigilância comunitária para guardas de rua” existentes no

Estado. A Lei esta em vigor, porém aguarda julgamento de Ação Direta de Inconstitucionalidade

(ADIN nº. 2878) que pediu suspensão dos artigos que criaram a figura dos agentes de segurança

de ruas. No ano de 2001 o Distrito Federal também editou lei regulamentando serviços de

vigilância comunitária, mas a lei foi julgada inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal, que

determinou sua suspensão principalmente por estar em desacordo com o art. 144, 5º, da

Constituição Federal.

Mesmo não estando sob a responsabilidade da Polícia Federal um amplo universo de atividades

de policiamento privado, o combate ao que a organização entende por “segurança privada

irregular” enfrenta grandes dificuldades107. As dificuldades estão relacionadas à inexistência de

uma política nacional específica sobre o tema e a ausência de recursos humanos, materiais e

jurídicos que permitam às DELESP e CV realizarem um trabalho de fiscalização efetivo e

eficiente.

Desde que a segurança privada passou a receber atenção dos programas nacionais de segurança

pública, o combate à clandestinidade vem sendo destacado como uma das prioridades. Contudo,

nenhuma política pública nacional de combate à segurança privada irregular foi implementada até

o momento. Os dados sobre encerramento de empresas clandestinas de segurança privada

mostram o quanto tem oscilado o combate a essas atividades ao longo dos anos.

107 Dentre os principais provedores de segurança privada considerados irregulares perante a Polícia Federal estão: 1)

empresas juridicamente constituídas que, sob a fachada de empresas de conservação e limpeza, administração de condomínios, portaria, promoção de eventos, etc, prestam serviços típicos de segurança privada; 2) pessoas associadas com o objetivo de oferecer serviços de vigilância patrimonial, segurança em eventos e serviços de proteção à pessoas ou cargas; e 3) pessoas que provêem segurança de maneira autônoma, oferecendo seus serviços diretamente no mercado como free-lance.

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Gráfico 10: Encerramento de empresas clandestinas de segurança privada (2000–2006)

176

67

133

97

168

7753

2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006

Encerramento de Empresas Clandestinas Linear (Encerramento de Empresas Clandestinas)

Fonte: DPF

Como o gráfico 10 mostra, há uma trajetória irregular e decrescente em relação ao número de

empresas clandestinas encerradas entre os anos 2000 e 2006. Essa trajetória contrasta com aquela

referente às penalidades aplicadas às empresas de segurança privada regulares, cujos dados

evidenciam uma evolução (conforme gráfico 9). Apesar da retórica dos últimos governos sobre

priorizar o combate à segurança privada clandestina, os dados acima sugerem que de fato não

houve uma política focada nesse aspecto. Se o combate à clandestinidade tivesse efetivamente

sido uma das prioridades da política de controle e fiscalização da segurança privada, a tendência

seria encontrar uma linha ascendente indicando o aumento do número de empresas clandestinas

encerradas, e não uma linha irregular e decrescente.

Se não há uma política pública explicitamente voltada para combater o mercado clandestino de

segurança privada, como então esse combate é feito? Até o momento, o combate à segurança

privada irregular tem sido feito de maneira pontual por DELESP e CV, que têm autonomia para

decidir quando e em quais circunstâncias a segurança privada irregular será alvo de fiscalização.

Nesse aspecto, inexiste da parte da CGCSP um planejamento central e supervisão sobre as

operações de DELESP e CV. O planejamento das ações é realizado pelas próprias DELESP e

CV. Diferentemente da fiscalização sobre o mercado legal, que deve ser realizado ao menos uma

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vez por ano, não há nenhuma exigência legal ou orientação para que DELESP e CV realizem

determinado número de operações de combate à segurança privada não autorizada ou priorizem

ações de determinado tipo. Não há metas pré-determinadas que devam ser cumpridas. O papel da

CGCSP no combate à segurança privada irregular está restrito a fornecer apoio técnico às

unidades descentralizadas que realizam operações desse caráter - esclarecer eventuais dúvidas

sobre a legalidade de determinadas ações, disseminar informações sobre o modo como outras

DELESP e CV têm procedido no combate à clandestinidade, etc

Além de não coordenar as ações das unidades descentralizadas, a CGCSP também não

supervisiona de modo sistemático as operações de repressão à segurança privada irregular. O

órgão central não sistematiza os dados que permitiriam tal supervisão. O número detalhado de

empresas clandestinas fechadas por cada uma das 27 DELESP e dezenas de CV ano a ano, por

exemplo, não é do conhecimento da CGCSP. Sequer é possível saber o número de empresas

clandestinas fechadas por estado. Os números que o SISVIP fornece a esse respeito são

absolutamente imprecisos porque DELESP e CV não alimentam o sistema corretamente. Na

ausência de dados dessa natureza, a CGCSP fica impossibilitada de acompanhar de maneira

sistemática o trabalho realizado por cada DELESP e CV no combate à clandestinidade.

Ao invés de uma política nacional focada e racionalmente orientada para combater a segurança

privada irregular, predominam então ações tópicas e que variam conforme as características de

cada DELESP e CV. De um modo geral, estas unidades apresentam basicamente dois perfis

quando o assunto é combate à clandestinidade. Algumas mantêm uma postura meramente reativa

frente à segurança privada clandestina, realizando operações de fiscalização somente quando

incitadas a agirem por ocasião de uma denúncia bem fundamentada sobre a existência de

segurança privada irregular. Outras apresentam uma postura proativa, realizando operações

constantes de combate à clandestinidade.

Tanto as condições quando o volume de trabalho de DELESP e CV são fatores determinantes

para o perfil que cada unidade assumirá no combate à segurança privada irregular. Aquelas

menos estruturadas e/ou situadas em circunscrições extensas e que concentram grande quantidade

de empresas e instituições financeiras tendem a realizar menor número de operações de combate

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à segurança privada clandestina. Nas DELESP e CV com essas características, o trabalho

operacional geralmente acaba limitando-se à fiscalização anual obrigatória sobre empresas

autorizadas, planos de segurança de instituições financeiras e à averiguação de denúncias

consistentes sobre segurança privada clandestina. O combate à segurança privada não autorizada

é, portanto, feito de maneira meramente reativa - quando é108.

Já aquelas DELESP e CV mais estruturadas e/ou que atuam em circunscrições relativamente

menores e com um universo a ser fiscalizado mais reduzido estão em melhores condições de

terem uma postura proativa frente à segurança privada clandestina. Isso não quer dizer que terão.

Além dos fatores objetivos relacionados às condições e ao volume de trabalho, DELESP e CV

estão sempre sujeitas a serem chefiadas ou integradas por policiais com maior ou menor

inclinação para o planejamento e execução de operações de campo. Esses fatores acabam sendo

determinantes para que os órgãos de fiscalização e controle da segurança privada apresentem um

perfil proativo no combate à clandestinidade.

Mesmo entre as DELESP e CV que apresentam perfil proativo, o modo como o combate à

segurança privada clandestina é conduzido varia de unidade para unidade. No planejamento e

execução das operações especiais de repressão às clandestinas, DELESP e CV necessitam

priorizar um ou outro ponto considerado mais importante dentro do universo da segurança

privada irregular. Unidades como a DELESP-MG e a CV de Presidente Prudente, por exemplo,

têm priorizado a fiscalização dos grandes eventos de entretenimento: feiras, exposições, shows,

festas de peão, etc. Já a DELESP-SP concentra-se mais na fiscalização das casas noturnas, que 108 No ano de 1996, logo quando a Polícia Federal assumiu a responsabilidade plena de regular e controlar empresas

de segurança privada, as referências sobre o fato de DELESP e CV não estarem apurando denúncias dos sindicatos sobre irregularidades na segurança privada foram freqüentes. Na 17º reunião da CCASP, por exemplo, o representante dos trabalhadores sugeriu que “o DPF apreciasse o fato de que algumas comissões não estão exercendo a apuração das denúncias apresentadas pelos sindicatos” (Ata da 17º reunião da CCASP, 1996, p. 3). Alguns meses depois, o representante dos trabalhadores voltou a apresentar a mesma queixa, desta vez nomeando as CV mais inertes no trabalho de apuração das denúncias: CV dos Estados do Acre, Alagoas, Ceará, Rio Grande do Norte, Distrito Federal, Bahia, Minas Gerais e Rio de Janeiro. Diante das cobranças, a Polícia Federal justificou-se alegando falta de recursos humanos, materiais e financeiros para apurar as denúncias. Como destacou o delegado que chefiava o setor de segurança privada da Polícia Federal à época, “por mais que os dirigentes do órgão central e descentralizadas se emprenhem, o problema esbarra na falta de recursos financeiros e na falta de pessoal, aguardando para breve a solução de tais problemas, haja vista a conclusão de alguns cursos que estão em andamento no órgão” (Ata da 18º reunião da CCASP, 1996, p. 3). Em 1999, o representante dos trabalhadores na CCASP voltou a se queixar da inoperância das DELESP e CV dos Estados de Alagoas e Bahia - exceto a CV de Ilhéus (Ata da 27º reunião da CCASP, 1999, p. 11).

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mês a mês são alvo de operações de combate à segurança privada irregular. Há ainda DELESP

que têm procurado estender a fiscalização para além do setor de entretenimento, caso das

delegacias do Distrito Federal e Rio de Janeiro. A DELESP-RJ, por exemplo, tem realizado

operações constantes em shoppings, redes de magazines, condomínios residenciais, casas

noturnas, etc, além de ações educativas visando esclarecer e conscientizar os tomadores de

serviços sobre os riscos e conseqüências civis e penais envolvidos na utilização de segurança

privada irregular.

Independentemente de DELESP e CV apresentarem um perfil reativo ou proativo, a carência de

recursos humanos, materiais e legais para uma fiscalização satisfatória sobre o mercado

clandestino de segurança privada é uma reclamação comum em todas as unidades. Diante dessas

carências, uma queixa freqüente dos policiais refere-se à falta de tempo para combater a

clandestinidade de maneira mais efetiva. Mesmo DELESP como as de São Paulo e Rio de

Janeiro, que mantêm núcleos especializados em operações, queixam-se de falta de tempo para

realizar uma fiscalização mais consistente sobre o mercado paralelo de segurança privada. Como

colocou Alcyr Vidal, chefe de operações e Delegado substituto da DELESP-RJ, a delegacia

realiza

(...) por mês, em média, duas operações de repressão aos clandestinos, mas acontece que a DELESP-RJ não faz só isso, tem outras obrigações. Temos também que fiscalizar os planos de segurança de todas as agências bancárias, os cursos de formação e as empresas de segurança. Ao todo realizamos cerca de duas mil operações por ano, e cada uma gera um volume gigantesco de papéis. O trabalho não termina quando saímos do local. Precisamos dar continuidade e ir ‘fechando’ a operação e seus desdobramentos, o que depende de tempo. (Revista Segurança Privada, nº 11, 2006, p. 10).

Além do grande volume de trabalho interno, os servidores de DELESP e CV queixam-se também

de estarem sujeitos a concorrerem às escalas de plantão, de sobreaviso, de segurança de

dignitários e participação nas famigeradas operações especiais da Polícia Federal, o que reduziria

ainda mais o tempo necessário para o planejamento e execução das operações de combate à

clandestinidade.

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Mas a principal reclamação dos policiais de DELESP e CV é quanto à ausência de instrumentos

legais que permitam combater com eficiência o mercado clandestino de segurança privada. O

marco legal da segurança privada no Brasil não prevê mecanismos para a responsabilização dos

provedores e patrocinadores de atividades de policiamento privado não autorizadas pela Polícia

Federal, exceto para os provedores recalcitrantes. A repressão à segurança privada clandestina

realizada pela Polícia Federal está circunscrita à esfera administrativa. A empresa, pessoa ou

grupo que provê irregularmente segurança é penalizado com o encerramento das atividades, que

se dá mediante o recolhimento do material utilizado na prestação do serviço e lavratura de Auto

de Encerramento, que notifica o autuado sobre a impossibilidade dele continuar prestando o

serviço. No caso da infração ser cometida por uma empresa que também executa serviços de

outra natureza - portaria, limpeza, zeladoria, etc. -, somente é encerrada a prestação do serviço de

policiamento privado irregular, podendo a empresa continuar funcionando normalmente no que

tange às outras atividades. Se, uma vez determinado o encerramento da atividade irregular o

infrator persistir em exercê-la, poderá ser objeto de novo processo administrativo e

responsabilizado criminalmente pelo “exercício de atividade com infração de decisão

administrativa”109. Na hipótese de o serviço clandestino envolver policiamento privado armado,

os envolvidos também podem ser responsabilizados criminalmente e presos com base nas normas

do Estatuto do Desarmamento. A princípio, não há previsão de procedimento administrativo ou

pena para aqueles que contratam provedores de segurança não autorizados.

Na ausência de instrumentos jurídicos que permitam responsabilizar provedores e patrocinadores

de segurança privada irregular de modo a desestimular a oferta e a demanda desses serviços, o

Estatuto do Desarmamento tornou-se um instrumento importante no combate à segurança privada

irregular que utiliza armas de fogo. O Estatuto, que prevê os crimes de posse e porte de arma de

fogo de uso permitido110, tem sido utilizado com freqüência pelas DELESP e CV, que estão

orientadas a realizarem os procedimentos penais cabíveis sempre que os provedores irregulares

de segurança praticarem tais crimes.

109 Conforme art. 205 do Código Penal Brasileiro – “Exercer atividade, de que está impedido por decisão

administrativa. Pena - detenção, de 3 (três) meses a 2 (dois) anos, ou multa”. 110 O crime de posse irregular de arma de fogo de uso permitido está tipificada no art. 12 da Lei nº. 10.826/03, que

prevê pena de detenção, de 1 (um) a 3 (três) anos, e multa. Já o crime de porte ilegal de arma de fogo de uso permitido está tipificado no art. 14 desta Lei. A pena prevista para esse crime é reclusão, de 2 (dois) a 4 (quatro) anos, e multa. O crime é inafiançável, exceto se a arma de fogo estiver registrada em nome do agente.

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No caso da segurança privada irregular ser desarmada, além de não estar prevista nenhuma pena

para responsabilizar provedores e patrocinadores, há decisões de tribunais favoráveis a empresas

que questionaram na Justiça a competência da Polícia Federal para fiscalizar empresas e pessoas

que exercem atividades desse tipo111. As empresas alegam que a Lei nº. 7.102/83 legisla apenas

sobre as atividades de segurança privada armada112. A vigilância patrimonial, a segurança de

eventos, de casas noturnas e outros serviços de segurança executados sem o uso de armas de fogo

não dependeriam de autorização da Polícia Federal para existirem legalmente, portanto, não

estariam sujeitos à fiscalização daquele órgão policial. Mas a questão ainda é controversa,

havendo também jurisprudência em sentido contrário afirmando que compete à Polícia Federal

encerrar atividades de segurança privada desarmada que não estejam autorizadas pelo órgão113.

Não obstante a polêmica, DELESP e CV continuam a fiscalizar empresas e pessoas não

autorizadas que prestam serviços típicos de segurança privada, independentemente de estes serem

executados de maneira armada ou desarmada. Os órgãos de fiscalização e controle têm inclusive

procurado reforçar sua autoridade utilizando-se de outros instrumentos que permitam aplicar

sanções aos contratantes de segurança privada clandestina. Isto tem sido feito pela DELESP-SP,

que tem utilizado uma ação civil pública movida por um Procurador da República oficiado em

Guarulhos para aplicar penalidades em casas noturnas que utilizam segurança privada irregular.

As penalidades vão desde multas, que variam de R$ 5.000 a R$ 10.000, até o fechamento da

casa114.

Outro problema envolvido na repressão da segurança privada irregular ocorre quando há

participação de agentes das forças de segurança pública, especialmente policiais civis e militares

que provêem serviços de segurança privada nas horas vagas. Via de regra, os serviços de

segurança provido por esses agentes utilizam armas de fogo, porém o Estatuto do Desarmamento

não pode ser utilizado para puni-los porque os policiais têm direito a porte de arma mesmo fora

de serviço. Não havendo mecanismos que permitam responsabilizar agentes estatais, à Polícia

Federal resta oficiar a SSP e respectivas organizações policiais para que tomem as providências

111 Conforme Recuso Especial nº. 645.152/PB (2004/0039203-3). 112 Para uma análise e defesa desse ponto de vista ver Coelho (2005 e 2006). 113 Conforme Recurso Especial nº. 575.473/RS (DJ 11/04/2005). 114 Conforme Processo nº. 2005.61.19.002196-1, da 5ª Vara Federal em Guarulhos.

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cabíveis, tendo em vista que o segundo emprego de agentes estatais de segurança pública é

proibido. Assim, desestimular ou coibir o chamado bico na segurança privada irregular depende

das próprias forças de segurança pública estaduais oferecem melhores salários para os policiais e,

através de suas corregedorias, procederem a sindicâncias para apurar responsabilidades e punir os

agentes que participam de tais atividades. A responsabilização dos policiais civis e militares que

prestam irregularmente serviços de segurança privada foge assim da competência da Polícia

Federal para esbarrar na tolerância dos organismos internos de controle das forças de segurança

pública, coniventes com o segundo emprego dos policiais. Inibir o mercado clandestino de

segurança privada, que conta com a ampla participação de policiais civis e militares, é assim uma

tarefa difícil.

Diante dessas dificuldades, a Polícia Federal tem apostado no GESP e na reformulação da

legislação da segurança privada para aumentar a capacidade fiscalizadora de DELESP e CV

sobre o mercado clandestino de segurança privada. Com a reformulação da legislação a Polícia

Federal espera resolver tanto o problema da ausência de dispositivos legais para responsabilizar

aqueles que contratam e provêem segurança privada de maneira irregular, quanto os problemas

normativos que têm ensejado a contestação do trabalho de fiscalização da Polícia Federal sobre a

segurança privada irregular desarmada. Embora haja divergências no interior da Polícia Federal

sobre qual a melhor forma de responsabilizar provedores e contratantes de segurança privada

não-autorizada, predomina o entendimento de que ambos devam ser responsabilizados

criminalmente, agravando-se a pena no caso do provedor não autorizado ser membro das

instituições de segurança pública ou das forças armadas

Da parte do GESP, a expectativa é a de que ele reduza drasticamente o volume de trabalho que

hoje prende os policiais de DELESP e CV em atividades cartoriais internas. A informatização dos

procedimentos agilizaria o trabalho interno e permitiria que os policiais dedicassem mais tempo à

fiscalização da segurança privada clandestina. O entusiasmo em relação ao impacto que o sistema

trará sobre os órgãos de fiscalização e controle é revelado pelo ex-Coordenador Geral de

Controle da Segurança Privada, que acredita que “(u)ma nova era está nascendo na relação entre

a Polícia Federal e as empresas de segurança privada. O GESP irá aumentar a eficiência e

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também aumentará a fiscalização”115. Diante de tais expectativas, a CGCSP já pleiteia adquirir

viaturas ostensivas identificadas com o logo de DELESP e CV, que hoje não dispõem de veículos

específicos para a execução das operações de campo. A CGCSP também planeja, em médio

prazo, implementar um “Plano Nacional de Fiscalização”.

Para além das boas expectativas e intenções, o fato é que a fiscalização realizada pela Polícia

Federal sobre o mercado clandestino de segurança privada permanece problemática.

115 Palestra proferida no auditório da SR do DPF do Estado de São Paulo. Resumo do evento disponível em

http://www.sindesp-ba.com.br/gesp.pdf; acesso em 20 de outubro de 2006.

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CONCLUSÃO

A emergência da segurança privada e de agentes e organizações que provêem policiamento de

maneira informal ocorrida nas últimas décadas colocaram novos problemas para a efetivação dos

direitos humanos no Brasil. Enquanto profissionais autorizados e treinados para utilizar força

física na defesa da integridade física e patrimonial de seus clientes, especialmente aqueles que

controlam os chamados “espaços comunais”, agentes de segurança privada detêm poderes que

podem afetar os direitos e liberdades civis dos cidadãos. Esse potencial de ameaça representado

pela segurança privada está presente em todos os contextos onde ela emergiu, mas em países

como Brasil o problema é ainda maior tendo em vista que elevados índices de criminalidade e

conflitos sociais podem induzir a execução de um policiamento privado agressivo e abusivo. A

existência de um amplo universo composto por provedores particulares de policiamento que

agem sem autorização do Estado, muitos dos quais policiais trabalhando num segundo emprego

como agentes de segurança privada, representam riscos ainda mais sérios e complexos para a

efetivação dos direitos civis no Brasil.

Diante desses riscos, o controle público da segurança privada e dos agentes e organizações não-

estatais que provêem policiamento de maneira informal é necessário para que suas atividades

sejam exercidas em conformidade às expectativas e normas coletivas. A revisão da literatura

indica que o Estado pode e deve desempenhar papel central neste controle, desde que combine: 1)

capacidade reguladora; 2) capacidade de incentivo às demais formas de controle, sobretudo do

controle interno e controle externo realizado pelos clientes; e 3) capacidade fiscalizadora sobre a

segurança privada, especialmente sobre os provedores particulares de policiamento que atuam na

informalidade.

A análise dos dados levantados pela pesquisa referente à capacidade reguladora do Estado

brasileiro sobre a segurança privada revela, primeiramente, que temas fundamentais para obter

empresas e agentes de segurança privada responsáveis publicamente são tratados pelo marco

regulatório brasileiro, que se caracteriza por ter um caráter abrangente. Dentre esses temas

destacam-se: requisitos para abertura de empresas e ingresso na profissão de vigilante; exigências

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de treinamento e educação; regras sobre armas de fogo; e definições relativas à uniforme e

identificação visual dos agentes. A análise focada na política regulatória empreendida pela

Polícia Federal no período 1996-2006 em torno desses temas revela melhoras na regulação da

segurança privada, mas regras permissivas, deficientes e que encontram dificuldades para serem

cumpridas permanecem colocando problemas para o controle estatal da segurança privada no

Brasil.

Os esforços da Polícia Federal para melhorar a regulação da segurança privada encontram sua

expressão máxima na Portaria nº. 387/06-DG-DPF, editada em agosto de 2006. Dentre as

mudanças introduzidas por esta Portaria destaca-se a alteração do padrão de educação e

treinamento que vigorou no país por mais de dez anos, que priorizava a defesa do patrimônio e

não manifestava nenhuma preocupação com direitos humanos e uso profissional da força física.

A Polícia Federal alterou esse padrão de treinamento ao introduzir mudanças na carga horária e

no tipo de treinamento e educação exigidos dos profissionais de segurança privada – incluiu

matérias relacionadas a direitos humanos, introduziu o princípio do uso proporcional da força nos

treinamentos, acrescentou disciplinas que visam melhorar a integração entre segurança pública e

segurança privada, etc. Para o controle da segurança privada essas alterações representam a mais

importante inovação da política de controle implementada pela Polícia Federal até o momento,

tendo em vista que a educação e o treinamento são fundamentais para melhorar a qualidade dos

serviços e gerar adequação do comportamento dos vigilantes nas situações em que sua ação

depende do tipo de conhecimento e informação que possuem, caso por exemplo das situações que

envolvem uso da força física.

Temas regulatórios importantes também sofreram mudanças ao longo dos anos, ou por ocasião da

Portaria nº. 387/06-DG-DPF, mas permanecem problemáticos. Este é o caso da regulação sobre

armas de fogo, que experimentou avanços nos últimos dez anos, notados principalmente no

aumento do controle sobre esses insumos e na autorização para o uso de armas não-letais

(processo atualmente em curso). Mas a regulação e a política de controle existentes no Brasil

estão focadas no produto arma, e não no controle das atividades de policiamento privado que

fazem uso de armas. Isso ocorre menos por regulação indevida da Polícia Federal e mais pelo fato

de o Brasil possuir um marco legal permissivo que não define ou permite que o órgão regulador

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defina quais atividades de segurança privada deverão ser executadas de maneira desarmada. O

marco legal define apenas quais atividades precisam ser executadas com armas - segurança

bancária, transporte de valores e escolta armada. Nas demais atividades, a decisão sobre o uso de

armas no policiamento privado cabe apenas ao prestador e ao contratante do serviço de

segurança. Assim, o Estado não pode exercer controle público sobre uma decisão cujas

conseqüências determinam em grande medida o potencial de ameaça que a segurança privada

representa para os direitos humanos.

A regulação do tema “requisitos para autorização de empresas e vigilantes” também melhorou

nos últimos anos. Com a publicação da Portaria nº. 387/06-DG-DPF a Polícia Federal resolveu

parcialmente duas graves dificuldades relacionadas a esse tema: a não exigência de comprovação

de antecedentes policiais como requisito para o exercício da profissão de vigilante; e a ausência

de regulação e controle sobre a higidez psicológica dos profissionais de segurança privada. Mas a

baixa escolaridade exigida para o ingresso na profissão (4º séria do ensino fundamental) não pôde

ser alterada pelo fato de esta ser uma exigência da Lei nº. 7.102/83. Outro problema que

permanece é que muitas das exigências para que empresas e profissionais de segurança privada

façam parte do universo da segurança privada são difíceis de serem fiscalizadas. Nos últimos

anos a Polícia Federal realizou vários esforços para melhorar o controle sobre essas exigências,

mas as dificuldades para checar a autenticidade da documentação comprobatória dos requisitos

exigidos ainda persistem.

O tema “uniforme e identificação visual”, que também é importante para permitir o controle da

segurança privada, não sofreu alterações com as mudanças recentes e permanece regulado de

maneira deficiente. O marco legal brasileiro manifesta a preocupação de que os vigilantes

utilizem uniformes ostensivos, identificados e diferentes aos utilizados pelas Forças Armadas e

Polícias Militares. Mas a regulação da “plaqueta de identificação do vigilante” não facilita a

identificação visual dos agentes a uma distância razoável, o que coloca problemas para a

efetividade do controle social.

Outra dificuldade para o controle estatal da segurança privada no Brasil é a fragilidade dos

instrumentos disponíveis para incentivar o controle interno e o controle externo realizado pelos

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clientes. A literatura aponta para o fato de que a melhor forma de incentivar o controle interno

com sentido público é exigir das empresas relatórios de prestação de contas de suas atividades. A

Polícia Federal não faz cobranças desse tipo. Os relatórios exigidos referem-se a produtos

controlados e a apuração de eventuais condutas criminais de vigilantes. Esses relatórios são

importantes. Mas no primeiro caso o controle induzido é sobre o produto arma e demais

acessórios relacionados. O segundo visa controlar comportamentos, mas está longe de ser um

instrumento de supervisão constante e passível de controle público tal como são os relatórios de

atividades exigidos em outros contextos regulatórios.

Em relação ao incentivo do controle externo, o Brasil dispõe de instrumentos que estimulam - ou

permitem estimular - apenas o controle pelas associações de classe, e mesmo assim apresentam

problemas. Um desses instrumentos está previsto no marco regulatório infraconstitucional, que

permite aos sindicatos patronais e laborais realizarem supervisões, sob determinadas

circunstâncias, sobre os cursos de formação. Além de limitado aos cursos, parece que os

sindicatos não têm feito uso desta prerrogativa. O principal instrumento que a Polícia Federal

dispõe para incentivar diretamente o controle das entidades patronais e laborais sobre a segurança

privada é a CCASP, órgão colegiado que incorpora as entidades de empresários e trabalhadores

dentro do processo de regulação e controle da segurança privada, atribuindo ao processo um

caráter responsivo. Embora seja um espaço importante, a CCASP não conta com a participação

dos clientes (exceto o segmento financeiro), que segundo a literatura são os atores em condições

de desempenhar o papel mais efetivo no controle externo da segurança privada. Outro problema

relacionado à CCASP é que as regras que regulam o órgão (portarias do Ministério da Justiça)

permitem a interferência de interesses privados num aspecto fundamental do controle estatal, que

é a punição das empresas infratoras. Assim, ao invés de uma divisão clara entre controle estatal e

controle pelas associações de classe há no Brasil uma amálgama problemático dessas duas

modalidades de controle que, em algumas circunstâncias, resulta em prejuízos para o controle

público.

A análise preliminar da capacidade fiscalizadora da Polícia Federal revela que o órgão exerce

fiscalização constante e proativa sobre o universo formal da segurança privada, mas tem baixa

capacidade de fiscalizar e combater o universo informal dos provedores particulares de

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policiamento, além do que sua jurisdição de fiscalização abrange apenas uma parte deste

universo. Quanto à fiscalização da segurança privada regular, houve um aumento da capacidade

fiscalizadora de DELESP e CV nos últimos quatro anos, fato que parece estar diretamente

relacionado ao maior investimento em recursos humanos realizado na Polícia Federal pelo

governo da gestão 2002-2006. O desempenho só não foi melhor porque neste mesmo período

houve um aumento do número de arquivamentos de processos punitivos, o que revela problemas

na qualidade da fiscalização exercida por DELESP e CV. Parte dos arquivamentos decorre da

própria dinâmica do processo administrativo, mas a maioria parece estar relacionada a

dificuldades organizacionais que afligem as unidades de controle e fiscalização: banco de dados

pouco confiável, alta rotatividade de funcionários, ausência de uma política constante para

qualificação profissional voltada especificamente para os servidores lotados em DELESP e CV, e

outros fatores que contribuem para a ocorrência de falhas na instrução dos processos, que por

essa razão acabam sendo arquivados.

Contrastando com as melhoras na fiscalização da segurança privada regular, notou-se que a

capacidade de fiscalização da Polícia Federal sobre os provedores particulares de policiamento

que atuam na informalidade é baixa e as tentativas de controle visam apenas uma parte destes

provedores. A baixa capacidade se deve tanto à ausência de uma política nacional focada e

orientada para combater aquilo que é definido como “segurança privada clandestina”, quanto à

carência de recursos humanos, materiais e legais para que DELESP e CV fiscalizem e combatam

de maneira efetiva essas atividades. Dentre estas carências destaca-se a ausência de instrumentos

legais. A discussão bibliográfica leva a crer que, em contextos como o brasileiro, uma das

importâncias do controle estatal reside justamente no fato de o Estado ser, teoricamente, a

instituição que possui a autoridade que nenhuma outra instituição possui para combater as

organizações e agentes de policiamento privado que agem sem a sua autorização. Todavia, essa

condição se realiza de maneira problemática no Brasil. A autoridade que a Polícia Federal tem

para combater o policiamento privado informal no Brasil é débil: não há dispositivos que

permitam responsabilizar provedores e patrocinadores de policiamento privado irregular, a

legitimidade da fiscalização sobre a segurança privada desarmada é questionável, e pouco pode

ser feito para coibir a participação de agentes de segurança pública em atividades de policiamento

privado.

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Além dessas dificuldades, verificou-se ainda que a Polícia Federal tenta exercer fiscalização

apenas sobre uma parte do universo informal dos provedores particulares de policiamento que

emergiram na sociedade brasileira nas últimas décadas: a chamada segurança privada “irregular”

ou “clandestina”, que são as organizações e agentes que exercem atividades tipificadas como de

segurança privada pela Lei nº. 7.102/83 e Decreto nº. 89.056/83, mas sem estarem devidamente

autorizadas. Em outras palavras, a fiscalização que a Polícia Federal objetiva exercer está

circunscrita às organizações e pessoas não autorizadas que exercem vigilância patrimonial

intramuros, transporte de valores, escolta armada e segurança pessoal privada. Fora de qualquer

tentativa de fiscalização e controle por parte da Polícia Federal estão todas as organizações e

pessoas envolvidas em atividades de policiamento privado executadas em vias públicas – a

chamada vigilância comunitária.

Por fim, se em meio às dificuldades que persistem é possível notar avanços na regulação e

fiscalização realizada pela Polícia Federal sobre o universo formal da segurança privada, o

mesmo não pode ser dito em relação à fiscalização do amplo e problemático universo do

policiamento privado informal. A fiscalização que a Polícia Federal exerce sobre este universo é

precária e limitada. Aqui reside o maior desafio colocado para a sociedade brasileira. Os poucos

dados disponíveis indicam que os riscos mais sérios para os direitos civis estão associados ao

universo do policiamento privado informal. As ocorrências criminais parecem concentradas neste

universo, que é também o terreno onde floresce o policiamento privado executado por justiceiros,

“milícias”, esquadrões da morte, etc. Isso aponta para a necessidade de políticas públicas voltadas

especificamente para o controle dos provedores que se inserem neste universo, seja estendendo a

regulação estatal para algumas atividades - caso da vigilância comunitária, cujos agentes

desarmados (isto é imperativo!), treinados em legislação penal, técnicas de observação e

comunicação com a polícia podem se tornar “sentinelas” aptas a auxiliarem a segurança

pública116 -, seja controlando a arena em que o policiamento privado está em intersecção com o

policiamento público e com a criminalidade, seja desestimulando a contratação de agentes e

empresas de segurança privada irregulares.

116 Recentemente o jornal Folha de São Paulo (13/02/2006) noticiou um projeto desenvolvido pela Polícia Civil na

costa sul de São Sebastião, litoral norte de São Paulo, que registrava vigilantes e oferecia treinamento de duas semanas para que aprendessem a comunicar corretamente um crime à polícia, técnicas de observação e uso de rádio do tipo HT, que eram suas ferramentas de trabalho. Polícia e moradores estavam satisfeitos com o projeto, que segundo a matéria estava trazendo bons resultados para a segurança local.

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Políticas desse tipo, por sua vez, dependem de um melhor conhecimento deste universo, sobre o

qual não se sabe praticamente nada. É preciso conhecer quem são os provedores (e quantos são) e

patrocinadores de policiamento privado informal, onde atuam, como o policiamento é executado,

quais sanções utiliza, quais ameaças representa para os direitos civis, quais implicações tem para

a segurança pública, como são controlados por aqueles que os empregam, etc. Além dessas

questões, no caso da vigilância comunitária realizada em vias públicas, é preciso saber se ela de

fato tem sido considerada irregular e combatida pelas polícias estaduais, se há leis nas esferas

locais regulando esse tipo de atividade, de que modo regula, quem as controla e como controla. A

agenda de pesquisa é ampla e, embora o policiamento privado informal suscite as questões mais

urgentes, inúmeras outras relacionadas à segurança privada legal também precisam ser

compreendidas. No que diz respeito ao controle, é preciso entender como tem atuado as diversas

formas de controle possíveis sobre a segurança privada - controle dos clientes, controle pelas

associações de classe e controle social. É preciso saber também como essas diversas formas de

controle articulam-se entre si e com o controle estatal, ou seja, qual a dinâmica das diversas

formas de controle. Em que medida as várias formas de controle são capazes de gerar resultados

também é outra questão a ser avaliada. Articular pesquisa empírica com as questões teórico-

conceituais mais gerais é outro desafio. O caso brasileiro parece apresentar muitas

particularidades em relação ao das democracias desenvolvidas, mas também guarda relações com

o que tem ocorrido nestes países. É importante não perder de vista o debate na literatura

internacional, que tem avançado na elaboração teórico-conceitual disso que tem sido chamado de

“reestruturação”, “pluralização” ou “multilateralização” do policiamento.

Diante de tantas questões a serem esclarecidas, uma coisa parece certa. O controle dos agentes e

organizações informais de policiamento privado depende do controle das principais forças

policiais do país, visto que parece ser intensa a participação de policiais civis e militares em

atividades informais de policiamento privado. Os problemas antigos e modernos a que Paixão se

referia no início dos anos 90 estão articulados. O dilema político implícito na pergunta “mas

quem vigiará os vigias?” com a qual começou este trabalho permanece no ar.

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FONTES CONSULTADAS

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Unidades de controle da segurança privada onde foram levantadas informações

CGCSP – entrevistas com os delegados que trabalham no órgão e observação de rotinas de trabalho e coleta de dados por dois dias; DELESP/BA – entrevista com servidor policial que trabalhou na referida unidade entre 1996 e 2003; DELESP/SP – entrevista com a delegada titular; DELESP/MG – entrevistas e observação de rotinas de trabalho durante uma tarde; DELESP/GO – entrevista por correio eletrônico com o delegado titular e o escrivão da referida unidade; CV de Campinas – entrevista com os servidores policiais da unidade; CV de Presidente Prudente – entrevista com servidor policial da unidade; CCASP – participação na 66º reunião da CCASP. Entrevistas realizadas em diversos locais com seis membros do órgão: três representantes das empresas de segurança privada (ABREVIS, ABCFAV e FENAVIST), representantes de duas entidades dos trabalhadores de segurança privada (CNTV e ABSO) e o representante dos trabalhadores bancários (CNB). Normas (Principais)

Lei nº. 7.102/83, atualizada pelas leis nº. 8.863/94 e nº. 9.017/95; Decreto nº. 89.056/83, atualizado pelo Decreto nº. 1.592/95; Portaria nº. 992/95-DG-DPF;

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Portaria nº. 387/06-DG-DPF; Portaria nº. 277/98-DG-DPF; Lei nº. 10.826/03 (Estatuto do Desarmamento); Relatórios/Estudos

Relatório Descritivo: Pesquisa do Perfil Organizacional das Guardas Municipais (2003); Relatórios do Departamento de Polícia Federal (2000, 2004 e 2006); Relatório de Execuções Sumárias no Brasil – 1997/2003, do Centro de Justiça Global e Núcleo de Estudos Negros (2003); Relatório Anual FENAVIST (2002); 2º Estudo do Setor de Segurança Privada (2º ESSEG). FENAVIST/Mezzo Planejamento. 2º ed., São Paulo: Editora Segmento Ltda, 2005; “Quem Vigia os Vigias?”. Estudo desenvolvido pela CAP-SSP/SP, em junho de 2004, a partir dos dados do INFOCRIM; Plano Nacional de Segurança Pública (PNSP) da gestão 2002-2006; Jornais e Revistas O Globo: 24/05/2005; Folha de São Paulo: 27/10/2005; 26/10/2005 e 13/02/2006. Carta Capita, ano IX, nº. 228, 19/02/ 2003; Revista do SESVESP. São Paulo: Ano 10, nº. 73, julho/agosto de 2006; Revista FENAVIST, Brasília, Ano III, nº. 4, agosto de 2005; Revista FENAVIST, Brasília, Ano III, nº. 17, março de 2005; Revista FENAVIST, Brasília, fevereiro de 2006; Revista Segurança Privada, SINDESP-RJ, nº. 5, 2006, p. 20 e 21. Revista Segurança Privada, SINDESP-RJ, nº. 11, 2006, p. 10.

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ANEXOS Anexo 1: Roteiro utilizado para as entrevista na Polícia Federal:

Histórico do DPF na normatização, controle e fiscalização da segurança privada

1 - Nesses quase 10 anos de existência do setor que assumiu as responsabilidades de normatizar, controlar e fiscalizar a segurança privada - antiga Divisão de Controle de Segurança Privada/DCSP e hoje Coordenadoria Geral de Controle de Segurança Privada/CGCSP, DELESP e Comissões de Vistoria/CV -, quais foram os avanços obtidos e dificuldades que o DPF encontrou e, porventura, ainda encontra em termos de:

a) recursos orçamentários e materiais (espaço físico, computadores, softwares, etc)?

b) recursos humanos?

c) normatividade (legalidade e legitimidade) para o desempenho adequado das funções?

d) na relação com os representantes das classes empresarial, obreira e demais envolvidos com o setor de segurança privada?

2 – Entre 1996 e 2006 foi firmado algum convênio entre o DPF e as Secretarias Estaduais de Segurança Pública/SSPs para que estas realizassem a fiscalização da segurança privada? 3 - A transformação da DCSP em CGCSP, em 2001, trouxe quais conseqüências para o trabalho do DPF de normatizar, controlar e fiscalizar as empresas e agentes de segurança privada?

A estrutura brasileira de controle da segurança privada

4 - Vê algum problema na estrutura institucional atual de controle e fiscalização da segurança privada? Quais? 5 - Como avalia os diagnósticos e propostas do Plano Nacional de Segurança Pública/PNSP do governo Lula relativas ao setor de segurança privada, as principais sendo:

a) Diagnóstico: “absoluta incapacidade da Polícia Federal de fiscalizar a segurança privada em todo o país”. Proposta: descentralizar e desburocratizar o controle e a fiscalização da segurança privada, transferido essas funções para os estados e municípios, reservando ao MJ, através do DPF, a função reguladora e coordenadora da atividade no país, bem como a responsabilidade direta por fiscalizar os serviços de segurança prestados em órgãos públicos federais e em áreas sob a jurisdição da União.

b) Diagnóstico: “Baixa escolaridade, baixa qualificação e treinamento deficiente da maior parte dos trabalhadores de segurança privada”. Proposta: elevar as exigências educacionais para o ingresso na profissão de vigilante para o 1º grau e instituir a obrigatoriedade de que o treinamento anual e a requalificação dos vigilantes passem a serem realizados pelas PMs.

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200

c) Diagnóstico: “falta de mecanismos que garantam a responsabilização e prestação de contas dos agentes e empresas de segurança privada”. Proposta: exigir que as empresas apresentem anualmente relatórios anuais de suas atividades, e instituir obrigatoriedade de tarja no uniforme contendo o nome do vigilante.

6 - No que diz respeito à existência e funcionamento da Comissão Consultiva para Assuntos de Segurança Privada/CCASP,

a) quais seriam os pontos positivos e (eventualmente) negativos na existência deste órgão colegiado?

b) através deste colegiado as entidades representativas dos empresários, trabalhadores e demais agentes relacionados ao setor de segurança privada têm colaborado com o DPF nas tarefas de normatizar, controlar e fiscalizar os serviços de segurança privada? De que modo isso tem ocorrido?

c) têm ocorrido conflitos freqüentes entre os pareceres da CGCSP e as deliberações da CCASP? Caso sim, quais são os temas que mais provocam divergências entre o DPF e os membros da CCASP?

Características organizacionais da CGCSP, DELESP e CV

7 - Em relação aos funcionários do DPF que atuam no setor de segurança,

a) quantos integram a equipe da CGCSP e segundo quais processos e critérios são nomeados?

b) quantos integram as 27 DELESP existentes no país, como eles estão distribuídos nestas delegacias, e segundo quais processos e critérios são nomeados?

c) quantos integram as CV e quantas CV existem nos respectivos estados da federação?

8 - A equipe da CGCSP, das DELESP e CV passam por algum tipo de treinamento? Com que freqüência isto normalmente ocorre? 9 - A CGCSP realiza estudos ou diagnósticos próprios sobre o setor de segurança privada com o objetivo de formular e implementar políticas de fiscalização e controle? Caso sim, quais aspectos normalmente são avaliados nesses estudos ou diagnósticos? 10 - A CGCSP faz avaliações sistemáticas a respeito da eficácia das ações de controle e fiscalização sobre a segurança privada? Caso sim, com base em quais critérios essas avaliações são realizadas? (número de operações especiais realizadas, número de autos de infração lavrados, número de empresas autuadas, etc) 11 - Como é feita a coordenação e supervisão das atividades desenvolvidas pelas DELESP e CV?

Orientação das ações de controle e fiscalização

12 - As metas que a CGCSP devem cumprir são definidas de quanto em quanto tempo? Quais são as principais metas e prioridades que a atual Diretoria Executiva definiu para a CGCSP?

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201

13 - Além das vistorias solicitadas e das fiscalizações anuais que devem ser realizadas, a CGCSP tem planejado e determinado que as DELESP e CV realizem operações especiais para fiscalizar o setor de segurança privada? Caso sim, existe alguma prioridade sobre o tipo de operações que devem ser realizadas? Por exemplo, existe a preocupação de que essas eventuais operações concentrem-se no combate às empresas clandestinas, ou nas grandes empresas regulares, ou ainda num ou noutro dos 6 segmentos que formam a segurança privada no Brasil? 14 - Em relação à clandestinidade no setor de segurança privada,

a) como ela tem sido combatida?

b) quais as características do universo clandestino da segurança privada no Brasil? A segurança provida pelas autodenominadas empresas de segurança comunitária (ou guardas noturnas) e vigias de rua (ou agentes de segurança comunitária) é considerada um tipo de segurança privada clandestina?

c) como vê o caso do estado de São Paulo, onde a Lei estadual nº. 11.275/02 autorizou a constituição de “guardas noturnas particulares” e a atuação de “agentes de segurança privada para guardas de rua”?

Mudanças Recentes

15 - Há alguma relação direta entre as mudanças recentes introduzidas pelo DPF para melhorar as regras (Portaria 387/06) e o controle do setor de segurança privada (GESP, descentralização das reuniões da CCASP, etc) e o PNSP do atual governo? Ou há apenas a convergência entre algumas metas e princípios formulados no PNSP e medidas e ações que já vinham sendo gestadas no interior do DPF? 16 - De quem partiu a idéia e a iniciativa para as mudanças na Portaria 992/95 e Lei 7.102/83? 17 - Por que os grupos de trabalho que se formaram anteriormente com o objetivo de atualizar a Portaria 992/95 fracassaram? 18 - No processo de elaboração da portaria 387/06 e da minuta do “Estatuto da Segurança Privada” entregue ao senador Romeu Tuma no segundo semestre de 2005, houve pontos de divergência e disputas entre o DPF e os segmentos que representam o setor de segurança privada? Quais foram esses pontos? Roteiro utilizado para as entrevistas com os membros da CCASP

Iniciativas dos sindicatos para o controle e a fiscalização da segurança privada

1 - Como avalia o papel dos sindicatos e das associações no papel de ajudar no controle, fiscalização e melhoria da qualidade da segurança privada? Eles têm ajudado de algum modo a Polícia Federal na tarefa de fiscalizar, controlar e manter a qualidade dos serviços de segurança privada no Brasil?

a) É possível fazer mais? Onde é possível melhorar?

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b) Existe alguma dificuldade organizacional da parte dos sindicatos para que realizem essas tarefas? (fragmentação, ausência de uma política unitária, ou de uma política focada).

2 - Os cursos de formação e reciclagem de vigilantes têm sido fiscalizados pelos sindicatos, conforme previsto em lei? 3 - Qual tem sido a postura dos Sindicatos diante das clandestinas?

4 - Quais as características e dificuldades de se controlar esse universo clandestino? Quais atividades estão incluídas nesse universo?

a) A segurança comunitária é um tipo de segurança privada clandestina? Como vê o caso do estado de São Paulo, onde a Lei estadual nº. 11.275/02 autorizou a constituição de “guardas noturnas particulares” e a atuação de “agentes de segurança privada para guardas de rua”? Como vê a proposta do senador Paulo Octávio, que regulamenta os serviços de vigilância comunitária em áreas residenciais?

b) Como vê o problema dos agentes de segurança pública no mercado clandestino? Esta é uma particularidade do mercado brasileiro de segurança?

c) Como vê a proposta de tentar acabar com esse problema através de uma fundação que agenciaria os policiais no interior das corporações para prestarem serviços de policiamento privado?

Avaliação do controle e da fiscalização realizada pela Polícia Federal.

5 - Como avalia o trabalho do DPF no cumprimento da missão de regular, controlar e fiscalizar a segurança privada no Brasil?

a) Vê melhoras desde 1995? Quais?

b) Viu mudanças com a transformação da Divisão de Controle de Segurança Privada/DCSP em CGCSP?

c) Como vê a cobrança de taxas por parte da Polícia Federal para o cumprimento das funções reguladoras, fiscalizadoras e controladoras?

d) Considera que a Polícia Federal tem realizado uma fiscalização mais rígida sobre o mercado legal porque tem o interesse em aumentar a arrecadação para a instituição?

6 - Como vê a estrutura institucional atual de controle da segurança privada? (CGCSP, DELESP e C.V)

a) Considera este um modelo adequado, capaz de controlar e fiscalizar o setor de segurança privada, sobretudo o mercado clandestino?

7 - Como avalia a existência da CCASP nesta estrutura? 8 - Como foi o processo para que a entidade adquirisse assento na CCASP? 9 - Considera a composição atual adequada?

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10 - Como tem sido a relação da entidade com a Polícia Federal e outros membros da CCASP? Tem sido uma relação amistosa, de parceria, ou conflituosa? Em torno de quais questões têm ocorrido parcerias ou disputas? Isso sempre foi assim? 11 - E como tem sido a relação da entidade com os órgãos regionais do DPF (DELESP e C.V)?

Estrutura normativa e institucional para o controle da segurança privada

12 - Com a Portaria 387 mudanças ocorreram nas regras que regulam o setor de segurança privada. Recentemente as entidades também encaminharam ao Senado proposta de P.L para reformular a legislação do setor. De quem partiu a idéia e a iniciativa de mudança da Lei 7.102 e proposição da Portaria 387? Por que razão isso ocorreu? 13 - Qual foi a participação da entidade nesse processo? 14 - Onde acha que a Portaria 387/06 avançou, regrediu, e onde mais poderia ter avançado?

a) O que achou das mudanças introduzidas pela portaria 387/06 no que diz respeito ao treinamento e educação dos vigilantes?

b) Houve também pequenas mudanças nos critérios para aquisição de armas. Elas foram significativas? Como vê as mudanças?

15 - Quais as principais mudanças propostas na minuta do “Estatuto da Segurança Privada”, que em 2005 foi entregue ao senador Romeu Tuma?

a) Quais foram os pontos de disputa no processo de elaboração da minuta do Estatuto da Segurança Privada?

16 - Como vê as propostas do PNSP do governo Lula relativas ao setor de segurança privada, as principais sendo de algum modo contempladas pelo P.L do senador Tasso Jereissati?

a) Descentralização do controle b) Transferência do treinamento e da qualificação das vigilantes para as PMs c) Exigências de Relatórios Anuais sobre as atividades da empresa e dos vigilantes; d) Obrigatoriedade de tarja no uniforme do vigilante.

17 - Como vê o modelo alternativo de controle e fiscalização da segurança privada, conforme proposto pelo P.L do senador Tasso Jereissati?

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204

Anexo 2

DIRETORIA DE GESTÃO

DE PESSOAL DGP

DIRETORIA DEADMINISTRAÇÃO E

LOGÍSTICA POLICIALDLOG

DIRETORIA EXECUTIVA

DIREX

CORREGEDORIA-GERAL DA POLÍCIA FEDERAL

COGER

CONSELHO SUPERIOR DE POLÍCIA

CSP

CONSELHO DE ÉTICA E DISCIPLINA

CED

ASSESSOR DE CONTROLE INTERNO

ASSISTENTE

ASSISTENTE DE RELAÇÕES INTERNACIONAIS

ASSESSOR JURÍDICO

GABINETEGAB

27 SUPERINTENDÊNCIAS REGIONAISDAS 101.3

3 ADIDOS POLICIAIS FEDERAIS E 3 AUXILIARES JUNTO À

REPRESENTAÇÕES DIPLOMÁTICAS (ARGENTINA, COLÔMBIA E PARAGUAI)

ASSISTENTE PARLAMENTAR

AUXILIAR

DIRETOR-GERAL DG

DIRETORIA DEINTELIGÊNCIA

POLÍCIAL DIP

DIRETORIA TÉCNICO-

CIENTÍFICA DITEC

DIRETORIA DE COMBATE AO CRIME ORGANIZADO

DCOR

OOrrggaannooggrraammaa GGeerraall ddoo DDPPFF

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205

Anexo 3

Organograma da Diretoria Executiva e Coordenação-Geral de Controle de Segurança Privada

SEINC DAS 101.1

DIRETORIA EXECUTIVADIREX

COORDENAÇÃO-GERAL DE

POLÍCIA FAZENDÁRIA CGPFAZ

COORDENAÇÃO-GERAL DE POLÍCIA DE IMIGRAÇÃO

CGPI

COORDENAÇÃO-GERAL DECONTROLE DE SEGURANÇA

PRIVADA CGCSP

DDH DAS 101.2

ASSISTENTE

COORDENAÇÃO-GERAL DEPOLICIA CRIMINAL INTERNACIONAL

INTERPOL

COORDENAÇÃO DE OPERAÇÕES

ESPECIAIS DE FRONTEIRA

COESF DAS 101.3

SET DAS 101.1

SOT DAS 101.1

COORDENAÇÃO DE OPERAÇÕES

TÁTICAS COT

DAS 101.3

SMAN DAS 101.1

SOAR DAS 101.1

COORDENAÇÃO DE AVIAÇÃO

OPERACIONAL CAOP

DAS 101.3

COORDENAÇÃO-GERAL DE

DEFESA INSTITUCIONAL CGDI

DASPDAS 101.2

(*) DCFDAS 101.2

SPHE DAS 101.1

DSD DAS 101.2

SETRAF DAS 101.1

DFAZDAS 101.2

DPREVDAS 101.2

DMAPHDAS 101.2

SA DAS 101.1

SELP DAS 101.1

SIC DAS 101.1

SDPI FG - 2

SO FG -2

SELOG DAS 101.1

DPIDAS 101.2

DCIMDAS 101.2

DICRE DAS 101.2

DPREC DAS 101.2

DPAS DAS 101.2

SA FG-2

(*) DAPEX DAS 101.2

SAD FG - 2

SERAM – SERVIÇO REGIONAL DA AMAZÔNIA SEROESTE – SERVIÇO REGIONAL OESTE SERSUL – SERVIÇO REGIONAL SUL SET – SERVIÇO DE ESTRATÉGIAS TÁTICAS SOT – SERVIÇO DE OPERAÇÕES TÁTICAS SMAN – SERVIÇO DE MANUTENÇÃO SOAR – SERVIÇO DE OPERAÇÕES AEREAS

DDH – DIVISÃO DE DIREITOS HUMANOS DSP – DIVISÃO DE ASSUNTOS SOCIAIS E POLÍTICOS SO – SETOR DE OPERAÇÕES DSD – DIVISÃO DE SEGURANÇA DE DIGNITÁRIOS SPHE – SERVIÇO DE PROTEÇÃO AOS DIREITOS HUMANOS E AO DEPOENTE ESPECIAL SETRAF – SERVIÇO DE REPRESSÃO AO TRABALHO FORÇADO SEINC – SERVIÇO DE REPRESSÃO A CRIMES CONTRA COMUNIDADES INDÍGENAS DFAZ – DIVISÃO DE REPRESSÃO A CRIMES FAZENDÁRIOS

DPREV – DIVISÃO DE REPRESSÃO A CRIMES PREVIDENCIÁRIOS DMAPH – DIVISÃO DE REPRESSÃO A CRIMES CONTRA O MEIO-AMBIENTE E AO PATRIMÔNIO HISTÓRICO SELP – SERVIÇO DE ESTUDOS, LEGISLAÇÃO E PARECERES SIC – SERVIÇO DE INTELIGÊNCIA E CONTRA-INTELIGÊNCIA SA – SERVIÇO DE ADMINISTRAÇÃO

DPI – DIVISÃO DE COOPERAÇÃO E OPERAÇÕES POLICIAIS INTERNACIONAIS SELOG – SERVIÇO DE LOGÍSTICA SDPI – SETOR DE DIFUSÕES E DE PROCURADOS INTERNACIONAIS DCIM – DIVISÃO DE CONTROLE DE IMIGRAÇÃO DICRE – DIVISÃO DE CADASTRO E REGISTRO DE ESTRANGEIROS DPREC – DIVISÃO POLICIAL DE RETIRADAS COMPULSÓRIAS DPAS – DIVISÃO DE PASSAPORTES SAD – SETOR DE ANÁLISE DE DADOS

DELP - DIVISÃO DE ESTUDOS, LEGISLAÇÃO E PARECERES SA – SETOR DE ADMINISTRAÇÃO DCF - DIVISÃO DE CONTROLE E FISCALIZAÇÃO DAPEX – DIVISÃO DE ANÁLISE DE PROCESSOS E EXPEDIÇÃO DE DOCUMENTOS

OBS.: A PORTARIA Nº /2003-DG/DPF, DE DE 2003, TRANSFERE A VINCULAÇÃO ADMINISTRATIVA DA: (*) DCF DA COESF PARA A CGCSP; (*) DELP DA COESF PARA A CGCSP; (*) DAPEX DA COESF PARA A CGCSP;

(*) DELPDAS 101.2

(**)

(**)(**) SERAM DAS 101.1

(**) SEROESTE DAS 101.1

(**) SERSUL DAS 101.1

(*) (*) (*)

(**)

OBS.: A PORTARIA Nº /2003-DG/DPF, DE DE 2003, TRANSFERE A VINCULAÇÃO ADMINISTRATIVA DA: (**) SERAM DA CGCSP PARA A COESF; (**) SERO DA CGSCP PARA A COESF; (**) SERSUL DA CGDI PARA A COESF.

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Anexo 4

Distribuição Espacial das DELESP/SR e CV/DPF

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207

Anexo 5

PLANO DE METAS ANUAL - PMA

UNIDADE ORGANIZACIONAL: DELESP/CV/SR/DPF/MT

PRAZO

META JUSTIFICATIVA EXECU- TOR

AÇÃO PRIORI DADE

CUSTO C M L

01 Realizar vistorias em Estabelecimen-

tos Financeiros na região norte do Estado.

De acordo com os vencimentos das Portarias, deverão ser vistoriados as agências e postos de atendimento, visando a renovação dos Planos de Segurança. Conforme exigências prevista na Lei n.º 7,102/83 e legislações complementares.

CV/SR/MT Elaborar plano de operação definido os locais de atuação, com elementos de despesa para execução da operação.

1 A definir

X X

02 Promover

notificações aos

Estabeleci-

mentos Financeiros que ainda não apresentaram Planos de Segurança.

Localizar e notificar as agências bancárias que estão concentradas no interior do Estado e estão desprovidas de Plano de Segurança .

CV/SR/MT Elaborar Planejamento Operacional. Elaborar Ordem de Missão Policial.

1 A definir

X

03 Vistoriar empresas de serviços orgânicos na região norte do Estado.

Proceder vistorias nas instalações das empresas visando a renovação do alvará de funcionamento na atividade orgânica.

CV/SR/MT Elaborar Ordem de Missão.

1 A definir

X X

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208

04 Proceder vistorias em Estabelecimentos Financeiros nas cidades circunvizinhas desta capital, área denominada baixada cuiabana

Conforme requerimentos de agências e postos de atendimento, visando a aprovação de Planos de Segurança.

CV/SR/MT Elaborar Ordem de Missão.

1 A definir

X X

05 Proceder vistoria em empresa especializada, que atuam na atividade de vigilância, transporte de valores, nesta capital

Conforme o vencimento da renovação da autorização para funcionamento da empresa especilizada, com filial estabelecida nesta capital.

CV/SR/MT Analisar os documentos apresentados e confrontar quando da vistoria “in loco”.

1 Zero X X X

06 Acompanhar os cursos de Formação Básica de Vigilantes

Conforme apresentação de candidatos matriculados em empresas de cursos e comunicados à Comissão de Vistoria

CV/SR/MT Relacionar todos os candidatos ao curso de vigilantes e verificar seus antecedentes criminais.

1 Zero X X X

07 Analisar processo requerendo compra de armas e munições e petrechos para recarga de empresas de Segurança Privada.

Atender aos requerimentos de empresas de Segurança Privada, saneando-os e analisando-os mediante parecer e encaminhá-los a Divisão competente

CV/SR/MT Elaborar parecer conclusivo, dentro dos ritos estabelecidos na legislação em vigor.

1 Zero X X X

08 Autorizar transporte de armas e munições de propriedade de empresas especializadas, para os postos de serviços dentro do Estado

Atender aos requerimentos das várias empresas especializadas em vigilância e transporte de valores, visando o suprimento dos postos de serviços em outros municípios do Estado.

CV/SR/MT Fornecer autorização, após verificação no SINARM/SIS-VIP. Análise do processo quanto aos dados informados

1 Zero X X X

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209

09 Proceder vistoria em empresa especializada.

Conforme o vencimento da autorização para funcionamento de empresas de vigilância e transporte de valores, sediadas nesta capital, solicitando vistoria nas suas instalação, visando a renovação do alvará de funcionamento.

CV/SR/MT Analisar os documentos apresentados e confrontar quando da vistoria “in loco”. Emitir parecer e encaminhar o processo à DCSP.

1 Zero X X X

10 Notificar estabelecimentos financeiros que estão em atraso com o plano de segurança.

Fazer levantamentos das agências em atraso e notificá-las a apresentar os planos de segurança.

CV/SR/MT Notificar os gerentes ou responsáveis por cada agência bancária.

1 A definir

X X X

11 Autuar as empresas especializadas, empresas orgânicas e estabelecimentos financeiros

Pela prática de infrações a dispositivos da Lei 7.102/83 e normas regulamentadoras.

CV/SR/MT Comprovada a irregularidade, lavrar o Auto de Constatação de Infração, com e apuração através de procedimento administrativo

1 A definir

X X X

12 Proceder vistoria nas empresas do interior do Estado que possuam Serviço Orgânico de Segurança autorizado pelo DPF

Requerimento de solicitação de renovação do Alvará de Funcionamento, conforme expresso na Portaria n.º 992/95-DG/DPF

CV/SR/MT Planejamento Operacional. Elaboração de Ordem de Missão Policial

1 A definir

X X X

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210

13 Vistoriar todos os veículos especiais de propriedade das empresas especializada na atividade de transporte de valores, nesta capital e interior do Estado.

Em atendimento aos requerimentos protocolizadas pela as empresas nesta SR/MT

CV/SR/MT Análise dos processos. Vistoria dos Veículo. Expedição do Certificado de Vistoria, com observação de restrição quanto à repontenciali- zação de tetos e pisos.

1 A definir

X X X

14 Proceder vistorias nos Estabelecimentos Financeiros nas cidades localizadas na região médio norte deste Estado

Conforme requerimentos de agências e postos de atendimento, visando a aprovação de Planos de Segurança.

CV/SR/MT Elaborar Ordem de Missão Policial. Fazer Planejamento Operacional para o cumprimento.

1 A definir

X

15 Formalizar os processos mediante a análise documental referente à expedição de Carteiras Nacional de Vigilante

Em atendimento dos requerimentos encaminhados a esta CV/SR/MT, oriundos das empresas e do Sindicato dos Vigilantes.

CV/SR/MT Analisar dentro dos parâmetros da Portaria n.º 891/99-DG/DPF. Fazer pesquisas individualiza-da de cada vigilante, nos sistemas de controle interno e SISVIP.

1 Zero X

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211

16 Proceder vistorias em empresas que pretendem constituir-se na atividade de Segurança Privada, nesta capital e interior do Estado.

Em atendimento da solicitação de vistoria prévia nas suas instalações físicas.

CV/SR/MT Efetuar vistoria de acordo com o estabelecido na Portaria n.º 1.129/95-DG/DPF. Analisar processo mediante parecer técnico e sugerindo a autorização do Alvará de Funcionamen-to à CGCSP/DPF/DPF.

1 A definir

X

17 Proceder diligências nesta capital e interior do Estado visando o encerramento de empresas clandestinas na atividade de Segurança Privada.

Em cumprimento de ofício ou atendendo denúncias das entidades classistas e/ou outros órgãos de segurança, pessoas físicas e empresas contratantes dos serviços.

CV/SR/MT Elaborar Planejamento Operacional. Preparar Notificações e Roteiros. Elaborar Ordem de Missão Policial.

1 A definir

X

18 Proceder vistorias em Outras Instalações e/ou Escritórios Operacionais pertencentes a empresas especializadas e localizadas no interior do Estado

No sentindo de atender aos requerimentos protocolizados nesta SR/MT, com solicitações de vistorias.

CV/SR/MT Elaborar Ordem de Missão Policial. Vistoriar as instalações obedecendo os critérios da Portaria 992/95 e 1.129/95, ambas do DG/DPF. Expedir Certificado de Segurança.

1 A definir

X X X

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212

19 Proceder o recolhimento sob custódia nesta SR/MT, de armas, munições e petrechos para recarga pertencentes à empresas de Segurança Privada.

Em cumprimento aos ditames da Lei n.º 7.102/83 e demais normas atinentes.

CV/SR/MT -Após publicação do ato de encerramento no D.O .U. , e/ou Emissão de Portaria de cancelamento Elaborar OMP

1 A definir

X X X

20 Remeter ao SFPC/MEX., o material controlado e descrito no item 19.

Após expiração do prazo previsto para transferência do material para outra empresa da mesma atividade, em observação à legislação em vigor.

CV/SR/MT Fazer levantamento do material por marca, espécie e calibre, conforme o caso. Elaborar ofício ao órgão competente, SFPF/MEX.

1 Zero X X X

21 Analisar processos das empresas especializadas referentes o transporte interestadual de armas e munições.

Processos protocolizados nesta SR/MT, oriundos das empresas especializadas, visando o transporte de armas e munições para as filiais ou matrizes em outros Estados.

CV/SR/MT Solicitar informação da CV, a qual a empresa destinatária do material está subordinada, quanto à necessidade operacional. Expedir a Guia para Trânsito Interestadual.

1 Zero X X X

22 Efetuar pesquisas no SINIC de candidatos ao Curso de Formação Básica de Vigilantes.

Após recebido os dados dos candidatos fornecidos pelas empresas de cursos, serão pesquisados nominalmente visando detectar se possuem registros de antecedentes criminais.

CV/SR/MT -Analisar cada situação conforme a tipificação do crime. -Solicitar certidão da vara criminal responsável pelo processo.

1 Zero X X X