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COMO O IMPÉRIO VALOURO QUER FUGIR A CRISE

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COMO O IMPÉRIOVALOURO QUERFUGIR A CRISE

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Como a Valouro quersobreviver à criseAos 70 anos, os gémeos António José

e José António dos Santos estão deolhos postos nos investimentos quequerem pôr em marcha. Para lhes darcontinuidade contam com o sobrinho

Dinis, o herdeiro da fortuna e o sucessornos negócios

COMO AVALOUROQUERSOBREVIVER

Aos 70 anos, os gémeos António José e José Antóniodos Santos estão de olhos postos nos investimentosque querem pôr em marcha. Para lhes darcontinuidade contam com o sobrinho Dinis,o herdeiro da fortuna e o sucessor nos negóciosTexto Maria Martins Foto Giorgio Bordino

"Crises já passámos várias, masesta tem contornos diferentes",assumem os irmãos Santos. Hácerca de dez anos, apostaramfortemente na exportação, porqueo grupo já era maior do que o

país. O destino natural foi Espanha, mas também algunspaíses africanos, como Angola. Hoje, diversificaram os seusmercados e estão mais fortes do que nunca em capacidadeprodutiva. A exportação é a tábua de salvação paraenfrentar a quebra de poder de compra em Portugal

"É preciso manter a cabeça fora da água",resume Dinis dos Santos, herdeiro e suces-sor natural do império Valouro quandoAntónio José e José António dos Santos se

retirarem. Dinis está no grupo há mais de

30 anos. Antes de chegar à gestão, passou

por todas as áreas. "£ preciso saber fazer

para saber mandar", justifica. A produção

avícola foi a área com que sentiu maiorafinidade, e é no negócio das aves, sobre-tudo na transformação, que tem feito a

sua carreira - a seu cargo tem a Kilom e aDistribui (transformação de aves) , a Solara

(congelados) ,a Crizaves e a Savibel (cen-

tros de abate).O seu primeiro e grande desafio no

grupo foi transformar a Kilom, da empresatecnicamente falida que adquiriram em

1990, numa referência de mercado, que

fatura hoje 100 milhões de euros. A recei-ta foi o desenvolvimento de novos produ-tos, mais adaptados às necessidades dos

consumidores. "Foi dar novas utilidadesao mesmo produto, que é o frango", resu-me. Da unidade de São Julião do Tojal, queemprega 300 pessoas, saem hoje embala-

gens de frango cortado, mas também char-cutaria de aves, refeições pré-cozinhadase produtos prontos a comer.

80 milhões de euros aplicados no AlentejoEm Portugal, a família Santos domina omercado da multiplicação de aves e as

suas empresas são as que mais faturam no

negócio das rações. Com sete centros de

multiplicação e dez matadouros, espalha-dos de norte a sul do país, têm capacidadeprodutiva para criar 160 milhões de pintos

por ano e abater 100 milhões de frangos- mais do que duplicaram a produção em20 anos, à custa de fortes investimentos.

Em 2008, inauguraram um matadouro

de aves na Herdade Daroeira, no Alentejo- com a mais moderna tecnologia utiliza-da na Península Ibérica - onde investiram

70 milhões de euros, criando 160 postos de

trabalho na região. Esta herdade de 1250

hectares em Alvalade do Sado, tem olival,

milheiral e pode colocar 15 milhões de

frangos por ano no mercado. Ao todo, já

gastaram aqui 80 milhões de euros, mas

estão dispostos a investir ainda mais, no

cultivo de milho. Esta pode vir a ser umaforte aposta nos próximos anos. "Portu-

gal produz o melhor milho da Europa" ,

diz José António dos Santos, que ainda

há poucas semanas teve oportunidade de

defender junto do ministro da Economia o

papel crucial que essa cultura pode ter na

redução das importações do cereal.

Os irmão Santos sabem do que falam,

pois já andam no mundo dos negócios há

57 anos, desde que trocaram Torres Vedras

por Lisboa, para ajudar o tio Manuel dos

Santos na Casa Lurguie. Nesses tempos, a

entrega das aves fazia-se de carroça, mas

hoje podem usar um avião para transpor-tar 500 mil pintos de uma só vez para o

Egito. Pelo meio, construíram um impé-rio que começa na produção de rações e

termina na venda do frango, inteiro ou

transformado - o grupo tem hoje um por-tefólio de 220 produtos. Dos arredores de

Lisboa, desbravaram mundo e chegam

hoje à Europa, África e Médio Oriente. O

seu império cresceu e ganhou mundo, mas

os irmãos Santos continuam fiéis às suas

origens e à sua cultura.Na véspera desta entrevista, tinham

recebido 25 clientes espanhóis na Herda-de Daroeira, numa visita de cortesia. "Há

14 anos não compravam nada a Portugal,mas depois de verem as nossas empresassão clientes até hoje", conta-nos António

José dos Santos, confidenciando que ainda

se recordam do almoço de lavagante com

que foram recebidos na primeira visita,

em 1997. Provavelmente os pacotes com

pastéis de feijão que receberam desta vez,

também ficarão na memória. "Além de

mantermos o negócio, mantemos amigos",

é a sua filosofia, à antiga, talvez, mas quefunciona. José António dos Santos não se

coíbe de fazer 1500 quilómetros em dois

dias para visitar novos clientes. "Os espa-nhóis gostam de ver a cara do dono da

empresa", justifica, "se mandarmos lá

alguém o negócio não se faz".

Aviário de chão aquecidoSe a filosofia de negócio é uma herança do

século passado, as suas fábricas, matadou-

ros e centros de incubação estão equipados

com as modernas tecnologias do século

xxi. Na Herdade Daroeira, o chão dos pavi-lhões onde criam os frangos é aquecido, e

é aqui que se encontra a maior barragem

privada em Portugal. Já em 1991, quandoforam entrevistados pela EXAME, a sua

empresa Persuínos, que era a principalprodutora de aves do grupo, estava equipa-da com tecnologia de ponta e o seu centro

de abate de aves era considerado um dos

melhores da Europa. Nos laboratórios das

suas fábricas de rações desenvolvem novos

produtos, que são depois testados com as

aves do grupo. A inovação sempre esteve

presente e é responsável pelos mais de 220

produtos que colocam nos seus diferentes

mercados.Mas os novos tempos não estão para

grandes aventuras. Como se não bastasse

a crise que afeta a Europa, a instabilidade

política no Médio Oriente não veio ajudarnada aos negócios do grupo Valouro. Foi

para esse lado do mundo que dirigiram

grande parte das suas exportações nos

últimos anos e agora estão a sofrer >

? o impasse provocado pelas crises no

Egito, na Líbia e no Iraque. Esses mercados,tal como o Irão e a Jordânia, são hoje cru-ciais para escoar a sua produção de frangos,

pintos do dia e ovos de incubação. As rações

são praticamente absorvidas pelo merca-do interno. Para Espanha vai pouco mais

de 6% da produção, e Angola e Cabo Verde

também compram rações Valouro. Não é

competitivo exportar para longe, explicam,

porque o custo do transporte absorve gran-de parte da margem de lucro.

Primavera árabe afeta as vendas

O segmento da multiplicação é o que está

mais dependente das exportações, quetêm escoado mais de 30% da produção. A

crise e instabilidade nos seus principaismercados abalaram as vendas, mas a famí-lia Santos acredita que alguns retomem as

compras rapidamente. "Hoje de manhã,tivemos dois pedidos para o Iraque", anun-cia José António ao irmão, adiantando quecrê que a situação na Líbia estabilize noinício do ano. Não está tão otimista em

relação ao Egito, mas não é um mercadotão importante. Apenas o mercado africa-no continua estável.

Mas não ficam simplesmente a obser-

var como se desenrolam os acontecimen-tos. "Temos de encontrar, rapidamente,canais alternativos", explicam. É claro quenão é fácil conseguir isso da noite para o

dia, mas os seus produtos não podem ficar

muito tempo em casa - dois a três dias,no máximo. A solução é desviá-los paraoutros mercados, nem que seja a menor

preço. "Uma vezes ganha-se mais, noutras

menos",

assumem. Com o negócio verti-calizado - da produção da ração à venda

das aves -, nestas alturas todo o negócio é

abalado. "Produzir não custa nada, custa é

vender", brinca António José dos Santos.

O humor é uma característica que nema crise os faz perder. Os irmãos Santos têmuma enorme cumplicidade entre si, domi-nam os assuntos da atualidade e estão a

par de tudo o que se passa no seus mer-cados. Dizem que já não estão a 100% nos

negócios - "já só olhamos para os núme-ros" -, mas continuam muito bem infor-mados e atentos às oportunidades.

O dilema dos produtoresO sobrinho ri-se e garante que sâo os tios

quem continua a definir as linhas estraté-

gicas do grupo, apesar de ser a equipa de

gestão profissional que criaram ao longodos últimos anos que as executa. "Estou

com um pé em cada um dos lados, na

definição da estratégia e na sua execuçãono dia a dia", assume Dinis dos Santos. Asucessão começou a ser preparada desde

que entrou no grupo, no início dos anos

80, logo que terminou a curso de Gestão

de Empresas. O entendimento e a confian-

ça entre os três é total. Apesar de defen-der que a presença dos tios continua a ser

uma grande mais-valia para o grupo, Dinis

aprendeu com eles "a experiência de ges-tão" e conhece bem o negócio, sobretudo o

funcionamento da grande distribuição.Preocupa-o a dependência que os

grandes produtores têm hoje do Conti-nente ou Pingo Doce. Não está satisfeito

com a escalada das marcas brancas e como que isso implica para as empresas e mar-cas que integram o portefólio do grupo.As marcas brancas já representam 28%das vendas brutas no Continente e 40%no Pingo Doce - uma dificuldade para os

produtores, que vêem reduzida a margemde lucro quando vendem os seus produtoscom marca branca. Mas há outras impli-cações, talvez ainda mais preocupantes a

médio e a longo prazos. "Se a situação se

mantiver, as empresas produtoras deixamde investir no desenvolvimento de pro-dutos", alerta Dinis dos Santos, e podem

comprometer seriamente o seu futuro com

essa medida. É um dilema: se desenvolvem

novos produtos, o investimento feito nãoé compensado se têm de os colocar à ven-da com marca branca, mas se deixam de

investir também sabem que estão a arrui-nar as empresas. Como muitos produtores,a família Santos anseia rapidamente poruma norma europeia que venha colocar

alguma ordem neste processo.

Exportar para crescerA dependência das grandes superfícies não

lhes dá tranquilidade quando pensam no

futuro, mas as implicações da quebra do

poder de compra dos portugueses são mais

imediatas. As vendas dos produtos mais

inovadores, como os fiambres de aves e os

panados, já estão a cair no mercado nacio-

nal, afetando a faturação do grupo, masnão necessariamente os resultados. O valoracrescentado nesses produtos resume-se à

mão de obra e também à embalagem - queàs vezes é quase tão cara quanto o pro-duto. "Se há procura para estes produtos,temos mais pessoas a trabalhar neles, se a

procura desce, temos menos", explica José

António Santos em jeito de aviso.

Só o produto natural, o frango, registouum ligeiro aumento nas vendas este ano.

Mas não será a exceção a uma quebra na

procura em 2012, segundo as previsões dos

irmãos Santos: "Sabe o que é mais bara-to do que 1 quilo de frango?", perguntaAntónio José. E responde: "Meio quilo de

frango." O consumo per capita de carne de

aves em Portugal em 2010, foi de 32 quilos- sendo o frango responsável por cerca de

27% -, mas os irmãos Santos prevêem quepossa descer até aos 25 quilos.

O grupo já está a preparar se para os

tempos ainda mais difíceis que podem viraí. Tem soluções traçadas para vários cená-

rios e quando perguntamos se a quebrano consumo poderá implicar despedimen-tos ou cortes salariais, a resposta é rápida: "Não descartamos essa possibilidade",assumem com alguma preocupação. No

entanto, estão a tentar evitar essa solução

a todo o custo, aumentando o esforço na

exportação que tem sido feito nos últimos

anos. para contornar a quebra de cerca de

20% no consumo de frango, que estão a

prever para o mercado nacional. Empre

gam mais de 2 mil pessoas e sempre tive-

ram fama de cuidar bem dos seus empre-gados. Sentem o peso da responsabilidadede quem chega a empregar três gerações

na mesma empresa - apesar de o desa-

conselharem. A sua influência estende-se

a todos os distritos do país e não apenascom emprego direto. Têm muitas pessoas

a trabalhar por integração - donos de aviá-

rios, a que a Valouro dá o pinto, a ração e a

assistência, e no final retira a ave quando

chega à idade adulta.

Cerca de 30% dos produtos do grupoatravessam as fronteiras. Os principaismercados são a Europa, África e Médio

Oriente, mas a família Santos está sempreatenta a novas oportunidades.

FrangoEuropa, África (Marrocos, Angolae Cabo Verde), Médio Oriente.

Peru

Europa e África

Codorniz

Europa (sobretudo Luxemburgo)

Ovos

Europa, África e Médio Oriente

Pintos do dia

Europa, África e Médio Oriente

Investir para colher no futuro

Nos últimos 15 anos, o grupo Valouro apli-cou mais de 300 milhões de euros em Por

tugal - a integração do grupo Santa Cita e

da Quinta da Freiria no grupo e o investi-

mento na Herdade Daroeira absorveram

grande parte deste valor. Os irmãos Santos

têm vontade de continuar a investir. Uma

das áreas mais interessantes é a produçâcde milho. O grupo assume que pode

produzir todo o milho que o país

precisa. "Pode demorar quatro ou

cinco anos, mas podemos fazê-lo e

acabamos com a importação", diz

António José dos Santos. Já pro

duzem para consumo próprio, mas não

conseguem garantir fornecimento para o

ano inteiro - apenas para cerca de quatromeses. A Herdade Daroeira tem terra paramuito mais do que os 500 hectares quetêm neste momento cultivados com milho,mas para aumentarem a produção preci-sam de autorização para 'deslocar' 122

azinheiras, uma vez que a sua localização

impede a movimentação dos pivôs de rega.Além disso, a família reconhece que este é

um investimento que carece de subsídios,devido aos elevados custos que comporta.É uma decisão que depende também da

vontade política.Os investimentos não se esgotam em

Portugal. Para a Bulgária têm um investi-

mento previsto de 300 milhões de euros

em energia eólica, mas aguardam há

três anos que as autoridades revelem as

condições de entrada, para decidirem se

avançam. O grande projeto, porém, podeacontecer em Angola, assim encontrem

parceiros com capacidade para os acom-

panhar. "Trata-se de um projeto nunca

inferior a 1000 milhões de euros", reve-

lam. É um empreendimento ambicioso,

que começará na agricultura e depois se

estenderá à pecuária, ao longo de cerca de

seis anos. Se encontrarem parceiro e 3 milhectares de terreno, contam criar mais de

30 milhões de aves por ano em Angola. A

Polónia e o Azerbaijão são mercados onde

também podem vir a entrar.

Há que procurar alternativas para manfer o império Va louro, que conta com 38

empresas. José António e AntónioJosé dos Santos dedicaram umavida a fazer crescer o negócio das

aves e das rações, que começou em

1875, por isso, não é "'mais umacrise" que vai defraudar a intenção

de o entregarem intacto e plenode projetos ao sobrinho Dinis

Santos e aos descendentes des-

te. "Somos um grupo familiare os meus dois filhos foramcriados a pensá-lo como tal",diz o herdeiro, que acredita

que, terminadas as licencia-

turas, poderá contar com os

eles para o ajudar na enorme

responsabilidade de dar con-

tinuidade ao grupo que os tios

criaram. ©

DínJs íiys Santos é oherdeiro e sucessor do

império Valouro- O seu

primeiro desafio no

grupo foi transformara Kitom, tecnicamentefalida, numa empresa,que factura hoje 100milhões de euros