como sair da ilha da minha consciencia. tese
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Tese. FilosofiaTRANSCRIPT
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ALEX FABIANO CORREIA JARDIM
COMO SAIR DA ILHA DA MINHA CONSCINCIA: Gilles Deleuze e uma crtica subjetividade
transcendental em Edmund Husserl
Tese apresentada ao Programa de Ps-Graduao em Filosofia e Metodologia da Cincia da UFSCar/SP para fins de obteno do ttulo de Doutor em Filosofia sob orientao do Prof. Dr. Bento Prado de Almeida Ferraz Jnior e Profa. Dra. Silene Torres Marques.
So Carlos, 2007.
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Ficha catalogrfica elaborada pelo DePT da Biblioteca Comunitria/UFSCar
J37cs
Jardim, Alex Fabiano Correia. Como sair da ilha da minha conscincia : Gilles Deleuze e uma crtica subjetividade transcendental em Edmund Husserl / Alex Fabiano Correia Jardim. -- So Carlos : UFSCar, 2007. 208 f. Tese (Doutorado) -- Universidade Federal de So Carlos, 2007. 1. Filosofia contempornea. 2. Fenomenologia. 3. Plano de imanncia. 4. Subjetividade transcendental. 5. Gnese ativa e gnese passiva. 6. Dissoluo da forma-eu. I. Ttulo. CDD: 190 (20a)
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BANCA EXAMINADORA:
Profa.Dra. Silene Torres Marques _____________________________________
Profa.Dra.Dbora Cristina M. Pinto_____________________________________
Prof.Dr.Luiz Benedicto L. Orlandi______________________________________
Prof.Dr.Eladio Constantino P. Craia____________________________________
Prof.Dr.Hlio Rebello C. Junior________________________________________
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Ao escrevermos, como evitar que escrevamos sobre
aquilo que no sabemos ou que sabemos mal?
necessariamente neste ponto que imaginamos ter
algo a dizer. S escrevemos na extremidade de nosso
prprio saber, nesta ponta extrema que separa nosso
saber e nossa ignorncia e que transforma um no
outro. s deste modo que somos determinados a
escrever. Suprir a ignorncia transferir a escrita
para depois ou, antes, torn-la impossvel. Talvez
tenhamos a, entre a escrita e a ignorncia, uma
relao ainda mais ameaadora que a relao
geralmente apontada entre a escrita e a morte, entre a
escrita e o silncio. Falamos, pois, de cincia, mas de
uma maneira que, infelizmente, sentimos no ser
cientfica.
Gilles Deleuze
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AGRADECIMENTOS
Agradeo FAPEMIG Fundao de Apoio a Pesquisa no Estado de Minas Gerais pela ajuda financeira durante desenvolvimento da Tese; Universidade Estadual de Montes Claros UNIMONTES pela confiana, onde estudei e hoje sou Professor, em especial ao Dapartamento de Filosofia da Universidade que permitiu a minha liberao;
Pro-Reitoria de Pesquisa, na pessoa do Prof. Mario Mello pelo constante esforo durante a sua gesto na qualificao dos docentes da Universidade; Fui contemplado com esse esforo;
Agradeo Professora Silene Marques pelo acollhimento do meu trabalho e pelo carinho e preocupao que demonstrou ao receber a tarefa de me ajudar chegar ao final da minha jornada; Agradeo Professora Anete Abramowicz pelo apoio desde os tempos de mestrado. Tenho respeito e carinho por ela.
Ao Departamento de Filosofia da UFSCar, aos Professores e Secretaria, por sempre se mostrarem dispostos a ajudar sempre que solicitados; Em especial, Dona Rose que com palavras de carinho e incentivo, amenizava o cansao das minhas longas viagens entre Minas e So Carlos;
Aos meus amigos, Cavaleiros do Apocalipse, Ildenilson e Pricles, pelas longas conversaes filosficas e pelas aulas em que elas se transformavam para mim;
Agradeo aos formandos de Filosofia da Unimontes do ano de 2005, pela pacincia enquanto eu ficava me dividindo entre viagens, disciplinas no doutorado e ministrando curso para eles;
A outros tantos amigos que sempre estiveram comigo, ora discutindo a tematica do meu trabalho, ora em dilogos amenos, e no menos prazerosos, afinal, eram movidos por muito bom humor: Warley, Alessandro, Lea, Zezinho, Luciano, Claudinei, Rogrio e outros. Ao Alessandro e a La um agradecimento especial pela amizade e gentileza que sempre demonstraram comigo e ao Warley, pela
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companhia sempre presente e divertida via net enquanto estive em Paris; sem humor a vida seria invivel;
A Zilma, amiga que durante minha estadia em Paris, cuidou da minha casa com muito carinho.
Obrigado pela companhia e solidariedade dos amigos: Aparecida, Jean Claude, Milton e milie; amizades que conquistei em Paris. A Snia Russo, por ter me recebido em sua casa durante as disciplinas do doutorado e por ter me socorrido no momento em que precisei de livros importantes para a escrita da tese. A estadia era sempre marcada por muita diverso at altas horas da madrugada;
Ao Professor Franois Zourabichvilli, que inicialmente me receberia em Paris. Minhas homenagens pstumas;
Ao Professor David Lapoujade que gentilmente me recebeu para co-orientao na Sorbonne, em substituio ao Professor Zourabichvilli. Com ele, tive o privilgio de chegar um pouco mais perto do Deleuze atravs de um excelente curso que ele ministrou na Universidade de Paris I em 2006;
Ao Professor Renaud Barbaras, pelo carinho e por ter permitido minha participao como aluno de seu curso na Sorbonne sobre Fenomenologia;
Professora Edelzuita, pela traduo para o francs do texto que entreguei ao co-diretor de tese em Paris e pela correo do texto em portugus. Agradeo-a por me encorajar a todo instante e alimentar o meu sonho de um dia ir morar em Paris: pois , no que o menino levou o cheiro do serto para a Europa?
Coordenadora da Biblioteca do ISI Instituto Santo Inacio de Loyola, em Belo Horizonte, Senhora Zita, por ter permitido a realizao de pesquisas bibliograficas importantes para minha pesquisa;
Maraiza Labanca, pela gentileza ao tirar copias para mim de textos sobre Husserl na Biblioteca da UFMG sempre que era preciso, e por ter lido o meu trabalho, feito as correes na escrita para a qualificao. Aos seus pais (e meus tios) Antnio e Lucia; foi no sitio da familia que comecei a escrever as primeiras linhas desse trabalho;
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Agradeo minha familia (pais e irmo). Fao meno especial minha me, figura impar em minha vida, que possui a qualidade de dizer tudo no silncio e no olhar. A ela que sempre sofre com as minhas idas e vindas... Querida, guarde as lagrimas para amanh, o mundo pequeno demais para o tamanho das minhas pernas. Um dia sossego....
Agradeo a minha companheira Claudia. Ela h muito tempo para mim o pouco do possivel. Com certeza, sem ela eu ja teria sucumbido. A voc, minha linda mulher, agradecimentos infinitos...
E por fim (e nunca o fim), agradeo a todos aqueles que dividiram comigo num gole de cachaa do serto do Norte das Minas Gerais a experincia de ler um autor como Gilles Deleuze e os constantes desafios que o seu pensamento exige... Termino essa tese extenuado. Menos pelo que esta escrito, muito mais pelo que foi lido, vivido, pensado e sentido.
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Dedico e Agradeo este trabalho ao Professor Bento
Prado de Almeida Ferraz Junior, filsofo poeta e
contador de histrias, de quem tive a felicidade de ser
orientando. Caro Professor Bento, voc o exemplo
mais transparente possivel daquilo que Espinosa
chamou de beatitude.
Ave Bento!
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RESUMO
JARDIM, Alex Fabiano Correia. Como sair da ilha da minha conscincia: Gilles Deleuze e uma crtica subjetividade transcendental em Edmund Husserl. Universidade Federal de So Carlos. Orientador: Prof. Dr. Bento Prado de Almeida Ferraz Junior. Profa. Dra. Silene Torres Marques (Tese de Doutorado). Palavras-chaves: subjetividade transcendental, fenomenologia, plano de imanncia, hecceidade, pr-individualidade, dissoluo da forma-eu, novas formas de vida, gnese ativa e gnese passiva.
O trabalho tem como temtica apresentar uma crtica fenomenologia de Edmund Husserl atravs do pensamento de Gilles Deleuze. Todo percurso filosfico desses dois autores foi bastante distinto, pois cada um, sua maneira, tratou da problemtica do sujeito de maneira diferenciada, ambos tendo o problema da gnese (ora ativa, ora passiva) como campo conceitual problematico para o estabelecimento de uma imagem do pensamento. Uma srie de conversaes possibilitou o desenvolvimento do tema, como por exemplo, a importncia da filosofia de Gilbert Simondon para Deleuze constituir sua critica em relao noo de campo transcendental ou filosofia do sujeito, temas preciosos para a fenomenologia. Simondon apresenta uma filosofia dos modos de individuao em lugar de qualquer idia de principio originrio (ou sntese subjetiva). Da, o pleno interesse de Gilles Deleuze pela obra de Simondon como uma travessia do conceito de subjetividade ao conceito de hecceidade. Por fim, a pesquisa se debruar sobre a obra de Michel Tournier, Sexta-feira ou os limbos do Pacfico e da importncia deste texto para apresentarmos o personagem Robinson de Tournier como exemplo claro de duas perspectivas: a fenomenolgica husserliana onde h todo o processo de constituio de doao de sentido Ilha de Speranza via uma conscincia originria, e a anti-fenomenolgica deleuzeana a partir da dissoluo da forma-eu como sntese unificadora do sentido e do estabelecimento da Ilha de Speranza como campo de imanncia puro, absoluto e assubjetivo.
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RESUM JARDIM, Alex Fabiano Correia. Comment sortir de lle de ma conscience: Gilles Deleuze et une critique la subjectivit transcandantale chez Edmund Husserl. Universit Federal de So Carlos. Directeur de thse: Prof. Dr. Bento Prado de Almeida Ferraz Junior. Prof.Dra. Silene torres Marques (Thse du Doctorat). Mots-Cls: Subjectivit transcendantale, phnomnologie, plan dimmanence, hecceit, pr-individualit, dissolution de la forme-je, nouvelles formes de vie, gense active et gense passive.
Le travail a comme thme la prsentation dune critique la phnomnologie dEdmund Husserl, travers la pense de Gilles Deleuze. Tout le parcours philosophique de ces deux auteurs a t remarquable, tant donn le fait que chacun sa propre manire, a parl de la problmatique du sujet de faon diffrente, tous les deux possdant le problme de la gense ( tantt active, tantt passive) comme champ conceptuel pour ltablissement dune image de la pense . Une srie de conversations a possibilit le dveloppement du thme, par exemple, limportance de la philosophie de Gilbert Simondon, pour que Deleuze structure sa critique par rapport la notion de champ transcendantal ou une philosophie du sujet, des propos prcieux pour la phnomnologie. Simondon prsente une philosophie des moyens dindividuation au lieu de nimporte quelle ide de principe originaire (ou synthse subjective). Donc, le complet intrt de Gilles Deleuze vis--vis luvre de Simondon, en tant que traverse du concept de subjectivit au concept dhecceit. Clturant, la recherche se penchera sur luvre de Michel Tournier : Vendredi ou les limbes du Pacifique , et sur limportnce de ce texte pour quon puisse prsenter le personnage Robinson de Tournier comme exemple net de deux perspectives : la phnomnologique husserlienne o il y a un procs constitutif de donation de sens lle de Speranza, voie conscience originaire, et la contre-phnomnologique deleuzienne partir de la dissolution de la forme-je commo synthse unificatrice du sens, et de lablissement de lle de Speranza comme champ dimmanence pur, absolu et non-subjectif.
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SUMRIO
RESUMO.............................................................................................................VIII
RESUM...............................................................................................................IX
INTRODUO......................................................................................................01
1 CAPTULO: Gilles Deleuze e a maquinaria husserliana.......................................................07
2 CAPTULO Da natureza do sujeito enquanto travessia ou a trade conversao: Deleuze, Simondon e Husserl............................................................................72
3 CAPTULO Fenomenologia e anti-fenomenologia na obra Sexta-feira ou os limbos do pacifico: ou de como possivel pensar Tournier luz de Gilles Deleuze para uma critica Husserl.........................................................................................109
4 CONSIDERAES FINAIS........................................................................... 186
5 BIBLIOGRAFIA.............................................................................................. 200
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INTRODUO
No decorrer de seus textos, Gilles Deleuze demonstrou simpatia por vrios
filsofos, mas ser numa espcie de brecha que pesquisaremos sua obra.
Diante de tantos autores que perpassam os escritos de Deleuze, teremos em
Husserl (1859-1938) um tipo de fantasma. Citado raras vezes em Diferena e Repetio (1968), Husserl ocupar um papel de destaque nas discusses desenvolvidas por Deleuze principalmente a partir de 1969 em sua obra Lgica do
Sentido (essa obra considerada por muitos como um tipo de reviso de vrias teses desenvolvidas em Diferena e Repetio, o que justifica ainda mais a ateno que daremos a Husserl). a partir da leitura de Lgica do Sentido que retomamos os textos de Diferena e Repetio e descobrimos que, mesmo no
sendo citados com freqncia, h uma abertura para pensarmos, os problemas
discutidos por Husserl, (por exemplo, a idia do que a filosofia, o pensamento e a crena na idia de um indivduo constituinte do mundo). importante salientar que so poucos aqueles que se propem a realizar uma conversao mais
sistemtica entre Deleuze e Husserl1. Talvez aqui resida a originalidade e
contribuio da pesquisa. Insistimos em acreditar que um pouco de loucura
sempre faz bem a uma tese ou a um trabalho de pesquisa2. Para, de
1 Ressaltamos aqui que foi escrito na Frana um texto do Alain Beaulieu e publicado pela editora
Vrin intitulado: Deleuze et la phnomnologie. Observamos tambm um texto chamado: chos husserliens dans loeuvre de G. Deleuze, escrito por Francisco Jos Martinez e publicado pela Vrin (1988) sob a coordenao de Pierre Verstraeten et Isabelle Stengers numa coletnea de textos que trata do pensamento de Gilles Deleuze. 2 Indicamos a Introduo do texto de Roberto Machado chamado A geografia do pensamento, In.
Deleuze e a Filosofia, Rio de Janeiro: Graal, p.1, 1990. Neste texto, o autor indica o territrio percorrido por Deleuze. Husserl em nenhum momento citado por MACHADO como um autor que mantm uma proximidade com Deleuze. O pensamento de Gilles Deleuze sempre se exerceu em relao a domnios ou objetos heterogneos, tomando em considerao no apenas a filosofia de diferentes pocas, mas tambm as cincias, as artes, a literatura. Alguns de seus estudos so
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alguma forma, tentar justificar a escolha dessa dramaturgia terica (tendo Deleuze e Husserl como protagonistas), a Introduo de O que a Filosofia (1992) nos serviria de suporte. Precisaramos no s de um campo prprio, mas, de personagens conceituais que, necessariamente, no seriam nossos amigos.
Se essas so as condies de possibilidade do pensar, por que no poderamos
dizer o mesmo dos nossos rivais? Daqueles que incitam o jogo da disputa? Essa tenso entre a admirao e a desconfiana que marcar a presena de Husserl
na obra de Deleuze. Nessa direo, Husserl considerado por Deleuze como um
criador de conceito e, se criar conceitos o objeto da filosofia3, ento no h motivos para pens-los de outra maneira que no amigos, amantes, pretendentes
e rivais. Se Deleuze no unifica o seu pensamento com o de Husserl, busca os
desvios necessrios de uma geografia conceitual que mais lhe convm, isso no
o torna menos competente, pelo contrrio, mostra o mrito de seu pensamento e
sua ardilosa qualidade por afastar-se de uma hermenutica e aproximar-se de
uma experimentao. Se Husserl institudo num jogo ambguo de amizade e rivalidade, isso apenas ressalva a potncia de um pensamento como o de Gilles
Deleuze. E a rivalidade husserliana no adentra no mero jogo de palavras insolentes ou mal-criadas. Tanto Husserl, quanto Deleuze tm a Filosofia como o
territrio de que so ardorosos defensores. A rivalidade construtiva e, para
monografias de filsofos: Lucrcio, Leibniz, Espinosa, Hume, Kant, Nietzsche, Bergson, Foucault... Outros dizem respeito a saberes no tecnicamente ou no explicitamente filosficos: so os estudos sobre Proust, Sacher Masoch, Zola, Kafka, Michel Tournier, Carmelo Bene, Francis Bacon, mas tambm sobre o cinema. Um terceiro tipo, finalmente, tematiza um problema ou uma questo a partir da produo filosfica, literria, artstica e at mesmo cientfica: matemtica, fsica, biologia, lingstica, psicanlise, antropologia... Podem a ser situados Diffrence et rptition, Logique du sens, lanti-Oedipe, Mille plateaux (...). O mesmo podemos dizer de outra obra: Deleuze et lhistoire de la philosophie, de Manola Antonioli. A questo a seguinte: Por que Edmund Husserl passa a ser to citado em Lgica do Sentido, sabendo-se que Deleuze no dedicou nenhum estudo especfico e especial a respeito desse autor? E por que Husserl comumente desprezado nos textos/comentrios sobre a obra de Gilles Deleuze como um dos autores com quem ele dialoga diretamente numa de suas principais obras, como em Lgica do Sentido? 3 DELEUZE, 1992, p. 13
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ambos, a Filosofia nunca poderia ser vtima das foras degenerativas do
pensamento, sejam elas as cincias naturais e a psicologia do sculo XIX para Husserl, ou a vergonha de ela ser substituda ou comparada s tolices
particulares de uma disciplina da comunicao, da informtica ou da mera
formao profissional, como salientou Deleuze: desastre absoluto!
Pensar a encruzilhada do pensamento contemporneo. aqui precisamente que entrar em cena a pesquisa, ou seja, um dilogo que nem sempre se mostrar amistoso com a Fenomenologia, talvez pela impotncia
desta filosofia em romper com a forma do senso comum, diz Deleuze. Mesmo
assim, nada impede que os conceitos traados, apesar de constiturem diferentes
histrias, tenham problemas conectveis. O que se estabelece entre Husserl e
Deleuze a problemtica da constituio do sujeito transcendental e a dissoluo, e o silncio daquilo que foi sendo edificado no decorrer do
pensamento moderno: o sujeito e a conscincia em favor de sua constituio no interior dos planos de imanncia, agora, no mais como substncia, mas sim,
modos de individuao. A modernidade se apresenta como sendo o palco a partir
do qual novas questes so afirmadas e novos discursos interrogativos surgem
em busca no de uma verdade revelada; mais do que isso, a modernidade marca
um perodo em que se abre a possibilidade para um pensamento racional
operante, que traz consigo o esprito cientfico de um sujeito constituinte, engrandecido pela descoberta do cogito, de sua identidade enquanto conscincia
pensante, de uma interioridade, de um eu.
Tal acontecimento privilegia a instaurao de uma determinada noo de
subjetividade, que marcar decisivamente toda a histria do pensamento filosfico: o sujeito enquanto unidade, essncia e universalidade. a
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consolidao de noes como interioridade, eu, essncia, decorrentes do
conceito de subjetividade e que servem para caracterizar, dar forma, identificar o que denominamos de sujeito. Mas, no sculo XX que assistimos ao que comumente ficou conhecido como morte do sujeito; a desfigurao da imagem do sujeito, sob a rubrica de uma crise do eu, caindo por terra a definio de um sujeito universal, estvel, unificado, totalizado e totalizante, interiorizado e individualizado.
Neste trabalho, propomos um itinerrio que ter dois nomes que merecero
maior ateno, como j foi dito, Husserl e Deleuze, isto , partiremos de um dos ltimos pensadores a fazer uma filosofia do sujeito at quele em que o sujeito e/ou a subjetividade perde a sua forma (essncia ou substncia necessria) e sua sntese de unificao. Este jogo tenso (justificamos o termo tenso, porque so autores que fazem, ora o revigoramento do sujeito, como Husserl, ora proclamam o seu silncio, como Deleuze), ser cortado pelas consideraes de Gilbert Simondon4 e sua afirmao de uma realidade metaestvel que envolve o mundo e
suas relaes. Explicando melhor, Simondon ser utilizado como fonte onde
Deleuze se inspirar para realizar sua crtica a toda filosofia da conscincia. com Simondon que Deleuze estabelecer (conforme se ver no segundo captulo
4 Nascido em Saint-Etienne em 2 de outubro de 1924, Gilbert Simondon foi professor de Filosofia
no Liceu Descartes de Tour entre 1948 a 1955. Assim como em Filosofia, formou-se tambm em Fsica. Em 1955 tornou-se professor assistente na Universidade de Poitiers. Sua tese de doutorado defendida em 1958 tratou de temas como: Individuao e tambm Dos Objetos Tcnicos. Foi posteriormente professor da Faculdade de Letras e Cincias Humanas de Paris entre 1963 e 1969. E professor de Psicologia da Universidade de Paris V entre 1969 e 1984. Coordenava um laboratrio de Psicologia Geral no Instituto de Psicologia Henri Piron. Morreu em 1989. Suas principais obras so: O indivduo e sua gnese fsico-biolgica (1964); A individuao psquica e coletiva (1989). Ambas constituem duas partes de sua tese principal apresentada em 1958. No podemos nos esquecer sobretudo do texto: Do modo de existncia dos objetos tcnicos.
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deste trabalho) um dilogo necessrio e problemtico rumo a uma crtica numa filosofia do sujeito, haja vista como a natureza das questes de que trata Simondon tocam Deleuze. A crtica desenvolvida por aquele ao sujeito substancial em funo da idia de disparidade, por exemplo.
No primeiro captulo, apresentaremos um pouco a maquinaria husserliana
no que se refere constituio do sujeito transcendental e de como Deleuze se relaciona com tal perspectiva conceitual. Na verdade, o pensamento de Deleuze
tenta, de alguma forma, realizar uma desmontagem da maquinaria husserliana e,
nessa empreitada, algumas peas/conceitos pensados por Husserl recebem
plena aceitao de Deleuze, surpreendendo-nos bastante (basta vermos em algumas sries de Lgica do Sentido de que abordaremos no decorrer do
trabalho). Neste primeiro captulo, tentaremos ressaltar a diferena dos autores ao tratar do problema do transcendental, em especial, a obra Meditaes
Cartesianas. Mas algumas vezes recorreremos tambm s demais obras do autor
que direcionaro nossa pesquisa, por exemplo, Ides directrices pour une
phnomnologie et une philosophie phnomnologique pures e Exprience et
Jugement. E referindo-se a Deleuze, os textos principais sero Lgica do Sentido,
Diferena e Repetio, O que a Filosofia?
No segundo captulo faremos o que chamamos de travessia, isto , as
consideraes crticas de Simondon a respeito do problema do sujeito em funo do conceito de modos de individuao ou campo pr-individual. A obra que
utilizaremos ser Lindividu et sa gnese physico-biologique. Trataremos da
importncia de Simondon no itinerrio conceitual deleuzeano e de como a
perspectiva simondoniana se contrape fortemente ao pensamento de Husserl,
via conceitos como transduo, disparidade, hecceidade, pr-individual etc... Na
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verdade, o que teremos ser uma conversao entre Husserl, Deleuze e
Simondon. O assunto que implicar tal dilogo ser a subjetividade e a ruptura com esse conceito a partir da idia de hecceidade, que se mostrar em Simondon
como uma violncia produzida por um jogo de sries heterogneas, deformando completamente a idia de sentido pensada por Husserl enquanto doao de um
ego e/ou eu central e idealista. Em lugar de um mundo organizado pelas
estruturas da forma e da matria (forma-eu e forma-mundo), elementos genticos de uma ordem, depararemos com a individuao ou um pr-individual, algo que
antecede o indivduo, sem a idia de princpio, fundamento e identidade.
Por fim, no terceiro e ltimo captulo (talvez o mais problemtico), acrescentaremos mais um personagem nossa aventura: Michel Tournier e
especificamente sua obra Sexta-feira ou os limbos do pacfico. Essa obra conta
as aventuras de Robinson Cruso na Ilha de Speranza. Utilizaremos essa obra
no por mero acaso. Atravs dela, indicaremos as transformaes ocorridas em
Robinson Cruso, como exemplo claro de uma grande aventura do esprito.
Exemplo tcito de uma metamorfose, de uma verdadeira travessia entre a
constituio de um eu puro, constituinte e autnomo (neste caso, de um Robinson husserliano / racional e ocidental) desconstituio completa e total do ego, da forma-homem, isto , uma robinsonada radical. Este ser o Robinson
deleuzeano. Apresentaremos o Robinson Cruso de Michel Tournier sob dois
olhares diferenciados e diferenciadores: Husserl e Deleuze. Para Deleuze, essa
mistura extremamente importante para se pensar a possibilidade de novas
formas de vida a partir da dissoluo da estrutura ou forma-eu e dos ndices
egicos que compem a vida
Assim se dar nossa navegao pelas guas do Rio do Aqueronte..
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1 CAPTULO
Gilles Deleuze e a maquinaria husserliana
Os tormentos da obscuridade, da dvida que vacila de um para o outro lado, j bastante os provei. Tenho de chegar a uma ntima firmeza. Sei que se trata de algo grande e imenso; sei que grandes gnios a fracassaram; e, se quisesse com eles comparar-me, deveria de antemo desesperar...
Husserl
Husserl exige um solo para o pensamento, que seria como a terra, na medida em que no se move nem est em repouso, como intuio originria. Vimos, todavia, que a Terra no cessa de operar um movimento de desterritorializao in loco, pelo qual ultrapassa todo territrio: ela desterritorializante e desterritorializada.
Deleuze
Quando Husserl trata do tema da filosofia do sujeito, ele inicia em sua obra Filosofia da Aritmtica -18915- um longo percurso em direo elaborao de um
mtodo que propicie verdades claras sobre o mundo, num esforo de analisar as
categorias matemticas. Nessa obra, conclui Husserl que mesmo os conceitos
objetivos no podem ser compreendidos sem levar em conta as operaes subjetivas atravs das quais se chega ao ser. Podemos observar que a maneira de Husserl tratar o sujeito largamente influenciada pela psicologia, mas se trata, todavia, de uma primeira tentativa de investigao que coloca em jogo ao mesmo tempo os elementos objetivos e subjetivos, lgicos e psicolgicos6. Nessa obra
5 Anterior a essa obra, Husserl escrevera sob a orientao do matemtico Karl Weierstrass, uma
dissertao sobre o clculo das variaes em 1882, mas no publicou. Filosofia da Aritmtica, considerada a primeira obra filosfica de Husserl surgida aps uma orientao dada por Carl Stumpf em 1887. 6 Logo na abertura Prefcio da Filosofia da Aritmtica, Husserl afirma o seu propsito: Depois
que a lgica moderna, ao contrrio da antiga, concebeu a sua verdadeira tarefa como disciplina
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aparece a discusso inicial do mtodo fenomenolgico, modificado
posteriormente, pouco a pouco, a partir das implicaes que o envolvem.
Segundo SCHRER (1982) a histria dos anos que Husserl passou em Halle, de 1887 a 1901, a de uma lenta emancipao. poca de trabalho intenso e difcil, marcada por batalhas tericas at a publicao, em 1891, da Filosofia da
Aritmtica.
Nas Investigaes Lgicas (1900 e 1901), Husserl rompe com a influncia do psicologismo que pretendia fundamentar a lgica e a filosofia na psicologia
experimental7, as Investigaes Lgicas foram para mim uma obra de ruptura, de
irrupo e assim no um fim, mas um comeo. nessa obra que Husserl comea a ver a anlise subjetiva no mais como um complemento necessrio da anlise objetiva, mas de que impossvel se chegar a qualquer tipo de certeza necessria e universal sem a idealidade das significaes, ou seja, tudo que me aparece enquanto elemento transcendente tributrio de uma conscincia
original. As regras lgicas que devem dar as diretrizes para o fundamento da
verdade, ou seja, do como possvel alcanar a objetividade, numa remisso da lgica unidade da experincia (do Eu): reconduzir a experincia subjetividade, clarificar do juzo via intuio, investigar a esfera da prpria intuio, determinar
prtica (como a arte do juzo correto) depois que se esforou por constituir como um de seus fins essenciais uma metodologia geral das cincias, encontrou inmeros e urgentes motivos de interrogar-se com particular ateno sobre o carter dos mtodos matemticos e sobre o carcter lgico de seus conceitos e princpios fundamentais Logo adiante observa que tambm a psicologia moderna se interessou por tais questes, particularmente as que dizem respeito origem psicolgica das representaes do espao, do tempo, do nmero, do contnuo, com resultados nada desprezveis para a metafsica e a lgica. HUSSERL apud BIEMEL, Walter. Les phases dcisives dans le dveloppement de la philosophie de Husserl. In. Cahiers de Royaumont, Philosophie III, Paris, 1959, p. 35 7 O que nas minhas Investigaes Lgicas se designava como fenomenologia psicolgica
descritiva concerne simples esfera das vivncias, segundo o seu contedo incluso. As vivncias so vivncias do eu que vive, e nessa medida referem-se empiricamente s objectidades da natureza. Mas, para uma fenomenologia que pretende ser gnoseolgica, para uma doutrina da essncia do conhecimento (a priori), fica desligada a referncia emprica. Surge assim uma fenomenologia transcendental, que foi efectivamente aquela que se exps em fragmentos, nas Investigaes Lgicas. (Husserl B.II. Husserliana apud BIEMEL, p.14).
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as condies de preenchimento das prprias intuies dos indivduos. Com isso,
Husserl pretende aproximar a noo de sentido ao problema das regras e, numa
afirmao bastante corajosa, traar um novo sentido do subjetivo, como nunca tinha sido pensado antes, levando-o futuramente idia de uma solido da
subjetividade transcendental, da conscincia pura: (...) A fenomenologia nasce da certeza de que toda filosofia moderna permaneceu cega em relao ao verdadeiro significado do subjetivo, apesar do rtulo de filosofias da subjetividade. Ela nasce da certeza de que esse domnio do subjetivo indito o suficiente para no ter sido vislumbrado por ningum. A vida subjetiva em sua essncia prpria dir Husserl nunca foi estudada. O subjetivo nunca foi investigado, apreendido ou concebido. E Descartes no foi o nico a ser cego em relao a ele. Locke e seus sucessores tambm no o vislumbraram. Nem mesmo a filosofia Kantiana o entreviu, apesar de seu projeto de retornar s condies de possibilidade subjetivas do mundo experimentvel e cognoscvel. Nenhuma filosofia jamais tomou como tema o reino do subjetivo e, por isso, nenhuma delas verdadeiramente o descobriu, mesmo que ele opere em toda experincia, em todo o pensamento e em toda vida (HUSSERL apud MOURA: 2001, p.214).
Entre 1906 e 1908, Husserl ministra um curso de Filosofia em Gttingen
cujo ttulo do curso era A Idia de Fenomenologia, publicado, postumamente, em 1950. Segundo Walter Biemel, este curso proporcionou obra de Husserl o que
ficou conhecido como virada idealista, corrigindo a impresso de que somente
nas Idias para uma Fenomenologia Pura e uma Filosofia Fenomenolgica
Husserl se dirigiu ao idealismo8. Para muitos, esta virada correspondeu a uma
queda na especulao e uma ferida nos princpios anteriores, ou seja, as regras
8 Segundo Walter Biemel, o texto A idia de Fenomenologia corresponde a Cinco Lies
pronunciadas por Husserl em Gotinga, de 26 de abril a 2 de maio de 1907. Elas indicam inequivocamente quando procuramos entender em que momento da evoluo espiritual de Husserl elas surgiram, que viragem no seu pensamento representam. Nas Cinco Lies, Husserl expressou pela primeira vez em pblico estas idias, que haviam de determinar todo o seu pensamento ulterior. Nelas oferece uma clara exposio tanto da reduo fenomenolgica como da idia fundamental da constituio dos objetos na conscincia.
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lgicas deveriam nortear o fundamento da verdade. Mas torna-se urgente
ressaltar que, para Husserl, alm das questes que envolvem a epistemologia, o
problema ontolgico se interpe na chamada virada idealista. Qual o olhar que
poderia fazer o aparecer verdadeiramente aparecer? E esse aparecimento
significa: aparecer a quem?
Considerada por muitos sua obra mais importante, Idias para uma
fenomenologia pura e uma filosofia fenomenolgica ( 1913 resultado da virada idealista ), a primeira tentativa para realizar uma fenomenologia universal. Nessa obra ele sistematiza o conceito de reduo via epoch (suspenso do juzo do mundo - colocar o mundo entre parnteses) e apresenta o problema da intencionalidade como elemento de justificao ltima de toda objetividade. A epok justamente o signo dessa radicalidade husserliana. Ela, (epok), interroga a tese da existncia do mundo, convertendo o problema que Husserl
apresenta como sendo a tese do sentido do mundo. A subjetividade transcendental (metodologicamente desvelada aps a epok), anterior tese da existncia do mundo. Segundo Husserl, com a epok, muda-se o que
entendemos por presena do mundo. Mundo agora ser entendido enquanto
fenmeno do mundo. Com isso, Husserl coloca em evidncia o fenmeno do
mundo subjetividade transcendental. Esse sujeito que faz o mundo aparecer o sujeito intencional. O aparecer do sujeito como relao ideal para o aparecimento do mundo.
Em 1929, Husserl, j aposentado e substitudo por Heidegger, seu discpulo, proferiu em Paris duas conferncias que se transformaram numa de
suas mais conhecidas obras: Meditaes Cartesianas, publicada em francs em
1931 e que s aps a morte do autor foi publicada em alemo (aps 1950).
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Quando Husserl afirma em sua Fenomenologia que conscincia sempre
conscincia de algo, ele monta um esquematismo entre conscincia e objeto. Quando eu afirmo que minha conscincia conscincia de algo, h nela uma
intencionalidade, um dinamismo, uma direo. A partir de minha intencionalidade
eu chego idia de fenmeno, isto , quilo que se apresenta minha
conscincia, num tipo de existncia ideal do contedo de meu juzo. Nesse movimento, importante ressaltar que diferentemente do perodo anterior
dominado pelo estabelecimento de uma lgica pura , a pretenso agora se
buscar uma gnese ideal, obrigando-nos a dirigir toda a ateno para a criao
de um mtodo de anlise da idealidade. A fenomenologia, ento, pode ser
considerada como cincia do ideal. Uma cincia que estuda e pesquisa os
fundamentos de uma lgica e de uma filosofia transcendental9.
E o problema da gnese se insere como um campo problemtico que
nunca abandonar Husserl. Podemos observar um primeiro momento da gnese,
quando ele desenvolve crticas ao psicologismo, apesar de, em seus primeiros
trabalhos, a gnese emprica estar presente ao tratar da objetividade das essncias. Torna-se claro, aqui, que o conceito de transcendental ainda estava
por vir. a noo de evidncia originria que nos colocaria diante de uma outra forma de gnese e que seria proveniente de uma operao da subjetividade? Permanecer na dependncia de uma gnese emprica em nada acrescentaria ao
debate filosfico recorrente dos sculos XIX e XX. Da, o conceito de
intencionalidade, antecipado neste momento, para indicar que sua importncia no
9 A fenomenologia surge, como mtodo de acesso s essncias ideais da conscincia, com a
pretenso de fundar os alicerces de todo e qualquer conhecimento. A concepo husserliana da lgica pura faz eco, portanto, ao ideal racionalista da mathesis universalis ou cincia dos primeiros princpios. Nesse sentido, a fenomenologia aparece como o domnio universal do mtodo que torna efectivo o ideal da lgica pura. (SANTOS, J. H. 1973:260)
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processo de ascenso da conscincia originria, impondo um tipo de converso
ao conceito que, at ento, era entendido sob o referencial de uma ordem
psicolgica. A intencionalidade, como aquela que dar ao sujeito o seu dinamismo, jamais poder ser identificada ou associada numa condio gentica emprica sntese passiva. Tanto assim, que o conceito de reduo e sua
operao suspendem tudo o que diz respeito ao mundo emprico. Teremos
ento, algo como uma representao vazia. Sustentada evidentemente pela
epok, que abandonaria a tese de uma gnese emprica do mundo. Sabendo-se
que o mundo est em constante devir, a epok nunca afetada, pois ela trata de
uma relao que se passaria de uma outra maneira, ou seja, ela diz de uma imanncia da conscincia e a verdadeira apario se apresenta enquanto vivido
imanente, como se fosse um encontro entre duas instncias correlativas e
necessrias. S assim, Husserl se afasta das cincias empricas (cincias naturais e demais cincias do homem), chamadas de dogmticas, pois estas privilegiam em seu objeto da ordem do mundo o topos de produo de sentido, tornando-se, para Husserl, uma espcie de cincia vaga.
Sendo assim, fenmeno, no caso de Husserl, no o objeto de fato, na sua empiricidade. O que interessa a Husserl neste caso, e aqui surpreendente o
seu pensamento, o transcendental do objeto, como se fosse um elemento irreal, mas que encerra o seu sentido (neste momento observaremos uma profunda admirao de Deleuze pela descoberta husserliana, como ele mesmo expressa
em Lgica do Sentido10. o Noema do objeto, seu sentido objetivo e que diz
10 Na Terceira Sria Da proposio de sua obra Lgica do Sentido, Deleuze faz uma notvel
observao (e por que no dizer, polmica observao) acerca do pensamento de Husserl no que diz respeito problemtica do objeto e do sentido, vinculando-o corajosamente s questes do empirismo transcendental. As observaes deleuzianas nos auxiliam na afirmao de sua simpatia, pelo menos, em alguns momentos, pelas questes levantadas por E. Husserl. Leiamos
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respeito a seu significado. Tornar o objeto evidente para Husserl realizar a apreenso imediata do sentido noemtico. Nesse caso, no h mistrio algum
nos estados de coisas, no mundo. Tudo provido de sentido, de significado. Se a
minha conscincia doadora de sentido, tudo o que existe num determinado
objeto possvel de ser entendido e explicado, dado que seu sentido aparece minha conscincia. Chamaremos a isso de processo de reciprocidade. Nunca se
pode afirmar que h na conscincia um grande vazio, um espao destinado a
ser ocupado. No h em Husserl a noo de conscincia vazia mas, de
representao vazia, qual deve ser preenchida pelos contedos do objeto: seus noemas. Assim, teremos a subjetividade transcendental como condio da objetividade. Vejamos o que ele nos diz num dos arquivos da Husserliana, aqui traduzido por Walter Biemel na introduo da obra A idia da fenomenologia:
A fenomenologia transcendental fenomenologia da conscincia constituinte e, portanto, no lhe pertence sequer
com ateno: (...) A lgica do sentido toda inspirada de empirismo, mas, precisamente, no h seno o empirismo que saiba ultrapassar as dimenses experimentais do visvel, sem cair nas Idias e encurralar, invocar, talvez produzir um fantasma no limite extremo de uma experincia alongada, desdobrada. Esta dimenso ltima chamada por Husserl expresso: se distingue da designao, da manifestao, da demonstrao. O sentido o expresso. (...) Quando Husserl se interroga, por exemplo, sobre o noema perceptivo ou o sentido da percepo, ele o distingue ao mesmo tempo do objeto fsico, do vivido psicolgico, das representaes mentais e dos conceitos lgicos. Ele o apresenta como um impassvel, um incorporal, sem existncia fsica nem mental, que no age nem padece, puro resultado, pura aparncia: a rvore real (o designado) pode queimar, ser sujeito ou objeto de ao, entrar em misturas; no o noema da rvore. H muitos noemas ou sentidos para um s e mesmo designado: estrela da noite e estrela da manh so dois noemas, isto , duas maneiras pelas quais um mesmo designado se apresenta em expresses. Mas, nestas condies, quando Husserl diz que o noema o percebido tal como aparece em uma apresentao, o percebido como tal ou a aparncia, no devemos compreender que se trata de um dado sensvel ou de uma qualidade, mas, ao contrrio, de uma unidade ideal objetiva como correlato intencional do ato de percepo. Um noema qualquer no dado em uma percepo (nem em uma lembrana ou em uma imagem), ele tem um estatuto completamente diferente que consiste em no existir fora da proposio que o exprime, proposio perceptiva, imaginativa, de lembrana ou de representao. Do verde como cor sensvel ou qualidade, distinguimos o verdejar como por noemtica ou atributo. A rvore verdeja, no isto, finalmente, o sentido de cor da rvore e a rvore arvorifica, seu sentido global? O noema ser outra coisa alm de um acontecimento puro, o acontecimento de rvore (embora Husserl assim no fale, por razes terminolgicas)? E o que ele chama de aparncia, um efeito de superfcie? Entre os noemas de um mesmo objeto ou mesmo de objetos diferentes se elaboram laos complexos anlogos aos que a dialtica estica estabelece entre os acontecimentos. Seria a fenomenologia esta cincia rigorosa dos efeitos de superfcie? (DELEUZE, p.21-22). Indo mais adiante, no seria absurdo afirmarmos que a fenomenologia, salvo seus limites, seria um tipo de empirismo transcendental.
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um nico axioma objectivo (referente a objectos que no so conscincia...). O interesse gnoseolgico, transcendental, no se dirige ao ser objectivo e ao estabelecimento de verdades para o ser objectivo, nem, por conseguinte, para a cincia objectiva. O elemento objectivo pertence justamente s cincias objectivas, e afazer delas e exclusivamente delas apenas alcanar o que aqui falta em perfeio cincia objectiva. O interesse transcendental, o interesse da fenomenologia transcendental dirige-se para conscincia enquanto conscincia vai somente para os fenmenos, fenmenos em duplo sentido: 1) no sentido da aparncia (Erscheinung) em que a objectividade aparece; 2) por outro lado, no sentido da objectidade (Objektitt) to s considerada enquanto justamente aparece nas aparncias e, claro est, transcendentalmente, na desconexo de todas as posies empricas... (Id. Ibidem).
Mas haveria aqui um problema, pois a conscincia sendo intencional no
poderia simplesmente negar ou descartar o mundo das coisas, dos fatos etc.
Como disse Husserl, necessrio que ela seja preenchida por um certo elemento, do contrrio bastaria a si mesmo, algo que ele descartava. Ora, se no
podemos fazer uso do argumento psicolgico e nem utilizar o argumento das
idias em si, o que nos restaria? A resposta dada pela reduo
transcendental, em que Husserl simplesmente pretende anular ou neutralizar as
aes do mundo e dos estados de coisas na conscincia. Todo exerccio de
construo de seu sistema ser a partir de uma lgica de carter transcendental,
uma relao entre o vivido transcendental e os noemas dos objetos, (regies ontolgicas).
Mas o fato de Husserl direcionar suas crticas a uma gnese emprica do
pensamento, no indicar que ele abandonar sua tarefa de buscar um princpio
originrio. Essa sntese s propiciada aps o pleno uso da reduo
transcendental. Com a publicao de Exprience et Jugement, em 1919, onde o
debate central ser discorrer acerca da gnese transcendental, Husserl instante
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se deparar com um dos seus maiores desafios, falar do mundo da vida do
Lebenswelt e da intersubjetividade transcendental. Tema difcil para algum que estava proposto a enfatizar a fora do cogito. H em Husserl um zigue-zague
impressionante que, s vezes, nos confunde. Talvez fosse um exagero falarmos
de antinomia, mas encontraremos com um problema que percorre toda a obra de
Husserl:
a constituio de uma analtica do mundo da vida a partir do sujeito transcendental sntese originria
e uma gnese emprica do pensamento e do sentido do mundo, que
sempre reaparece.
Ou seja, ser que Husserl consegue ultrapassar os velhos problemas da filosofia clssica do sculo XVII? (teoria do conhecimento e metafsica). Como diz Derrida, le thme de la gnese passive suscitait une grave maladie (DERRIDA, 1990: 39) . Isto , falar de reduo absoluta seria impossvel. Aquilo que diz respeito sntese passiva escapa a qualquer tentativa da fenomenologia
husserliana (das aes do ego, de uma conscincia). Isso pode ser observado nos ltimos escritos de Husserl, na sua tentativa de resguardar a fora de uma
sntese subjetiva, mas agora, numa perspectiva diferente de suas primeiras obras. Ele procurar ento, mergulhar o ego na histria11, amplicando seu poder de
camada fundamental de toda atividade transcendental (uma teleologia intencional). Tal problema tem certamente seu esboo em Idias I, em especial o conceito de totalidade infinita, como nos mostra Derrida e ser encontrado
tambm em La crise des sciences europennes et la phnomenologie
transcendental, e no anexo dessa mesma obra intitulado La crise de lhumanit
11 Segundo Derrida, a gnese do sentido est sempre a priori convertida em um sentido de
gnese que supe toda uma filosofia da historia (DERRIDA, 1990: 39).
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europene et la philosophie. (Esse ultimo texto, resultado de uma conferncia dada por Husserl ao Cercle Culturel de Vienne, 7 et 10 mai 1935).
Uma dvida paira sobre estas afirmaes: poderamos chamar o
pensamento de Husserl de filosofia da representao? Se a resposta for positiva,
o mundo para Husserl seria meramente uma imagem, um reconhecimento, uma
recognio. Dessa maneira, a Filosofia no conseguiria romper com a doxa, com
a filosofia do bom senso e do senso comum. Por outro lado, teramos um tipo de
contra-senso, j que a Fenomenologia husserliana se caracteriza originalmente como sendo intencionalidade, conscincia de algo, doao de sentido. possvel conciliar a idia de representao com a idia de intencionalidade ou de
conscincia ativa e dinmica12? Para Husserl, o sujeito no um receptor de objetos via representao. Isso ele chama de experincia ingnua ou atitude natural. Para Husserl tal perspectiva elimina a autonomia do sujeito em relao ao mundo. Separao do mundo, como em Descartes, no significa autonomia13.
12 Segundo SANTOS (1973), a dialtica da presena comandar o ideal de rigor e indicar o
caminho anlise intencional: o esforo de tornar patente o que latente, de evidenciar o opaco, confunde-se com o esforo de tornar manifesta a presena da estrutura que comanda o discurso e que , no entanto to fugidia. A sombra do discurso torna-se luz, phainmenon. 13
Numa conferncia realizada pelo Programa de Ps-Graduao da Universidade Federal de So Carlos/SP no ano de 2003, o Professor Carlos Alberto Ribeiro de Moura enfatiza uma crtica idia de representao que porventura estaria presente no pensamento de Husserl segundo alguns intrpretes. Ele nos diz que: (...) A pergunta transcendental pela possibilidade do conhecimento vai necessariamente se travestir na questo psicolgica de se saber como o homem que vive no mundo pode obter e legitimar o conhecimento de um mundo exterior alma. Se em regime de reduo todo objetivo se transforma em subjetivo, isso no significa, que o novo interesse pelo subjetivo se traduza em um interesse pela representao do mundo. Ao contrrio, antes de mover-se no crculo da pura representao do mundo, a atitude transcendental ser, para Husserl, exatamente o fim da ciso entre mundo e representao. Para reforarmos esta idia, citamos tambm uma obra do Professor Carlos Alberto R. de Moura intitulada Crtica da razo na Fenomenologia, Edusp:1989. No captulo II nomeado Crtica da Representao, ele diz: (...) E se a fenomenologia introduz o lema intencional toda conscincia conscincia de algo com um sentido polmico, esse sentido estar, antes de tudo, na recusa implcita que a intencionalidade traz da assimilao de toda conscincia perceptiva a uma conscincia de imagem ou de signo, quer dizer, na recusa do conceito clssico de representao. Esse conceito, enquanto explicao da relao entre a subjetividade e a transcendncia, pode ser resumido na doutrina segundo a qual fora est a coisa, e na conscincia uma imagem que a representa (...) (...) Desde ento, afirmar que toda conscincia conscincia de algo afirmar, que ela no conscincia de uma imagem, mas da prpria coisa, e iniciar assim a demolio daquela evidncia com a qual se iniciava a Lgica de Port Royal.
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Por outro lado, o pensamento de Husserl, talvez, no rompa
definitivamente com uma filosofia da representao, visto que a exigncia
primordial para a elaborao da idia de representao a existncia de um
princpio subjetivo, de um fundamento que d unidade: estamos falando do Cogito, de uma identidade do Eu que orienta o pensamento (gnese subjetiva ou ativa). E este princpio presena no pensamento de Husserl, quando ele institui uma conscincia transcendental como um tipo de crena em uma sntese
unificadora do sujeito ao objeto, levando Deleuze a assinalar para uma interpretao do pensamento de Husserl como quele que no consegue escapar
de uma filosofia do senso comum e da representao, basta observarmos a
crtica deleuziana (de alguma maneira, generalizada aqui por ns ver nota) em especial, no III captulo de Diferena e Repetio: A imagem do pensamento14 .
Trataremos sobre o tema logo adiante ao focalizar a crtica deleuziana
fenomenologia. Por enquanto, torna-se necessria a continuidade da exposio
de alguns aspectos da temtica husserliana.
Segundo Husserl, qual o sentido do mundo exterior fora da dimenso
egolgica? A existncia uma camada de significao no sentido objetivo total que necessita ser constituda transcendentalmente como qualquer outra camada
significativa. Em lugar da idia de representao, Husserl fala de imanncia
transcendental: tudo que h subjetivo como se num extenso plano de horizontes, todo o movimento e dinamismo fossem determinados pelo sujeito15,
14 importante ressaltar que no texto indicado, Deleuze no toca no nome de Husserl. O que
pretendemos fazer, num gesto no muito modesto, um pouco irresponsvel, mostrar que as crticas desenvolvidas por Gilles Deleuze ao conceito de representao podem ser dirigidas, segundo nosso entendimento, ao pensamento de Husserl, em especial idia de conscincia ou de sujeito. 15No texto de Gaston Berger: Le Cogito dans la philosophie de Husserl h uma preocupao em estudar o centro da filosofia de Husserl: a presena do eu penso. O reconhecimento da
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por uma conscincia transcendental. Este o ponto nevrlgico do pensamento
husserliano que nos levar ao problema do sentido e da significao. Ela o meio
idealizador pelo qual se tem acesso realidade. Salientamos aqui que, quando
Husserl fala de significao do objeto, ele no est interessado simplesmente com o objeto em sua empiricidade. Preocupar-se com essa perspectiva apresentar um conhecimento do tipo natural determinado por uma atitude
dogmtica, como ele bem atesta em vrios momentos de sua obra e da qual j falamos h pouco.16
subjetividade transcendental. Berger nos oferece uma valiosa leitura, em especial no captulo V Lego transcendental et sa vie propre. Vejamos o que nos diz Berger: Portanto a fenomenologia no se retorna ao mundo. Ela no pretende nos revelar um outro mundo que se bastaria a ele mesmo e donde ela operaria a descrio. A vida do ego ultrapassa o mundo no porque ela lhe estrangeira, mas porque ela o constitui. (BERGER, 1941:93). 16
No captulo intitulado Filosofia Naturalista da sua obra A Filosofia como cincia do rigor (1911), Husserl faz uma crtica mordaz ao que ele denomina de atitude natural ou dogmtica. necessrio escrever aqui literalmente o que ele nos diz: O Naturalismo resulta do descobrimento da Natureza como unidade do Ser no tempo e no espao, segundo leis exatas naturais. O Naturalismo propala-se na medida da realizao progressiva desta idia em cincias naturais, que constantemente se multiplicam, fundamentando uma superabundncia de conhecimentos rigorosos (...) Portanto, passando a tratar em especial do naturalista, este no depara seno com a Natureza, a comear pela natureza fsica. Tudo que , ou existe, ele mesmo, fsico, ou, apesar de psquico, mera variao dependente do fsico, na melhor das hipteses, fato paralelo, concomitante, secundrio. Tudo que existe, de natureza psicofsica, inconfundivelmente determinado segundo leis firmes. Para ns, esta concepo no sofre modificao essencial com a dissoluo sensualista da natureza fsica, em cores, sons, presses, etc., nem tampouco com a do chamado psquico, em complexos complementares daqueles, ou de outras sensaes, no sentido do Positivismo ( quer se apie numa interpretao naturalista de Kant, quer na renovao e continuao conseqente de Hume ). O que caracteriza todas as formas de Naturalismo extremo e conseqente, a comear pelo Materialismo popular at aos mais recentes Monismo sensorial e Energetismo, por um lado a naturalizao da conscincia, incluindo todos os dados intencionais e imanentes da conscincia, e por outro lado a naturalizao das idias, e de todos os ideais e normas absolutos (...) (HUSSERL:1952, p.09-10)
Em Idias diretrizes para uma filosofia pura uma fenomenologia fenomenolgica (1913), logo na primeira seo, Husserl faz observao acerca da relao entre a experincia e a essncia. O conhecimento natural duramente criticado por ele: O conhecimento natural comea com a experincia (Erfahrung) e persiste nos limites da experincia. Na atitude terica que ns chamamos natural, o horizonte que circunscreve toda espcie de estudo caracterizado no seu conjunto por uma palavra: o mundo. As cincias no fim desta atitude original so ento todas cincias do mundo e, que esta atitude reine exclusivamente, onde se pode colocar em equivalncia trs conceitos: ser verdadeiro, ser real, isto , real-natural (reales), e como tudo aquilo que real se resume na unidade do mundo ser no mundo (HUSSERL: 1950, p.13-14).
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A Fenomenologia no pretende fazer uma descrio do mundo real
(meramente emprico), ela pretende realizar uma cincia das significaes que no diz respeito ao mundo real do senso comum. Preocupa-se exclusivamente
com o objeto que significado e no modo como ele significado (o modo garantir a Husserl a certeza da verdade do objeto significado via investigao da prpria intuio e determinao das condies de preenchimento das prprias
intuies). Anterior s prprias significaes como garantia do aparecer, devero existir, segundo Husserl, regras para a constituio do juzo. Um tipo de gnese do entendimento da intencionalidade, ou seja, entender porque a minha conscincia sempre conscincia de algo e as garantias de verdade no itinerrio
entre essa conscincia e esse algo. Isso est claro em sua obra Lgica Formal e
Lgica Transcendental, a idia do objeto, assim, nada mais do que a evidncia do objeto, ou seja, sua prpria constituio racional (HUSSERL: 1957). Indicamos tambm a leitura da Terceira Meditao Os problemas constitutivos-
Verdade e Realidade. (Idem: 2001,72-80). Posteriormente, Husserl nos dir que a fenomenologia no tem a preocupao de explicar a realidade de maneira
descritiva. A pretenso entender e explicar como dizer o mundo tal como ele
aparece em minha conscincia (tarefa de uma lgica transcendental). Segundo Husserl:
Fica claro que s se pode extrair a noo da verdade ou da realidade verdadeira dos objetos a partir da evidncia; graas a ela que a designao de um objeto como realmente existente, verdadeiro, legtimo e vlido seja qual for sua forma ou espcie adquire para ns um sentido, e o mesmo se d em relao a todas as determinaes que para ns lhe pertencem verdadeiramente. Qualquer justificao provm da evidncia e, em conseqncia, encontra sua fonte em nossa prpria subjetividade transcendental (HUSSERL, 2001, & 26, p.76).
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Teremos a duas questes. Como esse mundo pode ser expresso, j que ele foi reduzido pela lgica transcendental minha conscincia (risco do solipsismo solido do eu). possvel falarmos de uma imanncia da vida da conscincia em Husserl, sem necessariamente ocorrer uma negao do mundo?
Como posso tornar a linguagem uma maneira clara de expresso do sentido puro
do mundo? Como podemos garantir que a constituio que nos revela a estrutura
ntima dos objetos uma sntese da intencionalidade? Rapidamente, ressaltamos que a obra de Husserl entra e sai do solipsismo. Um tipo de dana que,
inicialmente, nos confunde, ulteriormente vai clareando e ele vai suprimindo a
oposio entre conscincia e mundo17 que no sero mais pensados a partir de
duas substncias particulares. Logo somos levados a entender, (isso, se no realizarmos uma leitura apressada), que Husserl no afirma sistematicamente um solipsismo18. O problema avana da simples discusso entre interior e exterior,
basta restringirmo-nos ltima das Meditaes Cartesianas qual Husserl, j no ttulo chama a ateno: Determinao do domnio transcendental como
intersubjetividade monadolgica. Ou mesmo os problemas determinantes de Exprience et Jugement.
17 Para BERGER (1941) o dogmatismo prprio ao homem que conserva a atitude natural, o
impede de compreender uma filosofia que o coloca inteiramente do ponto de vista da significao. 18
Na Segunda Meditao Cartesiana: O campo de experincia transcendental e suas estruturas gerais, Husserl nos esclarece: Como novios em filosofia, no podemos nos deixar intimidar por dvidas desse tipo. A reduo ao eu transcendental talvez no tenha mais que a aparncia de um solipsismo; o desenvolvimento sistemtico e conseqente da anlise egolgica nos conduzir talvez, muito pelo contrrio, a uma fenomenologia da intersubjetividade transcendental e dessa forma a uma filosofia transcendental em geral. Veremos, com efeito, que um solipsismo transcendental no passa de uma escala inferior da filosofia, e que preciso desenvolv-lo como tal por razes metdicas, notadamente para colocar de maneira conveniente os problemas da intersubjetividade transcendental (HUSSERL, 2001:48).
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O objeto que me aparece a partir de uma intencionalidade se d minha conscincia notica em estado puro (noema unidade referente do objeto que vem presena). Essa presena do objeto em seu estado de pureza podemos chamar de presente vivo na subjetividade constituinte na imanncia da conscincia (Erlebnis fluxo dos vividos), portadora da qualidade de realizao de uma sntese unificadora da forma dos objetos que designado em sua primeira apresentao. Husserl pretende afastar-se da noo de conscincia
vazia, chamando a ateno sobre a impossibilidade de um objeto que no possa ser pensado. No existe um mistrio, algo nebuloso num objeto que nunca poderemos alcanar. Se a minha conscincia doadora de sentido, tudo o que
existe num determinado objeto possvel de ser entendido e explicado. O em-si pensado por Husserl como objeto puro sem exterior, sem fora, mas presente em minha conscincia. Herdeiro de uma filosofia do sujeito, Husserl no poderia limitar o sujeito-doador, chamado de subjetividade transcendental ao mundo, aos objetos empricos. Ela sempre constituinte a partir da qual se do as possibilidades da objetividade (leis da lgica formal e da lgica transcendental). Nesse caminho, ele se afasta da idia de representao ou de um tipo de
dependncia em relao ao mundo, isto , pensar o mundo apenas como
reconhecimento. Desta maneira, garante os fundamentos para uma filosofia
rigorosa. (Idias diretrizes para uma filosofia pura, Meditaes Cartesianas e Filosofia como cincia do rigor so obras que tratam deste problema).
Husserl nos convida para um pensamento racional a respeito do Ser do
mundo como fenmeno do mundo que, sem excluir o objeto fctico, nos conduz da realidade do objeto reduzido (reduo eidtica), idealidade transcendental. O objeto s tem sentido para uma conscincia transcendental que mesmo afirmando
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o posicionamento de um significante localizado na figura de um sujeito, jamais pode perder de vista a objetividade das estruturas do objeto. O mundo dos objetos me remete ao horizonte geral da minha experincia e qualquer coisa envolvida neste horizonte traz, o horizonte do mundo19. O que caracteriza o
fenmeno do mundo enquanto intencional facultar esse jogo de remisses em que cada parte remete outra parte e depois ao todo. pela estrada desses horizontes dos fenmenos que o sentido se d. Desta maneira, fenmeno e
sentido esto juntos e so comunicveis. Esse o mundo noemtico, mundo da significao Na singularizao e na descrio dessa estrutura, o objeto intencional situado do lado do cogitatum desempenha por razes fceis de se
depreender o papel de um guia transcendental (HUSSERL, 2001:67). Mas no podemos nos furtar novamente ao problema da gnese20.
A originalidade de Husserl est na elaborao de sua filosofia
transcendental a partir do entendimento de que na conscincia pura que se
encontra o ser absoluto doador de sentido a toda transcendncia. Assim, no
podemos separar o conceito de filosofia transcendental da noo de
racionalidade, agora compreendida enquanto inteno, ao, dinamismo. essa inteno que d sentido ao mundo, numa reciprocidade entre conscincia
(notica, racional) e objeto. O sujeito doa sentido ao objeto, mas o objeto o elemento constitutivo do sujeito, como funo de preenchimento. Enfim, ambos se
19 O ponto de partida necessariamente o objeto simplesmente dado; da, a reflexo remonta ao
modo de conscincia correspondente e aos horizontes de modos potenciais implicados nesse modo, depois aos outros de uma vida de conscincia possvel, nos quais o objeto poderia apresentar-se como o mesmo (...) (HUSSERL, 2001). 20
Husserl se dedica ao problema da gnese ou de uma fenomenologia gentica alguns anos aps a publicao de Idias I. Entre 1919-1920 seus cursos tratam de uma lgica gentica. Tais manuscritos foram importantes para L. Landgrebe redigir e editar Exprience et Jugement. Obra revista e autorizada por Husserl para publicao. Ver prefcio da obra que bastante esclarecedor em que Landgrebe relata os pormenores da construo do texto acima indicado. HUSSERL, Exprience et Jugement. Recherches en vue dune gnalogie de la logique. Paris: Presses, 1970, 497 p.
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implicam. Desta maneira, no momento em que h doao de sentido, constitui-se
o significado do objeto, e esse ato constituinte essencial para a constituio da subjetividade transcendental como unificadora de vivncias, descrevendo a estrutura universal dos modos de conscincia possveis desses objetos via entidades categoriais que, segundo Husserl, manifestam uma origem que
provm de operaes e de uma atividade do eu que as elabora e as constri
passo a passo (Husserl, 2001:68).
O pensamento de Husserl contribui decisivamente com um debate iniciado
no sculo XVII que foi a descoberta do cogito, da sua identidade enquanto
conscincia, consolidando noes como: interioridade, essncia, ego. Podemos
dizer que Husserl se situa na tradio filosfica como devedor do pensamento
moderno, basta vermos a introduo das Meditaes Cartesianas, quando
Husserl assume a sua dvida para com Descartes em uma conferncia dada na
Sorbonne21. O que no o impede de assumir tambm, a seu modo, o
desenvolvimento de uma crtica, quando ele radicaliza as exigncias do
cartesianismo, e insinua-se na contemporaneidade filosfica. Importante salientar
aqui uma ligao interna de vrias obras de Husserl que se referem a uma crtica
cincia europia22. So obras que pertencem a temporalidades diferentes, mas,
21 Sinto-me feliz de poder falar da fenomenologia transcendental nessa honorvel casa dentre
todas por onde floresce a cincia francesa. Tenho para isso razes especiais. Os novos impulsos que a fenomenologia recebeu devem-se a Ren Descartes, o maior pensador da Frana. pelo estudo das suas Meditaes que a nascente fenomenologia transformou-se em um novo tipo de filosofia transcendental. (HUSSERL: 2001, 19). 22
Husserl se mostra inconformado com o caminho tomado pelas cincias e tece uma pesada crtica s mesmas. Estamos falando, do significado das cincias do homem, pois ela motivo de preocupao na reflexo husserliana. Segundo LOYOLA (1984), as duas cincias particulares que so temas das primeiras obras de Husserl, tm especial significado no contexto do que ser posteriormente nomeado crise das cincias: as matemticas, modelo de mtodo das cincias da natureza, cuja aplicao se estende s demais cincias; e a psicologia, onde, depois de ter tornado cientficas disciplinas como a histria ou a sociologia, se faz aplicar este mtodo. Desta forma se produz o que Husserl chama historicismo, psicologismo ou, de modo geral, objetivismo. Recusando este objetivismo, Husserl procura na matemtica as origens psquicas de seus
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que admitem uma crise nos valores da cincia. Basta observarmos suas
colocaes logo na introduo de trs obras importantes: Meditaes
Cartesianas, A crise das cincias europias e a fenomenologia transcendental e A
crise da humanidade europia e a Filosofia. Fica claro para Husserl uma
preocupao em torno da tradio do pensamento ocidental. H um risco
evidente de que a Razo seja esquecida em funo de irracionalismos. Como nos diz PELIZOLLI (2002), para ele, est em questo no s o destino da filosofia, mas da Europa, da humanidade, na medida em que a primeira a sua
raiz, seu centro e sentido teleolgico ltimo, o sentido que a razo tomou a
punho. E para sairmos de tal crise que se instaura na filosofia, Husserl nos
mostra a condio: recorrermos a Descartes: No o momento de fazer reviver
seu radicalismo filosfico? (Id.Ibidem:23).
Em nossos dias, a nostalgia de uma filosofia viva conduziu a muitos renascimentos. Perguntamos: o nico renascimento realmente fecundo no consistiria em ressuscitar as Meditaes cartesianas, no, claro, para adot-las integralmente, mas para desvelar j de incio o significado profundo de um retorno radical ao ego cogito puro, e fazer reviver em seguida os valores eternos que dele decorrem? , pelo menos, o caminho que conduziu fenomenologia transcendental. Esse caminho vamos percorrer juntos. Como filsofos que buscam um primeiro ponto de partida e no o tm ainda, vamos tentar meditar maneira cartesiana. Naturalmente, observaremos uma extrema prudncia crtica, sempre prontos a transformar o antigo cartesianismo toda vez que a necessidade se fizer sentir. Devemos tambm trazer luz certos erros sedutores dos quais nem Descartes nem seus sucessores souberam evitar a armadilha (Id.Ibidem:23-24). (Grifo nosso).
princpios lgicos. Na psicologia, defende com Franz Brentano, a diferena primordial entre os fatos fsicos e psquicos, denunciando o absurdo de se pensar por esse mesmo sujeito, que no tem a mesma objetividade das coisas e dos fatos.
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Poderamos dizer que Husserl se coloca claramente enquanto um
neocartesiano e ao mesmo tempo como anticartesiano23. No se pode falar de
fenomenologia sem referncia noo de reduo. ela que permite a realizao de uma filosofia autntica, fundada sobre princpios universais. com a reduo fenomenolgica que, segundo Husserl, somos libertados do mundo
como nico caminho para o conhecimento/pensamento. Na verdade, o mundo
para Husserl de uma enorme incerteza e indeterminao. O que vale uma feroz
crtica toda filosofia naturalista, como ele deixa bem claro em vrias obras, em
especial, o texto A filosofia como cincia do rigor. A reduo fenomenolgica a
responsvel metodologicamente na relao conscincia-mundo por proporcionar
ao sujeito as condies necessrias (enquanto conscincia constituinte da sntese ativa) em dar sentido ao mundo. Poderamos afirmar, sem medo, que reduo fenomenolgica e fenomenologia se confundem. Segundo Van Breda em seu
texto La rduction phnomnologique, com a reduo que Husserl ascende
ao problema verdadeiramente filosfico, estamos falando do eu puro. Conquista
de Husserl que lhe d garantia ou condies para pensar aquilo que aparece em
minha conscincia. Tambm poderamos tratar a reduo como um tipo de
depuramento: s possvel pensar o mundo como significao apenas pela
conscincia e o objeto enquanto correlato dos atos da conscincia intencional em seu vivido imanente , proporcionando ao sujeito o atributo de ver o objeto. Deixemos claro que correlao no o mesmo que adequao.
23 Falamos de anticartesiano porque ele pretende levar ao extremo o mtodo da dvida atravs da
reduo fenomenolgica. A reduo no dvida. No est em questo a existncia do mundo, mas a sua incluso por um caminho mais amplo. Em lugar de separar, a reduo pretende constituir. A reduo que ir proporcionar a elaborao de um juzo evidente acerca do pensamento da coisa pensada.
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A reduo fenomenolgica proporciona a expressividade do sentido de
mundo, (trata-se sobretudo de afirmar a possibilidade de acesso da coisa em si de maneira imediata). Algo que poderamos denominar como a busca de uma unidade que diz respeito ao conhecimento do mundo. No estamos falando de um
dualismo entre essncia e acidente com seus atos fortuitos e dispersos que no
podem mais explicar a realidade. Em tudo est em jogo a idia de totalidade, de unidade, de mundo. O que Husserl pretende , a partir de uma radicalidade
cartesiana, indicar uma nova tarefa para a filosofia (para muitos, a mais velha de todas as tarefas). Em La crise des sciences europennes et la phnomnologie transcendantale, no & 5 Lideal de la philosophie universelle et le procs de sa
dissolution interne vimos essa pretenso de maneira bem explcita.24 Esta
exigncia interna do pensamento de Husserl devido ao que ele chama de crise
das cincias europias, conseqentemente, uma crise da razo e nos
fundamentos da cincia. Vejamos a sua fala que efetivamente tem carter de chamamento para uma vitalidade da filosofia europia:
A crise da existncia da Europa s tem duas sadas: ou a Europa desaparece, ao tornar-se sempre mais estranha sua prpria significao racional, que o seu sentido vital, e afundar-se- no dio ao esprito e na barbrie; ou, ento, a Europa renascer do esprito, graas a um herosmo da razo que ultrapassar definitivamente o naturalismo. O maior
24 Nous ne nous intresserons ici qu la modernit philosophique. Cette modernit nest pas
cependant un simple morceau de ce phnomne historique que est le plus grand de tous et que nous venons de caractriser comme la lutte de lhumanit pour la comprhension de soi-mme (expression qui reenferme en effet le tout de la question). Elle est bien plutt en tant que nouvelle fondation de la philosophie pourvue dune nouvelle tche universelle et qui a en meme tempos le sens dune renaissance de la philosophie antique la fois une rptition et un changement de sens universel. Dans cet esprit elle considre que la vocation est dinaugurer un Temps Nouveau, pleinement assur de son ide de la philosophie et de la verit de sa mthode; asssur aussi, grce au radicalisme de re-commencement qui est le sien, de pouvoir surmonter toutes les anciennes navits et donc toute skepsis. Mais comme elle est entache son insu de navets que lui sont propres, son destin est, sur le chemin dun auto-dvoilement progressif, motif par de nouveaux combats, de ne faire tout dabord que chercher lide dfinitive de la philosophie, son vritable thme, et de devoir se contenter de dcouvrir puis de mettre sur la voie de la dcision, les vritables enigmes du monde (HUSSERL, 1976: 19-20).
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perigo que ameaa a Europa a lassido. Combatamos este perigo dos perigos como bons Europeus, animados por essa coragem que mesmo um combate infinito no assusta. Ento, da chama destruidora da incredulidade, do fogo onde se consome toda a esperana na misso humana do Ocidente, das cinzas da pesada lassido, ressuscitar a Fnix de uma nova interioridade viva, de uma nova espiritualidade; ser para os homens a secreta promessa de um futuro grande e duradouro: pois s o esprito imortal (HUSSERL apud RICOEUR: 1950, p.257-258).
Interessa a Husserl restaurar o sentido da razo e a verdadeira filosofia,
para isso uma exigncia pensar a subjetividade enquanto o solo e/ou o terreno de todos os conhecimentos. Assim, a razo entendida enquanto autntica e
autnoma, dispensando-se qualquer forma de relativismo. Tal preocupao j aparece inicialmente nas Investigaes Lgicas (mesmo que de maneira temporria) onde possvel estabelecer regras provenientes da normatizao e leis proposies e enunciados .
Ora, a idealidade da verdade que constitui sua objectividade. No um facto contingente que uma proposio pensada hic et nunc concorde com um estado de coisas dado. Esta relao diz respeito, pelo contrrio, significao idntica da proposio e ao estado de coisas idntico. A validade ou objectividade (ou, consoante ao caso, a no-validade, a ausncia-de-objeto) no cabe ao enunciado enquanto tal vivido temporal, mas ao enunciado in specie, ao enunciado (puro e idntico) 2 x 2 so 4, e outros do mesmo gnero (HUSSERL apud KELKEL et SCHRER: 209-211).
Preocupando-se menos com o problema de uma crtica relatividade, e
continuando o interesse em buscar o sentido da razo, na Lgica Formal e
Transcendental (onde Husserl de certa maneira ainda acredita que a verdade permanece relativa ao sujeito...), ele admite que toda a verdade tem amplo e
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inesgotvel25 horizonte. Esta afirmao incidiria sobre as Investigaes Lgicas
como um tipo de subverso. Isso no se nega. Apesar de neste instante falarmos
de um outro relativismo, segundo MOURA (2001), agora sancionado pela prpria fenomenologia, certamente distinto do antigo relativismo ctico, mas no
menos proibido pela doutrina das Investigaes Lgicas.
Quando Husserl se prope uma radicalizao do cartesianismo, uma
questo aparece imediatamente: Qual o sentido do problema do sujeito? Para isso, no podemos pens-lo numa mera oposio entre exterioridade e
interioridade, (como em Descartes, por exemplo). Isso se tornaria um empecilho para compreender verdadeiramente o que o subjetivo como modo de doao, seguindo-se da considerao da objetividade no como puro fato, mas do que transcende o fato: ponto de vista transcendental. O subjetivo ou o sujeito surge como ponto nevrlgico em Husserl a partir da considerao acerca do sentido e
significao. Desta forma, o modo de ser do sujeito a sua idealidade. L est a significao. Sendo assim, notamos que Husserl se preocupa exclusivamente
com o objeto que significado e como ele significado. As vias de como o objeto se apresenta na conscincia (enquanto contedo noemtico) garantir a certeza da verdade do objeto significado. E esse objeto nunca aparece ou dado por inteiro, mas s por perfil ou silhueta, ou esboo. A percepo sempre
incompleta, nos remetendo idia de uma abertura de horizontes possveis.
25 Segundo Carlos Alberto Ribeiro de Moura, para Husserl, a verdade em si que surgia
alegremente nas Investigaes ser descrita como uma pressuposio ingnua. Trata-se de duas faces de uma mesma moeda: a verdade em si uma pressuposio ingnua da doutrina que constri a evidncia como uma pretensa apreenso absoluta do verdadeiro. Para a fenomenologia de 1929, simplesmente no existe mais aquela evidncia que traria a verdade a uma doao real. E isso porque, a partir de agora, Husserl compreender aquela antiga verdade em si como uma idia situada no infinito, logo nunca passvel de nenhuma doao real (...) Uma vez postas de lado as antigas convices tericas, a fenomenologia reconhecer que no existe norma absoluta do verdadeiro, e que nem mesmo o em si evocado pelas cincias pode desempenhar o papel dessa norma (MOURA, 2001: 196-197).
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O objeto est condenado a existir somente a partir de significaes determinveis e variveis. V-se a importncia do papel da Fenomenologia que
reconhecer o subjetivo e as significaes infinitas dos objetos no como adequao, mas em funo dos modos subjetivos de doao de sentido, caracterizando uma dinmica no que diz respeito constituio e organizao do
mundo. novamente uma crtica direcionada filosofia da representao, afinal, conhecimento do mundo no significa meramente imagem do mundo, mas um
fluxo de vivncia da conscincia.
Para Husserl, a intencionalidade o outro grande diferencial da
constituio do mundo como ele pensado pela fenomenologia. Ela a tendncia
constitutiva da conscincia para o objet, dando a este um juzo claro. Esta lgica se origina pela subjetividade transcendental e se encaminha para uma finalidade que do objeto como ponto de chegada (uma teleologia), mas desvia-se do dado (tanto que se pode realizar uma representao vazia) que, de agora em diante, pelo olhar fenomenolgico, posto em suspenso (epok). A sua existncia como ser denomina-se enquanto significao dada transcendentalmente pela experincia metdica da reduo
Neste caso, quando Husserl fala da relao conscincia e objeto, ele indica exatamente uma correlao conscincia sentido objetivo. Tal perspectiva deixa claro que a conscincia sempre conscincia de algo, logo, um ato de doao
de sentido.
A empreitada da fenomenologia explicar como dizer o mundo. Como ele
aparece em minha conscincia. Quais as significaes do mundo e como elas
acontecem independente de uma relao imediata com o mundo dos objetos
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empricos. A fenomenologia husserliana, para isso utilizar tanto de uma lgica
formal (1 fase), quanto de uma lgica transcendental (2 fase)26.
Sendo assim, podemos dizer que a fenomenologia apresenta-se como uma
cincia dos sentidos via intencionalidade que funcionar como uma ligao com
o mundo, (ligao esta, convertida ou diferenciada da velha representao clssica). Mesmo que Husserl considere toda a importncia dada lgica formal (ele nunca negar sua necessidade, encarando-a como procedimento inicial de investigao), o que teremos de mais importante e provocador de uma srie de inquietaes o problema de fundamentao de uma lgica transcendental ou
sntese ativa da conscincia. Ela nos remete a uma dimenso ontolgica, pois
26 Husserl em sua obra Lgica Forma e Lgica Transcendental chama a ateno, principalmente
no Captulo V: La Fondation Subjective de la logique comme problme de philosophie transcendantale para esta importncia que assume a descoberta de uma lgica transcendental. No & 93 tpico C do referido captulo sob o ttulo La fondation de la logique conduit au problme universel de la phnomnologie transcendantale, Husserl faz algumas observaes e levanta questes que porventura poderiam provocar alguns problemas ao falar da passagem de uma lgica outra. Vejamos o texto: Quen est-il ensuite des hypothses qui soffrent si facilement aux realistes, hypothses par lesquelles un monde extrieur rel doit tre acquis en prenant pour base ltre de lego que est le Seul avoir t laiss indubitablement vident par la rduction cartsienne et qui est le premier en soi pour toute connaissance? Est-ce que cet extrieur, est-ce que le sens possible dune ralit transcendante et dun a priori qui lui convient avec les formes: espace, tempos et causalit permettant les dductions, est-ce que ce nest pas cela qui constitue le problme... savoir comment cet extrieur peut, dans limmanence de lego, prendre et confirmer ce sens de la transcendance que nous avons et employons de faon navement immdiate () Nest-ce pas l le problme que devrait tre resolu en premier au moyen de quoi on pourrait statuer sur la possibilite principale, sur le sens ou le contre-sens de telles hypothses dans la sphre transcendantale de lego? Quand on a saisi les vrais problmes qui prennent naissance avec le retour cet ego, tout ce schma dune explication des donnes purement immanentes au moyen dune ralit objective quil faut admettre hypothtiquement et qui a une liaison causale avec ces donnes, tout ce schma nest-il pas en fin de compte un contre-sens achev? (HUSSERL: 1957, p.309). Traduo: O que so as hipteses que se oferecem to facilmente aos realistas, hipteses atravs das quais um mundo exterior real deve ser apreendido tomando por base o ser do ego que o nico a ter sido deixado evidente indubitavelmente pela reduo cartesiana e que o primeiro em si como todo conhecimento? Ser que este exterior, ser que o sentido possvel de uma realidade transcendente e de um a priori que lhe convm com as formas: espao, tempos e causalidade permitindo dedues, ser que no isto que constitui o problema... a saber como este exterior pode, na imanncia do ego, tomar e confirmar este sentido da transcendncia que ns temos e empregamos de forma ingenuamente imediata? E ser que est a o problema que deveria ser resolvido e atravs do qual poder-se-ia statuir sobre a possibilidade principal, sobre o sentido ou o contra-senso de tais hipteses na esfera transcendental do ego? Quando se apreendeu os verdadeiros problemas que nascem com o retorno a este ego, todo este esquema de uma explicao dos dados puramente imanentes atravs de uma realidade objetiva que preciso admitir hipoteticamente e que tem uma ligao causal com estes dados, todo o esquema , no final, um contra-senso acabado.
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somos levados a abrir o debate sobre a problemtica da constituio do mundo e
de ns mesmos (do Eu) no plano de uma conscincia imanente. Mas no podemos deixar de ressaltar uma questo extremamente relevante: a idia
anteriormente entendida como constituidora do objeto exibir uma carncia que no a deixa plenamente autnoma. O objeto como princpio da constituio transcendental. Logo, esbarraremos numa relao de reciprocidade
conscinciaobjeto e chamaremos esta relao de implicao. Conseqentemente, no haver mais motivos para afirmar que Husserl se
mantm no solipsismo27.
Se o objeto efeito ou produto de uma intencionalidade que o constitui, ela mesma, condio necessria para uma conscincia transcendental, se
apresentar como dependente do objeto, ou seja, geneticamente implicada. interessante observarmos que o prprio Husserl estava ciente disso, basta
vermos os problemas tratados por ele em Exprience et Jugement. Como
ressaltamos no inicio do captulo, so questes que nos remetem gnese do
pensamento, s que agora de uma maneira particular e subversiva pelo prprio
Husserl, que apresenta um desvio no mnimo curioso em sua obra. como se em lugar de uma progresso: conscinciaobjeto, falssemos de uma regresso: objetoconscincia, j que o objeto-mundo passa a exercer mxima importncia
27 No podermos deixar de salientar que, em sua vida, Husserl experimenta um momento
particular de crise. Na Introduo da obra Idias diretrizes para uma fenomenologia pura e uma filosofia fenomenolgica, Paul Ricoeur chama a ateno para este perodo, inclusive afirmando que sob a ameaa de um verdadeiro solipsismo, de um verdadeiro subjetivismo que nasce a fenomenologia: Comme il ressort de nombreux petits indits de la perode 1907-1911, cest une vritable crise de scepticisme que est lorigine de la question phnomnologique: un hiatus semble se creuser entre le vcu de conscience et lobjet (...) Cette question revient sous mille formes dans les indits de cette priode (RICOEUR: 1950, p. XXXIV). Traduo:Como ele publica inmeros pequenos escritos do perodo 1907-1911, uma verdadeira crise de ceticismo que a origem da questo fenomenolgica... um hiato parece crescer entre o vivido da conscincia e o objeto... (...) esta questo retorna sob mil formas nos inditos deste perodo
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para a edificao do pensamento husserliano. O objeto aparece como exemplo fctico de sua idia correlativa e por outro lado, a idia aparece como exemplar
ideal de sua realizao fctica. Como se duas gneses participassem da
constituio do pensamento e do mundo. como se fosse um ato de normatizao recproca da idia pelo fato (gnese passiva) e do fato pela idia (gnese ativa). Como se afirmssemos que o ego, outrora constituinte, no se bastasse ou se suportasse enquanto conscincia vazia e se dinamizasse
compulsivamente na ordenao de um mundo de significados, contornos e
formas28. Husserl no pretende explicar nem ser claro nessas questes, nem por
isso devemos culp-lo de impreciso ou ambigidade. Mas a verdade que se
apresenta um movimento dialtico entre fenomenologia e ontologia, (Husserl no reduz seu trabalho teoria do conhecimento). Teremos assim, nessa dialtica, dois tempos distintos: uma temporalidade de carter originrio,
fundadora de uma sntese a priori e por outro lado, uma temporalidade que diz
respeito efetivamente existncia humana (no sentido emprico). Com isso, Husserl se mantm firme em seu propsito de fundar uma sntese a priori pela
conscincia ativa, mas por outro lado, ele apresenta a idia da finitude humana
como essncia da estrutura geral da natureza humana. Uma existncia que no
est fora do tempo. Esse movimento anti-solipsista retira qualquer pretenso em
se analisar o pensamento de Husserl a partir de um ego isolado e fechado numa
temporalidade absoluta. Seria o velho combate sempre presente entre a
28 Segundo BERGER, Duas solues, absolutamente incompatveis se oferecem aqui ao filsofo:
ou bem cada ego permanece fechado no mundo de suas representaes e o mundo objetivo, comum a todos os sujeitos, no teria mais que uma realidade intencional. Ou bem o mundo realmente um e a separao das conscincias unicamente uma iluso egosta. Entre a monadologia e a filosofia transcendental a alternativa rigorosa. Salientamos a importncia do texto: La communication des consciences dans la phnomenologie p. 190-192 de Husserl onde Berger discutir o problema da intersubjetividade. Este texto est na obra Recherches sur les conditions de la connaissance. Essai dune thortique pure. Paris: Presses Universitaires, 1941.
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realidade mundana e a realidade do vivido. Sobre o incio absoluto da origem do
sentido do mundo. Contrariamente, sujeito e mundo se apresentam numa curiosa dependncia. Ou seja, se o ego ato puro de constituio do mundo, ele tambm se faz e se consolida porque est em direo a alguma coisa e neste ato de
constituio de algo, ele tambm se inventa e se descobre. como se o objeto remetesse o ego/sujeito sua originalidade, o mesmo que dizermos, na apario do objeto, aparece tambm o sujeito. Dessa forma, Husserl, no mais solipsista, se v s voltas com a intersubjetividade. O assunto abordado, como j falamos anteriormente, na Quinta Meditao Cartesiana (2001). Mas o mundo como apresentado pela fenomenologia carece de melhor entendimento: como
aparecem os contedos do objeto em minha conscincia?
Diante de tal exigncia em Husserl pela busca da evidncia, utiliza-se o
recurso da suspenso do juzo do mundo ou a suspenso da tese da existncia do mundo. S assim o objeto encontra sua iluminao e claridade. O processo de formao consciente do objeto remete-nos atitude transcendental. Pela suspenso do juzo da tese do mundo alcanamos uma reduo conscincia transcendental29. Ao eu puro constituinte. No se pe fim, entretanto, alteridade
sujeito-objeto, simplesmente o pensamento de Husserl mostra que, nesta alteridade, a constituio do objeto significa que h uma espcie de transcendncia na imanncia:
O fato d