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COMO OS ASPECTOS FORMAIS DE STANLEY KUBRICK E TIM BURTON COMPÕEM O SENTIDO DOS FILMES EM “O ILUMINADO” E “A NOIVA CADÁVER” Fabielle Ferreira Pedroso 1 Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM) Joseane Rucker 2 Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM) Resumo O estudo analisa cenas dos filmes O Iluminado e A Noiva Cadáver, de Stanley Kubrick e de Tim Burton, respectivamente, com o objetivo de explorar de que forma a fotografia cinematográfica influencia e complementa a narrativa fílmica. Desse modo, a análise desenvolvese em três sessões, nas quais é aplicada uma abordagem qualitativa, exploratória e documental. Nas duas primeiras, realizase a revisão teórica, a fim de definir conceitos, elementos e etapas essenciais na análise de uma fotografia cinematográfica e verificar de que forma a montagem contribui para a significância fílmica. A última apresenta o estudo sobre a vida e obra dos diretores e a análise de dez frames dos filmes escolhidos — de modo a priorizar a organização de elementos formais e sua significância dentro de uma composição com base na metodologia apresentada pelo autor Eisenstein, em O Sentido do filme —. Com a pesquisa concluise que os principais fatos ocorridos nas histórias dos diretores contribuíram para, não somente a formação da sua carreira profissional, mas, também, da construção dos seus estilos e possibilita a percepção da significância da escolha de elementos em uma composição fotográfica devido às possibilidades de interpretação que essa reserva ao fazer parte de uma montagem fílmica. Palavraschave: Stanley Kubrick; Tim Burton; O Iluminado; A Noiva Cadáver; fotografia cinematográfica; análise fílmica. Abstract The study analyses scenes from the movies The Shining and The Corpse Bride, of Stanley Kubrick and Tim Burton, respectively, aiming to explore how photography influences and complements the film narrative. Thus, the analysis is developed in three sections, in which a qualitative approach, exploratory and documental is applied. In the first two, held the theoretical review in order to define concepts, elements and essential steps in the analysis of a film photo and see how the assembly contributes to the filmic significance. The latter section presents the study of the life and work of the directors and the analysis of ten frames of the chosen films prioritizing the organization of formal elements and their significance within a composition based on the methodology presented by Eisenstein in The Film Sense . The research concludes that the major developments in the stories of the directors contributed to, not only the formation of his professional career, but, also, the construction of their styles and allows the perception of the significance of the choice of elements in a photographic composition due to the possibilities of interpretation that it reserves to be part of a filmic montage. 1 Estudante do curso de graduação em Design da ESPMSul. Email: [email protected] 2 Professora do curso de graduação em Design da ESPMSul. Email: [email protected]

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COMO OS ASPECTOS FORMAIS DE STANLEY KUBRICK E TIM BURTON

COMPÕEM O SENTIDO DOS FILMES EM “O ILUMINADO” E “A NOIVA

CADÁVER”

Fabielle Ferreira Pedroso 1

Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM)

Joseane Rucker 2

Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM)

Resumo

O estudo analisa cenas dos filmes O Iluminado e A Noiva Cadáver, de Stanley Kubrick e de Tim Burton, respectivamente, com o objetivo de explorar de que forma a fotografia cinematográfica influencia e complementa a narrativa fílmica. Desse modo, a análise desenvolve­se em três sessões, nas quais é aplicada uma abordagem qualitativa, exploratória e documental. Nas duas primeiras, realiza­se a revisão teórica, a fim de definir conceitos, elementos e etapas essenciais na análise de uma fotografia cinematográfica e verificar de que forma a montagem contribui para a significância fílmica. A última apresenta o estudo sobre a vida e obra dos diretores e a análise de dez frames dos filmes escolhidos — de modo a priorizar a organização de elementos formais e sua significância dentro de uma composição com base na metodologia apresentada pelo autor Eisenstein, em O Sentido do filme—. Com a pesquisa conclui­se que os principais fatos ocorridos nas histórias dos diretores contribuíram para, não somente a formação da sua carreira profissional, mas, também, da construção dos seus estilos e possibilita a percepção da significância da escolha de elementos em uma composição fotográfica devido às possibilidades de interpretação que essa reserva ao fazer parte de uma montagem fílmica.

Palavras­chave: Stanley Kubrick; Tim Burton; O Iluminado; A Noiva Cadáver; fotografia cinematográfica; análise fílmica.

Abstract

The study analyses scenes from the moviesThe Shining andThe Corpse Bride, of Stanley Kubrick and Tim Burton, respectively, aiming to explore how photography influences and complements the film narrative. Thus, the analysis is developed in three sections, in which a qualitative approach, exploratory and documental is applied. In the first two, held the theoretical review in order to define concepts, elements and essential steps in the analysis of a film photo and see how the assembly contributes to the filmic significance. The latter section presents the study of the life and work of the directors and the analysis of ten frames of the chosen films—prioritizing the organization of formal elements and their significance within a composition based on the methodology presented by Eisenstein in The Film Sense —. The research concludes that the major developments in the stories of the directors contributed to, not only the formation of his professional career, but, also, the construction of their styles and allows the perception of the significance of the choice of elements in a photographic composition due to the possibilities of interpretation that it reserves to be part of a filmic montage.

1 Estudante do curso de graduação em Design da ESPM­Sul. E­mail: [email protected] 2 Professora do curso de graduação em Design da ESPM­Sul. E­mail: [email protected]

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Keywords: Stanley Kubrick; Tim Burton; The Shining; The Corpse Bride; film photography; filmic analysis.

1 Introdução

A fotografia compreende diversos aspectos que garantem um novo espaço de

criatividade para o diretor. Isso possibilita que ele, por meio das suas escolhas visuais, traduza o

sentimento da narrativa de forma a contar uma história complementar, de modo a auxiliar o

espectador a interpretar e a compreender um universo fílmico. Esse artigo foi motivado pelo meu

interesse por fotografia e produção cinematográfica, principalmente aquelas que se destacam

por serem diferenciadas e trabalhadas a partir de detalhes técnicos.

Tim Burton e Stanley Kubrick são dois exemplos de artistas que, apesar de terem estilos

distintos, conseguem despertar sentimentos e gerar diferentes entendimentos em relação ao

conteúdo do filme por meio de uma construção singular da fotografia. O primeiro, com o uso de

um estilo mórbido, consegue transmitir os sentimentos e as opiniões do personagem em relação

ao ambiente no qual está inserido através da diferenciação de cenários e do contraste de cores

quentes e frias. O segundo, com um olhar fotográfico perfeccionista, sem poses, nem excessos,

leva o espectador a acreditar que aquilo que está vendo é real e não somente uma encenação.

Esse artigo estuda como os aspectos formais de Stanley Kubrick e Tim Burton

compõem o sentido dos filmes em “O Iluminado” e “A Noiva Cadáver”. A metodologia

utilizada será qualitativa, exploratória e documental, pois permite a definição de conceitos e

elementos essenciais na produção de uma fotografia, a leitura e interpretação clara dos aspectos

formais utilizados nas produções escolhidas para a análise e a ilustração da importância da

fotografia no cinema.

As duas primeiras sessões têm como objetivo específico definir conceitos, elementos e

etapas essenciais na análise de uma fotografia cinematográfica. Contextualização histórica

e definição de conceitos, a primeira, traz fatos históricos e descreve o modo como se estuda

uma fotografia. Nela, utilizam­se contribuições de autores como Santos (2009), Eisenstein

(1942), Ezequiel (2009), Abreu e Andrade (2016) e Farina, Perez e Bastos (2006). Em sequência,

breves considerações sobre os diretores, abrange os principais fatos ocorridos nas histórias dos

diretores que contribuíram, não somente para a formação da sua carreira profissional, mas,

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também para a construção dos seus estilos característicos, diferenciados e, portanto, originais ­

com o auxílio de autores como Ezequiel (2007), Bahout (2012), Xavier (1991), Castro (2012),

Melo (2011), Abreu e Andrade (2016) e Murari (2012).

Na próxima sessão, aplicação da teoria sobre o objeto escolhido, é feita a análise

sobre cenas dos filmes escolhidos, com, primeiramente, a descrição de todos os elementos que

compunham a cena e, posteriormente, o significado específico de cada um e o significado

desses quando colocados no contexto fílmico, com base nos dados coletados durante a leitura

do material referencial, o que permite a exploração e a análise de maneira detalhada da

fotografia e de demais elementos relevantes na estética da obra.Para tanto, foram escolhidos

seis frames do filme “O Iluminado” e quatro de “A noiva cadáver” para aprofundar a

compreensão da sua composição e do seu sentido geral.

Portanto, a análise auxiliará a exemplificar a importância da fotografia no cinema, a

sua influência na tradução da narrativa e a sua complementação na compreensão do

público, fazendo com que o trabalho, também, sirva comobase de pesquisapara estudantes de

cursos de produção audiovisual, de fotografia e de cinema interessados na construção de

fotografias autorais.

2 CONTEXTUALIZAÇÃO HISTÓRICA E DEFINIÇÃO DE CONCEITOS

No verão de 1826, foi tirada a primeira fotografia no mundo. O desenho formado em

uma placa de peltre banhada em óleo de lavanda e exposto ao sol tornou­se um marco, não 3

somente na história tecnológica, mas também no âmbito artístico. A partir desse momento, a

fotografia passou a ser considerada arte, a qual, por meio da exposição de luz, é possível capturar

imagens que, futuramente, também serão colocadas em sequência a fim de formar uma

montagem.

Um filme confere uma linguagem visual que vai lidar com a composição dos objetos

dentro dos planos, conferindo forma à imagem em movimento (SANTOS, Marcelo Moreira.

2009, p.6). Com isso, no final da década de 1950, na França, os diretores começam a inserir um

3 O Peltre é uma liga composta de estanho, cobre, antimônio e chumbo . É maleável, macio e branco com alguma semelhança coma prata, muito reativo e funde entre 170 e 230 ° C, por isso é muitas vezes usado para decorações. NicéphoreNiépce usou este material para tirar a primeira fotografia: Vista da janela em Le Gras. Fonte: Wikipedia.

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determinado estilo para os filmes que produziam, o que proporciona uma identificação autoral a

eles. Desde então, a produção fílmica pode ser analisada não somente em sua constituição geral

de obra, mas como um conjunto de pluraridades que envolve o discurso, a forma e a sintaxe em

toda a sua compreensão de diversos elementos como cenografia, figurino, diálogos, atores, luzes,

cores, textura, relevos, sons, trilha sonora, etc (SANTOS, 2009, p.5).

Entretanto, compor um plano no qual todos esses elementos, além de expressarem os

próprios significados, conversem entre si, de forma a montar uma narrativa coesa, não é uma

tarefa fácil. O diretor, ao montar uma sequência, necessita ter, além de uma noção generalizada

da história, um olhar crítico e poético que o permita observar o significado único de cada

elemento do plano e a síntese que ele formará quando posto em conjunto com os outros. Desse

modo, o diretor assume um papel significativo na construção de uma montagem fílmica, pois é

sua responsabilidade saber conciliar todos os elementos presentes.

O próprio autor Eisenstein escreve, no livro O Sentido do Filme, que “cada fragmento

de montagem já não existe mais como algo não­relacionado, mas como uma dada representação

particular do tema geral, que penetra igualmente todos os fotogramas. A justaposição desses

detalhes parciais em uma dada estrutura de montagem cria e faz surgir aquela qualidade geral em

que cada detalhe teve participação e que reúne todos os detalhes num todo, isto é, naquela

imagem generalizada, mediante a qual o autor, seguido pelo telespectador, apreende o tema.”

(EISENSTEIN, 1942. p. 18 )

Logo, à medida que os ângulos da montagem interagem com a trilha sonora, por

exemplo, há uma justaposição de elementos, os quais, em conjunto, formarão um signo fílmico

capaz de desenvolver uma complexidade interpretativa no espectador. Ao explorar todos os

elementos de um filme, o crítico ou, até mesmo, o próprio espectador visa distinguir, analisar e

inferir significados que irão influenciar na compreensão e na interpretação dos mesmos no

contexto geral da produção. Ou seja, na percepção e na consciência do espectador, uma série de

ideias serão analisadas, organizadas e montadas como uma imagem total que, após serem

interpretadas, resultarão em uma reação sentimental/sensorial inconsciente. As experiências de Binet mostraram que as impressões transmitidas ao cérebro pelos nervos sensoriais exercem uma influência importante nos tipos e intensidades da excitação distribuída pelo cérebro para os nervos motores. Muitas impressões sensoriais agem debilitando e inibindo os movimentos; outras, pelo contrário, os tornam poderosos, rápidos e ativos; elas são “dinamogênicas” ou “produtoras de energia”.

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Como uma sensação de prazer está sempre ligada à dinamogenia, ou à produção de energia, toda coisa viva, em consequência, instintivamente procura impressões sensoriais dinamogênicas e evita as que enfraquecem ou inibem. (EISENSTEIN, 1942. p. 97)

O espectador, ao assistir a um filme, fará uma análise geral do tema com base no seu

conhecimento, nos seus costumes e na sua visão de mundo. Todas essas informações serão

levadas em consideração na interpretação inconsciente dessa pessoa, e as percepções resultantes

irão influir no âmbito sensorial, levando­a a ter lembranças e a sentir sensações. Por exemplo,

uma pessoa que, ao ver um bolo de cenoura em um filme, emociona­se ao assimilar à lembrança

do cheiro do bolo feito por sua avó quando criança.

A autora Maíra Cinthya Ezequiel diz que “a análise de sentido em artes visuais se dá em

três etapas: a primeira dá­se a constatação imediata da obra como um dado sensório, é o

momento da manifestação da obra em seu caráter puramente qualitativo. A etapa seguinte é a

tentativa de leitura objetiva do que está diante de nossos olhos (aka análise iconográfica), trata­se

da varredura dos dados observáveis, constatação do que se apresenta aos olhos como referência

de algo existente, condicionada pelo repertório individual de cada leitor e pela cultura na qual

está colocada. Por fim, passa­se o levantamento de hipóteses para a interpretação mais

aprofundada, inter­relacionando­se os dados da própria obra com outros fatos, teorias. conceitos

e, mesmo, outras obras.” (EZEQUIEL, 2009. p. 18)

Com isso, a autora tem por base que a relação entre imagem e emoção é o principal

ponto que torna a utilização de elementos característicos em uma produção fílmica extremamente

elementar. No momento em que os aspectos visuais causam algum tipo de reação naquele que os

analisa, eles demonstram que a sua presença é notória e influenciadora na compreensão da obra

como um todo. Isto é, ao influenciar na síntese de um filme, a montagem expressa uma

importância significativa no entendimento do espectador da obra como um todo, ela prova que a

pessoa, ao assistir um filme, não irá analisar somente a história, mas todos os elementos

presentes na imagem e o seu significado juntamente com o roteiro apresentado.

Devido a essa grande importância na sintaxe fílmica, muitos aspectos devem ser levados

em consideração na composição de uma cena, afinal, cada elemento presente fará parte da

linguagem fílmica e terá um significado na visão do público. A linguagem — composta por

todos os elementos que formam o filme, como montagem, enquadramento, iluminação, figurinos,

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cores, som, etc. — é responsável por guiar e concretizar a narrativa, abrindo um vasto leque de

possibilidades para os realizadores. Cada elemento traz significados próprios que podem ser

expandidos, alterados e explorados mediante a combinação com outros elementos. Atuando em

conjunto, os itens formam uma unidade fílmica capaz de transmitir sentimentos e sensações para

os espectadores (ABREU, T.C., ANDRADE, A. L. M. 2016. p. 2).

Como dito pelos autores citados anteriormente, cada elemento da linguagem terá

significados próprios e, por isso, podem ser explorados mais profundamente pelos diretores. Por

meio do enquadramento, por exemplo, o diretor poderá escolher, dentre as diversas posições de

quadro, a que conferir uma maior ênfase dramática à cena. Outro importante elemento é a luz,

afinal, a própria fotografia se dá pelas diferentes formas de captação da luminosidade. À vista

disso, ao utilizar a luz de forma seletiva, dando ênfase a elementos de maior importância na

montagem, o diretor criará uma certa atmosfera na obra e direcionará a compreensão e a

interpretação do espectador. Em conjunto com a luz, a cor também pode ser trabalhada, pois

distintas luzes das cores são processadas pelo olho humano e indiretamente afetam o hipotálamo.

O hipotálamo, por sua vez, afeta a glândula pituitária, cuja função é controlar os níveis

hormonais e, consequentemente, o humor (cf. FARINA; PEREZ; BASTOS, 2006).

É importante destacar que todos os aspectos irão, de alguma forma, influenciar na

compreensão do espectador, pois cada elemento irá desencadear uma associação no

subconsciente do público. Isso ocorre devido ao fato de que uma pessoa, ao perceber um

elemento, irá procurar inconscientemente um significado para o mesmo. Essa interpretação se

dará por meio de associações com base no conhecimento prévio adquirido pela pessoa. Ou seja,

com base na sua cultura, nos seus costumes e na sua história particular, o indivíduo atribuirá uma

definição àquela imagem que está observando e analisando.

Os elementos presentes em um filme assumem sentidos pessoais que variam de acordo

com as lembranças, as circunstâncias de vida, as experiências cotidianas, a educação e a

construção psíquica de cada sujeito (ABREU, T.C., ANDRADE, A. L. M. 2016. p. 4) Desse

modo, o indivíduo irá, mesmo que de forma inconsciente, atribuir significados para todos os

elementos presentes na montagem e, com isso, conferir um sentido para a obra como um todo. O

que comprova que os aspectos formais de um filme denotam a história do mesmo mais sentido,

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no momento em que os diversos elementos que compõem uma montagem fílmica são capazes de

proporcionar diferentes interpretações da história e do seu sentido por parte do público. Assim,

essa possibilidade de distintas percepções, juntamente com o conhecimento adquirido de forma

indireta por experiências vivenciadas até o momento, garante ao diretor uma maior liberdade

expressiva nos elementos que compõem a cena a fim de influenciar a compreensão do público.

3 BREVES CONSIDERAÇÕES SOBRE OS DIRETORES

3.1 Stanley Kubrick

A invasão e a predominância da presença expressiva de luzes, sombras e cores. O contato com essa experiência visual se dá de forma sutil, velada, quase subterrânea. [...] A busca pela fidelidade do modo como um tempo é visto por quem o vive, transporta o espectador diretamente para a crença na possibilidade real daquilo que não é mais que encenação. (EZEQUIEL, 2007, p. 15)

Stanley Kubrick nasceu na cidade de Nova Iorque, no dia 26 de julho de 1928 e tem

como principal característica seu olhar fotográfico perfeccionista e intenso. Logo aos 17 anos de

idade, ele chamou a atenção dos editores da revista Look ao demonstrar esse olhar por meio de

uma foto (Figura 1) única em termos de composição. Nela, um homem, vendedor em uma banca 4

de jornais, está praticamente enquadrado por notícias da morte do presidente Roosevelt e

apresenta uma feição extremamente emocional, dando um grande significado a um simples

retrato de noticiário. Assim, no ano de 1945, Kubrick foi chamado para fazer parte da equipe

fotográfica da revista, na qual ficaria até o ano de 1950. Figura 1 ­ Foto tirada por Kubrick aos 17 anos de idade no dia da morte de Roosevelt.

4Todas as figuras desse trabalho estarão nos anexos.

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Fonte: http://kultme.com.br/kt/2015/07/27/stanley­kubrick­o­jovem­fotografo/

Em seguida, ele trocou as câmeras fotográficas pelas de vídeo. Foi justamente a

fotografia que despertou seu interesse pelo cinema, sendo sempre extremamente meticuloso, por

isso gostava de ter pleno controle sobre seus filmes. A concepção de suas cenas acontecia após

muito tempo de planejamento e de estudos, tudo deveria estar no lugar certo, na hora certa

(BAHOUTH, M. E. B. 2012, p. 33) O seu conhecimento de enquadramento, de ângulos, de luz e

de cores adquirido com a experiência fotográfica o auxiliou a configurar um estilo rigoroso e

detalhista reconhecido no cinema.

A obsessão pelo perfeccionismo na captura de imagens é uma característica

constantemente associada ao diretor, o qual chama a atenção pela perfeita expressão de ideias

sem o excesso de informações. Há uma marcante particularidade na fotografia utilizada por

Kubrick: a composição simétrica do enquadramento denota clara estilização, assim como a

tendência a centralizar as personagens principais (notadamente nas célebres cenas em que realiza

movimentos de acompanhamento de personagem com a câmera) e a preferência pelas lentes

extremamente grande­angulares, com algumas cenas feitas com câmera na mão (filmadas pelo

próprio diretor) (JUNIOR, s.d., p.3)

Em consequência disso, o diretor torna­se conhecido não somente por ter características

marcantes em suas produções cinematográficas, mas, também, por utilizar um estilo fotográfico

único. Kubrick dispõe de um olhar perceptivo aguçado e uma atenção minuciosa a detalhes e aos

seus significados em uma composição fotográfica que, aliados ao seu amplo conhecimento de

fotografia, determinam uma qualidade cinematográfica extremamente original. Com isso, sua

singularidade fílmica é incapaz de ser copiada, pois é resultado da justaposição de um

aprendizado adquirido e de um talento único reconhecido desde o início de sua adolescência.

3.2 Tim Burton

O Efeito gerado pelo ambiente pode e deve ser muito explorado na arte dramática. [...]Mas é na arte cinematográfica que se abrem as melhores perspectivas de utilização desses recursos expressivos adicionais que emanam do ambiente, dos elementos cênicos, das linhas, das formas e dos movimentos. (XAVIER, 1991, p.49)

Tim Burton nasceu na cidade deBurbank, Califórnia, no dia25 de agosto de 1958 e, até

os dias atuais, chama a atenção com a sua construção filmográfica expressionista e, de certa

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forma, mórbida, diferente dos padrões fílmicos de Hollywood. Durante a sua infância, o

cineastra não se adaptava à vida doméstica e escolar, portanto participava de um grupo chamado

OW SHIT STUDIOS (O.S.S), no qual se reunia com amigos para ler livros de Edgar Allan Poe e

assistir a filmes de terror de baixo orçamento. Ao que parece, ter sido uma criança meio solitária

o ajudou no desenvolvimento da sua imaginação, e o fato de ter assistido a diversos filmes de

terror que foram produzidos o influenciou a fazer suas animações. (CASTRO, 2012, p. 57)

Os gostos pessoais de Tim Burton e o seu desejo de fugir do convencional em seus

trabalhos cinematográficos o fizeram um tanto quanto incompreendido no começo da carreira.

(MELO, 2011, p. 38). Começou trabalhando para a Disney como animador, após ganhar uma

bolsa e estudar animação no Instituto das Artes da Califórnia em Valencia, entretanto foi

demitido devido à incompatibilidade do seu estilo com o da empresa. Todavia, foi durante esses

anos que Burton produziu seu primeiro curta­metragem: a animação “Vincent” (1982). Essa

mostraria, logo de início, o estilo característico do diretor. No curta, os ambientes apresentam­se

extremamente compostos e contrastados, criando uma aura claustrofóbica e macabra

característica das produções de Burton. O estilo burtonesco é, pois, definido por um fascínio pelo monstruoso, bem como por conflitos internos de personagens que são inseridos em um contexto de isolamento e de impossibilidade de adaptação. Tais características revelam outra influência extremamente forte na filmografia de Tim Burton: o Expressionismo alemão. (ABREU, T. C.; ANDRADE, A. L. M., 2016, p. 5)

As obras de Tim Burton são caracterizadas pelo destaque das cores contrastantes e das

formas utilizadas sobre a narrativa em si. Essa particularidade dos trabalhos do cineastra se dá

devido a sua influência do expressionismo alemão que tem como principais características a

utilização de cores frias e contrastantes entre si e a deformação de ambientes e de seus

elementos, o que gera uma aura fúnebre à obra. Tais características se devem ao fato de que o

Expressionismo surge no século XX, durante a participação da Alemanha na Primeira Guerra

Mundial, como reflexão do inconsciente alemão, revelando a miséria e destruição que tanto os

afligiam. (MURARI, L. C., 2012, p. 133)

O autor Lucas de Castro Murari destaca: Em suma, o expressionismo trabalha fenômenos interiores através de representações exteriores. Essa dualidade reforça o caráter psicológico tanto dos personagens, como do espectador. A dupla identificação da mise­en­scène com o público recorre a uma das principais características deste movimento: os temas macabros e insólitos. Isto permite

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uma relação do argumento com a narrativa, estabelecendo uma estética paradoxal. (MURARI, L. C., 2012, p. 135)

Desse modo, é possível perceber a ampla influência da estética Expressionista nas obras

de Burton. Em seus filmes, com a utilização de cores contrastantes e uma iluminação marcante

no cenário, o diretor busca destacar o tumultuado psicológico do personagem, ressaltando a sua

visão interior. Assim, bem como nas obras expressionistas, os filmes de Burton buscam utilizar

uma estética que reflete um olhar subjetivo sobre a situação, de forma que o importante não é a

aparência em si, mas o que ela significa no contexto geral da obra, de modo a passar uma

mensagem, provocar um conjunto de signos ou despertar um sentimento no espectador.

Logo, todas as produções do cineastra revelam alguma mensagem por trás de sua

composição. Burton subverte em um exercício consistente a estrutura formal e atípica do cinema

de gênero, fazendo com que o monstro já não seja mais a projeção dos nossos medos e temores, a

ameaça, mas a consequência direta, a triste criação de uma sociedade entregue por completo à

superficialidade (MELO, 2011, p. 43). Com personagens isolados ou deslocados, que possuem

uma certa riqueza psicológica, os filmes do diretor trazem, por meio da sua composição, uma

representação dos lados mais obscuros da condição humana, levando o espectador a interpretar e

metaforizar a vida em sociedade.

4 APLICAÇÃO DA TEORIA SOBRE O OBJETO ESCOLHIDO

Segundo Eisenstein no livro "A forma e o sentido do filme”: Deveríamos ter­nos voltado para os casos nos quais os planos não só estão relacionados entre si, mas nos quais este resultado final, geral, global não é apenas previsto, mas predetermina tanto os elementos individuais quanto as circunstâncias de sua justaposição. [...] A imagem total do filme, determinada tanto pelo plano quanto pela montagem, também emerge, dando vida e diferenciando tanto o conteúdo do plano quanto o conteúdo da montagem. Casos assim é que são típicos da cinematografia. Com este critério de montagem, os planos isolados e sua justaposição atingem uma correta relação mútua. Além disso, a própria natureza da montagem não apenas deixa de se distanciar dos princípios de estilo cinematográfico realista, mas funciona como um dos recursos mais coerentes e práticos para a narração naturalista do conteúdo de um filme. (EISENSTEIN, 1990, p.18)

Nesse sentido, o autor sugere que o contexto geral de um filme agrega tanto os

elementos presentes em sua montagem e seus respectivos significados, quanto a justaposição

desses elementos que gera um plano interpretativo maior. Assim, a montagem é uma relação

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entre os signos dos elementos de modo isolado e em conjunto com os demais que funciona como

meio de agregar conteúdo ao filme. Consequentemente, nessa sessão, o estudo será feito de

modo exploratório, no qual os frames escolhidos serão analisados — em toda a sua conjuntura de

elementos utilizados e sua justaposição na montagem — e interpretados, a fim de relacionar os

aspectos formais da fotografia cinematográfica com o sentido dos filmes.

4.1 Análise das cenas de O Iluminado, um filme de Stanley Kubrick

Com O Iluminado (1980), o diretor Kubrick trouxe para o gênero terror o medo psicológico não utilizando os elementos visuais clássicos de filmes de terror. O clima de suspense é muito forte durante toda a trama, pois além do isolamento em que eles se encontram, aos poucos percebemos que o Overlook não é um simples hotel.[...] O filme foi criado em um cenário que tem uma quietude que não corresponde à história contada, tendo um estilo visual que não indica que é um filme de terror, uma decisão consciente do diretor que cria uma sensação de normalidade, fazendo com que o terror que os personagens vivem muito mais real e possível. A fotografia branca, limpa, quase asséptica reflete a loucura e o vazio de Jack Torrance, isolado naquele hotel.[...] E com o passar do tempo e o aumento da loucura de Jack, a fotografia vai escurecendo, se tornando menos nítida, até finalmente se tornar fria, em tons azulados, com a neve atrapalhando completamente a visão, num reflexo do atordoado estado mental do escritor. (BAHOUTH, 2012, p.33)

4.1.1 O corredor

Figura 2 ­ Sequência do corredor no filme O Iluminado.

Fonte: Frames capturados pela autora.

A primeira sequência selecionada (Figura 2) começa com o menino andando de triciclo

pelos corredores do hotel. A câmera está baixa e centralizada, seguindo os movimentos da

criança com perfeição, de forma que quem está assistindo sente­se como se estivesse em um

triciclo logo atrás. Assim, a construção da cena, na qual a filmagem— com o uso desteadycam

proporciona ao espectador a exata visão do menino — é associada ao som único do movimento

do triciclo sobre o carpete, e faz com que o espectador fique completamente imerso na situação

ao ficar em alerta por não saber o que irá acontecer em seguida.

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Após algumas voltas, o menino para, e a câmera, então, se levanta, reproduzindo o

movimento que seria feito por uma pessoa, caso ela estivesse o acompanhando e se levantasse a

fim de minimizar sua curiosidade sobre o ocorrido. Nesse momento, é possível observar que, ao

final do corredor, no qual o menino recém havia entrado, há duas meninas de mãos dadas. O

posicionamento da câmera suscita o espectador a entrar em modo acautelado junto com o menino

ao ver algo tão inesperado.

Por meio da associação e do conhecimento prévio das cenas, o espectador irá recordar

que as mesmas meninas já haviam aparecido em uma das visões do menino antes de ir para o

hotel. Nessa visão, ele vê as duas meninas mortas no final do mesmo corredor que estava agora.

Desta forma, no terceiro quadro, a utilização do zoom com desfoque, enfatiza a reação do

menino, a qual acredita­se ter sido a mesma do público justamente por estar tão imerso na

história graças a toda a construção da montagem.

4.1.2 O banheiro

Figura 3 ­ Sequência do banheiro no filme “O iluminado”.

Fonte: Frames capturados pela autora.

A segunda sequência (Figura 3) também é marcada pela construção fotográfica

perfeccionista de Kubrick, a qual consegue tornar a experiência de assistir ao filme ainda mais

imersiva e, nesse caso, desesperadora. O jogo de câmeras torna­se essencial, pois é ele que irá

definir a apreensão do público ao ver o desespero da personagem que corre o risco de ser morta

pelo personagem principal. A cena começa com a mulher se trancando no banheiro a fim de se

esconder do seu marido que está tentando assassiná­la. Ele vem logo atrás com um andar

convicto. Nesse início da cena, a câmera segue atrás do homem, como se o espectador estivesse

logo atrás dos dois observando a fuga. As cores são quentes, o que torna o ambiente mais

aconchegante e cômodo para o espectador, deixando­o mais próximo da situação, como é

possível observar no primeiro quadro.

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Entretanto, essa imersão é quebrada no momento em que, no segundo quadro, enquanto

o homem apenas fala próximo à porta, a imagem mostra o ambiente interior, ou seja, mostra a

mulher que se encontra no canto do ambiente, centralizada no enquadramento, juntamente com o

machado que está atravessando a porta, uma maneira do diretor de sugerir o possível futuro da

vítima. As cores, no recorte, são frias graças à parede branca com azulejos brancos que também

contextualiza o local no qual ela está: o banheiro do quarto. A associação da expressão de pavor

e de apreensão feitas pela mulher em conjunto com o seu enquadramento e as cores do ambiente

sugere uma sensação de sufocamento, o que leva o espectador a sentir­se da mesma forma que a

vítima ao assistir à cena.

No terceiro quadro, o enquadramento muda novamente, a localização da câmera —

ambiente interior — junto com o seu direcionamento para a porta que, por estar quebrada,

emoldura o homem que está do lado de fora preparando­se para dar mais uma machadada, deixa

o espectador mais apreensivo e amedrontado, justamente por ter a sensação de estar preso com a

vítima. Esse posicionamento da câmera, associado à mudança rápida entre o enquadramento,

como é mostrado no segundo e no terceiro quadro, causa uma certa vertigem no espectador que,

por estar junto à vítima no banheiro, sente­se imerso na situação e fica mais nervoso e ansioso

com a ação delirante e furiosa do homem que está quebrando a porta com marretadas.

Dessa forma, é possível perceber pelo estilo de Kubrick que o enquadramento e as

escolhas feitas pelo diretor em relação à montagem de uma cena são de extrema importância.

Afinal, é somente devido à escolha de ângulos e de troca de enquadramentos feitas por Kubrick

que há uma imersão tão grande do público em seus filmes. De modo que a relação harmônica

entre enquadramento, cor, ângulo, cenário, iluminação e sonorização procura o espectador em

seu nível mais primário, buscando atingir uma região consciente que se esconde sob um “caráter

socialmente aceitável”, uma região pessoal, solitária.”. (MENDONÇA, 2004, p.103) Portanto, a

boa escolha de elementos de composição, principalmente em filmes de suspense, os quais tornam

mais interessantes e intensos à medida que a imersão do espectador aumenta, além de favorecer

uma melhor produção fílmica, gera o foco contínuo sobre o filme que despertará sentimentos e

sensações no público de modo a deixar a experiência cinematográfica mais completa.

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4.2 Análise das cenas de “A Noiva Cadáver”, um filme de Tim Burton

4.2.1 O mundo dos vivos

Figura 4 ­ Cenário do mundo dos vivos no filme “A noivacadáver”.

Figura 5 ­ Personagens do mundo dos vivos no filme “A noiva cadáver”.

Fonte: Frame capturado pela autora. Fonte: Frame capturado pela autora.

Ao analisar as imagens do mudos dos vivos, é possível observar que ambas têm poucas

cores, havendo uma predominância de tons frios em baixa saturação, como se tivessem sido

pintados acima de tons de preto e branco, dando um ar de tristeza e morbidez aos cenários.

Característica também apontada por Abreu, T. C. e Andrade, A. L. M.: Sobre tons cinzentos

ligeiramente azulados, constrói­se uma atmosfera sombria e fria que transmite ao espectador, a

partir de sua capacidade de criar associações relacionando cores, uma sensação de solidão e

tristeza (ABREU, T. C., ANDRADE, A. L. M., 2016, p. 06).

Nota­se que os cenários do mundo dos vivos (Figura 4) são compostos por diversas

construções que, devido ao seu aspecto, formam linhas contínuas verticais e horizontais,

construindo um espaço constante, detalhes que trazem uma ideia de realidade repetitiva e

monótona. Ademais, em sua grande maioria curvados, sempre vestidos com roupas escuras,

magros ao ponto de parecerem estar definhando, pálidos e sem expressão alguma, os

personagens (Figura 6) assemelham­se à estátuas. Assim, junto às cores com baixa saturação,

predominantemente frias, e o cenário retilíneo e repetitivo, citados anteriormente, os personagens

também compõem toda a ideia de realidade maçante e desagradável presente na estruturação do

mundo dos vivos.

4.2.2 O mundo dos mortos

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Figura 6 ­ Cenário do mundo dos mortos no filme noiva cadáver”.

Figura 7 ­ Personagens do mundo dos mortos no filme noiva cadáver”

Fonte: Frame capturado pela autora. Fonte: Frame capturado pela autora.

O mundo dos mortos apresenta uma grande variação de cores, com alta saturação e

contraste, trazendo um aspecto mais vívido ao cenário e aos personagens. No cenário (Figura 5),

as casas com grande contraste de cores bem saturadas e diferenciadas e com uma ampla variação

de luz e sombra, juntamente com a construção dos quadros que não tem organização ou grade, de

forma que tanto personagens quanto prédios e ruas são tortos, causam a impressão de estarem

sempre em movimento.

Os personagens (Figura 7) são, em sua grande maioria, esqueletos ou corpos

incompletos, como no caso da própria noiva cadáver que possui partes do corpo ainda com pele e

outras partes nas quais aparecem somente ossos. Entretanto, apesar da falta de musculatura,

todos os personagens movimentam­se de forma que parecem estar sorrindo, com as bocas

abertas, transmitindo a ideia de euforia, de bem estar e de despreocupação.

4.2.3 Análise geral

A partir da introdução dos dois mundos, o desenvolvimento da narrativa tem como alicerce o contraste criado, sempre reafirmando e evidenciando as características das duas realidades através do uso da cor. Dentre os atributos cromáticos existentes, destaca­se, no filme em questão, um vasto uso da saturação, artifício indispensável na construção dos universos opostos. O mundo com pouca saturação aparece associado à languidez e à melancolia, ao passo que aquele com cores bastante saturadas se relacionam com um estado de bom humor. (ABREU, T. C., ANDRADE, A. L. M., 2016, p. 08)

Como afirmado pelos autores Abreu, T. C. e Andrade, A. L. M, ao comparar as

imagens, é percebida a discrepância na construção dos mundos e dos seus respectivos

personagens, de maneira que há uma grande diferenciação pelo uso de cores, de saturação, de

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iluminação e de enquadramento. No mundo dos vivos, as construções em linhas verticais e

horizontais, as cores frias e com baixa saturação configuram um ar monótono ao cenários e aos

personagens, de modo que são associados conceitos abstratos como a ganância pela riqueza,

principal objetivo pelo qual no filme está ocorrendo o casamento entre os dois jovens Victor Van

Dort— filho de novos­ricos comerciantes de peixe— e Victoria Everglot— filha de aristocratas

falidos —. Por consequinte, esses conceitos, associados à temática cromática mórbida, trazem

uma relação mais profunda, na qual se entende que a ganância pelo dinheiro torna o homem

emocionalmente indiferente e sem originalidade alguma.

No mundo dos mortos, observa­se o grande contraste de cores e a beleza espontânea dos

personagens que, por não vivenciarem pressões sociais, buscam uma maneira de representar a

sua identidade, havendo, por isso, variadas expressões e personalidades, conferindo uma aura

mais vívida ao cenário e aos seus personagens. Desse modo, com a utilização de cores e

diferentes modos de iluminação, o diretor relaciona conceitos como liberdade de expressão e

personalidade ao ato de desprender­se de convenções sociais.

Vale destacar a observação feita por Mônica Baltazar Signori em relação ao significado

de expressão interior dado ao uso do contraste de cores feito por Burton: Estar vivo apenas não basta, transitar pelos valores socialmente instituídos é muito pouco. Ao cessar a vida e suas convenções sociais, resta o que a pessoa efetivamente tem de si. Emily não está viva, mas tem sentimentos, é verdadeira; o mundo dos vivos, no entanto, é limitado pela exterioridade, esvaziando­se de emoções, de sentimentos, de autenticidade. (SIGNORI, 2012, p.16).

Assim, é possível afirmar que a caracterização de cores utilizada no filme segue o

universo interior dos personagens, levando em consideração a liberdade íntima de cada um em

relação aos acontecimentos externos.

5 Considerações Finais

O presente artigo apresentou como tema a análise dos principais elementos narrativos

utilizados por Stanley Kubrick e Tim Burton em O Iluminado e A Noiva Cadáver,

respectivamente, com o objetivo de compreender o uso da construção da fotografia como forma

de complementar a narrativa fílmica. Os objetivos específicos, os quais consistiam em definir

conceitos, elementos e etapas essenciais na análise da montagem projetual, assim como a sua

descrição e significado quando colocados no contexto cinematográfico, de modo a exemplificar a

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importância da escolha de elementos para a construção da significância narrativa, foram

atingidos. Desse modo, o estudo realizou­se em três sessões. Nas duas primeiras, verifica­se a

revisão teórica, a fim de definir conceitos, elementos e etapas essenciais na análise de uma

fotografia cinematográfica e verificar de que forma a montagem contribui para a significância

fílmica. A última, levando em consideração a importância da organização de elementos formais e

sua significância dentro de uma composição, com base na metodologia apresentada pelo autor

Eisenstein, em O Sentido do filme, apresenta a investigação sobre a vida e obra dos diretores e o

estudo de dez frames dos filmes escolhidos. Posto isso, os dados apontados possibilitaram a

análise satisfatória que cumpriu com os objetivos específicos propostos e respondeu o

questionamento principal da pesquisa.

Com base nas informações apresentadas na primeira sessão do artigo, constatou­se que

a linguagem fílmica — composta por todos os elementos que formam o filme, como montagem,

enquadramento, iluminação, figurinos, cores, som, etc.— é responsável por guiar e concretizar a

narrativa, abrindo um vasto leque de possibilidades para os realizadores. O diretor apresenta um

papel significativo na construção de uma montagem fílmica, uma vez que, ao montar uma

sequência, ele necessita ter, além de uma noção generalizada da história, um olhar crítico e

poético que lhe permite observar o significado único de cada elemento do plano e a síntese que

ele formará quando posto em conjunto com os outros.

Ademais, após a análise detalhada dos frames escolhidos, com base na metodologia de

Eisenstein, foi possível identificar que Kubrick tem um olhar perceptivo aguçado e uma atenção

minuciosa a detalhes e aos seus significados em uma composição. O diretor, a partir da

manipulação dos aspectos formais — que geram uma relação harmônica entre enquadramento,

cor, ângulo, cenário, iluminação e sonorização —, intensifica a imersão do público ao contribuir

com o significado geral do filme. Da mesma forma, a infância conturbada de Tim Burton,

rodeada pelos livros de Edgar Alan Poe e por filmes de terror de baixo orçamento, contribuiu

para o desenvolvimento de um estilo característico de construção filmográfica. Com um toque

expressionista e, de certo modo, mórbido, as obras de Tim Burton são caracterizadas pelo

destaque das cores contrastantes e a construção diferenciada do ambiente, de forma a destacar o

tumultuado psicológico do personagem, ressaltando a sua visão interior.

18

Portanto, a partir da análise sobre as cenas dos trabalhos de Burton e de Kubrick

constata­se que, na medida em que as ações do personagem interagem com a trilha sonora, o

ângulo ou as cores, o filme aciona processos interpretativos na mente do espectador que procura

entender o signo da construção da linguagem fílmica. Cada elemento não tem somente um

significado, mas uma relação com toda a construção à sua volta de forma a gerar uma imagem

generalizada na mente do espectador. Assim, por meio da associação e organização dos

elementos presentes na montagem, o público fica cada vez mais imerso no filme ao tentar

entender qual a mensagem que está sendo transmitida.

Tendo em vista os aspectos observados, para estudantes de cursos de produção

audiovisual, de fotografia e de cinema, esse trabalho revela a importância da escolha de

elementos na construção de uma montagem, independente da mídia na qual se encontra, pois a

má utilização desses pode alterar a interpretação do público e transmitir a mensagem errada. O

profissional da área deve ater­se ao estudo de cada elemento que pretende utilizar na construção

de uma linguagem narrativa, de modo a compreender o significado que esse está gerando. No

que diz respeito a possibilidades de novas investigações relacionadas à temática, propõe­se um

estudo detalhado da trilha sonora escolhida para o filme A Noiva Cadáver, de Tim Burton, a fim

de compreender o seu papel na narrativa. Dessa forma, seria possível a identificação precisa da

relação entre um aspecto específico com o significado geral da construção filmográfica,

compreendendo a importância da escolha detalhada de elementos em uma montagem.

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6 Referências Bibliográficas

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